Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Acompanhamento social individualizado das famílias Da responsabilidade parental à intergeracionalidade - O Caso do Projeto “O Trilho” Tese de Dissertação de Mestrado em Serviço Social Helena Isabel Ferreira Morgado Martins Professora Doutora Hermínia Gonçalves Vila Real, 2013 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Acompanhamento social individualizado das famílias Da responsabilidade parental à intergeracionalidade - O Caso do Projeto “O Trilho” Tese de Dissertação de Mestrado em Serviço Social Helena Isabel Ferreira Morgado Martins Professora Doutora Hermínia Gonçalves Vila Real, 2013 “Cada Instituição é uma casa de ‘faz de conta’, é uma família de ‘faz de conta’, para crianças e adolescentes que continuam a sentir um profundo vazio de uma casa de ‘verdade’ com uma família de ‘verdade’, como têm os outros meninos e meninas”. Isabel Marques Alberto I Agradecimentos Gostaria de agradecer em primeiro lugar à Exma. Doutora Hermínia Gonçalves pelo desafio aceite, que entre mudança de temas e timings mal cumpridos cumpriu com a expetativa do seu rigor e profissionalismo, compreensão e motivação. Foi um gosto trabalhar consigo em todo o meu percurso académico. Não poderia deixar de agradecer à Associação de Solidariedade Social Via Nova, pela oportunidade, embora de forma coincidente, que proporcionou para o desenvolvimento da presente investigação. Obrigada aos representantes, Presidente Joaquim Alves Basílio e ao Diretor Técnico Carlos Bento e a Coordenadora do Projeto “O Trilho” Dr.ª Ana Henriques. Gostaria de reconhecer a importância das crianças e jovens institucionalizados na Associação Via Nova, bem como as respetivas famílias e cuidadores com quem tive o gosto de trabalhar. Com eles tive o prazer de partilhar o meu dia-a-dia, experiências e saberes, de aprender e crescer, contribuindo assim para o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Agradeço, ainda, a todos os colegas de trabalho que de diversas formas fizeram parte deste trajeto, principalmente aqueles que sempre me apoiaram e me elogiaram quando eu estava certa, que me corrigiram quando eu estava errada e que nos complementamos no trabalho em equipa. Termino com um especial agradecimento a minha família, namorado e amigos que me deram apoio emocional e suporte afetivo para superar mais uma etapa. O pouco tempo que possui para eles nos últimos meses foi imprescindível para a concretização de mais um projeto académico. II Resumo: A presente investigação surgiu no âmbito do mestrado em Serviço Social e inseriu-se na área da intervenção em contexto de risco, nomeadamente no acompanhamento social com famílias multiproblemáticas, de acordo com a inserção laboral da aluna. A temática escolhida, “Acompanhamento social individualizado das famílias: da responsabilização parental á intergeracionalidade – O caso do Projeto “O Trilho”, surgiu face à preocupação de realizar um acompanhamento eficaz às famílias envolvidas no processo de retirada das crianças e jovens. Pretende-se, então, compreender e explicitar o acompanhamento social realizado na investigação, com vista a explorar as estratégias de intervenção que reforcem as hipóteses de intergeracionalidade e de responsabilização pela função parental, bem como compreender o acompanhamento social partindo da abordagem etnográfica, que permitirá explicitar o método de intervenção, isto é, o que fazem os profissionais de Serviço Social no âmbito desse acompanhamento? Como trabalham o acompanhamento após a retirada do menor? Como envolvem a família após a institucionalização? Palavras-chave: Acompanhamento social individualizado, intergeracionalidade, responsabilidade parental e famílias multiproblemáticas Abstract: This research appeared in the Masters in Social Work and inserted into the area of intervention in the context of risk, in particular in keeping with social multi troubled families, according to the labor insertion of the student. The chosen theme , " Monitoring individualized social families : parental accountability will intergenerationality - The case of the Project “The Trail” appeared in the face of concerns about conducting effective monitoring to families involved in the removal of children and youth . It is intended, therefore, to understand and explain social monitoring conducted research in order to explore intervention strategies that enhance the chances of intergenerational accountability and the role of parents as well as understanding social monitoring based on the ethnographic approach , which will allow explain the method of intervention, what do Social Service professionals within this monitoring? As follow up work after removing the smallest? How to involve the family after institutionalization? Keywords: Monitoring individualized social, intergenerational, parental responsibility and multi troubled families. Índice Agradecimentos……………………………………………………………………………. I Resumo…………………………………………………………………………………… II Abstract……………………………………………………………………………………. II Índice de Tabelas………………………………………………………………………… III Índice de Gráficos………………………………………………………………………… IV Introdução………………………………………………………………………………… V Capítulo 1: O risco e a sua multidimensionalidade 1.1.Um olhar sobre o risco………………………………………………………………… 2 1.2.Risco na infância e a Justiça de Menores……………………………………………… 4 1.3.Cronograma do risco em Portugal………………………………………………..…… 8 1.4. Os vários tipos de violência……………………………………………………...…… 10 Capítulo 2: Famílias multiproblemáticas/multiassistidas 2.1. Definição, especificidades e alterações na família……………………………………. 18 2.2. Designações de famílias multiproblemáticas…………………………………………. 22 2.3. Famílias multiproblemáticas: do conceito em desenvolvimento à pratica profissional. 25 2.4. Subsistema parental…………………………………………………………………… 29 2.5. Funcionamento familiar………………………………………………………………. 32 2.5.1. Comunicação……………………………………………………………………..… 32 2.5.2. Organização familiar……………………………………………………………..… 35 2.5.3. História e ciclo de vida……………………………………………………………… 35 2.5.4. Economia…………………………………………………………………………… 37 2.5.5. Redes sociais……………………………………………………………………..… 38 2.5.6. Função Parental…………………………………………………………………...… 39 Capítulo 3: Papel do Estado na intervenção em contexto de risco 3.1. Entender as mudanças……………………………………………………………… 44 3.2. Evolução da justiça em Portugal…………………………………………………… 47 Capítulo 4: A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco 4.1. Acompanhamento social individualizado………………………………………….. 56 4.2. Principais teorias de suporte á ação dos técnicos………………………………….. 63 4.2.1. Perspetiva Comportamental……………………………………………………… 64 4.2.2. Perspetiva Ecológica……………………………………………………………... 65 4.2.3. Teoria da Vinculação…………………………………………………….………. 66 4.3. O papel do Técnico Superior de Serviço Social no acompanhamento social 68 individualizado das famílias multiproblemáticas……………………………………….. Capítulo 5: Justificação da metodologia e apresentação de resultados 5.1. Metodologia de Investigação…………………………………………..……………. 78 5.2. Interpretação dos resultados………………………………………………..………... 84 5.2.1. Com base na metodologia qualitativa……………………………………...……..... 84 5.2.2. Com base na metodologia quantitativa………………………………..….………... 106 Reflexões Finais……………………………………………………………..…………… 114 Bibliografia……………………………………………………………………………..… 126 Anexos Anexo A – Histórias de Vida………………………………………..…………………… 138 Anexo B – Análise da Rede Social Pessoal………………………………………………. 142 Anexo C – Plano de Intervenção Individual……………………………………………… 148 Anexo D – Plano de Intervenção Familiar……………………………………………….. 154 Anexo E – Análise Perfil-Tipo…………………………………………………………… 160 Anexo F – Relatórios de visitas domiciliárias e outros …………….…………………. 180 Índice de Tabelas III Tabela 1: Síntese de classificação do risco infantil…………………………………... 13 Tabela 2: Designações de família utilizadas na literatura……………………………. 24 Tabela 3: Sessão de intervenção com o tema “comunicação”……………………….. 34 Tabela 4: Guião de Intervenção……………………………………………………… 34 Tabela 5: Evolução legislativa em Portugal………………………………………….. 50 Tabela 6: Marcos de referência do ciclo de vida familiar……………………………. 59 Tabela 7: Estilos de avós……………………………………………………………... 61 Tabela 8: A intergeracionalidade nos princípios de intervenção…………………... 62 Tabela 9: Competências na Intervenção com famílias multiproblemáticas………….. 73 Tabela 10: Objetivos da investigação……………………………………………….. 83 Tabela 11: Etapas do Plano de Ação Individual…………………………………….. 102 Tabela 12: Grau de parentesco……………………………………………………… 107 Índice de Gráficos IV Gráfico 1: Distribuição por faixa etária dos pais/cuidadores ……...…………………...... 107 Gráfico 2: Distribuição por habilitações académicas dos pais/cuidadores…...………...... 108 Gráfico 3: Distribuição por ocupação dos pais/cuidadores…………………………......... 108 Gráfico 4: Pais/cuidadores beneficiários de RSI e pertencentes a uma família 109 monoparental…………………………………………………..…………………………. Gráfico 5: Número de problemáticas em que as crianças/jovens se encontram 110 envolvidos………………………………………………………………………………… Gráfico 6: Possíveis problemáticas a trabalhar…………………………………………... 110 Introdução V A presente investigação surgiu no âmbito do mestrado em Serviço Social e inseriu-se na área da intervenção em contexto de risco, nomeadamente no acompanhamento social com famílias multiproblemáticas, de acordo com a inserção laboral da aluna. A temática escolhida, “Acompanhamento social individualizado das famílias: da responsabilização parental à intergeracionalidade – O caso do Projeto “O Trilho”, surgiu face à preocupação de realizar um acompanhamento eficaz às famílias e cuidadores envolvidos no processo de retirada das crianças e jovens institucionalizados na Associação Via Nova. Pretende-se, então, compreender e explicitar o acompanhamento social realizado na investigação, com vista a explorar as estratégias de intervenção que reforcem as hipóteses de intergeracionalidade e de responsabilização pela função parental, bem como compreender o acompanhamento social partindo da abordagem etnográfica1, que permitirá explicitar o método de intervenção, isto é, o que fazem os profissionais de Serviço Social no âmbito desse acompanhamento? Como trabalham o acompanhamento após a retirada da criança/jovem? Como envolvem a família após a institucionalização? Como envolvem a família nas questões de familiaridade e apoio junto do criança/jovem? Como trabalham competências com vista à responsabilidade parental? Em que consiste o processo de acompanhamento? Onde começa e termina a função da família? Onde começa e termina a função do Estado ou das redes formais? Neste sentido a presente investigação constitui-se numa ferramenta operante, transformadora e construtiva de realidade (Martins, 2004) e, no seu percurso visa desenvolver novos entendimentos sobre o acompanhamento social às famílias multiproblemáticas, reorganizado na linha de Umberto Eco (1993) o sistema de ação e as sistematizações anteriormente produzidas sobre o campo de ação do risco. O objetivo estratégico desta investigação de Mestrado em Serviço Social passa por melhorar a ação enquadrando-se assim na perspetiva metodológica da Investigação-Acção2, conduzida com o objetivo principal de compreender os limites da intergeracionalidade em famílias multiproblemáticas, apresentando um modelo de acompanhamento social que potencia as capacidades da família e por inerência reforce as possibilidades de práticas intergeracionais. O objeto de investigação-ação são as crianças/jovens institucionalizados e as respetivas famílias/cuidadores tirando partido da inserção da investigadora no campo da ação. 1 Forma de investigação através da recolha de dados com a preocupação de compreender a racionalidade/irracionalidade do outro, o outro cultural, o outro submisso, o outro iletrado, o outro não ocidental (Shweder, 1997) 2 Como o próprio nome indica, a Investigação-Acção é uma metodologia que tem um objetivo duplo, de ação e investigação, no sentido de obter resultados em ambos os conceitos: Ação – no sentido de obter mudança numa comunidade ou organização ou programa; Investigação – para aumentar a compreensão por parte do investigador, do cliente e da comunidade (Dick, 2000). VI A investigação centra-se nos casos acompanhados pela Associação de Solidariedade Social Via Nova, um Lar de Infância e Juventude (LIJ) locado em Vila Real, entidade promotora do Projeto “O Trilho”3. O referido projeto foi financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e esta a ser implementado pelo LIJ Via Nova, com a área de intervenção privilegiada a zona de inserção do LIJ, o distrito de Vila Real. O projeto focaliza-se na intervenção da Associação Via Nova na população alvo já identificada, cingindo-se às inúmeras particularidades que o know-how adquirido ao longo dos anos indica como a área de necessidades. O problema identificado no âmbito do Projeto foi a escassez de acompanhamento das famílias/cuidadores das crianças e jovens após a institucionalização das mesmas, ampliando a complexidade de delinear para as crianças e jovens, como projeto de vida, o retorno á família, sendo que estas nunca chegam a reunir condições para o efeito. A intervenção no Projeto “O Trilho” circunscreve-se à preocupação de eliminar a perspetiva assistencialista no cuidado a prestar às crianças e jovens e às respetivas famílias/cuidadores. Apelando, desta forma, à participação e responsabilização do progenitor na mudança, teoricamente é esperado alcançar resultados francamente mais vantajosos. A mudança de paradigma assistencialista para o paradigma vincular exige um novo manejo e uma nova leitura de tudo o que propicia à criança/jovem uma perspetiva relacional Loureiro (2011). A problemática envolvente das crianças/jovens institucionalizadas face à diversidade de condições vividas pelas crianças e jovens maltratados e das soluções tentadas para os seus problemas, as opções de estudo de caso, com vista a individualização do acompanhamento, impõem que (Martins, 2004): Em nome do superior interesse das crianças/jovens, das suas necessidades de proteção e bem-estar, vêem-se obrigadas a deixar as suas habitações e famílias, os seus amigos, bem 3 O projeto possui como principais atividades a promoção e a capacitação das famílias/cuidadores em contexto habitacional, a organização de workshops de formação parental, bem como, Programas Estruturados de Formação Parental, promoção do convívio saudável entre o núcleo familiar, promoção da autonomização das crianças/jovens em especial as que não se verificar viável o regresso à família e promover dinâmicas de grupo. Os objetivos do Projeto são: Estimular os vínculos familiares de crianças e jovens; Facultar apoio às famílias das crianças institucionalizadas, no sentido de trabalhar o retorno à família; Trabalhar as principais dificuldades das famílias, que têm levado ao rompimento dos vínculos ou ao afastamento temporário da criança/jovem do ambiente familiar; Construir um espaço de discussão das situações de emergência nas relações criança/jovem e família/cuidador, dentro do universo institucional, subsidiando tecnicamente as ações; Possibilitar o alívio de ansiedades e “culpas”, que se apresentam na família das crianças que se encontram institucionalizadas; Formação Parental nas áreas previamente identificadas como menos fortes das famílias; Formações teórico-práticas de temas atuais no grupo de crianças e jovens acolhidos (agressividade, violência, sexualidade, limites, regras, respeito, drogas, relações familiares, entre outros); Abranger o maior número de beneficiários do projeto, tentando colmatar áreas atualmente a descoberto na intervenção, como sendo a prevenção; “Dar voz” aos principais beneficiários, operacionalizando a intervenção nas reais necessidades sentidas, e não percecionadas; Fomentar a participação ativa na recuperação do ser; Encarar, na perspetiva de mudança a integração em LIJ, não como um fim, mas sim como um princípio; Eliminar o handicap. VII como espaços conhecidos e seguros; Passam pela discrepância entre o afeto e o cuidado parental, e as suas famílias não unem a casa e o lar, são enviadas para LIJ que não são as suas casas e onde não encontram as suas famílias; Os progenitores/cuidadores, que nem sempre realizaram da melhor forma a sua função parental, são, ainda desta forma, reconhecidos pelas crianças e jovens como os seus pais, regularmente investidos pelo sentimento de filiação proveniente da sua identidade pessoal, da sua história de vida, do seu nome e da sua pessoa. Os mesmos que violaram as suas expetativas confundindo, na pessoa e no gesto, afeto e agressão, cuidado e negligência, proteção e perigo; O método de intervenção pública e de disposição extrafamiliar das crianças vitimadas pela família, na maioria das vezes é vivido em conflito emocional intenso. Enquanto o Assistente Social aborda os problemas de tal densidade intra e interpessoal, certamente gerados em contextos socioculturais críticos, surpreende a relativa falta de afetos, a agressão, a negligência e o perigo, mas a intervenção social formal, no estudo e acompanhamento destes públicos, que parecem extremamente necessária, nem sempre dá a prioridade à ação orientada para a mudança e capacitação, tendo em vista o regresso da criança a casa. O fundamental do trabalho efetuado assenta, por isso, na mobilização do saber possível, levantado na ação exploratória, remetida pelas boas vontades, dedicação e esforço consagrados à causa destas crianças. Sem reconhecimento social, de algum modo refletindo a minimização de que elas são objeto, aos técnicos de intervenção parece ter sido entregue um sistema por pensar, um agrupado de recursos mais ou menos dispersos, como se as respostas sociais a estes problemas decorressem necessariamente a solução da complexidade dos problemas de natureza subjetiva e intersubjetiva, psicológica e relacional. Os Técnicos Superiores de Serviço Social (TSSS) são agentes sociais mediadores e, de algum modo, criadores e gestores da veracidade cuja complexidade intercalada pelo cruzamento e sobreposição do psicológico e do social, do familiar e do institucional, das políticas e das práticas, do direito e dos factos, dos adultos e das crianças, do afeto e da razão dificultara a primeira aproximação e a focalização do olhar. Em síntese, é objetivo de investigação-ação desta investigação na área de intervenção com os as crianças e jovens e respetivas famílias, explicitar os atos, as razões, as condições, as VIII representações, os obstáculos e as soluções, os contextos de vida e desenvolvimento, bem como as trajetórias existentes destas famílias, as suas vivências e qualidade de vida, que constituem o núcleo desta investigação. Refletem-se as práticas profissionais à luz do estudo de caso do Projeto “O Trilho”, centrando a análise nas práticas do acompanhamento social para compreender as ligações com a responsabilização parental e com a intergeracionalidade. Recorre-se ao método etnográfico e à investigação-ação, suportados numa extensa investigação qualitativa, e esporadicamente à investigação quantitativa, usando para isso a análise e recolha de dados e o uso de instrumentos estatísticos. Quanto à estrutura da tese, a mesma divide-se em cinco capítulos, sendo o primeiro designado de O risco e a sua multidimensionalidade onde é apresentado um olhar sobre o risco, enquadrando o risco na infância e na justiça de menores, apresentando um cronograma do risco em Portugal, e por último fazendo referência aos vários tipos de violência. No segundo capítulo Famílias multiproblemáticas/multiassistidas é feita uma abordagem à definição, especificidades e alterações que ocorrem no conceito de família, inserindo de seguida as famílias multiproblemáticas e o desenvolvimento deste conceito, são ainda abordados os subsistemas parentais e o funcionamento familiar, nomeadamente, a comunicação, organização familiar, história e ciclo familiar, economia, redes sociais e a função parental. O capítulo três Papel do Estado na intervenção em contexto de risco remete-nos para o posicionamento do Estado Social face as problemáticas abordadas, entendendo as mudanças, bem como a evolução da Justiça em Portugal. O capítulo quatro A intervenção do Profissional de Serviço Social em contexto de risco explana o conceito, definição e especificidades do acompanhamento social individualizado com uma referência à intergeracionalidade, são situadas algumas das principais teorias de suporte à ação dos técnicos dando maior ênfase a perspetiva comportamental, ecológica e a teoria da vinculação, por último aborda o papel do técnico n acompanhamento com famílias multiproblemáticas. O quinto e último capítulo compõe-se na análise dos resultados onde reportará a resposta para as perguntas de partida. Capítulo 1 O risco e a sua multidimensionalidade Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade 1.1. Um olhar sobre o risco Desde o nascimento à idade adulta a nossa evolução é determinada por diferentes fases de socialização4, inicialmente temos a fase do nascimento, seguindo-se o momento da amamentação, onde, num só gesto se constrói o conforto do proteger e alimentar. Nos anos seguintes constrói-se o que na psicologia se denomina por vínculo mais primário, aquele que é criado através dos cheiros, do toque e dos primeiros momentos de comunicação que são realizados entre elementos mais chegados da família. Segundo vários autores, entre os quais Berger, K. & Thompson, R. (1997) e Oliveira (2011) são estes tempos os mais determinantes para a formação comportamental e intelectual da criança e que se irá manifestar na idade adulta. Numa primeira fase dá-se a integração na primeira ‘instituição’ conhecida, a primeira que tem regras e a que será mais estruturante para a vida: a família. Na família não existem regras escritas, mas há aprendizagens por aproximação ao outro. Numa segunda fase, após a integração na família, ocorre a integração escolar, que possui um papel importante na aprendizagem que a criança faz de uma organização onde as regras são iguais para indivíduos de diferentes agrupamentos familiares. Em último lugar, a integração no mercado de trabalho surge como a última fase determinante para a realização social. Nesta fase a criança já cresceu e desenvolveu competências necessárias para conseguir desempenhar uma multiplicidade de papéis dentro da sociedade, é o profissional com um intelecto amplificado para se poder tornar um elemento produtivo, é um adulto que consegue estar como o outro tolerando-o porque o percebe nas suas necessidades mais elementares e, em último lugar, é alguém que consegue estar só porque se conhece e compreende como elemento único que é, sempre com a consciência do coletivo. Estas fases expõem o desenvolvimento dito ‘normal’ do ser humano, onde o não cumprimento numa etapa inicial pode causar a rotura da ‘normalidade’ e despelar uma vida de insucesso a todos os níveis, tais como, escolar, profissional, familiar, dependendo muito do tipo da rotura e da altura em que acontece a mesma. No fundo, os conceitos de felicidade, individualidade, transformação, sociedade, sucesso, entre outras, vieram dar sentido à nossa existência. O que procuramos é o nosso espaço e a felicidade. E assim se formam diferentes realidades que existem na sociedade 4 Desde o momento do nascimento que o ser humano passa por diversas etapas de desenvolvimento até atingir o topo do seu crescimento, ou seja, tornar-se um adulto, autónomo e participante ativo no desenvolvimento da sociedade onde se encontra inserido. Na atualidade considera-se o adulto como um cidadão com plenos direitos e alguns poderes para se tornar um elemento participante em tudo o que lhe diz respeito a ele e ao ambiente onde está inserido (Oliveira, 2011). 2 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade em que habitamos, e ganha corpo a reflexão sobre a felicidade e o bem estar por não ser uma condição atingida por todos de igual modo. A resposta para isso reporta-nos para os vários tipos de família e fases de desenvolvimento, pois, não passamos todos pelas mesmas fases e em alguns grupos familiares existem roturas e marcos profundos nos períodos de desenvolvimento do ser humano. Como por exemplo uma criança que é abandonada ou maltratada logo à nascença não terá o mesmo progresso de uma criança que realiza a primeira fase de socialização numa família em harmonia. O lapso que existe nesta aprendizagem dos afetos, faz com que o vínculo seja formado através dos medos constantes por a criança se relacionar com um adulto que não consegue cuidar dela e que na maioria das vezes é maltratada. Ajuriaguerra & Marcelli (1991) defendem que a criança é um ser em constante crescimento, desenvolvimento e mudança. Esta mudança sendo necessária e útil, implica sempre um risco, pois contempla, inevitavelmente, períodos de incerteza e fragilidades, que será tanto maior quanto maior quanto mais forem múltiplos os parâmetros que regulam ou desregulam essa mudança (Reis, 2009). Então, a família enquanto microestrutura torna-se a base da sociedade e tem como função primordial a criação e a educação dos filhos, elemento indispensável de uma felicidade própria mas igualmente uma garantia da conservação da coesão social (Ariés, 1973). “Sarmento (1999) fala ainda na emergência de um novo conjunto de imagens que configuram a criança como cidadão, sujeito de participação ativa, uma representação cuja substância envolve uma verdadeira transformação sociocultural que promova a inclusão social plena de todas as crianças, a evolução para instituições que garantam a defesa do seu superior interesse, e a aceitação da sua opinião, como forma de participação no espaço que habitam e ajudam a construir” (Martins, 2005: 5). Esta reflexão remete-nos para a noção de risco, que na infância é frequentemente referida, apesar de muitas vezes não ser bem clara, tanto no que se refere à sua origem, como aos seus conteúdos e contornos. Hoje em dia, a noção de risco na infância é abordada com frequência, apesar de não ser clara, tanto no que se refere à sua origem, como ao seu conteúdo e contornos. 3 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade O conceito de risco teve a sua origem no contexto médico, mas progressivamente tem-se vindo a impor similarmente noutros domínios sobretudo no social, psicológico, jurídico, entre outros, consagrando uma visão cada vez mais ampla dos problemas que afetam as crianças e a infância e convertendo-se no que Casas (1998) designa como uma noção ‘multiusos’ (Reis, 2009). Ainda segundo Casas (1998) o risco deve ser entendido como uma circunstância social, interativa e dinâmica. 1.2. Risco na infância e a Justiça de Menores O crescente interesse pelo conceito de risco, está aliado a uma preocupação crescente com a intervenção primária, ou seja, uma preocupação com a prevenção. Prevenção percebida como uma tentativa de evitar o começo ou fortalecimento de problemas que estão na origem do risco, e frequentemente ocorre na família. Contudo existe uma evolução histórica sobre a conceção da infância e correspondentemente sobre o risco, que culmina, no século XX, no reconhecimento da criança e jovem como ser social com direitos. Na Antiguidade, as crianças, por norma, eram vistas como indefesas e incapazes de dirigir os seus próprios afetos. Segundo Magalhães (2002), a prática do infanticídio era frequente, por considerações que se agarravam às crenças religiosas, onde era envolvido o sacrifício de crianças, servindo ainda para suprimir filhos bastardos, recém-nascidos prematuros ou com má formações, ou igualmente como uma forma de controlo da natalidade. Na Época Medieval, não existia a consciência de infância, ou seja não se distinguia a criança do adulto, sendo que, assim que a criança pudesse viver sem a constante solicitação da sua mãe, ama ou ‘embaladora de berço’, passava a pertencer à sociedade dos adultos (Borstelmann, 1983). Ainda segundo Ariés (1997) o adulto via a criança como um pequeno homem ou, melhor, um homem ainda pequeno que depressa teria a obrigação de vir a ser um homem completo. O único local onde era permitido à criança conservar a sua fragilidade era nos mosteiros, onde eram entregues de modo a serem educadas, com a devida atenção e preocupação (Reis, 2009). É na altura do Renascimento que ocorrem alterações significativas na relação dos adultos com as crianças. Após o nascimento os bebés eram transferidos para ‘amas-de- 4 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade leite’, regressando após o desmame, para que, por volta dos sete anos, fossem enviadas para salas de aula (Sá, 1999). No decurso do Renascimento, a criança passa a apresentar um vestuário adequado para a sua idade, o que durante excessivo período não sucedeu, tendo apenas uma tira de pano e faixas que eram envolvidas à volta do seu corpo, imobilizando-a completamente (Ariés, 1997). Quando ocorria a libertação das faixas, a criança era vestida como um adulto. Nas classes pobres vestiam-se roupas usadas, trapos, enquanto nas classes ricas usavam-se roupas de adulto feitas à sua medida. Tanto nas classes pobres como nas mais abastadas ‘mimavam-se’ as crianças, e brincava-se com elas, implicando uma sensação de ternura, por parte de quem o praticava (Reis, 2009). O século XVIII é delimitado pela imutabilidade do sentimento de ternura. No entanto, as crianças enquanto alunos, não possuíam tempo para si e para brincar, eram apenas um pretexto para lições de gramática ou de moral. É neste século que é criada a ‘Roda’ existente em misericórdias, igrejas e outras instituições, onde se expunham as crianças abandonadas, sendo que muitas delas acabavam por morrer (Canha, 2000 in Reis, 2009). É no século XIX que surge a atenção pela proteção infantil, consequência da Revolução Industrial, ainda que também tenha sido ela a responsável pela exploração do trabalho na criança (Magalhães, 2002). Por esta altura, os pais oscilavam entre as agressões físicas e o excesso de mimos e, deste modo, tanto as crianças açoitadas como as mimadas eram as que predominavam. Os estudiosos da infância descobriram, neste século, que as ameaças e as punições corporais eram inúteis, ensinando, então a seguir o que a natureza infantil indicava, não a contrariando. É desta forma que se assegura a saída da criança do anonimato e da indiferença dos tempos passados para se tornar na criatura mais preciosa, mais rica de promessas de futuro (Ariés, 1997). O século XX marca terminantemente a viragem de paradigma relativamente à criança. No início deste século, verifica-se um ‘baby-boom’, simultâneo com os dois pósguerras, introduzindo grandes alterações nas famílias. No entanto, na segunda metade deste século, a natalidade começa a decrescer (Reis, 2009). Contudo, em ambos os casos, havia uma finalidade comum, era adquirir uma família feliz e fomentar o bem-estar futuro dos filhos (Ariés, 1997). 5 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade Só em meados do século XX é que se começa a perceber a “(…) criança como um ser social, integrante e parte preciosa da sociedade” (Canha, 2000: 22). Pois, foi neste século que as crianças viram os seus direitos assinalados, com a aprovação da Assembleia Geral das Nações Unidas, a 20 de Novembro de 1959 da Declaração dos Direitos da Criança, e em 1989 da Convenção dos Direitos da Criança, ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990. Nesta Convenção ficaram acordados cinquenta e quatro Artigos, que se referem aos direitos e proteções a que as crianças têm direito, e que dizem respeito a situações tão diversificadas como a não discriminação de qualquer criança, independentemente do sexo, raça, cor, cultura ou religião (Artigo 2.º), o interesse superior da criança (Artigo 3.º), o direito à vida, sobrevivência e desenvolvimento, ao nome e nacionalidade, proteção da identidade, e direito a não ser separada dos pais (Artigos 6.º, 7.º, 8.º e 9.º, respetivamente), direito à sua opinião e à liberdade de expressão (Artigos 12.º e 13.º), direito ao acesso à informação (Artigo 17.º), proteção contra maus tratos e negligência (Artigo 19.º), direito a proteção enquanto privada do seu meio familiar, e direito à adoção (Artigos 20.º e 21.º), proteção e cuidados especiais a crianças refugiadas e deficientes (Artigos 22.º e 23.º), direito à saúde e serviços médicos (Artigo 24.º), direito à educação (Artigo 28.º), direito a lazer, atividades recreativas e culturais (Artigo 31.º), proteção contra o trabalho infantil, e contra o consumo e o tráfico de drogas (Artigos 32.º e 33.º), proteção contra a violência e a exploração sexual (Artigo 34.º), proteção contra a venda, o tráfico ou o rapto de crianças (Artigo 35.º), proteção contra tortura e privação de liberdade (Artigo 37.º), proteção contra participação em conflitos armados (Artigo 38.º), entre muitos outros (UNICEF, 2004). Felizmente, nos nossos dias, apesar de tudo, existe cada vez mais, uma consciência do valor das nossas crianças. Esta é, de facto, uma época onde se averigua grande interesse, curiosidade e importância pelas crianças, sendo possível identificar preocupações a nível psicológico e emocional, procurando-se acompanhar crianças vítimas de discriminações, de maus tratos, com necessidades educativas especiais, portadoras de deficiência, sobredotadas, institucionalizadas, entre outras. Contudo, a existência de necessidade desse acompanhamento, verifica-se, pois, ainda há quem trate as crianças de uma forma menos positiva. Torna-se assim exequível perceber que, por mais que as sociedades evoluam, haverá permanentemente quem considere que, de facto, “o melhor do mundo são as 6 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade crianças” (Fernando Pessoa, s.d.), mas haverá sempre, também, quem pareça fazer disso uma utopia. Segundo Alberto (2004: 29-30), “(…) há uma evolução histórica na atitude face à criança. Esta evolução processa-se de uma imagem da criança enquanto propriedade do adulto, para uma perspetiva que realça as características específicas desta fase de desenvolvimento. Esta evolução continua a permitir, contudo, situações de abuso de crianças, e as estruturas socioculturais atuais ainda suportam várias formas de maltrato infantil, aceitando-as como modos de educação e da interação adulto-criança”. Realizando agora uma sinopse das noções sobre a conceção da infância, num primeiro momento, até ao século XV, o conceito de criança não existia, num segundo momento, no século XVIII, ocorre uma maior aproximação aos pais e ao novo tipo de relações pais-filhos, porém a criança era vista como um ser inferior, num terceiro momento, no século XIX, há aquisição de uma maior consciência sobre a especificidade da criança e um reconhecimento da importância da relação mãe-bebe, num quarto e último momento, século XX, surge a tomada de consciência da amamentação materna e do sentimento maternal, existindo assim a valorização da maternidade, como ainda, a criança enquanto cidadão com direitos. A violência conduzida contra as crianças, em particular na família, beneficiou durante muito tempo de um consentimento silencioso alargado, revelador da tolerância social face a este fenómeno. Contrariamente, a violência aplicada pelas próprias crianças, apesar de numericamente menos expressiva, suscitou e suscita reações mais fortes (Casas, 1998), o que indica uma preocupação especial com as crianças indigentes. Ainda assim, o mau trato, a par da indigência, da delinquência e vagabundagem envolvendo crianças, constituiu uma situação que, desde muito cedo, suscitou a intervenção de instituições várias, particulares e estatais. Movidas sobretudo pela intenção de prevenir a degradação moral da sociedade, subtraíam a marginalidade do próprio tecido social que a gerava, circunscrevendo-a a espaços físicos e sociais diferenciados (Martins, 1999), numa expressão progressivamente mais nítida da necessidade social crescente de regular, classificar e separar, para controlar (Casas, 1998). Inicialmente definido a partir dos seus danos físicos evidentes em crianças muito novas, por ação objetiva levada a efeito por familiares, o conceito de mau trato evolui com o aprofundamento da consciência social deste problema. A violência emocional, psicológica e sexual, ganha estatuto de mau trato, 7 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade multiplicando-se os exequíveis agentes perpetradores, que acabam por abranger, para além das pessoas exteriores à família, as instituições, os próprios serviços de proteção infantil e a sociedade no seu todo (Gough, 1996). “A reinterpretação do que é entendido como adequado em termos dos cuidados prestados às crianças, e a valorização do seu impacto no desenvolvimento infantil, estende a vigilância ativa e o olhar sancionador a condutas antes tidas como aceitáveis, numa dinâmica evolutiva integradora e inclusiva de uma pluralidade de perspetivas sociais em interação (Little, 1997). O conceito de mau trato infantil, em contínuo desenvolvimento, constituiu-se como analisador privilegiado das imagens e representações da infância, das relações adulto-criança, das práticas discursivas e de prestação de cuidados às crianças e das estratégias de controlo social das práticas educativas” (Lopes dos Santos, 1994 cit. in (Martins, 2005: 7). Principiando do pensamento de que o futuro se constrói, e da participação metódica na sua definição, as sociedades moderna e pós-moderna desejaram constituir bases de segurança, concebendo sistemas de gestão do risco, em que este é assumido conjuntamente ou em vez do “próprio sujeito, num contrato ativo com o futuro em que o destino é expulso” (Giddens, 2000: 34). O Estado Providência, no âmbito do qual se gerou a matriz das políticas de proteção da infância é exemplo disso. Como vimos, o conceito de risco desde sempre existiu, desde a Antiguidade e perdurou até aos dias de hoje. Foi-se construindo, desta forma, uma sociedade mais persuadida das características e direitos das crianças, existindo uma maior inquietação com o bem-estar das mesmas. A sociedade passou a ter, aos poucos, um maior controlo das situações de risco, e consequentemente começou a estar mais atenta a determinados sinais. 1.3. Cronograma do risco em Portugal Quanto ao enquadramento da problemática do risco em Portugal, de acordo com Lopes (1993), a relação da sociedade portuguesa para com as crianças reporta-se aos finais do século XIII, quando surgiu o primeiro hospital para crianças órfãs e enjeitadas – o Hospital dos Meninos de Lisboa. No século XIV, em 1321, foi criado outro Hospital dos Meninos, em Santarém. Já no século XVI, foi criado o Hospital-de-Todos-os-Santos, administrado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que albergava não só as crianças mas também as suas amas. 8 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade “Se até então a criação dos enjeitados era cometida às autoridades municipais, com a difusão das misericórdias, que rapidamente se espalharam por todo o reino, o socorro aos expostos foi natural e gradualmente por elas assumido e o estatuto de Instituição de Apoio à Criança foi tomando contornos mais nítidos, ao ponto de integrar a responsabilidade pela formação profissional das crianças desprotegidas” (Lopes 1993: 504). Em 1780 ocorreu a criação da Casa Pia de Lisboa que, embora numa fase inicial acolhesse mendigos de todas as idades, cingiu-se mais tarde ao acolhimento e educação de jovens, desempenhando um papel notável entre as instituições de assistência, associando ao alojamento e amparo das crianças e jovens desvalidos a sua formação literária e profissional (Reis, 2009). Nos finais do século XVIII o abandono era permitido por lei, e assumia valores muito elevados, em consequência de uma conjuntura complexa, onde interferiam vários e diversos fatores, um dos principais era a ilegitimidade. O poder central fundou as bases da organização de acolhimento aos expostos. Nesta altura a criança era entregue à instituição – a Roda – que a entregava posteriormente a uma ama, onde era criada até aos sete anos. Nessa altura, os juízes dos órfãos denominavam-lhe um tutor e acomodavam-na como empregada a troco de alimentos, vestuário e dormida, começando a receber salário a partir dos 12 anos. Aos 20 anos, os expostos eram livres e emancipados. “A partir de meados do século a polémica instala-se, tanto em Portugal como no estrangeiro, questionando-se a moralidade e a defensibilidade de uma instituição como a Roda” (Lopes, 2004: 50). As Rodas foram extintas em 1867, sendo então criados hospícios, onde se analisava individualmente a entrada e permanência de cada criança. Devido ao surgimento de novos enquadramentos legais, tomavam-se medidas de responsabilização dos pais, se estes eram conhecidos, era-lhes imposta a obrigação de criar e sustentar os seus filhos. Só em condições excecionais de miséria ou em casos de eminente perigo moral é que as crianças eram acolhidas nas instituições. Em 1834, surgiu a Associação das Casas de Asilo da Infância Desvalida, cujos estabelecimentos se espalharam rapidamente por todo o país. Além do amparo de órfãos ou crianças abandonadas, esta instituição procurava também socorrer crianças pobres com família. Em 1922 a Santa Casa da Misericórdia fundou a “Casa Maternal”, que acolhia 9 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade mães latentes mas sem recursos económicos para manter os seus filhos. O acolhimento das mães com os seus filhos conduziu a uma diminuição da taxa de mortalidade infantil que, em 1922, era pouco superior a 20% (Ramos 1931, cit. in Ambrósio, 1992). Como se constou, foram várias as instituições que na época se ocupavam das crianças, o que nos leva a concluir que se começou a revelar um interesse crescente em relação às crianças e jovens, revelador de uma modificação gradual do pensamento em relação à infância. A partir do século XIX e início do século XX, com a escolarização obrigatória alarga-se inesperadamente a noção e o campo de intervenção das situações de risco. Vemos, pois que os conceitos de risco, situação de risco, comportamento de risco começam a fazer parte das consciências a partir dos finais do século XIX. 1.4. Os vários tipos de violência Devido às características próprias da criança, tais como, ser mais pequena, dependente e indefesa, ela revela-se como o elemento no seio de uma família com maior vulnerabilidade, tornando-se assim um alvo fácil de todo o tipo de violência. A violência consiste, acima de tudo no abuso de poder, quer seja poder físico, material, emocional ou outros. Todos os atos de violência são condenáveis especialmente quando praticados contra os mais fracos e desprotegidos, que é o caso das crianças. A violência física é a que se torna mais visível, no entanto, existem outros tipos de violências também nefastas e prejudiciais (Reis, 2009). Segundo Martins (2002), uma das primeiras definições sobre maus tratos, aparece em 1968, quando Gil (1970) designa os maus tratos como abuso, e os definiu como agressão ou danos físicos não acidentais infligidos à criança pelos seus responsáveis. Cerca de 15 anos mais tarde, o mesmo autor amplia a sua própria definição, definindo-a como: “ato humano de cometimento ou emissão e/ou condições criadas ou toleradas por indivíduos, instituições ou pela sociedade, considerando seu conjunto, que prejudicam o desenvolvimento da criança, privando-a dos seus direitos e/ou obstaculizando a otimização do seu desenvolvimento (Roig & Ochotorena, 1993 cit. in Martins, 2002: 88). No Congresso Europeu ‘Crianças Maltratadas e Negligenciadas’ realizado em Praga (1991: 25) definem maus tratos como: “Lesões corporais não acidentais, sevícias sexuais ou psicológicas, o abandono flagrante e a exploração de crianças, assim como 10 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade qualquer outro que entrave o crescimento e desenvolvimento mental e físico normal da criança. A situação de mau trato é todo o caso em que há uma rutura relacional e uma vontade deliberada por parte da pessoa que maltrata, humilha e agride a criança”. Fausto Amaro (1987) refere como definição do conceito de maus tratos, a compreensão das ações, por parte dos pais e outros adultos, que possam causar dano físico ou psíquico ou que de alguma forma desrespeitem os direitos e as necessidades da criança no que considera ao seu desenvolvimento psicomotor, intelectual, moral e afetivo. Como vimos, há alguns anos atrás, o conceito de crianças maltratadas dizia respeito particularmente às crianças espancadas e vítimas de agressões físicas graves. Atualmente engloba também a negligência, abuso sexual e maus tratos psicológicos. Os maus tratos, têm pois sido racionalizados através dos tempos, pelas mais variadas justificações conhecidas, desde práticas e crenças religiosas, motivos disciplinares e educacionais e, em amplo grau, com fins económicos. Existe uma panóplia muito variada de tipos de maus tratos. A grande diversidade das modalidades de abuso e de negligência podem ir desde a negligência afetiva ao abuso sexual, passando pela agressão física, ou abuso emocional, aos acidentes por falta de vigilância adequada, a intoxicações intencionais, a ausência de cuidados básicos de saúde, alimentação, educação e higiene, os abandonos (definitivos ou temporários), o mau trato in útero, entre outros. Segundo Almeida (1998), também sabemos que os maus tratos afetam, na generalidade, crianças provenientes de todos os meios sociais. Mas não as afetam, todavia, da mesma maneira, já que o contexto sociofamiliar que as envolve, parece contribuir indubitavelmente para interpretar a essência ou as dimensões predominantes do mau trato de que são vítimas. Se, por um lado, as práticas de abuso ou violência física (as que deixam lesão corporal) ocorrem indiferenciadamente nos vários contextos sociofamiliar, as grandes negligências face à saúde, a escola, a alimentação, são típicas de meios populares e desfavorecidos, as formas de manipulação e negligência dos afetos, incidindo sobre o foro psicológico, são mais frequentes entre as classes privilegiadas. O mau trato atravessa pois, todos os tipos de família. A maioria das crianças maltratadas reside, porém, em clássicos ‘arranjos nucleares’, com ou sem irmãos. As famílias monoparentais têm, contudo, uma expressão muito significativa neste universo, porque são famílias com interações e rotinas muito próprias, estão com maior facilidade 11 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade debaixo de ‘mira’ e correspondem a categorias onde o drama da pobreza e da exclusão social se fazem por vezes sentir (Almeida, 1998). A definição de mau trato infantil, constitui pois à priori uma dificuldade, na medida em que esta noção mostra as suas origens no senso comum, depois passou a ter uma definição política e social, só mais tarde se torna cientifica. Numa perceção social, a noção de maus tratos pode até designar-se familiar. Segundo Gough (1996), seria mesmo demasiado familiar. Das diferentes definições de maus trato enunciadas, verifica-se que inicialmente os maus tratos começaram por ser determinados como agressão ou dano físicos não acidental infligido à criança pelos seus responsáveis. Foram então, vários os contributos que vieram ampliar esta conceção e pode-se reconhecer, neste desenvolvimento do conceito, que ela vai alargando o seu âmbito, acabando por incluir variáveis estruturais, que transcendem o espaço específico da família, para incluir também o espaço público (Reis, 2009). Apesar de não existir uma classificação consensual do risco, mas, muitos são os autores que distinguem três categorias5, sendo elas os maus tratos físicos, psicológicos e sexuais. Porém, apesar de se tratar de uma tipologia que reúne algum acordo, tem-se vindo a averiguar a formação de outros esquemas de classificação, que arrastam em linha de conta divergentes características, fatores abrangidos e consequências consequentes (Casas, 1998). “Em termos mais genéricos e académicos, os investigadores costumam agrupar em duas grandes categorias os maus tratos: o abuso e a negligência. Por exemplo, Starr, Dubowitz & Bush, (1990) seguem esta metodologia e organizam as diversas manifestações dos maus tratos em duas grandes categorias, o abuso e a negligência, que, por sua vez, se subdividem em subcategorias mais delimitadas” (Reis, 2009: 60-61): Abuso – físico, psicológico e sexual; Negligência – física e psicológica. Já em National Consumer Council (1993) prefere uma classificação com quatro categorias, distinguindo abuso de negligência: 5 Abuso físico; Tais como Calheiros & Monteiro (2000) 12 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade Mau trato psicológico ou emocional; Abuso sexual; Negligência. Na tabela 1 «Síntese de classificação de maus tratos infantil» será apresentado um quadro resumo com os tipos de risco infantis abordados. Tabela 1: Síntese de classificação do mau trato infantil Forma Definição Mau trato Qualquer tipo de ação não acidental, por parte dos pais ou de quem tem a responsabilidade, poder físico ou confiança da criança, que lhe provoque ou possa provocar danos físicos. Mau trato Ato de natureza intencional, no qual a criança é vítima de pressão psicológica, onde se verifica psicológico ausência ou inadequação de suporte afetivo, caracterizando-se pela ocorrência de situações como: humilhações frequentes e insultos verbais face à criança, desvalorização e ridicularização do menor, culpabilização, críticas e ameaças, indiferença, abandono temporário e rejeição. Abuso Sexual Envolvimento de um menor em práticas sexuais que, dada a sua idade e o seu desenvolvimento psicosexual, não está apto a compreender, às quais é incapaz de dar o seu consentimento informado, que violam a lei, os tabus e as normas familiares e que visam a gratificação e satisfação sexual do adulto ou jovem mais velho. Pode ser Intra/Extrafamiliar (se ocorrer, respetivamente, na família ou fora dela); e Ocasional/Repetido (segundo a frequência em que ocorre). Síndrome de Simulação de sinais e sintomas na criança, por parte de um elemento da família, com a finalidade Munchaunsen de convencer a equipa médica da existência de uma doença, originando hospitalizações p/Procuração frequentes, tratamentos recorrentes e investigação que muitas vezes se torna invasiva para a criança. Negligência Comportamento regular de omissões, por parte de quem tem a responsabilidade de cuidar da criança, no qual não lhe é proporcionada a satisfação das suas necessidades elementares no que diz respeito aos cuidados básicos de higiene, alimentação, educação, saúde, afeto, estimulação e apoio, indispensáveis ao seu crescimento e desenvolvimento normais. Pode ser: Voluntária/Ativa (quando é com intenção de causar dano à criança); ou Involuntária/Passiva (resultante da incompetência, de quem toma conta da criança, em lhe assegurar os cuidados necessários e adequados). Mau trato pré Situações e características do estilo de vida da mulher grávida que, sendo evitáveis, prejudicam o natal desenvolvimento do feto. Tais como grávidas que fumam durante a gravidez; consomem substâncias ilícitas; não fazem acompanhamento médico durante a gestação, não tendo por isso os cuidados necessários para um bom e adequado desenvolvimento do bebé que está para nascer. 13 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade Forma Definição Abandono Ausência da resposta e de reciprocidade do adulto às formas de expressão e iniciativas de interação da criança Exploração Qualquer situação em que o menor é obrigado a realizar trabalhos que estão para além dos limites laboral do habitual, que deveriam ser efetuados por adultos, e que vão interferir nas suas atividades e necessidades escolares. Prostituição Consiste na compra e venda de crianças com o fim de as utilizar para fins de abuso sexual. Infantil Mendicidade A criança é utilizada, de forma habitual ou esporádica, para mendigar ou então mendiga por vontade própria. Corrupção Condutas desencadeadas por adultos que promovem, no menor, comportamentos antissociais ou desvios, particularmente nas áreas da agressividade, roubamos, sexualidade e tráfico ou consumo de drogas. Mau trato Situações que ocorrem em instituições que recebem menores e em que nas quais, por ação ou institucional omissão, não são respeitados os direitos básicos referentes à proteção, cuidado e estimulação do desenvolvimento. Fonte: Adaptado de Reis (2009) O acompanhamento realizado no âmbito do Projeto “O Trilho” baseia-se na definição de maus tratos que consta na lei, nomeadamente as tipificadas no n.º 2 do artigo 3.º da Lei 147/99, enquanto situações de perigo/risco para a criança ou jovem: a) Estar abandonada ou viver entregue a si própria; b) Sofrer maus tratos físicos ou psíquicos ou ser vítima de abusos sexuais; c) Não receber os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) Ser obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; e) Estar sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; f) Assumir comportamentos ou entregar-se a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhe oponham de modo adequado a remover essa situação. No campo de intervenção a investigadora conviveu em menor escala com os riscos assimilados até ao momento, sendo que os mesmos classificam as vivências das crianças e jovens, enquanto a área de intervenção se reflete na intervenção com as famílias 14 Capítulo 1 - O risco e a sua multidimensionalidade e cuidadores. Porém a contextualização do risco demonstra-se fundamental para uma melhor perceção do adulto (familiar ou cuidador) com quem lidamos na intervenção. Face ao contexto observado poderá afirmar-se que a atribuição do risco ou mau trato é realizado pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) ou pela Segurança Social enquanto entidade parceira dos Tribunais, e comunicado ao LIJ Via Nova através de transição de informação no Processo Individual da criança/jovem. É adicionado ao processo as problemáticas diagnosticadas após a entrevista de prédiagnóstico psicossocial do utente e da família, porém as problemáticas diagnosticadas, não passam disso mesmo, problemáticas envolventes no contexto dos entrevistados, que embora relevantes para um melhor acompanhamento social individualizado, não são classificadas nem definidas por lei. 15 Capítulo 2 Famílias multiproblemáticas/multiassistidas Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas 2.1. Definição, especificidades e alterações na família Por família entende-se, segundo os dicionários de língua Portuguesa, o conjunto de pessoas que possuam grau de parentesco entre si e vivem na mesma habitação, formando um lar. Uma família tradicional é normalmente formada pelo pai e mãe, unidos por matrimónio ou união de facto, e por um ou mais filhos, compondo uma família nuclear ou elementar. A família é considerada uma instituição responsável por promover a educação e a socialização dos elementos mais novos, ou seja, o papel da família no desenvolvimento de cada indivíduo é fundamental, pois, é no seio familiar que são transmitidos os valores morais e sociais que servirão de base para o processo de socialização da criança, bem como as tradições e os costumes perpetuados através de gerações (Oliveira & Araújo, 2010). Os fatores culturais estabelecem o preponderância de um determinado tipo de família que é veiculado por uma determinada cultura. Para Carneiro (1997), a família não é um simples fenómeno natural, ela é uma instituição social que vai variando através da história e mostrando até formas e finalidades diversas num mesmo período e lugar, conforme o grupo social que esteja sendo observado. Atualmente, a família é vista como algo dinâmico, mutável internamente e em relação ao exterior. Apesar dos conflitos que possam surgir no seio da família, esta é ‘única’ e o seu papel é determinante no desenvolvimento da sociabilidade, da afetividade e do bem-estar físico dos indivíduos. Para Ambrósio (1992), a importância da família para o desenvolvimento equilibrado de qualquer criança ou jovem é pois inquestionável. Podemos afincar que as funcionalidades da família atendem a dois tipos de diferentes objetivos: um de caráter interno, que é a proteção psicossocial dos seus membros; e uma outra externa que é a de adaptação e transmissão de uma cultura. A família deverá ser visionada como um meio securizante por parte de uma criança, um meio apto para garantir segurança plena e principalmente de equivaler em tudo às exigências dos primeiros anos de vida. Nessa fase de vida da família, a ligação entre os seus diferentes membros, surgem como elementos centrais no processo de socialização e equilíbrio emocional. A inexistência da família ou, até mesmo, a pertença a uma família desequilibrada põem em causa o crescimento absoluto da criança e poderá potencializar o aparecimento de condutas desviantes. Quando as crianças ou os jovens têm uma relação de bem-estar, de educação, de trabalho e de vida em comunidade, maiores serão as probabilidades de se 18 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas tornarem sociáveis e de se acomodarem às normas estabelecidas pela sociedade. No meio familiar a criança/jovem poderá ter emancipadas capacidades de encontrar as condições imprescindíveis ao seu desenvolvimento: amor, proteção, segurança e heterogeneidade. A família interpreta uma fortaleza onde a criança/jovem se protege do que teme e do que a faz sofrer. A habitação funciona como um refúgio onde os pais e restantes familiares são os que constituem um mundo de paz, segurança e amor. Uma criança quando se apercebe de situações instáveis, torna-se insegura, medrosa, agressiva e até rebelde. Quando se confronta com um meio que não seja verdadeiro e equilibrado, a criança sofre e fica traumatizada, deixando assim marcas profundas de sofrimento constante (Casey, 1996). Confirmada a importância da qualidade e persistência de uma família no desenvolvimento de qualquer criança, a sua carência poderá vir mais tarde ou mais cedo a afetar as suas relações com os outros, correspondente às dificuldades relacionais que marcam o seu percurso. Estando o processo identitário da criança comprometido, assim como, o seu funcionamento psíquico, o que irá refletir-se na forma de se relacionar com os outros, na forma como perceciona e compreende os que a rodeiam. A depreciação que marca a autoperceção da criança que não tem garantidas estas condições básicas de desenvolvimento, influencia, de forma negativa, o seu interesse e investimento no mundo que a rodeia. Há uma estagnação do desenvolvimento normal da sua personalidade. Cientes do papel relevante que a família executa no desenvolvimento adequado das crianças e jovens e na sua inclusão no seio da sociedade, assim como na prevenção da delinquência, a generalidade dos estudiosos da matéria, são hoje unânimes em considerar o desadequado funcionamento familiar como uma das centrais causas dos distúrbios do comportamento, como a violência na família, ou a delinquência juvenil (Fonseca, 2002). Por outras palavras, não há crianças em perigo sem famílias em perigo. O que, uma vez mais, eleva a necessidade de proteção e o comprometimento dos centros de saúde e das escola como promotores dum desenvolvimento saudável. É necessário que a nossa sociedade, reconheça que a criança tem direitos e que o primordial deles é direito de crescer numa família que a estime, que a queira e que a proteja. Normalmente, os pais amam os seus filhos e prestam-lhes todos os cuidados adequados, mas como não existem pais perfeitos, a maioria prestam-lhe cuidados satisfatórios. 19 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas Podemos considerar normal, existirem conflitos entre pais e filhos, no entanto em alguns casos esses conflitos podem passar dos limites e transformarem-se em negligência. Basta apenas que um pai deixe de dedicar amor, atenção e não preste os cuidados necessários para um crescimento saudável do seu filho, que estará assim a negligenciá-lo. Contudo, existem situações ainda mais graves, quando os pais sujeitam os seus filhos a maus-tratos físicos ou a abusos sexuais. Este tipo de violência, pode causar lesões físicas graves, traumas psicológicos profundos que marcam a criança para toda a vida, e podem mesmo levar à morte. Assim e por todas estas razões, podemos considerar que a família é o principal grupo social de risco no que respeita a este fenómeno da violência. “A família (…) é o espaço de vivência de relações afectivas profundas: a filiação, a fraternidade, o amor, a sexualidade… Numa trama de emoções e afectos positivos e negativos que, na sua elaboração, vão dando corpo ao sentimento de sermos quem somos e de pertencermos àquela e não a outra qualquer família” (Alarcão, 2002: 37). A família patriarcal (assente na agricultura) com a era da industrialização entra em crise e as famílias que apresentavam uma vivência comunitária (viviam nas ruas, trabalhavam nos campos e partilhavam tarefas e espaços com os vizinhos) mudam-se massivamente para as cidades (Quingostas, 2011). Assiste-se, assim, ao aumento da inserção profissional das pessoas mais desfavorecidas, resultante do facto da especialização artesanal e da vinculação à terra terem deixado de constituir condições para a ocupação laboral, bem como a diminuição da marginalidade (Linares, 1997). Não só os bairros periféricos, onde se concentravam os operários (famílias mais desfavorecidas), como os centros urbanos, ocupados por burgueses (classe média), consideraram o progresso de uma nova figura de famílias constituídas por um núcleo parental único e um número variável de filhos (Linares, 1997). Este novo tipo de família estava adaptado à “organização restritiva do espaço” da cidade (Segalen cit. in Linares, 1997: 24), encaixando-se perfeitamente na metáfora da produção, central no industrialismo. Esta centralização urbana incluía um desenraizamento e uma nova conceção do casal e da intimidade familiar (Linares, 1997). No final dos anos cinquenta o mundo dirigia-se para o pós-industrialismo. As cidades expandiam-se em grande escala, diluindo as limitações em seu redor, surgindo novos valores culturais. As classes de maiores recursos abandonavam os centros históricos da cidade, deslocando-se para bairros menos urbanos. 20 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas Simultaneamente, os referidos centros eram ocupados por populações carenciadas, com escassos recursos económicos e sociais (Linares, 1997). Esta civilização pós-moderna contemplou, assim, o surgimento de profundas modificações nos modelos familiares, verificando-se a relativização dos vínculos matrimoniais e consequente aumento dos divórcios e reconstrução familiar. A nova família reedificada, com maior competência consumista, é desta forma a que melhor se adapta à metáfora da pós-modernidade, o consumo (Linares, 1997). Neste contexto, as famílias multiproblemáticas são também emblemáticas da pós-modernidade. Caracteristicamente pouco produtivas revelam-se ambíguas face ao consumo, pois podem faltar-lhes bens de primeira necessidade (comida, roupa, etc.), mas existem bens economicamente pouco acessíveis. Consomem também serviços sociais, havendo mesmo uma relação privilegiada entre ambas as instâncias, o que faz com que frequentemente seja muito difícil desligá-las uma da outra (Linares, 1997). Algumas das mudanças mais visíveis nos modelos familiares aconteceram ao longo dos últimos vinte anos e, nesse período, foi possível assistir a quatro alterações na forma como as políticas remodelaram o que se entende por casamento e por relações familiares. Em primeiro, ocorreu uma transferência nas políticas económicas e de bem-estar da família, do modelo de homem provedor para o de trabalhador adulto, em que o homem e mulher são fontes de rendimento. A segunda alteração consistiu no casamento, a conjugalidade, a separação e o divórcio tornaram-se, cada vez mais, um assunto privado a ser resolvido pelos adultos envolvidos e menos sujeitos a uma moralidade ‘superior’. Paralelamente a esta evolução registaram-se também alterações no papel desempenhado pelo Estado. Assim, associado ao progresso industrial, desponta o Estado Providência sustentado em reflexões e imposições de solidariedade que passa a entrar na privacidade das famílias mais abandonadas para estas alcançarem o seu apoio (Sousa, 2005). Segundo Cancrini, Gregório & Nocerino (1997), pressupondo que o crescimento dos serviços públicos se articula de acordo com um modelo familiar culturalmente favorecido ou dominante, configura-se uma espécie de escala de congruência entre a tipologia dos serviços disponíveis e a composição do grupo familiar. Do grau de congruência entre estas duas partes dependeria o nível de satisfação das necessidades das famílias e de prestação de serviços pelas instituições públicas (quanto mais eficaz a adaptação do sistema familiar à organização dos 21 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas serviços públicos, menor o seu recurso a estes mesmos serviços. O recurso a estes serviços aumentaria à medida que a capacidade de adequação da família a esses serviços, de forma autónoma, fosse diminuindo). O aumento de formas familiares variantes relativamente ao modelo assumido como culturalmente “normal” iria produzir um aumento das situações de dependência, o que, por sua vez, produziria um crescente envolvimento entre a família e as instituições de serviço público. O papel das redes formais será retomado no próximo capítulo (terceiro), enquanto neste capítulo se continuam a escalpelizar as dinâmicas familiares. 2.2. Designações de famílias multiproblemáticas No âmbito do trabalho desenvolvido na área social (Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997) surge, nos anos cinquenta, o termo famílias multiproblemáticas. Este conceito, enquadrado no domínio da sociologia (Linares, 1997), tendia a caracterizar famílias de baixo estatuto socioeconómico (geralmente no limiar da pobreza), não tendo como propósito esclarecer relações interpessoais, sociais ou familiares. Posteriormente é também absorvido pela saúde mental, para descrever famílias que se caracterizavam por uma enorme dificuldade em administrar os seus recursos económicos, alternando entre fases de relativo bem-estar e fases de claras dificuldades, sem que necessariamente se encontrassem numa situação de pobreza extrema (Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997). Existe um conjunto de designações para famílias multiproblemáticas: ‘Famílias associais’ (Vailand in Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997), demonstrando, sobretudo, os problemas de comportamentos sociais desviantes; ‘Famílias desorganizadas’ reforçam o tipo e grau de disfuncionalidade das ligações interpessoais e as modalidades de comunicação; ‘Famílias isoladas’ (Powell & Monahan in Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997), evidenciando o seu isolamento, físico e emocional (independente do estrato social), relativamente à família extensa e ao contexto social, pelo que não possuem qualquer tipo de apoio extra-familiar, nomeadamente nas fases mais críticas do seu percurso familiar; ‘Famílias excluídas’ (Thierny in Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997), sublinhando a separação entre as famílias e o contexto parental, institucional e social que também ocorre nas classes sociais média altas; ‘Famílias suborganizadas’ (Aponte in Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997), acentuando os aspetos disfuncionais de caráter estrutural, resultantes de graves lacunas/carências no desempenho dos papéis parentais; ‘Famílias multiparentais’ 22 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas (Fulmer in Sousa et al., 2007), frisando que a função parental se degrada, dado o facto de se dispersar por várias figuras internas e externas; ‘Famílias em permanente crise’ (Kagan & Schlosberg in Sousa et al., 2007), sublinhando que estas famílias estão em crise constante, não existindo períodos de estabilidade; e ‘Famílias multicrise’ (Minuchim, 1998), salientando o facto de as vivências familiares serem demarcadas por crises sucessivas. Famílias multiproblemáticas são frequentemente apresentadas com dificuldades ao nível do desempenho de papéis, especialmente os parentais, fraca delimitação dos subsistemas (influenciando a definição dos limites geracionais), tendência para a instabilidade psicossocial nos sujeitos e nos subsistemas (dada a incoerência da organização estrutural) e um alto número de elementos do sistema familiar com problemas (Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997), são ainda, famílias cujo comportamento sintomático funciona como factor de equilíbrio para as dificuldades emocionais dos outros membros do sistema e para o sistema familiar na sua globalidade. Dadas as características específicas das famílias multiproblemáticas, segundo Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997 (1997: 52-53), operacionalizaram o conceito tendo em conta os seguintes critérios: “- Presença simultânea de comportamentos problemáticos estruturados, estáveis no tempo, em pelo menos dois elementos do mesmo sistema familiar, e suficientemente graves para justificarem uma intervenção externa; - Grave insuficiência por parte dos pais, no desenvolvimento das actividades funcionais e afectivas necessárias para assegurar um adequado desenvolvimento da vida familiar; - Estruturação de uma relação de dependência crónica da família face aos serviços externos, criando-se as condições para o desenvolvimento de um equilíbrio inter-sistémico; - Desenvolvimento de comportamentos sintomáticos característicos nos pacientes identificados, tais como a toxicodependência de tipo D (sociopática).” Ultimamente, estas famílias têm sido definidas de forma a destacar alguns efeitos consequentes da sua ligação com os serviços formais de apoio (usualmente caracterizado por contactos constantes, alargados no tempo e por fronteiras espalhadas que promovem relações de dependência), nomeadamente ‘Famílias diluídas’ (Colapinto in Sousa et al., 2007), que deixam de usar os seus recursos em resultado da transferência de funções familiares para os serviços sociais; e ‘Famílias multiassistidas’. 23 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas De seguida é apresentado um quadro resumo com algumas definições de famílias: Tabela 2: Designações de família utilizadas na literatura Designação Autores Definição Associais Voiland, 1962 Centra os comportamentos sociais desviantes das famílias. Desmembradas Minuchin et al., Famílias com limites difusos no seu interior e na relação com o exterior. Powell & Monahan, Referem o retraimento social e a ausência de apoio nos momentos difíceis da vida familiar, independentemente da classe social. Famílias com alguma lacuna ao nível da constância e diferenciação estrutural do sistema familiar (diferencia famílias desorganizadas de famílias com forma inadequadas de organização). Famílias percetíveis pela separação em relação aos contextos institucional e social. Famílias em que a função parental se degrada por se dispersar por várias figuras internas e externas. São famílias em constante crise, sem períodos de estabilidade. 1967 Isoladas 1969 Suborganizadas Aponte, 1981 Excluídas Thierny, 1976 Multiparentais Fulmer, 1989 Em permanente crise Kagan & Schlosberg, 1989 Multicrise Minuchin, 1995 Famílias que vivem crises sucessivas. Diluídas Colapinto, 1995 Multiassistidas Linares, 1997 Multiproblemáticas Alarcão, 2000 Cronicamente Minuchin, 1998 Família que deixa de usar os seus recursos, em resultado da transferência de funções familiares, para os serviços sociais. Famílias que recebem apoios de diversos serviços e profissionais, normalmente pouco coordenados e fragmentados. Famílias caracterizadas por presença em simultâneo, de comportamentos problemáticos severos e estáveis no tempo, em vários membros, e pela insuficiência grave nas atividades funcionais e relacionais da família, como ainda, fragilidade dos limites e relação crónica de dependência com os serviços. A disfuncionalidade é transgeracional, reproduz-se e perpetuase no espaço e tempo de vida familiares. disfuncionais Madsen, 1999 Famílias que vivem permanente e sucessivamente situações de stress. Summer, McMann Famílias que enfrentam múltiplos desafios ou múltiplas Multidesafios necessidades de mudança e vão superando alguns desses & Fuger, 1997 múltiplos problemas Fonte: Quadro consultado em: Sousa, L., et. al (2007). Famílias Pobres: desafios à intervenção Social. ClimepsiEditores: Lisboa Multistressadas Entre os diversos tipos de famílias definidos, algumas delas encaixam em três subgrupos. O primeiro é o das famílias Associais, Isoladas, Excluídas são famílias que não estão inseridas na sociedade e na comunidade. O segundo é constituído pelas famílias Diluídas e Multiassistidas são famílias que dependem dos serviços. E as famílias Em permanente crise, Multicrise, Multiproblemáticas, Cronicamente Disfuncionais e 24 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas Multistressadas, vivem permanentemente na lógica de sair da crise e após várias intervenções as famílias continuam em crise, estas famílias dão origem a um terceiro grupo. Na intervenção do Projeto “O Trilho” ao qual a investigadora está associada, as famílias agrupam-se nestas classificações. 2.3. Famílias multiproblemáticas: do conceito em desenvolvimento à prática profissional “Estas definições surgem da constatação de que a intervenção não está a surtir o efeito desejado e demonstram que a caracterização destas famílias seria distorcida se descontextualizada do sistema de apoio formal que as envolve” (Sousa et al., 2007 cit. in Valente, 2009: 81). Assim, já existem autores que propõem a substituição do termo ‘Famílias multiproblemáticas’, que transporta o lado negativo destas famílias, enfatizando os seus défices, descrevendo os seus problemas e os seus modos de funcionamento (que criam sobre estas famílias um mundo relacionado com a fragilidade, a patologia e a disfuncionalidade), por outras que reforcem as suas capacidades e recursos dado que, como refere Ausloos (2003: 131) “Falar de família competente é, pois, uma maneira de dar à família a sua competência, antes de ter em conta as suas faltas”. Para Ausloos (2003), dado que os seres vivos nunca estão verdadeiramente desequilibrados, mas sim em constante funcionamento e equilíbrio permanente, não se deveria falar em famílias disfuncionais, mas sim em famílias funcionantes. Summer, McMann e Fuger (citado por Sousa et al., 2007), referem o termo famílias multidesafios, enfatizando os múltiplos desafios ou múltiplas necessidades de mudança que estas famílias enfrentam. Por fim, Madsen (1999: 2) propõe a denominação de “Famílias multistressadas” considerando que esta reflete uma mudança da identificação das famílias a partir das dificuldades que encaram, para uma visão dos elementos da família que vai além dos problemas na sua vida. Felzenszwalb (1991: 337-338) afirma que as famílias multiassistidas apresentam “uma luta difícil pela sobrevivência na sociedade e, nesta cruzada, acumulam relações com vários serviços sociais (…) são muitas vezes vítimas de múltiplas circunstâncias sociais, particularmente de condições económicas muito difíceis, uma ausência de participação e de integração na comunidade e um sentimento de inferioridade, de dependência e de desespero”. 25 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas O conceito de família multiproblemática é frequentemente associado aos conceitos de pobreza e de exclusão social. Na realidade, as famílias multiproblemáticas podem encontrar-se em todos os estratos sociais, culturais e económicos, mas são as pobres que têm dado início a uma maior quantidade de investigações e as que mais atraem a intervenção (Sousa et al., 2007). Desta forma, torna-se necessário, na análise conceptual destas famílias, considerar todos os níveis sistémicos englobados, desde os mais abstractos (cultura) aos mais inclusivos (funcionamento familiar) (Neto, 1996). “As famílias multiproblemáticas são únicas e especiais em termos da sua estrutura e funcionamento. De forma global, têm sido caracterizadas como sistemas familiares extremamente lábeis mas pouco flexíveis, parecendo ter dificuldade em transformar as crises em oportunidades de crescimento e mudança” (Valente, 2009: 83). O aparecimento de condutas sintomáticas realiza-se, habitualmente, nas primeiras fazes do ciclo de vida, cingindo a transição da família à etapa seguinte, os comportamentos sintomáticos potenciam a desordem e a desunião do núcleo familiar, conduzindo a uma situação assinalada por mau funcionamento do sistema familiar, que se mostra inapto para a realização de forma satisfatórias de funções familiares de caráter mais organizativo (suporte económico, casa, educação, saúde, proteção dos filhos e dos membros mais vulneráveis) tais como o mais relacional (gestão de tensões, nutrição emocional dos filhos mais pequenos, resposta às exigências de intimidade e de estabilidade afetiva dos membros do sistema) e ainda, procura constante no exterior de instituições e/ou pessoas que possam desenvolver essas funções, e cuja presença rapidamente contribui para a diminuição progressiva da competência dos membros do sistema familiar (Alarcão, 2002; Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997; Neto, 1996). Além destes aspetos, verifica-se uma dependência de entidades de assistência, podendo passar de geração em geração. “A estrutura familiar refere-se à rede invisível de necessidades funcionais que organiza o modo como os membros da família interagem” (Minuchin cit. in Alarcão, 2002: 54), correspondendo à imagem que podemos ter do funcionamento familiar. Assim, considera-se imprescindível analisar o tópico de estrutura familiar e subsistema parental, que se retomará no ponto 2.4 - subsistema parental. Quanto às famílias desmembradas, cada vez mais nos nossos dias, com o surgimento de inovadores padrões de vida e de novas pressões internas e externas assim como contrariedades e dificuldades, a dissolvência deliberada da família por separação ou divórcio 26 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas torna-se, cada vez, mais frequente. Nas famílias desmembradas os novos casamentos dão origem a vários fragmentos familiares inter-relacionados através dos filhos, que poderão coexistir desde que se mantenham determinadas normas de vida social, suportadas pelo amor concorrente em relação a esses filhos. Os fatores culturais estabelecem a preponderância de um certo tipo de família que é veiculado por uma determinada cultura. Para Carneiro (1997), a família não é um simples fenómeno natural, ela é uma instituição social que vai variando através da história e mostrando até formas e finalidades diferentes numa mesma época e lugar, conforme o grupo social que esteja sendo observado. Atualmente, a família é vista como algo dinâmico, mutável internamente e em relação ao exterior. Reconhecida a importância da qualidade e constância de uma família (e, sobretudo, de uma figura materna) no desenvolvimento de qualquer criança, a sua carência poderá vir não tardiamente a afetar as suas relações com os outros, devido às dificuldades relacionais que marcam o seu percurso. Estando o processo identitário da criança comprometido, assim como o seu funcionamento psíquico, isso irá refletir-se na forma de se relacionar com os outros, na forma como perceciona e compreende os que a rodeiam. A desvalorização que marca a autoperceção da criança que não tem garantidas estas condições básicas de desenvolvimento, influencia, de forma negativa, o seu interesse e investimento no mundo que a rodeia. Há uma estagnação do desenvolvimento normal da sua personalidade. No âmbito da investigação e segundo a perspetiva do Projeto “O Trilho”, estas famílias são encaradas como famílias que superam multidesafios6. No âmbito do projeto falase, ainda, de famílias competentes, sendo uma forma de dar à família a sua competência, antes de ter em conta as suas faltas. De facto estas famílias associam-se a famílias desmembradas, multiassistidas, multiproblemáticas, entre outras, porém segundo o Projeto “O Trilho” a base para uma intervenção com sucesso é necessário classificar estas famílias com designações e características positivas podendo desta forma iniciar a intervenção com um reforço da autoestima destas famílias e cuidadores. A investigação levada a cabo baseou-se neste princípio. Na tentativa do reconhecimento de famílias em/de risco, é possível afirmar que se torna extremamente difícil identificar previamente os pais que vão abandonar ou maltratar os 6 Esta designação já abordada referiu como autores de referência Summer, McMann e Fuger. 27 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas filhos, no entanto, é bastante mais fácil identificar futuros pais com um potencial estabelecido para virem a ter possíveis dificuldades na interação com a criança. No caso do Projeto “O Trilho” são consideradas famílias de risco àquelas que, pelas suas características pessoais e/ou sociais de instabilidade, desestruturação e falta de segurança, apresentam maiores probabilidades das crianças a seu cargo não receberem a atenção e os cuidados físicos e psíquicos adequados (Pires, 2001). Referimo-nos a famílias submetidas a pressões internas e externas que, pela sua personalidade, não têm capacidade de enfrentar essas dificuldades, transformando-as em agressões (maus-tratos, abandono, negligência, etc.) contra as crianças. Uma questão relevante que se coloca na prática profissional - como identificar as famílias mais vulneráveis à situação de risco? – Na tentativa de resposta a esta questão importará acautelar a não estigmatizar nenhum grupo em especial, até porque há muitas crianças pertencentes a estes grupos que são saudáveis e bem estimadas. Importa então contextualizar as características desses grupos, integrando outros indicadores específicos da nossa sociedade, de modo a documentar e a exemplificar como estabelecidas circunstâncias que facilitem situações de risco, podem e devem ser estudadas e exploradas. Recusar os vários tipos de família explorados anteriormente, consideradas de risco, e conceder atenção especial por parte do sistema de proteção social as suas principais características. Sendo algumas características observáveis: a) Famílias funcionalmente deficitárias; b) Famílias expostas a elevados fatores de stress; c) Famílias isoladas com debilitada inclusão em redes sociais de apoio; d) Famílias numerosas com baixos rendimentos; A presente investigação revê-se na visão de Ausloos (2003) onde a valorização da competência é uma estratégia de capacitação das famílias, o que significa aceitar que são estas as mais aptas a definirem e a compreender as suas necessidades, a atualizar os seus recursos, a conceber o desenvolvimento repartindo o saber fazer com os outros e gerindo os recursos do suporte da comunidade, ou seja, tornar o cidadão capaz de desenvolver as suas próprias soluções, aumenta o sentimento de autoconfiança e competência. Em consequência, o papel do Técnico de Serviço Social não é perceber ou encontrar soluções, mas sim, ativar o 28 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas processo para que o sistema encontre a sua própria solução, gere a sua autosolução e promova assim um aumento da responsabilidade parental. 2.4. Subsistema Parental Como a conjugalidade está associada à parentalidade, uma vez que os seus elementos, normalmente, são coincidentes, a inconstância conjugal arrasta a deterioração da função parental, quer ao nível da vinculação quer ao nível da socialização (Alarcão, 2002; Linares, 1997; Sousa, 2005). A família alargada assume particular importância, uma vez que tarefas tal como a educação das crianças envolvem, geralmente, não só os pais, mas também elementos da família alargada e pessoas significativas (Minuchin et al., 1967; Neto, 1996). Quanto à natureza da responsabilidade parental, esta é confusa. A hierarquia de poder está comprometida, pois, na maior parte das vezes, verifica-se uma deterioração grave ao nível do seu exercício e da sua distribuição. Os pais oscilam entre um poder autoritário e totalitário, e épocas de destituição física ou psicológica quanto às suas funções; os períodos de resignação coincidem com a delegação das funções parentais num filho (filho parental), (Minuchin et al., 1967; Neto, 1996). Assim, o poder acaba por se dispersar por várias figuras que assumem, de forma alternada a liderança, não satisfazendo ao sistema de regras ou princípios claros nem congruentes, tendo como consequência a falta de regras e as frequentes passagens ao aco de violência física (Alarcão, 2002; Sousa, 2005). Neste contexto, onde as respostas dos pais não seguem um padrão previsível (são aleatórias), não admira que os filhos apresentem falhas na segurança básica e interiorizam modelos inconsistentes de vinculação (não existem normas implícitas ou explícitas da conduta que possam ser interiorizadas), aprendendo, essencialmente, que as proibições do comportamento estão relacionadas ao poder ou às emoções (normalmente o sofrimento) da mãe ou outra pessoa na posição de poder. Tal leva a que as crianças precisem dos pais para elaborar as suas alterações interpessoais, o que lhes complica a real autonomização e a tranquila exploração do meio (Alarcão, 2002; Minuchin et al., 1967; Neto, 1996; Sousa, 2005). As normas não constituem um aspeto central na maioria das interações pais e filhos, o que está relacionado à ausência de normas sobre o modo das crianças se comportarem no futuro (falta de conhecimento das normas culturais), sendo potenciadora de conflitos com o meio. A inexistência de estruturas de socialização dentro do sistema familiar acarreta, 29 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas também, perturbações nos jovens e jovens adultos, assinaladas pela passagem ao ato de agressão e incompetência na integração nos sistemas externos. A patologia mais vulgar é do tipo sócio ou psicopático, associada a problemas de acomodação escolar, toxicomanias, alcoolismo e delinquência (Alarcão, 2002; Linares, 1997; Sousa, 2005). Entre os progenitores e os filhos é habitual estabelecerem-se algumas coligações sobretudo disfuncionais (Minuchin, 1982): os pais aliam-se a outro sistema de suporte, como por exemplo, a escola, contra o filho, reduzindo a motivação para responder e resolver conflitos diretamente; à criança/jovem é-lhe imputada uma situação de divisão de lealdade, tendo de escolher entre um dos pais, ficando a criança numa situação indesejável de poder relativamente ao progenitor com o qual se alia. A parentalidade degrada-se ainda, por tender a dispersar-se por várias figuras. A presença de diversas figuras com potencial parental não designa diretamente ter pais, a maioria das vezes envolve ausência de referências, porque o cuidar dos mais novos fica a cargo de quem na rede social tiver mais disponibilidade para o fazer naquele momento. Conjugando com a alta vulnerabilidade do seu meio é normal surgirem mudanças abrutas de cuidadores, estas cisões estimulam sentimentos de medo, abandono, comportamentos defensivos e prematura auto-suficiência emocional (Fulmer, 1989). Os resultados nas crianças desta combinação de parentalidade dissipada e desarmonia na conjugalidade são complexos e graves, sendo o abuso sexual frequente e emblemático. Assim, se a vinculação emocional está afastada pelo uso instrumental no vínculo parental, e a conexão conjugal implícita é frustrante e conflituosa, não se pode estranhar que as crianças sejam utilizadas sexualmente, e que o incesto se insinue como possibilidade. Da mesma forma que os impulsos hostis e os impulsos sexuais dos pais derivam-se livremente ficando os filhos sem o domínio das funcionalidades protetoras, o que obtém como consequência os maustratos físicos que emergem com assiduidade sobre um fundo de falta de cuidados ou mesmo a prática do abandono (Alarcão, 2002; Cancrini et al., 1997; Linares, 1997; Sousa, 2005). A importância das ligações entre subsistemas na família multigeracional emerge nos estudos sobre redes sociais (Sluzki, 2002), que salientam a importância do contacto intergeracional e intrageracional. Relações entre bisavós e bisnetos, avós e netos, pais e filhos; relações cortadas, distantes ou funcionais; ligações entre agregados familiares desunidos, unidos ou aliados, ou entre elementos da mesma geração ou da mesma linhagem, constituem exemplos das redes sociais familiares que envolvem a interação de numerosos subsistemas 30 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas familiares. Na família nuclear «tradicional», composta por quatro elementos (o casal e dois filhos), podem ser identificados, pelo menos, oito subsistemas (quatro individuais, um parental, um conjugal, um filial e um fraternal), num total de vinte e oito ligações possíveis entre eles. Um exercício matemático similar aplicado à família multigeracional seria bastante mais complexo. O número de ligações num sistema familiar multigeracional revelar-se-ia bastante superior, pois este é constituído por uma rede intrincada de relacionamentos entre subsistemas de proporção assinalável, embora variável com o número de elementos no sistema. Granovetter (1983) apelidou estes elementos de «pontes sociais» (“social bridges”). Buchanan (2002), no seu seguimento, refere que os elos mais fracos numa rede podem ser de maior importância do que os elos fortes, pois atuam como laços cruciais que mantêm a rede unida e que, se eliminados, podem causar o colapso da rede. Estas ideias encontram reflexo nas relações familiares multigeracionais: os laços «fortes» seriam aqueles entre elementos dum núcleo ou agregado familiar (por exemplo, entre pais e filhos ou entre marido e mulher); enquanto os laços «fracos» ocorreriam entre gerações mais distantes (por exemplo, a geração mais nova e a mais idosa numa família de quatro gerações), entre núcleos ou agregados familiares dispersos geograficamente, ou entre linhagens distintas (por exemplo, entre compadres e comadres). Neste contexto, os autores põem a hipótese de existir a presença, na família multigeracional, de um ou mais elementos a exercer a função de ligação privilegiada entre subsistemas: o ‘elo de ligação familiar’. As relações familiares intergeracionais ganham relevo à medida que as famílias multigeracionais (coexistência de três ou mais gerações) se tornam mais comuns. No Projeto “O Trilho” analisam-se as redes sociais pessoais de indivíduos pertencentes a famílias com membros em quatro gerações, procurando-se ampliar uma perceção da matriz relacional que sustenta o sistema familiar multigeracional. Esta análise da rede social pessoal é realizada através de um instrumento criado pela investigadora (anexo A) adaptado da Análise da Rede Social Pessoal de Alarcão & Sousa, 2007, baseado em Sluzki, 1996. Vicente & Sousa (2007) afirmaram, relativamente a este instrumento, que existem diferenças significativas nas características estruturais/morfológicas da rede consoante as gerações; os conteúdos funcionais e de suporte da rede permanecem inalterados a partir da idade adulta; as características estruturais e funcionais do quadrante familiar revelam a 31 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas importância da contiguidade geracional; o contexto familiar multigeracional permanece relevante para o desenvolvimento individual mesmo face às pressões sociais da modernidade. Este estudo constitui um contributo para aprofundar o conhecimento das famílias multigeracionais e envelhecidas, do ciclo vital individual e familiar, complementando outros estudos sobre aspetos funcionais e estruturais do sistema familiar, com a extensão processual das redes sociais dos seus membros. 2.5. Funcionamento Familiar Os elementos de uma família estão aliados pelas relações que constituem entre si, sendo o padrão destas relações designado de funcionamento familiar (Sousa, 2005). Nas famílias multiproblemáticas parecem não existir objetivos familiares, sendo as energias gastas em conflitos imediatos, conjunturas de emergência e sobrevivência (Sousa et al., 2007). Daqui resulta um funcionamento familiar pouco satisfatório, tanto nos aspetos mais organizativos (gestão doméstica, proteção dos filhos, etc.) como nos mais relacionais (gestão de conflitos, estabilidade afetiva), (Alarcão, 2002). Tendo em conta as especificidades das famílias multiproblemáticas, surgem como principais dimensões a explorar ao longo do acompanhamento social individualizado para potenciar a responsabilidade parental e a intergeracionalidade: comunicação, organização, história e ciclo de vida, economia, redes sociais e função parental. 2.5.1. Comunicação As características centrais da comunicação nas famílias designadas de multiproblemáticas são o caos comunicacional, a pobreza emocional das mensagens e a falta de diretividade e clareza. De um modo geral a comunicação é interligada de forma diminuta e justapõe-se, não apresentando ligações lógicas nem coordenação (pseudodiálogos ou diálogos paralelos - não acreditam ser ouvidos e não ouvem se os outros falam), o que torna difícil chegar a conclusões (Minuchin et al., 1967; Neto, 1996; Sousa, 2005). Para Linares (1997) os membros destas famílias mostram epistemologias elementares e pouco consistentes, onde os escassos elementos explicativos são utilizados de forma 32 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas arbitrária. O impedimento de metacomunicar7 consiste precisamente na pobreza epistemológica individual, que, a nível coletivo, proporciona algum consenso quanto às crenças e valores familiares, situando-se a ideologia familiar próxima da marginalidade. Contudo, as narrativas individuais seguem cursos tão dissociados, que o seu grau de convergência em mitologias familiares é mínimo, existindo pouco mitos familiares. As poucas emoções partilhadas expressam-se com enorme exuberância e pouco controlo, não subsistindo o hábito ou a capacidade de refletir através da metacomunicação, o que gera com facilidade a agressão (verbal e/ou física), verificando-se um claro o predomínio do pragmático sobre o cognitivo (Linares, 1997; Sousa, 2005). No que se refere ao subsistema conjugal, a comunicação quanto à divisão de tarefas e à função de cada elemento na família é desordenada ou ausente, sendo frequentes as interações vagas, inacabadas (os cônjuges raramente falam entre si, apresentando uma orientação análoga da comunicação) e as dificuldades/conflitos interpessoais não resolutos (Minuchin et. al, 1967; Neto, 1996). Subsistem défices na representação de afetos positivos e, frequentemente, ocorre manifestação com maior facilidade de afetos negativos (por vezes acompanhados com agressividade e violência) (Neto, 1996). No âmbito do Projeto “O Trilho” a questão da comunicação é trabalhada em todos os contactos estabelecidos no âmbito do acompanhamento social, nas visitas domiciliárias, nas visitas à instituição, nos workshops de Formação Parental, bem como nos Programas estruturados de Formação Parental através do diálogo e da escuta ativa, mantendo uma postura adequada dentro dos parâmetros ditos «normais» do processo comunicacional. Dentro deste âmbito é também efetuada uma sessão de intervenção explorando a temática da comunicação conforme expressado na seguinte tabela apresentada (tabela 3). 7 Segundo Alarcão (2002: 351) a metacomunicação trata-se de “Comportamento ou acto de comunicar sobre a comunicação. Na esfera da interacção pessoal (…) tem como finalidade assinalar, especificar e pontuar o contexto de interacção. Este contexto determina como devem ser interpretados os comportamentos relacionais”. 33 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas Tabela 3: Sessão de intervenção com o tema “Comunicação” Nome Atividade “Os benefícios da comunicaçã o no seio familiar” Objetivos Descrição Metodologia Recursos Calendarização Avaliação diagnóstica contextualizada e intervenção no sentido do empoderamento e capacitação, proporcionando conhecimentos sobre formas de comunicar e interagir e a escuta ativa e o diálogo Aproximação da progenitora aos problemas dos filhos. Exercício com promoção da capacidade de se colocar o lugar do outro, estimulando as capacidades comunicativas. Informar e orientar a mãe sobre o desenvolviment o e a socialização das crianças Educação parental8. O apoio deverá superar a desconfiança, basear-se no respeito e ter um cariz prático e acrítico, dando voz essencialmente à mãe. Metodologias ativas e reflexivas9 Deslocação à habitação Deslocação à instituição Material didático 3 Sessão de 60 minutos cada, carga horária total 180 minutos Fonte: Plano de Intervenção Familiar delineado no âmbito do Projeto “O Trilho” Esta sessão, bem como qualquer sessão de intervenção é delineada através de um guião que descreve as atividades a desenvolver identificando os objetivos e as respetivas técnicas e estratégias a desenvolver, tal como consta no exemplo da tabela 4 apresentada de seguida. Tabela 4: Guião de Intervenção Nº e nome da sessão Objetivos A: Conhecer o processo de Sessão nº x “Comunicação” comunicação explicando como se processa a mesma B: Conhecer os estilos comunicativos enquanto estilos parentais C: Introduzir a ideia dos pais valorizarem os comportamentos comunicacionais, em vez de os sentimentos Técnicas/Estratégias A1: Explicar o processo comunicacional nomeadamente, os elementos (emissor, recetor, mensagem, contexto) e as formas de comunicação (verbal e não verbal) B1: Expor os diferentes tipos/estilos de comunicação associando-os aos estilos parentais C1: Exercício reflexivo Fonte: Guião de intervenção delineado no âmbito do Projeto “O Trilho” 8 Do ponto de vista centrado nas necessidades da criança/jovem, a Educação Parental é entendida como uma modalidade de intervenção na parentalidade, com objetivos gerais de promoção e da capacitação dos pais no desempenho das funções básicas educativas, manutenção de vida, estimulação, apoio emocional, estruturação do ambiente e supervisão (Bradley, 2002). Perspetivando-se a Educação Parental como um processo co-construído ao longo da intervenção com os pais/cuidadores, no sentido de se desenvolverem e reforçarem competências parentais que permitam um melhor e mais adequado desempenho das funções educativas (Cruz e Pinho, 2008). 9 Metáforas, provérbios, vídeos, role-playing, brainstorming, debates, entre outros. Estas metodologias contribuem de uma forma mais evidente para a eficácia da intervenção junto da população geral, comparativamente com os métodos pelo didactismo (Graziano & Diamont, 1992). 34 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas 2.5.2. Organização Familiar A designação de organização familiar transcreve-se num espaço onde se concentram as semelhanças dos membros e, nas famílias multiproblemáticas, é o espelho do estilo de comunicação predominante: caótica ou desagregada, dispersa e centrífuga (Linares, 1997; Sousa, 2005). O tempo não tem os sentidos que habitualmente lhe atribuímos, verificando-se a falta de rotinas e horários partilhados por parte dos elementos das famílias multiproblemáticas. Este aspeto reflete-se na relação destas famílias com os profissionais dos diversos serviços pelos quais são apoiadas. Os horários e agendamentos não são percecionados como elementos significativos da organização do tempo, pelo que são comuns faltas e atrasos aos compromissos. Assim, é inconsistente interpretar este tipo de situações como resistência à mudança e, tal como a desvalorização destas famílias comparativamente a modificação da periodicidade ou do sítio dos atendimentos, devem ser enquadrados na falta de rituais (Alarcão, 2002; Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997). A organização familiar é igualmente intervencionada no âmbito do Projeto “O Trilho” através das dinâmicas relacionais entre a equipa Técnica e as famílias/cuidadores. “Cada vez mais equipas apostam na intervenção familiar, no sentido de prevenir a exclusão de cada um dos elementos e promover uma dinâmica funcional e positiva. E a partir de um todo mais coesa e flexível que cada uma das pessoas se sentira livre para se autonomizar, sem perder um sentido de pertença a sua família” (Rivero, 2010: 35). É essencial capacitar os Técnicos de Serviço Social para uma intervenção que, não só responda as carências particulares inesperadas, mas que contemple um trabalho inclusivo da dinâmica de cada família. Uma dinâmica positiva no âmbito das relações irá impulsionar famílias mais coesas e autónomas ao longo do tempo. 2.5.3. História e Ciclo de Vida Como já foi referido, os comportamentos sintomáticos surgem, geralmente, logo nas iniciais etapas do ciclo de vida, observando-se que o sistema familiar, muito lábil mas escasso na maleabilidade, observa estas situações de crise como urgências e converte-as em avarias (Alarcão, 2002). As tentativas promovidas no sentido de aperfeiçoar qualquer situação mais stressante, por norma terminam em guerras (Weizman, cit. in Sousa, 2005), dado que a falta de apoio recíproco e padrões de alianças desviados arrastam estados afetivos negativos nos membros da família (Minuchin, 1982). Além disso, num sistema em que as relações são 35 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas separadas será menos afetivo qualquer procedimento adaptativo com negociação, decisão de problemas e de conflitos. Uma das particularidades do ciclo vital das famílias multiproblemáticas que tem sido evidenciada diz respeito ao protagonismo do elemento feminino (Fulmer, 1989; Hines, 1989), ligado à responsabilização, em idade precoce, pelos irmãos mais novos e pelas tarefas domésticas. A falta de regras, a desvalorização da escolaridade e o facto de o trabalho não eleger uma fonte de realização profissional, agudiza esse papel de adultização prematura, sem a adequada maturidade e preparação, sendo o número de mães adolescentes elevado, tal como os casamentos e uniões de facto em idades precoces (Fulmer, 1989). Ao longo do ciclo de vida estas famílias têm, ainda, tendência a acumular crises inesperadas, quase sempre, derivadas da sua elevada vulnerabilidade a pressões do meio. Estes eventos requerem alterações súbitas, particularmente, no que toca à prestação de cuidados às crianças, às quais a família tem dificuldade em adaptar-se. Desta forma, espera-se que as crianças cresçam depressa, para assumirem algumas das tarefas dos adultos, renovando-se, assim, o círculo – novas gerações, por mecanismo de ‘hereditariedade relacional’, reconquistam uma vida igual à dos seus ascendentes (Sousa, 2005). No âmbito da investigação a elaboração das histórias de vida demarcam-se como relevantes no acompanhamento social individualizado pois, com a execução das mesmas, constituem-se importantes momentos de (re)significação dos problemas. Há medida que a família relata os acontecimentos está a reconfigurar-se mentalmente face ao problema. Esta dimensão oferece, pois, grande importância para o acompanhamento social, sendo que o mesmo permite a construção de uma história de vida mais descritiva, pormenorizada, rica em factos, entre outros. Esta reconfiguração mental permite a consciencialização do problema em qual as famílias estão inseridas, por parte das mesmas, através do reforço da problemática na construção das narrativas. Esta tomada de consciência é o ponto de partida para o processo de mudança, conforme refere a Teoria Comportamental. No âmbito do projeto, a construção de histórias de vida baseiam-se num exercício que se poderá denominar de anamnese. Através da anamnese, a investigadora procura identificar a composição e estrutura do núcleo familiar bem como a família alargada, a história familiar (inlcuindo marcos como a formação do casal, os falecimento e/ou ruturas, nascimento de filhos, epocas de crise, entre outras) uma abordagem ao risco (identificando o tipo de risco pelo ao qual a criança/jovem foi submetido analisando a tomada de consciência 36 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas dos familiares/cuidadores), caracterização das pessoas a intervencionar (idade, vulnerabilidade, saúde física e mental, tipo de vinculo, percurso escolar e laboral, capacidades intelectuais, entre outros) e as competências parentais (enunciar as aptidões mais fortes e menos fortes, para reconhecer e satisfazer as necessidades da criança, expetativas, práticas e disciplina), com a finalidade de desvendar as questões sociais que possam colaborar para a tomada de consciência das famílias como da equipa de intervenção para uma melhor perceção das problemáticas envolventes, reforçando a importância da participação familiar neste processo e trabalhando os determinantes sociais, familiares e acompanhantes. 2.5.4. Economia As famílias multiproblemáticas apresentam, de uma forma geral, um baixo nível socioeconómico, uma elevada taxa de desemprego ou um trabalho precário, iliteracia ou baixo nível de escolaridade, e pouca formação/qualificação profissional. O sucesso na escola/profissão (o emprego é visto como uma forma de obter rendimentos em termos de dinheiro e não como fonte de realização) é muitas vezes desvalorizado, não conferindo um significado à vida (Fulmer, 1989; Minuchin et al., 1967; Neto, 1996). Tanto faz um emprego como outro, desde que sejam similares em dificuldade, salário, estímulo e estatuto social (Sousa et al., 2007). A gestão financeira ou a relação com o dispêndio contrai contornos caricatos, verificando-se contratempos em gerir os rendimentos e prioridades – é frequente encontrar casas carentes de bens considerados de primeira necessidade, e invadidas de objetos inúteis, caros e de pouca utilidade, mas largamente desejados (Alarcão, 2002; Cancrini, Gregório & Nocerino, 1997; Sousa et al., 2007). Os recursos económicos advêm, em grande parte, de subsídios de ordem distinta, por vezes, acrescidas do produto de atividades ilegais (que tentam esconder dos técnicos), sendo habitualmente utilizados para objetivos familiares, no caso das mulheres, ou para objetivos pessoais, no caso dos homens (Alarcão, 2000; Linares, 1997; Sousa et al., 2007). A falta de recursos económicos não deverá ser um impedimento para o regresso das crianças/jovens às respetivas famílias, porém, no âmbito do Projeto “O Trilho” esta vertente é bastante considerada, sendo que à maioria das famílias é realizada uma sessão de acompanhamento individualizado que estimule a procura ativa de emprego dotando os intervenientes de ferramentas mínimas para a procura de emprego, bem como uma sessão 37 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas sobre gestão financeira, ajudando as famílias multiproblemáticas a encontrarem formas mais práticas e eficazes de gerir os rendimentos. 2.5.5. Redes Sociais Tem vindo a ser salientada a importância, no trabalho com famílias multiproblemáticas, das relações entre o contexto envolvente e estes sistemas familiares. Torna-se necessário atender às pessoas e serviços implicados, de forma a dar sentido aos comportamentos e relações (Linares, 1997). Os valores da sociedade vigente, defendendo uma maior valorização do individual e diminuindo a importância da coesão familiar e do suporte social, parecem ter maior evidência nestas famílias, dada a sua dependência e vulnerabilidade da estrutura social (Aponte, 1990). Fulmer (1989) acentua a utilidade da família alargada no apoio a estas famílias permitindo atenuar as pressões do ambiente circundante: existem uma série de atividades que são partilhadas por uma série de pessoas (educação das crianças); os membros da família podem recorrer a diversas pessoas em caso de necessidade; maior probabilidade de troca das funções de uma pessoa que morra ou que fique incapacitada. No entanto, o referido autor alerta também para o facto desta elevada interdependência poder implicar uma maior vulnerabilidade na adaptação ao contexto envolvente (dificulta a mobilidade da família, fator que se reflete na procura e integração do mercado de trabalho). Para Warren (in Sousa, 2005), o facto das redes informais destas famílias serem muito concentradas no sistema familiar, torna-as homogéneas e fechadas, já que incluem pessoas com histórias e vidas similares. Estas relações são muitas vezes instáveis pois, apesar da proximidade geográfica, tendem a ser dominadas por parentes críticos e pouco apoiantes ao nível das utilidades que executam e do envolvimento na resolução de problemas. Os elementos das famílias multiproblemáticas apresentam baixas competências sociais, fator que tem um impacto negativo na manutenção de relações (Sousa et al., 2007). Estas famílias caracterizam-se, ainda, pela procura constante de apoios no exterior (segurança social), sendo frequentemente, assistidas por diferentes instituições (assistência social, tribunais, polícia, hospitais, igreja, etc.) (Minuchin et al., 1967). Na rede de serviços que coexistem em torno das famílias multiproblemáticas, todos os processos se desenvolvem em âmbitos complexos, onde as mudanças ecológicas acarretam consequências distintas (Linares, 1997). Assim as intervenções externas podem aumentar as dificuldades das famílias 38 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas multiproblemáticas complicando o balanço entre ganhos e perdas, uma vez que as supostas primazias destas intervenções poderão não recompensar os incómodos provenientes da troca dos recursos do sistema por outros alheios (Linares, 1997). Na intervenção institucional não há, na maior parte das vezes, um trabalho de meditação agrupada sobre os problemas a resolver nem sobre as dificuldades a equacionar. Consequentemente, o reenquadramento não atende à globalidade nem à complexidade das situações e dos participantes, onde se englobam as instituições e os técnicos (Alarcão, 2002). Linares (1997) refere que, para potenciar uma transformação da família para que a organização familiar seja senão caótica e a mitologia mais abundante e diversa, deve ser tido em conta que os espaços emocional, cognitivo e pragmático: a) será útil trabalhar no sentido de ampliar o espaço de partilha das emoções, para que nele possam convergir os mais variados afetos; b) sem confrontar diretamente os valores e crenças familiares convêm relativizá-los para que possam surgir outros novos; c) procurar o desenvolvimento de rituais familiares que reúnam os vários membros em ações conjuntas. Ao nível das instituições, torna-se importante a dinamização de encontros inter-institucionais para ampliar a eficácia e eficiência da intervenção de cada instituição e de cada técnico (Alarcão, 2002). 2.5.6. Função Parental Enquanto núcleo impulsionador e auxiliador do desenvolvimento e crescimento humano, a família possibilita aos elementos que a constituem a execução de duas funções fundamentais: assegurar o seguimento do ser humano e permitir o equilíbrio entre o crescimento/individuação e a socialização de cada membro da família. Neste contexto, a família, sobretudo através dos pais, é uma das causas mais relevantes de socialização e educação (Alarcão, 2002). A avaliação da parentalidade, numa perspectiva ecossistémica, “ (…) tem subjacente a existência de diferentes formas pelas quais os pais gerem as suas responsabilidades refletindo a conjugação entre as suas capacidades e características”, as necessidades de desenvolvimento da criança, e os recursos disponíveis (Calheiros, 2006; Pecnik, Daly, & Lalière, 2006 cit. in Valente, 2009: 1). “Em condições normais, o ecossistema familiar mantém um estado de equilíbrio dinâmico entre os recursos e os níveis de stress” (Corcoran & Nichols-Casebolt, 2004; Fuster & Ochoa, 2000 cit. in Tavares, 2011: 23). Porém, como sucede a muitas famílias, especificadamente às famílias multiproblemáticas, por vezes as 39 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas modificações no exterior da família, planeadas com as mudanças no seio da família, originam um estado de desestabilização ecológica, no qual o nível de stress excede os recursos pessoais e familiares disponíveis (Alarcão, 2002). Deste modo, entende-se que a função parental nestas famílias também se anuncia corrompida, quer ao nível da vinculação quer ao nível da socialização. Revela-se constante ser a figura materna quem ocupa uma posição-chave, equivalendo ao sucesso na vida e à geração dos filhos, hipervalorizando e expondo expetativas eminentes quanto ao papel de mãe (críticas à interação mãe-filho, são sentidas como desqualificação pessoal). No entanto apresenta-se como uma figura caótica, sendo que por vezes, ausenta-se da sua colocação central, variando entre a raiva e a depressão e acusa e defende, simultaneamente, o marido. A participação da figura masculina deriva da colocação que a mãe assume no sistema familiar, ocorrendo maior probabilidade quando a mãe adota uma posição de maior desligamento. Assume peculiar importância a rede de suporte informal na educação das crianças, sendo diversas vezes confirmada por membros da família alargada e/ou pessoas significativas. “O poder acaba por se dispersar por várias figuras que assumem a liderança rotativamente, não obedecendo a um sistema de regras ou princípios claros nem congruentes” (Valente, 2009: 93). A essência do poder parental torna-se assim desordenada pois, por um lado a hierarquia de poder está implicada pela deterioração grave ao nível do seu movimento e da sua distribuição; por outro lado, observa-se que os pais flutuam entre um poder autoritário e absoluto, e períodos de destituição física ou psicológica comparativamente às suas funções, que concorrem com a delegação das funções parentais num filho (inversão de papéis). Entre pais e filhos é comum estabelecerem-se algumas alianças disfuncionais: a criança é colocada numa situação de desmembramento de lealdade, tendo de preferir entre um dos pais, permanecendo numa situação indesejável de poder relativamente ao pai, com o qual se alia (Alarcão, 2002; Sousa, 2005). A combinação de parentalidade danificada, onde a “vinculação emocional está desprezada pela utilização instrumental no vínculo parental”, e desarmonia na conjugalidade, marcada pelos conflitos e frustração, resulta muitas vezes na utilização sexual das crianças. “Da mesma forma que os impulsos eróticos, os impulsos agressivos dos pais fluem livremente, ficando os filhos sem o controlo das funções protetoras, o que resulta em maustratos físicos que emergem com frequência sobre um fundo de abandono e falta de cuidados” (Alarcão, 2002; Sousa, 2005 cit. in Valente, 2009: 94). 40 Capítulo 2 – Famílias multiproblemáticas/multiassistidas A imprevisibilidade das respostas dos pais reflete-se nas crianças/jovens em lacunas na seguridade básica e interiorização de paradigmas inseguros de vinculação (não existem regras implícitas ou explícitas da conduta que possam ser interiorizadas). Assim, necessitam dos pais para organizar as suas transações interpessoais, o que lhes dificulta a verdadeira autonomização e a tranquila exploração do meio. A existência de várias figuras parentais não quer dizer que tenhamos pais, grande parte das vezes este fator, conjugado com a distinta vulnerabilidade do meio, proporcionam nas crianças e jovens sentimentos de medo, abandono, comportamentos defensivos e prematura auto-suficiência emocional. A ausência de normas na interação pais-filhos (estrutura de socialização) está associada à ausência de instruções relativamente à forma das crianças se comportarem no futuro (desconhecimento das normas culturais), sendo potenciadora de conflitos com o meio. Ao nível dos jovens e jovens adultos, proporciona-se perturbações que propiciam a passagem ao ato e incompetência na integração nos sistemas externos. “A patologia mais vulgar é do tipo sócio ou psicopático, aliada a problemas de adaptação escolar, delinquência, toxicomanias e alcoolismo” (Alarcão, 2002; Sousa, 2005 cit. in Valente, 2009: 93). Existem igualmente aspetos positivos na parentalidade em famílias multiproblemáticas. Ocorre o reconhecimento de que os pais amam os filhos, situação que sucede dos seus próprios modelos de referência, os quais foram, também, instáveis e inseguros. Nestes, encontram-se reservas de honestidade e dependência, que conservam juntos os diversos elementos (Minuchin, Colapinto & Minuchin 1998; Sousa et. al 2007). A instabilidade afetiva que caracteriza estas famílias e a força da discórdia e do conflito que experienciam, possibilitam conceber vivências menos monolíticas, e mágoas a partir das quais se desdobram alguns mecanismos protetores e modificadores das falhas na função parental (a mãe que se zanga com o marido, perante a agressividade deste para com os filhos) (Alarcão, 2002; Sousa, 2005). Este enquadramento, para o Projeto “O Trilho” e para a presente investigação transmite especial importância pois, profissionais que trabalham com famílias multiproblemáticas não negligenciem o funcionamento familiar na sua globalidade, sendo que poderá ser a porta de entrada para a transformação que possibilite à família promover o seu desenvolvimento enquanto ecossistema, bem como o desenvolvimento individual daqueles que a compõem. 41 Capítulo 3 Papel do Estado na intervenção em contexto de risco Capítulo 3 - Papel do Estado na intervenção em contexto de risco 3.1. Entender as mudanças Na contemporaneidade há um maior reconhecimento da diversidade de estruturas e modelos familiares. Outras mudanças sociais alteraram o contorno das vidas das famílias e das relações pessoais: somos uma sociedade envelhecida, há mães a trabalhar, um maior número de pessoas vivem sozinhas, e a migração global significa que os compromissos familiares cruzam continentes. Neste sentido, o apoio do Estado precisa de ultrapassar a desconfiança e providenciar um apoio que admita, seja exequível e não crítico, e dê voz aos seus utilizadores. Alguns grupos permanecem relativamente desapoiados localmente e nacionalmente, em particular as famílias com um adulto ou uma criança portadora de deficiência, bem como famílias de minorias étnicas. O apoio deveria basear-se num entendimento da estrutura moral existente que subjaz aos compromissos e sentido de responsabilidade das pessoas, mais do que nas condições de «sem responsabilidades não há direitos» (Williams, 2010). Algumas mudanças mais visíveis nos modelos familiares aconteceram ao longo dos últimos 20 anos e, durante esse período de tempo, foi possível assistir a quatro alterações na forma como as políticas modificaram o que se entende por casamento e por relações familiares. Uma das mudanças foi a transferência nas políticas económicas e de bem-estar da família, do modelo de homem provedor para o de trabalhador adulto, em que homem e mulher são fontes de rendimento. As mudanças que ocorreram na sociedade, na família e no trabalho carregam consigo um conjunto de pressupostos do que deveriam ser as vidas familiares e as relações pessoais. Parecem refletir, assim, o que tem vindo a acontecer – as mulheres trabalham mais, as pessoas podem tornar-se pais, quer sejam casadas, coabitando, divorciadas, não casadas e solteiras, homossexuais, e os pais estão mais centralizados nos seus filhos (Williams, 2010). Segundo Cruz e Pinho (2006), as famílias atuais sofreram grandes transformações pois, da família portuguesa burguesa, caracterizada pela autoridade incontestada do chefe da família, passamos a diversas organizações familiares, que se apresentam nos dias de hoje. Estas alterações foram significativas. Se o elo conjugal se fragilizou, o elo da filiação ganhou importância. Atualmente os progenitores esperam que os filhos sejam o sentido da sua existência e em grande parte dos casos tem grandes expetativas face aos seus descendentes. 44 Capítulo 3 - Papel do Estado na intervenção em contexto de risco Numa análise das políticas públicas em geral, bem como em Portugal e no contexto Europeu, é possível identificar uma associação contraditória entre discursos e práticas assentes em pressupostos diferenciados. O redimensionamento dos Estados Providência após a década 80 do século XX tem-se centrado na revalorização do papel da sociedade civil, dos cidadãos e do mercado, numa lógica de produção mista de bem-estar social. Um modelo de Estado omnipresente dá lugar ao modelo de ‘embirrento’, capaz de libertar a sociedade da necessidade e do risco, o novo modelo apela à participação dos diversos agentes na construção de respostas mais adaptadas às reais necessidades, potenciando uma gestão eficiente de recursos diferenciados (Albuquerque, 2010). A nova geração de políticas sociais possuem, segundo Albuquerque (2010) os seguintes pressupostos: a) Territorialização, valorizando a intervenção sociopolítica nos territórios locais pelo aproveitamento das respetivas potencialidades; b) Inserção e ativação, apelando ao papel ativo dos cidadãos na reconstrução de um projeto de vida e coligando a execução de deveres, devidamente contratualizados, à prestação de um direito; c) Singularização, procurando apropriar as respostas sociais aos trajetos de vida, às potencialidades e às esperas pessoais e sociais de cada sujeito. Neste sentido as políticas e práticas atuais consagram a valorização do sujeito no processo de condução e construção de si mesmo, num percurso pessoal e social marcado pela autenticidade. Ganham assim relevância, num universo semântico, o empowerment, competência, contratualização, a nível profissional, o acompanhamento, protocolos, ativação, motivação e avaliação, ao nível moral a confiança e o reconhecimento, totalmente fixados em vias inovadas de experimentação social e política, nas quais a incitação à autonomia tende a ocupar o espaço da retórica da proteção. Verificamos desta forma que a presente investigação, enquadramse no sentido das políticas e práticas atuais pois, também se constrói com base na autenticidade, dando relevo ao empowerment e capacitação das famílias/cuidadores no sentido de fomentar a responsabilidade parental, usando a investigadora o acompanhando social individualizado. Torna-se claro que a nova geração de políticas sociais criou novos hábitos e requisitos na intervenção social, acompanhando novas configurações e agentes para o panorama da organização da proteção social (Guadalupe, 2009). “Introduz uma filosofia e 45 Capítulo 3 - Papel do Estado na intervenção em contexto de risco cidadania ativa, enfatizando a sua relação com o utente enquanto cidadão e não meramente como assistido” (Guadalupe, 2009: 112). Os modelos de intervenção são mais próativos comprometendo um superior envolvimento e co-responsabilidade. As novas metodologias de abordagem implicam uma intervenção em parceria, uma ação descentralizada, a distribuição de encargos e de ação com as organizações da sociedade civil. As parcerias ou redes sociais de parceiros (atores coletivos com competências individualizas, quer públicos quer privados) são estruturas de ação integrada que procuram identificar necessidades e conceber estratégias ou criar projetos conjuntos, partilhando responsabilidades. Colocam em comum recursos com informação, produzir ajudas, mobilizar capital social, ligar os agentes económicos ou controlar as políticas públicas. “O mundo da intervenção social é um mundo complexo feito de decisões políticas tomadas na base de valores e de ponderação de interesse, de administração de programas por intermédio de estruturas muito burocratizadas, de delegação da execução das medidas em níveis descendentes de cadeia hierárquica e de padrões de discricionariedade relativamente amplos e partilhados por profissionais situados na periferia do sistema” (Sousa et al. 2007: 114). Enquadrando com a investigação, o acompanhamento social é um processo de responsabilidade partilhada entre parceiros institucionais autónomos dotados de diferentes competências e poderes, competindo muitas vezes si e movidos por interesses nem sempre convergentes. Não basta ter boas políticas, é preciso que elas sejam levadas à prática sem distorções que alterem por completo a sua missão. É importante analisar a forma como os programas sociais são desenvolvidos e o papel desempenhado pelos diferentes atores para entender como pode ser diferente e equivoca a imagem das políticas que chega aos destinatários e como pode ser contingente ou desajustado o seu resultado. “A falta de credibilidade ou a desconfiança na ajuda dos profissionais, a apatia ou mesmo desinteresse perante as propostas de inserção, a falta de consciência das obrigações assumidas nos acordos, a recusa da ajuda benévola proveniente de certas instituições, são frequentemente manifestações de resistência à intervenção social que radicam naquela imagem das políticas ou em resultados negativos de intervenções anteriores” (Sousa et al. 2007: 114). As resistências das famílias às propostas dos Técnico Superior de Serviço Social devem ser entendidas positivamente, funcionar como sinais de alerta para detetar e prevenir efeitos negativos para as famílias de que se não teve consciência. 46 Capítulo 3 - Papel do Estado na intervenção em contexto de risco 3.2. Evolução da Justiça em Portugal A evolução da justiça de menores em Portugal, no que respeita aos tipos de situações abordadas até ao momento, regista tendências diferentes nas décadas de 1960/70 e 80 e na década de 1990. Considerando dois grandes grupos de crianças, as crianças em risco e aquelas que praticam atos qualificados como crimes pela lei penal, verifica-se, entre 1964 e 1989, um desenvolvimento marcado de processos relacionados com a prática de crimes pelas crianças, a par da diminuição daqueles que respeitam às situações de risco. Contrariamente, a partir do fim da década de 1980, denota-se um decrescimento dos casos de prática de crimes e um aumento da procura da justiça para a solução de situações de risco (Pedroso & Fonseca, 1999). Na generalidade, pode afirmar-se que cerca de metade das crianças que entram em contacto com o sistema judicial se encontra em situação de risco, sendo as restantes, que praticam sobretudo atos qualificados como pequenos furtos, tendencialmente oriundas de grupos sociais desfavorecidos (Pedroso, 1998). Outro indicador enaltecido da evolução da experiência judiciária é a aplicação das medidas tutelares. Também neste domínio se assinalam transformações importantes que, globalmente, traduzem a diminuição das medidas de advertência e entrega aos pais, relativamente frequentes, e o acréscimo das medidas de acompanhamento educativo no seio da família, que comprometem o recurso e a articulação com entidades e serviços de ação social (Pedroso & Fonseca, 1999). A incapacidade exteriorizada das entidades envolvidas na aplicação de medidas de acompanhamento e de apoio não institucional, tais como, Tribunais, CPCJ e Centros Regionais de Segurança Social, para desempenharem esta função, tem motivado o recurso, indevido porque inadequado aos requisitos dos casos, à colocação familiar e institucional (Pedroso, 1998), que assim se vêem preenchidas por solicitações para as quais não estão vocacionadas, comprometendo a acomodação da sua resposta e, por isso, a sua eficácia. No que respeita às medidas de caráter institucional, verifica-se como facto discrepante que, apesar de nos últimos dez anos o internamento em equipamentos assistenciais ou educacionais representarem apenas 5% das medidas aplicadas10, dão conta de cerca de 10 000 crianças institucionalizadas em lares de crianças e jovens sem meio familiar. Perante tal 10 Dados do Relatório da Comissão Interministerial para articulação entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Solidariedade e Segurança Social, de 1996 47 Capítulo 3 - Papel do Estado na intervenção em contexto de risco contradição, Pedroso e Fonseca (1999) referem a hipótese de que a maioria destas crianças possa ter sido recebida pelas instituições sem a intervenção do Tribunal. Acresce que a aplicação do Direito de Menores quanto ao tipo de medidas escolhidas e a intervenção efetuada parece estar estreitamente vinculada ao empenhamento dos profissionais envolvidos no processo, nomeadamente os magistrados e os técnicos superiores de serviço social. Em resultado enxerga-se uma notável instabilidade no desempenho das entidades judiciárias e não judiciárias, em parte imputável a problemas funcionais identificados ao nível da ação social, das CPCJ e dos tribunais (Pedroso, 1998), que vieram a ser contemplados pela nova legislação de menores de 1999. Da análise da eficácia da intervenção judicial junto das crianças e jovens constituídos como sujeitos/objetos de processos tutelares, os atores concluem que, se na maior parte das situações a intervenção do Tribunal de Menores parece ter um papel reeducador e de reinserção social, pelo contrário revela-se absolutamente inoperante numa parcela significativa dos casos tutelados, especialmente naqueles que envolvem crianças e jovens em situação de forte desvantagem social e com comportamentos desviantes. A tabela que se segue representa alguns aspetos do quadro jurídico-legal português relevantes ao longo do século XX. Tabela 5: Evolução legislativa em Portugal Ano 1911 1919 Diploma legal 1926 1944 1962 1978 Decreto-Lei (DL) n.º 314/78, de 27 de Outubro Objetivo Lei da Proteção à Infância Criação de um órgão coordenador das ações tutelar sobre as crianças: • Inspeção-Geral de Proteção à Infância • Administração e Inspeção-Geral dos Serviços Jurisdicionais e Tutelares de Menores (1923) • Direção Geral dos Serviços Jurisdicionais de Menores (1933) As Tutorias da Infância adquirem competências de definição e intervenção nas situações de perigo moral para a criança As Tutorias da Infância mudam a designação para Tribunais de Menores Organização Tutelar de Menores (OTM): • Multiplicação de instituições tutelares de atendimento diferenciado • Criação da Direção Geral dos Serviços Tutelares de Menores e do Regime de Assistência Educativa (em substituição da Direção Geral dos Serviços Jurisdicionais de Menores) Revisão da OTM Processos tutelares cíveis 48 Capítulo 3 - Papel do Estado na intervenção em contexto de risco Ano 1979 1986 1990 1991 1992 1993 1995 1996 1997 1998 Diploma legal DL n.º 288/79, de 13 de Agosto DL n.º 2/86, de 2 de Janeiro Resolução n.º 20/90, da A.R., publicada no D.R. n.º 211, I série, de 12 de Setembro DL n.º 189/91, de 17 de Maio Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/92, de 18 de Agosto DL n.º 190/92, de 3 de Setembro DL n.º 185/93, de 22 de Maio DL n.º 119/93, de 25 de Fevereiro Lei 58/95, de 31 de Março Lei n.º 84/95, de 31 de Agosto Despacho 10/9/96 Despacho 13/12/96, publicado em D.R., II série, de 30/12/96 Despacho n.º 20/MJ/96, do Ministério da Justiça, de 30/1/96, publicado no D.R., 2ª série, n.º 35, de 10/2/96 Despacho conjunto dos Ministérios da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social, de 2/10/96, publicado no D.R., 2ª série, n.º 262, de 12/11/96 Despacho conjunto da Presidência do Conselho de Ministros e dos Ministérios da Justiça, da Educação, da Saúde e para a Qualificação e o Emprego e da Solidariedade e Segurança Social, de 11/12/96, publicado no D.R., 2ª série, n.º 2, de 3/1/97 Despacho conjunto dos Ministérios da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social n.º 524/97, de 18/11/97, publicado no D.R., 2ª série, de 22/12/97 Despacho conjunto dos Ministérios da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social, datado de 18/3/97 e publicado em D.R., 2ª série, nº 92, de 19/4/97 Resolução 193/97, de 3 de Novembro Resolução do C. de Ministros nº 193/97 Despacho n.º 1021/98, do Ministério da Justiça, de 31/12/97, publicado no D.R., 2ª série, n.º 13, de 16/1/98 Lei n.º 9/98, de 18 de Fevereiro DL n.º 98/98, de 18 de Abril DL n.º 120/98, de 8 de Maio DL n.º 2/98, de 2 de Janeiro D. Regulamentar n.º 17/98, de 14 de Agosto Objetivo Instituto do acolhimento familiar Lares de Acolhimento Ratificação da Convenção dos Direitos da Criança Criação das Comissões de Proteção de Menores Projeto de Apoio à Família e à Criança (PAFAC) Regime jurídico do instituto do acolhimento familiar Alterações ao instituto da adoção Regulamentação do funcionamento das IPSS Lei Orgânica do Instituto de Reinserção Social Guarda conjunta Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Infantil Comissão Nacional dos Direitos da Criança, com as competências de acompanhamento dos progressos verificados na aplicação da Convenção dos Direitos da Criança em Portugal e de elaboração de relatórios periódicos a submeter ao Comité dos Direitos da Criança Constituição da Comissão para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas Criação duma comissão interministerial para o estudo da articulação entre os Ministérios da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social Constituição dum grupo de trabalho interministerial incumbido de proceder ao diagnóstico da procura/oferta em matéria de apoio à criança e à família, das necessidades existentes e dos programas oferecidos. Criação da Comissão de Reforma da Legislação de Proteção de Crianças e Jovens em Risco Criação do grupo coordenador do programa Adoção 2000 com o objetivo de facilitar e agilizar o processo de adoção em termos judiciais e administrativos Criação dum processo interministerial e interinstitucional de reforma do sistema de protecção de crianças e jovens em risco Criação da Rede Nacional dos Centros de Acolhimento Temporário Criação da Comissão de Reforma da Legislação sobre o Processo Tutelar Educativo Regime jurídico da adoção Criação da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco Alterações ao regime jurídico da adoção Regulamentação do funcionamento dos Lares de Crianças e Jovens Autoriza a intervenção das IPSS nos processos de adoção; regulamenta a atividade de mediação nos processos de adoção internacional 49 Capítulo 3 - Papel do Estado na intervenção em contexto de risco Ano Diploma legal Objetivo Alteração ao DL n.º 314/78 Processos tutelares cíveis Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo Lei Tutelar Educativa Transferência das crianças e jovens em risco do sistema de Justiça para o de Solidariedade Programa de Ação para a Entrada em vigor da Reforma do 2000 Direito de Menores Alteração ao Código Civil, à Lei de Proteção de Crianças e 2003 Jovens em Perigo, ao DL nº 185/93, de 22 de Maio, à Organização Tutelar de Menores e ao Regime Jurídico da Adoção Fonte: Epifânio, 2001; Ministério da Justiça e Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 1999; Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 2000 1999 Lei n.º 133/99, de 28 de Agosto Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro Despacho n.º 3412/99, de 19 de Fevereiro Resolução do Conselho de Ministros n.º 108/2000, de 19 de Agosto Lei nº 31/2003, de 22 de Agosto Conforme os textos legais mais significativos, do ponto de vista das modificações daí subsequentes para o estatuto das crianças e jovens, bem como para a compreensão dos consensos sociais sobre o risco na infância e na sociedade portuguesa, e ainda das medidas e procedimentos que visam a intervenção nestas situações, parecem poder afirmar-se no decurso do século XX: A Constituição da República Portuguesa; Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro) e Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro); Lei de Bases da Segurança Social (Lei nº4/2007, de 16 de Janeiro). De acordo com as alterações inseridas pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, salientam-se, pela sua especial relevância para a definição jurídica do estatuto dos menores, os seguintes artigos: a) O artigo 36.º, referente à família, ao casamento e à filiação; b) O artigo 67.º, atinente à família, enquanto célula social, e aos deveres de proteção do Estado; c) O artigo 68.º, sobre a paternidade e a maternidade, e os direitos inerentes ao seu exercício; d) O artigo 69.º, sobre a infância, e os seus direitos de proteção. Os direitos sociais ocupam um papel de relevo na matriz constitucional portuguesa, correspondem a um modelo avançado de intervenção e responsabilizam o Estado de desenvolvimento de políticas sociais que suportem esses direitos, No entanto, este projeto constitucional está longe de se consagrar na prática, visto que a definição dos direitos não corresponde uma produção de políticas adequadas a garantir o seu cumprimento e em que os 50 Capítulo 3 - Papel do Estado na intervenção em contexto de risco cidadãos não podem invocar a norma constitucional para obrigar o Estado a produzir essas políticas (Sousa et al, 2007). Por outro lado a execução de muitos direitos sociais está dependente da disponibilidade de recursos económicos e financeiros do país, tendo sido transferida muita desta responsabilidade estatal para o setor privado. No quadro da Lei de Proteção da Infância, são definidas diferentes categorias jurídicas de crianças suscetíveis à atenção dos tribunais, a saber: 1. "Menores sem domicílio certo, nem meios de subsistência, abandonados, pobres, maltratados", que Pedroso & Fonseca (1999: 138) incluem na categoria de menores em perigo moral da Organização Tutelar de Menores (1978); 2. "Menores ociosos, vadios, mendigos ou libertinos", que, segundo os mesmos autores, corresponde à classificação da OTM (1978) de menores indisciplinados e desamparados; 3. "Menores autores de contravenções ou crime”, cuja designação se mantém no texto revisto da OTM. Estes três grupos de crianças e jovens, com idade inferior a dezasseis anos, são merecedores da intervenção tutelar do Estado, tendo em vista a sua proteção atual e a prevenção da delinquência. Assim entendida a ação dos Tribunais, eram postos em prática procedimentos informais e medidas cujos conteúdo ou duração não estavam comparados com os factos eventualmente praticados pelos menores, na prática destituídos de relevância jurídica11. Todas as situações de proteção infantil passam a ter acolhimento no âmbito da Tutelar Educativa, que privilegia as medidas de proteção, assistência e educação, face às medidas corretivas e penais (Vilaverde, 2000). Em consequência, as finalidades dos Tribunais de Menores são redefinidas, em peculiar no domínio da prevenção criminal (Ferreira, 1998), uma vertente particularmente salientada (Pedroso & Fonseca, 1999), constituindo-se como instâncias competentes para decretar medidas a aplicar (Epifânio, 2001): a) A crianças entre os doze e os dezasseis anos que pratiquem atos delinquentes; b) As crianças em situação de perigo para a sua segurança, a saúde, formação moral e a educação. Contudo, não atende ainda medidas especificas com propósito para a resolução do maltrato infantil (Alberto, 2004). Podendo ser distintas as providências tutelares a dedicar às crianças e jovens em risco, bem como, àquelas com comportamentos delinquentes, as regras 11 Proposta de Lei n.º 265/VII, Diário da Assembleia da República, II série A, n.º 54, de 17 de Abril de 1999 51 Capítulo 3 - Papel do Estado na intervenção em contexto de risco processuais e a prática aproximam e identificam as respostas existentes para os dois tipos de situação e de população (Epifânio, 2001). As condutas criminalizadas pela lei penal são destituídas de relevância jurídica, porque são entendidas como sintomas de inadaptação das crianças ao meio envolvente. São a sua personalidade e condições de vida que constituem objeto de atenção, observação e avaliação (Souto de Moura, 2000). Em 1978, a Organização Tutelar de Menores sofre uma revisão, que estende a proteção judiciária para além da proteção criminal, dando maior relevância as medidas não judiciais de proteção de menores por via administrativa. A jurisdição tutelar assume progressivamente um papel de proteção e educação, cabendo ao Tribunal o acompanhamento em permanência dos casos sob a sua alçada. Estas alterações determinaram a reformulação e a redistribuição das competências e funções dos profissionais envolvidos (Ferreira, 1998). No quadro desta revisão, são contempladas várias fontes de risco para as crianças. Os artigos 13º, 15º e 19º deste diploma prevêem três tipos de situações justificativas da intervenção do tribunal de menores (Pedroso & Fonseca, 1999): a) As situações de risco por maus tratos, desamparo ou abandono que afetem crianças e jovens até aos dezoito anos; b) As situações de prática de comportamentos considerados inadequados ou ilícitos, tais como a mendicidade, vadiagem, prostituição, libertinagem, abuso de álcool ou drogas, por crianças e jovens entre os doze e os dezasseis anos; c) As situações de prática por crianças e jovens entre os doze e os dezasseis anos de factos qualificados pela lei penal como crimes ou contravenções. Questões como as relativas ao poder paternal, à formalização do estado de abandono e à obtenção do consentimento dos pais biológicos para a adoção são igualmente previstas. O papel da família é amplamente valorizado (Ferreira, 1998); a institucionalização passa a constituir uma medida extrema, portanto de último recurso, uma vez que implica a separação a família e a privação da liberdade (Vilaverde, 2000). Tal como a Lei de Bases da Segurança Social, a Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde, entre outros programas do governo, encontra-se atualmente a definição das responsabilidades efetivamente assumidas pelo Estado, servindo como instrumentos que revelam as opções políticas que verdadeiramente condicionam as responsabilidades públicas. 52 Capítulo 3 - Papel do Estado na intervenção em contexto de risco A Lei de Bases da Segurança Social faz ainda referência, no Artigo 13.º, ao princípio da coesão intergeracional que implica um ajustado equilíbrio e equidade geracionais na assunção das responsabilidades do sistema. É precisamente na função de proteção da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP)12 que a presente investigação se posiciona, sendo que na mesma se enfatizam os princípios orientadores que fundamentam e deverão regular as medidas de proteção e promoção em processos em que estão em causa os direitos da criança. E se o princípio da responsabilidade parental - Artigo 4.º, alínea f - reforça a regra constitucional que confere aos pais a tarefa de educar e ter um comportamento ajustado às necessidades dos filhos, o princípio da prevalência familiar, consagrado no mesmo artigo - alínea g - determina que seja dada prioridade às medidas de apoio que fortaleçam a capacidade da família e as competências dos pais para preservarem o ambiente familiar e as condições suficientes e adequadas para se manter a criança sob a sua responsabilidade. Deste modo, dá-se privilégio a integração da criança ou do jovem na família de origem – não discriminando as diversas formas de família, o que inclui as adotivas e a colocação em família de acolhimento, e, ainda mais recentemente, o apadrinhamento civil – acompanhada, se necessário, de apoios que possibilitam a sua concretização. Quanto ao apoio a prestar aos pais a LPCJP refere, no artigo 41.º, os programas de educação parental, enquanto instrumento usado no âmbito do Projeto “O Trilho”. Definindo-os como um apoio de natureza psicopedagógica e social, a lei distingue-os do apoio económico, recomendando a sua aplicação aos pais quando tenham sido propostas medidas de apoio em meio natural de vida - artigo 39.º - ou em situações em que a criança possa estar sob a responsabilidade de um familiar - artigo 40.º. No que respeita à educação parental, só atualmente a União Europeia lhe dedicou uma atenção específica no quadro das políticas de apoio à família que emergem de projetos, investigação e estudos que possibilitam a fundamentação dos benefícios que estas medidas podem ter ao nível das práticas e cuidados parentais e, por via direta e indireta, no bemestar e desenvolvimento saudável da criança. 12 Aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, alterada pela Lei nº 31/2003, de 22 de Agosto 53 Capítulo 4 A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco 4.1. Acompanhamento social individualizado Apesar de a parentalidade ser um processo tão antigo como o mundo, o seu exercício continua a ser um desafio constante, uma trajetória cheia de incertezas e dúvidas. Parece ser inquestionável a importância da família no desenvolvimento saudável dos seus filhos, no entanto, um discurso de hiper responsabilização pode traduzir-se em sentimentos de culpabilidade e, muitas vezes, de desespero e medo por parte dos pais, o que não contribui, de forma alguma, para uma parentalidade construtiva. As mudanças sociais céleres tornaram as tarefas parentais ainda mais complexas e exigentes, o que, contudo, não se traduziu num apoio à família capaz que facilitasse a promoção de comportamentos parentais proativos. No âmbito da investigação, o acompanhamento individualizado da família multiproblemática e da criança/jovem está pautado numa conceção de processo de desenvolvimento familiar. O seu objetivo é fortalecer e apoiar a família no enfrentamento de vulnerabilidades, na potencialização de capacidades e no desenvolvimento de autonomia, atuando sobre o cumprimento das condicionalidades. O acompanhamento individualizado é um conjunto de intervenções, desenvolvidas de forma constante, a partir da criação de compromissos entre famílias e profissionais, que preveem a estruturação de um plano de acompanhamento com objetivos a serem atingidos, a realização de mediações periódicas, a inserção em ações, buscando a superação gradativa das vulnerabilidades vivenciadas (Lopes, Borba & Cappellaro, 2011). A perspetiva da Política de Assistência Social ao definir a família como foco prioritário de atendimento, além da congruência com as diretrizes constitucionais e documentos legais abordados, constitui um projeto ético-político que reconhece a capacidade de protagonismo de qualquer unidade familiar, em qualquer configuração em que se apresente, desde que dadas as condições para tanto. Diante disso, alguns desafios apresentamse aos profissionais, no trabalho de campo, onde é fundamental o contínuo aprimoramento técnico para o trabalho com as famílias, para que ele atinja o objetivo de promover as suas potencialidades e a autonomia (Alves & Paro, 2005). Então, o acompanhamento individualizado das famílias/cuidadores, refere-se às ações dos Técnicos Superiores de Serviço Social diretamente com as famílias, bem como dos demais profissionais da equipa quando existentes, como por exemplo os psicólogos. Após o reconhecimento dos obstáculo familiares, iniciam-se as ações de cuidado, que buscam atingir 56 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco os objetivos dos serviços, como por exemplo a a autonomia do grupo familiar na resolução das suas dificuldades e o autenticação dos recursos existentes na rede de apoio social e na própria família. Nesta perspetiva, conforme Mioto (2000), baseia-se em duas linhas de intervenção: 1. ‘Em situações familiares especiais’, o cuidado dirige-se àquelas famílias que vivenciam dificuldades impostas pelo contexto social (desemprego, migrações), pelos acontecimentos próprios do curso de vida das famílias (nascimento, morte, envelhecimento, separações, doenças) ou pelas demandas individuais dos seus membros. “O trabalho nessas situações tem um caráter prioritariamente preventivo, à medida que o seu objetivo é dar sustentabilidade ao processo de reorganização das famílias” (Mioto, 2000: 223). 2. ‘Em situações sintomáticas’, nas quais o cuidado volta-se para as famílias que expressam sinais de sofrimento frente aos desafios do quotidiano. Estes sinais manifestam-se através dos seus membros (quando apresentam dependências psicoativas, alcoolismo, doenças mentais e físicas, depressão, entre outras), através das relações destrutivas que se estabelecem nas famílias, ou através de relacionamentos dos seus elementos com a sociedade (Mioto, 2000: 223). No acompanhamento individualizado o interveniente deve valorizar as famílias em sua diversidade, valores, cultura, história, demandas e potencialidades. Elaborar uma construção metodológica que responda à diversidade sociocultural de cada território. Favorecer a participação da família em propostas para o seu processo de inclusão social e de modificações e melhoramentos esperados, na modificação das relações intrafamiliares e sociais. Edificar, em conjunto com as famílias, o entendimento da realidade na qual estão inseridas e planos de ação que concretizem os projetos de vida. Fortalecer a família na sua função de proteção e socialização. Valorizar e estimular a participação no trabalho social, das figuras materna e paterna, respeitando a igualdade constitucional de direitos e responsabilidades, valorizar e fortificar os vínculos familiares e sociais, adotar o grupo familiar como referência, valorizar a relação entre gerações, a sua convivência e trocas afetivas e simbólicas, valorizar e consolidar a cultura do diálogo e dos direitos, combatendo as formas de violência, discriminação e estigmatização social (Amorim, Koshima & Xavier, 2007). 57 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco A questão da intergeracionalidade surge num contexto de crise financeira internacional e de redefinição do Estado Social, apontando para o envolvimento da família através das várias gerações no projeto de vida dos descendentes. Surge, ainda, “numa altura em que o afastamento das várias gerações é cada vez maior devido a alterações da dinâmica familiar. Muitos jovens e crianças não conhecem os seus avós, ou têm pouca convivência com eles. De uma maneira geral o contacto entre os mais novos e os mais velhos é limitado, o que leva a uma representação negativa e a um evitamento progressivo dos aspectos relacionados com o envelhecimento” (Coelho, s.d: 5). Para ambos os grupos geracionais existem grandes benefícios, sendo que para os jovens e crianças, o acréscimo da atenção pela aprendizagem, saber e conhecimento, através do convívio informal e a melhoria do relacionamento com os mais velhos, seus parentes ou não, são exemplos de vantagens no contacto intergeracional. Igualmente para os mais idosos existem ganhos como o progresso dos aspetos cognitivos e a diminuição do isolamento social e até a comunidade, as instituições e as empresas podem retirar dividendos destas relações. Alterações profundas têm ocorrido ao nível social, tais como, taxas de natalidade, mortalidade e esperança média de vida, o aumento dos níveis educativos e a massificação do consumo, bem como a vulgarização da união de facto ou da vida sozinho. Todos estes aspetos apresentam o tempo social em que os indivíduos se movimentam. Para analisar a história de uma família deve ser observado em concomitância não só as dimensões do tempo individual como as do tempo familiar. O primeiro equivalente ao progresso de cada elemento em função da sua idade, características em termos afetivos, cognitivos, sociais e motores. O tempo familiar diz respeito à unidade familiar, a forma como esta se cruza com vários sistemas informais (amigos, vizinhos, colegas de trabalho) e formais (escola, serviços de saúde, locais de emprego) e como, apesar de todas as influências que recebe e da evolução pessoal de cada um dos seus elementos, está preparada para se manter unida, sem perder a sua identidade e continuando a articular-se com o meio à sua volta (Sousa, 2004). A família é deparada como um sistema que pode incorporar elementos através do nascimento, adoção e casamento (ou outro tipo de união), ou perdê-los pela morte. O primeiro tipo de acontecimentos corresponde às ‘crises de acesso’ e o segundo às ‘crises de desmembramento’ e são assim intitulados por comprometerem transformação e estarem geralmente associados a elevados graus de stress, mesmo que positivo. O ciclo de vida 58 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco familiar funciona como um registo biográfico, descrevendo o seu desenvolvimento e proporcionando marcos de referência (os estádios), associados aos momentos de crise. De entre os vários modelos existentes o modelo de Carter e McGoldrick (Sousa, 2004) prevê seis estádios, apresentados na tabela seguinte. Tabela 6: Marcos de referência do ciclo de vida familiar Estádio Entre famílias Novo casal Tornar-se pai ou mãe Família com filhos adolescentes Ninho vazio Famílias no fim da vida Características O indivíduo já se separou da família de origem (física, emocional e financeiramente) e ainda não constituiu a sua. As tarefas emocionais mais importantes são formular objetivos de vida pessoais e adquirir uma identidade antes de formar o agregado familiar. Corresponde à composição do sistema conjugal que implica a reorganização das relações com pais, sogros, tios, cunhados e amigos, bem como os aspetos práticos da vida comum (tarefas domésticas, gestão financeira, entre outras). Ajustamento do sistema conjugal para criar espaço (emocional, físico e temporal) para os filhos, promover a complementaridade nas tarefas domésticas e voltar a reorganizar as relações com a família alargada, repensando o balanço entre profissão, amizades e relacionamentos. A família torna-se um sistema de apoio emocional, dependente de sistemas externos (profissionais, educacionais), em que a luta pela autonomia dos filhos adolescentes implica o aumento da flexibilidade e das fronteiras. O casal pode reforçar a sua relação e a geração mais idosa atinge a velhice. Após ter cuidado, protegido e socializado os seus filhos, é altura de deixá-los partir como adultos independentes. O casal terá de redefinir a função do seu casamento, as relações com os seus filhos (agora adultos) e proceder ao alargamento da família para incluir genros/noras e netos. É tempo de aceitar a mudança dos papéis geracionais, assumindo-se como os mais idosos e permitir que a descendência adquira um papel mais central na vida familiar, mantendo espaço no agregado familiar para a sua sabedoria e experiência. É também o estádio em que se torna necessário gerir uma série de perdas, tais como a morte do cônjuge, irmãos, amigos e fazer a preparação para a própria morte. Noutro âmbito, torna-se também imprescindível lidar com a perda de prestígio e poder relacionadas com o abandono da vida profissional activa. Um outro tipo de desafios prende-se com a manutenção de interesse por si e pelo cônjuge face ao declínio físico e exploração de novos papéis sociais e familiares. Fonte: Adaptado de Sousa (2004) Existem organizações familiares distintas, tais como as consequentes de uniões homossexuais, de divórcios sem filhos, ou famílias monoparentais em que os estádios anteriores se aplicam só parcialmente. Em termos da dinâmica, pode ainda salientar-se como fator de mudança o aumento do número de divórcios, de as monoparentais e reconstituídas. 59 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco Nestas, a aparente multiplicação de possíveis prestadores de cuidados, não corresponde necessariamente a uma maior disponibilidade para assumir esse papel. De facto, reunindo-se à fragilização dos laços com as géneses mais envelhecidas e consequente afastamento, os padrastos/madrastas, ‘avódrastos e ‘bisavódrastos’ são muitas vezes encarados como uma responsabilidade maior da descendência direta, implicando uma desresponsabilização mútua. Mesmo suportando uma transformação substancial das sistemas e dinâmicas familiares, dados recolhidos comprovam que a complexidão e variedade das relações intergeracionais continuam sólidas, o que leva a repensar a visão da família tradicional, como propõe Litwak et al. (in Sousa, 2005) na teoria da ‘tarefa-específica’. Certas famílias não tradicionais obtêm uma projeção superior às famílias tradicionais, pelo papel poderoso que desempenham, ao invés de perder a sua função na rede social, a família estabeleceu parceria com as redes formais, intervindo em várias áreas, a socialização das crianças e o suporte de adultos são atualmente partilhadas pelas redes formais, os grupos primários (amigos, vizinhos e colegas) desempenham também um papel muito importante nas vivências do dia-a-dia. Quanto às relações entre gerações na família, nas famílias contemporâneas existe um entrecruzar de gerações muito próprias. Qualquer núcleo familiar se relaciona com outros em diferentes fases dos seus ciclos de vida: ascendentes, descendentes, colaterais, amigos, vizinhos. Das suas interações resultam influências mútuas, que estão também marcadas pelo desenvolvimento de cada membro e o seu contexto social (Sousa, 2006). As afinidades de parentesco certificam estabilidade emocional e afetiva num mundo em constante mudança. Para além do suporte afetivo, as várias gerações interajudam-se em outros planos, designadamente pelo auxílio nas tarefas domésticas, com as crianças e até com apoio financeiro. De acordo com Finch (in Pimentel, 2005) as trocas mais frequentes na família são: • O apoio económico: geralmente é os mais velhos a apoiar os mais novos; • Habitação: a coabitação acontece atualmente, quando há necessidade por parte das gerações mais novas que ainda não têm estabilidade para adquirir casa própria, ou no caso de divórcio; • Cuidados pessoais: ocorrem quando um elemento apresenta incapacidade para cuidar de si próprio e ocupar-se das suas tarefas; • Pequenas ajudas: especialmente com crianças e atividades domésticas; 60 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco • Apoio emocional e moral: acontece quando há troca de experiências, quando se pedem sugestões e se tentam perspetivar alternativas para a vida. A tendência atual é que as várias gerações dependam o mínimo, umas das outras, estimulando a solidariedade entre elas. No mundo ocidental, deixa de ser a obrigatoriedade, mas sim os vínculos afetivos constituídos, o que liga as pessoas. Por outro lado a opinião dos mais velhos é cada vez menos valorizada, principalmente quando se trata de fazer escolhas acerca do seu futuro, ao perderem a sua autonomia. Os concílios familiares acontecem quase sempre sem que o idoso ‘tenha voto na matéria’. Muitas vezes isto deve-se a imposições do dia-a-dia, por falta de opções e com a desculpa pacificadora de que se ‘está a fazer o melhor que se pode’. Nas relações familiares, a de avós e netos é porventura a menos conflituosa. Ser avó é um desejo da maior das pessoas que constitui família, tendo um papel diferenciado dos pais, o que lhes permite também uma relação diferenciada daquela que tiveram com os próprios filhos. O facto de as responsabilidades e obrigações serem diminuídas deixa uma disponibilidade total para privilegiar os afectos. De acordo com Neugarten e Weinstein (in Sousa, 2004), podem-se considerar cinco estilos de avós (tabela 5). Tabela 7: Estilos de Avós Estilo Descrição Os formais Sabem manter a distância entre as gerações como forma de respeito para com os mais velhos, diferenciando-se do papel parental Os divertidos A componente lúdica e recreativa é a principal neste tipo de relacionamento que se pauta pelo companheirismo e pela troca de experiências positivas Substitutivos Tendem a tomar atitudes que substituem os pais na sua ausência, zelando como um pai ou mãe e educando Autoritários Sobrepõe-se aos pais e colocam-nos perante os filhos numa posição de subordinados Distantes São aqueles que se encontram apenas por ocasião das festas familiares ou nas férias Fonte: Adaptado de Neugarten e Weinstein (citado por Sousa, 2004) 61 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco As crianças estão cada vez mais afastadas das gerações mais velhas, o que faz com que a representação seja aquela que é culturalmente veiculada, correspondendo a uma perspetiva negativa e baseada na funcionalidade. Os jovens, que também já cresceram neste distanciamento intergeracional, e que por características das próprias etapas do desenvolvimento, procuram apenas os seus pares, tornam a falha relacional ainda maior. Quando o técnico de serviço social tentar promover a intergeracionalidade é importante não desprezar mitos e estereótipos enraizados. Eles condicionam a forma como se pensa e sente o envelhecimento e enviesam as relações. O fluxo de valores entre as gerações é comprometido por ideias ou crenças falsas. Dentro das famílias modernas a passagem de valores entre avós e netos nem sempre é possível devido a fatores como a distância geográfica. Também o diferente papel que ele pode desempenhar no imaginário dos netos influencia a troca entre os dois grupos. No âmbito da investigação enquadra-se de forma pertinente os Princípios de Intervenção com crianças, jovens e famílias referidos por Gonçalves (2012), conforme constam na seguinte tabela: Tabela 8: A intergeracionalidade nos Princípios de Intervenção Princípio Descrição Superior interesse Interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo de outros interesses que possam estar presentes no caso concreto Privacidade Respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada Intervenção precoce Intervenção logo que a situação de perigo seja conhecida Intervenção mínima Intervenção exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e proteção Proporcionalidade e Intervenção adequada à situação de perigo em que a criança se encontra atualidade Prevalência da Proteção da criança e do jovem com prevalência para as medidas que família integrem na família ou que promovam a sua adoção Obrigatoriedade na Direito à informação dos direitos, a criança e jovem, os pais, o representante informação legal ou a pessoa que tenha a sua guarda Audição obrigatória A criança e o jovem têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na e participação definição da medida de promoção e proteção Subsidiariedade A intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competênca, pelas CPCJ e, em última instância, pelos tribunais Fonte: In Gonçalves, H. (2012). A intergeracionalidade no contexto de famílias multiproblemáticas. Documento policopiado, Seminário “Construir para Crescer”: Vila Real 62 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco Na tabela observa-se a importância da intergeracionalidade, nomeadamente nos princípios da parentalidade na família, proporcionalmente e obrigatoriamente na informação. Branco (2009) refere-se a um modelo de acompanhamento social no âmbito do serviço social, onde afirma que a construção de um processo de acompanhamento social apresenta-se como representada pelo seu caráter contínuo, com frequência de longo termo, por uma forte componente de natureza interativa, situacional e pouco codificado em procedimentos institucionais. Em suma, o acompanhamento social com vista a capacitação parental e à intergeracionalidade é o mote da presente investigação e é pois, a partir do mesmo que se concretizará o reportado no capítulo anterior no que concerne ao funcionamento familiar, sobretudo ao nível da comunicação, organização, história e ciclo de vida, economia, redes sociais e função parental. 4.2. Principais teorias de suporte à ação dos técnicos São várias as correntes teóricas que podemos adotar no trabalho com as famílias multiproblemáticas, desde a Perspetiva Comportamental, onde o objetivo é ensinar os pais a utilizar estímulos para alterar os comportamentos/respostas dos filhos, a Perspetiva Reflexiva/Humanista, onde o objetivo central passa pelo desenvolvimento de uma relação pai/mãe-filho(s) modelada pela empatia, admissão, coerência, genuinidade e escuta ativa e onde as capacidades comunicacionais de enunciação de sentimentos e de resolução de problemas são as mais trabalhadas junto dos pais, a Perspetiva Adleriana que tem enfoque na relevância do processo de socialização da família e procura estimular a construção de uma relação pais-filhos positiva, a Perspetiva Psicanalítica centrando-se na importância do autoconhecimento dos pais e no seu funcionamento intrapsíquico, a Perspetiva Construtivista, possuindo como objetivo trabalhar a forma como os pais constroem o desenvolvimento da criança e o papel que assumem neste processo, passando ainda pela Análise Transacional, que afirma que as interações sociais têm impacto no desenvolvimento do indivíduo, centrando-se o trabalho da educação parental na aprendizagem dos pais sobre eles próprios, na forma como resolvem os problemas imediatos da família e como fornecem um modelo para identificar as necessidades pessoais dos outros, pela Perspetiva Ecológica, baseada na Teoria de Bronfrenbrenner, onde o indivíduo vai-se desenvolvendo em interação constante com o meio que o rodeia, sendo a interferência exercida de forma bidirecional, com evidência para a importância do contexto em que a família se insere e o impacto que tem no desenvolvimento 63 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco da criança e terminando na Teoria da Vinculação, onde as diferenças individuais observáveis na qualidade da vinculação da criança são resultado da interacção e dos cuidados providenciados pelos pais. O Projeto “O Trilho” e a investigação concentraram-se essencialmente nas teorias expostas de seguida. 4.2.1. Perspetiva Comportamental Segundo Smith, Perou & Lesesne (2002) o objetivo é ensinar os pais a utilizar estímulos para alterar os comportamentos-respostas dos filhos. Para Skinner, todos os comportamentos têm a mesma capacidade de ocorrer, mas se determinada resposta for reforçada, esse comportamento terá maior hipótese de ocorrer do que outros. Correr é um comportamento inato do rato, assim como andar, mas se, ao final da corrida, ele recebe comida, a hipótese dele passar a correr torna-se maior. Skinner discordou de Pavlov assegurando que o reforço à resposta deve ocorrer depois, e não antes do comportamento desejado. Para ele, se, no instante em que houver uma resposta correta, houver uma complementaridade, o sujeito terá uma tendência a repetir esse comportamento. Por outro lado, se não houver reforço, o comportamento terá uma tendência a ser extinto. Um exemplo é a criança que desarruma o quarto para chamar atenção dos pais. Se os pais não demonstrarem nenhuma atitude, a tendência da criança será parar esse comportamento. Por outro lado, a criança que é aplaudida por guardar os brinquedos de forma organizada, terá a tendência de apresentar novamente esse comportamento. Para a corrente de pensamento abordada, a inteligência é vista como a capacidade do organismo de responder aos estímulos do ambiente. Uma pessoa inteligente é aquela que responde melhor ao condicionamento. Um exemplo disso é a chamada caixa de Skinner, em que um pássaro é deixado numa caixa e deve bicar uma tecla. Todas as vezes que a tecla é bicada, o pássaro recebe alimento. Então, a resposta certa à situação foi recompensada com alimento. Um pássaro inteligente é aquele que percebe logo essa relação e passa a agir de acordo com o condicionamento. Para a Teoria Comportamental, a utilidade da escola é conservar e preservar os padrões de comportamento aceites como úteis e desejáveis para uma determinada sociedade, dentro de um destinado contexto cultural, assim como excluir os comportamentos indesejáveis. Por exemplo, os comportamentos desejáveis por parte dos alunos são mantidos 64 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco através de reforços imediatos, como elogios, notas, prémios, e reforços remotos, como diploma, vantagens na futura profissão e possibilidade de ascensão social. 4.2.2. Perspetiva Ecológica Segundo a Perspetiva Ecológica, no decorrer da institucionalização da criança/jovem passa por um momento de transição e um momento particularmente traumático, que o modelo ecológico social pode ajudar a compreender, nomeadamente o acolhimento institucional em si, as relações e conexões que a criança/jovem estabelece com os ambientes e meios, as pessoas, os símbolos, objetos e sistemas, e qual a sua importância para o seu desenvolvimento. Poderemos entender, ainda, a intervenção mais adequada junto dos menores e suas famílias. A perspetiva ecológica parte do modelo sistémico, cuja história começa na década de 50, após a 2.ª Guerra Mundial, quando, nos Estados Unidos da América, se começou a “reconhecer a necessidade de considerar o contexto, nomeadamente o familiar”, na prática social, cuja mudança é procurada no seio de todo o sistema familiar (Pereira & Santos, 2011: 21). Pereira & Santos (2011: 22) dividiram o sistema em três partes constituintes, os “elementos, atributos e relações”. Assim, concretamente, “numa família os elementos são os indivíduos, os atributos as suas características pessoais, e as relações os laços que mantêm a unidade do sistema”. Na opinião dos autores mencionados, cada família, enquanto sistema, é exclusiva mas é, igualmente, parte de outros sistemas com os quais interage, além de que, por sua vez, no seio familiar, também podemos considerar a existência de “subsistemas, como o individual, o parental, o conjugal, o fraternal, sendo cada um deles uma unidade sistémica”. Dentro da perspetiva dos sistemas de abordagem das famílias convergem três teorias: a teoria do desenvolvimento familiar, a teoria dos sistemas e a ecologia do desenvolvimento humano. A teoria do desenvolvimento familiar centra a sua análise no ciclo vital das famílias. Os seguidores da teoria dos sistemas, aplicaram os seus princípios ao estudo da mesma, os que defendem a ecologia do desenvolvimento humano convidam-nos a ver as famílias como ecossistemas (Olivares, 2001). Para compreendermos o desenvolvimento humano sob o ponto de vista ecológico é preciso ter em conta que o ser humano age em três tipos de meios ecológicos: num meio ambiente físico, num ambiente social e num ambiente cultural (Weber, 2011). 65 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco Assim, o primeiro engloba o mundo natural, o mundo biológico e as estruturas edificadas pelo homem, o ambiente social entende, o casal, a família, os amigos, ou qualquer rede constituída por duas ou mais pessoas, que instituem a rede profissional, as instituições, as estruturas sociais, políticas, jurídicas e económicas, quanto à cultura, ela é constituída por formas adquiridas e por comportamentos que se articulam em torno de uma visão do mundo, de uma língua, de costumes, de leis. Assim, a perspetiva ecológica, de Bronfenbrenner, preconiza que a construção e o desenvolvimento do sistema familiar decorre não só das características de cada um dos elementos que compõem o sistema familiar, como também da totalidade por ele formada, sendo também influenciada pelas características do contexto social, económico e cultural ao qual se associam recursos, expetativas, crenças e representações de papéis, dos conceitos de famílias e dos sistemas que deles emergem (Gomes, 2010: 58). A perspetiva ecológica permite então “compreender o desenvolvimento humano, as interações e interdependências que o caracterizam e o estruturam, bem como identificar os fatores que condicionam ou facilitam as transições ecológicas” (Delgado, 2009: 157). A relação entre os indivíduos e o meio carateriza-se pela abertura ao mundo (Weber, 2011), numa influência mútua, implicando uma adaptação do indivíduo ao meio envolvente, mas também uma adaptação do meio, modificando-o (Delgado, 2009), de forma que um “ecossistema familiar compreenderia os ambiente físico, biológico e sociocultural” conectados, influenciando-se reciprocamente, sendo que “as famílias não existem como unidades independentes de outras organizações da sociedade”, antes são influenciadas pelo contexto social (Olivares, 2001: 49). Perante o que ficou dito, podemos concluir que o desenvolvimento humano tem lugar no contexto das relações familiares, devemos acrescentar, ainda, a esta envolvente contextual a interação com o meio social e com fatores genéticos (Olivares, 2001), bem como, com o meio físico e cultural. Assim, o desenvolvimento de um indivíduo resulta de várias interações no interior do seu organismo e entre o organismo e os sistemas em que a vida do mesmo se encontra inserida, o que inclui as interações com membros da família, pares, escolas, a comunicação social (Pereira & Santos, 2011). 4.2.3. Teoria da Vinculação Winnicott (in Ajuriaguerra & Marcelli, 1991) referiu que a criança pequena sem a sua mãe é algo que não existe: os dois, mãe e filho, formam um todo sobre o qual tem a 66 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco obrigação de incidir a avaliação e o esforço terapêutico. Esta verdade também é válida para a criança maior e para o jovem. Com base na hipótese enunciada por Bowlby (1969) e mais tarde revista por Ainsworth, Bell, & Sayton (1971), que assinala que as diferenças individuais observáveis na qualidade da vinculação da criança são resultado da interação e dos cuidados providenciados pelos pais, sendo verdade esta hipótese, podemos observar, por exemplo, nas crianças vítimas de maus-tratos, segundo Cicchetti & Toth (1992), consequências trágicas e específicas no comportamento de vinculação da criança, pois existe uma alteração extrema suscetível de ser observada na qualidade dos cuidados prestados pelos pais. A teoria da vinculação de Bowlby (1969), defende que no decorrer da interação com a mãe, a criança constrói determinados modelos internos dinâmicos, que se constituem em figurações de si próprio e dos outros, e estabelecem o modo como subsequentemente vai organizar a sua ação com as pessoas e com os objetos em seu redor. Em função da apropriação ou não da interação determinada pela mãe, a criança amplia um modelo interno – caracterizado ou não por um auto-conceito positivo e pela firmeza ou não na disponibilidade dos pais e do contexto social em geral, que permite ou não uma ação adaptada na realidade física e social. O mesmo autor, diz-nos que os modelos internos que cada um elabora a respeito de si próprio e dos outros derivam em grande parte do modo como representa a relação de vinculação que criou com a mãe, formando expetativas acerca de como os outros irão agir e reagir e como terá de ser bem-sucedido para que os outros gostem de si. Se a representação que a criança tem dos pais, é de que são pessoas disponíveis e providenciam experiências agradáveis, então tende a esperar que os outros também estarão livres e a sua ação será sólida, mantendo uma relação efectiva e competente. Na criança seguramente vinculada, a confiança que tem em si e nos outros facilita uma relação interpessoal calorosa e de confiança com os outros. Contrariamente as crianças que têm uma vinculação insegura, apresentam expetativas negativas quer relativamente a si próprias quer na confiança que depositam nos outros. As crianças pequenas que engrandecem em ambientes inconstantes e com tratamento indiferente ou dessintonizado com as suas necessidades, quer por hiper-estimulação quer por infraestimulação, fracassam com mais frequência na realização de tarefas evolutivas importantes como o desenvolvimento de um apego seguro. 67 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco O medo que essas crianças sentem, pode ativar conflitos entre a sua tendência em procurar uma propinquidade com a sua mãe e a sua tendência em evitá-la ou afastar-se, tendo em causa práticas anteriores que a criança vivenciou e introduziu um resultado não securizante. No caso das crianças maltratadas, estas correm o risco de desenvolver modelos globais negativos. As expetativas negativas sobre si próprio e ao outro têm também influências negativas na capacidade da criança para interagir adequadamente com os outros. As crianças vítimas de maus-tratos não estão pois, preparadas para desenvolver relações positivas e bem sucedidas com os outros (Mueller & Silverman, 1989). 4.3. O papel do Técnico Superior de Serviço Social no acompanhamento social individualizado das famílias multiproblemáticas Os Técnicos Superiores de Serviço Social (TSSS) são profissionais intervenientes nas áreas abordadas, encontrando-se dispersos a trabalhar em várias estruturas enquadradas nas Entidades com Competência em Matéria de Infância e Juventude (ECMIJ). Assim de acordo com a lei 147/99, de 1 de Setembro, e no âmbito do trabalho que praticam, os assistentes sociais têm “a competência de investigar e avaliar os casos de suspeita de maus-tratos em crianças e jovens.” Quando os casos de maus tratos chegam ao conhecimento dos TSSS que não atuam em áreas de aptidão própria sobre a infância e a juventude, devem estes profissionais orientar ou sinalizar os casos de suspeita para as ECMIJ ou para as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, polícias ou tribunais (na ausência das CPCJ), conforme a gravidade e urgência do caso. Segundo Magalhães (2002: 89) de uma forma genérica, “competirá ao assistente social no âmbito das crianças e jovens em risco, intervir de forma coordenada de forma a assegurar uma continuidade nas diferentes fases de proteção, privilegiando-se a cooperação inter-sectorial que pressupõe a colaboração e articulação entre os serviços públicos e privados e uma maior relação entre serviços e comunidade”. A intervenção, qualquer que seja o nível em que se opere – social, político, educacional ou terapêutico – assim como as suas estratégias e técnicas, não são exclusivamente explicáveis por critérios pragmáticos, de operacionalidade ou eficácia. Há vetores ideológicos e epistemológicos mais vastos que organizam a compreensão da realidade 68 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco e da ação sobre ela, criando uma disposição do conjunto social, dos seus grupos dominantes e sistemas produtores de conhecimento, para o desenvolvimento de atitudes de favorecimento face a estabelecidas respostas e de repulsa de outras, sempre entendíveis no contexto sociocultural e histórico em que emergem. Casas (1998) faz referência a cinco grupos de atores sociais aos quais atribui um papel particularmente necessário nos processos de mudança operados no domínio das crianças e jovens com problemas sócio familiares: os investigadores, os políticos, os profissionais da intervenção social, os profissionais da informação e os cidadãos em geral. Consciente que qualquer projeto de intervenção precoce junto das famílias e crianças de populações em risco prevê um entendimento coerente e integrada das necessidades individuais e colectivas, torna-se pois necessário compreender a dinâmica desta relação complexa para nela poder intervir. Torna-se, assim, importante delinear alguns objetivos gerais: - Mentalizar para o crescente interesse de concetualizar o risco como noção cada vez mais abrangente, mas também necessitada de maior objetividade; - Analisar o atual processo de avaliação das crianças e jovens em perigo, realizado pelas CPCJ. Equiparar divergentes metodologias e estratégias usadas para avaliação da noção de risco e ou perigo, de acordo com a formação específica de quem o faz (social, psicológica, judicial); - Proceder a um levantamento de dados e subsequente estudo comparativo da avaliação de situações e casos de risco e/ou perigo, pretendendo determinar diferenças e possíveis contributos para uma maior clarificação, objetividade, e rigor; - Procurar a partir dos resultados encontrados, identificar um conjunto de elementos de perceção do que é o risco e/ou perigo, que nos permitam repensar a intervenção e ação junto das crianças e jovens, perspetivando novas estratégias de intervenção que visem um aperfeiçoamento significante da qualidade de vida dessas crianças e jovens, particularmente das suas famílias; - Conscientes da importância de uma definição clara e coerente de qualquer conceito, para adequação e posterior avaliação de cada sujeito ou caso, espera-se que na medida em que subsista um agregado de elementos consensualmente aceites e que tracem um perfil mais claro, particular para o caso das crianças ou jovens em risco e/ou perigo, que se possa avaliar e intervir nos casos de risco, na justa medida da sua real dimensão; 69 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco - Estando presente a relevância da presença de um modelo de avaliação das crianças e jovens em risco e/ou perigo que seja objetivo, coerente e consensual importa saber se ele existe ou se é necessário clarificá-lo para que se possa depois refletir-se em formas de intervenção conciliáveis com os interesses desses indivíduos, expandindo instrumentos e metodologias de investigação inovadoras neste domínio. Os TSSS têm atribuições definidas no âmbito da Lei de Proteção. De uma maneira geral, compete-lhes (Magalhães, 2002): a) Investigar e avaliar as situações suspeitas de maus-tratos infantis; b) Identificar as necessidades das crianças e das famílias; c) Elaborar planos de intervenção que respondam às carências diagnosticadas; d) Criar condições de suporte psicossocial para a criança/jovem e a sua família; e) Apoiar o desenvolvimento do projeto de vida do menor; f) Impulsionar o apoio domiciliário como forma de manter a criança/jovem no seio da família e do seu contexto natural de vida; g) Criar condições de recetividade junto da criança/jovem e da sua família para as mudanças necessariamente decorrentes do processo de intervenção, mantendo-os permanentemente informados e facilitando a sua colaboração ― uma tarefa de especial sensibilidade, uma vez que se sabe que a aceitação por parte das famílias da intervenção dos serviços sociais depende das atuações encetadas por estes e do esclarecimento da sua bondade e dos benefícios que supõe para o agregado familiar; h) Monitorizar o caso, garantindo a continuidade e a coordenação das várias fases e intervenções do processo de proteção, nomeadamente a colaboração intrainstitucional, a cooperação intersetorial, a articulação dos serviços públicos e privados e entre as várias forças da comunidade; j) Participar em programas de prevenção dos maus-tratos infantis. É curioso o debate sobre a identidade operante e profissional dos TSSS, que encaminha para a meditação sobre a interpenetração do judiciário e social. Enquanto formas de intervenção social, baseiam-se em raciocínios distintos, que Funes & Gonzalez (1989) defendem dever manter-se diferenciadas, não obstante solidárias: o trabalho social baseia-se nas necessidades sociais enquanto a ação judiciária colhe fundamento na violação das normas. O cruzamento destas lógicas de ação pode não só confundir as suas representações sociais como perturbar a sua eficácia: se a ação social abdica do seu papel assistencial para se 70 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco converter numa forma de fiscalização, vincula-se ao ato infrator, e exerce-se num domínio alheio às garantias fundamentais; se a ação judicial é entendida como agente de proteção e ajuda, os direitos e garantias indispensáveis perdem o seu sentido e o delito associa-se à desvantagem social. Todavia, é a Lei que alicerça e legitima o trabalho social. Parton (1998: 65) extremam esta ideia, considerando que ela constitui a essência do mesmo, assim definido como o funcionamento da lei na prática. Mais do que o quadro legal da ação, a Lei funcionaria como a sua razão de ser. Esta interpenetração teria implicações de diferente sentido: a) Investindo os técnicos do poder e da autoridade conferidos pela Lei, empresta-lhes a confiança precisa para confrontarem os pais e certificarem que a criança é vista como sujeito de direitos e necessidades independentes das deles; b) Não obstante a averiguação da importância da Lei na negociação dos limites dos direitos e responsabilidades do Estado e da família, a sua sobre ênfase, pode conduzir, no limite, ao risco de o trabalho social não ter identidade própria, separada da Lei, o que transformaria os TSSS em agentes do Estado. Parton (1998) analisam a evolução das prioridades do trabalho social, circunscrevendo-as atualmente à proteção dos menores em situação de perigo decomposta em duas fases: a identificação e avaliação do risco e a proteção da criança/jovem propriamente dita. A adoção de uma atitude consistente de prevenção do perigo e de medidas eficazes de proteção constituem, assim, os dois alicerces que devem basear a prática destes profissionais. Lei, proteção de menores e avaliação do risco configuram-se como dimensões imbricadas no cerne da atividade do trabalho social. A definição das estratégias de intervenção específicas para cada situação, não obstante a sua variabilidade, deve compreender dois grupos distintos: os pais e o contexto familiar e a criança/jovem vítima do mau trato. Há uma diversidade de medidas a ponderar conforme as características próprias do caso em questão. Alberto (2004) lista algumas que visam a promoção do sistema familiar e a transformação das condições que favorecem o mau trato infantil, a saber: a) Formação em desenvolvimento infantil e práticas educativas; b) Adequação das expetativas sobre os filhos; c) Formação e treino em técnicas de gestão de comportamentos; d) Formação e treino em redução do stress; 71 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco e) Formação e treino de auto-controlo; f) Tratamento da dependência química; g) Desenvolvimento de competências de procura de emprego; h) Treino de gestão de dinheiro; i) Serviços de prevenção (mães solteiras, etc.); j) Aconselhamento conjugal/familiar; k) Formação em desenvolvimento e comportamento sexual; l) Terapia de grupo (de pais; de homens, de mulheres, de casais, de adultos molestados enquanto crianças, alcoólicos, etc.); m) Formação e treino em nutrição e manutenção da saúde; n) Formação e treino sobre normas de segurança no lar; o) Criação, desenvolvimento e consolidação de redes sociais de apoio; p) Apoio jurídico, social e económico. Gelinas (1983) recomenda a preservação do laço de lealdade e fidelidade entre a criança e os pais, que a terapia deverá confirmar e nunca questionar, desaconselhando-se a abordagem, no quadro da terapia, das questões legais e criminais envolvidas na(s) ocorrência(s). As questões relativas à integridade física da criança e à sua protecção não devem ser separadas da proteção coexistente da sua integridade psicológica e social. Também neste domínio as estratégias de intervenção são várias: a) A consulta psicológica individual; b) A terapia de grupo; c) O treino de competências básicas e de interação social; d) A ocupação de tempos livres; e) A criação e preservação de um espaço de segurança e estabilidade para a criança. Segundo Alarcão (2002) considera-se que a intervenção com famílias multiproblemáticas deve-se cingir por um modelo de intervenção centrado nas potencialidades das famílias, ecossistémico e holístico. Adotar uma visão mais positiva, direcionada para a identificação, consciencialização e valorização de aspetos positivos na família, ou seja, competências e recursos. Acreditar nas suas potencialidades, rentabilizar os seus recursos e incutir nestas a perspetiva de um problema ou situação conflituosa poder ser uma oportunidade para a mudança. 72 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco Sousa, 2005 & Rojano, 2004 (cit. in Sousa et al. 2007: 81) enumeram algumas das competências que os profissionais devem possuir para intervir com as famílias multiproblemáticas (tabela 9). Tabela 9: Competências na intervenção com famílias multiproblemáticas Competências dos Técnicos Estratégias universais para centrar nas famílias (Cunningham & Henggeler, 1999) Identificar barreiras ao envolvimento familiar Competências Concetuais Competências Práticas Empatia Gift giving – comportamentos e estratégias que dão benefícios imediatos: normalização de sentimentos, redução de ansiedade, aumento da esperança ou relação de confiança e entendimento Credibilidade Vontade e desejo de trabalhar com determinada família Atributos aos membros da família: problemas de saúde mental, limitações intelectuais e baixas expetativas Fatores sociais: história de problemas na relação com serviços Características do profissional: experiência, competência, flexibilidade relacional e cognitiva Capacidade de se centrar na família como unidade de intervenção Capacidade de olhar as famílias como sistemas sociais cujo comportamento dos membros é organizado, ao longo do tempo, pelas regras e expetativas do grupo Acreditar que as famílias têm disponíveis padrões alternativos de relacionamento e os sujeitos são como entidades separadas, mas parte de uma teia de relações A família é um sistema que se move em períodos de transição que requerem mudança Enquanto interventores são parte do sistema, aceitando a visão familiar sobre quem são e como devem ser ajudados Reconhecerem-se como catalisadores da mudança não substituindo a família nas suas funções, mas ajudando-as a reconhecer padrões disfuncionais e explorar novas possibilidades de relacionamento Saber capacitar a família, potenciando as suas competências e recursos, explorando-as e valorizando-as Capacidade de ver as famílias como iguais, com os mesmos direitos e oportunidades desprovendo-as de preconceitos e juízos de valor Manter uma relação com os sistemas e recursos existentes Sejam “terapeutas cidadãos” estabelecendo uma postura de parceria com a comunidade em diversas formas de ação social, implicando consciencialização, familiaridade, envolvimento e ativismo Fonte: Adaptado de Sousa et al. 2007 A presente investigação-ação pretende portanto, intervir sobre a família multiproblemática capacitando-a, realizando para o efeito: - Planos de intervenção; - Fornecimento de suporte social; 73 Capítulo 4 - A intervenção do profissional de Serviço Social em contexto de risco - Acompanhamento do desenvolvimento do projeto de vida; - Acompanhamento do desenvolvimento de competências; - Coordenar recursos na resposta ao problema. As realizações destas tarefas baseiam-se nas competências de intervenção com famílias multiproblemáticas abordadas na tabela 9, tais como, criar empatia, capacidade da técnica/investigadora em se centrar na família como unidade de intervenção, capacidade de ver as famílias como iguais, com os mesmos direitos e oportunidades desprovendo-as de preconceitos e juízos de valor, entre outros. 74 Capítulo 5 Justificação da metodologia e apresentação de resultados Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados 5.1. Metodologias de Investigação É importante para uma formação mais adequada do investigador a preocupação com o conhecimento dos quadros de referências que informam, dando sentido e rumos às suas práticas. No momento em que o investigador se prepara exclusive e unicamente para as dissertações ou teses, sem a prevenção com o conhecimento e o saber reflexivo, poderá obter títulos mas não construir a sua aprendizagem. Acresce a esta ideia a de que o investigador que não sabe exatamente em que área e população se insere o seu trabalho e não consegue responder de onde se determina e a que tipo de estruturação de conhecimento serve, estará, certamente, desempenhando uma prática alienada de pesquisa (Silva, 1998). Torna-se então indispensável que o investigador, “muito mais do que saber defender a sua posição metodológica em oposição a outras, saiba que existem diferentes lógicas de ação em pesquisa e que o importante é saber manter-se coerentemente dentro de cada uma delas” (Anacleto, 2008: 28). É ainda indispensável que o investigador saiba explanar no seu relato as suas opções metodológicas e todo o proceder desenvolvido na construção da sua investigação, bem como os quadros de referência. A investigação levada a cabo baseou-se num estudo de caso sobre o Projeto “O Trilho” da Associação Via Nova. Na recolha de informação obedeceu-se às lógicas da metodologia qualitativa e etnográfica, desenvolvendo um raciocínio de investigação a partir da ação desenvolvida pela investigadora e de Investigação-Ação. A investigação faz recurso à metodologia quantitativa na Análise do Perfil-Tipo, através do tratamento de dados recolhidos e a explanação dos mesmos em gráficos. Na linha de Gutiérrez (1991: 174), entende-se que o paradigma qualitativo é “fenomenológico, interessado em compreender o comportamento humano”, subjetivo mas, “próximo dos dados” numa perspetiva “desde dentro”, e orientado para o processo. Também se seguiu a linha de raciocínio de investigação de Bodgan & Biklen (1994) mediante a caracterização: (a) Do ambiente natural constitui a fonte direta de dados, sendo o investigador o principal instrumento da sua recolha; (b) Dos dados recolhidos são de tipo descritivo; (c) Dos processos são o foco de atenção do investigador; (d) Da análise dos dados é indutiva; e (e) Das perspetivas dos participantes são especialmente tidas em conta. A metodologia qualitativa incomoda-se com um nível de realidade que não pode ser quantificada, trabalha com o universo de significados tais como: motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes. (Minayo & Sanches, 1993). 78 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados Em relação à pesquisa quantitativa, procurou-se traduzir em números informações sobre o perfil, para classificá-los e analisá-los, requerendo a técnicas estatísticas, como a percentagem, média e moda são na linha de Gil (1999). Subscrevendo Richardson (1989) a pesquisa quantitativa atua com amostras mais vastas, fornecendo dados mais precisos em conformidade com o problema a ser estudado, sendo indicada quando já se tem mais informações sobre o problema a ser estudado, pelo que a consideramos relevante no estudo do perfil. A par com a combinação das metodologias qualitativas, com a Investigação-Ação e a etnografia, os divergentes campos da realidade – risco, famílias multiproblemáticas, responsabilidade parental e intergeracionalidade - são investigados de uma maneira complementar, a partir de visões de dentro produzidas pelo investigador-técnico e pelo contacto deste com outros técnicos do Projeto “O Trilho”. Neste sentido, procuramos na linha de Goldenberg (2000) fomentar a triangulação que, conforme se sabe, permite ao investigador fazer um cruzamento das conclusões. Enquadramo-nos na linha de Guerra (2011) quando a mesma defende que a etnografia pode cumprir várias funções, tais como, ser um método de conhecimento adequado ao contexto da intervenção social; ter uma atitude de interpretação de realidades subjetivas, complexas e mutantes; constituir-se como um caminho para uma metodologia de Investigação-Ação em que a escuta ativa e a dimensão crítica podem configurar um conjunto de referências cruciais para uma intervenção ajustada e consequente. O sucesso das estratégias etnográficas depende da familiaridade do investigador com os contextos de trabalho profissional daqueles que entrevistam. Revemo-nos, então, na ideia defendida por Filipe (2008) através de um estudo elaborado pelo próprio, onde promoveu mais do que familiaridade com os contextos de trabalho pois, o investigador tinha participado diretamente nas atividades que investigava e era um profissional experiente nas mesmas. O que realçava e estabelecia o objetivo da atenção reflexiva nas entrevistas, assentava numa experiencia vivida passada e comum. Este estudo etnográfico analisa as modalidades e as possibilidades de contextualização, e explicitação e de formalização do saber no trabalho profissional. O mesmo acontece na presente investigação, onde a investigadora contém o caráter de investigação relacionado com uma inserção laboral no Projeto “O Trilho”. A presente investigação associou duas dimensões que considera essenciais para a expressão da reflexão intercultural em ciência, na linha de Caria (2003), tomando por base 79 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados algumas práticas etnográficas, com a definição do pensamento dos investigadores sobre o modo como o relacional e o sociocognitivo pode ser transposto para uma linguagem e registo científicos. A estruturação sociocognitiva onde está implícita a “reflexividade interativa” dos investigadores na sua “comunidade (científica) de pertença e/ou referência”, auxiliada pelos dados que expressam a “reflexividade institucional” dos nativos sobre a sua diferença cultural. “Assim encontramos como elementos mais relevantes desta dimensão: (1) as referências autobiográficas, os valores e a caracterização das relações de envolvimento com o objeto em estudo; (2) as identidades (i)legítimas e as tomadas de posição face à cultura disciplinar científica; (3) os conflitos sociocognitivos, desencadeados pelos efeitos inesperados na relação entre teoria e reflexividade social, mediados pela escrita do diário de campo e pelo debate na tradição teórico disciplinar” (Caria, 2003: 11-12). Quanto à construção sócioteórica está implícita a “reflexividade institucional” dos investigadores na utilização da teoria social para materializarem a interação no campo, auxiliada pelos nativos na utilização contextualizada da ciência na sua “reflexividade interativa. Assim encontramos como elementos mais relevantes desta dimensão: (1) a recontextualização da teoria social (como teoria auxiliar) para entender as expetativas, as imagens e as representações dos ‘nativos’ sobre a presença de um investigador em Ciências Sociais; (2) a identificação e explicação das assimetrias na relação social de investigação, limitadoras das trocas e da construção de um sentido comum contextual; (3) as estratégias de ação capazes de atuar sobre as estruturas de desigualdade de modo a criar outros efeitos de sentido, não tão limitadas pelas relações de poder” (Caria, 2003: 12). O autor refere ainda, que a dimensão inicial no uso da etnografia, possibilita a identificação e particularização “do sentido interpretativo, de natureza teórico- epistemológica, da etnografia em Ciências Sociais, enquanto a segunda dimensão permite identificar e pormenorizar o sentido estratégico, de natureza teórico-técnica” (Caria, 2001 cit. in Caria, 2003: 12). “A etnografia não é: 1) etnografia não é uma técnica de campo; 2) etnografia não é estar muito tempo no campo; 3) etnografia não é simplesmente fazer uma boa descrição; 4) etnografia não se cria mediante a obtenção e manutenção de relações com os sujeitos. O único requisito para tal investigação é que se deve orientar para a interpretação cultural” (Wolcott, 1993: 128). 80 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados No âmbito da investigação recorreu-se a etnografia enquanto processo de investigação que supõe a proximidade do investigador ao grupo estudado como forma de compreender a sua cultura. Contudo, na visão atual do trabalho etnográfico, tendo em consideração a linha de Geertz (1986), não se baralha proximidade como o desejo romântico de que o investigador se apresentaria com o ‘outro’, não sendo possível absorver a cultura do «outro», é necessário traduzi-la. Tal operação só é viável, por um lado, pelo estabelecimento de relações de equivalência e de diferença entre o que se observa e o que se conhece (Rowland, 1987) e, também, pela racionalização do etnocentrismo do investigador (Caria, 2000). Quanto à Investigação-Ação o grande objetivo desta metodologia, é o de reflexão sobre a ação a partir da mesma, por outras palavras, a sua finalidade consiste na ação transformadora da realidade. “A Investigação-Ação constitui uma forma de questionamento reflexivo e coletivo de situações sociais, realizado pelos participantes, com vista a melhorar a racionalidade e a justiça das suas próprias práticas sociais ou educacionais bem como a compreensão dessas práticas e as situações nas quais aquelas práticas são desenvolvidas; trata-se de Investigação-Ação quando a investigação é colaborativa, por isso é importante reconhecer que a Investigação-Ação é desenvolvida através da ação (analisada criticamente) dos membros do grupo” (Matos, 2012: 12). A presente investigação, como já foi referido, centrou-se no Estudo de Caso do Projeto “O Trilho” em particular, e na linha de Bogdan & Biklen (1994), num estudo de caso interpretativo onde o que se deseja compreender é a realidade tal coma ela é vista pelos atores que nela intervêm diretamente. Escolhida esta perspetiva, o recurso ao estudo de caso permitiu indicar quais as múltiplas formas de interpretar as experiências que estão ao nosso alcance através da nossa interação com os outros. Insistindo com ênfase na preocupação que a investigadora precisa de ter em compreender o pensamento subjetivo dos participantes nos seu estudo. No entanto, a investigadora não dispensou a analise dos dados usando também o seu próprio ponto de vista, seguindo a visão de Eisenhart (1988: 103) que afirma que “O investigador deve estar envolvido na atividade como um insider e ser capaz de refletir sobre ela como um outsider. Conduzir a investigação é um ato de interpretação em dois níveis: as experiências dos participantes devem ser explicadas e interpretadas em termos das regras da sua cultura e relações sociais, e as experiências da investigadora devem ser explicadas e 81 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados interpretadas em termos do mesmo tipo de regras da comunidade intelectual em que ela trabalha” (Ponte, 1994: 8). Tal como apontam Merriam (1988) e Denzin (1989) a presente investigação identificou-se como de tipo interpretativo, com as seguintes características (in Ponte, 1994): Apoquenta-se particularmente com os processos e as dinâmicas; Superiormente a qualquer outra, deriva de forma definitiva da investigadora ou da equipa de investigação; Resulta por indução, reformulando as suas problemáticas, objetivos e instrumentos no curso do seu desenvolvimento; Sustenta-se na definição consistente, que vai além dos factos e das aparências, apresentando uma vasta riqueza de pormenor no âmbito, as emoções e as interações sociais que ligam os diversos participantes entre si. Uma questão que se coloca é a questão da generalização. Os estudos de caso são várias vezes comentados por não possibilitarem a generalização dos seus resultados, referindo-se a um único caso, nada nos dizem relativamente às suas parecenças e dissemelhanças com outros casos existentes, nem sobre a frequência de tal ou tal característica. “Trata-se de uma crítica que tem por detrás a tradição positivista, que persegue enunciados sobre a forma de leis gerais ou generalizações, eventualmente verificáveis, e que durante muitas décadas foi largamente dominante em Educação” (Ponte, 1994: 16. De acordo com a presente investigação, e nesta perspetiva, num estudo de caso não faz sentido formular conclusões sob a forma de proposições gerais. Poderá haver, isso sim, a enunciação de hipóteses de trabalho a testar em novas investigações. Para além disso, parte da função de considerar em que medida certos aspetos se podem ou não aplicar a outros casos fica a cargo dos leitores que deles têm um conhecimento mais direto, ou seja, tem lugar a generalização pelo próprio leitor, como defende Merriam (1988). A metodologia aqui explanada refere-se especialmente ao estabelecimento de uma relação entre o conhecimento e a ação, que supere uma visão de causalidade linear entre o conhecimento originado e a prática social, deparando esta final como uma aplicação, não sendo posto em causa o desejo de produzir enunciados gerais de ação, diretamente transferíveis ou aplicáveis num contexto singular. 82 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados Qualquer investigação em geral caracteriza-se por utilizar conceitos, teorias, linguagens, técnicas e instrumentos com a finalidade de dar resposta aos problemas e interrogações que se levantam nos mais diversos âmbitos. A tabela 10 apresenta os objetivos traçados nesta investigação, bem como as metodologias e técnicas selecionadas para a levar a cabo. Tabela 10: Objetivos da investigação Objetivo da investigação Método Técnicas Perceber a importância da educação parental - Qualitativo - Pesquisa Bibliográfica no - Etnográfico - Análise Documental âmbito das famílias/cuidadores de crianças/jovens institucionalizados Compreender a - Análise de Conteúdo importância da - Qualitativo - Pesquisa Bibliográfica intergeracionalidade a partir das perspetivas - Etnográfico - Análise Documental política e sociológica - Investigação-Ação - Análise de Conteúdo Explicitar o Perfil-Tipo das crianças/jovens e - Qualitativo - Análise Documental dos respetivos país/cuidadores, refletindo - Quantitativo - Análise de Conteúdo Análise dos planos de intervenção social junto - Qualitativo - Observação Participante das - Etnográfico - Análise de Conteúdo sobre a diversidade destas famílias crianças/jovens e das respetivas famílias/cuidadores, com a finalidade de - Investigação-Ação refletir sobre as ações de suporte social que reforçam o empowerment das famílias Refletir sobre os alcances e os limites do - Etnográfico - Visitas Domiciliárias Acompanhamento social individualizado ao - Investigação-Ação - Observação Participante nível do empowerment e da capacitação das - Entrevistas famílias/cuidadores - Análise de discurso Trabalhar a adaptação da experiência de risco - Etnográfico - Observação Participante pela família, recorrendo a histórias de vida - Investigação-Ação - Histórias de Vida - Etnográfico - Visitas Domiciliárias - Investigação-Ação - Observação Participante Valorizar a individualização responsabilização da famílias e a no desenvolvimento dos fatores de proteção, - Entrevistas desenvolvendo competências parentais de - Análise de discurso vinculação Fonte: Tabela realizada no âmbito da presente investigação 83 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados 5.2. Interpretação dos resultados obtidos A interpretação dos resultados obtidos irá passar pela divisão da metodologia qualitativa e da metodologia quantitativa, enquadrando a Etnografia, a Investigação-Ação e o Estudo de Caso, bem como as técnicas/instrumentos usados para a obtenção de resultados de acordo com os objetivos delineados. A população alvo da presente investigação cingiu-se às 18 famílias/cuidadores das crianças/jovens institucionalizadas na Associação Via Nova, sendo incluídas no estudo do Perfil-Tipo o total de famílias, 18 portanto, sendo esse estudo referido na interpretação com base na metodologia quantitativa. Destas 18 famílias foram realizadas visitas domiciliárias para a construção do pré-diagnóstico e atualização do processo a 15 delas e o acompanhamento social individualizado em si a 3 famílias. A informação exposta ao longo da apresentação de resultados abrange as 15 famílias/cuidadores pré-diagnosticadas, dando maior enfase aos 3 casos onde se realizou acompanhamento com maior incidência, em especial na descrição do Acompanhamento Social Individualizado. 5.2.1. Interpretação com base na metodologia qualitativa Como já foi referido, a Etnografia e a Investigação-Ação são métodos complementares da metodologia qualitativa. “Caso procuremos uma definição consagrada de etnografia, podemos arriscar dizer que se trata de uma forma de investigação que recolhe dados com a preocupação de compreender a (i) racionalidade do outro, o outro cultural, o outro submisso, o outro iletrado, o outro não ocidental (Shweder, 1997). Entenda-se que compreender o outro supõe contrariar a representação social (inclusive científica) de que os dominados e os «estranhos» seriam indignos, menores, inferiores, deficitários, pobres em recursos e capitais, isto é, seriam atores incapazes de se construírem de modo autónomo no plano cognitivo e cultural. Tal orientação assenta na ideia de que a objetividade científica não depende de uma posição de imparcialidade explicativa (Caria, 2000)” (Caria, 2003: ). Esta metodologia faz parte do método qualificativo, pois contém interesse a qualificação e adjetividade das pessoas e as qualificações da pessoa dos factos. Interessa saber o juízo, opinião da pessoa aos factos que ocorreram e comparar a sua opinião com os factos ocorridos e não comparar com factos de outras pessoas. Então, não interessa separar as 84 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados palavras das ações, mas sim, interessa obter as duas num conjunto nunca retirando o significado das descrições, como transmitiu uma progenitora quando de uma visita domiciliária, alegando descontentamento “ (…) por o filho não visitar a irmã há muito tempo, facto não verídico, pois o T visitou a irmã a 27 de novembro de 2012, e a visita foi a 6 de dezembro. Referiu ainda, que ligou ao T no sábado passado (1/12/2012), facto que também não se realizou, pois a mesma não contactou o filho como confirmou o técnico de serviço e o próprio T” (Relatório de visita domiciliária nº3: 174). Embora o princípio básico do método etnográfico não seja partir de dados quantitativos, isso pode acontecer. Este método não tem objetivos quantitativos, ou seja, dar explicações a partir da quantidade. O princípio da explicação deste método está na associação da qualidade relatada nas circunstância descritos, não interessando aprofundar muito. Se o entrevistador tem uma pergunta de partida e é confirmada com a aplicação deste método, não interessa aprofundar, pois já temos resposta á nossa pergunta de partida. A objetividade é, considerada um princípio básico da etnografia e, o que torna as coisas objetivas é poder isolar factos do objeto ou algo em questão. Como foi o caso da Análise do Perfil-Tipo, a abordar posteriormente, pois, embora a metodologia primordial fosse a qualitativa, este objetivo era fundamental para o enquadramento dos seguintes objetivos. Fernandes (2003) considera a etnografia mais que um método porque a prática etnografia transforma o investigador, configura-se como um estilo e modo de estar nas ciências sociais que exige longa aprendizagem, atividade profundamente especializada. Exige arte e treino para olhar o social com particularidade, convoca a capacidade narrativa e o domínio do texto sem dispensar o rigor e o saber próprio da comunidade científica. A capacidade narrativa foi explorada pela investigadora, nomeadamente através do registo no Diário de Campo, na elaboração de relatórios das visitas domiciliárias, entre outros relatórios, das entrevistas, bem como na análise de conteúdo dos instrumentos mencionados. A etnografia é nem mais do que uma descrição da cultura, pois a cultura associa ações a significados. Então, se temos ações associadas a um povo, estamos a falar da cultura de um povo. Então, como o propósito fundamental da investigação de tipo etnográfico é a descrição cultural, é possibilitada primordialmente pela observação participante de atividades amplificadas pelos elementos de um determinado grupo durante um período de tempo relativamente longo. Pretende, portanto, aceder ao sentido e significado que os atores dão às suas práticas sociais e, tem como finalidade captar esses significados. 85 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados Um exemplo concreto desta situação pode transcrever-se através da análise da história do Alberto13 onde a avó (figura parental) foi rotulada como alcoólica por se apresentar com cheiro a álcool aquando das idas do Alberto a casa da mesma, ou seja, no momento em que a avó ia buscar a criança à instituição o técnico de serviço verificava que esta avó apresentava um cheiro característico e facilmente identificativo de um alcoólico. Estes registos eram abordados em reunião de equipa e esta avó facilmente era criticada para o efeito. Após o enquadramento da investigadora no seio familiar chegou-se a conclusão que o cheiro a vinho poderia advir do facto de esta avó e o respetivo companheiro se dedicarem à produção do mesmo, bem como a própria admitir como uma rotina familiar o consumo de um copo de vinho às refeições, não chegando no entanto ao estado de embriaguez, nem sendo por isso considerada como alcoólica. O método etnográfico tende a inverter a lógica do design estereotipado pois, consoante indicam Hammersley & Atkinson, não é possível estabelecer á priori o curso de uma etnografia, sendo o trajeto da pesquisa constantemente redefinido (1983). Procurando de uma forma constante a incorporação das diferentes fases da pesquisa com o seu enquadramento epistemológico e teórico, abrindo, desta forma, o investigador à oportunidade de ser surpreso em virtude de o método ser ordenado em função do real e não o real em função do método (Fernandes, 2003). Promovendo a transformação pessoal do investigador através da sua ressocialização num novo contexto, a etnografia revela-se um método de forte carácter humanista e particularmente sintonizado com a experiência social. A observação participante é integrada no método etnográfico, pois, foi através da mesma que ocorreu a inserção no mundo social dos sujeitos estudados, para aceder ao que designa pertencer a esse mundo e descrever o que se vê, ouvir e infere num diário a que os investigadores convencionaram chamar ao já abordado diário campo. Esta inserção supôs um período alongado de permanência no terreno, cuja vivência é materializada no diário de campo, e em que o instrumento principal de recolha de dados é a investigadora, através da observação participante. O diário de campo contém vantagens mas, também, limitações. Como por exemplo, não permite ter uma informação fidedigna na medida em que não permite recolher o que a pessoa disse precisamente, tal como recolher expressões, gestos, entre outros; toda a construção do conhecimento é seletiva; é impossível obter um todo; transcrevemos sempre 13 Nome fictício 86 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados um discurso indireto, pois, a criação de um discurso direto não é exatamente uma cotação porque o etnógrafo não gravou o que foi dito; permite ao etnógrafo escrever sobre o modo como é interpretado pelas outras pessoas (inseguranças, dificuldades, etc); permite segmentar o tempo por fases com descrição dos problemas; quando estamos no terreno não estamos só a descrever, acabamos por dar tempo as pessoas para responder às nossas perguntas, o que nos possibilita estar sempre a analisar. A investigação enquadra-se na linha de Caria (2000), onde o etnógrafo, nas ciências sociais, ao ambicionar entender, tem para isso que ‘viver dentro’ do contexto em análise, apesar de não se transformar num autóctone. O investigador não chega a tornar-se membro do grupo, há portas que nunca são abertas ou, totalmente abertas. O ser aceite não é o mesmo que «ser de» ou «pertencer a». O trabalho de campo é um processo quase místico e, na sua essência, praticamente impossível de ser ensinado. A investigação é permanentemente dinâmica, vê-se obrigada a reformular-se a si própria, e tem de organizar-se em função da realidade, cuja complexidade não se mostra de uma vez. No caso concreto da presente investigação, o enquadramento da investigadora ocorreu de forma positiva, onde a postura transmitida passou por alguém pronto para ajudar, sem falsos muralismos, admitindo os hábitos e costumes da família ou cuidadores, a integração foi plena e aceitação foi satisfatória. Conclui-se portanto que a etnografia tem como principais características: 1. O principal instrumento de investigação: a própria investigadora, pois os investigadores de terreno aprendem a utilizar-se a si próprios como o principal e o mais fiel instrumento de observação, seleção, coordenação e interpretação, estando esta reflexão presente na linha de Sandays (1979). 2. Pequenas unidades de estudo: incide normalmente sobre pequenas unidades de estudo, como por exemplo, um bairro, uma rua, uma esplanada ou um grupo, de forma a ser intensiva e relevante, circundando o espaço a estudar. Na presente investigação cingiu-se as famílias/cuidadores a serem intervencionadas pela equipa do Projeto “O Trilho”. 3. Holismo: os procederes para a recolha de informação são de tipo descritivo e inclinam-se sobre todos os aspetos da unidade em estudo a que o investigador passa a ter acesso com o decorrer do tempo tornar-se-ão nítidos os aspetos a fixar mais detalhadamente. Que neste caso concreto abrangem a perceção do papel do TSSS no trabalho com estas famílias/cuidadores e as respetivas crianças/jovens, quais as melhores abordagens na 87 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados intervenção e quais as melhores formas de potencializar a responsabilidade parental associando com a intergeracionalidade. 4. Socialização no contexto: o acesso a uma perceção holística exigiu uma familiarização crescente da investigadora com o contexto. Deambular pelo espaço, falar com as pessoas, fazer perguntas, ser alvo de perguntas, entre outros. É fundamental para reduzir o impacto da presença do investigador enquanto «corpo estranho» e para aceder a uma aproximação, que possa dar conta das perspetivas dos atores sobre as suas vidas, e dos significados que guiam comportamentos. Para trabalhar esta socialização foi necessário a realização de visitas domiciliárias sem intervenções delineadas, onde a visita se transformava num momento de convívio e partilha, dando lugar à socialização. 5. Flexibilidade: diz respeito ao largo espetro de fontes de informação e á diversificação dos procedimentos do método do trabalho de rua. A flexibilidade é essencial para uma adequação ao fluxo dos acontecimentos no terreno, o que não se encontra sobre o controlo da investigadora. A investigação de campo não pode ser projetada corretamente antes de ir para o terreno de acordo com algum esquema pré-determinado, ou melhor, o esquema pré-determinado deve conter a margem para a ocorrência indeterminada. Isto em nada invalida a necessidade de uma preparação prévia, teórica e metodológica. No âmbito do Projeto “O Trilho” e da investigação por várias vezes que não foi possível aplicar a intervenção delineada pois as famílias passam por diversos períodos de crise e muitas das crises estão presentes no momento das visitas domiciliárias. Ignorar as crises poderá provocar a viabilidade da intervenção, porém dispor de todo o nosso tempo na resolução da crise poderá atrasar a intervenção e afetar assim o cumprimento de prazos entre outros parâmetros preestabelecidos. 6. Informalidade: Relaciona-se com a característica anterior e diz respeito ao estilo que a investigadora adota na rua, tal como, a participação informal em situações variadas. Deve também ser entendida em relação ao estatuto da investigadora, em inúmeras situações não tem o estatuto formal de «especialista» ou «técnica», limitando-se a participar anonimamente em atividades em curso. Enquadrando a abordagem de Douglas (1992), o estatuto quert ou cobert do etnógrafo continua uma das opções problemáticas para quem decide ir para o terreno. Normalmente, não se resolve na dicotomia dizer ou não dizer o que é feito, vai-se resolvendo por si á medida que os indivíduos na unidade de estudo progridem, 88 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados eles próprios, na questão ‘quem é este que aqui anda’. Então, a questão do estatuto do etnógrafo no terreno é elementar, estando-lhe ligadas questões de eficácia e moralidade. A presente investigação revê-se na linha de Weppner (1977) e Polsky (1971), considerando que o melhor método de entrada no terreno, e o mais óbvio, passa pela identificação e apresentação. “No entanto, a passagem do estatuto covert a overt é progressiva: a nossa identidade não é algo que se revele logo de partida e a todos ao mesmo tempo. Nunca se dá toda a informação sobre nós próprios à primeira, nem se pede toda a informação sobre os outros à primeira, tratando-se de uma regra de bom senso” (Neves, s.d.: 98). 7. Impacto mínimo: define-se um pouco por oposição à técnica como o questionário e a entrevista formal. Inscreve-se num debate que percorre todos os métodos (o da interferência do observador com o objeto). A interferência não deve ser tomada como obstáculo epistemológico mas controlado e a etnografia, pelas características já enunciadas é dos métodos menor interferente. A investigadora, enquanto etnógrafo, assumiu-se como impulsionadora na medida em que ativa e estimula a pessoa á falar. Com a rotina as pessoas perdem a capacidade de descrever o dia-a-dia pois entraram no automatismo. Para este método, a rotina não interessa e o etnógrafo acaba por estimular a pessoa e fazer com que ela pense nos seus hábitos/rotina. Mas não é só o investigador que influência as pessoas, pois, as pessoas também tem influência no trabalho etnográfico, bem como, muito poder sobre o que o etnográfico vê. Enquanto profissional é necessário contornar as relações de poder, devemos ultrapassar os obstáculos de poder, tais como, tratamentos mais formais. O Modelo Colaborativo também incentiva um tratamento mais informal para a obtenção de um relacionamento de maior proximidade, sendo a intervenção no Projeto “O Trilho” centrada no mesmo. Para a realização da intervenção centrada na abordagem colaborativa a investigadora optou por uma postura de curiosidade cultural e estimou o conhecimento/saber da família, foi dada importância às possibilidades e potencialidades, trabalhando em parceria e adequando os serviços às famílias, e ainda, deixar fluir o envolvimento nos processos de empowerment e tomar o trabalho do profissional mais útil para as famílias. Esta abordagem segue as ideias de Madsen (2009) (in Rodrigues, 2012). Em suma, os cinco passos para construir uma abordagem colaborativa são: 1º - Construir uma relação de confiança; 89 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados 2º - Ajudar as famílias a percecionar mudanças desejáveis para as suas vidas; 3º - Ajudar as famílias a identificar elementos que podem bloquear ou sustentar o desenvolvimento das mudanças desejadas; 4º - Ajudar as famílias a mudar as suas interações com os elementos bloqueadores e/ou potenciar as interações com os elementos de suporte para viver de acordo com as vidas desejadas; 5º - Ajudar as famílias a desenvolver comunidades para apoiar a construção/edificação das vidas desejadas. A escolha da abordagem colaborativa pautou-se por a mesma se centrar nas competências e nas soluções, envolve a mediação, negociação, parceria, informalidade e confiança enquanto os modelos tradicionais baseiam-se no modelo biomédico, assente no défice e centrado nos problemas de controlo. Com a presente investigação foi possível concluir que a intervenção com base na abordagem colaborativa é tendencialmente eficaz, sendo que é através do mesmo que conseguimos estabelecer uma relação de empatia, tendo por base uma estrutura não rígida e suficientemente informal, que possibilite dar resposta às preocupações ou necessidades imediatas dos pais, no âmbito da construção de uma relação que se prevê que seja de carater apoiante, reciproca e não culpabilizante. A importância da construção de uma relação de empatia ou a construção de um vínculo com estas famílias é ainda referenciada no âmbito do Acompanhamento Social Individualizado. A etnografia foi inventada para estudar culturas. Colocando-nos a questão: Mas que culturas? A ideia primordial será presenciar outros, que não a nós, e perceber as diferentes opiniões. Olhar para a cultura e atribuir o significado de determinado comportamento e, outra pessoa dá um significado diferente do nosso, dai ser indispensável juntar a ação á opinião. Assim, junta-se a observação participante para estudar a cultura juntando sempre a opinião dos elementos da cultura associados é ação. A observação participante foi utilizada na investigação enquanto técnica enquadrada na metodologia etnográfica. Sempre que possível aplica-se no meio social onde as pessoas estão inseridas. A observação participante é demorada e prolongada, pois é necessário ser banalizada, para que as pessoas não escolham as palavras e sejam «normais». Quanto ao tempo, quando nos colocamos no local cria-se a perceção do momento em que a pessoa não nos identifica como «algo estranho», e o fim deverá acontecer quando não existir nada de 90 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados novo para acrescentar á descrição. Enquanto técnica utilizada na investigação, há que realçar que os seus objetivos vão muito além da particularizada descrição de uma situação, possibilitando o reconhecimento do sentido, a orientação e a dinâmica de cada momento (Spradley, 1980). A observação participante, realizada em contacto direto e frequente da investigadora com os atores sociais nos seus contextos culturais, sendo a própria investigadora instrumento de pesquisa, requer a necessidade de eliminar alterações subjetivas para que possa haver a entendimento de factos e de interações entre sujeitos em observação, no seu contexto. Tal como Bogdan & Taylor (1975), na presente investigação, caracterizou-se a observação participante como uma investigação centrada nas interações sociais intensas, entre investigadora e sujeitos, no meio destes, sendo um procedimento durante o qual os dados são recolhidos de forma sistematizada. A investigadora está desde o início a ser observada, daí também a absoluta necessidade de construir uma base de confiança e empatia indispensável a uma desejada flexibilidade nos momentos de observação. Os diversos autores recomendam “no entanto disciplina durante a fase de desenvolvimento da observação, realização de sínteses na medida em que o trabalho de campo se desenvolve” (Morse, 2007: 46). Se estamos a estudar algo e observamos que não obtemos nada de novo, devemos mudar o objeto de estudo. Por exemplo, se estudamos algo onde estamos inseridos, devemos distanciarmo-nos do objeto de estudo para obtermos dados novos (estranhezas). Para criar essa distância não basta procurar as estranhezas, pois no momento seguinte (da censura), teríamos de nos censurar a nós mesmos. Ao estudar o nosso grupo é difícil obter informação porque é tudo muito familiar e não obtemos estranhezas. Nunca nos devemos tornar o centro da ação, não devemos ser o centro da interação, mas também, não devemos passar despercebidos para não sermos banalizados, e o oposto também não é suposto alcançar, para o algo em investigação não pensar nas respostas a dar aquando da nossa presença. Como já vimos, o etnógrafo, faz recolha de características demográficas – Veja-se como consta num relatório (relatório de visita domiciliária nº 16: 175) junto em anexo “(…) A mãe do JA, tem 37 anos (02/12/1976), é solteira, possui o 4º ano de escolaridade, doméstica e neste momento encontra-se a receber o RSI no valor de 109 euros. Tem dois filhos, um rapaz com 11 anos (11/08/2001), institucionalizado no Lar de Infância e Juventude Via Nova e uma rapariga com 4 anos, institucionalizada na casa da C no PR. Vive com os pais em P, sendo o 91 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados pai L, com 75 anos (25/11/1938), analfabeto e a mãe, T com 74 anos (06/07/1939), possuí a 3ª classe. Ambos os progenitores estão reformados (…)”. No âmbito da investigação, recorreu-se a estatísticas para dar um retrato sumário sobre as pessoas, através da análise do Perfil-Tipo. Em entrevistas biográficas ou entrevistas informais que se desenvolveram á posteriori da situação problema, por exemplo numa situação em que não podemos observar, e a informação nos chega através do relato do investigador, veja-se no relatório de diligências nº1 (pp. 199) em anexo “A D. D referiu que o Dr. PP lhe ligou há alguns meses, que se identificou como alguém que trabalha com o apoio à vítima no Porto, não sabendo a progenitora explicar concretamente qual a entidade para onde trabalhava. Mencionou que o Sr. quando liga sabe o que ela falou com o Sr. C, por exemplo, houve um dia em que o Sr. C ligou para a D. D quando os mesmos se encontravam a passar uma temporada com a mãe, e não pode falar com os filhos pois encontravam-se a dormir, o Sr. C não acreditou e insultoua afirmando querer falar com os filhos. Passado alguns minutos ligou o Dr. PP a perguntar porque que a D. D não deixava os filhos falarem com o pai, ao qual ela explicou a situação (…)”. É, ainda, importante referir que o etnógrafo não deve entrar em pormenores, mas sim, informar o estritamente necessário para o estudo. Ou seja, o foco é organização. Enquanto investigadores as pessoas interpretam-nos e tentam encontrar equivalentes para aquilo que estamos a fazer. Pois acabamos por ser algo estranho, fora do comum. E para que a investigação corra dentro da normalidade é atribuído um significado comum ao etnógrafo (estagiário, jornalista, entre outros), no caso concreto da presente investigação foi o significado de técnica. Em súmula, a abordagem etnográfica pode aprofundar vivamente os fenómenos sociais e acompanhar á luz materiais suscetíveis de escorar um modelo de ação distinto do que está subjacente na intervenção social corrente. Deste modo, novos horizontes e caminhos serão rasgados (Silva, Sacramento, & Portela, 2011). Considerando que uma das formas de conhecer o que sucede e porque sucede determinado acontecimento é perguntando aos que estão inseridos na própria situação, assim surge a entrevista, outra técnica usada no âmbito da etnografia. É nada mais que um meio adequado para realizar uma análise construtiva de uma determinada situação e é mais democrática do que a observação e registo no diário de campo, pois permite a participação dos sujeitos de uma forma aberta. (Santos, 1993). 92 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados As entrevistas aplicadas no âmbito do Projeto “O Trilho” possuíam como principal objetivo a recolha de informação para a atualização dos processos individuais, a elaboração de uma anamnese social com vista a reunir toda a informação necessária à consciencialização do problema por parte das famílias multiproblemáticas e a fundamentação da intervenção social a por em prática. Então, de acordo com os objetivos a cumprir, enquadrou-se no contexto, a entrevista semiestruturada, dando a possibilidade destas famílias divulgarem o máximo de informação possível não descuidando a informação que necessitamos, ou seja, por não ser inteiramente aberta, nem encaminhada para um grande número de perguntas precisas, este tipo de entrevista possibilitou, apesar de ter uma série de perguntas previstas, tanto quanto possível, ‘deixe andar’ o entrevistado para que este possa falar abertamente, esforçando-se simplesmente por reencaminhar a entrevista para os objetivos cada vez que o entrevistado deles de afastar. Prevê-se, também, “a constituição de um processo de ação de experiências ou de acontecimentos do passado com vista a perceber a análise do sentido que os atores dão às suas práticas e os acontecimentos com os quais se vêem confrontados, as suas interpretações de situações conflituosas ou não, os seus sistemas de valores, as leituras que fazem as próprias experiências” (Quivy & Campenhoudt, 1992: 193). Quanto ao percurso da educação parental, um dos objetivos enunciados na investigação14, nunca, como hoje, as famílias terão estado no centro das atenções da sociedade. Porém, de certa forma, e de um modo informal, a educação parental sempre existiu, se considerarmos a necessidade de transmissão de conhecimentos relacionados com a educação dos mais novos, de umas gerações para as outras. Os primeiros registos de manuais sobre educar crianças datam de 1633, contudo, desde o inicio da civilização existiu sempre a preocupação com o crescimento das crianças (Smith, Perou & Lesesne, 2002). Apenas a partir de 1800 é que o movimento da educação parental começou a ganhar contornos formais. Na transição do século XIX para o século XX ocorreram alterações na estrutura familiar, nomeadamente, pela diminuição da natalidade e da mortalidade infantil, trazendo a criança para o centro das atenções na família, na qualidade de ser humano com vida própria e autónoma. Progressivamente, abandonou-se a ideia do adulto em miniatura, reforçando-se a ideia da criança como um ser com necessidades específicas (Almeida, 2000). No século XX, entre as décadas de 1920 e 1940, a educação parental passou a dirigirse essencialmente à classe média e, em paralelo, os estudos e investigações sobre o 14 Ver tabela 10 página 83 93 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados desenvolvimento da criança multiplicaram-se, trazendo um avanço considerável na área (Jalongo, 2002). Na década de 1970 o movimento da educação parental foi muito influenciado pela perspetiva centrada na pessoa, preconizada por Carl Rogers, com especial importância na promoção junto dos pais de empatia, compreensão e aceitação incondicional, o que permitiu fortalecer as abordagens parentais não punitivas da criança. Nos anos 90, verificaram-se mudanças significativas na conceção de educação parental, que passou a ser influenciada pelas perspetivas sistémicas e socioculturais, dando um maior relevo da intervenção as potencialidades das famílias. Neste percurso histórico emergiu a ideia de que não era satisfatória uma abordagem de educação parental exclusivamente centrada nas necessidades dos filhos, numa lógica de os pais aprenderem as melhores estratégias para assegurarem o apoio aos filhos no seu desenvolvimento equilibrado e saudável. Tendo em conta que a parentalidade completa diferentes componentes (cognitiva, emocional e comportamental), é importante ir mais além e valorizar os elementos: emocional e vivencial, que a experiência parental encerra em si (Canário, 1999). No contexto da investigação as intervenções no campo da parentalidade que passam pelo acompanhamento social individualizado têm por base a educação parental, enquanto instrumento privilegiado de apoio aos pais no desempenho das funções educativas. Este acompanhamento como já foi referido, e na linha de Williams (2010), deve ultrapassar a desconfiança basear-se no respeito mútuo e ter cariz prático e acrítico, dando voz essencialmente às famílias. Ainda dentro da investigação e de acordo com a Psicologia do Desenvolvimento, a educação parental é definida como uma possibilidade de intervenção na parentalidade que tem como objetivos centrais a promoção e capacitação das famílias no desempenho das funções básicas educativas (manutenção da vida, estimulação, apoio emocional, estruturação do ambiente e supervisão), tal como se revê no relatório de visita domiciliária nº28 (pp. 189) “(…) Foi feita uma reflexão com a avó que queríamos que aquele momento fosse positivo e que teria de ter outra tolerância com o neto, pois a senhora entrou em comparações, ao qual foi alertada relativamente a diferença entre os filhos e os netos, pois nenhum filho passou pelo que o JA e a M estão a passar. Ocorreu uma exploração relativamente à melhor forma de lidar com a teimosia do JA (…)”. Enquadra-se igualmente dentro da perspetiva da investigação a visão de Gaspar (2003) que defende a utilidade do enfoque nas necessidades dos pais e na relação que estes 94 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados deliberam com os filhos, considerando a educação parental como um conjunto de atividades educativas e de suporte que ajudem os pais/cuidadores a compreender as suas próprias necessidades sociais, emocionais, psicológicas e físicos, como também a das crianças/jovens, aumentando assim, a qualidade das relações entre eles. Esta ideia está implícita no relatório nº 24 (pp. 188) “(…) Após a descrição das situações supracitadas foi realizada uma breve reflexão com os cuidadores, relativamente as causas que poderão suscitar as situações mencionadas. Sendo referido aos cuidadores que uma maior abertura do J poderá surgir se existir uma maior flexibilidade por parte dos mesmos, uma penalização menos rígida e uma maior comunicação, tentando sempre saber o porque das mentiras e fazendo chegar ao J as soluções para a não utilização das mentiras (…)”. Em suma, e cumprindo com o objetivo proposto, a educação parental pode ser definida como um conjunto de experiências que potenciam nos pais um maior conhecimento e capacidade de compreensão. Segundo o enquadramento realizado na investigação acredita-se que uma intervenção desta natureza pode afetar positivamente a satisfação e o funcionamento das famílias através da partilha de conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança e das relações que estimulam a sua inclusão, gerando modelos alternativos de parentalidade que alargam as escolhas dos pais, promovendo novas competências e facilitando o acesso aos serviços da comunidade, sendo esta a importância da educação parental, tendo em conta que as intervenções na educação parental devem ter sempre em consideração o momento social, cultural e político do contexto em que se desenvolvem, o nível social, cultural e económico das famílias envolvidas, a sua religião, as suas necessidades idiossincráticas, percecionadas como discrepâncias entre o estado atual e o desejável. No decorrer da investigação recorreu-se às Histórias de Vida15 no sentido de trabalhar a adaptação da experiência de risco pela família. E isto só é possível quando o narrador se separa de uma história coletiva e se remete a um discurso pessoal que o próprio estrutura. É a partir de uma conceção específica, da essência do ser humano, caracterizado pelos traços de liberdade e igualdade, que o sujeito alcança, quer a necessidade imperiosa de realizar o seu futuro pessoal, quer a possibilidade de organizar a sua História de Vida através de uma racionalidade própria (Guerra, 2006). O sociólogo americano Denzin propôs, em 1970, a diferenciação das terminologias: ‘life story’ (a história ou o relato de vida) é aquela que designa a história de vida contada pela 15 Consultar anexo B 95 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados pessoa que a vivenciou. Nesse caso, o investigador não confirma a veracidade dos factos, pois o valorizado é o ponto de vista de quem está narrando. Quanto à life history (ou estudo de caso clínico), compreende o estudo aprofundado da vida de um indivíduo ou grupos de indivíduos. A presente investigação posiciona-se no que Denzin chama de life story. Esta metodologia trabalha com a história ou o relato de vida, ou seja, a história contada por quem a vivenciou. No relato de vida o que interessa à investigadora é o ponto de vista do sujeito, o objetivo desse tipo de estudo é precisamente capturar e compreender a vida conforme ela é relatada e interpretada pelo próprio ator. Por meio do relato de Histórias de Vida individuais, podemos caraterizar a prática social de um grupo. Assim, a entrevista individual traz à luz direta ou indiretamente uma quantidade de valores, definições e atitudes do grupo ao qual o indivíduo pertence. As Histórias de Vida desejam, portanto, confiscar os elementos gerais contidos nas entrevistas das pessoas, não esquecendo, contudo, de analisar as particularidades históricas ou psicodinâmicas. Nesse sentido, histórias de vida, por mais particulares que sejam, são sempre relatos de práticas sociais: das formas com que o indivíduo se insere e atua no mundo e no grupo do qual ele faz parte. Tal como se descreve na história de vida anexada (pp. 133) “D. D e o ex. companheiro conheceram-se em Espanha nas vindimas, posteriormente foram trabalhar numa fábrica de telha permanecendo lá quatro anos. Nessa altura nasceu o JA. A mãe refere que este foi um filho muito desejado “queria mesmo ter um filho”. O JA nasceu de uma gravidez planeada e de parto normal. A figura materna menciona que o filho “era um bebé perfeito”. A criança esteve aos cuidados da mãe até um ano de idade, altura em que é colocado numa ama com várias crianças, permanecendo lá apenas dois meses. Sendo transferido para outra ama. D. D evidencia que nessa altura a relação com o ex. companheiro era pautada de conflitos e insegurança mencionando que este demonstrava uma postura de desconfiança reagindo com comportamentos agressivos. Acrescentando ainda que devido a esses comportamentos de violência existe uma queixa na polícia em Espanha (…)”. Assim, a elaboração da história de vida das famílias multiproblemáticas dentro do contexto do acompanhamento social individualizado ressaltam o momento histórico vivido pelo sujeito, tornando este método necessariamente histórico (a temporalidade contida no relato individual remete ao tempo histórico), dinâmico (apreende as estruturas de relações sociais e os processos de mudança) e dialéctico (teoria e prática são constantemente colocados 96 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados em confronto durante a investigação) estando esta ideia subjacente por Spindola & Santos (2003). É através da compreensão do tipo de risco pelo qual as crianças/jovens passaram, bem como os familiares/cuidadores que poderá ser trabalhada a adaptação à experiência de risco. Tal como se denota na história de vida anexada (pp. 134-135) “(…) através do discurso dos progenitores, que a figura paterna utilizava um estilo educacional permissivo. Por outro lado, a figura materna tentava impor os castigos sendo desautorizada pelo companheiro. Deste modo, a falta de consistência e de regras claras contribui para que as crianças desenvolvessem um sentimento de não pertença familiar (…) atualmente a progenitora encontra-se separada por motivo de violência doméstica (…) foi auxiliada pela APAV, sendo recolhida para uma casa abrigo em Lisboa, porém o não cumprimento do sigilo da estadia em Lisboa associados a falta de competências parentais foram as causas da retirada dos menores, que antes de serem institucionalizados estiveram numa família de acolhimento”. O recurso à construção de Histórias de Vida demarcou-se como essencial, num primeiro momento para a interpretação das reais dificuldades e necessidades sentidas e não dos problemas percecionados. Foram construídas as histórias de vida das três famílias incluídas no acompanhamento social individualizado, sendo que nas três foi possível consciencializar as famílias para as problemáticas vivenciadas, para o tipo de risco e perigos aos quais submeteram as crianças/jovens, identificando estratégias para colmatar estas problemáticas, e mais importante do que identificar as problemáticas enquanto técnicos foi poder incluir as famílias na identificação das mesmas, passando desta forma a incluir as dificuldades sentidas por estas famílias na intervenção, não nos cingindo só ao que percecionamos como fundamental para o progresso das famílias. Através da sensibilização das famílias/cuidadores para o risco, mostram-se outras alternativas para colmatar o risco, nomeadamente a adaptação ao contexto visando o superar através de tentativa erro, como se demonstra no relatório de visita domiciliária nº23 (pp. 182) “(…) Inicialmente foi explorado a importância de ser mãe, as suas dificuldades e o processo construtivo de aprendizagem. De seguida iniciamos um exercício de reflexão onde pedimos a D. D que se colocasse no papel de uma técnica da segurança social e respondesse a três questões, sendo elas: Enquanto técnica da Segurança Social que condições acha que são importantes para o regresso do JA e da M a casa da mãe? Deixava que os meninos regressassem a casa quando visse o quê? Acha que os seus filhos se vão sentir bem a 97 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados regressar a casa? Porquê?”. Esta reflexão permitiu consciencializar a progenitora das questões colocadas pelos técnicos quando constituem a hipótese das crianças passarem por situações de risco/perigo aquando da ida à progenitora. Envolver a progenitora nesta tomada de consciência desenvolverá a adaptação da mesma ao risco. Reportando agora o conceito de acompanhamento social, no contexto da presente investigação, o acompanhamento social individualizado destina-se, prioritariamente, a famílias que não cumpriram com os cuidados básicos necessários ao desenvolvimento das crianças/jovens, visando criar condições para que venham a cumpri-las e potencializar a família para a autonomia. Como ainda, famílias que em outras instâncias de atendimento, demonstraram a necessidade de apoio individualizado para o enfrentamento de vulnerabilidades, visando a sua autonomia. No âmbito do Projeto “O Trilho” foram planeadas as sessões de acompanhamento de todas as famílias/cuidadores, através de um plano designado por ‘Plano de Acompanhamento Familiar’, onde em primeiro lugar é identificada a pessoa a visitar dentro da história de vida de cada criança/jovem, seguindo-se de uma visita domiciliária com recolha de informação, através de uma entrevista com guião. Nessa entrevista contamos com a identificação e caracterização socioeconómica da família/cuidador. De acordo com o caso será esboçada a intervenção, sendo para a criança/jovem elaborado um Plano de Intervenção Individual 16 e para os familiares/cuidadores um Plano de Intervenção Familiar17. Depois de delineados os Planos de Intervenção é necessário pôr os mesmos em prática e registar todos os resultados obtidos. Para a implementação de uma atividade18 é necessário desenvolver um guião para delinear todos os passos a realizar na atividade, após a execução da atividade deverá provir um relatório com todos os resultados obtidos na mesma. Estas fases serão aprofundadas no ponto seguinte. O acompanhamento individualizado deverá ser realizado tendo por base um cronograma, servindo este como mapa guia a ser cumprido consoante disponibilidade da família/cuidador bem como da equipa técnica. É fundamental no acompanhamento individualizado que se estabeleça um trabalho em rede sempre que o mesmo se verifique positivo para a intervenção com a família/cuidadores. Nos casos de crianças/jovens em risco grave ou alto risco, deverá a equipa encaminhar o caso 16 17 18 Anexo C Anexo D Como por exemplo trabalhar a comunicação familiar, o cumprimento dos hábitos de higiene, entre outros. 98 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados para as entidades competentes, por exemplo a CPCJ. Se a pessoa a intervir for beneficiário do Rendimento Social de Inserção (RSI) deverá o técnico articular o seu trabalho com as equipas de atribuição e acompanhamento do RSI, entre outras entidades parceiras. As dinâmicas e etapas do acompanhamento individualizado podem sistematizar-se em etapas que implicam o recurso a várias técnicas de recolha de informação e análise das potencialidades com a família e estão aqui diferenciadas em razão dos seus objetivos principais. Entretanto importa sublinhar que várias etapas podem ser cumpridas usando a mesma técnica, nomeadamente a visita domiciliária. Este instrumento permite fazer, por exemplo, a entrevista diagnóstica e o plano de ação numa mesma visita. No entanto, em algumas situações, dada a sua especificidade ou falta de colaboração da família, a mesma etapa poderá implicar mais do que uma visita domiciliaria e/ou entrevista. Esta dinâmica depende muito da capacidade de mobilização da colaboração da família. 1ª Etapa – Identificação da família/cuidador a visitar: Antes de se proceder ao agendamento das visitas domiciliárias, a investigadora fez um levantamento de necessidades através da análise de processos e reuniões com os gestores de caso de cada criança/cuidador. Esta recolha permitiu averiguar quais os familiares/cuidadores a visitar, como ainda a execução de um estudo do Perfil-Tipo19 onde foi identificado o perfil tipo da criança/jovem institucionalizada bem como dos pais/cuidadores a visitar. Após esta identificação foram reunidos os dados das pessoas a visitar, reportando nomes completos, morada e contactos. 2ª Etapa – Contacto com a família/Visita domiciliária: Nesse contacto, o técnico procura construir com a família um vínculo de confiança e empatia para conhecer o quotidiano de vida da família, oferecer apoio através do acompanhamento individualizado e grupal, usando para o efeito uma Abordagem colaborativa, sendo esta abordagem explorada nas metodologias. Assim, o técnico informa a família sobre seus direitos e deveres, convidando-a e motivando-a a pensar sobre como garantir os seus direitos e cumprir com seus deveres, incluindo como primordiais os direitos da criança/jovem. O técnico deve abordar de maneira aberta, mas delicada, a situação em que a família se encontra, falando sobre a advertência recebida, mas sempre acolhendo e argumentando que a família pode precisar de apoio e 19 Anexo E 99 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados orientação para que possa novamente cumprir as condicionalidades e superar as suas dificuldades. Deve ajudar a família a contextualizar a situação e contar a sua versão da história, sempre reafirmando a possibilidade de apoio e orientação para a mudança. A família deve compreender que o cumprimento das condicionalidades não é apenas uma exigência mas a garantia de acesso a direitos sociais básicos, e que o acompanhamento individualizado é uma oferta de apoio e orientação. A adesão da família à intervenção representa um compromisso do cumprimento do acordado no Plano de Intervenção Familiar. Nos casos em que a família se recusa à visita e/ou a dar informações no decorrer desta, o técnico deve reafirmar a existência do serviço e a necessidade de garantia dos direitos, oferecendo informações gerais, em especial sobre os direitos que supostamente estariam sendo violados, e colocando-se à disposição para maiores esclarecimentos. Se a recusa da família for circunstancial, isto é, motivada apenas pela impossibilidade de ser entrevistada naquele dado momento, o técnico deverá agendar uma nova data para a realização da visita ou para uma entrevista na instituição. Na abordagem, os familiares/cuidadores também deverão ser informados sobre o sigilo dos dados e a forma de trabalho da equipa “Trilho” no sentido de tranquilizá-la sobre o direito à privacidade e anonimato. Concluída a entrevista, o técnico deverá agradecer à família pelo tempo despendido e colocar-se à disposição para atendimento sempre que o desejarem e for possível para a equipa. Cumprido o propósito desta primeira visita domiciliária ou entrevista, estabelecer vínculos e retomar o diálogo, o técnico pode passar à segunda etapa, de ´estudo de caso`. Em muitas famílias, a etapa de estudo de caso pode acontecer na mesma visita domiciliaria ou entrevista do primeiro contacto com a família. 3ª Etapa - Entrevista diagnóstica: Na sequência, esta entrevista visa mapear dificuldades, inclusive aquelas para cumprir as condicionalidades, as vulnerabilidades sociais vividas e as potencialidades do grupo familiar diante desses riscos. Procura conhecer a realidade da família, a sua dinâmica interna, crenças, práticas e relações de cuidado com as crianças e jovens; a sua situação de alimentação, residência, ocupação laboral e acessos a serviços básicos, entre outros fatores. Dessa forma, pode também identificar as ações necessárias de proteção à família, os encaminhamentos à rede de serviço, bem como ações de orientação socioeducativa. 100 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados 4ª Etapa - Plano de Ação: No processo de delineamento do Plano de Ação desencadeado, será elaborado conjuntamente com a família, um Plano de Intervenção que incluirá os encaminhamentos necessários à rede de serviços e a orientação socioeducativa para o enfrentamento das dificuldades e o desenvolvimento de potencialidades. Em alguns casos, o Plano de Intervenção pode ser realizado, segundo a ocasião, após a primeira entrevista ou visita domiciliária. O técnico prosseguirá o acompanhamento individualizado da família acionando uma ou mais das seguintes opções: (a) inserção na rede de proteção social; (b) Visitas de acompanhamento; (c) Delineamento e implementação de Planos de Intervenção Familiar; (d) Fomentar os laços afetivos; (e) Inserção em Workshops de Formação Parental; e (f) Inserção em Programas Estruturados de Formação Parental. 5ª Etapa – Aplicação da medida e registo de resultados: Após apurada a medida a aplicar, ou seja, após a seleção de uma das opções supra mencionadas, ocorre a aplicação da mesma, sendo que com o decorrer da intervenção a medida poderá ser revista e adaptada à família/cuidador, partindo sempre do princípio que todas as famílias são diferentes e que o diagnóstico realizado inicialmente poderá alterando, sendo por sido designado de pré diagnóstico. Nesta fase ocorre, ainda, o registo de toda as intervenções realizadas bem como os resultados obtidos nas mesmas. 6ª Etapa – Avaliação e comunicação dos resultados obtidos: O técnico avalia junto da família o trabalho desenvolvido, abrangendo os progressos feitos, as estratégias para a continuidade do seu desenvolvimento e a qualidade do acompanhamento individualizado. Sempre que solicitados os objetivos alcançados no trabalho com as famílias/cuidadores, bem como os resultados obtidos, estes serão colocados à disposição dos gestores de caso, bem como outras entidades parceiras. Cabe ao gestor de caso a decisão do regresso ou não à família/cuidador. Um dos alcances do acompanhamento social individualizado no âmbito do projeto é o trabalho em rede que, segundo Sampaio, Cruz & Carvalho (2011) é fundamental o trabalho de dinamização da rede social e de construção de parcerias, muito para além de uma lista de contactos. 101 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados Tabela 11: Etapas no Plano de Acompanhamento Individualizado Etapa 1ª Etapa - Identificação da família/cuidador a visitar 2ª Etapa - Contacto com a família/Visita domiciliária 3ª Etapa - Entrevista diagnóstica 4ª Etapa - Plano de Ação 5ª Etapa - Aplicação da medida e registo de resultados 6ª Etapa - Avaliação e comunicação dos resultados obtidos Identificação de princípios - Levantamento de necessidades - Identificação de elementos a visitar - Recolha de dados de elementos a visitar - Construir vínculo/empatia - Acompanhamento individualizado - Informar a família sobre os direitos/deveres e sigilo - Estudo de Caso - Estudo de Caso - Conhecer a realidade e dinâmica da família - Delinear Plano de Intervenção Familiar - Aplicação do Plano de Intervenção Familiar - Intervenções e registo das mesmas - Descrição dos progressos - Delinear estratégias de continuação de sucesso - Transmitir informação aos gestores de caso entre outras entidades Fonte: Realizada no âmbito da presente investigação Estas etapas foram seguidas escrupulosamente no âmbito da intervenção do Projeto “O Trilho” no que diz respeito ao acompanhamento individualizado das famílias, mais precisamente nas três famílias selecionadas para delinear um Plano de Intervenção Familiar e iniciar o Acompanhamento Social Individualizado. Após a construção da tabela 11 foi possível enquadrar os objetivos propostos na tabela 10 com as etapas do acompanhamento social individualizado, sendo explorado esse enquadramento de seguida. Quanto à importância da educação parental no contexto da investigação prevê-se com especial importância na promoção junto dos pais de empatia, compreensão e aceitação incondicional, o que permite fortalecer as abordagens parentais não punitivas da criança. Relativamente ao enquadramento da mesma no acompanhamento individualizado, no contexto desta investigação, com intervenções no campo da parentalidade que passam pela educação parental, recorrendo a instrumentos privilegiados de apoio aos pais no desempenho das funções educativas, a educação parental situa-se em todas as etapas que envolvam a interação técnico-família, nomeadamente, na etapa número 2, 3, 5 e 6. Este acompanhamento deve ultrapassar a desconfiança basear-se no respeito mútuo e ter cariz prático e acrítico, dando voz essencialmente às famílias. 102 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados Nos três casos acompanhados no âmbito da investigação e do Projeto “O Trilho” a utilização da educação parental previu-se como uma forma de afetar positivamente a satisfação e o funcionamento das famílias através da partilha de conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança e das relações que fomentam a sua compreensão, gerando modelos alternativos de parentalidade que alargam as escolhas dos pais, promovendo novas competências e facilitando o acesso aos serviços da comunidade. Compreender a importância da intergeracionalidade prevê-se uma constante em todo o processo de acompanhamento social individualizado, sendo a promoção da intergeracionalidade uma das grandes preocupações da presente investigação, estando portante este objetivo presente em todas as etapas da tabela 11, salientando que a promoção da intergeracionalidade cingir-se-á às etapas que reportem para o convívio e o estabelecimento de relação entre a família/cuidador e a criança/jovem. Nos três casos investigados, foi possível promover e reforçar a intergeracionalidade, sendo que em dois dos três a intergeracionalidade promoveu-se de forma mais eficaz que no terceiro caso, sendo de denotar que neste terceiro caso a riqueza geracional era inferior, sendo que o jovem, neste caso, só manteve contacto com os pais biológicos, enquanto os restantes puderam estabelecer contactos geracionais mais ricos, nomeadamente através de pais, avós, primos, tio, entre outros, existindo desta forma diversidade nas faixas etárias e consequentemente na troca de experiencias e relações intergeracionais. Os benefícios para ambos os grupos geracionais são grandes, sendo que para as crianças e jovens, o acréscimo do interesse pela aprendizagem, saber e conhecimento, através do convívio informal e a melhoria do relacionamento com os mais velhos, seus parentes ou não, são exemplos de vantagens no contacto intergeracional. Relativamente ao enquadramento da Análise do Perfil-Tipo das crianças e dos respetivos pais/cuidadores no Acompanhamento Social Individualizado, como podemos constar, este objetivo foi o primeiro a ser cumprido tendo em conta que foi a partir do mesmo que se reuniram as informações necessária para partir para o terreno, ou seja, este processo faz parte da 1ª etapa do acompanhamento e surgiu para uma melhor preparação da investigadora para o trabalho de campo, obtendo o conhecimento necessário sobre quais as famílias que iria encontrar e quais as estratégias a adotar de acordo com os mesmos, refletindo a diversidade destas famílias. Esta análise será explorada mais pormenorizadamente de seguida. A análise dos planos de intervenção social junto das crianças/jovens bem como das famílias/cuidadores prevê-se no 4º, 5º e 6º momento do acompanhamento social 103 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados individualizado. Dos três casos acompanhados foi possível fazer esta análise em dois dos deles, sendo que se denotaram resultados positivos em ambos, pois permitiu a investigadora consciencializar a família, por um lado, e reforçando a importância da construção das histórias de vida, para as problemáticas envolventes e por outro para as alternativas para as colmatar, adotando outras estratégias e ferramentas no desempenho das responsabilidades parentais. Refletindo agora sobre os limites e alcances do foco central da investigação, ou seja, o acompanhamento social individualizado propriamente dito, esta reflexão é realizada ao longo de todo o processo, sendo no entanto após o mesmo que surgem os maiores resultados, tais como, o cumprimento na integra da 2ª etapa, ou seja, construção do vínculo/relação técnico-família nos três casos revelou-se fundamental para as restantes etapas, pois foi através do mesmo que foi possível criar a relação de empatia e confiança necessária ao trabalho com as famílias, ou seja, trabalhar as competências que estas famílias têm, desbloqueando-as e fazendo-as perceber que as têm, dotando-as, também, de mecanismos e competências que não detêm para fazer face às situações de crise com que se deparam durante a vida, trabalhando do mesmo modo o aumento da sua autoestima e consequentemente a independência e interdependência familiar, promovendo desta forma a responsabilização parental destas famílias. Na 3ª etapa é necessário ressalvar a importância da entrevista diagnóstica, reforçando mais uma vez a possibilidade de averiguar as reais necessidades sentidas e não as percecionadas. Nos três casos acompanhados mais uma vez em dois deles, surgiram diagnósticos de outras entidades parceiras que fugiam à realidade e ao averiguado á posteriori, por exemplo, num dos casos acompanhados, há uma avó que foi referenciada como potencial alcoólica, onde foi mesmo acusada de ir buscar a criança com evidente cheiro vinho, constouse após a visita de diagnóstico que esta avó se dedica aos trabalhos agrícolas, produção de fumeiro e vinho, encontrando-se a investigadora, desta forma, perante uma diagnóstico mal fundamentado e averiguado, reforçando a importância do acompanhamento social individualizado conforme se encontra delineado na presente investigação. Poderá ser referida como uma limitação do acompanhamento social individualizado a perda da dinâmica e interação em grupo, como por exemplo em Workshops de Formação Parental, que foram também dinamizadas no âmbito do Projeto “O Trilho” onde a partilha de experiências se torna enriquecedora para a aquisição de competências parentais. 104 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados A adaptação ao risco por parte da família no âmbito do acompanhamento individualizado foi trabalhada recorrendo a Histórias de Vida. A elaboração da história de vida das famílias dentro do contexto do acompanhamento social individualizado ressalta o momento histórico vivido pelo sujeito, tornando este método necessariamente histórico, dinâmico e dialético. É através da compreensão do tipo de risco pelo qual as crianças/jovens passaram, bem como os familiares/cuidadores que poderá ser trabalhada a adaptação à experiência de risco. Através da sensibilização das famílias/cuidadores para o risco, mostram-se outras alternativas para colmatar o risco, nomeadamente a adaptação ao contexto visando o superar através de tentativa erro. Este objetivo enquadra-se na 2ª, 3ª, 4ª e 5ª etapa do acompanhamento social individualizado. Quanto à valorização, responsabilização e individualização das famílias no desenvolvimento dos fatores de proteção, processa-se quer desenvolvendo competências parentais de vinculação, como foi referido na teoria da vinculação, exposta no capítulo anterior, quer através do aumento de capacidades de vinculação nas crianças/jovens. É na linha de Winnicott (in Ajuriaguerra & Marcelli, 1991) que se situa a investigação, nomeadamente através da reflexão de que muito justificadamente a criança pequena sem a sua mãe é algo que não existe. Ou seja, os dois, mãe e filho, formam um todo sobre o qual devem descair a avaliação e o esforço terapêutico. Esta verdade também é válida para a criança maior e para o jovem. Então no âmbito do projeto e da investigação ocorreu intervenção no sentido de promover a responsabilidade parental para a importância do vínculo e o efeito do mesmo nas crianças/jovens. Este objetivo enquadra-se na 2ª, 3ª e 5ª etapa do acompanhamento social individualizado, que constam na tabela nº10. Agrupando ainda o contexto da investigação e com base na hipótese formulada por Bowlby (1969), mais tarde revista por Ainsworth, Bell, e Sayton (1971), são assinaladas as diferenças individuais observáveis na qualidade da vinculação da criança, que são o resultado da interação e dos cuidados providenciados pelos pais. No enquadramento do projeto e da investigação foi possível observar que nas crianças vítimas de maus-tratos ocorrem consequências dramáticas e específicas no comportamento de vinculação da criança, pois existe uma alteração extrema suscetível de ser 105 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados observada na qualidade dos cuidados prestados pelos pais. Esta ideia é fundamentada por Cicchetti & Toth (1992). No caso concreto do JA, em que a relação de vinculação era deficiente com ambos os progenitores sendo o maior contacto estabelecido com a mãe, a intervenção realizada contou com a mudança bastante significativa por parte do mesmo, pois, aquando da institucionalização a sua relação com as mulheres era semelhante à relação entre os progenitores, um ambiente familiar pautado por violência doméstica, com desrespeito e mau trato para com as mulheres, atualmente, após intervenção técnica, a criança mantém uma benéfica relação com a mãe sendo significativamente superior o vinculo observado. Hoje o JA respeita as mulheres em geral, não usando palavrões e mau trato como usará antigamente. Então, se a representação que a criança tem dos pais, é de que são pessoas disponíveis e providenciam experiências agradáveis, então tende a esperar que os outros também estarão disponíveis e a sua acção será consistente, mantendo uma relação efetiva e competente com outros. Na criança seguramente vinculada, a confiança que tem em si e nos outros facilita uma relação interpessoal calorosa e de confiança com os outros. Quanto às crianças que têm uma “vinculação insegura, estas apresentam expetativas negativas quer relativamente a si próprias quer na confiança que depositam nos outros. As crianças pequenas que crescem em ambientes inconsistentes e com tratamento insensível ou dessintonizado com as suas necessidades, quer por hiper-estimulação quer por infraestimulação, fracassam com mais frequência na realização de tarefas evolutivas importantes como o desenvolvimento de um apego seguro” (Reis, 2009: 119-120). 5.2.2. Interpretação com base na metodologia quantitativa No âmbito da metodologia quantitativa foi estabelecido um único objetivo, sendo ele a explicitação do Perfil-Tipo20 das crianças e dos respetivos pais/cuidadores. Este objetivo foi o primeiro a ser cumprido tendo em conta que foi a partir do mesmo que se reuniram as informações necessária para partir para o terreno. O cumprimento deste objetivo pretendia portanto uma melhor preparação da investigadora para o trabalho de campo, obtendo o conhecimento necessário sobre quais as famílias que iria encontrar e quais as estratégias a adotar de acordo com os mesmos, refletindo a diversidade destas famílias. 20 Anexo E 106 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados A seguinte tabela justifica a designação pais/cuidadores, sendo que nem toda a população a intervencionar são os progenitores das crianças/jovens institucionalizados na Associação Via Nova. Tabela 12: Grau de parentesco Nº total Percentagem 1-Mãe 6 33% 2-Pai 2 11% 3-F.A - - 4-Avós 2 11% 5-Padrinhos 2 11% 6-Tios 1 6% 7-Ambos progenitores 5 28% Total 18 100% Fonte: Estudo Perfil-Tipo da presente investigação Como se pode constar na população a intervencionar são maioritariamente progenitores, sendo que dos 33% de mães, 11% de pais e 28% de ambos os progenitores perfazem um total de 78%. A partir do estudo da faixa etária dos pais/cuidadores permitiu concluir que a população a trabalhar abrange pessoas com idade mais avançada, não existindo pais/cuidadores jovens (faixa etária dos 20 aos 30 anos), encontrando-se a maior fatia de pais/cuidadores na faixa etária dos 41 aos 50 anos com 63% da população total. Gráfico 1: Distribuição por faixa etária dos pais/cuidadores Faixa etária dos pais/cuidadores a intervir 0% 6% 20 aos 30 12% 31 aos 40 19% 41 aos 50 63% 51 aos 60 mais de 60 Fonte: Estudo Perfil-Tipo da presente investigação 107 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados Já a moda de idades é os 44 anos e média perfaz o valor de quase 49 anos. O estudo das habilitações académicas dos pais/cuidadores permitiu averiguar que a população a intervencionar possui no geral baixa escolaridade. Gráfico 2: Distribuição por habilitações académicas dos pais/cuidadores Habilitações do Pais/Cuidadores 14% Sem habilitações 1º ciclo 14% 2º ciclo 3º ciclo 72% Fonte: Estudo Perfil-Tipo da presente investigação Verifica-se que existe apenas uma pessoa com o 3º ciclo, abrangendo no 1º ciclo 71,42% dos pais/cuidadores, e novamente apenas uma pessoa sem habilitações. É, ainda, relevante referir que este estudo contou apenas com sete dos pais/cuidadores, sendo que esta informação só estava disponível em sete dos processos individuais. Gráfico 3: Distribuição por ocupação dos pais/cuidadores Ocupação dos pais/cuidadores 6,5% 6,5% Doméstica 27% Desempregado 20% Reformado 6,5% 6,5% 27% Trabalhador Independente Agricultura Fonte: Estudo Perfil-Tipo da presente investigação 108 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados Quanto á ocupação dos pais/cuidadores, a maioria são desempregados e domésticas, com o valor de 27% em cada uma das ocupações, seguindo-se a agricultura com 20%. A desocupação dos pais/cuidadores transmite disponibilidade por parte dos mesmos, para as visitas domiciliárias. Após estudo das variáveis ‘famílias monoparentais’ e ‘família beneficiarias do Rendimento Social de Inserção (RSI)’, verificou-se que existe muita proximidade nas percentagens entre as opções sim e não, sendo que 54% dos pais/cuidadores formam uma família monoparental e 56% são beneficiadoras de RSI, tal como transcreve o gráfico 4. Gráfico 4: Pais/cuidadores beneficiadores de RSI e pertencentes a famílias monoparentais Familias Monoparentais e beneficiadoras de RSI 56% 54% 60% 40% 20% 0% Sim 44% 46% Não Sim Não Família Monoparental 54% 46% Beneficia de RSI 56% 44% Fonte: Estudo Perfil-Tipo da presente investigação Na variável ‘problemáticas a intervir’ mostrou-se relevante enunciar as crianças/jovens e os respetivos cuidadores, envolvidos em mais do que uma problemática, o que demonstra que, a mesma família poderá estar envolvida com diversas limitações/dificuldades. Este facto leva a conclusão de que, é de todo pertinente o envolvimento de todas as famílias nas diversas problemáticas a trabalhar, ou seja, mesmo os pais/cuidadores que não demonstrem falta de competências parentais deverão participar em dinâmicas que trabalhem o mesmo. 109 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados Gráfico 5: Número de problemáticas em que as crianças/jovens se encontram envolvidos Crianças/Jovens e o envolvimento nas problemáticas 80% 60% 40% 20% 71% 29% 0% Uma Problemática Mais que uma problemática Fonte: Estudo Perfil-Tipo da presente investigação As dinâmicas a escolher variaram de acordo com as necessidades enunciadas após as visitas domiciliárias. Porém, após análise documental (processos individuais) as principais problemáticas a trabalhar são a ‘falta de competências e planeamento familiar’; o comportamento aditivo (consumos de álcool e drogas); os maus tratos e o absentismo escolar. Gráfico 6: Possíveis problemáticas a trabalhar Problemáticas envolventes Abandono Abuso Sexual Falta de competências e planeamento … Carências económicas Comportamento… Negligência Maus Tratos Reclusão Cuidados básicos… Absentismo escolar 6% 6% 19% 6% 22% 8% 14% 6% 3% 11% Fonte: Estudo Perfil-Tipo da presente investigação Após uma vasta análise de processos e estudo de variáveis conclui-se que o PerfilTipo da criança/jovem é um jovem, do género masculino, de 18 anos, institucionalização no dia 22 de Março de 2011, sendo o pedido dirigido pela CPCJ e pelos seguintes motivos: indisponibilidade por parte da família de acolhimento (1), falta de orientação e suporte familiar (5), negligência (6) e por maus tratos. O jovem é o mais novo dos irmãos. Quanto ao Perfil-Tipo dos pais/cuidadores, o encontrando foi, uma mãe com faixa etária compreendida entre os 41 aos 50 anos, mais precisamente com 49 anos, com o 1º ciclo 110 Capítulo 5 - Justificação da metodologia e apresentação de resultados de habilitações escolares, desempregada ou doméstica, com rendimentos entre os 401€ a 600€, residente na freguesia de Alijó ou Vila Pouca de Aguiar, distrito de Vila Real. A mãe e o jovem formam uma família monoparental sendo a progenitora beneficiadora do RSI. As problemáticas a trabalhar na família-tipo são a falta de competências da progenitora, nomeadamente no planeamento familiar, o comportamento aditivo (consumos de álcool e/ou drogas), os maus tratos e o absentismo escolar. 111 Reflexões Finais Na presente investigação foram identificados objetivos, referidos na tabela 10 (pp. 85), aos quais nos propusemos a responder, nomeadamente no âmbito da educação parental, acompanhamento individualizado, intergeracionalidade, análise do Perfil-Tipo e análise dos planos de intervenção. Quanto ao percurso da educação parental nunca, como hoje, as famílias terão estado no centro das atenções da sociedade. A relevância da mesma no contexto de crianças e jovens institucionalizados prevê-se com especial importância na promoção junto dos pais de empatia, compreensão e aceitação incondicional, o que permite fortalecer as abordagens parentais não punitivas da criança. Foi a partir do momento em que a Educação Parental passou a ser influenciada pelas perspetivas sistémicas e socioculturais que a mesma passou a dar maior relevo na intervenção às potencialidades das famílias. Então, a importância do uso da educação parental neste contexto passará por uma lógica de os pais aprenderem melhores estratégias para certificam o apoio aos filhos no seu crescimento equilibrado e saudável, tendo em conta que a parentalidade complementa divergentes componentes (cognitiva, emocional e comportamental) e é importante ir mais além e valorizar os elementos: emocional e vivencial, que a experiência parental encerra em si. O acompanhamento individualizado, no contexto desta investigação, com intervenções no campo da parentalidade que passam pela educação parental, recorrendo a instrumentos privilegiados de apoio aos pais no desempenho das funções educativas. Este acompanhamento deve ultrapassar a desconfiança basear-se no respeito mútuo e ter cariz prático e acrítico, dando voz essencialmente às famílias. Em suma, e cumprindo com o objetivo proposto, a educação parental pode ser definida como um conjunto de experiências que potenciam nos pais um maior conhecimento e capacidade de compreensão. Segundo o enquadramento realizado na investigação acredita-se que uma intervenção desta natureza pode afetar positivamente a satisfação e o funcionamento das famílias através da partilha de conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança e das relações que fomentam a sua compreensão, gerando modelos alternativos de parentalidade que alargam as escolhas dos pais, promovendo novas competências e facilitando o acesso aos serviços da comunidade, sendo esta a importância da educação parental, tendo em conta que as intervenções na educação parental devem ter sempre em consideração o momento social, cultural e político do contexto em que se desenvolvem, o nível social, cultural e económico 114 das famílias abrangidas, a sua religião, as suas precisões idiossincráticas, percecionadas como discrepâncias entre o estado atual e o desejável. No âmbito do acompanhamento individualizado foi trabalhada a adaptação ao risco por parte da família, outro objetivo de investigação identificado na tabela nº10, recorrendo a Histórias de Vida. As Histórias de Vida procuram, portanto, apreender os elementos gerais contidos nas entrevistas das pessoas, não esquecendo, contudo, de analisar as particularidades históricas ou psicodinâmicas. Nesse sentido, histórias de vida, por mais particulares que sejam, são sempre relatos de práticas sociais: das formas com que o indivíduo se insere e atua no mundo e no grupo do qual ele faz parte. Assim, a elaboração da história de vida das famílias multiproblemáticas dentro do contexto do acompanhamento social individualizado ressaltam o momento histórico vivido pelo sujeito, tornando este método necessariamente histórico, dinâmico e dialético estando esta ideia subjacente por Spindola & Santos (2003). É através da compreensão do tipo de risco pelo qual as crianças/jovens passaram, bem como os familiares/cuidadores que poderá ser trabalhada a adaptação à experiência de risco. Através da sensibilização das famílias/cuidadores para o risco, mostram-se outras alternativas para colmatar o risco, nomeadamente a adaptação ao contexto visando o superar através de tentativa erro. Reportando agora o conceito de acompanhamento social, no contexto da presente investigação, o acompanhamento social individualizado destina-se, prioritariamente, a famílias que não cumpriram com os cuidados básicos necessários ao desenvolvimento das crianças/jovens, visando criar condições para que venham a cumpri-las e potencializar a família para a autonomia. Como ainda, família que em outras instâncias de atendimento, demonstraram a necessidade de apoio individualizado para o enfrentamento de vulnerabilidades, visando a sua autonomia. No acompanhamento individualizado o interveniente deve valorizar as famílias em sua diversidade, valores, cultura, história, demandas e potencialidades. Elaborar uma construção metodológica que responda à diversidade sociocultural de cada território. Favorecer a participação da família em propostas para o seu processo de inclusão social e de mudanças e melhorias esperadas, na transformação das relações intrafamiliares e sociais. Construir, em conjunto com as famílias, a compreensão da realidade na qual estão inseridas e planos de ação que concretizem os projetos de vida. Fortalecer a família na sua função de 115 proteção e socialização. Valorizar e estimular a participação no trabalho social, das figuras materna e paterna, admitindo a igualdade constitucional de direitos e responsabilidades, enaltecer e consolidar os vínculos familiares e sociais, tomar o grupo familiar como referência, valorizar a relação entre gerações, a sua convivência e trocas afetivas e simbólicas, valorizar e fortificar a cultura do diálogo e dos direitos, lutando contra as formas de violência, discriminação e estigmatização social (Amorim, Koshima & Xavier, 2007), ou seja, trabalhar o empowerment e a capacitação das famílias. Quanto à valorização, responsabilização e a individualização das famílias no desenvolvimento dos fatores de proteção, desenvolvendo competências parentais de vinculação, é neste desenvolvimento de competências que a criança/jovem desenvolve fatores de proteção. Os filhos e os progenitores formam um todo sobre o qual devem incidir a avaliação e o esforço terapêutico, então a intervenção deve surgir no sentido de promover a responsabilidade parental para a importância do vínculo e o efeito do mesmo nas crianças/jovens. Então, se a representação que a criança tem dos pais, é de que são pessoas disponíveis e providenciam experiências agradáveis, então tende a esperar que os outros também estarão disponíveis e a sua ação será consistente, mantendo uma relação efetiva e competente com outros. Na criança seguramente vinculada, a confiança que tem em si e nos outros facilita uma relação interpessoal calorosa e de confiança com os outros. Quanto às crianças que têm uma vinculação insegura, estas apresentam expetativas negativas quer relativamente a si próprias quer na confiança que depositam nos outros. As crianças pequenas que crescem em ambientes inconsistentes e com tratamento insensível ou dessintonizado com as suas necessidades, quer por hiper-estimulação quer por infraestimulação, fracassam com mais frequência na realização de tarefas evolutivas importantes como o desenvolvimento de um apego seguro. Na análise do Perfil-Tipo das crianças e dos respetivos pais/cuidadores, este objetivo foi o primeiro a ser cumprido tendo em conta que foi a partir do mesmo que se reuniram as informações necessária para partir para o terreno. Surgiu para uma melhor preparação da investigadora para o trabalho de campo, obtendo o conhecimento necessário sobre quais as famílias que iria encontrar e quais as estratégias a adotar de acordo com os mesmos, refletindo a diversidade destas famílias. 116 Após uma vasta análise de processos e estudo de variáveis conclui-se que o PerfilTipo da criança/jovem é um jovem, do género masculino, de 18 anos, institucionalização no dia 22 de Março de 2011, sendo o pedido dirigido pela CPCJ e pelos seguintes motivos: indisponibilidade por parte da família de acolhimento (1), falta de orientação e suporte familiar (5), negligência (6) e por maus tratos. O jovem é o mais novo dos irmãos. Quanto ao Perfil-Tipo dos pais/cuidadores, o encontrando foi, a mãe com faixa etária compreendida entre os 41 aos 50 anos, mais precisamente com 49 anos, com o 1º ciclo de habilitações escolares, desempregada ou doméstica, com rendimentos entre os 401€ a 600€, residente na freguesia de Alijó ou Vila Pouca de Aguiar, distrito de Vila Real. A mãe e o jovem formam uma família monoparental sendo a progenitora beneficiadora do RSI. As problemáticas a trabalhar na família-tipo são a falta de competências da progenitora, nomeadamente no planeamento familiar, o comportamento aditivo (consumos de álcool e/ou drogas), os maus tratos e o absentismo escolar. A questão da intergeracionalidade surge num contexto de crise financeira internacional e de redefinição do Estado Social, apontando para o envolvimento da família através das várias gerações no projeto de vida dos descendentes. Surge, ainda, numa altura em que o afastamento das várias gerações é cada vez maior devido a alterações da dinâmica familiar. Muitos jovens e crianças não conhecem os seus avós, ou têm pouca convivência com eles. De uma maneira geral o contacto entre os mais novos e os mais velhos é limitado, o que leva a uma representação negativa e a um evitamento gradual dos aspectos relacionados com o envelhecimento. Os benefícios para ambos os grupos geracionais são grandes, sendo que para as crianças e jovens, o acréscimo do interesse pela aprendizagem, saber e conhecimento, através do convívio informal e a melhoria do relacionamento com os mais velhos, seus parentes ou não, são exemplos de vantagens no contacto intergeracional. O foco central da investigação foi a intervenção, mais propriamente o acompanhamento social individualizado, onde se concluiu que o acréscimo da eficácia da mesma em contexto institucional com as crianças/jovens e com as respetivas famílias/cuidadores, passa, numa primeira etapa, por um afastamento do papel projetado por ambas as partes na instituição, sendo esta a representante dos ‘maus’ que atuaram na separação. Verificando-se essencial, tanto para com a criança/jovem, como com a família/cuidadores, um novo posicionamento daqueles que deverão ajudar – os técnicos. Isto 117 só se verificará no caso de existir o desejo de ambas as partes para uma reintegração familiar, e aí a instituição deverá posicionar-se como quem vai auxiliar e assumir o papel de “costura”, ao invés de promover a clivagem. Esta atitude irá abrir espaço para uma maior permeabilidade, tanto da criança/jovem como da família/cuidador, para uma intervenção técnica. Este objetivo de eficácia para a intervenção foi cumprido com alguma facilidade no âmbito do Projeto “O Trilho” sendo que a equipa que estrutura o projeto é diferente da equipa enquadrada na instituição enquanto lar residencial, sendo o acesso a família exclusivo por motivos revistos como positivos por parte dos mesmos, tais como, dota-los de ferramentas para o regresso dos filhos a casa, o aumento do laço afetivo, entre outros. Assumimos como relevante o dever das famílias no envolvimento no processo de crescimento da criança/jovem, pois, não compete ao sistema de proteção acolher durante período indeterminados de tempo, mas pelo contrário fomentar o regresso à família de origem e, nos casos em que isso não se verifique possível, a integração em famílias de adoção. No entanto, primeiramente, para que a família possa reintegrar os seus menores, e de acordo com a perspetiva de Pacheco (2010) devem adquirir as ‘tão referidas’ aptidões e capacidades, que a torne um padrão de referência comportamental e relacional para os mesmos. Assim, a institucionalização pode ser convertida numa potencialidade, isto no caso do Projeto “O Trilho”, onde existem técnicos, que a família dispõe, para lhes proporcionar oportunidades de desenvolvimento. A institucionalização ou atualmente designada de Acolhimento Residencial é uma Medida de Promoção e Proteção da criança/jovem, dentro das diversas existentes21, sendo esta usada, teoricamente, em último recurso. Esta medida consiste na colocação da criança/jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações e apetrechamento de acolhimento contínuo e de uma equipa técnica que lhes garantam os cuidados apropriados às suas necessidades e lhes facilitem condições que permitam a sua educação, bem estar e desenvolvimento integral. E é imprescindível para a garantia dos direitos das crianças e jovens, mas esta deve ser acompanhada em simultâneo por outras medidas de promoção e valorização das competências pessoais, sociais, educativas e psicológicas, quer do jovem quer da família, tendo sempre em linha de horizonte a desinstitualização. Foi dentro desta lógica que surgiu o Projeto “O Trilho” e consequentemente a presente investigação 21 Medidas de Promoção e Proteção da Criança/Jovem: Apoio junto dos pais; Apoio junto de outro familiar; Confiança a pessoa idónea; Apoio para autonomia de vida; Acolhimento familiar; Acolhimento institucional. 118 As crianças/jovens institucionalizadas na Associação Via Nova, passaram por processos complicados e mudanças drásticas ao longo da vida, uma delas é a institucionalização. A entrada de uma criança/jovem no LIJ é, sem dúvida, uma mudança drástica, muitas vezes torna-se mesmo uma aprendizagem total de hábitos, comportamentos, atitudes e formas de pensar. A organização familiar a que estavam habituados ‘cai por terra’ e a mudança organizacional é de imediato imposta. A vida da criança/jovem passa a fazer parte da instituição e da sua organização enquanto tal. A perda da identidade é uma consequência imediata da organização estrutural. O acolhimento institucional deverá ser pensado em três momentos: 1º o antes da institucionalização, o 2º o acolhimento institucional e o 3º a saída da instituição. A investigação levada a cabo, tal como já foi refeirdo, inseriu-se no 2º e 3º momento. Segundo Loureiro (2011) o motivo da retirada de uma criança/jovem à família sendo que, é usada como medida extrema e única de recurso, tem o ónus desorganizador e intoxicante para a criança, ao recair sobre ela a culpabilidade da problemática familiar. Pois, ela é retirada do seu meio ambiente e, agravando a situação, a família continua na sua vida e no seu meio, às vezes com outros filhos, que se mantém no seio familiar, tornando para a criança/jovem institucionalizada a confirmação da crença que algo de errado se passa com ela, pois ela vê os seus irmãos em casa que, teoricamente, também estariam em perigo, e isto afetará a autoestima da criança/jovem. No âmbito da investigação passou pela mesma um caso que relata a linha de Loureiro (2011), uma das crianças passou pelo processo de retirada após sofrer abuso sexual por parte do irmão. O facto de ele sofrer a retirada e o irmão continuar no contexto, sendo o irmão o abusador, trás repercussões muito negativas para a criança, como ainda um entendimento errado da violência pelo qual passou, passando as culpas do sucedido para o próprio. No contexto da investigação, nomeadamente no acompanhamento social individualizado, foi importante trabalhar as competências que estas famílias têm, desbloqueando-as e fazendo-as perceber que as têm, dotando-as, também, de mecanismos e competências que não detêm para fazer face às situações de crise com que se deparam durante a vida, trabalhando do mesmo modo o aumento da sua autoestima e consequentemente a independência e interdependência familiar, promovendo desta forma a responsabilização parental destas famílias, que como já foi explorado designadas de família multiproblemáticas. 119 A designação negativa (multiproblemáticas) não se resume apenas a uma designação, mas sim a famílias que de certa forma não têm formação parental suficiente devido à ausência de modelos e de competências pessoais e sociais, que coloca as crianças/jovens expostas a fatores de risco, que nestas famílias se sobressaem ao nível da negligência das práticas parentais ou maus tratos. Tornou-se, então, fundamental dotar estas famílias quer ao nível de conhecimentos básicos, quer no domínio da gestão familiar para aplicação no seu quotidiano, para que consigam utilizar estratégias para saírem do ciclo de pobreza/disfunção e equilibrar a vida familiar nas suas diferentes vertentes. Tal como referido no capítulo 2, a intervenção no acompanhamento social das famílias multiproblemáticas deverá centrar-se, ao nível do funcionamento familiar, na comunicação, organização familiar, história e ciclo de vida, economia, redes sociais e o funcionamento parental. Constou-se, com a presente investigação que nos dias de hoje e apesar de tudo, existe cada vez mais, uma maior consciência do valor das crianças. De facto esta é uma época onde se verifica grande interesse, curiosidade e importância pelas crianças, sendo possível identificar preocupações a nível psicológico, emocional e social procurando acompanhar crianças vítimas de maus tratos, com necessidades especiais, portadoras de deficiência, institucionalizadas, entre outras. Contudo, se existe a necessidade de acompanhamento é porque ainda há quem trate as crianças de forma menos positiva. É, assim, possível perceber que, por muito que as sociedades evoluam, existirá sempre quem julgue que de facto as crianças são ‘o melhor do mundo’ e quem ache que esta afirmação é uma utopia. A intervenção posta em prática baseou-se fundamentalmente no Modelo Colaborativo, sendo que segundo Asay & Lambert (2000), no ‘Modelo dos 4 Fatores’, o sucesso da intervenção passa em 40% por ‘fatores do cliente’, ou seja, tudo o que diz respeito ao cliente, em 30% por ‘fatores da relação’, ou seja, o tipo de relação estabelecida entre o profissional e as famílias/cuidadores, 15% pela ‘esperança e expetativas positivas’, sendo estas o que necessitam de mais tempo por parte do profissional traduzindo-se na capacidade de transmitir que a mudança é possível, e por último, 15% pelos ‘Modelos e técnicas’ aplicadas. A prática do profissional com base no Modelo Tradicional atribuirá 17% aos ‘fatores do cliente’, 11% ‘fatores da relação’, 4,5% a ‘esperança e expetativas positivas’ e 67,5% aos 120 ‘modelos e técnicas’, que segundo os autores mencionados será meio caminho andado para o insucesso da intervenção. São apontadas como principais conclusões da presente investigação, o facto de ser preciso trabalhar as famílias para potencializar as hipóteses de responsabilidade parental e a intergeracionalidade, bem como as abordagens de intervenção próximas do formato reportado são tendencialmente eficazes, em especial a intervenção com base na abordagem colaborativa. De seguida e em suma a investigadora apresenta um resumo de algumas propostas para o acompanhamento social individualizado com famílias multiproblemáticas que proporcionem a responsabilidade parental e a intergeracionalidade: Descrever objetivos claros e ‘com sentido’ para estas famílias, para que desta forma nos façamos munir por um instrumento de apoio à clarificação dos objetivos; No Plano de Intervenção Familiar deverá constar a informação principal sobre a família, bem como, um histórico detalhado do tipo e quantidade de envolvimento com os serviços: como surgiram, os problemas que advieram, quem interveio, o que está a ser feito, outros profissionais envolvidos, etc; Decidir quais os momentos de avaliação no procedimento de intervenção em conjunto com as famílias, envolvendo-a na decisão e avaliação da intervenção; Enquanto Técnicos de Serviço Social é necessário designar uma relação de ajuda e de empatia com a família/cuidador, ser flexível e polivalente; Devemos, ainda, estar desimpedidos e conversar com a família e com outros profissionais; Ter expetativas realistas sobre os progressos das famílias e transmitir uma mensagem positiva e de esperança; Os planos de intervenção devem respeitar o tempo e as caraterísticas das famílias; As intervenções de maior proximidade, tais como as visitas domiciliárias, permitem determinar uma relação mais empática, perceber melhor as pessoas e compreender quais as suas necessidades. Neste âmbito, o trabalho do técnico é reconhecido pelas próprias famílias; Investir na prevenção e estar disponível para apoiar as famílias: Exibir sempre que possível um discurso positivo e centralizado nas competências das famílias; Pontuar e reforçar as competências das famílias; 121 Promover a qualidade nos atendimentos; Adotar uma postura colaborativa, dotada de maior clareza, negociação e tomada de decisões partilhada; Estabelecimento de um consentimento para a intervenção que vincula a família ao sistema de intervenção, desenvolvendo o compromisso dos profissionais com a família que possibilita maior transparência; O investimento na formação contínua da equipa técnica; A elaboração de reuniões conjuntas e regulares entre parceiros que fomente o trabalho em rede e aumente o envolvimento; Usufruir da comunidade, ativando-a, para se envolver no apoio às famílias multiproblemáticas. Com a presente investigação foi possível concluir quais as formas de atuação/intervenção mais adequadas no acompanhamento social individualizado, designando de mais adequadas no sentido de obter maiores resultados e usufruir ao máximo das capacidades destas famílias. Com o acompanhamento individualizado das famílias no âmbito do Projeto “O Trilho” constou-se que não é possível indicar com precisão qual o período de intervenção necessário ao regresso da criança/jovem à família/cuidadores, sendo que a delimitação deste período diverge consoante o motivo da institucionalização, quais os elementos a intervencionar, ou seja, os membros envolvidos na causa da institucionalização ou outros elementos, como por exemplo a família alargada, a adesão das famílias à nossa intervenção, sendo um fator predominante no sucesso da mesma. Enquanto técnicos devemos estar preparados para a dificuldade de captar a vontade destas famílias, de motiva-las e obter a sua aceitação. Embora uma das grandes limitações da presente investigação ser o facto de esta constituir uma pequena unidade de análise, nos casos acompanhados obtemos êxito, sendo que está delineado uma possível reintegração familiar para breve, e nos outros casos foram aumentados os contactos presenciais e via telefone com as famílias de origem. Estes contactos foram estabelecidos após a passagem destas famílias pelo processo de intervenção exposto ao longo da presente dissertação. Finalizo a reflexão com a elucidação de que é necessário trabalhar as famílias para potencializar as hipóteses de intergeracionalidade e de responsabilidade parental. 122 Bibliografia Ajuriaguerra & Marcelli (1991). Manual de Psicologia Infantil. 2ª Edição, Porto Alegre, Artes Médicas; São Paulo: Masson; Alarcão, G. (2002). (Des) Equilibrios Familiares. Coimbra: Quarteto Editora; Alberto, I. (2004). Maltrato e Trauma na Infância. Coimbra: Livraria Almedina; Almeida, K. (2000). Aprender a re-educar. 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Lei Tutelar Educativa. 134 Anexo A Análise da Rede Social Pessoal 1 2 3 4 5 6 7 Element os da Rede Idade Escolarida de Profissão Durabilidad e Frequênci a dos contactos Residência (distância) Apoio emocional Apoio financeir o Apoio Instrumental Apoio Técnico ou de Serviço s Aconselhamento Acesso a novos contactos Companhia Social X3 X4 X5 X6 X7 X8 X9 X10 X11 X12 X2 9 10 11 Regulação Social Conflit o Intimidade Reciprocidad e X13 X14 X15 X16 Instituiç ões Trabalho/estudo Vizinhos Amigos Família/Cuidador X1 8 138 X1 – Refira o nome das pessoas ou instituições significativas na sua vida. Use o tipo de identificação que desejar X2 – Refira a idade (idade aproximada caso não saiba a idade correta), grau de escolaridade, profissão, ocupação ou situação face ao trabalho de cada elemento X3 – Refira há quanto tempo conhece ou mantém um relacionamento com cada elemento X4 – 1. Diariamente 2. Algumas vezes por semana 3. Semanalmente 4. Uma ou mais vezes por mês 5. Algumas vezes por ano X5 – 1. Na mesma casa (aproximadamente) 2. No mesmo bairro 3. Na mesma terra ou localidade 4. Até 50 km (aproximadamente) 5. A mais de 50 km X6 – Posso contar com ele num clima de simpatia, compreensão e carinho X7 – Empresta-me dinheiro em caso de necessidade X8 – Ajuda-me nas tarefas do quotidiano X9 – Presta-me um serviço a nível técnico X10 – Dá-me conselhos X11 – Indica-me a quem devo recorrer e/ou apresenta-me pessoas novas X12 – Faz-me companhia X13 – Lembra-me como devo ou não devo comportar-me X14 – Assinale a frequência com que se zanga, chateia ou discute com cada elemento identificado: 1. Nunca 2. Raramente 3. Algumas vezes 4. Muitas vezes 5. Sempre X15 – Como caracteriza a sua relação com cada pessoa assinalada: 1. Nada intima 2. Pouco intima 3. Mais ou menos intima 4. Muito intima 5. Muitíssimo intima X16 – Refira o apoio que dá ou que não dá a cada uma das pessoas assinaladas: 1. Nenhum 2. Algum 3. Muito O Técnico _______________________________________ Data: _____/_____/_____ 139 Anexo B História de Vida D. D e o ex. companheiro conheceram-se em Espanha nas vindimas, posteriormente foram trabalhar numa fábrica de telha permanecendo lá quatro anos. Nessa altura nasceu o JA. A mãe refere que este foi um filho muito desejado “queria mesmo ter um filho”. O JA nasceu de uma gravidez planeada e de parto normal. A figura materna menciona que o filho “era um bebé perfeito”. A criança esteve aos cuidados da mãe até um ano de idade, altura em que é colocado numa ama com várias crianças, permanecendo lá apenas dois meses. Sendo transferido para outra ama. D. D evidencia que nessa altura a relação com o ex. companheiro era pautada de conflitos e insegurança mencionando que este demonstrava uma postura de desconfiança reagindo com comportamentos agressivos. Acrescentando ainda que devido a esses comportamentos de violência existe uma queixa na polícia em Espanha. Quando o JA perfez os três anos de idade alojaram-se em CJ ficando a viver numa casa ao lado da avó paterna da criança, habitação pertencente à companhia mineira, cedida pela Junta de Freguesia. Nessa altura, faleceu o sogro da D. D, sendo mencionado que este se encontrava numa cadeira de rodas. Ainda durante os três anos de JÁ a progenitora foi trabalhar para umas estufas em Q, ficando o menor aos cuidados do pai e de uma prima paterna. Quando o JA tinha aproximadamente seis anos a mãe ficou grávida da M. Aos três meses de gestação a progenitora foi trabalhar na “apanha da folha” para a Suiça, na zona de L, durante um mês. A figura materna evidenciou que tal como o irmão a filha foi desejada. O relacionamento conjugal instável e pautado de agressividade foi enfatizado a partir de Agosto de 2011. A salientar que após a separação com o pai dos seus filhos, D. D teve um relacionamento afetivo com um parceiro que não correu de forma positiva, sendo que foi roubada e abandona. D. D tem 37 anos, nasceu a 02/12/1976, é solteira, possui o 4º ano de escolaridade e é doméstica. Tem dois filhos, um rapaz com 11 anos, o JA (11/08/2001), institucionalizado no Lar de Infância e Juventude (LIJ) Via Nova e uma rapariga com 4 anos, a M, institucionalizada na Casa da C no PR. É a mais nova de uma fratria de 7 irmãos, sendo dois rapazes e cinco raparigas. D apresenta uma atitude interessada e empenhada relativamente a todo o processo de reintegração das crianças no seio familiar. Poderão, ainda, ser alvo de intervenção os avós das crianças, sendo que a progenitora reside com os mesmos. A figura materna mostrou interesse na reintegração das crianças à família, especificamente aos seus 142 cuidados. Embora em tempos tenham sido denotadas lacunas nas práticas educativas, esta figura apresenta grande recetividade à mudança e à aprendizagem. Denotou-se, através do discurso dos progenitores, que a figura paterna utilizava um estilo educacional permissivo. Por outro lado, a figura materna tentava impor os castigos sendo desautorizada pelo companheiro. Deste modo, a falta de consistência e de regras claras contribui para que as crianças desenvolvessem um sentimento de não pertença familiar. Atualmente a progenitora encontra-se separada por motivo de violência doméstica. Neste momento é beneficiária do RSI, encontrando-se a receber o valor mensal de 178 euros, em vez dos 109 que recebia anteriormente. Vive com os pais em P, sendo o pai L, com 75 anos (25/11/1938), analfabeto e a mãe, T, com 74 anos (06/07/1939) possui a 3ª classe. Ambos os progenitores estão reformados. A habitação está localizada num bairro social, sendo o custo do aluguer de 22 euros mensais. É constituída por uma cozinha, três quartos, duas salas e uma casa de banho. Sendo munida com instalação sanitária, sistema de esgotos, água canalizada e eletricidade, telefone fixo, televisão com TDT. A progenitora tem acesso à internet, proporcionado com um dispositivo móvel (pen). Um dos quartos é constituído por duas camas de ferro encontrando-se desocupado. O quarto do casal é constituído por uma cama, duas mesinhas de cabeceiras e um roupeiro. O quarto da mãe do JA tem uma cama, uma mesinha de cabeceira e um roupeiro. Uma sala é simples contendo um sofá, uma mesa de centro, uma arca congeladora e um baú, na outra sala encontrava-se uma mesa com 4 cadeiras, um baú, um aparador, cristaleira. A cozinha é constituída por uma mesa e cadeiras, lava louça, fogão a gás, microondas e frigorífico. Uma casa de banho constituída por, polibã, sanita, lavatório e máquina de lavar roupa, denotando-se manchas de humidade. A família tem como despesas mensais fixas a água, luz e duas botijas de gás, com o montante aproximado de 100 euros. Para além da despesa do lar, a D. D referiu que a mãe gasta em medicação cerca de 40 euros de quinze em quinze dias. Tomando Sinuastatinabas (20mg) para o colesterol, Nebivolor atavis (5mg), Diamicrom LM (30mg), Velmetia (50mg), Olsar Plus (20 mg). A mãe do JA acrescenta ainda, que o pai não toma a medicação prescrita pelos médicos, porque quer beber à vontade, alegando que este é alcoólico. D. D apresenta uma aparência limpa e cuidada, um discurso coerente e lógico, contacto ocular frequente e facilidade em manter contacto interpessoal, no entanto denotam-se algumas falhas de memória, em assuntos de maior emotividade. Fato associado à instabilidade 143 da dinâmica relacional. Relativamente à saúde física apresenta debilidade ao nível da dentição. A D. Domitília e o companheiro beneficiaram do RSI desde maio de 2010, sendo acompanhados pela equipa do RSI de VPA. A salientar, que em Julho 2010 D. D participou numa acção de sensibilização na área da saúde. Foi auxiliada pela APAV, sendo recolhida para uma casa abrigo em Lisboa, porém o não cumprimento do sigilo da estadia em Lisboa associados a falta de competências parentais foram as causas da retirada dos menores, que antes de serem institucionalizados estiveram numa família de acolhimento. 144 Anexo C Plano de Intervenção Individual Plano de Intervenção com criança/jovem Plano de Intervenção nº _ 1. Identificação do Projeto: 1.1. Nome: Projeto “ O Trilho” 1.2. Objetivo 1.3. Sede: Casa da Música da Associação de Solidariedade Social Via Nova 1.4. A quem se destina 1.5. Período de Execução 2. Identificação da Criança/Jovem: 2.1. Nome e Idade 2.2. Data da entrada na instituição e motivo 2.3. Escolaridade 2.4. Problemáticas envolventes 3. Composição e estrutura do núcleo familiar: Nome Idade Grau parentesco Tipo Relação Papéis principais Ou desenhar o genograma familiar 4. História Familiar: Fazer um breve resumo sobre a história familiar incluindo pontos como: - Formação do casal; - Falecimento e ruturas; - Nascimento dos filhos; - Situações de crise; - Outras situações de perigo e risco; - Outros aspetos mais significativos. 5. Tipo de situação de perigo: Identificar o tipo de mau trato, abandono ou negligência, dando exemplos concretos. Analisar a consciência da criança em relação às problemáticas envolventes 148 6. Caracterização da criança/jovem: Fazer uma breve caracterização da criança, identificando pontos, tai como: - Idade; - Vulnerabilidade; - Desenvolvimento evolutivo; - Saúde física e mental; - Características comportamentais; - Adaptação; - Tipo de vinculação (família/cuidador); - Descrever o percurso escolar (absentismo, retenções, rendimento problemas de atraso e disciplina) - Descrever percurso laboral ou pré-laboral, contratos, rendimentos, entre outros. 7. Características dos pais/cuidadores: - Identificar as capacidades de saúde mental e física; - Capacidades intelectuais; - Comportamentos aditivos, anti-sociais, violentos, entre outros; - Modelos de Educação; - História familiar. 8. Competências parentais: Identificar as competências mais fortes e menos fortes, para conhecer e satisfazer as necessidades da criança, expectativas, práticas e disciplina. 9. Situação socioeconómica: Identificar: - Rendimentos; - Situação laboral; - Características da habitação; - Tipo de bairro; - Nível educativo/cultural; - Apoios sociais; - Relação com a vizinhança, família alargada e relação conjugal. 10. Atuações/Intervenções Realizadas: 149 Intervenção e medidas de apoio já aplicadas à criança. Se existirem, identificar os objetivos da intervenção e os resultados obtidos. 11. Fatores de Risco e de Proteção: Identificar de forma sucinta os fatores de risco e de proteção da criança/jovem. 12. Avaliações Psicológicas: Enunciar os testes e avaliações psicológicas realizadas, identificando as considerações finais. 13. Intervenção: Identificar o tipo de intervenção e acompanhamento a por em prática. 14. Objetivos da Intervenção: Identificar o objetivo geral da intervenção e os respectivos objetivos específicos. 15. Responsabilidade: 15.1. Enunciar a responsabilidade da instituição; 15.2. Enunciar a responsabilidade da criança/jovem. 16. Atividade: Identificar as atividades a desenvolver relacionando-as com a problemática e os objetivos pretendidos. 17. Parceiros/outras entidades: Enunciar outras entidades com possível coligação na intervenção (mapa de rede). 18. Orçamento: Fazer um levantamento de necessidades, enunciando os recursos necessários e possíveis handicaps. 150 19. Avaliação do Plano de Intervenção: Enunciar os instrumentos a aplicar para avaliar e qualificar o êxito da intervenção. 20. Cronograma: Planificar a intervenção (mapa com datas) 21. Assinaturas: O Técnico __________________________________________________ Data: _____/_____/_____ A criança/jovem_____________________________________________ Data: _____/_____/_____ 151 Anexo D Plano de Intervenção Familiar Plano de Intervenção com família/cuidadores Plano de Intervenção nº _ 1. Identificação do Projeto: 1.1. Nome: Projeto “ O Trilho”; 1.2. Objetivo; 1.3. Sede: Casa da Música da Associação de Solidariedade Social Via Nova; 1.4. A quem se destina; 1.5. Período de Execução. 2. Identificação da família/cuidador: 2.1. Nome e Idade; 2.2. Escolaridade; 2.3. Morada; 2.4. Contactos. 3. Composição e estrutura do núcleo familiar: Nome Idade Grau parentesco Tipo Relação Papéis principais Ou desenhar o genograma 4. História Familiar: Fazer um breve resumo sobre a história familiar incluindo pontos como: - Formação do casal e dos pais de cada elemento do agregado; - Falecimento e ruturas; - Nascimento dos filhos; - Situações de crise; - Outras situações de perigo e risco; - Outros aspetos mais significativos. 5. Qualificação do risco: Identificar o tipo de mau trato, abandono ou negligência, dando exemplos concretos. Analisar a consciência da família/cuidador em relação às problemáticas envolventes e ao motivo da retirada do menor. 6. Caracterização dos membros a intervencionar: Fazer uma breve caracterização de todos os elementos a serem submetidos a uma intervenção, 154 identificando pontos, tais como: - Idade; - Vulnerabilidade; - Desenvolvimento evolutivo; - Saúde física e mental; - Características comportamentais; - Tipo de vinculação (família/cuidador); - Descrever o percurso escolar (absentismo, retenções, rendimento problemas de atraso e disciplina) - Descrever percurso laboral ou pré-laboral, contratos, rendimentos, entre outros; - Identificar as capacidades de saúde mental e física; - Capacidades intelectuais; - Comportamentos aditivos, anti-sociais, violentos, entre outros; - Modelos de Educação; - História familiar. 7. Competências parentais: Identificar as competências mais fortes e menos fortes, para conhecer e satisfazer as necessidades da criança, expectativas, práticas e disciplina. 8. Situação socioeconómica: Identificar: - Rendimentos; - Situação laboral; - Características da habitação; - Tipo de bairro; - Nível educativo/cultural; - Apoios sociais; - Relação com a vizinhança, família alargada e relação conjugal. 9. Atuações/Intervenções Realizadas: Intervenção e medidas de apoio já aplicadas à criança e aos respectivos pais. Se existirem, identificar os objetivos da intervenção e os resultados obtidos. 10. Fatores de Risco e de Proteção: Identificar de forma sucinta os fatores de risco e de proteção da família/cuidadores. 11. Avaliações Psicológicas: 155 Enunciar os testes e avaliações psicológicas realizadas, identificando as considerações finais. 12. Intervenção: Identificar o tipo de intervenção e acompanhamento a por em prática. 13. Objetivos da Intervenção: Enunciar os objetivos da intervenção. 14. Responsabilidade: 14.1. Enunciar a responsabilidade da instituição; 14.2. Enunciar a responsabilidade da família/cuidadores. 15. Atividade: Identificar as atividades a desenvolver relacionando-as com a problemática e os objetivos pretendidos. 16. Parceiros/outras entidades: Enunciar outras entidades com possível coligação na intervenção (mapa de rede). 17. Orçamento: Fazer um levantamento de necessidades, enunciando os recursos necessários e possíveis handicaps. 18. Avaliação do Plano de Intervenção: Enunciar os instrumentos a aplicar para avaliar e qualificar o êxito da intervenção. 19. Cronograma: Planificar a intervenção (mapa com datas). 20. Assinaturas: O Técnico __________________________________________________ Data: _____/_____/_____ A família/cuidador______________________________________________ Data: _____/_____/_____ 156 Anexo E Análise do Perfil-Tipo As variáveis identificadas no âmbito da intervenção com as crianças/jovens em risco e os respetivos pais/cuidadores são: Variável C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7 C8 C9 Identificação da variável (criança/jovem) Número de menores em risco Data de institucionalização da criança/jovem em risco Motivo de institucionalização da criança/jovem em risco Género da criança/jovem em risco Faixa etária da criança/jovem em risco Habilitações escolares da criança/jovem em risco Posicionamento na frota de irmãos da criança/jovem em risco Pedido de institucionalização dirigido por que entidade Ocupação da criança/jovem em risco Tabela 1: Identificação das variáveis de intervenção com as crianças/jovens Variável F1 F2 F3 F4 F5 F6 F7 F8 F9 F10 F11 F12 F13 F14 F15 Identificação da variável (família/cuidadores) Número de pais/cuidadores Grau de parentesco em relação a criança/jovem em risco Género dos pais/cuidadores Faixa etária dos pais/cuidadores Habilitações escolares dos pais/cuidadores Ocupação dos pais/cuidadores Rendimentos dos pais/cuidadores Despesas fixas dos pais/cuidadores Freguesia de residência dos pais/cuidadores Distrito de residência dos pais/cuidadores Contexto habitacional dos pais/cuidadores Número total de filhos dos pais/cuidadores Os pais/cuidadores constituem uma família monoparental Os pais/cuidadores beneficiam de RSI Problemáticas envolventes da criança/jovem e respetivos pais/cuidadores Tabela 2: Identificação das variáveis de intervenção com os pais/cuidadores 160 Descodificando, neste momento, as variáveis identificadas: Variável Identificação da variável Descodificação da variável C1 Número de menores em risco Variável identificada C2 Data de institucionalização da criança/jovem em risco Motivo de institucionalização da criança/jovem em risco Cálculo da média e moda (dia/mês/ano) Cálculo da média e % (ano) 1-Indisponibilidade por parte da família de acolhimento; 2- Dificuldades económicas; 3Oposição da intervenção por parte dos cuidadores; 4- Absentismo escolar; 5- Falta de orientação/ Suporte familiar; 6- Negligência; 7- Maus-tratos (físicos e psicológicos); 8Abandono Variável identificada (género masculino) C3 C4 C5 C6 C7 C8 C9 Género da criança/jovem em risco Faixa etária da criança/jovem em risco Habilitações escolares da criança/jovem em risco Posicionamento na frota de irmãos da criança/jovem em risco Pedido de institucionalização dirigido por que entidade Ocupação da criança/jovem em risco Cálculo da moda, média e % Cálculo da moda, média e % 1- Irmão mais velho; 2- irmão mais novo; 3- a meio da frota; 4- filho único 1- Segurança Social; 2- Tribunal Judicial; 3- CPCJ; 4- Outras entidades. Variável identificada Tabela 3: Descodificação das variáveis de intervenção com as crianças/jovens em risco 161 Variável Identificação da variável (família/cuidadores) Descodificação da variável F1 Número de pessoas a intervencionar Variável identificada F2 Grau de parentesco em relação a criança/jovem em risco F3 Género dos pais/cuidadores F4 Faixa etária dos pais/cuidadores Cálculo da moda, média e % F5 Habilitações escolares dos pais/cuidadores Cálculo da moda, média e % F6 Ocupação dos pais/cuidadores Cálculo da moda, média e % F7 Rendimentos dos pais/cuidadores F8 Despesas fixas dos pais/cuidadores F9 Freguesia de residência dos pais/cuidadores F10 Distrito de residência dos pais/cuidadores F11 Contexto habitacional dos pais/cuidadores F12 Número total de filhos dos pais/cuidadores F13 Os pais/cuidadores constituem uma família monoparental F14 Os pais/cuidadores beneficiam de RSI F15 Problemáticas envolventes da criança/jovem e respetivos pais/cuidadores 1- Mãe; 2- Pai; 3- Família de Acolhimento; 4- Avó; 5- Padrinhos; 6- Tios F- feminino; M- masculino 1- Sem rendimentos; 2- até 200€; 3- 201€ até 400€; 4- 401€ até 600€; 5- 601€ até 800€; 6- + 800€ 1- Até 200€; 2- 201€ até 400€; 3- + de 400€ Cálculo da moda, média e % 1- Vila Real; 2- Outros. Com cálculo da moda, média e % 1- Zona rural; 2- Zona urbana; Br. Social (Sim/Não) Cálculo da moda, média e % 1- Sim; 2-Não. Cálculo da moda, média e % 1- Sim; 2-Não. Cálculo da moda, média e % 1- Absentismo escolar; 2- Cuidados básicos/essenciais; 3- Reclusão; 4- Maus tratos; 5- Negligência; 6- Consumos aditivos; 7- Carências económicas; 8Dificuldades no planeamento familiar. Tabela 4: Descodificação das variáveis de intervenção com as famílias/cuidadores 162 1. Identificação das variáveis correspondentes às crianças/jovens em risco: 1.1. Estudo da variável “Número de menores em risco” (C1)”: O número total de crianças/jovens a incluir no projeto é de 18, sendo que, consoante a variável a trabalhar assim se altera o número total de crianças/jovens, alterando-se de acordo com informação disponível no processo individual dos mesmos. Identificação da Variável Data de Institucionalização: Motivo da Institucionalização: Género: Faixa Etária: Habilitações: Ocupação: Posicionamento na frota: Entrada Dirigida por: Acompanhamento Projeto de Vida: Nº total de envolvidos 18 15 18 15 18 18 11 18 18 3 Tabela 5: Número total de envolvidos de acordo com a variável 1.1. Estudo da variável “Data de Institucionalização” (C2)”: Dia Mês Ano 5 7 2005 11 2 2008 7 11 2012 5 7 2005 3 3 2009 22 1 2012 22 2 2011 21 10 2009 12 7 2012 22 3 2009 13 11 2004 22 3 2009 6 10 2010 14 2 2008 10 10 2011 30 11 2011 17 8 2011 15 3 2011 14,27778 6,166667 2009,278 Média: 22 3 2011 Moda: Tabela 6: Recolha de dados “Faixa etária” 163 Ano: Total: Percentagem: 2004 1 5,50% A moda na data de institucionalização é o dia 2005 2 11% 22 de Março de 2011. 2008 2 11% Verificou-se, ainda, que a maioria das 2009 4 22% crianças/menores institucionalizados entraram em 2011, seguindo-se o ano 2009. O seguinte 2010 1 5,50% gráfico transcreve a informação obtida. 2011 5 28% 2012 3 17% Tabela 7: Nº de crianças/jovens institucionalizado, por ano % de crianças/jovens institucionalizados por Ano 5,5% 17% 11% 11% 28% 22% 5,5% 2004 2005 2008 2009 2010 2011 2012 Gráfico 1: Nº de crianças/jovens institucionalizado, por ano 1.2. Estudo da variável “Motivo da Institucionalização do menor em risco” (C3)”: Após o estudo desta variável verificou-se que o motivo da institucionalização acontece, maioritariamente, por indisponibilidade por parte da família de acolhimento (1), falta de orientação e suporte familiar (5), negligência (6) e por maus tratos (7), sendo estes, a moda do motivo de institucionalização. 1.3. Estudo da variável “Género da criança/jovem em risco” (C4)”: O género identificado é o masculino, sendo que, a Associação Via Nova só acolhe crianças/jovens de género masculino. 164 1.4. Estudo da variável “Faixa etária da criança/jovem em risco” (C5)”: Faixa etária das crianças/jovens em risco 5,5% 11% 23% 11% 11% 11% 11% 11% 5,5% 9 11 12 13 14 16 17 18 19 Idade Gráfico 2: Faixa Etária das crianças/jovens Na análise da faixa etária verificou-se que a moda são os jovens com 18 anos, atingindo 23% do total de crianças/jovens institucionalizados, sendo a média de idades 15,38889. 1.5. Habilitações 3º ano 5º ano 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano 10º ano 11º ano 12º ano Estudo da variável “Habilitações da criança/jovem em risco” (C6)”: Nº de crianças/jovens 2 4 1 1 2 6 0 1 1 % 11% 22% 6% 6% 11% 33% 0% 6% 6% O desejável de acordo com a idade 1 – 6% 2 – 11% 2 – 11% 1 – 6% 2 – 11% 0 – 0% 1 – 6% 2 – 11% 7 – 38% Tabela 8: Recolha de dados: habilitações das crianças/jovens em risco No estudo da variável “habilitações” é percetível que a grande parte das crianças/jovens ultrapassa a idade desejada para a conclusão dos estudos obtidos. Sendo desta forma, relevante, abordar com as crianças/jovens institucionalizados a importância dos estudos para o futuro de cada um, implementando dinâmicas de grupo, workshops, entre outros. 165 Habilitações das crianças/jovens 6% 6% 11% 22% 33% 5% 11% 3º ano 5º ano 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano 11º ano 12º ano 6% Gráfico 3: Habilitações das crianças/jovens em risco 1.6. Estudo da variável “Posicionamento da criança/jovem em risco na frota de irmãos” (C7)”: Neste estudo, conforme conta na tabela 5, só consta com a informação de 11 das crianças/jovens institucionalizados na Via Nova. Conclui-se, portanto, que a maioria dos jovens abrangidos, são irmãos mais novos, abrangendo um total de 46%, seguindo-se com 27% irmãos mais velhos, a meio da frota com 18% e apenas com 9%, corresponde a um caso, é filho único. Nº de menores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 - Posicionamento Codificação 4º de 4 1º de 2 1º de 3 2º de 3 2º de 2 1º de 2 3º de 4 3º de 3 2º de 2 2º de 2 Filho único Moda: 2 1 1 3 2 1 3 2 2 2 4 2 Legenda: 1- Irmão mais velho 2- Irmão mais novo 3- A meio da frota 4- Filho único Tabela 9: recolha de dados “posicionamento da criança/jovem na frota” 166 Posicionamento na frota da criança/ menor 9% 27% irmão + velho 18% irmão + novo meio da frota filho único 46% Gráfico 4: Percentagem referente ao posicionamento das crianças/jovens na frota 1.7. Estudo da variável “Pedido de Institucionalização solicitado por que entidade” (C8): Entidade: Nº de vezes % Segurança Social 6 30% Tribunal Judicial 4 20% CPCJ 9 45% Outras entidades 1 5% Tabela 10: Recolha de dados “Entidade que dirigiu o pedido de entrada na instituição” Pedido de institucionalização dirigido por: 5% 30% Segurança Social Tribunal Judicial CPCJ 45% 20% Outras entidades Gráfico 5: Distribuição por entidades que solicitaram a institucionalização 167 Na análise do “pedido de entrada na instituição dirigida por”, constatou-se que o maior volume de pedidos dirige-se das CPCJ, com 45% no total dos pedidos, seguindo-se a segurança social com 30%, os Tribunais com 20% e por fim, as outras entidades, que foi neste caso concreto outra LIJ e foi apenas um pedido. 1.8. Estudo da variável “Ocupação da criança/jovem em risco” (C9): De acordo com os processos individuais a ocupação de todas as crianças/jovens são ao nível académico, estudantes. 2. Identificação das variáveis correspondentes aos pais/cuidadores: 2.1. Estudo da variável “Número de pais/cuidadores a intervencionar” (F1): O número total de pais/cuidadores apontados como possíveis alvos a intervencionar são 23, sendo excluídos os pais/cuidadores de duas das crianças/jovens institucionalizados. Tal como nas variáveis correspondentes as crianças/jovens em risco, nestas variáveis o número total de envolvidos diverge de acordo com a informação disponível no processo, a tabela seguinte apresenta, em suma, o número de envolvidos em cada uma das variáveis. Identificação da Variável Grau de parentesco dos pais/cuidadores: Género dos pais/cuidadores: Faixa etária dos pais/cuidadores: Habilitações académicas dos pais/cuidadores: Ocupação dos pais/cuidadores: Rendimentos dos pais/cuidadores: Despesas Fixas dos pais/cuidadores: Freguesia da Residência dos pais/cuidadores: Distrito da Residência dos pais/cuidadores: Contexto Habitacional dos pais/cuidadores: Número total de filhos dos pais/cuidadores É uma família monoparental: Os pais/cuidadores beneficiam de RSI: Problemáticas a intervir Nº total de envolvidos 23 23 15 7 15 8 2 17 16 2 13 12 9 17 Tabela 11: Número total de envolvidos de acordo com a variável 168 2.2. Estudo da variável “Grau de parentesco dos pais/cuidadores em relação á criança/jovem” (F2): 1-Mãe 2-Pai 3-F.A 4-Avós 5-Padrinhos 6-Tios 7-Ambos progenitores Nº total 6 2 2 2 1 5 Percentagem 33% 11% 11% 11% 6% 28% 18 100% Tabela 12: Recolha de dados “Grau de parentesco dos pais/cuidadores” Este estudo conta com um total de 23 pais/cuidadores, estando mencionado no total 18, pois, na parcela “7-ambos os progenitores” estão contabilizados o pai e a mãe que residem juntos. A moda no grau de parentesco é a “mãe”. Grau de parentesco em relação à criança/jovem 1-Mãe 28% 33% 2-Pai 4- Avós 5- Padrinhos 6% 6- Tios 11% 11% 11% 7- Ambos os progenitores Gráfico 6: Distribuição por grau de parentesco em relação à criança/jovem em risco 2.3. Estudo da variável “Género dos pais/cuidadores” (F3): Na variável género, foram identificados 67% de pais/cuidadores do género feminino, perfazendo um total de 16 pessoas, e 33% do género masculino abrangendo 8 pais/cuidadores do género masculino. É, portanto, a moda o género feminino. 169 2.4. Estudo da variável “Faixa etária dos pais/cuidadores” (F4): Faixa etária dos pais/cuidadores a intervir 0% 12% 6% 20 aos 30 31 aos 40 19% 41 aos 50 51 aos 60 63% mais de 60 Gráfico 7: Distribuição por faixa etária dos pais/cuidadores O estudo da faixa etária dos pais/cuidadores permitiu concluir que a população a trabalhar abrange pessoas com idade mais avançada, não existindo pais/cuidadores jovens (faixa etária dos 20 aos 30 anos), encontrando-se a maior fatia de pais/cuidadores na faixa etária dos 41 aos 50 anos com 63% da população total. Já a moda de idades é os 44 anos e média perfaz o valor de quase 49 anos. 2.5. Estudo da variável “Habilitações dos pais/cuidadores” (F5): Habilitações Nº total Percentagem Sem habilitações 1 14,28% 1º Ciclo 5 71,42% 2º Ciclo 0 0% 3º Ciclo 1 14,28% Ensino Secundário 0 0% Tabela 12: Recolha de dados “Habilitações dos pais/cuidadores” 170 O estudo das habilitações académicas dos pais/cuidadores permitiu averiguar que a população a intervencionar possui no geral baixa escolaridade, existindo apenas 1 pessoa com o 3º ciclo, abrangendo no 1º ciclo 71,42% dos pais/cuidadores, e novamente apenas 1 pessoa sem habilitações. É, ainda, relevante referir que este estudo contou apenas com 7 dos pais/cuidadores. Habilitações do Pais/Cuidadores 0% 0% 14% Sem habilitações 14% 1º ciclo 2º ciclo 3º ciclo 72% Gráfico 8: Distribuição por habilitações académicas dos pais/cuidadores 2.6. Estudo da variável “Ocupação dos pais/cuidadores” (F6): Ocupação dos pais/cuidadores Doméstica 6,5% 6,5% 27% Desempregado Reformado 20% Trabalhador Independente 6,5% 6,5% 27% Agricultura Pedreiro Gráfico 9: Distribuição por ocupação dos pais/cuidadores 171 Quanto á ocupação dos pais/cuidadores, a maioria são desempregados e domésticas, com o valor de 27% em cada uma das ocupações, seguindo-se a agricultura com 20%. A desocupação dos pais/cuidadores transmite disponibilidade por parte dos mesmos, para as visitas domiciliárias. Ocupação Nº total Percentagem Doméstico(a) 4 27% Desempregado(a) 4 27% Reformado(a) 1 6,5% Trabalhador(a) Independente Agricultor(a) 1 6,5% 3 20% Pedreiro(a) 1 6,5% Copeiro(a) 1 6,5% Total 15 100% Tabela 13: Recolha de dados “Ocupação dos pais/cuidadores” 2.7. Estudo da variável “Rendimentos dos pais/cuidadores” (F7): Rendimentos Sem rendimentos Até 200€ De 201€ até 400€ De 401€ até 600€ De 601€ até 800€ Mais de 800€ Total Nº total 0 Percentagem 0% 0 2 5 1 0 8 0% 25% 62,50% 12,50% 0% 100% Tabela 14: Recolha de dados “Rendimentos dos pais/cuidadores” Rendimentos dos pais/cuidsdores 12,50% Sem rendimentos 25% Até 200€ De 201€ até 400€ De 401€ até 600€ 62,50% De 601€ até 800€ Gráfico 10: Distribuição por rendimentos dos pais/cuidadores 172 Dos 8 pais/cuidadores incluídos neste estudo, a maioria revela terem formas de subsistência com rendimentos entre os 401€ e os 600€, atingindo este intervalo 62,50% dos pais/cuidadores. 2.8. Estudo da variável “Despesa fixa dos pais/cuidadores” (F8): Não se prevê a análise desta variável por só existirem dados de dois pais/cuidadores. 2.9. Estudo da variável “Freguesia da residência dos pais/cuidadores” (F9): Freguesia Alijó V. P. Aguiar P. Régua Stª M. Penaguião Chaves Lordelo Constantim Ramadas Abaças Mondim Basto Vila Meã São J. Pesqueira Nº total % 3 3 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 17% 17% 6% 6% 12% 6% 6% 6% 6% 6% 6% 6% Total: 17 100% Tabela 15: Recolha de dados “Freguesia da residência dos pais/cuidadores” A moda desta variável é a freguesia de Alijó e Vila Pouca de Aguiar, ocupando ambas um valor de 17% do valor total. 6% 6% Freguesia de Residência dos Pais/Cuidadores 6% Alijó 17% V. P. Aguiar 6% 6% 17% P. Régua Stª M. Penaguião 6% 6% Chaves 12% 6% 6% Lordelo Gráfico 11: Distribuição por freguesia de residência dos pais/cuidadores 173 2.10. Estudo da variável “Distrito da residência dos pais/cuidadores” (F10): Distrito de residência dos pais/cuidadores 100% 50% 0% 1- Vila Real 2- Outros Gráfico 12: Distribuição por distrito de residência dos pais/cuidadores Uma das famílias a intervencionar pertence ao distrito de Viseu, as restantes ao distrito de Vila Real. 2.11. Estudo da variável “Contexto habitacional dos pais/cuidadores” (F11): Não se prevê a análise desta variável por só existirem dados de dois pais/cuidadores. 2.12. Estudo da variável “Número total dos filhos dos pais/cuidadores” (F12): Nº de filhos por pais/cuidadores Quantidade de famílias 4 4 1 1 1 2 3 5 1 8 Gráfico 13: Distribuição de número de filhos por pais/cuidadores 174 2.13. Estudo da variável “Pais/cuidadores – famílias monoparentais” (F13) e “Pais/Cuidadores – beneficiadores do RSI” (F14): Familias Monoparentais e beneficiadoras de RSI 56% 100% 44% 54% 46% 50% 0% Sim Não Família Monoparental Sim 54% Não 46% Beneficia de RSI 56% 44% Gráfico 14: Pais/cuidadores beneficiadores de RSI e pertencentes a famílias monoparentais Após estudo das duas variáveis, constou-se que, com uma percentagem mínima a maioria dos pais/cuidadores formam uma família monoparental e são beneficiadoras de RSI. 2.14. Estudo da variável “Problemáticas a intervencionar” (F15): Crianças/Jovens e o envolvimento nas problemáticas 80% 60% 40% 71% 20% 29% 0% Uma Problemática Mais que uma problemática Gráfico 15: Número de problemáticas em que as crianças/jovens se encontram envolvidos Na variável “Problemáticas a intervir” mostrou-se relevante enunciar as crianças/jovens e os respetivos cuidadores, envolvidos em mais do que uma problemática, o que demonstra que, a mesma família poderá estar envolvida com diversas limitações/dificuldades. Este facto leva a conclusão de que, é de todo pertinente o 175 envolvimento de todas as famílias nas diversas problemáticas a trabalhar, ou seja, mesmo os pais/cuidadores que não demonstrem falta de competências parentais deverão participar em dinâmicas que trabalhem o mesmo. As dinâmicas a escolher variaram de acordo com as necessidades enunciadas após as visitas domiciliárias. Porém, após análise documental (processos individuais) as principais problemáticas a trabalhar são a “falta de competências e planeamento familiar”; o comportamento aditivo (consumos de álcool e drogas); os maus tratos e o absentismo escolar. Problemáticas envolventes Abandono 6% Abuso Sexual 6% Falta de competências e planeamento familiar 19% Carências económicas 6% Comportamento… 22% Negligência 8% Maus Tratos 14% Reclusão Cuidados básicos… 6% 3% Absentismo escolar 11% Gráfico 16: Possíveis problemáticas a trabalhar 176 Anexo F Relatórios de visitas domiciliárias e outros Relatório de Visitas Domiciliarias Relatório nº 2 Identificação da criança/jovem: Nome: E Entidade Contactada: Pai do E Data: 06/12/2012 Local: P Objectivo: Pré-Diagnóstico de intervenção. Metodologia: Entrevista aberta, sem guião. Descrição da diligência: A visita iniciou-se perto da hora do almoço, por volta das 12h00, encontrando-se o Sr. M em casa. O pai do E recebe 335€ de RSI, e desloca-se á A quinzenalmente para apresentações por ser beneficiário do RSI, a renda da habitação tem o valor de 108€, sendo que, vai sofrer uma subida em Janeiro de 2013 para 111€, esta despesa á assumida pelo filho mais velho (irmão do E) que se encontra locado na B. O Sr. M não possui qualquer ocupação e paga a uma prima (casada com o primo) para lhe passar a ferro. A habitação encontrava-se aparentemente arrumada, a exceção do quarto do E, referindo o pai que foi naquele estado que o filho deixou o quarto, no fim de semana, antes de regressar a instituição, a cama estava por fazer, havia roupa interior espalhada pelo chão e roupa em cima da cama. Existiam três quartos, o do Sr. M, o do E e outro quarto com roupa para passar a ferro, ao qual identificou como quarto onde recebe o filho que se encontra a residir no estrangeiro. A habitação possuía ainda, um cheiro desconfortável a tabaco, tanto na sala como no quarto do Sr. M sendo que o mesmo fuma em casa. Referiu, ainda, que procura trabalho, porém a idade que detém é um obstáculo à sua inserção laboral, desta forma, só se encontra no P por causa do filho E, alegando que se não fosse por ele já se tinha mudado para Lisboa para ao pé da filha ou para o estrangeiro, para ao pé do filho. Após confrontado com a falta de procura laboral, referiu que encontrou alguns “biscates”, porém, não pode aceitar com o receio de receber uma fiscalização na habitação dos técnicos do RSI. Após questionado sobre a relação que mantém com o filho, revelou algumas fragilidades, sendo que a relação entre pai e filho não se encontra em pleno, e aquando das idas a casa o E discute com o pai e o ambiente não é favorável. O Sr. M foi ainda abordado com a possibilidade de realização de visitas mais regulares, sendo que mostrou disponibilidade para as mesmas. 180 Relatório de Visitas Domiciliarias Relatório nº 3 Identificação da criança/jovem: Nome: T Entidade Contactada: Pais e Padrinhos do T Data: 06/12/2012 Local: C.S. Objectivo: Pré-Diagnóstico de intervenção. Metodologia: Entrevista aberta, sem guião. Descrição da diligência: Os pais do T não se encontravam na habitação, sendo que o pai trabalha no campo e só regressa ao final do dia, por volta das 18h00, e a mãe trabalha no Lar e Centro de dia de C.S. até às 16h30. Fomos, desta forma, visitar a mãe do T, Dona R ao local de trabalho, o Lar e Centro Dia de C.S., esta informação foi recolhida por um senhor que se encontrava no café central da aldeia. Aquando da visita ao local de trabalho da Dona R. a mesma apresentava-se de bata, mas o vestuário pessoal visível, apresentava-se sujo e possuía um cheiro desagradável. Após conversa com a Sr.ª obtivemos a informação de que estaria inserida laboralmente há 1 mês e 2 semanas, sendo o ordenado de 285€ recebendo, ainda, 85€ de RSI. A mãe do T mostrou-se descontente por o filho não visitar a irmã há muito tempo, facto não ser verídico, pois o T visitou a irmã a 27 de novembro de 2012, e a visita foi a 6 de dezembro. Referiu ainda, que ligou ao T no sábado passado (1/12/2012), facto que também não se realizou, pois a mesma não contactou o filho como confirmou o técnico de serviço e o próprio T Afirmou que vai fazer obras em casa com a finalidade de construir um quarto para o T, tencionando levar o filho a residir novamente com os pais, porém não falou na filha, C Prometeu, ainda, que iria visitar o T antes do Natal. Perguntamos á Sr.ª R onde era a habitação dos padrinhos do T e a mesma deu-nos algumas indicações certas quanto ao trajeto para a habitação, porém, o nome dos padrinhos fornecido estava errado. Após algum tempo na procura da habitação, encontrava-se na mesma o padrinho do T, Sr. M (939525699), de baixa por ter sofrido um AVC há algumas semanas, estando 1 mês hospitalizado. A esposa do Sr. M, Dona A., encontrava-se a trabalhar. A mesma trabalha com o irmão, pai do T, Sr. A., só se encontrando na residência a partir dos 18h00 ou aos fins-de-semana. Segundo o Sr. M. os pais do T possuem dificuldades de gestão económica desperdiçando todo o dinheiro que ganham no consumo de álcool. Relatou, ainda, que o pai do T por vezes falta ao trabalho e outras vezes vai trabalhar alcoolizado, estando por estes motivos em risco de perder o emprego. O padrinho referiu, ainda, que quanto a receber o T, essa decisão terá de ser tomada juntamente com a 181 companheira, mas referiu estar desiludido com o T por uma situação que envolveu o roubo de um telemóvel. O padrinho do T revelou, desta forma, indisponibilidade em receber o T, por falta de confiança no menor, por motivos de saúde e por conflitos familiares com os pais do T. 182 Relatório de Visitas Domiciliarias Relatório nº 16 Identificação da criança/jovem: Nome: JA Entidade Contactada: Pai e avó paterna Data: 8/02/2013 Local: VJ Objectivo: Pré-diagnóstico Metodologia: Entrevista aberta. Descrição da diligência: No dia 8 de Fevereiro de 2013 pelas 14 horas foi realizada uma visita domiciliária ao pai do Javier C em VJ pelas técnicas do Trilho Helena Martins e RA. Este encontrava-se na casa da mãe que se situa mesmo ao lado da sua habitação e onde realiza as principais refeições. Após o contacto inicial e ter sido esclarecido o propósito da visita, o pai do JA convidou-nos a entrar na sua casa. A entrevista decorreu na cozinha da habitação, tendo esta a função de sala e cozinha. O senhor C apresentava uma aparência descuidada, denotando-se pela sujidade da roupa, o cabelo sujo e despenteado. Neste momento encontra-se desempregado sem usufruir de qualquer subsídio. Alegando que após o acidente da explosão nas minas de J foi acordado o despedimento por mútuo acordo. Tendo como fonte de sustento os biscates que realiza, não especificando o tipo de trabalhos. A fratria do pai do Javier era composta por 16 irmãos, sendo atualmente apenas de nove. Três irmãos vivem em VJ, não mantendo qualquer contacto com eles. A habitação é composta por seis divisões, sendo que a divisão da entrada tem dupla função cozinha/sala, constituída por um fogão a lenha, uma mesa e cadeiras, um sofá e um lava loiça. O quarto do casal tem uma cama, cómoda e roupeiro, tendo uma casa de banho no interior do mesmo constituído com polibã, lavatório e sanita. Ainda na parte interior desse quarto encontrava-se uma abertura para uma divisão tapada com uma cortina na qual o senhor C referiu que se tratava de um quarto de arrumações. A outra divisão era o quarto das crianças, constituído por duas camas, uma das quais tipo gaveta, onde dormia o JA e a M. Ainda uma cómoda e uma secretária e um quadro de uma mulher com lingerie provocante. Na parte interior do quarto existia uma casa de banho com um polibã, uma sanita e um lavatório. A destacar o fato da habitação não possuir portas interiores e se encontrar relativamente suja, verificando-se pelas côdeas na toalha na mesa da cozinha e pelo pó acumulado em toda a casa. Quando explorada a questão do relacionamento com o JV, este refere que era boa. Que costumava levar o filho a passear de mota e tinha por hábito levá-lo para o café quando chegava do trabalho. O senhor Carlos mencionou que o JA frequentou a pré-escola de CJ a partir dos 4 anos, ficando até essa 183 idade aos cuidados da figura materna. Revela que o filho sempre foi muito agressivo, sendo por essa razão acompanhado no Hospital de VR pelo Dr. J, sendo diagnosticado com hiperatividade. De igual modo, mencionou que o filho esteve internado duas vezes durante duas semanas no Hospital de C com crises de ansiedade. Na tentativa de explorar de forma aprofundada a dinâmica da família e o relacionamento entre eles, foi solicitado ao senhor C fotografias do filho, sendo apresentado um álbum do tamanho A4 com fotografias apenas dele quando este era mais novo. Mostrando apenas meia dúzia de fotografias do filho. O pai do JA apresentava um discurso pautado de agressividade, denotando-se alguma instabilidade emocional. O seu discurso era exclusivamente direccionado para a revolta que sente pela ex companheira revelando uma postura pretensiosa, culpabilizando-a pela má conduta enquanto mãe. Acrescentou ainda, o fato de ela fumar três maços de tabaco por dia, e ter fumado durante a gravidez. Expressou ainda, desagrado pela atitude da ex mulher, pois referiu que lhe entregava mil euros por mês, sendo esta quantia gasta no café, onde passava o dia, negligenciando desta forma as suas funções maternas. Revelou ainda uma atitude agressiva ao abordar a problemática da separação, mencionando as custas de tribunal que tinha para pagar, prometendo vingar-se da ex companheira. Acusando a mãe do JV de se prostituir verificando essa situação quando foi ter com ela à casa abrigo a Lisboa. No seguimento da entrevista a figura paterna do Javier mencionou que possuía um bar em Alcácer do Sal juntamente com a D. D. Neste momento, o respetivo bar está a ser explorado pelos cunhados. 184 Relatório de Visitas Domiciliarias Relatório nº 23 Identificação da criança/jovem: Nome: JA Entidade Contactada: Mãe do Javier Data: 15/05/2013 Local: P Objectivo: Início da Intervenção – 1ª sessão da atividade nº2 no Plano de Intervenção Familiar Metodologia: Educação Parental, valorização do papel parental, metodologias ativas reflexivas Descrição da diligência: As técnicas Helena e Clara realizaram a primeira sessão da atividade nº 2 do Plano de Intervenção Familiar. A sessão iniciou-se com a aplicação do Instrumento de Avaliação AAPI 2 - Inventário para pais adultosadolescentes, versão portuguesa traduzida e adaptada por Lopes & Brandão, 2005. Foi utilizada a Forma A, sendo o pré-teste. Após uma explicação sucinta relativamente ao preenchimento do inventário a D. D apresentou-se colaborante e interessada. Ao longo do seu preenchimento demonstrou alguma dificuldade na interpretação das questões enunciadas. A aplicação do instrumento permitiu a avaliação de atitudes e comportamentos parentais de alto risco. As respostas ao inventário permitem identificar um índice de risco para comportamentos e práticas indicadoras de maus-tratos e negligência, sendo a cotação atribuída de 1 a 10, onde 1, 2 e 3 é alto risco, 4 e 5 é em risco e 6, 7, 8, 9 e 10 está fora de risco. Esta avaliação divide-se em 5 subescalas: - Expetativas inapropriadas: onde é avaliado em que medida os pais apresentam uma perceção realista do desenvolvimento, capacidades e limitações das crianças, ao qual a D. D obteve um 2 (dois), ou seja, alto risco. - Falta de empatia: avalia em que medida os pais estão conscientes das necessidades, sentimentos e estado do seu filho, de modo a adequarem as suas atitudes e comportamentos, neste parâmetro a D. D obteve cotação 1 (um), novamente alto risco. - Castigos físicos: é avaliado em que medida dos pais valorizam ou não o castigo físico, como modo de disciplinar e educar os seus filhos, nesta subescala D. D está fora de risco com uma cotação de 4 (quatro). - Inversão dos Papéis: avalia em que medida as perceções dos pais reflectem situações de inversão dos papéis, nomeadamente ao considerarem que as crianças deverão ser sensíveis e responsáveis pelo bem-estar dos pais e não o contrário, neste parâmetro a D. D encontra-se novamente em alto risco 185 com a cotação de 1 (um). - Capacidade de Autonomia: avalia em que medida os pais tendem a oprimir as necessidades crescentes de autonomia, poder e independência que caracterizam o processo de desenvolvimento normal das crianças, onde a D. D obteve a cotação de 3 (três), ou seja, o limite do alto risco. Assim sendo, os resultados aportados permitem constatar que esta mãe apresenta quatro áreas preocupantes no que concerne às atitudes e comportamentos de risco, nomeadamente nas expetativas inapropriadas, falta de empatia, inversão de papéis e na capacidade de autonomia. Relativamente à aplicação de castigos e à capacidade de autonomia esta mãe apresentou valores mais elevados, no entanto ainda abaixo do limiar considerado ainda índice de risco. Estes resultados tornam-se pertinentes para a compreensão de quais as áreas menos fortes da D. D no seu exercício de educação parental para assim, podermos priorizar e intensificar a intervenção delineada no âmbito do nosso projeto. Concluído o preenchimento do questionário iniciamos a intervenção delineada no Plano de Intervenção Familiar, tendo a sessão como designação “Centralização da Família no Processo Educativo”. Inicialmente foi explorado a importância de ser mãe, as suas dificuldades e o processo construtivo de aprendizagem. De seguida iniciamos um exercício de reflexão onde pedimos a D. D que se colocasse no papel de uma técnica da segurança social e respondesse a três questões, sendo elas: 1ª – Enquanto técnica da Segurança Social que condições acha que são importantes para o regresso do Ja e da M a casa da mãe? 2ª – Deixava que os meninos regressassem a casa quando visse o quê? 3ª – Acha que os seus filhos se vão sentir bem a regressar a casa? Porquê? Questões às quais a progenitora respondeu com alguma dúvida e hesitação, apontando como condições importantes para o regresso das crianças a higienização da habitação e dos filhos, o saber educar “não deixar fazer o que querem e mantê-los limpinhos”(…) “ter um quarto para eles, uma casa de banho e um trabalho”. Com uma resposta um pouco deficitária questionou-se a progenitora “Se os miúdos regressassem neste momento o que tinha para eles”, ao qual respondeu “Tenho o quarto pronto. Tenho pão, iogurtes, fruta, doce de abóbora, arroz, massa, feijão, fiambre e queijo”. Questionada relativamente a higiene dos filhos a D. D referiu que lhes dava banho todos os dias, que usava creme corporal, trocavam de roupa sempre que tomavam banho, e após estimulada para outras formas de higienização para além dos banhos referiu a higiene oral, mencionando que o Javier anteriormente tinha uma pasta de dentes do Shrek e lhes trocava as escovas de 6 em 6 meses. De igual modo, foi abordada a importância da comunicação na família utilizando metáforas para a ilustração. Ainda foram exploradas situações hipotéticas dos estilos educacionais com as crianças, sendo realizada Psicoeducação. Na exploração do estilo educacional, a progenitora foi confrontada com um exemplo prático: “Se o JA partisse um vidro de propósito o que faria? Qual era a sua reação?” Mencionando a progenitora que em primeiro lugar diria ao filho que o que fez era perigoso e se poderia ter aleijado e de seguida alertá-lo-ia para o facto de as “coisas serem caras e não as podemos estragar”. Se a chamada de atenção não resultasse o filho ficaria de castigo, sendo um deles a 186 proibição de ver televisão durante uma tarde. No decorrer da sessão D. D apresentou uma postura muito apelativa, intervindo constantemente e expondo as suas preocupações. No entanto a progenitora mostrou-se, ainda, marcada pelo passado, relatando alguns episódios passados, sendo um deles uma queixa que existiu por parte da Família de Acolhimento de Telões, onde estiveram o JA e a M. Nessa queixa a progenitora foi acusada de trocar a medicação do JA, pois referiu os nomes trocados na toma nocturna e diurna. No entanto, no momento da visita foi questionada sobre a medicação do Javier, referindo que o filho está receitado com Seroquel para a noite e o Lagartil para de manhã. 187 Relatório de Visitas Domiciliarias Relatório nº 24 Identificação da criança/jovem: Nome: JM Entidade Contactada: Mãe e companheiro Data: 24.05.2013 Local: VR Objectivo: Comparecer a reunião solicitada pela progenitora Metodologia: Conversa Informal Descrição da diligência: No dia 24 de maio pelas 18h00 o gestor de caso Carlos e a técnica do Projeto “O Trilho” Helena deslocaram-se à residência da D. F e do Sr. C, tal como solicitado e combinado anteriormente com a progenitora, onde foram abordadas algumas situações mencionadas pela D. F como desagradáveis, tais como, “as mentiras do ZM”, a não abertura do mesmo perante a progenitora e o companheiro, a inflexibilidade, o não cumprimento dos horários, o desentendimento com a irmã no visionamento da televisão, entre outras situações. Após a descrição das situações supracitadas foi realizada uma breve reflexão com os cuidadores, relativamente as causas que poderão suscitar as situações mencionadas. Sendo referido aos cuidadores que uma maior abertura do J poderá surgir se existir uma maior flexibilidade por parte dos mesmos, uma penalização menos rígida e uma maior comunicação, tentando sempre saber o porque das mentiras e fazendo chegar ao J as soluções para a não utilização das mentiras. Ao longo da reflexão a D. F mostrou-se recetiva a informação dispensada, compreendo e comentando as diversas situações, porém o Sr. C adotou uma postura mais rígida e inflexível, relatando situações como “Eu neguei-lhe um banho (…)”, “Tive de o rebaixar para ele se sentir uma criança (…)”, confirmando o corte de acesso à internet e à cozinha, afirmando que o único computador disponível na residência é do próprio e que não o emprestará às crianças, ao qual o Técnico C referiu que o menor possui telemóvel com internet e poderá usufruir do mesmo, ao qual o Sr. C respondeu que não lhe dará as passwords da internet porque dessa forma ele andará na “internet a fazer o que lhe apetece e depois não fala connosco”. Relativamente ao não poder ir à cozinha sempre que lhe apetece foi mencionado pelo Sr. C que estão estipulados horários para as refeições e que comem todos nas mesmas horas e “lá por ter um pacote de bolachas na cozinha não quer dizer que sejam para o ZM comer, podem ser para eu comer”. 188 Quanto ao corte de acesso à televisão o Sr. C referiu que monta todos os fins-de-semana a televisão na sala para os filhos da D. F, e que à hora de almoço ele gosta de ver o telejornal e que o resto do tempo a televisão é dividida entre o J e a irmã. Ficou combinado no fim da visita que se iria marcar uma reunião na segurança social com a Dr.ª A, D. F, o Sr. C, o JM, e os técnicos Carlos e Helena. 189 Relatório de Visitas Domiciliarias Relatório nº 28 Identificação da criança/jovem: Nome: JA Entidade Contactada: Progenitora Data: 22.08.2013 Local: P Objectivo: Observar e obter informar Metodologia: Observação Participante Descrição da diligência: A visita foi realizada pela técnica do Trilho Helena e a gestora de caso IM. No momento da visita encontrava-se na habitação a avó do JA, a mãe, a irmã, uma prima, um primo a dormir que não o vimos, e na parte de baixo (arrecadação) o avô. Chegamos a P por volta das 12h, estando a avó do JA a preparar o almoço, sendo a ementa uma omeleta (tipo tortilha), salada e um arroz com carne e vários legumes. Fomos bem recebidas, porém o JA ficou envergonhado com a nossa presença e não nos veio cumprimentar de imediato, atitude que levou a avó a reagir de forma muito negativa, o que gerou uma discussão entre mãe e filha. Foi feita uma reflexão com a avó que queríamos que aquele momento fosse positivo e que teria de ter outra tolerância com o neto, pois a senhora entrou em comparações, ao qual foi alertada relativamente a diferença entre os filhos e os netos, pois nenhum filho passou pelo que o JA e a M estão a passar. Ocorreu uma exploração relativamente à melhor forma de lidar com a teimosia do JA. O JV e a M estavam sentados com a mãe num banco comprido existente na cozinha, existindo uma cumplicidade evidente entre ambos. Foram observados momentos de brincadeira e ternura. Quando o J nos foi mostrar os brinquedos que tinha no quarto a mãe alertou o filho para a necessidade de os partilhar com a irmã e ao mesmo tempo quando o filho nos quis interromper a meio de uma conversa a progenitora alertou-o, dizendo que não deveria interromper a mãe. Foram ainda relatados os dias passados em P, alguns deles nas festas da aldeia. 190 Relatório de Diligências Relatório nº 1 Identificação da criança/jovem: Nome: JA Entidade Contactada: Mãe Data: 26.08.2013 Local: Objectivo: Recolher informação Descrição da diligência: No dia 26 de agosto a técnica Helena telefonou para a D. D para obter informação sobre o Dr. PP que, segundo relato da N da casa da criança, andaria a telefonar a mãe do Javier para obter informações sobre o ex. marido, Sr. C. A D. D referiu que o Dr. PP lhe ligou há alguns meses, que se identificou como alguém que trabalha com o apoio à vítima no Porto, não sabendo a progenitora explicar concretamente qual a entidade para onde trabalhava. Mencionou que o Sr. quando liga sabe o que ela falou com o Sr. C, por exemplo, houve um dia em que o Sr. C ligou para a D. D quando os mesmos se encontravam a passar uma temporada com a mãe, e não pode falar com os filhos pois encontravam-se a dormir, o Sr. C não acreditou e insultou-a afirmando querer falar com os filhos. Passado alguns minutos ligou o Dr. PP a perguntar porque que a D. D não deixava os filhos falarem com o pai, ao qual ela explicou a situação. Após ligar para o número fornecido pelo Dr. PP, constatei que o mesmo trabalha para a Direção Geral de Reinserção Social dos Serviços Prisionais de Lamego e que como o Sr. C foi condenado a 3 anos e 9 meses de pena suspensa, será acompanhado pelo Dr. PP que é o único técnico a trabalhar a zona do Douro os casos de violência doméstica, sendo por isso o acompanhamento via telefónica e muito esporádico. Foi estabelecida uma parceria informal com esta entidade para um melhor trabalho em rede. Na chamada telefónica com a D. D houve ainda o desabafo da mudança de comportamento do JA no dia de chegada à instituição após as temporadas com a mãe, pois o mesmo fica a chorar, fazendo birra, afirmando que não quer ficar na instituição e proferindo frases menos positivas contra a mãe, tais como, “Tu não me queres” (…) “Se me quisesses não me deixavas aqui”, entre outras. 191