PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Marcio Mello Casado
Abuso de Direito Processual do Credor Instituição Financeira
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2011
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Marcio Mello Casado
Abuso de Direito Processual do Credor Instituição Financeira
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Doutor em Direito das Relações
Sociais, sob a orientação do Professor
Doutor Nelson Nery Júnior.
SÃO PAULO
2011
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BANCA EXAMINADORA
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“É preciso não classificar levianamente de chicaneiro o homem de bem que bate à
porta do tribunal a pedir ajuda contra a prepotência ou má fé alheia, nem nos
alegrarmos demasiadamente quando as estatísticas judiciárias dizem que a
litigiosidade está em diminuição. Se algumas vezes a tendência para o litígio é
reveladora de mórbidos instintos anti-sociais, outras vezes o recurso ao tribunal é
prova de firme resolução de defender a ordem social contra os opressores e de
sadia confiança na administração da justiça”.
Piero Calamandrei, Eles, os juízes, vistos por nós os advogados, Lisboa: Livraria
Clássica Editora, 1993, 7º edição, p. 126.
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À Clarice, meu amor; ao Don Vito e à princesa Angelina.
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AGRADECIMENTOS
Lá no início dos anos 90, eu conheci a Clarice. Estava sozinho em Porto Alegre,
meus pais haviam-se mudado para o Nordeste e eu acabei ficando no Rio Grande
do Sul para concluir meu curso de Direito. Eu e minhas avós, Idê Saenger Mello e
Zélia Souto Casado. Com a Idê, morei um semestre. Com a vovó Nininha (a Zélia),
passei o resto dos anos, até a conclusão do curso.
A Idê faleceu, em meu aniversário, faz tempo demais. A vovó Nininha, depois de
adoentada, com problemas graves de memória, veio a falecer e, por motivos que
não vale a pena alinhar, não a via já há um bom tempo.
Agradeço a minhas avós pelos momentos que com elas passei ao longo de meu
curso de Direito e pelo apoio que sempre me dedicaram. Sinto saudades.
A distância dos meus pais fez com que eu estreitasse os laços com a família de
minha mulher, especialmente Antonio Dall’Agnol, meu sogro, e Jorge Dall’Agnol, o
“padrinho”. Sem eles, não teria feito o curso de Direito com a seriedade necessária.
Agradeço a Antonio Dall’Agnol o carinho e os minutos de luz jurídica distribuídos de
sua mesa repleta de processos, que iam e vinham, naquela velocidade rara que
tanto se deseja dos juízes, ao lado de uma máquina de escrever e um computador
de tela verde que servia somente como adorno.
Araken de Assis, meu professor na graduação, jurista daqueles que temos orgulho
de dizer que fomos alunos. Ou melhor, do grupo dos melhores. É dele a culpa por
ser eu, hoje, advogado. Foi o querido professor (e ele nem imagina o quanto eu o
considero importante em minha vida) que me apresentou ao Joaquim Palhares.
Agradeço ao Palhares. E fica difícil dizer o porquê do agradecimento, pois os
motivos são todos. Foi ídolo, passou a sócio, hoje é amigo.
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Não lembro direito quando foi a primeira vez que vi o Professor Nelson Nery Junior.
Mas, lá no Rio Grande, ele era o meu livro sobre “Princípios do Processo Civil na
Constituição Federal”, recebido de presente, com dedicatória e tudo, de meu sogro.
Foi o Professor Nelson Nery Junior que me entrevistou no exame para ingresso no
mestrado. Depois, deu-me a honra de aceitar ser meu orientador, no mestrado e no
doutorado.
Dizem que o Professor Nelson Nery Junior parece saber tudo. Não é verdade. Ele
realmente sabe. É jurista daqueles que se tornam ponto turístico. Certa vez, um
advogado vindo de fora de São Paulo, sabendo que eu iria ter uma reunião com o
Professor, pediu para me acompanhar até o escritório, ali atrás do Pacaembu, na
esperança de conhecê-lo. Obrigado, Professor.
A Lauro Antonio Teixeira Menezes, agradeço pela confiança em um advogado de
vinte e três anos, responsável pela direção de processos que envolviam o patrimônio
de um grupo empresarial de mais de cinquenta anos de existência. Antes, cliente;
hoje, um querido amigo.
Ao Poder Judiciário do Estado de Sergipe, na pessoa dos Desembargadores José
Alves Neto (atual Presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe) e Roberto Eugenio
da Fonseca Porto (Presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe no biênio
2008/2010). A semente do abuso de direito processual não encontra solo fértil nas
terras da justiça sergipana.
A João Antonio Cesar da Motta, o interlocutor mais furioso e apaixonado pelo direito
que conheci.
A Rodrigo Barreto Cogo e Rodrigo D’Orio Dantas de Oliveira, pela paciência em
serem os primeiros a ler este texto.
A todo pessoal do escritório, em especial Dariano José Secco, Leandro Cury
Pinheiro e Marcello Daniel Cristalino.
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Não posso deixar de referir os meus dois amigos, Carmine Avena Júnior e André
Martins Junqueira. Amigos, e há algo mais importante na vida?
Agradeço a meu irmão, Eduardo Mello Casado, de quem eu gostaria de ser pai.
Clarice, Vito e Angelina, a vocês eu não agradeço, eu vivo agradecido por tê-los ao
meu lado.
Deixo por último o agradecimento a meus pais. Não há exemplo igual de dedicação
aos filhos. Em todos os momentos de dificuldade, e não foram poucos, jamais faltou
a mim e aos meus irmãos a melhor educação possível. Não foi fácil, continua difícil,
eu sei, mas eu os quero por perto muitos anos ainda. Cada letra escrita nesta tese
eu agradeço a eles: Fernando Casado e Mara Virgínia Mello Casado.
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RESUMO
CASADO, Márcio Mello. Abuso do Direito Processual do Credor Instituição Financeira. Tese de
Doutorado - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.
Nos últimos dezesseis anos, o Brasil sofreu importantes modificações legislativas motivadas
pela necessidade, no âmbito econômico, de se reduzirem os juros e o spread bancário. As
modificações que houve, não só no processo civil, foram incentivadas pelas instituições
financeiras e pelo Banco Central do Brasil, em uma série de relatórios anuais. O modelo em
que se fundamentaram as alterações tinha como base o paradigma de que a falta de
efetividade no processo civil era fruto de um sistema que conferia muitas garantias ao
devedor, o que dificultaria o recebimento dos créditos em juízo. No âmbito do direito
material, a legislação impediria uma série de práticas contratuais das instituições
financeiras, porque abusivas. O judiciário, ao interpretar tais normas vigentes, teria uma
postura inadequada, contrária aos interesses das instituições financeiras. O sistema
padeceria de um risco moral. A legislação foi modificada. O que era ilícito passou a ser
permitido. Novas formas de execução e meios executivos foram criados ou aperfeiçoados.
Todavia, o sistema ainda padece com a lentidão no recebimento de créditos em juízo. Os
juros e o spread bancário continuam elevados. O diagnóstico foi equivocado. O recebimento
de créditos bancários em juízo era lento não porque o judiciário fosse leniente com os
devedores, a legislação fosse retrógada ou excessivamente protetiva. O abuso de direito
processual das instituições financeiras, com o objetivo de fazer valer os ilícitos contratuais e
forçar o adimplemento de parcelas indevidas é que causa o retardamento da conclusão dos
processos. As instituições financeiras, em presumida má-fé, insistem em se valer de meios
processuais excessivos para fazer com que prevaleça a ilegalidade. O processo acaba
servindo não como um meio de se fazer justiça, mas como uma forma de chantagem, um
meio para desencorajar o devedor de prosseguir na defesa de seus legítimos direitos.
Entretanto, um dos lesados com o abuso do direito processual é o próprio credor, na medida
em que, na reação do devedor de boa-fé, o processo tende a se prolongar no tempo, não
porque o devedor não tenha razão, ao contrário, porque ele a tem e o credor não se
conforma com isto. O abuso de direito processual somente obtém sucesso quando há
colaboração, ativa ou omissiva, do Poder Judiciário A jurisdição passa a ser um meio para
realização do abuso, ao invés de ser o último local onde ele deveria existir. No final, todos
os envolvidos perdem com o abuso de direito processual: o devedor, porque em algum
momento pode ceder, mesmo tendo o direito a seu favor; o credor, porque demora a
receber; o Estado, pois o Poder Judiciário tem de administrar um litígio que poderia ser
resolvido muitos antes. A coletividade, dentro de uma visão difusa. O abuso de direito
processual necessita de tratamento e ele pode ser preventivo, corretivo ou ressarcitório.
Palavras-chave: Abuso de Direito Processual. Litigância de Má-fé. Instituição Financeira.
Efetividade. Boa-fé. Má-fé. Lealdade Processual.
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ABSTRACT
CASADO, Márcio Mello. Abuse of Procedural Right by the Financial Institution Creditor. PhD Thesis Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.
Over the last sixteen years, Brazil has gone through important legislative modifications,
which have been motivated by the need, in the economical field, of reducing the interests’
rate and the banking spread. The changes that have occurred, not only in civil procedure,
were encouraged by the financial institutions and by the Central Bank of Brazil, through a
series of annual reports. The model in which the modifications were based had as its
foundation the paradigm that the lack of effectiveness in the civil procedure was the result of
a system that granted many guarantees to the creditor, which would make it difficult for the
credits to be obtained in court. In the field of substantial law, the legislation would obstruct a
series of contractual practices carried out by the financial institutions, once abusive. The
Judicial System, when interpreting these rules in force, would have an inadequate position,
contrary to the interests of the financial institutions. The system would suffer from a moral
risk. The legislation has been modified. Licit situations have become illicit. New forms of
enforcement and its instruments have been created or improved. Although, the system still
suffers from the sluggishness for parties to obtain their credits in court. The interests’ rate
and the banking spread remain high. The diagnosis was mistaken. The obtaining of the
credits in court was slow not because the Judiciary System was being lenient with de
debtors, or because the legislation was retrograde or excessively protective. The abuse of
procedural right by the financial institutions, with the sole aim of enforcing the contractual
illegalities and to force the performance of undue installments is the cause for the delay on
the closure of the law suits. The financial institutions, assumingly acting in bad faith, insist on
using excessive procedural tools, in order to try to make illegality prevail. The process ends
up operating not as a means of enforcing justice, but as a way to blackmail and to
discourage the debtor of proceeding in the defense of his legitimate rights. However, one of
the damaged parties by the abuse of procedural right is the creditor himself, as far as, with
the reaction of the good faith debtor, the process tends to procrastinate, not because the
debtor is not right, the opposite: the debtor is right and the creditor can’t cope with this fact.
Notwithstanding, the abuse of procedural right can only succeed when there is an active or
omissible collaboration of the Judicial System. Jurisdiction becomes a means of realization of
the abuse, instead of being the least likely place for it to be found in. At last, all the parties
involved lose with the abuse of procedural right: the debtor, once, in some moment, could
give up, even having the law on his side; the creditor, because it will take a long time for him
to obtain his credit; the State, once the Judicial System must administrate a litigation which
could have been solved way before. Also, the collectivity, under a diffuse point of view. The
abuse of procedural right needs treatment, and this could be preventive, corrective or
compensating.
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Key-words: Abuse of Procedural Right. Bad Faith Litigation. Financial Institution.
Effectiveness. Good Faith. Bad Faith. Procedural Loyalty.
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABBC
Associação Brasileira de Bancos Comerciais a Múltiplos
ABBI
Associação Brasileira de Bancos Internacionais
ADIN
Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADP
Abuso de Direitos Processuais
ANBID
Associação Nacional dos Bancos de Investimento
BACEN
Banco Central do Brasil
BC
Banco Central
BCN
Banco de Crédito Nacional
BID
Banco Interamericano de Desenvolvimento
BTN
Bônus do Tesouro Nacional
CA
Coeficiente de Arrendamento
CC
Código Civil
CCB
Cédula de Crédito Bancário
CDB
Certificados de Depósitos Bancários
CDC
Código de Defesa do Consumidor
CF
Constituição Federal
CMN
Conselho Monetário Nacional
CODECON Código de Defesa do Consumidor
CONSIF
Confederação Nacional do Sistema Financeiro
CPC
Código de Processo Civil
DEPEP
Departamento de Estudos e Pesquisas
DJ
Diário da Justiça
DJU
Diário da Justiça da União
DOU
Diário Oficial da União
FMI
Fundo Monetário Internacional
IGPM
Índice Geral de Preços do Mercado
INPC
Índice Nacional de Preços ao Consumidor
IOF
Imposto sobre Operações Financeiras
IPC-r
Índice de Preços ao Consumidor do Real
IR/CSLL
Imposto de Renda/Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
PIB
Produto Interno Bruto
SELIC
Sistema Especial de Liquidação e Custódia
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SFN
Sistema Financeiro Nacional
STJ
Superior Tribunal de Justiça
TACiv.SP
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
TJRGS
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
TJSE
Tribunal de Justiça de Sergipe
TBF
Taxa Básica Financeira
TR
Taxa Referencial
TRF
Tribunal Regional Federal
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16
1 O INÍCIO DO LITÍGIO ............................................................................................ 21
1.1 Ação de Rito Ordinário – Bomfim x Dibens ...................................................... 21
1.2 Ação de Reintegração de Posse – Dibens x Bomfim ....................................... 23
1.3 Ação de Execução (1) – Dibens x Bomfim ....................................................... 25
1.4 Ação de Execução (2) – Dibens x Bomfim ....................................................... 26
1.5 Protesto Contra Alienação de Bens – Dibens x Bomfim .................................. 27
1.6 A Sentença da Ação Revisional e a Sentença da Ação de Reintegração
de posse ........................................................................................................... 27
1.7 Os Recursos de Apelação do Dibens............................................................... 35
2 O LITÍGIO APÓS A COISA JULGADA ................................................................. 36
2.1 A Coisa Julgada Formada ................................................................................ 36
2.2 O Recomeço do Litígio – A Sucumbência em Execução ................................. 38
2.3 Os Embargos do Devedor ................................................................................ 41
2.4 A Ação Rescisória ............................................................................................ 47
2.4.1 A Reclamação no Supremo Tribunal Federal................................................ 49
2.5 Execução n. 200510100768 ............................................................................. 50
2.5.1 Eficácia Declaratória da Sentença Proferida no Processo n.
199610104918........................................................................................................ 51
2.5.2 Sobre o Reconhecimento da Iliquidez dos Contratos aqui em
Execução ................................................................................................................ 53
2.5.3 Execução Híbrida? ........................................................................................ 54
2.5.4 O Cabimento da Exceção de Executividade ................................................. 55
2.6 Ação para Entrega dos Ônibus – Processo n. 200610100025......................... 55
2.6.1 Liminar não Cumprida, depois de Três Meses .............................................. 61
2.6.2 Liminar não Cumprida, Suspensa e Revogada ............................................. 62
2.7 Ação Condenatória n. 200710100204 .............................................................. 63
2.8 Ação Cautelar de Arresto n. 200710100343 .................................................... 64
2.9 As Sentenças que Endossaram os Abusos do Dibens .................................... 64
2.9.1 A sentença da Ação Condenatória n. 200710100204 ................................... 66
2.9.2 A Sentença da Ação para Devolução dos Bens n. 200710100025............... 69
2.10 Apelações e o Fim da Relação....................................................................... 72
3 ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL – RELATOS DO DIREITO
COMPARADO E CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA ................................................. 74
3.1 Introdução......................................................................................................... 74
3.2 Estados Unidos da América ............................................................................. 74
3.3 Reino Unido ...................................................................................................... 77
3.4 Austrália ............................................................................................................ 81
3.5 Itália e França ................................................................................................... 82
3.6 Bélgica e Holanda............................................................................................. 87
3.7 Alemanha e Áustria .......................................................................................... 95
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3.8 Espanha e Portugal ........................................................................................ 103
3.9 América Latina................................................................................................ 107
3.10 Japão ............................................................................................................ 114
3.11 Abuso de Direito Processual e Constituição Federal Brasileira ................... 120
4 DO CONSENSO DE WASHINGTON AOS RELATÓRIOS SOBRE JUROS
E SPREAD BANCÁRIO ....................................................................................... 125
4.1 O Processo Civil e o Mundo que o Cerca....................................................... 125
4.2 Relatório do Banco Central do Brasil – Juros e Spread Bancário no
Brasil 1999 ............................................................................................................ 129
4.3 Relatório do Banco Central do Brasil – Juros e Spread Bancário no
Brasil 2000 – Avaliação de um Ano do Projeto .................................................... 134
4.4 Relatório do Banco Central do Brasil – Juros e Spread Bancário no
Brasil 2001 – Avaliação de Dois Anos do Projeto ................................................ 135
4.5 Relatório do Banco Central do Brasil – Juros e Spread Bancário no
Brasil 2002 – Avaliação de Três Anos do Projeto ................................................ 136
4.6 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito
2003 – Avaliação de Quatro Anos do Projeto Juros e Spread Bancário .............. 137
4.7 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito
2004 – Avaliação de Cinco Anos do Projeto Juros e Spread Bancário................ 148
4.8 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito
2005 – Avaliação de Seis Anos do Projeto Juros e Spread Bancário .................. 149
4.9 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito
2006 – Avaliação de Sete Anos do Projeto Juros e Spread Bancário.................. 151
4.10 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito
2007 – Avaliação de Oito Anos do Projeto Juros e Spread Bancário .................. 153
4.11 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito
2008 – Avaliação de Nove Anos do Projeto Juros e Spread Bancário................. 156
4.12 Conclusão..................................................................................................... 158
5 BOA-FÉ, MÁ-FÉ E ABUSO DE DIREITO ........................................................... 160
5.1 A Presunção de Má-fé .................................................................................... 160
5.2 A Boa-fé – Considerações.............................................................................. 166
5.3 Abuso do Direito – Primeiras Notas................................................................ 170
5.4 Tratamento Típico de Exercícios Inadmissíveis ............................................. 172
5.4.1 A Exceptio Doli ............................................................................................ 173
5.4.2 Venire Contra Factum Proprium .................................................................. 174
5.4.3 A Inalegabilidade de Nulidades Formais ..................................................... 175
5.4.4 A Supressio e a Surrectio ............................................................................ 176
5.4.5 Tu quoque.................................................................................................... 177
5.5 Abuso de Direito no Código Civil Brasileiro .................................................... 178
5.6 Abuso de Direito no Código de Processo Civil Brasileiro ............................... 182
5.6.1 Critérios para Identificação do Abuso no Processo..................................... 186
5.7 Resultados Práticos da Conduta do Dibens à Luz da Doutrina do Abuso
de Direito no Processo ......................................................................................... 189
5.8 A Legitimidade do Direito Postulado pela Bomfim.......................................... 192
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5.8.1 A Capitalização De juros na Lei e na Jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça................................................................................................ 192
5.8.2 O Código de Defesa do Consumidor........................................................... 194
5.9 Qual Deveria ter Sido a Postura do Dibens?.................................................. 196
5.10 A insistência no Abuso, Após o Trânsito em Julgado................................... 203
6 O CONTROLE DOS ABUSOS PROCESSUAIS .............................................. 208
6.1 Introdução....................................................................................................... 208
6.2 As Condutas das Partes e Intervenientes no Processo ................................. 210
6.3 Responsabilidade Objetiva por Ato de Abuso de Direito Processual ............. 217
6.4 A Função dos Advogados no Tratamento do Abuso de Direito
Processual ............................................................................................................ 221
6.4.1 O advogado Litigante de Má-fé ................................................................... 225
6.5 Os Juízes ........................................................................................................ 229
6.6 Formas de Tratamento do Abuso de Direito Processual................................ 232
6.6.1 Medidas Preventivas ................................................................................... 233
6.6.2 Medidas Corretivas...................................................................................... 239
6.6.3 Medidas Ressarcitórias ............................................................................... 240
6.7 O Fim .............................................................................................................. 245
7 CONCLUSÕES .................................................................................................... 249
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 254
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INTRODUÇÃO
O estudo do Abuso do Direito no Processo Civil brasileiro não é nada novo.
Notáveis obras foram produzidas no início e meados do século passado, por
autores como José Olimpio de Castro Filho, Jorge Americano, Pontes de Miranda,
dentre outros.
Há ainda trabalhos mais recentes, dignos de nota, como é o caso do “Abuso
de Direito Processual – Uma teoria pragmática”, de Luiz Sérgio de Fernandes de
Souza, e “Abuso do Processo”, de Helena Najjar Abdo.
Todos os trabalhos têm um traço comum: a premissa de que os figurantes da
relação processual devem-se presumir de boa-fé. Entretanto, e aqui começa a
colaboração desta tese, há grupos de pessoas cujas condutas não permitem a
extração dessa presunção. Pode ser que essa proposição seja fruto da sociedade
de massas, das relações obrigacionais compulsórias existentes hoje, das quais não
se pode fugir, e da evolução tecnológica.
Mas também pode ser que não se esteja fazendo nada senão constatar
eventos que ocorrem desde sempre. Quem controla o poder e tem condições de
impor sua vontade na relação obrigacional ou processual sempre vive a tentação de
exigir um pouco mais, correndo o risco de que a outra parte jamais irá reclamar.
É nesse cenário que se escolheu um caso especial para ilustrar a tese de que
o Abuso do Direito nas relações processuais entre consumidores e instituições
financeiras é nocivo não só ao devedor, mas também ao credor (que demora mais a
receber o seu crédito, ante a reação do devedor), ao Estado (que tem de lidar com
demandas, por longos anos, que poderiam ter sido resolvidas muito antes) e à
própria sociedade, se vista a relação processual a partir de uma ótica de difusidade.
Escolheu-se a relação entre Bomfim e Dibens Leasing, que tramitou nos
Estados de São Paulo e Sergipe, tendo alcançado o Superior Tribunal de Justiça e
Supremo Tribunal Federal. Poder-se-ia ter escolhido outros litígios. Entretanto, é
!
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pouco provável que uma relação litigiosa tenha tido tantos eventos quanto essa,
como se verá no curso do texto. Além disso, esses processos se desenvolveram em
um período muito especial na legislação e jurisprudência brasileiras.
As modificações legislativas que houve foram justificadas, em grande parte,
para trazer ao processo civil mais efetividade. Em outros ramos do Direito, a ideia
também era esta, a de entregar o bem da vida ao credor, o quanto antes.
A crença geral é a de que, criando meios de cobrança mais rápidos ou
invasivos (a penhora on-line, por exemplo), os maus pagadores não se valeriam do
processo com o intuito de procrastinar o cumprimento de suas obrigações.
Criou-se uma verdadeira teoria jurisprudencial para sistematizar e tentar evitar
o Abuso de Direito Processual que o devedor poderia cometer em demandas de
revisão de débitos bancários. O atual entendimento sobre o tema é o seguinte:
4. Na linha do entendimento pacificado pela 2.ª Seção (REsp. 527.618/RS),
somente fica impedida a inclusão dos nomes dos devedores em cadastros
de proteção ao crédito se implementadas, concomitantemente, as seguintes
condições: a) o ajuizamento de ação, pelo devedor, contestando a
existência parcial ou integral do débito, b) a efetiva demonstração de que a
contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e
em jurisprudência consolidada do STF ou do STJ e (c) que, sendo a
contestação apenas de parte do débito, deposite o valor referente à parte
tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do
magistrado, requisitos, in casu, não demonstrados nos autos e que, em
última ratio, fazem incidir o óbice da Súmula 83 do STJ (4.ª Turma, REsp
1
604515/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.02.2006, p. 562) .
O pensamento hoje vigente no STJ é fruto da posição adotada pioneiramente
pelo Min. César Asfor Rocha, no julgamento do REsp. 351.941, em que foi voto
vencido. Naquela época, o STJ tinha a convicção de que a simples discussão
judicial serviria de motivo para excluir o consumidor dos cadastros. O Min. Asfor
Rocha apontou, em seu voto, que vinha observando que havia alguns consumidores
que iam a juízo com teses despidas de qualquer viabilidade jurídica. E a intenção
dessas demandas era apenas impedir a inscrição dos débitos na Serasa e em
cadastros de igual natureza. Embora as decisões do Superior Tribunal de Justiça
não façam expressa referência à questão do Abuso de Direito Processual, está claro
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
1
!
Ver BESSA, Leonardo Roscoe. O consumidor e os limites dos bancos de dados de proteção ao
crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 263.
"(!
que a iniciativa do Tribunal foi no sentido de vedá-lo.
No entanto, há casos (e são muitos) em que o agente do abuso é o credor. E
se o credor for uma instituição financeira, cuja conduta é de má-fé presumida (é o
que se propõe), a exceção será a hipótese em que não haverá o Abuso de Direito
Processual (litigar de má-fé, cobrando o que não é devido, é abusar de direito). O
banco, se pode executar, pede a falência. Se não tem título executivo, ainda assim,
segue a via executiva. E se a Justiça diz que não há título, a legislação é modificada.
Há uma preocupação muito grande, quando se fala em efetividade, de
atender a quem é credor. Trata-se de questão que merece verdadeira preocupação,
pois há, sim, maus devedores. E estes devem receber o tratamento rigoroso. Aliás,
eles recebem. Não é incomum ver a aplicação de sanções aos devedores, quando
abusam do direito de se defender ou litigam de má-fé.
O que é raro é ver um credor que abusa de seus direitos sendo punido por
sua conduta. O credor não tem sempre razão. E se ele é uma instituição financeira,
é pouco provável que aja corretamente no ajuizamento de sua demanda. A
fiscalização (ante a presumida má-fé) do juiz ao despachar a petição inicial deve ser
redobrada.
Ver-se-á que o Abuso de Direito somente tem sucesso quando há
colaboração do Poder Judiciário. Pode ser pela omissão ou, como ocorreu de forma
intensa no caso que será apresentado, pela colaboração e endosso que o Estadojuiz conferiu às atividades abusivas da arrendadora.
A estrutura da tese sofreu modificação na banca de qualificação do
doutorado, constituída pelo Professor Nelson Nery Junior, Professora Regina Vera
Villas Boas e Professora Patrícia Miranda Pizzol. A colaboração dos professores foi
preciosa. Assim, o trabalho passa a ser composto de duas fases. Na primeira parte,
o caso será apresentado, do seu início ao fim. A segunda parte trará o
desenvolvimento doutrinário, no qual se irá expor e justificar a tese, sempre com a
lembrança de eventos ocorridos no caso.
!
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Sabe-se, e isso foi objeto de grata lembrança na banca de qualificação, que o
estudo de um caso não é comum, em se tratando de uma tese de doutorado em
direito. Entretanto, o Abuso de Direito Processual, conforme será apresentado ao
longo do trabalho, constitui-se em evento jurídico cujo suporte fático é dinâmico.
Determinada conduta, em um processo, pode ser absolutamente conforme com o
sistema. Em outro, será abusiva.
Como o trabalho começa com a exposição dos “fatos”, desde já se apresenta
o que será objeto de exame e comprovação nesta tese, a fim de que o leitor tenha
presente a intenção do autor com a narrativa inicial:
a)
O credor instituição financeira deve ter sua conduta processual tida
como presumidamente de má-fé.
b)
Não se aceleram as cobranças judiciais com a exclusão de meios de
defesa ou recursos aos devedores. Os processos seriam muito mais
velozes se o controle dos abusos processuais fosse mais efetivo por
parte do juiz.
c)
Quatro são os lesados quando se verifica o abuso do direito de
demandar por parte do credor: o devedor, o credor, o Estado e a
sociedade. O devedor, porque terá de se defender das pretensões
do credor, tendo despesas e sofrendo os danos advindos do mau
uso do processo, quase nunca reparados dentro da relação
processual. O credor, porque irá demorar a receber seu crédito,
muito mais do que na hipótese de ter ingressado com uma demanda
bem adaptada ao sistema jurídico vigente, além de correr o risco de
tornar-se devedor de verbas sucumbenciais e penas por litigância
desleal. O Estado é lesado na medida em que terá de administrar,
por incontáveis anos, um litígio que poderia ter sido resolvido muitos
anos antes. E a sociedade, da ótica de interesses difusos, porque
não terá pacificada uma relação processual, ainda que individual,
mas que se repete e atinge uma massa de consumidores de crédito.
!
"*!
A proposta da tese foge do paradigma de que os recebimentos de créditos em
juízo no Brasil são lentos porque os devedores são maus pagadores, pura e
simplesmente. A conduta patológica de credores, nos processos (ou em muitos
deles, tendo por objeto a mesma pretensão), é muito mais nociva à concretização do
adimplemento do que as reações dos devedores, desde que eles estejam de boa-fé,
evidente.
Assim, o esforço neste trabalho é comprovar a tese de que o Abuso de Direito
no Processo, cometido pelo credor, é responsável pela demora do recebimento dos
créditos em juízo. Nessa linha de pensamento, o diagnóstico feito pelo Banco
Central do Brasil, em nove relatórios sobre juros e spread bancário (todos eles serão
examinados, em capítulo próprio) é absolutamente equivocado. As modificações
legislativas que aconteceram, motivadas por tais estudos, somente conferiram às
instituições financeiras instrumentos mais severos de cobrança e limitaram o campo
de defesa dos consumidores de crédito. Ainda assim, a justificativa para tais
alterações nunca se concretizou. Isto é, nem os juros, muito menos o spread
bancário, foram reduzidos, e o campo para o abuso se ampliou.
O tratamento do abuso de direito no processo tem como protagonista o Poder
Judiciário. Assim como o médico que demora a diagnosticar a moléstia e acaba
vendo seu paciente falecer, o juiz omisso ou equivocado é o maior responsável pelo
avanço do abuso de direito no processo, podendo até chegar ao ponto de frustrar a
própria entrega da jurisdição.
Mas, antes de o abuso do processo nascer, ele é gestado pelos advogados.
Aqueles que deveriam ser os depuradores dos interesses excessivos de seus
clientes muitas vezes são os incentivadores das medidas inadequadas que chegam
às portas do Judiciário.
A cláusula geral da boa-fé, em suas diversas facetas, é o remédio que pode
ser aplicado para a detecção do abuso e de seu adequado tratamento.
!
#+!
1 O INÍCIO DO LITÍGIO
1.1 Ação de Rito Ordinário – Bomfim x Dibens
No ano de 1996, a pessoa jurídica Bomfim – Empresa Senhor do Bomfim,
tradicional empresa de transporte coletivo do Estado de Sergipe, resolveu constituir
advogado para levar a juízo a relação de crédito que mantinha com a arrendadora
Dibens Leasing S/A.
A empresa havia firmado com a arrendadora três contratos de arrendamento
mercantil no ano de 1991. Quatro anos depois, celebrou outros cinco. Os primeiros
três contratos foram inteiramente quitados, os demais foram aditados algumas vezes
e estavam em plena vigência quando a Bomfim resolveu procurar o Poder Judiciário.
O objeto de todos os contratos era ônibus utilizado pela empresa para
consecução de seu objeto social (transporte coletivo municipal e intermunicipal).
Após exame detalhado das operações de crédito, inclusive as que haviam
sido quitadas, foram detectadas as seguintes práticas que elevaram os valores dos
financiamentos de forma excessiva: (a) capitalização de juros; e (b) cobrança de
juros sobre o valor residual garantido.
Localizadas as ilegalidades, em 27 de dezembro de 1996, foi ajuizada a Ação
de Rito Ordinário n. 199610104918, perante a 1ª Vara Cível de Aracaju, Estado de
Sergipe. A demanda continha pedidos de natureza preponderantemente constitutiva
(a revisão dos contratos, com a exclusão da capitalização de juros e dos juros sobre
o valor residual) e condenatória (a repetição do indébito gerado pelas práticas
abusivas).
A arrendadora foi citada e, em 5 de março de 1997, apresentou sua
tempestiva contestação. Alegou, como ordinariamente o fazem bancos e
assemelhados, que as cláusulas dos contratos eram intangíveis. Invocou o brocardo
!
#"!
“pacta
sunt
servanda”.
Dedicou
muitas
páginas
para
discorrer
sobre
a
impossibilidade de limitação dos juros em doze por cento ao ano (sic), matéria que
nem mesmo fazia parte do pedido da Bomfim.
A contestação ainda trouxe outras tantas laudas dedicadas à legalidade da
cobrança antecipada de valor residual garantido – outra matéria estranha à petição
inicial2. O texto é encerrado com a muito utilizada (até hoje) tese de que o Código de
Defesa do Consumidor não se aplicaria às instituições financeiras3.
Houve audiência de conciliação em 20 de maio de 1997, na qual foi deferida a
produção de prova pericial. Tanto a Bomfim quanto o Dibens apresentaram seus
quesitos, e o perito judicial iniciou seus trabalhos em outubro de 1997.
O laudo pericial, apresentado em 22 de janeiro de 1998, apontou saldo credor
nos três contratos já quitados e uma redução substancial de saldo devedor nos
outros cinco contratos “em aberto”.
O laudo apontou as taxas de juros dos contratos, omitidas nas cláusulas, bem
como comprovou o uso de critérios matemáticos que conduziam à capitalização de
juros e incidência de juros sobre o valor residual.
As partes fizeram comentários ao laudo pericial e foi marcada audiência de
instrução e julgamento para o dia 8 de abril de 1999. Naquela oportunidade, houve
pedido da Bomfim para que o juízo aguardasse a chegada e o apensamento dos
autos da execução oriunda da 17ª Vara Cível, envolvendo as mesmas partes e
contratos objeto dessa demanda. O pleito foi deferido e, em comum acordo, a
instrução foi encerrada.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
2
3
!
Essa questão rendeu duas súmulas do Superior Tribunal de Justiça. A primeira, a 263, tinha a
seguinte redação: “A cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de
arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação”. Esse enunciado foi
cancelado no julgamento dos RESPs 443.143-GO e 470.632-SP, na sessão de 27/8/2003, pela
Segunda Seção. Foi, então, editado novo enunciado sobre o tema, o de número 293, com o
seguinte teor: “A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o
contrato de arrendamento mercantil”.
Em 12 de maio de 2004, a Segunda Seção do STJ aprovou a seguinte súmula: “O Código de
Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
##!
Em 11 de outubro de 2000, a ação foi sentenciada. Todavia, como a sentença
envolveu outros processos conexos, primeiro serão eles objeto de exame. Após, a
decisão será estudada.
1.2 Ação de Reintegração de Posse – Dibens x Bomfim
Em 11 de junho de 1997, em pleno curso da Ação de Rito Ordinário, o Dibens
Leasing ajuizou Ação de Reintegração de Posse perante a 5ª Vara Cível de São
Paulo-SP. O juízo, em 17 de junho de 1997, determinou que a arrendadora aditasse
a petição inicial, atribuindo à causa o valor correto. O despacho foi atendido em 26
de junho de 1997.
A liminar acabou sendo deferida em 18 de junho de 1997, nos seguintes
termos:
Vistos. Cuida-se de Ação de reintegração de posse de veículo, fundada em
arrendamento mercantil. A petição inicial está instruída com os contratos e a
mora está comprovada com notificações extrajudiciais. Em casos da
espécie, “havendo cláusula resolutória expressa no contrato, considera-se
resolvido de pleno direito o ajuste, independentemente de intervenção
judicial, como preleciona Clóvis Bevilacqua, in Código Civil, v. I/301 [...] A
jurisprudência, por outro lado, é firme no sentido de que no contrato de
leasing, a Ação adequada para obter a restituição do bem arrendado é a da
reintegração de posse [...]” (JTA-RT 121/41). Diante disso, defiro a liminar
pleiteada, para a reintegração da autora na posse dos bens descritos na
inicial. Expeça-se carta precatória para reintegração liminar dos veículos e,
após cumprido, citação da demandada para resposta no prazo legal.
A arrendadora montou verdadeira operação de guerra para o cumprimento da
decisão liminar. No dia 3 de setembro de 1997, o Dibens tinha duas equipes (oficiais
de justiça, mecânicos, advogados, policiais), uma em Salvador, outra em Aracaju,
prontas para realizar a tomada dos veículos.
No dia 4 de setembro de 1997, já ciente da reintegração de posse, a Bomfim
apresentou ao juízo deprecante da 5ª Vara Cível de São Paulo exceção de
incompetência, com a finalidade de deslocar o feito para o juízo da Ação de Rito
Ordinário, prevento para o exame da relação litigiosa entre Bomfim e Dibens
Leasing. Imediatamente, a exceção foi recebida e a reintegração de posse
suspensa, nos termos do art. 265, III, do Código de Processo Civil. A essa altura,
!
#$!
todavia, alguns bens já tinham sido reintegrados. Foi por esse motivo que, em 5 de
setembro, o juízo deprecante determinou a devolução dos referidos bens à Bomfim.
Ainda em 5 de setembro de 1997, a arrendadora apresentou recurso de
agravo de instrumento ao Tribunal de Justiça de São Paulo, com a intenção de
suspender a decisão do juízo deprecado, que havia recebido a exceção de
incompetência. Todavia, a tal recurso foi negado seguimento, pelo então Juiz de
Alçada Melo Colombi, ante a ausência de certidão de intimação da decisão
agravada.
A Reintegração de Posse foi tempestivamente contestada. Em dezembro de
1997, mercê do acolhimento da exceção de incompetência, a Ação de Reintegração
de Posse foi remetida à 1ª Vara Cível de Aracaju, a fim de que fosse reunida com a
Ação de Rito Ordinário ajuizada pela Bomfim, onde recebeu o número
199810100381.
Em 10 de fevereiro de 1998, a Bomfim ingressou no feito com pedido de que
a liminar deferida pelo juízo relativamente incompetente fosse revista pelo
magistrado da 1ª Vara Cível de Aracaju. Dois dias após, o Dibens também foi aos
autos e pleiteou a confirmação da liminar concedida em São Paulo.
Porém, a essa altura, a Ação Revisional já tinha até mesmo o laudo pericial
produzido, com a indicação de que, de fato, houve irregularidades no trato negocial
entre as partes. Dessa forma, resolveu o magistrado indeferir, em 13 de abril de
1998, o pleito liminar da arrendadora. Na mesma decisão, suspendeu a reintegração
de posse, com a finalidade de aguardar a solução final da demanda revisional.
O Dibens recorreu da decisão, por meio de agravo de instrumento. A liminar
foi negada e o agravo improvido, em 9 de junho de 1999, em decisão que recebeu a
seguinte ementa4:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
4
TJSE. Agravo de instrumento n. 150/98, Rel. Des. Fernando Franco.
!
#%!
ARRENDAMENTO
MERCANTIL.
REINTEGRAÇÃO
LIMINAR
INDEFERIDA. AÇÃO ORDINÁRIA. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA.
PREJUDICIAL.
DESPACHO
MANTIDO.
AGRAVO
IMPROVIDO.
MAJORITÁRIA. A existência de ação ordinária que pode descaracterizar a
mora, tanto por não haver crédito como pela irregularidade de seu valor, é
óbice suficiente para que seja deferida liminarmente reintegração de posse
em virtude arrendamento mercantil, já que manifestamente prejudicial desta,
aquel’outra ação. Agravo desprovido.
Em 12 de novembro de 1999, a reintegração de posse foi suspensa, a fim de
aguardar a solução da Ação Revisional. E em 11 de outubro de 2000, o feito foi
sentenciado, em decisão que será objeto de exame conjunto com a sentença da
Ação Revisional em tópico próprio adiante.
1.3 Ação de Execução (1) – Dibens x Bomfim
Em 26 de junho de 1997, o Dibens Leasing ajuizou Ação de Execução contra
a Bomfim. O objeto da execução era o saldo devedor das parcelas vencidas dos
cinco contratos de arrendamento mercantil. Isto é, não bastasse a Ação de
Reintegração de Posse, cujo objeto era o de retomar os bens, para posterior venda
e pagamento do saldo dos contratos de arrendamento mercantil, a arrendadora
executou os valores das parcelas vencidas.
O despacho inicial positivo foi proferido em 30 de junho de 1997, pela
magistrada Christine Santini Muriel, juíza auxiliar da 17ª Vara Cível de São Paulo.
Foi expedida carta precatória para citação, pagamento ou penhora de bens à
Comarca de Aracaju. Em 18 de setembro de 1997, a Bomfim foi aos autos e indicou
bens imóveis à penhora. O Dibens recusou os bens indicados, em 12 de dezembro
de 1997, embora não tenha justificado o motivo ou indicado outros. Em 27 de
dezembro de 1997, o Dibens retornou aos autos e pediu a penhora de inúmeros
bens imóveis. O pedido foi deferido e a penhora realizada em 18 de junho de 1998.
!
#&!
A Bomfim apresentou embargos do devedor e exceção de incompetência,
com a finalidade de reunir essa demanda com a Ação Revisional acima
mencionada5.
A exceção de incompetência foi acolhida e os autos remetidos à 1ª Vara Cível
de Sergipe, onde receberam o número 199910101533. Os embargos do devedor
foram também novamente autuados e receberam o número 199910102069.
Em 16 de junho de 1999 os embargos do devedor tiveram seu andamento
suspenso, a fim de receber julgamento conjunto com a Ação Revisional, conforme
se verá abaixo.
1.4 Ação de Execução (2) – Dibens x Bomfim
Em 8 de abril de 1999, mais uma execução foi ajuizada pelo Dibens. A causa
eram mais outras parcelas vencidas dos contratos de arrendamento mercantil,
objetos da Ação Revisional.
Dessa vez, a execução foi ajuizada diretamente na Comarca de Aracaju, com
distribuição por dependência à execução anteriormente ajuizada. Em 8 de outubro
de 1999, a Bomfim indicou bens à penhora, que foram aceitos pelo juízo em 2 de
março de 2000.
Em 19 de maio de 2000, a Bomfim apresentou embargos do devedor, sob o
número 200010100172. Eles foram recebidos, impugnados pela arrendadora e
suspensos, a fim de que tivessem solução conjunta com a Ação Revisional.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
5
Providência reconhecidamente correta pela doutrina, seja porque a execução já poderia ter sido
reunida com a demanda pelo rito ordinário, ou porque os embargos do devedor posteriormente
opostos seriam conexos com a ação revisional. Neste sentido, examinando ambas as posições
doutrinárias: PIZZOL, Patrícia Miranda. A Competência no Processo Civil, São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003, p. 446.
!
#’!
1.5 Protesto contra Alienação de Bens – Dibens x Bomfim
Não obstante a discussão instaurada nos autos da Ação de Rito Ordinário e a
substancial redução do saldo devedor apontada no laudo pericial, assim como o
pleito deduzido na reintegração de posse, o Dibens ajuizou, em 6 de novembro de
1997, medida cautelar de protesto contra a alienação de bens perante a 1ª Vara
Cível de Aracaju, distribuída sob o número 199710103443.
A ação cautelar objetivava a conservação dos direitos creditórios do Dibens,
decorrentes dos contratos de arrendamento mercantil, os quais estariam
supostamente em perigo, de modo que se justificaria a medida de publicação de
editais, dando notoriedade a sua insurgência quanto à alienação de bens.
Em 30 de junho de 1999, o juízo deferiu a expedição do edital do protesto
contra a alienação de bens, e em 18 de julho de 1999, o referido edital foi publicado
no Diário da Justiça do Estado de Sergipe.
O edital também foi publicado em dois jornais de grande circulação em
Sergipe: o Jornal da Manhã e o Jornal da Cidade.
Observe-se que os editais foram publicados mesmo após o Dibens já ter
conhecimento da redução substancial do saldo devedor apontada no laudo pericial,
fato ocorrido em janeiro de 1998, bem como ter ajuizado uma Ação de Reintegração
de Posse e duas execuções, a essa altura amplamente garantidas por penhora de
bens imóveis.
1.6 A Sentença da Ação Revisional e a Sentença da Ação de Reintegração de
Posse
A sentença da Ação Revisional necessita ser na íntegra reproduzida. A
interpretação do texto do juiz Manuel Cândido, como se verá no curso deste
trabalho, foi decisiva em diversos procedimentos posteriores.
!
#(!
No entanto, é necessário, antes, já apontar alguns itens que merecem
atenção redobrada. O primeiro deles é que a sentença acabou por limitar os juros
remuneratórios em doze por cento ao ano. E fez isso de ofício. A Bomfim jamais
pediu a limitação dos juros dos contratos de arrendamento mercantil nesse
percentual.
Em razão da ausência de pedido de limitação dos juros remuneratórios, os
cálculos do perito judicial foram realizados com as taxas contratadas.
Essa observação inicial é relevante porque, anos depois, em processos que
serão também objeto de estudo, houve o debate acerca dos cálculos do perito
judicial e da limitação dos juros em doze por cento ao ano.
Merece relevo, igualmente, o fato de as execuções ajuizadas pelo Dibens
terem sido extintas, sem julgamento do mérito, por ausência de título executivo
extrajudicial.
Embora o teor da sentença seja muito claro, com relação à ausência de título
executivo, anos depois, o Dibens tentou executar os mesmos títulos já considerados
ilíquidos.
Sem mais delongas, eis o teor da sentença:
Vistos etc.
A Autora comprova a celebração de contratos de arrendamento mercantil
em número de oito, desde o ano de 1991 e que, constatando a elevação
desmedida do saldo devedor de cada um e sem condições de fiscalizar os
intrincados cálculos, viu-se obrigada a aditar a maioria deles, firmando
instrumentos à prorrogação dos prazos, todos eivados de nulidade que
permitiam à arrendadora o locupletamento indevido.
Os três primeiros contratos, firmados em 1991, foram todos cumpridos,
restando, apenas, a repetição dos pagamentos efetuados a maior. Os
restantes, em curso, quando aforada a presente ação. Todos, no entanto,
portadores de ilegalidades comuns, quais sejam:
Capitalização de juros, mediante dois critérios, o da eleição de coeficiente
de reajuste ou fator de arrendamento e da adoção da TBF+2,08, este
último para o contrato firmado no ano de 1995, para o cálculo da
contraprestação inicial, os quais coeficientes funcionam como
multiplicadores daquela, embutidos esses juros capitalizados no referido
coeficiente, o que resta comprovado se multiplicar-se o valor de cada
!
#)!
contraprestação inicial pelo correspondente prazo de cada contrato, para
concluir-se da cobrança de juros exponenciais, durante a vigência de todos
os contratos e aditamentos.
Uso de indexador inadequado para reajuste das contraprestações
mensais nos contatos ns. 33059, 33111, 35344 e 35445, de acordo com a
variação da Taxa Referencial (TR) e da Taxa Básica Financeira (TBF),
elevando, por mais essa forma, o valor das contraprestações iniciais, já
acrescida de juros ilegais, causando a elevação ilegal do saldo devedor
desses contratos, posto que ditas taxas não podem ser utilizadas como
indexadores de atualização monetária, por representarem taxas de juros
remuneratórios.
Antecipação do valor residual/opção de compra, em parcelas mensais.
Em assim procedendo, réu engendrou a inserção de cláusula, em
desconformidade com a Lei nº 6.099/94, em seu art. 11, § 1º, que obriga a
transformação do arrendamento mercantil em compra e venda a prestação,
por considerar tal procedimento uma burla à lei e, por conseguinte, eivada
de nulidade pleno iure. Demais disto, cobrou juros sobre as parcelas do
valor residual, alterando, unilateralmente a base do negócio, ampliando o
seu lucro. Conclui por que seja reconhecida a nulidade da metodologia
eleita pelo Réu para os cálculos que permitiu a cobrança de juros
capitalizados; que seja decretada a nulidade das cláusulas contratuais que
elegeram a TR e a TBF como índices de atualização monetária e,
conseqüentemente, a cobrança de juros capitalizados, substituindo-as,
sucessivamente, pelo INPC=/IPC-r/INPC; que seja reconhecida a nulidade
da metodologia adotada para o cálculo das contraprestações e do valor
residual/opção de compra relativamente aos contratos nos. 192-91, 235-91
e 389-91, determinando que sobre o valor residual incida reajuste monetário
do IPP-M, com a exclusão das parcelas de juros calculadas sobre esses
valores; a condenação do Réu à devolução dos excessos cobrados,
acrescidos de juros e correção, a partir de cada pagamento indevido.
o
Busca supedâneo legal no Decreto n . 22.626/33, Lei nº 6.099/74,
Resolução BACEN 980/84, Código Civil, Código de Defesa do Consumidor,
transcreve opiniões doutrinárias e jurisprudenciais e junta os documentos de
fls. 35 e 131.
Citado, o Réu oferta Contestação de fls. 137 a 154, alegando não
constituírem os contratos firmados, contratos de adesão, mas contrato com
natureza própria e complexa, envolvendo, particularmente, uma operação
financeira, com comprometimento de capital e aquisição de bem por parte
do Arrendador, apenas praticada por empresas sujeitas à regulamentação
da Lei de Mercado de Capitais emanadas das autoridades da área
financeira Federal, em especial o Conselho Monetário Nacional e o Banco
Central. Destarte, as disposições contratuais do contrato de arrendamento
mercantil, na parte que envolve o mutuo, estão sujeitas às regras que
regem a política de juros praticada pelas instituições financeiras, forte na
legislação específica – Lei nº 6.099/74, com as alterações introduzidas pela
Lei no. 7.132/83 e legislação esparsa posterior.
Nega a incidência da limitação recepcionada do Decreto 22.626/33, quer
pela auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da Constituição Federal e, menos,
por força do art. 1062, do C. Civil.
No concernente à antecipação do valor residual, assevera inexistir
disposição legal que a vede, desde que de interesse de ambas as partes, a
exemplo do caso em julgamento, culminando por advogar a tese da
!
#*!
inaplicabilidade do CODECON à matéria discutida, arrolando opinião
isolada da doutrina de excertos de decisões pertinentes. Junta os
documentos de fls. 156 a 225.
Com vista, a Autora Replica. Reitera a inicial, além de substanciá-la, adverte
para as omissões da defesa, enfatizando a regra do art. 302, do CPCivil.
Conciliação inexitosa (fl. 247), determinou-se a produção de prova pericial,
vindo aos autos a quesitação das partes, além dos quadros demonstrativos
econômicos-financeiros (fls. 277 a 294) e, por fim, o laudo pericial de fls.
297 a 366.
Com vista, manifestaram-se as partes (fls. 456 e 459 a 465).
Na audiência de Instrução e julgamento, ocorreu o que se registra no termo
de fl. 471, vindo aos autos cópia de sentença declaratória de incompetência
(fls. 473 a 474) e requerimento e cópia da ata da sessão de julgamento de
o
Apelação n . 598 531 705, da 13ª Câmara Cível do TJRGS.
É o relatório resumido.
DECIDO – Enfatizo, ab initio, serem contratos objeto de discussão nesta
ação, os mesmos envolvidos nas Execuções apensas de nºs 153-3 e 12344; assim como nos autos da ação Reintegratória, também apensos, de nº
038-1; e, obviamente, os de Embargos às execuções.
Excetuam-se os contratos de nºs 192-91, 235-91, 389-94, visto haverem
sido quitados.
Também, ab initio, advirto de que a discussão abre-se em duas vertentes,
uma, a que tem a ver com os contratos quitados, outra, a que se relaciona
aos contratos que tiveram sua execução suspensa.
Dos contratos quitados – Pretende a Autora ver declarada a nulidade das
cláusulas dos contratos nºs 192-91, 235-91, 389-91, todos eles quitados,
bem como a nulidade da metodologia eleita pela Ré, para o cálculo das
contraprestações e do valor residual/opção de compra, reconhecendo-lhes
a ilegalidade da cobrança antecipada, a fim de que sobre o valor residual
incida, apenas, reajuste monetário com base no IGP-M, excluindo-se os
juros calculados sobre esses valores, dissimuladamente embutidos nas
contraprestações mensais.
Concessa venia maxima, entendo inadmissível a pretensão de nulidade de
cláusulas de contratos abarcados pelo conceito do ato jurídico perfeito.
Coisa diversa constitui a revisão dos cálculos que elevaram os valores das
contraprestações e valor residual, reconhecendo-lhes os excessos
ilegalmente cobrados e o direito à repetição do indébito, por isso que
repetição pressupõe pagamento indevido.
Para aferir-se o indébito, imprescindível prová-lo e para prová-lo,
imprescindível o exame dos contratos quitados, único meio de atingir-se
este desiderato, sem, contudo, proceder-se à revisão de cláusulas dos
contratos aludidos. Este, o raciocínio lógico e óbvio engendrado por este
julgador, no enfrentamento de caso similar em que a mesma Autora discutiu
o mesmo tema, em ação aforada contra arrendadora outra.
!
$+!
Esta postura, aliás, não se situa isolada no campo desse debate, por isso
que já há quem tenha ido além desse limite, buscando respaldo na força
avassaladora do ato absolutamente nulo, incapaz de operar efeitos
jurídicos, para admitir o exame de contrato quitado. Verbi gratia, anote-se
da obra “Contratos do Código de Defesa do Consumidor”, de Cláudia Lima
Marques, pág. 570, o seguinte:
“O controle do conteúdo da relação de consumo contratual autorizado pelo
CDC se mostra possível mesmo com o contrato findo, segundo
jurisprudência, pois absoluta a nulidade e (pós) eficaz o paradigma de boafé. Note-se aqui a força do princípio de boa-fé objetiva no novo direito dos
contratos, força que permite, a exemplo da pós-eficácia dos deveres anexos
(de sigilo, de cooperação, de cuidado e de não concorrência), uma póseficácia do controle da sinalagma inicial (!), do equilíbrio econômico da
relação e da licitude dessas cobranças abusivas, mesmo quitado o contrato,
realizado – teoricamente – o seu fim principal”.
Da mesma obra, merece referência, do voto vencido proferido na Apelação
Civ. 196 246 151, 5ª C. TARGS, j. 12.6.97, Rel. Juiz Rui Portanova, que
transcrevo, parcialmente, a ementa:
“Repetição do Indébito – Aplicação do CDC para a hipótese de considerar
erro – Caso de nulidade absoluta.
É cabível a repetição do indébito em contratos já quitados. Quem cobra
juros acima de 12% viola expressa disposição de lei. Logo, não há erro
(defeito do ato anulável), mas ilícito (defeito de ato nulo)...” (Nota 411, pág.
569).
Pretende a Autora excluir a incidência de juros sobre o valor residual/opção
de compra, incidindo sobre este, apenas, o reajuste monetário contratado –
IGPM.
Constitui prática abusiva usual das instituições financeiras brasileiras, em
contratos que tais, não explicitarem as taxas de juros cobradas, embutindoas no valor do coeficiente a cobrança de taxas de juros compostos de
4,2829% ao mês, nos três contratos liquidados, evidenciando que foram
cobrados encargos financeiros sobre o valor global do investimento bruto,
obviamente, incluído o valor residual/opção de compra, este diluído nas 24
prestações mensais, iguais e sucessivas, denunciando a prática de
cobrança de juros exponenciais/capitalizados.
Constatam-se, portanto, a) cobrança indevida de juros sobre o valor residual
e b) a prática de anatocismo.
De referência à primeira, verdade que não há respaldo legal e, muito
menos, contratual a que tal cobrança se concretiza, visto não terem as
partes pactuado sua cobrança, mas, tão somente, a correção desse valor,
pelo IGPM, pelo que merece procedência a pretensão, nesse particular,
devendo o excesso compor o valor a “repetir”.
No concernente à segunda – cobrança de juros exponenciais –, sem duvida
que é ela, excepcionalmente, permitida em periodicidade inferior a um ano,
como deflui do disposto no art. 14, VI, do Decreto-Lei nº 413/69, c/c o art.
5º, da Lei nº 6.850/80, apenas às cédulas de crédito rural, comercial e
industrial, constituindo matéria objeto da Súmula 93, do STJ, litteris:
!
$"!
“A legislação sobre cédula de crédito rural, comercial e industrial, admite o
pacto de capitalização de juros”.
No entanto, não constitui esta hipótese dos presentes autos, eis que, aqui,
discutem-se questões envolvendo contrato de arrendamento mercantil, no
qual a periodicidade da capitalização se submete à regência do Decreto nº
22.626/33, em seu art. 4º, matéria também objeto da Súmula 121, do STF,
cujo enunciado se transcreve:
“É vedada a capitalização
convencionada”.
de
juros,
ainda
que
expressamente
Pelo que, comprovada a pratica de anatocismo nos contratos referidos, dáse procedência, também a essa pretensão, ficando determinado o expurgo
dos excessos disso decorrentes, cujo montante devera compor o valor a
“repetir”.
Atendendo ao demonstrado nas “tabelas” 6 e 7, do laudo pericial, e
considerando o disposto no § 3º, do art. 192, da Constituição Federal, cuja
auto-aplicabilidade já está assentada nas lições da doutrina predominante e
da jurisprudência do STJ, condeno o Réu a repetir, em favor da Autora, os
valores constantes da tabela 12, na qual se reiteram os da tabela 7, os
quais deverão sofrer atualização a partir de 31.12.97.
Dos contratos não quitados – Pretende o Autor excluir a incidência dos
juros exponenciais e a substituição dos indexadores pactuados.
A TR, segundo opinião dos estudiosos da matéria, não guarda fidelidade
com a variação decorrente do desgaste do valor da moeda brasileira, visto
que a metodologia adotada para o seu cálculo não se respalda nos índices
inflacionários. Representa ela, concretamente, um produto desidratado da
TBF, aferida tendo em conta a remuneração média paga pelas 30 maiores
instituições financeiras do País na captação de Certificados de Depósitos
Bancários (CDB).
Nada obstante isto, inexiste qualquer óbice a que os contratantes a admitam
e convencionem sua incidência.
Esse entendimento vem sendo o aceito no Superior Tribunal de Justiça,
verbi gratia:
“Possível a utilização da TR como indexador apenas quando houver
disposição contratual expressa nesse sentido” (STJ, 4ª turma, REsp nº 174
380/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 25.08.98, p. no DJ 05.10.98, p.
105).
Vala sublinhar, a tal respeito, que a ADIN nº 04/93 concluiu ser
inconstitucional a substituição da BTN pela TR, determinada na Lei nº
8.117/91, questão diversa da que aqui é tratada, na qual se pretende a
substituição de indexador livre e expressamente pactuado.
Ora, considerando que as partes livre e expressamente convencionaram a
adoção da Taxa referencial (TR), denego o pedido de substituição.
!
$#!
Forte no mesmo argumento de que, no contrato nº 37293, as partes
pactuaram a adoção do indexador TBF – Taxa Básica Financeira -,
expressamente, também denego sua substituição.
Dos juros capitalizados exponencialmente – Único e convincente
instrumento de que dispõe o julgador, para certificar-se desse fenômeno,
posto que refoge ao seu conhecimento o trato da matéria, louvo-me,
também nesse particular, nas conclusões do laudo pericial, para firmar meu
ponto de vista.
Compulsando-o, encontro a afirmação de que o Réu procedeu aos cálculos
discutidos, fazendo incidir juros exponenciais, usando da estratégia de não
explicitarem as taxas aplicadas e embutindo-as, de forma insidiosa, no valor
do coeficiente de arrendamento (Ca). Vejam as respostas aos quesitos 3, 4,
8, particularmente.
A prática do anatocismo, como já anotado nesta sentença, esbarra diante
óbices legais e jurisprudenciais intransponíveis. Comprovada a sua pratica,
nos contratos sub judice, impõe-se o seu reconhecimento, para o efeito
pretendido, mantidos inalterados os índices pactuados pelas partes.
Da limitação dos juros – Despiciendo, a tal andar da discussão, pretenderse dissentir da opinião assentada, em derredor do tema. Com efeito, quer
por auto-aplicável o § 3º, do art. 192, da Constituição Federal; quer por
recepcionado o Decreto nº 22.626/33; quer por força do disposto nos arts.
1062 e 1063, do C. Civil, - afora opiniões recalcitrantes e esmaecidas
dissidentes -, não mais se admite a cobrança de juros remuneratórios
superiores a 12% ao ano, o que faz dispensar sejam carreadas maiores
digressões e/ou transcrições pertinentes ao tema, por constituírem
repristinações fastidiosas.
Considerado o exposto e tudo o mais que dos autos consta, JULGO
PROCEDENTE, em parte, a presente ação para, reconhecendo os
excessos ilegais praticados pelo Réu, na elaboração dos cálculos
efetuados, envolvendo todos os contratos discutidos nestes autos,
determina se procedam a novos cálculos, obedecidas as conclusões desta
sentença preservando-se os indexadores expressamente pactuados,
fazendo incidir juros, mediante o método hamburguês, capitalizados
anualmente; condenar o Réu à “repetição do indébito” dos saldos credores
relativos aos contratos nºs 192/91, 235/91 e 389/91, constantes da tabela 7,
do laudo, devidamente atualizados até a efetiva “repetição”, acrescidos de
juros de 1% ao mês e correção monetária.
Preservados que estão sendo os índices pactuados, nos contratos
restantes, e atendendo a que a tabela 12, do mesmo laudo, obedece às
conclusões desta sentença, reconheço o saldo devedor de R$
3.121.134,94, o qual deverá sofrer atualização a partir de 31.12.97, de juros
à taxa de 1% ao mês e correção monetária, autorizada, obviamente, a
compensação correspondente.
Custas e honorários de advogado, estes arbitrados em 15% do valor final da
“repetição”, pelo Réu, considerando que se não configurou sucumbência
recíproca, mas parcial.
Atendendo a que a matéria decidida nesta ação, por seus fundamentos,
guarda prejudicialidade com as matérias discutidas nos autos de Embargos
às Execuções propostas, de nºs 200010100172 e 991010206-9; atendendo
!
$$!
a que esta sentença reconheceu a existência de cobrança excessiva,
decorrente da prática de ilegalidades por parte do Réu, concernentemente
ao anatocismo e juros remuneratórios exorbitantes do limite legal;
atendendo a que, conforme nesta sentença demonstrado, configurado
resulta a hipótese contemplada no art. 618, inciso I, do CP Civil, id est, a
iliquidez do título, que corresponde à fixação do quantum devido, JULGO
PROCEDENTES os Embargos apensos, anulando as execuções propostas,
condenando o Embargado-Exequente, ao pagamento das custas e dos
honorários de advogado, estes arbitrados em 10% do valor de cada uma
das execuções.
P.R. e I.
Aracaju, 9 de outubro de 2000.
Manuel Cândido Filho
Juiz de Direito
A Bomfim, em conduta que revelava sua boa-fé, apresentou embargos de
declaração à sentença. O objetivo do recurso foi justamente pedir ao juízo que
esclarecesse a questão da limitação de juros em doze por cento ao ano. Ponderouse que não houve pedido de limitação na petição inicial, bem como que nenhum
cálculo do processo havia sido feito com a limitação de juros remuneratórios.
Embora fosse inequívoco que a limitação dos juros remuneratórios seria fator
de importante para reduzir o saldo devedor e aumentar a repetição do indébito, nem
por isso a Bomfim quis aproveitar-se de algo que parecia, naquele momento, um
erro do juízo.
Todavia, os embargos de declaração foram improvidos e a sentença foi
mantida com a limitação de juros remuneratórios, de ofício, concedida.
Essa sentença, conforme claramente consta de sua fundamentação,
abrangeu três ações: a Ação Revisional e os dois embargos do devedor.
Na mesma data, a reintegração de posse foi também resolvida em sentença
proferida nos seus próprios autos. A decisão foi no sentido de não haver mora do
devedor, em razão da iliquidez dos créditos, por força do reconhecimento das
ilegalidades na sentença da Ação Revisional.
!
$%!
1.7 Os Recursos de Apelação do Dibens
O Dibens apresentou os cabíveis recursos de apelação a ambas as
sentenças.
O recurso de apelação6 da Ação Revisional foi monocraticamente resolvido,
em 7 de agosto de 2002, nos termos do art. 557, do Código de Processo Civil. A
sentença foi mantida em todos os seus termos. Houve agravo7 da instituição
financeira e a ele foi negado provimento.
E a sentença transitou em julgado, pois o Dibens não apresentou recurso
especial ou extraordinário.
O recurso de apelação8 interposto na Ação de Reintegração de Posse foi
improvido, em decisão colegiada, da qual também não houve recurso.
Assim, no ano de 2002, as decisões judiciais que envolviam a relação
contratual entre Bomfim e Dibens, transitaram em julgado. A jurisdição havia sido
entregue de forma plenária e a lide resolvida? Não, do ponto de vista do credor que
tudo queria, a situação era de um vazio absoluto.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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6
TJSE. Recurso de Apelação n. 2001203628, Rel. Des. Fernando Ribeiro Franco.
TJSE. Agravo n. 2002204339, Rel. Des. Fernando Ribeiro Franco.
8
TJSE. Apelação n. 2001203625, Rel. Des. Fernando Ribeiro Franco.
7
!
$&!
2 O LITÍGIO APÓS A COISA JULGADA
2.1 A Coisa Julgada Formada
É necessário, antes de se adentrar nessa fase intermediária do litígio, que se
defina o que transitou em julgado na sentença do processo n. 199610104918, cujo
inteiro teor foi transcrito no capítulo anterior.
(1) Os juros remuneratórios foram limitados em 12% (doze por cento ao ano),
embora não tenha havido pedido na demanda para tanto. A decisão,
nesse tópico, foi de ofício.
(2) A capitalização mensal dos juros foi expelida.
(3) Afastou-se a incidência de juros sobre o valor residual garantido.
(4) Determinou-se a repetição do indébito dos contratos quitados.
(5) Acolheram-se os critérios do laudo pericial e apontou-se um saldo
devedor no importe de R$3.121.134,94, em 31 de dezembro de 1997.
(6) As execuções foram extintas por iliquidez.
(7) A Reintegração de Posse foi extinta por ausência de mora.
À exceção do cálculo, que podia conter eventual erro (e continha), todas as
demais matérias transitaram em julgado, sendo atingidas pela coisa julgada material.
O cálculo estava errado: desde já se resolve essa questão que tanto irá
render nas próximas páginas. Um erro material absolutamente justificado. Ele não foi
feito com a limitação de juros em doze por cento ao ano. E isso ocorreu porque a
parte autora da demanda não formulou pedido na petição inicial nesse sentido.
Logo, os quesitos apresentados e que geraram o laudo pericial não previam a
limitação dos juros remuneratórios.
!
$’!
Era um erro de cálculo que poderia ser sanado a qualquer momento. No
entanto, foi objeto de aceso debate, em mais de uma demanda.
O que transita em julgado não é o valor alcançado pelo cálculo, mas sim os
critérios, os pressupostos fixados pelo juiz na sentença, para que se possa chegar
aos números.
Nem faria sentido ser diferente, porque todo o raciocínio do magistrado se
desenvolve na direção de achar um critério correto para estabelecer os cálculos das
prestações devidas por uma parte (devedor) e cabíveis à outra (credor).
Os cálculos efetivos não passam de mera consequência do critério que tiver
sido eleito pelo juiz para a eles se chegar. Não se pode conceber, portanto, que a
consequência seja prejudicial, preeminente à premissa, mas sim o contrário.
Ao discorrer sobre a regra do art. 463, I, do Código de Processo Civil, Nelson
Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery ensinam que, “mesmo depois de
transitada em julgado a sentença, o juiz pode corrigi-la dos erros materiais e de
cálculos de que padece. Pode fazê-lo ex officio ou a requerimento da parte”9,10.
Cândido Rangel Dinamarco define os erros de cálculo como “equívocos
aritméticos que levam o juiz a concluir por valores mais elevados ou mais baixos;
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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9
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 676.
10
Nesse mesmo sentido é o pronunciamento da jurisprudência, citado pelos mesmos doutrinadores:
“Inexatidões materiais ou erros de cálculos. Inexatidões materiais ou erros de cálculos que
excepcionam a regra contida no CPC 463, I, são aqueles decorrentes de evidentes e claros
equívocos cometidos pelo órgão julgador, não se incluindo entre eles os critérios de cálculos que,
na verdade, constituem os fundamentos da decisão, sob pena de ofensa à coisa julgada (STJ, 2.ª
T., REsp 539758-SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 7.11.2006, v.u.). Liquidação de sentença.
Pretendida retificação do cálculo por erro material não afronta a coisa julgada (ex-CPC 610) [CPC
475-G], podendo ser corrigido a qualquer tempo (STJ, 2.ª T., RMS 1864-7-RS, rel. Min. Américo
Luz, v.u., j. 27.10.1993, DJU 21.2.1994, p. 2148). Sentença transitada em julgado com erro de
cálculo. A doutrina e a jurisprudência afirmam entendimento no sentido de, constatado erro de
cálculo, admitir-se seja a sentença corrigida, de ofício ou a requerimento da parte, ainda que haja
ela transitado em julgado. Inteligência do CPC 463 I (STJ, REsp 21288, rel. Min. Waldemar Zveiter,
j. 16.6.1992, DJU 3.8.1992, p. 11314 e BolAASP 1767/427)” (Ibid., p. 676-677.).
!
$(!
não há erro de cálculo, mas de critério, na escolha de um índice de correção
monetária em vez de outro (error in judicando)”11.
Assim, não haverá problema de ofensa à coisa julgada ou ao sistema
processual civil brasileiro, se não se altera o critério do cálculo. Ao contrário, uma
vez alterado o critério, aí sim haverá ofensa à coisa julgada.
E segue o doutrinador:
As correções informais da sentença são admissíveis a qualquer tempo, sem
o óbice de supostas preclusões. Precisamente porque não devem afetar em
substância o decisório da sentença, o que mediante elas se faz não altera,
não aumenta e não diminui os efeitos desta. Eventual coisa julgada que já
se tenha abatido sobre esses efeitos não ficará prejudicada pela mera
retificação formal. Como está explícito no texto da lei, tais correções podem
12
ser feitas a requerimento de parte ou também de ofício pelo juiz .
A coisa julgada formou-se sobre o critério, sobre o pressuposto fixado pelo
perito (apuração de taxas de juros superiores a 12% ao ano) e acolhido pelo juiz
(limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano).
Tais observações preliminares são fundamentais, como se verá adiante.
2.2 O Recomeço do Litígio – a Sucumbência em Execução
Transitadas em julgado as decisões, havia chegado a hora de executar as
verbas honorárias arbitradas em favor dos advogados da Bomfim.
O ano é 2003 e o Dibens ainda não havia recebido um só real do valor a que
teria direito, até porque, nesse momento, o montante era ilíquido por decisão
passada em julgado. Sete anos de litígios, de medidas excessivas que não foram
exitosas.
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11
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros,
2003. v. III, p. 688.
12
DINAMARCO, ob. cit. p. 688.
!
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Duas foram as execuções ajuizadas. Uma para o título executivo judicial
formado na Ação de Rito Ordinário (processo número 200310100101, lembrando-se
que nessa execução a verba de sucumbência também abrangeu os valores de
honorários dos dois Embargos do Devedor). A outra para aquele formado na Ação
de Reintegração de Posse (processo número 200310100106). Ambas foram
ajuizadas em fevereiro de 2003 e o andamento delas foi praticamente idêntico.
Citado, o Dibens indicou à penhora o crédito que detinha em face da Bomfim.
A indicação, em ambos os processos, foi fora de prazo. Além disso, o Dibens não
tomou o cuidado de juntar uma planilha que fosse do seu afirmado crédito. E era
evidente que a arrendadora tinha bens em gradação superior, nos moldes do art.
655, do Código de Processo Civil.
Tais ponderações foram aceitas pelo juízo e foi ordenada a penhora em
pecúnia. O sistema de penhora on-line ainda engatinhava no ano de 2003, por tal
motivo o bloqueio foi ordenado por meio de ofícios.
Entretanto, não se encontrou dinheiro algum nas contas da arrendadora. E ela
ainda recorreu ao Tribunal sob a justificativa de que a penhora em dinheiro seria
excessivamente gravosa13. Ao recurso foi negada a liminar.
E em 29 de maio de 2003, antes que novo pedido de penhora pudesse ser
formulado, o Dibens informou nos autos das execuções que havia obtido liminar, em
medida cautelar inominada (0002/2003), distribuída por dependência à Ação
Rescisória (0004/2003)14, no Tribunal de Justiça de Sergipe, suspendendo as
execuções.
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13
14
!
O que é por demais curioso. Afinal, a criação da penhora on-line é fruto dos anseios das próprias
instituições financeiras, conforme será visto no Capítulo 4.
A ação rescisória proposta, na opinião de Jorge Americano, desde já se adianta, enquadrar-se-ia
na hipótese de abuso do direito de demandar. Ele apontava que “seria para desejar que, nos
pedidos de indemnisação por lide temerária resultante da improcedência manifesta da acção
rescisória, houvesse sufficiente rigor de apreciação, que só animasse ao emprego desta acção
áquelle que tivesse pelo menos uma presumpção bem fundada em seu favor; se a presumpção de
verdade da sentença é levianamente atacada (e leviandade será, na maior parte dos casos, o
simples facto de se atacar a validade da sentençao, sem um criterioso exame do direito do autor),
ha obrigação de reintegrar as relações econômicas violadas” (Do abuso do direito no exercício
da demanda. São Paulo: Saraiva, 1932. p. 82; 83.).
$*!
A liminar obtida pelo Dibens somente foi concedida porque a arrendadora
agiu de má-fé, distorcendo os fatos da causa. Tanto é assim que, em 9 de junho de
2003, ela foi revogada e a execução voltou a tomar curso. Mas pena alguma por
litigância desleal foi imputada à arrendadora.
Foi ordenada a penhora dos ativos financeiros que ingressassem nas contas
do Dibens. Expediu-se carta precatória para a Comarca de Barueri (sede do
Dibens).
Todavia, lá chegando, o oficial de justiça firmou a seguinte certidão:
!
%+!
O representante legal da arrendadora negou-se a cumprir a ordem judicial,
ficou em dúvida de receber a intimação para a transferência de recursos penhorados
e negou-se a assinar o mandado. Tudo conforme orientação da advogada do
Dibens.
A conduta de evidente má-fé não recebeu qualquer tipo de penalidade pelo
Poder Judiciário15.
Finalmente, em 7 de agosto de 2003, o dinheiro penhorado foi transferido
para uma conta à ordem e disposição do juízo.
2.3 Os Embargos do Devedor
Os Embargos do Devedor para ambas as execuções foram opostos pelo
Dibens em 28 de agosto de 2003. As teses neles ventiladas foram as seguintes: (a)
ilegalidade do uso do INPC para a correção dos valores (sic); (b) ilegalidade da
limitação de juros em doze por cento ao ano.
As respostas aos Embargos do Devedor foram muito parecidas.
Os Embargos do Devedor que se opunham à execução n. 200310100101
receberam o número 200310100452. E os Embargos do Devedor que se opunham à
execução n. 200310100106 receberam o número 200310100453.
Na resposta aos Embargos n. 200310100452, os advogados embargados
esclareceram que não calcularam as verbas honorárias tendo por base os juros
limitados em doze por cento ao ano. E assim fizeram justamente porque sabiam da
controvérsia da interpretação dessa matéria nos Tribunais Superiores.
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15
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Ir-se-á tratar, adiante, especificamente da conduta do Estado (Poder Judiciário) que permite, por
ação ou omissão, que determinadas condutas processuais abusivas sejam realizadas sem
qualquer tipo de punição, principalmente se quem a comete é uma instituição financeira. Esse
mesmo magistrado que nada fez em razão da beligerância do Dibens, nesse ato, foi violentamente
severo com a Bomfim, quando do julgamento da ação n. 200710100204.
%"!
Não que eles tenham aberto mão da verba honorária. Apenas preferiram,
nesse primeiro momento, não trazer ao processo nada que pudesse tumultuar o
recebimento de seu crédito. Também se apontou que apenas parte da verba
honorária poderia ter sido calculada com os tais juros de doze por cento ao ano. É
que o título executivo judicial fixou a verba honorária dos Embargos do Devedor em
percentual sobre o valor da causa. Logo, a matéria dos Embargos do Devedor era,
agora sim, de um mau pagador.
Afinal, até o uso do INPC foi impugnado. É verdade que sem a indicação de
um só dispositivo de lei, doutrina ou jurisprudência que o amparasse.
E o Dibens ainda arguiu, em preliminar, que não se poderia deferir o
levantamento do dinheiro, visto que havia a Ação Rescisória ajuizada.
A resposta aos Embargos do Devedor número 200310100453 levou em
consideração que a verba honorária foi também fixada sobre o valor da causa. Logo,
a limitação dos juros em doze por cento ao ano era incapaz de alterar a base de
cálculo.
Em ambos os Embargos do Devedor apontou-se que, no eventual sucesso da
Ação Rescisória (que não houve, já se adianta), nada mudaria nas verbas
sucumbenciais. É que não se pediu a limitação dos juros. E houve vitória em tudo o
que foi objeto de pedido.
Em réplica (igual, nos dois processos), o Dibens fez ouvidos de mercador aos
argumentos dos advogados. Insistiu que havia sim limitação de juros remuneratórios
nos cálculos do perito judicial. Argumento de má-fé que utilizou ainda por muitos
anos.
O Dibens pediu e reiterou um pleito, sem qualquer sentido, de prova pericial.
Com o indeferimento de tal inútil meio probatório, agravos de instrumento foram
manejados em ambos os processos.
Os efeitos suspensivos foram negados.
!
%#!
E o juízo de primeira instância, mesmo com a negativa de efeito suspensivo,
resolveu suspender os processos até o julgamento dos agravos. E aí foi a vez de os
advogados recorrerem, pois não havia o menor sentido em o juízo a quo conceder
um efeito suspensivo que o Tribunal havia negado. Curiosamente, o Tribunal não
concedeu liminar a tais recursos. E os casos ficaram suspensos até o julgamento
dos agravos do Dibens.
E eles foram improvidos.
Em 8 de junho de 2004, o Dibens foi aos autos dos dois processos com
petição na qual falava da edição da Emenda Constitucional n. 40, de 29 de março de
2003, a qual havia revogado o §3º, do art. 192, da Constituição Federal16.
A sentença dos dois Embargos do Devedor veio em 18 de junho de 2004 e foi
de total improcedência. Entretanto, o juízo sentenciante resolveu conceder uma
injustificada proteção ao Dibens.
A parte dispositiva da sentença foi seguida de uma “antecipação de tutela”, na
qual o juiz conferiu efeito suspensivo ao futuro e eventual recurso de apelação que o
Dibens poderia interpor17.
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16
17
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O Dibens sempre insistiu que a limitação dos juros deu-se por fundamento exclusivamente
constitucional. E isso não é verdade, basta ver o título executivo judicial no Capítulo 1.
Eis o dispositivo da sentença e a “antecipação de tutela”: “Isto posto, sem mais delongas, julgo
IMPROCEDENTES os embargos propostos, condenando o embargante ao pagamento das custas
processuais e verba honorária que fixo em 10% sobre o valor da causa (atualizado pelo INPC),
após ajustado por força do incidente de impugnação em apenso já julgado. Voltando ao tema
inicialmente versado (possibilidade ou não de levantamento de quantia penhorada), acato as
ponderações do embargante. Com efeito, a par de já ter afirmado isso em oportunidade pretérita
(curso da execução), ao que consta em interlocutória que desafiou a interposição de AI, mesmo
diante da regra geral do art. 520, V do CPC, impõe-se o manejo sistêmico de todos os preceitos de
índole cautelar do código. Refiro-me ao que dispõe o art. 558, p. único do mesmo código. Assim,
conquanto trate de mecanismo a princípio restrito ao âmbito da instância superior (relator), não
vejo como negar eficácia e legitimidade (e sobretudo prudência) ao entendimento do não menos
prestigiado processualista Theotônio Negrão, verbis: ‘Ao interpor a apelação, o recorrente poderá
pedir ao juiz que, enquanto esta não subir ao tribunal, lhe atribua efeito suspensivo, até que o
relator, na devida oportunidade, se manifeste sobre esse pedido. Se o juiz indeferir o requerimento,
ficará aberta à parte a possibilidade de agravar de instrumento, com o que se ensejará ao relator
dar efeito suspensivo à apelação’ (CPC e Legislação Processual em Vigor, 34ª Edição, Saraiva,
São Paulo, 2003, pág. 637 – nota 9 ao art. 558). É certo que o embargante, ora vencido, poderá
nem mesmo apelar da presente decisão. Mas se o fizer, as suas ponderações preliminares,
vertidas em sua inicial, denuncia como dito o manifesto propósito de incidência do efeito
suspensivo especial. O que permite concluir, ainda que não volte a enfatizar este pleito por ocasião
%$!
Nessa época, havia-se disseminado na doutrina e jurisprudência, talvez por
necessidade18, o deferimento de antecipação de tutela na sentença. A intenção era
tentar emprestar um pouco mais de efetividade à sentença, pois se havia concluído
(com razão – e o quadro pouco se modificou nos dias de hoje) que uma liminar tem
mais efetividade no mundo dos fatos do que uma sentença.
A contrapartida das antecipações de tutela na sentença foram os recursos de
agravo de instrumento19, que começaram a ser aceitos pelos Tribunais desses
capítulos das sentenças, em quebra do princípio da unirrecorribilidade20.
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18
19
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de eventual apelação, nada altera o panorama porque já o fez por antecipação nos próprios
embargos”.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Decisão antecipatória de tutela contida na sentença –
Recurso cabível – Necessidade de que seja imediatamente eficaz – Conseqüências no plano
recursal. Revista de Processo, n. 138, p. 229, in Revista dos Tribunais on-line, afirma que “não só
é possível a antecipação dos efeitos da tutela na própria sentença como às vezes este é, de fato, o
único caminho”.
“TUTELA ANTECIPADA - Expedição de ofício - BACEN - Pretensão à retenção e transferência
para conta judicial do valor da condenação - Concessão no bojo da sentença que julgou, em parte,
procedente ação de indenização - Provimento judicial que visa assegurar o bem da vida objeto do
pedido formulado pelas autoras, que só alcançariam com o trânsito em julgado daquela decisão Hipótese em que a demora não pode servir de instrumento para prejudicar as autoras que têm
razão e beneficiar os réus que não a tem segundo ficou reconhecido na sentença - Ausência de
violação ao art. 273, I e II, do Código de Processo Civil, não se podendo olvidar que a lei visa
assegurar a efetividade do processo - Inocorrência de confisco ou execução provisória Antecipação de tutela que constitui forma de execução dos efeitos da sentença que não importa
em descumprimento do art. 583, do Código de Processo Civil - Despiciendas as alegações do réu
de que pode, futuramente, suportar o pagamento da condenação e que a interposição do recurso
constitui exercício regular de um direito, não se configurando na sua conduta abuso ou propósito
protelatório - Negado provimento ao recurso. RECURSO - Agravo de Instrumento - Decisão que
concede a antecipação da tutela no bojo da sentença - Hipótese de decisão híbrida - Assim, para
ataque do mérito o recurso cabível é a apelação, e para discussão da parte da decisão que
antecipou a tutela o recurso adequado é o agravo de instrumento - Precedentes da jurisprudência.
Reconhecimento de que, nesses casos, há dúvida objetiva que justifica a interposição do agravo Preliminar rejeitada - Recurso conhecido.” (1º TACivSP, 4ª Câmara, Processo n. 1101501, Rel. Dr.
Paulo Roberto de Santana, j. 23/10/2002). “Se o juiz conceder a antecipação de tutela na
sentença, deve o réu agravar dessa decisão e apelar da sentença: na hipótese de apenas interpor
apelação, o efeito suspensivo não atingirá o deferimento da tutela antecipada” (RJ 246/74). No
mesmo sentido, RT 344/354. (Theotonio Negrão. Código de Processo Civil e Legislação
Processual em vigor. 33ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 358). “A antecipação da tutela pode ser
deferida na própria sentença, decisão que, sujeita ao recurso de agravo de instrumento (...)”.
TAPR, 3ª Câmara, AI n. 136.669-6, Rel. Juiz ROGÉRIO COELHO. “Em sua mesma peça, proferida
a sentença e deferida a tutela antecipada, há a independência entre as duas ordens de decisões: a
interlocutória, de antecipação da tutela, e a sentença, resolvendo o mérito. O fato de os
provimentos constarem de uma mesma peça não iguala seus respectivas natureza nem os sujeita
aos mesmos efeitos. Cada qual desafia instrumento específico de impugnação, com efeitos
próprios. Assim, da interlocutória de antecipação de tutela, cabe agravo de instrumento, sem efeito
suspensivo, que, se o caso, pode ser concedido pelo relator; da sentença cabe apelação, com
duplo efeito, se o caso. (...)” (TJDF, 3ª Turma, AI nº 8741/97, Rel. Des. MÁRIO MACHADO,
Revista Jurídica, n. 246, p. 75.).
%%!
No entanto, o que fez o magistrado foi algo na contramão da tendência
doutrinária e jurisprudencial. Em vez de conceder uma liminar em sua decisão, ele
proferiu uma sentença e a ela concedeu efeito suspensivo.
O juízo tornou provisórias as execuções que eram definitivas21.
Concedeu efeito suspensivo a um recurso que não havia sido interposto, sem
apresentar a necessária fundamentação relativa à fumaça do bom direito. Embora
tenha sido concedida a medida do art. 558, do CPC, não há uma linha sequer sobre
a fumaça do bom direito que poderia ter a pretensão (não exercida) do Dibens. Aliás,
nem teria como isso existir na sentença que julga improcedente os Embargos do
Devedor. Afinal, se toda a fundamentação da decisão foi no sentido de que os
argumentos da arrendadora devem ser rejeitados, como é possível haver fumaça do
bom direito nesses mesmos argumentos?
Não é.
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21
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O Superior Tribunal de Justiça restabeleceu o princípio da unirrecorribilidade, mesmo em casos em
que houvesse antecipação de tutela na sentença, em sucessivos acórdãos: “PROCESSUAL CIVIL.
TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA SENTENÇA. APELAÇÃO. RECURSO CABÍVEL. De
acordo com o princípio da singularidade recursal, tem-se que a sentença é apelável, a decisão
interlocutória agravável e os despachos de mero expediente são irrecorríveis. Logo, o recurso
cabível contra sentença em que foi concedida a antecipação de tutela é a apelação. Recurso
especial não conhecido” (RESP 524.017/MG, Sexta Turma, Relator Ministro Paulo Medina, D.J.
6/10/2003). “PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA QUE CONCEDE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
APELAÇÃO. RECURSO CABÍVEL. 1. A despeito de a sentença ter deliberado sobre a antecipação
de tutela não é possível cindi-la para permitir-se a interposição de apelo relativamente ao mérito da
lide e de agravo de instrumento contra a antecipação. 2. Recurso especial improvido” (RESP
600.209/RJ, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, D.J. 19/9/2005).
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já tinha posicionamento firmado à época:
“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. APELAÇÃO DE SENTENÇA QUE JULGOU
IMPROCEDENTES OS EMBARGOS DO DEVEDOR. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO
COMO DEFINITIVA. IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DE EXECUÇÃO DEFINITIVA EM
PROVISÓRIA. 1. A execução provisória pode converter-se em definitiva, bastando para isso que
sobrevenha o trânsito em julgado da sentença. O oposto, todavia, não ocorre. A execução que
inicia definitiva pode ser suspensa, por força dos embargos, mas não se transforma em provisória.
Assim, pendente recurso da sentença que julgou improcedentes os embargos do devedor, a
execução prossegue como definitiva. 2. Havendo risco de irreversibilidade da execução definitiva,
tornando inútil o eventual êxito do executado no julgamento final dos embargos, poderá o
embargante, desde que satisfeitos os requisitos genéricos da antecipação de tutela (fumus boni
juris e periculum in mora), socorrer-se de uma peculiar medida antecipatória, oferecida pelo art.
558 do CPC: a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. O mesmo efeito é alcançável, com
relação aos recursos especial e extraordinário, como ‘medida cautelar’, nas mesmas hipóteses e
pelos mesmos fundamentos. 3. Recurso especial provido STJ – 1ª Turma, REsp 514.286 - RJ, Rel.
Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJU 10/05/2004”.
%&!
Pior ainda, fica claro nesse item que é absolutamente impossível ao juiz, na
sentença, conceder efeito suspensivo a recurso não interposto. É que, na sentença
de improcedência, o juízo afasta toda a fumaça do bom direito do sucumbente. Isto
é, diz que o direito do sucumbente não é bom. A decisão não era inválida só porque
imotivada, mas porque motivada em sentido inverso à tutela concedida.
Duas apelações foram interpostas22. E, também, duas medidas cautelares23
foram apresentadas ao Tribunal de Justiça de Sergipe.
O objetivo das cautelares era obter no Tribunal a remoção, provisória, até o
julgamento dos recursos de apelação, daqueles efeitos suspensivos deferidos na
sentença. Até mesmo caução real os advogados prestaram. As liminares foram
concedidas e, no mérito, as cautelares foram julgadas procedentes, inclusive com a
liberação da caução, visto que as execuções eram (sempre o foram) definitivas.
As apelações dos advogados foram também providas. As apelações do
Dibens, apresentadas posteriormente, não.
Em 27 de julho de 2004, os advogados receberam seus honorários. Um ano e
cinco meses depois do ajuizamento das execuções. É bem verdade que os
advogados evitaram incluir em suas execuções aqueles valores que estavam
sujeitos a controvérsias judiciais. Isso certamente contribuiu para a velocidade no
recebimento dos créditos.
Trata-se de evento que, indiciariamente, já serve como uma prova da tese
defendida neste texto. A utilização de práticas excessivas pode significar um
retardamento no recebimento do bem da vida. Não fosse a sentença “suspensiva”, o
dinheiro poderia ter sido recebido dois meses antes. Cabe anotar que se está no
meio do ano de 2004, e já se passaram oito anos desde o primeiro ato de cobrança
do Dibens. Ele não só nada recebeu, como já pagou uma quantia em verba
honorária que representava trinta por cento do valor de seu crédito revisado.
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23
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Apelações n. 2005203907 e n. 2005203906. Os recursos foram interpostos por quem não havia
sucumbido.
Cautelar n. 2004205689, para os embargos do devedor 200310100452, e cautelar n. 2004205688,
para os embargos do devedor 200310100453.
%’!
2.4 A Ação Rescisória
Em 19 de maio de 2003, o Dibens ajuizou uma Ação Rescisória (0004/2003) e
uma Ação Cautelar Inominada (0002/2003). Os objetivos da Ação Rescisória eram
desconstituir a coisa julgada, que se havia formado na Ação de Rito Ordinário, no
que concerne à limitação de juros em 12% (doze por cento) ao ano, bem como
reduzir o percentual de honorários fixado nas demandas.
A cautelar tinha como intenção suspender as execuções de honorários.
Inicialmente, o relator concedeu a liminar, depois a revogou. Agiu assim porque o
Dibens havia distorcido os fatos da causa, dando a entender que o objeto da Ação
Rescisória era um, quando, em realidade, era outro. O Dibens, não satisfeito com a
decisão, e insistindo na distorção dos fatos da causa, apresentou Agravo Regimental
(0011/2003), ao qual foi negado provimento. Eis um trecho da decisão do Pleno do
Tribunal de Justiça de Sergipe:
O agravante requer a rescisão da sentença que julgou a Ação revisional
conjuntamente com os embargos à execução e em contrapartida pediu
cautelarmente a suspensão da execução dos honorários referentes a essa
sentença, e à sentença da reintegração de posse que não foi sequer
mencionada na rescisória. Seria conceder medida cautelar a sentença que
não foi objeto da Ação rescisória, ou seja, suspender execução de
honorários de decisão que não está sendo rescindenda.
Por mais estranho que possa parecer, o Dibens desejava suspender, por
meio da cautelar, uma decisão que nem mesmo era objeto da Ação Rescisória.
Evidente que seu pleito não obteve sucesso algum.
A Ação Rescisória foi contestada e o valor da causa foi impugnado. Apontouse que a limitação dos juros tinha sido fixada com base em interpretação
controvertida nos Tribunais, atraindo a aplicação da Súmula n. 343, do Supremo
Tribunal Federal. Com relação às verbas honorárias, demonstrou-se a moderação
com que foram fixadas.
!
%(!
Na impugnação ao valor da causa, a parte pediu que o valor fosse elevado ao
montante em discussão nos autos, visto que a arrendadora utilizou como base o
valor da causa original, simplesmente atualizado.
A impugnação ao valor da causa foi acolhida em 15 de setembro de 2004.
Entretanto, julgada a impugnação, a arrendadora não depositou o percentual
de 5% previsto no art. 488, II, do CPC. Tal fato foi informado ao Tribunal, que tratou
de intimar pessoalmente o Dibens a realizar tal depósito.
O Dibens foi aos autos e pediu ao Tribunal permissão para que o depósito –
que a lei qualifica como pressuposto processual – fosse diferido após o julgamento
do recurso especial, que ele havia interposto da decisão da impugnação ao valor da
causa.
E tal pleito, sem qualquer fundamento legal, foi atendido em 10 de março de
2005. A Bomfim apresentou Agravo Regimental (2005102642).
O Agravo Regimental foi provido. No entanto, ante as alegações do Dibens de
que o depósito do dinheiro (aproximadamente R$600.000,00 seriam os 5%)
inviabilizaria a Ação24 Rescisória, a ele foi permitido recolher a multa do art. 488, II,
do CPC, por meio de uma carta de fiança. Dessa decisão a Bomfim apresentou
recurso especial, que jamais chegou a ser julgado, em razão do acordo que as
partes acabaram firmando anos depois, como se verá adiante.
A Ação Rescisória prosseguiu e foi encaminhada à Procuradoria de Justiça
para elaboração de parecer. Na opinião do Ministério Público, a Ação não só deveria
ser julgada improcedente, como o Dibens deveria ser condenado nas penas por
litigância desleal.
A Ação foi julgada em 13 de dezembro de 2006, em decisão que recebeu a
seguinte ementa:
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24
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Sim, o Dibens disse que não tinha dinheiro, mesmo fazendo parte do conglomerado financeiro do
Unibanco S/A, à época a terceira maior instituição financeira do Brasil.
%)!
Ação Rescisória - Ausência de causa pedido expresso de rescisão do
acórdão nº 2499/2002 - Não conhecimento do pedido em relação a tal
acórdão - Litigância de má-fé - Inacolhimento - juros reais - Matéria de
interpretação controvertida nos tribunais - Ausência de declaração de
inconstitucionalidade pelo STF - Impossibilidade de rescisão por ofensa à
literal texto de lei - Súmula 343/STF - Honorários advocatícios - Tema não
abordado nos acórdãos rescindendos. I - Não conhecimento da pretensão
de rescisão do Acórdão nº 2499/2002, apenas aduzida em réplica, ausente
que se fez pedido ou causa de pedir neste sentido na exordial. II - Havendo
o Colegiado garantido a autora o direito de complementar o depósito de que
trata o art.488, II, do CPC, com garantia fidejussória bancária, improcede a
preliminar de ausência de depósito prévio. III - Incide a Súmula 343 do STF,
quando a ofensa a literal disposição se refere à norma constitucional de
interpretação
controvertida,
quando
não
há
declaração
de
inconstitucionalidade pelo STF do dispositivo que se alega violado. Não
conhecimento do pedido de rescisão Acórdão nº 2.499/2002. Improcedência
da pretensão Rescisória quanto os demais acórdãos. Decisão unânime.
Houve embargos de declaração de ambas as partes e, em seguida, recursos
especial e extraordinário do Dibens.
Tais recursos foram considerados inexistentes, visto que o procurador que os
assinou, em favor de Dibens Leasing, não tinha procuração nos autos. Dessa
decisão, o Dibens pediu reconsideração (não concedida) e, depois, apresentou
Agravo ao Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, a essa altura, o Dibens tinha “sangue novo”. Havia trocado de
advogado e estava repleto de ideias novas. Foi por tal motivo que o litígio, cuja
decisão já havia sido até objeto de Ação Rescisória, praticamente recomeçou, como
se verá adiante.
2.4.1 A Reclamação no Supremo Tribunal Federal
Após o recurso da Ação Rescisória não ser recebido, porque inexistente, o
Dibens resolveu, em 22 de novembro de 2007, ir ao Supremo Tribunal Federal com
uma Reclamação25, que recebeu o número RCL 5675.
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25
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ROSAS, Roberto. Abuso de direito e dano processual. Revista de Processo, n. 32, p. 28 in
Revista dos Tribunais on-line, adverte sobre o abuso de direito de demandar, no que concerne à
obsessão de ir a juízo com todo o tipo de demanda, por mais incabível que o seja: “O abuso do
direito de demandar traduz-se na pretensão obsessiva de postular contra tudo e contra todos. Vale
lembrar Ihering: ‘Essa mania de demandas não é mais do que um desvario que causa a
%*!
Ela, porém, teve curta duração no Supremo Tribunal Federal, pois o Ministro
Ayres Britto negou seguimento ao pedido26.
2.5 Execução n. 200510100768
Em 29 de novembro de 2005, o Dibens ajuizou uma Ação de Execução cujos
títulos seriam os contratos de arrendamento mercantil, agora com os valores da
sentença do processo n. 199610104918 (a Ação revisional). Sim, os mesmos
contratos que haviam sido considerados ilíquidos nas sentenças dos Embargos do
Devedor, conforme apontado no Capítulo 127.
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26
27
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desconfiança ao seu sentimento de propriedade e que semelhante àquele que o ciúme produz no
amor, dirige suas armas contra si mesmo e faz perder preciosamente o que se queria conservar’ (A
Luta pelo Direito, cap. IV)”.
A decisão teve o seguinte teor: “Vistos, etc. Trata-se de reclamação contra atos praticados pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, nos autos da Ação Rescisória nº 2006.604200. 2. Pois
bem, o acionante sustenta que o reclamado desrespeitou a decisão proferida na ADI 4. 3. É por
aqui mesmo que encerro esse aligeirado relato para dizer que o pedido é manifestamente
incabível. É que, no julgamento da ação direta apontada pelo reclamante, este Tribunal examinou
a compatibilidade de atos normativos com o art. 192 da Constituição Federal. Todavia, tal análise
se deu em data anterior à promulgação da Emenda Constitucional nº 40/03. Diploma que alterou
substancialmente esse art. 192, de modo a não só modificar a redação do dispositivo como
também revogar todos os incisos, alíneas e parágrafos no qual ele se decompunha. Tanto assim
que, em 02.09.2004, o Relator da ADI 2.233, Min. Marco Aurélio, negou seguimento ao feito. O que
fez nos seguintes termos: ‘(...) 1. Tanto a Advocacia-Geral da União quanto a Procuradoria Geral
da República manifestaram-se pelo prejuízo do pleito formulado na ação direta de
inconstitucionalidade. A premissa mostra-se única: a alteração do dispositivo constitucional de
referência - o artigo 192 da Carta Federal, presente a Emenda Constitucional nº 40/2003. O
requerente, instado a pronunciar-se, quedou silente. 2. Procede o prejuízo aventado. Com a
Emenda Constitucional nº 40/2003, alterou-se o artigo 192 do Diploma Maior, argüido como
inobservado, revogando-se os incisos e alíneas e parágrafos. Vale dizer que, no texto
constitucional, já não mais se alude ao resseguro. 3. Ante o quadro, declaro o prejuízo do pedido
inserto na inicial. (...)’ 4. Bem vistas as coisas, a linha do raciocínio até agora tecido conduz à
conclusão de que, no momento da prolação dos atos jurisdicionais reclamados, o art. 192 já não
detinha a mesma redação de quando proferida a decisão supostamente desrespeitada. Logo, não
se pode cogitar de vinculação da autoridade reclamada ao que afinal decidido na ADI 4, que teve
como parâmetro, justamente, aquele dispositivo constitucional. Daí porque o acionando não
contrariou – nem podia mesmo contrariar – a autoridade da decisão deste STF, dado que ela
perdeu sua base lógica de sustentação: o artigo 192 da Constituição Federal, com redação anterior
à Emenda Constitucional nº 40/03. Do exposto, nego seguimento ao pedido, ficando prejudicado o
exame da liminar (§ 1º do art. 21 do RI/STF). Publique-se. Brasília, 18 de dezembro de 2007”.
STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.
77, lembra que “também assume contornos de excesso a interposição de várias Ações com o
mesmo objeto ou a renovação de causa idêntica já decidida e com trânsito em julgado”.
&+!
A situação era de tal ordem inusitada que a Bomfim resolveu pedir um
parecer ao jurista Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior28.
2.5.1 Eficácia declaratória da sentença proferida no processo n. 199610104918
O Dibens valeu-se do valor declarado na sentença da ação de conhecimento
n. 199610104918 para fundar seu demonstrativo de débito nessa nova execução. O
valor em execução era a atualização do valor do laudo pericial elaborado naquela
demanda.
Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior, em seu parecer, emitiu opinião segundo a
qual jamais poderia nascer, de uma ação proposta pela Bomfim, um título executivo
em favor da arrendadora Dibens29. No sistema processual então vigente, não se
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28
29
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Eis a consulta a ele formulada: “Considerando que a consulente ajuizou uma ação de rito ordinário
com o objetivo de excluir dos contratos de arrendamento mercantil, ainda em curso, firmados com
Dibens Leasing, parcelas ilegais que vinham sendo exigidas - nºs originais 33059 (firmado em
16.03.1995), 33111 (20.03.1995), 35344 (26.06.1995), 35445 (30.06.1995), 37293 (13.10.1995);
Considerando que, nessa mesma ação, a consulente também pediu a repetição do indébito nos
contratos que havia quitado - nºs originais 192/91, 235/91 e 389/91; Considerando que a
consulente foi vencedora nessa ação, nos termos da sentença que acompanha essa consulta;
Considerando que o Dibens Leasing ajuizou duas execuções (processos nºs 200010100172 e
19991010206-9) dos contratos em aberto acima enumerados e que essas execuções foram
extintas por iliquidez deles. Considerando que as decisões judiciais transitaram em julgado. Queira
Vossa Excelência responder aos seguintes questionamentos: 1) Pode o Dibens Leasing executar
os contratos de nºs originais 33059 (firmado em 16.03.1995), 33111 (20.03.1995), 35344
(26.06.1995), 35445 (30.06.1995), 37293 (13.10.1995), baseado em atualização do valor apurado
pelo perito judicial, nos termos que fez no processo de execução nº 200510100768, cópia em
anexo? Os contratos são títulos líquidos, certos e exigíveis? A declaração contida na sentença,
acerca do valor devedor, poderia conferir executividade aos contratos? Vossa Excelência entende
que essa matéria pode ser objeto de exceção de executividade?” Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior.
Desembargador aposentado do TJRS. Professor de Direito Processual Civil na Escola Superior da
Magistratura do Rio Grande do Sul, integrante vitalício do seu Conselho Técnico Jurídico. Autor,
dentre muitas obras, dos Comentários ao Código de Processo Civil, volume 2, editado pela Revista
dos Tribunais.
Ele afirmou em seu parecer: “A questão, globalmente considerada, está situada no dispositivo da r.
sentença – ‘mantida’ pelo v. acórdão – porquanto, não se restringindo a responder às pretensões,
cumuladas, de revisão (constitutiva) com repetição (condenatória), inseriu seu digno prolator
excerto – eventualmente de alocação mais apropriada na motivação. De efeito, ao depois de
condenar à repetição (restituição) do indevidamente alcançado, entendeu de explicitar, ratificando
entendimento desenvolvido na fundamentação, de que, por ‘preservados’ índices pactuados,
haveria um saldo, consignando o digno Magistrado ‘reconhecer’ um ‘saldo devedor’, cujo valor
registra, e encerrando a passagem com a oração ‘autorizada, obviamente, a compensação
correspondente’. Por etapas, para o melhor deslinde. A sentença, quando de mérito (= definitiva) é,
e ninguém discute, como regra – a exceção constituída, eventualmente, com as denominadas
‘ações dúplices’ – resposta à(s) pretensão(ões) deduzidas pelo autor – de procedência, se acolhe
o(s) pedido(s) ou de improcedência, quando o(s) rejeita; entre aquela e esta, conforme sabido –
sendo exatamente este o caso dos autos – se inserem as sentenças de procedência parcial, vale
&"!
executavam declarações30, ainda mais se elas fossem frutos de um processo em
que o ali exequente (o Dibens) não foi o autor.
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dizer, aquelas que acolhem o pedido em parte (o que importa, ipso facto, em rejeição, também em
parte, do pedido). De procedência – integral ou parcial, pouco importa –, se condenatória a
sentença, constitui-se ela em título executivo judicial, abrindo ensanchas, ao autor vencedor (total
ou parcial), acaso não satisfeito voluntariamente pelo réu vencido (‘condenado’) o crédito nela
reconhecido, a ingressar no processo executivo. (Esta situação à época, pouco releva que, a estas
alturas, mudanças legislativas tenham modificado o quadro.). Na procedência parcial de que se
está a cuidar, duas eficácias se fazem presentes: a constitutiva, naquilo em que modifica a relação
jurídica, revisando o negócio jurídico, pelas razões que expressa, e a condenatória, no ponto em
que insta à repetição do indevidamente alcançado. É parcial apenas porque não acolheu
integralmente o pleito inicial, que pretendia revisão mais abrangente, a implicar condenação mais
ampla. Concedeu-se ao autor, destarte, menos do que o pleiteado por este; mas, rigorosamente,
por não se cuidar de ‘ação dúplice’, nada concedeu ao réu, senão que, insista-se, apenas
restringiu o leque de eficácias inicialmente proposto pelo demandante. Beneficia-se o demandado,
sem dúvida, com o resultado, mas nada se lhe outorga – a fortiori, um título executivo, que, assim
não fosse entendido, nasceria (curiosamente!) não de uma condenação, mas de um enunciado
incidentalmente registrado pelo digno Magistrado. Parece inequívoco que, no caso, a porção do
dispositivo que labora com a questão do ‘saldo devedor’ tem um sentido apenas complementar, e
não o que, segundo o ilustre Consulente, pretende a instituição financeira condenada, que é o de
ver-se aquinhoada com um título executivo judicial. Se nada pleiteou, como se haverá de
reconhecer a ela a condição de senhora de título executivo judicial? A sua situação,
eventualmente, poderia ser a mesma antecedentemente ao processo de conhecimento, não fora
uma circunstância, que mais adiante se abordará, da invalidação da execução, decretação emitida
na sentença respeitante aos embargos à execução, e que se operou por judicialmente reconhecida
a ‘iliquidez do título’, com expressa invocação do art. 618, I, do Código de Processo Civil. Em
resumo: a sentença, no ponto em que examinou as pretensões deduzidas por BOMFIM, a
arrendatária, posto acolhendo-as em parte, conferiu título executivo judicial a esta, mas em
absoluto, não obstante a incidental ‘declaração’, a DIBENS, arrendadora. Essa última haverá de
perseguir seu crédito, com circunstancial sustento – mas tendo em vista a sentença apenas como
fato – no provimento judicial, pelo modo comum como se busca, em juízo, a condenação.
Execução (rectius: pretensão executiva) não tem, seja porque, não sendo autora, título não se lhe
poderia alcançar (e não se lhe alcançou), seja porque, ainda que assim não fora, mera declaração
não basta para a constituição de título executivo judicial, como regra, no sistema brasileiro (cf. art.
584 do CPC; na doutrina, Araken de Assis, Manual da Execução. SP: RT, 2004, 9ª ed., p. 148)”.
Ainda antes do art. 475-N, do CPC, o Ministro Teori Albino Zavascki, apresentava o seguinte
entendimento jurisprudencial: “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. VALORES INDEVIDAMENTE
PAGOS A TÍTULO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SENTENÇA DECLARATÓRIA DO
DIREITO DE CRÉDITO CONTRA A FAZENDA PARA FINS DE COMPENSAÇÃO.
SUPERVENIENTE IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAR. EFICÁCIA EXECUTIVA DA
SENTENÇA DECLARATÓRIA, PARA HAVER A REPETIÇÃO DO INDÉBITO POR MEIO DE
PRECATÓRIO. 1. No atual estágio do sistema do processo civil brasileiro não há como insistir no
dogma de que as sentenças declaratórias jamais têm eficácia executiva. O art. 4º, parágrafo único,
do CPC considera ‘admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação do direito’,
modificando, assim, o padrão clássico da tutela puramente declaratória, que a tinha como
tipicamente preventiva. Atualmente, portanto, o Código dá ensejo a que a sentença declaratória
possa fazer juízo completo a respeito da existência e do modo de ser da relação jurídica concreta.
2. Tem eficácia executiva a sentença declaratória que traz definição integral da norma jurídica
individualizada. Não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a
um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado
diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada
constitucionalmente. E instaurar um processo de cognição sem oferecer às partes e ao juiz outra
alternativa de resultado que não um, já prefixado, representaria atividade meramente burocrática e
desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional. 3. A
sentença declaratória que, para fins de compensação tributária, certifica o direito de crédito do
contribuinte que recolheu indevidamente o tributo, contém juízo de certeza e de definição exaustiva
&#!
2.5.2 Sobre o Reconhecimento da Iliquidez dos Contratos aqui em Execução
A sentença proferida na Ação de Conhecimento n. 199610104918 abrangeu
dois outros processos, conforme apontado no Capítulo 1: os Embargos do Devedor
opostos em face das Ações de Execução n. 200010100172 e n. 199910102069. Por
questão didática, repete-se o trecho da sentença em que tais Embargos do Devedor
foram resolvidos:
Atendendo a que a matéria decidida nesta ação, por seus fundamentos,
guarda prejudicialidade com as matérias discutidas nos autos de Embargos
às Execuções propostas, de nºs 200010100172 e 991010206-9; atendendo
a que esta sentença reconheceu a existência de cobrança excessiva,
decorrente da prática de ilegalidades por parte do réu, concernente ao
anatocismo e juros remuneratórios exorbitantes do limite legal; atendendo a
que, conforme nesta sentença demonstrado, configurado resulta a hipótese
contemplada no art. 618, inciso I, do CPCIVIL, id est, a iliquidez do título,
que corresponde à fixação do quantum devido, JULGO PROCEDENTES os
embargos apensos, anulando as execuções propostas, condenando o
Embargado-Exeqüente ao pagamento das custas e dos honorários de
advogado, estes arbitrados em 10% do valor de cada uma das execuções.
Sobre esse específico ponto, o parecer de Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior
também forneceu precioso exame da causa, demonstrando que os contratos de
arrendamento mercantil, nos termos da sentença, tornaram-se “nenhuns”, do ponto
de vista da eficácia executiva31. À arrendadora título executivo algum restou. Os
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a respeito de todos os elementos da relação jurídica questionada e, como tal, é título executivo
para a ação visando à satisfação, em dinheiro, do valor devido. 4. Recurso especial a que se nega
provimento” (REsp 588.202/PR, 1ª Turma, 10.02.04, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI. DJ
25/02/2004, p. 123). A partir da vigência do art. 475-N do CPC, a doutrina passou a seguir o
mesmo entendimento, conforme se observa, exemplificativamente, em artigo da lavra de Humberto
Theodoro Júnior (A sentença declaratória e sua possível força executiva. Revista Jurídica, n.
374, p. 11, dez. 2008.), que, inclusive, assevera que, por força desta compreensão, “qualquer
sentença – declaratória, constitutiva ou condenatória – pode, em determinadas circunstâncias,
assumir o papel de título executivo”.
Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior assim resolveu mais um questionamento do consulente: “Isso não
bastasse, e agora examino a sentença – formalmente uma, mas substancialmente diferenciada –
proferida nos embargos à execução, em momento posterior à primeira. Pois nessa, conforme se
verifica da só leitura do final do documento, o digno Julgador, invocando o art. 618, I, do CPC, por
reconhecer a iliquidez do título, anulou as execuções propostas – com o que fez praticamente
nenhuns, do ponto de vista da eficácia executiva, os contratos exibidos pela arrendadora. De sorte
que, a situação desta é a do comum dos mortais – eventualmente reforçada a posição com a
incidental manifestação do Magistrado a respeito do ‘saldo devedor’ – na medida em que, não
possuindo título executivo judicial, porque não o pleiteou, já não mais possui, igualmente, título
executivo extrajudicial, porque o que detinha, por ausente liquidez – reconhecida por provimento
&$!
contratos perderam a força executiva, e a sentença, ainda que declarasse um valor,
não poderia gerar título executivo a quem não o pleiteou em juízo.
2.5.3 Execução híbrida?
O item 7 da petição inicial da execução merece ser transcrito:
7. Ressalte-se, porém, que as supostas ilegalidades que teriam sido
praticadas pela exeqüente quando da formalização dos citados Contratos
de Arrendamento Mercantil, no que tange a prática do anatocismo e
incidência de juros remuneratórios acima do limite legal, estão sendo
discutidas em Ação Rescisória ajuizada pela exeqüente em face dos
32
mesmos executados, Joaquim Ernesto Palhares e Márcio Mello Casado , a
qual tramita perante o Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado de Sergipe,
sob o nº 2323/2003, e, certamente, elevarão o crédito objeto desta Ação de
Execução.
Como isso seria possível? O Dibens dizia estar executando os contratos
(ilíquidos), mas falava que o valor da execução poderia ser elevado em razão de
uma decisão judicial.
Em verdade, a execução baseava-se nos contratos ilíquidos (por decisão
judicial transitada em julgado), na perícia e na declaração contida na ação de
conhecimento. Data venia, mas o sistema processual brasileiro não permitia aquele
monstro. Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior não deixou de tratar desse caráter híbrido
da execução33. Em sua opinião, estar-se-ia diante de verdadeira aberração jurídica
se fosse permitida uma execução sustentada em uma declaração contida na
sentença da ação revisional e em contratos cuja força executiva já havia sido
afastada.
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judicial definitivo, inclusive por trânsito em julgado – cai na vala comum, isto é, dos títulos
desprovidos de eficácia executiva. No campo da execução, encontra-se, por ora ao menos, no
‘círculo de ferro’: não pode executar sentença, porque jamais pleiteou provimento judicial
condenatório, e já não pode mais se utilizar do contrato como título executivo, porque a este não
foi reconhecida liquidez”.
Aqui se confundiu a exequente, uma vez que os advogados da executada não eram partes nessa
ação.
O parecerista lecionou: “Aberraria ao sistema, ademais, porque tertium non datur, execução que
pretendesse sustento em um (sentença, no elemento declarativo incidental) e outro dos
documentos (contrato), como se cuidasse de alguém que com o pé direito buscasse apoio em uma
base e com o esquerdo em outra. Daí, de duas, uma: ou envereda pelo campo amplo do processo
cognitivo, buscando o título judicial (condenação) ou o faz mais estritamente, perseguindo a
superação da iliquidez, judicial e definitivamente declarada”.
&%!
2.5.4 O Cabimento da Exceção de Executividade
A opinião do parecerista era no sentido do cabimento da exceção de
preexecutividade, que veio a ser oposta em 16 de janeiro de 2006.
A decisão do incidente foi proferida em 2 de maio de 2006, tendo o seguinte
dispositivo34:
Diante do aduzido, e com supedâneo no art. 614, I, do CPC, ACOLHO A
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE oposta pela BOMFIM – Empresa
Senhor do Bomfim, para JULGAR EXTINTA A EXECUÇÃO promovida pela
DIBENS LEASING S/A – Arrendamento Mercantil. Condeno o exeqüenteexcepto ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios,
verba esta última que fixo em R$100.000,00 (cem mil reais), o que faço em
atenção ao que dispõe o art. 20, §.4.º, do CPC, considerando a importância
da demanda, em razão da vultosa quantia que nela se discute, bem assim
pelo zelo empreendido à causa pelo causídico da executada-excipiente.
Torno sem efeito a constrição efetuada pelo auto de penhora da fl. 183. P.
R. I.
O Dibens apelou de tal decisão, somente no que tocava à verba honorária. A
Bomfim também, mas com a intenção de majorá-la. A apelação da Bomfim foi
provida e a verba honorária foi majorada para 1% (um por cento) do valor atribuído à
causa.
Assim, mais uma tentativa de cobrança judicial, em claro abuso de direito, foi
novamente malsucedida.
2.6 Ação para Entrega dos Ônibus – Processo n. 200610100025
Em novembro de 2005, o Dibens propôs a execução fundada em título
executivo nenhum, como acima apontado. Em 16 de janeiro de 2006, a Bomfim
propôs uma ação cujo intuito era o de devolver ao Dibens os ônibus objetos do
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34
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Essa sentença foi proferida por um juiz substituto, o Dr. Fernando Luis Lopes Dantas. É o único
processo dessa segunda fase que a Bomfim vence. Todos os demais, decididos pelo juiz Fernando
Clemente da Rocha, são favoráveis ao Dibens.
&&!
contrato de arrendamento mercantil, os quais, como notório nesse tipo de operação
de crédito, eram de propriedade do Dibens.
Vale lembrar que os contratos de arrendamento mercantil, cujos bens eram
objetos dessa nova ação, haviam sido tema da exitosa discussão judicial perante a
1ª Vara Cível de Aracaju, na Ação Revisional n. 199610104918.
Além daquela demanda, julgada procedente com a revisão dos contratos e
reconhecimento de que houve a exigência de parcelas ilegais, foram ajuizadas, pelo
Dibens, mais três ações acerca desses mesmos contratos: duas execuções e uma
reintegração de posse.
As execuções foram extintas por iliquidez dos títulos executivos extrajudiciais,
quais sejam, os contratos de arrendamento mercantil. A Reintegração de Posse,
cujos objetos eram os mesmos bens que agora a Bomfim desejava devolver ao
Dibens, foi extinta porque o juízo considerou que não havia mora da Bomfim, em
razão da cobrança indevida levada a efeito pela arrendadora.
O fato é que, passados mais de dois anos do trânsito em julgado das
referidas decisões judiciais e findos os prazos contratuais, o Dibens não havia
tomado qualquer iniciativa em dar continuidade (ou mesmo fim) aos negócios
jurídicos entabulados entre as partes. A única providência que tomou foi o
ajuizamento da execução sem título executivo.
Inconformada com a inércia do Dibens, a Bomfim o interpelou judicialmente
(processo n. 200510800585), pedindo que ele,
[...] no prazo de trinta dias, fornecesse a data e local para que os bens
objeto dos contratos de arrendamento mercantil acima descritos fossem
devolvidos, no estado em que se encontram, mediante recibo
circunstanciado com a descrição completa do referido estado.
A interpelação foi recebida pelo Dibens em 24/10/2005. Todavia, em vez de
respondê-la, o Dibens preferiu ajuizar a execução tratada no item 2.5, deste capítulo.
Antonio Janyr Dall’Agnol Júnior, no mesmo parecer citado acima, também
tratou da questão da devolução dos bens à arrendadora, nos seguintes termos:
!
&’!
Insensato seria negar-se, em casos tais, ao arrendatário o direito à
restituição dos bens cuja posse detém, quando, de outro lado, ao
arrendador se reconhece o de buscar e apreender ou de reintegrar-se,
conforme bem o exemplifica o v. acórdão referido na consulta – de resto em
consonância com a doutrina (Cf., v.g., Arnaldo Rizzardo, O Leasing –
Arrendamento Mercantil no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 2000, 4ª ed.,
p. 198 e segs.).
A posse dos bens, até aquele momento, era de absoluta boa-fé da Bomfim35.
O pedido de liminar formulado na Ação foi indeferido pelo magistrado
Fernando Clemente da Rocha36. Basicamente, o fundamento para negar a liminar foi
o de que estaria ausente a fumaça do bom Direito, pois a Bomfim, no passado, teria
pleiteado ficar com os ônibus, enquanto discutia a mora nos contratos de
arrendamento mercantil.
Ainda não estava claro, nesse momento, que o juiz, embora não chegasse ao
ponto da suspeição, tinha tomado um partido no litígio. Essa evidência veio nos
meses seguintes, como se verá adiante. E essa sua postura, incorreta, mas
humana, escancarou ao Dibens as portas de condutas processuais abusivas muito
maiores do que aquelas até então perpetradas, antes do trânsito em julgado da
Ação Revisional.
O juiz ainda afirmou, ao negar a tutela antecipada, que a Bomfim teria
ajuizado um número formidável de processos, parte deles em segundo grau37 de
jurisdição, dos quais o Dibens só vinha se defendendo. As inúmeras ações que a
arrendadora havia ajuizado (duas execuções, protesto contra alienação de bens e
reintegração de posse) foram esquecidas por ele. Assim como passou ao largo o
fato de que a Bomfim havia vencido todos os processos litigados contra o Dibens.
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35
36
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Conforme decisões transitadas em julgado, (a) não havia – e nunca houve - mora da devedora; (b)
não existem valores líquidos nos contratos acima referidos e (c) o Dibens permaneceu na
confortável posição de inerte até que decidiu, depois que interpelado, ajuizar uma temerária Ação
de Execução de valores ilíquidos, sem título executivo.
A partir do trânsito em julgado da sentença da Ação Revisional, todas as decisões de primeira
instância foram proferidas por esse magistrado. O tratamento conferido por ele aos pleitos da
Bomfim e do Dibens será objeto de estudo no Capítulo 6, onde a conduta do magistrado, omissiva,
ativa e, muitas vezes, preconceituosa, serve como via fácil para os abusos processuais das
instituições financeiras.
O que estava em segundo grau de jurisdição era a Ação Rescisória, cuja liminar havia sido
revogada, em razão de falsas alegações do Dibens. No mérito, como apontado acima, o Dibens
perdeu tal demanda.
&(!
Até aquele momento, o que havia de ação da Bomfim, na qualidade de autora,
contra o Dibens, era a revisional ajuizada no ano de 199638.
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38
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Eis o teor da decisão que indeferiu a liminar pleiteada pela Bomfim: “Vistos etc... Ao exame da
inicial, novamente detido, posto envolver partes que litigam sobre fatos que renderam ensejo a um
formidável número de feitos ajuizados, parte deles ainda em curso no 2º grau de jurisdição,
pretende a autora pela ordinária em questão compelir a ré a receber diversos veículos. No caso,
veículos que foram objeto de contratos de arrendamento mercantil, inclusive judicialmente
revisados, daí estaria legitimada a trilhar pela opção da devolução dos bens. Afirma repousar seu
interesse processual na resistência que lhe opôs a ré, mesmo instada por via de interpelação
judicial. Ao revés, teria a instituição financeira partido para uma descabida tutela satisfativa,
manejando o que entende a autora títulos ineficazes. Assim, vindica de logo a antecipação da
tutela (e não de seus simples efeitos), calcada em doutrina pesquisada e gerada de parecer
encomendado, tudo na esteira do art. 461, do CPC. Ou seja, por qualquer das vias apontadas,
comando liminar para entrega imediata dos veículos à ré. DECIDO. Sem maiores divagações, vêse que a pretensão da autora é a devolução de vários veículos objeto de cinco contratos de
arrendamento mercantil, ao que estaria se opondo a ré a despeito da livre opção contratual. Digase, a par do resumo que faz das ações propostas sobre os ditos contratos, além de outros três
(estes então quitados), sustenta já não ter devolvido antes pelo comportamento exclusivo da ré. Ou
seja, procrastinou o quanto pôde os tais feitos, provocando delonga no tempo, ao que agora,
transitadas em julgado todas as ações em questão, impõe-se arredar o último entrave. Pois bem.
Revendo trechos relevantes das ditas ações, até porque acondicionadas em vários apensos, a
estória parece não bater exatamente com a versão da autora. Ao menos neste específico ponto a
prolongar o atrito entre as partes, a tal pretensão de devolução dos ônibus. Com efeito, é verdade
que a legislação específica apontada, a que cuida do leasing, traça a complexidade do pacto,
resultando em uma de suas vertentes a opção de devolução. O problema é outro: a autora, sobre
aqui verberar o que seria sua opção, trafega em absoluta rota de colisão com o que sustentou nas
ações anteriores. Como de fato, a começar pela revisional dos contratos (proc. nº 199610104918),
em apenso. Ao ensejo de suas pretensões firmadas naquela inicial, combateu a antecipação do
VRG. É certo que não no sentido da então discussão de sua transmudação em contrato diverso
(compra e venda), mas pelo que entendeu manobra da arrendadora de sobre tais parcelas incidir
encargos ilegais. Então, o que fez? Após a revisão pretendida, exigiu também neste ponto do
pacto (ao lado de outros, capitalização, índice de atualização...), a devolução qualificada do
indébito. É dizer, quero o meu de volta, afirmando, todavia, que ... pretendeu pagar as parcelas do
arrendamento, como sempre pagou e, ao final do prazo, adquirir o bem arrendado pelos valores
estabelecidos nos contratos para esse fim, atualizados monetariamente de acordo com a variação
do IGP-M ... (fls. 23 sem destaque na origem). Adiante, antes de partir para as conclusões, encerra
sua exposição (fls. 18), reafirmando sua pretensão de devolução dos excessos, conforme o
disposto no art. 964 do CCB então vigente. E finaliza (fls. 32-item III) nesse mesmo sentido, ao que
obteve provimento por sentença lançada pelo então ilustre magistrado processante (fls. 484/491).
De outro canto, a ré, tempos depois, partiu para uma reintegração de posse dos mesmos bens
(proc. nº 199810100381), igualmente em apenso. Ao se defender, a autora, a par de agitar
questões de prejudicialidade, cuidou de invocar a qualidade actio duplex da ação, textualmente
defendendo a posse dos bens (tida por ofendida) na forma do art. 922 do CPC. E também logrou
êxito, ainda que por outro ângulo, findando em ser o feito extinto sem exame do seu mérito (posse
tida como justa). Demais disso, observa-se que os contratos apontados, os tais cujos os bens se
pretende devolver, eram exatamente aqueles que na época da revisional estavam em curso.
Segundo a documentação inclusa naqueles autos (em apenso), os ditos bens foram entregues no
ano de 1995. Estão todos caminhando para nada menos que 11 anos de utilização. Dito isto, temse ainda que contando os aditamentos que experimentaram, o termo final de cada um deles girou
entre o dia 13 e o dia 30 do mês de agosto de 2000. E não se teve notícia de nenhuma pretensão
pela opção da devolução, passados vários anos. Tudo somado, a opção em tela, segundo as
circunstâncias que derivaram de comportamento inequívoco da autora, afasta a verossimilhança
que esta pretende emprestar às suas alegações. Nem mesmo pelo que aponta de procrastinação
da ré em juízo, posto ser a autora freqüente na propositura das ações. Salvante a malograda
reintegratória de posse e a rescisória em curso, ao que consta a ré só vinha se defendendo ou
impugnando embargos, e só recentemente manejou tutela satisfativa do que ela entende ser
&)!
A Bomfim apresentou Agravo de Instrumento de tal decisão (2006200412) e a
ele foi concedida a tutela liminar39, em 25 de janeiro de 2006. O Desembargador
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crédito líquido a seu favor. De qualquer forma, a questão aqui pende de ultimação dos
procedimentos para deslinde, inclusive envolvendo uma exceção atípica manejada pela autora.
Concluindo, ainda que se busque o lastro da antecipação pela via consolidada do art. 461 do CPC,
nem por isso afasta o requisito genérico da tutela interinal. Conforme antes consignado, não
enxergo verossimilhança nas alegações autorais, ao menos debaixo deste exame preambular da
questão. Nestas condições, indefiro a antecipação pretendida de tutela”.
A decisão teve o seguinte teor: “Vistos etc... Bomfim – Empresa Senhor do Bomfim Ltda. agrava da
decisão proferida pelo doutor Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Aracaju que, nos
autos da ação de rito ordinário que move contra a Dibens Leasing S/A – Arrendamento Mercantil,
indeferiu a tutela interinal requerida. Fundando seu pedido nos dispositivos do Código de Processo
Civil que tratam da obrigação de fazer, requereu a agravante, por meio de tutela interinal, que o
agravado fosse compelido a receber diversos veículos objeto de contrato de leasing celebrado
entre as partes, contratos aliás já revisados judicialmente e cuja discussão judicial já remonta
quase 11 (onze) anos. Alega legítima a sua pretensão residente da devolução dos veículos, e que
repousa seu interesse processual na resistência que vem lhe opondo a ré em receber tais
bens. Aduz da possibilidade de devolução dos bens arrendados ao final dos contratos de leasing,
comentando ao final acerca dos requisitos necessários para a concessão da tutela interinal, da
seguinte forma: Relevância do fundamento da demanda – extintos os contratos de leasing de há
muito, perfeitamente possível ao arrendatário devolver os bens arrendados, se não mais tem o
interesse em permanecer com eles. Fundado receio de ineficácia do provimento final –
permanecendo a autora/agravante na posse desses bens até que se dê a solução final da ação de
rito ordinário de obrigação de fazer, estará sendo submetida ao ônus deveras excessivo de ter que
suportar os custos da manutenção dos veículos, já com mais de 10 (dez) anos de utilização;
veículos, diga-se de passagem, que não lhe pertencem. No recurso, ressalta novamente que, findo
o prazo do contrato de arrendamento mercantil, perfeitamente cabível a sua opção em devolver os
bens arrendados, mesmo porque não se pode obrigar qualquer pessoa a adquirir algo que não tem
interesse. Para combater a decisão judicial agravada, a recorrente diz que na ação de reintegração
de posse não devolveu os bens pleiteados e que aqui se pretende devolver, simplesmente porque
não se encontrava em mora, tanto que a ação foi julgada improcedente. Ademais, àquela época,
em 1997, os contratos ainda estavam vigendo, portanto, perfeitamente legal que quisesse
permanecer na posse dos ônibus. Hoje, repita-se: os contratos estão extintos e, conforme alega a
agravante, o fato de não ter devolvido os bens antes, não lhe retira o direito de devolvê-los agora,
mesmo porque os bens não lhe pertencem. Entendo assistir inteira razão à empresa Senhor do
Bomfim Ltda. Ao contrário do que alega a autoridade judicante, em momentos passados a autora
não se interessou em devolver os veículos, porque simplesmente os contratos ainda estavam em
vigor; não lhe era interessante, óbvio e logicamente, adimplindo que estava aos contratos
celebrados, devolver os veículos sem nenhum fundamento legal para essa exigência do
arrendador, por isso que defendeu veementemente a posse dos bens na ação de reintegração de
posse, valendo-se do caráter dúplice inerente a tais ações. A legislação concernente ao
arrendamento mercantil admite e subsidia o requerimento da autora em devolver os bens
arrendados ao final do contrato. Aliás, não só a legislação, mas também os contratos firmados
entre agravante e agravado prevêem a possibilidade de devolução dos veículos ao final do
contrato de leasing, portanto não me parece lícito e justo para com a agravante obrigar-lhe a
permanecer na posse dos bens após extinto o contrato. Observe-se que as celeumas judiciais
existentes entre as partes, conforme aduzido acima, já remontam quase 11 (onze) anos. Nesse
período, os veículos vinham sendo utilizados e mantidos pela empresa arrendatária. Entretanto,
agora extintos os contratos, admite-se, perfeitamente, pela própria natureza dos contratos de
leasing, que sejam os bens devolvidos ao seu arrendador, e indeferir essa devolução, pode, sem
dúvida alguma, acarretar prejuízo de grande monta e de difícil reparação para a agravante,
considerando que as ações judiciais concernentes a esses contratos poderão levar mais alguns
anos para serem completamente solucionadas, e enquanto isso, sob pena de depreciação, a
agravante restará obrigada a continuar mantendo e conservando os ônibus já com mais de 10
(dez) anos de utilização. Além disso, observe-se nas cláusulas pertinentes às opções da
arrendatária dos contratos juntados às fls.71/108, que a devolução dos veículos não significa
somente a simples devolução, sem qualquer ônus para o arrendatário; ela requer a obediência a
&*!
Relator, bem ao contrário do juízo de primeira instância, enxergou a fumaça do bom
Direito na pretensão da Bomfim. Entendeu o Tribunal que não havia como forçar,
quem não era proprietário dos bens, a ficar com a posse deles indeterminadamente.
Todavia, impôs, corretamente, que os bens, para serem recebidos pela arrendadora,
deveriam atender às exigências contratuais. Isto é, os ônibus teriam de se encontrar
em perfeito estado de conservação, a fim de possibilitar ao Dibens a negociação
futura deles.
Essa decisão liminar jamais foi cumprida. Uma sucessão de incidentes, de
toda a ordem, impediu seu cumprimento. As dificuldades que serão narradas a
seguir jamais foram experimentadas pelo Dibens, na mesma Vara Cível. Trata-se de
prova que o Abuso de Direito Processual somente tem sucesso se ocorrer com a
colaboração do Estado, seja na figura do juiz, ou do próprio serventuário da Justiça.
A partir de agora, ver-se-á a verdadeira discriminação que a Bomfim irá
sofrer, sem que haja qualquer justificativa plausível. Tudo o que a Bomfim afirma
passa a ser argumento de mau pagador (logo ela que havia vencido esse mesmo
litígio). E as alegações da arrendadora passam a ser tidas como verdades
absolutas, mesmo que infringentes à coisa julgada que havia se formado.
Essa demanda, ao lado de outras que o Dibens irá ajuizar, será julgada em
um só dia, em sentenças a serem examinadas adiante.
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várias exigências que, não sendo cumpridas, inviabilizam tal devolução. Portanto, nenhum prejuízo
sobrevirá para o Dibens Leasing S/A em receber de volta aqueles bens arrendados, eis que
deverão se encontrar em perfeito de estado de conservação, lhe possibilitando, inclusive, a
negociação futura dos mesmos, com quaisquer interessados. À arrendatária Bomfim, ao revés,
restará prejuízo de grande monta, se continuar na posse, guarda e manutenção de bens que não
lhe pertencem e cuja devolução lhe é autorizada legal e contratualmente. Por todo o exposto,
concedo o efeito suspensivo ativo ao recurso, para deferir a tutela antecipada pleiteada,
autorizando a agravante a devolver liminarmente ao agravado os ônibus arrendados, mediante o
cumprimento das exigências contratuais concernentes à devolução dos veículos”.
!
’+!
2.6.1 Liminar Não Cumprida, Depois de Três Meses
A ação foi contestada e replicada. O Dibens afirmou que a Bomfim estaria
agindo em Abuso de Direito, nos termos do venire contra factum proprium. E
formulou uma tese, segundo a qual os bens que eram de sua propriedade deveriam
ficar para sempre com a Bomfim, sabe-se lá a que título. Também afirmou que, a
essa altura, os bens deveriam ser sucata40.
Entretanto, o que impressionava era que a liminar do Tribunal de Justiça de
Sergipe, em 17 de abril de 2005, ainda não havia sido cumprida, pois a serventia
judicial, ao expedir a carta de citação e intimação da decisão, equivocou-se, e
apenas intimou o Dibens do indeferimento da liminar, não da decisão do Tribunal.
A Bomfim reclamou desse fato nos autos, com a veemência necessária. O
juiz perdoou a serventia, em razão da seguinte certidão por ela expedida, em 28 de
abril de 2006:
Certifico que a escrivania não cumpriu integralmente o comando do MM.
Juiz desta Vara de fl. 135 dos autos em epígrafe, tendo-se em vista
equívoco cometido ao colacionar, no espaço reservado para o teor do
despacho, na Carta de Intimação e Citação de fl. 138, o comando vertido na
decisão prolatada de fl. 111/112 dos mesmos autos. Outrossim, convém
informar, a quem interessar possa, que esta vara cível movimenta em torno
de 2.800 (dois mil e oitocentos) processos, razão porque, equívoco desta
natureza não devem ser apontados como erro inescusável. É o que tenho a
certificar.
O Dibens recebeu a correta carta de intimação em 28 de abril de 2006. Mas
não cumpriu a decisão, pura e simplesmente. E, a essa altura, a liminar já havia sido
confirmada pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, em julgamento ocorrido em 11 de
abril de 2006.
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40
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O que se comprovou, depois, não ser verdade.
’"!
2.6.2 Liminar Não Cumprida, Suspensa e Revogada
O Dibens propôs, em 4 de maio de 2006, ação cautelar incidental
(200610100283), produção antecipada de provas, à Ação que a Bomfim havia
ajuizado com a intenção de devolver os ônibus. Essa Ação foi autuada e
despachada no mesmo dia. Afinal (sic), o periculum in mora indicado era o iminente
cumprimento da liminar do Tribunal de Justiça de Sergipe, que determinava o
recebimento dos ônibus pelo Dibens, em auto circunstanciado, apontando o estado
em que eles se encontravam.
Insistia o Dibens que os bens eram sucata.
Por força de tal decisão, no dia 5 de maio de 2006, o cumprimento da liminar
no processo n. 200610100025 foi suspenso. Isto é, o que não havia sido cumprido,
foi suspenso.
A Bomfim, citada, foi aos autos dessa nova Ação do Dibens e concordou com
todos os seus termos. O laudo pericial foi elaborado e entregue em dezembro de
2006. Apontou que os bens estavam em bom estado e que o seu valor de mercado
seria da ordem de R$2.272.819,82 (dois milhões, duzentos e setenta e dois mil,
oitocentos e dezenove reais e oitenta e dois centavos). Logo, ao contrário do que
afirmava o Dibens, de sucata não se tratava.
Em 5 de janeiro de 2007, como
o estado dos bens estava detectado, a
Bomfim pediu que a liminar concedida e confirmada pelo Tribunal fosse, finalmente,
cumprida.
A Bomfim, em 23 de maio de 2007, pediu ao escrivão que intimasse o juiz a
cumprir a ordem do Tribunal, nos termos do art. 133, parágrafo único, do Código de
Processo Civil.
No entanto, a escrivã somente o intimou (ou melhor, disse que deixaria de
intimá-lo) em 4 de junho de 2007, três dias depois que ele já havia proferido a
sentença de improcedência da ação.
!
’#!
A sentença será objeto de exame, em item próprio, mais adiante.
2.7 Ação Condenatória n. 200710100204
Em 26 de outubro de 2006, o Dibens ajuizou a Ação de Rito Ordinário que
denominou de condenatória. O objetivo da demanda era formar o título executivo
judicial que ele não detinha. Seus fundamentos eram a declaração contida na
sentença da Ação Revisional e o laudo pericial elaborado naqueles autos.
A Bomfim, em sede de contestação, no mérito, tratou de erro de cálculo, nos
termos do art. 463, I, do Código de Processo Civil. Apontou-se, conforme já se
discorreu na introdução, que os juros utilizados pelo perito judicial foram os
contratados, não os limitados em 12% (doze por cento) ao ano.
Apresentou-se detalhada prova de tal fato, por meio de planilhas de cálculo
próprias, nas quais se podia ver, com a necessária clareza, que as taxas utilizadas
pelo perito judicial, a título de juros remuneratórios, oscilaram entre 4,28 e 1,88% ao
mês.
O Dibens replicou a demanda, dizendo, em síntese, que a Bomfim teria
apresentado uma defesa inepta, visto que não apontava onde estariam os erros de
cálculo. A Bomfim, ciente de tal réplica, retornou aos autos, em 23 de maio de 2007,
e juntou uma verdadeira perícia, com o recálculo de todo o débito, considerando a
limitação de juros em 12% (doze por cento) ao ano.
Todavia, essa nova manifestação jamais foi examinada pelo juízo de primeira
instância. Ela somente foi levada aos autos dias depois da sentença de procedência,
proferida em 1º de junho de 2007. Tal sentença será objeto de exame próprio
adiante.
!
’$!
2.8 Ação Cautelar de Arresto n. 200710100343
Em 8 de maio de 2007, o Dibens ajuizou Ação Cautelar de Arresto contra a
Bomfim. O intuito dessa medida assecuratória era garantir a execução da Ação
Condenatória que, naquele momento, não havia sido sentenciada. Sem maiores
questionamentos, a liminar foi concedida, atingindo um crédito que a Bomfim detinha
perante outra instituição financeira.
Ainda, liminarmente e inaudita altera parte, o juízo reconheceu que o
pagamento de verba honorária aos procuradores da Bomfim, por meio de uma
cessão de créditos, teria sido fraudulento41. A liminar se encerra com a seguinte
frase:
Por fim, não pode este Magistrado fechar os olhos para a existência do
crédito que ora se visa resguardar, sendo tendência do moderno direito
processual, concretizada pelas sucessivas e recentes reformas levadas a
cabo pelo legislador, não apenas declarar o direito, mas, também, garantir a
eficácia da tutela jurisdicional em sua completude, sob pena de gerar
intranqüilidade social, acarretando desprestígio ao Poder Judiciário.
O Arresto foi contestado e houve recurso da liminar, ao qual não se concedeu
efeito suspensivo. Um mês depois, ele foi sentenciado em favor do Dibens,
conforme se verá adiante.
2.9 As Sentenças que Endossaram os Abusos do Dibens
A maior crítica que se faz às decisões que a seguir serão examinadas é o fato
de elas terem sido proferidas em um ambiente de evidente preconceito contra a
Bomfim. De uma hora para outra, a Bomfim, que havia vencido todos os processos
em que litigou contra o Dibens, alcançando decisões revestidas pela coisa julgada
material, passou a ser vista como uma litigante desleal, chicaneira e mau pagadora.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
41
!
O que foi posteriormente corrigido por meio de Embargos de Terceiro opostos pelos advogados da
Bomfim, processo n. 200710100983.
’%!
É verdade que tal visão foi exclusiva do magistrado Fernando Clemente da
Rocha, pois o Tribunal de Justiça de Sergipe, o Superior Tribunal de Justiça e, até
mesmo, o Supremo Tribunal Federal continuaram a rechaçar as pretensões do
Dibens, conforme acima demonstrado.
O juiz entregou-se ao senso comum de que todo devedor é um mau pagador.
Pensamento, é verdade, estampado, ao longo de nove anos, em relatórios do Banco
Central do Brasil, como será visto no Capítulo 4. Esse falso ideário de que todo
devedor é um mau pagador e que os bancos merecem proteção motivou não só as
alterações na legislação antes apontadas, mas também a consolidação de uma
verdadeira “pax bancária”42.
O magistrado não enxergou que o não recebimento do crédito, muitos anos
antes, foi motivado pela conduta do próprio credor. O que fez a Bomfim, em defesas
vitoriosas na Justiça, foi impedir que se concretizassem os abusos cometidos pelo
Dibens.
As decisões que acabou proferindo serviram como catalisadores do sucesso
dessa nova fase de condutas processuais abusivas que o Dibens adotou. E, mais do
que isso, revelaram um caso de Abuso de Direito Processual cometido por um juiz.
O Abuso de Direito Judicial será tratado em item próprio, adiante, mas aqui já
interessa lembrar a lição de Michele Taruffo: “Um primeiro ponto que merece realce
é que os direitos processuais podem ser objeto de abusos também pelos juízes” 43.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
42
43
!
Expressão que faz referência à Pax Romana, através da qual os romanos alcançavam a
dominação dos povos não só pelas armas, mas pela cultura, religião e língua.
E segue, Michele Taruffo, citando Fentiman, quando ele trata de “abuso administrativo”: “O abuso
cometido pelos juízes é tipicamente um abuso de discricionariedade que é praticado principalmente
pelo mau uso dos poderes gerenciais do juiz referentes ao desenvolvimento dos procedimentos
judiciais (atrasos indevidos, violação dos direitos das partes a um processo correto e rápido etc.),
mas também tomando decisões evidentemente erradas (com referência aos abusos cometidos por
juízes, ver, e.g., Taniguchi). Algumas vezes se diz, todavia, que um abuso cometido por juízes não
pode ser concebido porque juízes são obrigados a agir de acordo com as disposições
constitucionais referentes ao justo desenvolvimento dos procedimentos (ver, e.g., Hess). Ao
contrário, deve-se considerar que os juízes podem facilmente abusar de seus poderes apesar de
estarem tais poderes funcionalmente orientados para uma leal e correta direção dos procedimentos
judiciais (Taelman faz uma interessante observação quando diz que tais abusos são
provavelmente cometidos, mas a reserva e o medo de retaliação podem induzir as pessoas a não
apurar o problema)” (Abuso de direitos processuais: padrões comparativos de lealdade
processual (Relatório Geral). Revista de Processo, n. 177, p. 153 in Revista dos Tribunais online).
’&!
2.9.1 A Sentença da Ação Condenatória n. 200710100204
A sentença continha muitos defeitos. Serão enfrentados os dos dois mais
importantes. Entendeu o juízo que:
Mas, até mesmo o pretenso erro de cálculo, segundo os literais termos da
sentença revisional (fls. 233/240), não houve. A referida limitação (juros
44
de 12% ao ano), conquanto aparentemente tratada como um dos
fundamentos da decisão, não foi, ao fim, tomada pelo então ilustre
processante como elemento conclusivo para a decisão do litígio. E nem
poderia ser diferente, eis que em momento algum fez parte do rol de
pedidos da empresa autora da revisional (fls. 74/105), pena de se vulnerar o
princípio da correlação cuja conseqüência seria a nulidade total. Assim, ao
que diz com a tabela 12 do laudo de fls. 296/365, o magistrado, ao declarar
o valor em favor do autor, foi enfático quando diz ter a peça obedecido “às
conclusões desta sentença”, até a posição de 31/12/1997. É dizer: o martelo
foi batido nos termos em que explicitada a conclusão da sentença, onde se
acertam os direitos e incide a lembrada função positiva da coisa julgada. A
questão de ter havido ou não eventual contradição entre um e outro trecho
(carência de motivação extrínseca), o caso não seria de “erro de cálculo”,
senão de reclamar a integração (colaborando-se com a correta prestação
jurisdicional) pela via adequada e no tempo devido (embargos de
declaração), o que não foi ventilado por qualquer das partes. Na etapa
seguinte foi que se determinou a incidência de juros de 1% ao mês e mais
correção monetária – a partir de 31/12/1997 (sem especificar índice;
todavia, mandou fossem preservados os pactuados quando dos cálculos do
perito dentro e durante a relação contratual, o que foi obedecido).
O magistrado conseguiu revogar a coisa julgada formada anos antes. Cabe
lembrar que a sentença da Ação Revisional, inteiramente transcrita no Capítulo 1,
afirmava no seu corpo: “O laudo pericial, no entanto, logrou desvendar a cobrança
de taxas de juros compostos de 4,2829% ao mês, nos três contratos liquidados,
evidenciando que foram cobrados encargos financeiros sobre o valor global do
investimento bruto”.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
44
!
sic.
’’!
Depois, afirmava a decisão, no que tocava à limitação dos juros45:
Atendendo ao demonstrado nas tabelas 6 e 7, do laudo pericial, e
considerando o disposto no § 3º, do art. 192, da Constituição Federal, cuja
auto-aplicabilidade já está assentada nas lições da doutrina predominante e
da jurisprudência do STJ, condeno o réu a repetir, em favor da autora, os
46
valores constantes da tabela 12, na qual se reiteram os da tabela 7 , os
quais deverão sofrer atualização a partir de 31.12.97.
A sentença da Ação Revisional ainda dedicou um item especial, grifado, que
se refere à limitação de juros:
47
– Despiciendo, a tal andar da discussão,
A limitação dos juros
pretender-se dissentir da opinião assentada, em derredor do tema. Com
efeito, quer por auto-aplicável o § 3º, do art. 192, da Constituição Federal,
quer por recepcionado o Decreto 22.626/33, quer por força do disposto nos
arts. 1062 e 1063, do C. Civil – afora opiniões recalcitrantes e esmaecidas
dissidentes –, não mais se admite a cobrança de juros remuneratórios
superiores a 12% ao ano, o que faz dispensar sejam carreadas maiores
digressões e/ou transcrições pertinentes ao tema, por constituírem
repristinações fastidiosas.
Não fosse a clareza da decisão da Ação Revisional, acerca da limitação de
juros, o acórdão que a confirmou (apelação n. 2002204339) tinha o seguinte teor:
Vistos, etc. ... Objetiva o interponente Dibens Leasing S/A Arrendamento
a
Mercantil desconstituir decisão proferida pelo Juízo da 1 Vara Cível da
Comarca de Aracaju, que julgou procedente ação de revisão contratual
contra si proposta por Bonfim - Empresa Senhor do Bonfim Ltda. Em casos
deste jaez, vem decidindo a colenda Câmara Cível por manter decisões que
não permitem a cobrança de juros sobre juros, que limita-os em 12% (doze
por cento) ao ano, ainda que expressamente convencionada, dentre várias
outras questões.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
45
É aqui que está a gênese do erro de cálculo denunciado. O juízo (o hoje aposentado Des. Manoel
Cândido) limitou a taxa de juros a 12% ao ano. Todavia, conforme já demonstrado, os cálculos a
que ele se refere foram feitos com as taxas dos contratos.
46
Embora o juízo achasse que tais tabelas 7 e 12 foram elaboradas com juros de 12% ao ano, elas
não o foram. O perito utilizou as taxas contratadas para elaboração de tais tabelas.
47
Grifo no original.
!
’(!
E não se pode perder de vista que o Dibens apresentou uma Ação Rescisória
para rever a limitação de juros e, ante seu insucesso, chegou a propor uma
reclamação no Supremo Tribunal Federal.
Ainda assim, o magistrado Fernando Clemente da Rocha desfez a coisa
julgada. Disse que ela seria apenas aparente. Nem mesmo o Dibens havia ventilado
tese de tamanha ausência de fundamento. Aliás, se o tivesse, poderia ser
qualificado como litigante desleal. A coisa julgada foi colocada de lado, na tentativa
de conceder ao Dibens algo a que ele não tinha direito.
Não bastasse ter “editado” a coisa julgada, o magistrado enxergou na conduta
da Bomfim, de apontar o erro de cálculo, litigância temerária, afirmando:
Melhor sorte não carrega a tese do erro de cálculo supostamente praticado
na sentença revisional, envolvendo as taxas de juros remuneratórios e
moratórios. E não somente pelo consistente argumento em réplica da
omissão em se apontar qual seria o cálculo correto, ignorando os réus dever
processual que deriva do sistema orientado pelos arts. 273, §6º e 465-L,
§2º, ambos do CPC. De fato, qual a razão de não terem apontado o valor
que entendem o correto, já que o visionário “erro de cálculo” não passaria
da simples substituição de índices (todos para um pretenso patamar linear
de 12% ao ano), mantidos literalmente todos os demais itens de valores,
períodos e tudo mais? Se a todo instante e largo período de tempo bradam
necessitar o autor de um provimento judicial concreto, condenatório (e não
apenas declaratório “acidental”), a ponto de iniciarem a defesa de fls.
162/178 reconhecendo que “é verdade que finalmente acertaram a eficácia
do pedido (condenação)...”, o que justifica o embaraço na sua efetivação
(mesmo que debaixo de sua tese redutora de juros) em franca violação ao
dever de que cuida o art. 14, V do CPC? Para além dos interesses
individuais do autor, a conduta dos réus, certamente, atenta contra o próprio
exercício da jurisdição em sua função primária, a distribuição equânime da
justiça, o que exige a reprimenda cabível.
O equívoco que cometeu o juízo contou com a colaboração da serventia
judicial. A Bomfim havia sim apresentado cálculos detalhados do saldo devedor que
entendia como incontroverso. Quem não os juntou aos autos foi a serventia judicial.
De qualquer forma, o ônus da Bomfim era contestar a ação, nos termos do art. 300,
do CPC. Lá não há qualquer obrigação de se apresentar uma planilha com o valor
incontroverso. A obrigação que existe é a de impugnar especificamente tudo o que
foi apresentado na petição inicial, nos termos do art. 302, do CPC. E isso ocorreu,
com a demonstração de onde estavam as taxas de juros equivocadas.
!
’)!
A Bomfim não tinha o dever de instrumentalizar uma antecipação de tutela em
favor do Dibens. A impugnação apresentada em sede de contestação foi tão
específica que a arrendadora poderia (sim, afinal era interesse dela) ter elaborado
planilhas com o uso de juros de 12% ao ano e pedido a antecipação de tutela do
valor incontroverso (273, §6º).
No que concerne à aplicação do art. 465-L, §2º, do CPC, a consequência é o
indeferimento da impugnação à execução. Os autos eram uma Ação de Rito
Ordinário. Ou seja: o dispositivo não se aplicava e, acaso pudesse ser aplicado, a
consequência do descumprimento ao dever seria outra.
O art. 14, V, do CPC, aplica-se quando for criado embaraço ao cumprimento
de antecipação de tutela. No caso em exame, não houve antecipação alguma
deferida.
O Arresto Cautelar, sob o fundamento de que o título executivo judicial havia
aqui se formado, foi mantido.
A Bomfim perdeu a ação não porque seu direito era ruim, ou porque as teses
veiculadas pelo Dibens eram superiores. A derrota na demanda só se justifica pela
conduta abusiva do juiz. Assim, a Bomfim que, durante anos, suportou a conduta
processual abusiva do Dibens, acabou sucumbindo quando esse abuso passou a
ser, também, do árbitro.
Nesse ambiente de Abuso de Direito Processual, somente restou à Bomfim o
caminho da transação, como se verá adiante.
2.9.2 A Sentença da Ação para Devolução dos Bens n. 200710100025
A decisão inicia sua fundamentação com o seguinte questionamento:
!
’*!
O núcleo do litígio não encerra maiores dificuldades para o seu deslinde,
conformando-se na seguinte indagação: é possível a devolução dos bens,
ao tempo em que formalizada esta pretensão pela autora (24/10/2005 –
Interpelação Judicial/fls. 23/96), segundo as circunstâncias de
execução/conclusão a que foram submetidos os contratos de arrendamento
mercantil 33059, 33111, 35344, 35445 e 37293, firmados entre as partes?
A resposta foi fornecida pelo magistrado da seguinte forma:
A princípio, se tomado exclusivamente o enfoque literal da questão,
conformado pela letra do contrato e da legislação incidente, a tentação é
pela resposta no sentido afirmativo. Mas, nem sempre o que aparenta ser a
conclusão possível, segundo linha interpretativa partida de uma subsunção
positivista lógica, resulta ser admissível quando a questão é depurada
dentro de uma exegese sistêmico-constitucional, calcada em princípios que
se irradiam por todo o ordenamento jurídico, inclusive no campo civilobrigacional privado. Tome-se como destaque, dentre outros, os da
socialidade e eticidade.
Aplicando-se a lei e o contrato, segundo o Dr. Fernando Clemente da Rocha,
os bens deveriam ser devolvidos ao seu dono, o Dibens. Entretanto, como a filosofia
da administração da (in)justiça passou a ser a de se conceder proteção ao Dibens, a
sentença traçou um caminho tortuoso, para concluir que a aplicação do princípio da
boa-fé, como norma de conduta, impediria a devolução dos bens ao seu proprietário.
A sentença invocou o art. 422, do Código Civil, concluindo que a conduta da Bomfim
seria não só de má-fé, mas também se constituiria em um venire contra factum
proprium.
A tese judicial seria a de que a Bomfim teria contestado a Reintegração de
Posse (a qual venceu, ante a ausência de mora). E se, no passado, desejava ficar
na posse dos bens, enquanto discutia os contratos, agora teria de ficar com eles
para sempre.
O significativo valor dos bens, apurado em perícia judicial (homologada), não
foi objeto de exame. Se só o Dibens poderia vendê-los, qual o sentido de mantê-los
!
(+!
na posse da Bomfim? Tratava-se de, isso sim, capricho48 abusivo do Dibens, que foi
atendido pela autoridade judicial.
Essa sentença, em conjunto com a decisão da Ação Condenatória, criou um
quadro no qual se concedeu ao Dibens o direito de receber em pecúnia o valor total
do débito (com erro de cálculo, inclusive), determinando que a Bomfim (fiel
depositária dos bens, nos termos do contrato) com eles permanecesse
(preservando-os, a elevados custos) eternamente, sem que deles pudesse dispor
livremente (a propriedade dos bens, visto tratar-se de arrendamento mercantil, era
do Dibens).
A distorção da realidade foi de tal ordem que o juízo chegou a afirmar na
sentença que:
Concluindo, a pretensão agitada pela autora nestes autos, amparada
naquilo que induvidosamente excedeu os limites impostos pelo princípio da
boa-fé objetiva em cada um dos contratos (comportamento pós-conclusão
dos pactos), encerra prática de ato ilícito. Não merece, como tal, guarida da
jurisdição, sob pena de se fomentar o enriquecimento sem causa de um
contratante a custa do outro, sendo este o norte de julgamento da causa. Ao
juiz compete esta missão de controle da probidade (aspecto objetivo da
boa-fé) nos negócios jurídicos em geral, resgatando, sempre que ameaçada
por conduta de qualquer dos agentes, a carga de justiça que neles deve
residir de forma equilibrada.
A Bomfim havia-se tornado a agente do abuso de direito, porque desejava
devolver bens de elevado valor ao seu proprietário.
Essa decisão, aliada à proferida na sentença da Ação Condenatória, revela o
quadro de verdadeira realidade virtual criado pelo juiz Fernando Clemente da Rocha.
Não importava o que dissessem a lei, a coisa julgada ou o contrato, a pretensão do
credor estava acima desses “detalhes”.
A intensidade do Abuso de Direito Processual que houve antes da formação
da coisa julgada, na Ação Revisional, a Bomfim conseguiu suportar. Naquele
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
48
!
ROSAS, Roberto. Abuso de direito e dano processual. Revista de Processo, n. 32, p. 28 in
Revista dos Tribunais on-line, leciona: “O mero capricho vai da puerilidade à teimosia, desta à
maldade insistente, à crueldade (Pedro Batista Martins, “Denunciação caluniosa Responsabilidade Civil dela decorrente - Abuso do direito de estarem Juízo”, RF 68/745)”.
("!
momento, o Estado, ainda que jamais tenha conferido qualquer penalidade ao
Dibens, soube conter a conduta da arrendadora.
Entretanto, formada a coisa julgada e reiniciado o litígio, o que, convenha-se,
é muito estranho de se afirmar, o Dibens passou a ter ao seu lado a figura do
magistrado. A questão, como se disse acima, não é de suspeição, mas filosófica.
Esse juiz entendeu que o devedor era um mau pagador e nada que se pudesse
afirmar (nem mesmo a coisa julgada) foi capaz de modificar o ideário
preconcebido49.
2.10 Apelações e o Fim da Relação
A Bomfim apelou de todas as sentenças.
Entretanto, a essa altura, por mais rápida que pudesse ser a solução dos
recursos no Tribunal de Justiça de Sergipe, a Bomfim vivia um quadro econômico
complicado. Ela contava com os créditos que acabaram sendo arrestados pelo
Dibens para adimplir muitas obrigações.
As partes iniciaram, então, difícil processo de negociação.
É verdade que, durante as tratativas, o Dibens resolveu ajuizar nova cautelar
de arresto50, agora no TJSE, a fim de garantir mais um pedaço de seu alegado
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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49
SANCHES, Sydney. O juiz e os valores dominantes – O desempenho da função jurisdicional
em face dos anseios sociais por justiça. Revista dos Tribunais, n. 669, p. 238 in Revista dos
Tribunais on-line, teceu crítica à conduta judicial similar a que estamos estudando: “Não deve o juiz
ceder à tentação de proferir decisões simpáticas, só por serem simpáticas, se não forem justas.
Não deve ceder à tentação de ganhar notoriedade, à custa de decisões temerárias, arbitrárias e
injustas. Ou apenas para suscitar polêmica e obter destaque pessoal. Mas também não deve se
intimidar diante da possibilidade de decisões que, tomadas de acordo com sua consciência
jurídica, possam repercutir negativamente na chamada ‘opinião pública’. Até porque nem sempre
ela se forma pelo caminho da verdade, mas, freqüentemente, da versão, mediante deturpação de
fatos, desinformação e manipulação maliciosa e interesseira de dados reais. E até de informes
irreais. A isenção do juiz, em face das partes e dos interesses em jogo, quando voltada para o
estudo cuidadoso dos autos e do Direito, é indispensável ao encontro de soluções corretas. E a
tudo se soma o senso do justo. Quando a lei não favorece uma interpretação justa para o caso
concreto, busque o juiz interpretá-la com justiça. Não lhe é dado, porém, recusar-lhe aplicação,
como revogador de lei. Ou como legislador”.
50
Ação cautelar n. 2007216494.
!
(#!
crédito. Esse evento dificultou a negociação. Entretanto, tratava-se de situação que
deveria ser esperada pela Bomfim. Afinal, em nenhum momento da relação
obrigacional ou processual o Dibens agiu de forma correta.
O acordo foi firmado em 21 de outubro de 2008, doze anos depois da primeira
ação ajuizada pelo Dibens.
!
($!
3 ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL – RELATOS DO DIREITO COMPARADO E
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
3.1 Introdução
Michele Taruffo51 organizou um trabalho dedicado ao exame do abuso do
direito processual em diversos sistemas jurídicos ao redor do mundo.
O estudo consistiu na elaboração de um questionário, denominado
“DIRETRIZES PARA OS RELATÓRIOS REGIONAIS SOBRE ABUSO DE DIREITOS
PROCESSUAIS”52, no qual foram formuladas diversas questões a ser respondidas
pelos doutrinadores de cada país, por meio de relatórios regionais.
O trabalho dirigido por Taruffo é importante para situar o problema do abuso
do direito processual como uma questão que, a cada dia, vem-se tornando mais
importante de ser tratada. O direito comparado oferece exemplos que são os
mesmos narrados no caso exposto na primeira parte deste trabalho. Condutas como
as que passou a Bomfim, em um só litígio, precisam ser examinadas, debatidas e
devem servir de exemplo para a construção de um processo civil mais efetivo. E a
efetividade do processo não se alcança com a exclusão de meios de defesa aos
devedores, como se apontará no capítulo seguinte.
3.2 Estados Unidos da América
Nos Estados Unidos, explica Geoffrey C. Hazard53, não há regra específica
que trate de Abuso de Direito Processual. A vedação à prática é extraída do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
51
52
53
!
TARUFFO, Michele. Abuse of Procedural Rights: Comparative Standards of Procedural
Fairness. Cambridge: Kluwer Law International, 1999.
TARUFFO, ob. cit., p. 31 a 34.
HAZARD. Geoffrey C. Abuse of Procedural Rights: Regional Report for the United States, in
Abuse of Procedural Rights: Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer
Law International, 1999, p. 43.
(%!
princípio do devido processo legal, positivado na quinta e na décima-quarta
emendas à Constituição Norte-Americana. A proibição ao abuso ainda se verifica em
regras ligadas ao funcionamento das Cortes de Justiça, em cada estado norteamericano. O juiz é a figura central na fiscalização e repreensão ao abuso. O
conceito de devido processo, informa o doutrinador, é cláusula geral na qual se pode
ver a proibição a procedimento judicial fundamentalmente injusto (fundamentally
unfair).
Na América do Norte, os padrões de justiça processual incluem54: (a) o direito
a um juiz cuja imparcialidade não possa ser questionada; (b) o direito a jurados que
sejam igualmente imparciais; (c) o direito a um júri selecionado sem preconceitos de
qualquer natureza; (d) o direito a não ser processado com base em provas obtidas
por meios ilícitos; (e) o direito de que o julgamento será nulo se baseado em
evidências não confiáveis ou não substanciais.
A ideia de Abuso de Direito Processual, nos Estados Unidos, não está ligada
à moral. Está, somente em parte, relacionada com a ética profissional55, conforme
adverte Geoffrey C. Hazard56.
Na América do Norte, essa ideia não está ligada a padrões de agilidade,
efetividade, economia, simplicidade e racionalidade dos procedimentos judiciais. O
devido processo é considerado uma virtude pública57. Entretanto, há situações, não
propriamente de Abuso de Direito Processual, em que um speedy trial pode ser
requerido, a fim de que não se permita que o alongamento da causa em juízo possa
render benefícios ao criminoso.
Nos Estados Unidos, os padrões de equidade processual são mais precisos
nos procedimentos criminais, intermediários no contencioso civil e pouco precisos
nos procedimentos administrativos.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
54
HAZARD, ob. cit., p. 44.
American Bar Association, Model Rules of Professional Conduct, Rule 6.2: “A lawyer shall not seek
to avoid appointment by a tribunal to represent a person except for good cause”.
56
HAZARD, ob. cit., p. 45.
57
HAZARD, ob. cit., p. 45.
55
!
(&!
Geoffrey C. Hazard oferece a seguinte definição de ADP – Abuso de Direito
Processual, considerando o sistema jurídico da América do Norte58: “The right not to
suffer a gross and prejudicial departure from generally recognized procedural
standards”. Isto é, o direito de não sofrer um desvio grave e prejudicial das regras
processuais conhecidas.
Não há dúvidas, nos Estados Unidos, de que o direito de invocar a proteção
jurisdicional pode ser abusivo. As maneiras apresentadas por Geoffrey C. Hazard59
são as seguintes: (a) realizar afirmações levianas em juízo e na mídia; (b) persistir
no litígio por meio de recursos, mesmo depois de eles terem sido rejeitados; (c)
buscar, em favor de criminosos, repetitivos habeas corpus. Não há fortes limitações
ao abuso na procura do Poder Judiciário. Somente a hipótese de coisa julgada é
lembrada pelo doutrinador, como forma rigorosa de se impedirem sucessivos
habeas corpus na esfera criminal.
A própria garantia do devido processo legal pode ser objeto de abuso. A
garantia de acesso à justiça considera que a parte tem o direito de, razoavelmente, ir
a juízo uma única vez. É por tal motivo que o uso de repetidos habeas corpus, nos
casos criminais, tem sido vedado pelas Cortes norte-americanas.
O ADP não requer um estado de espírito subjetivo do agente. Nos Estados
Unidos, os critérios são objetivos. A questão do Abuso de Direito Processual, por ser
vista como violação ao devido processo legal, não requer qualquer exame da
vontade do agente. Entretanto, para que um oficial (juiz, policial, promotor) seja
punido por ter infringido a cláusula do devido processo legal é necessário, ao
menos, que haja dolo ou culpa grave (tal qual no sistema brasileiro, como se verá no
Capítulo 6).
Nos Estados Unidos, o Abuso de Direito Processual se caracteriza com a
existência de dano. Não necessariamente econômico, mas tem de haver prejuízo a
uma das partes ou à administração da justiça. Os agentes oficiais podem responder
criminalmente se for caracterizado o intencional Abuso de Direito Processual.
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!
58
59
!
HAZARD, ob. cit., p. 45.
HAZARD, ob. cit., p. 45.
(’!
Há mecanismos para prevenir a ocorrência do Abuso de Direito Processual,
quais sejam: (a) objeção durante o curso do processo; e (b) providências cautelares
no sentido de impedir a tentativa de abuso. Esses instrumentos, no entanto, embora
efetivos, são de alto custo. É por tal motivo que Geoffrey C. Hazard60 sugere que a
melhora do sistema seria uma redução dos custos para que mais pessoas possam
ter acesso a tais remédios.
Há, também, sanções para o ADP. A principal delas é a invalidade, desde que
a violação seja substancial e influa no resultado do procedimento. As soluções, no
entanto, só são efetivas para as pessoas abastadas e que podem custear as
elevadas despesas dos processos61.
O Abuso de Direito Processual pode ser cometido, inclusive, por magistrados.
Nessa hipótese, o afastamento do juiz é possível, por meio de procedimentos
disciplinares próprios.
3.3 Reino Unido
O sistema do Reino Unido apresenta dois tipos de proteção contra o ADP. Há
os denominados adversarial abuse e os adjudicatory abuse. O primeiro diz respeito
a condutas vindas da parte adversa. O outro, às práticas que tenham origem nas
próprias Cortes de Justiça, Tribunais ou outros decision-makers.
Richard Fentiman62, examinando o direito inglês, aponta que o sistema
carecia de uma doutrina específica sobre o Abuso de Direito Processual ou de
alguma definição geral sobre o tema. Tal qual no sistema norte-americano, o
conceito de abuso processual também encontraria vedação na noção de devido
processo legal. A partir de 1998, no entanto, com a vigência do Civil Procedure
Rules, surgiu regra específica sobre o problema. Trata-se do Practice Direction 3,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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!
60
HAZARD, ob. cit., p. 48.
HAZARD, ob. cit., p. 48.
62
FENTIMAN, Richard. Abuse of Procedural Rights: The Position of English Law, in Abuse of
Procedural Rights: Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer Law
International, 1999, p. 54.
61
!
((!
paragraph 1.5, no qual uma causa pode ser extinta, por abuso processual, se for
“vexatious, scurrilous or obviously ill-founded”63.
O ADP não está ligado a conceitos como o do abuso de direito, que são
conhecidos em nosso sistema64. Ele está mais próximo, ainda que mais assentado
na jurisprudência, do conceito de equidade processual. Não há vínculo com a moral
na aferição do ADP. A conduta dos advogados que postulam de forma imprópria
está sujeita a sanções disciplinares.
O conceito de abuso do processo é aberto a quatro possíveis interpretações,
dentro do sistema inglês65. Na primeira hipótese, a caracterização do Abuso de
Direito Processual requer deliberada manipulação, distorção ou frustração do
processo civil. O agente do abuso, assim, pode ser tanto o réu como o autor.
O ADP pode ocorrer, em uma segunda interpretação, mesmo que a parte não
tenha deliberada intenção de lesar. Há, no entanto, o prejuízo ao procedimento. A
terceira situação em que a doutrina enxerga abuso de direito é a que envolve
qualquer tipo de incumprimento pelas partes de regras procedimentais. Em uma
visão mais abrangente, a quarta, o Abuso de Direito Processual inclui qualquer
desvio cometido pelas partes, não partes, advogados ou pela Corte e seus oficiais.
Interessante é a afirmação de Neil Andrews66 quando trata de Abuso de
Direito Processual cometido pelas autoridades judiciárias. Afirma o autor que,
embora os padrões dos juízes ingleses sejam, acreditadamente, elevados, há casos
em que é necessária a intervenção de instâncias superiores para a repressão do
ADP. No entanto, os advogados não costumam valer-se de procedimentos formais
para afastar ou disciplinar o magistrado infrator. Em geral, as reclamações são
informalmente direcionadas ao Lord Chancellor ou aos Heads of the Division in the
High Court (por exemplo, o Lord Chief of Justice).
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!
63
Vexatória, caluniosa ou manifestamente infundada.
FENTIMAN, ob. cit., p. 55.
65
ANDREWS, Neil. Abuse of Process in English Civil Litigation, in Abuse of Procedural Rights:
Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer Law International, 1999, p. 65.
66
ANDREWS, ob. cit., p. 66.
64
!
()!
Andrews afirma que o princípio geral nos tribunais é o de que “do not wash
your dirty linen in public” 67. Ou seja, não se lava roupa suja em público nos tribunais
ingleses.
O doutrinador elenca, em rol não exaustivo, seis tipos de condutas típicas
consideradas como ADP. São elas: “bad or weak claims and defenses, pré-emptive
injunctions, unmeritorious appeals or collateral attacks, a fusillade of worldwide
claims, discovery abuse, abuse of incidental procedures” 68.
A primeira categoria – ações ou contestações ruins ou fracas (em tradução
livre) – trata não só das demandas sem adequado enquadramento legal ou fático,
mas também daquelas hipóteses em que os meios de prova deixam de ser
produzidos ou o são de forma deficiente. A insistência em procedimento mal
instruído ou proposto configura ADP. E não há necessidade de se pesquisar a
vontade da parte que abusa. O critério de aferição do abuso é objetivo.
As injunctions (liminares ou cautelas) preventivas são campo propício para
ocorrência do Abuso de Direito Processual. Liminares para congelar os bens da
outra parte, sem a verdadeira necessidade, podem ser consideradas atos de ADP69,
por exemplo.
Apelações (ou recursos) sem fundamento ou medidas colaterais também
oferecem hipóteses de ADP. Recursos apenas para ganhar tempo, sem a menor
possibilidade de sucesso, são considerados atos de ADP. O mesmo raciocínio se
aplica a medidas colaterais no curso do processo principal, cuja intenção seja a de
criar dificuldades para o autor (ou réu) da demanda principal70.
A saraivada de ações judiciais71 em todo o mundo (tradução livre de fusillade
of worldwide claims) caracteriza-se como a tentativa de impor à outra parte a
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!
67
ANDREWS, ob. cit., p. 66.
ANDREWS, ob. cit., p. 69-72.
69
Até mesmo na Inglaterra, o protesto contra alienação de bens e o arresto cautelar que o Dibens
ingressou contra a Bomfim seriam vistos como atos de Abuso de Direito Processual (Capítulo 2).
70
Pode-se pensar que são medidas colaterais as execuções e a reintegração de posse ajuizadas
após a Ação de Rito Ordinário, conforme visto no Capítulo 2.
71
CABRAL, Antonio do Passo. O Contraditório como Dever e a Boa-fé Processual Objetiva.
Revista de Processo, n. 126, p. 59 in Revista dos Tribunais on-line, comenta que a conduta de se
68
!
(*!
desistência de suas pretensões, visto que tem de se defender e atuar em diversos
procedimentos em jurisdições sortidas ao redor do mundo72.
O discovery abuse configura-se quando uma parte atua no sentido de impedir
que a outra tenha acesso às informações relativas ao litígio. Provas podem ser
omitidas e detalhes do processo podem ser utilizados como elementos-surpresa.
O abuso de procedimentos incidentais pode ocorrer quando uma das partes
ajuíza novas demandas com o exclusivo intuito de criar um meio de barganha no
processo principal. É uma forma de intimidar a outra parte com uma demanda que
possa significar algum custo adicional na contratação de mais advogados e
despesas processuais. O objetivo, no final das contas, é fazer com que o litígio
principal acabe sendo deixado de lado ou que se force algum tipo de composição.
Andrews73 aponta que a melhor forma de proteção contra o abuso de direitos
processuais é a integridade dos advogados. Eles são o filtro que impediria a procura
do Poder Judiciário com pleitos sem fundamento ou frívolos.
Desde abril de 1999, há um instrumento denominado striking out. Trata-se de
instrumento que permite a “eliminação” ou extinção do procedimento, acaso fique
caracterizado o abuso do processo. Andrews cita como exemplo de aplicação do
striking out o caso que envolveu os sócios e ex-sócios da famosa loja inglesa
Harrods, em Londres. O processo foi encerrado sob o fundamento de que somente
servia como veículo para prejudicar a família Fayed. Tratava-se de demanda não
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72
73
!
valer de diversos procedimentos, manipulando fatos, em abuso de direito, constituiria um
verdadeiro carnaval. Compreende-se a alegoria utilizada pelo doutrinador. No entanto, com ela não
se pode concordar. Carnaval é uma festa. O Abuso de Direito Processual, ao contrário, não é nada
a ser comemorado. São suas palavras: “Ante a morosidade da máquina judiciária, a utilização de
expedientes processuais escusos é uma preocupação que assumiu, nos últimos tempos, o status
de drama social: já faz parte da cultura popular o mito de que aquele que tem o melhor advogado
será vitorioso no processo, rito complexo e incompreensível, comparado freqüentemente a um
verdadeiro carnaval, onde os foliões, com insaciável volúpia por vitória a qualquer custo, desfilam
na avenida com fantasias e alegorias, travestindo suas reais intenções em múltiplos recursos e
requerimentos protelatórios, quando não fraudando ou manipulando fatos e documentos”.
A Bomfim teve de atuar em São Paulo, Sergipe e Brasília, em verdadeira “fusillade” de ações e
procedimentos propostos pelo Dibens.
ANDREWS, Neil. Abuse of Process in English Civil Litigation, in Abuse of Procedural Rights:
Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer Law International, 1999, p. 73.
)+!
fundada na boa-fé e carente de fundamentação ou de relevantes questões de
mérito. Estava caracterizado, portanto, abuso do processo74.
3.4 Austrália
Bryan Beaumont75 foi o responsável pelo relatório acerca do Abuso de Direito
Processual na Austrália. Ele define o instituto como sendo a utilização de processo
legal para a realização de um objetivo diferente daquele para o qual o procedimento
foi projetado, e/ou a deliberada infração a direitos reconhecidos e normas
processuais.
A Austrália está adaptada ao sistema da common law. Sua Constituição
Federal tem como base a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte.
Não há regra geral sobre Abuso de Direito Processual. A vedação à prática é
extraída das noções de devido processo e abuso do processo.
O sistema de vedação do Abuso de Direito Processual na Austrália é similar
ao norte-americano. Há preocupação com a repetição de pedidos anteriormente
indeferidos perante outras Cortes. A coisa julgada e a preclusão do direito (issue
estoppel) são institutos que se caracterizam como vedações ao Abuso de Direito
Processual.
Ao relatar quem são as partes que costumam abusar do processo, o
doutrinador aponta que os autores são os principais infratores76. Os réus raramente
abusam. Já os juízes podem abusar, embora não seja frequente. O abuso judicial
estaria situado no momento em que o devido processo legal seja, de alguma forma,
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74
75
76
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ANDREWS, ob. cit., p. 80. Eis o trecho em que o juiz aplicou a regra do strike out: “I am convinced,
on a consideration of the history of the campaign wich Lonrho [the plaitiff] has waged against the
Fayeds [the defendants], that the present claim has no foundation in fact and is not made in good
faith and with a genuine belief in its mertis, but has been manufactured to provide a vehicle for a
further public denunciation of the Fayeds. I have no doubt that it is an abuse of the process of the
court, and I will strike out accordingly”.
BEAUMONT, Bryan. Report on Abuse of Procedural Rights for Austrália, in Abuse of
Procedural Rights: Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer Law
International, 1999, p. 101-107.
BEAUMONT, ob. cit. p. 106.
)"!
desrespeitado. Isto é, quando juiz não seja imparcial ou quando ele intervenha no
processo de tal forma que impeça a solução rápida do litígio. Há abuso judicial
também na hipótese de o juiz não fornecer iguais oportunidades de produção de
provas e defesas às partes.
3.5 Itália e França
Quem relata a disciplina do ADP na Itália e na França é Angelo Dondi. Afirma
o autor, de início, que “tendo em vista uma definição geral de ADP que leve em
conta estritamente uma abordagem processual e normativista, não há nada mais
discreto que os sistemas legais francês e italiano, que em muito se assemelham”77.
Ambos se amparam na ideia de “abuso de direitos legais”, ou seja, de direitos
substantivos (materiais), em especial relação com o conceito de propriedade e
direitos a ele relacionados.
Preceitua Dondi78 que, nos primórdios da cultura legal da França e da Itália,
encontra-se muito latente a noção de função social da propriedade, buscando-se
uma inovação nesse conceito, por meio da rejeição do conceito tradicional de
propriedade, ao focar-se nos direitos específicos do proprietário e na proteção a ser
concedida aos muitos interesses que cercavam a comunidade, vista como uma
entidade geral ou como os sujeitos individualizados afetados pelas atividades
executadas pelo proprietário. Essa noção manteve-se até a virada do século XIX
para o XX, transformando-se em efetiva ferramenta de remodelagem das
aparentemente imutáveis construções legais e sociais.
Como amplamente demonstrado por Josserand, um pouco antes da década
de 30 do século XX, a noção de abuso de direito havia atingido, ao menos na
França, um nível notável de desenvolvimento, influenciando várias áreas79.
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77
78
79
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DONDI, Angelo. Abuse of Procedural Rights: Regional Report for Italy and France, in Abuse of
Procedural Rights: Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer Law
International, 1999, p. 109.
DONDI, ob. cit., p. 109.
DONDI, ob. cit., p. 110.
)#!
Nessa visão, tem grande importância o progressivo desenvolvimento da área
original operativa da noção de abuso, que vai além do contexto tradicional do devido
direito do proprietário de dispor em outras áreas. Papel fundamental começa a ser
exercido por estratégias processuais (“arsenais ricos em armas jurídicas”, de acordo
com os preceitos de Josserand) de combate ao abuso80.
Assim, começa a tornar-se inevitável uma mistura entre os aspectos
processuais e materiais do abuso dos direitos legais, evidenciados pela doutrina e
jurisprudência. Isso, na França. A Itália começou a trazer mais contribuições a partir
da década de 50 do século XX, porém, de modo mais discreto. Na França, o assunto
difundiu-se com mais força.
Na Itália, pode-se dizer, considerando a linha de questionamento proposta
neste estudo, há uma ausência de exemplos claramente definidos de “abuso
processual”. Não há também um conceito específico de abuso, como há na França
(abus du droit).
No primeiro Codice di procedura civile italiano, de 1865, estabelece-se que o
processo é concebido essencialmente como uma arma para o cumprimento da
liberdade ilimitada oferecida ao proprietário pelo direito material81.
O Codice Civile italiano de 1942, em seu art. 833, apresenta alguns traços
discretos da percepção do problema do abuso (abuso de diritto). Esse artigo
localiza-se após a regra concernente aos direitos de propriedade. De acordo com
posteriores interpretações doutrinárias, essa regra se coadunaria mais com o
espírito da Costituzione italiana de 1947 (os arts. 2 e 42 versam sobre a noção de
solidariedade), a qual demonstra grandes preocupações com o aspecto social das
relações, do que com o Codice de 42, onde as referências sociais são vagas82.
Entretanto, de acordo com Dondi, as supramencionadas interpretações
doutrinárias do art. 833 não vingaram no sentido de incorporar a noção de abuso de
direito ao contexto jurídico italiano, por meio de decisões jurisprudenciais.
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80
DONDI, ob. cit., p. 110.
DONDI, ob. cit., p. 111.
82
DONDI, ob. cit., p. 112-113.
81
!
)$!
Tomando-se o conceito de exceptio doli do direito romano, poder-se-ia dizer
que há algum traço de abuso processual no direito italiano, porém, não há nenhum
aparato normativo bem desenvolvido sobre o abuso na lei processual italiana. Dondi
ressalta que há um “vácuo normativo e intelectual sobre a matéria”, mas pondera
que existe, ainda, uma filosofia básica a permear a cultura processual civil italiana,
em que ainda prevalece largamente uma “abordagem estritamente adversarial,
dando aos advogados absolutos poderes sobre o desenvolvimento das opções e
estratégias processuais. Uma ameaça aos poderes intocáveis dos advogados pode
ser considerada como uma abordagem que inclui a noção de abuso”83. Assim, o que
há sobre abuso, segundo Dondi, é um pequeno grupo de normas do Codice que
tratam do comportamento processual dos advogados (arts. 88, 92 e 96).
O art. 88 trata do dever de lealdade e de integridade profissional, porém, o
dispositivo é vago, não explicitando os significados de tais expressões. Ainda, não
há sanções para o descumprimento dessa norma, “a menos que se considere como
sanção a opção marginal que tem o juiz de informar à Ordem dos Advogados local
sobre o comportamento impróprio da parte ou advogado – porém, como pode ser
detectada ou sob quais fundamentos?”84.
Em se tratando de despesas legais, a regra fundamental na Itália é baseada
na noção de que a responsabilidade pelas despesas recai inteiramente sobre a parte
vencida, com algumas exceções. Haverá reembolso à parte vencedora em casos de
“excessividade ou superfluidade”, quando se executam atividades processuais
desnecessárias”85.
Tomando-se as diretrizes do relator geral como base (Taruffo), Dondi afirma
conclusivamente que o chamado abuso de aparatos processuais específicos foi, de
fato, pobremente desenvolvido pela jurisprudência italiana.
Quando passa a analisar a abordagem francesa sobre a questão do abuso
processual, Dondi ressalta novamente o grande degrau existente entre as
concepções francesa e italiana, afirmando ser a primeira muito mais consistente e
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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!
83
DONDI, ob. cit., p. 115.
DONDI, ob. cit., p. 115-116.
85
DONDI, ob. cit., p. 116.
84
!
)%!
clara, já que o Nouveau Code de Procédure Français fala expressamente em “abus
du droit”, o que não ocorre na legislação italiana, que não traz, em nenhum
momento, menção expressa ao abuso em seus dispositivos.
O Code de processo francês traz, em seu artigo 32.1, o “abus du droit d’agir
en justice”, que lida com os conceitos de práticas dilatórias e de estratégias
processuais impróprias específicas (“celui qui agite en justice de manière dilatoire ou
abusive peut être condamné a une amende”), “aquele que age em juízo de maneira
dilatória ou abusiva pode ser condenado a uma multa”, em tradução livre)86. Assim,
a lei processual francesa define e prevê sanção para o abuso em um só artigo, o
que se contrapõe totalmente à lei italiana, que, como já visto, é vaga, ambígua e
confusa.
Essa multa pode ser uma soma em dinheiro (“amende civile”) combinada com
outra, relativa a danos compensatórios (“dommages-intérèts). Ainda pode ser a
essas adicionada uma astreinte, que é multa por não cumprimento a ordens
judiciais.
No Code de processo francês ainda há normas que preveem penas para os
casos de abuso e manobras protelatórias em sede recursal, como ocorre no art. 559
(appel principal dilatoire ou abusif).
Também ao contrário do que ocorreu na Itália, a jurisprudência francesa
desenvolveu bem a ideia do abuso, de acordo com Dondi: “O que a jurisprudência
francesa realizou nesta área é o retrato fiel, significativo e apurado de exemplos
específicos de atividades processuais abusivas”87.
Importantes são os arts. 123 (relativo ao tipo de exceções peremptórias
chamadas de fin de non recevoir, que levam à efetiva extinção no mérito) e o art.
118 (relativo a específicas exceções para invalidade dos estágios processuais que
pudessem conduzir a um julgamento nulo). Essas exceções apresentadas em
estágio inicial do processo permitem que o juízo aplique as sanções acima
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
86
87
!
DONDI, ob. cit. p. 117.
DONDI, ob. cit., p. 119.
)&!
mencionadas. A doutrina e jurisprudência francesas desenvolveram as noções de
faute e faute simple, que trazem em si a malícia e a má-intenção88.
Angelo Dondi comenta que em ambos os sistemas – italiano e francês – a
responsabilidade pelo abuso parece recair sobre as partes, e não diretamente sobre
seus advogados. O advogado não é contemplado nos arts. 92 do Codice italiano e
nem no art. 32.1 do Code francês. Esse aspecto é raramente considerado na
Europa, ao contrário dos Estados Unidos. Afinal, é o advogado o responsável pela
escolha das manobras processuais a serem realizadas. Nas palavras de Dondi89, a
relevância da ética legal na Europa é escassa. No moderníssimo Codice
deontologico forense italiano, de 1997, tal noção de ética legal no processo é
totalmente inexistente. Há apenas sugestões e afirmativas vagas e aleatórias, com
definições nada claras de “lealdade e correção”; “dignidade e decoro” e “dever de
verdade”, todas relativas ao comportamento dos advogados. A única “sombra de
sanção”90 é um procedimento disciplinar perante uma banca de colegas advogados
em caso de expressa malícia. Outro caso do Código deontológico que poderia
caracterizar previsão contra o abuso de processo seria o do art. 23, subseção 2,
“direito de representação”, que impõe ao advogado o dever de abster-se ou objetar
qualquer tipo de manobra processual sem fundamentos ou que atrapalhe o curso
normal de um procedimento judicial. Essa norma, porém, não prevê sanção, e,
assim, é difícil considerá-la como uma disposição antiabuso91.
Quanto ao sistema francês, no que concerne à ética legal no processo,
assemelha-se ao italiano, já que não há igualmente preocupação com o
estabelecimento de sanções para o advogado faltoso. As regras de ética legal
francesas visam somente a organizar a advocacia como profissão, preferindo não
lidar com problemas como abuso nos procedimentos legais. Há apenas um
dispositivo nesse sentido, o art. 113 do Decrét de 21/11/91 (n. 91-119), que torna o
advogado civilmente responsável pelas atividades profissionais realizadas por seus
sócios.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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88
DONDI, ob. cit., p. 119.
DONDI, ob. cit., p. 121.
90
DONDI, ob. cit., p. 122.
91
DONDI, ob. cit., p. 122.
89
!
)’!
Dondi conclui seu estudo jogando alguma luz no horizonte jurídico da
normatização do abuso do direito na Itália. Afirma que aos poucos está surgindo
naquele país, nos últimos anos, certo interesse pela questão, em razão dos
inúmeros estudos hoje existentes que relatam diversos tipos de abusos processuais.
Ressalta, ainda, que o uso excessivo, na Itália, de remédios processuais provisórios
é hoje um dos fatores desencadeantes do abuso no processo.
Faz o autor menção final a uma
“decisão recente da Corte di Cassazione que considera responsável o
advogado – e o condena ao pagamento de danos compensatórios – pelo
resultado negativo de procedimento judicial toda vez que tal resultado for
causado por representação negligente do interesse de seu cliente. Em
razão da sanção monetária envolvida, representará essa decisão um
leading case representante de uma nova tendência, ligada mais à noção de
negligência profissional do que às práticas abusivas reconhecidas, e
rudemente moldada na abordagem francesa, sancionando duramente essas
92
atividades por meio de dommages et intérèts?” .
3.6 Bélgica e Holanda
Piet Taelman, da Universidade de Ghent, Bélgica, elaborou um sistemático
relatório, dividindo-o em: Parte Geral, Abuso de Direitos Processuais como um todo,
Abuso de Mecanismos Processuais específicos, Quem Abusa do Processo Legal e
Avaliação Geral e Comentários.
Na Parte Geral do relatório, Taelman compara Bélgica e Holanda quanto à
existência de previsão do abuso de direitos processuais em suas legislações. Na
Bélgica, não há definição específica em lei para o ADP, estando, porém, o fenômeno
do abuso processual presente em leis esparsas de maneira indireta e desordenada,
e também na jurisprudência, que dá as diretrizes para que seja o ADP encontrado,
sem defini-lo expressamente. Na Holanda, por sua vez, há definição específica,
sendo o ADP espécie do gênero abuso de direitos. Está codificado no artigo 3:13
combinado com 3:15 do novo Código Civil. Encontra-se ali a definição de abuso: um
poder exercido exclusivamente para prejudicar outrem, ou exercido diferentemente
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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!
92
!
DONDI, ob. cit., p. 123.
)(!
de suas finalidades, no qual, considerando-se uma desproporção entre o interesse
no exercício do poder e o interesse lesado, tal exercício não poderia ter ocorrido93.
Nas doutrinas belga e holandesa pode-se encontrar uma descrição para o
tema. O abuso do processo judicial pode ocorrer em dois níveis: relacionar-se com o
real uso do direito de instituir procedimentos (ingressar com uma ação judicial), ou
surgir por meio da maneira pela qual o procedimento é usado. Assim, o abuso dos
procedimentos processuais pode ser definido como o uso, sem demonstração de
razoável interesse, das regras de direito processual para uma finalidade diversa da
qual se pretendia e/ou o uso dessas regras de modo inconsistente com as
considerações à economia processual94.
Na Bélgica e na Holanda, o conceito de ADP é principalmente jurisprudencial.
Ambas as Cortes o definem como o exercício de um direito cuja única finalidade é
causar dano. A base legal está nos arts. 1382 e 1383 do Código Civil belga e art.
6:162 do Código Civil holandês, disposições que regulam responsabilidade civil e
responsabilidade por dano.
Em geral, de acordo com jurisprudência majoritária, a pessoa que causou o
dano será condenada a pagar por ele, indenizando o lesado. Porém, em outras
situações, se não for demonstrada a má-fé de quem lesou, a ação por ADP será
rejeitada. Assim, há poucas ações que resultam em indenização.
Essa abordagem do ADP, tendo em vista somente responsabilização por
danos, restringe o total desenvolvimento da noção de abuso, visto que não se ajusta
aos casos que envolvam abusos entre as partes no processo e também entre as
partes e o juiz, bem como abusos para os outros envolvidos no processo, como
promotores e público em geral.
Aqui, entra em cena a boa fé-objetiva, ou seja, a preocupação com a boa
condução do processo, por todas as partes envolvidas. Explica Taelman que a ideia
de penalização de abuso processual não deveria apenas considerar um montante a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
93
TAELMAN, Piet. Abuse of Procedural Rights: Regional Report for Belgium-The Netherlands,
in Abuse of Procedural Rights: Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer
Law International, 1999, p. 125.
94
TAELMAN, ob. cit., p. 126.
!
))!
ser pago pela ocorrência do dano, ou seja, não é mais relevante se o dano foi
ocasionado ou não por uma conduta processual imprópria. Deve-se, sim, dar
atenção muito maior para a ocorrência das consequências danosas de um abuso de
direitos processuais em si95.
A doutrina e as decisões jurisprudenciais da Bélgica e da Holanda vêm-se
desenvolvendo crescentemente no sentido de deixar de lado a concepção clássica
de indenização por abuso advinda de responsabilidade civil, apenas para focar-se
nas supramencionadas consequências de atos processuais abusivos em juízo. As
partes devem agir de maneira a não lesar uma a outra. O exemplo dado por
Taelman é o da desconsideração, pelo juiz, das denominadas novas petições
escritas (new written pleadings), que forem apresentadas de última hora, no dia da
audiência oral. Essa foi decisão da Court of Cassation belga, determinando
expressamente que a interposição tardia de petições pode significar abuso de
direito, quando estas constituírem barreiras para o julgamento da causa e
prejudicarem os direitos da parte adversa96.
Segundo Taelman, a forma mais óbvia de ADP é a violação ou
desconsideração a uma regra processual ou seu uso de modo diverso ao que foi
concebido. O autor cita a linha de julgamento da Corte de Cassação belga no
sentido de ordenar que a parte vencedora pague pelas custas processuais, mesmo
que não seja ela culpada pela violação ou perversão de uma regra de direito
material ou processual, tendo em vista o princípio da boa-fé objetiva.
O ADP tem aplicação universal em diversas áreas do processo judicial.
Principalmente após a legislação belga de 1992, muitas previsões legais têm sido
direcionadas para punir abusos em ações judiciais e também em apelações. Com
relação à execução forçada de decisões judiciais (lei de execuções e reintegrações
de posse), são raros os dispositivos que se destinam a impedir ou penalizar abuso
de processo. A partir de janeiro de 2003, provavelmente devido à introdução, na lei,
da penalização automática por abuso de processo, aumentaram enormemente os
casos de abusos que passaram a ser punidos. A explicação para esse
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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95
96
!
TAELMAN, ob. cit., p. 128.
TAELMAN, ob. cit., p. 129.
)*!
desenvolvimento é o desejo do legislador de cortar o enorme acúmulo de ações
judiciais97.
Taelman propõe uma definição curta e simples para o abuso, tomando-o
como conduta processual que, à luz das circunstâncias do caso, conflite com a
exigência da boa-fé objetiva. Usar esse critério como pedra de toque oferece a
vantagem de ser o chamado padrão básico. Seu conceito pode evoluir de acordo
com as constantes mudanças sociais. Porém, nem na Bélgica e nem na Holanda há
consenso sobre a visão de que a boa-fé governe também as relações processuais.
Taelman passa a analisar, em seguida, o ADP como um todo, dizendo,
primeiramente, que o direito a invocar a prestação jurisdicional pode sofrer abuso.
Assim, se a parte fizer mau uso desse direito, ou seja, agir contra os preceitos da
boa-fé, estará abusando de seu direito, e cabe ao juiz identificar e punir esse abuso.
O abuso do direito à prestação jurisdicional pode dar-se de várias maneiras, sendo a
primeira delas quando a parte sabe que poderia ter resolvido a questão
extrajudicialmente, e ainda assim o faz em juízo. Outros casos são quando uma
parte age exclusivamente em prejuízo da outra, quando há utilização de meio
processual desproporcional ou ainda quando o recurso à Justiça é um ato culpável,
ou seja, quando o autor age de maneira contrária à que agiria uma pessoa prudente
e sensata98.
Pode também sofrer abuso a garantia do devido processo legal. As partes
devem conduzir-se de maneira decente em suas relações, sob pena de incorrerem
nesse tipo de abuso. Assim, do mesmo modo, deve-se esperar das partes conduta
que se esperaria de um litigante prudente.
Outro tipo importante de ADP ressaltado pelo autor é o abuso direto
(econômico) à administração da Justiça. Esse tem sido o mais importante
desenvolvimento na noção de abuso nas leis de direito privado da Bélgica. São
claros alguns dispositivos, como o que dá poderes ao Tribunal para julgar
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97
98
!
TAELMAN, ob. cit., p. 131.
TAELMAN, ob. cit., p. 133.
*+!
antecipadamente a lide, impondo multa à parte que manifestamente abusar da
máquina judiciária, multa essa que reverte em favor da parte lesada99.
Não há nas leis processuais belga e holandesa nenhuma previsão expressa
para medidas preventivas do ADP, mas há previsões estatutárias que penalizam o
abuso, que podem ter efeito preventivo indireto.
Assim, na lei belga, são várias essas sanções. Como já anteriormente
mencionado, a mais antiga forma é o pagamento das custas processuais pela parte
que cometeu o abuso. Desde 1992, começou a haver o pagamento de multas civis,
pagas diretamente ao Estado100. O arsenal de sanções existentes para coibir o
abuso parece ser bastante efetivo, não fosse a barreira que esses mecanismos
encontram nos próprios advogados, que relutam em utilizar-se deles. Porém, tem
havido certa mudança de mentalidade nos últimos anos, sobretudo em razão do
acúmulo de ações judiciais.
Taelman relata que o Ministro e servidores da Justiça tentaram criar estatuto
prevendo a responsabilização do advogado pelo comportamento abusivo da parte.
Tal iniciativa foi ferozmente repelida pela Ordem dos Advogados belga, mas é
defendida pelo doutrinador.
Sobre a frequência do ADP, afirma o autor ser difícil medi-la; porém, pode-se
dizer que é mais frequentemente penalizado em procedimentos executórios
forçados, uma vez que, nesses casos, já há uma parte definida como devedora,
sendo as resistências a medidas executivas manifestamente meras táticas
protelatórias101.
Taelman segue em seu relatório, elencando nove tipos de abusos de
mecanismos processuais específicos, a saber:
1. O primeiro deles pode ocorrer em causas simples, como as de rito
sumário, que não exigem muitas alegações por escrito. Nesses casos, se a
parte contrária argumenta contrariamente ao uso desse tipo de rito, há uma
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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99
TAELMAN, ob. cit., p. 134.
Um sistema similar ao do art. 14, parágrafo do Código de Processo Civil Brasileiro.
101
TAELMAN, ob. cit., p. 136.
100
!
*"!
grande chance que a demanda seja estendida por tempo indeterminado.
Isso caracteriza abuso, é muito frequente, mas não punido.
2. A segunda forma de abuso ocorre quando o autor leva muito tempo para
intimar o réu das evidências que possui. O autor ressalta que sob as leis
belgas e holandesas, não há obrigação de uma parte intimar a outra de
todas as suas evidências de uma vez só, por razões estratégicas, porém, se
essa intimação demorar muito tempo a ocorrer, em alguns casos (e.g.,
quando essa demora resultar em retardo injustificável na audiência), pode
caracterizar-se abuso do direito processual. Não há sanção para tal
comportamento, mas a lei estipula que qualquer evidência ou peça
apresentada após o encerramento da audiência pode ser desconsiderada,
art. 771, Código de Processo Belga.
3. A terceira forma de abuso é a que ocorre mais frequentemente, e se dá
quando a parte deixa de protocolar petições por escrito no tempo hábil. A lei
processual belga não trata como compulsórios os cumprimentos de prazo
para protocolo de petições, portanto, a parte interessada deve pedir em
juízo que se estabeleça tal prazo. As petições que não forem protocoladas
no tempo determinado pelo juiz serão automaticamente excluídas ex officio
da apreciação judicial, o que evita que as partes e o próprio funcionamento
do Juízo seja lesado.
4. A quarta forma de abuso encontra-se também em vários tipos de petições
preliminares, que digam respeito ao procedimento e à jurisdição. Esse tipo
de petição tem propósito totalmente protelatório e não é punido pela Justiça.
5. Outro caso, ainda, é a de petições investigativas utilizadas por uma das
partes, apenas para atrasar o processo, sem nenhum efeito prático para o
processo. A sanção nesses casos seria indireta, ou seja, o caso pode ser
levado a julgamento antecipadamente.
6. A próxima forma de abuso tem um elo próximo com a questão da
exclusão, dos autos do processo, de petições que tenham sido protocoladas
fora do prazo requerido pela parte e fixado pelo juiz. Há divisão na doutrina
sobre se seria possível que a parte que teve sua petição excluída
apresentasse oralmente suas alegações. A primeira corrente pensa que a
parte possui esse direito, já que para ser julgada, a parte precisa ser ouvida
(art. 6 da Convenção Europeia de Direitos Humanos). A outra corrente
pensa que, uma vez perdido o prazo, não teria a parte negligente o direito
de argumentar oralmente em audiência, sem que isso fira o art. 6 da
C.E.D.H.. O autor segue a segunda corrente, ressaltando que o
pensamento da primeira corrente pode conduzir a abusos no processo, visto
que a parte negligente que esteja de má-fé poderia sempre retardar o curso
dos procedimentos apoiada no princípio contido no referido art. 6, sob o
falso pretexto de honrar os direitos que tem as partes de serem ouvidas a
102
qualquer tempo em Juízo .
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!
102
!
TAELMAN, ob. cit., p. 139
*#!
7. Na prática, há também com frequência abusos dos remédios legais
disponíveis para as partes, como oposição a julgamentos que declarem
inadimplementos e apelações interpostas apenas para livrar-se de
execução iminente. No Código Civil Belga, há dispositivos prevendo uma
multa a ser imposta contra partes que interpuserem apelações
inconsequentes e sem embasamento legal, perante a Corte de Apelações.
Essa multa não reverte em favor da Justiça, mas em favor da parte
prejudicada com a apelação de má-fé e meramente protelatória. Os critérios
utilizados para imposição dessa multa não estão na lei. A Corte a impõe, se
entendê-la “justificada”. Entretanto, poucas multas dessa natureza são
aplicadas, já que essa pena representa uma potencial restrição do direito de
103
recorrer .
8. Finalmente, o abuso de processo surge com imensa frequência nos
processos de execução e distraint (instituto que assemelha-se, no Direito
brasileiro, ao arresto). Assim, o que ocorre é que, muitas vezes, a parte que
propôs a cautelar de arresto pode ser considerada responsável por abuso
de processo se a cautelar for infundada. Isso ocorre quando os bens que
seriam arrestados não são suficientes para cobrir o crédito, ou em casos em
que a medida cautelar serve o único propósito de exercer pressão sobre
quem deve. Por outro lado, também pode a parte que está sofrendo o
arresto interpor apelação contra aquela medida, a fim de maliciosamente
retardar o curso da execução e a venda de seus ativos pelo maior tempo
possível. Nesses casos, pode a parte que propôs a cautelar de arresto
apresentar uma counterclaim (uma espécie de resposta ou contestação),
buscando uma ordem do juiz no sentido de obter compensação por abuso
de processo. Medidas para estabelecimento de titularidade de um
determinado crédito ou débito são também frequentemente mal
fundamentadas. Algumas vezes, fica muito claro que a parte que busca seu
título está apenas buscando oferecer à outra parte uma ajuda ao retardar a
execução ao máximo e, para no maior prazo possível, liberá-lo do arresto.
Aqui, também, com frequência se caracteriza o abuso.
9. No âmbito das leis sobre execução e arresto existem várias regras
específicas (previsão de uma maneira simplificada e barata para conduzir
procedimentos, acordo judicial da disputa prioritariamente sobre outros
casos e exclusão da possibilidade de efetivar meios legais de ação) que são
essencialmente direcionadas para prevenir ou desencorajar abusos de
104
processo .
Taelman segue seu relatório, analisando quem abusa do processo judicial.
Subdivide esse exame em algumas categorias, a saber:
1. Abusos pelos Autores e réus: como se viu, ambos podem cometer
abusos no processo judicial. Porém, nota-se que em casos de execução e
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103
104
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TAELMAN, ob. cit., p. 140-141.
TAELMAN, ob. cit., p. 141-142.
*$!
arresto o abuso se dá mais por parte do autor, enquanto em ação
declaratórias ou confirmatórias de direito material de uma das partes,
geralmente o responsável pelo abuso será o réu.
2. Abusos pelos advogados (distintos dos clientes): na Holanda, a
representação por advogado é compulsória, enquanto na Bélgica só é
obrigatória em sede recursal, para casos cíveis. Em casos em que há
advogado atuando, todos os atos do processo são atribuídos aos litigantes.
O trustee ad litem (advogado) não é um litigante e, portanto, não pode ser
responsabilizado por abuso de processo. Somente o cliente o será. Porém,
como já dito supra, no final de 1995 houve um movimento por parte da
Justiça belga para que começassem a ser responsabilizados os advogados
por comportamentos de abuso no processo, uma vez que são eles quem
instruem os clientes e decidem quais medidas a serem tomadas. Uma
providência mal tomada deve, portanto, levar à responsabilização do
advogado, e não do cliente. Entretanto, como houve oposição ferrenha por
parte da Ordem dos Advogados, o autor pensa ser muito difícil que essa
proposta se torne um dia lei.
3. Abusos cometidos pelo Juiz (atrasos indevidos, má condução de ações
judiciais, rigidez) e outros sujeitos processuais (promotores, peritos e outros
serventuários da Justiça): no que concerne ao Juiz, mesmo que
teoricamente seja inconcebível abuso de processo por sua parte, eles
acontecem, quando tacitamente tolera abusos, sem os punir, quando deixa
de proceder à audiência em prazo razoável ou quando se omite em
responder a uma petição requerendo audiência protocolada por uma das
partes. O problema é que até hoje ninguém ousou manifestar-se contra
esses abusos por parte do Juiz, ou até de um promotor, visto que teme-se
criar situações hostis entre colegas no ambiente dos Fóruns ou dos
Tribunais recursais. Quanto aos peritos, se eles deixam de cumprir prazos
estipulados pelo juiz, pode ser substituído e responsabilizado por abuso. Os
outros funcionários da Justiça têm responsabilidades claramente
estabelecidas (art. 866 do Código Judicial belga e art. 56 do Código de
Processo Civil holandês). Custas cobradas desnecessariamente deverão
105
ser pagas pelos serventuários judiciais .
Em suas conclusões e comentários, Taelman inicia dizendo que não há
dúvidas que a noção de ADP existe nos Direitos belga e holandês, e que deve haver
um esforço para que ele seja banido. Entretanto, na prática, é raro que se peça
ordem para apontar o abuso no processo. E, se pedida, tal petição é raramente
atendida. O autor pensa que essa reticência poderia ser explicada por má
construção das considerações éticas por parte dos advogados. E que essa relação
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105
!
TAELMAN, ob. cit., p. 143-145.
*%!
se explica em razão de uma visão inadequada do que aqueles que dependem da lei
esperam da justiça contemporânea106.
Na Bélgica, houve em 1998, uma proposta de mudança na organização
judicial, que, à época, ainda não havia sido implementada. O autor comenta também
que, no período de 1995-1996, foram feitas algumas propostas para atualizações
nas leis processuais, a fim de coibir abusos, como imposição de multa civil para o
ADP e agilização dos processos com a limitação de petições por escrito em sede
recursal. A Holanda, igualmente, tem caminhado no sentido de promover alterações
em suas leis processuais para atualização dos procedimentos e consequente
diminuição de abusos. As principais mudanças seriam menos volume de petições
por escrito durante o processo e a existência de um juiz que se comunicasse com as
partes e advogados como um gerenciador do processo.
Taelman finaliza seu estudo sugerindo padrões e mecanismos para evitar e
sancionar efetivamente os vários tipos de ADP. Afirma que, em geral, a existência
de regras que sejam o mais simples possível e que sejam transparentes já seria, por
si, a melhor garantia contra o abuso. Segue dando alguns exemplos, como regras
processuais que impusessem uma verdadeira cooperação entre as partes e
penalização quando da quebra daquelas regras; regras que estabeleçam um papel
mais ativo do juiz no sentido de coibir tais abusos, punindo-os com multas civis que
deveriam ser revertidas ao Legal Aid Fund (Fundo de Auxílio Judicial). Acima de
tudo isso, muita atenção deveria ser dada à prevenção desses abusos, além de se
manter um foco na tentativa sempre permanente de promover um rápido manejo do
sistema judicial, já que a efetividade inibe os abusos.
3.7 Alemanha e Áustria
O responsável pelo relatório para a Alemanha e Áustria foi o Prof. Dr.
Burkhard Hess, da Universidade de Tübingen, Alemanha. Ele divide sua análise em
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106
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TAELMAN, ob. cit., p. 145.
*&!
quatro partes: visão geral do problema, iniciação abusiva dos procedimentos
judiciais, comportamento abusivo no curso dos procedimentos e conclusão.
Hess afirma que não há, na Alemanha e na Áustria, nenhuma previsão
específica de proibição do ADP em suas leis processuais, embora a maioria dos
tribunais presuma que as partes devam conduzir-se com boa-fé no processo. Diz
que a importância prática do ADP é razoavelmente pequena. Entretanto, mesmo não
havendo uma positivação do abuso nesses sistemas legais, há uma proibição do
ADP como um princípio legal geral, que se expressa por algumas regras, a saber:
- No que concerne à admissibilidade de uma ação, um interesse legítimo
pode ser negado com base em abuso de direitos legais;
- O princípio da justa condução das ações (boa-fé processual) se aplica
durante todo o processo. A regra do sec. 138 dZPO (Código de Processo
Civil Alemão) diz “As declarações dadas pelas partes, concernentes a
circunstâncias fáticas, devem ser completamente verdadeiras”. Manobras
protelatórias são punidas com custos adicionais.
- A parte que deixa de apresentar provas também pode sofrer várias
sanções, dentre as quais, presunção de veracidade dos fatos apresentados
pela parte contrária.
- A res judicata pode ser revertida em casos em que o título formado em
sentença tiver sido obtido por meios desonestos, tendo a parte faltosa que
compensar a outra (secs. 578, 580, dZPO; sec. 826, BGB, Código Civil
Alemão e sec. 1295 (2) AGBGB, Código Civil Austríaco).
- Na Alemanha, sec. 765s dZPO contém uma proibição do abuso como uma
cláusula geral (limitada), na execução judicial: “Por meio de petição do
devedor, a corte de execução pode cancelar uma ação de execução no todo
ou em parte, rejeitá-la, ou temporariamente suspendê-la, se aquele ato, ao
levar em completa consideração a necessidade de proteger o credor,
colocar um dever rígido a circunstâncias totalmente especiais que não
possam ser reconciliadas com a política pública”. Na Áustria não há regra
107
geral proibindo o abuso na lei de execuções .
Na Alemanha, a proibição ao ADP é retirada das regras contidas nas sec. 226
(proibição da chicana) e sec. 242 (obrigação geral de boa-fé) do BGB. Ocorre que a
aplicação direta desses artigos ao processo não poderia se dar, em razão da opinião
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107
!
HESS, Burkhard. Abuse of Procedure in Germany and Austria, in Abuse of Procedural Rights:
Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer Law International, 1999, p. 152.
*’!
predominante de que o direito material deve ser separado do processual. Porém,
como princípio geral, podem ser aplicados subsidiariamente no processo, e é o que
tem feito a Justiça. No início do século XX, na doutrina alemã, havia essa
preocupação para separar os direitos processual e material. A Suprema Corte Alemã
chegou a afirmar que as leis processuais barravam qualquer apelo à lealdade e à
boa-fé. Goldschmidt chegou a afirmar que “no processo, não há moral”. Sob o
regime nacional socialista, começou a admitir-se a utilização da regra do 242 do
BGB, porém, tal regra foi utilizada para dar poderes irrestritos ao juiz, em detrimento
dos legítimos interesses das partes108.
Após essa experiência negativa, a partir de 1945 começou-se a ter precaução
ao aplicar-se o princípio geral da boa-fé. Hoje, pode-se detectar um crescente
deslocamento dos princípios gerais pelas garantias processuais, de acordo com o
direito constitucional.
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108
Durante o nacional-socialismo o juiz foi investido de poderes extraordinários, para servir aos
ditames do regime instaurado; poderes esses que, de regra, beneficiavam o próprio regime, em
detrimento dos interesses das partes em litígio. Nelson Nery Júnior, em parecer elaborado para o
caso Bomfim X BCN Leasing, no qual fomos os consulentes, datado de 22 de maio de 2006, tratou
da conduta nazista de rever a coisa julgada: “Adolf Hitler assinou, em 15.7.1941, a Lei para a
Intervenção do Ministério Público no Processo Civil, dando poderes ao parquet para dizer se a
sentença seria justa ou não, se atendia aos fundamentos do Reich alemão e aos anseios do povo
alemão (art. 2.o da Gesetz über die Mitwirkung des Staatsanwalts in bürgerlichen Rechtssachen
[StAMG] – RGBl I, p. 383). Se o Ministério Público alemão entendesse que a sentença era injusta,
poderia propor ação rescisória (Wiederaufnahme des Verfahrens) para que isso fosse reconhecido.
A injustiça da sentença era, pois, uma das causas de sua rescindibilidade pela ação rescisória
alemã nazista. Interpretar a coisa julgada, se justa ou injusta, se ocorreu ou não, é instrumento do
totalitarismo, de esquerda ou de direita, nada tendo a ver com democracia, com o estado
democrático de direito. Desconsiderar-se a coisa julgada é ofender-se a Carta Magna, deixando de
dar-se aplicação ao princípio fundamental do estado democrático de direito (art. 1.o, caput, CF). De
nada adianta a doutrina que defende essa tese pregar que seria de aplicação excepcional, pois,
uma vez aceita, a cultura jurídica brasileira vai, seguramente, alargar os seus espectros – vide
mandado de segurança para dar efeito suspensivo a recurso que legalmente não o tinha, que, de
medida excepcional, se tornou regra, como demonstra o passado recente da história do processo
civil brasileiro –, de sorte que amanhã poderemos ter como regra a não existência da coisa julgada
e como exceção, para pobres e não poderosos, a intangibilidade da coisa julgada. A inversão dos
valores, em detrimento do estado democrático de direito, não é providência que se deva prestigiar.
Anote-se, por oportuno que, mesmo com a ditadura totalitária no nacional-socialismo alemão, que
não era fundada no estado democrático de direito, como é curial, os nazistas não ousaram
“desconsiderar” a coisa julgada. Criaram uma nova causa de rescindibilidade da sentença de
mérito para atacar a coisa julgada. Mas, repita-se, respeitaram-na e não a desconsideraram. No
Brasil, que é república fundada no estado democrático de direito, o intérprete quer desconsiderar a
coisa julgada nos casos em que ele acha que deva fazê-lo; o intérprete quer ser pior do que os
nazistas. Isso é intolerável. O processo é instrumento da democracia e não o seu algoz” (este texto
também pode ser encontrado em NERY, Nelson. Teoria Geral dos Recurso. São Paulo: RT, 6ª
Edição, p. 509 a 510).
!
*(!
Na Áustria, não há uma cláusula geral de boa-fé, porém a boa-fé e a proibição
ao ADP são consideradas como princípios gerais. A lei processual austríaca pune
especificamente o ADP, impondo responsabilização específica à litigância
manifestamente de má-fé109.
No que concerne ao comportamento abusivo das partes, a doutrina o divide
em dois tipos: com relação à ação judicial e com relação ao tribunal. As partes
devem respeitar a proibição do ADP com fundamento na relação processual em si.
Em relação à Corte, as partes devem respeitar a proibição com fundamento no
interesse legítimo que trazem à apreciação do Judiciário. Estando em juízo,
subentende-se que devem agir com boa-fé, sem comportamentos vexatórios,
podendo sofrer sanções.
Já no que se refere ao comportamento abusivo da Corte de Justiça, pode-se
dizer que, na Alemanha, as garantias processuais que as partes têm para protegerse de um possível abuso por parte do juiz estão elencadas na Constituição Alemã e
na Convenção Europeia de Direitos Humanos, a saber, direito a ser ouvido em juízo;
princípio da igualdade processual entre as partes e direito a um julgamento justo.
Não há necessidade de se recorrer à regra do sec. 282 BGB110.
Passando a uma segunda parte de sua análise, Hess fala sobre a iniciação
abusiva dos procedimentos judiciais. Se uma ação tem interesse ulterior irrelevante,
ou objetiva simplesmente frustrar procedimentos, constitui abuso de direito e pode
ser extinta por ausência de interesse processual. A jurisprudência da Alemanha e da
Áustria considera esse um pré-requisito processual não escrito. A doutrina, porém,
examina essa questão com cautela, afirmando que o uso indiscriminado desse prérequisito pode lesar o direito das partes de acesso à Justiça. Na Alemanha e na
Áustria há normas impondo as custas à parte faltosa, o que desencoraja
suficientemente o comportamento vexatório111.
Ao abordar a questão da agregação dos casos, o autor relata que, na
Alemanha e na Áustria, o contencioso cível é baseado em um conceito de proteção
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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109
HESS, ob. cit., p. 154-155.
HESS, ob. cit., p.156.
111
HESS, ob. cit., p. 156-157.
110
!
*)!
individual, ou seja, não se admitem, em geral, class actions112, que só são
permitidas por expressas previsões. As associações apenas podem entrar com
medidas cautelares, e não acionar por perdas e danos. Entretanto, a introdução de
uma ação coletiva específica (para ações por responsabilidade civil em massa) está
sendo discutida no momento.
A seguir, Hess passa a analisar o comportamento abusivo durante o curso
dos procedimentos judiciais, dividindo-o em três partes: a obrigação de uma conduta
de boa-fé no curso de uma ação, a desonestidade no direito probatório e os
remédios e sanções para a litigância abusiva.
Sobre o primeiro aspecto – a obrigação de conduta de boa-fé na ação judicial
–, Hess comenta que os processos civis alemão e austríaco aderem a um sistema
de contraditório, em que as partes têm controle sobre suas alegações e provas,
devendo sempre falar a verdade (duty of truth, sec. 138(1) dZPO). A audiência é
preparada por petições por escrito das partes, e essas devem ser apresentadas o
quanto antes. Qualquer manobra manifestamente protelatória nesse sentido pode
ser punida como abuso do direito de exercício de submeter petições no prazo
estipulado (secs. 282, 296, 528 e segs., 1040(2) dZPO). As partes, porém, podem
alterar seus pedidos e alegações por razões táticas, sem serem punidas por
comportamento contraditório. Os abusos procedimentais eventualmente cometidos
serão considerados ineficazes, ou rejeitados pela Corte, por inadmissibilidade em
razão de ausência de legítimo interesse para a proteção jurisdicional113.
Ao falar do segundo aspecto - comportamento abusivo da Corte de Justiça -,
Hess destaca as garantias constitucionais que devem ser deferidas às partes pelo
juiz, como o direito de serem ouvidas. Essa garantia foi moldada por princípios
processuais mais específicos, em particular, a igualdade entre as partes e o direito
de acesso à Justiça. Qualquer comportamento arbitrário do tribunal pode ser
considerado como uma violação do art. 3 da Constituição alemã. Acima de tudo, as
Cortes não podem comportar-se de maneira contraditória, sobretudo não
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
112
113
!
Que equivaleriam, no Direito Brasileiro, às ações civis públicas.
HESS, ob. cit., p. 166.
**!
promovendo desvantagens processuais para as partes que advenham de seus erros
e falhas. As partes têm direito a um julgamento justo e rápido.
A existência dessas garantias constitucionais elimina a necessidade de se
recorrer à proibição do ADP. A constitucionalização do processo civil tem como
consequência a possibilidade de apelação à Suprema Corte Constitucional Federal
Alemã, em casos de desrespeito dos tribunais a essas garantias das partes. Esse
tipo de apelo, porém, vem sendo muito utilizado, e, portanto, sobrecarregando a
Suprema Corte. Na Áustria, o direito das partes a serem ouvidas deriva do art. 6
ECHR e sua violação pode ser sustentada por apelo extraordinário à Corte Europeia
de Direitos Humanos (secs. 477 (1) n. 4 e 5, aZPO)114.
A segunda parte da análise de Hess sobre o comportamento abusivo no curso
do processo está focada na desonestidade no direito probatório. Na Alemanha,
afirma o autor que não existe uma obrigação geral, para as partes, de prestarem
informações para a produção de evidências (provas) relativas ao seu oponente. O
direito alemão apenas trata do direito de informação no âmbito do direito material.
Esse direito pode ser contestado por meio de processo judicial independente.
Hess passa em seguida a comentar sobre a questão da frustração da
evidência, que se dará quando uma das partes deliberadamente impede a produção
de provas pela parte contrária. Essa frustração pode ocorrer durante os
procedimentos, sendo um típico exemplo a destruição de documentos. A
jurisprudência varia com relação a como lidar com esses casos. Uma das soluções é
a inversão do ônus da prova115.
A última parte do relato do autor sobre o comportamento abusivo no curso do
processo observa os remédios e sanções por abuso nos litígios. No direito alemão,
decisões das quais não se pode apelar fazem coisa julgada. Porém, há um remédio
denominado extra-extraordinary relief que só pode ser utilizado se houver
irregularidades graves nos procedimentos. A parte lesada pode pedir a anulação do
julgamento. O exemplo mais importante é o de fraude procedimental, no direito
criminal. No processo civil alemão, a res judicata pode ser revertida em casos de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
114
115
!
HESS, ob. cit., p. 167-169.
HESS, ob. cit., p. 169-171.
"++!
má-fé ou conduta abusiva somente com base em fundamentos muito estritamente
definidos, impondo sanções apenas às mais sérias injustiças.
Na Alemanha, a coisa julgada pode ser revertida por meio de uma ação por
responsabilidade decorrente de ilícito civil (sec. 826 BGB). Se uma decisão permite
que uma parte proceda à execução contrariamente às políticas públicas, a parte
contrária pode requerer a reversão da decisão com base na intenção da outra de
causar danos contrários às políticas públicas. São pré-requisitos gerais para a
reversão da coisa julgada, de acordo com o sec. 826 do BGB, uma incorreção
substanciosa no título e o conhecimento do detentor do título sobre esse defeito.
Procedimentos
de
cobrança
têm
sido
mal
utilizados
por
credores,
especialmente por bancos, por meio de “ataques surpresa” aos supostos devedores,
réus nas ações de cobrança, que teriam menos experiência nos procedimentos
judiciais. Os autores ingressam com as ações de cobrança esperando que os réus
não as objetarão, mesmo que infundadas. A maior parte dos casos concernentes a
contratos de crédito contrários à ordem jurídica tem sido feitos entre bancos e
consumidores.
A Suprema Corte Civil Federal alemã permitiu a reversão da coisa julgada
nesses casos, sob o fundamento do sec. 826 do BGB, que exige pré-condições
menos rígidas para tal reversão. Na prática, esse conjunto de casos ganhou
importância predominante. Hoje, a razão para essa reversão menos rígida da coisa
julgada não é mais particularmente a ação judicial contrária à ordem jurídica, mas,
sim, a opção pelo procedimento sumário sem exame pela Corte, que facilita o
recurso ao sec. 826 do BGB.
Essa fragilidade do procedimento sumário pode ser vantajosa para o detentor
do título. Isso acontece sempre que o autor, ao tempo do ingresso com a ação de
execução, consegue reconhecer que sua ação não resistirá ao exame da Corte. Do
ponto de vista do ADP, a invalidação de ações de execução não mais concerne a
!
"+"!
um mau uso individual de um direito processual, mas a mau uso estrutural objetivo
de um instituto processual116.
Ainda quanto a esse ponto dos remédios e sanções para o ADP, Hess fala
sobre o comportamento abusivo dos advogados. Na Alemanha, os advogados são
órgãos da administração da Justiça. Entretanto, os tribunais não podem impor aos
advogados sanções para manter a ordem na sala de julgamentos. Essas sanções
somente podem ser impostas às partes. Na Áustria, ocorre o mesmo. Até 1964,
havia previsões de imposição de custas ao advogado que atuasse no curso do
processo com clara negligência. Porém, a instituição de classe advocatícia protestou
e conseguiu eliminar essas sanções na década de 90 do século XX. Há, porém,
sanções disciplinares para insultos e mentiras, derivadas do dever de objetividade.
Por outro lado, esse dever de objetividade não proíbe a interposição de apelações
claramente infundadas117.
Para os clientes, o direito alemão prevê uma ação por ressarcimento quando
esses são lesados por comportamento abusivo do advogado que resulte em
sucumbência no caso. Para as partes que apresentem ações ou remédios
processuais abusivos, pode ser ordenado pagamento de custas adicionais. Na
Áustria, à parte faltosa pode ser imposto o pagamento total dos custos do litígio,
porém, pode essa parte acionar seu advogado para reaver os valores pagos à parte
lesada, baseando-se em responsabilidade profissional por culpa118.
Concluindo, Hess afirma que, em geral, a importância da proibição do abuso
de direito nas leis processuais da Áustria e da Alemanha parece ser limitada.
Primeiramente, isso é resultado da alta densidade de previsões estatutárias que
especificamente regulam muitos casos de abuso. Em segundo lugar, a lei
processual da Alemanha e, ainda mais, a da Áustria são imensamente determinadas
pela forte posição de que o tribunal pode imediatamente evitar e sancionar a
conduta abusiva durante os procedimentos judiciais. Por essas razões, a proibição
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
116
HESS, ob. cit., p. 172-174.
HESS, ob. cit., p. 175.
118
HESS, ob. cit., p. 176.
117
!
"+#!
do ADP na Alemanha e na Áustria nunca atingiu a mesma importância que em
outros sistemas legais119.
3.8 Espanha e Portugal
O Prof. Francisco Ramos Mendéz, da Universidade de Barcelona, faz a
análise do ADP em Portugal e na Espanha.
Inicia sua análise afirmando não estar de fato motivado a fazê-la, por haver
riscos de o assunto tomar uma proporção indevida. Em seguida, comenta que
Portugal é provavelmente um dos sistemas que lida mais exaustivamente com a
regulação do Abuso de Direito Processual.
A Espanha estabelece em sua Constituição diversas garantias que protegem
o devido processo legal. Dentre elas, é fundamental o art. 24, que versa sobre a
proteção pelas Cortes e pelos juízes a todos os indivíduos120 .
Ainda não há, na Espanha, definição para o abuso, mas sua vedação decorre
desse artigo 24 da CE. Há apenas regra geral sobre o assunto, que está no art. 11
da LOPJ (Lei Orgânica Judiciária Espanhola)121 . Essa regra contém menções de
alguns padrões legais: boa-fé, abuso de direitos e fraude. No entanto, uma definição
geral de abuso não é apresentada no artigo.
Em
contraste,
a
lei
portuguesa
regula
a
questão
do
ADP
mais
exaustivamente, com as seguintes ações: 1) define o tipo de conduta que se
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
119
HESS, ob. cit., p. 179.
Art. 24, I, CE (Constituição Espanhola): Artículo 24, 1. Todas las personas tienen derecho a
obtener tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses
legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión.
121
Artículo 11. 1. En todo tipo de procedimiento se respetarán las reglas de la buena fe. No surtirán
efecto las pruebas obtenidas, directa o indirectamente, violentando los derechos o libertades
fundamentales. 2. Los Juzgados y Tribunales rechazarán fundadamente las peticiones, incidentes
y excepciones que se formulen con manifiesto abuso de derecho o entrañen fraude de Ley o
procesal. 3. Los Juzgados y Tribunales, de conformidad con el principio de tutela efectiva
consagrado en el artículo 24 de la Constitución, deberán resolver siempre sobre las pretensiones
que se les formulen, y solo podrán desestimarlas por motivos formales cuando el defecto fuese
insubsanable o no se subsanare por el procedimiento establecido en las Leyes.
120
!
"+$!
caracteriza como de má-fé (art. 456, CPC)122; 2) estabelece uma indenização e
regula sua gradação (art. 457, CPC)123; 3) define o conceito de abuso dos
procedimentos (art. 665, CPC)124; e 4) regula o mecanismo de oposição de terceiros
em relações a procedimentos fraudulentos (art. 778, CPC)125
126
.
Na exposição de motivos do Código de Processo Civil Português, há a
advertência de que a parte vencedora da demanda pode ser apenada como litigante
desleal, se a sua conduta estiver de acordo com o art. 456127.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
122
Artigo 456.º (Responsabilidade no caso de má fé - Noção de má fé) 1. Tendo litigado de má fé, a
parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2. Diz-se
litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição
cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos
relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d)
Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de
conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou
protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 3. Independentemente do valor
da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por
litigância de má fé.
123
Artigo 457.º (Conteúdo da indemnização) 1. A indemnização pode consistir: a) No reembolso das
despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos
mandatários ou técnicos; b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes
prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé. O juiz
optará pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a
sempre em quantia certa. 2. Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância
da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer
razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários
apresentadas pela parte. 3. Os honorários são pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte
mostrar que o seu patrono já está embolsado.
124
Artigo 665.º (Uso anormal do processo) Quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias
da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para
praticar um acto simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao
objectivo anormal prosseguido pelas partes.
125
Artigo 778.º (Fundamento do recurso) 1. Quando o litígio assente sobre um acto simulado das
partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 665.º, por se não ter
apercebido da fraude, pode a decisão final, depois do trânsito em julgado, ser impugnada mediante
recurso de oposição do terceiro que com ela tenha sido prejudicado. 2. O recurso é dirigido ao
tribunal que proferiu a decisão; se o processo já se encontrar em tribunal diferente, neste será
apresentado o requerimento de interposição, que é autuado por apenso, remetendo-se para o
tribunal competente. 3. É considerado como terceiro, no que se refere à legitimidade para recorrer,
o incapaz que haja intervindo no processo como parte, mas por intermédio de representante legal.
126
O doutrinador não trata do art. 334, do Código Civil Português, o qual teria servido de inspiração
ao art. 187, do Código Civil Brasileiro vigente. Helena Najjar Abdo (ob. cit. p. 118), no entanto,
lembra: “O novel art. 187 do CC tem, como visto no item 10 supra, clara inspiração no art. 334 do
Código Português, o qual, por sua vez, deriva do art. 281 do Código Civil grego. Ambos os
dispositivos estrangeiros adotaram a teoria objetiva, por meio da qual se dispensa totalmente a
perquirição do elemento subjetivo para a caracterização do abuso do direito”.
127
“Como reflexo do princípio da cooperação e dos deveres que lhe são inerentes, permite-se, sem
quaisquer limitações, a condenação como litigante de má fé da própria parte vencedora, desde que
o seu comportamento processual preencha alguma das previsões contidas no nº 2 do artigo 456º,
sendo certo que a conduta censurável poderá não se reconduzir, apenas e necessariamente, à
«má fé instrumental»”.
!
"+%!
Os códigos de processo espanhóis adotam critérios operacionais que
poderiam ser ligados, lato sensu, ao ADP. Na Espanha, o pagamento de custas
processuais é feito pela parte vencida. Pode acontecer, porém, de a Corte impor o
pagamento de custas mesmo em casos de sucumbência parcial, se o litigante agiu
temerariamente, ou pode ainda o tribunal impingir custas ao réu, por má-fé, se o
processo judicial pudesse ter sido evitado em estágio anterior. Além disso, a revisão
de decisões finais é admitida, dentro de certos limites, quando se descobre, a
posteriori, que a processo foi vencido por emprego de meios fraudulentos. Conduta
fraudulenta ou culpável pela parte lesada exclui a possibilidade de pedir indenização
por qualquer má administração da justiça (art. 295, LOPJ).
Há também previsões extensas nas regras processuais espanholas
concernentes ao comportamento dos indivíduos que vão a juízo. O presidente de
cada tribunal tem amplos poderes para assegurar que a ordem seja mantida na
Corte e punir aqueles que perturbarem o curso das audiências. De uma perspectiva
externa, esses poderes de polícia contribuem para manter uma atmosfera de
correção durante o curso dos procedimentos128 .
Há também regras especiais concernentes aos advogados: 1) sua
intervenção perante as Cortes é sujeita à disciplina delas; e 2) com respeito a sua
conduta profissional, os advogados estão sujeitos à autoridade da associação de
classe.
Com relação aos juízes, há regras de responsabilidade civil e criminal, bem
como um extenso regime de responsabilidade disciplinar. Dentre as condutas que se
encontram nesse tipo de responsabilidade, estão a ausência de respeito com
relação às outras pessoas envolvidas no processo e o excesso ou abuso de
autoridade.
Méndez discorre sobre como o sistema funciona ou deveria funcionar.
Comenta que se deve ter em mente que o sistema processual existe para impedir os
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
128
!
MÉNDEZ, Fransico Ramos. Abuse of Procedural Rights? Spain and Portugal, in Abuse of
Procedural Rights: Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer Law
International, 1999, p.184-185.
"+&!
indivíduos de agirem em autodefesa. Assim, deve funcionar de modo a não criar
dificuldades a seu livre acesso.
Todos os sistemas processuais modernos reconhecem uma série de
garantias fundamentais, cujo uso por vezes consome tempo da atividade processual,
e é por isso que tais garantias são por vezes criticadas pela doutrina. Méndez
acredita ser melhor utilizar-se das garantias, do que argumentar com base em
abusos de direito processual, mesmo que isso demande extensiva atividade
processual.
A distribuição bilateral da atividade processual entre partes, corpo judicial e
outras partes envolvidas no processo oferece um retrato ideal para lidar-se com um
caso perante uma Corte de Justiça. Obter vantagens de tais oportunidades ou não,
ou usá-las de uma forma ou outra cabe às partes decidir. Qualquer limite deve ser
fixado anteriormente, de maneira objetiva, e não apenas aplicando meros padrões
legais subjetivos.
O que defende o autor, basicamente, é que não haveria necessidade de
haver previsões expressas e repressivas nas leis processuais para punir o ADP, já
que manobras protelatórias no processo, arguições de suspeição e incompetência
do juízo, recursos e petições excessivos e desnecessários são procedimentos
normais do processo, não podendo ser considerados abusos dos direitos
processuais. O autor os considera apenas estratégias decorrentes do princípio do
contraditório, não sendo incompatíveis com o sistema processual.
Méndez conclui sua análise afirmando que a questão do ADP revela, em seu
âmago, duas tendências contraditórias: 1) uma delas adota a abordagem autoritária,
que objetiva converter o juiz em um guardião do fair play (“jogo limpo”). O autor
pensa que essa abordagem autoritária ressalta a tendência de se considerar o
cidadão como responsável pelo acúmulo de processos na Justiça, tentando
dissuadi-lo de utilizar o sistema processual. Ele não concorda com essa posição.
Em contraposição a essa visão, há outra, mais liberal. Como na maioria dos
casos o cidadão é obrigado a usar o sistema judicial, tem-se a visão de que a ele
deve ser dada liberdade de usar o sistema processual. Não há necessidade,
!
"+’!
segundo o autor, de existirem regras de cortesia no uso do processo, já que o
processo é reflexo das tensões que ocorrem em sociedade. Os verdadeiros
protagonistas do litígio são os cidadãos e não os tribunais. Assim, não se podem
limitar os parâmetros de garantias constitucionais para os cidadãos. É claro que
casos extremos estão obviamente excluídos; entretanto, as estatísticas mostram que
esses
são
poucos,
se
comparados
ao
número
de
processos
judiciais
sobrecarregando os tribunais. Talvez a adoção da regra geral da boa-fé seja a
medida correta para equilibrar as preocupações com o abuso129.
3.9 América Latina
Foi Eduardo David Oteiza130, da Universidade de Buenos Aires, que
organizou o relatório do ADP na América Latina, com a colaboração de juristas de
vários países.
Com o reconhecimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em
1987, de que o devido processo legal deve ser contemplado como garantia de
proteção adequada aos direitos dos que litigam em juízo, surgiu a necessidade de
elaborar-se um conceito comum, entre os países latino-americanos, para aplicar a
justiça nos procedimentos legais.
Surgiu, assim, elaborado pelo Instituto Ibero-Americano de Direito Processual,
o Código de Processo Civil Modelo para Ibero-América, que prestigia as regras da
boa-fé, moral, lealdade, integridade e fidelidade do processo, excluindo a fraude
processual. O juiz tem poderes para sancionar qualquer tipo de comportamento
contrário a esses princípios, sempre preservando o princípio do contraditório131.
De acordo com o Código Modelo, todos os sujeitos relacionados ao processo
devem submeter-se às regras de lealdade e fidelidade, ou seja, respeito a um
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
129
MÉNDEZ, ob. cit. p. 184-185.
OTEIZA, Eduardo David. Abuse of Procedural Rights in Latin America, in Abuse of Procedural
Rights: Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer Law International,
1999, p. 191.
131
OTEIZA, ob. cit. p. 192.
130
!
"+(!
padrão de moralidade, próximo à dignidade da Justiça, conceito esse que se refere à
concepção de Couture, que pensa ser a dignidade da Justiça relacionada às
garantias constitucionais de independência e autoridade do juiz, mas, ao mesmo
tempo, efetividade de suas Ações, já que a demora na prestação jurisdicional
configura injustiça. As leis processuais uruguaia e argentina contêm os princípios do
Código Modelo132 .
O Código Modelo prevê sanções para as partes que importunarem
indevidamente o curso do processo, desrespeitando o decoro e a dignidade da
Justiça. Essas sanções podem ser aplicadas também aos advogados, e foram
reforçadas pela “Declaração de Mar del Plata”, que prevê que os advogados não
podem usar remédios jurídicos que comprometam a celeridade do processo,
violando regras baseadas nos princípios da dignidade e lealdade, causando danos
desnecessários. Qualquer desses atos será considerado ADP e contrário ao devido
processo legal, definido como um direito humano na América Latina. E será punido
com sanções disciplinares, pagamento por danos causados ou ações judiciais por
responsabilidade133.
Oteiza prossegue analisando as semelhanças e diferenças no tratamento
dado por alguns países da América Latina (Argentina, Brasil, Colômbia, Paraguai,
Peru e Uruguai) ao ADP. A maior fonte para todos os países é a lei codificada
europeia, principalmente a lei espanhola, cujo documento mais relevante é a Carta
Real de Aranjuez, de 1794, que estabelece o direito de ser parte em um processo
judicial, de modo total, verdadeiro e fiel.
A legislação da maior parte dos países mencionados está focada na
obrigação de manter a lealdade e a moralidade, sem definir especificamente o abuso
de processo, com exceção da Colômbia (1991) e do revogado CPC brasileiro de
1939, que apresentam definições. A falta de previsões específicas não significa que
o abuso não tenha regulamentação ou prevenção. Em alguns casos, os códigos
civis o configuram, ou há mecanismos processuais específicos que o combatem.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
132
133
!
OTEIZA, ob. cit. p. 193.
OTEIZA, ob. cit. p. 194-195.
"+)!
Na Argentina, o Código de Processo Civil prevê a obrigação de prevenir e
sancionar qualquer ação contrária à lealdade, à integridade e à fidelidade e de o juiz
declarar, quando pronunciando sentença, a temeridade ou malícia incorrida por
qualquer das partes ou por profissionais envolvidos. A doutrina e a jurisprudência
concordam em utilizar tal previsão nos casos em que qualquer dos envolvidos no
processo tente corromper a essência do princípio do contraditório. Ambos também
concordam que manobras protelatórias configuram malícia. Casos em que haja
temeridade ou malícia serão sancionados com multa134 . Tais medidas preventivas
são tomadas inaudita altera parte; quando o juiz percebe que existe o abuso, já
determina o pagamento de indenização a pedido da parte lesada135.
Os Códigos de Processo Civil colombiano, peruano e uruguaio também
preveem que o juiz deve prevenir, solucionar e sancionar os casos de ADP, havendo
igualmente imposição às partes e a seus advogados da obrigação de atentar aos
deveres de lealdade e integridade no processo, sabendo que serão punidos por
danos causados à parte lesada se agirem contrariamente àqueles deveres136.
Foi o trabalho de Josserand que inspirou os doutrinadores e legisladores
latino-americanos a desenvolverem previsões e estudos sobre o abuso de direito.
Assim, o Código Civil argentino foi reformado em 1968, reconhecendo a existência
do abuso de direito quando os objetivos a serem atingidos pela lei não o são, por
má-fé e imoralidade. A Colômbia pune o abuso de direito pelo art. 8 da Lei n. 153, de
1998. O Paraguai prevê o abuso no art. 372137 de seu Código Civil; o Peru, no art.
II138 do Código Civil de 1984, e o Uruguai, no art. 1321 de sua lei civil, que considera
haver abuso quando se faz uso excessivo de qualquer direito, impondo-se a
responsabilidade de indenização a quem abusou.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
134
Arts. 18, 128, 130, 329, 399, 431, 436, 446, CPC argentino.
Art. 208, CPC argentino.
136
Arts. 37, sec. 3; 71, 72 e 74, CPC colombiano; art. 61, CPC uruguaio.
137
Art. 372. Los derechos deben ser ejercidos de buena fe. El ejercicio abusivo de los derechos no
está amparado por la ley y compromete la responsabilidad del agente por el perjuicio que cause,
sea cuando lo ejerza con intención de dañar aunque sea sin ventaja propia, o cuando contradiga
los fines que la ley tuvo en mira al reconocerlos. La presente disposición no se aplica a los
derechos que por su naturaleza o en virtud de la ley pueden ejercerse discrecionalmente.
138
Artículo II - Ejercicio abusivo del derecho. La ley no ampara el ejercicio ni la omisión abusivos
de un derecho. Al demandar indemnización u otra pretensión, el interesado puede solicitar las
medidas cautelares apropiadas para evitar o suprimir provisionalmente el abuso.
135
!
"+*!
A ética e a moral, portanto, passaram a fazer parte do escopo da legislação
civil desses países, devendo as partes envolvidas no processo considerar aqueles
princípios como fundamentais para o bom andamento do litígio. A lealdade e a
integridade devem servir de norte para as condutas das partes no processo. O
princípio da integridade nos códigos de processo dos países ora sob análise revela a
característica publicista do processo na América Latina, funcionando como regra
própria daquele e coincidindo com a ideia de abuso de direito. Esse conceito,
juntamente com o de boa-fé, também reconhecido no direito privado, ajuda a criar
uma bagagem anterior para a conduta, em que a legislação básica e instrumental
resulta claramente relacionada com e guiada pela ideia de bem comum139 .
O autor segue discorrendo sobre a conduta inadequada e o devido processo
legal, mencionando que as todas as Constituições dos países sob estudo trazem o
conceito de devido processo legal, que inclui os princípios da economia e celeridade
processual como basilares para a preservação da harmonia em juízo. Qualquer
atraso no processo causado por qualquer das partes é considerado abusivo. As
legislações processuais de países latino-americanos, como Argentina, Brasil e
Colômbia, punem a ausência de lealdade, a temeridade e a malícia no processo. Na
Argentina, o juiz deve opor-se a qualquer manobra ilegal ou protelatória (art. 5).
Seguindo em sua análise, Oteiza passa a discorrer sobre direito de defesa e
abuso de processo. Afirma que o princípio da integridade e aplicação de sanções à
sua violação traz implícito o excesso de seu exercício. Em tese, o exercício dos
direitos pelas partes em juízo deve ser livre de injustiças e interferências abusivas.
Porém, quando os litigantes fazem uso inadequado desse arsenal jurídico ou
adotam más condutas injustificadas que limitam a possibilidade de rápida solução do
conflito, o corpo jurisdicional deve agir para desaprovar e punir tais condutas140.
Com relação ao elemento subjetivo, Oteiza cita o professor argentino Sosa,
que entende que desvios da legislação processual com incidência antissocial e
antieconômica não podem ser protegidos pelo direito. Assim, a noção de “pessoa de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
139
140
!
OTEIZA, ob. cit. p. 201.
OTEIZA, ob. cit. p. 202-203.
""+!
boa-fé” é suficientemente ilustrativa quando define alguém com conduta padrão e
socialmente adequada141.
Os doutrinadores dos países sob análise dividem-se nas opiniões sobre a
natureza da responsabilidade decorrente do abuso, se objetiva ou subjetiva. Na
Colômbia, por exemplo, há quem considere que o causador do dano processual
quer sempre conscientemente fazê-lo. Há quem afirme, porém, que o elemento
psicológico não importa. No Uruguai, há quem entenda que o abuso somente ocorre
se houve premeditação ou culpa grave e há quem pense que se aplica a teoria do
risco.
O autor pensa, apoiando-se em Josserand, que no momento em que um dos
sujeitos do processo age sem razão legítima, está violando o princípio da boa-fé, e
isso se relaciona não só com premeditação, mas também com o fato de que a
análise da autoconduta encontra-se fora da razoabilidade normal no momento da
avaliação das consequências de tais ações.
A relação processual impõe a obrigação, para seus participantes, de se
comportarem de acordo com aquele debate que visa à solução do conflito com
justiça. Assim, quando um dos sujeitos viola o princípio da moralidade com más
condutas que interfiram no bom andamento do processo, deve ser punido, não
importando se o fez propositalmente, ou não142.
Imediatamente, segue o autor comentando sobre a crise no processo e a
noção de abuso, e questiona se é possível se prevenir contra ele. A obrigação de
imediatidade concedida ao corpo jurisdicional pretende impor um controle sobre a
atividade das partes, que, ao mesmo tempo, devem comportar-se de acordo com o
princípio da boa-fé. E o juiz deve coibir e punir abusos, por meio de sanções
previstas ou indenizações econômicas.
Nos países da América Latina, o sistema processual enfrenta um problema da
existência de muitos processos judiciais pendentes de decisão, o que provoca uma
barreira para a imediatidade. Assim, a prevenção do abuso torna-se difícil. A crise na
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
141
142
!
OTEIZA, ob. cit. p. 203.
OTEIZA, ob. cit. p. 204-205.
"""!
qual está submersa a administração da justiça reflete a atual ausência de
credibilidade entre os envolvidos nessa administração e a sociedade em geral, que
reluta em confiar no sistema. Os operadores não acreditam nos instrumentos que
têm em mãos e a sociedade critica sem perdão o sistema. Essa situação permite
que todos se sintam no direito de abusar dos instrumentos em um processo no qual
o modo de expressão e as palavras escritas tornam as ações impessoais,
escondendo atitudes desleais sob o anonimato.
A efetiva aplicação do Código de Processo Civil no Uruguai pode servir de
exemplo aos outros países. A adequada organização do debate processual de
maneira clara para as partes, com o juiz mediando e estando encarregado de
gerenciar o processo é a melhor maneira de prevenir o abuso de processo. O
problema é que as partes não podem ser culpadas pela duração exagerada do
processo, aplicando-lhes sanções. O Estado é, em realidade, o responsável pelos
abusos, uma vez que não provê à justiça os meios necessários para desenvolver
seu papel, uma vez que obrigações fundamentais do Estado não são
preenchidas143 .
Oteiza passa então a analisar as sanções aplicáveis ao abuso nos diversos
países sob estudo.
Primeiramente, há as astreintes, retiradas do Direito francês, que são sanções
monetárias cominatórias aplicadas pelo juiz àqueles que não obedecerem qualquer
resolução judicial.
Outra forma de sanção é o pagamento de taxas para evitar situações
abusivas. A legislação processual argentina determina que, quando uma das partes
incorrer em um pluspetitio inescusável, aquela parte será sancionada com o
pagamento de taxas.
Ainda como sanção do abuso, os juízes podem utilizar-se de sanções
disciplinares como obliteração de certas frases em procedimentos; remoção de
qualquer das partes, advogados ou terceiros das audiências; avisos preventivos ou
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
143
!
OTEIZA, ob. cit. p. 206-207.
""#!
reprovação de condutas. O autor cita julgado da Corte argentina afirmando que a
coisa julgada dependerá da existência de uma decisão errada das partes ou do juiz,
e a segurança jurídica será subordinada à justiça quando a fraude processual não
puder ser confirmada. Prosseguindo, cita Soler para dizer que há fraude processual
quando qualquer elemento falso, evidente para o juiz, é apresentado durante o
processo, de tal modo que a injustiça implicada nessa declaração não dependa de
um erro na avaliação pelo juiz, mas da interpretação jurídica de que o elemento
apresentado como verdadeiro deve ser dado144.
No que se refere aos sujeitos que sofrem e causam ADP, o autor transcreve o
art. 10 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que afirma que “qualquer
pessoa tem o direito a ser indenizada de acordo com a lei quando tiver obtido
sentença após erro judicial”.
Na Argentina, comportamento temerário e malicioso refere-se não só às
partes, mas também aos advogados, que sofrem sanções impostas por sua entidade
de classe, tendo seu comportamento ético avaliado por tribunais disciplinares
autorizados a aplicar sanções de advertência, censura, multa, suspensão, e até
exclusão da atividade profissional.
O juiz pode sofrer, na Argentina, sanções por demora em proferir sentenças.
Essa sanção é apartada das decorrentes de responsabilidade criminal e julgada
perante Tribunais superiores que têm autoridade disciplinária para julgar certos
casos de comportamentos do juiz considerados inapropriados. Com a aceitação do
erro judicial, pode ocorrer a privação dos privilégios do juiz, feita por Cortes
especiais, conforme a Constituição Nacional de 1994.
A legislação peruana prevê que as partes, seus procuradores e os terceiros
legitimados são responsáveis pelos danos que causarem por meio de ações
temerárias ou desleais. Essa situação transfere-se ao juiz quando, no uso de sua
autoridade judicial, causar danos às partes ou a terceiros após falta grave ou fraude
inescusável, sendo igualmente responsável perante a jurisdição administrativa ou
criminal. No Uruguai, também se prevê responsabilização das partes, terceiros,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
144
!
OTEIZA, ob. cit. p. 211-212.
""$!
advogados e juízes por ferimento aos princípios da boa-fé e da lealdade processual,
de acordo com o previsto na Lei Orgânica n. 15.570 do Judiciário e Organização
Judiciária.
Finalizando seu relatório, Oteiza fala do abuso processual como afronta à
garantia judicial de proteção de direitos. O autor considera a proteção judicial um
direito do homem. Na América Latina, mesmo não havendo definições concretas de
Abuso de Direito Processual, existe um controle desses abusos nas legislações
civis, que se estende às legislações processuais dos países analisados. Mesmo
tendo sido compreendido o exato sentido do ADP, ainda há um problema a ser
enfrentado: a dificuldade dos Estados em apresentar à justiça uma estrutura
adequada e instrumentos processuais que preservem o princípio do contraditório,
fornecendo um verdadeiro resultado em questões relacionadas à justiça, de acordo
com o princípio democrático da participação nos assuntos de interesse de toda a
sociedade145.
3.10 Japão
O professor Jasuhei Taniguchi, da Teikyo University, de Tóquio, organizou o
relatório sobre o ADP no direito japonês.
Introduz o estudo dizendo que a doutrina do abuso de direito foi adotada pela
primeira vez em 1919 pela mais alta Corte japonesa, apesar de não haver, na
época, previsão explícita sobre o abuso no Código Civil japonês de 1896, retirado
amplamente do BGB alemão e parcialmente do Código Civil francês. O caso
envolvia um dano a um pinheiro histórico, causado pela fumaça de uma locomotiva
que passava perto dele. A Corte Superior de Judicatura decidiu que a ferrovia estava
abusando de seus direitos quando o dano sofrido pelo proprietário da árvore atingiu
nível intolerável, de acordo com padrões socialmente aceitos. Desde então, a
doutrina tem sido bem aceita pela jurisprudência e pelos acadêmicos.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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145
!
OTEIZA, ob. cit. p. 213-214.
""%!
Além do mais, a emenda pós-guerra sofrida pelo Código Civil em 1947 previu
explicitamente a proibição do abuso de direitos, no art. 1, subseção 3, do Código
Civil japonês. A lei hoje declara: “O abuso de direitos não é permitido”. Também há
previsão (art. 1, subseção 2) que requer que um direito seja sempre exercido
visando à boa-fé. A relação entre a proibição ao abuso de direitos e a boa-fé não é
inteiramente clara146. A doutrina do abuso de direitos desenvolveu-se dentro do
âmbito da responsabilidade civil, enquanto a doutrina da boa-fé desenvolveu-se no
direito contratual. Entretanto, a jurisprudência as aplica em conjunto.
O autor passa em seguida a traçar interessante panorama histórico do
desenvolvimento da boa-fé e do abuso de direito especificamente no processo civil.
No período pré-Segunda Guerra, não havia previsão legal expressa para a proibição
do abuso de direito no Código Civil japonês, que seguia, como já mencionado acima,
em grande parte, a doutrina do BGB alemão. Havia apenas artigos que proibiam
manobras protelatórias e outros mecanismos processuais contrários à boa-fé.
Pensava-se que a introdução de uma proibição para o ADP poderia restringir a
liberdade das partes em litígio. Havia, na emenda de 1933 à ZPO alemã, a previsão
explícita para o dever de lealdade, porém, os doutrinadores negavam-se a aplicá-la,
pois consideravam que estariam seguindo a ideologia fascista do regime nazista.
Não se encontra na jurisprudência japonesa pré-guerra nenhuma referência explícita
à aplicação do princípio da boa-fé e da proibição do ADP147.
No pós-guerra, alguns doutrinadores japoneses da nova geração perceberam
que aquela previsão da ZPO foi mantida pelos alemães e passaram a clamar pela
adoção do princípio da boa-fé no Japão. Assim, a jurisprudência japonesa, talvez
inspirada pela emenda de 1947 ao Código Civil, passou a aplicar o princípio da boafé a condutas processuais das partes de um litígio. A primeira decisão foi em 1959, e
baseou-se na aplicação do princípio da boa-fé, citando um julgado pré-guerra que
tinha como base fatos similares, porém, sem explicitar o princípio.
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146
TANIGUCHI, Jasuhei. Abuse of Procedural Rights: a Japanese Perspective, in Abuse of
Procedural Rights: Comparative Standards of Procedural Fairness. Cambridge: Kluwer Law
International, 1999, p. 215.
147
TANIGUCHI, ob. cit. p. 216.
!
""&!
Depois desse precedente, inúmeras decisões com base no respeito ao
princípio da boa-fé foram proferidas no Japão, sempre conectadas com a proibição
do ADP. Assim, o novo Código de Processo Civil japonês de 1996 prevê hoje que
“as partes devem conduzir as ações judiciais de acordo com os princípios da boa-fé
e da confiança”148.
O autor menciona que o abuso de direito foi sempre discutido em conjunto
com o princípio da boa-fé. No Japão, há algumas visões divergentes sobre essa
relação, mas TANIGUCHI apóia-se naquela adotada pelas Cortes japonesas, a mais
prática, que afirma que a relação entre os três atores no processo civil nem sempre
justifica a aplicação do princípio da boa-fé, e a doutrina do abuso de direitos deveria
ter um lugar de aplicação independente em casos apropriados. Por exemplo, o
ajuizamento de uma ação pode ser visto como abusivo apenas do ponto de vista
processual, mas pode, do ponto de vista do direito material, ser considerado como
uma afronta ao princípio da boa-fé, dando causa a uma Ação de indenização por
danos, assumindo-se que houve relação preexistente entre as partes que justifique a
aplicação do princípio.
Nessa situação, a violação da boa-fé no mundo do direito material resulta em
um Abuso de Direito Processual. Mas também é concebível que a violação da boa-fé
processual constitua um abuso de direito. Surge então uma questão teórica: devem
ser ambos cumulativamente aplicados ou apenas um ou outro? Como exemplificado
por algumas decisões jurisprudenciais, o abuso de direitos é mencionado
especificamente em casos como o abuso do direito de ação149.
Com relação às pessoas obrigadas a respeitar esses princípios, muito tem-se
discutido sobre quem deve obrigar-se. Uma visão tradicional pensa serem somente
as partes obrigadas a observá-los, porém, tendo em vista a constante interação
existente entre as partes, o juiz e o tribunal, não há motivos para que os dois últimos
sejam excluídos da relação que requer a boa-fé.
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148
149
!
TANIGUCHI, ob. cit. p. 217-218.
TANIGUCHI, ob. cit. p. 218-219.
""’!
O autor subdivide a aplicação do princípio da boa-fé em três tipos: (1)
proibição de comportamento contraditório; (2) criação imprópria de contexto
processual favorável; e (3) Abuso de Direito Processual.
O primeiro tipo – a proibição de comportamento contraditório – surge quando
a parte toma posição contrária à posição tomada previamente, posição essa na qual
a outra parte se apoiou para agir. No Japão, é possível que as partes mudem suas
alegações até a conclusão da audiência, que ocorre durante longos períodos, como,
por exemplo, uma vez a cada dois meses, em um período de dois anos. Entretanto,
essa liberdade pode ser restringida quando o tribunal dispensar uma alegação tardia
que pode causar dano e que poderia ter sido feita antes, ou quando o autor
modificar o pedido ou a causa de pedir (art. 262). O novo Código Civil de 1996 prevê
que as partes devem apresentar alegações “a bom tempo”, e a questão é saber
como aplicar com efetividade tal requisito.
O princípio da boa-fé, porém, age fora dessas previsões legais, ou seja, na
área onde não há previsão expressa permitindo condutas contraditórias ou onde a
aplicação dessas previsões deve ser evitada por alguma razão. Muitas decisões
judiciais enquadram-se nessa categoria. Um bom exemplo é o do credor que
pretendia arrestar os bens móveis do devedor, que se encontravam em poder de um
terceiro. O terceiro apontou determinados bens como sendo do devedor. Quando o
arresto se perfectibilizou, “B” acionou o credor para que fosse levantado o arresto,
alegando que a propriedade dos bens era sua. A Corte não permitiu tal ação, por
entendê-la contrária ao princípio da boa-fé. Nesse caso, o tribunal poderia ter
caracterizado tal manobra como abuso do direito de ação. O termo abuso, porém,
não foi usado no julgado150.
O outro tipo de aplicação do princípio da boa-fé é a criação imprópria de
contexto processual favorável, que ocorre quando uma das partes utiliza-se de uma
possibilidade processual ou material para atingir um resultado processualmente
favorável que não poderia ter sido obtido de outra forma. Nesses casos, a Corte
opõe-se e não concede o efeito desejado pela parte. Um exemplo é o do protocolo
conjunto de mais de uma ação perante o mesmo juízo, por ser assim mais
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150
!
TANIGUCHI, ob. cit. p. 221 e 222.
""(!
conveniente para o autor. O tribunal japonês, em casos como esse, considera que a
reunião de ações dá-se com o propósito de criar competência em uma Corte mais
conveniente. A decisão é no sentido de considerar tal manobra como “abuso do
direito do autor de selecionar o juízo”.
O último tipo de aplicação do princípio da boa-fé acontece sob a forma do
Abuso de Direito Processual em si. Há várias áreas nas quais o ADP é
frequentemente discutido e reconhecido pelas Cortes. Existem quatro modalidades
de abuso, a saber:
1. Abuso do direito de objeção: a parte tem o direito de objetar quando
acredita que o juiz está agindo preconceituosamente com relação a ela. O
faz perante um grupo de juízes. Se uma parte interpõe mais de uma vez a
mesma objeção apenas com fins protelatórios, isso configura-se Abuso de
Direito Processual, de acordo com a jurisprudência japonesa. Essa é
matéria controversa que não está prevista pelo novo código de 1996, já que
a associação de classe advocatícia mostrou oposição feroz à codificação
desse entendimento jurisprudencial.
2. Abuso da petição de adiamento de audiência: de acordo com o antigo
Código de Processo Civil, se ambas as partes deixam de comparecer a uma
audiência e nenhuma das partes se propõe a reprogramá-la em três meses,
a ação é extinta. O novo código diminuiu esse prazo para um mês. Por
vezes, o objetivo das partes, ao adiarem uma audiência, é tentar resolver o
litígio por meio de um acordo, o que é vantajoso para o sistema judiciário,
mesmo que as ações fiquem paradas algum tempo em juízo. Porém,
quando as partes repetidamente fazem uso desse direito de adiamento, isso
pode caracterizar-se como manobra protelatória, e, portanto, como Abuso
de Direito Processual. Assim, quando ambas as partes adiam
repetidamente a audiência, há duas alternativas para a Corte: ou rejeitar
uma petição de adiamento com base em Abuso de Direito Processual, ou
julgar antecipadamente o mérito de acordo com as previsões legais. Se a
primeira for escolhida, a ação acaba por ser extinta, podendo ser
novamente trazida a juízo pelo autor. Se for a última, o único remédio legal
para a parte vencida é apelar para a Corte superior.
3. Abuso do direito de apelar: se a parte vencida apela somente para
retardar a solução final de uma ação, a Corte de apelação pode ordenar que
o apelante pague ao tribunal uma multa até dez vezes o valor das custas da
apelação (Código antigo, arts. 384bis e 409ter; Código novo, arts. 303 e
313). Se a apelação é interposta por qualquer outro propósito impróprio,
essa previsão não se aplica, e o princípio geral do abuso de direitos deve
ser levado em consideração, apesar de que até hoje não houve nenhuma
decisão nesse sentido.
4. Abuso do direito de ação: o direito de ação é garantido pela Constituição
(art. 32), e não pode sofrer nenhum tipo de abuso. A Suprema Corte
determinou que o exercício impróprio do direito de ação pode dar margem à
responsabilização civil por abuso de direito de ação. Sob a égide da atual
Constituição japonesa, a Suprema Corte tem alguns julgados com base na
proibição ao abuso de direito ou na contrariedade ao princípio da boa-fé.
Um deles foi um caso que representa uma expansão prática da coisa
!
"")!
julgada usando-se a doutrina da boa-fé. Logo após o final da Segunda
Guerra, houve uma reforma agrária em larga escala na qual as terras
possuídas por proprietários que lá não residiam foram tomadas pelo Estado
com compensação nominal e vendidas para os inquilinos que lá residiam.
Milhares de Ações judiciais foram propostas pelos proprietários contra o
Estado ou os inquilinos. No caso específico, um antigo proprietário (A)
acionou o atual detentor da propriedade (B) por registro da terra de volta
para A baseando-se no fato de que A comprara a terra de volta de B. Após
longo litígio, A finalmente perdeu a ação. Depois de 20 anos após a tomada
inicial da terra pelo Estado, A acionou B novamente pelo registro da terra de
volta a A baseando-se no fato de que a aquisição inicial da terra pelo
Estado era nula e inválida e portanto a terra nunca teria sido transferida do
Estado para B. Tecnicamente falando, as causas de pedir dessas duas
ações são diferentes, a primeira baseando-se em um contrato de venda e a
segunda na propriedade de A que nunca saiu, de fato, das mãos de A. Isso
significa que a coisa julgada do primeiro julgamento não afeta a segunda
ação. Por essa razão, a corte de primeira instância não vinculou-se à coisa
julgada, mas proferiu julgamento de mérito em favor de B com base em
posse adversa bem sucedida. A segunda instância reverteu e extinguiu o
processo por não permissibilidade. A Suprema Corte confirmou o julgado.
Admitindo que as causas de pedir eram distintas, a Corte decidiu que as
duas ações eram essencialmente iguais em objetivo e a causa de pedir da
segunda ação poderia ser facilmente unida à primeira. Tendo em vista que
se passaram 20 anos, a Corte concluiu que a segunda ação não poderia ser
admitida, à luz do princípio da boa-fé. A Corte não mencionou o abuso do
direito de ação. Mas os doutrinadores concordam que esse caso pode ser
"&"
melhor entendido se considerado como abuso do direito de ação . Essa
decisão atraiu a atenção dos processualistas japoneses por ter
praticamente expandido o escopo da coisa julgada, mantendo uma
concepção tradicional e estreita do termo, ao mesmo tempo. Muitas
discussões houve sobre a conclusão desse julgado da Suprema Corte,
dividindo os doutrinadores. Há quem concorde com tal extensão do escopo
da coisa julgada, mesmo tendo ficado desapontados com as razões
apresentadas pela Corte Suprema, e há quem se questione se o instituto da
coisa julgada pode ser justificado pelo princípio da boa-fé. Ainda assim,
após esse julgado, muitas Cortes de primeira instância seguiram a decisão
da Suprema Corte. Outro julgado recente da Suprema Corte, de 1998,
reiterou o julgado acima relatado. Esse julgado envolveu uma divisão da
causa de pedir. Em 1962, a Corte decidiu que um autor pode acionar
alguém apenas em parte de seu pedido e posteriormente acionar pelo
restante, se ele tiver deixado claro na primeira ação que quis acionar
152
apenas por parte . Essa decisão vinha sendo geralmente interpretada
como considerando que o autor pode dividir uma ação de cobrança,
acionando posteriormente para receber o restante, independentemente de
ter vencido ou não a primeira. O julgado de 1998 interpretou a decisão de
1962, afirmando que um autor que perde a primeira demanda que cobra
parte de dívida não pode acionar novamente para buscar o valor restante
porque essa manobra seria contrária ao princípio da boa-fé. A Corte não
mencionou a coisa julgada, mas em realidade tratou dela. Nas ações em
questão, as causas de pedir eram diferentes. Assim, o instituto da coisa
julgada não poderia operar, já que deve operar apenas entre ações com a
mesma causa de pedir. Essa é a razão pela qual a Corte recorreu à boa-fé,
para atingir um resultado justo. Entretanto, se geralmente definimos coisa
julgada como o efeito de um anterior julgamento sobre o de um ulterior, o
princípio da boa-fé pode então ser tido como um importante elemento da
doutrina da res judicata. Parece possível detectar uma afinidade teórica
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151
152
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TANIGUCHI, ob. cit. p. 223-228.
Parece uma espécie de aplicação da supressio.
""*!
entre a coisa julgada e o abuso de direito ao utilizar-se do princípio da boafé como um conceito de ligação.
Concluindo, o autor comenta que o conceito de abuso de direito e o princípio
da boa-fé são amplamente utilizados no processo civil japonês, tanto pela doutrina,
como pela jurisprudência, que acumula inúmeros precedentes. Porém, muitas
questões teóricas ainda precisam ser esclarecidas, como por exemplo a relação
entre boa-fé e Abuso de Direito Processual e a distinção entre abuso de processo e
abuso de direito material. Entretanto, a importância e o papel indispensável dessas
doutrinas na administração da justiça civil são indubitáveis. O que realmente
preocupa é o padrão com base no qual devem ser administradas tais doutrinas. Tal
padrão pode e deve variar à medida que a sociedade e a economia mudam153.
3.11 Abuso de Direito Processual e Constituição Federal Brasileira
Os itens anteriores revelaram a importância que princípios constitucionais têm
na vedação ao Abuso de Direito Processual, principalmente naqueles países de
tradição anglo-saxônica. O Abuso de Direito Processual é visto como uma forma de
infração ao devido processual legal e, a partir daí, instrumentos de tratamento das
condutas são construídos.
A Constituição Federal do Brasil também é próspera na positivação de
cláusulas dessa natureza. Entretanto, ao par da proibição do abuso de direito há
regras que autorizam o livre acesso ao Poder Judiciário. E é nesse momento que o
cuidado do operador deve ser redobrado.
O direito à jurisdição existe, embora seja tratado, eventualmente, como um
caso de “moral hazard”154, dependendo de contra quem é exercido. Cármen Lúcia
afirma que: “não é incomum ver-se afirmado por um cidadão brasileiro o
indisfarçável orgulho de jamais ter buscado o Estado para decidir lides de que
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153
154
!
TANIGUCHI, ob. cit. p. 230.
Conforme sustentado pelo Banco Central do Brasil, em se tratando de postulação feita por
devedor em juízo. Ver Capítulo 4.
"#+!
fizesse parte. Como se a reivindicação de direitos e o pedido da jurisdição fosse
desrespeito de quem o solicita e ofensa contra quem se litiga”155.
A afirmação feita pela hoje ministra do Supremo Tribunal Federal é, em parte,
verdadeira. O pleito jurisdicional, em um contexto de normalidade, é livre e é direito
do cidadão brasileiro. No entanto, quando esse exercício torna-se meio para se
obter, não a solução da lide, mas algum tipo de vantagem que vai além do pedido da
demanda, há mau uso da jurisdição. Há abuso de direito e ele deve ser contido, pois
passa a existir o choque entre o livre acesso à jurisdição e o devido processo legal,
que não serve para tutelar pretensões excessivas ou emulativas.
É
necessário
o
equilíbrio
entre
tais
cláusulas
de
igual
natureza
constitucional156.
A Constituição deve ser compreendida como um todo, na procura de uma
unidade e harmonia de sentido157. Em razão disso, principalmente quando se está
em face de uma aparente contraposição de normas de igual categoria, é necessário
o esforço do operador para chegar a um equilíbrio nesse conflito, ocorrido em cada
caso concreto, por meio de um critério de proporcionalidade. Jorge Miranda afirma
que:
Tais contradições hão-de ser superadas, nuns casos, mediante a redução
adequada do respectivo alcance e âmbito e da cedência de parte a parte e,
noutros casos, mediante a preferência ou a prioridade, na efectivação, de
certos princípios frente aos restantes – nuns casos, pois, através de
158
coordenação, noutros através de subordinação .
No âmbito do objeto deste estudo, o Abuso de Direito Processual, o critério de
proporcionalidade recebe colaboração da noção de utilidade. Se, de um lado, o
processo moderno se preocupa com a efetividade, com a universalização do acesso
à justiça, de outra banda há que se ter presente, a fim de se evitar o uso patológico
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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155
ANTUNES ROCHA. Cármen Lúcia. O Direito Constitucional à Jurisdição, in As Garantias do
Cidadão na Justiça. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 33.
156
ALEXI, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1997, p. 272.
157
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1998. Tomo II, p.
258.
158
Ob. cit. p. 258.
!
"#"!
do processo, que a máquina do Judiciário não pode ser movimentada sem que se
busque um resultado socialmente útil159.
O princípio da razoabilidade é invocado por Dinamarco ao ponderar que, em
se tratando de combate processual, “reprimem-se os golpes baixos, mas sem golpes
não há combate”160 .
No entanto, adverte o doutrinador que não é “lícito levar o dever de lealdade a
níveis extremos, que prejudiquem a efetividade do contraditório e da ampla
defesa”161. Partindo de tal entendimento, Helena Najjar Abdo, afirma que
tem-se entendido que, quando o conflito for direto, ou seja, quando o
julgador tiver que escolher, inexoravelmente, por aplicar uma garantia
constitucional ou considerar a conduta abusiva, deve-se privilegiar a
primeira opção. Ou seja, as garantias constitucionais devem prevalecer
162
sobre a repressão ao abuso .
Não se pode concordar com a posição defendida pela doutrinadora.
Não há garantia constitucional ao abuso. Quando a Constituição Federal trata
de devido processo legal (art. 5º, LIV) parte da premissa de que o meio processual
(devido processo legal em sentido processual, isto é, procedural due process of law)
será adequado e proporcional à lesão ou à ameaça de direito (art. 5º, XXXV). Dentro
do exame dessa garantia constitucional, por exemplo, a própria Carta Maior fornece
outra garantia que revela que o devido processo legal exclui o abuso, quando
positiva a cláusula que veda o uso da prova obtida por meio ilícito (art. 5º, LVI).
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159
SOUZA, Luiz Sérgio Fernandes de. Abuso de Direito Processual – Uma teoria pragmática. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 321.
160
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2005, tomo II, p. 268.
161
Ob. cit. p. 268.
162
ABDO, Helena Najjar. O abuso no processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 170.
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"##!
Aliás, a proibição ao uso da prova obtida por meio ilícito nem mesmo
necessitaria estar presente em norma constitucional. Bastaria a menção ao devido
processo legal163 .
A cláusula do devido processo legal, vista no âmbito do acesso à justiça, não
é ilimitada. O direito de ação (art. 5º, XXXV), a ser exercido de acordo com um
devido processo legal, encontra limitações naturais ao seu exercício, reconhecidas,
sem quaisquer dificuldades, pela doutrina. Trata-se de um direito subjetivo à
sentença tout court, e ela pode ser de acolhimento ou não da pretensão deduzida
em juízo, desde que presentes as condições da ação164 .
No entanto, não estando presentes as condições da ação (art. 267, n. VI, do
CPC), a causa não receberá sentença de mérito. E tal fato em nada ofende ao
princípio da inafastabilidade da jurisdição165 . Os prazos processuais também podem
ser vistos como barreiras ao exercício do direito de ação166 .
Assim, se questões meramente formais para o exercício do direito de ação
são bem recebidas pela doutrina, não se entende o porquê de o operador ofender-se
quando se fala que o direito de ação encontra limites quando se detectar que ele
está sendo exercido de forma abusiva.
Um dia a mais, na contagem do prazo, faz com que o recurso não possa ser
conhecido. Já o recurso tempestivamente apresentado, mas em claro abuso de
direito, por ser meramente protelatório, deve ser examinado sem maiores
questionamentos? Evidente que não. As penas cabíveis devem ser aplicadas.
O não recolhimento de custas iniciais, desde que não excessivas (o que já
seria um abuso, mas em outro sentido que não é objeto deste estudo), impede o
prosseguimento da demanda, o que é normal. Mas o ajuizamento de um protesto
contra alienação de bens, que nem mesmo podem ser alienados, como ocorreu no
caso já examinado, não chega a ser medida patológica e deve por isso ser
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163
NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 40.
164
NERY JÚNIOR, Nelson, ob. cit. p. 96.
165
NERY JÚNIOR, Nelson, ob. cit. p. 97.
166
NERY JÚNIOR, Nelson, ob cit. p. 99.
!
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examinada pelo Judiciário? Caracterizada, nessa hipótese, ausência de interesse
legítimo, a petição inicial deveria ter sido indeferida.
A vedação ao Abuso de Direito Processual, como consequência da cláusula
do devido processo legal167, restringe o direito de ação168. Limita a interposição de
recursos, impede pleitos meramente emulativos, o que tem de ser normal em um
sistema jurídico, sob pena de que um dia a mais no calendário tenha mais
importância no processo civil do que a própria distribuição da justiça.
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167
Sérgio Gilberto Porto, ao tratar de garantias constitucionais-processuais implícitas, fornece lição
que bem se adapta à correta interpretação do devido processo legal: “Evidentemente que é dever
implícito do juízo fazer balanceamento de valores para superar qualquer garantia constitucionalprocessual, bem assim é ônus assegurar a imparcialidade, evitar a repetição de demandas
idênticas, independentemente da existência ou não de coisa julgada material, bem como a forma
civilizada de solver conflitos é o processo judicial, daí, pois, a proporcionalidade, a imparcialidade,
o ne bis in idem e a existência de processo judicial serem caracterizadas como subprincípios da
cláusula geral do devido processo da ordem juridical do Estado Democrático de Direito – são
garantias constitucional-processuais e sua violação configura inconstitucionalidade flagrante, muito
embora cláusulas não escritas”. Porto, Sérgio Gilberto. Ação Rescisória Atípica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009, p. 215-216.
168
No âmbito do direito concorrencial, há a figura da sham litigation que é o exercício abusivo do
direito de petição com efeito concorrencial. CASTRO, Bruno Braz de. Sham Litigation: O abuso
do Direito de Petição com Efeitos Concorrenciais. Instituto Brasileiro de Estudos de
Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, n. 18, p. 58, in Revista dos Tribunais on-line,
fornece exemplo de aplicação da doutrina no direito brasileiro: “Conquanto ainda não tenha sido
julgado em definitivo pelo Plenário do Cade, o Processo Administrativo 08012.004484/2005-51
ventila interessante discussão acerca da prática sham litigation no mercado de tacógrafos.43 O
procedimento foi instaurado a partir de representação formulada pela empresa SEVA Engenharia
Eletrônica S.A. - detentora de parcela relativa a 2% do mercado nacional de tacógrafos - em que se
denuncia que a empresa Siemens VDO Automotive Ltda. - detentora de 85% de market share no
mesmo mercado - estar-se-ia utilizando abusivamente de procedimentos judiciais para criar
barreiras artificiais à sua entrada no mercado. Em Nota Técnica lançada nos autos, a Secretaria de
Direito Econômico asseverou que a racionalidade econômica de tal conduta estaria fundada no
interesse da empresa dominante em impedir a entrada no mercado nacional de produto
tecnologicamente mais avançado, comercializado pela Representante. Em seguida - após referirse à teoria norte-americana da sham litigation, e à decisão da Comissão Europeia para o caso
AstraZeneca (2005) - a SDE aponta a possibilidade de, em nosso sistema jurídico, uma conduta
ser considerada “exercício abusivo do direito de petição com efeito concorrencial” (sham litigation)
quando ’(i) a ação proposta é, por completo, carecedora de embasamento, sendo certo que
nenhum litigante razoável poderia, de forma realista, esperar que sua pretensão fosse deferida; e
(ii) que a ação proposta mascara um instrumento anticompetitivo’ - note-se, oportunamente, que
tais requisitos coincidem com o teste PRE, acima referido. Analisando, então, os atos da Siemens
VDO sob a ótica dessa teoria, a SDE recomendou a condenação e a aplicação de multa à
representada, por abuso de posição dominante por meio do exercício abusivo do direito de petição.
Em tal posição, foi acompanhada pelo parecer da Procuradoria do Cade. O processo, na presente
data, encontra-se aguardando julgamento pelo Plenário”.
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!
4 DO CONSENSO DE WASHINGTON AOS RELATÓRIOS SOBRE JUROS E
SPREAD BANCÁRIO
4.1 O Processo Civil e o Mundo que o Cerca
Após a colocação do caso concreto que se alongou por muitos anos, tendo
alcançado todos os graus possíveis de jurisdição, com eventos intensos após a
coisa julgada formada, resta ao operador situá-lo no mundo do direito. Ou melhor,
apontar em que medida os suportes fáticos apresentados estão ou não em
conformidade com o direito.
Como primeiro esforço, o assunto foi encarado sob a ótica do direito
comparado, no capítulo anterior, culminando com um confronto do tema dentro do
necessário enquadramento constitucional. Agora, é necessária uma análise não
propriamente econômica, mas muito próxima disso, em verdadeiro diálogo entre o
universo das finanças e o direto.
O processo civil não está alheio ao mundo que o cerca. Aliás, nenhum ramo
do Direito deixa de comunicar-se com os eventos sociais, econômicos e políticos.
Apontou-se, na primeira parte – os dois primeiros capítulos –, que no litígio
entre Bomfim e Dibens, passados seis anos, embora tenha sido entregue a
jurisdição, com decisões transitadas em julgado, pouco resultado prático houve em
favor da instituição financeira. O débito foi ajustado. As execuções foram extintas,
mas toda a virulência inicial do Dibens não foi capaz de lhe entregar o dinheiro que
procurava. Somente um acordo, seis outros anos depois, quase que imposto, foi
capaz de solucionar a lide, em aparente vitória do abuso.
Ao operador mais desatento pode parecer que o problema está no Poder
Judiciário. Em parte, é verdade, tanto é assim que a solução encontrada pelas
partes foi à margem da participação do juiz, principalmente quando sua figura
!
"#&!
passou a ser de protagonista na condução do abuso processual. Entretanto, é
evidente que o Dibens não estava preparado para viver no mundo da legalidade.
Como as condutas abusivas não foram bem recebidas na jurisdição, em um primeiro
momento, a arrendadora simplesmente ficou inerte, sem saber o que fazer. Ela só
se moveu quando a execução de verba honorária foi ajuizada.
Não se pode afirmar, com absoluta certeza, que movimentos como o do
Consenso de Washington169 tenham sido motivados por frustrações de instituições
financeiras, fruto do fracasso em suas cobranças abusivas. Mas se pode afirmar que
um dos principais expoentes, senão o maior, do Consenso de Washington, John
Williamson, tem opinião muito especial sobre o Poder Judiciário na América Latina:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
169
!
“Em novembro de 1989, reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários do governo norteamericano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados – FMI, Banco Mundial e BID –
especializados em assuntos latino-americanos. O objetivo do encontro, convocado pelo Institute for
International Economics, sob o título ’Latin American Adjustment: How Much Has Happened?’, era
proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da região. Para
relatar a experiência de seus países também estiveram presentes diversos economistas latinoamericanos. Às conclusões dessa reunião é que se daria, subseqüentemente, a denominação
informal de ‘Consenso de Washington’. Embora com formato acadêmico e sem caráter deliberativo,
o encontro propiciaria oportunidade para coordenar ações por parte de entidades com importante
papel nessas reformas. Por isso mesmo, não obstante sua natureza informal, acabaria por se
revestir de significação simbólica, maior que a de muitas reuniões oficiais no âmbito dos foros
multilaterais regionais. Nessa avaliação, a primeira feita em conjunto por funcionários das diversas
entidades norte-americanas ou internacionais envolvidos com a América Latina, registrou-se amplo
consenso sobre a excelência das reformas iniciadas ou realizadas na região, exceção feita, até
aquele momento, ao Brasil e Peru. Ratificou-se, portanto, a proposta neoliberal que o governo
norte-americano vinha insistentemente recomendando, por meio das referidas entidades, como
condição para conceder cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral. O valor do
Consenso de Washington está em que reúne, num conjunto integrado, elementos antes esparsos e
oriundos de fontes diversas, às vezes diretamente do governo norte-americano, outras vezes de
suas agências, do FMI ou do Banco Mundial. O ideário neoliberal já havia sido, contudo,
apresentado de forma global pela entidade patrocinadora da reunião de Washington – o Institute
for International Economics – numa publicação intitulada Towards Economic Growth in Latin
America, de cuja elaboração participou, entre outros, Mário Henrique Simonsen. Não se tratou, no
Consenso de Washington, de formulações novas mas simplesmente de registrar, com aprovação,
o grau de efetivação das políticas já recomendadas, em diferentes momentos, por diferentes
agências. Um consenso que se estendeu, naturalmente, à conveniência de se prosseguir, sem
esmorecimento, no caminho aberto” (BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington. A
visão neoliberal dos problemas latino-americanos. Encalhe, 20 jun. 2006. Disponível em:
<http://humbertocapellari.wordpress.com/2006/06/20/o-consenso-de-washington-leia-com-atencaoe-interesse-redobrado-2/>. Acesso em: 05 out. 2010.). O Consenso de Washington foi assentado
no seguinte decálogo: Disciplina fiscal, Redução dos gastos públicos, Reforma tributária, Juros de
Mercado, Câmbio de mercado, Abertura comercial, Investimento estrangeiro direto, com eliminação
de restrições, Privatização das estatais, Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e
trabalhistas), Direito à propriedade intelectual.
"#’!
O judiciário na América Latina é notório por ignorar, por exemplo,
considerações econômicas anulando direitos de credores a tal ponto que
estes se tornam relutantes a emprestar. Ou pior ainda, há casos em que
seus membros são tão corruptos que os juízes são pagos para permitir que
170
o dinheiro seja recuperado .
Em outubro de 1999, o Banco Central do Brasil, por meio de seu
Departamento de Estudos e Pesquisas (Depep), editou estudo denominado “Juros e
Spread Bancário no Brasil”171 . Os objetivos declarados do trabalho eram identificar e
explicar os componentes do spread bancário, bem como elaborar sugestões para
sua redução e, em consequência, das taxas de juros.
No diagnóstico apresentado pelos técnicos do Bacen, houve as seguintes
ponderações:
Como agravante das dificuldades macroeconômicas, muitos segmentos da
sociedade brasileira têm uma visão equivocada da atividade bancária e de
seu papel na economia, o que acaba gerando um adicional de risco que
prejudica todos os tomadores de crédito e a própria economia brasileira.
Uma proteção indevida ou exagerada do devedor, normalmente leva a
comportamentos inadequados que acabam por prejudicar a todos,
encarecendo o custo do crédito. Este problema do risco moral (“moral
hazard”) pode ser exemplificado num caso hipotético associado ao sistema
financeiro. Financiamentos para a compra de máquinas e equipamentos,
com garantia real desses mesmos bens, são operações bancárias de baixo
risco em qualquer país do mundo, beneficiando-se de baixas taxas de juros,
pois o empresário sempre priorizará o pagamento dessa operação, para
não correr o risco de prejudicar sua atividade principal. No entanto, há
impedimento à execução ou arresto desse tipo de garantia, a título de
proteger a atividade produtiva, esse tipo de financiamento deixará de
caracterizar-se como de baixo risco, tendo por resultado a escassez ou o
encarecimento desse tipo de operação de crédito.
O exemplo hipotético apresentado no relatório do Bacen era bem comum no
dia-a-dia forense, em 1999. Ele era fruto de construção jurisprudencial. Sim, porque
o art. 3º, §5º, do Decreto-Lei n. 911/1969 (alterado pela Lei n. 10.931/2004), oferecia
solução idêntica à proposta pelo Bacen. Mas a jurisprudência, atenta às distorções
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
170
KUCZYNSKI, Pedro-Pablo; WILLIAMSON, John. (Orgs.). Depois do Consenso de Washington.
São Paulo: Saraiva, 2004. p. 10.
171
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Departamento de Estudos e Pesquisas – DEPEP. Relatório
Juros e Spread Bancário no Brasil. Out. 1999. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ftp/jurosspread1.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010.
!
"#(!
do sistema (os bancos praticam ilegalidades), não vinha permitindo que se retirasse
um bem essencial à empresa ou à pessoa física, enquanto não se resolvesse a
questão sobre a lisura do débito garantido172. Nem mesmo a posterior modificação
do Decreto-Lei n. 911/1969, feita pela Lei n. 10.931/2004, teve os efeitos desejados
pelas instituições financeiras.
Há situações, ainda, em que nem sequer tem-se admitido o estabelecimento
de garantias como a alienação fiduciária. Desde 1992, por meio do julgamento dos
Embargos de Divergência no Recurso Especial 19.915-8-MG, a 2ª Seção do STJ
assentou entendimento de que é inadmissível a alienação fiduciária de bens
fungíveis e consumíveis (comercializáveis) em acórdão com a seguinte ementa:
Processo Civil – Embargos de divergência – Alienação Fiduciária – Bens
fungíveis consumíveis – Posicionamento do Tribunal – Recurso Especial
conhecido e provido. I. A 2.ª Seção da Corte, competente no tema, por
maioria uniformiza seu entendimento proclamando a inadmissibilidade da
alienação fiduciária de bens fungíveis e consumíveis (comerciáveis). II. É
missão constitucional do STJ apaziguar a jurisprudência revolta, buscando a
melhor exegese do direito federal infraconstitucional. Para a realização
desse objetivo, em primeiro lugar deve uniformizar a sua própria
jurisprudência. (STJ, REsp 19.915-8/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo
173
Teixeira Relator, j. 28.10.1992) .
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!
172
Nesse sentido: “Alienação fiduciária – Busca e apreensão – Nomeação do devedor fiduciante como
depositário do bem – Ausência de prejuízo irreparável ao credor – Admissibilidade. Mesmo diante
do previsto no art. 3°, § 5.° do Dec.-Lei 911/1969 não é caso de ser anulada a r. sentença, pois não
viola a legislação mencionada a decisão que permite permanecerem em mãos da devedora os
bens apreendidos, o que só beneficia a recorrente e não traz prejuízo irreparável para o autor,
podendo a ré dispor dos bens com as cautelas legais, antes que o desuso determinasse sua
deterioração” (2.º TACiv.SP, 7.ª Câmara, Ap. c/ Rev. 489.507, rel. Juiz Emmanoel França, j.
26/8/1997). “Busca e apreensão. Fundadas dúvidas quanto à importância devida, questão objeto
de outro processo, a justificar, no caso, não se efetive a medida liminar de apreensão, o que, na
prática, impediria o devedor de litigar” (STJ, 3ª Turma, AgRg no Ag. 135.167-RS, rel. Min. Carlos
Alberto Menezes Direito, DJU 23/3/1998). “Alienação fiduciária – Apreensão de bens –
Permanência com a devedora. As máquinas indispensáveis à atividade industrial da empresa
devedora, apreendidas em ação de busca, podem permanecer na posse da ré enquanto tramita o
processo, até o momento da efetivação da venda” (STJ, 4ª Turma, MS 5.038-6-Pr, rel. Min. Ruy
Rosado de Aguiar, DJU 27/3/1995, Seção 1, p. 7.161). “Alienação fiduciária – Bem indispensável à
atividade empresarial – Não impugnação dessa afirmação – Permanência do bem na posse da
devedora – Precedente da turma – Recurso provido. Nos termos de precedente da Turma, ‘as
máquinas indispensáveis à atividade industrial da empresa devedora, apreendidas em ação de
busca, podem permanecer na posse da ré enquanto tramita o processo, até o momento da
efetivação da venda’ (MS 5.038-PR, DJ 27.03.95)” (STJ, 4ª Turma, REsp.155.822/SP (97/00829987), rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 21/9/1998, p. 186).
173
Mais recente é a decisão do REsp 97.952/MS, rel. Min. Ari Pargendler, j. 06.04.2000: “Civil –
Alienação Fiduciária – Bens Fungíveis e Consumíveis – Os bens fungíveis e consumíveis não
podem ser alienados fiduciariamente – Recurso Especial conhecido e provido” (STJ, RESP 97.952MS, Min. Ari Pargendler, publicado em 8/5/2000).
!
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O que espanta no texto do Banco Central do Brasil é sua identidade com a
afirmação de John Williamson. Não se chegou a chamar os magistrados brasileiros
de corruptos. Mas, no fundo, denominar de moral hazard (risco moral) a atuação do
Superior Tribunal de Justiça é algo, no mínimo, preocupante.
A verdade é que os relatórios do Banco Central do Brasil sobre juros e spread
bancário são preciosos para se entenderem as modificações legislativas que houve
a partir do ano de 1999. Não foi só o processo civil que mudou, mas outras tantas
regras jurídicas relativas às relações entre bancos e clientes.
A justificativa para tais modificações era reduzir as taxas de juros. Entretanto,
como se verá, essa redução não ocorreu e uma série de medidas no sentido de
acelerar o recebimento de créditos em juízo foram implementadas. Boa parte delas,
no entanto, seria absolutamente despicienda, acaso os bancos não abusassem de
seus direitos. Mas o mais grave é que, no âmbito do Direito Material, práticas antes
consideradas ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça passaram a ser legais.
Cada relatório merecerá, a seguir, seu estudo crítico próprio.
4.2 Relatório do Banco Central do Brasil – Juros e Spread Bancário no Brasil
1999
O relatório do Banco Central do Brasil aponta que o maior fator para o
elevado spread bancário seria a inadimplência dos devedores. O risco de crédito
seria o elemento determinante do elevado custo das operações de empréstimo.
Quando fazem operações de crédito, os bancos querem ter a certeza de
receber de volta os valores emprestados, mais os juros pactuados, pois os
intermediários financeiros têm obrigações para com os seus depositantes.
Como essa certeza não existe, mesmo para clientes de primeira linha, os
bancos sempre cobram um adicional a título de risco de crédito, ou seja, um
174
valor associado à probabilidade de não receber o valor emprestado .
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!
174
!
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Departamento de Estudos e Pesquisas – DEPEP. Relatório
Juros e Spread Bancário no Brasil. Out. 1999. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ftp/jurosspread1.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. (p. 8).
"#*!
O gráfico 5, que pode ser visto no relatório, na página 8, aponta a composição
média geral dos dezessete bancos175 de amostra utilizados pelo Banco Central do
Brasil:
O relatório prossegue, sempre tendo como premissa que a elevada
inadimplência é que seria a causa das taxas de juros brasileiras. Entretanto, o
relatório parece ter sido escrito, tendo em vista outro país. Em nenhum momento, há
a reflexão acerca da possibilidade de a inadimplência ser causada pelas condutas
abusivas das instituições financeiras. É de conhecimento notório da comunidade
jurídica que os bancos, sem exceção, praticam ilegalidades em seus contratos.
Capitalizam juros, incluem comissões ilegais, exigem taxas de juros em
desconformidade com a legislação, cobram multas ilegais e um sem-fim de
cláusulas
abusivas
que,
em
1999,
eram
tranquilamente
afastadas
pela
jurisprudência pátria.
Não é necessário ter formação em Economia para imaginar que muito da
inadimplência pode ter como causa o excesso na cobrança de encargos. E cria-se aí
um ciclo interminável. As taxas de juros são elevadas porque há inadimplência;
entretanto, tais taxas, talvez por serem elevadas (e aumentam ainda mais em razão
da cobrança de juros compostos/capitalizados), é que causam a inadimplência.
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175
!
Itaú, Bradesco, Real, Safra, BCN, Sudameris, BBA, ABN-AMRO, Mercantil Finasa, CCF-Brasil,
Citibank, Bozano Simonsen, BankBoston, Unibanco a partir de julho/98, HSBC a partir de jan./98,
Santander a partir de jan./98 e BFB a partir de jan./97.
"$+!
Já se apontou que o relatório de 1999 culpa o Poder Judiciário, em parte, pelo
denominado “risco moral”. Mas o relatório é ainda mais infeliz ao registrar o
seguinte:
Sendo o objetivo de fato reduzir os juros ao tomador, será preciso também
uma mudança cultural. As instituições do sistema financeiro operam num
setor altamente regulamentado pelo Governo e devem ser encaradas como
quaisquer outras empresas que têm como objetivo a obtenção de lucros. A
melhor postura seria vê-los como parceiros no processo de
desenvolvimento, pois a eventual falta de proteção e/ou a sua repressão
repercute sobre os clientes. Sem dúvida é preciso que haja maior
concorrência, sobretudo no caso do cheque especial, bem como
mecanismos de defesa do consumidor. Contudo, o setor financeiro precisa
ser tratado com equilíbrio, para que possa defender-se de maus devedores
e desenvolver todas suas potencialidades. Essa mudança cultural seria
importante para reduzir o risco de crédito percebido pelo sistema financeiro,
viabilizando o aumento do crédito e a redução das taxas de juros em todos
176
os segmentos .
É verdade que há regulamentação do sistema financeiro. Mas é idêntica
realidade que os bancos não cumprem as regras protetivas existentes em favor dos
consumidores de crédito. Todo o sistema produtivo gostaria de ter os bancos como
parceiros, mas eles não o são. Não há mal algum no lucro percebido por eles. O que
não se pode admitir é que tal sucesso ocorra em detrimento da lei e da função social
dos contratos. O Banco Central está correto ao apontar a necessidade de aumento
da concorrência entre os bancos. Porém, colocar as instituições financeiras como
vítimas de maus devedores é por demais infantil.
O relatório coloca o Poder Judiciário como um fator relevante para as altas
taxas de juros práticas.
A dificuldade e a demora no recebimento de créditos reclamados na Justiça
é uma realidade. O Poder Judiciário tem recebido um volume crescente de
processos, o que tem aumentado ainda mais os custos e a demora no
recebimento de créditos. Esta situação, além dos custos que significam,
acabam por induzir comportamentos inadequados que agravam o problema.
Existem pessoas e empresas de má-fé que se aproveitam das dificuldades
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
176
!
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Departamento de Estudos e Pesquisas – DEPEP. Relatório
Juros e Spread Bancário no Brasil. Out. 1999. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ftp/jurosspread1.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. (p. 12).
"$"!
e demoras no processo judicante para não pagar suas dívidas, sob as mais
177
diversas alegações .
Existem devedores de má-fé, não há como negar. Mas não há bancos que
agem de má-fé? Objetivamente falando, todos, sem exceção, conduzem a
concessão do crédito de má-fé. Incluir cláusula notoriamente ilegal é a prova cabal
de tal afirmação. Essa questão não foi avaliada pelo Banco Central do Brasil em
nenhum momento do relatório.
O relatório se encerra com a relação de medidas legais que o Banco Central
do Brasil e o governo pretendiam propor178:
a)
redução do IOF – reduzir o impacto do IOF nas operações de crédito,
principalmente para os empréstimos para pessoas físicas;
b)
tratamento da dedução do IR/CSLL sobre provisionamento de
créditos – estudar a viabilidade de maior uniformização dos
procedimentos
relativos
às
deduções
de
despesas
com
provisionamento de créditos de liquidação duvidosa;
c)
aperfeiçoamento do sistema de pagamentos – consolidar
legalmente as modificações que o BC vem realizando no sistema;
d)
criação da Cédula de Crédito Bancário – disseminar um instrumento
operacionalmente mais simples, bem como mais eficaz no trâmite
judicial;
e)
separação da discussão judicial de juros e principal – evitar que
devedores de má-fé deixem de pagar o principal devido, alegando
problemas com os juros, onerando os bons devedores;
f)
esclarecimento sobre anatocismo (juros sobre juros) no SFN –
evitar essa alegação jurídica em processos judiciais, esclarecendo que
esse dispositivo da lei da usura não se aplica ao SFN;
g)
priorização de créditos garantidos – modificar a lei de falências
visando a maior proteção dos credores no recebimento de empréstimos
de empresas insolventes;
h)
contrato eletrônico de crédito – aprovar lei para melhor proteger as
partes contratantes em operações transitadas via internet, diminuindo
os riscos jurídicos envolvidos;
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
177
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Departamento de Estudos e Pesquisas – DEPEP. Relatório
Juros e Spread Bancário no Brasil. Out. 1999. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ftp/jurosspread1.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. (p. 14).
178
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Departamento de Estudos e Pesquisas – DEPEP. Relatório
Juros e Spread Bancário no Brasil. Out. 1999. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ftp/jurosspread1.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. (p. 15-16).
!
"$#!
i)
aumento de informações dos cadastros de inadimplentes – ampliar
o acesso de informações de devedores inadimplentes de instituições
financeiras nas diversas centrais de proteção ao crédito;
j)
proteção às centrais de riscos (código de defesa do consumidor e
sigilo bancário) – esclarecer que a negativação de pessoas físicas e
jurídicas em cadastros de proteção ao crédito não constitui
constrangimento ilegal nem invasão de privacidade;
k)
aplicabilidade do juízo arbitral – acompanhar, no STF, a deliberação
sobre a aceitação judicial das decisões tomadas por meio de juízo
arbitral, conforme previsto em lei já aprovada.
Nenhuma das medidas desejadas pelo Banco Central do Brasil para a
redução da taxa de juros no Brasil considerou que o cumprimento da Lei Federal,
pelos bancos, poderia reduzir a inadimplência. Ao contrário, a proposta da letra “f”
fala da necessidade de se esclarecer que a lei de usura não se aplicaria às relações
entre bancos e clientes, embora, como notório, já houvesse Súmula do Superior
Tribunal de Justiça (Súmula n. 93) e do Supremo Tribunal Federal (Súmula n. 121)
vedando-a. No anexo II179, o relatório aponta o que significa esclarecer:
f) esclarecimento sobre anatocismo (juros sobre juros) no SFN - uma
das razões frequentes alegadas por devedores de má-fé em processos
judiciais refere-se ao artigo 4° da antiga e não revogada Lei da Usura
(Decreto 22.626 de 1933), que veda a capitalização de juros nos
empréstimos. No SFN e nos sistemas financeiros de todo o mundo, a
prática é a capitalização dos juros, tanto na captação quanto na aplicação
de recursos das instituições financeiras. Em função do disposto no artigo
192 do texto constitucional, muitos tribunais vêm dando ganho de causa a
devedores que alegam a validade de dispositivo do Decreto 22.626/33 que
trata da não capitalização dos juros. Por isso o BC deve propor a expressa
derrogação do artigo que trata da capitalização dos juros, reforçando o
entendimento já expresso na Lei 4.595/64.
Esclarecer, no vocabulário do Bacen, é tornar lícito o que, até então, era
ilícito. Não seria mais adequado fazer o infrator da lei cumpri-la? Tem-se convicção
que sim.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
179
!
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Departamento de Estudos e Pesquisas – DEPEP. Relatório
Juros e Spread Bancário no Brasil. Out. 1999. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ftp/jurosspread1.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. (p. 27).
"$$!
4.3 Relatório do Banco Central do Brasil – Juros e Spread Bancário no Brasil
2000 – Avaliação de Um Ano do Projeto
O relatório180 fala de “modestos resultados” na redução do spread bancário,
embora aponte que houve redução dos depósitos compulsórios e queda da taxa
Selic.
Na página 35, do relatório, é tratada a questão das providências tomadas pelo
Banco Central do Brasil no sentido de melhora do sistema financeiro.
A providência de destaque para este estudo foi assim referida:
Com relação à criação de instrumentos de crédito mais adequados, foi
criada a Cédula de Crédito Bancário (CCB), um instrumento de crédito de
trâmite mais simples e rápido no processo de execução no Poder Judiciário
(Medida Provisória 1.925/1999, publicada no DOU de 15.10.1999). Também
visando trazer maior tranqüilidade ao mercado financeiro, diminuindo o risco
jurídico das operações de crédito, foi promovido o esclarecimento legal
quanto ao anatocismo (juros sobre juros) no SFN (art. 5.º da MP 1.963/17,
de 30.03.2000, publicada no Diário Oficial de 31.03.2000). Desde a
aprovação da Lei 4.595, de 31.12.1964, a regulamentação das disposições
sobre juros no SFN é competência do Conselho Monetário Nacional (CMN)
e do BC, que adotam como base o cálculo de juros compostos, tanto nas
captações quanto nas aplicações do SFN, a exemplo do que é usual em
todo o mundo. As duas medidas provisórias ainda estão pendentes de
181
aprovação pelo Congresso Nacional .
O relatório de novembro de 2000 também chama a atenção pela sua tabela
10. Nela, há três campos: medidas propostas, medidas adotadas e ações em
andamento/observações. O chocante nesse quadro é que não há sequer uma
medida na qual o Bacen proponha uma ação sobre as instituições financeiras. Ora,
se o spread é elevado, talvez seja porque os bancos estão ganhando dinheiro
demais em detrimento do consumidor de crédito. Isso não ocorreu aos técnicos do
Banco Central.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
180
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Departamento de Estudos e Pesquisa – DEPEP. Relatório Juros
e Spread Bancário no Brasil. Avaliação de 1 ano do Projeto. Nov. 2000. Disponível em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/jurospread112000.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010.
181
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Departamento de Estudos e Pesquisa – DEPEP. Relatório Juros
e Spread Bancário no Brasil. Avaliação de 1 ano do Projeto. Nov. 2000. Disponível em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/jurospread112000.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. (p. 27).
!
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Duas das medidas legais propostas pelo Banco Central do Brasil já foram
apontadas acima: a criação da cédula de crédito bancário e o esclarecimento sobre
o anatocismo. Há outras duas dignas de destaque para o presente estudo. A
primeira é o que eles chamam de aperfeiçoamento das garantias nas operações de
crédito. Essa proposta toca à possibilidade de realização pronta do crédito por meio
da execução, sem os entraves indevidos do Poder Judiciário, imediata das
garantias. A outra proposta diz respeito à alteração da Lei de Falências.
O Bacen entende que os créditos com os integrantes do sistema financeiro
nacional devem ser priorizados e não devem entrar no rateio da massa. Pelo que se
depreende do documento, a intenção é colocar os créditos com os bancos em
situação privilegiada, inclusive em detrimento dos créditos trabalhistas e fiscais.
Esse pedido do setor bancário foi recepcionado no art. 49, §§3º e 4º, c/c art. 86, da
vigente lei de recuperação de empresas.
O pensamento dominante do Banco Central do Brasil está em absoluto
divórcio com o sistema legal vigente no país. A ideia é que é o Direito quem deve se
render aos fatos econômicos e às políticas implementadas pelo governo, não o
contrário. Esse pensamento poderia funcionar em um estado totalitário, mas na
democracia é preciso respeitar a lei, mesmo que ela não venha em atendimento aos
bons financiadores de campanhas políticas, que são os bancos.
Lamentavelmente, porém, mesmo a lei passou a ser um detalhe na atual
conjuntura, uma questão de esclarecimento.
4.4 Relatório do Banco Central do Brasil – Juros e Spread Bancário no Brasil
2001 – Avaliação de Dois Anos do Projeto
O relatório de 2001 aponta uma tendência de aumento do spread bancário.
De fato, o spread elevou-se de 2,3% a.m. em janeiro para 2,85% a.m. em
outubro. O spread para as operações de pessoas jurídicas passou de 1,4%
!
"$&!
a.m. para 1,83% a.m. no mesmo Período, ao passo que para pessoas
182
físicas o aumento foi de 2,02% a.m. para 3,49% a.m. .
O relatório afirma que este aumento poderia estar ligado ao cenário
macroeconômico da época. Tal qual ocorreu no relatório de 2000, há referências à
criação da Cédula de Crédito Bancário. Igualmente, a possibilidade (antes vedada
pela jurisprudência) de alienação fiduciária de coisas fungíveis é festejada (Medida
Provisória nº 2.063-22, de 23 de junho de 2001, art. 22).
4.5 Relatório do Banco Central do Brasil – Juros e Spread Bancário no Brasil
2002 – Avaliação de Três Anos do Projeto
Mais uma vez, o relatório do Bacen183 aponta que o spread bancário se
elevou, embora as medidas relativas à redução da inadimplência (da ótica do
Bacen), notadamente legislativas, tenham sido implementadas.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
182
!
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório Juros e Spread Bancário no Brasil. Avaliação de 2
anos do Projeto. Nov. 2001. Disponível em: <http://www.bacen.gov.br/ftp/jurospread112001.pdf>.
Acesso em: 20 set. 2010. (p. 46).
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Tal qual nos relatórios anteriores, o chamado risco jurídico tem destaque. Mas
nada de novo é indicado, exceção ao Projeto de Lei n. 4.376-A (Lei de Falências). O
Bacen informa que estaria analisando o texto184 .
4.6 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito 2003 –
Avaliação de Quatro Anos do Projeto Juros e Spread Bancário
O relatório de 2003 ganhou novo nome. Passou a se chamar Economia
Bancária e Crédito185. Entretanto, os resultados que apresenta pouco se
modificaram.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
183
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia bancária e crédito. Avaliação de 3 anos do Projeto
Juros
e
Spread
Bancário.
Dez.
2002.
Disponível
em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/jurospread122002.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010.
184
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia bancária e crédito. Avaliação de 3 anos do Projeto
Juros
e
Spread
Bancário.
Dez.
2002.
Disponível
em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/jurospread122002.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. (p. 31).
185
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia bancária e crédito. Avaliação de 4 anos do Projeto
Juros
e
Spread
Bancário.
Dez.
2003.
Disponível
em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010.
!
"$(!
Há modesta flutuação do spread bancário. No entanto, o relatório aponta um
enorme aumento no volume de crédito emprestado186. Em outubro de 1999, foram
emprestados R$51,7 bilhões (4,97% do PIB). Em setembro de 2003, esse valor
saltou para R$167,9 bilhões (10,88% do PIB). Todavia, as taxas de juros e spread
bancário pouco se modificaram, conforme se pode ver no quadro abaixo:
Se os bancos aumentaram sua base de clientes, emprestaram mais dinheiro,
mas não reduziram as taxas e o spread, a culpa só pode ser do Poder Judiciário, da
ótica do Banco Central do Brasil. Afinal, até a lei (de usura, por exemplo) já havia
sido modificada a essa altura.
É por tal motivo que esse relatório tem um capítulo inteiro dedicado ao Poder
Judiciário. Trata-se do trecho denominado “O Componente Judicial dos Spreads
Bancários”187. Foi escrito por Armando Castelar Pinheiro e, embora esteja dentro de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
186
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia bancária e crédito. Avaliação de 4 anos do Projeto
Juros
e
Spread
Bancário.
Dez.
2003.
Disponível
em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. (p. 8).
187
PINHEIRO, Armando Castelar. O componente judicial dos spreads bancários. In: BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Economia bancária e crédito. Avaliação de 4 anos do Projeto Juros e
Spread
Bancário.
Dez.
2003.
Disponível
em:
!
"$)!
um documento do Banco Central do Brasil, há a ressalva, em nota de rodapé, de
que as opiniões do trabalho são exclusivamente do autor e não refletem
necessariamente a visão do Banco.
Seguindo a linha do Consenso de Washington, o texto aponta que o Judiciário
não apresenta aos credores a proteção necessária a seus direitos. O Judiciário seria
ineficiente e moroso e, por isto, o spread bancário não cairia.
A premissa de Armando Castelar Pinheiro é justamente inversa à que se
adota em nossa tese. Para ele, é o devedor que retarda o recebimento do crédito do
credor instituição financeira. O banco, da ótica do autor, seria uma vítima de
devedores perversos e de um Poder Judiciário inepto.
A crítica central do autor é dirigida ao processo civil. Em sua opinião, “é a
legislação processual, percebida como muito favorável aos devedores, e
especialmente a sua aplicação pelo judiciário, que eles188 responsabilizam pela fraca
proteção ao credor no Brasil”189.
Os bancos, embora critiquem – segue Armando Castelar Pinheiro – a
legislação substantiva, não a enxergam como tão nociva a seus interesses. Isso é
evidente, com todo respeito ao economista, pois os bancos não cumprem a
legislação substantiva e esperam escapar ilesos dos seus abusos. Daí fica evidente
o porquê da crítica ao processo civil. É dentro da discussão judicial que são
adaptadas e corrigidas as ilegalidades.
Por fim, os credores argumentam que um judiciário majoritariamente
favorável aos devedores é outra razão do enfraquecimento dos direitos dos
credores estabelecidos em lei. Esta posição vai além da insatisfação que se
esperaria de uma das partes que se vê de um lado da disputa. Ao contrário,
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!
<http://www.bacen.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 22 set. 2010. (p. 3441).
188
Eles = os bancos.
189
PINHEIRO, Armando Castelar. O componente judicial dos spreads bancários. In: BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Economia bancária e crédito. Avaliação de 4 anos do Projeto Juros e
Spread
Bancário.
Dez.
2003.
Disponível
em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 22 set. 2010. (p.
36).
!
"$*!
este suposto viés é atribuído à tendência dos juízes de usar sua posição na
190
busca da redistribuição de renda e ativos .
Não ocorreu a Armando Castelar Pinheiro que as decisões favoráveis podem
advir do cumprimento da Lei Federal. Afinal, elas são notadas em todos os graus de
jurisdição, inclusive no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal.
O economista ainda critica a magistratura pelo fato de suas decisões não aplicarem
a lei, mas serem guiadas pelo objetivo de “justiça social”191.
Salta aos olhos, nessa oportunidade, a falta de embasamento jurídico do texto
do economista. A justiça social é objetivo da Constituição Federal, no art. 3º, I. Não
se trata de politização das decisões judiciais, mas de aplicação da Carta Magna. O
juiz, por meio de cláusulas gerais, tem o poder e deve atuar para corrigir distorções.
E fazendo isso não estará promovendo insegurança jurídica. Ao contrário, estará
adimplindo deveres constitucionais.
A falta de conhecimento do sistema jurídico faz com que o economista afirme:
A politização das decisões judiciais pode resultar, como observado acima,
da tentativa do juiz de proteger certos grupos sociais percebidos como
sendo mais fracos do que a outra parte no litígio. Os juízes frequentemente
descrevem este comportamento como um papel social que o juiz tem a
cumprir. Este tema foi explorado na pesquisa com magistrados quando se
perguntou a estes se, confrontados com a necessidade de optar entre duas
posições extremas – uma (A) sempre respeitar os contratos,
independentemente de suas repercussões sociais, e a outra (B) decidir de
uma forma que viole os contratos, na busca de justiça social –, por qual das
duas alternativas eles optariam. A grande maioria dos magistrados (73,1%)
192
respondeu que optaria pela segunda alternativa (tabela 5) .
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190
PINHEIRO, Armando Castelar. O componente judicial dos spreads bancários. In: BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Economia bancária e crédito. Avaliação de 4 anos do Projeto Juros e
Spread
Bancário.
Dez.
2003.
Disponível
em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 22 set. 2010. (p.
37).
191
PINHEIRO, Armando Castelar. O componente judicial dos spreads bancários. In: BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Economia bancária e crédito. Avaliação de 4 anos do Projeto Juros e
Spread
Bancário.
Dez.
2003.
Disponível
em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 22 set. 2010. (p.
37).
192
PINHEIRO, Armando Castelar. O componente judicial dos spreads bancários. In: BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Economia bancária e crédito. Avaliação de 4 anos do Projeto Juros e
Spread
Bancário.
Dez.
2003.
Disponível
em:
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"%+!
Eis o que narra a tabela 5:
Armando Castelar Pinheiro está convencido de que a tabela acima representa
um conflito com a “lógica básica que sustenta o contrato e o papel do judiciário em
fazê-lo valer”193.
Ele está violentamente equivocado. É inadmissível, já no século XXI e dentro
do ordenamento positivo brasileiro, que se pense no contrato como o principal motor
de obrigações e direitos dentro de um relacionamento obrigacional. O contrato, do
enfoque constitucional, deve servir ao destinatário das normas previstas no
ordenamento jurídico pátrio. O art. 5º, da Constituição Federal, em seu caput,
determina que o brasileiro e os estrangeiros residentes no país são esse
destinatário.
Entregue a essas pessoas um ordenamento jurídico tão repleto de garantias e
princípios básicos, tem-se que o contrato, em primeiro lugar, deve respeitar o
princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1º, III, da CF.
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<http://www.bacen.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 22 set. 2010. (p.
38).
193
PINHEIRO, Armando Castelar. O componente judicial dos spreads bancários. In: BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Economia bancária e crédito. Avaliação de 4 anos do Projeto Juros e
Spread
Bancário.
Dez.
2003.
Disponível
em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 22 set. 2010. (p.
39).
!
"%"!
Nessa medida, o contrato servirá ao destinatário das normas constitucionais
sempre que atender e prezar a dignidade dessas pessoas. Logo, não se pode
admitir que um contrato seja o motivo da escravidão financeira da pessoa humana,
desde que ela, de boa-fé, tenha dirigido sua conduta no desenvolvimento do
processo obrigacional.
Ainda no art. 1º, da Constituição Federal, agora no inciso IV, observa-se outro
elementar fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, qual seja, o valor
social do trabalho e da livre iniciativa.
Aquela pessoa que trabalha, que procura gerar riquezas para o Brasil por
meio da livre iniciativa, não pode ser colocada em segundo plano toda vez que se vê
envolvida por determinado contrato que acabou por revelar-se excessivamente
oneroso.
O operador do Direito tem de buscar, como valor inicial de seu processo
interpretativo do relacionamento obrigacional, a pessoa humana. Agindo ela de
acordo com a boa-fé, como norma de conduta, dela são pinçados os fundamentos
para a solução do problema, visto que é a ela que o Direito tutela em primeiríssimo
lugar.
Prova disso é a redação do art. 3º, da CF, ao determinar que constitui objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária. Ora, não se constrói uma ordem com essas características se não
for buscado como início de tudo o atendimento aos destinatários das normas
constitucionais.
Trata-se de um verdadeiro antropocentrismo contratual194, do qual surge a
pessoa humana como foco inicial do nascimento e desenvolvimento de direitos e
obrigações no âmbito da interpretação e declaração de incidência das normas
positivadas no sistema pátrio. O contrato não deixa, por óbvio, de ter conteúdo
vinculativo, mas passa a encontrar graves restrições aos seus termos e efeitos,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
194
!
Tal qual a proposta de José de Sousa Cunhal Sendim, na obra Responsabilidade civil por danos
ecológicos: da reparação do dano através de restauração natural. Almedina, Portugal, 2002. p.
98.
"%#!
difundidos no curso do processo obrigacional.
No âmbito do processo civil, é possível invocar o recurso especial
299.392/RS, DJU, de 9/4/2001, do qual foi relator o Ministro Gilson Dipp, da 5ª
Turma do STJ. Nesse julgamento foi reconhecido pelo magistrado que o forno de
microondas e o aparelho de ar condicionado são bens impenhoráveis e estão
tutelados pela Lei n. 8.009/1990. No corpo do voto, foi lembrado que
A legislação é no sentido de que, sem prejuízo da satisfação dos valores
eventualmente exigidos, o executado não seja conduzido à situação que
atente contra a sua dignidade e a estrutura necessária a regular vida da
família, considerando-se, para tanto, os meios e condições proporcionados
pelo atual contexto sócio-cultural ao homem médio comum.
Situação como essa, do ponto de vista do economista Armando Castelar
Pinheiro, faz com que o spread bancário se eleve. Puro sofisma.
Ao ter, como outro objetivo do Estado, o de garantir o desenvolvimento
nacional (art. 3º, II), a Constituição Federal dá conta de que a pessoa humana
realmente é o centro das atenções. O desenvolvimento nacional, em uma
interpretação sistemática da Carta Maior, só pode ser atingido com a elevação do
nível de vida dos cidadãos (prova disso é o art. 3º, III), por meio da promoção do
bem de todos (art. 3º, IV).
A aplicação do Direito deve andar a par dos objetivos da República, até
porque qualquer outra interpretação conduz à inconstitucionalidade do ato de
concreção das normas aos fatos. O processo de interpretação deve ser, sem
exceção, de cima para baixo, isto é, da Constituição Federal em direção à legislação
ordinária, jamais o inverso.
Konrad Hesse195, analisando o tema da interpretação das normas
constitucionais, assesta que:
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
195
!
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição (Die normative Kraft der Verfassung).
Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 22-23.
"%$!
[...] a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e
preservação da força normativa da Constituição. A interpretação
constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma
(Gebot optimaler Verwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio
não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção
lógica e pela construção conceitual. Se o direito e, sobretudo, a
Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida,
não se afigura possível que a interpretação faça deles tábua rasa. Ele há de
contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições
normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que
consegue concretizar de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição
normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada
situação.
A Constituição Federal de 1988 denota que o país está bem estruturado para
atender às dificuldades decorrentes da evolução das relações jurídicas. Pode-se
dizer que a Carta Magna é geradora de uma série de obrigações extracontratuais,
impostas a todos os figurantes do contrato, conforme acima já exposto. O segundo
édito que nos parece relevante, ao menos para este estudo, é o Código de Proteção
e Defesa do Consumidor.
É como alerta Ricardo Luis Lorenzetti196 :
[...] o Estado requer um direito privado, não um direito dos particulares.
Trata-se de evitar que a autonomia privada imponha suas valorações
particulares à sociedade; impedir-lhe que invada territórios socialmente
sensíveis. Particularmente, trata-se de evitar a imposição a um grupo, de
valores individuais que lhe são alheios. Aqui faz seu ingresso a ordem
pública de coordenação, e de direção.
O art. 4º, da CF, dá conta de que o Estado brasileiro, nas suas relações
internacionais, será regido pelos princípios da independência nacional, prevalência
dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não intervenção, igualdade
entre os Estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao
terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade e concessão de asilo político. Além disso, o dispositivo oferece um
parágrafo único, que determina que o país buscará a integração com os outros
povos da América Latina, com o objetivo de formar uma comunidade latino!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
196
!
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998. p. 540.
"%%!
americana de nações.
Essa norma constitucional trata da afirmação do Brasil como um país
soberano, que busca a integração com outros povos, sem a perda de sua identidade
nacional. Aliás, nem teria como ser de outra forma, na medida em que os
movimentos econômicos mundiais (e esse é o ponto relevante ao presente estudo),
capitaneados pelos países ricos, de uma forma ou de outra, influem severamente
nos destinos dos destinatários das normas constitucionais. Contudo, os problemas
criados por esses movimentos, em regra nefastos ao desenvolvimento nacional,
deverão ser solucionados dentro do atendimento aos interesses dos brasileiros e
dos estrangeiros residentes no país.
Ao Brasil, e essa é uma regra que até pode admitir exceções, não podem
servir as mesmas engenharias utilizadas em outros Estados para a solução dos
problemas, visto que elas são feitas para povos distintos, que vivem realidades
diversas, sob a égide de normas constitucionais diferentes. Também é inadmissível
que os problemas nacionais sejam resolvidos por meio da intervenção, sempre
interessada, de outros povos.
O Consenso de Washington, que parece a bíblia do economista do Banco
Central do Brasil, Armando Castelar Pinheiro, pode ter sido pensado para a América
Latina. Todavia, esqueceram que o Brasil é um país soberano, com regras
constitucionais que estão em conflito com aquelas soluções, notadamente quando
se quer colocar o contrato bancário como algo absolutamente intangível.
Causa estranheza o termo “mercado livre”, uma vez que se tornou obsoleto o
termo “livre manifestação de vontade”, no âmbito do direito contratual. A liberdade
de mercado, assim como a liberdade de manifestação de vontade são termos que
servem aos detentores do poder, que vivem sob a busca de uma igualdade irreal,
que não privilegie os grupos mais fracos (econômica, social, política ou
educacionalmente).
O ideal de igualdade estampado na Constituição brasileira é o aristotélico,
com o qual se busca o estabelecimento de uma igualdade real, fundada no
tratamento desigual aos desiguais.
!
"%&!
A Carta Constitucional do país é discriminatória. Ela confere privilégios a
grupos especiais de pessoas197, na medida em que busca a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária. Esse fenômeno é denominado por Jorge Miranda
de discriminação positiva, e nele se estabelece uma vantagem fundada a alguém.
Trata-se de “desigualdades de direito em conseqüência de desigualdades de facto e
tendentes à superação destas”198.
O sentido da igualdade, ainda nas palavras de Jorge Miranda199, é:
a) tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de
situações semelhantes); b) tratamento desigual de situações desiguais, mas
substancial e objectivamente desiguais – “impostas pela diversidade das
circunstâncias ou pela natureza das coisas” – e não criadas ou mantidas
artificialmente pelo legislador; c) tratamento desigual que, consoante os
casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em
obrigação; d) tratamento igual ou semelhante, em moldes de
proporcionalidade, das situações desiguais relativamente iguais ou
semelhantes; e) tratamento das situações não apenas como existem, mas
também, como devem existir, de harmonia com os padrões da Constituição
material (acrescentando-se, assim, uma componente activa ao princípio e
fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da
lei).
Os pontos destacados pelo jurista português são de notável relevância para o
presente estudo. Ao dizer que o tratamento desigual, dependendo dos casos, é
verdadeira obrigação do legislador, o doutrinador contribui para a afirmação anterior
de que, para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, é fundamental
estabelecer situações de vantagem a determinados indivíduos.
José Joaquim Gomes Canotilho200 entende que o estabelecimento de
igualdade real somente se justifica em razão da
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
197
Os consumidores e as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte, apenas para
uma breve ilustração, são entes privilegiados pela ordem constitucional vigente. Tal se pode
observar pelas locuções dos incisos V e IX, do art. 170, quando dispõe sobre defesa do
consumidor e tratamento favorecido para as empresas nacionais de pequeno porte.
198
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1998. Tomo IV, p. 214.
199
Ibid., p. 214-215.
200
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador.
Coimbra: Coimbra, 1994. p. 382.
!
"%’!
[...] natureza das coisas, ou seja, quando não houver motivo racional
evidente, resultante da “natureza das coisas”, para desigual tratamento de
situações de facto iguais ou igual regulação para situações de facto
desiguais, pode considerar-se uma lei, que estabelece essa regulação,
como arbitrária.
A Lei n. 8.078/1990 justifica-se pelo fato de o consumidor realmente ser a
parte frágil da relação obrigacional. Há um motivo racional evidente para a tutela da
parte vulnerável. O atual Código Civil já está bem mais próximo da Constituição
Federal. Ele veio, no âmbito das obrigações e contratos, com normas gerais
relevantes. É o caso da boa-fé (e seus deveres anexos – arts. 113 e 422, do CC) e
da função social do contrato (art. 421, do CC).
Nessa medida, o Direito privado se unifica e se renova em torno de princípios
estampados na Constituição Federal, deixando de lado a utópica manifestação de
vontade livre e fazendo com que a tutela conferida aos consumidores, no CDC,
fundada no motivo racional evidente de tutela desigual aos desiguais, estenda-se a
quem consumidor não é, com a finalidade de atingimento da igualdade real
constitucional e o consentimento pleno.
Não é outro o ensinamento de Ricardo Luis Lorenzetti, ao tratar daquilo que
denomina Direito Civil constitucionalizado201. Para o doutrinador argentino, é
necessário que seja reforçado “o acesso ao consentimento pleno, despejando as
dúvidas individuais (intervenção como garantia subjetiva ao consentimento pleno) e
colocando as partes em igualdade material (ordem pública de proteção)”202. No
mesmo sentido posiciona-se Thomas Wilhelmsson, quando assesta que o direito do
consumidor, na prática, entrega melhor proteção àqueles em situação de
desvantagem social (consumer law in practice gives a better protection to those who
are in privileged position than to the disadvantaged in society)203.
Feitas tais observações, vê-se que a posição dos 73,1% dos juízes é a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
201
Pode-se falar em Direito constitucionalizado. É que os efeitos da nova carta atingem a todos os
ramos, não somente o civil.
202
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998. p. 543.
203
Ibid., p. 217.
!
"%(!
correta. Mas o economista reconhece que a culpa dessa atuação dos juízes está
nos amplos direitos sociais e individuais inscritos na Constituição Federal204 . Nisso,
ele tem razão.
4.7 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito 2004 –
Avaliação de Cinco Anos do Projeto Juros e Spread Bancário
O relatório de 2004, tal qual os anteriores, continua apontando que a taxa de
juros médios prefixados continuava “no elevado patamar de 55,00% a.a., enquanto
que o spread bancário prefixado apresentava a média de 37,9% p.p. Há, portanto,
um longo caminho a percorrer para a redução do custo do crédito bancário no
Brasil”205.
De outro lado, a concessão de crédito livre doméstico (que excluiu as
operações com recursos externos) elevou-se. Passou de R$59,2 bilhões (5% do
PIB) em outubro de 1999 para R$216,3 bilhões (12,3% do PIB) em outubro de 2004.
A taxa de juros não caiu, mas nunca se havia tomado tanto crédito (caro) no
Brasil.
A atuação do Poder Judiciário e o processo civil continuam a merecer atenção
nesse relatório. Segundo o relatório, é necessário
[...] reformar os Códigos de Processo para reduzir o grande número de
recursos e agravos que retardam o andamento dos processos, e adotar
súmulas vinculantes ou impeditivas de recurso, de forma a fazer valer a
206
jurisprudência emanada dos tribunais superiores .
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
204
PINHEIRO, Armando Castelar. O componente judicial dos spreads bancários. In: BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Economia Bancária e Crédito. Avaliação de 4 Anos do Projeto Juros e
Spread
Bancário.
Dez.
2003.
Disponível
em:
<http://www.bacen.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 24 set. 2010. (p.
40).
205
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia Bancária e Crédito. Avaliação de 5 Anos do Projeto
Juros
e
Spread
Bancário.
Dez.
2004.
Disponível
em:
<http://www.bacen.gov.br/Pec/spread/port/economia_bancaria_e_credito.pdf>. Acesso em: 24 set.
2010. (p. 5).
206
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Economia Bancária e Crédito. Avaliação de 5 Anos do Projeto
Juros
e
Spread
Bancário.
Dez.
2004.
Disponível
em:
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"%)!
No caso exposto na primeira parte, viu-se que o discurso dos bancos, quando
ocupam a posição de credores, é um, mas tornar-se bem outro, quando devedores.
Mas não há como não concordar que o respeito às decisões superiores, por
meio de súmulas vinculantes ou impeditivas de recursos, é algo muito salutar.
Entretanto, a sugestão dos bancos (não se consegue dissociar o Bacen deles) só
surgiu após terem eles conseguido modificar algumas regras de Direito Material, até
então vigentes, e que favoreciam os consumidores de crédito, provocando uma
modificação na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, no que
diz respeito à capitalização dos juros.
4.8 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito 2005 –
Avaliação de Seis Anos do Projeto Juros e Spread Bancário
Mais uma vez, não há grandes novidades no que concerne à redução de
taxas de juros e do spread bancário.
Com relação ao spread houve queda, no entanto, continua muito elevado, nas
palavras do próprio Banco Central do Brasil, conforme se vê na tabela abaixo207:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
<http://www.bacen.gov.br/Pec/spread/port/economia_bancaria_e_credito.pdf>. Acesso em: 24 set.
2010. (p. 35).
207
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2005. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/pec/spread/port/rel_econ_ban_cred.pdf>. Acesso em: 24 set. 2010.
(p. 10).
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"%*!
Já as taxas de juros mantiveram-se altas em 2005, praticamente sem
modificação com relação aos anos anteriores. A tabela 2, do relatório, denota tal
fato208 :
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
208
!
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2005. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/pec/spread/port/rel_econ_ban_cred.pdf>. Acesso em: 24 set. 2010.
(p. 11).
"&+!
Nem os juros, nem o spread bancário caíram. Entretanto, o Bacen aponta que
o risco jurídico teria diminuído em razão de medidas adotadas desde 1999.
Entre as medidas adotadas em 1999, no âmbito do PJSP, estavam as
medidas provisórias que criaram as Cédulas de Crédito Bancário (CCB),
esclareceram sobre a legalidade da cobrança de juros compostos
(anatocismo) no sistema financeiro e estenderam a aplicação da alienação
fiduciária. Dando mais tranqüilidade jurídica aos participantes do mercado
de crédito, esses assuntos passaram a ser regulados pela Lei 10.931, de 2
de agosto de 2004. Essa legislação sobre patrimônio de afetação em
empreendimentos imobiliários também tratou da criação da CCB, modificou
e atualizou a legislação que trata de alienação fiduciária, até mesmo
estendendo sua utilização a operações em garantia de coisa fungível ou de
direito, assim como contemplou a capitalização dos juros nas operações de
crédito com a utilização desse titulo executivo (CCB), reduzindo os riscos
209
jurídicos dessas transações financeiras .
A nova Lei de Falências (Lei n. 11.101 e Lei Complementar n. 117, ambas de
17 de fevereiro de 2005) também foi apontada como fator importante da redução do
spread e dos juros bancários.
Em compensação, o crédito livre (sem repasses externos) concedido saltou
para 18,3% do PIB, em dezembro de 2005.
4.9 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito 2006 –
Avaliação de Sete Anos do Projeto Juros e Spread Bancário
O relatório fala em redução da taxa de juros média em 7.6 p.p., mas o motivo
para tal retração é a queda da Taxa Selic, conforme gráfico apresentado pelo
Bacen210:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
209
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2005. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/pec/spread/port/rel_econ_ban_cred.pdf>. Acesso em: 24 set. 2010.
(p. 16).
210
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2006. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/Pec/spread/port/relatorio_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso
em: 24 set. 2010. (p. 8).
!
"&"!
E o spread bancário também foi reduzido em 1,4 p.p. Mas tal redução estaria
“relacionada, em parte, aos ganhos de escala advindos do expressivo crescimento
nas concessões de crédito pelo sistema financeiro”211.
Assim, as reduções que houve, além de não significativas, não foram frutos
da “redução dos riscos de inadimplência”, mercê das modificações legislativas
havidas. Curiosamente, mesmo com tantas regras novas favoráveis aos bancos, o
risco de inadimplência, na decomposição do spread bancário teve enorme aumento,
conforme tabela abaixo212:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
211
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2006. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/Pec/spread/port/relatorio_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso
em: 24 set. 2010. (p. 8).
212
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2006. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/Pec/spread/port/relatorio_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso
em: 24 set. 2010. (p. 12).
!
"&#!
A tabela acima revela que, à medida que os anos passaram e a legislação foi
ficando mais favorável aos bancos, o componente inadimplência elevou-se. Essa
contradição não é explicada pelo relatório.
4.10 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito 2007
– Avaliação de Oito Anos do Projeto Juros e Spread Bancário
Em dezembro de 2007, a totalidade dos financiamentos realizados no Brasil
alcançou a quantia de R$936 bilhões, revelando um crescimento anual de 27,8%,
ante 20,7%, em 2006. A razão entre o Produto Interno Bruto e o valor total de
mútuos alcançou 34,7%. Trata-se de maior nível desde maio de 1995213.
O relatório também apresenta uma queda no spread. Todavia, tal qual em
2006, ela está ligada à queda da taxa Selic214 .
É interessante um dado apresentado acerca da queda do spread para a
pessoa física em comparação com a pouca modificação que há no spread aplicado
à pessoa jurídica.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
213
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2007. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/Pec/Depep/Spread/relatorio_economia_bancaria_credito2007.pdf>.
Acesso em: 24 set. 2010. (p. 7).
214
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2007. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/Pec/Depep/Spread/relatorio_economia_bancaria_credito2007.pdf>.
Acesso em: 24 set. 2010. (p. 9).
!
"&$!
Essa queda é fruto da disseminação do crédito consignado, segundo informou
o relatório. O empréstimo consignado representou 26,1% do segmento de pessoas
físicas215.
Mesmo com a participação de um quarto dos empréstimos concedidos às
pessoas físicas do crédito consignado, em que a possibilidade de inadimplemento
do devedor é próxima de zero, já que os recursos são debitados diretamente do
salário do consumidor, a composição do spread bancário ainda considera uma
elevada taxa em razão do risco (inadimplência)216.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
215
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2007. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/Pec/Depep/Spread/relatorio_economia_bancaria_credito2007.pdf>.
Acesso em: 24 set. 2010. (p. 10).
216
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2007. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/Pec/Depep/Spread/relatorio_economia_bancaria_credito2007.pdf>.
Acesso em: 24 set. 2010. (p. 12).
!
"&%!
E as taxas de juros médias, não fosse a redução da Selic, igualmente não se
teriam modificado, mesmo tendo-se passado oito anos desde o primeiro relatório do
Banco Central do Brasil e a implementação de praticamente todas as medidas
desejadas pelos bancos.
O relatório continua a afirmar que
[...] os números apresentados ainda mostram participação predominante da
inadimplência na composição do spread bancário, donde se infere que os
custos dos empréstimos e financiamentos bancários no Brasil estão
fortemente influenciados pelo risco de crédito. Assim, para que os
desenvolvimentos recentes no sentido de reduzir os juros e o spread
bancário tenham continuidade, são necessários novos avanços
217
institucionais voltados à melhora das garantias ao credor .
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
217
!
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2007. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/Pec/Depep/Spread/relatorio_economia_bancaria_credito2007.pdf>.
Acesso em: 24 set. 2010. (p. 13).
"&&!
Em nenhum momento, desde o início dos estudos pelo Bacen e a
implementação de todas as medidas que os bancos entendiam como necessárias,
houve redução no componente risco. E ele representa, em média, 35% da taxa de
juros aplicada.
Se a taxa de risco fosse reduzida, e deveria sê-lo, pois tudo o que foi feito na
legislação brasileira atendeu ao que os bancos desejavam, o spread bancário
poderia ter substancial redução. Não é possível que a avaliação de risco seja, em
2007, igual à de 1999. A não ser que a premissa inicial estabelecida neste capítulo
seja, de fato, verdadeira. Isto é, o risco de inadimplência, alcançando um terço da
taxa de juros, pode ser o grande componente para fomentar a própria inadimplência
dos mutuários.
4.11 Relatório do Banco Central do Brasil – Economia Bancária e Crédito 2008
– Avaliação de Nove Anos do Projeto Juros e Spread Bancário
Esse é o derradeiro relatório elaborado e está disponível no site do Banco
Central do Brasil. E o quadro é desalentador, pois, embora a Selic tenha-se mantido
estável, o spread bancário foi elevado218 .
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
218
!
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2008. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/Pec/Depep/Spread/relatorio_economia_bancaria_credito2008.pdf>.
Acesso em: 24 set. 2010. (p. 16).
"&’!
E com o aumento do spread geral, a inadimplência também se elevou. O
gráfico abaixo revela a íntima relação entre o tamanho da taxa de juros e a
inadimplência dos mutuários219:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
219
!
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. 2008. Disponível
em: <http://www.bacen.gov.br/Pec/Depep/Spread/relatorio_economia_bancaria_credito2008.pdf>.
Acesso em: 24 set. 2010. (p. 16).
"&(!
Se as taxas de juros aumentam sem qualquer justificativa racional, senão a
elevação dos já enormes lucros dos bancos, a inadimplência também cresce. E, em
razão do aumento da inadimplência, as taxas de juros aumentam ainda mais! Essa
ótica perversa das instituições financeiras não é razoável.
4.12 Conclusão
Criaram-se novos títulos de crédito (Lei n. 10.931/2004), tornaram lícita a
capitalização dos juros (MP 2.170-36), aumentaram o alcance da alienação fiduciária
(Lei n. 10.931/2004), surgiu o crédito consignado (Lei n. 10.820/2004) e o Código de
Processo Civil foi reformado, com a intenção de tornar o recebimento dos créditos
mais veloz (Lei n. 11.232/2005).
Tantas modificações, sugeridas ou impostas, tanto faz, revelaram-se
ineficazes justamente para o fim declarado que anunciavam. Talvez por tal motivo
não haja mais os relatórios do Bacen.
Em nove anos de estudos do Banco Central do Brasil acerca de juros e
spread bancário, só houve duas coisas que não mudaram: os juros e o spread
bancário.
As práticas consideradas abusivas, de forma pacífica, no caso examinado nos
dois primeiros capítulos, passaram a ser consideradas lícitas, ou melhor, mercê da
nova legislação, voltaram a ser teses controvertidas nos tribunais.
Entretanto, do ponto de vista do recebimento mais veloz do crédito, nenhuma
modificação havida, em razão dos relatórios do Banco Central do Brasil, seria capaz
de alterar o rumo que tomou o litígio entre Bomfim e Dibens. A verdade é que as
alterações que houve, embora em nada tenham colaborado do ponto de vista
econômico, abriram novas possibilidades de abuso de direito no processo. Nesse
quadro, confirma-se a tese que está a ser exposta: quanto maior o abuso do credor
instituição financeira, maiores as possibilidades de que o devedor de boa-fé possa
!
"&)!
se defender em juízo e, em consequência, mais lento será o adimplemento judicial
da obrigação.
O Banco Central do Brasil poderia ter colaborado muito mais se incentivasse
ou incrementasse a fiscalização das instituições financeiras, procurando meios de
impedir o uso de condições abusivas, em vez de tornar lícito o ilícito.
!
"&*!
5 BOA-FÉ, MÁ-FÉ E ABUSO DE DIREITO
5.1 A Presunção de Má-fé
O operador do Direito tem por hábito tratar da conduta das partes, seja nos
negócios jurídicos ou nas relações processuais, partindo da premissa de que as
partes atuam de boa-fé.
Jônatas Milhomens oferece uma função notável à boa-fé, quando afirma que
ela “purifica e dulcifica os textos rígidos da lei com o banho lustral de suas normas
éticas”220 . Ele avança, páginas adiante, e consegue ser ainda mais poético quando
leciona: “A boa-fé, se não está na base de todos os sistemas jurídicos, penetra-os,
infundindo-lhes calor e humanidade. A boa-fé é o óleo invisível que amacia o
funcionamento da engrenagem jurídica”221.
O doutrinador, em esforço sistemático, informa que no Direito Processual: (a)
devem os sujeitos do processo comportar-se honestamente; (b) presume-se que
tenham agido de boa-fé; (c) pune-se a transgressão do devedor de lealdade222.
A engrenagem jurídica, no entanto, necessita de lubrificação constante. O
embate entre as partes no processo civil é corrosivo. A premissa inicial é a de que
as partes, se estão em juízo, em procedimento contencioso, é porque não
conseguiram alcançar um termo ideal na relação fática. Há discordância de
interesses. Quando levam a juízo suas pretensões, fazem-no com as cores
necessárias para vencer a demanda.
Ninguém ingressa com uma ação informando ao juízo que, eventualmente, a
outra parte possa ter razão. E o réu, igualmente, em raras ocasiões, irá reconhecer
que o autor da contenda está correto.
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!
220
MILHOMENS, Jônatas. Da presunção de boa-fé no processo civil. São Paulo: Forense, 1961.
p. 22.
221
Ob. cit., p. 31.
222
Ob. cit., p. 31.
!
"’+!
As partes e seus advogados “editam” os fatos, colocando em suas
manifestações aquilo que lhes interessa para a obtenção da vitória no processo223.
Há opinião doutrinária, segundo a qual o processo já não deve mais ser visto
como um duelo entre as partes,
[...] pois, em sentido contrário, o processo é fenômeno que revela uma
relação jurídica de direito público, e é o principal meio de realização do
direito, de pacificação social, de educação e de legitimação política da
224
sociedade num estado democrático de direito .
No entanto, mesmo quem defende tal ideia, distante da realidade225, ressalta
a importância da teoria da situação jurídica de James Goldschmidt226.
O Direito Processual, segundo
esse autor, seria um conjunto de
possibilidades, de cargas e de expectativas, porque pode acontecer que o juiz
reconheça no processo direitos até mesmo inexistentes227.
Interpretando James Goldschmidt, Carlos Alberto Carmona228 ensina
[...] que não se pode falar de relação das partes entre si e entre elas e o
juiz: o juiz profere sentença porque é seu dever funcional (e não um direito
das partes); as partes não estão ligadas entre si, mas estão apenas sujeitas
à ordem jurídica. Assim, o processo converte-se numa “grande caixa de
surpresas”, de onde pode saltar fora qualquer coisa (isto é, uma sentença
qualquer), o que caracterizaria uma “situação”.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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!
223
CONDORELLI, Epifanio J. L. Del abuso y la mala fe dentro del proceso. Buenos Aires: Abeledo
Perrot, 1985, p. 216, afirma: Nosotros no cremos que exista en el âmbito del proceso, la obligación
de decir a verdad. E o autor concluiu que não se pode exigir das partes que digam a verdade, em
detrimento de seus interesses, pois isto implicaria na decapitación de la liberdad individual, la falta
de respeto a la persona, a su autocustodia (ob. cit. p. 217).
224
VINCENZI, Brunela Vieira de. A boa-fé no processo civil. São Paulo: Atlas, 2003. p. 78.
225
Carlos Alberto Carmona adverte: “O estudioso hoje exige algo mais concreto, sendo insuficiente
estudar o processo sob um foco eminentemente acadêmico: o ‘direito dos livros’ afastou-se a tal
ponto do ‘direito prático’ que não poucas vezes o estudioso perde de vista a realidade para criar
belas teses processuais (e, no mais das vezes, procedimentais) perfeitamente inúteis!”
(Considerações sobre a evolução conceitual do processo. Revista de Processo, n. 57, p. 39 in
Revista dos Tribunais on-line).
226
VINCENZI, ob. cit., p. 79, nota 5.
227
GOLDSCHMIDT, James. Princípios generales del proceso. Buenos Aires: Jurídicas EuropaAmérica, 1961. p. 64.
228
CARMONA, Carlos Alberto. Considerações sobre a evolução conceitual do processo. Revista
de Processo, n. 57, p. 39 in Revista dos Tribunais on-line.
!
"’"!
James Goldschmidt denuncia o estado patológico do processo229 .
Em um mundo ideal, as partes deveriam ser honestas, porque agiriam de
boa-fé no curso do processo, temerosas da punição que poderia advir da conduta
contrária à cláusula geral. No mundo em que se vive, as partes correm o risco de
serem desonestas em suas alegações, pedem mais do que teriam direito, agem de
má-fé e raramente são punidas por seus atos230 . Notadamente, se a parte que
abusa da outra for uma instituição financeira.
Não é compreensível a facilidade com que os bancos escapam ilesos de suas
condutas desleais em processos em que contendem com seus clientes (devedores
ou não). O caso aqui exposto é exemplo notável disso. Em nenhum momento, por
mais que a arrendadora Dibens abusasse ou litigasse de forma desleal, algumas
vezes mentindo, pura e simplesmente, pena alguma lhe foi aplicada. Em
contrapartida, na primeira oportunidade que o juiz enxergou que a Bomfim poderia
ter cometido um deslize, severa pena, de mais de um milhão de reais lhe foi
aplicada231 . O mais curioso é que todo esse litígio foi dirigido, a maior parte do
tempo, pelo mesmo magistrado. Em grande medida, as condutas de má-fé,
abusivas, ocorrem com a colaboração do estado-juiz. Sem que o árbitro seja omisso,
ou que simplesmente tenha ideias preconcebidas sobre quem são as partes, o
espaço para o abuso seria bem menor.
Está-se convencido de que a regra geral, em se tratando de instituição
financeira, é a da má-fé como norma de conduta232. Objetivamente, as instituições
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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229
CARMONA, Carlos Alberto, ob. cit.
SHIMURA, Sérgio. A Execução da Sentença na Reforma de 2005 in: Teresa Arruda Alvim
Wambier (Coord.). Aspectos polêmicos da nova execução 3. São Paulo: RT, 2006, p. 547, aponta
que a morosidade que há no processo deve-se, inclusive, a aspectos culturais: “nota-se a ausência
de compromisso dos figurantes do processo com a ideia de colaborar efetivamente para o
desenrolar fluido do processo. Na mentalidade, já arraigada, é preferível protelar o andamento do
feito, jogando e ganhando dividendos com o entravamento da máquina judiciária”.
231
O Tribunal de Justiça de Sergipe afastou tal penalidade, por considerá-la indevida.
232
A presunção de má-fé já não é novidade no sistema. O Superior Tribunal de Justiça já a presume
em se tratando de relação de compra e venda de imóvel. Cabe ao adquirente provar a sua boa-fé,
sob pena de perder o bem que adquiriu. Ou seja, o terceiro de boa-fé passou a ser o terceiro da
má-fé presumida. “Cabe ao comprador do imóvel provar que desconhece a existência da ação em
nome do proprietário do imóvel, não apenas porque o art. 1.º, da Lei n.º 7.433/85 exige a
apresentação das certidões dos feitos ajuizados em nome do vendedor para lavratura da escritura
pública de alienação de imóveis, mas, sobretudo, porque só se pode considerar, objetivamente, de
boa-fé, o comprador que toma mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição” (STJ.
Terceira Turma, Resp 655.000/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 27/2/2008).
230
!
"’#!
financeiras, em regra: (a) infringem direitos de consumidores de crédito, com a
inclusão de cláusulas abusivas em contratos; (b) valem-se de meios de cobrança
judiciais ou extrajudiciais excessivos; e (c) quando os tribunais corrigem os abusos,
as leis acabam sendo modificadas, por força de lobby de tais empresas de crédito.
Não é novidade que
[...] o processo - e também o procedimento - traduz hoje de maneira clara e
límpida a luta de classes que se instalou nas diversas sociedades (tanto
capitalistas quanto socialistas e comunistas) e o produto final representa
uma escolha do legislador, que cede ao poder de grupos dominantes mais
233
ou menos estabelecidos, mais ou menos influentes .
No Brasil, nenhum grupo econômico é mais influente que os bancos. O
Capítulo 4 demonstrou a verdadeira cirurgia plástica que a legislação sofreu em
favor dos interesses deles. A cláusula geral de boa-fé se distancia da conduta
ordinária das instituições financeiras.
A má-fé, como norma de conduta, deve ser presumida daquele que guardar
as características inversas do consumidor. As instituições financeiras são
invulneráveis (jurídica, econômica ou tecnicamente), ultrainformadas. São elas que
ditam as regras da relação obrigacional e são clientes constantes do Poder
Judiciário, mercê de reclamações – procedentes – de consumidores234 . Há uma
relação de sujeição quase absoluta do consumidor ao fornecedor de crédito. E o
abuso se faz presente como regra.
Este estudo cobre um espaço de tempo em que ocorreu no Brasil algo que
poderia ser considerado um verdadeiro golpe de estado em outros países. Os
tribunais superiores haviam consolidado a jurisprudência acerca das práticas
bancárias (tanto as de Direito Material, como as processuais) em determinado
sentido. A partir de 1999, o Banco Central do Brasil, motivado por “estudos”235
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233
CARMONA, Carlos Alberto. Considerações sobre a evolução conceitual do processo. Revista
de Processo, n. 57, p. 39 in Revista dos Tribunais on-line.
234
Dentro dessa regra, as empresas de telefonia, televisores a cabo e planos de saúde, por exemplo,
também devem se presumir de má-fé.
235
Curioso é o fato de o Banco Central elaborar um relatório, em outubro de 1999, em absoluto
atendimento aos reclamos vindos do evento que ocorreu nos dias 30 e 31 de agosto do mesmo
ano, realizado em São Paulo, com apoio da Associação Brasileira de Bancos Comerciais a
Múltiplos (ASSC) e da Associação Brasileira de Bancos Internacionais (ABBI). Um dos motes do
!
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realizados por instituições financeiras, iniciou a edição de relatórios denominados
Juros & Spread Bancário no Brasil.
Os relatórios propunham modificações legislativas em sentido inverso ao que
a jurisprudência dos tribunais superiores, principalmente o Superior Tribunal de
Justiça, havia consolidado. Isto é, o que se desejava era tornar lícito tudo aquilo que
era considerado ilegal, na relação entre bancos e clientes. A premissa básica dessas
reformas legislativas é de que todo o inadimplemento é de má-fé. Trata-se de
afirmação falsa. Há inúmeras hipóteses em que a ausência de adimplemento de
uma obrigação, da forma como inicialmente estabelecida, não representa confronto
com a boa-fé236. Ao contrário, a exigência da contraprestação, quando abusiva, é
que pode ser de má-fé. Essa situação já era lembrada por Clóvis do Couto e Silva,
quando afirmava que
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simpósio foi o relacionado aos “Principais aspectos do projeto de lei de cédulas de crédito
bancário”. O painel sobre o tema foi resumido da seguinte forma pelos organizadores: “Este
briefing mostrará em detalhes as premissas que compõem o novo Projeto de Lei sobre a
implementação de cédulas de crédito bancário, cédulas de crédito como rural, comercial e
industrial já são conhecidas há bastante tempo, porém há necessidade de implementar cédula
menos específica para expandir os benefícios para qualquer tipo de operação bancária.
Participando deste briefing você poderá conhecer importantes vantagens que sua instituição obterá
caso o projeto de lei seja aprovado buscando reduzir custos e riscos em seus contratos a partir
deste instrumento adicional”. Na exposição intitulada “Analisando as vantagens das cédulas de
crédito em relação aos instrumentos contratuais comuns”, enumeraram-se alguns benefícios do
novo título de crédito, quais sejam: “1. Eliminação dos custos na formalização da garantia
hipotecária; 2. Autorização legal para capitalizar juros; 3. Utilização de aval ao invés de fiança; 4.
Título executável; 5. Facilidade na formalização; 6. Renegociação de dívidas através de
composição”.
236
Valiosa é a lição de MARIA CRISTINA CERESER PEZZELLA, O princípio da boa-fé objetiva no
direito privado alemão e brasileiro, Revista de Direito do Consumidor, n. 24, p. 199 in Revista
dos Tribunais on-line: “Visualizada sob o enfoque da totalidade, a análise do vínculo como um todo
não é oposta à sua compreensão como um processo, pois ambas se completam. Assim, a
obrigação é um processo, pois se dirige, sempre, para sua finalidade, a realização dos atos
necessários à sua extinção. Atualmente, há um conceito novo de obrigação que se opõe ao
tradicional, à concepção clássica da obrigação, que considera credores e devedores como
indivíduos situados em posições claramente antagônicas. Em virtude da aplicação da boa-fé
objetiva no direito das obrigações, a relação obrigacional passou a ser considerada como uma
ordem de cooperação entre as partes para satisfazer os interesses do credor, com a necessária
preservação também dos interesses do devedor. Esta ordem de cooperação, peculiar à noção
atual de obrigação, muda o enfoque das posições do credor e do devedor, em face de que também
o credor deve adimplir deveres decorrentes da aplicação da boa-fé objetiva, que fundamenta a
criação de deveres concretos de conduta tanto para o devedor quanto para o credor. Esta
concepção de relação jurídica obrigacional dá razão para se afirmar que os direitos não se
confinam apenas a um dos pólos da relação, mas estendem-se também ao outro, com os deveres
correspondentes, de modo que não mais se pode definir a relação jurídica, linearmente, como a
mera soma de obrigações e direitos, uma vez que é uma totalidade, não se confundindo com os
deveres principais que engloba”.
!
"’%!
[...] desde logo importa deixar claro que nem todo adimplemento que não
satisfaça integralmente à outra parte, redunda em lesão ao princípio, pois a
infringência há de se relacionar sempre com a lealdade de tratamento e o
237
respeito à esfera jurídica de outrem .
As instituições financeiras alcançaram um patamar de conduta desleal que
desbordou o próprio Direito posto. Elas atuaram na formação da lei. É por tal motivo
que se afirma que dos bancos é necessária a máxima desconfiança. A conduta
deles deve ser presumida como de má-fé, ainda que aparentemente em
conformidade com a lei, visto que a própria regra jurídica pode ser viciada238.
A presunção é a ilação que se extrai de um fato conhecido para se provar a
existência de outro não conhecido239. Ela pode ser legal ou comum. As legais podem
ser absolutas, intermédias e condicionais. A legal absoluta é aquela cuja
consequência admitida pela lei não admite prova em contrário. Também é conhecida
por iuris et de iure.
Moacyr Amaral Santos dá como exemplo de presunção legal absoluta aquela
advinda da coisa julgada240. A presunção legal condicional (iuris tantum ou relativa)
é aquela que admite prova em contrário. Exemplo atual é o da presunção de
paternidade advinda da recusa ao exame de paternidade, conforme parágrafo único
do art. 2º-A, da Lei n. 8.560/92. As presunções intermediárias são aquelas que
somente cedem à prova em contrário em circunstâncias especiais, como é o caso
dos arts. 1.597 e 1.598, do Código Civil.
As comuns, também conhecidas por simples ou hominis241 , são as fundadas
não na lei, mas naqueles eventos fáticos conhecidos, os que ordinariamente
ocorrem. A presunção de má-fé das instituições financeiras é comum e é justificada
pelas regras da experiência, pelos fatos conhecidos de todos. A exposição do caso
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
237
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976. p. 35.
E tem-se aí como exemplo capital a possibilidade de capitalização dos juros, hoje objeto da Adin n.
2.316, a qual pede a suspensão da eficácia do art. 5º, caput e parágrafo único da Medida
Provisória n. 2.170-36, que a autorizou.
239
AMARAL SANTOS, Moacyr. Prova Judiciário no Cível e no Comercial. Volume 1. São Paulo:
Editora Saraiva, 1983, p. 81.
240
AMARAL SANTOS, Moacyr, ob. cit., p. 82.
241
MICHELLI. Gian Antonio. La Carga de la Prueba. Tradução de Santiago Sentís Melendo. Bogotá:
Editorial Temis, 1989, p. 189.
238
!
"’&!
nos capítulos iniciais e todo o inteiro Capítulo 4 revelam que a conduta de tais
pessoas jurídicas, ordinariamente, foge daquilo que deveria ser a regra geral de
conduta: a boa-fé.
Há significativos efeitos práticos na extração dessa presunção. Se,
ordinariamente, acontece abuso de direito no processo por parte de tais pessoas, o
juiz, ao examinar um pleito de protesto contra alienação de bens, para ficar em um
exemplo clássico da doutrina, deve ter cuidado redobrado, e somente deferi-lo se
houver prova de boa-fé na medida pleiteada. E cabe à instituição financeira tal
prova.
É necessária uma visão crítica do processo, adaptando-se ou reformulando
institutos tradicionais, “ou concebendo institutos novos”, como adverte Kazuo
Watanabe, “sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e
total aderência à realidade sociojurídica a que se destina, cumprindo sua primordial
vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos”242.
5.2 A Boa-fé – Considerações
O princípio da boa-fé apresenta diversas facetas. Trata-se de conceito jurídico
indeterminado243. Neste estudo, algumas delas serão objetos de exame. A primeira
é a de que a boa-fé, antes de ser uma regra de conduta, propriamente dita, ou um
verdadeiro dever obrigacional (art. 422, do Código Civil), constitui-se em uma meta,
um objetivo a ser alcançado, uma conduta desejada.
Dentro do processo, cabe ao juiz a constante fiscalização das partes. Cabe
também às partes a fiscalização da conduta de uma e de outra. A operação
jurisdicional não pode ser inerte, quando detectado qualquer tipo de abuso. Caso
contrário, aquilo que já é natural no processo, na natureza das partes, toma corpo e
a solução da lide pode ser prejudicada. Devis Echandia afirma que a boa-fé é
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
242
243
!
WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. Campinas: Bookseller, 2000, p. 20 e 21.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva,
2004, p. 149.
"’’!
exigida no processo civil porque não se está diante de uma atividade privada. Tal
ideia é incompleta, pois nas relações particulares a boa-fé também é exigida244 .
É preciso acordar e ver que o processo serve como um meio muito pródigo
para aquele que não tem razão. Ir a juízo é um martírio para quem tem um bom
direito e depende do Judiciário para adaptar um débito bancário (que é o objeto de
estudo nesta tese) a patamares conformes com a lei. Evidente que não se está
tratando de devedores de má-fé, porque também há muitos (embora não sejam a
regra). O que se debate, com prova empírica, é a hipótese de um devedor que age
em conformidade com a boa-fé.
A doutrina da boa-fé, como mais aplicada e estudada nos dias atuais, tem
origem, não por acaso, no direito construído pelos pretores de Roma, para ajudar
(adjuvandi), suprir (supplendi) e corrigir (vel corrigendi juris civilis gratia) o direito
civil245 . A cláusula geral da boa-fé, não só no campo contratual, serve para ajudar,
suprir falhas – acrescentar o que pode estar faltando – e corrigir o que estiver em
desconformidade com o direito na relação, seja ela obrigacional ou processual.
A boa-fé existe em nosso sistema jurídico em muitas oportunidades. Na
Constituição Federal, o art. 3º, inciso I, ao tratar da construção de uma sociedade
livre, justa e solidária, remete ao conceito de boa-fé. E confirma que não se vive em
uma sociedade livre, justa e solidária, pois é objetivo da República Federativa do
Brasil construí-la. No Código Civil, a boa-fé mereceu o artigo 422, que impõe serem
os contratantes obrigados a guardar em todas as fases da contratação os princípios
da boa-fé e da probidade.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º, inciso III, também
apresenta a boa-fé como princípio fundamental. E o Código de Processo Civil
oferece a boa-fé, como conduta esperada, nos arts. 14 e 17.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
244
“Puesto que el processo judicial no es considerado como una actividad privada, ni las normas que
lo regulam como de derecho privado, sino, por el contrario, el Estado y la sociedade están
intimamente vinculados a su eficácia y rectitud, deben considerarse como princípios fundamentales
del procedimento los de la buena fe y la lealtad procesal de las partes y del juez. La moralización
del processo es un fin perseguido por todas las legislaciones como médio indispensable para la
recta administración de justicia”. ECHANDÍA, Hernando Devis. Teoria General del Proceso.
Buenos Aires: Editorial Universidad, 1997, p. 73.
245
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva,
2004, p. 153.
!
"’(!
Arruda Alvim leciona que
[...] a boa-fé objetiva (mais precisamente, objetivada na lei) é aquela em que
o próprio sistema jurídico fornece parâmetros para ser avaliada, o que,
certamente, facilita a tarefa do juiz e mesmo o próprio comportamento das
partes, com vistas a não serem havidas como má-fé. A lei brasileira procura
fornecer elementos, através dos quais se possa chegar à conclusão de
estar o litigante de boa-fé, ou não. É o que consta do art. 14, no que diz
respeito à exigência legal de comportamento, em conformidade com a boafé; e, no art. 17, encontram-se descritas as condutas representativas de
246
comportamento em desconformidade com a boa-fé .
A boa-fé também pode funcionar como cláusula geral de interpretação das
relações jurídicas. Essa é a opinião de Clóvis do Couto e Silva247. No entanto,
adverte que a função do juiz, nessa hipótese, é capital. Ele edita a regra para o caso
concreto. É a função supplendi da boa-fé.
Assim, não é porque o vigente Código de Processo Civil deixa de qualificar
determinada conduta como sendo de má-fé que ela deixará de sê-lo. A cláusula
geral de boa-fé, inserta na Constituição Federal, tem aplicação no processo civil. A
função da boa-fé, dessa perspectiva, tem sido objeto de sérios estudos acerca do
que a doutrina resolveu chamar de Abuso de Direitos Processuais (ADP).
Michele Taruffo coordenou o já referido estudo denominado “Abuse of
Procedural Rights: comparative standards of procedural fairness”. Nessa obra, há o
relato de diversos doutrinadores sobre como o tema do abuso do Direito Processual
era tratado em seus países. E, a certa altura, na introdução do livro (que acabou
sendo publicado no Brasil, em português), o professor da Universidade de Pavia
afirma que constituem abuso de Direito Processual, ou abuso no direito de
demandar: a) ir a juízo ou prosseguir na ação sem verdadeiro interesse; b) aplicar,
propositadamente, regras processuais de forma errônea; c) cometer erro processual
grosseiro, especialmente quando os seus efeitos forem nocivos à parte contrária.
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246
ARRUDA ALVIM, José Manoel. Deveres das partes e dos procuradores,
Civil Brasileiro (A lealdade no processo). Revista de Processo, n. 69, p. 7 in
on-line.
247
SILVA, Clóvis do Couto e. O direito privado brasileiro na visão de Clóvis
FRADERA, Vera Maria Jacob de. (Org.). O princípio da boa-fé no
português. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 39.
!
no Direito Processual
Revista dos Tribunais
do Couto e Silva. In:
Direito brasileiro e
"’)!
O autor italiano acentua que somente o caso concreto248 definirá o que será a
conduta processual abusiva ou apenas um mau emprego da regra processual. O
critério que deverá o aplicador do Direito utilizar para enxergar o abuso advém da
aplicação das cláusulas gerais de lealdade, devido processo e boa-fé249 . E, aqui, a
boa-fé apresenta outra faceta relevante: serve como norma de interpretação de
relação jurídica, como verdadeiro termômetro para apurar se uma conduta é ou não
abusiva.
A lição é preciosa e justifica a exposição de um caso concreto no início deste
estudo.
A questão que se coloca neste estudo é técnica e filosófica. É da natureza do
poder financeiro agir com algum tipo de abuso. É da natureza humana, por sinal.
Nietzshe, em seu Anticristo, explica alguns sentimentos atávicos dos seres
humanos.
O que é bom? – Tudo aquilo que desperta no homem o sentimento de
poder, a vontade de poder, o próprio poder. O que é mau? Tudo o que
nasce da fraqueza. O que é felicidade? – A sensação de que o poder
cresce, de que uma resistência foi vencida. Nenhum contentamento, mais
poder. Não a paz acima de tudo, mas a guerra. Não a virtude, mas o valor
250
(no sentido de Renascimento: virtu, virtude) desprovida de moralismo .
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248
ABDO, Helena Najjar. O abuso no processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 102,
aponta que, para compreender o abuso no processo, é necessário ter presente algumas
proposições. No entanto, somente o caso concreto é que será capaz de revelar, com precisão, se
uma conduta é, ou não, abusiva: “i) o abuso do processo apóia-se nas fórmulas da teoria do abuso
do direito oriunda do direito privado; ii) o abuso do processo refere-se ao uso anormal ou incorreto
das situações subjetivas (faculdades, poderes deveres e ônus) conferidas pelo ordenamento ao
sujeito processual; iii) as situações subjetivas processuais são exercidas dentro de uma maior ou
menor liberdade, conseqüência da conjugação dos limites legais impostos à conduta dos litigantes
e das garantias constitucionais da legalidade e da liberdade; iv) o exercício dessa liberdade pode
criar oportunidades para o abuso do processo, diante das escolhas facultadas pelo ordenamento
jurídico; v) em geral, o abuso se manifesta quanto o ato é praticado com desvio de finalidade, em
desrespeito à instrumentalidade e aos escopos do processos e dos meios processuais; vi) além do
critério do desvio de finalidade, há outros elementos a serem analisados, os quais são, porém,
reveláveis apenas à luz do caso concreto”.
249
“Nessas situações, as cláusulas gerais de lealdade, devido processo, boa-fé ou parecidas devem
ser utilizadas como cânones interpretativos a fim de detectar e avaliar práticas abusivas mesmo
quando elas estão ‘escondidas’ atrás da transgressão de regras processuais que não se referem
explicitamente ao ADP, ou mesmo sob o véu de atos processuais formalmente legítimos”
(TARUFFO, Michele. Abuso de direitos processuais: padrões comparativos de lealdade
processual (Relatório Geral). Revista de Processo, n. 177, p. 153 in Revista dos Tribunais online).
250
NIETSCHE, Friedrich. O Anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 39.
!
"’*!
Um sistema de controle daquilo que é natural tem de ser utilizado. A cláusula
da boa-fé, em suas diversas facetas, deve ser aplicada nas relações humanas251 ,
ocorram elas no âmbito dos contratos ou dentro do processo civil, em todas as suas
fases. Aliás, não se pode perder de vista que o processo civil, na relação em estudo,
ocupa o lugar da fase do adimplemento da obrigação.
5.3 Abuso do Direito – Primeiras Notas
As relações entre bancos e clientes representam atos existenciais. Isto é, são
aqueles atos absolutamente necessários à vida humana252 e, em uma sociedade
moderna, indispensáveis às atividades empresariais ou rotineiras das pessoas
físicas.
A busca do financiamento bancário para uma empresa, com a intenção de
incremento de seu objeto social, por exemplo, equipara-se à necessidade da pessoa
humana de se alimentar ou de se vestir. Nessa seara, as possibilidades de que haja
abuso, em qualquer das fases do relacionamento obrigacional, é muito grande.
O exercício desta tese é examinar o abuso dentro do processo civil. Todavia,
aqui, ele ocorrerá como um desdobramento de abusos (não de direito, propriamente,
mas cláusulas ou práticas abusivas, tais como previstas, por exemplo, no art. 51 do
Código de Defesa do Consumidor) cometidos na fase obrigacional da relação entre
a instituição financeira e o empresário253. Sem a cláusula abusiva não se justificaria
a cobrança excessiva no processo. No entanto, o próprio meio processual, em si
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251
A margem que há em favor do credor é enorme. Ele é titular de vários tipos de ações para buscar o
seu crédito. Deve escolher o mais adequado. No entanto, viu-se nos capítulos iniciais que a
instituição financeira valeu-se de uma quantidade de procedimentos absolutamente anormal. Em
circunstâncias tais, Pontes de Miranda advertia: “A margem que fica ao autor é enorme, porque,
afora de inépcia do pedido, raro é o caso em que se lhe pode imputar o ter querido por mal a
prestação jurisdicional. De regra, o autor crê, ou sofre as conseqüências psicológicas de crer no
que deseja, fato tão explorado, hoje pela psicologia, e responsável por tantos distúrbios individuais
e sociais” (MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo
Civil de 1973. Rio de Janeiro: Forense, 1973. Tomo I, p. 388.).
252
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976. p. 92.
253
A relação entre as partes compreende as fases do processo obrigacional (oferta, tratativas até o
contrato) e as etapas que ocorrem assim que instalada a lide, do ajuizamento da demanda até a
formação da coisa julgada material. Afinal, o que se debate no processo é justamente o
adimplemento.
!
"(+!
mesmo, dependendo da forma como manejado, constitui medida excessiva e, por tal
motivo, pode representar um caso abuso de direito.
O abuso de direito “pressupõe que o agente atue dentro dos limites objetivos
da norma, porém, desviando-se dos fins econômicos e sociais perseguidos pela
regra legal”254. O abuso de direito é distinguido dos demais ilícitos, porque presume
que a conduta, potencialmente lícita, torne-se ilegal, de acordo com a intensidade e
a maneira que o direito subjetivo (ou a posição jurídica) é exercido.
É feliz José Olímpio de Castro Filho, quando leciona: “Compreende-se bem o
instituto quando se considera que o direito subjetivo, poder de agir, é, na sua
realização normal, o uso, e, na sua realização anormal, o abuso”255. E o exemplo de
Roberto Rosas256 é bem adequado a este estudo: “Exemplifiquemos: a lei limita a
cobrança de juros a 12%. Acima desse limite há ilegalidade. Suponhamos que a lei
fosse revogada, e houvesse liberação dos juros, e o mutuante cobrasse 30% ou
40%. Aí haveria abuso”. Já, Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, alerta
que
[...] o abuso de direito não é um instituto comum. A idéia de que seja
possível actuar, no seio da permissão jussubjectiva, por forma abusiva,
transcende a mera contingência: é um fenómeno jurídico, um elemento da
Ciência do Direito ou, se se quiser, um modo de pensar dos juristas. O seu
257
sucesso não depende, pois, de consagrações legislativas .
É por tal motivo que foi escolhido, a fim de estudar o abuso do direito, no
âmbito do processo civil, um litígio que atravessou mais de uma década na Justiça.
A peculiaridade do caso, no entanto, é a de que a consequência do exercício
inadmissível da posição jurídica foi nociva, também, para o agente do abuso,
retardando o recebimento de seu crédito por muito tempo.
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!
254
SOUZA, Luiz Sérgio Fernandes de. Abuso de Direito Processual – Uma teoria pragmática. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 72.
255
CASTRO FILHO, José Olímpio de. Abuso do Direito no processo civil. Rio de Janeiro: Forense,
1960. p. 21.
256
ROSAS, Roberto. Abuso de direito e dano processual. Revista de Processo, n. 32, p. 28 in
Revista dos Tribunais on-line.
257
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no Direito Civil. Coimbra:
Almedina, 1997. p. 704.
!
"("!
5.4 Tratamento Típico de Exercícios Inadmissíveis
A relação sistemática de condutas reveladoras de abuso de direito, dividida
em exceptio doli, venire contra factum prorium, inalegabilidade de nulidades formais,
supressio e a surrectio e tu quoque, foi proposta por Antonio Manuel da Rocha e
Menezes Cordeiro258.
Trata-se de classificação útil e que teve dois destaques no caso examinado
nos capítulos iniciais: o venire (na questão da devolução dos ônibus) e a exceptio
doli (a reintegração de posse, combinada com duas execuções, cujo objeto mediato,
no final das contas era o mesmo – o recebimento do crédito – é uma situação em
que se poderia adaptar o instituto a fim de deter a actio injusta).
Partindo da ideia de que o abuso de direito é figura jurídica autônoma,
desvinculada dogmaticamente dos direitos subjetivos ou dos atos ilícitos, Teresa
Ancona Lopes elogia a qualificação de exercício inadmissível de posições jurídicas
proposta por Menezes Cordeiro. Baseada nessa outra denominação, ela conceitua o
abuso de direito como sendo “o ato antijurídico cometido pelo titular de um direito,
que ao exercê-lo excede os limites impostos pelos valores éticos e sociais do
sistema, principalmente a boa-fé, os bons costumes e a finalidade social e
econômica do direito” 259 . Embora proponha uma autonomia dogmática do instituto, a
questão da qualificação dele como tal, afastado do conceito de direitos subjetivos, é
questão menos importante para a doutrinadora. O que importa é a função e a
finalidade do instituto para o bem-estar social.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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258
259
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Ob. cit, passim.
LOPEZ, Teresa Ancona. Exercício do Direito e suas limitações: abuso do direito. Revista dos
Tribunais, n. 885, p. 49 in Revista dos Tribunais on-line. “As limitações não se dão somente com
relação aos direitos subjetivos, mas também toda vez que existirem prerrogativas e situações
jurídicas que estão a exigir esse controle. Como define com precisão Menezes Cordeiro, essas
limitações têm a ver com o ’exercício inadmissível de posições jurídicas’, o que se aplica
especialmente aos casos de abuso de direito. Porém, como os casos de exercício inadmissível do
direito se dão principalmente no exercício do direito subjetivo, vamos falar rapidamente dessa
categoria jurídica, sem entrar na discussão de sua admissão ou não pela ciência do direito,
principalmente porque essa controvérsia perdeu totalmente o interesse prático no mundo moderno,
no qual a função e a finalidade dos institutos é o que importa para o bem-estar social”.
"(#!
5.4.1 A Exceptio Doli
O estudo da exceptio doli revela o pouco uso desse instituto nos dias atuais,
na opinião de Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro260 . O que não é bem
verdade, pois no caso examinado nesta tese ela teria aplicação. Aponta o autor que
a jurisprudência e a doutrina vêm abandonando o instituto. Releva, no entanto, o
importante papel histórico que a exceção ocupou.
É a largueza do conceito da exceptio que dificulta sua aplicação, na opinião
de Menezes Cordeiro. Sabe-se que é aplicada quando há infração à boa-fé,
significando o poder que uma parte tem de opor-se à pretensão da outra, por ter
esta incorrido em dolo. Ela funciona, de fato,
[...] sempre que, do recurso a interpretações tendenciosas da lei, da
utilização de particularidades formais das declarações de vontade ou do
aproveitamento de incompleições em regras jurídicas, se pretenda obter
vantagens não conferidas pela ordem jurídica e desde que tais práticas
261
sejam consideradas contrárias à boa-fé .
Teresa Ancona Lopez262 diz que a exceptio doli permitia, em sua origem,
deter a actio injusta. No entanto, no Direito romano, lembra a autora, o uso da
exceptio não servia para enfrentar o exercício regular de um direito. Foi na
Alemanha que a exceção, aliada ao princípio da boa-fé, teve aplicação mais
importante. Mas é na Itália que a exceptio
[...] é invocada quando a pretensão (ou exceção) objetiva derrubar o
exercício de um direito contrário aos princípios da boa-fé e da correttezza,
como o exercício doloso de um direito. Afirma Galgano que para o Direito
Romano a exceptio doli era remédio geral, suscetível de impedir todas as
formas de abuso do direito.
Um bom exemplo de possibilidade de aplicação dessa doutrina, além daquele
exposto no caso exposto nesta tese, evidente, é o apontado por Nelson Nery Júnior
e Rosa Maria de Andrade Nery, em nota ao art. 187, do Código Civil. Trata-se da
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260
Ob. cit., p. 741.
Ob. cit., p. 732.
262
LOPEZ, Teresa Ancona. Exercício do Direito e suas limitações: abuso do direito. Revista dos
Tribunais, n. 885, p. 49 in Revista dos Tribunais on-line.
261
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hipótese em que alguém compele outrem a assinar um cheque de valor fixado
aleatoriamente263.
5.4.2 Venire Contra Factum Proprium
O venire presume uma conduta positiva e outra negativa. Ir contra um fato
próprio. Mas essa conduta positiva não pode estar representada por um negócio
jurídico. Nessa hipótese, a solução é dada pelo direito das obrigações em geral. O
próprio contrato conterá as consequências para o descumprimento da obrigação.
Por outro lado, afasta-se, também, à partida, a hipótese de o factum
proprium, por integrar os postulados da autonomia privada, surgir como acto
jurídico que vincule o autor em termos de o segundo comportamento
264
representar uma violação desse dever específico .
Logo, haverá venire contra factum proprium
[...] numa de duas situações: quando uma pessoa, em termos que,
especificamente, não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar
determinado acto e, depois, o pratique e quando uma pessoa, de modo,
também a não ficar especificamente adstrita, declare pretender avançar
265
com certa actuação e, depois, se negue .
A questão da boa-fé e do venire contra factum proprium também mereceu
ótima análise na doutrina nacional:
Venire contra factum proprium (doutrina dos atos próprios). A cláusula geral
de boa-fé objetiva obriga as partes a não agirem em contradição com atos e
comportamentos anteriores, praticados antes da conclusão do contrato,
durante a execução ou depois de exaurido o objeto do contrato. Em outras
palavras, a parte não pode venire contra factum proprium. A proibição incide
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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263
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 298. Teresa Ancona Lopez, também reconhece, no Direito
italiano, o uso da exceptio doli em matéria de títulos de crédito (Exercício do direito e suas
limitações: abuso do direito. Revista dos Tribunais, n. 885, p. 49 in Revista dos Tribunais online).
264
CORDEIRO, ob. cit., p. 746, nota 36.
265
CORDEIRO, ob. cit., p. 747.
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objetiva e unilateralmente, independentemente do comportamento ou da
atitude da contraparte, porque é dever de conduta de cada um dos
contratantes isoladamente considerado. A proibição do venire também se
caracteriza quando a parte, por seu comportamento pré-contratual ou
manifestação durante a execução do contrato, gerou expectativa de legítima
confiança na contraparte, que pratica atos e espera resultados de acordo
266
com o que vinha demonstrando o outro contratante .
A relação de confiança esperada em uma relação obrigacional dá o critério
para a proibição de venire contra factum proprium.
O caso examinado oferece uma situação em que o venire contra factum
proprium foi objeto de debate intenso (a possibilidade de devolução dos ônibus),
embora equivocado por parte do juiz que aplicou a doutrina.
5.4.3 A Inalegabilidade de Nulidades Formais
Tal qual ocorre no sistema do venire contra factum proprium, a inalegabilidade
de nulidades formais tem por objetivo evitar que a relação de confiança estabelecida
entre as partes seja quebrada pela conduta reprovável de uma delas.
A inalegabilidade das nulidades formais representa um esforço doutrinário e
jurisprudencial de preservar a vontade declarada pelas partes, ainda que carente da
necessária formalidade. A doutrina apresenta alguns aspectos importantes para a
caracterização dessa figura jurídica. Em primeiro lugar, deve-se considerar a
posição da pessoa contra quem se pretende fazer valer a nulidade formal. Essa
posição tem dois aspectos:
[...] a sua relação com o vicio formal e as conseqüências para ela
emergentes da nulidade, caso seja declarada. Quanto ao primeiro, deve
entender-se a necessidade de boa fé subjectiva por parte de quem queira
fazer valer a inalegabilidade ou seja, de desconhecimento, quando da
”celebração” do contrato, da necessidade formal. A boa fé subjectiva
comporta, aqui, deveres de indagação e informação de intensidade
acrescida, dada a rigidez das normas em jogo, e visto o conhecimento
generalizado que existe da necessidade formalidades para certos actos. A
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
266
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NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 415.
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evidência da falta de forma ou a negligência grosseira prejudicam sempre
pois, estando presentes ou havendo conhecimento do vicio, é razoável que
267
o contratante corra o risco de ver declarado nulo o seu contrato .
O segundo aspecto apontado pela doutrina é o de que a declaração de
nulidade do negócio, por ausência de forma, tenha para a parte que invoca a
inalegabilidade não só efeitos “duros, mas insuportáveis”268.
Encontram-se no sistema do Código Civil brasileiro dispositivos que
contemplam a inalegabilidade formal. Embora o art. 166, IV, determine que é nulo o
negócio jurídico quando não respeitada sua forma prescrita em lei, o art. 170 prevê a
subsistência do negócio jurídico quando o fim a que visavam as partes permitir supor
que o teriam querido, se estivessem cientes da nulidade.
Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, em crítica à jurisprudência
que acolhia a inalegabilidade da nulidade formal, aponta que ela era contra legem,
visto que considerava válidos negócios jurídicos absolutamente nulos269. Ele propõe
que, em situações tais, o máximo que se pode conceder ao lesado é uma
indenização. Não se pode retirar a razão dele, inclusive, à luz de nosso sistema. As
condutas que se adaptam ao conceito de abuso de direito são ilegais (art. 187, do
Código Civil) e, como tais, são passíveis de geração de indenização, nos termos do
art. 927, do Código Civil.
5.4.4 A Supressio e a Surrectio
A supressio significa a perda de uma situação jurídica de vantagem, em razão
da inércia do titular por um lapso de tempo tal que, em razão da boa-fé, não seja
mais razoável permitir-lhe o exercício do direito de que era detentor. “A surrectio é
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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267
CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no Direito Civil. Coimbra:
Almedina, 1997. p. 784.
268
CORDEIRO, ob. cit., p. 784.
269
Ibid., p. 776.
!
"(’!
exatamente a situação jurídica ativa, que surge para o antigo sujeito passivo, de não
mais se submeter à antiga posição de vantagem pertence ao credor omisso”270 .
Exemplo interessante de aplicação desta doutrina é oferecido por Fredie
Didier Júnior, em texto escrito em homenagem ao Professor Ovídio Baptista da
Silva. Trata-se do caso em que a parte, a quem foi arbitrada uma astreinte em seu
favor, deixa de cobrar a pena por longo período de tempo, fazendo com que ela se
eleve de maneira não razoável. O doutrinador conclui que,
[...] ao não exercer a pretensão pecuniária em lapso de tempo razoável,
deixando que o valor da multa aumente consideravelmente, o autor
comporta-se abusivamente, violando o princípio da boa-fé. Esse ilícito
processual implica a perda do direito ao valor da multa (supressio),
respectivamente ao período de tempo considerado pelo órgão jurisdicional
como determinante para a configuração do abuso do direito. Trata-se, pois,
271
de mais um ilícito processual caducificante .
5.4.5 Tu Quoque272
Esse instituto encontra justificativa na vedação que há de a parte aproveitarse da própria torpeza ou ilicitude. Nessa circunstância, haverá a quebra do
sinalagma. A noção de sinalagma domina o direito contratual,
[...] porquanto indica a existência, nos contratos bilaterais, de uma estrutura
final imanente ao contrato, com dependência genética, condicional e
funcional (pelo menos) de dois deveres de prestar primários interligados, os
quais, justamente por estarem interligados, compõem determinado conjunto
de equilíbrios recíprocos que deve ser mantido, não permitindo, por isso, a
tolerância em relação a atos ou situações que o firam, conduzindo ao
273
desequilíbrio .
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
270
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Multa coercitiva, boa-fé processual e supressio: aplicação do duty to
mitigate the loss no processo civil. Revista de Processo, n. 171, p. 35 in Revista dos Tribunais
on-line.
271
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Idem, ibidem.
272
A designação da teoria tu quoque tem origem na célebre frase de Júlio César ao ser assassinado
“Tu quoque, Brute, fili mi”, traduzido para o português como: “Até tu, Brutus!”, segundo apontado
por LOURENÇO, Shandor Portella. O abuso do direito e a função de controle da boa-fé objetiva.
Revista de Advocacia Geral da União, n. 18, p. 229 in Revista dos Tribunais on-line. É bem
verdade que o autor não indica a fonte de sua afirmação. Antonio Junqueira de Azevedo corrobora
tal afirmação (Estudos e Pareceres de Direito Privado, p.169).
273
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
p. 464; 465.
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A tu quoque pode ser invocada quando a parte tenha violado tanto regra
contratual, quanto regra legal e de tal prática deseje extrair algum benefício próprio.
Instituto similar encontra-se na common law. Trata-se do instituto da estoppel274, o
qual é aplicado prima facie dentro da dinâmica processual. Ele veda que a parte, por
suas declarações, atitudes ou atos, enfim, leve a outra parte a modificar sua posição
em seu próprio prejuízo.
Antonio Junqueira de Azevedo275 é preciso ao afirmar que a tu quoque
significa: “até você que agiu desse modo, vem agora exigir de mim um
comportamento diferente?” Ele indica como exemplo de aplicação do instituto a
exceção do contrato não cumprido.
Exemplo da tu quoque no Direito Processual é o do art. 243276 , do CPC,
segundo o qual “quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade,
a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa”. No Direito
Material, ela pode ser considerada na aplicação do art. 180, do Código Civil, quando
o menor oculta a sua pouca idade para subverter a vedação contida no dispositivo e,
posteriormente, a invoca para desonerar-se da obrigação contraída277 .
5.5 Abuso de Direito no Código Civil Brasileiro
O art. 187, do Código Civil, determina que: “Também comete ato ilícito o
titular de um direto que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
A regra remete, imediatamente, aos artigos 421 (A liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato) e 422 (Os contratantes
são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução,
os princípios de probidade e boa-fé) do Código Civil.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
274
MARTINS-COSTA, ob. cit. p. 462.
Estudos e Pareceres de Direito Privado, p. 169.
276
Ibid., p. 464.
277
LOURENÇO, Shandor Portella. O abuso do direito e a função de controle da boa-fé objetiva.
Revista de Advocacia Geral da União, n. 18, p. 229 in Revista dos Tribunais on-line.
275
!
"()!
A vedação ao abuso de direito contida no Código Civil está intimamente
ligada à noção de boa-fé, em sentido objetivo. Abandona-se a necessidade de
pesquisa de dolo ou culpa para sua caracterização. Ao contrário da regra do art.
186, o art. 187, do Código Civil, não se importa com a vontade do agente. Trata-se
de necessária evolução que acompanha as atuais ideias de boa-fé objetiva.
Nas recentes Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo Superior Tribunal
de Justiça sob a coordenação do Ministro Ruy Rosado Aguiar Júnior, que
reuniram estudiosos civilistas de todo o país para o exame do novo Código
Civil, foi aprovado dentre os enunciados para interpretação e aplicação do
novo Código Civil, o de n. 37, com a seguinte redação: “Art. 187: a
responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e
fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”. Ou seja, reconhecese o abuso como fundamento de responsabilidade objetiva, e de modo
reflexo, a possibilidade de ilicitude objetiva, sem culpa, tal qual estabelecida
278
na segunda cláusula geral de ilicitude presente no novo Código Civil .
A norma do art. 187, do Código Civil, encerra preceito de ordem pública, nos
moldes do art. 2.035, do Código Civil, visto que se trata de regra, cujo objeto é a
garantia da função social das relações obrigacionais. A cláusula geral da boa-fé,
igualmente de ordem pública, fundamento que justifica a ilicitude do abuso de direito,
provoca o reconhecimento que não há no sistema jurídico brasileiro direito absoluto.
Ao contrário, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I,
da Constituição Federal) é elemento justificador da intervenção estatal quando
presente conduta em desconformidade com a boa-fé objetiva. Igualmente, o devido
processo legal, em sua face substantiva, incide como justificador da vedação ao
abuso de direito279, na medida em que serve como limitador da liberdade de
contratar e garantidor de direitos fundamentais.
A boa-fé objetiva exerce dupla função no trato obrigacional. É fonte de
deveres de conduta, ou anexos (lealdade e transparência, por exemplo), que devem
fazer-se presentes na relação obrigacional, independentemente da vontade das
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!
278
MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva no Direito Privado brasileiro. Revista
dos Tribunais, n. 842, p. 11 in Revista dos Tribunais on-line.
279
NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 35 a 38.
!
"(*!
partes280; e funciona como limitadora dos direitos subjetivos281.
A segunda função, ou seja, a boa-fé objetiva atuando como limitadora do
exercício abusivo dos direitos subjetivos, é de extrema valia no âmbito da teoria
jurídica moderna. Com o desaparecimento a cada dia maior, se é que ela algum dia
efetivamente houve, da liberdade de firmar pactos para a parte débil da relação
contratual, a parte economicamente mais forte exerce abusivamente seu direito
subjetivo de contratar, fazendo-o sem quaisquer limitações e violando regras
estipuladas nos próprios contratos celebrados, bem como da legislação federal
vigente.
A boa-fé objetiva limita o abuso, porque significa uma atuação refletida282, um
pensar duas vezes antes de lesar o consumidor e pode ser aplicada a uma série
indefinida de situações jurídicas. Trata-se de princípio que se caracteriza por um
excedente de conteúdo deontológico ou axiológico283 . Ela é dotada de “virtualidade e
força de expansão, não de índole lógica e dogmática, mas sim de índole valorativa e
axiológica”284.
A boa-fé proíbe que se cometa abuso com pretensões jurídicas formal ou
aparentemente fundadas. Ela protege o devedor contra as exigências impertinentes,
que revelem choque entre o direito e a equidade285.
A ausência de direitos absolutos também encontra justificativa no princípio da
dignidade humana e em um piso vital mínimo286, que é direito de todos. O piso vital
mínimo encontra-se no art. 6º, da Constituição Federal. Assim, o sistema garante à
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!
280
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976. p. 32.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1995. p. 79. Sobre o tema, também, é relevante a contribuição de Karl Larenz.
Derecho de obligaciones. Madri: Revista de Derecho Privado, 1958. Tomo I, p. 142-143.
282
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1995. p. 79-80.
283
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Novos estudos e pareceres de Direito Privado. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 126; 127.
284
Ibid., p. 127.
285
Comentando a aplicação do §242, do BGB, em favor do devedor, em face do seu credor.
ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil. Derecho de
obligaciones. Barcelona: Bosch, 1954. Segundo Tomo, parte 1, p. 19.
286
Na feliz expressão de Celso Antonio Pacheco Fiorillo. Curso de Direito Ambiental brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2000. p. 13.
281
!
")+!
pessoa o acesso à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança e à
previdência social, bem como a proteção à maternidade e à infância e a assistência
aos desamparados. Isso é o mínimo, é o elementar.
O respeito a tais direitos fundamentais limita o exercício de outros direitos. A
dignidade da pessoa humana é apontada por Luiz Antonio Rizzatto Nunes287 como
sendo a principal garantia constitucional do sistema vigente. O art. 1º, inciso III, e o
caput do art. 170, da Constituição Federal, ao tratar da dignidade da pessoa
humana, estabelecem uma diretriz fundamental, um objetivo elementar do Estado
nacional.
O art. 170, especialmente, interessa a este estudo. A presença da dignidade
da pessoa humana em seu caput compromete todo o exercício da atividade
econômica288. Tanto o setor público como o privado devem conduzir suas ações sob
a forte luz da dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana deve estar na essência da interpretação das
regras jurídicas pelo operador do Direito. Se assim não for, a conduta de concreção
da norma ao caso concreto é inconstitucional.
Na avaliação dos fins sociais e econômicos que o art. 187, do Código Civil,
trata, o respeito a esses dois elementos constitucionais é fundamental. Igualmente,
não só pelas regras do Código Civil, mas pela índole constitucional em favor da qual
se advoga, a boa-fé é limitador severo do exercício dos direitos das pessoas.
O abuso, por constituir-se em causa de nulidade (art. 166, VI, do Código
Civil), pode ser arguido como tese de defesa pela parte, interessado ou Ministério
Público, e deve ser declarado de ofício pelo juiz, porque matéria de ordem pública.
Não preclui e é alegável em qualquer tempo ou grau ordinário de jurisdição289.
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!
287
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:
Saraiva, 2000. p. 15.
288
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros,
1997. p. 218.
289
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 297.
!
")"!
Reconhecido o ato como sendo um exercício abusivo de direito, há a geração
dos efeitos de todo o ato ilícito: “a) obrigação de reparar os danos por ele causados,
morais e patrimoniais; b) nulidade do ato ou negócio jurídico, nos termos do CC 166,
VI (fraudar lei imperativa)”290.
5.6 Abuso de Direito no Código de Processo Civil Brasileiro
As condutas típicas que primeiro saltam aos olhos, quando se fala de abuso
de Direito Processual, são as estatuídas nos arts. 14 e 17, do Código de Processo
Civil.
O art. 14, do Código de Processo Civil, estabelece o conteúdo ético que a
relação processual deve seguir. Em verdade, pode-se enxergar no dispositivo legal a
positivação da boa-fé, como norma de conduta. O artigo deve ser interpretado como
cláusula geral, norte para interpretação da relação processual. Seus conceitos são
abertos o suficiente para facultar ao juiz a vedação do abuso, em casos
concretos291.
O art. 17 tem natureza diversa. Ele trata da litigância de má-fé, conduta ilícita
bem tipificada na norma. Trata-se de hipótese em que há o abuso de direito.
Todavia, há que se ter cuidado com esse dispositivo. É que a litigância de má-fé
estampada no art. 17, do Código de Processo Civil, está em lista exaustiva292 , não
permitindo ampliações. Todavia, as cláusulas contidas nos incisos permitem
diversas interpretações, conforme o caso concreto. Ainda assim, o abuso de direito
processual não está limitado às hipóteses do art. 17, do CPC. Trata-se de conceito
que inclui a litigância desleal. Os atos atentatórios à dignidade da justiça, dos arts.
600 e 601, também configuram abuso de direito processual.
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290
NERY e NERY, ob. cit, p. 297.
“A intenção do litigante há de ser manifesta, porém não se há de dizer, como fez a 2ª Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 12 de março de 1960 (R.J., 47,150), ser necessária
a certeza de que a intenção do litigante não é outra que a de incutir pavor, ou coagir” (MIRANDA,
Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil de 1973. Rio de
Janeiro: Forense, 1973. Tomo I, p. 388.).
292
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 213, nota 4, ao art. 17, do CPC.
291
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As hipóteses do art. 17, do CPC, configuram casos de má-fé em sentido
objetivo293 .
No entanto, a cláusula geral de boa-fé, que há no art. 14, vai além da vedação
à litigância desleal. Ela servirá como fundamento para vedar condutas excessivas,
mesmo que não sejam, propriamente, configuradas como litigância desleal.
Dinamarco afirma que o abuso de direito no processo “constitui uma
sobrecapa do sistema ético da lei processual”294. Para ele, ocorre abuso de direito
no processo quando houver práticas contrárias ao princípio da boa-fé e da lealdade,
ou seja, quando: (a) se configurarem as condutas tipificadas como litigâncias
desleais; (b) houver ato atentatório à dignidade da justiça; e (c) forem utilizadas
demais práticas desconformes com o princípio da lealdade e da boa-fé (e aí só o
caso concreto é que definirá se houve ou não abuso de direito).
O vigente Código de Processo Civil, desde a origem, pareceu preocupado
com o conteúdo ético da relação processual. Na exposição de motivos, Alfredo
Buzaid295 apontou como uma inovação da nova lei a vedação à conduta desleal.
A mesma exposição de motivos traz uma afirmação que está, parece,
esquecida por parte dos operadores, qual seja, a de que o processo civil serve como
meio em dar razão a quem efetivamente a tem. E tal atividade não serve para
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293
NERY e NERY, ob. cit., p. 207, nota 11, ao art. 14..
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2005, tomo II, p. 261.
295
“a) Das inovações constantes do Livro I. 17. Posto que o processo civil seja, de sua índole,
eminentemente dialético, é reprovável que as partes se sirvam dele, faltando ao dever, da verdade,
agindo com deslealdade e empregando artifícios fraudulentos; porque tal conduta não se
compadece com a dignidade de um instrumento que o Estado põe à disposição dos contendores
para atuação do direito e realização da justiça. Tendo em conta estas razões ético-jurídicas, definiu
o projeto como dever das partes: a) expor os fatos em juízo conforme a verdade; b) proceder com
lealdade e boa-fé; c) não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas
de fundamento; d) não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração
ou defesa do direito (art. 17). E, em seguida, dispôs que ‘responde por perdas e danos todo aquele
que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente’ (art. 19). No art. 20, prescreveu: “Reputarse-á litigante de má-fé aquele que: a) deduzir pretensão ou defesa, cuja falta de fundamento não
possa razoavelmente desconhecer; b) alterar intencionalmente a verdade dos fatos; c) omitir
intencionalmente fatos essenciais ao julgamento da causa; d) usar do processo com o intuito de
conseguir objetivo ilegal; e) opuser resistência injustificada ao andamento do processo; f) proceder
de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; g) provocar incidentes
manifestamente infundados” (EXPOSIÇÃO de Motivos do Código de Processo Civil – Lei n. 5.869,
de 11 de janeiro de 1973. Brasília, 2 de agosto de 1972.).
294
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atender tão somente aos interesses privados das partes, mas o interesse público de
toda a sociedade. E, dessa ótica, o Abuso de Direito Processual é questão a ser
tratada também no âmbito dos direitos difusos296.
A tarefa em dar razão a uma das partes é o dever estatal que deve ser
adimplido por meio do processo civil. E tal trabalho deve ser exercido pelo juiz com a
rigorosa atenção à conduta das partes. Afinal, ambas desejam ser vencedoras, e a
linha que divide a atuação, conforme a boa-fé e a conduta abusiva, é muito tênue.
Se os valores econômicos envolvidos forem elevados, a linha tende a desaparecer.
E quem a apaga297, como regra geral, é o credor instituição financeira.
Seguindo na exposição de motivos, Alfredo Buzaid aponta o drama – ao que
parece perene – do processo civil. O equilíbrio entre a rapidez na entrega da
jurisdição e a Justiça. Ele afirma que o processo civil, para assegurar o cumprimento
da lei, deve ter “tantos atos quantos sejam necessários para alcançar esta
finalidade”298.
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296
“I – Os Modelos do Projeto. 5. Na elaboração do projeto tomamos por modelo os monumentos
legislativos mais notáveis do nosso tempo. Não se veja nessa confissão mero espírito de
mimetismo, que se compraz antes em repetir do que em criar, nem desapreço aos méritos de
nosso desenvolvimento cultural. Um Código de Processo é uma instituição eminentemente técnica.
E a técnica não é apanágio de um povo, senão conquista de valor universal. O processo civil é um
instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de administrar justiça. Não se
destina a simples definição de direitos na luta privada entre os contendores. Atua, como já
observara Betti, não no interesse de uma ou de outra parte, mas por meio do interesse de ambos.
O interesse das partes não é senão um meio, que serve para conseguir a finalidade do processo
na medida em que dá lugar àquele impulso destinado a satisfazer o interesse público da atuação
da lei na composição dos conflitos. A aspiração de cada uma das partes é a de ter razão: a
finalidade do processo é a de dar razão a quem efetivamente a tem. Ora, dar razão a quem a tem
é, na realidade, não um interesse privado das partes, mas um interesse público de toda sociedade”
(EXPOSIÇÃO de Motivos do Código de Processo Civil – Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Brasília, 2 de agosto de 1972.).
297
“É ver que o dolo processual (a litigância de má-fé, que constitui a mesma realidade) representa a
transgressão, a infracção, a inobservâcia intencional dos deveres processuais” (SOARES,
Fernando Luso. A responsabilidade processual civil. Coimbra: Almedina, 1987. p. 189.).
298
“Assim entendido, o processo civil é preordenado a assegurar a observância da lei; há de ter, pois,
tantos atos quantos sejam necessários para alcançar essa finalidade. Diversamente de outros
ramos da ciência jurídica, que traduzem a índole do povo através de longa tradição, o processo
civil deve ser dotado exclusivamente de meios racionais, tendentes a obter a atuação do direito. As
duas exigências que concorrem para aperfeiçoá-lo são a rapidez e a justiça. Força é, portanto,
estruturá-lo de tal modo que ele se torne efetivamente apto a administrar, sem delongas, a justiça.
As nações mais adiantadas não se pejaram de exaltar os méritos dos Códigos de outros países.
Na França, tão ciosa de sua elevada cultura, Tissier reconheceu que o Código de Processo Civil da
Áustria é ‘la meilleure procédure civile du continent’” (EXPOSIÇÃO de Motivos do Código de
Processo Civil – Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Brasília, 2 de agosto de 1972.).
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A existência ou necessidade de “tantos atos quantos sejam necessários” pode
criar (e no caso examinado criou) uma lide sem solução judicial. Uma discussão que
não termina com a sentença transitada em julgado e, nem ao menos, se encerra
com a decisão da ação rescisória. Tantas são as possibilidades de eternizar o
conflito dentro do processo civil que ele acaba tornando-se um jardim fértil para a
semeadura do abuso de direito.
Não se vê conflito entre o direito de ação, constitucionalmente garantido, e a
vedação ao abuso do direito processual. As garantias processuais não servem de
escudo e nem autorizam práticas abusivas. Há a proteção a direitos, mas, jamais, a
legitimação de condutas injustas e nocivas299.
Pontes de Miranda, com a argúcia conhecida, afirma que “quem demanda
pede justiça. Se em vez de ser essa a urgência de prestação jurisdicional o que
conduz ao foro o autor, e algum daqueles motivos que prepondera, está composta a
figura do abuso do direito, no campo processual”300 . Ou se vai a juízo pleitear causa
justa, de boa-fé, ou há abuso de direito.
Michele Taruffo lembra que o discurso
[...] concernente à interpretação e aplicação das garantias constitucionais e
o discurso sobre o ADP pertencem a diferentes contextos e - ao menos
teoricamente - não devem nem se sobrepor nem conflitar um com o outro.
Por assim dizer, a garantia termina quando o abuso começa (e
301
viceversa) .
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299
Em igual sentido, Alcides de Mendonça Lima. Abuso do direito de demandar. Revista de
Processo, n. 19, p. 57 in Revista dos Tribunais on-line: “7. A expressão ‘abuso do direito de
demandar’ contém um sentido verdadeiramente absurdo, embora consagrada em vários
ordenamentos e, sobretudo, na doutrina, em obras até clássicas sobre a matéria. Na conhecida
objeção de Planiol, se é ‘abuso’, não há direito; se há ‘exercício de um direito’, não há abuso.
Dentro da lógica pura, a crítica procede. Mas, dentro da realidade, sente-se a verdadeira acepção:
há uma aparência de exercício legítimo de um direito; mas, no fundo, a intenção é de lesar terceiro,
deturpando-se, assim, aquele exercício. Ninguém o faz de modo visível, concreto, com desfaçatez,
mas, sim, agindo sorrateiramente, mascarando o ânimo de prejudicar com toda a crosta de
legalidade”.
300
MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil de
1973. Rio de Janeiro: Forense, 1973. Tomo I, p. 388.
301
TARUFFO, Michele. Abuso de direitos processuais: padrões comparativos de lealdade
processual (Relatório Geral). Revista de Processo, n. 177, p. 153 in Revista dos Tribunais online.
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A situação, no entanto, é complexa.
Garantias devem prevenir abusos processuais, mas elas mesmas podem
ser objeto de abuso: a afirmação de uma garantia não é suficiente,
infelizmente, para prevenir abusos. Por outro lado, abusos devem ser
prevenidos justamente a fim de tornar efetivas as garantias, haja vista que
procedimentos em que ocorrem abusos não correspondem aos padrões de
lealdade e devido processo. Assim: garantias e ADP não se excluem. A
questão é muito mais complexa e lida com o grau de realização de
302
garantias e o grau de prevenção de abusos em diversos sistemas legais .
O esforço aqui realizado é o de revelar que o abuso de Direito Processual é
grave e pode ser cometido pelo próprio credor, embora o paradigma seja o do
devedor “chicaneiro”. E ele acaba sendo nocivo aos interesses daquele que abusa,
visto que pode constituir-se em entrave à realização do direito no mundo dos fatos.
Afinal, nem todo o devedor está disposto a ceder ou a render-se à conduta abusiva.
E aí, uma lide que poderia ser resolvida em pouco tempo pode não encontrar,
jamais, solução por meio da jurisdição.
5.6.1 Critérios para Identificação do Abuso no Processo
O abuso de direito está ligado ao mau uso de posições jurídicas conferidas
aos sujeitos do processo. Essas situações podem ser exercidas pelos figurantes da
relação processual com maior ou menor liberdade (escolha do meio processual,
produção de provas, interposição de recursos). Os limites existentes são dados pela
lei e pela ordem constitucional, por meio das garantias da liberdade e da
legalidade303.
Dessa perspectiva, o abuso do processo estará configurado toda a vez que
houver mau uso das liberdades conferidas pelo sistema, extrapolando aquilo que
seria o desejável em uma relação processual. Isto é, quando o processo servir não
como uma forma instrumental para solução de uma pendência ocorrida no mundo
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302
TARUFFO, Michele. Abuso de direitos processuais: padrões comparativos de lealdade
processual (Relatório Geral). Revista de Processo, n. 177, p. 153 in Revista dos Tribunais online.
303
ABDO, Helena Najjar. O abuso no processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 87.
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dos fatos, mas como ferramenta de pura ou desnecessária sujeição de uma parte à
outra. Incide a cláusula da boa-fé, em sentido objetivo, “não sendo necessário que o
litigante tenha o animus de causá-lo ou mesmo a consciência de sua dimensão”304.
Não haverá abuso no processo por um ou outro ato isolado. É necessário que
haja um contexto305 e, mais do que isso, um conjunto de condutas para caracterizálo.
A doutrina lembra, e bem, que o desvio de finalidade é elemento importante
na caracterização do Abuso de Direito no Processo. Helena Najjar Abdo faz um
apanhado doutrinário que demonstra que o desvio de finalidade estará caracterizado
quando se falar em:
(i) utilização do processo para fins muito além da causa petendi, (ii) desvio
do processo de sua destinação normal, (iii) agir ou resistir em juízo com
fundamento em finalidades impróprias, (iv) utilização da máquina judiciária
para fins estranhos à finalidade do processo, (v) divergência entre meios
utilizados e fins a estes intrínsecos, (vi) direitos exercidos de modo
disfuncional, (vii) distorção no emprego do processo e dos instrumentos
306
processuais, etc. .
No entanto, a doutrinadora, mesmo que tente sistematizar os caracteres do
Abuso de Direito no Processo, sempre retorna à proposição de que somente o caso
concreto é que definirá o que é uma conduta processual abusiva. A dificuldade há
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304
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2005, tomo II, p. 265.
305
CRESCENZO MARINO, Francisco Paulo de. Contratos Coligados e Qualificação Contratual em
Algumas Decisões Recentes do STJ. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo nº 19, p.
142, in Revista dos Tribunais on-line, fornece exemplo que dá a noção exata da importância do
contexto para a avaliação da medida judicial. Trata-se da hipótese em que se configuram contratos
coligados, como é o caso daqueles que envolvem fornecimento e distribuição de combustível. O
doutrinador sustenta que o uso da ação de despejo nesta hipótese caracteriza abuso do direito de
resilir, sendo incabível a ação de despejo. São suas palavras: “Nos casos em exame, não se pode
pura e simplesmente aplicar o disposto na Lei de Locações, sem considerar tais normas. O locador
que age como se o contrato por ele celebrado fosse uma mera locação e requer o despejo do
locatário-revendedor, sem considerar as normas que regulam a resilição unilateral de contratos de
distribuição, não somente viola a expectativa da contraparte como o próprio contrato celebrado. Em
outras palavras, fundamental é aferir a adequação do procedimento de despejo frente às
peculiaridades do fim de distribuição de produtos, o que acarreta a necessidade de levar em conta
os efeitos de uma ruptura contratual possivelmente abusiva sobre a atividade do locatário.
Aproximamo-nos, então, daquele que nos parece o verdadeiro fundamento da inaplicabilidade, em
alguns casos, da ação de despejo: o abuso do direito de resilir o contrato de locação, por parte do
locador-distribuidor”.
306
Ob. cit., p. 89.
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porque o abuso do direito presume que a conduta, individualmente considerada,
possa ser conforme a lei. É o passo adiante que é dado que definirá se há abuso.
O controle do Abuso de Direito no Processo Civil deve ser baseado na
cláusula geral da boa-fé, em sentido objetivo. E ela deve ser visualizada em um
contexto processual, o qual não pode deixar de lado quem são os envolvidos na lide.
Se for uma instituição financeira, já se sabe que a conduta presumida é de má-fé e o
controle inicial da pretensão pelo juiz deve ser redobrado. O caso exposto na
primeira parte deste estudo revela uma clara situação de abuso de direito,
notadamente se considerado o contexto processual.
Assim, haverá Abuso de Direito no Processo toda a vez que, em um caso
concreto, ficar caracterizado o desvio de finalidade da medida ou pedido, aliado ao
exame do contexto em que inserido o pleito, sob as lentes da cláusula geral de boafé, como norma de conduta.
A conduta abusiva sempre será fonte de danos. Entretanto, nem sempre eles
serão imediatamente visíveis patrimonialmente. A circunstância de que um direito
fique indeterminadamente sem solução na Justiça, embora não possa ser
transformada em pecúnia (ao menos de pronto), caracteriza evento danoso,
inclusive do ponto de vista dos interesses difusos307. Em outro sentido, haverá dano,
fruto de abuso de direito, pela concessão indevida de medida liminar, fundada em
pretensão meramente emulativa308.
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307
É a lição de Calamandrei, lembrada por ABDO, Helena Najjar. O abuso no processo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 124.
308
E isso ocorreu no caso que foi examinado, na concessão de liminar em protesto contra alienação
de bens.
!
"))!
!
5.7 Resultados Práticos da Conduta do Dibens à Luz da Doutrina do Abuso de
Direito no Processo
O trânsito em julgado das demandas nada significou para o Dibens, conforme
visto no Capítulo 1. Embora tenha tomado as medidas judiciais mais violentas e até
desnecessárias, terminado o litígio com a Bomfim, não se via perspectiva de receber
o saldo devedor decorrente da revisão dos contratos.
As escolhas processuais do Dibens não conduziram a um saldo credor a seu
favor, que ele pudesse cobrar como um desdobramento das decisões judiciais, que
haviam transitado em julgado.
Terminadas as ações:
a) o Dibens não tinha título executivo, judicial ou extrajudicial;
b) não havia mais penhora, pois as execuções haviam sido extintas, por
iliquidez e os gravames levantados;
c) o Dibens não tinha, nem ao menos, um saldo líquido para cobrar da
Bomfim, pois a sentença acabou por conceder uma limitação de juros que
jamais havia sido objeto de cálculo no curso do processo.
E quem é o culpado por essa situação? Certamente, não a Bomfim, cuja
conduta foi a de procurar o Poder Judiciário para rever a relação obrigacional. De
outra banda, ao menos nesse momento, não se pode culpar o Poder Judiciário que
somente aplicou a Lei Federal ao caso concreto.
O grande culpado pela inexistência de um saldo líquido em favor do Dibens,
passados cinco anos de procedimentos judiciais, é o próprio Dibens.
Foi ele que incluiu nos contratos práticas ilegais. Foram elas que elevaram,
excessivamente, os saldos devedores, a ponto de impossibilitar os pontuais
!
")*!
pagamentos. A procura do Poder Judiciário para adaptar os contratos à Lei Federal
foi legítima, necessária e bem sucedida.
Se o Dibens, em vez de não só resistir, injustificadamente, à revisão judicial
dos contratos, tivesse adotado uma postura processual menos abusiva, poderia, no
ano de 2002, ter encerrado os litígios de posse de um título executivo ou, quiçá, ter
recebido as quantias líquidas.
A insistência na prática abusiva de Direito Material (as condições contratuais
ilegais) desdobrou-se em uma prática processual abusiva.
É comum dizer (e foi o que o Dibens fez em suas manifestações) que os
consumidores de crédito, notadamente as empresas, bem sabem que estão
aderindo a um tipo contratual em que há cobrança de determinados encargos
considerados pela Lei e Jurisprudência como ilegais.
Mas o que dizer da instituição financeira que incluiu a cláusula abusiva309 ?
Será que um banco ou uma arrendadora, sempre bem assessorados por bons
técnicos, não conhecem a Lei Federal e a Jurisprudência? Evidente que sim. Assim,
antes de se indagar do consumidor se ele sabia ou não ao que estava aderindo,
convém refletir se esse questionamento não está dirigido à pessoa errada. Afinal,
não se tem notícia de um contrato-formulário de instituição financeira que tenha sido
elaborado por um consumidor. A má-fé, como norma de conduta das instituições
financeiras se confirma nesse quadro. Está-se tratando de instituições invulneráveis,
altamente informadas e, porque não, formadoras de conhecimento. Ainda assim,
insistem na infração à lei.
Retornando-se ao abuso processual, deve-se refletir sobre qual a utilidade do
Dibens no protesto contra a alienação de bens. Em que medida essa cautela era
necessária a um credor detentor da propriedade dos bens que garantiam os
contratos? Afora a utilidade óbvia e abusiva, que era desencorajar e intimidar a
Bomfim, não se enxerga outra serventia.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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309
!
ARRUDA ALVIM, José Manoel. Deveres das partes e dos procuradores, no Direito Processual
Civil brasileiro (A lealdade no processo). Revista de Processo, v. 69, p. 7 in Revista dos
Tribunais on-line. Ensina que: “Pretender cobrar o que, inequivocamente, sabe o credor-autor, não
ser devido, é conduta de má-fé”.
"*+!
A Reintegração de Posse combinada com duas execuções, cujo objeto
mediato, no final das contas, era o mesmo – o recebimento do crédito – igualmente,
também foram medidas exageradas310.
TrataM-se de claras situações em que a exceptio doli teria aplicação, a fim de
deter a actio injusta.
Não se advoga que o Dibens devesse nada fazer. No entanto, ao receber a
citação na Ação de Conhecimento, poderia ter agido de forma bem diversa.
Impunha-se o respeito ao art. 187, do Código Civil, e ao art. 14, do Código de
Processo Civil.
No protesto contra alienação de bens, não havia direitos a serem
preservados. Os contratos eram de arrendamento mercantil, nos quais a
propriedade dos bens é do arrendante. Além disso, já havia penhora em duas
execuções, cujo objeto era a cobrança do mesmo débito que estava sendo
perseguido, mediatamente, na ação de reintegração de posse. E o tal débito já havia
sido objeto de perícia judicial, na qual as ilegalidades cometidas já haviam sido
desmascaradas.
Não há dúvida que o conjunto de medidas judiciais tomadas pelo Dibens, nos
momentos e locais escolhidos, caracterizou abuso de direito. Separadas, em outro
tipo de relação obrigacional/processual essas medidas poderiam ser lícitas. No caso
concreto, infringiram a lei.
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!
310
!
ARRUDA ALVIM, José Manoel. Deveres das partes e dos procuradores, no Direito Processual
Civil brasileiro (A lealdade no processo). Revista de Processo, v. 69, p. 7 in Revista dos
Tribunais on-line. Igualmente aponta que: “Dar margem a um processo (ou, ao seu
prosseguimento), sem qualquer cabimento, configura má-fé”.
"*"!
5.8 A Legitimidade do Direito Postulado pela Bomfim
A reação do Dibens, se agisse com boa-fé, poderia ser de colaboração com a
solução da lide. Afinal, a Jurisprudência e a Lei Federal vigentes não denotavam que
a Bomfim estava valendo-se de um procedimento protelatório, para utilizar a
expressão tantas vezes repetida pela arrendadora. Ao contrário, nos subitens
seguintes ver-se-á que a postulação da empresa era legítima.
5.8.1 A Capitalização de Juros na Lei e na Jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça
A principal alegação formulada pela Bomfim dizia respeito à capitalização dos
juros nos contratos de arrendamento mercantil.
A capitalização dos juros era vedada no art. 4º, do Decreto n. 22.626/33, que
assim dispunha: “art. 4º. É proibido contar juros dos juros: esta proibição não
compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente
de ano a ano”.
A aplicação desse dispositivo às operações firmadas com instituições
financeiras era afirmada pela Súmula n. 121, do Supremo Tribunal Federal, cujo
texto era o seguinte: “É vedada a capitalização dos juros, ainda que expressamente
convencionada”. Essa Súmula foi editada no ano de 1964.
A proibição para capitalizar os juros não era novidade. A vedação, em
meados da década de noventa, já contava com sessenta anos e a matéria já havia
sido objeto de Súmula do Supremo Tribunal Federal há trinta anos.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a competência para tratar
das matérias infraconstitucionais passou a ser do Superior Tribunal de Justiça, Corte
que veio substituir o Tribunal Federal de Recursos.
!
"*#!
No Superior Tribunal de Justiça, o tema da capitalização de juros em
contratos de arrendamento mercantil foi objeto de diversos acórdãos. Todos eles no
exato sentido de considerar ilícita tal prática.
No Agravo Regimental n. 88.164/RJ, de relatoria do Ministro Nilson Naves,
julgado em 24 de junho de 1996, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
considerou inválido uso da taxa Anbid311 em contrato de arrendamento mercantil,
justamente pelo fato de ela ocasionar a capitalização dos juros.
O Ministro Ruy Rosado de Aguiar, integrando a Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 174.685/RS, em 29 de
outubro de 1998, teve a oportunidade de proferir decisão assim ementada:
LEASING. Ação de Consignatória. Limite de Juros. Capitalização mensal. –
Aplicação da Súmula 596/STF para permitir a cobrança de juros de acordo
com o autorizado pelo CMN. – Aplicação da Súmula 121/STF para vedar a
capitalização dos juros, à falta de legislação especial prevendo a
possibilidade do anatocismo em operação de leasing. – Ação consignatória
julgada parcialmente procedente, mantida a improcedência da
reintegratória. Recurso conhecido em parte e provido.
O Ministro Barros Monteiro também teve oportunidade de proferir decisão
sobre o tema em 4 de novembro de 1999. Em um trecho da ementa, ele lecionou:
Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por leis
especiais a capitalização mensal dos juros se mostra admissível. Nos
demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sido revogado
pela Lei nº 4.595/64 o art. 4º do Dec. nº 22.626/33. Dessa proibição não se
312
acham excluídas as instituições financeiras .
E há outras tantas decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre o mesmo
tema, em sentido convergente, como por exemplo: REsp 188.145/RS, REsp
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
311
O uso da taxa Anbid, ainda em 1996, foi vedado definitivamente por meio da Súmula n. 176, do
Superior Tribunal de Justiça (É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor a taxa de juros
divulgada pela Anbid/Cetip). A ilegalidade dela ficou assentada em duplo fundamento. Além de
acarretar na contagem de juros sobre juros, ela era uma taxa cartelizada.
312
STJ. 4ª Turma, REsp 175.796/RS, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 17 dez. 1999.
!
"*$!
189.412/GO, REsp 213.850/RS, REsp 218.369/RS, REsp 234.437/RS, REsp
237.380/RS, REsp 245.704/SP, REsp 256.125/RS, REsp 260.164/SE.
Tais decisões também têm em comum o fato de que foram proferidas no
período em que se desenvolveram as demandas entre Bomfim e Dibens, embora
outras tantas, em igual sentido, houvesse antes do ajuizamento da primeira ação.
5.8.2 O Código de Defesa do Consumidor
A Lei n. 8.078/90 é, provavelmente, a legislação que mais antipatia recebeu
das instituições financeiras. Ela trouxe ao país o que há de mais moderno em
matéria de Direito obrigacional, notadamente quando trata dos direitos dos
consumidores (e equiparados) ante os fornecedores de produtos e serviços.
Justamente por tal motivo é que se discutiu de forma tão acesa na doutrina e
na jurisprudência o campo de incidência desse diploma legal. Em 2004, o Superior
Tribunal de Justiça, após reiteradas decisões, editou a Súmula n. 297, com o
seguinte texto: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições
financeiras”.
A aplicação do CDC às operações de crédito ao consumo fez com que a
Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) propusesse a Adin n. 2591–
1, com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade do art. 3º, §2º, do Código de
Defesa do Consumidor, na expressão “inclusive as de natureza bancária financeira
de crédito e securitária”.
Não fosse a jurisprudência favorável, não haveria Adin. Se não houvesse
limitação dos abusos cometidos, o CDC seria constitucional. Somente essa
explicação justifica uma Adin, doze anos após a edição da lei.
Essa ação foi julgada improcedente, proclamando-se a constitucionalidade da
regra do art. 3º, §2º, do CDC. Houve nove votos pela improcedência e dois pela
procedência parcial (Ministros Carlos Velloso e Nelson Jobim). Os votos vencidos
!
"*%!
entendiam pela procedência parcial para excluir a regulação dos juros da incidência
do CDC. O relator designado para o acórdão acabou sendo o Ministro Eros Grau.
A ação continha pedido de liminar. O Consif justificou tal pedido no fato de o
STJ estar decidindo, a cada dia que passava, mais a favor do consumidor e contra
os abusos dos bancos. É isso mesmo: os bancos diziam que era urgente suspender
a aplicação do CDC, pois as decisões do STJ estavam prejudicando-os demais.
O Código ainda atrapalha as práticas bancárias. Limita os abusos, obriga que
os contratos sejam claros, inverte regras processuais em favor do consumidor,
impede que os consumidores sejam expostos a humilhações na cobrança de
débitos, diz que os bancos devem agir com boa-fé.
Como bem decidido pelo STF, a lei de consumo não é inconstitucional. O
CDC trata das relações entre os consumidores e os fornecedores, incidindo nesse
momento. Não organiza o sistema financeiro nacional; sua aplicação se dá na hora
em que os bancos e instituições afins fornecem inadequadamente o produto crédito,
ou prestam serviços deficientes. Ele limita o abuso, não diretamente os juros. Qual é
a diferença? As taxas de juros, fixadas de acordo com critérios técnicos, deveriam
considerar os custos com a captação e os tributos, e agregar uma parcela de lucro.
O CDC não pode – nem o faz – mudar a forma de apuração de uma taxa de juros.
Mas pode incidir no momento em que se verificar que a parcela de lucro vai além do
razoável e acaba por tornar-se lesiva ao consumidor.
Fornecer crédito é uma atividade complexa. Envolve questões que tocam à
legislação especial bancária e financeira, a relação entre bancos e Banco Central.
Isso do ponto de vista interno e organizacional do sistema. Externamente, há
fornecimento de produto e serviço. É aqui que o CDC age.
A Adin tratava dessa questão jurídica. Diz que o CDC não pode regular o
sistema financeiro nacional, pois não é lei complementar, conforme reclamava o
revogado, em parte, art. 192 da Constituição Federal. Isso é verdade. Contudo, o
CDC não regula o sistema financeiro nacional. Ele trata da relação entre esse
sistema financeiro e os consumidores, o que é bem diferente. Pensar o contrário é
dizer que não há lei alguma no país que se aplique aos bancos. O Código de
!
"*&!
Processo Civil não é lei complementar e diz como os bancos podem ou não executar
os seus clientes. Seria inconstitucional? Evidente que não. Ele trata da forma como
os membros do sistema financeiro nacional podem cobrar judicialmente os seus
créditos.
No limite, a interpretação dada pelo Consif para dizer que o CDC é
inconstitucional faz com que até mesmo o Código de Processo Civil e o Código Civil
não se apliquem às instituições financeiras, pois não são leis complementares313 .
No que interessa à relação entre Bomfim e Dibens, a aplicação do Código de
Defesa do Consumidor era relevante ante a falta de clareza (até mesmo
inexistência) das cláusulas que previam a forma de incidência dos juros nos
contratos de arrendamento mercantil.
5.9 Qual Deveria Ter Sido a Postura do Dibens?
A resposta a esse questionamento será feita do ponto de vista do processo
civil, visto que, do ponto de vista do Direito Material, a postura de boa-fé seria a de
não incluir cláusulas abusivas no negócio jurídico.
Aliás, é curioso que a conduta de boa-fé seja tão facilmente assimilada como
um conceito de Direito Material e tão dificilmente enxergada no processo civil. No
Direito Material, é tranquilo que aquele que inseriu cláusula abusiva terá como
sanção a exclusão dela do trato negocial. A liberdade de contratar encontra limite na
cláusula geral da boa-fé.
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313
!
Cláudia Lima Marques. O novo Direito Privado Brasileiro após a Decisão da ADIN dos Bancos
(2.591): Observações sobre a garantia institucional-constitucional do Direito do Consumidor
e a Drittwirkung no Brasil, Revista de Direito do Consumidor, v. 61, p. 40 in Revistas RT on-line),
comentando a importância da solução dada à Adin 2.591, afirma: “Isto é, não se tivesse sido
garantido que o sistema de valores e princípios limitadores dos incisos do art. 170 da CF/88 se
aplicam à livre iniciativa de todos os agentes econômicos, inclusive aos bancos, criar-se-ia um
odioso privilégio de ’não aplicação de normas de condutas’ a alguns fornecedores de serviços
(agora bancos, no futuro, arquitetos, médicos ou advogados),143 o que poderia ter conturbado
toda a ordem constitucional do direito privado, justamente quando o novo Código Civil prioriza a
função social dos contratos (arts. 421 e 187 do CC/2002) e o próprio CDC traz normas de ordem
pública e interesse social (art. 1.º do CDC), que priorizam a boa-fé e o equilíbrio”.
"*’!
A conduta processual de má-fé está sujeita a penas pecuniárias, raramente
aplicadas. No caso que se está enfrentando, o Dibens formulou pretensões e
defesas destituídas de fundamento legal (art. 14, III, do CPC). Ainda assim, embora
tenha havido pedido da Bomfim, jamais houve qualquer penalidade. E raramente há
nesse tipo de circunstância. Ao longo dos anos, já foram examinados alguns
milhares de processos com o mesmo tipo de debate, e nenhuma instituição
financeira foi considerada litigante desleal por ter cobrado uma quantia a maior em
um processo (deduzida a pretensão ou defesa contra expresso texto de lei, art. 17, I,
do CPC).
Clóvis Veríssimo do Couto e Silva314 enxergava a obrigação como um
processo, polarizado pelo adimplemento. Sua obra em tudo se adapta ao processo
civil. Se a obrigação é vista em fases, o processo as tem bem definidas. Aliás, o
processo civil, no caso em exame, serve justamente para que se alcance a
derradeira fase apontada por Clóvis, o adimplemento.
Inclusive, a fase pré-processual deve ser também colocada na balança da
mesma forma que a fase de tratativas na relação de Direito Material. Assim, quando
as partes, antes de entrarem em juízo, tentam entabular uma composição amigável,
e tais conversas desbordam para ameaças com procedimentos judiciais que vão
além do que seria o exercício regular de um direito, isso tem de ser considerado.
É evidente que foi a abusividade das cláusulas contratuais, no caso em
exame, que gerou a ação da Bomfim. No entanto, mais grave do que a existência
delas, foi a conduta da instituição financeira para cobrá-las em juízo.
O abuso de direito processual é sentido na eleição do procedimento judicial e
na escolha do momento e local (foro) do ajuizamento de cada medida.
Depois de citado na Ação de Rito Ordinário, o Dibens não poderia ter ajuizado
a reintegração de posse em São Paulo. Se sua conduta fosse de boa-fé, deveria ter
informado o juízo paulista da existência de Ação Revisional da Bomfim em trâmite
perante outro juízo.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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314
!
SILVA, Clóvis Veríssimo do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky,
1976. Passim.
"*(!
Quando o art. 14, I, do CPC, fala em expor os fatos em juízo, conforme a
verdade, é evidente que indica ao litigante que ele não pode omitir da autoridade
judiciária um evento tão relevante quanto a existência de outra ação, tendo por
objeto os mesmos contratos e iguais partes em outra Comarca. Até porque, no caso
concreto, após a citação válida e ante a ausência de impugnação do foro de Aracaju,
pelo Dibens, foi prorrogada a competência territorial, ainda que houvesse cláusula
de eleição de foro nos contratos de arrendamento mercantil.
O mesmo se diga, também, com relação à primeira Ação de Execução,
ajuizada em São Paulo.
De pronto, a fim de agir em conformidade com a boa-fé, deveria o Dibens ter
ajuizado as ações perante o juízo da Ação Revisional. É muito claro que o
ajuizamento das demandas em São Paulo, sobretudo a reintegração de posse,
serviu para criar na relação processual um “elemento surpresa”. A intenção, quase
bem-sucedida, foi a de obter a liminar de reintegração de posse e retirar os bens da
Bomfim315.
A empresa perderia a força para continuar com a Ação Revisional e,
provavelmente, seria levada a renunciar a direitos em algum tipo de transação a ela
nada benéfica. O “elemento surpresa”, o “susto”, no caso em estudo, desapareceria
na hipótese de o ajuizamento da reintegração de posse ser no mesmo juízo da Ação
Revisional. Aliás, nem mesmo liminar acabaria sendo concedida, como de fato não o
foi, quando o processo chegou a Aracaju. A jurisprudência da época era mansa no
sentido de que a arrendatária poderia ficar na posse dos bens enquanto discutisse
em juízo os encargos dos contratos de arrendamento mercantil316.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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315
STJ. 3ª Turma, CC 33.259/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 18 nov. 2002, p. 154: “Competência.
Conflito. Leasing. Ação Revisional. Reintegração de Posse. Ajuizamento. Comarcas diversas.
Conexão. Citação Válida. Ausência. Critério subsidiário para caracterização da prevenção:
momento da propositura da ação. - Havendo ações conexas - revisional de contrato de leasing e
de reintegração de posse - ajuizadas em comarcas diversas impõe-se a reunião dos processos, a
fim de evitar decisões conflitantes. Sendo objeto das ações direito obrigacional e possessório sobre
bem móvel, a hipótese agasalha competência territorial. Ausente citação válida em qualquer das
ações constitui parâmetro subsidiário para dirimir controvérsia sobre a prevenção o momento da
propositura da ação. - Conflito conhecido para declarar a competência do juízo da 38ª Vara Cível
de São Paulo, o suscitante”.
316
STJ. 4ª Turma, Resp 166.649/RS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 2 set. 2002, p. 192:
“PROCESSO CIVIL. LEASING. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. BEM ARRENDADO.
!
"*)!
A boa-fé não recomenda que uma das partes, sorrateiramente, dê sustos na
outra, com a intenção de obter algum tipo de vantagem.
Gravidade similar está na conduta do Dibens ao contestar a Ação Revisional.
As ilegalidades dos contratos eram bem conhecidas, com consolidada jurisprudência
sobre cada uma delas. Tivesse o Dibens adotado uma postura de boa-fé, deveria ter
reconhecido a abusividade das condições que inseriu nos contratos.
Essa conduta de boa-fé é incomum no processo civil. E é inexistente no tipo
de litígio que envolvia a Bomfim e o Dibens. Jamais uma instituição financeira
reconheceu que as cláusulas contratuais que previam capitalização de juros, para
ficar em um exemplo muito conhecido, eram ilegais. De nada adiantaram a Lei, as
Súmulas, os Acórdãos. E, o mais deselegante, é que essa prática abusiva, anos
depois,
acabou
tornando-se
lícita,
por
força
de
nova
legislação
de
constitucionalidade duvidosa317 .
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MANUTENÇÃO NA POSSE DA DEVEDORA. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. MULTA POR PROTELAÇÃO. CPC,
ART. 538. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE EM PROTELAR. RECURSO PROVIDO
PARCIALMENTE. I - Examinada a questão pelo Tribunal de origem, não há que falar em negativa
de prestação jurisdicional. A não-conformação da parte não se confunde com ausência de
fundamentação. II - Não cabe a aplicação da multa do art. 538, parágrafo único, CPC, quando
ausente interesse do recorrente em protelar a solução do litígio. III - A interposição dos embargos
de declaração, por si só, ainda que não enquadrada nas hipóteses do art. 535, CPC, não deve
ensejar apenamento, salvo em situações de abuso, devidamente caracterizadas. IV - Em se
tratando de bem essencial ao desempenho da atividade econômica do devedor, admite-se que o
mesmo fique em sua posse até que seja resolvida a ação de revisão de contrato, principalmente
quando realizados os depósitos das parcelas incontroversas em juízo”. No corpo da decisão, colhese, revelando que a jurisprudência sobre o tema vinha de longa data: “Como se vê, uma vez
retirado o imóvel da posse da devedora, único que dele pode dispor com utilidade e proveito,
inclusive para produzir com o objetivo de quitar suas obrigações com o banco, sobretudo por se
tratar de sua sede, haveria dano imediato ao normal desenvolvimento da sua atividade geradora
de bens, sem que disso resultasse benefício ao credor. Ao contrário, o mais provável é que o
desuso determinasse a sua natural deterioração. A propósito, confira-se o REsp n. 121.109-SC(DJ
5.10.98), por mim relatado, com esta ementa, no que interessa: II – Em se tratando, entretanto, de
bem essencial ao desempenho da atividade econômica da empresa devedora, podendo a retirada
imediata acarretar até mesmo a completa paralisação de suas funções, admite-se que ele fique em
depósito com o arrendatário até que seja resolvida a ação possessória. Se a conseqüência da
antecipação dos efeitos da sentença for excessivamente drástica, melhor que a situação
permaneça no estado em que se encontra”.
317
A Medida Provisória n. 2.170-36 veio alterar uma situação jurídica consolidada desde, pelo menos,
1933, por força do Decreto n. 22.626. O Partido Liberal apresentou, em 21/9/2000, a AdIn 2.316,
pedindo a suspensão da eficácia do art. 5º, caput e parágrafo único da medida provisória. O rel.,
Min. Sydney Sanches, deferiu a liminar, em 3/4/2002. Ele foi acompanhado pelo Min. Carlos
Velloso, que também deferiu a cautelar, em 15/12/2005. Em 2008, a Ministra Cármen Lúcia e o
Ministro Menezes Direito, votaram no sentido de inferir a liminar e os Ministros Marco Aurélio e
Carlos Britto votaram no sentido de deferi-la. A Corte Especial do TRF da 4ª Região, em 2/8/2004,
!
"**!
Tivesse a instituição financeira reconhecido que errou, o processo caminharia
para a perícia ou fase de liquidação, a fim de apurar o novo saldo devedor. A
verdade é que o laudo pericial da Ação Revisional foi entregue em juízo em 22 de
janeiro de 1998, isto é, pouco mais de cinco meses após o ajuizamento da Ação de
Reintegração de Posse e da primeira execução.
A Reintegração de Posse, ante o posicionamento pacífico da jurisprudência
da época, não poderia ter sido ajuizada. Ela estava fundada em constituição de
mora artificial. As notificações que a ampararam continham os valores já em
discussão na Justiça.
A rigor, a reintegração de posse e as duas execuções, ao menos em
conjunto, também não poderiam subsistir na Justiça. Todas tinham o mesmo objeto
mediato, o recebimento do crédito.
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em incidente na AC 2001. 71.00.004856-0/RS, manifestou-se pela inconstitucionalidade do art. 5º
da MP n. 2.170-36, pois destituída dos requisitos de relevância e urgência em matéria. Eis a
ementa do julgado: “Incidente de argüição de inconstitucionalidade – Administrativo – Contrato de
crédito rotativo – Capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano – Suscitada a
inconstitucionalidade do art. 5º da MP 2.170, de 23.08.2001, perante a corte especial. 1. Até o
advento da indigitada MP 1.963-17, publicada em 31.03.2000 (MP 2.170, de 23.08.2001 - última
edição), a capitalização dos juros mês a mês, nos contratos de abertura de crédito rotativo em
conta-corrente - cheque especial - e nos contratos de renegociação, à mingua de legislação
especial que a autorizasse, estava expressamente vedada. 2. Estavam excluídos da proibição os
contratos previsto no Dec.-lei 167, de 14.02.1967, no Dec.-lei 413, de 09.01.1969, e na Lei 6.840,
de 03.11.1980, que dispõe sobre títulos de crédito rural, título de crédito industrial e títulos de
crédito comercial, respectivamente. 3. O Executivo, extrapolando o permissivo constitucional, tratou
de matéria antiga, onde evidentemente não havia pressa alguma, eis que a capitalização de juros é
matéria que remonta à época do Dec. 22.626/1933 (Lei de Usura). A gravidade é ainda maior
quando se tem em conta que a capitalização de juros em contratos bancários e financeiros tem
implicações numa significativa gama de relações jurídicas. 4. Não verificado o requisito ‘urgência’
no que se refere à regulamentação da capitalização dos juros em período inferior a um ano.
Especialmente quando se trata de uma MP que, dispondo sobre a administração dos recursos de
caixa do Tesouro Nacional, dá providências sobre a capitalização de juros para as instituições
financeiras. 5. Não se pode reputar urgente uma disposição que trate de matéria há muito
discutida, e que, ardilosamente foi enxertada na Medida Provisória, já que trata de tema totalmente
diverso do seu conteúdo. Além disto, estatui preceito discriminatório, porque restringe a
capitalização de juros questionada unicamente às instituições financeiras. A urgência, portanto, só
se verifica para os próprios beneficiados pela regra, já que, para todos os demais, representa
verdadeiro descompasso entre a prestação e a contra-prestação, além de onerar um contrato que
por natureza desiguala os contratantes (de adesão). Declarada a inconstitucionalidade por maioria”
(Corte Especial, Arg. Inconst. AC 2001.71.00.004856-0/RS, rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro
Lugon; j. 2/8/2004; DJU 8/9/2004).
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#++!
O protesto contra a alienação de bens, dúvida não há, foi ajuizado com intuito
emulativo318. O edital pleiteado pelo Dibens informaria ao público geral que os bens,
objeto dos contratos de arrendamento mercantil, não poderiam ser alienados.
Ora, a proibição da venda dos bens, objeto do arrendamento mercantil,
decorre do simples fato de que tais bens não são de propriedade dos arrendatários,
mas da arrendadora. Não seria necessária medida cautelar e a publicação de editais
para impedir/prevenir tal alienação.
O real objetivo do Dibens era denegrir a imagem da Bomfim, coagi-la,
pressioná-la para que desistisse da Ação Revisional, denominada pela arrendadora
de protelatória.
Os danos que houve foram imensos, até porque a Bomfim exercia e ainda
exerce atividade por concessão da autoridade pública (transporte coletivo).
Em 22 de janeiro de 1998 já havia um saldo incontroverso (seis meses após a
primeira demanda do Dibens), apurado por um perito judicial, visto que a Bomfim
concordou com os termos do laudo. Neste momento importa lembrar que a sentença
posteriormente proferida veio a transitar em julgado quatro anos e meio depois, em
agosto de 2002. Todavia, o saldo devedor, segundo o laudo pericial, era menos de
um terço do montante que o Dibens vinha cobrando em suas demandas.
Concluído o laudo pericial, e imaginando-se um ambiente de boa-fé e
colaboração com a distribuição da Justiça, a postura do credor deveria ser a de dar
prosseguimento à cobrança, em definitivo, dos valores incontroversos, nos moldes
do então vigente art. 739, §2º, do CPC, que assim dispunha: “Quando os embargos
forem parciais, a execução prosseguirá quanto à parte não embargada”.
Como já havia penhora, bastaria prosseguir em definitivo com a expropriação.
Certamente, a parcela incontroversa, substancial, seria recebida antes do trânsito
em julgado da sentença posteriormente proferida. Até porque, como se viu adiante,
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318
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Já desconfiava do caráter emulativo do protesto Jônatas Milhomens (Da presunção de boa-fé no
processo civil. São Paulo: Forense, 1961. p. 93), quando lecionava, em 1961, o seguinte: “O
protesto – costuma-se dizer – não dá nem tira direito. Entretanto, em sua aparente licitude, pode
disfarçar malícia, objetivar o entrave de negócio jurídico, impedir a formação de contrato”.
#+"!
os valores recebidos pelo Dibens (ele recebeu cada centavo da dívida, muitos anos
depois) foram inferiores aos do laudo pericial. Isso sem contar que pagou cerca de
trinta por cento do valor do débito em verbas honorárias em favor dos procuradores
da Bomfim319.
Mas o Dibens, e aí o motivo é uma verdadeira necessidade de impor o abuso,
preferiu seguir nos processos, sem pleitear o recebimento da parcela incontroversa.
A Bomfim desincumbiu-se de seus deveres e ônus processuais. Propôs uma
ação assentada em teses fundadas em jurisprudência dominante no Superior
Tribunal de Justiça. Concordou com o laudo pericial elaborado, em perícia judicial
por ela custeada, assumindo parcela incontroversa no litígio. Além disso, todos os
valores a que poderia fazer jus o Dibens estavam amplamente garantidos pelos
bens arrendados e os diversos e valiosos bens penhoradosnas execuções.
Não se pode imputar à conduta da Bomfim, de fato e de direito devedora do
Dibens, mas em valor muitas vezes inferior ao por ele pretendido, o retardamento no
recebimento do crédito pela arrendadora.
Diferente do que prega o senso comum, o causador do atraso no recebimento
de seu crédito foi o próprio Dibens. E o retardamento deveu-se a sua desastrada e
excessiva conduta processual. Ele resistiu injustificadamente à aplicação da Lei
Federal e, para tentar fazer valer seu direito creditório abusivamente apurado, tomou
um conjunto de medidas que, embora possíveis dentro do sistema processual,
revelaram-se, em conjunto, um exercício patológico do direito de ação.
Tanto é assim que, em vez de receber a parcela incontroversa, o Dibens
encerrou os procedimentos judiciais sem título executivo algum e com todas as
demandas que propôs extintas sem julgamento de mérito.
Entretanto, a conduta do Dibens, exagerada a ponto de prejudicar-lhe,
conseguiu nos anos seguintes tornar-se ainda mais violenta e nociva aos interesses
dele próprio, conforme visto no Capítulo 2.
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319
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Isto é, o Dibens, em razão de sua conduta excessiva, não só demorou muito mais do que seria
razoável para receber o seu crédito, como ainda teve que pagar, anos antes, substanciais quantias
em favor dos advogados da Bomfim.
#+#!
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5.10 A Insistência no Abuso, após o Trânsito em Julgado
No Capítulo 2, viu-se que o Dibens, mesmo com o trânsito em julgado das
demandas objeto de exame no Capítulo 1 e no item 5.9 deste capítulo, seguiu com
sua conduta abusiva. Dessa vez, no entanto, contou com a colaboração do Estado
(juiz e serventia judicial). A fim de apontar o papel decisivo do juiz como catalisador
do abuso de direito no caso em estudo, após a concretização da coisa julgada,
elaborou-se o quadro-resumo abaixo.
Conduta Dibens
1. Propôs execução sem título
(200510100768).
2. Execuções de honorários dos
advogados da Bomfim:
- alegou não ter dinheiro para
indicar a penhora em execução
de título judicial;
- não recebeu mandado do oficial
de justiça, por orientação de seus
advogados (tudo exposto em
certidão);
- mentiu para obter liminar em
Ação Rescisória e suspender as
execuções.
3. Ação para devolução dos bens
(200510100025):
1. Embora intimado, jamais
cumpriu a ordem de receber os
bens. Afirmou que eles eram
sucata, no entanto, o laudo
pericial apontou o bom estado e
o elevado valor deles.
4. Ação Condenatória
(200710100204):
1. Replicou a ação dizendo,
apenas, não haver erro de
cálculo na sentença da ação
revisional.
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Atitude do Estado
1. Determinou a citação na mesma data em que
distribuído o feito (29/11/2005). Os mandados foram
expedidos três dias depois.
2. Acolheu a exceção de preexecutividade proposta
pela Bomfim.
3. Não houve qualquer pena por litigância desleal.
1. Nada fez quando informado que o Dibens negou-se
a cumprir as ordens de transferência de dinheiro,
constantes do mandado (e o juiz era o Dr. Fernando
Clemente da Rocha).
2. O TJSE revogou a liminar na Ação Rescisória, mas
nada fez com relação à conduta mentirosa do Dibens.
3. Ao julgar os Embargos do Devedor e verificar que
os créditos em cobrança nas execuções de honorários
estavam corretos, o juiz Fernando Clemente da Rocha
concedeu efeito suspensivo a um recurso não
interposto pelo Dibens, a fim de impedir os credores
de receberem o dinheiro.
4. Na Ação Rescisória, o Dibens não teve de fazer o
depósito do art. 488, II, do CPC. A ele foi concedido o
direito de apresentar uma carta de fiança.
1. A serventia judicial expediu os mandados de forma
equivocada.
2. Embora o Tribunal tenha ordenado a devolução dos
bens ao Dibens, o juiz de primeira instância jamais
cumpriu tal ordem. O processo ficou de janeiro a junho
concluso.
3. A sentença impôs a quem não era proprietário dos
bens (a Bomfim) que ficasse com eles para sempre.
1. A ação foi julgada procedente em dois meses. Ficou
conclusa com o juiz Fernando Clemente da Rocha
entre 16 de abril de 2007 e 4 de junho de 2007 (data
da sentença).
2. A sentença desconsiderou a coisa julgada.
3. A sentença multou a Bomfim, em mais de um
milhão de reais, porque ela não teria apresentado uma
planilha de cálculos na contestação (e a planilha havia
sido apresentada, apenas não havia sido juntada pela
#+$!
serventia judicial).
5.
Arresto
Cautelar
(200710100343):
1. O Dibens pediu o arresto de
um crédito que a Bomfim era
titular em outro processo, antes
de ter em mãos qualquer título
executivo.
1. A liminar foi deferida e cumprida no dia seguinte à
distribuição do arresto.
Os eventos narrados no Capítulo 2 revelam que o Abuso de Direito
Processual, para ser bem-sucedido, deve contar com o Estado ao lado da instituição
financeira. No capítulo anterior, demonstrou-se que, no âmbito da Administração
Pública (Bacen) e no Legislativo, as instituições financeiras tiveram a simpatia
estampada em relatórios oficiais e em modificações nas leis. Agora, pode-se ver o
quão mais danoso é ter o Judiciário como agente ativo do abuso de direito em favor
de uma instituição financeira.
No entanto, a tese inicial permanece válida. O litígio já contava com onze
anos e o Dibens, embora tenha arregimentado poderoso aliado, na consecução de
sua conduta patológica, somente veio a ter acesso ao crédito no momento em que
firmado o acordo entre as partes, cujos valores, conforme apontados anteriormente,
não passaram daqueles inicialmente inseridos no laudo pericial, muitos anos antes.
O abuso do direito do credor, recepcionado pelo Judiciário de primeira
instância, e somente por esse motivo, fez com que o instrumento judicial se
tornasse, naquele ponto, uma arma irresistível à Bomfim. Ela teve de ceder à
saraivada de ações judiciais, porque todas bem recebidas pelo Judiciário. E os
processos, após a coisa julgada, serviram apenas como meio coativo para que se
fizesse um acordo.
Pode parecer que, no Capítulo 1, fosse mais simples qualificar a conduta do
Dibens como equivocada, porque não recepcionada pelo Poder Judiciário. Porém,
mesmo com o sucesso nas decisões de primeira instância, a conduta do Dibens
nessa segunda fase, após a coisa julgada, é muitas vezes pior do que a descrita
anteriormente.
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#+%!
Lá em 1996, o Dibens havia incluído cláusulas abusivas nos contratos e
valeu-se de meios processuais exagerados. Agora, ele deixou de lado a coisa
julgada
material
que
se
havia
formado
e
descumpriu
ordens
judiciais
deliberadamente, em vários processos. E, mais do que escapar ileso, foi amparado
pelo Estado, coisa que até então não havia ocorrido.
Na fase descrita no Capítulo 1, o Estado foi omisso. Ficou apenas observando
o Dibens agir e, no final, julgou as lides contra ele, sem enfrentar questões de
litigância desleal ou Abuso de Direito Processual.
A fase iniciada com a Ação Rescisória (Capítulo 2) contou também com a
omissão estatal. Todavia, houve conduta ativa em primeira instância que não só
endossou as práticas do Dibens, como as justificou de maneira que nem mesmo a
arrendadora havia pensado320.
Cabe examinar a conduta da Bomfim. Será que ela agiu, de fato, como uma
má pagadora nessa fase do litígio? Está-se convencido de que não. O Dibens
propôs uma execução de seu título executivo (200510100768). Ela se defendeu por
meio de exceção de preexecutividade e foi vencedora, no único processo não
sentenciado pelo juiz Fernando Clemente da Rocha.
Depois, o Dibens ajuizou a Ação Rescisória e a Medida Cautelar para
suspender as execuções de honorários que se processavam em primeira instância.
A Bomfim e seus advogados impugnaram tais demandas, principalmente a liminar
obtida para suspender as execuções, sob argumento falso. A Bomfim também
obteve sucesso na Ação Rescisória.
A rigor, os insucessos judiciais da Bomfim só ocorreram nas mãos do juiz
Fernando Clemente da Rocha.
A Ação Condenatória foi contestada pela Bomfim, que apontou o valor
incontroverso. Como já havia até mesmo arresto de dinheiro, o Dibens poderia ter
recebido esse montante incontroverso. Nada fez nesse sentido.
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320
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Como é o caso de se negar a limitação de juros, tal qual fez o juiz na sentença da Ação
Condenatória.
#+&!
Como reação à execução sem título executivo, a Bomfim apresentou a
demanda para devolver os bens que eram de propriedade do Dibens. Este resistiu a
tal devolução, sob o argumento de que eles seriam sucata. Comprovou-se que não
eram. O Tribunal ordenou a devolução e o juiz não cumpriu a ordem.
O que se enxerga, nesse contexto321, é o Dibens valendo-se de uma decisão
transitada em julgado, na qual havia erro de cálculo, para justificar uma quantidade
de procedimentos e pleitos descabidos. Quando o art. 14, I, do CPC, fala em expor
os fatos em juízo conforme a verdade, não se pode admitir que a parte não
reconheça um erro de cálculo, em decisão transitada em julgado. O Dibens propôs
uma execução sem título, o que também infringe o art. 14, III, do CPC.
Mas quem foi multada foi a Bomfim, pois não teria apresentado um
documento que estava nos autos.
A má aplicação da multa, a recepção e o endosso das práticas do Dibens
revelam que o abuso de direito não foi exclusivo do banco. A figura do magistrado
não é a de coadjuvante nesse contexto. Ele está no mesmo patamar do Dibens322 .
Ambos abusaram.
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321
E a ideia de contexto é relevante. Não foi um ou outro ato isolado que o Dibens cometeu que se
pudesse reputar como de má-fé. É o conjunto de medidas, tomadas ao longo de anos. Rui Stoco
leciona que “a má-fé no curso do procedimento pode constituir fato isolado que, em alguns casos,
não contamina a higidez do processo como um todo, embora em alguns casos possa ocorrer.
Contudo, o abuso de direito de demandar significa que a própria ação intentada é temerária, sem
origem ou com o suporte em fatos inexistentes ou diversos daqueles expostos” (STOCO, Rui.
Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 77.).
322
LOPES, João Batista. Os poderes do juiz e o aprimoramento da prestação jurisdicional. Revista de
Processo, n. 35, p. 24 in Revista dos Tribunais on-line, aponta preocupação interessante com a
conduta do juiz: “Por outro lado, porém, vemos que, paradoxalmente, muitos juízes não têm plena
consciência da extensão e da importância dos poderes que lhes são conferidos por lei. Assim, se,
de um lado, os juízes se excedem na utilização desses poderes, outras vezes,
incompreensivelmente, deixam de fazer atuar regras expressas do ordenamento processual. É
muito frequente, por exemplo, o juiz, com quebra do dever de imparcialidade, passar a ajudar uma
das partes em geral economicamente fraca ou mal assistida pelo advogado. Outras vezes, vemos
o magistrado exceder-se, na tentativa de conciliação, passando a pressionar as partes no sentido
de se chegar à transação. Esses mesmos magistrados, porém, raramente aplicam os arts. 18, 129,
601 e outros do estatuto processual civil, preferindo fechar os olhos para a má fé e, até mesmo, o
acinte ao Poder Judiciário”. A situação que narramos em nosso trabalho não foi pensada pelo
doutrinador. Entretanto, as suas lições aqui se revelam preciosas. Houve excesso do juiz, não na
“defesa” da parte mais fraca, mas em favor da parte credora e muito bem assistida por notáveis
advogados. O juiz não deve ter um lado no processo, esta é a lição de João Batista Lopes. Neil
Andrews, no texto “Abuse of Process in English Civil Litigation”, in Abuse of Procedural Rights:
Comparative Standards of Procedural Fairness, Kluwer Law International, 1999, Cambridge, MA, p.
66, em nota de rodapé n. 5, cita dois casos bastante curiosos quando trata de abuso de direito
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#+’!
A responsabilidade do juiz, advogados e partes, na concretização do abuso
de direito no processo será objeto de exame no próximo capítulo.
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cometido por magistrado. Em 1998, “Harman J, a High Court judge, was persuaded to resign. The
CA sustained a complaint that He had delayed 20 months in giving judgment after a civil Trial,
during which time He lost his notes of the Trial (the judge was ill). Lord Dening The Due Process of
Law (London, 1980) PP 58-62 records a case of a judge being dismissed by the Lord Chancellor,
for asking too many questions at Trial”.
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#+(!
6 O CONTROLE DOS ABUSOS PROCESSUAIS
6.1. Introdução
A efetividade do processo, à luz do direito processual civil contemporâneo,
inclui a necessidade de que, nas palavras de Barbosa Moreira:
(a) os instrumentos de tutela sejam adequados aos direitos a resguardar; (b)
sejam praticamente utilizáveis pelos titulares dos direitos cuja preservação
ou reintegração se cogita; (c) ao julgador sejam asseguradas condições de
convencimento, tanto quanto possível, fiel à realidade; (d) em toda a
extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que
assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus
segundo o ordenamento; (e) possa ser atingido semelhante resultado com o
323
mínimo dispêndio de tempo e energias .
O abuso de direito processual significa um entrave a tais necessidades.
Embora, em princípio, os meios processuais conferidos ao titular da pretensão
possam ser, aparentemente, adequados aos direitos que necessitam de resguardo,
na prática, por meio do exame com as lentes adequadas (a má-fé presumida, por
exemplo), a escolha deles está à serviço da injustiça. A rigor, os instrumentos do
abuso de direito processual não são os “utilizáveis”, no sentido proposto por Barbosa
Moreira. Eles até são os “possíveis”, mas o uso deles é inadequado dentro de um
devido processo legal que não pode servir à chantagem ou ao espírito emulativo.
Na presença de conduta de abuso processual, são excluídas ao juiz as claras
condições de convencimento. Provas, fatos e o verdadeiro sentido das medidas
judiciais são omitidos, a fim de se obter um provimento cuja função não é, no mais
das vezes, assegurar à parte vitoriosa a utilidade da decisão, naquele procedimento.
O que se deseja é um “pouco mais”, sempre escondido pelo agente do abuso. A
rigor, haverá oportunidades em que nem mesmo a vitória no processo será
relevante, o simples pedido já será suficiente para que se atinja o objetivo ilegal.
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323
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Barbosa Moreira, José Carlos. Efetividade do processo e técnica processual. in Temas de
Direito Processual, 6ª série, SP:Saraiva, 1997, p. 17 e 18.
#+)!
A lição de Barbosa Moreira ainda se aplica à vedação do abuso de direito no
processo na medida em que propõe que o bem da vida a ser entregue no processo
deva ser alcançado com o mínimo dispêndio de tempo e energias. A energia em
excesso, a “saraivada de ações”, como visto no caso examinado neste estudo, é
sinônimo de abuso de direito processual e tem efeitos nocivos no que concerne ao
tempo para solução da (ou das) contenda(s).
O processo – o devido processo legal –, para que possa atingir o seu fim, que
é a entrega da justiça, deve ser um instrumento ético324. Há que ser equânime e
justo, seguindo os parâmetros éticos e morais da sociedade.
Embora Calamandrei trate o processo como um jogo, não o faz no sentido de
“um vale tudo”. Há regras que devem ser respeitadas. O processo civil é instrumento
de pacificação social e tal atividade está além das pretensões das próprias partes. O
processo é um verdadeiro jogo, um duelo, não só entre as boas razões para seu
deslinde, mas também pela habilidade de se fazer uma boa razão325.
Nesse contexto, as partes, os intervenientes, os advogados, os serventuários
da justiça, os magistrados e os demais envolvidos na distribuição da justiça
(inclusive peritos, tradutores etc.) têm o dever de respeitar as regras do jogo, de
forma proba, sob pena de a cláusula do devido processo legal ser infringida no
exercício da jurisdição.
Acaso o “fair play” não seja respeitado, é preciso reparar o dano a quem o
sofreu. Entretanto, a Constituição Federal garante a todos a proteção contra lesão
ou ameaça de direito (art. 5º, XXXV). Assim, há a possibilidade de se impedir que o
dano ocorra, por meio de medidas preventivas.
A conduta possível dos atores da relação processual será examinada nos
itens seguintes. Depois, serão analisados os meios que podem servir ao tratamento
do abuso de direito processual.
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324
COMOGLIO, Luigi Paolo. Etica e Tecnica del “Giusto Proceso”. Torino: G. Giappichelli Editore,
2004, p. 165.
325
CALAMANDREI, Piero. Il processo como giuoco. Pádua: Rivista di Diritto Processuale, v. 5,
Parte I, 1.950, p. 24.
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#+*!
6.2 As Condutas das Partes e Intervenientes no Processo
No contexto do Capítulo II, Seção I, do Código de Processo Civil, partes e
intervenientes são todos os que participam, de qualquer forma, do processo. A parte,
que deve ser entendida no sentido lato, inclui o autor, réu, assistente, opoente, o
litisdenunciado, o chamado ao processo326 . O Ministério Público e a Fazenda
Nacional também estão incluídos no conceito de parte do art. 14, do CPC, bem
como respondem pelos danos advindos de suas condutas temerárias no processo.
Os serventuários da justiça, os peritos e demais auxiliares estão incluídos no
conceito de parte. Os advogados, embora objeto de item próprio, adiante, também
estão sob as normas em comento.
O art. 14, I, trata do princípio da veracidade. A regra tem incidência clara
sobre as condutas de autor e réu. Eles não devem mentir no processo. As
testemunhas, peritos judiciais e os demais figurantes por meio de intervenção de
terceiros estão vinculados a esse princípio. Veja-se que mentir é diferente de omitir.
A omissão é permitida no sistema, desde que não implique ato contrário à boa-fé e à
lealdade processual, estas indicadas como dever no inciso II, do art. 14.
Os princípios da lealdade e da boa-fé limitam a atuação das partes e de todos
que, de alguma forma, intervenham no processo. E é dentro desses princípios que
está contida a semente que veda o abuso de direito processual.
O dever de não formular pretensões ou defesas destituídas de fundamento
(14, III, CPC) é um dos ingredientes que serve de apoio à afirmação já feita de que
as instituições financeiras devem ter suas condutas como presumidamente de máfé. O sistema jurídico positivo e a interpretação das leis, hoje, podem ser alcançados
com grande facilidade por qualquer operador do direito. Não há como negar que boa
parte dos litígios envolvendo bancos e consumidores de crédito já foi objeto de
exame pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive por meio de recursos repetitivos.
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326
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NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 207.
#"+!
Hoje, excluídos litígios de maior complexidade, em que os fatos são
realmente ímpares, boa parte das questões que envolvem a massa de
consumidores de crédito já tem solução certa no Poder Judiciário. E não é só hoje.
Desde longa data a jurisprudência vinha fornecendo sólidas interpretações sobre
temas como capitalização de juros e incidência da Lei n. 8.078/90 aos contratos
bancários. O art. 14, III, do CPC, deve ser interpretado com mais rigor nos dias
atuais, tendo vista os modernos instrumentos que estão à disposição do operador do
direito. O advogado, com um ou dois cliques de algum instrumento conectado à
internet (computador ou celular, por exemplo) é capaz de alcançar a jurisprudência
de todos os tribunais do país.
O inciso IV, do art. 14, está ligado ao mínimo dispêndio de energia e tempo
que a solução da lide deve empregar. A chicana e os meios de prova
desnecessários são vedados.
O derradeiro inciso do art. 14 contém regra cuja inserção, em conjunto com o
parágrafo único, traz hipótese de contempt of court, figura conhecida no direito
norte-americano. Essa regra pode, facilmente, ser adaptada não só às partes, mas
aos serventuários da justiça e aos advogados (embora não de forma direta, o
advogado realiza o ato, mas quem paga por ele é o cliente327).
No Capítulo 2, foram trazidos dois exemplos de embaraços à efetivação de
provimentos judiciais. O primeiro foi a resistência oferecida pela advogada do Dibens
à ordem de penhora. Trata-se de caso típico em que a pena do parágrafo único, do
art. 14, poderia ser aplicada. Evidente que a penalidade é dirigida ao cliente, uma
vez que o advogado, naquele momento em que desejava obstar a ordem judicial,
figurava como representante da parte no processo. As sanções disciplinares
também poderiam ter sido aplicadas, mas aí no âmbito da Ordem dos Advogados do
Brasil.
A conduta do serventuário da justiça ao não expedir, corretamente, a
intimação da ordem liminar de devolução dos ônibus, também é ato de embaraço ao
cumprimento de ordem judicial, e a sanção cabível deveria ser aplicada, garantidos,
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327
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A responsabilidade pessoal do advogado será tratada em item próprio, adiante.
#""!
como de fato foram (o juiz pediu esclarecimentos fornecidos, por meio de certidão),
o contraditório e a ampla defesa a quem não participava no processo como parte.
O art. 17, do CPC, traz as hipóteses de litigância de má-fé. São os casos
típicos, tipificados, de abuso de direito processual. A característica essencial do
abuso de direito está em todos os incisos, qual seja, a conduta normal, tolerada pelo
sistema, é permitida; a ilegalidade chega no passo adiante que se dá. Assim, no
inciso I, veda-se a dedução de defesa ou pretensão contra texto expresso de lei ou
fato incontroverso. Parte-se da conduta lícita, o exercício do direito de ação ou a
defesa de interesses em juízo, que acaba sendo mal manejada, ou utilizada em
excesso, em infração aos deveres de lealdade e boa-fé.
No litígio estudado nos primeiros capítulos, o abuso de direito processual, a
litigância de má-fé do art. 17, I, do CPC, fez-se presente. E vale a lembrança de
Dinamarco328 acerca de interpretações radicais a esse dispositivo. Há textos de lei
que não são dotados de tanta clareza ou precisão e que permitem mais de uma
interpretação razoável, jurisprudencial ou doutrinária. Porém, o litígio entre Bomfim e
Dibens envolvia situações jurídicas tão claras e pacíficas que a única alternativa
para que as soluções fossem diversas daquelas propostas pela arrendatária seriam
modificações legislativas (que aconteceram, conforme exposto no Capítulo 4).
Aquele que altera a verdade dos fatos (inciso II, do art. 17) também vai além
do exercício regular de descrever os fatos em juízo, com as tintas necessárias, ou
com as omissões que não impliquem infringência aos deveres de lealdade e boa-fé.
Se a parte for adiante, comprometendo a solução da lide, em razão da mentira ou da
grave omissão, estará em abuso de direito processual.
O uso do processo para obtenção de objetivo ilegal (inciso III, do art. 17) pode
ser lembrado no protesto contra alienação de bens de que se valeu o Dibens. O uso
do processo é medida lícita. Objetivar com ele um resultado disforme, tal qual fez o
Dibens, é abuso de direito processual.
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328
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DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2005, tomo II, p. 262.
#"#!
A resistência injustificada ao curso do processo foi apresentada pela
arrendadora Dibens em inúmeras ocasiões (art. 17, IV). Entretanto, a de maior
destaque foi a resistência ao recebimento dos ônibus, após a decisão do Tribunal de
Justiça de Sergipe. Inúmeros incidentes foram criados (e, pior, acolhidos pelo juízo
de primeira instância) para que não se cumprisse a ordem superior.
A hipótese do inciso V, do art. 17, é bem ilustrada por Dinamarco329, quando
afirma: “assim é a atitude da parte que, depois de haver suscitado a exceção de
incompetência relativa, passa a sustentar a competência do foro onde a causa fora
proposta”. E, em igual sentido, age de forma temerária a parte que, sabedora que já
há demanda ajuizada em outra comarca, inclusive com contestação apresentada,
insiste em propor execuções e ações de reintegração de posse em juízo diverso
daquele prevento, tal qual fez o Dibens.
Incidentes manifestamente infundados (art. 17, VI) são aquelas provocações
desnecessárias que se pode fazer ao juízo, sem objetivo de se obter um ou outro
provimento, mas com intenções outras, como a de retardar a solução da lide.
A utilização de recursos manifestamente protelatórios é prática desprezível
(art. 17, VII). É que eles causam tumultos processuais não superados com a
ausência (ou indeferimento) de efeito suspensivo. Na prática, interposto um recurso,
o juízo monocrático costuma aguardar a solução do tribunal, haja ou não efeito
suspensivo concedido ou pleiteado. Está errado, evidente. Mas é o que
ordinariamente ocorre.
Outra situação vexatória que recursos protelatórios acabam causando
observa-se naqueles processos que envolvem grandes quantias de dinheiro. Basta
que se devolva a matéria ao tribunal para que, pelo simples motivo de existirem
valores muito altos (e a definição de valor elevado é um mistério, um conceito aberto
que só serve para travar execuções definitivas, sem justificativa dentro do sistema),
tudo reste suspenso330 .
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329
330
!
Ob. cit. p. 263.
É como se a efetividade do processo estivesse condicionada ao valor causa, mas essa é questão
autônoma, que poderia render outra tese de doutorado.
#"$!
As hipóteses do art. 17, do CPC, estão dirigidas a autores, réus,
intervenientes, sem qualquer controvérsia doutrinária331 .
As hipóteses do art. 600 e 601, do CPC, são projeções da litigância de má-fé,
só que destinadas a coibir o abuso do devedor, dentro do processo executivo.
O Código ainda traz outras espécies de eventos que podem ser considerados
como de abuso de direito processual, embora as sanções possam, nem sempre, ser
pecuniárias. É o caso dos artigos:
(a) 273, II:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório do réu.
(b) 475-J, caput:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou
já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante
da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a
requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta
Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
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331
!
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado.
10ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 213, segundo o qual o Ministério Público
responde pelos danos processuais somente nas hipóteses do art. 85, do CPC, em caso de dolo ou
fraude. Na segunda nota de casuística, nos comentários ao art. 85, p. 320, os doutrinadores
indicam precedente do STF que apresenta a seguinte tese: “A norma comentada dispõe sobre a
responsabilidade pessoal do membro do MP que age, no processo, com dolo ou fraude. O CPC 85
não se refere à responsabilidade da administração pública pelos atos do MP (STF-RF 294/189)”.
Dessa forma, embora o membro do Ministério Público somente responda pessoalmente nos casos
do art. 85, do CPC, parece que o Estado responderá pelos danos processuais causados pelo
Ministério Público. Nesse sentido, DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito
Processual Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, tomo II, p. 264 e 265, que ensina:
“Haverá má-fé processual do Ministério Público em possíveis ações civis públicas promovidas de
modo temerário ou por sensacionalismo”. A Fazenda Pública também responde pelos danos
processuais (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ª ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2005, tomo II, p. 264 e 265): ”Não é legítimo estabelecer distinções,
especialmente diante do silêncio da lei, destinadas a favorecer o Estado com a liberação da má-fé
processual. Litiga de má-fé a Fazenda Pública quando insiste em cobrar judicialmente
contribuições tributárias que reiteradamente os tribunais venham declarando indevidas”.
#"%!
(c) 538, parágrafo único:
Parágrafo único. Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz
ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao
embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da
causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até
10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro
recurso ao depósito do valor respectivo
(d) 545:
Art. 545. Da decisão do relator que não admitir o agravo de instrumento,
negar-lhe provimento ou reformar o acórdão recorrido, caberá agravo no
prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso,
observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 557.
(e) 557, caput e §2º:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente
inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou
com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal
Federal, ou de Tribunal Superior.
o
§ 2 Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal
condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento
do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro
recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.
(f) 615-A, §4º:
o
§4 O exeqüente que promover averbação manifestamente indevida
indenizará a parte contrária, nos termos do § 2o do art. 18 desta Lei,
processando-se o incidente em autos apartados.
(g) 739, III:
Art. 739. O juiz rejeitará liminarmente os embargos:
III - quando manifestamente protelatórios.
(h) 740, parágrafo único:
Parágrafo único. No caso de embargos manifestamente protelatórios, o juiz
imporá, em favor do exeqüente, multa ao embargante em valor não superior
a 20% (vinte por cento) do valor em execução.
!
#"&!
(i) 746, §3º:
§ 3o Caso os embargos sejam declarados manifestamente protelatórios, o
juiz imporá multa ao embargante, não superior a 20% (vinte por cento) do
valor da execução, em favor de quem desistiu da aquisição.
(j) 995, II:
Art. 995. O inventariante será removido:
II - se não der ao inventário andamento regular, suscitando dúvidas
infundadas ou praticando atos meramente protelatórios;
Os dispositivos acima elencados trazem hipóteses de abuso de direito
processual, todas elas com inspiração nos princípios da lealdade e da boa-fé,
insertos, como cláusulas gerais, no art. 14, do CPC.
Interessantes são os eventos do art. 811, do CPC332. Lá, a doutrina não
duvida; está-se em face de hipóteses de responsabilidade objetiva. No entanto, não
se pode definir que as condutas lá elencadas sejam de abuso de direito processual.
O dispositivo, no caput, até remete ao art. 16, considerando que os atos descritos no
artigo, embora de responsabilidade objetiva, só eventualmente serão abuso de
direito processual.
A natureza da responsabilidade objetiva do art. 811 é diferente daquela dos
demais dispositivos legais acima indicados. Essa questão será tratada no próximo
item.
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332
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Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao
requerido pelo prejuízo que Ihe causar a execução da medida: I - se a sentença no processo
principal Ihe for desfavorável; II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste
Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias; III - se ocorrer a cessação
da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808, deste Código; IV - se o juiz
acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor
(art. 810).Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos do procedimento cautelar.
#"’!
6.3 Responsabilidade Objetiva por Ato de Abuso de Direito Processual
Rodrigo D’Orio Dantas de Oliveira333, em sua dissertação de mestrado, faz o
mais completo apanhado da doutrina acerca das posições que há sobre a natureza
da responsabilidade extracontratual advinda da infração ao art. 17, do CPC.
Ele alinha aqueles que entendem o sistema como sendo de responsabilidade
objetiva, subjetiva ou ambas.
O doutrinador aponta que um dos principais fundamentos para concluir que a
responsabilidade seria objetiva é a modificação que o art. 17, do CPC, sofreu em
razão da Lei n. 6.771/80. Está-se convencido de que a responsabilidade pela
litigância de má-fé é objetiva, mas não só por esse fundamento.
O texto original do art. 17 era o seguinte:
Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa, cuja falta de fundamento não possa
razoavelmente desconhecer;
II - alterar intencionalmente a verdade dos fatos;
III - omitir intencionalmente fatos essenciais ao julgamento da causa;
IV - usar do processo com o intuito de conseguir objetivo ilegal;
V - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
VI - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VII - provocar incidentes manifestamente infundados.
Enxergam-se as expressões “não possa razoavelmente desconhecer”; “alterar
intencionalmente”; “omitir intencionalmente”; “usar do processo com o intuito”.
Nessas condições, poder-se-ia concluir que a caracterização da litigância de má-fé
dependeria do exame da vontade do agente.
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333
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DANTAS DE OLIVEIRA, Rodrigo D’Orio. A litigância de má-fé e o advogado. Dissertação
(Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. p. 94.
#"(!
A nova redação do dispositivo é a seguinte:
Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato
incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
O elemento “vontade humana” não está presente em mais nenhum dos
incisos. Nem mesmo a expressão “intuito” do inciso VII está a indicar a necessidade
de pesquisa do elemento volitivo. É que o intuito vem acompanhado do advérbio
“manifestamente”. Trata-se de expressão derivada do adjetivo “manifesto”, cujo
significado334 é “que está em posição conveniente para ser visto; impossível de ser
oculto ou dissimulado” e “que não pode ser contestado em sua natureza, existência;
flagrante, indiscutível, inegável; declarado, notório; claro, patente, evidente”.
O intuito manifestamente protelatório é aquele evidente, flagrante, indiscutível,
inegável, e, nessas condições, a vontade humana é irrelevante, pois já está
estampada na conduta de recorrer.
Ainda antes da modificação do art. 17, do CPC, em 1977, Barbosa Moreira já
apontava que os “tipos” do dispositivo ora traziam a necessidade do elemento
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334
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Dicionário
Houaiss
da
Língua
portuguesa,
versão
on-line
(http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=manifesto&stype=k), site acessado no dia 1º de
fevereiro de 2011, às 11h24.
#")!
subjetivo, ora não335. A alteração legislativa de 1980 retirou os elementos subjetivos
que ainda havia.
Não se pode perder de vista que, conforme sustentado, o art. 17 traz hipótese
de abuso de direito. A gênese constitucional do instituto, tanto no âmbito do direito
privado, como no direito processual está, em grande parte, ligada ao conceito de
devido processo legal336. O substantive due process, como apontado por Nery, tem
a dimensão que alcança a liberdade de contratar, as garantias fundamentais do
cidadão, a garantia do direito adquirido e se manifesta em todos os campos do
direito337. O procedural due process, como já se examinou no direito comparado e
no sistema brasileiro, serve como justificativa para limitar o excesso dentro do
processo civil, sob pena de desvirtuar-se o objetivo fundamental que é a distribuição
da justiça.
As regras de vedação ao abuso de direito são de ordem pública, tanto no
âmbito do direito civil, como na lei adjetiva. O objetivo do instituto do abuso de direito
é o mesmo no direito privado e no direito público: impedimento do exercício abusivo
de posições jurídicas (vedação a condutas desconformes com a boa-fé, em sentido
objetivo).
A visão do abuso do direito, dentro de um sistema harmônico, impõe que a
vontade do agente seja irrelevante para incidência das regras, sob pena de criar-se
uma situação jurídica torta.
O fenômeno da múltipla incidência das regras jurídicas a um só suporte fático
explica a necessidade de que o abuso de direito tenha uma só regra, a da
responsabilidade objetiva. É verdade que o mesmo fato pode ser suporte fático de
normas de direito civil, penal ou processual338 . Mas também é verdade que o mesmo
evento jurídico, abuso de direito, não pode ser tão diferente no âmbito do direito civil
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335
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 26.
O que não exclui, ao contrário, complementa, a sua íntima origem também no princípio da boa-fé,
conforme enfrentado no capítulo anterior.
337
NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 35 a 38.
338
Pontes de Miranda. Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Parte Geral, Tomo I. São
Paulo: Revista dos Tribunais, p. 27
336
!
#"*!
e do processual, visto que, em ambos, tem o mesmo colorido jurídico: é abuso de
direito.
É por tal motivo também que a responsabilidade do art. 14, do CPC, é
objetiva339 . Nesse dispositivo os tipos são abertos, consagrando uma ideia geral de
vedação ao abuso de direito, fundada na boa-fé e na lealdade processual. A vontade
da parte é irrelevante em todos os incisos.
Teresa Ancona Lopes340 defende a ideia de que o abuso de direito se aplica a
todas as realidades jurídicas e a todos os ramos do direito, visto que o art. 187, do
Código Civil de 2002, é cláusula geral e de ordem pública.
A admitir-se a responsabilidade subjetiva, no art. 17 do CPC, o sistema
sofreria uma quebra. Por um lado, eventos do processo, claros abusos de direito,
porém não enquadrados nas hipóteses do citado art. 17, estariam sujeitos à
responsabilidade civil objetiva, do art. 187, do Código Civil, ou do art. 14, parágrafo
único do CPC. Por outro, eventos igualmente de abuso de direito, mas tipificados no
art. 17, necessitariam do elemento subjetivo (que a norma não pede)341.
A responsabilidade por abuso de direito processual é objetiva e tal afirmação
aplica-se a todos os dispositivos elencados no item anterior.
Diferente, no entanto, é a responsabilidade objetiva do art. 811, do CPC. Lá,
não necessariamente, as condutas descritas serão de abuso de direito processual.
O art. 811, inclusive, trata de caso em que a conduta geradora da possibilidade de
reparação de dano possa até mesmo ser lícita.
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339
ASSIS, Araken. Manual da Execução, 10ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 319.
LOPEZ, Teresa Ancona. Exercício do Direito e suas limitações: abuso do direito. Revista dos
Tribunais, n. 885, p. 49 in Revista dos Tribunais on-line. A autora, após indicar como forma de
abuso de direito o abuso do direito de demandar, trata da autonomia do instituto, apontando que:
“A autonomia do abuso do direito também se mostra em relação à culpa. O ato abusivo deve ser
avaliado concreta e objetivamente. Não há necessidade de averiguação da intenção de prejudicar
(emulação); verifica-se se o titular de um direito ao exercê-lo ultrapassou os limites impostos pela
boa-fé, por seu fim econômico e social ou pelos bons costumes”.
341
Dinamarco aponta que a responsabilidade extracontratual do art. 16, do CPC, é objetiva.
Instituições de Direito Processual Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, tomo II, p.
263.
340
!
##+!
Álvaro Villaça de Azevedo bem soube distinguir a responsabilidade objetiva
em duas categorias: a pura e a impura. São suas palavras:
Para que melhor possamos entender a responsabilidade objetiva, com
fundamento na teoria do risco, tenho proposto sua subdivisão em duas
novas categorias: pura e impura.
Assim entendo, porque a responsabilidade objetiva, como vem regulada no
Código Civil, guarda, ainda, muito apego à teoria da culpa.
A responsabilidade objetiva impura tem, sempre, como substrato a culpa de
terceiro, que está vinculado à atividade do indenizador.
A responsabilidade objetiva pura implica ressarcimento, ainda que inexista
culpa de qualquer dos envolvidos no evento danoso. Neste caso, indenizase por ato lícito ou por mero fato jurídico, porque a lei assim o determina.
Nesta hipótese, portanto, não existe direito de regresso, arcando o
342
indenizador, exclusivamente, com o pagamento do dano .
Dessa forma, tem-se que a responsabilidade objetiva, em casos de abusos de
direito processual, é impura, pois sempre haverá um terceiro (o advogado da parte,
por exemplo) vinculado à atividade do indenizador. Já a responsabilidade do art.
811, do CPC, é pura, pois a responsabilidade é gerada pelo fato jurídico ou por ato
até mesmo lícito, porque assim a lei determinou.
6.4 A Função dos Advogados no Tratamento do Abuso de Direito Processual
A figura do advogado é de enorme relevância, principalmente, porque a sua
atuação serve como uma forma de prevenir que o abuso se concretize. O advogado,
não importando se é procurador do autor ou do réu, é o filtro por onde não deveria
passar a borra do abuso de direito processual343. O problema é que não só o filtro
não funciona, como ele próprio pode conter impurezas.
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342
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Proposta de Classificação da Responsabilidade Objetiva: Pura e
Impura. Revista dos Tribunais. n. 698, p. 7 in Revista dos Tribunais on-line.
343
Araken de Assis, com a precisão de sempre, ensina: “A habilitação técnica atribuída ao advogado
representa função pública. Entre os profanos, explica Calamandrei, grassa o preconceito de que
tanto melhor o causídico quanto mais falastrão e ladino. Todavia, ao traduzir em linguagem
científica as aspirações das partes, o bom advogado é colaborador precioso do juiz, em regra
!
##"!
No direito comparado (Capítulo 3), a responsabilidade está intimamente
ligada aos deveres éticos do advogado no exercício de sua profissão e ele responde
perante o seu órgão de classe.
A indispensabilidade, estabelecida no art. 133, da Constituição Federal, eleva
a responsabilidade do advogado em um sistema de vedação ao abuso de direito
processual. O seu exercício profissional é indispensável para a administração da
justiça. O advogado deve prezar, em seu múnus público, pela preservação do
devido processo legal, sem o qual não se alcança a distribuição da justiça. O serviço
público e a função social do trabalho do advogado estão, também, no art. 2º, §1º, da
Lei n. 8.906/94.
O advogado tem o dever pré-processual de aconselhar o cliente, explicar-lhe
os caminhos que há no Poder Judiciário e indicar não só os meios mais efetivos,
mas aqueles de menor esforço à máquina que irá movimentar. Em igual medida,
cabe ao advogado censurar o cliente, demonstrar a ele que o natural sentimento de
vingança contra a outra parte, nos procedimentos contenciosos, é descabido.
Não é tarefa fácil, pois a procura do Poder Judiciário é, não há como negar,
incômodo a que poucos desejam se submeter. E, nesse contexto, porque esgotados
os meios amigáveis, o sentimento que move o cliente não é só o de acertamento do
conflito de interesses, mas de destruição, ainda que em sentido figurado, da parte
contrária.
Se o cliente for detentor de poder econômico maior, como são as instituições
financeiras, o desejo de impor sua vontade por meio do processo, em face do
consumidor de crédito, é movido, ainda, pela necessidade de se dar “um exemplo”.
Algo como dizer aos demais consumidores que, se quiserem ir a juízo, se desejarem
“ir para a briga”, sofrerão o máximo possível. Um cliente dessa natureza tem o poder
de dissuadir o advogado a tomar caminhos inadequados. O caminho do excesso no
processo. O trajeto do abuso de direito.
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probo e, às vezes, sutil. O advogado possui a relevante tarefa de ’facilitar a obra do juiz no
interesse do Estado’”. ASSIS, Araken. Manual da Execução, 10ª edição. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, p. 362.
!
###!
Mas o advogado não pode se render, mesmo que o mercado econômico
competitivo faça com que o cliente possa ir procurar outro colega de profissão com
menos escrúpulos344 . A independência do advogado, no exercício da profissão, deve
ser mantida sob qualquer circunstância (art. 31, §1, da Lei n. 8.906/94). Quem dirige
o processo, quem escolhe os caminhos e os meios é o advogado, não o cliente. Um
profissional do direito que não conserve, ainda dentro de seu escritório, um ambiente
de ética, lealdade e boa-fé acabará servindo como uma marionete nas mãos de
clientes poderosos que não buscam a jurisdição como meio de solução de litígios,
mas como instrumentos de chantagens e corrupção do devido processo legal.
Haverá infração ao preceito constitucional e ao art. 2º, §2º, da Lei n. 8.906/94.
A responsabilidade do advogado, ao contrário da regra geral do abuso de
direito, é subjetiva, por força do art. 32, da Lei n. 8.906/94. E tal se justifica por
diversos aspectos. O primeiro, é que o abuso de direito, o ato lesivo, será reparado,
dentro de um sistema de responsabilidade objetiva, pelo representado do advogado.
Assim, se uma postulação feita em juízo revelar-se excessiva, desconforme com a
boa-fé, a ponto de configurar abuso de direito processual, o agente do abuso (a
parte) responde objetivamente pelos danos que causou.
O advogado é o representante da parte em juízo, não se confunde com ela.
Presume-se que a postulação, mesmo que o advogado seja independente no
exercício da profissão, seja de conhecimento do cliente. Se não o for, o advogado
(ou a sociedade de advogados, art. 17, Lei n. 8.906/94) responde perante o
representado, em ação regressiva.
Os atos do advogado são também, ou principalmente, objetos de
procedimentos disciplinares, perante a Ordem dos Advogados do Brasil. Embora se
anote a crítica feita por Ada Pellegrini Grinover, citada por Helena Najjar Abdo345 , de
que os processos na OAB não seriam efetivos, visto que ensejariam sanções
meramente disciplinares, com ela não se pode concordar. Por exemplo, advogar
contra literal disposição de lei pode ocasionar pena de censura, multa ou suspensão
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344
Já dizia Piero Calamandrei, em sua obra “Processo e Democrazia”, que é o advogado o
responsável técnico por trazer ao processo o reequilíbrio, necessário para a pacificação com
justiça, em detrimento da comum disparidade existente entre os litigantes no processo (Processo e
Democrazia. Padova:Cedam, 1954, p. 150).
345
Ob. cit. p. 177.
!
##$!
do exercício da advocacia (arts. 35 e 36 da Lei n. 8.906/94). A reiteração de tal
conduta pode acarretar a exclusão do advogado dos quadros da OAB (art. 38, I, Lei
n. 8.906/94). Ele deixa de ser advogado, perde a sua profissão. Isso não é pouco346.
Nem convence o argumento de que o advogado, em processo disciplinar,
será julgado por seus colegas e, em um clima de espírito corporativo, as sanções
seriam flácidas, visto que as penas aplicadas em face de juízes e promotores
também o são por seus pares.
O melhor local para se apurar a conduta reprovável do advogado, inclusive a
de abuso de direito, é perante a OAB. José Rogério Cruz e Tucci, tratando da não
aprovação da parte do texto da Lei 10.358/2001 que possibilitaria ao juiz multar o
advogado, nas hipóteses do art. 14, I e IV, do CPC, argumenta que, “na mão de
juízes rancorosos, a inovação legislativa, se lhes fosse aplicável, acabaria sendo um
instrumento de ameaça e constrangimento para o livre exercício da advocacia”347 .
Ele tem razão. Há juízes rancorosos, assim como há juízes que abusam e podem
lesar as partes em prejuízo do devido processo legal.
Mas, além das penas disciplinares, o advogado responde judicialmente pelos
danos que causar, em abuso de direito (lide temerária), solidariamente com seu
cliente, nos termos do art. 32, parágrafo único, da Lei n. 8.906/94. E tal deve ocorrer
por meio de ação própria, não havendo espaço razoável para que ocorra dentro do
procedimento judicial onde foi detectada.
Todavia, nada impede que ele, ultrapassando seu múnus público, abuse do
direito, respondendo pelos seus atos na esfera administrativa (OAB) e judiciária, em
ação de reparação de danos, mas sob a cortina da responsabilidade subjetiva.
Trata-se de sistema equânime com a função que o advogado exerce no
processo, ao lado de juiz e promotor. O Estado responde objetivamente pelos atos
de seus representantes no processo. O cliente, igualmente, é responsável pela
conduta de seu mandatário em juízo, de forma objetiva. No entanto, advogados,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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346
Basta lembrar que, em se tratando de processo administrativo que envolva juiz de direito, após o
prazo de estágio probatório, a pena máxima é a aposentadoria (inciso 5º, do artigo 42, da Loman).
347
TUCCI, José Rogério Cruz e. Lineamentos da nova reforma do CPC: Lei 10.352, de 26.12.2001,
Lei 10.358, de 27.12.2001, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 25.
!
##%!
juízes e promotores, pessoalmente, respondem por suas condutas de forma
subjetiva.
6.4.1 O advogado litigante de má-fé
Rodrigo D’Orio Dantas de Oliveira348, mais uma vez, alinha as posições
doutrinárias que afirmam que o advogado não pode litigar de má-fé (a não ser em
causa própria, evidente), pois sua atividade não corresponde ao conceito de parte
que há nos arts. 16, 17 e 18, do CPC.
Porém, há construção jurisprudencial que não só entende que o advogado
pode litigar de má-fé, ao lado de seu cliente, passando a responder pelas penas
pertinentes, como sustenta que a pena deva ser aplicada nos mesmos autos em que
detectado o abuso de direito processual. Mais radical ainda era o entendimento da
Ministra Eliana Calmon, (EDcl, no AgRg no REsp n. 727.839/RS), assim lançado:
“PROCESSO CIVIL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO
REGIMENTAL - MANDADO DE SEGURANÇA - IMPORTAÇÃO DE
VEÍCULO - PENA DE PERDIMENTO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - RECURSO
PROTELATÓRIO - CONDENAÇÃO DO PROCURADOR AO PAGAMENTO
DE MULTA.
1. Inexistência de omissão, mas inconformismo da parte com o julgamento
do recurso especial.
2. Embargos de declaração interpostos com propósito meramente
protelatório, buscando retardar o desfecho da demanda.
3. Aplicação de multa de 1% (um por cento) do valor atualizado da causa,
aser suportada pelo advogado subscritor do recurso, nos termos do art. 14,
IIc/c 17, VII e 18, caput do CPC, pois é dever das partes e dos seus
procuradores proceder com lealdade e boa-fé.
4. Embargos de declaração rejeitados, com imposição de multa”.
STJ - EDcl no AgRg no REsp 427839/RS – Rel. Min. ELIANA CALMON –
DJ 17/10/2002.
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348
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Ob. cit. p. 254.
##&!
Não se pode deixar de reconhecer que esse tipo de decisão constitui uma
reação a situações de abuso de direito processual. Contudo, se o abuso de direito
processual é vedado, em sua essência, pelo princípio do devido processo legal, o
mesmo há que se dizer da hipótese de aplicação das penas por litigância desleal
diretamente ao advogado, ainda mais quando a sanção é dirigida somente a ele.
O sistema, a regra do jogo, não permite que o advogado seja apenado como
litigante desleal, dentro do mesmo processo e, no limite, solitariamente. Foi por tal
motivo que o Ministro Luiz Felipe Salomão, no julgamento do REsp 140.578/SP, em
15 de dezembro de 2008, proferiu voto segundo o qual o advogado responde pelos
danos que causar, nos termos da lei (art. 14, CPC e art. 32, da Lei n. 8.906/94), em
ação autônoma.
A partir desse julgado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
consolidou-se em sentido diverso ao proposto pela Ministra Eliana Calmon349 .
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349
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(1) “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONDENAÇÃO DO PATRONO POR
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE. BUSCA E APREENSÃO DE
VEÍCULO. EQUÍVOCO. NEGLIGÊNCIA. NÚMERO DE CHASSIS DIGITADO INCORRETAMENTE.
DANOS MORAIS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
REDUÇÃO. DEFICIÊNCIA RECURSAL. SÚMULA 284/STF. 1. "Os danos eventualmente causados
pela conduta do advogado deverão ser aferidos em ação própria para esta finalidade, sendo
vedado ao magistrado, nos próprios autos do processo em que fora praticada a alegada conduta
de má-fé ou temerária, condenar o patrono da parte nas penas a que se refere o art. 18, do Código
de Processo Civil." (REsp 1173848/RS). 2. Consigna o acórdão recorrido que, "a par do enorme
constrangimento quando da apreensão do veículo, considerando que tal ato deu-se no pátio do
condomínio residencial onde mora o autor, este viu-se privado do único veículo que possuía, o
que, por certo, deve ter causado imenso transtorno não só a ele, mas também à sua família,
composta de sua esposa e dois filhos menores." 3. Desse modo, se as instâncias de origem,
soberanas na análise do conjunto fático-probatório dos autos, concluem que a conduta da ré,
isoladamente considerada, é bastante para atrair o dever de compensação, uma vez que em face
das circunstâncias concretas da situação podia e devia ter agido de outro modo, revela-se
descabido o exame da matéria, em sede especial, ante o óbice contido na súmula 7 desta Corte. 4.
Com relação ao pedido de diminuição do quantum indenizatório, a recorrente não indica qual
dispositivo legal considerado malferido pelo acórdão recorrido, tampouco colaciona qualquer
padrão de divergência, limitando-se a aduzir violação genérica (fls. 276/277), o que, como é cediço,
não dá ensejo ao conhecimento do recurso ante a flagrante deficiência recursal (Súmula 284/STF).
5. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA AFASTAR A MULTA IMPOSTA E NEGAR
SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL”. (STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 696102/RN, Rel.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe 06/10/2010); (2) “PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO REGIMENTAL. BRASIL TELECOM. NULIDADE NA REPRESENTAÇÃO DO
CAUSÍDICO.
NÃO
ACOLHIMENTO.
CARÁTER
PROTELATÓRIO
DOS
PEDIDOS.
INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO DO PATRONO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE. 1- A Segunda Seção deste Tribunal, modificando
entendimento anterior, passou a desconsiderar a nulidade por ausência de cópia autenticada de
instrumento procuratório, tomando como sede própria para discussão do tema, o incidente de
falsidade. (AgRg no REsp 963283/RS, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO,
DJe 01/07/2008). 2 - Não contraria a ética processual o manejo de expediente para tornar sem
efeito julgado que prejudica a parte, utilizando-se, para tanto, de entendimento que até há pouco
##’!
Todavia, em recente julgado, já se pode ver que houve uma reversão no antigo
posicionamento da Ministra, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - VIOLAÇÃO DO ART. 535
DO CPC NÃO CARACTERIZADA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
CONDENAÇÃO DO ADVOGADO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem
decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. O ressarcimento dos danos eventualmente causados pela conduta do
advogado deverá ser verificado em ação própria, não cabendo, nos próprios
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encontrava acolhida na jurisprudência desta Corte. 3 - "Os danos eventualmente causados pela
conduta do advogado deverão ser aferidos em ação própria para esta finalidade, sendo vedado ao
magistrado, nos próprios autos do processo em que for a praticada a alegada conduta de má-fé ou
temerária, condenar o patrono da parte nas penas a que se refere o art. 18, do Código de
Processo Civil." (REsp 1173848/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe
10/05/2010) 4 - AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE ACOLHIDO PARA AFASTAR A MULTA
IMPOSTA”. (STJ, 3ª Turma, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, AgRg nos EDcl no
Ag 918228 / RS, DJe 22/09/2010); (3) “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO
RECURSO
ESPECIAL.
INEXISTÊNCIA
DE
OBSCURIDADE
E
CONTRADIÇÃO.
PREQUESTIONAMENTO PARA FINS DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
INVIABILIDADE. OMISSÃO QUANTO À CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DO ADVOGADO AO
PAGAMENTO DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ. POSSIBILIDADE DE ATRIBUIÇÃO DE
EFEITOS INFRINGENTES AOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, NAS HIPÓTESES EM QUE A
MODIFICAÇÃO DO JULGADO FOR CONSEQUÊNCIA DIRETA DO SUPRIMENTO DA OMISSÃO.
1. Devem ser rejeitados os embargos de declaração quando não há, no julgamento impugnado,
omissão ou contradição acerca da alegada ocorrência de prescrição da pretensão executiva, já que
o recurso que deu origem aos declaratórios foi sumariamente rejeitado por outros fundamentos. 2.
O STJ não possui competência para o exame de questões constitucionais suscitadas em sede de
embargos de declaração, ainda que com o intuito de prequestioná-las para eventual interposição
de recurso extraordinário. Precedentes. 3. A responsabilização solidária do advogado, nas
hipóteses de lide temerária, ocorrerá somente após a verificação da existência de conluio entre o
cliente e seu patrono, a ser apurada em ação própria. A condenação ao pagamento da multa por
litigância de má fé deve ser limitada às partes, pois o profissional da advocacia está sujeito
exclusivamente ao controle disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil. Precedente. 4.
Embargos de declaração parcialmente acolhidos, com modificação do julgado” (STJ, 3ª Turma,
Rel. Min. Nancy Andrighi, EDcl no RMS 31708 / RS, DJe 20/08/2010. (4) “CIVIL E PROCESSO
CIVIL.
LITIGÂNCIA
DE
MÁ-FÉ.
CONDENAÇÃO
SOLIDÁRIA
DO
ADVOGADO.
IMPOSSIBILIDADE. 1. É vedada a esta Corte apreciar violação a dispositivos constitucionais, sob
pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 2. Inviável o conhecimento do
recurso especial no que concerne ao alegado julgamento "ultra petita", pois, nas razões do apelo
excepcional, não há indicação de qualquer dispositivo infraconstitucional pretensamente violado.
Súmula nº 284/STF. 3. Revisar a decisão que reconheceu a má-fé do recorrente somente seria
possível mediante incursão indevida nas provas produzidas nas instâncias ordinárias, o que é
defeso em sede de recurso especial, Incidência da súmula nº 07/STJ. 4. Responde por litigância de
má-fé (arts. 17 e 18) quem causar dano com sua conduta processual. Contudo, nos termos do art.
16, somente as partes, assim entendidas como autor, réu ou interveniente, em sentido amplo,
podem praticar o ato. Com efeito, todos que de qualquer forma participam do processo têm o dever
de agir com lealdade e boa-fé (art. 14, do CPC). Em caso de má-fé, somente os litigantes estarão
sujeitos à multa e indenização a que se refere o art. 18, do CPC. 5. Os danos eventualmente
causados pela conduta do advogado deverão ser aferidos em ação própria para esta finalidade,
sendo vedado ao magistrado, nos próprios autos do processo em que fora praticada a alegada
conduta de má-fé ou temerária, condenar o patrono da parte nas penas a que se refere o art. 18,
do Código de Processo Civil. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido”.
(STJ, 4ª Turma, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, REsp 1173848/RS, DJe 10/5/2010).
!
##(!
autos do processo em que fora praticada a alegada conduta de má-fé ou
temerária, a condenação do advogado nas penas a que se refere o art. 18
do Código de Processo Civil.
3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para afastar da
sentença a condenação do advogado do recorrente nas penalidades do
artigo 18 do CPC.
STJ, 2ª Turma, REsp 1194683 / MG, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJe
de 26/8/2010.
Ainda no aspecto do devido processo legal, a sanção pela litigância desleal
ao advogado, no mesmo processo, também não se justifica, pois é preciso garantir a
quem não é parte o direito à ampla defesa e ao contraditório350. E isso demandaria
verdadeiro (e desnecessário) tumulto processual. Uma lide, sobre a litigância
temerária do advogado, dentro da lide – não resolvida – do cliente. Em uma situação
como essa, na eventualidade de haver mesmo uma lide temerária em curso, não há
como permitir que ela permaneça em juízo mais do que o necessário. Pune-se o
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350
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Sobre o tema, Rodrigo D’Orio Dantas de Oliveira, ob. cit., p. 285 e 286, ensina: “Como já
salientado no tópico “4.9” supra - referente à aplicação da sanção de litigância de má-fé de ofício -,
a garantia do contraditório deve se dar no mesmo grau de jurisdição, e não em um grau acima. Se
assim não fosse, não haveria a possibilidade do magistrado, prolator da decisão que aplicou a
sanção de litigância de má-fé, ser influenciado pela parte, nos termos da participação-garantida,
integrante do princípio do contraditório. A única possibilidade de influência seria do magistrado que
julgasse o eventual recurso. Além disso, como já citado, caso o recurso a ser interposto seja para
as cortes superiores – recursos especial e/ou extraordinário (STJ e STF) –, em detrimento da
impossibilidade do reexame de prova, não seriam atendidos nem a reação-possível, muito menos a
participação garantida. Não obstante isso, nota-se que, da mesma forma que ocorre na aplicação
da litigância de má-fé da parte – necessidade da constatação do dolo –, ocorre para a condenação
do advogado, nos termos do Estatuto da Advocacia (E.A, art. 32, § único). Assim, nada mais lógico
do que, com base no princípio da colaboração entre as partes – decorrente do próprio princípio do
contraditório –, possa-se levar ao magistrado os elementos necessários para a verificação da
existência, ou não, do dolo. É importante destacar que a situação em vértice é, até mesmo, pior do
que a da condenação da própria parte na litigância de má-fé, sem que lhe seja oportunizada a
garantida do contraditório. Isso, porque, como visto, o advogado nem parte é. A situação exposta é
de grande semelhança com a narrativa posta por Franz Kafka, em sua obra “o processo”, onde seu
protagonista sofre uma ação de acusação, sem que lhe seja possível saber (i) quem lhe acusa, (ii)
do que ele é acusado e (iii) com base em que (Lei). Na referida narrativa, a violação ao elemento
da informação-necessária destoa das demais violações sofridas pelo protagonista. Da mesma
forma ocorre com o advogado sancionado pela litigância de má-fé de forma precipitada, uma vez
que, apesar de ter ciência de (i) quem lhe acusa, (ii) do que ele é acusado e (iii) com base em que,
tal ciência somente se dá após a condenação. É como se ele já iniciasse o processo condenado.
Não se trata nem mesmo do ônus da prova, mas do dever de reverter uma condenação, por meio
de um recurso. O mesmo efeito haveria se o advogado fosse parte, mas se fosse tolhido o direito a
informação-necessária, como ocorreu na narrativa citada. Por fim, poder-se-ia chegar ao extremo
de um advogado ser condenado sem que participe mais do processo. Isso ocorrerá quando houver
uma sentença aplicando a sanção ao advogado, que cometeu ato de litigância de má-fé no
decorrer do processo, mas que, ao tempo da sentença, não mais patrocinava a causa”.
##)!
cliente, dentro do processo. E se a parte lesada entender que é o caso de buscar a
responsabilidade do advogado, que o faça em ação própria.
O caso que motivou este estudo comportaria o exame da responsabilidade
civil do advogado. Entretanto, deixou-se de lado a busca de tal responsabilidade,
principalmente em razão dos acordos entabulados. Mas a verdade é que, em pelo
menos duas oportunidades bem claras, ficaria difícil não enquadrar as condutas do
Dibens e de seus advogados como promotores de lides temerárias.
O caso do protesto contra a alienação de bens e a execução sem título (cuja
exceção de preexecutividade foi acolhida pelo juiz, sem recurso do Dibens, tamanha
a temeridade do ato cometido no processo) representam exemplos bem claros de
lides temerárias.
6.5 Os Juízes
A conduta do juiz pode ser de abuso de direito351. No caso examinado, ela o
foi. A regra de responsabilização é similar a dos advogados352. Os juízes respondem
por seus atos no processo por dolo ou fraude353, nos termos do art. 133, do CPC.
Mas o Estado é objetivamente responsável pelo abuso cometido por seu
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351
SENNA, Andressa Paula. O abuso de Direito e a Litigância de Má-fé como Impeditivos à
Marcha Processual e ao Resultado Justo da Prestação Jurisdicional. Revista de Direito
Privado, n. 40, p. 9 in Revista dos Tribunais on-line: “A propósito, ao dever de lealdade e boa-fé
subordinam-se, além das partes e procuradores, até mesmo o juiz (e este responde por abuso de
poder), os peritos, testemunhas e todos aqueles auxiliares da Justiça que possam, por meio de
algum ato ou mera providência, interferir ou obstruir o andamento do processo”.
352
Guardadas as devidas proporções, o “cliente” do magistrado é o Estado. O sistema apresenta
harmonia na punição do abuso de direito: o cliente do advogado, tal qual o Estado, responde
objetivamente.
353
O sentido das expressões dolo e fraude é bem interpretado por Álvaro Villaça de Azevedo:
“Embora exista, nesse dispositivo legal, a expressão ’dolo ou fraude’, em verdade, o dolo abrange
toda a intenção de causar prejuízo. Não seria correto, no meu entender, interpretar a palavra
fraude, nesse texto, como se pudesse ser considerada, nele, fraude-vício, vício da manifestação da
vontade; pois, a assim ser, deveriam os outros defeitos dos negócios jurídicos estar presentes (o
erro, o dolo-vício, a coação e a simulação). O vocábulo fraude está aí empregado com seu
significado romano, de atuação maliciosa (fraus, dis) (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Proposta de
Classificação da Responsabilidade Objetiva: Pura e Impura. Algumas Hipóteses de
Responsabilidade Civil no Código de Processo Civil. Constituição Federal (art. 37, §6º).
Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 14, p. 27 in Revista dos Tribunais on-line).
!
##*!
representante no curso do processo, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição
Federal354.
No direito comparado (Capítulo 3), quando se trata da responsabilidade do
juiz, em caso de abuso de direito processual, sempre se trazem exemplos de
demora no exame de pleitos, descumprimento da coisa julgada e julgamentos em
desconformidade flagrante com a legislação vigente. Mas há certo “receio”,
principalmente, nos países de tradição anglo-saxã (Inglaterra, por exemplo) de se
tomarem providências, administrativas ou judiciais, contra os magistrados.
A preocupação de se voltar contra o magistrado é justificada, ainda mais em
situações nas quais existam ainda causas em andamento com o juiz que abusou.
Não é comum, no dia-a-dia forense, que a parte chegue ao ponto de pedir ao
escrivão, nos termos do art. 133, parágrafo único, do CPC, que intime o juiz a
determinar a providência pendente nos autos.
Trata-se de pleito não só raro, mas pouco conhecido dos próprios
serventuários da justiça que o recebem com perplexidade e, muitas vezes, temor de
realizar a diligência. No caso examinado, pediu-se a intimação do juiz, nos moldes
do citado artigo de lei, mas ela nem sequer foi realizada, configurando-se a falta não
só do juiz, mas do próprio serventuário que deixou de cumprir seu dever funcional.
O pleito surgiu no processo que envolvia a devolução dos veículos. Lá, não só
o juiz deixou de decidir, por meses, como foi incapaz de ordenar o cumprimento de
acórdão do TJSE. Um mês depois que se tomaram as providências para que ele
respondesse, pessoalmente, pelos seus atos, o processo foi sentenciado e o
acórdão do TJSE jamais cumprido. E a serventia judicial deixou de intimá-lo, porque
entendeu (como se tivesse essa faculdade) que não mais era necessária a
providência do art. 133, parágrafo único, ante a sentença proferida.
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354
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NERY JÚNIOR, Nelson. RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ASPECTOS DO DIREITO BRASILEIRO POSITIVO VIGENTE: ART. 37, §6.º, DA CF/1988 E ART.
15, DO CC/1916. Revista de Direito Privado, n. 1, p. 29 in Revista dos Tribunais on-line, leciona:
“Quanto aos atos judiciais típicos (sentenças), em tese podem causar prejuízo, devendo a
administração pública por eles responder. É o caso, por exemplo, do erro judiciário e da prisão
além do tempo fixado na sentença. Nesses dois casos o art. 5.º, LXXV, da CF/1988 estabelece o
dever de o Estado indenizar o prejudicado. O art. 133, do CPC fixa caso de responsabilidade civil
subjetiva do juiz, enquanto pessoa física, o que não inibe o prejudicado de acionar diretamente a
administração pública, que responde objetivamente, enquanto o juiz responde subjetivamente”.
#$+!
Foi caso de evidente denegação de justiça.
José Guilherme de Souza355 aponta que a denegação da justiça estará
configurada nas seguintes hipóteses: “1.º) quando o juiz nega a aplicação do direito;
2.º) quando o juiz nega a execução da sentença; 3.º) quando o juiz negligencia
propositalmente o andamento de um processo”.
Tais hipóteses ocorreram no caso examinado. O direito e a coisa julgada
foram deixados de lado. Não se deu cumprimento à ordem do TJSE, e o andamento
do processo em que o acórdão deveria ser executado foi propositadamente
retardado pelo próprio juiz.
Ao lado dos demais atos judiciais referidos no Capítulo 2, vê-se que a
denegação da justiça se aproxima do conceito amplo de abuso de direito proposto
por Teresa Ancona Lopes, referido no capítulo anterior. A conduta judicial narrada
no Capítulo 2 configura-se como um exercício inadmissível de posição jurídica. E a
prática ganha cores mais graves, pois o abuso ocorre por quem deveria impedi-lo e
ser o distribuidor da justiça. É ato antijurídico do magistrado que excede os limites
impostos pela boa-fé, bons costumes e finalidade social e econômica do direito.
Não há dúvidas de que a conduta do magistrado, nesse específico caso,
poderia ter sido objeto de ação pessoal, eis que configurado, no contexto narrado
nos capítulos iniciais, o abuso de direito doloso, e tomadas as providências do art.
133, CPC. O Estado também poderia responder pela conduta do juiz, objetivamente,
e voltar-se contra o magistrado em ação regressiva (art. 37, §6º, da Constituição
Federal), desde que comprovado o dolo (art. 37, §6º, 2ª parte, da Constituição
Federal).
Os erros judiciais grosseiros cometidos no caso examinado, principalmente
quando a coisa julgada foi desconsiderada pelo juízo singular, embora não ensejem
a responsabilização pessoal dele (senão com a comprovação de dolo, o que, de
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355
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Souza, José Guilherme de. A Responsabilidade Civil do Estado pelo Exercício da Atividade
Judiciária. Revista dos Tribunais, n. 652, p. 29 in Revista dos Tribunais on-line.
#$"!
lege ferenda, mereceria atenção do legislador), configuram atos lesivos, capazes de
motivar ação contra o Estado, eis que presentes os requisitos para tanto356.
Buzaid357 bem lembra que
a ação de responsabilidade civil não tem por objeto a anulação do julgado,
mas a pessoa do juiz. A parte lesada demanda o ressarcimento dos danos
que foram causados pelo juiz, não a rescisão da sentença que proferiu. A
sentença, aliás, subsiste, ainda que a ação civil seja julgada procedente.
Indiretamente, acentua Mattirolo, pode ocorrer que o dolo do juiz seja causa
de rescisão do julgado; e isso quando se declare que a sentença foi o
resultado da colusão dolosa entre o juiz e uma parte; mas, neste caso, a
sentença cairia não por força da ação civil de responsabilidade movida
contra o juiz, antes pela ação rescisória, intentada pela parte vencida contra
a parte vencedora, com fundamento no dolo, na forma do art. 494, I, do
CPC.
Por tal razão, não se pode condicionar a ação que vise à reparação de dano,
pelo ato de abuso de direito cometido pelo juiz, a eventual ação rescisória. Ela até
pode ser cabível, mas o fundamento da ação da parte lesada pela conduta anômala
judicial é o próprio abuso de direito.
6.6 Formas de Tratamento do Abuso de Direito Processual
Há três formas de se tratar o abuso de direito processual:
(a) Medidas preventivas – antes que o abuso se configure, mas na hipótese
de já haver o seu risco, pode a parte que sente que será lesada procurar o Poder
Judiciário, a fim de limitar o direito de ação do agente do abuso, com base em
critérios de proporcionalidade e utilidade (ver item 3.11).
(b) Medidas corretivas – no decorrer do processo. Advertências que o juiz
pode fazer, correções de curso que o juiz pode dar, indeferimento de pleitos
injustificados e excessivos.
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356
Wambier, Luiz Rodrigues. A Responsabilidade Civil do Estado Decorrente dos atos
Jurisdicionais. Revista dos Tribunais, n. 633, p. 34 in Revista dos Tribunais on-line: “Dentre as
hipóteses de responsabilidade civil do Estado decorrente de atos jurisdicionais têm merecido
destaque na doutrina, na área do processo civil, o retardamento na prestação da tutela jurisdicional
e a sentença prolatada mediante violação de literal disposição de lei”.
357
BUZAID, Alfredo. Da Responsabilidade do Juiz. Revista de Processo, n. 9, p. 15 in Revista dos
Tribunais on line.
!
#$#!
c) Medidas ressarcitórias – aplicação de sanções por litigância desleal,
multas, condenação em verba honorária, isso dentro do processo em que se
configurou o abuso. Fora do processo é possível ação para reparação de dano (por
exemplo, protesto contra alienação de bens que gera danos – ação de rito ordinário
a fim de repará-los).
6.6.1 Medidas Preventivas
O direito de ação, conforme se viu no Capítulo 3, não é absoluto, sob pena de
infringir o princípio do devido processo legal, fonte da vedação ao abuso de direito
processual. Ou melhor, a fim de não atrair a antipatia natural a quem trata de
limitação de direito de ação, talvez seja mais adequado dizer que o uso anormal do
direito de ação pode configurar abuso de direito processual e, por tal motivo, são
necessárias providências a fim de se evitarem maiores danos.
Um exemplo de medida preventiva utilizada com sucesso é o interdito
proibitório com o intuito de impedir que o credor, ajuizando ação de busca e
apreensão, possa pleitear tutela liminar, enquanto discutida judicialmente a relação
obrigacional entre instituição financeira e consumidor de crédito.
Essa hipótese resultou em trabalho forense que culminou com o acórdão
proferido pelo extinto 2.º TACivSP, por meio de sua 5.ª Câmara, relator o magistrado
Pereira Calças, Agravo de Instrumento n. 494.523-0-1, assim ementado:
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Ação de interdito proibitório objetivando que o
credor não requeira liminar de busca e apreensão com base no Dec.-lei
911/69. Inexistência de ofensa ao direito constitucional de ação. Direitos do
consumidor previstos no rol das garantias constitucionais ao lado do direito
de ação.
Ementa: Código de Defesa do Consumidor, lei de ordem pública, aplicável
aos contratos bancários. Inexistência de qualquer prejuízo ao credor em
face da permanência das máquinas industriais em poder de devedora,
enquanto perdurar a discussão judicial sobre a existência e o quantum do
débito, bem como sobre exigências abusivas do credor. Reconhecimento de
que o Dec.-lei 911/69 não foi inteiramente recepcionado pela Constituição
Federal de 1988, sendo ainda parcialmente revogado pelo Código de
Defesa do Consumidor.
!
#$$!
AgIn 494.523-00/1 - 5.ª Câm. - 2.º TACivSP - j. 13.08.1997 - rel. Juiz Pereira
358
Calças .
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358
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Eis o inteiro teor do voto do relator: “VISTOS - 1. Trata-se de agravo de instrumento tirado pelo
Banco do Brasil S. A. nos autos da ação de interdito proibitório que lhe promove Ermeto
Equipamentos Industriais Ltda., insurgindo-se contra decisão que concedeu liminar que obsta ao
agravante, acaso venha requerer ação de busca e apreensão, pleitear medida liminar,
determinando ainda que eventual ação a ser proposta seja distribuída por dependência ao
interdito, ordenando ainda, acaso já requerida a medida, que informe ao juízo sobre a desistência
da liminar. Alega o agravante, em síntese, que a liminar concedida viola o direito de ação que é
constitucionalmente assegurado ao recorrente, pois, acaso haja inadimplemento por parte da
devedora, ora agravada, caberá ao recorrente deduzir em juízo as pretensões que entender
legalmente cabíveis, podendo a devedora valer-se, com amplitude, do seu direito de defesa.
Sustenta que a própria agravada confessa ser devedora do Banco do Brasil, mas, paradoxalmente,
ajuíza ação de interdito proibitório para se precatar contra possíveis ações judiciais que venham a
ser ajuizadas pelo credor. Invoca ensinamentos doutrinários que garantem ao titular de um direito a
faculdade de exercitá-lo, bem como o art. 100, do CC/1916, no sentido de que “não se considera
coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial”, invoca as
garantias constitucionais assecuratórias do direito de ação e a legalidade de postular todos os
remédios processuais cabíveis acaso haja inadimplemento por parte da agravada, mercê do que
postula o provimento do recurso, afastando-se a liminar do interdito proibitório concedida à
agravada. Indeferida a liminar suspensiva e regularizadas as formalidades processuais apontadas,
a agravada ofertou contrariedade, onde, em síntese, sustenta o abuso do direito praticado pelo
agravante e sua condição de credora do mesmo, em face da auditoria realizada nos contratos
firmados entre as partes, mercê do que, com supedâneo no art. 125, I, do CPC, que resguarda a
isonomia das partes, afirma ter direito de postular a liminar para impedir que o credor peça e
consiga a liminar de busca e apreensão das máquinas dadas em alienação fiduciária, com o
objetivo de manter seu empreendimento em funcionamento, assegurando o emprego de seus
funcionários e garantindo-se da possibilidade de gerar receita para que não ocorra o estiolamento
da empresa. Invoca precedentes jurisprudenciais que têm admitido que, na ação de busca e
apreensão de bem alienado fiduciariamente constituído por máquinas essenciais à atividade
industrial do devedor, há possibilidade da manutenção da posse dos mesmos em favor da
devedora, enquanto não terminar o processo. Ressalta que não procede a alegação de
inconstitucionalidade do pedido de interdição da pretensão liminar, pois não se pediu medida para
obstar o credor de ajuizar ação de busca e apreensão, mas, sim, apenas de que não deduza
pedido de liminar a fim de que o maquinário permaneça em poder da devedora, enquanto a ação
se processa. Por derradeiro, apresenta documentos comprobatórios de que o agravante a notificou
em fevereiro de 1997, informando-a que seu débito montava em R$ 4.201.653,83. Três meses
depois, nova notificação, dando conta que o débito saltara para a quantia de R$ 4.956.400,01, vale
dizer, exigindo juros da ordem de 18% em três meses, fato que, por si só, é suficiente para
comprovar as taxas escorchantes que o Banco do Brasil está a lhe exigir, posto que a inflação
atual situa-se em patamar anual abaixo de dois índices, tudo a evidenciar qual das partes está
praticando abuso de direito. Pede o improvimento do agravo (f.). É o relatório. 2. O art. 932, do
CPC estatui o seguinte: “O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na
posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandato
proibitório, em que comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito”. No
caso vertente, a agravada, alegando ter sido notificada pelo Banco do Brasil S. A., para o fim de
ser constituída em mora, nos termos do Dec.-lei 911/69, relata que o débito que lhe está sendo
exigido deriva de conta corrente de livre movimentação, estando representado por confissão de
dívida, garantida por alienação fiduciária de todo o maquinário da indústria da peticionária. Diz
ainda que realizou auditoria em todos os contratos celebrados com o Banco-agravante,
constatando que, ao invés de devedora, é a agravada credora do agravante. Por isso, notificada
para pagar o que entende não ser devido e, receosa de que o credor ajuíze ação de busca e
apreensão de todo o maquinário de sua indústria, postulou a concessão de liminar de interdito
proibitório a fim de obstar-se ao credor a formulação de pleito liminar de busca e apreensão. Afirma
ainda que detém a posse direta das máquinas e estando na iminência de sofrer o esbulho
possessório sobre elas, diante da atitude do credor que já a notificou de que, não efetuando o
pagamento do débito no quantum unilateralmente fixado, - quando, na verdade, é credor do
aludido banco em face dos lançamentos abusivos feitos em sua conta bancária - valer-se-á das
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medidas judiciais previstas no Dec.-lei 911/69, mercê do que pretende seja-lhe reconhecido o
direito de impedir a formulação do requerimento de liminar de apreensão das máquinas, que, se for
deferido, inviabilizará totalmente a continuidade das atividades industriais da agravada.
Examinando-se atentamente a exordial da ação de interdito proibitório, verifica-se que,
efetivamente, a tutela possessória objetiva apenas que as máquinas objeto da alienação fiduciária
não sejam removidas do estabelecimento comercial da devedora liminarmente, ficando estas
depositadas com a requerente enquanto pender a discussão da questão da existência ou não do
débito objeto das notificações expedidas com base no Dec.-lei 911/69. Como bem explicitou a
autora da ação de interdito proibitório, não se pediu que se impedisse o credor de intentar as ações
judiciais que entender cabíveis para buscar o crédito do qual afirma ser titular, mas sim, que não se
formulasse o requerimento da liminar prevista no art. 3.º, do Dec.-lei 911/69. Não se desconhece
ser pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que não é cabível a concessão de liminar,
de qualquer espécie, que impeça a parte contrária de ajuizar qualquer tipo de ação judicial, pois o
direito de ação é assegurado pela Constituição Federal, sendo a pedra angular em que se funda a
garantia constitucional do amplo acesso ao Poder Judiciário. Neste sentido a anotação de
Theotonio Negrão ao art. 932, do CPC.: “Não se justifica o interdito proibitório, com a finalidade que
o réu lance mão de medidas judiciais que entenda cabíveis” (Bol. AASP 1.421/63, Código de
Processo Civil e legislação em vigor, 27. ed., p. 592). A hipótese sub judice, porém, se reveste de
peculiaridades que a extremam dos casos em que, com base no poder geral de cautela conferido
ao Juiz, se pede, pura e simplesmente, que seja o credor impedido de intentar ação judicial ou
execução. Pede, apenas, que diante da alegação da inexistência do crédito apontado na
notificação premonitória, enviada para a constituição do devedor em mora, a fim de ensejar o
ajuizamento da ação de busca e apreensão, regida pelo Dec.-lei 911/69, fique o credor impedido
de postular a liminar, que, em última análise, se concedida, retiraria os bens que estão na posse
direta da devedora e os entregaria ao possuidor indireto e credor. O justo receio de ser molestada
na posse das máquinas invocado pela agravada emerge da possibilidade de ser aplicado,
literalmente, o estatuído pelo Dec.-lei 911/69, norma que não foi inteiramente recepcionada pela
Constituição Federal de 1988 e que também foi parcialmente revogada pelo Código de Defesa do
Consumidor. A agravada, notificada como devedora de contrato garantido por alienação fiduciária,
sustenta que, ao invés de ficar aguardando passivamente que o credor, com fundamento no Dec.lei 911/69, requeira a busca e apreensão das máquinas dadas em garantia e o faça com pedido de
liminar, pode ela valer-se dos direitos de defender antecipadamente a posse das referidas
máquinas, forte no argumento de que nada mais deve à instituição financeira, alegação que
pretende comprovar sem perder a posse do maquinário, que, se removido for para as mãos do
credor, inviabilizará à devedora prosseguir no desempenho de sua atividade industrial. Em suma, a
liminar que determinar a transferência das máquinas para as mãos do credor importará na quebra
da devedora. O Poder Judiciário, diante do novo quadro da economia nacional, no qual a
estabilidade da moeda, por mais de três anos - fato inédito e desconhecido para seus integrantes -,
permite que se analisem com maior profundidade as exigências das instituições financeiras
relacionadas com juros, suas respectivas taxas, formas de cálculo, multas, correção monetária,
não pode se omitir quando o consumidor do crédito bancário alega ser vítima de práticas abusivas,
que, se convalidadas, levarão à bancarrota os comerciantes, produtores rurais e demais
consumidores do crédito. Da mesma forma que o art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 preceitua que “a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, garantindo de forma
ampla e geral o direito à tutela jurisdicional, o mesmo dispositivo constitucional, no inc. XXXII,
afirma que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. O art. 170, V, da
CF/1988, ao tratar dos princípios gerais da atividade econômica, estabelece que a “ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado, entre outros princípios,
o 'da defesa do consumidor'”. De se concluir, portanto, que os direitos do consumidor foram
alçados ao patamar dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal e
elevados como um dos princípios gerais que devem ser observados na atividade econômica e
financeira, sendo certo que, em cumprimento ao mandamento do constituinte, expressamente
assinalado no art. 48, do ADCT, foi editada a Lei 8.078, de 11.09.1990, o nosso Código de Defesa
do Consumidor, lei de ordem pública, prevendo-se, expressamente, sua incidência na disciplina
dos contratos de financiamentos bancários, tal qual o contrato que deu origem ao presente recurso.
São considerados como direitos básicos do consumidor, conforme dispõe o art. 6.º, do CDC,
dentre outros, os seguintes: “IV - proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos
comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no
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fornecimento de produtos e serviços; V - modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam
prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas; VI - efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais; VII - o acesso
aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica (...); VIII - a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no
processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação, segundo as regras ordinárias de
experiência”. Os princípios acima elencados, todos de ordem pública, evidentemente, asseguram
ao consumidor do crédito bancário a possibilidade de discutir com a maior amplitude possível a
existência ou não do débito que lhe está sendo exigido, bem como a possibilidade de demonstrar
eventuais excessos ou abusos cometidos pelo fornecedor do financiamento, sem que,
liminarmente, perca a posse das máquinas de sua indústria, especialmente considerando-se a
evidente inconstitucionalidade da possibilidade do credor vender tais máquinas,
independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia, com a possibilidade de aplicar o
preço obtido com a venda no pagamento de seu crédito e despesas, e “entregar ao devedor o
saldo apurado, se houver”, tal como previsto no art. 2.º, do Dec.-lei 911/69. Por isso já afirmei
anteriormente que a faculdade do credor poder alienar unilateralmente e sem qualquer fiscalização
o bem alienado é incompatível com o sistema protetivo do consumidor, sendo de rigor considerá-la
como revogada pela nova ordem constitucional e pelo sistema previsto em lei de ordem pública de
defesa do consumidor. Não bastassem estas considerações, derivadas da interpretação da
Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor, não se pode olvidar que o Colendo
Superior Tribunal de Justiça, em diversos precedentes, tem admitido que: “As máquinas
indispensáveis à atividade industrial da empresa devedora, apreendidas em ação de busca, podem
permanecer na posse da ré enquanto tramita o processo, até o momento da efetivação da venda”
(rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, RT 717/269). Assim, nesta mesma linha de raciocínio já afirmei
em julgamentos anteriores que: a) é inconstitucional a limitação da contestação prevista no art. 3.º,
§ 2.º, do Dec.-lei 911/69; b) é inconstitucional e afronta o sistema protetivo do consumidor a
faculdade da venda unilateral, sem leilão, hasta pública ou avaliação do bem alienado, nos termos
previstos no art. 2.º, do Dec.-lei 911/69; c) a petição inicial da ação de busca e apreensão deve
discriminar o valor do débito em atraso, com toda sua evolução, indicando as taxas de correção
monetária, índices aplicados, juros, método de aplicação etc., para possibilitar o exercício do direito
de defesa, sob pena de ser indeferida; d) tratando-se de cobrança de débito derivado de contrato
de abertura de crédito em conta corrente, que, nos termos da Súmula 11 do E. 1.º TACivSP, só é
considerado título executivo, se, além das exigências legais, estiver acompanhado do extrato de
conta-corrente, com muito maior razão, a discriminação e evolução da dívida deve ser a mais
completa possível, quando, ao invés de se executar, ingressa- se com a busca e apreensão liminar
do bem. Por tais razões é que não vislumbro qualquer ofensa ao direito de ação, assegurado pela
Constituição Federal, em se permitir que o devedor, na condição de consumidor, peça a proteção
judiciária eficaz para não ser despojado de máquinas dadas em alienação fiduciária, para garantir
empréstimo bancário, enquanto pender discussão judicial sobre a existência do débito reclamado e
a apuração correta do valor eventualmente devido. Vale a pena destacar recente acórdão da lavra
do Des. Roberto Stucchi, do TJSP, proferido no AgIn 35.593-4/0, assim ementado: “Cautelar
inominada preparatória de ação de anulação de cláusula de contrato de arrendamento mercantil.
Admissibilidade do depósito das prestações corrigidas. Abstenção da prática de atos incompatíveis
com esse deferimento, o que não implica em restrição ao direito subjetivo processual. Possibilidade
de ajuizamento das ações permitidas pelo contrato, observada a prevenção, com submissão
apenas, como ré, ao ditame judicial. Decisão mantida. Recurso não provido.” No referido acórdão
consta lapidar ensinamento que também se amolda à hipótese vertente: “(...) Apenas para afastar
a mácula da nulidade de cláusula contratual, são suspensos, com limitação temporal, meios
compulsórios do adimplemento. Nem por isso a parte estará impedida de propor as ações que lhe
competirem contra a agravada. Não é vedado o acesso ao Judiciário, o que importaria, com
indesculpável ofensa à norma constitucional, em restrição ao direito subjetivo processual. Que
fique claro, está a agravante inibida apenas de prática de atos incompatíveis com o deferimento do
depósito das prestações, não sofrendo limitações senão as decorrentes de sua condição de ré,
podendo ingressar em Juízo, com as demandas que considerar necessárias.” Assim,
considerando-se que os direitos do consumidor inserem-se no rol das garantias constitucionais e
levando-se em conta os direitos básicos do consumidor, previstos no Código de Defesa do
Consumidor, lei de ordem pública, especialmente à luz do art. 83, daquele “Codex”, in verbis: “para
a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies
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A tutela conferida ao devedor, nas circunstâncias especiais do caso concreto
(sempre ele), não configurou impedimento de acesso do credor ao Poder Judiciário.
Ao contrário, o direito de ação do credor e do devedor foram devidamente dosados e
equilibrados pelo tribunal, com a finalidade de se preservarem as garantias
constitucionais de acesso ao Poder Judiciário, mas com a restrição ao exercício
abusivo do direito de ação.
De um lado, a ameaça a direito do devedor foi tutelada. De outro, permitiu-se
ao credor que ajuizasse a demanda que bem entendesse; todavia, sem que pudesse
nela incluir um pedido que, no caso concreto, seria um exercício anômalo do direito
de ação.
Outro exemplo bem comum do dia-a-dia forense é a concessão de sustação
cautelar de protesto. Aparentemente, pois o procedimento é comum, não haveria
restrição a direito de ação do credor. No entanto, a não realização do ato notarial
revela-se medida que previne o abuso do direito do credor, pois impede que ele
ajuize procedimento falimentar:
RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO
DO PROCESSO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. PEDIDO
DE QUEBRA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. "Considerando que os protestos dos títulos são imperativos para o
ajuizamento da ação de falência, a sustação judicial dos protestos em
decorrência de liminar em ação cautelar interrompe o prazo da prescrição,
não se podendo aplicar em tal cenário os paradigmas sobre a prescrição
quando se trate de ajuizamento de ação de execução. Recurso especial não
conhecido." (REsp 674.125/GO, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, DJ de 12/3/2007).
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de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”, reconhece-se como legítima a
utilização da ação de interdito proibitório para obstar a pretensão liminar de busca e apreensão,
quando verossímil e nos termos do art. 6.º, VIII, alegação do devedor de exigência abusiva do
credor garantido por alienação fiduciária. Observe-se, ainda, que nenhum risco ou prejuízo
suportará o credor, pois, já garantido pela alienação fiduciária, no caso, o MM. Juiz ainda
determinou a prestação de caução idônea no prazo de três dias, reforçando-se e adicionando-se a
garantia em prol do credor. Por derradeiro, cumpre observar que a alienação fiduciária foi
introduzida na legislação positiva pela Lei 4.728/65, destinando-se o novel instrumento a ensejar
maiores garantias para difundir-se o crédito direto aos consumidores, para ampliar-se o mercado
consumidor e, desta forma, incrementar a indústria automobilística e dos eletrodomésticos. No
caso dos autos, no entanto, observa-se que os bens alienados fiduciariamente já eram de
propriedade da devedora, não se tratando, portanto, de operação típica ensejadora da aplicação
do instituto, o que autoriza, portanto, interpretação mais elástica dos dispositivos legais que regem
a matéria. 3. Por estas razões, nego provimento ao agravo”.
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2. Impossível, durante o período de sustação do protesto, o pedido de
quebra, porquanto ausente o título autorizador da pretensão.
3. Recurso conhecido e provido.
STJ, 4ª Turma, REsp 251678 / SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA
BARBOSA, DJ 24/9/2007, p. 310.
Nas hipóteses ordinárias de sustação de protesto, o credor ainda pode
executar o título. Entretanto, em se tratando de contrato de câmbio, o protesto é
essencial para que o credor possa se valer da via executiva. Ainda assim, a
jurisprudência também vê a possibilidade de se impedir o ato notarial:
CONTRATO DE CÂMBIO. Protesto. Sustação.
O juiz pode deferir liminar de sustação de protesto de contrato de câmbio,
ainda que necessário para o processo de execução ou para o pedido de
falência, no exercício do seu poder de cautela, aplicado com prudente
arbítrio diante das circunstâncias da causa.
Recurso conhecido mas improvido.
STJ, 4ª Turma, REsp 164535 / RS, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ
de 31/8/1998, p. 98.
Assim, vê-se a possibilidade de se impedir o abuso de direito processual, por
meio do equilíbrio entre a garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário do
credor (que teria um suposto direito já lesado, em razão de inadimplemento) e do
devedor (que teria o direito de evitar que a ameaça359 excessiva do credor se
concretize por meios processuais que, nos casos concretos, revelam-se hipóteses
de abuso de direito).
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359
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“A norma do art. 5.o, XXXV, da CF/1988 ao contrário das normas constitucionais anteriores que
garantiam o direito de ação, afirmou que a lei, além de não poder excluir lesão, está proibida de
excluir ’ameaça de lesão’ da apreciação jurisdicional. O objetivo do art. 5.o, XXXV, neste particular,
foi deixar expresso que o direito de ação deve poder propiciar a tutela inibitória e ter a sua
disposição técnicas processuais capazes de permitir a antecipação da tutela”. MARINONI, Luiz
Guilherme. O Direito de Ação como Direito Fundamental (Conseqüências Teóricas e
Práticas). Revista dos Tribunais. Revista dos Tribunais on line, n. 873, p. 11.
#$)!
Também são preventivas as providências do art. 557, caput (o recurso
manifestamente inadmissível terá seu seguimento negado, liminarmente) e 739, III
(rejeição liminar de embargos manifestamente protelatórios).
A multa do art. 488, II, do CPC também serve como medida preventiva, a fim
de evitar que a ação rescisória seja abusivamente utilizada. Lamentavelmente, no
caso estudado, concedeu-se ao Dibens (ver Capítulo 2) a possibilidade de não
depositá-la.
6.6.2 Medidas Corretivas
Nos termos do art. 125, III, do Código de Processo Civil, compete ao juiz
“prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça”. O juiz, na
qualidade de diretor do processo, tem o dever de ser firme, seguro, imparcial,
prudente, humilde e urbano com as partes e demais atores do processo360 .
Cumpre ao juiz prevenir e reprimir atos contrários à dignidade da justiça361 ,
bem como prezar pelo devido processo legal. Isso significa que, verificado o risco de
que o processo vá tomar um rumo diferente do caminho da lealdade e da boa-fé,
deve o juiz tomar as providências preventivas para que isso não ocorra. Ele pode
advertir a parte que a insistência em determinada conduta será considerada
litigância desleal, por exemplo362.
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360
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado.
10ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 210.
361
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil – Comentado artigo por
artigo. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 174.
362
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO EXTRA
PETITA
E
REFORMATIO
IN
PEJUS
INFUNDADA.
PRETENSÃO
DA
PARTE
AUTORA/EXEQÜENTE DE DESVIRTUAMENTO DA COISA JULGADA, RESSALTADA PELO STJ
NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. ADVERTÊNCIA SOBRE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
INSISTÊNCIA DA PARTE. PENALIZAÇÃO. MULTA. CPC, ARTS. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, 14,
I, II, III, 17, I E II. I. Não padecendo o acórdão turmário dos vícios apontados e restando, uma vez
mais, clara a intenção da parte de desvirtuar o sentido da coisa julgada, fato para o qual o STJ já
chamara a atenção, a insistência dos autores, desta feita mediante a oposição de embargos
declaratórios manifestamente infundados, atrai, além da multa prevista no art. 538, parágrafo
único, do CPC, também a pena de litigância de má-fé, nos termos dos arts. 14, I, II e III, 17, I e II da
mesma lei adjetiva civil. II. Embargos rejeitados. (STJ, 4ª Turma, EDcl no REsp 466690 / SP,
Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ 09/06/2003 p. 275).
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No âmbito desse conceito de repressão, o art. 15, parágrafo único,
recomenda ao juiz que advirta o advogado no uso de expressões inadequadas, sob
pena de ser-lhe cassada a palavra.
O art. 599, II, do CPC determina que o juiz pode, em qualquer momento do
processo, advertir ao executado que seu procedimento constitui ato atentatório à
dignidade da justiça.
A hipótese do art. 129, do CPC, também pode ser enquadrada como medida
corretiva. Trata-se de evitar-se que as partes (aí ambas) abusem do processo.
Nessa hipótese, deve o juiz proferir decisão que obste tais objetivos desconformes
com o devido processo legal.
A remoção do inventariante que não dá andamento regular ao procedimento,
nos moldes do art. 995, II, do CPC, também é maneira de se corrigir o eventual
abuso no processo, dando ao feito o rumo que ele necessita.
6.6.3 Medidas ressarcitórias
Se a prevenção e as providências corretivas não forem capazes de impedir o
abuso de direito no processo, somente restará à parte lesada a alternativa da
reparação de danos.
A vedação ao abuso de direito processual, à conduta desconforme com a
boa-fé e a lealdade, como já se disse, é prevista em normas de ordem pública. Sua
intenção é proteger, em um primeiro momento, as partes litigantes, e em um
segundo, a própria coletividade363, pois resguarda e recomenda um dever geral de
lealdade e boa fé processuais, com respeito tanto ao Estado como à parte contrária.
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363
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Nesse sentido: “Processual Civil. Recurso especial. Ação de cobrança. Enriquecimento sem
causa. Declaratória de ineficácia de quitação de débito. Financiamento para aquisição de ações da
Companhia Petroquímica do Sul - COPESUL. Programa nacional de privatização. Aquisição de
notas de privatização. Procuração outorgada pelos recorrentes ao banco. Inadimplemento
contratual. Comprovação de cumprimento infiel do mandato. Devolução em dobro dos valores
cobrados indevidamente pelo recorrido. Art. 42, parágrafo único, do CDC. Comprovação da má-fé
na cobrança indevida. Impossibilidade de utilização da multa contratual como sucedâneo da
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Os danos a serem reparados podem ser morais, à imagem ou materiais. A
reparação pode dar-se dentro do processo em que tenha ocorrido o evento danoso
ou por meio de ação própria.
Ela pode se dar de diversas formas. Além daquelas hipóteses em que o
próprio lesado, diretamente, propõe a medida cabível, há a possibilidade da sanção
do art. 14, parágrafo único, do CPC, que merece uma atenção especial. A
penalidade é imposta a quem cria embaraços ao cumprimento de ordens judiciais, o
que, evidente, é ato reprovável e que não pode ser tolerado. A contempt of court ali
prevista é peculiar. Em regra, a pena civil aplicada é revertida em favor da parte
atingida pela ofensa364 . Não se nega que o Estado é ofendido porque a autoridade
do magistrado foi desafiada. Logo, faz muito sentido que a pena seja revertida em
seu favor. No entanto, o descumprimento à ordem judicial cria um embaraço do
ponto de vista difuso também, pois o cumprimento a ordens judiciais é de interesse
de toda a sociedade. Nesta medida, a destinação do dinheiro que se arrecadar com
a multa, já que não irá para as partes (autor ou réu), deveria seguir, de lege ferenda,
o disposto no art. 1º, §2º, da Lei 9.008/95. Assim, todos os lesados pela conduta
abusiva, de alguma forma, seriam ressarcidos.
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indenização por litigância de má-fé. Art. 18 do CPC. - Este Tribunal tem o entendimento
consolidado de que a repetição em dobro de valores indevidamente cobrados, com base no
parágrafo único do art. 42 do CDC, somente é devida se for comprovada a má-fé da parte que
realizou essa cobrança. - Comprovada nos autos a má-fé do recorrido, pois o banco descumpriu
disposição contratual expressa e porque, mesmo após o pedido dos recorrentes para a
apresentação do valor pago pelas moedas de privatização para adquirir as ações da COPESUL, a
instituição financeira se recusou a prestar tal conta, deve haver a devolução em dobro dos valores
indevidamente cobrados. - A multa contratual tem natureza jurídica de obrigação acessória e, a
depender da hipótese, pode servir ao mesmo tempo como: i) reforço para o regular e correto
cumprimento da obrigação; ii) predeterminação de um valor máximo ou mínimo das perdas e
danos causados aos lesados pelo inadimplemento da obrigação, se assim estiver pactuado e; iii)
pena pelo inadimplemento da obrigação prevista no contrato, caso esteja estipulada a
possibilidade de indenização suplementar e o valor dos prejuízos dele decorrentes não
ultrapassem o valor da multa. - A indenização por litigância de má-fé tem natureza jurídica
processual, não nasce por meio de negócio jurídico nem pode ser objeto de transação pelas
partes, pois é prevista em norma de ordem pública e protege, em um primeiro momento, as partes
litigantes, e em um segundo, a própria coletividade, pois resguarda e recomenda um dever geral
de lealdade e boa fé processuais, com respeito tanto ao Estado como à parte contrária. Impossibilidade de utilização da indenização por litigância de má-fé como sucedâneo da multa
convencional, pois as penalidades são decorrentes da violação de normas distintas, que visam a
proteção e a eficácia de objetos diferentes, que dizem respeito a relações jurídicas diversas, uma
contratual e outra processual, razão pela qual não há nem mesmo que se falar em dupla
penalidade. Recurso especial provido. Ônus sucumbenciais redistribuídos”. (STJ, 3ª Turma, REsp
1127721 / RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Dje 18/12/2009).
364
ASSIS, Araken. O contempt of court no direito brasileiro. Revista de Processo nº 111, p. 18, in
Revista dos Tribunais on-line
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A reparação do dano advindo do abuso de direito processual não
necessariamente será pecuniária. A hipótese do art. 273, II, do CPC é uma forma de
apenar-se aquele réu que abusou do direito de defesa, deferindo-se ao autor a
liminar que ele pretende.
O art. 14, parágrafo único, do CPC estabelece que, na hipótese do inciso V, o
juiz aplicará multa de vinte por cento sobre o valor da causa ao autor do ato
atentatório ao exercício da jurisdição. Essa multa pode ser cumulada com outras
sanções processuais, civis e penais.
O dano processual previsto no art. 16, do CPC, pode ser apurado nos
mesmos autos, nos moldes do art. 18, §2º, do CPC365. A multa civil de vinte por
cento do valor da causa, fixada no art. 18, §2º366, dispensa procedimento de
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“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL
CIVIL. RECURSO INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO QUE, EM CUMPRIMENTO AO
ESTABELECIDO PELA COLENDA CORTE ESPECIAL, DETERMINA A BAIXA DOS AUTOS AO
TRIBUNAL DE ORIGEM PARA O ADEQUADO CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 543-C,
§ 7º, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. Carece a parte de interesse recursal para
impugnar decisão que, em observância ao fixado pela colenda Corte Especial, determina a baixa
dos autos ao tribunal de origem para o cumprimento, nos moldes estabelecidos pelo código de
processo civil, de fase que antecede o julgamento do recurso especial por esta corte. 2. A multa
prevista no artigo 557, § 2º, do Código de Processo Civil tem caráter eminentemente
administrativo, tendo o fito de punir conduta que ofende a dignidade do tribunal e a função pública
do processo, que sobreleva aos interesses da parte. 3. A sanção elencada no artigo 18, § 2º do
Código de Processo Civil, tem natureza reparatória, tendo por finalidade reparar os danos
ocasionados à parte recorrida, eis que fica privada da efetiva prestação jurisdicional e da eventual
indenização a que faz jus. 4. Possibilidade de cumulação das sanções, em virtude da natureza
nitidamente distinta que ostentam. Agravo Regimental improvido”. (STJ, 4ª Turma, EDcl no REsp
1140326/RS, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Dje 11/5/2010).
366
“ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. PRECATÓRIO.
PARCELAMENTO.
PAGAMENTO
A
MENOR.
PRESCRIÇÃO.
AUSÊNCIA
DE
PREQUESTIONAMENTO DE PRECEITOS FEDERAIS. SÚMULA 282/STF. OFENSA AO ART.
535 DO CPC REPELIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÕES. JURISDIÇÃO PRESTADA. LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ. MULTA. MANUTENÇÃO. 1. Cuida-se o feito de embargos opostos à execução de
remanescente de precatório pago a menor pelo Estado de São Paulo em ação de indenização por
desapropriação indireta. Retratam os autos que houve acordo entre as partes a fim de parcelar o
valor da indenização, tendo sido pago a menor as parcelas de ns. 6 e 7. 2. Não há
prequestionamento dos arts. 2º e 165 do CPC, os quais não foram lançados a debate nem
receberam deliberação na Corte de origem, atraindo o enunciado sumular 282/STF. Os embargos
de declaração manejados pela recorrente não suscitaram as matérias desses dispositivos. 3.
Igualmente não estão prequestionados os arts. 3º e 4º do Decreto 4.597/42, eis que o Tribunal não
decidiu a questão relativa à prescrição com observância desses preceitos normativos, mas sim,
com análise da inexistência de inércia dos ora recorridos e da ausência de culpa pela paralisação
do feito. 4. Não se vislumbra a ocorrência de nenhum dos vícios elencados no art. 535 do CPC a
reclamar a anulação do julgado, pelo que se afasta a preliminar de nulidade. 5. O acórdão recorrido
condenou a Fazenda às penas da litigância de má-fé considerando configurada a hipótese
!
#%#!
liquidação367. Ela somente será necessária quando o dano experimentado pela parte
superar esse percentual368 .
A hipótese do art. 538, parágrafo único, do CPC, é forma de ressarcimento
pelo abuso de direito processual. A sua origem está no art. 14, do CPC369. O mesmo
ocorre com os arts. 557, §2º370, 615-A, §4º, 740, parágrafo único, e 746, §3º. Essas
penas podem ser aplicadas de ofício pelo juízo371 .
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!
disposta no art. 17, incisos IV e V, do Código de Processo Civil, devendo pagar aos exeqüentes
multa no importe de 0,5% (meio por cento) do valor devido. A atitude da Fazenda, ao reconhecer
ser vencedora na demanda e mesmo assim apresentar recurso, importa em declarado ânimo
protelatório, conduta que avilta o dever de probidade estampado no art. 14 do CPC. Manutenção
da multa imposta pelo Tribunal a quo. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
não provido”. (STJ, 2ª Turma, REsp 946767 / SP, Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Dje
26/8/2010).
367
O Superior Tribunal de Justiça dispensa até mesmo o dano para a aplicação da multa do art. 18,
§2º, do CPC: “PROCESSUAL CIVIL. CONDENAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA. JUROS DE MORA.
PERCENTUAL DE 6% AO ANO. LEGALIDADE. PREVISÃO DA MP N. 2.180/01. LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ. REEXAME DE PROVA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. INDENIZAÇÃO. PROVA DO
PREJUÍZO À PARTE CONTRÁRIA. DESNECESSIDADE. 1. Em relação à controvérsia da taxa de
juros, o acórdão encontra-se conforme o entendimento desta Corte, pois sua Terceira Seção, ao
julgar o REsp 1.086.944/SP, Min. Maria Thereza de Assis Moura, Dje de 4.5.2009, sob o regime do
art. 543-C do CPC, assentou o entendimento segundo o qual "os juros de mora nas causas
ajuizadas posteriormente à edição da MP nº 2.180/01, em que for devedora a Fazenda Pública,
devem ser fixados à taxa de 6% ao ano". É o caso dos autos, já que a demanda foi ajuizada em
15.3.2005 (fl. 4). 2. O recorrente insurge-se também contra a ausência de condenação imposta a
título de litigância de má-fé, afirmando não ser imprescindível a comprovação do prejuízo à parte
contrária. 3. Em relação à necessidade de comprovação do prejuízo para a condenação ao
pagamento da indenização à parte recorrida, conforme estabelecido no artigo 18, caput e § 2º, do
Código de Processo Civil. O referido dispositivo legal estabelece que, uma vez configurada a
litigância de má-fé, impõe-se a condenação de multa e indenização dos prejuízos que a parte
contrária sofreu. Em momento algum a lei processual exige que haja prova do prejuízo. 4. Ocorre
no entanto, que a origem assentou seu entendimento com base em duas argumentações: (i)
ausência de prejuízos à parte contrária e (ii) comprovação da verdade dos fatos mediante juntada a
posteriori dos documentos relacionados ao procedimento administrativo (fl. 887). 5. Sendo assim, é
certo que analisar o pedido do recorrente, pela condenação do recorrido em litigância de má-fé,
refoge aos estreitos limites do recurso especial ante a necessidade de análise do conjunto fáticoprobatório dos autos, o que é vedado a esta Corte a teor da Súmula n. 7/STJ. 6. Recurso especial
não provido”. (STJ, 2ª Turma, REsp 872978 / PR, Relator MAURO CAMPBELL MARQUES, Dje
25/10/2010).
368
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 218.
369
Nesse sentido: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, OBSCURIDADE OU
CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. 1.
Inexistindo omissão, obscuridade ou contradição, não há como prosperarem embargos de
declaração que, na realidade, buscam a obtenção de efeitos infringentes. 2. Cabe condenação a
indenização por litigância de má-fé da parte que, nos termos do art. 14, II e III, do Código de
Processo Civil, interpõe embargos declaratórios nos quais intenta induzir o Tribunal a erro quanto
ao que efetivamente restou decidido no acórdão embargado. 3. Embargos declaratórios do Centro
de Medicina Reprodutiva e Fertilidade acolhidos. Embargos declaratórios do Ricardo Teixeira Sertã
acolhidos em parte”. (STJ, 4ª Turma, EDcl no REsp 914329/RJ, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO
DE NORONHA, Dje 1/7/2010).
370
AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
!
#%$!
A multa do art. 475-J, caput, tem natureza controversa na doutrina. A primeira
idea sobre ela372 , levantada especialmente por Cassio Scapinella Bueno373, entende
que a multa prevista no art. 475-J do CPC teria caráter coercitivo. Já Marinoni e
Mitidiero apontam que o caráter dela é punitivo374 .
A posição defendida por Marinoni é a que melhor atende à natureza do
dispositivo. Trata-se de penalidade, nascida do art. 14, do CPC, pelo não
atendimento à ordem judicial.
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IMPUGNAÇÃO. REFORMA DE DECISÃO PROFERIDA NA FASE DE CONHECIMENTO.
TRÂNSITO EM JULGADO. COISA JULGADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MULTA. ARTS. 14, 17 E
557, DO CPC. DECISÃO MONOCRÁTICA. CABIMENTO. RECURSO MANIFESTAMENTE
IMPROCEDENTE. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 557 § 2º, CPC. ARTS. 17 E 18 DO CPC.
INDENIZAÇÃO. 1. É inviável a reforma de decisão já acobertada pelo manto da coisa julgada,
ainda que proferida em desacordo com entendimento superveniente do STJ. 2. A sanção
processual prevista no art. 557, § 2º, do CPC tem raiz nos arts. 14 e 17 do mesmo diploma legal,
que versam sobre litigância de má-fé. Portanto, caracterizada uma das hipóteses previstas no
caput do art. 557 do CPC, autorizado estará, desde logo, o relator a aplicar multa sancionatória e,
consequentemente, condicionar a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do respectivo
valor. 3. Cabe aplicação da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC, na hipótese de agravo
manifestamente improcedente, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao
depósito do respectivo valor. 4. A interposição reiterada de recurso manifestamente improcedente
caracteriza a conduta de litigância de má-fé prevista no art. 17 do CPC. 5. Agravo regimental
desprovido. Aplicação de multa de 10% sobre o valor corrigido da causa e condenação do
agravante por litigância de má-fé. (STJ, 4ª Turma, AgRg no Ag 1127436 / RS, Rel. Ministro JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, Dje 30/11/2009)
371
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
DECRETAÇÃO PELO JUIZ. IMPOSIÇÃO DA INDENIZAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 18, §
2º, DO CPC DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA EFETIVIDADE DO PROCESSO.
RECURSO DESPROVIDO. 1. Não incide as Súmulas 07 e 182 do STJ e 283 e 284 do STF quando
discutir-se apenas matéria de direito e o recurso especial preencher todos os requisitos de
admissibilidade, como na espécie, em que foi apreciado se o art. 18, § 2º, do CPC pode ser
aplicado de ofício pelo juiz; tema este, ademais, que foi objeto de insurgência no especial e
devidamente impugnado pela parte recorrente. 2. A jurisprudência desta Corte Superior se firmou
na vertente de ser permitido ao Juiz decretar de ofício a litigância de má-fé (art. 18 do CPC),
podendo condenar o litigante insidioso a pagar multa e, também, a indenizar a parte contrária pelos
prejuízos causados, uma vez que incumbe ao magistrado dirigir o feito, reprimindo qualquer ato
contrário à dignidade da justiça e à efetividade do processo. 3. Agravo regimental a que se nega
provimento. (STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 303245 / RJ, Relator Ministro VASCO DELLA
GIUSTINA, Dje 26/5/2010)
372
Felipe Feliz da Silveira (Proteção à Probidade e Celeridade Procesual: Análise da Multa Prevista
no art. 475-J, do CPC e da Nova redação do art. 600, IV, do CPC, como novas ferramentas no
combate à má-fé processual. Revista de Processo Civil nº 165, p. 157 in Revista dos Tribunais online), faz um apanhado geral da doutrina sobre este ponto.
373
Variações sobre a multa do art. 475-J, caput, do CPC na redação da Lei 11.232/2005. In: Teresa
Arruda Alvim Wambier (Coord.). Aspectos polêmicos da nova execução 3. São Paulo: RT, 2006, p.
132.
374
“A multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação é punitiva (STJ, 3ª Turma, MC
13.395/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. Em 09.10.2007, DJ 16.10.2007). Não tem finalidade
imediatemente coercitiva, tal como apresenta a multa do art. 461, §4º, do CPC”. (MARINONI, Luiz
Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo, 2ª Ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 465).
!
#%%!
A verba honorária arbitrada no processo, embora seja um custo dirigido ao
perdedor da ação, não é uma forma de reparar o abuso de direito processual. Nem
sempre o advogado vencedor da causa estará ao lado de quem não abusou. O
abuso de direito no processo, a litigância desleal, para ficar na espécie de mais fácil
visualização, pode ser cometido pelo vencedor da demanda.
Além das providências ressarcitórias que podem ser liquidadas e recebidas
no processo em que ocorreram, haverá situações em que o dano poderá ser
pleiteado por meio de ação própria.
O exemplo que se enxerga mais claramente no caso examinado ao longo
desta tese é o mau uso do protesto contra alienação de bens. Caberia procedimento
autônomo para reparar os danos advindos de tal ato evidentemente abusivo.
6.7 O Fim
Os danos advindos do abuso do direito no processo podem ser evitados,
corrigidos a tempo ou ressarcidos. Mas o tempo que o processo permanece na
justiça configura dano irreparável à coletividade. Enquanto a máquina do Judiciário é
movida por quem não busca a justiça, outros procedimentos de quem deseja a
verdadeira jurisdição não podem ser apreciados.
Transportando essa questão para o caso examinado nesta tese, tem-se uma
situação ainda mais grave. O mau uso do processo não só significou tempo
excessivo e esforço desnecessário, inclusive para o Estado, como o abuso foi
destrutivo para os envolvidos. A própria entrega da jurisdição viu-se frustrada.
Como já se viu no segundo capítulo, toda essa longa e complexa relação
processual terminou em um acordo entre as partes.
Aquele que tinha razão (a Bomfim) teve de ceder ante aquele que abusou do
direito de ir a juízo. Mas o que se tem como tese foi confirmado com a transação: o
abuso do direito processual do credor retarda o recebimento do crédito dele próprio.
!
#%&!
O acordo foi firmado em 21 de outubro de 2008, doze anos depois da primeira
ação ajuizada pelo Dibens. Os valores envolvidos na transação, se descontada a
verba honorária375 paga aos advogados de ambas as partes ao longo dos anos, e
considerando-se que os ônibus foram definitivamente transferidos à Bomfim, eram
inferiores ao valor do crédito reconhecido na sentença da ação ordinária revisional.
O Dibens demorou doze anos para receber aquilo que poderia ter embolsado,
se concordasse com os termos daquela sentença, dez anos antes. E, para chegar a
esse ponto, gastou quantias elevadas ao longo dos anos, seja em verbas honorárias
em favor dos procuradores da Bomfim, ou em custas e honorários de seus próprios
advogados.
O acordo não comprova que uma quantidade enorme de ações simultâneas,
com o objetivo de sufocar o devedor, é medida efetiva. Ao contrário, o acordo revela
que, no momento em que o Poder Judiciário toma partido e também passa a ser
agente do abuso, aquele que tem o bom direito acaba tendo que abrir mão dele. A
jurisdição passa a ser um meio para realização do abuso, em vez de ser o último
local onde ele deveria existir. O Judiciário torna-se o pior ambiente para aquele que
tem razão e um campo frutífero para quem carece de bom direito.
O Dibens, conforme visto no primeiro capítulo, tomou medidas bastante
violentas e excessivas. Entretanto, naquele primeiro momento, os árbitros foram
isentos e distribuíram a jurisdição de forma adequada, ainda que não tenham punido
os abusos cometidos pela arrendadora. Após a coisa julgada (Capítulo 2), no
entanto, a situação se agravou. Não pelo abuso da instituição financeira – porque
ordinário –, mas pela conduta de abuso do próprio Estado-juiz.
No final, todos os envolvidos perderam com as condutas abusivas narradas
no caso objeto desta tese:
a)
o devedor, porque teve de ceder, mesmo tendo a coisa julgada a seu
favor;
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
375
!
Embora não se constituam em forma de reparação propriamente dita de abuso de direito
processual, os honorários são uma despesa relevante com a qual aquele que abusou – e
sucumbiu – tem de arcar.
#%’!
b)
o credor, porque recebeu, descontado aquilo que pagou durante os
anos anteriores, um valor inferior ao da sentença da ação revisional,
muitos anos depois de ter-se formado a coisa julgada;
c)
o Estado, pois o Poder Judiciário teve de administrar um litígio que
poderia ter sido resolvido muitos anos antes, não fosse a resistência
injustificada do credor. Mas o Estado, nesse caso em especial,
perdeu também porque um de seus representantes tornou-se
protagonista no abuso de direito processual sofrido pela Bomfim;
d)
a coletividade, dentro de uma visão difusa376, porque uma relação
processual, ainda que individual, mas que se repete e atinge uma
massa de consumidores de crédito, não foi pacificada de forma
adequada pelo Estado, o que somente serve de incentivo àqueles
que abusam do direito de ir a juízo. Do ponto de vista da difusidade,
a enorme quantidade de peleias jurídicas travadas pelas partes
ocupou um espaço na jurisdição que poderia ser de outros litígios,
indeterminados, cujas soluções foram retardadas, pois o Judiciário
estava tratando de uma relação processual que foi muito além da
coisa julgada. Aliás, a coletividade viu-se prejudicada também no
momento em que o respeito à coisa julgada foi colocado de lado
pelo juiz.
Importa informar que, mesmo após a assinatura do acordo, houve ainda a
necessidade de julgar o recurso de apelação interposto pela Bomfim, no que tocava
à multa aplicada pelo juiz, nos autos da ação condenatória. O recurso foi provido
(2007210111). O tribunal afastou a penalidade justificando que:
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
376
!
“Assim, o processo judicial deve promover o equilíbrio das forças sociais, servindo como efetivo
instrumento de justiça social. Esta nova perspectiva implica uma releitura das noções de interesse
de agir e de legitimidade para a causa (art. 3º do CPC), à vista dos interesses coletivos, dos
interesses difusos e dos interesses individuais homogêneos”. (SOUZA, Luiz Sérgio Fernandes de.
Abuso de Direito Processual – Uma teoria pragmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
p. 320).
#%(!
A transação foi homologada para que produzisse os efeitos jurídicos,
prosseguindo-se a presente apelação tão-somente no tocante à multa
imposta com fundamento no parágrafo único do art. 14 do CPC, nos termos
da decisão de fl. 767. - A imputação de multa, quando inadequada,
indevida, ou abusiva, vulgariza o instituto, banalizando-o.
Essa decisão foi proferida em 16 de março de 2010 e marca o fim do litígio,
quatorze anos após seu início.
!
#%)!
!
7 CONCLUSÕES
1. O recebimento de créditos bancários na justiça é lento, muito mais pela
conduta do credor instituição financeira, do que pelos meios de defesa conferidos ao
devedor.
2. O credor instituição financeira deve ter sua conduta processual tida como
presumidamente de má-fé.
3. Haverá Abuso de Direito no Processo toda a vez que, em um caso
concreto, ficar caracterizado o desvio de finalidade da medida ou pedido, aliado ao
exame do contexto em que inserido o pleito, sob as lentes da cláusula geral de boafé, como norma de conduta.
4. As modificações que houve na legislação brasileira, com a justificativa de
que era necessário conferir aos credores instituições financeiras uma proteção
contra os maus pagadores, a fim de que as taxas de juros e o spread bancário
fossem reduzidos, somente serviram, no âmbito do direito material, para tornar
lícitas práticas até então ilegais. No campo do processo civil, concederam aos
credores meios para realização dos créditos mais invasivos da esfera jurídica dos
devedores (a penhora on-line, por exemplo). No entanto, nem o spread ou as taxas
de juros bancárias foram reduzidos.
5. O abuso do direito processual do credor instituição financeira somente tem
sucesso se contar com a colaboração do Poder Judiciário, ao se omitir seja na
punição dos excessos, ou na condição de colaborador no abuso.
6. O sistema constitucional conta com a cláusula geral da boa-fé positivada no
art. 3º, inciso III, da Constituição Federal. Trata-se de regra capaz de vedar o abuso
do direito em qualquer ramo jurídico, inclusive o processual.
7. Não se aceleram as cobranças judiciais com a exclusão de meios de
defesa ou recursos aos devedores. Os processos seriam muito mais velozes se o
controle dos abusos processuais fosse mais efetivo por parte do juiz no despacho
!
#%*!
inicial positivo. Por exemplo, verificada a cobrança excessiva, o juiz poderia intimar o
credor a aditar sua petição inicial, advertindo-o de que a cobrança daquilo que é
ilegal configurará litigância desleal.
8. Deve haver rigor na punição das condutas abusivas no processo, inclusive
para quem seja o credor na relação jurídica.
9. Sempre haverá dano, não necessariamente pecuniário, quando se
caracterizar o abuso de direito processual.
10. Quatro são os lesados quando se verifica o abuso do direito de demandar
pelo credor: o devedor, o credor, o Estado e a sociedade. O devedor, porque terá de
se defender das pretensões do credor, tendo despesas e sofrendo os danos
advindos do mau uso do processo, quase nunca reparados dentro da relação
processual. O credor, porque irá demorar a receber seu crédito muito mais do que
na hipótese de ter ingressado com uma demanda bem adaptada ao sistema jurídico
vigente, além de correr o risco de tornar-se devedor de verbas sucumbenciais e
penas por litigância desleal. O Estado é lesado na medida em que terá de
administrar, por incontáveis anos, um litígio que poderia ter sido resolvido muitos
anos antes. E a sociedade, da ótica de interesses difusos, porque não terá
pacificada uma relação processual, ainda que individual, mas que se repete e atinge
uma massa de consumidores de crédito.
11. O abuso de direito processual é aferível por critérios objetivos, não tendo
importância a vontade da parte que abusou.
12. Há três formas de se tratar o abuso de direito processual: (a) medidas
preventivas – antes que o abuso se configure, mas na hipótese de já haver o risco
dele, pode a parte que sente que será lesada procurar o Poder Judiciário, a fim de
limitar o direito de ação do agente do abuso; (b) medidas corretivas – no decorrer do
processo. Advertências que o juiz pode fazer, correções de curso que o juiz pode
dar, indeferimento de pleitos emulativos; (c) medidas ressarcitórias – aplicação de
sanções por litigância desleal, condenação em verba honorária, isso dentro do
processo em que se configurou o abuso. Fora do processo, é possível ação para
!
#&+!
reparação de dano (por exemplo, protesto contra alienação de bens que gera danos
– ação de rito ordinário a fim de repará-los).
13. O advogado serve como um filtro, a fim de evitar que postulações
abusivas sejam levadas a juízo. Essa função justifica que ele também possa ser
apenado na hipótese de configuração de abuso de direito processual.
14. O princípio do devido processo legal serve como justificativa para vedação
do abuso de direito processual nos sistemas jurídicos do Reino Unido, Austrália e
Estados Unidos da América.
15. A Itália não conta com regras específicas sobre abuso de direito
processual. Somente há regras acerca da conduta dos advogados; todavia, nada
que possa empolgar o operador do direito, visto que não há previsão de penalidades
a eles.
16. A França tem a vedação ao abuso de direito processual desenvolvida na
legislação (“abus du droit d’agir en justice”) e, principalmente, na jurisprudência.
17. Na Bélgica e na Holanda, o conceito de ADP é principalmente
jurisprudencial. Ambos os países o definem como o exercício de um direito cuja
única finalidade é causar dano. A base legal está nos arts. 1.382 e 1.383 do Código
Civil belga e art. 6:162 do Código Civil holandês, disposições que regulam
responsabilidade civil e responsabilidade por dano.
18. Alemanha e Áustria não têm nenhuma previsão específica de proibição do
ADP em suas leis processuais. Entretanto, a maioria das Cortes presume que as
partes devam conduzir-se com boa-fé no processo e, mesmo não havendo uma
positivação do abuso nesses sistemas legais, há uma proibição do ADP como um
princípio legal geral.
19. A Espanha carece de uma definição para o abuso, mas sua vedação
decorre desse artigo 24 da Constituição Espanhola. A regra geral contida no art. 11
da LOPJ (Lei Orgânica Judiciária Espanhola) contém menções de alguns padrões
legais: boa-fé, abuso de direitos e fraude.
!
#&"!
20. A lei portuguesa regula a questão do ADP exaustivamente, definindo: 1) o
tipo de conduta que se caracteriza como de má-fé (art. 456, CPC); 2) estabelece
uma indenização e regula sua gradação (art. 457, CPC); 3) define o conceito de
abuso dos procedimentos (art. 665, CPC) e 4) regula o mecanismo de oposição de
terceiros em relações a procedimentos fraudulentos (art. 778, CPC). Na exposição
de motivos do Código de Processo Civil Português, há a advertência de que a parte
vencedora da demanda pode ser apenada como litigante desleal, se sua conduta
estiver de acordo com o art. 456.
21. O Código de Processo Civil Modelo para Ibero-América prestigia as regras
de boa-fé, moral, lealdade, integridade e fidelidade do processo, excluindo a fraude
processual. O juiz tem poderes para sancionar qualquer tipo de comportamento
contrário a esses princípios, sempre preservando o princípio do contraditório.
22. No Japão, a aplicação do princípio da boa-fé no processo é dividida em
três categorias: (1) proibição de comportamento contraditório: (2) criação imprópria
de contexto processual favorável: e (3) abuso de direito processual. Há quatro
modalidades principais de abuso de direito processual, a saber: 1. Abuso do direito
de objeção; 2. Abuso da petição de adiamento de audiência; 3. Abuso do direito de
apelar; 4. Abuso do direito de ação.
23. A vedação ao Abuso de Direito Processual é limitadora do direito de ação,
por força da aplicação da cláusula do devido processual legal.
24. O bem da vida a ser entregue no processo deve ser alcançado com o
mínimo dispêndio de tempo e energias. A energia em excesso, a “saraivada de
ações”, como visto no caso examinado neste estudo, é sinônimo de abuso de direito
processual e tem efeitos nocivos no que concerne ao tempo para solução da (ou
das) contenda(s).
25. É objetiva a responsabilidade por abuso de direito processual, nela
incluída a litigância desleal.
!
#&#!
26. Advogados, juízes e promotores respondem, pessoalmente, por seus atos
de abuso de direito processual, mas a responsabilidade deles é aferida por meio de
critérios subjetivos, em procedimento próprio (administrativo ou judicial).
!
#&$!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2007.
AMARAL SANTOS, Moacyr. Prova Judiciário no Cível e no Comercial. Volume 1.
São Paulo: Editora Saraiva, 1983.
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Kluwer Law International, 1999.
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______. Informação e documentação: referências: elaboração: NBR 6023. Rio
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AZEVEDO, Álvaro Villaça. Proposta de Classificação da Responsabilidade
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