Privatização e Ajuste Fiscal no Brasil
Ricardo da Costa Nunes
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO
2. RACIONALE DA DESESTATIZAÇÃO: PORQUE PRIVATIZAR ?
2.1. O crescimento do déficit público
2.2. A (in)eficiência das empresas estatais
2.3.A mudança tecnológica
2.4. O novo papel atribuído ao Estado
3. TÉCNICAS DE PRIVATIZAÇÃO: COMO PRIVATIZAR?
3.1. Modalidades e modelagem
3.2. Seqüência e preparação para a privatização
3.3. Método de avaliação do preço: CAPM
3.4. Meios de pagamento e destinação de recursos
4. EFEITOS MACROECONÔMICOS DA PRIVATIZAÇÃO
4.1. Retomada de investimentos
4.2. Aumento da eficiência da estrutura industrial
4.3. Ajuste fiscal das contas públicas
5. CONCLUSÃO
2
1. INTRODUÇÃO
A rationale da intervenção direta do Estado no setor produtivo esteve por
muito tempo, em particular após a depressão de 1930, relacionada à função
estabilizadora do governo. Acreditava-se que o aumento do gasto governamental, por
elevar o nível de demanda agregada, contribuía para a geração de renda e emprego,
evitando a ocorrência de crises de superprodução ou de insuficiência de demanda.
Na década de 70, teve início um movimento de retorno à concepção não
intervencionista, que atribuía à crescente participação do Estado na economia o
surgimento de crises. Essas crises, diferentemente da que marcou a década de 30,
caracterizavam-se por níveis elevados de endividamento e inflação. Postulava-se que,
em prol da maior eficiência e até da estabilização econômica, a atividade estatal deveria
ser reduzida ao mínimo possível.
Desde então, esse movimento, por alguns denominado de “retorno à
ortodoxia”, tem se intensificado em vários países. Sua dimensão teórica e ideológica,
observada na economia política, foi acompanhada pelo fortalecimento das
democracias. O processo político democrático ora demandava do Estado maiores
gastos sociais, ora exigia que fosse debelada a origem da crise: o surgimento de
grandes déficits nos países com forte participação estatal.
Paralelamente, a nova justificativa teórico-ideológica e o processo político
foram se solidificando em virtude das mudanças estruturais verificadas na esfera
produtiva. Assim, o avanço tecnológico permitiu que bens privados produzidos pelo
setor público, antes considerados indivisíveis, se tornassem divisíveis, como no caso da
telefonia.
3
O reordenamento da participação do Estado na economia esteve associado
ao processo de privatização em vários países. No Brasil, a privatização teve início em
1991 e passou por vários estágios em função do momento político, das resistências que
surgiram e das características das empresas em questão.
O objetivo deste trabalho, dividido em três partes, é estimar a contribuição
da privatização para o ajuste fiscal e analisar a técnica de privatização e a destinação
dos recursos que podem propiciar maiores ganhos para o Tesouro Nacional.
A primeira parte discute as razões históricas e teóricas para a redução da
intervenção estatal, quais sejam: o crescimento do déficit público, a ineficiência das
empresas estatais e a mudança tecnológica. Esses fatores estão basicamente associados
aos efeitos macroeconômicos que se espera obter com a privatização, os quais por sua
vez dependem da condução do processo.
Assim, a segunda parte do trabalho discute as técnicas de privatização,
com o intuito de determinar teoricamente as condições que permitem maximizar o
ganho fiscal. Essas técnicas incluem a escolha da modalidade, da modelagem e da
seqüência de privatização, a preparação e o método de avaliação do preço, os meios de
pagamento e a destinação dos recursos obtidos.
Por fim, procura-se identificar e discutir os efeitos macroeconômicos da
privatização a partir de um modelo que estima os impactos da privatização.
2. RACIONALE DA DESESTATIZAÇÃO: PORQUE PRIVATIZAR ?
4
2.1 O crescimento do déficit público.
O crescimento da despesa pública, responsável pelo surgimento de déficits
em vários países do mundo no período pós-guerra, foi analisado pela escola da Escolha
Pública. Para o conjunto de autores que integram esse arcabouço teórico - Mckenzie &
Maucaulay (1980), Buchanan (1967, 1985), Borcherding (1977), Niskanen (1971),
Tullock (1965), dentre outros - a ineficiência do Estado está relacionada ao fato de
haver uma coalizão a favor do gasto. A motivação da intervenção estatal seria a mesma
de qualquer outra ação econômica: o interesse privado de alguém que cede o voto em
troca de um determinado benefício.
À parte dessa motivação mais geral, desenvolveram-se no bojo da escola
da Escolha Pública várias correntes que apontam causas particulares para o
crescimento da despesa pública, dentre as quais: as assimetrias institucionais, a
burocracia, as interações político-econômicas, a ilusão financeira e os direitos de
propriedade.
Nos modelos de assimetrias institucionais, de que Pommerehne (1978) é
exemplo, o crescimento dos gastos estatais seria induzido pelo comportamento do
eleitor mediano. Numa decisão majoritária, o valor do gasto não corresponderia ao
valor modal, mas sim à mediana dos vários níveis de despesa desejados pelos eleitores,
porque a agregação da demanda individual dos eleitores por bens públicos faria com
que prevalecesse o valor mediano. Assim, em democracias, a alocação dos gastos
públicos seria explicada pela atuação de políticos e eleitores, grupos de pressão que
representam o desejo do eleitor mediano. Os grupos acabariam por fazer prevalecer
suas preferências pessoais para determinar a quantidade de bens públicos a ser
fornecida pelo governo e o financiamento da despesa crescente pela imposição de
impostos proporcionais e/ou progressivos. Como o eleitor mediano demanda uma
5
grande quantidade de bens públicos e se beneficia pagando apenas uma parte do preço
dos bens usufruídos, acaba se formando uma coalizão em favor da realização da
despesa.
Na corrente da burocracia, a ação do poder público é explicada, entre
outros fatores, pela existência de funcionários públicos que fazem reivindicações
corporativistas1 e pela presença de políticos que, para se elegerem, comprometem-se a
aumentar gastos estatais e arrecadam votos dos eleitores assim beneficiados2. Assim,
também aqui a participação crescente do Estado surge como decorrência dos
interesses de uma parcela da sociedade representada por grupos de pressão, neste caso
particular de funcionários públicos.
Tem-se argumentado que o fato de os salários pagos aos funcionários
públicos serem elevados relativamente à produtividade explicaria a crise fiscal.
Contudo, no Brasil, ainda que o gasto com pessoal seja expressivo em relação a outros
países, o número de funcionários tanto da administração direta como das estatais vem
sendo reduzido desde 1989, passando de 1.442.675 em 1988 para 1.197.460 em 1994.
Assim, no Brasil, o maior problema parece estar no custo crescente dos
servidores inativos. Pereira (1997) observa que enquanto os proventos da aposentaria
são 20% superiores ao último salário (atualmente o valor da última remuneração), na
maior parte dos países o valor da aposentadoria é de 70% do último salário. Este fato
acompanhado do curto tempo de contribuição exigido explica que o gasto com pessoal
federal civil e militar passe de 3,46% do PIB em 1987 para 6,15% do PIB em 1995.
Ao mesmo tempo, os desembolsos com investimentos das estatais em igual período
foram substancialmente reduzidos enquanto a nível federal os gastos com pessoal e
1
2
Ver Marlow & Orzechowsky (1996).
Ver Buchanan (1967).
6
encargos sociais consumiam recursos que poderiam ser dirigidos a investimentos em
infra-estrutura, educação e saúde.
Essa situação é observada por Hanke (1987,p.10):” o potencial de
desenvolvimento de economias como a brasileira depende, em parte, da libertação
dessas restrições, regulamentos e burocracia que o Estado impõe à sua sociedade”.
Hanke aponta ainda um outro aspecto relevante, que é o fato de que o Estado
Brasileiro, que se encontra sem recursos para financiar as estatais estratégicas, pode
passar a responsabilidade da modernização ao setor privado. Shay (1987,p.225)
apresenta um argumento convincente para tal prática: “a subutilização da infraestrutura e de ativos existentes representa um custo de oportunidade dispendioso”.
Nos modelos de interações político-econômicas da escola da Escolha
Pública, como em Pissarides (1980) por exemplo, o governo intervém objetivando
alcançar índices de popularidade que lhe permitem perpetuar-se no poder. Assume-se
que os índices de popularidade crescem com a queda do nível de desemprego, a
estabilidade dos preços e o crescimento da renda disponível. Assim, a política fiscal e a
publicidade das obras do governo seriam utilizadas como instrumento de ação política
do governo.
De acordo com a corrente denominada ilusão financeira, que teve seus
trabalhos desenvolvidos inicialmente por Pluviani no século passado, a despesa pública
cresceria porque a percepção que os agentes tem dos benefícios por ela gerados é
maior do que do custo que lhes é repassado através da cobrança de impostos. Isto
porque o recolhimento dos impostos está associado a acontecimentos favoráveis e a
relação entre a despesa pública e os recursos fiscais recolhidos de cada contribuinte é
imprecisa.
No modelo de direitos de propriedade, não existem bens intrinsecamente
7
públicos, mas bens cujos custos sociais são inferiores aos custos privados3. O
crescimento da despesa estatal seria explicado pela aplicação de um conceito amplo de
bens públicos que a escola de direitos de propriedade propõe restringir para com isso
reduzir o gasto público.
O modelo de direitos de propriedade representa uma reação à teoria dos
bens coletivos. Esta surge da necessidade de conceituar os bens públicos a partir de
suas características internas: aquele cujo consumidor não pode ser discriminado, cujo
consumo não pode ser excluído pelo não pagamento. Contudo, como muitos bens
produzidos pelo governo são divisíveis e permitem discriminar o consumidor - seguros
sociais, ensino, saúde, entre outros, que são responsáveis pela maior parcela do
dispêndio estatal -, pode-se concluir que há bens privados produzidos pelo setor
público que não são coletivos.
De acordo com Coase (1960), a mudança do conceito de bem público cria
condições para que se venha a reduzir o papel do Estado na economia. Na inexistência
de bens intrinsecamente públicos, o governo pode deixar de incrementar as despesas
estatais e transferir à iniciativa privada os gastos com infra-estrutura, saúde e educação
- notadamente aqueles que tiveram maior participação no gasto estatal nos últimos 50
anos.
As condições para que as externalidades possam ser internalizadas sem
intervenção estatal, segundo Coase, são a redução dos custos privados e a assunção
privada de empreendimentos que, embora tenham tradicionalmente ficado a cargo do
governo, produzem bens que podem ser considerados privados. Um exemplo de bem
considerado essencialmente público e que era originalmente um bem privado é o farol.
A privatização do farol poderia ser realizada pela cobrança de taxas pelo seu uso.
3
Ver Coase (1960).
8
Este conceito de bem público cria argumentos convincentes para que o
setor privado venha a produzir bens e serviços que outrora eram considerados de
domínio público e agora se advoga no modelo de direitos de propriedade que devem
ser privatizados para impedir que a despesa pública se torne crescente.
A respeito da prescrição teórica de intervenção estatal, portanto, os
resultados da escola da Escolha Pública sugerem que o aumento da intervenção do
Estado na economia implica em perda de produtividade, com conseqüente redução da
taxa de crescimento econômico e aumento do déficit público. Em conseqüência, o
prognóstico da teoria prevalecente refere-se à transferência das atividades estatais para
a iniciativa privada.
2.2 A (in) eficiência das empresas estatais
Um argumento tradicional dos teóricos da Escolha Pública a favor da
privatização aponta para a ineficiência das empresas estatais em decorrência da
estabilidade dos funcionários e da busca pelo burocrata da maximização do seu salário,
poder e tamanho da repartição em detrimento do lucro, como considerado por Zweifel
& Zaborosky (1996). A estabilidade dos funcionários desencorajaria incrementos de
produtividade. Os servidores, por terem seus empregos garantidos, não se esforçariam
para melhorar o desempenho.
Enquanto na concepção de Weber (1977), a burocracia era uma
modalidade de organização com adequação dos meios aos objetivos desejados, a fim
de alcançar a máxima eficiência, para os autores da Escolha Pública a burocracia é
responsável pelo crescimento da despesa devido a: a) ineficiência causada pela
superprodução e pelo afrouxamento dos controles de produção; b) sucessivos
incrementos nos orçamentos, resultantes de pressão de grupos que sempre pedem mais
9
para não correrem o risco de vir a ter menos do que desejam; c) corporativismo dos
funcionários, que favoreceria a eleição de candidatos comprometidos com a expansão
dos gastos.
Além disso, a aversão ao risco prevalecente na burocracia dá origem a
muitas rotinas, com exigência de pareceres de muitos chefes de repartições, tornando
morosas operações simples. As contratações, demissões e outras operações atendem a
uma demorada rotina. Os administradores das empresas públicas freqüentemente se
queixam do excesso de normas a eles impostas pelos diferentes órgãos, que tornam a
administração pesada.
Corroborando essa observação empírica, alguns autores sustentam a tese
da privatização argumentando que a administração privada das empresas proporciona
maiores lucros que a gestão pública. Davies (1959) realizou um estudo comparando a
eficiência de empresas privadas e públicas e concluiu ser maior a eficiência das
empresas privadas. Husain & Sahay (1992) argumenta que a empresa privada é mais
eficiente porque responde mais rapidamente aos sinais de mercado.
Landau (1985) afirma que a fonte de ineficiência da economia é a
propriedade pública, com base em um estudo econométrico em que conclui haver uma
relação inversa entre a participação do Estado na economia e a produtividade. A
conclusão de que o grau de eficiência da economia se reduz à medida que aumenta a
sua participação é partilhada por Grossman (1988) e outros autores.
Tyler (1978) contrapõe os autores acima sustentando que não há diferença
entre os níveis de eficiência de empresas públicas e privadas. Vickrers & Yarrow
(1995) também afirmam que, mesmo no arcabouço teórico da microeconomia, é
possível que o empreendimento público seja mais produtivo que o privado em muitas
situações.
10
Segundo Vickrers & Yarrow (1995), em setores oligopolizados, as
empresas privadas não são mais eficientes que as públicas. A eficiência depende de
como é gerenciada a empresa, das especificidades da atividade e do ambiente
econômico onde está inserida, o qual pode variar de país a país. Os autores citam o
caso em que a simples ameaça de privatização da British Steel fez com que empresa
obtivesse expressivos ganhos de produtividade. Walters (1992) também cita o exemplo
da empresa Jaguar que, com a restrição orçamentária que antecedeu a privatização,
obteve uma melhora de 150% no desempenho relativamente a sua performance de
1979.
Em outras palavras, como o universo de estatais produtivas é formado,
quase sempre, de empresas monopolistas ou oligopolistas, que atuam principalmente
nos setores de insumos básicos, serviços e transportes, tende-se a associar a
ineficiência da empresa pública a sua propriedade quando, na verdade, a relação entre
propriedade pública/privada e eficiência não é conclusiva. A ausência de competição
também seria uma causa da ineficiência das empresas públicas, além da impossibilidade
de falência, da multiplicidade de objetivos e do excesso de controle sobre as
supervisionadas por receio de fraudes.
Segundo Beesley & Littlechild (1983), a privatização contribui para a
melhoria da performance da indústria devido à ação das forças de mercado. Embora as
empresas públicas não tendam a explorar o grau de monopólio, o que reduz os preços
praticados, a falta de preocupação com a maximização de lucro pode originar uma
desatenção com a minimização de custos e a sociedade arcará com o custo. O
desmembramento dos monopólios pode gerar uma estrutura industrial mais
competitiva, com as empresas remanescentes disputando mercado. Também para
Abreu e Werneck(1993) a competição induz ao aumento de concorrência.
11
Para Vickrers & Yarrow (1995), o objetivo de aumentar a eficiência das
empresas é atingido com a privatização em virtude do fim de monopólios que resulta
numa reorganização industrial. Ainda que possam ocorrer acordos tácitos entre as
empresas, a ameaça de ingresso de novas firmas e a possibilidade da expansão dos
concorrentes torna possível a ocorrência periódica de disputas agressivas por
mercados.
A impossibilidade de falência das empresas públicas, segundo Kornai
(1979), também desestimularia os administradores a buscar lucros porque, mesmo
incorrendo em sucessivos déficits, as empresas contam com aporte de recursos do
Tesouro Nacional. Desta forma, o Estado cria barreiras à saída de empresas ineficientes
às custas do Erário Público.
Para Shapiro e Willig (1990), a ineficiência das empresas estatais pode
decorrer não da propriedade em si, mas do fato de os seus dirigentes, muitas vezes
escolhidos por razões políticas, não necessariamente perseguirem os objetivos da
empresa, mas sim, objetivos próprios ou daqueles que os indicaram para o cargo.
Do ponto de vista das finanças do governo, a privatização seria justificada
não só pela redução do déficit público pela via da redução da despesa governamental
mas também porque o aumento de eficiência tende a induzir aumento da arrecadação.
Um estudo do World Bank (1989) aponta que os benefícios econômicos da
privatização são maximizados quando os governos fazem do aumento de eficiência o
seu objetivo número um. Para Henning & Mansoor (1988), é justamente neste aspecto
que se justifica a privatização, na medida em que o governo poderá se beneficiar do
aumento da eficiência das empresas privatizadas por intermédio de um maior
recolhimento de receita tributária em virtude da maior lucratividade das empresas.
Além disso, o recolhimento de receita tributária poderá ser ainda maior e
12
os objetivos de política econômica do governo mais facilmente atingidos se o aumento
de eficiência das empresas se refletir num aumento de eficiência da economia do país
como um todo. Para Krueger (1981) e Balassa (1981), o fato dos tigres asiáticos terem
apresentado taxas de crescimento do PIB superiores às de outros países em
desenvolvimento é explicado por níveis diferentes de eficiência, que seria maior nos
países onde houve maior submissão das empresas às forças de mercado. Segundo esses
autores, os países asiáticos, ao praticarem uma política de abertura comercial, teriam
submetido as suas empresas à concorrência externa, enquanto nos demais países em
desenvolvimento as empresas sobreviviam graças a medidas protecionistas que lhes
asseguravam o monopólio do mercado.
Nos países em desenvolvimento, a falta de recursos para a realização de
investimentos que permitiriam atender a demanda e a modernização dos serviços tem
alimentado a pressão pela privatização. Na Argentina, a utilização do câmbio efetivo
real como proxy para a competitividade da economia argentina e o aumento da
participação nas exportações no mercado mundial e regional apontam uma melhoria da
competitividade da economia a partir de 1994. Esse resultado estaria associado,
segundo relatório do FMI (outubro/96 e março/97), à privatização, à abertura do
comércio, à desregulação e outras reformas estruturais. Além disso, o patrimônio das
empresas vem sendo visto como um recurso para o pagamento da dívida do governo,
permitindo um saneamento das distorções geradas pelo modelo intervencionista.
2.3 A Mudança Tecnológica
Por muito tempo, alguns setores, como o de telecomunicações, ferrovias e
outros produtores de bens e serviços de utilidade pública foram considerados
monopólios naturais porque se caracterizavam por pelo menos um dos seguintes
13
aspectos: necessidade de grande volume de capital, presença de economias de escala e
externalidades. Estas peculiaridades faziam com que as empresas que atuavam em tais
mercados fossem públicas ou operassem sob a supervisão de agências. Entretanto,
segundo Friedman (1984), como as condições técnicas que resultam em monopólio se
modificam ao longo do tempo, em virtude da criação de bens substitutos ou da
redução do grau de indivisibilidade dos produtos, alguns bens deixaram de ser
produzidos pelo setor público. Um exemplo representativo de tal mudança ocorreu no
setor de telecomunicações, como descreve Pastoriza (1996): “A evolução tecnológica
( em especial, o surgimento das tecnologias digitais de transmissão e comutação e a
incorporação de recursos computacionais às redes) reduziu sobremaneira os custos de
transmissão e processamento de informações. Essa redução permitiu: o surgimento de
novos ofertantes interessados em explorar serviços específicos (“nichos”, notadamente
os serviços de valor adicionado); a difusão das redes corporativas intrafirmas e
interfirmas, rompendo assim a fronteira que separava os produtores e os usuários de
serviços de telecomunicações.”
Assim, na atividade de telefonia foram criados novos produtos, que antes
eram explorados por monopólios, e passaram a ser explorados por diversas firmas de
atuação competitiva. Os serviços de telefonia móvel, local e interurbano passam a ser
explorados por empresas diferentes e que podem, inclusive, concorrer entre si. A
American Telephone and Telegraph - AT&T foi desmembrada em muitas firmas e
muitas empresas públicas do mesmo ramo foram privatizadas. Em conseqüência, as
tarifas norte-americanas se encontram entre as mais baixas do mundo.
Pelo exposto, podemos concluir que as mudanças tecnológicas, ao
induzirem alterações nas formas de produção e organização do processo produtivo,
14
fomentaram o interesse no processo de privatização porque fragmentaram atividades,
reduzindo o montante de recursos necessários à realização de investimentos.
2.4 O novo papel atribuído ao Estado
A teoria da Escolha Pública recupera os princípios clássicos, já presentes
em Adam Smith (1937), de que o mercado é um sistema que aloca recursos e funciona
independentemente da vontade de um indivíduo particular. As ações dos governantes
não poderiam proporcionar equilíbrio ao mercado, mas tão somente atrapalhar o seu
funcionamento. Essa crença vai de encontro ao conceito de Leviatã4 que Hobbes
empregava para definir o Estado e tem sustentado programas governamentais que se
atribuem um novo papel: “The private sector will be the engine of growth in Guyana ...
The Government will continue its reform of the public sector to reflect the changing
role of the state under a market-oriented development strategy.” (Government of
Guyana, 1994, p. 4). Ou ainda, “The Government recognizes that private sector
development is the mechanism through which Jamaica will move from stabilization to
export-led growth. The public sector therefore must assume a new role. It must create
an environment in which the private sector can operate efficiently”. (Government of
Jamaica, 1994, p. 9.)
Um dos melhores exemplos do novo papel atribuído ao Estado encontra-se
na União Européia - EU. Embora os incentivos financeiros tradicionais, como
subsídios por exemplo, ainda sejam o principal instrumento para a promoção de
investimentos, a União Européia - UE vem substituindo esses incentivos pelo
desenvolvimento de infra-estrutura, transferência de tecnologia e serviços de
consultoria, especialmente para marketing e exportação.5.
4
5
Leviatã é um monstro marinho que encarna o mal.
Ver CE (1994).
15
Friedman (1984) analisa as alternativas de solução para mercados com
falhas - monopólio privado, monopólio público, ou regulação pública - e reconhece
que todas apresentam inconvenientes. Contudo, segundo o autor, o monopólio privado
seria menos prejudicial que os demais por ser mais sensível às mudanças das condições
técnicas ao longo do tempo. No caso das estradas de ferro nos Estados Unidos, o fato
de terem continuado sob supervisão de agência reguladora estatal teria reduzido a sua
eficiência, impedindo que o setor se tornasse competitivo, mesmo após a redução do
seu grau de monopólio pelos avanços tecnológicos. Coase (1960) reforça a posição de
Friedman ao não reconhecer sentido para a regulação pública: “(...)forget about the
law: look at costs and benefits to see how economic life is conducted”.
A proposição de Friedman e de Coase de que a regulação não substitui a
competição encontra respaldo no trabalho de Primeaux (1997) que após estudar o
desempenho dos serviços de eletricidade de 49 cidades norte-americanos, concluiu que
a competição era o principal fator para explicar a redução de custos, não importando
ser a propriedade pública ou privada.
Tal orientação está de acordo com o prognóstico de Friedman (1984),
segundo o qual, a economia deveria ser gerida por regras, como a do padrão-ouro
americano, e não por decisões discricionárias. Assim, não caberia ao governo intervir
na economia mas reduzir o tamanho da administração pública. A proposição de
Friedman é compartilhada por Lucas (1990), para quem não se deve ampliar a
tributação para financiar gastos do governo.
Apesar de a escola da Escolha Pública apontar diversas fontes de
ineficiência no Estado, há analistas que argumentam que o Estado tem um papel a
desempenhar na economia e que seus gastos não deveriam ser minimizados. Lord
Keynes (1970) e, mais recentemente, autores como Przeworsky (1996) afirmam que as
16
análises econômicas mostram que os mercados não alocam os recursos eficientemente
per si, cabendo ao Estado intervir para promover o crescimento econômico. A este
respeito, Reis (1993) chega a recomendar a social-democracia como modelo de
governo.
No entanto, embora o debate sobre o papel do Estado na economia
permaneça inconclusivo, assumindo muitas vezes um caráter ideológico, o diagnóstico
de que o Estado interventor é responsável por déficits públicos crescentes e quedas de
produtividade da economia fez com que muitos países, inclusive o Brasil,
desenvolvessem programas de privatização. Nesse sentido, parece que que o objetivo
dos políticos é o de dotar a administração pública de maior eficiência.
A presença do Estado no processo de industrialização brasileiro teve sua
importância histórica, associada ao modelo desenvolvimentista dos anos 60, de acordo
com Lessa (1982) e Dain (1980). Contudo, ao longo das décadas de 70 e 80, as
empresas estatais reduziram tarifas para combater a inflação e captaram recursos no
exterior para que a nação se capitalizasse com divisas estrangeiras. Ao servirem como
instrumento de política econômica e social, as empresas estatais sacrificaram seus
objetivos comerciais pois buscavam atingir um duplo objetivo: lucro e políticas de
estabilização.
Hoje, o momento histórico é outro e a manutenção do controle de
empresas pelo Estado tornou-se insustentável em face do esgotamento da sua
capacidade de investir, em parte devido a elevado gastos com pessoal. Um exemplo
ilustrativo é o caso das instituições financeiras privadas, que apesar de apresentarem
maior faturamento que as públicas, desembolsam menos com pessoal:
17
Gráfico 1
Percentual das instituições financeiros sobre PIB
faturamento das
instituições
públicas/PIB
53%
faturamento das
instituições
públicas/PIB
47%
gasto de pessoal das instituições públicas e privadas
gasto
pessoal/gasto
total-públicas
61%
gasto
pessoal/gasto
total-privadas
39%
Fonte: IBGE, dados de 1995.
Além disso, a manutenção de estatais compromete uma parcela da
administração direta, exigindo a fiscalização de órgãos como a Secretaria Federal de
Controle Interno, o Tesouro Nacional e o Tribunal de Contas da União - TCU, e
portanto com grande dispêndio de recursos e de pessoal.
No Brasil, a Lei 8.031/1990 criou e a MP 1.481 e o Decreto 1.204
regulamentaram o Programa Nacional de Desestatização - PND. O objetivo do PND
seria redefinir o papel do Estado na economia, reduzindo seu tamanho, tornando-o
mais dinâmico, restringindo a intervenção do setor empresarial estatal na atividade
econômica e preparando as condições para a recuperação do crescimento econômico.
A necessidade de reduzir a intervenção do Estado na economia já era apontada por
Say (1821,p.9): “O Brasil, aquele vasto país, tão favorecido pela natureza, poderia
absorver umas cem vezes mais mercadorias inglesas do que as que são inutilmente
enviadas até lá sem encontrar mercados, mais o primeiro requisito teria que ser o Brasil
produzir tudo que é capaz de produzir; e porque aquele miserável país não atinge
aquele desejável objetivo? Porque todos os esforços dos cidadãos são paralisados pelo
governo”.
Reordenar a posição estratégica do Estado no Brasil é um pré-requisito
para permitir que a administração pública concentre seus esforços nas atividades em
que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades
18
nacionais, entre as quais a de propiciar condições adequadas para o crescimento dos
investimentos privados nos projetos de infra-estrutura. Essas condições contemplam,
além da estabilidade econômica, a continuidade e segurança dos marcos legais e
regulatórios, ou seja, o estabelecimento de normas e regras estáveis ao longo do
tempo.
Para que os ganhos fiscais da privatização não sejam neutralizados pelos
déficits da previdência e dos governos subnacionais, é importante que o programa de
privatização
seja
acompanhado
pelas
reformas
tributária,
administrativa
e
previdenciária. Caso contrário, segundo Simonsen (1995,p.13): “vender estatais para
cobrir despesas correntes, como fizeram alguns países, é irresponsabilidade financeira,
equivalente à do indivíduo que vende a casa para continuar freqüentando restaurantes
de luxo. Afinal, as estatais acabam, as despesas correntes não”. A respeito da
utilização de receitas de privatização para financiar gastos correntes na Inglaterra e na
França, Wright (1994.p.42) afirma: “privatization may be yet another example of
governments doing the right thing for the wrong reasons”.
Além disso, um dos objetivos da privatização tem sido o desenvolvimento
do mercado de capitais, ainda muito aquém do seu potencial. Para Simonsen(1995,
p.13), a privatização atrai capitais externos: “O capital que interessa é o investimento
direto, que cria raízes no país. Esse capital aflui na medida das oportunidades que lhe
são oferecidas. E a privatização é a maneira eficaz de criar tais oportunidades”.
Segundo Hanke (1987), esse objetivo seria mais facilmente atingido se fosse reduzida
a tributação sobre dividendos e se houvesse maior abertura da economia ao comércio e
aos investimentos estrangeiros. Também para a CFI (1995), a privatização aumenta o
mercado de capitais e estimula a entrada de capitais estrangeiros, conforme se observa
no gráfico a seguir.
19
100
90
90
80
80
70
70
60
60
50
50
40
40
30
30
20
20
10
10
0
IED acumulada 1988-1993/PIB (%)
Capitalização do Mercado de Valores (%)
Gráfico 2
capitalização do Mercado de
capitais 1993/PIB
capitalização do Mercado de
capitais 1988/PIB
Inversão estrangeira
acumulada
0
1
2
3
Fonte: Corporation Financeira Internacional- CFI 1995
Inversão Estrangeira Direta - IED acumulada 1988-1993/PIB
3. TÉCNICAS DE PRIVATIZAÇÃO: COMO PRIVATIZAR ?
No capítulo anterior, foram apresentados os fatores que justificam a
redução da ingerência governamental na economia, basicamente associados aos efeitos
macroeconômicos que se espera obter após a privatização. Tais efeitos, contudo,
dependem em larga medida da condução do processo. Neste capítulo são analisadas as
técnicas e procedimentos utilizados na privatização e discutidas as condições que
permitiriam maximizar o ganho fiscal no Brasil.
A primeira seção apresenta as modalidades e a modelagem da privatização.
Na segunda seção, procura-se determinar a seqüência de privatização que geraria
maior receita para o Tesouro e possibilitaria maior aumento de eficiência na nova
estrutura industrial, bem como a validade de realizar uma preparação para a
privatização. Na terceira seção, é discutido o método de avaliação do preço mínimo
empregado no Programa Nacional de Privatização - PND. Na quarta seção, analisamse os meios de pagamento e a destinação dos recursos obtidos.
20
3.1. Modalidades e modelagem da privatização
De acordo com a legislação vigente no Brasil, a transferência de empresas
públicas para a iniciativa privada pode ser realizada por intermédio de: oferta pública
de ações em leilão, venda a preço fixo de lotes de ações, negociação direta a
interessado específico, venda a trabalhadores da empresa e fragmentação da empresa e
venda das partes em separado. Todas essas modalidades estão previstas no Programa
Nacional de Desestatização - PND, criado pela Lei 8.031/1990 e regulamentado pela
MP 1.481 e Decreto 1.204, e foram utilizadas, em diferentes momentos de acordo com
a situação financeira da empresa e a natureza do serviço por ela prestado, sem a
necessidade de ajustes em lei.
A venda de ativos à iniciativa privada pode também acontecer mediante
liquidação da empresa, prevista na Lei 8.029, ou aumento de capital com perda de
controle de acordo com a Lei 9.088/95. Neste último caso, o governo realiza uma
chamada para aumento de capital da empresa, se abstendo de subscrever ações, o que
permite que o controle acionário passe a ser de outro acionista. Num segundo
momento, o governo venderia as ações restantes e a receita obtida com a privatização
seria maior porque a cotação em bolsa de valores das ações tende a aumentar depois
que as empresas são privatizadas, assim como a rentabilidade de seus investimentos.
Mas a privatização não se esgota na transferência de patrimônio de que
trata o PND, pois inclui também a transferência de direitos de exploração de atividades
típicas de Estado por determinado período de tempo, prevista nas Leis 8.987 e 9.074.
Esse é o caso da concessão de serviços públicos que, juntamente com a oferta pública
de ações em leilão e a liquidação, constitui uma das modalidades mais importantes de
privatização até agora utilizadas.
21
O leque bem variado de opções permite que a União seja beneficiada pela
venda dos ativos públicos em cada situação, segundo Giambiagi e Pinheiro
(1992,p.282): “o governo foi bem sucedido no desenho das regras que orientam a
alienação das empresas estatais.”
A modelagem de venda pode ser classificada em duas categorias:
pulverizada e concentrada. Na modelagem pulverizada, as ações são vendidas ao maior
número possível de compradores, em geral com grande participação de trabalhadores
no processo. Na modelagem concentrada, as ações são oferecidas aos grupos que se
qualificarem para o leilão. Nesse caso, o número de proponentes é pequeno, mas há
uma acirrada disputa pelo controle acionário. Esse modelo é o mais adotado nos
processos de privatização no mundo.
A pulverização de ações strictu sensu, freqüentemente postulada pela
Bolsa de Valores de São Paulo (1990) e pelo TCU (1994), significaria vender as ações
das empresas em lotes pequenos para milhares de investidores no Brasil e no Exterior.
Relativamente à privatização da Companhia Vale do Rio Doce, um estudo do
IBOVESPA afirma: “Se for privatizada em fatias, o valor será três vezes maior do que
a venda em bloco. A pulverização segundo o modelo inglês reduziria o poder dos
oligopólios na determinação do preço e democratizaria o acesso às ações da empresa.
A experiência internacional mostra que tem sido possível obter substanciais ganhos de
capital com a aquisição de ações de empresas privatizadas nas áreas de infra-estrutura
e de serviços públicos. Seria importante, portanto, que uma parcela do capital das
estatais fosse pulverizada entre o grande público, para que uma maior parcela da
população se beneficiasse.” Também para o TCU, a demanda pelas ações dos ativos
públicos poderia ser maior caso fosse possível incorporar pequenos investidores,
22
pulverizando a compra, por exemplo, através de clubes de investimento com incentivos
fiscais, o que fatalmente se refletiria num preço mais elevado.
O interesse das bolsas na pulverização é óbvio: se as ações são vendidas a
um bloco de controle, a corretagem da venda dos ativos públicos fica restrita apenas
aos consórcios. A pulverização, por outro lado, exigiria que fossem contratadas mais
corretoras, e a revenda das ações garantiria maiores ganhos para o mercado.
Além disso, o argumento de democratização do capital através da
pulverização freqüentemente cumpre os objetivos de acelerar o processo de
privatização, através da conquista de apoio político, e de aumentar a popularidade do
governo se ele estiver disposto a vender as ações por baixo preço, permitindo que os
compradores de classe média tenham ganhos rápidos e substanciais. Na Inglaterra,
onde este modelo foi muito divulgado, falava-se inclusive na socialização do
capitalismo. Hanke (1987,p.18) é um dos defensores dessa modelagem: “devemos
abrir o maior número de empresas e tentar disseminar seu capital democraticamente,
submetendo a sua gestão e fiscalização aos acionistas”.
Há uma correspondência entre a modelagem e modalidade de privatização.
No caso de modelagem pulverizada, emprega-se a oferta pública de ações, isto é, a
venda de ações a um preço fixo, normalmente baixo para tornar-se acessível a um
grande número de compradores. No caso da modelagem concentrada, pode-se
empregar como método de venda o leilão ou a venda direta.
No Brasil, o leilão é o método de venda mais utilizado no PND. Segundo
IBOVESPA (1990), a alienação de ações por meio de leilão do tipo inglês no Brasil e
no exterior tenderia a aumentar a dispersão acionária do capital e a demanda, com
reflexos positivos para o preço com que as empresas são negociadas. Pode-se afirmar
que o leilão mais adequado para venda de ações em grandes blocos, em termos de
23
gerar a maior receita, seria o leilão de primeiro preço (unitário), pois grandes grupos
estariam dispostos a pagar um "prêmio" para garantir o controle. Para Mello (1994,
p.476): “os ágios de venda sobre os preços mínimos são maiores nos leilões
envolvendo o controle”. Em contraposição, a oferta pública a preço fixo privilegiaria
os novos compradores porque o preço seria menor.
A solução encontrada no Brasil para garantir uma receita de privatização
elevada e, ao mesmo tempo, fazer oferta aos empregados, foi compensar a diferença na
determinação do preço mínimo. Tourinho e Viana (1993) apontam: “A CPND optou
por, como regra geral, oferecer ações representativas de aproximadamente 10% do
capital das empresas privatizáveis aos seus empregados, para aquisição por um preço
igual a 30% do preço mínimo estabelecido para as ações da empresa, subsídio este que
é recuperado elevando-se o preço mínimo das ações vendidas nos leilões”.
A maior evidência de que a venda por intermédio da modelagem
concentrada pode proporcionar maiores ganhos para o Tesouro Nacional está no fato
das cotações das ações das empresas CVRD, PETROBRÁS e TELEBRÁS terem
apresentado maior crescimento do que as cotações das ações preferenciais. A tabela a
seguir mostra a evolução da cotação das ações preferenciais e ordinárias dos principais
grupos controlados pela União. Mantida a quantidade de ações da União nos grupos
financeiros abaixo e a proporção entre ações preferenciais e ordinárias na carteira da
União, percebe-se que, no período analisado, as ações ordinárias da CVRD,
PETROBRÁS e TELEBRÁS se valorizaram relativamente às preferenciais, ainda que
devamos reconhecer que as ações da ELETROBRÁS pouco se alteraram.
24
Tabela 1
Avaliação da participação da União nos principais grupos estatais
Parte da União
Empresa
tipo de ação
Parte da união
Parte da união
Parte da União
Total das ações
Valor total de
no valor de
no valor de
no valor de
no valor de
da União
mercado das
mercado em
mercado em
mercado em
mercado em
30/12/91
30/12/92
30/12/93
06/04/94
empresas em
(%)
06/04/94
holding
CVRD
Eletrobrás
Telebrás
( US$milhões)
Ordinárias
94,35%
94,77%
95,68%
95,30%
79,2
3.069
Preferenciais
5,65%
5,23%
4,32%
4,70%
6,5
1.846
Total
100%
100%
100%
100%
Ordinárias
94,60%
89,38%
94,74%
94,48%
99,4
Preferenciais
5,40%
10,62%
5,26%
5,52%
29,4
Total
100%
100%
100%
100%
Ordinárias
87,04%
83,89%
88,92%
89,05%
57,5
Preferenciais
12,96%
16,11%
11,08%
10,95%
3,9
100%
100%
100%
100%
Ordinárias
86,23%
87,02%
88,19%
86,44%
81,4
3.000
Preferenciais
13,77%
12,98%
11,78%
13,56%
9,0
4.255
100%
100%
100%
100%
7.346
3.842
14.419
18.610
14.692
9.695
34.757
34.757
Total
Petrobrás
4.915
Total
Total da parte da União
Valor total das empresas
10.356
2.047
12.403
3.620
6.564
10.184
7.255
34.757
Fonte: BVRJ, CVM e BNDES
OBS: Fêz-se a hipótese de que a participação da União não tenha variado no período.
Tanto na Inglaterra como no Brasil foi possível realizar algumas
privatizações através da venda direta das ações aos administradores ou aos
empregados da estatal de forma pulverizada. Contudo, há muitas dúvidas sobre como
vender de forma pulverizada, num mercado tão estreito quanto o brasileiro, ativos
públicos avaliados em bilhões. Para contornar essa problemática, Pinheiro (1994, p.19)
propõe: “A privatização popular deve ser combinada com o abatimento das dívidas
públicas com os fundos de poupança dos trabalhadores (FGTS e PIS/PASEP)(...).
Neste sentido, o modelo concentrado evita, ainda, uma queda no preço das
ações, que poderia ocorrer numa pulverização maciça no mercado interno, em função
do movimento diário de capitais nas bolsas brasileiras ser ainda pequeno para absorver
a venda de empresa do tamanho da Vale do Rio Doce, por exemplo. Mesmo que a
maior parte fosse vendida no exterior, seria preciso dividir o processo em várias
etapas, o que prolongaria a situação de indefinição no processo de privatização
25
brasileiro e introduziria muitas incertezas para os investidores, como riscos de takeover
por exemplo, maximizadas pela defasagem temporal entre um lote e outro. Os
investidores tenderiam, assim, a deixar suas propostas para a última tranche, quando a
posição dos outros sócios já estivesse configurada.
O modelo concentrado propicia ainda maior eficiência na administração da
empresa por evitar problemas de agência em decorrência de um grande número de
acionistas com interesses particulares. Esta também é a posição de Sachs (1992), para
quem seria a forma de propriedade mais apropriada.
3.2. Seqüência e preparação para a privatização
Tendo em vista o volume dos recursos envolvidos nas privatizações, a
primeira preocupação do policy maker, deve ser com a seqüência das empresas a
serem privatizadas. O cronograma das privatizações deve ser compatibilizado com o
nível de poupança interna e, no caso de haver um cronograma federal e outro estadual,
convém evitar que a concentração de oferta reduza os preços de venda das ações.
Neste sentido, a utilização de moedas de privatização tem também cumprido o papel
de atenuar a pressão monetária, viabilizando a venda. Segundo Tourinho e Viana (out.
1993,p.25): “A utilização de títulos de crédito contra o governo, como “moedas” no
PND, encontra amparo em uma dificuldade de ordem prática, caso se pretendesse que
a alienação fosse liquidada em moeda corrente: o volume relativamente pequeno dos
agregados monetários no Brasil.”
Uma segunda preocupação seria o fato de que a privatização de
determinados setores ou empresas dentro de um setor proporciona ganhos fiscais
distintos, cabendo ao governo estabelecer o setor (ou empresa) que deve ser
primeiramente privatizado para que se tenha a maior contribuição possível para o
ajuste da economia. Para aqueles que acreditam que a receita de privatização pode
26
efetivamente contribuir para o ajuste fiscal, convém buscar o êxito nas primeiras
vendas para que o programa ganhe impulso e se consiga vender as empresas seguintes
gerando a maior receita possível. Assim, a escolha dos setores que irão iniciar o
processo pode ter implicação significativa para o sucesso das privatizações seguintes
pois as primeiras empresas privatizadas servirão de referência para as seguintes em
termos de produtividade e formação de expectativas de modo geral.
Por outro lado, se o aumento da eficiência com a administração privada
constitui a principal contribuição da privatização, tal preocupação perde importância.
Este parece ser o caso da privatização no leste europeu onde se realizou uma rápida
desestatização com venda de ativos por baixo preço. Enquanto as empresas que
entram no PND levam em média 8 meses até serem privatizadas, na Checo-Eslováquia
o ciclo de preparação e a oferta pública de 1.491 empresas levou 14 meses, isto é, em
média o governo alienou mais de 3 empresas de médio e grande porte por dia.
No Brasil, as críticas tem se concentrado não na seqüência mas na
velocidade do processo de privatização. A demora do processo vem sendo justificada
pela busca do melhor preço para os ativos públicos, seja evitando concentração, seja
estudando as regras mais convenientes em cada caso. Segundo Tourinho e Viana
(1993, p.3): ”A estruturação formal do PND é bastante rígida, o que lhe confere
elevado grau de segurança, mas extrai um custo na forma de uma menor agilidade,
quando o comparamos com a experiência de privatização de outros países”.
Para Simonsen (1995), o argumento de que uma rápida privatização
dilapidaria o patrimônio público é fácil de ser contraposto. Pelo contrário, a lentidão
do processo de desestatização é que implica em ônus para o erário público porque,
enquanto a dívida pública se valoriza a 20% a.a., os ativos das empresas apresentam
rentabilidade baixa ou negativa. No Brasil, empresas como Loydbrás, COBRA e
27
SIDEBRÁS não foram vendidas e esperou-se durante anos, apenas acumulando
prejuízos para o Tesouro. Para Shafik (1993), um rápido processo de privatização
contribui para evitar perdas econômicas para o controlador enquanto as empresas não
são privatizadas.
O vice-governador de São Paulo6 também defende uma maior velocidade
da privatização para que se evite a deterioração financeira das empresas e ilustra sua
posição com o caso da CESP que foi saneada após demitir 30% do quadro de pessoal,
mas pode ter o patrimônio reduzido se não for vendida em 7 anos pois os ativos
rendem até 5% a.a., enquanto a dívida cresce a 22% a.a..
A partir da experiência de outros países, alguns autores sugerem a
seqüência ótima de privatização. Para Blommesteine & Marrese (1991), a seqüência de
privatização deveria seguir o critério de magnitude: primeiro as estatais menores, em
seguida as medianas para, por último, as maiores empresas. Tal ordenação permitiria
criar um ambiente de tranqüilidade e segurança para a venda das empresas maiores.
Também para Chen (1996), o ideal seria privatizar inicialmente os setores de menor
poder de mercado e os mais subsidiados, pois assim o governo continuaria recebendo
os dividendos das empresas rentáveis e deixaria de assumir o prejuízo das deficitárias.
Por outro lado, tendo em vista que a maior contribuição da privatização
decorre do aumento de eficiência com a quebra de monopólios. Assim, seria de se
esperar que a privatização ocorra primeiro nos setores que apresentem mais elevado
grau de monopólio e que se caracterizem por rápidas mudanças tecnológicas. Esta é
justamente a proposição de Husain & Sahay 1992) que afirmam que a privatização
deveria ser iniciada nos setores que mais podem contribuir para o aumento da
competitividade da economia. Beesley & Littlechild (1983) também vêem no aumento
28
da competitividade da indústria a maior contribuição de um processo de privatização, o
que os leva a sugerir que o processo de privatização se inicie nos monopólios naturais
nas indústrias com baixa demanda.
Entretanto, os fatores que tem imperado na escolha da seqüência das
empresas a serem privatizadas no Brasil e no mundo, não parecem, até o momento, ter
tido base nos aspectos técnicos mencionados, predominando fatores políticos. Na
Inglaterra7, e no México8, a privatização iniciou-se com empresas de menor grau de
monopólio e de menor importância econômica, enquanto na Argentina9, a
desestatização iniciou-se por empresas de elevado grau de monopólio e de maior
importância econômica. A escolha do governo argentino pode ser explicada, em parte,
pelo objetivo de mostrar a determinação de privatizar e, assim, aumentar a geração de
receitas de privatização. As receitas em cash obtidas com privatização na Argentina
foram de 1,2% do PIB em 1991, de 0,8% do PIB em 1992, e de 1,5% do PIB em
1993.
Uma outra questão é a conveniência de preparar as empresas para a
privatização, realizando ajustes prévios. Pinheiro e Schneider(1993) apontam os
ajustes prévios como necessários para que a empresa se torne mais atraente e/ou para
viabilizar a restruturação por parte dos compradores: Também Hanke (1987)
recomenda que se realize saneamento financeiro das empresas para aumentar a sua
eficácia e competitividade e Castillo (1987,p.140) é incisivo na necessidade de aportar
recursos nas empresas a serem privatizadas: “A privatização normalmente requer
financiamento em duas fases: a primeira para dar suporte à transferência da
6
Ver Exame (1996).
Ver Vickers e Yarrow(1995).
8
Ver Sanchez & Olivera (1992).
9
Ver Gerchunoff (1992) e Gerchunoff & Cánovas (1994).
7
29
propriedade e, em seguida, para assegurar a operação ininterrupta da nova
companhia”.
No Brasil, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) decidiu
fornecer uma linha de crédito especial para financiar em até 100% os investimentos das
empresas de telecomunicações que estiverem se instalando ou ampliando seus negócios
no Brasil com o objetivo de fomentar a criação de um verdadeiro parque industrial de
telecomunicações no país. O crédito, numa primeira etapa, será destinado à compra,
instalação e montagem de equipamentos da banda B (telefonia celular privada) e
também aos fabricantes de equipamentos e componentes. Os prazos vão ser de até dez
anos, com carência de três anos enquanto, até então, a média era de cinco anos.
Essa posição que defende a realização de ajustes prévios, contudo, não é
consensual. Shafik (1993) recomenda que o governo não realize gastos com a
estruturação de empresas antes da privatização porque eles tendem a não ser
recuperados e seria preferível vender a quem possa estruturar as empresas.
Cabe observar que embora seja desejável obter a maior renda possível da
privatização para abater dívida pública, também é objetivo do PND contribuir para a
modernização do parque industrial nacional. O governo da Alemanha, por exemplo,
incorreu em déficit fiscal em torno de 1% do PIB no período de 1991-92 para realizar
ajustes prévios mas, em compensação, impôs aos novos investidores a realização de
investimentos10.
3.3. Método de avaliação do preço: CAPM
As empresas podem ser avaliadas pelo valor patrimonial, pela cotação das
suas ações, ou pelo fluxo esperado de recursos. No Brasil, o método empregado é do
10
Ver Schwartz e Lopes (1993).
30
fluxo esperado de recursos. Em crítica ao processo de fixação do preço mínimo
adotado no PND, o Relatório do TCU (1994, p.12-13) afirma: “Embora a quase
totalidade dos editais de venda inclua como critérios na determinação dos preços o
valor de reposição, o patrimônio líquido e o valor original dos investimentos
realizados, tem havido exclusiva prevalência dos resultados obtidos em função da
aplicação do método RMA/dpl.”
O valor patrimonial consta do balanço da empresa mas não é empregado
porque não reflete o seu valor de mercado, como afirmado em UNB (1995): “É
essencial, para os objetivos próprios da contabilidade, que a avaliação de ativos se faça
pelo que efetivamente custaram. Confrontado esse valor de custo com o preço de
venda, é apurado o resultado (lucro ou prejuízo) que compete ao período em que se
verificou a transação. A base contábil de valor para os ativos é assim seu custo, e não
seu valor de venda de mercado. Os registros apurados pela contabilidade são lançados
a preços de custo históricos ou, no máximo, corrigidos monetariamente por índices
oficiais(...)”. Dessa forma, o patrimônio líquido de uma empresa, ou o valor
patrimonial de suas ações nada tem a ver, de fato, com o valor econômico de uma
empresa.
Outra crítica constante do Relatório do TCU (1994) diz respeito ao fato de
o preço mínimo não cobrir o custo de reposição de uma nova planta com capacidade
instalada equivalente. No caso da Escelsa, por exemplo, o preço mínimo representaria,
assim, apenas 71% do custo de reposição, após depreciação. Tal distorção, todavia,
pode ser explicada pelo fato de o modelo utilizado refletir os elementos que importam
para o comprador: a capacidade de geração de caixa da empresa, os riscos envolvidos
no negócio, o custo de oportunidade e outros aspectos que serão citados a seguir.
Assim, dos métodos existentes, apenas a determinação do fluxo esperado de recursos
31
merece maiores comentários, pois as cotações das ações estão disponíveis nas bolsas
de valores.
O método de avaliação pelo fluxo esperado de recursos utiliza o modelo
de Capital Asset Pricing Model - CAPM. Inicialmente, realiza-se a projeção das
seguintes contas patrimoniais, para determinar o fluxo de caixa num determinado
período:
disponibilidades,
provisão
para
créditos
de
liquidação
duvidosa,
almoxarifado, outros valores a receber, despesas pagas antecipadamente e outras
contas do passivo. Deste modo, é possível prever os valores de caixa no horizonte de
10 a 20 anos, ficando o prazo a critério da empresa de consultoria.11
A seguir, são estabelecidas premissas referentes ao valor dos produtos e
serviços, dos insumos, dos gastos com pessoal; dos ativos não-operacionais, das
despesas futuras em decorrência de contingentes trabalhistas, além da variação da
produtividade e do crescimento do mercado.
Numa terceira etapa, calcula-se o valor presente do fluxo de caixa. Neste
momento, é fundamental determinar o Weighted Average Cost of Capital - WACC,
isto é, a taxa de desconto, a qual poderia também ser interpretada como o custo de
oportunidade do capital no setor, tanto para capital próprio como para capital de
terceiros de curto e longo prazos. A ponderação é realizada com base na participação
relativa do capital próprio e do capital de terceiros na empresa.
A taxa de desconto é determinada pela seguinte equação:
r = rf + (E(rm) - rf) beta + rb
onde:
rf = taxa de retorno com risco zero
(E(rm) - rf) = prêmio de risco, calculado em função da diferença entre a taxa de
32
retorno do mercado acionário e a taxa de retorno com risco zero
beta = medida do risco sistêmico
rb = risco Brasil
São atribuídos valores para as variáveis componentes da taxa de desconto
(r), que variam de acordo com o ambiente econômico de cada empresa - renda dos
consumidores, elasticidade do produto, grau de tecnificação, estrutura de mercado,
entre outros. A fixação da taxa de desconto é o aspecto fundamental da determinação
do preço mínimo pois, quanto maior o WACC, menor o valor presente do fluxo de
caixa.
Por fim, o valor presente do fluxo de caixa é obtido adicionando o fluxo de
caixa obtido pelo desconto ao WACC ao valor presente da perpetuidade. Para obter o
preço da empresa, basta então efetuar alguns ajustes no valor presente encontrado,
quais sejam: valor presente das aplicações e dos financiamentos de curto e longo
prazos, valor de venda dos ativos não operacionais, contingências fiscais, trabalhistas e
previdenciárias.
Segundo Relatório do TCU (1994), o método do CAPM para a avaliação
das empresas não proporciona o retorno do investimento em muitos casos. Isto
porque, a adoção de parâmetros extremamente conservadores na elaboração das
projeções de longo prazo atuaria no sentido de subestimar as receitas e elevar as
despesas.
Cabe observar, contudo, que as estimativas foram feitas com base em
dados contábeis passados referentes a uma situação econômica particular que delineou
o patrimônio líquido das empresas. Ou seja, se a empresa se defrontou com
circunstâncias desfavoráveis, ela terá alcançado um patrimônio líquido pouco atraente,
11
Para maiores detalhes, ver Nunes & Nunes (1996).
33
o que explicaria estimadores que tendem a depreciar o valor de venda das empresas
avaliadas. Assim, não seria o emprego deste método o fator responsável pela
depreciação no valor do ativo.
Além disso, a diferença mencionada se justifica na medida que a
determinação de preço envolve um grau de subjetividade presente em qualquer
avaliação desse gênero, como reconhecido por UNB (1995, p.11).
Para assegurar que as empresas não sejam sub-avaliadas, o TCU propõe
ainda que entidades públicas também realizem avaliação. Contudo, a proposta parece
desnecessária porque a lei já determina a contratação, após licitação, de dois
consórcios de consultores para calcular o preço de mercado. Se verificada uma
diferença de mais de 20% entre os preços calculados pelos consórcios, o BNDES
contrata uma nova empresa de consultoria. Além disso, as empresas privadas de
consultoria tendem a contribuir com credibilidade ao programa pois há sempre o receio
de que os órgãos envolvidos no programa de privatização obstaculizem o programa
porque com o fim do processo perderiam poder.
3.4. Meios de Pagamento e destinação de recursos
O objetivo desta seção é identificar as linhas gerais para aceitação de
moedas e utilização dos recursos obtidos no âmbito do Programa Nacional de
Desestatização - PND, com o intuito de obter o maior ganho fiscal possível. Discutemse os aspectos que devem ser considerados na definição do mix ótimo de moedas
aceitas. A escolha dos meios de pagamento aceitos na privatização - cash , títulos
públicos e/ou crédito - está subordinada à orientação governamental de abater dívida
interna, mobiliária ou securitizada, ou financiar outras despesas, sejam de custeio,
sejam de investimento. Como se verá, as duas decisões são interdependentes e devem
34
ser tomadas em conjunto.
Ao aceitar uma proporção elevada de moedas de privatização, está-se
restringindo o leque de destinação de recursos ao resgate de dívida securitizada em
poder do mercado e favorecendo a renegociação de dívidas vencidas, ao mesmo tempo
que se oferece um estímulo para acelerar o processo de privatização. Contudo, se um
dos objetivos que se espera atingir com o programa de privatização é o ganho fiscal
com a entrada de recursos, a prioridade do governo deve ser a redução da dívida
mobiliária, cujo custo é superior ao da dívida securitizada, e conseqüentemente o
governo deve preferir a aceitação de moeda corrente.
A busca do ganho fiscal, no entanto, não é consensual. Se o objetivo
básico do programa de privatização é aumentar a eficiência da economia, pode ser
indiferente aceitar cash, títulos públicos e/ou crédito, pois o fundamental passa a ser
acelerar o processo. Nesta hipótese, o governo pode, adicionalmente, aceitar cash,
destinando os recursos para a realização de investimentos.
Um outro aspecto a ser considerado é a situação fiscal do país. Caso a
necessidade de recursos seja expressiva, o país pode aceitar apenas moeda corrente
como fez a Argentina, que só aceitou títulos da dívida pública numa segunda etapa
pois iniciou o processo com empresas rentáveis12.
Além destes, outros aspectos fiscais e monetários, por exemplo a
proveniência interna ou externa de recursos e seu impacto sobre o balanço de
pagamentos, podem ser determinantes da decisão.
Com o intuito de reduzir o estoque da dívida no maior montante possível,
tem-se questionado se o volume de recursos obtido na venda de empresas estatais seria
maior com recebimento somente em cash ou com aceitação de moedas de
35
privatização. Segundo Gerchunhoff(1992), o recebimento de títulos da dívida externa
no período 1989-82 contribuiu para aliviar as contas fiscais argentinas no curto prazo,
Além disso, surge também a questão de que destino dar a esses recursos:
reduzir dívida interna, recomprar dívida externa ou financiar o Tesouro Nacional. Para
Simonsen (1995; p.13), as receitas de privatização devem ser utilizadas para abater
dívida: “(...) usar as receitas de privatização para resgatar parte da dívida pública,
sobretudo dívida interna mobiliária, é medida altamente salutar”.
a) Cash ou moedas de privatização ?
Considerando que o sucesso do programa de privatização depende muito
do nível de poupança e que o país passou por uma década de crise econômica e que
boa parte dos recursos internos se encontra concentrada em títulos da dívida pública,
convém estar preparado para contornar dificuldades que podem surgir na formação de
mercado para os ativos estatais. Assim, a aceitação de “moedas de privatização” e a
oferta de crédito aos compradores de empresas públicas representam incentivos
adicionais, que reduzem custos para que a iniciativa privada adquira empresas
consideradas ineficientes e com elevados passivos.
Há, portanto, situações em que o governo não recebe em cash pela venda
da empresa, mas o simples fato de deixar de aportar recursos já constitui uma
vantagem. A aceitação de moedas de privatização, neste contexto, seria preferível à
mera liquidação das empresas. Esse aspecto é relevante porque é meta do Governo
Federal acelerar o programa de privatização e ampliar o programa com a inclusão dos
Estados no processo, o que deverá aumentar consideravelmente a oferta de empresas
privatizáveis.
12
Ver Gerchnoff e Cánovas (1994).
36
No entanto, freqüentemente, afirma-se que a aceitação de moedas de
privatização no PND implica em perdas nas vendas dos ativos estatais por três razões
que serão comentadas a seguir: a)devido à pequena entrada de recursos em cash,
impedindo que se resgate a dívida mobiliária, cujo custo é mais elevado, e reduzindo o
ganho fiscal; b) porque as dívidas vencidas são aceitas pelo seu valor ao par, sem que o
governo se aproprie do deságio, e c) porque, ao resgatar títulos antecipadamente,
reduz-se o perfil da dívida.
O primeiro argumento aponta como problema a pequena entrada de
recursos em cash nas contas do Tesouro Nacional. O governo estaria substituindo
uma dívida de até 6% ao ano por outra em torno de 18% a.a.. A principal desvantagem
na utilização da dívida do governo como moeda diz respeito ao fato de que os recursos
em moeda de privatização que se recebe pela venda dos ativos estatais não aumentam
as disponibilidades de caixa do Tesouro, determinando a captação no mercado, a juros
elevados, para executar o Orçamento. Segundo Kliass (1994): "Les principales
conséquences provoquées par l'adoption d'un système de financement basé sur ce type
de monnaie ont été la réduction de la capacité financière de l'État (...)".
Ressalte-se que, embora freqüentemente se vincule o uso “resgate de
dívida mobiliária” à fonte “recursos da privatização”, tecnicamente a vinculação faz
pouco sentido. O ganho fiscal é o mesmo se o governo utiliza tais recursos para
financiar gastos correntes que, de outra forma, seriam financiados pela emissão de
novos títulos da dívida mobiliária. A vinculação surge da necessidade de justificar a
aplicação dos recursos, em virtude da publicidade e das críticas que com freqüência
rondam a privatização.
Tomadas apenas as considerações financeiras mais imediatas, chegar-se-ia
facilmente à conclusão de que não seria interessante aceitar moedas de privatização,
37
em geral com taxas inferiores às de outros títulos da dívida interna e prazos mais
longos. No entanto, a pequena entrada de recursos em cash é compensada pelo fato da
aceitação de moedas de privatização aumentar a credibilidade do governo, permitindo
que se possa recorrer à renegociação de dívidas com mais facilidade. As condições
obtidas pelo Tesouro Nacional na negociação de tais dívidas decorrem, em grande
medida, da promessa de utilização no processo de privatização dos títulos recebidos
em pagamento, o que explica a existência de taxas e prazos tão diferenciados. Embora
a cláusula que rege a utilização das moedas de privatização no PND refira-se apenas a
uma possibilidade, a ser definida nos editais de privatização, como a promessa de que
o título possa ser utilizado em algum leilão afeta positivamente o seu preço, a sua não
aceitação no PND poderia ser considerada uma desqualificação do crédito do título
pelo seu próprio emissor.
A opção por recebimento exclusivo em cash tenderia a afetar as condições
das próximas negociações, elevando os custos de financiamento das dívidas originais.
Assim, a utilização da dívida do governo como instrumento monetário proporciona um
abatimento na dívida securitizada, com conseqüente saneamento das finanças do setor
público, e um ganho fiscal indireto e difícil de contabilizar, que corresponde à situação
alternativa em que seria preciso renegociar todas as dívidas em condições de mercado.
A este respeito Giambiagi e Pinheiro (1992,p276) afirmam: “Credibilidade e não títulos
é o que o governo mais deseja”.
Quanto ao segundo argumento, o Tesouro ao não se apropriar do deságio
não está propriamente perdendo, mas apenas deixando de aumentar o seu ganho sobre
o setor privado. Além disso, sabe-se que o preço mínimo dos ativos negociados no
PND é também afetado pela aceitação de pagamento em cash ou em títulos. Assim, na
hipótese de ser aceito apenas cash em pagamento, o preço mínimo estabelecido
38
provavelmente teria que ser menor. A combinação de pagamento em cash e títulos
públicos proporciona um ganho fiscal no preço praticado no leilão.
Ao considerar o terceiro argumento, deve-se lembrar que as moedas de
privatização ou são dívidas vencidas e não pagas, ou títulos que foram adquiridos de
maneira compulsória. Assim, não constitui problema o resgate antecipado de tais
títulos porque trata-se de dívidas que já deveriam ter sido pagas. Por outro lado, dado
que os credores aceitaram a renegociação das dívidas e o seu conseqüente
alongamento, o resgate antecipado, de fato, reduz o perfil da dívida.
Tendo em vista a importância do financiamento para a compra de ativos
públicos, outra hipótese que costuma ser aventada para gerar demanda pelas empresas
é a criação, pelo BNDES, de uma linha especial de financiamento para aquisição de
ações no âmbito do PND. Neste sentido, vários mecanismos - fracionamento de
leilões, pulverização de ações que não dão direito a controle acionário, atração de
capitais estrangeiros, etc. - tem sido analisados para evitar que a insuficiência de
recursos internos se repercuta em queda dos preços das ações, com prejuízo para o
Erário Público. Contudo, segundo Relatório do World Bank (1989), a concessão de
crédito aos compradores de ativos públicos, a juros de 12% mais correção monetária,
não resulta em ganhos para o governo porque a correção monetária é sub-avaliada, e
portanto o empréstimo é concedido a juros subsidiados, e a relação dívida/patrimônio
torna-se elevada, o que aumenta os riscos de falência.
O Relatório Reservado (1997) divulgou em 26/02/97 e 28/2/97, que o
governo federal se recusou a aceitar como moeda, na privatização da CVRD, títulos da
dívida externa embora isso implicasse em um aumento de até 100% no preço mínimo
da empresa, e que a oferta de uma linha de crédito especial para o vencedor da
licitação do arrendamento da Malha Nordeste da Rede Ferroviária Federal teria
39
despertado o interesse do grupo Garantia antes desinteressado em tal aquisição. Tais
fatos corroboram a proposição de que a aceitação de títulos públicos e a oferta de
crédito aumentam a demanda por ativos no processo de privatização. Um outro
estímulo seria a possibilidade de utilização dos fundos de poupança dos trabalhadores
(FGTS e PIS/PASEP) para aquisição de ações nos leilões de privatização.
b) Dívida interna ou dívida externa ?
Uma apreciação preliminar da destinação dos recursos da privatização financiar investimentos, reduzir dívida interna, recomprar dívida externa ou financiar o
Tesouro Nacional - tende a induzir o observador a crer que a análise custo-benefício
poderia resumir-se a uma simples equivalência financeira das dívidas mobiliárias interna
e externa, bem como das moedas de privatização. Para tanto, bastaria tomar a regra de
cálculo e os juros de cupom de cada título, definidos legalmente, estimar a variação de
indexadores no caso de papéis pós-fixados e calcular as taxas de juros efetivas das
dívidas a serem pagas, da liquidação financeira do leilão até o vencimento de cada
título. O método permitiria discriminar as moedas em termos de custos, estabelecendo
uma "taxa de troca" entre elas, com alguma arbitrariedade no que diz respeito a uma
13
determinação prévia da variação de indexadores como câmbio, IGPM, TR e Selic .
No que se refere aos prazos, a questão é mais complexa, pois envolve uma
definição do perfil ideal de maturação, tomadas em conjunto as dívidas mobiliária
interna e externa, em confronto com o perfil das receitas esperadas. Em outras
palavras, não bastaria apenas optar por prazos mais longos, senão também evitar
concentração nos vencimentos.
13
A conveniência de uma ação desse tipo merece ser considerada com mais detalhes pois, na
qualidade de sinalizador de política econômica, o Tesouro Nacional atua diretamente sobre o
mecanismo de formação de expectativas dos agentes.
40
A utilização dos recursos obtidos para resgate de títulos da dívida externa
tem sido questionada por tratar-se de um passivo longo, já reescalonado, cujo custo
não é tão alto quanto o da dívida interna. Além disso, para calcular o custo de
oportunidade vis à vis o resgate de dívida interna, seria preciso considerar o deságio
que se espera obter, além do perfil ideal de vencimentos para a dívida. Contudo, se o
Tesouro Nacional fizesse um amplo anúncio da recompra, para garantir a publicidade
do processo, o deságio fatalmente se reduziria e, conseqüentemente, o ganho relativo
estimado no cálculo que fundamentou a decisão.
Por outro lado, deve-se considerar a vantagem de formação de uma base
de investidores no longo prazo, com abertura de novos mercados e conseqüente
redução do risco Brasil nas novas captações públicas e privadas. Não obstante as
desvantagens apresentadas, o aumento da credibilidade do governo, em virtude de
estar honrando seus compromissos até mesmo antecipadamente, poderia possibilitar o
alongamento do perfil da dívida e a redução dos juros exigidos no longo prazo.
Atendido o mérito técnico da questão, caberia ainda averiguar a legalidade
da discriminação entre títulos, visto que a maior parte dos contratos da dívida externa
apresentam a cláusula de Negative Pledge, a qual determina que ao pagamento dos
referidos títulos seja dado tratamento pelo menos equivalente àquele dispensado a
outras obrigações da Dívida Externa. Essa dificuldade, aparentemente, poderia ser
contornada se as regras do leilão determinassem critérios técnicos para aceitação dos
títulos, baseados na conveniência em termos de custo para o Tesouro Nacional, a
exemplo do que ocorre em processos licitatórios. Além disso, como alguns contratos
prevêem a aceitação dos títulos no PND sujeita a regulamentações específicas, as
regras do leilão parecem conter a brecha legal necessária à implementação da proposta.
41
Com base no que se expôs até aqui, seria conveniente estabelecer, em cada
caso específico e de acordo com a atratividade da empresa, o mix ideal de moedas
juntamente com o montante do crédito a ser oferecido aos compradores, considerando
aspectos particulares tais como modelo, volume e cronograma, de modo a obter o
melhor preço na venda de ações. É claro que a definição antecipada do mix desejado
confere mais transparência ao processo e evita especulação, ao permitir que os agentes
conheçam antecipadamente a estratégia do Governo. Contudo, como seria impossível
abarcar num modelo geral todos os aspectos particulares relevantes, convém que a
definição inicial seja suficientemente flexível para adaptar-se às considerações
posteriores de um tratamento caso a caso.
Contudo, conforme se verá ao longo da exposição, a solução para este
problema não é tão trivial. Uma análise mais acurada permite perceber que a
complexidade de impactos fiscais e monetários transcende em muito a comparação dos
níveis de taxas de juros relativos a cada segmento da dívida. Inicialmente, há que
considerar os impactos monetários das várias opções, no interesse da sustentabilidade
do Plano de Estabilização. Neste sentido, a decisão de abater dívida interna ou externa
deve levar em conta a necessidade de manutenção do volume de reservas
internacionais em patamar administrável.
Por outro lado, supor que a análise dos efeitos monetários da entrada de
recursos externos com a privatização é atribuição apenas da Autoridade Monetária
seria incorrer em grave equívoco. As ações da Autoridade Monetária afetam, de resto,
direta ou indiretamente, o Tesouro Nacional, todas possuem um custo e um impacto
fiscal.
Na hipótese de utilização dos recursos obtidos com a privatização no
resgate da dívida interna do Tesouro, o impacto de ações compensatórias por parte do
42
Banco Central deve ser considerado. Supondo estável a demanda por moeda e a taxa
de juros, a redução observada na DPMFI do Tesouro Nacional em poder do público
deverá ser contraposta pela elevação da DPMFI do Banco Central, emitida com fins de
política monetária. Cabe ressaltar que os títulos de responsabilidade do Tesouro
Nacional aqui citados referem-se exclusivamente àqueles que se encontram em poder
do mercado pois os títulos da carteira do Bacen estão esterilizados para efeito de
política monetária.
Se considerarmos que o custo do endividamento interno que cabe ao
Tesouro refere-se à DPMFI Total em poder do público, composta pelos títulos de
emissão do Tesouro Nacional e do Banco Central, uma contraposição como a que
acaba de ser descrita poderia manter o custo do endividamento interno inalterado. Ao
final do processo, a tentativa de reduzir o nível de endividamento interno é
neutralizada e o custo final corresponde à taxa de juros interna, deduzida do valor
auferido pela remuneração das reservas.
Assim, no interesse de promover o ajustamento fiscal, há que considerar os
impactos da política monetária, pois o endividamento interno depende não só do
resultado fiscal, mas também das operações de política monetária que trocam ativos
mais líquidos por títulos públicos federais.
Diante do que acaba de ser descrito, a questão deixa de ser abater dívida
interna ou externa, pois isso se resolve tornando comparáveis os preços dos vários
títulos, e passa a ser se a proveniência dos recursos é interna ou externa. Se é externa,
há que se buscar um mecanismo pelo qual se possa evitar o impacto monetário da
expansão das reservas internacionais.
Uma das hipóteses já cogitadas refere-se à abertura de conta em dólar do
Tesouro Nacional no exterior, o que possibilitaria a entrada paulatina das divisas e uma
43
melhor programação monetária. Outra possibilidade diz respeito, à constituição de um
Fundo vinculado à referida conta e destinado ao financiamento de exportações ou à
administração da dívida externa. A dificuldade maior, nesse caso, consiste em garantir
que tais recursos não seriam utilizados para elevar gastos fiscais, considerando-se as
pressões que surgem quando não há vinculação explícita entre usos e fontes. Nesse
sentido, tendo em vista não existirem garantias de que o Fundo só seria utilizado para
administrar a dívida externa, e lembrando ainda a longa história de inadimplência
relacionada a Fundos, entende-se que essa opção não seria recomendável.
Se a proveniência dos recursos é interna, a troca deve ser realizada de
modo a evitar o vazamento monetário da retirada dos títulos do Tesouro,
posteriormente contraposta por colocação de títulos do Bacen.
Este vazamento
monetário, entretanto, só existe porque a troca não é simultânea e intervém expansão
monetária. Se a moeda não servir para intermediar a troca de ações por títulos, a
situação pode ser diferente. Uma operação, realizada em conjunto com o Banco
Central poderia prever a compra pelo Banco Central, com o menor alarde possível, de
títulos do Tesouro em poder do público. Simultaneamente, os recursos da venda das
ações seriam entregues ao Banco Central. O problema, nesse caso, consistiria em:
a)realizar as duas operações sem lapso temporal para que não haja impacto monetário.
b) realizar a operação sem alarde pois, caso contrário, ou o governo perde no desconto
dos títulos ou no preço das ações que tendem a reduzir-se. A reação dos agentes tende
a ser, inclusive, antecipada. c) definir a unidade de medida visto tratar-se de um
escambo.
Uma segunda possibilidade diz respeito à troca direta de ações por títulos,
o que resumiria a questão à determinação dos preços dos títulos. A venda de ações no
leilão de privatização poderia ser feita numa base voluntária, aceitando-se todo o
44
pagamento em títulos, das dívidas interna, externa e moedas de privatização, nos
seguintes termos:
"Oferto W ações da empresa Tal e aceito como moeda os títulos X, Y e Z,
de emissão do Tesouro Nacional, desde que satisfeitas as seguintes restrições:
(1)
Pa ≥ Pm ,
isto é, o preço Pa ofertado pela ação somente poderá ser aceito se
for igual ou superior a um preço mínimo Pm determinado no edital de privatização.
(2)
Pa x Qa ≥Pt x Qt ,
A receita obtida com a venda de ações, determinada pela multiplicação do
preço Pa da ação por sua quantidade Qa, deve ser maior ou igual à receita obtida com
a venda dos títulos, correspondente à multiplicação do preço Pt do título por sua
quantidade Qt. O preço Pt de cada título fica fixado pelo desconto, da data da
liquidação financeira do leilão até a data de resgate prevista na sua emissão, do valor
de face, monetariamente corrigido nos termos do Decreto n.º 1.139, de 11/05/94, e
pelos juros de coupon, quando houver, que incidem sobre o valor de face corrigido
monetariamente, e são determinados segundo o regime de capitalização composta, de
acordo com a Portaria do Tesouro Nacional n.º 506, de 15/12/94, que dispõe sobre o
pagamento de juros de coupon das NTN, inclusive para resgates antecipados pro rata
die.
As propostas serão ordenadas segundo o critério de melhor preço, ou seja,
em ordem decrescente da diferença (Pa Qa - Pt Qt), até o ponto em que a soma das
quantidades das ações com proposta de compra aceita seja igual à quantidade de ações
ofertadas."
Para melhor entendimento da proposta, exemplificaremos com a simulação
de um leilão, onde serão adotadas as seguintes hipóteses:
45
• Oferta de 11 ações da empresa Tal;
• Preço mínimo Pm fixado em 3;
• Houve propostas de compra utilizando como moeda um dado título X cujo preço Pt
foi fixado em 5.
Simulação
Proposta
nº
Pa
Qa
m
Pt
Qt
1
2
5
3
5
2
0
Rejeitada, Pa < Pm
2
3
4
3
5
3
-3
Rejeitada, Pa Qa <
Pt Qt
3
3
5
3
5
2
5
Aceita
4
3
6
3
5
3
3
Aceita
5
4
3
3
5
2
2
Corte
LUCRO = 8
-
TOTAL Q
11
PaQa PtQt
Aceitação/Rejeição
Dentre as vantagens desse esquema, além de evitar impacto monetário,
poder-se-ia citar o aspecto da legalidade e publicidade do leilão, evitando vazamento
de informações e movimentos especulativos que quase sempre cercam as recompras.
Ademais, na utilização de recursos em cash para redução da colocação líquida de
dívida, há que ater-se à vinculação explícita entre usos e fontes para que os recursos
em cash não tenham como destino o financiamento a outras despesas, o que face à
necessidade de ajuste fiscal não seria desejável. Na troca direta de ações por títulos,
esse procedimento seria dispensável.
A dificuldade consiste, como já foi citado, em pré-fixar a variação dos
indexadores para calcular os preços dos títulos, os quais deverão ser previamente
divulgados. Há ainda que contemplar a estrutura da demanda por títulos da dívida
46
interna, pois em vários casos a motivação é o hedge em operações casadas, o que pode
desestimular muitos detentores de títulos a comprar ações ou mesmo a negociar os
papéis se a taxa pré-fixada não for atraente.
A pauta de propostas de Nunes & Nunes (1996) pode ser assim
sintetizada:
1) Definição prévia das linhas gerais para aceitação de moedas no âmbito do PND, por
grupos de empresas, destinando a cada edital específico o percentual de participação
moedas de privatização. Além de conferir mais transparência ao processo e evitar
especulação, ao permitir que os agentes conheçam antecipadamente a estratégia do
Governo, a medida facilitaria as negociações de dívidas da União junto a terceiros,
assumidas por força de Lei.
2) Definição do perfil ideal de maturação, tomadas em conjunto as dívidas mobiliária
interna e externa, em confronto com o perfil das receitas esperadas. A medida evitaria
que se optasse apenas por prazos mais longos, impedindo também concentração nos
vencimentos.
3) Troca direta de ações por títulos ( dívida interna, dívida externa, moedas de
privatização, etc.) no caso dos recursos terem proveniência interna. Empresas que
apresentassem resultados operacionais expressivos poderiam ir a leilão sem que fossem
aceitos títulos de longo prazo, que tem juros menores. Entretanto, empresas com
elevados passivos poderiam ser leiloadas com a aceitação dos títulos de longo prazo.
Além de evitar impacto monetário, a publicidade do processo permitiria que se evitasse
movimentos especulativos que quase sempre cercam as recompras.
4) Se a proveniência dos recursos é externa, há pelo menos duas possibilidades não
excludentes, para evitar o impacto monetário da expansão das reservas internacionais.
a. Entrada paulatina das divisas, o que permitiria uma melhor programação monetária.
47
b. Abertura de conta em dólar do Tesouro Nacional no exterior para administrar a
dívida externa e eventualmente fazer recompras.
5) Incluir na pauta de renegociação das dívidas de Estados e Municípios junto ao
Governo Federal a possibilidade de recompra de títulos da dívida externa e interna no
mercado secundário por Estados e Municípios utilizando os recursos da privatização
das empresas estaduais e municipais, com divisão do deságio em partes iguais.
4. EFEITOS MACROECONÔMICOS DA PRIVATIZAÇÃO
Nesta seção, são discutidos os efeitos macroeconômicos do Programa, já
expressos nos objetivos da Lei que o criou, quais sejam: permitir a retomada de
investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa
privada; contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua
competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da
economia; contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do
acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização do capital das
empresas que integram o programa e contribuir para a redução da dívida pública. A
reordenação da posição estratégica do Estado na economia deverá permitir que a
administração pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do
Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais.
Utiliza-se um modelo para estimar o ganho fiscal decorrente da
privatização, um dos principais objetivos da privatização brasileira.
4.1 Retomada de investimentos
Com a privatização, o governo cede à iniciativa privada um plano de
investimentos que não poderia efetivar, embora fosse socialmente responsável por ele.
Além disso, por permitir que sejam liberados recursos públicos para áreas prioritárias,
48
a privatização tornou-se a saída para crescer.
No caso do Grupo CVRD, constatou-se que o nível de investimentos
realizado havia sido bem inferior aos níveis propostos nos últimos sete anos, pois os
cortes do Orçamento impediam que a empresa explorasse ao máximo o seu potencial,
o que a médio prazo tenderia a reduzir a sua competitividade internacional caso a
empresa não fosse privatizada.
Os fatos mostram que em várias empresas privatizadas ocorreu retomada
de investimentos e aumento da produção e das exportações. De acordo com Pinheiro
[105], 90,54% das empresas alienadas na década de 90 aumentaram a produção em
cerca de 97% no ano da privatização e em 116% no período seguinte. O nível de
investimentos também aumentou após a privatização. Para o total da amostra, a
mediana aumentou de um nível de 55% no ano da venda e para mais de 110% nos anos
seguintes.
No caso do setor siderúrgico como um todo, quando se comparam os
períodos 1988-91 e 1992-96, a produção de ferro gusa, aço bruto, laminados e aço
semi-acabado aumentou, respectivamente, 6,7%, 6,8%, 6,2% e 7,7%, em média anual,
e as exportações tiveram um incremento de 10,7%.
Permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem
a ser transferidas à iniciativa privada é fundamental para contribuir para a
modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e
reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia. Neste sentido,
as empresas privatizadas tem cumprido o seu papel de estimular o investimento
privado em setores considerados estratégicos para a formação de um parque industrial
diversificado.
O investimento em tecnologia na Usiminas após a privatização foi maciço,
49
com importantes reflexos para a indústria de base nacional. No final de outubro, para
aumentar a capacidade de seu parque industrial, a Usiminas assinou contrato com um
consórcio internacional de cinco empresas de bens de capital, no valor de US$ 142
milhões, envolvendo a instalação de um laminador contínuo a frio para produção de
chapas especiais para utilização em automóveis e construção civil. Esse tipo de
laminador será fabricado pela primeira vez no nosso país e seu índice de nacionalização
será de 60%.
A privatização também pode ter efeitos indiretos sobre o setor público na
medida em que sirva como alavanca para o crescimento. Segundo Braga (1993), a
retomada do investimento com a privatização poderá permitir uma redução da relação
dívida pública sobre PIB na medida que incremente a competição e contribua para
financiar o investimento.
4.2. Aumento da eficiência da estrutura industrial
Conforme apresentado na seção anterior, um dos efeitos macroeconômicos
que se espera atingir com o PND é a retomada de investimentos das empresas
privatizadas, com importantes reflexos para a eficiência da economia pois o maior
promotor de desenvolvimento econômico é o nível de investimentos.
Um argumento muito utilizado para não realizar a privatização de algumas
estatais é o de que elas são agências de desenvolvimento econômico, social e cultural
nas regiões em que atuam e deixaria de ser se privatizadas. Esse foi o caso da CVRD
que atua em nove estados, seja diretamente ou através de suas 14 empresas
controladas e 26 colegiadas. O estatuto da empresa determinava que 8% do seu lucro
fosse aplicado em projetos sociais nos municípios onde atua, o que representava mais
de R$ 20 milhões em mais de 200 projetos de infra-estrutura, como estradas e creches.
50
Além disso, havia um fundo de melhoramento do Vale do Rio Doce, que recebia 4%
dos dividendos da empresa e era administrado pelo governo de Minas, tendo lhe
rendido, em 1996, R$ 5 milhões. Os Estados e Municípios assim beneficiados temiam
que, com a privatização, não pudessem mais contar com esses recursos.
No entanto, embora este argumento seja utilizado contra a privatização,
sabe-se que promover o desenvolvimento social não é função de empresa estatal e,
sim, do Governo Federal e dos Estados. A multiplicidade de objetivos da empresa lucros e políticas de estabilização ou de distribuição de renda - deve ser evitada pois
reduz a sua eficiência.
Nesse sentido, uma das principais contribuições que o PND pode dar à
política industrial brasileira é melhorar o desempenho das empresas privatizadas,
permitindo um aumento da competitividade média da indústria nacional, em
decorrência da: a) possibilidade de racionalizar e desburocratizar a estrutura
administrativa, agilizando a gestão das empresas e reduzindo os custos indiretos; b)
obtenção de ganhos de eficiência e redução de custos diretos da produção, fruto da
eliminação do excesso de funcionários; c) independência estratégica, que permitirá às
ex-estatais aumentarem seus lucros aproveitando oportunidades em negócios afins a
sua atividade principal; d) abertura de alternativas de financiamento para seus
investimentos, através de seus acionistas privados, o que permite contornar a exaustão
dos recursos orçamentários públicos disponíveis para inversão nas estatais, e)
delimitação dos objetivos e resolução de problemas de agência.
Gandara e Kaufman (1994) identificaram uma redução de custo na
produção nas siderúrgicas privatizadas e Simonsen (1995,p.13) é contundente ao
reconhecer o aumento da eficiência com a privatização: “Os sucessos da privatização
na siderurgia são provas contundentes de como a iniciativa particular administra muito
51
melhor do que o governo na produção de bens privados, mesmo quando considerados
estratégicos. Desde então essas empresas passaram a lucrar mais e aumentar seus
investimentos. Estão satisfeitos os acionistas, os empregados e os compradores de
produtos siderúrgicos. O governo livrou-se do pesado ônus que era a dívida da antiga
Siderbrás. Só estão frustados frustrados os políticos que miravam essas empresas
como cabides de empregos”.
Costa (1994) também analisa a evolução das estatais privatizadas na
década de 1980 e, embora não considere os resultados estatisticamente significativos,
conclui ter havido uma melhoria do desempenho no setor privado. Pinheiro
(1996,p.25) chega à mesma conclusão em estudo sobre a eficiência das empresas
privatizadas: “os resultados obtidos confirmam que, com a privatização ocorre uma
melhoria bastante significativa, em termos estatísticos e econômicos, do desempenho
das empresas(...)”
De modo geral, constata-se que, após a privatização as empresas se
tornaram mais eficientes e lucrativas e o aumento de lucro foi maior nas empresas em
que houve mudança de propriedade, o que é consistente com a idéia de que a mudança
de propriedade aumenta os incentivos para os trabalhadores e administradores.
Os resultados da Usiminas corroboram os argumentos teóricos
apresentados. Embora já fosse considerada uma estatal bem administrada, a empresa
necessitava de aporte de capital para o crescimento e estava onerada por dívidas. Após
a privatização, a sua performance melhorou. A Usiminas, que já era rentável em 1991,
aumentou em 457% o seu lucro líquido e elevou em 160% o valor dos dividendos
distribuídos a seus acionistas em quatro anos14.
14
Ambos calculados em dólar pela cotação da moeda americana ao final de cada exercício.
52
Além disso, o princípio de que o impacto da privatização é maior quando
combinado com a abertura da economia também parece aplicar-se ao caso brasileiro.
As empresas privatizadas na década de 90 foram expostas a uma maior competição
externa e são mais lucrativas.
No caso brasileiro, observa-se que a simples ameaça de privatização já
produz efeitos em termos de aumento de eficiência das empresas. Nos últimos anos, as
empresas estatais produtivas tornaram-se mais lucrativas e passaram a pagar mais
dividendos ao governo.
Outro problema que a privatização contribuiria para solucionar refere-se ao
fato de que, nas empresas públicas mais deficitárias, as metas de redução de pessoal
acabam determinando a saída dos melhores funcionários e a permanência dos menos
competitivos. A desestatização coloca fim às contratações políticas e com fins
eleitoreiros e à manutenção de pessoal atendendo a questões sociais, freqüente nas
empresas públicas. Assim, as críticas à privatização podem também ocultar, de um
lado, o medo de perder o privilégio de nomear, sem limites, parentes e amigos para
cargos da empresa e, de outro, os interesses corporativistas de funcionários que não
desejam perder privilégios.
Embora seja notória a mudança da política de emprego da empresa
privatizada, o argumento de que a privatização seria responsável por desemprego em
massa também parece ser um mito. Na Espanha, o governo impôs aos compradores o
compromisso de manter o nível de emprego e a realização de investimentos em
tecnologia. No Brasil, a Usiminas reduziu a sua folha de pessoal (antes da privatização
tinha 12.400 funcionários e hoje tem 9.200) não preenchendo as vagas dos que se
aposentam. A hipótese de demissão em massa foi excluída porque era preciso ganhar o
apoio dos funcionários transformados em investidores. Além disso, a participação dos
53
empregados na privatização da empresa aumentou o seu comprometimento com a
lucratividade e reduziu resistências à privatização.
4.3 Ajuste fiscal das contas públicas
A idéia de que se poderia abater dívida pública com a venda de
propriedade estatal já era apontada por Adam Smith (1937): “In every monarchy in
Europe the sale of the crown lands would produce a very large sum of money, which,
if applied to the payment of the public debts” (...).
No Brasil, esta posição é corroborada por um raciocínio aparentemente
simples de Campos (1995), que pode ser assim resumido: “Como o capital da União
investido nas empresas estatais rende 1,08% a.a., a privatização pode ter um
significativo impacto fiscal se este patrimônio for vendido e usado para abater dívida
pública, sobre a qual o governo paga juros anuais na faixa de 20% a 25%. A cada R$
10 bilhões de patrimônio alienado seria possível obter uma economia líquida de R$ 1,9
bilhão a R$ 2,4 bilhões por ano.” De fato, a Petrobrás registrou uma rentabilidade de
10,19% a.a. e a CVRD de 7,12% a.a., enquanto a taxa de juros real da dívida interna
oscilou em torno de 18% a.a.
O impacto fiscal sugerido por Campos é bastante significativo. Em 1994, o
patrimônio líquido da União nas empresas federais somava cerca de US$ 88 bilhões.
Se todo esse patrimônio fosse vendido pelo seu valor contábil e usado para abater a
dívida pública, seria possível ter uma economia líquida anual de 3,3% do PIB em
despesas correntes. Considerando que a União teve retorno sob a forma de dividendos
de apenas 0,4% do seu patrimônio aplicado nas empresas estatais no período 1988/94
e que o governo teve que captar recursos no mercado para rolar sua dívida a taxas
reais de 20% a 25% ao ano, a simples troca da totalidade das ações que a União detém
54
nessas empresas por papéis da dívida pública pode produzir uma redução acumulada
das suas necessidades de financiamento cujo valor presente estimado chega a U$ 36,9
bilhões.
Para Tourinho e Viana (out. 1993, p.2): “Os resultados do PND, quando
comparados com os dos programas de privatização de outros países da América
Latina, parecem, à primeira vista, bastante modestos. Entretanto, uma comparação
mais cuidadosa revela que o PND é, entre eles, o de maior relevância no que tange à
intervenção no setor industrial, pois foi o programa que arrecadou maior volume de
recursos com a alienação de participação estatal em empresas industriais (US$ 3,6
bilhões)”.
Esta posição aparentemente consensual entre os economistas foi colocada
em cheque por alguns autores. Para Hemming e Mansoor(1988), Builter(1983) e
Mansoor(1987) e Walters (1992), a privatização não contribui para reduzir o déficit
público, pois implica tão somente na troca de um ativo menos líquido por outro mais
líquido, não proporcionando nenhum ganho fiscal direto. Para Mansoor, a política de
privatização se assemelha à emissão de títulos públicos: recebe-se recursos hoje, mas
em contrapartida, no futuro tem-se uma receita menor decorrente de uma redução de
rendimentos. A este respeito, Werneck (1989,p.27)alerta que: “Tal como tem ocorrido
em outros países, a privatização tem sido erroneamente vista no Brasil como uma
maneira de reduzir o déficit do governo - e, conseqüentemente, de alterar sua postura
fiscal - no montante equivalente ao resultado da venda de ativos. Já que a venda de
ativos não acarreta mudanças no patrimônio líquido do governo, não há qualquer
impacto fiscal, ainda que certamente o governo se veja com maior liquidez.” Para
Marcel (1989), o impacto fiscal no Chile teria sido nulo. Pinheiro e Schneider (1993)
apontam a explicação: na década de 70, as estatais chilenas teriam se tornados
55
rentáveis e a receita com dividendos teria alcançado 25% do total da receita
governamental.
Além disso, de fato, considerando que depois que as empresas forem
vendidas para abater a dívida pública, novos déficits continuarão sendo gerados,
privatizar com o objetivo estrito de promover ajuste fiscal poderá ser uma iniciativa
estéril. Para Hanke (1987) não se deve utilizar receitas de privatização para financiar
déficits. Como se pode observar nos dados constantes do Relatório do FMI (outubro
de 96), a experiência argentina mostra que, apesar de ter aumentado a competitividade
externa e elevado a produtividade a nível interno, e embora o programa de privatização
esteja na sua fase final, novos déficits fiscais voltaram a ser gerados e o endividamento
atinge nível semelhante ao que antecedeu a privatização no país. Gerchunhoff (1992)
antecipou tal situação ao crer que o processo argentino ao oferecer benefícios
excepcionais, como expressiva recomposição tarifária, possibilidade para fixação de
reajustes futuros e manutenção de monopólios.
Para Mello (1994,p.446), a privatização não contribui para o ajuste fiscal,
requerendo um conjunto de medidas paralelas: “Torna-se cada vez mais claro que o
ajuste do desequilíbrio fiscal brasileiro só poderá ser enfrentado com sucesso se forem
abertas muitas frentes de combate. Há que existir um permanente esforço do governo
no sentido da implementação de medidas como: renegociação e alongamento do perfil
das dívidas interna e externa; transferência para os governos subnacionais de alguns
dos atuais encargos do governo federal; renegociação das dívidas dos estados e
municípios para com o governo federal; controle coordenado das empresas estatais
(...) reforma da previdência social; aumento de impostos, redução de gastos,
privatização, e assim por diante.”
Então, como conciliar os resultados fiscais de Campos com a conclusão de
56
que a privatização não teria um impacto fiscal significativo? Há duas soluções
complementares para este aparente paradoxo. A primeira diz respeito ao valor das
empresas vendidas. Giambiagi e Pinheiro (1992) desenvolveram um modelo para
avaliar o impacto da privatização sobre as contas públicas, concluindo que não
permitiria o ajuste fiscal das contas públicas porque poucas empresas haviam sido
incluídas no PND. O principal efeito fiscal viria do aumento da rentabilidade das
empresas e da eficiência da economia, bem como da transferência para o setor privado
da responsabilidade de investir nos setores até então ocupados pelas estatais. De fato,
é interessante observar que a Lei 8.031, que criou o Programa Nacional de
Desestatização, não lista o ajuste fiscal como um dos objetivos do programa, que
ficaria limitado àquilo que resultasse da redução dos encargos sobre a dívida abatida.
A segunda razão diz respeito à parcela dos lucros distribuída sob a forma
de dividendos. A maior parte dos trabalhos considera implicitamente a distribuição
integral de lucros, o que não corresponde à realidade brasileira.
Para Giambiagi e Pinheiro (1996), a privatização pode contribuir
eficazmente para o ajuste fiscal devido a características peculiares da nossa economia,
onde o pagamento de juros é elevado e baixo o retorno de dividendos com a
participação acionária das empresas públicas. Os benefícios da privatização em termos
de ajuste fiscal seriam os seguintes:
1. principalmente, a utilização da receita de privatização para abater uma dívida
pública de custo elevado. Só a venda da Vale do Rio Doce, pode proporcionar a
utilização de recursos da ordem de R$ 5 a 6 bilhões, ou 1% do PIB, para abater a
dívida pública, que apresenta um custo de rolagem elevado.
2. a redução do pagamento de juros em decorrência da redução do estoque de dívida e
da queda dos juros devido ao aumento de credibilidade do governo e à menor
57
necessidade de captação de recursos no mercado. Sendo maior que a receita de
dividendos, o ganho com o abate de dívida possibilita reduzir o déficit futuro do setor
público e age positivamente sobre as expectativas inflacionárias.
3. a transferência de dívidas do setor público para o setor privado.
4. o fim dos aportes de capital para as empresas.
5. o aumento da rentabilidade das empresas que continuam sendo estatais em
decorrência da possibilidade de aumentar os investimentos.
6. a possibilidade de que a empresa, com o aumento de sua rentabilidade, proporcione
um aumento de receita ao governo oriundo do pagamento de mais impostos.
Comparativamente à atual receita de dividendos, o pagamento de impostos tenderia a
ser maior, contribuindo para melhorar a situação fiscal.
Assim, o impacto da desestatização seria maior que o sugerido por
Hemming & Mansoor, Builter (1983) e Mansoor(1988) pela conciliação de diversos
fatores e menor que o esperado por Campos (1995). Para analisar a contribuição da
privatização, deve-se estudar em separado as vendas de empresas controladas
diretamente pela União das de subsidiárias das estatais. Em seguida, somar os efeitos
da privatização de empresas controladas direta e indiretamente pela União e fazer o
confronto entre os benefícios da privatização e os encargos da dívida pública. Assim,
se o ganho fiscal permanente com a venda das empresas for maior do que as despesas
com juros da dívida pública, a privatização contribui efetivamente para o ajuste fiscal.
A estimativa do impacto fiscal da privatização sobre a Necessidade de
Financiamento do Setor Público - NFSP baseia-se nos modelos de Pinheiro e
Giambiagi (1993), Pinheiro e Schneider (1993) e Hachete e Lüders (1992), acrescidos
de algumas modificações para uma aplicação prática. Inicialmente, procede-se o
confronto entre benefícios e perdas com a privatização e, em seguida, analisa-se como
58
a dívida pública evolui com e sem os efeitos da privatização. Assim, se o ganho fiscal
permanente com a venda das empresas for maior do que as despesas com juros da
dívida pública, a privatização contribui efetivamente para o ajuste fiscal, na medida em
que reduz o estoque de dívida. A utilização no abatimento de dívida dos recursos
obtidos com a privatização poderá contribuir para o ajuste fiscal se atender aos
seguintes critérios conjuntamente: redução do valor do endividamento público
absoluto, reduzindo a relação dívida pública/PIB, queda da taxa de juros, sendo
acompanhada de aumento do resultado primário e de crescimento do PIB.
Ao longo do modelo, serão adotados os seguintes procedimentos:
a) Os valores serão apresentados em dólares ou em percentual do PIB na estimativa do
ganho fiscal da venda de empresas.
b) Assumiremos que a privatização, no curto prazo, não repercute na credibilidade do
governo, o que poderia permitir um alongamento da dívida com redução da taxa de
juros, num percentual de difícil mensuração.
c) Todos os recursos arrecadados em moeda corrente na venda das participações
diretas do governo foram utilizados para abater a DPMFI.
d)A dívida pública será dividida em duas categorias, tendo como parâmetro a taxa
de juros: i)Dívida Pública Mobiliária Federal - DPMFI, cuja taxa de juros foi
arbitrada em 18% a.a., considerando-se a série histórica; e ii) Dívida com Créditos
Securitizados - DC, referente a debêntures Siderbrás, OFND, Certificados de
Privatização, Obrigaçõs do FND - OFND, Títulos da Dívida Agrária - TDA,
Letras Hipotecárias da Caixa Econômica, para a qual assumimos uma taxa de juros
de 6% a.a..
Cabe observar que, embora pertençam à DPMFI, os títulos NTN-P,
apresentam taxa de juros de 6% a.a. e prazo de 15 anos para resgate e tem como
59
credores as empresas controladas diretamente. Por essa razão, consideramos esses
títulos recursos da União, uma vez que, quando as empresas credoras forem
privatizadas, haverá um encontro de contas com a União, que assumirá os créditos e
obrigações das empresas.
Para avaliar o saldo líquido do ajuste, deve-se estimar o fluxo presente dos
ganhos fiscais das sucessivas vendas de empresas, deflacionando por um fator de
desconto δ que reflete a fragilidade do setor financeiro público. Utilizaremos como
valor representativo de δ a taxa over-selic, por representar o custo do dinheiro para o
governo. Assim, a contribuição permanente da privatização poderia ser representada
ainda da seguinte forma:
IFPt= economia com emissão de títulos da dívida mobiliária + economia de juros +
redução de investimento pela transferência das empresas privatizadas - perda com a
receita de dividendos + aumento de arrecadação tributária.
O primeiro termo nos informa o ganho fiscal decorrente da entrada de
dinheiro corrente. A receita em dinheiro complementa a necessidade de cash do
governo que deixa de ir ao mercado captar a elevada taxa de juros. O segundo
termo reflete a economia com juros com a aceitação de crédito securitizado, em
outros termos, a redução da despesa com juros. O terceiro termo refere-se à perda
de receita com privatização e, finalmente, o quarto representa a diferença de
arrecadação tributária decorrente do aumento de eficiência das empresas
privatizadas.
O impacto permanente da privatização poderia ser medido através da
igualdade:
60
(1)IFP(vp)= (1-α). Pp.λ.Kg +Σnt=1[(i.Dt-1-i*. D*t-1) /I1+δ)t] +Σnt=1[θ(Dt-1- D*tt-1-)
/I1+δ)t]+
+Σnt=1[(It-
I*t)/I1+δ)t]-
Σnt=1[(β.Pg.λ.Kg)/I1+δ)t]
+Σnt=1[[(tp.rp.-tg.
β.λ.Kg)/I1+δ)t]
Em relação à equação (1), podemos desmembrá-la e informar o
significado de cada termo:
IFP(vp)= valor presente do impacto
α= parcela da privatização destinada a
fiscal da privatização;
outros fins que não abater dívida;
Pp = preço pago pelo setor privado pela
λ.Kg= parcela do capital do setor
parcela do capital do setor público
público privatizada;
privatizada;
j= taxa de juros média paga sobre a
δ= taxa de desconto do setor público;
DPMFI do setor público (a taxa overselic será utilizada como proxy); que
nós arbitramos 18% a.a.;
θ=
parcela
pública
amortizável
aceita
com
da
dívida
receita
de
β= taxa de retorno sobre o ativo,
calculada dividindo-se os dividendos
privatização;
sobre o patrimônio líquido;
rg= rentabilidade das empresas estatais
I=
nas mãos do governo
produtivas estatais;
Kp= capital privado decorrente de
rp=
aquisição em privatização;
privatizadas nas mãos do setor privado;
Ip= investimento privado nas empresas
t= alíquota de tributação média sobre as
privatizadas;
empresas
*= o asterisco indica o valor quando há
Pg= Preço do capital público tal como
privatização para cada variável no
percebido pelo governo; utilizaremos o
investimento
rentabilidade
das
empresas
das
empresas
61
mesmo período de tempo
Patrimônio líquido como proxy;
D= Dívida Pública
z= depreciação do capital
O próximo passo é confrontar o benefício líquido da privatização com
os encargos da dívida. Relacionando as despesas e receitas do setor público de um
lado, e de outro, o financiamento das contas governamentais, com a suposição de
câmbio constante, podemos apresentar a restrição orçamentária da União da
seguinte forma:
(1)
Cg + Ig +i*Deg - T = δM + δDig + δDig, onde:
Dig= dívida pública interna
δ= diferencial
T= receitas do setor privado
Cg= Consumo do setor público
i= taxa de juros real da dívida pública
Deg= dívida pública externa
interna
i*= taxa de juros real da dívida pública
Ig= Investimento do setor público (a
externa
alienação de ativos do setor público é
contabilizada nesta categoria com sinal
negativo
Fazendo D= Dig + Deg e reescrevendo (1), temos que:
δD= D’(i-g) + p’- δM/Y, onde:
D’= relação da dívida pública/PIB
p’= resultado fiscal primário/PIB (se positivo,
superávit)
g= taxa de crescimento real do PIB
M= base monetária
Y= Produto interno bruto (PIB)
Foram adotados os seguintes procedimentos:
1. Em 1997, a estimativa de receita de privatização é de 90 bilhões, segundo MPO.
62
Considerando PIB de 815 bilhões, temos que a estimativa é de 11% com receita de
privatização que assumiremos que se realize dentro dos próximos quatro anos em
parcelas iguais, incluindo 1997.
2. A receita de privatização é constituída em 50% de recursos em cash e 50% em
dinheiro.
3. Empregaremos o conceito de NFSP abaixo da linha, calculado pelo Banco Central e
não o conceito de déficit acima da linha, divulgado pela Secretaria de Política
Econômica- SPE. Embora os dois conceitos devessem apresentar o mesmo
resultado, isto não vem ocorrendo.
4. Quando uma empresa é transferida à iniciativa privada, a responsabilidade dos
investimentos passa a ser do setor privado. Assim, muitas vezes, se deduz o valor
dos investimentos integralmente do cálculo do ganho fiscal. Contudo, algumas
empresas auto-financiam seus investimentos, enquanto outras recorrem a aporte
governamental. Para o orçamento de 1998, a previsão é de que 1,4% do orçamento
estatal seja de aporte do Tesouro Nacional ou da empresa controladora. Assim,
entendemos que o impacto fiscal na NFSP é de apenas uma fração do montante
destes investimentos, que arbitramos em 5%.
5. Tem-se argumentado que as empresas privatizadas tornaram-se mais eficientes, o
que faz com que algumas empresas passem a pagar impostos e as que já pagavam,
passem a pagar mais. Assim, arbitramos em 5 % o ganho com elevação de receita
tributária.
RESULTADOS
Supondo que a taxa de desconto seja de 18%, o estoque inicial da DPLSP
seja de 32% do PIB - verificado em janeiro de 1997 -, que o governo apresente
63
sucessivos superávits primários de 1% e o PIB, a partir de 1997, apresente crescimento
de 3%a.a., analisarmos a contribuição do ajuste fiscal da privatização.
O ganho fiscal originado pelo menor pagamento de juros sobre a dívida
pública, seja pelo abatimento com os recursos em cash, seja pela aceitação das moedas
de privatização, pelo aumento de receita tributária utilizada no abatimento de dívida,
pela transferência da responsabilidade pelos investimentos públicos, subtraído dos
dividendos que o governo deixa de receber com a privatização foi de 14,35% do PIB.
Este resultado é maior do que o realizado em outros trabalhos, o que tem origem no
fato de se ter considerado uma privatização de R$ 90 bilhões, quando até então o
impacto da privatização envolvia cifras bem menores, algo em torno de R$ 12 bilhões.
O trabalho reforça a proposição de Giambiagi de que a privatização pode atuar
eficazmente no ajuste fiscal devido a particularidades de nossa economia, a saber,
elevados juros e grande participação das estatais na economia brasileira.
64
anos
1. Receita em
Moeda
2. Economia
com juros
3. Economia
c/ Inv.%do PIB
4. Perda c. R.
div.%do PIB
5. Ganho com
elev. de Trib.
anos
1. Receita em
Moeda
2. Economia
com juros
3. Economia
c/ Inv.%do PIB
4. Perda c. R.
div.%do PIB
5. Ganho com
elev. de Trib.
total
Estimativas de Impacto Fiscal do Programa Nacional de Desestatização
Percentuais do PIB a valores presentes de 1997
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
0,01%
0,00%
0,06%
0,41%
0,08%
0,56%
2,25%
1,85%
1,52%
1,25%
1,03%
0,85%
0,43%
0,57%
0,39%
0,08%
0,07%
0,08%
0,47%
0,39%
0,32%
0,26%
0,22%
0,18%
0,00%
0,04%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,01%
0,00%
0,00%
0,01%
0,05%
0,04%
0,04%
0,03%
0,03%
0,03%
0,02%
0,02%
0,02%
0,02%
0,00%
0,00%
0,01%
0,09%
0,08%
0,07%
0,06%
0,05%
0,04%
0,04%
0,03%
0,03%
0,02%
0,00%
0,00%
0,01%
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,02%
0,02%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
0,00%
PIB em US$ milhões
Receita Priv US$ milhões
Receita em cash- US$ milhões
Receita em títulos- US$ milhões
Receita em cash % do PIB
Receita em títulos % do PIB
Invest. das EE % PIB
Economia c/ inv. das EE % do PIB
dividendos das EE US$ milhões
dividendos como % do PIB
Imposto de Renda pago pelas
EE
Ganho maior rec.tributária
1991
405.770
1.564
15
1.549
0,00%
0,39%
2,33%
0,02%
96
0,02%
2008
1992
1993
409.167 507.353
2.451
2.621
1
163
2.450
2.458
0,00% 0,03%
0,60% 0,52%
2,42% 1,98%
0,04% 0,06%
224
179
0,05% 0,04%
2009
2010
1994
545.290
1.972
1348
624
0,25%
0,36%
1,58%
0,08%
405
0,07%
2011
1995
595.261
1.004
328
676
0,06%
0,17%
1996
646.744
4.405
3.304
1.101
0,51%
0,68%
1997
668.086
15.000
7.500
7.500
1,12%
2,25%
1998
688.129
15.000
7.500
7.500
1,09%
2,18%
1999
708.772
15.000
7.500
7.500
1,06%
2,12%
2000
730.036
15.000
7.500
7.500
1,03%
2,05%
2001
751.937
15.000
7.500
7.500
1,00%
1,99%
2002
774.495
15.000
7.500
7.500
0,97%
1,94%
2003
797.730
2004
821.662
2005
846.311
2006
871.701
1,04%
300
0,05%
0,12%
729
0,11%
1.729
0,15%
0,17%
0,19%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
86,45
86,45
86,45
86,45
86,45
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2017
2018
1.072.082 1.104.244 1.137.372 1.171.493 1.206.638 1.242.837 1.280.122 1.318.526 1.206.638 1.242.837
2019
1.280.122
2012
PIB em US$ milhões
924.787
952.531 981.107 1.010.540 1.040.856
Receita Priv US$ milhões
Receita em cash- US$ milhões
Receita em títulos- US$ milhões
Receita em cash % do PIB
Receita em títulos % do PIB
Invest. das EE % PIB
Economia c/ inv. das EE % do PIB
0,21%
0,21% 0,21%
0,21%
0,21%
dividendos das EE US$ milhões
dividendos como % do PIB
Imposto de Renda pago pelas
EE*
Ganho maior rec.tributária
86,45
86,45
86,45
86,45
86,45
Fonte: STN/MF, SEST/MPO,Balanço Anual Gazeta Mercantil
* Estimativa a partir de dados fornecidos pela STN.
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0,21%
0%
0%
86,45
86,45
86,45
86,45
86,45
86,45
86,45
86,45
86,45
86,45
86,45
Evolução da DLSP com e sem privatização
90%
80%
70%
60%
50%
div/PIB
40%
div/PIB*
30%
20%
10%
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
0%
Fonte: BNDES.
5. CONCLUSÃO
A substituição da lógica que por muito tempo permeou a intervenção
estatal na economia por um novo padrão de intervenção tem em comum a busca de
maior eficiência, através da quebra de monopólios e da gestão privada das empresas.
A desestatização atua nesse sentido porque contribui para o aumento da
eficiência da economia, em parte porque a gestão pública das empresas é substituída
pela gestão privada e, principalmente, porque se evita também a formação de
monopólios. Neste sentido, a regulação só deve ser adotada quando a existência de
mercados com falhas não deixar alternativa. Isto exigirá o desenvolvimento de
legislação específica definindo os direitos e deveres do Estado, das empresas e dos
consumidores, e determinando como e por quem eventuais disputas serão dirimidas.
A desestatização permite ainda que o governo transfira para a iniciativa
privada a responsabilidade por investimentos que não teria condições de realizar, o que
tende a intensificar avanços tecnológicos e elevar a eficiência sistêmica.
No que diz respeito às contas públicas, além da utilização da receita de
privatização para abater uma dívida de elevado custo, o aumento de eficiência das
empresas privatizadas induz aumentos de arrecadação. Dada a receita de privatização
esperada, conclui-se que poderá conter provisoriamente a dívida pública. Assim,
espera-se que o prosseguimento do processo, inclusive com a inclusão de outras
empresas, aumente os ganhos fiscais.
Além disso, os efeitos macroeconômicos que se espera obter com a
privatização dependem em grande medida da condução do processo. Essa condução
inclui a seqüência de privatização, o método utilização na avaliação do preço das
empresas, a modalidade de desestatização, a modelagem e o método de venda, a
aceitação de moedas e a destinação de recursos. A análise do processo de privatização
brasileiro, com o intuito de determinar as condições que permitem maximizar o ganho
fiscal para o Tesouro Nacional, indicou que:
a) Apesar das críticas, em particular do TCU, a seqüência de privatização adotada no
Brasil, iniciando pela venda de empresas lucrativas, cria um ambiente favorável para a
venda das empresas deficitárias, o que se coaduna com a teoria estabelecida.
b) O método utilizado na avaliação do preço das empresas é adequado na medida em
que o valor da empresa reflete o lucro que pode propiciar a seu comprador e não o
custo incorrido pelo vendedor ao adquirir a empresa ou ainda o valor atribuído ao
patrimônio pela contabilidade, o qual está sujeito a distorções de correção monetária.
Relativamente à crítica de que o método CAPM subavalia o preço, cabe observar que o
método determina o preço mínimo e não necessariamente o preço de venda. Contudo,
para evitar uma avaliação viesada na determinação do preço mínimo, duas consultorias
realizam as estimativas e, caso a diferença entre elas ultrapasse 20%, outra empresa é
convocada.
68
c) No Brasil, diversas modalidades de desestatização são autorizadas pela legislação
vigente, podendo ser adotadas em diferentes situações, o que em tese permitiria uma
melhor adequação às peculiaridades de cada situação.
d) A modelagem adotada no Brasil é a concentrada, o que permite auferir maior
receita.
e) A utilização de moedas de privatização permite que o governo venda empresas que,
de outro modo, não seriam vendidas.
f) A utilização da receita de privatização para abater uma dívida de elevado custo
permite que o governo maximize o ganho fiscal com a desestatização.
Os resultados obtidos pelo programa até o presente momento, contudo,
não nos permitem afirmar que os objetivos estejam sendo atingidos. Para Werneck
(1989,p.321) não se deve esperar muito da privatização: ”Pode-se defender o
programa de privatização de várias formas. O que não se pode é vê-lo como uma
alternativa indolor a um efetivo ajuste fiscal.” Este também parece ser o argumento de
Giambiagi e Pinheiro (1992: 282): “a privatização não é necessária ou suficiente para
atingir todos os objetivos propostos pelo governo”. Assim, se a privatização não for
conjugada a outras medidas de austeridade fiscal, a persistência de elevada taxa de
juros e os sucessivos déficits públicos podem fazer retornar a dívida abatida ao
patamar atual.
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