LÍVIAM CRISTINA LOPES SILVA MIRANDA REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA NA NEUROSE OBSESSIVA Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação – Stricto sensu – Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade. Área de concentração – Psicanálise e Sociedade. Orientadora: Profª Drª Vera Pollo RIO DE JANEIRO 2013 DIRETORIA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU E DE PESQUISA Rua Ibituruna, 108 – Maracanã 20271-020 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2574-8871 - (21) 2574-8922 FOLHA DE APROVAÇÃO LÍVIAM CRISTINA LOPES SILVA MIRANDA REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA NA NEUROSE OBSESSIVA Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação – Stricto sensu – Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade. Área de concentração: Psicanálise e Sociedade Aprovada em 29 de agosto de 2013. Banca Examinadora __________________________________ Profª Drª Vera Pollo Universidade Veiga de Almeida ___________________________________ Profª Drª Maria Helena Martinho Universidade Veiga de Almeida ___________________________________ Prof. Dr. Luciano Elia Universidade do Estado do Rio de Janeiro A todos os sujeitos obsessivos que sofrem com o fenômeno da reação terapêutica negativa. AGRADECIMENTOS À Coordenação do Mestrado de Psicanálise da Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, que, com seus mestres, possibilitou que meu projeto de pesquisa se tornasse uma dissertação de mestrado. À minha amiga de mestrado Sandra Chiabi pelo companheirismo e pelo prazer das conversas psicanalíticas e afetivas. Uma pessoa sempre presente. À professora e Drª. Vera Pollo, por ter me conduzido nesta caminhada, pelo seu profissionalismo e conhecimento. À professora e Drª. Maria Anita Carneiro Ribeiro, por suas preciosas contribuições clínicas e teóricas, a quem devo meus primeiros passos no estudo da psicanálise. À professora e Drª. Maria Helena Martinho, com quem tive o prazer de aprender e conviver ao longo desta caminhada. Ao grupo de orientação, pelas discussões tão frutíferas que tivemos. À banca examinadora, professor e Dr. Luciano Elia, professora e Drª. Maria Helena Martinho e professora e Drª. Vera Pollo. Sinto-me orgulhosa e privilegiada por ser examinada e orientada pelos distintos profissionais desta banca. A minha filha Larissa Lopes Miranda e ao meu marido Marcelo dos Santos Miranda, pelo apoio e paciência. Os que possam pensar que é por razões ligadas a seu sexo que os sujeitos escolhem essa ou aquela faceta da neurose verão, nesta oportunidade, o quanto o que é da ordem da estrutura na neurose, deixa muito pouca margem à determinação pela posição do sexo, no sentido biológico. (LACAN, 1957-58) Certas pessoas não conseguem suportar qualquer elogio ou apreciação de progresso no tratamento. Toda solução parcial, que deveria resultar, e noutras pessoas realmente resulta, numa melhoria ou suspensão temporária de sintomas, produz nelas um momentâneo exacerbar de seu sofrimento, ficam piores ao invés de melhorar. (FREUD, 1923) RESUMO A presente dissertação tem como tema a Reação terapêutica negativa na neurose obsessiva. Privilegiamos as descobertas freudianas sobre a reação terapêutica negativa em vários momentos de sua obra. Parte da teoria freudiana sobre o tema encontra-se no artigo O Eu e o Isso (1923) e em O Problema Econômico do Masoquismo (1924). Todavia, a primeira vez que Freud se referiu ao conceito de reação terapêutica negativa foi em seu artigo História de uma neurose infantil (1924), conhecida como o homem dos lobos. A partir de então, observamos em Freud uma construção teórica sobre tal fenômeno sempre recorrente ao longo de sua obra. Sabemos que o fenômeno da reação terapêutica negativa vinha sendo problematizado há uma década por Freud em Recordar, Repetir e Elaborar (1914). Entretanto, foi em Além do Princípio do Prazer (1920) que a reação terapêutica negativa ganha um aprofundamento – o conceito de pulsão de morte. Para Freud, a reação terapêutica negativa é uma resistência, um “fator moral” que corresponde a um fenômeno inconsciente de culpa. Em seguida, abordamos alguns conceitos psicanalíticos de Sigmund Freud com relação à neurose obsessiva, bem como sua determinação histórica de 1896, seu diagnóstico diferencial, o supereu e o desejo impossível. Recorremos ao caso freudiano de neurose obsessiva O Homem dos Ratos (1909), no qual abordamos a estrutura significante e a hipótese lacaniana de reação terapêutica negativa em tal caso. Palavras-chave: reação terapêutica negativa; neurose obsessiva; supereu; desejo impossível; pulsão de morte. ABSTRACT This dissertation has as its subject the Negative therapeutic reaction in obsessive neurosis. We privileged the Freudian discoveries on negative therapeutic reaction in several moments of his work. Some part of Freudian theory on this subject is found in the article The I and the It (1923) and in The Economic Problem of Masochism (1924). Nevertheless, the first time that Freud referred to the concept of negative therapeutic reaction was in his article History of a childhood neurosis (1924), known as the wolves man. Since then, we observe in Freud a theoretical construction on such phenomenon always recurring throughout his work. We know that the negative therapeutic reaction phenomenon was being questioned for a decade by Freud in Remember, Repeat e Elaborate (1914). However, it was in Beyond the Principle of Pleasure (1920) that negative therapeutic reaction gains a deeper look – the concept of death instinct. For Freud, the negative therapeutic reaction is a resistance, a "moral factor" that corresponds to a phenomenon of unconscious guilt. Then, we discuss some of Sigmund Freud's psychoanalytic concepts concerning obsessive neurosis, as well as its historical determination of 1896, its differential diagnosis, the superego and the impossible desire. We used the Freudian case of obsessive neurosis The Rats Man (1909), in which we discuss the significant structure and the Lacanian hypothesis of negative therapeutic reaction in such case. Finally, we present a fragment of our clinic, in order to illustrate some concepts previously discussed. Key-words: negative therapeutic reaction; obsessive neurosis; superego; impossible desire; death instinct. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 10 2. A REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA EM FREUD 12 2.1. O SUPEREU 32 3. DETERMINAÇÃO HISTÓRICA DA NEUROSE OBSESSIVA 58 3.1. SIGMUND FREUD [1896]. HISTÓRICO DE UMA NOVA NEUROSE 58 3.2. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: A NEUROSE OBSESSIVA E A PARANOIA 60 3.3. O DESEJO IMPOSSÍVEL NA NEUROSE OBSESSIVA 65 3.4. PHILON E SEU DESEJO OBSESSIVO 75 4. SIGMUND FREUD [1909]. A ESTRUTURA SIGNIFICANTE NO HOMEM DOS RATOS 80 4.1. HOMEM DOS RATOS: REAÇÃO TERAPÊUTIA NEGATIVA? 87 5. CONCLUSÃO 90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 96 APÊNDICE – PRODUTO DA DISSERTAÇÃO 99 10 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho é uma pesquisa sobre a reação terapêutica negativa e tem por finalidade apresentar um estudo sobre este fenômeno na neurose obsessiva. Além de ser uma pesquisa acadêmica complexa e instigante, o desejo por tal tema surgiu nos atendimentos de pacientes do tipo clínico obsessivo, no Serviço de Psicologia Aplicada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (SPA – PUC/RJ), no ano de 2007. Foi neste ano e local que comecei meus primeiros passos na teoria psicanalítica e me apaixonei por tal teoria. No final do curso de especialização em Psicologia Clínica, apresentei monografia com o seguinte tema: “A neurose obsessiva e suas estratégias.” Foi necessário, porém, caminhar um pouco mais com a orientação da professora dra. Vera Pollo, com o objetivo de me concentrar no estudo da reação terapêutica negativa na neurose obsessiva. A presente dissertação está dividida em quatro capítulos, centrados sobretudo nas descobertas de Sigmund Freud e na contribuição de Jacques Lacan, com o recurso eventual a autores contemporâneos que também se debruçaram sobre este tema. Constatamos inicialmente que Freud nos revelou, em sua teoria das neuroses, uma característica fundamental da neurose obsessiva: nela, o sujeito apresenta um intenso sentimento inconsciente de culpa derivado da pulsão de morte. Por esse motivo, no segundo capítulo, demos especial ênfase a um conceito da segunda tópica freudiana, qual seja, o conceito de supereu, instância da qual procede o sentimento inconsciente de culpa. No terceiro capítulo, abordamos a determinação história da neurose obsessiva, e o momento em que Freud retira esta neurose do âmbito das psicoses, onde ela fora anteriormente localizada, para situa-la entre os tipos clínicos da estrutura neurótica. Até 1896, o que hoje chamamos de neurose obsessiva era considerado pela psiquiatria clássica um dos tipos clínicos da psicose, uma patologia que fazia parte das “loucuras maníacas”, porém sem o delírio. No subcapítulo 3.2, trabalhamos o diagnóstico diferencial entre a neurose obsessiva e a paranoia, por se tratar de um diagnóstico diferencial que pode apresentar dificuldades para ser estabelecido. Ou seja, as duas patologias podem ter manifestações passíveis de serem confundidas. 11 No terceiro capítulo, consideramos fundamental abordar a questão do desejo na neurose obsessiva. Para tanto, foi preciso pesquisar, ainda que de forma breve, o conceito de desejo em Freud e Lacan. Com Lacan, acreditamos ter esclarecido uma das estratégias da neurose obsessiva: a de manter o seu desejo na impossibilidade. Em seguida, à guisa de ilustração clínica, apresentamos um fragmento de um caso clínico do psicanalista Serge Leclaire intitulado “Philon e seu desejo”. No quarto capítulo, chegamos à clínica freudiana propriamente dita, estudando o caso clínico princeps da psicanálise sobre a neurose obsessiva – O Homem dos Ratos. Neste capítulo, ressaltamos a estrutura significante, a função da letra e da homofonia na decifração do sintoma. Ao final, levantamos a hipótese de uma “possível” reação terapêutica negativa no caso do Homem dos Ratos. 12 2. A REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA EM FREUD Freud verificou haver pessoas que não suportam um elogio e, consequentemente, os sintomas podem ficar exacerbados durante um tempo. Estes sujeitos comportam-se como se a cura fosse um perigo e isto ocorre devido ao apego (gozo), ao sintoma. A reação terapêutica negativa merece uma investigação profunda. Como pode um sujeito não suportar o êxito? O que leva um sujeito a arruinar o seu próprio sucesso, seu próprio bem-estar? Freud faz referência a um “fator moral”, um sentimento de culpa, que está encontrando sua satisfação no sintoma, ou seja, na repetição deste gozo onde o sujeito se recusa a abandonar a punição do sofrimento. E o que temos é o fenômeno da compulsão a repetição. O analisante acredita que a análise não é o melhor caminho para se tratar destes sintomas, e pode abandoná-la. É muito difícil que ele se dê conta deste fato. Ele sente que está doente, muito doente e com isso não sente a culpa. Freud, em seu artigo: análise terminável e interminável (1937), nos mostrou como perdera a ilusão de que todo analisante colaboraria facilmente com o analista para sair da Neurose. Ele evidenciou magistralmente como a culpa e a necessidade de punição inconsciente também movem as pessoas, dificultando, assim, o bom êxito da análise. Logo, viu a expressão da pulsão destrutiva de morte, que se opõe ao prazer. A psicanálise nos mostra as mazelas no processo analítico como sendo as que conduzem ao impasse. Aqui se inclui a reação terapêutica negativa. Tal fenômeno é um empecilho ao processo analítico. Os comentários de Freud sobre o assunto estão quase todos em seu artigo O Eu e o Isso de 1923 nas últimas 18 páginas que trata do problema do sentimento de culpa inconsciente. Freud o trata como uma resistência à análise devido a rivalidade competitiva, narcisista do analisante. Todavia, em seu artigo do ano de 1924, intitulado O Problema Econômico do Masoquismo onde especifica que a reação terapêutica negativa é ocasionada tanto ao sadismo do supereu como ao masoquismo do eu. Todavia, um masoquismo moral. 13 De acordo com Freud, a reação terapêutica negativa é um obstáculo à cura e ocorre principalmente na fase final do tratamento. Quando o analista menciona o progresso do tratamento, algumas pessoas ficam descontentes e mostram uma piora ao processo analítico. É como se o supereu cobrasse um preço muito alto pelo sujeito estar obtendo êxito. Freud verificou tratar-se de pessoas que não gostam de elogios e, inconscientemente não suportam o sucesso. Quando tudo começa a ir bem na vida destes sujeitos, os mesmos não suportam e se arruínam Estas resistências provém do eu, como mecanismos de defesa, e do narcisismo do sujeito e são trabalhosas de serem suplantadas no processo analítico, a não ser que o analista esteja confiante da transferência, ou seja, de que ocupa o lugar de objeto causa de desejo para o analisante. Tudo indica que a primeira vez que Freud se referiu ao conceito de reação terapêutica negativa foi em seu artigo de (1918 [1914]) História de uma neurose infantil conhecida como o homem dos lobos. No mesmo texto, Freud nos mostra o agravamento dos sintomas frente à resistência que o analisante apresentava diante de algumas decifrações. “Se uma análise é dominada por poderosos fatores que impõem uma reação terapêutica negativa, tais como sentimento de culpa, necessidade masoquista de sofrer ou repugnância por receber auxílio do analista, o comportamento do paciente, depois que lhe foi oferecida uma construção, frequentemente torna bastante fácil para nós que cheguemos à decisão que estamos procurando. Se a construção é errada, não há mudança no paciente, mas, se é correta ou fornece uma aproximação da verdade, ele reage a ela com um inequívoco agravamento de seus sintomas e de seu estado geral” (FREUD, 1937, p.299-300). No caso Homem dos Lobos, Freud já sinaliza a existência de reações negativas produzidas pelo seu paciente no processo analítico. Estas manifestações negativas ocorriam a cada intervenção do analista que, consequentemente, promovia a decifração. Freud nos evidencia uma repetição na maneira deste sujeito agir frente à elaboração do seu sintoma. O sujeito mostra um agravamento daquilo que havia sido elucidado, ou seja, decifrado. É interessante percebermos neste caso – o Homem dos Lobos – que mesmo ocorrendo a decifração do sentido do sintoma, o paciente se apega naquilo que é perdido do sintoma. 14 Pelo menos há uma década, este fenômeno vinha sendo problematizado por Freud, em seu artigo Recordar, Repetir e Elaborar de 1914. A reação terapêutica negativa é um fenômeno clínico apresentado por Freud para ilustrar a ação de um sentimento inconsciente de culpa. Freud associa a este tipo de fenômeno a um sentimento de culpa, um masoquismo moral. No masoquismo moral o sujeito se pune com relações morais – posição masoquista, conforme ilustrado em o Problema Econômico do Masoquismo (1924). Em 1920, a reação terapêutica negativa ganha um aprofundamento em seus estudos quando, no artigo Além do Princípio do Prazer, Freud consegue trabalhar e finalizar o que corresponde a uma força psíquica que tende a anular o sujeito do desejo – a pulsão de morte (tânatos). A pulsão de morte é um conceito fundamental no estudo da reação terapêutica negativa. Ao apresentar sua segunda concepção do aparelho psíquico, ou seja, a segunda tópica, em 1920, Freud descreve definitivamente um conceito que era pertinente desde os primórdios de sua obra. Tal conceito é a pulsão de morte. Ao longo de sua obra, Freud havia observado a tendência do sujeito à autodestruição, a uma energia que é inerente ao sujeito do inconsciente. A essa tendência, Freud recorreu a alguns nomes como, por exemplo, o princípio de nirvana. Mas foi em 1920, em Mais além do princípio de prazer, que Freud chega à formulação definitiva da pulsão de morte, tão presente na reação terapêutica negativa. Na Conferência XXXII, Freud nos ensina: “A doutrina das pulsões é por assim dizer nossa mitologia. As pulsões são seres míticos, magníficos em sua indeterminação. Em nosso trabalho não podemos prescindir nem um instante delas, de vez que nunca estamos seguros de os estarmos vendo claramente” (FREUD, 1993 [1932], p.98). Estas palavras são extraídas da Conferência XXXII - Angústia e vida pulsional escrita por Freud que nos mostra a complexidade deste tema que iremos desenvolver ao longo deste capítulo. O grande Outro (a mãe) enquanto função invade o bebê respondendo a sua demanda com o alimento e para além deste, o invade com seu carinho, cheiro... Desta primeira experiência de satisfação, o sujeito guarda uma marca significante. 15 Quando este sujeito sente fome novamente, ele se remeterá ao objeto perdido para sempre perdido. A experiência primeira é única. A pulsão é um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Entretanto, é um conceito de difícil acepção porque implica um elemento quantitativo cuja intensidade não se mensura. Na montagem das pulsões, Lacan nos diz em O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964) que “a montagem da pulsão é uma montagem que, de saída, se apresenta como não tendo nem pé nem cabeça – no sentido em que se fala de montagem numa colagem surrealista” (LACAN, 1964, p.161). Lacan faz uma analogia da montagem das pulsões: “a imagem que nos vem mostraria a marcha de um dínamo acoplado na tomada de gás, de onde sai uma pena de pavão que vem fazer cócegas no ventre de uma bela mulher que lá está incluída para a beleza da coisa” (LACAN, 1964, p.161). O exemplo lacaniano da montagem de uma pulsão não é uma perspectiva que faça referência a uma finalidade. Pelo contrário, neste exemplo percebemos o quanto a pulsão é algo mítico e obscuro. A pulsão é um tema complexo, embora seja considerada a base da teoria psicanalítica. Consiste em um dos temas mais ricos e desafiadores para tal teoria. “A primeira edição dos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, publicada em 1905, constrói-se basicamente em torno das pulsões parciais e as zonas erógenas, o auto-erotismo, as perversões e as diversas manifestações da sexualidade infantil, incluindo-se nelas o período de latência sexual. Sabemos que, para Freud, a pulsão sexual não é uma unidade, não é uma: o sexual não é uma totalidade, mas o resultado da combinação de partes, de forças pulsionais parciais” (ELIA, 2010, p.98). No artigo freudiano intitulado As pulsões e seus destinos (1915), Freud nos ensina que a pulsão é composta de 4 elementos: pressão (drang); objeto (objekt); finalidade (ziel) e fonte somática (Quelle). Com isso, a força da pulsão é constante no sujeito. Em 1932, em seu artigo Angústia e vida pulsional, Freud vai dizer que: “uma pulsão, por conseguinte, distingue-se de um estímulo pelo fato de surgir de fontes de estimulação situadas dentro do corpo, de atuar como força constante, e de a pessoa não poder evitá-la pela fuga 16 como é possível fazer com um estímulo externo” (FREUD, 1932, p.99). Quanto ao objeto [Objekt], Freud vai nos dizer que “o objeto de uma pulsão é a coisa em relação à qual ou através da qual a pulsão é capaz de atingir sua finalidade (…) E o objeto é o que há de mais variável em uma pulsão...” (FREUD, 1915, p.143). Não se pode recalcar uma pulsão porque sua força e sua pressão, ou seja, a insistência é característica da sua própria essência. É algo que contorna o vazio – o objeto a: em seu começo e seu recomeço..., sempre em busca de satisfação. Assim, seu alvo é sempre satisfeito, mas a satisfação total nunca é alcançada. “Uma pulsão por outro lado, jamais atua como uma força que imprime um impacto momentâneo, mas sempre como um impacto constante. Além disso, visto que ela incide não a partir de fora, mas de dentro do organismo, e não há como fugir dela” (FREUD, 1914, p.22). Ainda Freud, em Conferência XXXII – Angústia e vida pulsional: “Em uma pulsão podemos distinguir sua origem, seu objeto e sua finalidade. Sua origem é um estado de excitação do corpo, sua finalidade é a remoção desta excitação; no caminho que vai desde sua origem até sua finalidade, a pulsão torna-se atuante psiquicamente” (FREUD, 1932, p.99). Em seu texto prínceps sobre as pulsões (1996 [1915]), Freud nos diz que a pulsão sexual pode passar pelas seguintes vicissitudes: a reversão a seu oposto (transformação em seu contrário), o retorno em direção ao próprio eu do sujeito, a repressão ou o recalque e a sublimação. “Na sua releitura de Freud, Lacan (1979 [1964], p.161) vai nos perguntar como entender esses pares de oposição, aparentemente absurdos” (LACAN, 1997 apud Ribeiro, p.161). Ao nos dar o exemplo dos pares opostos, Freud quer mostrar algo de fundamental com relação às pulsões. “O fato de que, nesse período ulterior de desenvolvimento de um impulso instintual, seu oposto (passivo) possa ser observado ao lado dele merece ser assinalado pelo termo bem adequado introduzido por Bleuler – „ambivalência‟. (...) A mudança do conteúdo de uma pulsão em seu oposto só é observada num exemplo isolado – a transformação do amor em ódio. Visto ser particularmente comum encontrar ambos dirigidos simultaneamente para o mesmo objeto, 17 sua coexistência oferece o exemplo mais importante de ambivalência de sentimento” (FREUD, 1915, p.152-154). Assim, estes dois primeiros destinos da pulsão correspondem ao circuito pulsional. O terceiro destino da pulsão é o recalque. É o mecanismo próprio da neurose – Verdrängung. A representação desagradável é recalcada e enviada para o inconsciente. Para Freud, o recalque consiste em um mecanismo que visa manter no inconsciente todas as representações ligadas às pulsões cuja finalidade é sempre a satisfação. O que o sujeito do inconsciente recalca é a ideia que lhe causa desprazer (representante) - “...a essência do recalque consiste simplesmente em afastar determinada cena do consciente, mantendo-a à distância” (FREUD, 1915, p.170). A pulsão é direcionada e irá se satisfazer de qualquer maneira. Ela é dotada de força constante. É a nossa condição de vida (Eros), aquilo que nos move, que nos impulsiona e é também agressividade – aquilo que nos agride, cuja finalidade é a destruição (Tânatos). No prefácio de “O corpo e sexualidade em Freud e Lacan”, LINS (2010), declara o seguinte: “As pulsões de morte, como Luciano nos chama a atenção, definem o para-além da sexualidade e do princípio do prazer. Ora, se há um para-além é porque o sexual é não-todo, liberando Freud do peso de uma redução pulsional à esfera sexual. A nova concepção sobre o narcisismo – instalado agora nesse terreno movediço entre morte e vida – é ao mesmo tempo o que vem permitir que o sexual nos atravesse, nos acaricie, sem necessariamente sucumbirmos, tal Narciso” (ELIA apud LINS, 2010, p.16). Freud escreve em seu artigo intitulado A história do movimento psicanalítico (1914): “A teoria do recalque é a pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise” (FREUD, 1914, p.26). Para Freud, o recalque (Verdrängung) consiste em um processo que visa manter no inconsciente as representações ligadas às pulsões. Ele é o que podemos denominar de o núcleo original do inconsciente. Freud nos ensina que “a essência do recalque consiste simplesmente em afastar determinada coisa do inconsciente, mantendo-a à distância” (FREUD, 1914, p.170). Na teoria freudiana, existem maneiras distintas pelas quais o sujeito ( S ) defende-se da castração própria e do Outro. Uma dessas maneiras é o recalque, mecanismo próprio da neurose. 18 O significante Nome-do-Pai, ou seja, o significante que “no Outro como lugar do significante, é o significante do Outro lugar como da lei” (LACAN, 1998, p.590). Embora se trate de um conceito de Lacan, podemos aproximá-lo da passagem em que Freud nos fala que: “temos motivos suficientes para supor que existe um recalque primevo, uma primeira fase do recalque, que consiste em negar entrada no consciente ao representante psíquico (ideacional) da pulsão” (FREUD, 1914, p.171). O primeiro tempo consiste na primeira marca, ou seja, o recalque originário. O segundo tempo é o recalque propriamente dito: “Neste segundo tempo do recalque, o recalque propriamente dito, afeta os derivados mentais do representante recalcado, ou sucessões de pensamento que, originando-se em outra parte, tinham entrado em ligação associativa com ele [...]. Na realidade, portanto, o recalque propriamente dito é uma pressão posterior” (FREUD, 1914, p.171). O terceiro tempo consiste no retorno do recalcado. Assim, nas palavras de Freud o que temos é que: “O recalque, que foi de início bem sucedido, não se firma; no decorrer dos acontecimentos, seu fracasso se torna cada vez mais acentuado. A ambivalência que permitiu que o recalque ocorresse através da formação de reação, constitui também o ponto em que o recalcado consegue retornar” (FREUD, 1914, p.181). O que é recalcado nada mais é que uma representação, ou seja, o que Lacan vai chamar mais tarde de significante. Já o afeto recebe outro destino: derivase em inervação somática na histeria ou é deslocado para outras ideias, representantes substitutas na representação recalcada. O inconsciente é maior que o recalcado. A foraclusão (nome dado por Lacan à Ververfung) é um dos mecanismos de defesa do sujeito frente à angústia. Trata-se de uma forma do sujeito lidar com a falta. O sintoma psicótico seria aquele que, ao não se inserir na ordem fálica, não faz laço social, está fora dos discursos. A neurose decorre do efeito da operação do Nome-do-Pai que, ao barrar o significante do Desejo da Mãe, instaura a falta (castração). 19 A evidência que temos da operação do recalque é o sintoma. “Freud chamou o recalque primário, o recalque que funda o inconsciente; aqui o sintoma não é mais uma formação do inconsciente, mas sim uma função do inconsciente” (RIBEIRO, 1997, p.13). Neste sentido, o sintoma é a evidência de que o recalque primário operou. Na histeria, “o sujeito tenta escapar à questão inquietante do desejo do Outro preenchendo o vazio deste desejo com suas demandas, ou seja, rebaixando o enigma do desejo do outro às demandas queixosas do sujeito ao Outro” (Ribeiro, 1997, p.53). Na histeria, também temos a metáfora – condensação da história de amor edipiano. Em contrapartida, na neurose obsessiva além das histórias de amor edipiano, temos também um sentimento de culpa, em geral mais intenso do que na histeria. As formações do inconsciente emergem repentinamente, sua duração no geral é rápida. Entretanto, o sintoma perdura ao contrário dos chistes e dos atos falhos, porque tem um núcleo de Real que não se presta a decifração por meio de significantes. O sujeito não se cura de seu inconsciente. O quarto e último destino da pulsão nos faz enigma – a sublimação. A sublimação fora mencionada no artigo Sobre o narcismo: uma introdução (1914). Porém, parece possível que constituísse o assunto de um dos artigos metapsicológicos extraviados. Freud nos deixa uma carta roubada: um artigo específico que teria sido escrito em 1914-15 e que se perdeu (ou que foi destruído pelo próprio Freud). A sublimação é definida por Freud como uma mudança no objetivo da pulsão. A pulsão tem um objetivo e na sublimação este objetivo sexual explícito é modificado, e aparece sob outra finalidade e perspectiva. Freud, em seu artigo intitulado Sobre o narcisismo: uma introdução (1914), nos ensina: “...a relação entre essa formação de um ideal e a sublimação. (...) A sublimação é um processo que diz respeito à energia objetal e consiste no fato de que a pulsão se dirige no sentido de uma finalidade diferente e afastada da finalidade da satisfação sexual...” (FREUD, 1914, p.111). É como se o sujeito driblasse o recalque. É algo que diz respeito ao objeto perdido e que o sujeito ( S ) irá procurar na sublimação, uma vez que a sublimação consiste em um mecanismo próprio do sujeito ( S ) - neurótico. 20 Com relação aos dois primeiros destinos da pulsão em Freud, observamos que eles se misturam. A transformação em seu contrário se divide em retorno da pulsão da atividade em passividade e na transformação do conteúdo. Freud nos mostra como exemplo o processo dos dois pares de opostos: sadismo – masoquismo e voyeurismo – exibicionismo. Estes pares são apresentados por Freud como exemplo de retorno da pulsão em direção ao próprio eu. “O retorno afeta os destinos da pulsão. (...) O destino ativo (torturar, olhar) é substituído pelo destino passivo do próprio eu (ser torturado, ser olhado). O retorno da pulsão encontra-se no exemplo isolado da transformação do amor em ódio” (FREUD, 1915, p.148). Masoquismo e sadismo não são pulsões sexuais apenas. O “masoquismo erógeno” indica, justamente, a imbricação da libido com a pulsão de morte. Outro destino da pulsão é a transformação em seu oposto. “A mudança do destino de uma pulsão em seu oposto só é observada num exemplo isolado – a transformação do amor em ódio. Visto ser particularmente comum encontrar ambos dirigidos simultaneamente para o mesmo objeto, sua coexistência oferece o exemplo mais importante de ambivalência de sentimentos” (Freud, 1915, p.154). Em 1909, Freud nos ensina através de seu caso analítico O Homem dos Ratos – o paradigma psicanalítico sobre a neurose obsessiva – algumas particularidades do neurótico obsessivo, como a onipotência de seus pensamentos, a necessidade de incerteza e a dúvida em suas relações objetais. Primeiramente, ele explica que, devido à onipotência dos seus pensamentos, os neuróticos obsessivos são propícios a superestimar os efeitos de seus sentimentos hostis sobre o mundo externo. Em relação aos outros dois (incerteza e dúvida), Freud (1909) nos mostra que os neuróticos obsessivos esforçam-se por protelar qualquer decisão e são incapazes de chegar a uma decisão, especialmente em matéria de amor, atribuindo, como origem destas dificuldades, o conflito referente ao “eixo especular” entre o amor e o ódio – a ambivalência da estrutura obsessiva. Um exemplo destas oscilações é encontrado com bastante ênfase em Freud no caso clínico Homem dos Ratos: 21 “A dúvida contida em sua obsessão por compreensão era uma dúvida de seu (dela) amor. No peito do amante, enfurecia-se a batalha entre amor e ódio, e o objeto desses dois sentimentos era a única e mesma pessoa. A batalha era representada numa forma plástica por seu ato compulsivo e simbólico de remover a pedra da estrada, pela qual a dama iria passar, desfazendo depois esse ato de amor mediante a restituição da pedra ao lugar onde estivera, de modo que o carro viesse a acidentar-se nela e a dama se ferisse” (FREUD, 1909, p.194). O circuito da Pulsão: Objetk a Drang Quelle BORDA Ziel goal Figura 1 Na borda da Zona Erógena, temos a fonte (Quelle) da pulsão. Onde tudo se inicia. Lacan, em O Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964), nos fala da pulsão parcial e de seu circuito. “Vocês veem aqui, no quadro, desenhado um circuito pela curva dessa flecha que sobe e torna a descer, que atravessa Drang que ela é na origem, a superfície constituída pelo que lhes defini da última vez como a borda, que é considerada na teoria como a fonte, a Quelle, que dizer, a Zona dita erógena na pulsão” (LACAN, 1964, p.169). Como dissemos anteriormente, baseando-nos no texto freudiano, a fonte da pulsão é corporal, somática, consiste em algo interno. Entendemos por Zonas Erógenas todas as aberturas do corpo que tocam o meio. Estas Zonas Erógenas são bordas que deixam entrar algo de fora do mundo e eliminar algo interno para 22 fora. A pele humana consiste em uma grande Zona Erógena. Da fonte parte o impulso, a força constante de uma pulsão (Drang). O objeto é o que há de mais variável. Qualquer que seja este objeto, não é aquele. Não é o primeiro objeto de satisfação para sempre perdido. O Ziel, objetivo de alcançar a satisfação, é dividido por Lacan em goal e aim, ou seja, o objetivo a que se quer chegar e o trajeto que se faz. Freud Lacan Objekt (objeto) objeto Quelle (fonte) borda dos orifícios Drang (pressão constante) pressão constante Ziel (objeto satisfação) alvo (goal) trajeto (aim) Figura 2 1 Segundo Lacan, a pulsão tem dois objetivos: “The aim é o trajeto” (LACAN, 1964, p.170). Não deixa de ser um objetivo. Todavia, há também o objetivo a que se está querendo chegar, o Goal. É, como diz Lacan, ter acertado o alvo, ou seja, o tiro. O circuito de uma pulsão é seu movimento constante. É a sua força (drang) constante emergindo de sua fonte (quelle) na borda da Zona Erógena, em seu começo e recomeço. Ela busca a satisfação, em sua insistência, contornando o vazio – o oco central (vide figura 1). Em 1920, em seu artigo intitulado Além do princípio de prazer, Freud consegue definir uma força psíquica destrutiva, que paralisa o sujeito, levando-o eventualmente à morte. Essa força destrutiva - a pulsão de morte – se encontra fundida com a libido – pulsão de vida, e “essa é a base do conceito de gozo que Lacan irá desenvolver anos depois” (RIBEIRO, 2003, p.40). “Quando Freud conceituou finalmente a pulsão de morte, concluindo que os seres falantes são movidos pelas forças discordantes, embora geralmente combinadas, de Eros e Tânatos, ele pôde não apenas enunciar que a hostilidade, mais do que a libido, está na base dos laços sociais – „basta entrarmos num quarto de crianças‟, comentou ele nessa ocasião – como também que o ódio é a via mais frequentemente encontrada pelas meninas para pôr um termo em sua ligação duradoura com a mãe como objeto de amor” (POLLO, 2012, p.57). ________________ 1 Figura 2 - Esta coluna traz os nomes dos elementos da pulsão em português e inglês porque Lacan neste momento recorre à língua Inglesa: goal e aim. 23 A pulsão de morte não apresenta um significante como representante. Manifesta-se e revela-se na compulsão à repetição, como uma “fusão” de pulsão de morte e pulsão de vida. Não se deixa prender ao significante. O processo analítico se dá nas voltas do dito do analisante. É um processo no qual o sujeito dividido repete, recorda e elabora em sua fala, o que é pura demanda de amor, direcionada ao seu objeto causa de desejo (analista). É nesta repetição que vemos a pulsão de morte, que é silenciosa, se revelar. Segundo Freud: “As pulsões regem não só a vida mental, mas também a vida vegetativa, e essas pulsões essenciais exibem uma característica que merece o nosso mais profundo interesse (...). O fato é que estas pulsões revelam uma propensão a restaurar uma situação anterior. Podemos supor que, desde o momento em que uma situação, tendo sido uma vez alcançada, é desfeita, surge uma pulsão para criá-la novamente e ocasiona fenômenos que podemos descrever como uma „compulsão à repetição‟” (FREUD, 1932, p.108). Reconhecemos duas pulsões básicas e inerentes aos sujeitos e cada uma delas tem a sua finalidade. Eros – pulsão de vida – e Tânatos – pulsão de morte – se mesclam no decorrer da vida dos seres humanos. “(...) a pulsão de morte é posta a serviço dos propósitos de Eros, especialmente sendo voltado para fora na forma de agressividade” (FREUD, 1932, p.109). Assim, a pulsão de morte nunca se apresenta só no sujeito. Felizmente, a libido está sempre “amalgamada” com a pulsão de morte. Este fato nos faz pensar que somos seres humanos, por assim dizer, e agressivos por natureza. A reação terapêutica negativa tem a ver com o fato de que Freud percebeu que muitos pacientes abandonavam seus tratamentos por estarem fixados em seu sofrimento, porque o sintoma passara a ser, na sua vida, algo prazeroso e necessário. A necessidade de sofrimento e de punição é o pior prognóstico para o trabalho analítico. Na maioria das vezes, o analisante não tem consciência deste fenômeno. Geralmente, o masoquismo não pode ser avaliado pelo sujeito. Este aspecto é bastante frequente, pois na reação terapêutica negativa, o sujeito dividido é invadido por um supereu moral, extremamente sádico. Freud nos fala que: 24 “As pessoas, nas quais esse sentimento inconsciente de culpa é excessivamente forte, manifestam-se no tratamento analítico pela reação terapêutica negativa, que é tão desagradável do ponto de vista prognóstico. Quando se lhes proporciona a solução de um sintoma, que pelo menos deveria acompanhar-se do desaparecimento deste, o que essas pessoas apresentam é, ao invés, uma exacerbação do sintoma e da doença. Muitas vezes, basta elogiar tais pacientes por sua conduta no tratamento, ou dizerlhes umas palavras de esperança a respeito do progresso da análise, para causar uma inequívoca piora de sua condição” (FREUD, 1932, p.111). A angústia, o sofrimento e as limitações do sujeito na reação terapêutica negativa são escolhas dele devido a seu sentimento inconsciente de culpa. O desejo deste sujeito é estar doente. “(...) mas essa é uma armadilha da qual os analistas não podem escapar. Como apostamos sempre no desejo contra a pulsão de morte, em geral, insistimos mesmo diante do risco de fracasso (RIBEIRO, 2003, P.42).” Na neurose obsessiva, a pulsão de morte se manifesta de modo excessivo. O sujeito obsessivo desloca suas questões sexuais pela questão da morte, geralmente, das pessoas que mais amam. O que ocorre neste tipo clínico da neurose é um excesso de gozo. É o sujeito que goza em sofrer dos pensamentos, mesmo que estes sejam de morte. Os sujeitos obsessivos tendem a uma ruminação mental. “Nas neuroses obsessivas esses processos são levados mais longe do que é normal. Além da destruição do complexo de Édipo verificase uma degradação regressiva da libido, o supereu torna-se excepcionalmente severo e rude, e o isso, em obediência ao supereu, produz fortes formações reativas sob a forma de consciência, piedade e asseio” (FREUD, 1932, p.138). A pulsão de morte na neurose encontra-se fundida com a libido, ou seja, a pulsão de vida. Todavia, na melancolia onde não se tem o significante Nome-do-Pai, que protege o sujeito da invasão do Outro, corre-se o risco da mais pura cultura de pulsão de morte. Neste tipo clínico da psicose, o que temos como exemplo é uma disfunção das pulsões de vida. Assim, no suicídio melancólico não há uma energia narcísica, mas sim a mais pura cultura de pulsão de morte. Logo, a presença do significante Nome-do-Pai apresenta-se como uma garantia da fusão das pulsões. A primeira pulsão é voltada para o próprio sujeito, que é a pulsão de morte. Uma vez amalgamadas as pulsões, as manifestações da pulsão de morte 25 correspondem ao o sadismo necessário ao prazer sexual, ao impulso agressivo, e masoquismo erógeno. No texto O mal estar na civilização de Freud, a ética que se deduz do mal estar é que existe uma agressividade constitutiva do homem que faz com que ele possa ir contra um outro sujeito da mesma espécie. Há um supereu sádico que coloca o sujeito para gozar (gozo que está mais além do princípio de prazer). Freud consolida o estatuto de pulsão de morte neste texto citando a compulsão à repetição na clínica sob a transferência, a possibilidade de vermos a pulsão de morte se revelando nas lembranças desprazerosas que persistem. A vida em sociedade faz com que se tenha renúncias pulsionais e, quanto mais exigências mais recrudesce o supereu. O sentimento de culpa é um tema importante no desenvolvimento cultural. É no artigo freudiano O Eu e o Isso (1923), ao trabalhar as instâncias psíquicas e as relações do Eu, do Isso e do Supereu, que Freud formaliza o conceito de reação terapêutica negativa. Neste estudo, Freud nos ensina que no decorrer do processo analítico pode ocorrer uma exacerbação da doença, ou seja, uma piora do sintoma. Quando o analisante se depara com uma possível melhora ou a possibilidade do desaparecimento temporário de seu sintoma, o sujeito é acometido por uma piora. Neste texto, Freud nos confirma que: “Há certas pessoas que se comportam de maneira muito peculiar durante o trabalho de análise. Quando se lhes fala esperançosamente ou se expressa satisfação pelo progresso do tratamento, elas mostram sinais de descontentamento e seu estado invariavelmente se torna pior. Começamos por encarar isto como um desafio e uma tentativa de provar a sua superioridade ao analista, mas, posteriormente, assumimos um ponto de vista mais profundo e mais justo. Ficamos convencidos, não apenas de que tais pessoas não podem suportar qualquer elogio ou apreciação, mas que reagem inversamente ao progresso do tratamento. Toda solução parcial, que deveria resultar, e noutras pessoas realmente resulta, numa melhora ou suspensão temporária de sintomas, produz nelas, por algum tempo, uma exacerbação de suas moléstias; ficam piores durante o tratamento, ao invés de ficarem melhores. Exibem o que é conhecido como „reação terapêutica negativa‟” (FREUD, 1923, p.65). Freud nos fala deste mesmo tema em O Problema Econômico do Masoquismo (1924): “...no tratamento analítico, deparamos com pacientes a quem, devido ao seu comportamento perante a influência terapêutica do tratamento, somos obrigados a atribuir um sentimento de culpa 26 „inconsciente‟. Apontei o sinal pelo qual tais pessoas podem ser reconhecidas (uma „reação terapêutica negativa‟) e não ocultei o fato de que a força de tal impulso constitui uma das mais sérias resistências e o maior perigo ao sucesso de nossos objetivos médicos ou educativos” (FREUD, 1924, p.207). Essas manifestações clínicas observadas por Freud nos evidenciam que o sujeito do inconsciente tem certo “apego” ao sintoma e ao sofrimento. Podemos em Freud observar tal situação em O Problema Econômico do Masoquismo (1924), onde relata três formas de masoquismo. “Como condição importa à excitação sexual, como expressão da natureza feminina e como norma de comportamento. Podemos, por conseguinte, distinguir um masoquismo erógeno, um masoquismo feminino e um masoquismo moral (FREUD, 1924, p.201).” E mostra-se “sob certos aspectos a forma mais importante assumida pelo masoquismo, apenas foi identificada pela psicanálise como um sentimento de culpa que, na maior parte, é inconsciente...” (FREUD, 1924, p.202). “A terceira forma de masoquismo, o masoquismo moral, é principalmente notável por haver afrouxado sua vinculação com aquilo que identificamos como sexualidade. Todos os outros sofrimentos masoquistas levam consigo a condição de que emanem da pessoa amada e sejam tolerados à ordem da pessoa. No masoquismo moral essa restrição foi abandonada. O próprio sofrimento é o que importa; ser ele decretado por alguém que é amado ou por alguém que é indiferente não tem importância” (FREUD, 1924, p.207). Não temos dúvida de que a reação terapêutica negativa é fruto do masoquismo moral, de um sadismo do supereu. Freud explicita que tal fenômeno não é exclusivo à Neurose Obsessiva. Ele pode se fazer presente em processos analíticos longos e muito bem conduzidos e ser um fator, por assim dizer, moral, um sentimento inconsciente de culpa que como tal é silencioso e destrutivo ao sujeito dividido. Assim, o sujeito não se sente culpado, e sim adoentado, ou seja, a doença (sintoma) encobrirá o sentimento inconsciente de culpa, tornando-se indispensável à necessidade do sujeito se punir. Freud, em O Problema Econômico do Masoquismo (1924): 27 “O masoquismo moral, assim, se torna uma prova clássica da existência da fusão da pulsão. Seu perigo reside no fato de ele originar-se da pulsão de morte e corresponder à parte dessa pulsão que escapou de ser voltado para fora, como pulsão de destruição. No entanto, de vez que, por outro lado, ele tem a significação de um componente erótico, a própria destruição de si mesmo pelo sujeito não pode se realizar sem uma satisfação libidinal” (FREUD, 1924, p.212). Partimos do masoquismo para pensarmos sobre as particularidades do método psicanalítico em casos clínicos nos quais o masoquismo transborda no processo analítico na forma de uma reação terapêutica negativa, direcionando o processo no sentido contrário da “cura”. A cura é algo pejorativo em uma análise. O sujeito não se cura do inconsciente. Sabemos que um sujeito procura uma análise por estar sofrendo. O sujeito endereça ao analista uma demanda e sabemos que toda demanda é por si, uma demanda de amor. Em O problema econômico do masoquismo (1924), Freud articula esses problemas com a questão do masoquismo, propondo a seguinte questão: se o masoquismo é fundamental para o homem, o que será do princípio do prazer como guardião da vida? Freud sentiu necessidade de enfatizar que o Princípio de prazer é, na verdade, princípio do prazer/desprazer, ou seja, que a pulsão de morte ou de destruição é primária e a vida pode ser definida como um caminho em direção à destruição, ou seja, à morte. Em Freud (1924), retornemos aos três tipos de masoquismo: “O masoquismo apresenta-se à nossa observação sob três formas: como condição imposta à excitação sexual, como expressão da natureza feminina e como norma de comportamento (behaviour). Podemos, por conseguinte, distinguir um masoquismo erógeno, um masoquismo feminino e um masoquismo moral. O primeiro masoquismo, o erógeno – prazer no sofrimento – jaz ao fundo também das outras duas formas. Sua base deve ser buscada ao longo de linhas biológicas e constitucionais e ele permanece incompreensível a menos que se decida efetuar certas suposições sobre assuntos que são extremamente obscuros. A terceira, e sob certos aspectos a forma mais importante assumida pelo masoquismo, apenas recentemente foi identificada pela psicanálise como um sentimento de culpa que, na maior parte, é inconsciente; ela, porém, já pode ser completamente explicada e ajustada ao restante de nosso conhecimento. O masoquismo feminino, por outro lado, é o mais acessível às nossas observações e o menos 28 problemático, e pode ser examinado em todas as suas relações” (FREUD, 1924, p.201-202). “A terceira forma de masoquismo, o masoquismo moral, é principalmente notável por haver afrouxado sua vinculação com aquilo que identificamos como sexualidade. Todos os outros sofrimentos masoquistas levam consigo a condição de que emanem da pessoa amada e sejam tolerados à ordem da pessoa. No masoquismo moral essa restrição foi abandonada. O próprio sofrimento é o que importa; ser ele decretado por alguém que é amado ou por alguém que é indiferente não tem importância” (FREUD, 1924, p.206). Neste mesmo texto, Freud faz a seguinte referência à reação terapêutica negativa: “Descrevi noutro lugar como, no tratamento analítico, deparamos com pacientes a quem, devido ao seu comportamento perante a influência terapêutica do tratamento, somos obrigados a atribuir um sentimento de culpa „inconsciente‟. Apontei o sinal pelo qual tais pessoas podem ser reconhecidas (uma „reação terapêutica negativa‟) e não ocultei o fato de que a força de tal impulso constitui uma das mais sérias resistências e o maior perigo ao sucesso de nossos objetivos médicos ou educativos. A satisfação desse sentimento inconsciente de culpa é talvez o mais poderoso bastião do indivíduo no lucro (geralmente composto) que aufere da doença – na soma de forças que lutam contra o restabelecimento e se recusam a ceder seu estado de enfermidade” (FREUD, 1924, p.207). A pulsão masoquista parece servir à reação terapêutica negativa – pensado como o rochedo à análise no que diz respeito ao masoquismo. É no fenômeno clínico conhecido como reação terapêutica negativa e nos ataques masoquistas contra o próprio Eu, que o mecanismo psíquico do masoquismo assume a forma mais escandalosa. Ao invés de elaborar suas questões psíquicas e lidar melhor com seu sintoma e com sua neurose, o analisante piora, ocorrendo um agravamento de seu sintoma. “O masoquismo moral, assim, se torna uma prova clássica da existência da fusão da pulsão. Seu perigo reside no fato de ele originar-se da pulsão de morte e corresponder à parte dessa pulsão que escapou de ser voltada para fora, como pulsão de destruição. No entanto, de vez que, por outro lado, ele tem a significação de um componente erótico, a própria destruição de si mesmo pelo sujeito não se pode realizar sem uma satisfação libidinal” (FREUD, 1924, p.212). 29 A reação terapêutica negativa pode ser uma resistência à experiência analítica e articulada à transferência negativa, expressão por sua vez utilizada por Freud em 1912, em A dinâmica da transferência, e a partir de 1920, relacionada à noção de pulsão de morte. Um longo percurso seria percorrido por Freud na investigação do intrigante fenômeno da reação terapêutica negativa. É curioso destacar que, apesar de Freud ter estudado exaustivamente tal fenômeno ao longo de quase uma década, só no final dos anos 30 é que ele ressalta que há certas formas de resistência de difícil combate. No vocabulário de Psicanálise (2001), os autores destacam que “a expressão reação terapêutica negativa designa, pelo menos na intenção de Freud, um fenômeno clínico bem específico, no qual a resistência à cura parece inexplicável pelas noções habitualmente invocadas” (VAPLANCHE; PONTALIS: Vocabulário de Psicanálise, p.425). O impasse clínico mostra-se quando, depois de sessões e mais sessões falando sob transferência, o sujeito não apresenta sinal de elaboração ou uma “retificação subjetiva” diante de seu sofrimento (sintoma). Ao contrário, encontra-se num estado de destruição, indo de mal a pior. O tratamento não parece contribuir para as elaborações psíquicas. O analista encontra-se diante de um impasse clínico. A reação terapêutica negativa seria sinônimo do masoquismo moral? Na clínica psicanalítica, é possível verificar que, em certos casos ou em certas fases da vida do sujeito e de seu processo analítico, apenas o sofrimento é capaz de promover a sua existência. É como se para estar vivo, o sujeito precisasse sempre sofrer. Constata-se na obra freudiana que o masoquismo se apresenta muito frequentemente como modo de gozo de certos pacientes, resultando em verdadeiras devastações subjetivas. O sintoma do paciente inscreve-se na trama transferencial, enquanto a elaboração parece paralisada. Desse modo, o analista sente-se, na maioria das vezes, impotente, e sofre ao ver o processo analítico contribuir para o agravamento do quadro sintomático do analisante. “O desejo do analista, operador lógico e ético, se distingue dos dois outros por ser o desejo que motiva o analista a levar o sujeito a um percurso, sem previsão nem antecipação, que será, no entanto, absolutamente singular, para além da terapêutica, pois é um 30 percurso particular afetivo e epistêmico que diz respeito ao ser, à história, ao desejo e ao gozo” (QUINET, 2005, p.111). Sujeitos estruturalmente de tipo clínico obsessivo costumam anular seu desejo satisfazendo as demandas vindas do Outro. Esta pode ser uma das estratégias obsessivas de fazer calar o desejo do Outro, reduzindo-o às demandas que o outro lhe faz. Assim, um obsessivo pode ser muito bonzinho, muito gentil, atendendo a todas as demandas vindas deste outro para não deixar um espaço para o seu desejo que está oculto, para além do que se pede. O seu desejo caracteriza-se impossível. O obsessivo é lento, protela as suas atividades para fugir do seu desejo. Ou é impulsivo, age impensadamente para não se responsabilizar por suas atuações. Mostra-se extremamente escrupuloso e para preencher o espaço – “lá onde mora o desejo” – utiliza-se de ambivalências, formações reativas, punições, pulsões anais tais como: retenção de objetos, limpezas exacerbadas, o máximo de generosidade e honestidade ou o máximo de avareza. Bem, Lacan apostou em analistas que soubessem um pouco de “motores”, para levar a análise a uma boa condução mesmo se este motor enguiçasse. E não é que muitas vezes pode enguiçar, mais cedo ou mais tarde? “Reação terapêutica negativa”, disse Freud, ao descobrir que o paciente se agarrava a seu sintoma, seu mal, como se fosse seu maior bem, piorando, consequentemente quando tudo levaria a pensar que melhoraria. Ele foi levado por esta constatação clínica a modificar o dualismo pulsional para incluir nele a inércia do sintoma e as resistências provocadas como parte da tarefa terapêutica. No ofício de analisar, nos ensina Lacan como bom freudiano, o momento em que o psicanalista é verdadeiramente imprescindível é quando o tratamento emperra. Até lá, digamos que o processo analítico roda pela pendente do seu próprio eixo, do seu próprio movimento, basta o condutor não atrapalhar a descida do veículo. Em Os Arruinados pelo Êxito (1996 [1916]), Freud nos chama a atenção para uma circunstância bastante peculiar em tratamentos analíticos bem conduzidos. “Parece ainda mais surpreendente, e na realidade, atordoante, quando, na qualidade de analista, se faz a descoberta de que as pessoas ocasionalmente adoecem precisamente no momento em que um desejo profundamente enraizado e de há muito alimentado atinge a realização. Então, é como se elas não fossem capazes de 31 tolerar sua felicidade, pois não pode haver dúvida de que existe uma ligação causal entre seu êxito e o fato de adoecerem” (FREUD, 1916, p.357). E quando o analista se depara com esta resistência? O analista testemunha o analisante na aproximação do seu desejo e a punição por isto. Assim, podemos testemunhar o sofrimento do analisante, todavia no que tange à “angústia do analista”, não tenhamos dúvida de que esta também pode comparecer, pois o operador lógico e ético da psicanálise é o desejo. Desejo este que nos permite estabelecer novos percursos e nos permite o deslocamento da angústia. Podemos, com Freud, tomar um exemplo de um sujeito que sucumbe ao atingir o êxito. Este exemplo freudiano encontra-se em seu artigo intitulado Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico, datado de 1916, onde, no capítulo dois, Freud nos confirma: “Em outra ocasião defrontei-me com o caso de um respeitável senhor, professor universitário, que nutria havia muitos anos o desejo natural de ser o sucessor do mestre que o iniciara nos estudos. Quando este professor mais antigo se aposentou e os colegas informaram ao pretendente que ele fora escolhido para substituí-lo, começou a hesitar, depreciou seus méritos, declarou-se indigno de preencher o cargo para o qual fora designado, e caiu numa melancolia que o deixou incapaz de toda e qualquer atividade durante anos” (FREUD, 1916, p.357-358). É na realidade, ou seja, nos objetos presentes no mundo externo que o sujeito do inconsciente investe sua energia na busca de satisfação. Freud, então, nos ensina que “...esta satisfação está contida na realidade, isso constitui uma frustração externa...” (FREUD, 1916, p.358). A frustração externa é inoperante por si só e não se constitui como uma patologia. Porém, quando a frustração externa se junta a uma frustração que Freud nomeia como uma “frustração interna” (Supereu), temos o Supereu atuando por si mesmo na realidade externa. Assim, o que percebemos é uma forte atuação e a presença de uma instância psíquica denominada de Supereu presente no relato de o sujeito arruinar-se frente ao desejo – êxito. No sub-capítulo dois Arruinados pelo Êxito (1916) do artigo Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico, Freud nos relata que nestes “...casos excepcionais em que as pessoas adoecem por causa do êxito, a frustração interna 32 atua por si mesma; na realidade, só surge depois que uma frustração externa foi substituída pela realização de um desejo...” (FREUD, 1916, p.359). 2.1. O SUPEREU Todos nós temos uma instância psíquica denominada por Freud de Supereu. Esta instância psíquica foi definida pelo pai da psicanálise em seu artigo intitulado O Eu e o Isso, datado de 1923. Freud o definiu como a internalização infantil da autoridade paterna e a manifestação do complexo de Édipo. O Supereu constitui uma instância do segundo esquema freudiano do aparelho mental. O primeiro esquema foi chamado de “modelo topográfico” e dividia a mente em regiões: que correspondiam aos diferentes traços mnêmicos (Mnem) como registros de percepção, de representações de coisa (inconsciente) e representações de palavras (pré-consciente). Observamos o aparelho psíquico a partir de suas instâncias psíquicas. Estas instâncias mantêm uma disposição constante. Freud, no capítulo VII de A interpretação dos sonhos (1900-1901), faz uma analogia das instâncias psíquicas a um telescópio. “Pode-se prever, que esses sistemas talvez mantenham entre si uma relação espacial, constante, do mesmo modo que os vários sistemas de lentes de um telescópio se dispõem uns atrás dos outros” (FREUD, 1900-1901, p.492). Freud apresenta os primeiros diagramas sobre as representações das posições com relação às instâncias psíquicas. A representação “tópica” exposta no capítulo VII de A interpretação dos sonhos fixa a ordem de coexistência das diferentes regiões do aparelho psíquico, entre cujas extremidades perceptual e motora, se desenrolam os processos. O inconsciente, escrevia Freud em 1900, “ao sistema situado mais atrás, ele não poderia ter acesso à consciência, a não ser passando pelo pré-consciente e durante essa passagem o processo de excitação deverá se submeter a certas modificações”. Assim, os processos psíquicos apresentam-se nas extremidades. Uma extremidade perceptual e uma extremidade motora. Vejamos o quadro esquemático mais geral do aparelho psíquico: 33 Traços de percepção Ics Pr-cs xxx x x xxx x xxx xxx Cs M Pcpt representações de coisa representações de palavra Figura 3 Na segunda figura do aparelho psíquico, Freud elabora os “traços mnêmicos” – traço onde permanecem as percepções que nele incidem. Freud situa na extremidade motora a consciência como uma estreita linha. Freud indica que: “os processos excitatórios nele ocorridos podem penetrar na consciência sem maiores empecilhos, desde que certas condições sejam satisfeitas (...). Descreveremos o sistema que está por trás dele como “o inconsciente”, pois este não tem acesso à consciência senão através do pré-consciente, ao passar pelo qual, seu processo excitatório é obrigado a submeter-se a modificações” (FREUD, 1900, p.496). Traços de percepção Pcpt Mnem x Ics Mnem‟ x x Pr-cs Cs x x x x x x x x x M Figura 4 O supereu cobra seu preço, e é extremamente cruel na neurose obsessiva. Em O seminário – Livro 05: As formações do inconsciente (1957-58), Lacan nos fala que: “o sentimento de culpa aparece a propósito da aproximação de uma demanda sentida como proibida, porque mata o desejo (...). A culpa se inscreve na relação do desejo com a demanda. Tudo o que vai na 34 direção de uma certa formulação da demanda é acompanhado por um desaparecimento do desejo (...) uma vez que o sujeito está condenado a estar sempre em algum desses lugares, mas não pode estar em todos ao mesmo tempo. Eis o que é a culpa. É aí que aparece a interdição, mas não, dessa vez, como formulada – mas como demanda que interdita, que atinge o desejo, o faz desaparecer, mata-o” (LACAN, 1957-58, p.511-512). Em O Eu e o Isso (1923), Freud também apresenta a instância psíquica do supereu como herdeiro do Complexo de Édipo em suas duas vertentes: “o supereu, porém, não é simplesmente um resíduo das primitivas escolhas objetais do Isso; ele também representa uma formação reativa enérgica contra essas escolhas” (FREUD, 1923, p.49). Frente a essa formação reativa enérgica, temos a reação terapêutica negativa que constitui um dos maiores obstáculos à efetividade do tratamento analítico. Freud nos elucida sobre os obstáculos ao tratamento analítico que estão ligados a um ponto de assujeitamento a uma força demoníaca, da qual o sujeito passa a experimentar como uma repetição em sua existência. Em uma das conferências freudianas, especificamente a Conferência XXXII, Angústia e vida pulsional, Freud nos mostra que: “Há pessoas em cujas vidas se repetem indefinidamente as mesmas reações não corrigidas, em prejuízo delas próprias, assim como há outras pessoas que parecem perseguidas por um destino implacável, embora uma investigação mais atenta nos mostre que tais pessoas, sem se aperceberem, causam a si mesmas este destino. Em tais casos, atribuímos um caráter „demoníaco‟ à compulsão à repetição” (FREUD, 1932, p.109). Em O Eu e o Isso, Freud trabalha os termos supereu e ideal do eu, o primeiro como herdeiro do complexo de Édipo, o segundo como herdeiro do narcisismo primário. Mas, em alguns momentos, Freud parece sobrepor as duas instâncias. Por exemplo, quando ele afirma que “O ideal do eu, portanto, é o herdeiro do complexo de Édipo e, assim, constitui também a expressão das mais poderosas pulsões e das mais importantes transformações pulsionais do Isso” (FREUD, 1923, p.51). 35 Lacan (1964), relendo Freud, define o ideal do eu nos seguintes termos: o ideal do eu define como o ponto no Outro do significante a partir do qual o sujeito se vê amável. Freud diz que o Supereu é constituído pelas vivências de Complexo de Édipo e que levaram ao totenismo. O Supereu é um resíduo, um resto, é uma advertência, ou seja, é uma voz interior que se refere ao gozo do pai totêmico, do pai da horda primerva. “Na psicanálise, o processo pelo qual o sujeito assume a imagem de seu corpo próprio como sua, e se identifica com ela („eu sou essa imagem‟) chama-se NARCISISMO. Trata-se, efetivamente, da constituição do eu, instância que, em Freud, não existe desde o nascimento, devendo-se constituir através de um ato pelo qual o eu identifica-se com a imagem de seu corpo, imagem que assume como sua, e mais ainda, como sendo ele próprio” (ELIA, 2010, p.111). O Eu e o Isso consiste em um dos grandes trabalhos teóricos de Freud. Nele, Freud nos mostra uma descrição das instâncias psíquicas e de seu funcionamento, que a primeira vista, parece nova e até mesmo revolucionária, e, em verdade, todos os escritos psicanalíticos que datam depois de sua publicação portam a marca inequívoca de seus efeitos, pelo menos com relação à terminologia. Em 1923, Freud descreve a relação entre as divisões da mente e as duas classes de pulsões, e as inter-relações entre as próprias divisões da mente, com ênfase do Supereu. “O eu freudiano é responsável pelo processo de recalcamento do representante ideacional do impulso sexual, e constitui-se como a sede de pulsões de auto-conservação” (ELIA, 2010, p.113). “O Eu não se acha nitidamente separado do Isso, sua parte inferior funde-se com ele. Mas o recalcado também se funde com o Isso e é simplesmente uma parte dele. Ele só destaca nitidamente do Eu pelas resistências do recalque, e pode comunicar-se com o Eu através do Isso” (FREUD, 1923, p.38). O narcisismo primário que consiste no amor do sujeito a sua bela imagem, pode se tornar o opositor ao processo analítico. Em alguns, este fenômeno representa grande risco ao êxito do tratamento analítico. No registro do Imaginário, nomenclatura desenvolvida por Lacan, temos a imagem do espelho na qual se aliena o sujeito infans. Porém, a imagem do espelho permanece nos capturando em nosso narcisismo, porque ela esconde a castração. 36 “O Eu é primeiro e acima de tudo, um Eu corporal e não é somente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio a projeção de uma superfície” (FREUD, 1923, p.40). Assim, é a imagem do espelho que promove um recurso imaginário, a ilusão da completude do sujeito. Sabemos que a imagem do espelho, embora se trate de um continente sem conteúdo, é uma figura na qual o contorno se destaca sobre o fundo. Resumidamente, uma gestalt. Nada mais é que uma “gestalt perfeita” e narcísica para um sujeito que em seu íntimo é dividido. “É a esse objeto inapreensível no espelho que a imagem especular dá sua vestimenta. Presa capturada na rede da sombra, e que, despojada de seu volume que enche a sombra, torna a estender o engano cansado desta última com ar de presa” (LACAN, 1966, p.832). Neste sentido, o sujeito do inconsciente se aliena na sua imagem, pois, sob a ótica do registro Imaginário, ela não mostra sua castração ou suas ambivalências. Entretanto, o sujeito pode se deparar com algo que lhe aponte a sua castração. Refiro-me ao processo analítico e também ao eixo especular. O processo analítico, através de sua condução, denuncia a castração do analisante. Assim, dizemos que o tratamento analítico torna-se uma ameaça à ilusão de integridade do Eu. Apesar das dificuldades ao andamento do processo analítico provocadas por essas resistências provenientes do Eu, uma vez que o analista esteja seguro que ocupa o lugar de objeto causa de desejo do analisante, poderá dar um novo sentido à direção do tratamento. O Eu, em última instância, deriva de sensações corporais. A neurose obsessiva mostra em sua “linguagem particular” falas repletas de dialetos e ambivalências e cultiva um desejo impossível. Acostumado a anular o desejo do Outro, o neurótico obsessivo só faz para que seu próprio desejo seja anulado. É frequente o gozo destes sujeitos de serem torturados pelo Supereu, principalmente por ter um Supereu literalmente sádico e inconsciente. “O Supereu é particularmente cruel na neurose obsessiva. É o olhar que vigia e a voz que admoesta, sempre pronto a torturar o sujeito. Porém, o Supereu é, em grande parte, inconsciente, e seu sadismo não pode ser avaliado pelo sujeito. Em seu aspecto consciente o Supereu se presentifica como a consciência moral, tão cara aos neuróticos obsessivos” (RIBEIRO, 2003, p.41). 37 Aliás, é exatamente desta faceta cruel do Supereu que provém a reação terapêutica negativa. É uma forma de o Supereu punir o sujeito frente ao progresso de seu tratamento analítico ou ainda frente à realização de seu desejo. É instigante saber que a maior parte desta instância psíquica – o Supereu – é inconsciente. Isto significa que somos motivados por pensamentos de que não nos damos conta. Isto nos parece estranho, talvez até impossível. Como pode uma força tão avassaladora punir tanto o sujeito? Temos um Supereu originário do recalque primário que nos faz sentir culpados de coisas das quais nunca nos lembramos, de atos nos quais não nos reconhecemos. A relação do sujeito com o Supereu consiste em uma relação estrutural. “É também um veículo do ideal do Eu, pelo qual o Eu se avalia, que o estimula e cuja exigência por uma perfeição sempre maior ele se esforça por cumprir” (FREUD, 1933, p.70). O modelo topográfico partia do pressuposto de que as defesas do sujeito contra os desejos inconscientes eram conscientes. Por definição, o que se opunha aos desejos inconscientes era parte do sistema consciente e pré-consciente. Logo se evidencia que muitas das resistências eram inconscientes e que a área da mente que se podia nomear como inconsciente continha mais do que representações recalcadas. Foi então que Freud desenvolveu, pouco a pouco, o segundo e último modelo da mente, a teoria estrutural, que mantinha a divisão consciente e inconsciente, mas não se limitava a ela. Segundo Freud: “O inconsciente que está apenas latente e portanto se torna facilmente consciente, denomina-lo „pré-consciente‟, e reservamos o termo „inconsciente‟ para o outro. Temos, agora, três termos, „consciente‟, „pré-consciente‟ e „inconsciente‟, com os quais podemos ser bem sucedidos em nossa descrição dos fenômenos mentais” (FREUD, 1933, p.76). Neste modelo estrutural, o aparelho mental de um sujeito compõe-se de três regiões: o Isso, o Eu e o Supereu. No Isso, temos o inapreensível, o insuportável, algo inerente ao sujeito e repleto de energia depositada pela exigência pulsional. “Se reconhecemos nesta pulsão a auto-destrutividade de nossa hipótese, podemos considerar a auto-destrutividade expressão de uma „pulsão de morte‟ que não pode deixar de estar presente em todo processo vital” (FREUD, 1932, p.109). Para Freud: 38 “É a parte obscura, a parte inacessível de nossa personalidade, o pouco que sabemos a seu respeito, aprendemo-lo de nosso estudo da elaboração onírica e da formação dos sintomas neuróticos (....). Abordamos o Isso com analogias, denominamo-lo caos, caldeirão, cheio de agitação fervilhante” (FREUD, 1933, p.78). Nesta instância do aparelho psíquico, temos uma urgência de satisfação. É algo da ordem do intolerável para o sujeito do inconsciente, Freud identificou no Isso o reservatório ou sede das pulsões cujo objeto é “o que há de mais variável” (FREUD, 1915, p.143). As representações que foram recalcadas pelo sujeito no Isso são imortais. Depois de muito tempo, atuam como se tivessem ocorrido há pouco. “Só podem ser reconhecidas como pertencentes ao passado, só podem perder sua importância e ser destituídas de seu investimento de energia, quando tornadas conscientes pelo trabalho de análise, e é nisto que em grande parte, se baseia o efeito terapêutico do tratamento analítico” (FREUD, 1933, p.79). Logo, o Eu consiste em uma instância que é em parte inconsciente e, noutra parte, bem menor, consciente.Esta parte do modelo estrutural chamada Eu, cada vez mais racional e rígida, abriga uma capacidade de um pensamento consciente. O que leva Freud a dizer que “o Eu é aquela parte do Isso que se modificou pela proximidade e influência do mundo externo...” (FREUD, 1933, p.80). O Eu, então, é uma instância que serve como sede do Isso, das pulsões, e do Supereu, das angústias. Esta instância é ameaçada a todo instante pelo mundo externo, pelo Supereu e pelas pulsões que serão deslocadas para representações substitutas. Figura 5 39 O Eu na neurose obsessiva é narcísico e extremamente forte e assim, um Eu ameaçado e, ao mesmo tempo, agressivo. É um Eu que tenta anular o Isso, pois este o divide e esfacela seu ser, que pensava ser intocado e senhor da sua própria morada. O gozo da neurose obsessiva encontra-se localizado no registro anal, estando ligado à demanda que vem do Outro. Segundo Karl Abrahan, em seu artigo Contribuições à Teoria do Caráter Anal (1921): “os sintomas da neurose obsessiva eram o resultado de uma regressão da libido àquele estágio de desenvolvimento que se caracteriza por uma preponderância dos componentes instintivos anais e sádicos (...). Em sua primeira descrição do caráter anal, Freud disse que certos neuróticos apresentam três traços caracterológicos particularmente pronunciados, a saber: um amor à ordem que muitas vezes se transforma em formalismo; uma parcimônia que se transforma facilmente em avareza, e uma obstinação que pode tornar-se uma irada rebeldia. Ele estabeleceu o fato de que o prazer primário pela defecação e pelas fezes apresentava nessas pessoas uma ênfase particular e também que, após uma repressão bem-sucedida, sua coprofilia se sublimava no prazer em pintar, modelar ou atividades similares ou, então, avançava ao longo do caminho na formação reativa para uma devoção especial à limpeza. Por fim apontou a equivalência inconsciente estabelecida entre as fezes e o dinheiro ou outros valores” (idem, ibidem, p. 19). Na histeria, a demanda é ao Outro. Assim, o obsessivo procura preencher a falta do Outro com os objetos erotizados de seu desejo. Estes sujeitos pagam o preço de manter seu desejo impossível, pois segundo Lacan, em O seminário – Livro 8: A transferência (1960-1961): “o desejo, remédio para a angústia” (LACAN, 1960-61, p.348). E o que fazer com o sujeito obsessivo na sua procrastinação do desejo? A estes sujeitos, a realização do seu desejo consiste em um sofrimento imenso. Estes sujeitos, ao se aproximarem de uma realização de desejo, ao se depararem com um desejo realizado, se punem. É o preço que os obsessivos pagam por terem um Supereu inconsciente extremamente sádico. É o tipo do sujeito que vive adiando seu desejo, ou atua de maneira impulsiva. O seu pensar consiste em uma arquitetura de contrastes. A este contraste, Freud nomeou, em seu caso clínico O homem dos ratos, de ambivalência. A mente destes sujeitos é invadida por pensamentos involuntários (ideias obsessivas) e dúvidas persistentes. É o religioso do significante, e nele crê. É o sujeito que acredita piamente na palavra vinda do Outro. Por isso, 40 observamos na clínica a sua fala como um dialeto da histeria. Desliza-se em sua cadeia significante, preenchendo todos os espaços, com as suas várias estratégias para que o seu desejo e nem o do outro apareçam. Assim, o faz ao calcular nos atos de contraste, na avareza, no desprendimento, no duvidar e ao se debater em seus rituais supersticiosos. O obsessivo paga o preço de manter seu desejo impossível, pois está sempre em outro lugar do que lá onde se corre o risco, ou então, uma estratégia muito peculiar destes sujeitos é a de estar em todos os lugares como uma estratégia de não estar em lugar nenhum. É a anulação total. É um curto-circuito no desejo. O obsessivo se objetaliza a fim de evitar o seu próprio desejo. É o sujeito do ter. “Ele precisa ter: ter dinheiro, mulheres, carro do ano, computadores e mil bugigangas às quais ele atribui um valor fálico e que, no entanto, não recobrem a falta, que é de estrutura” (RIBEIRO, 2003, p.29). A dúvida constante no dialeto dos obsessivos parece também como uma forma de não se haver com o seu desejo – anulando-se e isolando-se do mundo. A dúvida constante, tão presente no discurso dos obsessivos, parece como uma forma de não se haver com o desejo. Porque tal como Freud estabeleceu, o obsessivo “goza” e sofre dos pensamentos. É uma ambivalência típica dos obsessivos. Em O Eu e o Isso (1923), Freud trabalha, no sub-capítulo cinco, as relações dependentes do Eu. Segundo Freud: “o Supereu deve sua posição especial ao Eu, ou em relação ao Eu; a um fator que deve ser considerado sob dois aspectos; por um lado, ele foi a primeira identificação, uma identificação que se efetuou enquanto o Eu ainda era fraco; por outro, é o herdeiro do Complexo de Édipo e, assim, introduziu os objetos mais significativos no Eu” (FREUD, 1923, p.64). O Supereu se funde no Isso mais intensamente quando o sujeito nega sua castração pelo mecanismo da foraclusão. É o caso da melancolia. Neste tipo de estrutura clínica – a psicose, “o eu não se arrisca a fazer objeção; admite a sua culpa e submete-se ao castigo” (FREUD, 1923, p.63). É aí que a célebre frase de Freud surge: “a sombra do objeto recai sobre o eu”. Daí, o agente da consciência irá impor ao Eu a auto-recriminação e a autopunição. 41 “O Supereu é para nós o representante de todas as restrições morais, o advogado de um esforço tendente à perfeição – é, em resumo, tudo o que pudemos captar psicologicamente daquilo que é catalogado como o aspecto mais elevado da vida do homem” (FREUD, 1933, p.72). O Supereu agride a instância psíquica do Eu. É a voz que machuca, humilha, vigia e cobra algo do sujeito. Ele aparece à medida que o sujeito for incorporando as regras definidas pelos pais e pela sociedade. O poder do Supereu advém da capacidade que ele tem de suscitar angústia. É uma voz interna ao Eu que cobra do sujeito. Pode ditar nossos comportamentos e nossos pensamentos. E, muitas vezes, torna-se a instância psíquica mais poderosa e mesmo a mais destrutiva do sujeito do inconsciente, levando-o ao ato suicida ou homicida. Não encontramos dificuldade alguma em demonstrar que são as forças do “Supereu” – frustração interna do Eu – que proíbem ao sujeito obter total êxito frente a seu desejo. Ressaltamos aqui tratar de um Supereu extremamente sádico que observamos a sua predominância em sujeitos de estrutura obsessiva. No Supereu, os desejos ficam “enjaulados”, culpados e com aspectos de impossibilidade. Freud nos ensina que o “...trabalho psicanalítico constata que as forças do Supereu que induzem a doença, em consequência da frustração interna, se acham intimamente relacionadas com o complexo de Édipo – a relação com o pai e a mãe – como talvez, na realidade, se ache o nosso sentimento de culpa em geral” (FREUD, 1916, p.363). Freud nos ensinou essa faceta do Supereu em 1923 em O Eu e o Isso. Consequentemente, somos culpados e assassinos por um dia termos executado a fantasia de desejarmos a morte do Pai, ou seja, matar o pai para ficarmos com a mãe. Afinal, quem é este sujeito do inconsciente? Existe um conceito para este sujeito? Luciano Elia, em seu livro O conceito de sujeito, datado de 2010, nos faz refletir que é “... claro que sujeito é um conceito: é isso que faz com que essa categoria integre o corpus teórico da psicanálise, constituindo-se aliás, como uma das categorias teóricas mais essenciais deste corpus” (ELIA, 2010, p.10). “O sujeito, portanto, se constitui, não „nasce‟ e não se „desenvolve‟” (idem, ibidem, p.36). Nos textos freudianos, as terapêuticas mencionadas por Freud compreendem um apanhado de várias técnicas e práticas curativas que vão desde “tratamentos revigorantes, até práticas de repouso, massagem, magnetismo, hidroterapia e 42 eletroterapia” (FREUD, 1893, p.279). Assim, a discussão sobre a psicoterapia no momento de formação médica de Freud e da invenção da psicanálise refere-se, portanto, ao domínio das técnicas, meios ou processos práticos que visam à eficácia em relação à eliminação do sintoma. A reação de Freud com a terapêutica conheceu períodos de entusiasmo e de descrença. Apesar disso, foi a partir de sua formação médica que ele não só conservou elementos derivados de seu interesse pelas terapêuticas como também importou deste campo conceitos para a psicanálise. Aliás, não nos esqueçamos que os primeiros passos freudianos após sua formação médica se dirigiram para as possibilidades terapêuticas e de cura da histeria. Na década de trinta, Freud nos recordou que a psicanálise originou-se como método de tratamento e que todo o seu desenvolvimento jamais abandonou este chão de origem, uma vez que tudo aquilo que a psicanálise nos ensina deriva de sua vinculação com o universo da “cura”, elaboração do sintoma. Freud será claro: “Comparada com outros procedimentos psicoterapêuticos, a psicanálise é, fora de dúvida, o mais eficiente” (FREUD, 1932 – conferência XXXIV, p.150). A resistência implica todas as forças dentro do analisante que se opõem aos procedimentos e processos da conduta analítica. Em maior ou menor grau, ela sempre se faz presente no desenrolar analítico. Assim, a resistência do analisante é conceituada como uma energia interna, que se opõe ao analista, ou aos processos e procedimentos da análise, isto é, que obstaculizam os processos de recordar, associar, repetir e elaborar, bem como o desejo de mudar. A reação terapêutica negativa está, dentre outros fenômenos clínicos, associada à pulsão de morte. A cada intervenção que deveria resultar, e em outras pessoas de fato resulta em melhora ou suspensão temporária dos sintomas, produz nestes analisantes uma exacerbação de seu sintoma e momentaneamente, eles pioram no tratamento ao invés de melhorarem. A recuperação é vista como ameaçadora, como se ela fosse algo perigoso. Esta reação revela, como já falamos, o mais poderoso obstáculo à recuperação. Mais poderoso do que os já lidados na prática clínica, tais como: o narcisismo, atitude negativa em direção à figura do analista (ambivalência dos sentimentos) e o apego ao ganho secundário da doença (gozo). Freud ainda nos destaca de um modo geral que a reação terapêutica negativa se mostra presente em “bons analisantes”, ou seja, em processos analíticos bem conduzidos, naqueles que fazem tudo para que o tratamento analítico 43 progrida e, mesmo assim, pioram, ou em nada modificam sua relação ao sintoma. Alimentam o sentimento de que não há jeito para eles, que nada lhes adianta, que continuam na mesma e estão cada vez mais angustiados. Na neurose obsessiva observamos um desejo impossível no investimento de energia nos objetos. Em alguns casos de neurose obsessiva, tudo é inatingível, é tudo revestido de proibição, ambivalência e culpa. Sabemos que a reação terapêutica negativa é presente em qualquer tipo da estrutura neurótica. Todavia, observamos a sua predominância em estruturas obsessivas. Será que podemos pensar que esta predominância está relacionada ao desejo impossível desta estrutura e ao seu Supereu que é totalmente sádico e moral? Tudo nos leva a crer que sim. A reação terapêutica negativa pode ser um fenômeno de difícil manejo na clínica. Este fenômeno mostra ao analista os limites de sua atuação. Neste fenômeno, o analista vê todo seu empenho, seu investimento de desejo ser tragado pelo gozo mortífero do paciente, que insiste e persiste na compulsão à repetição. Isso se deve ao fato de que a análise passa a ser uma ameaça insuportável para o paciente que está fixado em objetos primervos, levando-o ao rompimento da análise. Sabemos que a transferência é a mola do processo analítico. Todavia, tem um caráter ambíguo. A transferência é o amor que se dirige ao saber. O analisante coloca o analista no lugar de suposto saber. Assim, podemos dizer que é o amor que dirigimos à figura do analista. E quando a transferência aparece como resistência na psicanálise? Afirmamos que no fenômeno da reação terapêutica negativa se o analista estiver seguro da transferência do analisante, ou seja, assegurado de que realmente ocupa o lugar de objeto causa de desejo para este sujeito, consegue manejar tal fenômeno. A transferência aparece como resistência na psicanálise devido a um elemento que consiste em uma das estratégias do sujeito de estrutura clínica obsessiva – a ambivalência. Ora odiamos a figura do analista, ora amamos com a mesma intensidade que o odiamos. Fenômeno este tão caro aos sujeitos obsessivos que oscilam entre o profano e o sagrado, entre a avareza e o “mão aberta”. Entretanto, na reação terapêutica negativa o que vemos não é uma oscilação de sentimentos e sim uma manifestação subjetiva advinda da pulsão de morte, em sua parceria com o Supereu, se fazendo presente no percurso de um tratamento em nome de um “gozo”. Um Supereu invasivo e “guloso” em sua articulação ao gozo do 44 sintoma. Gozo este constituído na clivagem entre a pulsão de morte e a pulsão de vida. Temos a transferência e a resistência como algo amalgamado. É junto. É o eu te amo, mas eu te odeio, e por isso irei sair da análise. Freud nos afirmou em seu conjunto de artigos sobre a técnica psicanalítica datado de (1911 – 1915 [1914]), especificamente naquele intitulado A dinâmica da transferência (1912): “Em primeiro lugar, não compreendemos porque a transferência é tão mais intensa nos sujeitos neuróticos em análise que em outras pessoas desse tipo que não estão sendo analisadas. Em segundo, permanece sendo um enigma a razão porque, na análise, a transferência surge como uma resistência mais poderosa ao tratamento enquanto que, fora dela, deve ser encarada como veículo de cura e condição de sucesso” (FREUD, [1912] 1996, p.135). É através da transferência que o paciente entra no discurso analítico que o leva a um saber sobre o seu sintoma e a regra fundamental – a regra da psicanálise que consiste em: a associação livre ao analisante e a atenção flutuante ao analista. É isso e nada mais para que o processo analítico caminhe. Nesta caminhada, o sujeito do inconsciente repete seus “clichês” da vida amorosa. Segundo Sigmund Freud: “A transferência negativa merece exame por menorizado (...). Até certo ponto uma „ambivalência‟ de sentimento deste tipo parece ser normal, mas um alto grau dela é, certamente, peculiaridade especial de pessoas neuróticas. Nos neuróticos obsessivos, uma separação antecipada dos pares de contrários parece ser característica de sua vida pulsional (...). A ambivalência nas tendências emocionais dos neuróticos é a melhor explicação para sua habilidade em colocar as transferências a serviço da resistência” (FREUD, [1912] 1996, p.142). O analisante repete seus protótipos infantis. É o seu “repetir, recordar e elaborar”. Ele repete com o analista sua relação com o outro que o leva ao sentido do seu sintoma. “O tratamento analítico então passa a segui-la, ele procura rastrear a libido, torná-la acessível à consciência e, enfim, útil à realidade (FREUD, [1912] 1996, p. 137)”. O sujeito investe energia nos objetos que sempre estiveram presentes em sua vida. Nada mais é que uma repetição. Quando maior a transferência, maior será a resistência. A resistência emperra o processo analítico. Por outro lado, a resistência é transferência. E aí que o processo analítico de fato ocorre. O mais difícil na 45 condução do processo analítico é o manejo desta resistência. Cabe ao analista manejar esta paralisação, fruto da pulsão de morte. O analista é investido de um “poder” pelo analisante, como sujeito suposto saber, pois ao analista cabe viabilizar a associação livre desse lugar e assim fazer operar o discurso analítico. Freud foi o pioneiro a observar e a relatar que alguns pacientes reagiam negativamente à psicanálise criada por ele. Assim, chamou esse fenômeno de resistência. Em outros textos, Freud reconhece como legítima essa resistência e a inclui como mecanismo de defesa do sujeito. Na transferência negativa, o que observamos são sentimentos hostis acompanhados de culpa, angústia e, nos neuróticos obsessivos, acompanhados de uma ruminação mental e um Supereu moral. Tanto a reação terapêutica negativa, que nos aponta para uma transformação da transferência do tratamento, quanto o gozo (prazer e desprazer) do sintoma, que é um substituto de uma satisfação pulsional, são incidências clínicas da presença de um Supereu demoníaco e voraz que aniquila o sujeito do desejo. Assim, o analista em sua posição deve estar avisado dos impasses que esta relação acarreta durante o tratamento. Grande parte das dificuldades de uma análise deve-se a equívocos no manejo da transferência e na direção do tratamento. Lacan, em Os Escritos, nos ensina que: “Quanto ao manejo da transferência, minha liberdade, ao contrário, vê-se alienada pelo desdobramento que nela sofre minha pessoa, e ninguém ignora que é aí que se deve buscar o segredo da análise. O que não impede que se creia estar progredindo nesta douta afirmação: que a psicanálise deve ser estudada como uma situação a dois” (LACAN, 1958, p.594). Freud designa a transferência como um fragmento da repetição e a repetição, uma transferência de um passado esquecido. A tiquê, ou a repetição, fala de uma maneira do sujeito inscrever no inconsciente o que não tem representação, o que não encontrou outra forma de se fazer representar se não pela repetição. É justamente na compulsão à repetição que essas representações, que tentam se inscrever, conseguem uma apresentação sem possibilidade de simbolização. A repetição no pensamento lacaniano deve ser pensada como uma insistência da cadeia significante em reencontrar o objeto perdido. Que é para sempre perdido. 46 Sendo a transferência a própria constituição da relação analítica, não tarda a surgir a resistência como impedimento ao bom andamento da análise. O paciente repete ao invés de recordar. Quanto maior for a resistência, mais a atuação sob forma de repetição substitui o recordar. Na reação terapêutica negativa, a análise passa a ser uma ameaça insuportável para o analisante que está fixado em seus objetos primitivos, na primeira experiência com seu objeto, levando-o ao rompimento do processo analítico. Em seu artigo do ano de 1926 intitulado Inibição, sintoma e angústia, Freud irá trabalhar as diversas formas de resistência ao tratamento analítico; a reação terapêutica negativa e o masoquismo encontrados na clínica são apresentados, como já vimos no decorrer deste trabalho, como manifestações da tirania de um Supereu sádico sobre o Eu. Ora, observamos que exatamente os mesmos fenômenos clínicos que haviam levado Freud a postular a pulsão de morte são retomados agora sob uma nova nomenclatura: a de resistência do Supereu. Em Inibição, sintoma e angústia, Freud distingue cinco diferentes tipos de resistência ao tratamento analítico, destacará a resistência do Supereu como a mais cruel e a mais radical. Sabemos que, ao invocar a compulsão à repetição e a pulsão de morte em 1920, em Além do princípio do prazer, Freud reconhecia e enfatizava a inexorabilidade da repetição nos caminhos que levam para o sofrimento, repetição que chegou a nomear de demoníaca. No entanto, a questão de como se constitui e atua essa força que empurra o sujeito do inconsciente para a dor e para o mal insuportável do Supereu continua sendo tema central e persistente em todas as formulações posteriores, já que ter apenas postulado uma força biológica que leva para a extinção de toda vida não foi suficiente para que pudéssemos lidar com os fenômenos clínicos. Neste sentido, o que Freud conseguiu em 1920, muito brilhantemente, foi concluir o conceito de pulsão de morte: força psíquica que tende a destruição, ou seja, a anulação de todo o estímulo (libido), o que leva à destruição do sujeito do desejo. É justamente neste artigo, Mais além do princípio de prazer, que Freud chega à formulação definitiva de pulsão de morte onde poderemos compreender tanto a reação terapêutica negativa como a neurose obsessiva. Freud tem, neste artigo, uma preocupação topográfica e também metapsicológica. Freud trabalha com as pulsões sexuais se referindo ao representante ideativo da pulsão. Há um imperativo egóico, que é um Supereu 47 sádico em que o sujeito goza (gozo este que está para mais além do princípio de prazer). Segundo Freud, em Mais além do princípio do prazer (1920): “Desde o início identificamos a presença de um componente sádico na pulsão sexual. Mas, como pode a pulsão sádica, cujo intuito é prejudicar o objeto, derivar de Eros, o conservador da vida? Não é plausível imaginar que esse sadismo seja realmente uma pulsão de morte, que sob a influência da energia narcisista, foi expulso do Eu, e consequentemente, só surgiu em relação ao objeto. Ele entra em ação a serviço da função sexual” (FREUD, 1920, p.74). Pela resistência terapêutica, Freud percebeu que havia algo de incurável no sintoma: nós temos as resistências das instâncias do Eu que correspondem ao recalque e a censura. Na instância do Isso, o que observamos é a tendência à inércia e rigidez psíquica pela energia. No que tange o Supereu, temos a pulsão de morte pela necessidade de punição ou sentimento inconsciente de culpa. Uma força psíquica que leva à destruição. Como Freud descreve, o recalque é a origem do desprazer neurótico por ser um prazer que não pode ser sentido como tal. No problema econômico do masoquismo, o “princípio do prazer” opera em função de um retorno ao “nirvana”, nome este dado por Freud em 1895, no Projeto para uma psicologia científica, como uma tendência do aparelho psíquico de zerar a excitação, que seria o anseio por reduzir, manter constante e suspender a tensão interna provocada por estímulos. Então, o princípio de prazer serve à pulsão de morte e vigia mais os estímulos que vem de dentro do que os de fora, porque entra em conflito com a cultura, uma vez que os verdadeiros objetos são incestuosos. Cito Freud, em O problema econômico do masoquismo (1924): “A existência de uma tendência masoquista na vida pulsional dos seres dos seres humanos pode corretamente ser descrita como misteriosa desde o ponto de vista econômico. Pois se os processos mentais são governados pelo princípio do prazer de modo tal que o seu primeiro objetivo é a evitação do desprazer e a obtenção do prazer, o masoquismo é incompreensível” (FREUD, 1996 - 1924 p.199). Ainda Freud: “Neste caso, porém, somos defrontados pela tarefa de investigar o relacionamento do princípio de prazer com as duas classes de 48 pulsões que distinguimos, as pulsões de morte e as pulsões de vida erótica” (FREUD, 1996 - 1924 p.199). Assim, o que temos nada mais é que o princípio de Nirvana expressando a sua vinculação à pulsão de morte, a energia, ou seja, a libido representando o princípio de prazer, e a modificação do princípio de prazer pelo princípio de realidade, organizado por fatores externos. No texto Inibição, sintoma e angústia (1926), Freud descreveu cinco tipos de resistência e três tipos de fontes de onde advém a resistência. A primeira resistência mencionada por Freud é a resistência de repressão que está relacionada com as lembranças penosas para o sujeito, impedindo o surgimento daquilo que se encontra recalcado e que, quando ocorre o retorno do recalcado, provoca um desprazer. Sabemos que um “sintoma é um sinal e um substituto de uma satisfação pulsional que permaneceu em estado jacente, é uma consequência do processo de repressão” (FREUD, 1926, p.112). “A repressão se processa a partir do Eu quanto este – pode ser por ordem do Supereu – se recusa a associar-se com um investimento pulsional que foi provocado no Isso. O Eu é capaz, por meio da repressão, de conservar a ideia que é o veículo da pulsão repreensível a partir do tornar-se consciente. A análise revela que a ideia amiúde persiste como uma formação inconsciente” (FREUD, 1926, p.112). O recalque é uma tentativa de fuga, uma negação a castração que causa desprazer ao sujeito do inconsciente. É uma maneira que o sujeito dividido encontra para “esconder”, manter a cena do horror longe da consciência. O que acontece é que “o Eu retira seu investimento (pré-consciente) do representante pulsional que deve ser reprimido e utiliza esse investimento para a finalidade de liberar o desprazer (angústia)” (FREUD, 1926, p.114). Uma segunda resistência que observamos no decorrer da leitura de Inibição, sintoma e angústia é a resistência da transferência. Este modo de resistência consiste numa resistência negativa. Neste tipo de transferência, o que temos são sentimentos hostis, e o surgimento do real que é pleno de vazio. A resistência da transferência também se caracteriza por ir de encontro às pulsões recalcadas, porém é uma resistência dirigida ao analista, portanto este fenômeno acontece no 49 desenrolar do processo analítico e é o início para o desenvolvimento da reação terapêutica negativa. O analista tem que se assegurar da transferência. O terceiro tipo de resistência é o que Freud nomeia como resistência oriunda do ganho secundário do sintoma (doença). Segundo Freud: “Tudo isto resulta no que nos é familiar como o ganho (secundário) proveniente da „doença‟ que se segue a uma neurose. Essa recuperação vem em ajuda do Eu no seu esforço para incorporar o sintoma, e aumenta a fixação deste último. Quando o analista tenta subsequentemente ajudar o Eu em sua luta contra o sintoma, verifica que esses laços conciliatórios entre o Eu e o sintoma atuam do lado das resistências e que não são fáceis de afrouxar” (FREUD, 1926, p.122). Os sintomas se relacionam com a subjetividade do analisante. Esta subjetividade é apresentada por ele na associação livre, na repetição, na recordação e em sua elaboração no decorrer de sua análise. Sabemos que no processo analítico o sujeito recorda, repete e elabora suas questões. É o que Lacan irá nomear como instante de ver, o instante de compreender e o momento de concluir. Na perspectiva freudiana, a pulsão que deu origem ao sintoma passa por processos de deslocamento e condensação. Estas resistências dificilmente são abandonadas pelo sujeito, ou seja, o sintoma não é percebido pelo sujeito de forma desagradável ou mesmo como um incômodo. “O Eu afasta-se do impulso pulsional desagradável, deixa-o seguir seu curso no inconsciente, e não toma mais qualquer parte em sua sorte” (FREUD, 1926, p.138). Bem, a quarta resistência está relacionada à resistência do Isso (compulsão à repetição): estas representam uma resistência ao deslocamento, de maneira que se repete compulsivamente. São o gozo e a pulsão de morte se manifestando. A resistência ao Supereu consiste na quinta resistência relatada por Freud. Esse tipo de resistência, a mais tardiamente descoberta, é a mais obscura das resistências. Tem sua origem no sentimento de culpa e da necessidade do sujeito de autopunição, e se opõe a qualquer movimento para o sucesso, incluindo as possíveis melhoras no tratamento psicanalítico. Freud descreve esta resistência como sendo de difícil trabalho devido às exigências de punição impostas pelo Supereu moral do sujeito do inconsciente. Este Supereu moral e cruel é bem diferente do Supereu que Freud nos apresenta em O Eu e o Isso (1923), em que o Supereu seria outra instância psíquica que teria se separado do Eu. A forma como 50 cada sujeito passa e se apropria do complexo de Édipo é que determinará os níveis diferentes das relações de cada sujeito com as normas e proibições que lhe são impostas. Consequentemente lidará dessa forma com todas outras normas e proibições, pois o Supereu acaba de se configurar com o término do complexo edípico. Com isso, as leis e normas sociais impostas ao sujeito não são recebidas unicamente pelo que o sujeito percebe socialmente, mas também pelo que ele se identifica com o Supereu de seus pais. Em 1923, Freud desenvolve o conceito de Supereu em aspectos conscientes e da ordem do inconsciente, e não o Supereu moral. O gradativo detalhamento das construções com que Freud busca dar conta dessa vocação para o pior, para o fracasso e o sofrimento que habita o homem, envolve a introdução do masoquismo como originário. Na teoria freudiana, no Problema econômico do masoquismo (1924), temos: “O masoquismo apresenta-se à nossa observação sob três formas: podemos, por conseguinte, distinguir um masoquismo erógeno, um masoquismo feminino e um masoquismo moral” (FREUD, 1924, p.202). É no masoquismo moral que está o pior e o mais letal sentimento de culpa que na maior parte é inconsciente. O masoquismo, embora estivesse presente como um dos destinos da pulsão desde Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), tem seu estatuto transformado no texto O problema econômico do masoquismo (1924), onde passa a ser um masoquismo originário, fundamento de toda a esfera pulsional e não mais um aspecto de uma pulsão parcial, a pulsão sadomasoquista. Essa evolução do masoquismo respondeu exatamente à experiência de que a maior fonte de resistência ao processo analítico é essa força que luta contra a “cura” e que visa manter o sujeito no gozo, na pulsão de morte, e consequentemente no sofrimento. Em contrapartida a essa posição primária, Erógena, com prazer no sofrimento do masoquismo, o Supereu, que havia surgido na posição de herdeiro do complexo de Édipo (1923), passará também a primário, a ponto de ser tomado como núcleo do próprio Eu (1927), o que sugere que o Supereu é seu ponto de origem, o mais arcaico. O Supereu estará inseparavelmente ligado à pulsão de morte. O sentimento de culpa e a busca de punição inconsciente consistem na relação bem próxima do Eu com o Supereu que representarão a parte da força da pulsão de morte que é 51 psiquicamente ligada pelo Supereu, e assim se torna reconhecível. Evidencia-se assim que a pulsão de morte, do Supereu e do masoquismo, são passos na elaboração e na elucidação de uma teia complexa e teórica que visa apreender uma mesma problemática – a reação terapêutica negativa, fenômeno tão devastador ao processo analítico. Em Análise terminável e interminável, artigo freudiano datado de 1937, Freud nomeia e consequentemente acrescenta mais duas formas de resistências. Uma dessas resistências provém do Eu contra o próprio Eu. Esta resistência nos mostra que o sujeito ao pressentir certa melhora de seus sintomas, ao mesmo tempo, se sente ameaçado por tal acontecimento. “Em vez de indagar como se dá uma cura pela análise, se deveria perguntar quais são os obstáculos que se colocam no caminho de tal cura” (FREUD, 1937, p.252). Neste tipo de resistência é como se a pulsão entrasse em conflito com o Eu. A pulsão não pode ser colocada em plena harmonia com a instância do Eu. A pulsão é uma força constante que quer atingir seu alvo. É o recalcado que pulsa para vir à superfície e que permite o sujeito do inconsciente simbolizar através da linguagem. Segundo Freud: “Dos três fatores que reconhecemos como sendo decisivos para o sucesso ou não do tratamento analítico – a influência dos traumas (do recalcado), a força constitucional das pulsões e as alterações do Eu –, o que nos interessa aqui é apenas o segundo, a força das pulsões” (FREUD, 1937, p.256). Neste texto, Freud nos faz refletir sobre a pulsão com relação aos elementos que estão recalcados e a sua exigência para se tornar consciente do Eu. Freud nos ensina que no processo analítico não podemos “amansar” a pulsão, termo utilizado por Freud em O problema econômico do masoquismo (1924), pois isso equivaleria colocar a pulsão em completa harmonia com o Eu. E sabemos que não é bem assim. A pulsão insiste e reincide no processo analítico, a mesma é o veículo que move a análise. É na compulsão à repetição que mora silenciosamente “tânatos” – pulsão de morte. Quanto ao mecanismo de defesa do Eu, consiste em um propósito do Eu afastar de si os perigos. Inicialmente, o Eu surge para proteger o Isso dos perigos do mundo externo. Durante esse processo, o Eu pode adotar uma atitude defensiva em 52 relação ao Isso e compreender que a satisfação pulsional pode levá-lo a um perigo externo. No texto de 1937, Análise terminável e interminável, Freud explora os tipos de resistência no aparelho psíquico, os mecanismos de defesa do Eu, um tipo que não pode ser localizado e que parece depender de condições fundamentais do aparelho mental, as resistências oriundas do Isso, e devido as ações concorrentes ou mutuamente opostas, as duas pulsões primervas – Eros e Tânatos. Em certos casos, o Eu considera a sua própria cura como um novo perigo, uma nova ameaça. Neste mesmo trabalho freudiano de 1937, Freud nos ensina outras importantes contribuições sobre a resistência. Poderíamos dizer que seria a sua sétima forma de resistência. Vale lembrarmos que seu maior aprofundamento sobre tal assunto ocorreu em seu artigo de 1926 Inibição, sintoma e angústia, onde, utilizando a hipótese estrutural, descreveu cinco tipos e três fontes de resistência. Bem, a sétima forma de resistência anunciada por Freud (1937) aponta uma importante e a mais difícil de manejar no processo analítico, e por ela já havia sido comentada em outros artigos. Estamos falando da “reação terapêutica negativa”. O conceito de reação terapêutica negativa como sendo aderido a pulsão de morte, valorizando a relação de dois inconscientes que trabalham no processo analítico, porque o que temos em análise é o encontro de dois desejos. O desejo do analisante e, não nos esqueçamos, o desejo do analista. “O ponto essencial é que o paciente repete essas modalidades de reação também durante o trabalho de análise, que as produz diante de nossos olhos, por assim dizer” (FREUD, 1937, p.271). O processo analítico implica em tornar-se consciente aquilo que está recalcado no inconsciente, elementos do Isso. O processo analítico se desenvolve mediante as intervenções vindas do analista. No que tange as interpretações, essas são promovidas pelo sujeito do inconsciente, ou seja, pelo analisante. É durante esse movimento, esse desenrolar da análise, que “o Eu se retrai” (FREUD, 1937, p.274). “Sob a influência das pulsões desprazerosas que sente em resultado da nova ativação de seus conflitos defensivos, as transferências negativas podem agora levar a melhor e anular completamente a situação analítica” (FREUD, 1937, p.272). 53 Todavia, na relação do Eu com o Supereu – reação terapêutica negativa – o que temos é a necessidade do sujeito de se punir. “Se tomarmos em consideração do quadro total formado pelos fenômenos de masoquismo imanentes em tantas pessoas, a reação terapêutica negativa e o sentimento de culpa encontrados em tantos neuróticos, não mais poderemos aderir à crença de que os eventos mentais são governados exclusivamente pelo sujeito do prazer. Esses fenômenos constituem indicações inequivocadas da presença de um poder na vida mental que chamamos de pulsão de agressividade ou de destruição, segundo seus objetivos, e que remontamos a pulsão de morte original da matéria viva” (FREUD, 1937, p.276). Na reação terapêutica negativa, Freud faz uma observação e nos aponta que a resistência do analisante pode ser causada pela resistência do próprio analista e a observação de que a resistência no homem se deve ao medo dos desejos passivofemininos em relação a outros homens, ou seja, “a luta contra sua atitude passiva ou feminina para com outro homem” (FREUD, 1937, p.285), enquanto a resistência das mulheres deve-se em grande parte à “inveja do pênis, (...) um esforço positivo por possuir um órgão genital masculino” (FREUD, 1937, p.285). Freud também alude ao surgimento de uma resistência contra a revelação do recalcado. Esta resistência muitas vezes se manifesta clinicamente de maneira complexa ou sutil. É muito comum no processo analítico, o analista ter que “enfrentar” resistências na condução de análises dos sujeitos do tipo clínico obsessivo. O sujeito obsessivo é o sujeito que resiste muito mais ao inconsciente do que um sujeito de tipo clínico histérico. Até porque o que percebemos na neurose obsessiva é um dialeto da histeria. No dialeto obsessivo, o que observamos na clínica é o deslocamento metonímico. Um exemplo em Freud (1909) é o dialeto do tenente Lehrs – ratten (ratos) – que em suas associações se deslocava para ratten (dívida) e para spielratte (rato de jogo), que se ligava à história da dívida do pai. É muito comum em processos analíticos com sujeitos obsessivos observarmos resistências, tais como: resistência à associação livre, mostra determinados rituais, como a rigidez ao corte de sessão em condutas lacanianas, o sujeito traz anotações, começa a sessão de uma mesma forma, com assuntos já decorados ou mesmo planejados. Estes comportamentos nada mais são do que uma resistência do sujeito obsessivo à instância do inconsciente. O inconsciente para estes sujeitos é uma ferida no seu narcisismo e no seu pensar. E o sujeito obsessivo tenta controlar os 54 seus pensamentos em sua “ruminação mental”, bem diferente do inconsciente descoberto por Freud, onde o sujeito do inconsciente é movido pelo desejo, pelo inesperado, pelo sem lei. Freud descobre em sua obra que o desejo é algo incestuoso, e corresponde ao complexo nuclear de todas as neuroses – obsessivas e histéricas – o “complexo de Édipo”. Também aprendemos com Freud que o sujeito da psicanálise é dividido. E ao falarmos em divisão deste sujeito, falamos em recalque que funda o inconsciente e torna o desejo inconsciente deste sujeito desconhecido. Assim, estes tipos de estratégias postas pelo sujeito no decorrer analítico são forças internas do sujeito que se opõem ao processo analítico do seu próprio inconsciente. “Não seria de surpreender que o efeito de uma preocupação constante com todo o material recalcado que luta por liberdade na mente humana, despertasse também no analista as exigências pulsionais que de outra maneira ele é capaz de manter suprimidas. Também esses são perigos da análise, embora ameacem não o parceiro passivo, mas o parceiro ativo da situação analítica e não deveríamos negligenciar enfrentá-los” (FREUD, 1937, p.283). A resistência pressupõe a existência de um investimento de energia. Em sujeitos obsessivos, observamos um grande investimento de energia (libido) no Eu. Assim, ocorre uma frequente resistência ao inconsciente. Espera-se que esta resistência seja superada no processo analítico, fazendo com que haja uma “histerização do sujeito”. Todavia, o eu se apega a seus investimentos libidinais. É difícil e não impossível para o Eu desinvestir energia em seu Eu e investir no processo analítico – na associação livre. Assim, o que temos é o sujeito retirando o seu investimento de energia no Isso, ou seja, no objeto da realidade e o investe no objeto da fantasia. Freud enfatiza que é esse investimento forte no objeto da fantasia que permite ao analista aproveitá-lo para o estabelecimento da transferência. É esta a principal “recomendação aos analistas que exercem a psicanálise” a esta resistência – a reação terapêutica negativa, tão voraz e destruidora do processo analítico. A principal segurança de um analista para a condução do processo analítico é a transferência, mesmo sabendo que a mesma tem sua faceta negativa. Nestas condições o que temos é o enamoramento do sujeito ( S ) por uma pessoa a quem ele supõe um suposto saber. É isto que move qualquer relação desejante. Na neurose, a evidência que temos da operação do recalque é o sintoma. Freud chamou o recalque primário, o recalque que funda o inconsciente; aqui o 55 sintoma não é mais uma formação do inconsciente, mas sim uma função do inconsciente. Na histeria, “o sujeito tenta escapar à questão inquietante do desejo do Outro preenchendo o vazio deste desejo com suas demandas, ou seja, rebaixando o enigma do desejo do outro às demandas queixosas do sujeito ao Outro” (Ribeiro, 1997, p.53). Na histeria, também temos a metáfora – condensação da história de amor edipiano. Em contrapartida, na neurose obsessiva, as histórias são de culpa pelo amor edipiano. Na neurose obsessiva, a estrutura de disfarce opera ao inverso: trata-se de preencher o vazio do próprio desejo com as demandas do Outro, de onde provém a oblatividade da neurose obsessiva. Ao longo de Análise terminável e interminável, Freud nos deixa um ensinamento que “a missão da análise é garantir as melhores condições psicológicas possíveis para as funções do eu; com isso ele se desincumbiu de sua tarefa” (FREUD, 1937, p.284). Ao longo de suas teorizações a respeito da reação terapêutica negativa, Freud, em 1923, se faz bem elucidativo sobre a questão: “Ao longo, percebemos que estamos tratando com o que pode ser chamado de „fator moral‟, um sentimento de culpa, que está encontrando sua satisfação na doença e se recusa a abandonar a punição do sofrimento. Mas, enquanto o paciente está envolvido, esse sentimento de culpa silencia, não lhe diz que ele é culpado, mas doente. Esse sentimento de culpa expressa-se apenas como uma resistência à curta que é extremamente difícil de superar” (FREUD, 1923, p.66). Nota-se em Freud que o fenômeno de resistência nomeado de reação terapêutica negativa constitui um dos mais graves e de maior barreira à condução de um processo analítico. Freud nos mostrou várias resistências, porém mais do que uma resistência, a reação terapêutica negativa é um fenômeno que merece investigação profunda por se tratar de uma forte destruição ao sujeito pelo Supereu moral. Sabemos que é do sadismo do Supereu inconsciente que deriva a reação terapêutica negativa. Embora este fenômeno não seja particular, ou seja, exclusivo da neurose obsessiva, se torna muito presente neste tipo de neurose, devido a seu Supereu cruel, sádico e com aspectos conscientes. O Supereu na neurose obsessiva se presentifica como consciência moral. 56 Os questionamentos, o desejo de saber das resistências, que se manifestam na direção da “cura”, se fazem imprescindíveis no direcionamento do trabalho dos analistas. Os obstáculos produzidos no decorrer do processo analítico tem como origem uma questão subjetiva relacionada ao sujeito do inconsciente. Essa questão é colocada por Freud como uma questão advinda de um assujeitamento, ou seja, a uma “força demoníaca” da qual o sujeito não tem como fugir. A luta do obstáculo de um sentimento de culpa moral não é fácil para o analista e nem tão pouco para o analisante. Nada se pode fazer a não ser prosseguir o processo analítico e ir, aos poucos, elaborando as questões recalcadas no inconsciente do analisante e, assim, gradativamente convertê-lo em um sentimento de culpa consciente. Essa “força demoníaca” atua no repetir do sujeito, ou seja, na sua compulsão à repetição. Esta repetição atua no processo analítico na vertente do simbólico e do real. É onde o sujeito repete o seu sintoma. Na resistência o que temos é a relação do sujeito com a sua lacuna, com aquilo que é esquecido. Poderíamos dizer o trauma, um outro nome para dizer de algo que escapa ao sujeito do inconsciente do registro do simbólico (linguagem). O sujeito repete aquilo que fica esquecido. O traumático é algo que está fora da representação. Está lá no “penso onde não existo”, nas lacunas do discurso, no ato falho, nos sonhos e noutras mais. É no retorno deste recalcado, destas cenas que remetem a este recalcado que temos a atuação da resistência. Isto que resiste é que faz atuar no paciente. É na satisfação da pulsão que o sujeito ( S ) traz o seu sofrimento. Segundo Lacan, a pulsão tem dois objetivos – encontrar o objeto – um mero substituto que possibilite a satisfação. Goal consiste no seu alvo. Como diz Lacan (1964), “é ter acertado o tiro e, assim, atingido o alvo de vocês” (LACAN, 1964, p.170). É na satisfação da pulsão, que algo do sujeito insiste e repete. Em Freud (1924), temos que “o princípio de Nirvana expressa a tendência da pulsão de morte, o princípio de prazer representa as exigências da energia, e a modificação do último princípio, o princípio de realidade, representa a influência do mundo externo” (FREUD, 1924, p.201). Em Análise terminável e interminável (1937), o que percebemos na satisfação da pulsão seria uma “economia da pulsão de morte” no final de análise. Na perspectiva freudiana, o que o analista testemunha em um final de análise, da 57 posição do analisante é uma possibilidade deste não esteja mais sofrendo pelos seus sintomas e que tenha superado as suas angústias e suas resistências. Do lado do analista, “que este julgue que foi tornado consciente o material recalcado, que foram vencidas tantas resistências internas, que não há necessidade de temer uma repetição do processo patológico em apreço” (FREUD, 1937, p.251). Em um “final” do trabalho do processo analítico, podemos dizer que a satisfação – o gozo do sujeito do inconsciente – em repetir estará fadada a uma “economia da pulsão de morte”. Parece fácil e prático dizermos como constitui um final de análise. Entretanto, sabemos que a pesquisa sobre este tema nos exige elaborarmos uma série de questões. É um processo bastante complexo, por isso torna-se rico e importante tanto para o analista quanto para o analisante. Depois de todas estas referências freudianas, podemos pensar que um final de análise seria a superação das resistências tão caras ao sujeito do desejo. Poderíamos dizer também de um deslocamento de um supereu moral, em supereu digamos mais consciente. Porém, Freud nos ensina brilhantemente que a influência dos elementos que direcionam a eficácia de um tratamento analítico não é simples assim e se mostra ainda insuficiente. Em uma repetição, o sujeito atua sem saber – inconscientemente – nas suas questões em “prejuízo delas próprias, assim como há outras pessoas que parecem perseguidas por um destino implacável, embora uma investigação mais atenta nos mostre que tais pessoas, sem se aperceberem, causam a si mesmas esse destino” (FREUD, 1932, p.109). Por estrutura, todo sujeito ( S ) é traumatizado, concepção do inconsciente enquanto furo. É aquilo que o sujeito não tem acesso. É um furo primervo que advém do sujeito com a linguagem. Este furo é o traumático. É neste furo que se inscrevem as outras possibilidades. Assim, a pulsão tem um valor traumático, o sujeito não tem como escapar. A pulsão é contínua e exige esforço. Ela não cessa e tem um poder demoníaco. A pulsão é traumática – Tânatos, pulsão de morte – e faz oposição ao princípio de prazer – Eros. O sintoma traz prazer, equivale a um gozo – uma satisfação com predomínio de dor – desprazer. É isto, satisfação na dor. Um paradoxo, uma pulsão de morte, um masoquismo constituinte do sujeito. O porquê da repetição que tem articulação com a pulsão. A pulsão sempre passa pelo outro e sua finalidade é sempre a satisfação. 58 3. DETERMINAÇÃO HISTÓRICA DA NEUROSE OBSESSIVA 3.1. SIGMUND FREUD [1896] – HISTÓRICO DE UMA NOVA NEUROSE Na nota introdutória ao artigo de Freud Obsessions Et Phobies (Leur Mécanisme Psychique Et Leur Étiologie) (1895 / 1894), James Stratchey atribui a Krafft-Ebing a utilização, em 1867, do termo Zwangvostellung (ideia obsessiva) como tradução alemã do termo inglês obsession, datado do século XVII (FREUD: 1895:72 apud Ribeiro 2001:19). O original encontra-se em francês. A tradução presente no artigo Obsessões e Fobias (1895/1894) consiste em uma versão revista da publicada em 1924, Obsessions and Phobias, tradução inglesa. Em um ou dois casos, os termos franceses selecionados pelo próprio Freud como versões dos termos alemães interessam ao tradutor Inglês. Assim, ele sempre traduz Zwangsvorstellung pelo francês obsession. De fato, parece não ter havido nenhum equivalente em alemão para a palavra francesa e inglesa até que KfrafftEbing introduziu Zwangsvorstellung em 1867. A palavra inglesa obsession no sentido de ideia fixa, remonta pelo menos ao séc. XVII. Do mesmo modo, Freud traduz Zwangsneurose pelo francês neurose d´angoise (...). (STRATCHEY, 1996, p.76) Foi em 1896, no artigo intitulado A hereditariedade e a Etiologia das neuroses, que Freud nomeia uma nova neurose - a neurose obsessiva. O artigo mostra-se como um resumo das concepções de Freud sobre a etiologia das duas psiconeuroses - Histeria e a neurose obsessiva. Freud (1896) afirmou: “Fui obrigado a começar meu trabalho por uma inovação nosográfica. Julguei razoável dispor ao lado da histeria a neurose obsessiva (Zwangsneurose), como distúrbio auto-suficiente e independente [...]” (FREUD, 1896, p.146). Contudo, muito antes de Freud colocar a neurose de obsessão ao lado da histeria, o pai da psicanálise já havia mencionado a sua dedicação aos estudos sobre as representações e manifestações obsessivas. Sabemos que estes ensinos são anteriores ao artigo de 1896. Eles encontram-se presentes no artigo Obsessões e Fobias - seu mecanismo psíquico e sua Etiologia (FREUD, 1895 / 1894). 59 Ao observar os sintomas caracterizados por ideias obsessivas, Freud tece algumas considerações teóricas sobre a neurose obsessiva e a pressupõe que ao lado da neurose de histeria, surgia outra forma de neurose, a neurose obsessiva. Na neurose obsessiva, observamos um elevado grau de angústia e fragilidade. Isto ocorre porque o sujeito obsessivo se vale somente da representação do trauma que implica-se na metáfora paterna. Esta metáfora paterna consiste no pai simbólico, o Nome-do-Pai que é o significante que instaura o recalque (Verdrangung). O recalque é o mecanismo próprio da neurose responsável pela clivagem consciente e inconsciente. Nele, a representação (Vorstellung) desagradável, dolorosa para o sujeito do inconsciente ( S ) é recalcada e enviada para a instância inconsciente, ou seja, fica retida no inconsciente. Todavia, a carga afetiva - afeto - angústia, aquilo que o sujeito não pode lidar e também não se pode recalcar, é descarregada de uma maneira ou de outra. Porque ela é uma pulsão e como sabemos que toda pulsão se satisfaz em seu começo e seu recomeço na busca de satisfação. Em As Neuropsicoses de Defesa (1894), Sigmund Freud nos confirma: “Quando alguém com predisposição à neurose carece da aptidão para a conversão, mas, ainda assim, parece rechaçar uma representação incompatível (intolerável), dispõe-se a separá-la de seu afeto, esse afeto fica obrigado a permanecer na esfera psíquica. A representação, agora enfraquecida, persiste ainda na consciência, separada de qualquer associação. Mas seu afeto, tornado livre, ligase a outras representações que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa „falsa ligação‟, tais representações se transformam em representações obsessivas. Essa é em poucas palavras a teoria psicológica das obsessões e fobias, mencionada no início deste artigo” (FREUD, 1894, p. 59). Até 1896, o que chamamos de Neurose Obsessiva era considerado pela psiquiatria clássica um dos tipos clínicos da psicose, ou seja, uma patologia que fazia parte das “loucuras maníacas”, todavia sem o delírio. Ao mesmo tempo em que foi concedida a Freud a paternidade da Neurose Obsessiva, foi estabelecido através de suas pesquisas o nascimento do diagnóstico diferencial entre a neurose obsessiva e a psicose paranóica. Ao longo de sua obra, Freud nos mostra as formas do sujeito dividido lidar com o limite que a castração impõe ao sujeito. Neste estudo, falamos do recalque, o mecanismo próprio da neurose de negar tal castração. 60 Em Observações adicionais sobre as Neuropsicoses de Defesa (1896), Freud comenta: “...a defesa como ponto nuclear no mecanismo psíquico das neuroses em questão, e também me capacitaram a fornecer uma fundamentação clínica a essa teoria psicológica (FREUD, 1896, p.163).” Freud pensou a psicanálise para a neuropsicose de defesa, especificamente a neurose histérica. Encontrou na histeria, a possibilidade do analisante falar. Considerando a histeria como um ponto de partida da psicanálise, Freud descobre com as suas pacientes histéricas que o corpo fala por diversos meios. E esta fala da qual o corpo sinaliza implica-se ao desejo e ao gozo que o sujeito padece. Entretanto, em 1896 , em função de sua árdua pesquisa, Freud constata uma inovação nosográfica. Trata-se de um deslocamento metonímico (todo pela parte) onde o corpo do sujeito cede lugar à mente. Desta forma, devemos a Freud, em 1896, a invenção da neurose obsessiva. Assim, podemos concluir que a grande descoberta de Sigmund Freud, tanto da neurose obsessiva quanto da psicanálise foi mostrar que o inconsciente, cujo núcleo é o desejo sexual recalcado, funda a subjetividade e também a cultura. O inconsciente freudiano revela que o homem não exerce controle sobre si mesmo, deslocando a razão do lugar da certeza e introduzindo no sujeito uma divisão subjetiva lá onde era suposta uma unidade. 3.2. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: A NEUROSE OBSESSIVA E A PARANOIA A neurose obsessiva, assim como a paranoia, que é uma psicose, é uma afecção por excelência da ordem da mente. Foi assim que Freud em 1885, no Rascunho H, nomeou estas patologias. Freud nos sinalizou de que “na psiquiatria, as ideias delirantes situam-se ao lado das ideias obsessivas como distúrbios puramente intelectuais, e a paranoia situa-se ao lado da loucura obsessiva como uma psicose intelectual” (FREUD, 1996, p.290). Ao contrário, na neurose de transferência - histeria, os sintomas que estão em parceria com o sujeito do inconsciente se alojam e movimentam-se sobre uma única superfície, o corpo. Assim, se faz presente na esquizofrenia, que é uma psicose, onde o surto começa 61 com um ataque hipocondríaco, ou seja, gozo que se movimenta no corpo e sua fala se torna instrumento para falar dos órgãos - a movimentação dos órgãos. Neste sentido, podemos observar que a neurose obsessiva e a paranoia são patologias onde o sujeito tem um investimento libidinal no intelectual. A neurose obsessiva e a paranoia, como havia dito Freud, são distúrbios intelectuais, patologias do pensamento, embora bem distintas. O Rascunho K - As neuroses de defesa (um conto de fadas natalino) é estratégico na obra de Freud, porque é o momento em que ele tenta estabelecer uma diferença entre a neurose histérica e a neurose obsessiva, da psicose paranóica. “Elas têm várias coisas em comum. São aberrações patológicas de estados afetivos psíquicos normais: de conflito (histeria), de autocensura (neurose obsessiva), de mortificação (paranoia), de luto (amência alucinatória aguda)” (FREUD, 1896, p.307). O Rascunho K é um texto que Freud endereça a Fliess em 1º de janeiro de 1896. Esse rascunho estava anexado à carta 39, de 1º de janeiro de 1896. Nessa época, Freud encontrava-se empenhado no estudo do problema da etiologia diferencial das neuroses. No Conto de fadas natalino, Freud vem nos sinalizar a diferença da estrutura e da patologia. Foi neste rascunho que Freud criou instrumentos essenciais e conceituais na tentativa de estabelecer os parâmetros que distinguiriam a neurose obsessiva, a neurose histérica e a paranoia. Tudo isto nos leva a crer que Freud estava debruçado em suas pesquisas com relação ao diagnóstico diferencial. Até 1896, o que chamamos de neurose obsessiva era considerado pela psiquiatria uma síndrome que fazia parte da melancolia, e dita pelos psiquiatras da época como: mania sem delírio, monomania de raciocínio, loucura da dúvida e, por fim, patologia da inteligência. Antes do Rascunho K - As neuroses de defesa, foi enviado por Freud a Fliess o Rascunho H - Paranoia. Este rascunho foi enviado juntamente com uma carta não publicada, datada do dia 24 de janeiro de 1895. Tal rascunho foi o primeiro de muitas outras discussões sobre a Paranoia. É justamente no Rascunho H que Freud propõe o diagnóstico diferencial entre a neurose obsessiva com suas ideias obsessivas e a paranoia com suas ideias delirantes. Proprietário do significante Nome-do-Pai, ou seja, do significante que une desejo e lei, o sujeito obsessivo utiliza-se do recalque (Verdrängung) que é o mecanismo próprio da neurose. Este recalque consiste no conteúdo da ideia, a 62 representação onde o sujeito dividido estabelece uma relação com o objeto e de onde extrai algumas certezas no decorrer de sua vida. A estas certezas chamamos de Fantasia Inconsciente criada pela estrutura neurótica devido à presença do recalque. O neurótico obsessivo crê na representação e por isso a recalca. Esta crença no significante, na representação, faz com que o neurótico obsessivo duvide, uma vez que, para se duvidar de algo, esperamos ter acreditado nele algum dia. Esta crença na palavra, no conteúdo da ideia irá permitir que o neurótico obsessivo duvide. O que temos aqui presente na estrutura obsessiva é o fenômeno da crença (glauben). Estes sujeitos são particularmente religiosos do significante. Como já foi dito anteriormente, o neurótico obsessivo recalca a representação e nela crê, por isso duvida. O afeto - angústia, portanto, se manifesta no deslocamento de uma representação a outra Em 1895, no Rascunho H, Freud nos ensina que na ideia obsessiva o “...afeto é considerado”. “O conteúdo da ideia apresenta-se ausente da consciência substituto encontrado (...) E o resultado é a defesa permanente sem ganho (...) E não se tem alucinação” (Freud, 1895, p.297). Temos, assim, uma estrutura de um elevado grau de angústia e fragilidade, porque o neurótico obsessivo se vale somente da representação do trauma que se implica na metáfora paterna. Neste sentido, a estrutura obsessiva é amparada somente pela barra de um só recalque, ao contrário da neurose histérica, que é amparada pela barra de dois recalques, a representação do trauma (metáfora paterna) e a condensação, que consiste na metáfora do sintoma. Por isso, o obsessivo é considerado um amigo fiel da sua própria angústia e o seu sintoma se dá na mente, como as ideias obsessivas de seus rituais e de sua ruminação mental. No lugar da metáfora do sintoma - condensação, presente na neurose histérica, na neurose obsessiva, temos o deslocamento e a metonímia. O sintoma neste sentido é frágil, pois este não é uma metáfora. “Esse mecanismo de formação de sintoma tem consequências importantes. Em primeiro lugar, a prevalência do deslocamento e da substituição por analogia isso faz com que a operação do recalque, na neurose obsessiva, seja mais frágil do que na histeria” (Ribeiro, 2003, p.16). Podemos dizer que é muita angústia? Sim, é muita angústia e muita ambivalência que passa livre pela ideia substitutiva. Neste contexto, o recalque 63 falha, o que muitas vezes faz com o que a ideia da ordem do incestuoso, do proibido, seja tangível na instância da consciência. Militante da causa consciente, o neurótico obsessivo acredita na instância da consciência e apresenta uma dificuldade enorme com a instância do inconsciente. É muito comum um obsessivo dizer que não precisa de análise, porque “ele se analisa sozinho”. É a negação do inconsciente e o distanciamento da pessoa do analista. O tormento das ideias obsessivas, que assediam o sujeito como vozes interiores, pode até levar a uma dúvida diagnóstica entre neurose obsessiva e paranoia. Assim, podemos dizer que é frequente na neurose obsessiva, o gozo destes sujeitos de serem torturados pelo supereu, principalmente por sua estrutura se constituir por um supereu literalmente sádico. Com relação ao supereu na neurose obsessiva, abordarei este aspecto mais tarde no presente estudo. Enfim, o que Freud utiliza como elemento básico para estabelecer o diagnóstico diferencial entre a paranoia e as neuroses de defesa - neurose obsessiva e neurose histérica, no Rascunho K foi a auto-recriminação: esta autorecriminação encontra-se presente no supereu - instância psíquica responsável pela auto-recriminação, auto-análise, autocrítica, autocensura, por fim, todas as ações do sujeito obsessivo de se culpar. O paranóico não duvida, ele tem certeza. A descrença no significante na estrutura paranóica consistirá em sua certeza delirante. Em 1885, no Rascunho H, Freud nos mostra o fato de que na paranoia o afeto encontra-se conservado, ao passo que na “psicose histérica” - esquizofrenia, é dominado. Porém, o que nos importa neste estudo é a paranoia - voltemos a ela. A representação, conteúdo da ideia, é conservada e projetada para fora ao contrário das ideias obsessivas, que pela via do significante Nome-do-Pai, permite que o sujeito dividido recalque e aposte no significante. E é através desta crença no significante que o sujeito obsessivo se pune, pois tem certeza de que ele é culpado e não os outros. A alucinação é uma “estratégia” significativa na estrutura paranóica. A alucinação apresenta-se hostil ao eu e favorável à defesa. “(...) A representação é rechaçada - e retorna no real, no mundo exterior, sob a forma, por exemplo, das vozes alucinadas” (RIBEIRO, 2001, p.28). Cabe ao sujeito do inconsciente apostar no significante e deslizar em sua cadeia - S1 - S2 - S3... O desejo encontra-se no intervalo - no vazio da cadeia 64 significante. E o sujeito obsessivo quer tamponar a falta, preencher a falta, pois preencher a falta é a estratégia de manter o desejo impossível e não desejar. Na paranoia, o sujeito não conta com a metáfora paterna, ou seja, não há uma identificação simbólica ao Nome-do-Pai, elemento indispensável à estrutura simbólica, o superpai velado que instaura o Complexo de Édipo. É fato, na paranoia não o temos. Entretanto, observamos na psicose paranóica que o sujeito apresenta um “inconsciente a céu aberto” encontra-se identificado com o significante do ideal do EU que é vinculado pela fala da mãe sem interferência do Nome-do-Pai. Neste contexto, o sujeito paranóico se faz capturado - “preso” - pelo desejo materno. É comum encontramos na paranoia o trauma sexual. O desenrolar do processo analítico do sujeito paranóico é muito parecido à associação livre que é verificada nas neuroses de defesa. Identificado ao significante do ideal materno, o paranóico possui lembranças infantis do Édipo. Vale ressaltar que é somente neste tipo de psicose - paranoia que encontramos o trauma sexual. Na clínica, o sujeito paranóico narra lembranças infantis do Édipo. Todavia, como já vimos em Freud, no Rascunho H, o paranóico, na ausência do recalque, projeta o conteúdo da representação, trauma, no mundo exterior, o que retorna sobre o seu eu nas ideias delirantes, ou seja, nas suas formas de alucinação. O que nos cabe identificar neste estudo é que não há dúvidas de que ambas as formas que o sujeito nega a castração, tanto a neurose obsessiva quanto as neuroses narcísicas - psicose paranóica são afecções da ordem da mente, do intelectual. O diagnóstico diferencial na clínica psicanalítica torna-se uma questão de ética para a figura do analista, pois é através do estabelecimento do diagnóstico que será conduzida a direção do tratamento do analisante. De uma promessa de cura, no que tange as neuroses de defesa, decifrando o gozo ou de “secretário do alienado” cifrando o gozo. É deste tratamento possível que se refere Lacan. Para Lacan, a finalidade da psicanálise é o sujeito. Sendo assim, a psicanálise é a política do desejo. Desejo que surge na falha, no hiato entre o sujeito e o outro. Assim, a ética em psicanálise trata-se da „falta a ser‟. O sujeito é efeito da linguagem e, neste sentido, o sujeito torna-se produto desta. O sujeito, na sua 65 relação com o falta-a-ser, ou seja, com o furo, com o objeto perdido, para sempre perdido, procura um significante para se relacionar com este vazio. Não podemos, enquanto analistas, nos munir de regras e padrões, pois o atendimento segue um curso natural e, muitas vezes, inesperado. Cabe ao analista se “alienar” e se comprometer com a escuta da relação deste sujeito com o outro, enfim, saber qual é a tônica das relações deste sujeito. 3.3. O DESEJO IMPOSSÍVEL NA NEUROSE OBSESSIVA Observamos a difícil relação do sujeito obsessivo com o seu desejo. Inicialmente focaremos na leitura do desejo a partir de Freud e Lacan, no Seminário 5, as formações do inconsciente, onde o autor descreve sobre o obsessivo e o seu desejo. Foi Sigmund Freud [1896], em um histórico de uma nova neurose, que conferiu no conteúdo teórico à antiga clínica das obsessões, assim situando a obsessão na nosografia de neurose e julgando “razoável dispor ao lado da histeria a neurose obsessiva (Zwangsneurose)” (Freud, 1896, p.146). Com isso, retirou-se a neurose obsessiva do campo da psicose, subvertendo a perspectiva psiquiátrica. Na neurose obsessiva, temos o sujeito distante do desejo, afastamento este relacionado à sensação de prazer que foi recalcada e que se tornou inconsciente. Sabemos que é na falta que advém o desejo. O analista se apropria desta “falta” onde o mesmo pode operar pela via do desejo – desejo do analista sobre as neuroses de transferência – neurose obsessiva e neurose histérica. Sabemos que, nestes tipos de neurose, o desejo é algo particular. No que tange a histeria, temos a histérica denunciando a falta para manter um desejo insatisfeito. Desejo bem diferente da estrutura clínica obsessiva. Na neurose obsessiva, a estratégia é a de anular o desejo. Com relação ao seu próprio desejo, o obsessivo o mantém como impossível. Uma das estratégias da impossibilidade no desejo do obsessivo é a protelação de suas atividades para fugir do desejo. Segundo Antônio Quinet, em seu livro A descoberta do inconsciente: “O desejo, ao se apresentar como pergunta, faz surgir para o sujeito algo que o faz questionar-se, pois o desejo é um enigma. É função do analista abrir essa dimensão do desejo, o que não é nada 66 evidente, pois o sujeito, pelo efeito do recalque, não quer saber de seu desejo” (Quinet, 2000, p.101). No projeto para uma psicologia científica, em Freud (1950 [1895]), Freud utilizaria em trabalhos futuros muitos dos conceitos que, de alguma forma, já estavam presentes no projeto. Ainda em 1895, Freud já havia observado a tendência do aparelho psíquico para os afetos e estados de desejo. Para Freud, o “estado de desejo” resulta numa atração positiva para o objeto desejado, ou mais precisamente, por sua imagem mnêmica, a experiência da dor leva à repulsa, à aversão por manter investida a imagem mnêmica hostil. Eis aqui a atração do desejo primário e a defesa [repúdio] primária” (Freud, 1895, p.436). O aparelho psíquico na obra freudiana se organiza em torno do que Freud denominava função primordial do sistema nervoso que seria manter o menor nível de excitação em seu “interior”. O sujeito humano nasce num estado de desamparo. No início de vida, seria incapaz de dar conta sozinho do investimento de energia e precisaria da ajuda de um adulto para sua sobrevivência. “É nesse desencontro que nascemos e nos constituímos como sujeitos, dependendo da palavra, de início vagidos, interpretados pelo outro para obter satisfação. É nesse contexto que as necessidades do sujeito se transformam em demanda, demanda de que o outro ame, única garantia de sobrevivência. O que escapa entre a necessidade e a demanda é o desejo que anima o sujeito do inconsciente” (RIBEIRO, 2003, p.08). No projeto, Freud descreve assim as primeiras experiências de satisfação. O grande Outro (mãe) ou quem ocupa este lugar invade o bebê respondendo sua demanda com carinho, cheiro... O primeiro encontro do bebê com a mãe é a primeira experiência de satisfação. Desta primeira experiência de satisfação, o sujeito dividido guarda uma marca na memória. O sujeito do inconsciente guarda uma marca significante. Quando o sujeito sente fome novamente, ele remete ao objeto perdido. A primeira satisfação. A primeira experiência é única. Nem tudo na necessidade é fome, nem tudo é alucinação de desejo. Existe uma energia desligada, não está ligada na representação (marca mnêmica). Essa energia desligada não satisfaz na alucinação de desejo. Essa energia desligada é pulsão de morte. Energia que não se esgota no significante. 67 À pulsão só podemos ter acesso pelos seus representantes. Freud chama de representante da representação. No trabalho de desenvolvimento da teoria psicanalítica, e mais especialmente do desejo, podemos considerar que a obra A interpretação dos sonhos (Freud, 1900) é herdeira do Projeto para uma psicologia cientifica. Durante a obra, Freud nos apontara para os desejos pertencentes ao sistema consciente e desejos pertencentes ao sistema pré-consciente na indução dos sonhos, afirmando um outro lugar, o inconsciente. A etiologia das neuroses é o sexual. Este é o caminho que Freud adota para chegar na natureza do inconsciente. O sonho consiste na manifestação do desejo. A representação do Desejo nos sonhos se dá por dois mecanismos desvendados por Freud: um consiste na condensação, processo pelo qual, várias ideias inconscientes se condensam em uma só, e o deslocamento, que é a forma pela qual o recalcado se mostra. Em Lacan, o que temos é o inconsciente estruturado como uma linguagem. No que tange ao deslocamento, temos a metonímia e a condensação, à metáfora. Assim, em Lacan, temos que as leis do inconsciente são as mesmas que as leis da linguagem. O sonho é a via régia para o inconsciente. Uma das formas de acesso ao inconsciente é através dos sonhos. O sujeito tem que transpor a cena imaginária (imagem do sonho) para as palavras, ou seja, para o registro do simbólico. Somente desta forma que o próprio sujeito do inconsciente o decifra, pois sabemos que é o próprio sujeito que é o intérprete do seu sonho. Na obra A interpretação dos sonhos, Freud, diferentemente da forma tratada no Projeto para uma psicologia científica, não remete mais ao aparelho psíquico como sistemas de neurônios diferenciados, mas de sistemas psíquicos diferenciados. Desta forma, observamos que Freud iniciara o rompimento com o discurso médico cientificista da época, que já não era capaz de definir a “verdade” sobre o funcionamento da psique humana. Freud passa a falar de um outro lugar. Um lugar onde o sujeito não tem o menor domínio. Freud enfatiza a presença do desejo sexual na infância, o que lhe rendeu severas críticas. Freud não tem dúvida de que é nas relações edipianas que se encontra o núcleo das neuroses. A origem das neuroses está no desejo incestuoso edipiano – que consiste em dois desejos “mortíferos” – o parricídio e o incesto. Na neurose histérica, o que temos é a sustentação do desejo do pai, e na neurose 68 obsessiva o que temos é a questão da sexualidade camuflada pela questão da morte. O obsessivo enfrenta o pai para perder – para ser um perdedor. O obsessivo disfarça a questão sexual para a morte. Eu estou vivo ou estou morto? Assim como outras ideias psicanalíticas, a teoria sobre o complexo de Édipo foi forjada sobre grande dificuldade. Freud trabalhou a partir de sua própria análise e dos trabalhos iniciais junto a suas pacientes histéricas. Tomando como exemplo uma criança do sexo masculino, o que temos é a mãe como objeto natural de desejo, por ser a pessoa vinculada ao sujeito desde o nascimento. O pai, tido primeiramente como objeto de identificação, acaba se tornando um obstáculo ao desejo sentido pela criança com relação a mãe, e se transforma num adversário. A partir deste momento, tem-se em relação ao pai uma identificação ambivalente, de amor e ódio, e em relação à figura materna uma relação sexualmente objetal. O desejo em Lacan seria a necessária relação do sujeito do inconsciente com a falta. A releitura freudiana feita por Jacques Lacan é marcada pela influência da filosofia hegeliana, ou melhor, pela análise antropológica da filosofia de Hegel efetuada por Alexandre Kojeve, a partir da análise feita na obra Fenomenologia do Espírito, principalmente do capítulo que ficou conhecido como a Dialética do Senhor e do Escravo. Ao remetermos a política da neurose obsessiva, Lacan aborda o mito de Hegel. Em 2003, Ribeiro, em seu livro A Neurose Obsessiva, nos mostra um resumo deste mito. Nos apropriaremos deste resumo: “Hegel propõe um mito da origem do pensamento humano: dois sujeitos se confrontam numa rivalidade especular, imaginária e portanto tingida de amor e ódio. São sujeitos do desejo: cada um deseja que o outro o reconheça como uma „consciência de si‟; são portanto animados pelo desejo consciente de reconhecimento. No embate, um deles abre mão do gozo da vida em prol da vitória, que lhe garantiria a liberdade. O outro, temeroso, não abre mão do gozo da vida e, assim sendo, perde a liberdade. É uma disputa sem vencedores ou vencidos, pois o primeiro, o senhor, ganha a contenda mas passa a depender do outro, o escravo perdedor, para gozar a vida. O escravo, que é aparentemente derrotado, detém os meios de fazer gozar o senhor. Se pensarmos, como exemplo, na escravidão no Brasil, vemos que eram os escravos que aravam o campo, cuidavam do gado, faziam a comida e atendiam a todas as necessidades de gozo do senhor, o qual gozava, inclusive, do corpo das mulheres escravas. 69 Karl Marx, que também foi profundamente influenciado por Hegel, valeu-se desse mito para demonstrar como os trabalhadores (escravos) unidos poderiam derrotar o patrão (senhor) na greve, que paralisava as máquinas (aparelhos de gozo do senhor) que só eles (escravos) sabiam manejar. Lacan nos diz que o neurótico obsessivo ocupa de bom grado a posição de escravo. É um escravo que não se rebela, pois espera a morte do senhor para ocupar o seu lugar” (RIBEIRO, 2003, p.48-49). A citada influência de Hegel na teoria lacaniana nos ajuda a compreendermos a construção lacaniana da teoria do imaginário e na elaboração da teoria do estádio do espelho. Por outro lado, nos remete a limites, por isso abre caminhos para o simbólico. O desejo lacaniano é sempre de outra coisa, que não complementa a imagem – sempre narcísica, e não satisfaz as pulsões – o desejo pressupõe a falta. Falta esta que marca uma das diferenças entre Freud e Lacan: enquanto para Freud o desejo tem uma gênese remetida ao Complexo de Édipo, para Lacan o desejo é a necessária relação do ser com a falta (castração). O que dá forma a este desejo é a lei, o que Lacan designou simbólico, um registro psíquico, nomeado por Lacan, ligado à função da linguagem. Não à linguagem comumente associada à comunicação de conteúdo, mas especificamente do significante que Lacan o toma da linguística de Saussure. Freud deu aos termos: associação livre, regra fundamental da teoria psicanalítica, a sua importância na dissolução dos sintomas ao passo que Lacan reconheceu o que o recalque tenta encobrir, o desejo suscitado pela falta aberta no aparelho psíquico. A maneira como estas palavras se manifestam pelo analisante é através dos chistes, atos falhos, lapsos que constituem, juntamente com os sonhos, o que Freud denominou formações do inconsciente. É nesse sentido que toda palavra significante revela uma parte da verdade do sujeito, mas não toda, já que seu desvendamento total seria insuportável e impossível. Assim, vai-se de uma palavra relevante a outra; ou melhor, dito de um modo lacaniano, de um significante a outro, compondo uma rede de significações. Neste contexto podemos dizer, então, que os significantes dialogam entre si, deslizam de um significante a outro significante revelando sempre um sentido manifesto e um outro latente. E esta latência sendo decifrada pela emergência de um outro significante. Nessa formação de rede, nessa passagem de um significante a outro 70 significante, Freud identifica dois mecanismos distintos e básicos, porem complementares, o deslocamento e a condensação, responsáveis pelas formações do inconsciente. Lacan, por sua vez, utilizando-se novamente de termos da linguística, os denominou respectivamente, metonímia e metáfora. Na constituição do sujeito, porém, enfatiza Freud que algo escapa à identificação e ao significante, que é o objeto a na teoria de Lacan. Em Os Escritos, Lacan nos ensina em seu texto subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano: “Esse corte da cadeia significante é único para verificar a estrutura do sujeito como descontinuidade no real. Se a linguística no promove o significante ao ver nele o determinante do significado, a análise revela a verdade dessa relação, ao fazer dos furos do sentido os determinantes de seu discurso” (LACAN, 1960, p.815). É aí que emerge o sujeito do inconsciente, e o desejo se articula no significante. Segundo Quinet, em A descoberta do inconsciente – do desejo ao sintoma: “Lacan chega a propor como se formulariam o desejo histérico e o desejo obsessivo. Se na histeria, a questão paradigmática é „sou homem ou sou mulher‟, na obsessão é „estou vivo ou não?‟. Trata-se, em ambas as neuroses, da maneira como o sujeito se situa entre dois significantes (S1 – S2) fazendo surgir o desejo como questão. Pois o desejo se encontra articulado à divisão subjetiva – divisão entre homem e mulher, entre vivo ou morto – em suas múltiplas versões” (QUINET, 2000, p.101). O desejo no obsessivo se articulará em suas relações, em função de um suprimento de necessidade. Num universo de significantes, parece esclarecer-se o porquê do desejo obsessivo ser impossível. “A estratégia do obsessivo é acentuar a clivagem entre a demanda e o desejo dando ênfase ao desejo – mas para mostrar suas impossibilidades” (QUINET, 2000, p.109). A relação do obsessivo com o desejo, uma vez que articulado somente a partir da necessidade, apresenta um caráter paradoxal. Ele é absoluto e, como tal, implica na destruição do Outro. Por outro lado, ele é impossível, pois o Outro é imprescindível ao próprio desejo, na medida em que é inerente ao sujeito. Na luta interminável de prestígio e reconhecimento, o obsessivo acaba tendo de enfrentar e se conformar com o que é inerente ao sujeito, é algo que existe e não deixará de existir; a despeito de ele tentar não querer ver: a existência da castração. 71 A lei do pai lhe mostra a impossibilidade do absoluto. O obsessivo ao mesmo tempo em que busca negativizar o senhor, seu desejo se dissipa. “Na neurose obsessiva, o Outro aparece como lugar do poder absolutista, ou seja, de comando da lei no supereu, mas é impossível que ele responda” (QUINET, 2000, p.106). Na luta interna do neurótico obsessivo, temos uma busca pela transgressão da norma do pai e de todas as normas a ela vinculadas. A transgressão se realiza normalmente à luz de seu contrário. A escrupulosidade e a honestidade de maneira alguma conseguem mostrar ao mesmo tempo em que afirmam, o desejo inconsciente de transgressão. Segundo Quinet: “Na neurose obsessiva sob a forma da impossibilidade de ele responder ao apelo de amor do sujeito. É nessa falha de poder do Outro que se aloja o desejo do sujeito: a insatisfação do desejo na histeria é relativa à impotência do poder do Outro assim como a impossibilidade do desejo na neurose obsessiva é encoberta pelo impossível da resposta ao apelo do sujeito” (QUINET, 2000, p.107). A necessidade de comando é algo marcante na clínica deste tipo de estrutura. O obsessivo irá resistir bem mais que a histeria. Ele resiste em “obedecer” a regra fundamental da psicanálise, ou seja, há uma imensa resistência ao inconsciente. Assim, dificilmente ele se propõe a perder o controle de seus pensamentos e o domínio do seu dizer. O obsessivo resiste, o obsessivo se cala somando a estratégia de controle de si, à preocupação constante com sua imagem narcísica, que nem na presença do analista, ou sobretudo, justamente por estar presente a figura do analista, não pode ser quebrada. O obsessivo fala de si a partir de um outro lugar, um lugar distante onde ele não se envolva naquilo que ele relata. Sua fala é repleta de dialetos, principalmente em ocasiões do puro “real”, ou seja, de angústia. O analista deve estar atendo a tal aspecto, ajudando a falar a “frase proibida”, a frase do horror. O estudo da neurose obsessiva, continua a trazer dúvidas e vislumbres de novos desdobramentos. O corpo é o lugar contínuo de introjeção de ideais, de identificação e da sexualidade. Ele é objeto do outro, ao mesmo tempo em que é o lugar onde encontramos a subjetividade. Somos um corpo esculpido por significantes vindos do Outro, por meio desse Outro que achamos saber quem é; porque está diante de 72 mim, eu o vejo, ou o escuto como uma voz interna (supereu), o outro que aparece em meu sonho, o outro que desperta o meu desejo e que desperta o meu ódio. Assim, este outro pode ser o meu inferno ou o meu paraíso. Segundo Lacan, em O Seminário – Livro 5: As formações do inconsciente, “... o desejo é o desejo do Outro, porque seu desejo é evanescente (LACAN, 1957, p.417).” A razão disso deve ser buscada numa dificuldade fundamental de sua relação com o outro, na medida em que este é o lugar onde o significante ordena o desejo. A imagem fornecida pelo Outro, marcada por sua sexualidade, que é tão fundamental para a constituição do sujeito, revela, ao mesmo tempo, um “drama”: a imposição do desejo do Outro, em contraposição ao próprio desejo. “Chamamos, conforme Lacan, de eixo especular ao eixo que se estabelece entre o eu e a imagem” (RIBEIRO, 2003, p.19). Podemos dizer que essa imagem é a mesma de nossos semelhantes. Este eixo especular é o eixo do amor e da agressividade. É neste eixo especular que se encontra o obsessivo. Neste tipo de estrutura clínica o sujeito oscila entre o amor e o ódio pelo seu semelhante. Esta oscilação foi nomeada por Freud de ambivalência, imagem que fornece elementos para compreender o que Lacan denominou como registro Imaginário, o terreno dos ideais introjetados e sedimentados pelo Outro. Lacan, no Seminário Livro 5: As formações do inconsciente, nos afirma que “a fantasia é, essencialmente, um imaginário preso numa certa função significante (LACAN, 1957, p.423).” Para escapar do encontro constante com a imagem de si mesmo e do trauma sexual, isto é, para que o sujeito do inconsciente se salve da submissão ao Outro, é preciso que ele sustente o seu próprio desejo. Assim, podemos entender desejo como a negatividade do mundo narcísico, como aquilo para o que não há objeto dado e conformado de satisfação plena, como fazem parecer as imagens narcísica e ideal. “A Gestalt fechada oculta a divisão do sujeito e, portanto, o protege de uma angústia que é a angústia de castração, ou seja, derivada dessa fenda que funda o sujeito do inconsciente” (RIBEIRO, 2003, p.19). O desejo é sempre de outra coisa, não complementa a imagem e não satisfaz as pulsões. Assim, como já abordamos, o desejo para Lacan é a necessária relação do sujeito com a falta (castração). 73 A particularidade da neurose obsessiva com sua oscilação do pensamento, ou seja, com sua “loucura da dúvida” (Legrand du Saulle) remete-nos à proposta de Lacan de que o inconsciente se constitui em uma dialética. Nela há a ambivalência das angústias, das pulsões e da lei moral. É a dialética do não e do sim, do amor e do ódio presente em todos os sujeitos do inconsciente, inerentemente divididos. Porém, o sujeito obsessivo faz desta ambivalência, desta dúvida, uma estratégia de tamponar o seu desejo que é da ordem da impossibilidade. Segundo Lacan: “O obsessivo, digamos, tal como a histérica, necessita de um desejo insatisfeito, isto é, de um desejo para além de uma demanda. O obsessivo resolve a questão do esvaecimento de seu desejo fazendo dele um desejo proibido. Faz com que ele seja sustentado pelo Outro, precisamente pela proibição do Outro” (LACAN, 1957, p.427). O sujeito obsessivo é acostumado a anular o desejo do Outro. Ele o faz para que seu próprio desejo seja anulado. Assim, estes sujeitos apresentam uma estratégia de tamponar a falta, pois sabemos que o desejo aparece na falha, no espaço da cadeia significante. Lacan evidencia este aspecto no que se refere ao obsessivo e seu desejo: “É no espaço virtual entre o apelo da satisfação e a demanda de amor que o desejo ocupa seu lugar e se organiza” (LACAN, 1957, p.418). Cito ainda Lacan: “Com efeito, observamos nessas ocasiões a mecânica da relação do sujeito obsessivo com o desejo – à medida que ele tenta aproximarse do objeto nas vias que lhe são propostas, seu desejo se amortece, ao ponto de chegar à extinção, ao desaparecimento” (LACAN, 1957, p.424). A clínica nos mostra que os sujeitos estruturalmente de tipo clínico obsessivo costumam preencher as lacunas com seus rituais, com ambivalência e com as mais diversas punições de suas ideias obsessivas. Com isso, o sujeito obsessivo apresenta a estratégia de manter o desejo na impossibilidade. Acontece de o sujeito se ver próximo de seu desejo e, inconscientemente, se punir. É como se o supereu sádico da estrutura obsessiva retornasse para cobrar algo do sujeito – por este desejar. Ocorrem agravamentos sintomáticos que podem finalizar em grandes punições cometidas pelo sujeito do inconsciente. Como disse Lacan, “o seu desejo é evanescente”. Isto quer dizer que o desejo obsessivo faz perder as forças e leva o 74 sujeito a desanimar deste. “A razão disso deve ser buscada numa dificuldade fundamental de sua relação com o outro na medida em que este é o lugar onde o significante ordena o desejo” (LACAN, 1957-58, p.417). O desejo obsessivo torna-se uma defesa contra o gozo e o sujeito obsessivo anula seu desejo ao calcular, nos atos de contrastes, e ao duvidar com a finalidade de se assegurar de um gozo. Podemos dizer que é frequente o gozo destes sujeitos de serem torturados pelo supereu, instância psíquica responsável pela auto-recriminação interna do sujeito dividido. Assim, os rituais de punição implicarão em conflitos que paralisam o sujeito. “Nenhum obsessivo homem ou mulher deixa com facilidade a jaula em que se debate para enganar a morte, seu mestre absoluto” (POLLO, 2003, p.15). Desse modo, os rituais do obsessivo apresentam-se como uma metódica manifestação a que o sujeito se apega, pois sente que os atos obsessivos o protegem contra as tendências de seu desejo inconsciente. Lacan nos ensina que: “Quando vemos um obsessivo bruto, em estado natural, tal como nos acontece ou se supõe que nos aconteça através das observações de caso publicadas, encontramos alguém que nos fala, acima de tudo, de toda sorte de empecilhos, inibições, bloqueios, medos, dúvidas e proibições. Sabemos, também, desde logo que não é nesse momento que ele nos falará de sua vida de fantasia, mas sim graças a nossas intervenções terapêuticas ou a suas tentativas autônomas de solução, de saída, de elaboração de sua dificuldade propriamente obsessiva. [...] vocês sabem o quanto essas fantasias podem assumir, em alguns sujeitos, uma forma realmente invasiva, absorvente, cativante, capaz de tragar pedaços inteiros de sua vida psíquica, de sua vivência, de suas ocupações mentais” (LACAN, 1957-58, p.423). Freud já havia nos revelado, em sua teoria sobre as neuroses, que uma característica fundamental da neurose obsessiva é a de que o sujeito apresenta um vínculo estrutural com o sentimento de culpa. O sujeito se vê invadido por recriminações com as quais chega a identificar imaginariamente o seu eu, isto é, a auto-recriminação que o sujeito obsessivo faz, utilizando o seu sádico supereu. O sentimento é de mal estar e angústia, sentimento de cobrança, de algo atormentador que invade o sujeito e o impede de praticar certas ações. O eu se avalia e se vê vigiado. “O supereu é particularmente cruel na neurose obsessiva. É o olhar que 75 vigia e a voz que admoesta sempre prontos a torturar o sujeito” (RIBEIRO, 2003, p.41). Segundo Lacan, a neurose obsessiva se caracteriza pelo desejo impossível e pela falicização dos objetos da realidade psíquica. O que predomina no sujeito obsessivo é a lógica do ter e não a lógica do ser. O gozo desta neurose está localizado no registro anal, estando ligado à demanda que vem do Outro. O obsessivo procura preencher a falta do Outro com os objetos erotizados de seu desejo. 3.4. PHILON E SEU DESEJO OBSESSIVO “Um véu, tão transparente quanto intransponível, parece separar o sujeito obsessivo do objeto de seu desejo. Não importa o nome que possa ter, que seja uma parede azulada, de algodão ou de pedra, o sujeito o vivencia, e nós dizemos assim, como se fosse uma redoma de vidro que o isola da realidade” (LECLAIRE, 1971, p.147). Philon, como o nomeou Leclaire, era um homem solteiro de aproximadamente trinta anos. Leclaire nos conta poucas coisas sobre sua história. “Em sua família há cinco crianças; seus pais morreram há quase quinze anos, um depois do outro em um intervalo curto. Seu problema era saber o que ele ia fazer da sua vida, e, nesse processo, bastava imaginar todas as alternativas diante das quais era possível parar sem jamais fazer uma escolha. Desde sua tenra idade, ele repete de bom grado para usar um pouco mais o trocadilho, ele não sabia qual seio ele preferia; isso não mudou: a licenciatura ou o petróleo, a ordenação ou o casamento, contanto que não seja ele que tome a decisão. Ele somente se reserva o privilégio de expor – a quem quiser escutá-lo – sua dúvida, e sobretudo, contestar, anular a decisão do outro. É justamente com o desejo de ser amado e de fracassar, uma de suas três grandes paixões” (LECLAIRE, 1971, p.147). “Philon sentia ódio de seu pai, desejava dividir a cama com sua mãe e tinha ciúmes de seus irmãos. Philon me disse, um dia, que ele não conseguia romper seus laços com a sua mãe na qual ele encontrava a marca no nível de uma tentativa amorosa. Ele continua: „isso começa com o olhar; é como uma comunhão, uma simbiose. Sim, em seu olhar, há uma espécie de segundo olhar. É como se ela 76 tivesse encontrado em mim a satisfação que ela não encontrou em meu pai. Essas palavras saem do meu íntimo mais secreto‟. E ele prossegue: „Eu não tenho mais nenhuma meta. Sim, não tenho mais meu único objetivo de ser a única coisa necessária para minha mãe‟” (LECLAIRE, 1971, p.149). Philon, nesse elo que o une à figura materna, queria agradá-la o tempo todo. O analisante queria ser ao mesmo tempo o vassalo e o soberano de sua mãe, aquele que ela ama, aquela que eu amo, sendo cúmplices em um olhar apaixonado. “O círculo está bem fechado. O meu amado está comigo, eu sou todo dele. É a serpente que morde seu próprio rabo, e eu mesmo reclinado sobre meu próprio pênis” (LECLAIRE, 1971, p.150). Philon, como a maioria dos obsessivos, foi o filho preferido de sua mãe. O círculo (mãe-filho) se fechou numa efusão bizarra no momento em que Philon se delineava numa caminhada em direção ao desejo. Ele descobriu bem cedo, com a certeza intuitiva da infância, com que sonho de amor a sua mãe fazia a lei e alimentava sua vida. O herói mártir, capaz de lançar e suprir este amor. Ele realizava o seu desejo compartilhando o desejo da mãe. O desejo nascente da criança, que mal acabara de sair da exigência da necessidade ou da expectativa da demanda, encontra-se, de um só golpe, destacado, confirmado e, ainda por cima, satisfeito. Philon terá os estigmas da prematuridade e o caráter de exigência elementar da necessidade, e de modo indelével, a marca da insatisfação inerente a toda demanda. Assim, o eu de Philon não tem uma identidade própria. “Ele é tão somente representado por significantes que se encontram nesse lugar psíquico que é o Outro, o qual pode ser chamado de „o Outro do significante‟, „o Outro da linguagem‟ ou „o Outro do simbólico‟, ou, ainda, „o tesouro ou conjunto de significantes‟” (QUINET, 2012, p.22). “Philon me disse, um dia, que ele não conseguia romper seus laços com sua mãe na qual ele encontrava a marca no nível de uma tentativa amorosa” ( LECLAIRE, 1971, p.148). Poderíamos pensar que Philon estaria identificado ao significante do ideal materno, assim como faz o paranóico. Todavia, Leclaire não nos dá margem para isso. O que temos neste caso clínico é um desejo obsessivo, embora possamos dizer que há uma identificação do desejo obsessivo com relação à mãe, assim como na paranoia. Porém, o rigor do paranóico com relação ao desejo 77 denuncia que a própria lógica desta estrutura é paranóica. Na paranoia, o sujeito não apresenta uma identificação simbólica ao significante Nome-do-Pai, elemento sine qua non à estrutura neurótica, que representa o superpai velado que instaura o Complexo de Édipo. O que podemos dizer aqui é que há uma “semelhança” entre o desejo materno do sujeito obsessivo e do sujeito paranóico. Deste modo, na paranoia o desejo do sujeito se faz capturado – preso – pelo desejo materno. Estes sujeitos são identificados ao significante do ideal materno, assim como o nosso Philon. Porém, não nos esqueçamos que Philon apresenta a interferência do Nomedo-Pai pela barra do recalque – Philon é um obsessivo capturado pelo desejo materno. No primeiro tempo, é a mãe enquanto objeto de desejo que é a personagem central. O sujeito se identifica com o objeto de desejo de sua mãe. Philon nos diz: “É como se ela tivesse encontrado em mim a satisfação daquilo que ela não encontrou em meu pai. Trata-se de uma forma explícita, acerca desse segundo olhar daquilo que a mãe esperava do pai, literalmente „o que ela não encontrou em meu pai‟” (LECLAIRE, 1971, p.151). Philon tenta suprimir a mãe desta falta de satisfação na relação com o marido, “de onde resulta todo o restante: comunhão pelo olhar, cumplicidade, intimidade secreta” (LECLAIRE, 1971, p.151). Ao contrário da histérica, o obsessivo sente-se amado demais pela sua mãe. Apesar deste fato parecer incontestável em todas as problemáticas obsessivas, não constitui elemento que permita opor tão facilmente o obsessivo ao sujeito de estrutura histérica. Porém, ocorrem evidências de que o obsessivo é um sujeito que se sente amado em demasia por sua mãe e isso aponta algo específico do ponto de vista da função fálica de um obsessivo. Assim, de fato, o obsessivo se manifesta frequentemente como um sujeito que foi particularmente investido como objeto privilegiado do desejo materno, ou seja, privilegiado em seu investimento fálico. Descobre-se sempre no romance familiar dos obsessivos a menção a uma criança que teria sido a preferida pela mãe, ou que pôde, num dado momento, sentir-se privilegiada junto a ela. Nos jogos do desejo mobilizados pela lógica fálica, esse “privilégio” desperta necessariamente na criança um investimento psíquico precoce e preponderante que consiste, para ela, em se tornar objeto junto ao qual a mãe 78 supostamente irá encontrar o que não consegue encontrar no pai. Em outras palavras, a criança é presa nesta crença psíquica: a mãe poderia encontrar nela o que supostamente espera do pai. Assim, dizia Philon: “‟Meu único objetivo é de ser a única coisa necessária à minha mãe‟ „...eu tenho um prazer necessário de vê-la todos os dias, de amá-la, de lhe agradar‟” (LECLAIRE, 1971, p.151). No centro, tal como nós constatamos, está a mãe enquanto objeto de desejo. Na perspectiva de Leclaire: “Há certamente mil e uma razões para uma mãe não estar satisfeita e se isso não for suficiente para fazer um pequeno obsessivo é, contudo, bastante indispensável. Para fazer um bom e verdadeiro obsessivo, é preciso de fato, de uma forma ou de outra, que a criança seja marcada – Philon nos disse isso frequentemente – com o selo indelével do desejo insatisfeito da mãe” (LECLAIRE, 1971, p.151). Philon nos diz: “‟Para agradar a minha mãe, é preciso e basta ser o falo” (LECLAIRE, 1971, p.152). Percebemos que a sua única preocupação era agradar a mãe e é neste investimento na figura materna que Philon se satisfazia. Philon não se sente um homem. Com trinta anos, continuou sendo o pequeno, o submisso, aquele que pede com educação, se desculpa a todo instante, arrepende-se de seus descontroles. Ele não se sente parecido com outros homens que possuem suas fêmeas: isso não é ainda para ele, e ele quase escuta a voz que lhe diz “quando você crescer” (LECLAIRE, 1971, p.154). Este trecho nos mostra o quanto é presente na vida de Philon a impossibilidade do desejo tão cara aos obsessivos. Partamos deste ponto indutor da neurose obsessiva – o signo do desejo insatisfeito da mãe, que inscreve a criança, junto a ela, na relação singular precedentemente evocada. A marca da falha na insatisfação do desejo materno com relação ao pai se apóia totalmente e precocemente em Philon, ajudada pela relação dual do desejo que Philon mantém com essa mãe. Desta forma, Philon percebeu logo cedo os indícios significantes. Entretanto, o que aparece em Philon é o: 79 “curto-circuito evolutivo que constitui a neurose obsessiva. A mãe responde pela manifestação de seu desejo na expectativa de seu filho. O desejo nascente da criança, que apenas saiu da exigência, da necessidade ou da espera, da demanda, encontra-se assim, de forma brusca, destacado, confirmado e, sobretudo, satisfeito” (LECLAIRE, 1971, p.158). Assim, podemos dizer que, para Philon, a demanda, movimento fundamental do sujeito em direção ao reconhecimento, é exclusivamente vivenciada por ele no modo exclusivo do desejo, a partir do seu desejo de complementar, de preencher o desejo do Outro. Lacan, em O Seminário 06, O desejo e sua interpretação (1958-59), nos ensina que: “O que caracteriza a demanda, não é unicamente que é uma relação de sujeito a um outro sujeito, é que essa relação se faz por intermédio da linguagem, quer dizer por intermédio do sistema dos significantes” (LACAN, 1958-59, p.54). Conclui-se, naturalmente, que o desejo tornou-se substituto fantasmático do ser – o desejo impossível de ser eternamente inacessível. Enfim, o desejo assim confundido é, por outro lado, marcado pelo componente natural da necessidade, e se manifesta no obsessivo, com as características da necessidade, tais como impaciência, insistência. O apego excessivo à mãe e ao suposto lugar de falo da mãe é um elemento importante que subjaz a reação terapêutica negativa. Será que o apego excessivo de Philon à mãe não poderia levá-lo a resistir à análise ao ponto de se tornar uma reação terapêutica negativa? 80 4. SIGMUND FREUD [1909]. A ESTRUTURA SIGNIFICANTE NO HOMEM DOS RATOS Na nota introdutória do Editor Inglês, Alix e James Strachey nos falam que o tratamento do caso O Homem dos Ratos, conduzido por Freud, começou em 1º de Outubro de 1907. A condução deste tratamento durou, segundo Freud, quase um ano. Porém, foi no verão de 1909 que Freud preparou o caso para ser publicado. “Uma carta a Jung revela que Freud levou um mês preparando o que, afinal, enviou à gráfica em 7 de Julho de 1909” (Nota introdutória, 1996, p.158). No decorrer do caso clínico, observamos estratégias típicas da Neurose Obsessiva, tais como: a impossibilidade presente no desejo do obsessivo, a dívida, o gozo, auto-recriminação e a metonímia presente no deslocamento da cadeia significante. O significante neste tipo clínico da estrutura neurótica, consiste em uma força capaz de comandar o sujeito do inconsciente e de determinar seu destino, seus atos e seu próprio pensamento. Estes sujeitos são particularmente “religiosos” do significante. Eles crêem no significante. Freud transformou a história do tenente Ernest Lehrs no paradigma psicanalítico desse tipo de distúrbio. Vejamos um resumo da mirabolante história de um caso de neurose obsessiva – o Homem dos Ratos, nas palavras de Ribeiro (2003), a história da neurose obsessiva de Ernst Lehrs: “Um dia, no acampamento militar onde estava sediado o seu regimento, um certo capitão Nemeczek havia narrado um cruel suplício que, segundo ele, se aplicava no Oriente. Tomava-se um tonel, com uma única abertura, e nele se colocavam ratos famintos. Sobre a abertura do tonel se sentava nu o infeliz supliciado, oferecendo em seu corpo a única saída possível para os ratos. Esta história havia produzido a mais viva impressão no tenente Lehrs. Ora, alguns dias depois, o jovem perdeu seus óculos e encomendou um novo par a seu oculista de Viena, que os enviou pelo correio. O capitão Nemeczek disse então, erroneamente, que ele devia pagar o reembolso postal ao tenente Z, que havia pagado a dívida. O tenente Lehrs jurou mentalmente fazê-lo e completou em pensamento a frase do capitão: „senão o suplício dos ratos será aplicado à moça que eu amo e a meu pai‟. Há aí um pequeno detalhe curioso: o pai do Homem dos Ratos já havia morrido! Ao tentar cumprir o juramento, descobriu que quem havia pagado o reembolso era uma senhora que trabalhava no correio. Armou então o plano de procurar o tenente Z, dar-lhe o dinheiro e pedir que ele o entregasse à senhora do correio. Porém o tenente Z havia sido transferido para outro regimento em outra cidade. Lehrs resolveu 81 então ir de trem à cidade onde estava o tenente Z, convencê-lo a voltar com ele para sua cidade, dar-lhe o dinheiro para que ele o entregasse à senhora do correio, que por sua vez deveria entregá-lo ao tenente B, que era o verdadeiro encarregado do correio. Tudo isto para que o tormento dos ratos não fosse aplicado a sua namorada e a seu pai (...). Foi nesse estado de confusão mental e profunda angústia que o jovem procurou Freud”. (RIBEIRO, 2003, p.30-31). Qual seria então o status de rato? No decorrer deste caso clínico, podemos observar que “rato” pode ser articulado nos três registros: real, simbólico e imaginário. No simbólico, rato se faz presente no deslizamento significante da cadeia associativa: raten – ratten (prestações – ratos); heiraten (casar); spielratte (rato de jogo). “A partir dessa equivocidade significante, ele faz o sintoma. Ratten / raten é um significante que se encontra na encruzilhada de articulações significantes diversas, constituindo o sintoma como sobredeterminado, como nos diz Freud. A sobredeterminação nada mais é do que a articulação das cadeias significantes encontradas ao se decifrar o sintoma, isto é, ao se fazer deslizar e desdobrar os significantes recalcados que a ele estão atrelados” (QUINET, 2000, p.39). No registro do imaginário, “rato” aparece na cena do cruel suplício relatada pelo Capitão Nemeczek que se aplicava no leste europeu e comentada pelo paciente com o mais profundo pavor, porém, com certo gozo. “Eu tinha certo terror dele, pois obviamente gostava de crueldade” (FREUD, 1909, p.170). No real, “rato” irá nomear algo do gozo S ( A ), significante da falta e do furo, ali onde não há significante que dê conta de fazer semblam ao real, ou seja, ao indizível, porém expresso inclusive na face do paciente, gozo este apreendido por Freud: “sua face assumiu uma expressão muito estranha e variada. Eu só podia interpretá-la como uma face de horror ao prazer todo seu do qual ele mesmo não estava ciente” (FREUD, 1909, p.208). No caso, podemos destacar que a cadeia de significantes apresenta seu deslocamento no processo analítico sem que o sujeito possa dominar conscientemente a passagem de um a outro. Em O homem dos ratos, vemos um sujeito marcado pela instância da letra, ou seja, por um significante (ratten), que se impõe de uma maneira obsessiva e de uma forma enigmática para o sujeito do inconsciente. Ao longo da narrativa freudiana, observamos que o significante se 82 encontra ligado a diversos outros, ou seja, a sua cadeia que se desloca a partir do significante mestre (S1). Podemos observar uma ligação de homofonia tanto entre ratten (ratos) e raten (traduzido por “pagamento”, dívida), que representa um aspecto perturbador na neurose obsessiva, quanto entre ratten e spielratte (literalmente, “rato de jogo”, expressão coloquial para jogador), referindo-se ao pagamento de uma dívida de jogo contraída pelo pai. Ocorre aí, por assim dizer, também uma equivalência metafórica entre o rato, ser que morde as pessoas e é punido cruelmente, e o próprio paciente que, na infância, foi castigado por haver mordido a babá. Em uma importante passagem com relação ao deslocamento metonímico, o paciente diz a Freud, sobre ao valor da sessão, que surge em sua mente: “tantos florins, tantos ratos” (FREUD, 1909, p.215). Vale lembrar que florins era a moeda da época em Viena. Observamos o deslocamento do paciente ao dinheiro, à dívida. “Desse modo, os ratos passaram a adquirir o significado de dinheiro. O paciente deu uma indicação dessa conexão reagindo à palavra „Ratten‟ (ratos) com a associação „Raten‟ (prestações). Em seus delírios obsessivos ele inventou uma espécie de dinheiro regular como moeda-rato.” (FREUD, 1909, p.215). Assim, o estabelecimento das leis da metáfora e da metonímia faz completa abstração da dimensão pulsional. Segundo Quinet: “Qual é a chave que utiliza Freud para desvendar o enigma desse sintoma? Ele percebe o elemento significante de articulação dessa dívida com a economia libidinal do sujeito a partir do significante prestação (quantia que se paga parceladamente quando se compra alguma coisa a prazo), que em alemão é Raten, com um T, que equivoca com Ratten com dois Ts, que significa „rato‟. É a mesma palavra que se ouve, mas não é a mesma palavra.” (QUINET, 2000, p.38). Assim, a homofonia é um elemento importantíssimo na decifração do sintoma. Para chegar a cifra, o sujeito precisa trabalhar por retroação o seu inconsciente. O sintoma não cessa de surgir e é sustentado por um jogo de palavras. No Homem dos Ratos, vemos o seu deslocamento metonímico da sua cadeia de significantes: ratten / raten / spielratte. Vale lembrar que quem interpreta é o próprio analisante a partir das intervenções do analista. Podemos dizer que o sintoma é a cifra da letra. A letra (raten) consiste no núcleo real do sintoma - a algo irredutível. Logo, temos Σ = f 83 ( x ), onde x é da ordem do um, é efeito do real no simbólico, da letra propriamente dita (raten), que se desloca para dívida, dinheiro, jogo. A letra é o que permite o ciframento na clínica psicanalítica. Portanto, o analista é colocado na posição de sujeito-suposto-saber. Transferência e suposto saber andam juntos e são condição sine qua non para o processo analítico acontecer. Neste sentido, o diagnóstico na clínica psicanalítica torna-se uma questão ética para o analista, pois é através do estabelecimento do diagnóstico que será conduzida a direção do tratamento do analisante. De uma promessa de cura, no que tange as neuroses de defesa – histeria e obsessão – decifrando o gozo a partir da associação livre do analisante e da escuta flutuante do analista. É então que as identificações vão sendo desconstruídas. Marcam-se os significantes mestres, aqueles que se destacaram na história de vida do sujeito. “O que mostra que a associação de ideias se faz pela via do significante e não do significado” (QUINET, 2000, p.37). “... a psicanálise opera sobre o inconsciente, que dá prevalência ao significante – pois o significado nada mais é que outro significante que, junto com o primeiro, produz efeito de sentido. O significante é apenas o som da palavra esvaziado de sentido, como uma palavra estrangeira desconhecida ou o nome próprio que, embora designe, nada significa” (QUINET, 2000, p.37). A interpretação do analista, que vem sempre descompletar algo, instaura ou aponta uma falta irremediável, opera no deslocamento da cadeia significante. A interpretação consiste em uma pontuação oportuna que dá sentido ao discurso do sujeito. É por isso que a suspensão da sessão desempenha o papel de escansão, que tem o valor de uma intervenção, precipitando momentos conclusivos. O sujeito do inconsciente é evanescente, não tem nenhuma substância e seu ser é vazio, é feito de significantes vindos do Outro. É causado, e sua causa está em outro lugar, no objeto perdido, como dizia Freud, jamais reencontrado, e que na álgebra lacaniana ganhou o nome de “objeto pequeno a”. “Interpretação da qual o mínimo que se pode dizer é que ela é inexata, uma vez que é desmentida pela realidade que presume, mas que mesmo assim é verdadeira na medida em que Freud nela dá mostras de uma intuição em que ele antecipa o que introduzimos sobre a função do Outro na neurose obsessiva, demonstrando que essa função, na neurose obsessiva, admite ser sustentada por um morto, e que, nesse caso, não poderia ser mais bem exercida do que 84 pelo pai, uma vez que, estando efetivamente morto, ele retornou à posição que Freud reconheceu como sendo a do Pai absoluto” (LACAN, 1998, p.603-604). Os benefícios analíticos não são imediatos. É comum o sujeito em análise experimentar uma intensificação de seu sofrimento, justamente por haver começado a falar sobre aquilo de que ele nada queria saber. De qualquer modo, a psicanálise reconhece que a enunciação do sentido dos sintomas é uma condição indispensável para o desenrolar do processo analítico. Em 1909, Freud nos remete através de seu caso analítico sobre a neurose obsessiva algumas particularidades do neurótico obsessivo como a onipotência de seus pensamentos, a necessidade de incerteza e a dúvida em suas relações objetais. Primeiramente, ele explica que, devido à onipotência dos seus pensamentos, os neuróticos obsessivos são propícios a superestimar os efeitos de seus sentimentos hostis sobre o mundo externo. Em relação aos outros dois (incerteza e dúvida), Freud (1909) nos mostra que os neuróticos obsessivos esforçam-se por protelar qualquer decisão e são incapazes de chegar a uma decisão, especialmente em matéria de amor, atribuindo como origem destas dificuldades, entre o amor e o ódio - a ambivalência da estrutura obsessiva. Donos de um compasso binário, a melodia da neurose obsessiva apresentase fidedignamente por presentes oscilações que podemos observar com bastante ênfase em Freud no caso clínico - Homem dos Ratos: “A dúvida contida em sua obsessão por compreensão era uma dúvida de seu (dela) amor. No peito do amante, enfurecia-se a batalha entre amor e ódio, e o objeto desses dois sentimentos era a única e mesma pessoa. A batalha era representada numa forma plástica por seu ato compulsivo e simbólico de remover a pedra da estrada, pela qual a dama iria passar, desfazendo depois esse ato de amor mediante a restituição da pedra ao lugar onde estivera, de modo que o carro viesse a acidentar-se nela e a dama se ferisse” (FREUD, 1990, p.194). O pensar do sujeito obsessivo consiste em uma arquitetura de contrastes. É o que podemos chamar de um doente do limite onde em um mesmo sujeito podemos experenciar da máxima generosidade à máxima avareza, da total atenção à máxima indiferença, e assim sucessivamente. Ainda Freud, em uma passagem no caso do Homem dos Ratos, nos mostra claramente a estratégia de ambivalência da neurose obsessiva no tenente Lehrs. 85 “No dia em que ela ia partir, ele bateu com o pé numa pedra da estrada e foi obrigado a afastá-la do caminho, pondo-a à beira da estrada, pois lhe veio a ideia de que o carro dela iria passar, dentro de poucas horas, pela mesma estrada e poderia acidentar-se nessa pedra. Contudo, minutos depois, pensou que era um absurdo e foi obrigado a voltar e restituir a pedra à sua posição original no meio da estrada” (FREUD, 1990, p.193). Essa melodia das contradições característica do neurótico obsessivo se repete constantemente no seu pensar. Em A Neurose Obsessiva, a autora nos fala sobre este aspecto: “Chamamos, conforme Lacan, de eixo especular ao eixo que se estabelece entre o eu e a imagem. A imagem de nossos semelhantes, que vamos amar, a partir do nosso próprio narcisismo, ou odiar, na medida em que ameacem a integridade de nosso eu. Assim sendo, o eixo especular é o eixo do amor e da agressividade. É nele que está preso o obsessivo e a sua oscilação entre o amor e o ódio pelos semelhantes Freud chamou de ambivalência” (RIBEIRO, 2003, p.19-20). O esquema L, de Lacan (1956-57), inscreve a relação do eu (a) com o Outro (A): (Es) S a' outro (eu) a A (Outro) Figura 6 O sujeito obsessivo se esforça por anular o desejo do outro, ele o faz para que seu próprio desejo seja anulado. Ele apresenta uma estratégia de tamponar a falta, pois sabemos que o desejo aparece na falha, no espaço da cadeia significante. O sujeito obsessivo preenche estas lacunas com seus rituais, com ambivalência e com as mais diversas punições de suas ideias obsessivas. Com isso, o sujeito obsessivo apresenta a estratégia de manter o desejo na impossibilidade. Em Freud (1909), Homem dos Ratos, a instância do supereu é bastante demonstrada pelo tenente Lehrs: 86 “À noite, às onze e meia, deitara-se para descansar por uma hora. Despertara há uma hora e soube por meio de um amigo médico que seu pai havia morrido. Censurou-se por não ter estado presente à hora de sua morte e a censura intensificara-se quando a enfermeira lhe contou que seu pai dissera seu nome uma vez nos últimos dias, e dissera a ela, ao aproximar-se do leito: „É o Paul?‟ Ele pensara haver observado que sua mãe e suas irmãs estivessem propensas a se censurarem de uma forma parecida; elas, porém, jamais falaram a esse respeito” (FREUD, 1990, p.178). Ao longo deste estudo sobre algumas das estratégias da neurose obsessiva, observamos que a loucura da dúvida, a predisposição a uma arquitetura de contrastes presente na neurose obsessiva faz com o sujeito dividido automaticamente se culpe, ou seja, se autocensure. Ainda Freud (1909), em Homem dos Ratos: “Somente dezoito meses depois é que a recordação de sua negligência lhe veio e começou a atormentá-lo terrivelmente, de forma que passara a tratar a si próprio como um criminoso (FREUD, 1990, p.178).” É curioso percebermos que é o próprio tenente Lehrs que se trata como um criminoso. Isto consiste em uma auto-recriminação interna do sujeito, que como já vimos neste estudo, consiste na instância psíquica do supereu. É nesta escuta clínica pautada na linguagem que o analista consegue diferenciar a autorecriminação interna do sujeito na neurose de obsessão da auto-recriminação projetada nos seus semelhantes no que diz respeito à paranoia. “Ele disse a si mesmo, prosseguiu, que uma autocensura só podia originar-se de um rompimento dos próprios princípios morais internos de uma pessoa e não do de quaisquer outros princípios externos” (FREUD, 1990, p.180). A angústia na neurose obsessiva se mantém conservada no eu do sujeito. O recalque dessa estrutura consiste em uma película, o que faz com que muitas vezes a ideia do incestuoso e do proibido seja apresentado ao neurótico obsessivo na sua instância consciente. E, junto a esta ideia do proibido, é comum o sujeito se torturar e se punir pelas vias de um supereu literalmente sádico da neurose obsessiva. “...perpassara como um raio a sua mente uma segunda vez, seis meses antes da morte de seu pai. Naquela época, ele já estivera 87 namorando essa dama, mas obstáculos financeiros impossibilitaram que pensasse numa aliança com ela. Ocorrera-lhe, então, a ideia de que a morte de seu pai poderia torná-lo rico o suficiente para desposá-la. Defendendo-se dessa ideia, ele estivera a ponto de desejar que seu pai não lhe deixasse absolutamente nada, de modo que ele não pudesse ter compensação alguma pela sua terrível perda” (FREUD, 1990, p.182-183). “Muitos anos depois da morte de seu pai, na primeira vez que experimentou as prazerosas sensações da cópula, irrompeu em sua mente uma ideia: „Que maravilha! Por uma coisa assim, alguém é até capaz de matar o seu pai!‟ Isto foi, ao mesmo tempo, um eco e uma elucidação das ideias obsessivas de sua infância” (Freud, 1990, p.204). Em Homem dos Ratos, uma referência clínica de neurose obsessiva conduzida por Sigmund Freud, podemos constatar muitos aspectos conflituosos vividos pelo tenente Lehrs em sua neurose. 4.1. HOMEM DOS RATOS: REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA? A análise do tenente Ernst Lehrs, conhecida como o caso do Homem dos Ratos, é uma das cinco grandes psicanálises freudianas e paradigma da neurose obsessiva. Logo no início do processo analítico, em uma das entrevistas preliminares, Freud observa que seu paciente experimentava um gozo que ele próprio desconhecia, ao narrar a antiga tortura oriental de introduzir um rato no ânus dos prisioneiros, tortura esta que lhe fora relatada por certo capitão. Para a tristeza Freud, que considerou bem sucedido o tratamento por ele conduzido, a morte de Ernst Lehrs nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, em meio a muitos ratos, foi trágica, irônica e precoce. Percebemos que o processo analítico do “homem dos ratos” foi um percurso de análise longo e intenso, com bastante intervenções de Freud, e, consequentemente, com muitas interpretações por parte do tenente Lehrs. Podemos dizer tratar-se de uma análise “bem sucedida”, no sentido de que as resistências obsessivas ao inconsciente - o dialeto da estrutura significante - não abalaram o procedimento analítico. Houve um percurso de análise onde o inconsciente se pôs a 88 trabalhar. Na perspectiva freudiana, o que temos foi um sucesso no processo analítico, ao contrário do que supõe Jacques Lacan. A sua morte na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) seria uma fatalidade ou um desejo inconsciente de arruinar-se pelo seu êxito? Esta é uma interrogação que podemos fazer ao ler Lacan, em seus Escritos (1998), onde nos fala: “Tampouco trata de que eu considere o homem dos Ratos um caso que Freud tenha curado, pois, se eu acrescentasse que não creio que a análise não tenha tido nada a ver com a trágica conclusão de sua história com sua morte no campo de batalha, o quanto não estaria eu contribuindo para infamar aqueles que mal pensam nisso?” (Lacan, 1998, p.604). Sobre a sua morte, é o próprio Freud que, em 1923, acrescentando uma nota à história clínica de seu paciente, o faz quase em estilo de epitáfio. Eis o que ele escreve: “A saúde mental do paciente foi-lhe restabelecida pela análise, sobre a qual relatei nestas páginas. Como tantos outros jovens valorosos e promissores, ele morreu na Primeira Guerra Mundial (FREUD, 1909/1976, p.250)”. O que fica evidenciado é que, pela transferência, Freud (1909/1976) vislumbrou a possibilidade de “curar” seu paciente. O processo de análise relacionado ao amor expresso pela transferência, é o único meio para amenizar o sintoma de uma neurose. Ao ser posta em cena pela regra da livre associação, a transferência propicia que o sujeito faça a experiência do inconsciente por meio da linguagem. Com isso, o analista se encontra na posição de escuta não tanto daquilo que é dito, mas do que é assincrônico ao relato. Dessa maneira, a posição de Freud é a de quem não esperava nada e somente intervinha quando o material do inconsciente surgia. Se a transferência é condição sine qua non do processo analítico, é porque impede o controle sobre os conteúdos inconscientes. Vale ressaltar que, na Primeira Guerra Mundial, a vida nas trincheiras era marcada por privações. Havia escassez de recursos tais como alimentos, roupas e munição. Além disso, a falta de higiene ocasionava o surgimento de muitos ratos e insetos, consequentemente, de doenças e ferimentos. Estava entre as principais causas de morte na Primeira Guerra Mundial, além do frio e de todo o stress provocado por longos períodos em que ficavam parados nas trincheiras e pela possibilidade de serem alvejados pelas tropas inimigas. Os homens que morriam nas trincheiras eram enterrados onde caiam. Os ratos eram atraídos pelos 89 cadáveres em decomposição que lhes serviam como alimento. Tudo isso favorecia que o Homem dos Ratos entrasse em contato com o seu inconsciente, agora de uma maneira “real”, por assim dizer. Não é difícil imaginar que o cadáver do tenente Ernst Lehrs tenha sido devorado por ratos, pois o número de ratos nas trincheiras se multiplicava. Menciona-se a existência de cerca de 880 filhotes ao longo de um ano. Alguns desses ratos cresciam muito, atingindo tamanhos consideráveis. Nessa relação constante e desagradável, os roedores atacavam os olhos dos cadáveres, partindo, posteriormente, para o interior do corpo. “Eu vi alguns ratos correndo debaixo dos casacos dos soldados, ratazanas, gordas por causa da carne humana. Meu coração ficou apertado assim que subimos para ver um dos corpos. Seu capacete caiu e rolou. O homem apresentava um rosto deprimente, com tiras de carne arrancadas, o crânio descoberto, os olhos devorados e da boca aberta apareceu um rato” (Autor desconhecido, Notícias da Grande Guerra (1914-1919), www.planetaeducacao.com.br). Este foi o universo, o pano de fundo da morte do “homem dos ratos”. 90 5. CONCLUSÃO No desenvolvimento de nosso tema, tomamos como ponto de partida o desejo de investigar a reação terapêutica negativa na teoria freudiana e apontarmos a sua primeira incidência em um artigo de Freud intitulado História de uma neurose infantil (FREUD, 1918 [1914]), conhecida como o homem dos lobos. Neste mesmo texto, Freud nos mostra o agravamento dos sintomas do paciente e a resistência que o mesmo apresentava diante de algumas decifrações na condução do processo analítico. Dizia que o paciente reagia como uma criança que, diante da admoestação de um adulto, insiste ainda em fazer o ato censurado, antes de obedecer, para garantir sua autonomia. Referimos ao fenômeno da reação terapêutica negativa como uma ação de um sentimento inconsciente de culpa. Ao longo das teorizações freudianas, podemos dizer que a reação terapêutica negativa na neurose obsessiva é uma manifestação do sujeito do inconsciente advinda da pulsão de morte, juntamente com um supereu moral que se manifesta de modo excessivo nesta neurose. Esta parceria com o supereu com a pulsão de morte faz com que se apresente, ao longo do percurso analítico, um certo “gozo”. Assim, o sujeito do inconsciente se vê dividido entre o desejo e o gozo. Mas, para que o sujeito realize seu desejo, é imprescindível que o mesmo rechace algo deste gozo. Sabemos que a ética da psicanálise pode ser dita uma ética do desejo, mas não do gozo. Assim, podemos dizer que, na perspectiva analítica, só se pode ser culpado por trair o seu desejo, ou seja, dando lugar ao gozo. Como vimos, em Freud, este gozo consiste muitas vezes na mais pura manifestação da pulsão de morte. “O conceito de pulsão de morte obriga Freud a generalizar o Zwang ao que se repete no inconsciente. Zwang é o sinal da pulsão de morte que força os significantes a se repetirem no pensamento e, por conseguinte, no sintoma” (QUINET, 1992, p.74). Para isso, foi preciso articularmos o supereu, que é extremamente cruel na neurose obsessiva. Podemos dizê-lo a condição sine qua non da reação terapêutica negativa. O que vemos não é uma oscilação de sentimentos, e sim, uma manifestação subjetiva advinda da pulsão de morte, em sua parceria com o supereu, se fazendo presente no percurso analítico, em nome de um gozo. Um supereu 91 invasivo em sua articulação ao gozo do sintoma. Gozo este constituído na clivagem entre a pulsão de morte e a pulsão de vida. Ao longo de suas teorizações a respeito da reação terapêutica negativa, Freud, em 1923, se faz bem elucidativo sobre a questão. “Ao longo, percebemos que estamos tratando com o que pode ser chamado de „fator moral‟, um sentimento de culpa, que está encontrando sua satisfação na doença e se recusa a abandonar a punição do sofrimento. Mas, enquanto o paciente está envolvido, esse sentimento de culpa silencia, não lhe diz que ele é culpado, mas doente. Esse sentimento de culpa expressa-se apenas como uma resistência à cura que é extremamente difícil de superar” (FREUD, 1923, p.66). Constatamos, também, em O Seminário – Livro 05: As formações do inconsciente (LACAN, 1957-58) que “o sentimento de culpa aparece a propósito da aproximação de uma demanda sentida como proibida, porque mata o desejo (...). A culpa se inscreve na relação do desejo com a demanda. Tudo o que vai na direção de uma certa formulação da demanda é acompanhado por um desaparecimento do desejo (...)” (idem, ibidem, p. 511-512). Assim, observamos que a reação terapêutica negativa indica uma forte resistência do sujeito, especialmente de sujeitos do tipo clínico obsessivo, à instância do desejo inconsciente. Desse modo, é possível dizermos que a reação terapêutica negativa implica a resistência do analisante que se opõe aos procedimentos e decifrações durante a experiência analítica. Em maior ou menor grau, ela sempre se faz presente no desenrolar analítico. Será, entretanto, nos artigos freudianos de 1923, O Eu e o Isso e em O Problema Econômico do Masoquismo (1924), que, a nosso ver, Freud elevará a noção de reação terapêutica negativa ao estatuto de conceito. “O supereu do obsessivo adquire o aspecto de um Outro gozador, como o capitão cruel ou o pai da horda primitiva de „Totem e Tabu‟, que trata sadicamente o sujeito que não pode tomar senão a posição masoquista em seu sintoma, mortificando-se” (QUINET, 1997, p.72). Freud constatou que tanto a reação terapêutica negativa quanto a presença constante do gozo do sintoma na experiência analítica são estratégias do supereu do analisante. Sendo assim, é do sadismo do supereu, ou seja, é do gozo do sujeito do inconsciente em culpar-se que deriva a reação terapêutica negativa. O que pudemos observar, ao longo desta pesquisa, é que este fenômeno clínico de 92 resistência não se faz presente exclusivamente no tipo clínico da neurose obsessiva. Não é, portanto, um fenômeno exclusivo da neurose obsessiva. Esta resistência clínica pode ocorrer até mesmo em processos analíticos longos, bem conduzidos e com grande “estabelecimento” de transferência entre o analista e o analisante. É quando o sujeito dividido confronta-se com a realização do desejo. Na reação terapêutica negativa, Freud percebeu que muitos pacientes abandonavam seus tratamentos por estarem fixados em seu sofrimento. Isto porque o sintoma pode passar a ser algo prazeroso e necessário na vida do sujeito. Esta necessidade de sofrimento e de punição indica certamente um dos piores prognósticos para o trabalho analítico. Na maioria das vezes, o analisante não tem consciência deste fenômeno. Geralmente, o sadismo não pode ser avaliado pelo próprio sujeito. Cada intervenção do analista que deveria resultar, e em outras pessoas de fato resulta, em melhora ou suspensão temporária dos sintomas, produz paradoxalmente nestes analisantes uma exacerbação do sintoma, uma piora do ponto de vista terapêutico. A recuperação é vista como ameaçadora, como se ela fosse algo perigoso. Como dissemos acima, Freud destaca que a reação terapêutica negativa pode se mostrar presente em processos analíticos bem conduzidos. Alguns pacientes alimentam o sentimento de que não há jeito para eles, de que nada lhes ajudará e se sentem cada vez mais angustiados. A reação terapêutica negativa é sustentada por uma energia interna, que se opõe ao analista, ou aos processos e procedimentos da análise, isto é, uma energia que obstaculiza os processos de recordar, associar, repetir e elaborar, bem como o desejo de mudar. Observamos que a maior parte do supereu é inconsciente. Isto significa que somos motivados por sentimentos dos quais não nos damos conta. Parecem-nos estranho, ou até mesmo impossíveis. Como pode uma força tão avassaladora punir o sujeito do inconsciente? Temos um supereu originário do recalque primário que nos faz sentir culpados de coisas das quais nunca nos lembramos, de atos que não reconhecemos como nossos. A relação do sujeito com o supereu consiste em uma relação estrutural. “É também um veículo do ideal do eu, pelo qual o eu se avalia, que o estimula e cuja exigência por uma perfeição sempre maior, ele se esforça por cumprir” (FREUD, 1933, p.70). 93 O supereu agride a instância psíquica do eu. Ele aparece à medida que o sujeito for incorporando as regras definidas pelos pais e pela sociedade. O poder do supereu advém da capacidade que ele tem de suscitar angústias e de ditar nossos comportamentos e nossos pensamentos. É como se os desejos ficassem “enjaulados”. Nas palavras de Freud, “O supereu é para nós o representante de todas as restrições morais, o advogado de um esforço tendente à perfeição – é, em resumo, tudo o que pudemos captar psicologicamente daquilo que é catalogado como o aspecto mais elevado da vida do homem” (FREUD, 1933, p.72). Isto por que: “...o trabalho psicanalítico constata que as forças do supereu que induzem a doença, em consequência da frustração interna, se acham intimamente relacionadas com o complexo de Édipo – a relação com o pai e a mãe – como talvez, na realidade, se ache o nosso sentimento de culpa em geral” (FREUD, 1916, p.363). Consequentemente, somos culpados por um dia termos construído a fantasia de desejarmos a morte do pai, ou seja, matar o pai para ficarmos com a mãe. A primeira resistência nomeada por Freud foi a que está ligada às lembranças penosas para o sujeito, resistência da defesa. A segunda resistência é a resistência da transferência. Já a terceira resistência é o que Freud nomeia como resistência oriunda do ganho secundário do sintoma (doença), ou seja, o gozo. A quarta resistência está relacionada à resistência do isso (compulsão à repetição). Por fim, a quinta resistência é com relação ao supereu. Em Inibição, Sintoma e Angústia (FREUD, 1926), Freud distingue os cinco diferentes tipos de resistência ao tratamento analítico, e três tipos de fontes de onde ela advém. Nota-se que Freud destacará a resistência do supereu como a mais cruel e radical. Verificou que ela tem a sua origem no sentimento de culpa e na necessidade do sujeito de autopunição e se opõe a qualquer movimento para o sucesso, inclusive nas possíveis melhoras terapêuticas durante o processo analítico. Freud nos ensina ser esta resistência como de difícil trabalho devido às exigências de punição impostas pela moralidade superegoica. Dando continuidade ao nosso tema, foi preciso abordarmos a determinação histórica da neurose obsessiva. Para tanto, recorremos a Um histórico de uma nova 94 neurose (FREUD, 1896), onde Freud nos afirma: “Fui obrigado a começar meu trabalho por uma inovação nosográfica. Julguei razoável dispor ao lado da histeria a neurose obsessiva (Zwangsneurose), como distúrbio auto suficiente e independente” (idem, ibidem, p. 146). Para dar continuidade, achamos importante falar sobre o diagnóstico diferencial entre a neurose obsessiva e a paranoia. Embora sejam duas patologias que afetam o pensamento, percebemos um ponto de diferença no tipo de desejo presente na neurose obsessiva. Propusemos um sub-capítulo pesquisando sobre o desejo impossível na neurose obsessiva: o desejo impossível. Assim, ocupamo-nos do desejo nas obras de Freud e de Lacan. A clínica nos mostra que os sujeitos obsessivos preenchem o intervalo da cadeia significante, ou seja, o espaço entre os significantes, lá onde mora o desejo, com ambivalências, rituais, postergação, superstições e com as mais diversas ruminações mentais. Trata-se de ideias obsessivas. O que observamos é que no momento em que sujeito se vê próximo de seu desejo, inconscientemente, ele se pune. É como se o supereu sádico da estrutura obsessiva retornasse para cobrar algo do sujeito – por este desejar. Neste sentido, constatamos uma forte incidência da reação terapêutica negativa na neurose obsessiva. O desejo deste tipo clínico de neurose o favorece. Trabalhamos, também, um fragmento do caso Philon, um paciente de Serge Leclaire. Observamos neste fragmento clínico a presença do Outro materno sendo necessária à sustentação do desejo. Philon jamais saiu do círculo do desejo materno. Philon sentia uma comunhão no olhar da mãe. Realizava o seu desejo compartilhando o desejo materno. Fica portanto a indagação: será que o apego excessivo de Philon à mãe não o levaria a resistir à análise ao ponto de desenvolver uma reação terapêutica negativa? Para finalizamos, recorremos a Sigmund Freud, em 1909, em sua análise do tenente Lehrs, conhecida como o caso do Homem dos Ratos. Esta se tornou uma das cinco grandes psicanálises freudianas e paradigma da neurose obsessiva. Pudemos denunciar o deslocamento metonímico da cadeia significante. Neste estudo, tivemos a possibilidade de observarmos como os sujeitos obsessivos apresentam inúmeras estratégias para lidar com a castração. Aprendemos que o pensar do “homem dos ratos” mostrava uma arquitetura de contrastes, nomeada por 95 Freud de ambivalência. A mente do “homem dos ratos” era invadida por pensamentos involuntários de auto recriminação e constantes dúvidas. Encerramos nosso trabalho com mais perguntas do que respostas. A reação terapêutica negativa é um campo pouco explorado de estudo, o que o torna mais instigante. Mas as diferentes perguntas podem ser reduzidas na seguinte: Como pode um ser humano, que se encontra sob condução psicanalítica e nas mais favoráveis condições de ir ao encontro de seu desejo, interromper o seu caminho nessa direção e, de certo modo, sucumbir às exigências maléficas do seu próprio supereu? 96 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAHAM, K. Contribuições à teoria de caráter anal. In: Manuel Tosta Berlink (org). Obsessiva Neurose. Rio de Janeiro: Editora Escuta, 2005. COSTA, A. M. D. Reação terapêutica negativa – incidências clínicas. In: Reverso. Belo Horizonte: CPMG, jun. 2008. ELIA, L. Corpo e sexualidade em Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Editora Uapê, 1995. ______. O conceito de sujeito. Coleção Passo a Passo, n. 50. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2010. FREUD, S. (1893). A psicoterapia da histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (ESB). Rio de Janeiro: Editora Imago, 1996, vol.2. ______. (1894). 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Público alvo: profissionais da área de saúde médica e mental, graduados e graduandos das áreas de psicologia e áreas afins. Ementa: a palestra tem como proposta abordar o tema “As estratégias na neurose obsessiva: uma contribuição da psicanálise”, apresentando enfoques teóricos do ensino de Freud e Lacan, assim como de autores contemporâneos, tais como Antonio Quinet (2000), Maria Anita Carneiro Riberio (2003 e 2011) e Luciano Elia (2010). Apresentaremos também a contribuição do organizador da Obsessiva Neurose (2005), Manoel Tosta Berlinck.. Metodologia: - utilização de materiais acadêmicos. - revisão de bibliografia específica e atualizada sobre o tema. - debates teóricos e sobre as experiências clínicas. Local: Universidades da rede pública e particular, e em Escolas de Psicanálise. Carga horária: 1 h e 30 minutos Certificado: O profissional ou aluno que preencher o quesito de assiduidade.