Revista Memória LGBT - Edição 3 Ano 2 - Abril / Maio 2014 ISSN 2318-6275 REVISTA MEMÓRIA LGBT www.memorialgbt.com Patrimônio Imaterial LGBT: O Baile das Chiquitas – Conflitos e Negociações de um Patrimônio LGBT Artigos: As relações entre Cultura, Memória e Identidade LGBT Patrimônio Material LGBT: Já parou para pensar que a sua boate pode ser tombada? Internacional: Sala de cinema Urdaneta – um espaço de identidade gay Patrimônio cultural LGBT Expediente Revista Memória LGBT – Ano 2 No 3 – Abril/Maio ISSN 2318‑6275 www.memorialgbt.com [email protected] Editor: Tony Boita Redação: Aline Inforsato, Jean Baptista e Tony Boita Direção de Arte: Aline Inforsato Website: Cássio Dourado e Eldon Luis Revisão: Jean Baptista e Wellington Pedro da Silva Corpo Editorial: Danielle Agostinho, Jean Baptista, Julia Moura Godinho, Tony Boita, Treyce Ellen Goulart e Wellington Pedro da Silva Colaboradorxs desta edição Rodrigo Medsan, Vagner de Almeida, Andressa Pereira, Rosa Flor Moreno, Aline Montenegro, Jefferson Borges, Diogo Carvalho, Paulo Cogo, Hagá Galvão, Andreia Laís Canelli, Sasha Caprina, Graciele Oliveira, Edegar Ribeiro Júnior, Alex Fernandes, Felipe Medeiros, Cassiano Celestino de Jesus, Elaine de Jesus Souza, Tony Willian Boita, Jean Baptista, Stephanie Borchardt Reidel, Jaddson Luiz Sousa Silva, Victor Urresti, José Alirio Peña Zerpa e Mario di Lorenzo Agradecimentos Rodrigo Medsan, Vagner de Almeida, Andressa Pereira, Rosa Flor Moreno, Aline Montenegro, Jefferson Borges, Diogo Carvalho, Paulo Cogo, Hagá Galvão, Andreia Laís Canelli, Sasha Caprina, Graciele Oliveira, Edegar Ribeiro Júnior, Alex Fernandes, Felipe Medeiros, Cassiano Celestino de Jesus, Elaine de Jesus Souza, Tony Willian Boita, Jean Baptista, Stephanie Borchardt Reidel, Jaddson Luiz Sousa Silva, Victor Urresti, José Alirio Peña Zerpa e Mario di Lorenzo , aos membros da Rede LGBT de Memória e Museologia Social, Comissão Organizadora do Seminário Nacional de Lésbicas. Todos os Direitos Reservados da Revista Memória LGBT a Tony Willian Boita. É proibida a comercialização e a reprodução da Revista Memória LGBT. Qualquer pessoa poderá pesquisar, estudar e comunicar o mateiral da Revista Memória LGBT desde que autorizado pela mesma. Entre em contato: [email protected] Editorial Tony Boita Em sua terceira edição, a Revista Memória LGBT versa sobre o patrimônio cultural da comunidade LGBT no Brasil. Com esta proposta o periódico vem atender aos seguintes questionamentos: nós LGBT temos patrimônios? Nos sentimos representados em museus, espaços de memória, exposições, monumentos, praças, nomes de ruas e outras referências nacionais patrimoniais? A conquista destes espaços oficiais e o reconhecimento de um con‑ junto de referências culturais LGBT poderá combater a homo, trans e lesbofobia? Esses questionamentos tentarão ser respondidos no decorrer da presente edição. No en‑ tanto, é importante frisar que toda a comunidade LGBT tem direito garantido à cultura e à memória, bem como, tod@s @s cidadãos brasileir@s, conforme artigos 215 e 216 da Cons‑ tituição Federal (1988), a Carta de Durban (2001), a Declaração Universal sobre a Diversida‑ de Cultural ( 2002) e as leis estaduais que dispõem sobre a liberdade de orientação sexual de 15 estados. Para tal, é necessário que nós LGBT's nos empoderemos destes conceitos, ações e legislação. Afinal, onde estamos representados na memória nacional? Como nas edições anteriores, vários integrantes da comunidade LGBT do Brasil e da Amé‑ rica Latina foram fundamentais - com isso, cumpre-se um dos principais objetivos da revista, que é o de propiciar um canal de publicação e comunicação para LGBT's. Em suas primeiras páginas você poderá conferir os depoimentos de leitores que nos enviaram comentários via e-mail e facebook. Em seguida o psicólogo afirmativo Paulo Cogo discorre sobre as relações entre cultura, memória e identidade da comunidade LGBT em uma abordagem inédita na se‑ ção Artigo. Na seção Debates, o turismólogo Hagá Galvão e a pós-drag Sasha Caprina falam sobre a polêmica do primeiro beijo gay em novela global, ao passo que a professora Andréia Lais Canelli questiona se o dia 29 é o dia da visibilidade ou da invisibilidade travesti. Em se‑ guida Graciele Oliveira emocionará leitor@s com a entrevista publicada no periódico o Grito do Povo, De Keila a David: Uma metamorfose ambulante que quer voar. Na seção Memória e Resistência, uma pluralidade de temas que retratam distintas demandas LGBT do Brasil: o Advogado Edegar Ribeiro Júnior nos apresenta o descaso com os direitos das travestis do presídio central de Porto Alegre; Alex Fernandes, estudante de museologia da UFG, discorre sobre os encontros entre grupos de ativistas LGBT's em parques da cidade de Goiânia; Felipe Medeiros nos contempla com a exposição "T: um outro olhar" que está ocupando espaços públicos em Recife; por fim, Cassiano Celestino de Jesus e Elaine Jesus de Souza falam sobre a violência e o preconceito nas escolas. A seção Especial, traz, ainda, o tema desta edição, discorrendo sobre as potencialidades do patrimônio material e imaterial LGBT: ali o debate inicia com o projeto Patrimônio cultural LGBT e museus: mapeamento e potencialidades de memórias negligenciadas, projeto que origina esta revista, coordenado e mantido por mim; em seguida, Jaddson Luiz Sousa Silva fala sobre o primeiro patrimônio imaterial LGBT bra‑ sileiro, a Festa das Chiquitas em Belém; Victor Urresti apresenta uma reflexão a respeito das boates LGBT na qualidade de patrimônio material. Já na seção Internacional, José Alirio Peña Zerpa problematiza o Cine Urdaneta, em Caracas, fundado em 1951 e, assim como outros ci‑ nemões, importante espaço de sociabilidade de gerações LGBT. Por fim, Hagá Galvão encerra essa edição falando sobre o turismo LGBT, ou Gay-Friendlye, indicando as potencialidades da relação entre memória, patrimônio e turismo. Vale ressaltar que a Revista Memória LGBT é um espaço aberto para a população LGBT, bem como redes, coletivos, cooperativas, comunidades, grupos, militantes, projetos, pesqui‑ sas, boletins e outras ações que promovam a memória, história e o patrimônio cultural de nossa comunidade plural. Boa Leitura e não esqueçam, nós LGBT's temos direito a cultura e a memória e, juntamen‑ te com elas, teremos mais ferramentas para combater a homo, lesbo, transfobia e todas as formas de preconceito correlato.. Um beijo SUMÁRIO SUMÁRIO Depoimentos Palavra d@s LeitorXs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 Acontecerá O SENALE – Seminário Nacional de Lésbicas é o maior evento das lésbicas e Mulheres bissexuais do Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 Aconteceu Tribunal de Justiça do RJ realiza maior casamento homoafetivo do mundo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Artigos As relações entre Cultura, Memória e Identidade LGBT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Debates A importância do Beijo Gay na Teledramaturgia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 29 de janeiro, dia da Visibilidade Travesti. INVISIBILIDADE? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 Não Beijei ninguém na noite do primeiro Beijo Gay . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 Entrevista De Keila a David: uma metamorfose ambulante que quer voar!. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Memória e Resistência LGBT Considerações acerca dos direitos das travestis do presídio central de Porto Alegre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 Entre o verde da grama e a cor do Arco‑Íris. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Exposição “T: Um Outro Olhar”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Violência e preconceito: A homossexualidade nas escolas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 CAPA Patrimônio cultural LGBT e museus: mapeamento e potencialidades de memórias negligenciadas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Memórias Minha vida com Marina Reidel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Patrimônio Imaterial LGBT O Baile das Chiquitas: Conflitos e Negociações de um Patrimônio LGBT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Patrimônio Material LGBT Já parou para pensar que a sua boate pode ser tombada? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 Internacional Sala de cinema Urdaneta: um espaço de identidade gay . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Turismo Turismo Gay-Friendly e lucros de 2014 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 DEPOIMENTOS Palavra d@s LeitorXs A última edição da Revista Memória LGBT foi um sucesso. A cada edição aumenta o número de visualizações e colaborações. Tem gente do mundo todo lendo e comentando. Colabore você também enviando sua mensagem, artigos e relatos sobre a memória e a história LGBT. Visibilidade Trans A Visibilidade trans vem crescendo na mídia e na história, mas muitas vezes vemos essa exposição ocorrer de forma vexatória, e vocês vem executando da forma mais positiva, parabéns Revista Memória LGBT! #NossasMusas Rodrigo Medsan Excelente que a história possa ser contada por suas próprias protagonistas e que lembranças das ausentes possam ser publicadas. Vagner de Almeida Fiquei emocionada com a Revista Memória LGBT. Pela primeira vez encontrei uma revista onde pude ver que minha história esta contemplada de forma digna e luxuosa. Bom saber que não estou sozinha. Bjimmm e sucesso! Andressa Pereira 4 | MEMÓRIA LGBT Clóvis Bornay Merecida homenagem. Na exposição permanente inaugurada em 1987, no Museu Histórico Nacional, foi feita uma homenagem a ele, no painel de abertura feito pelo pintor contemporâneo Clécio Penedo. Atualmente, esse painel encontra‑se antes da exposição “Cidadania em construção”. Clóvis Bornay vive! Aline Montenegro Minha memória Bom, aqui está este disco Like a Prayer da Madonna, Lançado em 21 de Março de 1989, ano no qual eu completei 1 aninho. Sou fã e além de tudo é uma diva GLS. Jefferson Borges Visibilidade lésbica Sou Rosa Flor Moreno, 45 anos, lésbica feminista, moro em Simões Filho – BA. Tudo começou aos 17 anos, foi uma bomba explodindo em meu corpo e minha mente, era um amor diferen‑ te. Sim, uma mulher, uma mulher... e naquele momento o que fazer? Decidi largar o casamento, um amor de repente diferente, fazendo o coração acelerar, pernas tremerem e vagina doer. Medo, angustias, não sabia o que fazer, meu preconceito a atormentar, não mais aguentar resolvi me jogar, e decidi amar! Momentos que nunca esqueci, vivi, vivi té os 14 anos passarem. Sofri, rodei, cai no fundo do poço; lá passei muito tempo, até que uma nova mulher encontrei. A partir dai, parei em alguns corpos e portos, novas emoções senti, mas não era amor. O tempo passou, e o ENLESBI chegou, era um Encontro de Lésbicas e Bissexuais do Estado da Bahia, promovido pela Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), me renovou, me achei em cada rosto que ali encon‑ trei, eram mulheres que amam mulheres, que lutam pelo Feminismo Lésbico, pela Visibilidade, contra a Lesbofobia, Racismo, contra todo tipo de violência contra a Mulher, pela saúde da Mulher Lésbica, e na construção de Politicas Públicas, dentro de um processo de equidade. Após o ENLESBI, mais fortalecida, convidei mulheres Lésbicas e Bissexuais para lutarmos juntas, em defesa dos Direitos Humanos das Lésbicas e Bissexuais, pela Visibilidade Lésbica, Ativismo e Feminismo e Plano de Feminilização, nasce o Núcleo de Lésbicas e Bissexuais de Simões Filho. Hoje: Feliz, Lésbica, Feminista, Ativista e aberta ao Amor! Finalizo minha história, dizendo obrigada a LBL, ao ENLESBI, ao GCP (Grupo Contra o Preconceito) e a Gami (Grupo Afirmativo de Mulheres do Rio Grande do Norte). Rosa Flor Moreno MEMÓRIA LGBT | 5 ACONTECERÁ O SENALE SEMINÁRIO NACIONAL DE LÉSBICAS é o maior evento das lésbicas e mulheres bissexuais do Brasil O SENALE – Seminário Nacional de Lésbicas – é o maior evento das lésbicas e mulheres bissexuais do Brasil. Lésbicas e mulheres bissexuais reuniram‑se pela primeira vez em 1996, na cidade do Rio de Janeiro, onde se estabeleceu o 29 de agosto como dia nacio‑ nal da visibilidade lésbica. Ao todo foram realizados apenas sete (07) Encontros Nacionais, apesar da pre‑ visão de realização de encontros Bi‑anuais a partir do encontro de 1998: I SENALE: 1996 – Rio de Janeiro/RJ II SENALE: 1997, na cidade de Salvador\BA Esta dificuldade, sem sombra de dúvida, tem tudo a ver com o processo de invisibilização so‑ cial imposto às mulheres, em especial às lésbicas e bissexuais que além de contestarem o machismo rompem com o padrão heteronormativo social‑ mente eleito. E isto está diretamente ligado à difi‑ culdade organizativa e da falta de apoio institucio‑ nal e social para realização dos eventos. O 8o SENALE será realizado, pela primeira vez na região sul do País, na cidade de Porto Alegre, RS e está sendo organizado de forma coletiva pelas maiores redes de Lésbicas e Mulheres Bissexuais do País, além um grande número de mulheres in‑ dependentes. III SENALE: 1998 – Betim\ MG IV SENALE: 2001 – Aquiráz\CE V SENALE: 2003 – São Paulo/SP VI SENALE: 2006 – Recife\PE VII SENALE: 2010 em Porto Velho/RO VIII SENALE – 2014 – Porto alegre – RS 6 | MEMÓRIA LGBT Para maiores informações acesse: www.senale.wordpress.com ou envie e‑mail para: [email protected] LBL – LIGA BRASILEIRA DE LÉSBICAS – RS www.lblrs.blogspot.com.br www.lblsaudelesbica.blogspot.com.br [email protected] ACONTECEU Tribunal de Justiça do RJ realiza maior casamento homoafetivo do mundo Fonte: Assessoria de Imprensa da Amaerj Diogo Carvalho / Amaerj O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro realizou, em 8 de dezembro – Dia da Justiça e da Família –, a maior cerimônia civil de casamento homoafetivo do mundo. Na ocasião, 130 casais tiveram oficialmente reconhecidas suas uniões estáveis. Confira o vídeo da solenidade, que foi produzido por TJ‑RJ e Amaerj. A mesa da solenidade foi formada pelas juízas ce‑ lebrantes Raquel de Oliveira e Raquel Santos Pereira Chrispino; pelo superintendente do Programa Rio Sem Homofobia, Claudio Nascimento; pela representante do Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos da Defen‑ soria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Elisa Cruz; pela diretora do Departamento de Sustentabilidade do TJ‑RJ, Rosiléia Di Masi Palheiro; e pelos atores David Pi‑ nheiro e Fabiana Schunk, do elenco da TV Globo. A iniciativa do evento é fruto da parceria entre o Po‑ der Judiciário fluminense, através do Departamento de Promoção da Sustentabilidade; o Governo do Estado do Rio, através do Programa Rio Sem Homofobia, da Se‑ cretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Huma‑ nos; a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, através do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos; e a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado do Rio de Janeiro. Video: http://youtu.be/CxKRs_WFlb0 MEMÓRIA LGBT | 7 ARTIGOS AS RELAÇÕES ENTRE CULTURA, Paulo Cogo1 Apesar dos avanços inegáveis ocorridos nas últi‑ mas décadas em nosso país em relação à conquista de uma cidadania dos indivíduos que compõem o grupo LGBT, especialmente lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, o preconceito em relação às pessoas que expressam orientações sexuais diferentes da heterossexual ainda é enorme. Devido a esse grande preconceito manifestado em todas as formas de fobias que especialmente os indi‑ víduos heterossexuais expressam contra os membros da comunidade LGBT, o medo, a vergonha, a invisibili‑ dade escolhida por medo ou conveniência ou impos‑ ta tem caracterizado a maioria dos seus integrantes. Ocorre que enquanto a maior parte dos mem‑ bros do grupo LGBT continuar portando diferen‑ tes tipos de medo, pudor ou de culpa pela sua orientação sexual a construção de uma cultura e identidade de grupo assertiva, afirmativa e posi‑ tiva se torna impossível. Dentro desta perspectiva, é possível, hoje no Brasil, falarmos da existência de uma “cultura LGBT”? A resposta é afirmativa. Porém, a realida‑ de dessa cultura, ou melhor, ainda uma “subcul‑ tura” ou “cultura marginal” é paradoxal. Utilizo aspas ao me referir a essa cultura para enfatizar esse paradoxo, no meu ponto de vista um falso paradoxo, uma vez que é possível tentar entendê ‑lo ou explicá‑lo, o que vou buscar fazer a seguir. Quando falo em paradoxo ou falso paradoxo, me refiro ao fato de que a existência, crescimento e forta‑ lecimento da comunidade LGBT no Brasil hoje é uma realidade, um fato social relevante, de acordo com a análise sociológica, basta olharmos as estatísticas ofi‑ ciais a respeito ou os estudos sobre o tema realizados pelas grandes instituições acadêmicas no Brasil. Porém, grande parte desse crescimento se deve, por um lado, a conquistas de somente parte do grupo LGBT, especialmente gays e lésbicas que têm conseguido um maior espaço na mídia e na socie‑ 8 | MEMÓRIA LGBT dade devido a um aumento da conscientização das pessoas que compõem esses grupos e de parte da parcela mais esclarecida da nossa sociedade que tem apoiado as reivindicações destes grupos e au‑ xiliado através de seu poder de influência social. No entanto, a outra parte do grupo LGBT, tra‑ vestis, transexuais e transgêneros, apesar de al‑ gumas conquistas relevantes obtidas nos últimos anos, seguem em uma condição de invisibilidade e fragilidade social absurda. Por outro lado, parte do fortalecimento do grupo LGBT se deve apenas por um viés econômico, ou seja, a nossa sociedade tem concedido espaço a gays e lésbicas pela constatação do grande poder de consumo desses grupos sociais, identificado por expressões como “pink money”, ou seja, uma forma , MEMÓRIA E IDENTIDADE LGBT de “inclusão e reconhecimento social” às avessas, não pela participação social, mas pela relevância no processo de consumo de bens e serviços. Nada contra a inserção das pessoas do grupo LGBT na denominada “sociedade de consumo”, uma vez que esse tipo de inserção é uma parte do desenvolvimento da cidadania, porém a inclu‑ são no consumo deveria ser uma decorrência da inclusão e reconhecimento social e não o inverso. Assim, é possível falarmos de uma cultura LGBT, no sentido de que existe hoje um conjunto de práticas sociais, que incluem rituais, compor‑ tamentos, linguagens, reações emocionais condi‑ cionadas e valores próprios deste grupo, porém essa cultura altamente heterogênea, rica e diver‑ sificada ainda encontra‑se à margem da cultura oficial, dominante ou instituída. O número de profissionais, manifestações cultu‑ rais e produtos culturais realizados integralmente ou direcionados aos membros do grupo LGBT ain‑ da é muito pequeno se comparado ao de produtos culturais heteronormativos, ou seja, voltados pre‑ dominantemente ao público heterossexual. Para que essa realidade se transforme é necessá‑ rio que os membros do grupo LGBT se empoderem, ou seja, que reconheçam o seu poder pessoal de ser, existir e realizar a partir da sua orientação sexual. Somente através do reconhecimento, construção e afirmação de uma identidade de gênero e sexual positiva e apreciativa é possível contar uma história pessoal, uma história de vida, uma história de gru‑ po. Sem uma identidade pessoal clara, transparente, forte e assertiva é impossível contar a própria histó‑ ria e menos ainda lutar pela afirmação dos próprios direitos e dos direitos dos grupos a que se pertence. A construção de uma identidade de gênero e sexual positiva e apreciativa passa pela identifi‑ cação com outras pessoas que possuem identi‑ dades semelhantes e que servem de referência nesse processo. Nesse sentido, contar a história e trajetória dos grandes nomes do movimento LGBT, bem como dos principais eventos e realiza‑ ções no Brasil é essencial para construir uma me‑ mória coletiva e um sistema de referência cultural para os outros membros do grupo LGBT. E para que isso se torne um fato é fundamental a construção da memória LGBT, através do le‑ vantamento e registro da história do movimento LGBT no Brasil, incluindo todas as formas de ma‑ nifestações e expressões materiais e simbólicas existentes desde o surgimento do movimento. Para este fim torna‑se imprescindível a constru‑ ção da historiografia e trajetória do movimento LGBT em nosso país, a partir da pesquisa minucio‑ sa de seus fatos e personagens históricos, mortos e vivos, bem como da herança cultural deixada por seus pioneiros, incluindo mártires, heróis e perso‑ nagens que tiveram seu peso diminuído ou que foram esquecidos pela historiografia oficial. Da mesma forma, é fundamental que os cursos de história, bem como as demais licenciaturas, os cur‑ sos de museologia, e todos os demais campos que abordem a educação e memória que incluam em seus currículos as relações de gênero como catego‑ ria fundamental de análise histórica na historiografia contemporânea e não apenas como uma categoria transversal como tem ocorrido na maioria das nossas instituições de ensino acadêmico de história no Brasil. PAULO COGO é psicólogo pela UFRGS, Mestre e Doutor em Sociologia pela UFRGS, Especialista em Administração de Recursos Humanos pela PUCRS, Es‑ pecialista em Psicologia Transpessoal pela UNIPAZ; Bacharel em Direito pela PUCRS, Bacharel em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela PUCRS; Professor Adjunto do UniRitter, ministrando aulas para os cursos de Psicologia, Publicidade e Propaganda e Administração; Atua como Psicólogo Afirmativo auxiliando os membros do grupo LGBT na construção e afirmação de uma identidade de gênero e sexual positiva e afirmativa e como Personal Coach na área de planejamento e gestão de carreira. 1 MEMÓRIA LGBT | 9 DEBATES A importância do Beijo G Hagá Galvão No dia 31 de janeiro foi ao ar o último capítulo da novela Amor a Vida, de Walcyr Carrasco. O vilão prota‑ gonista, Felix, personagem do Mateus Solano protago‑ nizou, junto com Thiago Fragoso, o que foi comemorado como o primeiro beijo gay da teledramaturgia brasileira. Contudo, não foi, de fato, o primeiro beijo gay da televisão brasileira. Uma emissora menor havia apre‑ sentado um beijo entre personagens do mesmo sexo em 2009 e, antes disso, em 2003, na própria Rede Globo, Alinne Moraes e Paula Picarelli também se beijaram como Clara e Rafaela, estudantes e lésbi‑ cas. O site Sapatômica lista quinze beijos entre perso‑ nagens do mesmo sexo – incluindo um em 1963, na novela A Calúnia da extinta Rede Tupi – todos com baixa repercussão na mídia e na sociedade. Mas, de fato, o beijo apresentado na novela Amor a Vida foi dado em um contexto singular, em que a 10 | MEMÓRIA LGBT disputa instalada entre setores conservadores e pro‑ gressistas da política nacional digladiam‑se sobre a pauta dos direitos LGBT. É esse impacto que o tornou diferente dos demais e o colocou no patamar de Pri‑ meiro Beijo Gay da Televisão Brasileira. As reações foram as mais variadas: o deputado Jean Willys disse, em sua página no Facebook, comemorar o aconte‑ cido como uma final de Copa Mundial de Futebol; frentes religiosas processaram a emissora pela audá‑ cia de exibir a cena, acusando‑a de tentativa de des‑ truir a família tradicional; acadêmicos viraram o nariz criticando que a Rede Globo dera mais um hipócrita golpe interessado somente em audiência. Independente desse ser ou não o primeiro beijo gay da televisão brasileira, no contexto em que se apresenta, é uma vitória para a classe LGBT. Em primeiro lugar dá visibilidade aos casais homos‑ SAPATOMICA. 15 Beijos Gays Na TV Brasileira Em Horário Nobre! Disponível em: <http:// sapatomica.com/blog/2012/09/09/15‑beijos‑gays‑na‑tv‑brasileira‑em‑horario‑nobre/> Gay na Teledramaturgia Disponível em: http://cordelirando.blogspot.com.br sexuais e ao tema em geral. Além disso ela dá a oportunidade de milhões de homossexuais se ve‑ rem representados com respeito, como tantas ma‑ nifestações festivas comprovaram a aceitação. Por anos nós homossexuais assistimos na TV beijos e mais beijos de casais heterossexuais sem que isso nos ofendesse. Ser representado estende o senso de igualdade que, no fundo, é o que querem todas as militâncias LGBT, incluindo esta publicação. Por fim, a representação do beijo gay quebra um pa‑ drão, quebra o gelo do debate sobre orientação sexual O beijo aconteceu Em pleno horário nobre E a pessoa que o perdeu Seguirá sendo mais pobre Pois o teor desse beijo No atacado ou no varejo Vale mais que ouro e cobre Foi um beijo delicado Singelo e comovente Há anos interditado Pela moral excludente Foi um beijo de amor Para aliviar a dor De muita gente decente Foi um beijo esperado Por quem luta por direitos Um beijo fundamentado Na ideia de respeito De justiça e igualdade e oportuniza o tratamento do tema de maneira mais aberta e – esperamos – de forma mais leve. Parece mesmo ser um marco histórico, uma vitória. E desejo que seja tratado como tal. Que mostra a diversidade Pra combater preconceito Foi um beijo de novela Mas refletiu a real E talvez deixe sequela Na doença terminal Chamada de homofobia Que ainda contagia Gente que se diz legal Foi um beijo pra quebrar Um tabu de longa data Um beijo pra comentar E se registrar em ata Um beijo gay necessário Para tirar do armário Gente que morre e que mata Foi algo sensacional E importante demais Um beijo que deu moral Para a gente beijar mais Pensando nele eu dormi Acordei e escrevi Mais um cordel pros anais: Um beijo faz diferença Faz ruído, faz questão Faz balançar muita crença Faz gerar celebração Um beijo faz muito bem Faz avançar mais de cem Anos‑luz de solidão Um beijo faz muita gente Abrir mais o coração Mexe bastante com a mente De nossa população Amplia a democracia Renova nossa energia Que venha mais beijo, então! Salete Maria MEMÓRIA LGBT | 11 DEBATES 29 de janeiro, dia da Visibilidad Profa Andreia Lais Canelli* Inicio parabenizando todas as companheiras e de que o alheio é o detentor do poder, da razão e companheiros que em todo dia 29 de janeiro, se mo‑ da palavra, as pessoas Travestis e Transexuais que bilizam em suas bases com ações afirmativas com constroem suas identidades de gênero de maneira vistas a reduzir a violência e o preconceito que diaria‑ autônoma, e fora dos padrões pré‑determinados por mente agride as pessoas Trans, e que também lutam um coletivo dominante heteronormativo, julgam‑se durante o ano todo por uma sociedade plural, justa, no direito de excluir e colocar para bem longe do co‑ de respeito, paz e sem Transfobia. Considerando que tidiano social as pessoas trans, ou seja, a margem históricamente a população Trans brasileira ao longo social, contribuindo assim para a violência que as de nossa história vem sofrendo com os mais diversos pessoas trans sofrem cotidianamente. aspectos que a violência social pode gerar. Para LUZ, Nanci (2009, p.69): Luta, história, humanização, conscientização e A aceitação social da violência contra as pessoas conquistas Travestis e Transexuais é a própria negação dos direi‑ O Dia Nacional de Visibilidade Trans surgiu de uma tos fundamentais de toda uma parcela populacional, campanha de prevenção para travestis, lançada em contribuindo para o agravamento das injustiças so‑ 2004, com o tema “Travesti e Respeito”, onde o ciais e as afastando da democracia. objetivo é praticar no cotidiano social o Respeito, Em um passado recente, uma série de conquistas fo‑ que para a população de travestis e transexuais na ram adquiridas como por exemplo o Nome Social, po‑ mentalidade social brasilei‑ rém é simbólico, pois toda cida‑ ra é invísível, assim nesse A Violência invade a vida dã ou cidadão brasileiro/a tem contexto, quem é invisível, direito a um nome civil, que é das pessoas Travestis e consecutivamente não ne‑ um direito tão primordial quan‑ Transexuais, porém para a cessita do tal respeito, sen‑ to o direito à vida, nesse sentido do assim alvo de violência, mídia é apenas um fantasma, onde a população trans brasilei‑ estigmatização, violência, ra não tem garantido o uso do colocado à sombra. exclusão, vulnerabilidade próprio nome enquanto pessoa e a não participação nas práticas cotidianas sociais, humana detentora de direitos e deveres, não podemos pelo fato de que travestis e transexuais não corres‑ nos basear no respeito às diferenças. Sendo que na so‑ pondem a um constructo social heteronormativo e ciedade contemporânea a Vida das pessoas Travestis e patriarcal. Assim, a partir desse histórico, o dia 29 Transexuais é um marco de luta e enfrentamento de vio‑ de janeiro foi instituido como data nacional, agora lência no dia‑a‑dia. lembrada em todo o território nacional. A Primeira Violência que podemos destacar é no seio A Sociedade Brasileira tem em sua mentalidade a familiar, onde pai e mãe traçam destinos para seus fi‑ existência da população de Travestis e Transexuais lhos/as, e no decorrer da trajetória dos/as filhos/as, nem como fato, porém ao longo da História recente e sempre o destino traçado é correspondido, principal‑ por conta do fundamentalismo e da predominância mente no caso de filhos/as Trans, inicia‑se aí o primeiro " " 12 | MEMÓRIA LGBT de Travesti. ato de violência contra a pessoa Travesti/Transexual. O segundo e talvez o maior trauma na vida das pessoas Travestis e Transexuais encontra‑se no ambiente esco‑ lar regular, onde na quase totalidade as pessoas trans, por não corresponderem aos constructos sociais pré ‑estabelecidos acabam evadindo do processo de en‑ sino aprendizagem e, assim, na continuação de suas trajetórias a violência e o preconceito não se extingue, estigmatizando cada vez mais as pessoas Trans. De acordo com LÖWY (1996, p.23), a consciência en‑ tre a modificação das circunstâncias e a automodifica‑ ção só pode ser entendida racionalmente como práxis revolucionária, isto quer dizer que não se trata de es‑ perar milagrosamente que um indivíduo transforme cis‑ cunstâncias, mas sim um coletivo que “supostamente” encontra‑se fora da sociedade. Assim as ações do dia 29 de janeiro da Visibilidade Trans que ocorrem em todo o Brasil são ações legítimas, pois são idealizadas por coletivos institucionais que tem o mesmo objetivo, que é lutar para fortalecer a cidada‑ nia da população Trans do Brasil, que foi negada duran‑ te a história da nação a qual pertencemos. Quando falamos em invisibilidade, podemos perceber que no decorrer de todas as outras épocas do ano, a população de Travestis e Transexuais do Brasil continua na luta para o reconhecimento da visibilidade e da ocu‑ pação de espaços e de práticas cotidianas sociais, que na maioria das vezes é barrada por um Estado funda‑ mentalista e uma sociedade heteronormativa e conser‑ vadora. Pessoas Travestis e Transexuais não possuem um “botão: tornar visível – tornar invisível” As pessoas trans tem por direito constitucional experimentar todas as ofertas propostas pelos mais diversos seguimentos sociais, sejam públicos das três esferas governamentais ou ainda organismos da sociedade privada. Travestis e ? Transexuais são pessoas humanas, e sim devem ter vi‑ sibilidade em todos os espaços e em todas as práticas sociais como família, educação, mercado de trabalho, saúde, segurança […]. A Violência invade a vida das pessoas Travestis e Tran‑ sexuais, porém para a mídia é apenas um fantasma, co‑ locado à sombra. Isso pode ser justificado pelo opressor como uma legitimidade e uma não prioridade na pauta de discussões, como se isso fosse parte do processo civi‑ lizador, onde Travestis e Transexuais não se enquadram nesse processo. Continuando a discussão sobre a violência sofrida pe‑ las pessoas Travestis e Transexuais, notamos ainda que na hora do óbito, o empoderamento do corpo e a cons‑ trução da identidade de gênero é deslegitimado, onde muitas pessoas trans são descontruídas e desempode‑ radas, assim sendo enterradas como o alheio conserva‑ dor e heteronormtivo determina, desrespeitando toda uma trajetória histórica pessoal. * Professora de História da Rede estadual de ensino do Paraná Coordenadora de articulação social e política do Transgrupo Marcela Prado Secretária de Travestis e Transexuais – ABGLT Colaboradora da ANTRA REFERÊNCIAS: BRASIL. Programa Nacional de Direitos Humanos. Brasil, gênero e raça: todos pela Igualdade de oportunidades, Brasília, Assessoria Internacional, 1998 GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA: formação de professores/as em gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico‑raciais. Brasília, 2009 ABGLT, manual de comunicação LGBT – Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Curitiba, 2008. LUZ, Nanci. CARVALHO, Marilia. CASAGRANDE, Lindamir. Construindo a igualdade na Diversidade: gênero e diversidade na escola. ORGS. ED: UTFPR. Curitiba, 2009. BRASIL. Diversidade Sexual na educação: problematizações sobre homofobia nas escolas. ORGS, Ministério da Educação. Brasília,2009. LÖWY, Michael. Ideologias e Ciência Social: Elementos para uma análise marxista. ED CORTEZ. São Paulo, 1996 MEMÓRIA LGBT | 13 DEBATES NÃO BEIJEI NINGUÉM NA NOITE DO PRIMEIRO BEIJO GAY Sasha Caprina – Pós‑Drag, de Nova York. Monas, monas, monas – não, não foi o primeiro beijo gay da TV aquele da bixa má Felix na dos ca‑ chinhos. Antes disso já teve sapata de mais dando beijo por tudo que é canal. Mas, o que me recordo do alto do salto dos meus 50 anos de transcendência corporal, é que o primeiro beijo gay entre homens foi dado entre personagens da sé‑ rie Mãe de Santo, da TV Man‑ chete, inspirados pelo encanta‑ mento dos Orixás. Isso há 24 anos antes de Felix. Não houve gritaria, nem come‑ morações tipo gol de copa. Em‑ bora a série não tivesse audiên‑ cia, muita gente ficou sabendo e para quem estava em casa na ca‑ lada da noite assistindo a série, como eu, foi como ganhar rosas e quindins dos próprios Orixás. Não beijei ninguém naquela noi‑ te, mas aquele beijo me fez ter esperança de que um dia beijaria um boy com muito amor antes de dormir. 14 | MEMÓRIA LGBT Tá, tá, de fato, de lá para cá muita coisa mudou. Começaram a falar da gente na TV quando começamos a morrer como mos‑ cas de HIV, dai aparecemos, tími‑ das no início, então veio a inter‑ net, o facebook e despertamos os conservadores que, na falta de coisa melhor para fazer, ati‑ ram pedras escondidos atrás do nome de Jesus, logo Dele, que certamente vibraria ao ver uma minoria apedrejada ganhando mínimos segundos que afirmem sua sensibilidade. Que atire a primeira pedra aquele que não tiver pecado... A Globo não perdeu a vez. No mesmo capítulo do beijo, pastores evangélicos e famílias conservado‑ ras estavam lá. Morde e assopra, ativa e passiva, sai do armário e para ele volta, no mesmo segundo. Tudo em nome do freguês. O que eu achei desse beijo? Mui‑ to rapidinho, discretinho de mais, sem pegada, as duas monas estão mais para colar velcro do que para qualquer outra coisa. Mas, ali, vendo a novela no si‑ lêncio de meu pequeno palace‑ te, me emocionei. Gostei de ver beijo gay na novela das 8h, com todo mundo vendo, um sabor de vingancinha – “tomou?”. Desejei vida longa a todas inimigas para verem mais e mais beijinhos do tipo. Joguei minha pedrinha na‑ quele momento nos apedrejado‑ res. Vitória e vitória. Logo depois, desentorpecida pelo calor da mansão à beira do mar de Felix, vendo a gritaria comemorati‑ va no face e o alarde midiático, me dei conta de algo terrível, que me desalentou: no ano em que não criminalizamos a homofobia, no mesmo ano em que os indicadores de homocídios no Brasil gritaram, percebi o quão miseráveis somos hoje por termos somente uma bico‑ ta gay para se comemorar. E dormi, sem nenhum boy para beijar. ENTREVISTA De Keila a David: uma metamorfose ambulante que quer voar! Graciele Oliveira O professor de academia que trocou o passado de preconceito e prisão por um presente de superação e liberdade quer contar sua história Homem ou mulher? Culpado ou inocente? Talvez esses e outros julgamentos o acompanhem por toda vida. Em entrevista exclusiva para O Grito do Povo, o personal trainer e também artesão David Boule‑ vard conta um pouco sobre sua vida, desde a infância de abusos, passando pela fase da prisão e sua vida atual. David, que considera justa toda forma de amor, conta que ama a natureza, os animais, as mulheres e, sobretudo as crianças, sendo delas que tira inspiração para viver. Passando por problemas de saúde, ele nos recebeu na casa de Dona Detinha, uma senhora de quem cuida e que o acolheu. Entre suas revelações, David relata a vontade de lançar um livro onde irá nar‑ rar toda a sua vida, trazendo detalhes da época do cárcere. “Vai ser uma bomba”, adianta. Acompanhe. O Grito: Que lembranças você traz da infância? David: Não são nada boas. Sofri muito abuso e violência sexual por parte de familiares. As recorda‑ ções são difíceis de serem resgatadas. Na escola, so‑ fria o que hoje é chamado de bullying. Apanhava todos os dias, tomavam meu lanche, meus cadernos, cuspiam nas minhas costas. Só por volta dos 12 anos que descobri que eu era menina. Sou de uma família David agora quer escrever um livro contando sua historia. Foto: Edinaldo Rufino MEMÓRIA LGBT | 15 ENTREVISTA de quatro irmãos, apenas eu que sou do sexo femi‑ nino. Eu sabia que eu era diferente deles, mas não ti‑ nha consciência do que era. Minha mãe me vestia de menina para ir à escola, quando chegava lá, eu ba‑ gunçava tudo. Aí, ao voltar para casa, apanhava. Na verdade, nunca tive família. Sempre fui sozinho. Eu gosto deles, e ainda busco saber onde errei. Não sou apegado a nada e família faz muita falta. Uma base familiar é importante na vida de todo ser humano! O Grito: O que levou você a transformar seu físico? David: Eu gosto de ser diferente, gosto de chamar a atenção. Vou fazer 45 anos e acredito ter sido um dos primeiros a passar por uma transformação como essa. Fiquei perfeito fisicamente, tomando testosterona, hormônio masculino. O David surgiu também como Dona Detinha acolheu David em sua casa. Foto: Edinaldo Rufino forma de proteção, pois tendo uma imagem masculi‑ na, eu acreditava que assim poderia me defender das agressões da vida, que era um jeito de intimidar. Tenho marca no rosto de soco que levei quando já trabalha‑ va em academia da cidade. Já passei por cirurgia em decorrência de uma surra que levei de seis homens no Rio de Janeiro. Agora a lei ampara o transexual. Quando eu vou a um hospital, por exemplo, e mostro minha identidade, para tudo! Eu sou um sobrevivente. Sou uma história, uma verdade, um mito que ninguém sabe quem é. O que acabou chamando atenção das pessoas foi o caso fatídico que aconteceu. Mas graças a Deus, eu soube sobreviver a tudo isso. Eu fui massa‑ crado, não houve justiça. 16 | MEMÓRIA LGBT O Grito: Como foi sua vida na prisão? David: Na verdade, não fiquei nem no presídio masculino nem no feminino. Fiquei na delegacia de Cidade Ocidental. Na verdade, não tenho nada a reclamar. Nesta delegacia eu fui amparado. Alguém tinha que pagar por esse crime. Passei o tempo na prisão escrevendo e lendo livros. Estudei para ver se encontrava algo que pudesse me tirar daquele lugar. Quando eu mandava meus escritos para a promo‑ tora da época e para o juiz, ficavam admirados com minha letra e escrita. Eu escrevia para não entrar em depressão, para não trilhar o caminho do crime, de aterrorizar as pessoas. Hoje ando de cabeça erguida. É tão fácil você apontar alguém, mas viver o que o outro viveu é muito diferente. Não sou culpado, mas também não sou inocente. Quem nunca errou? Pre‑ senciei muita coisa horrível! O Grito: Por falar nisso, o que você tem a declarar sobre o crime e sua condenação? David: Eu estive no lugar errado e na hora errada. O meu erro foi chegar à delegacia e contar o que vi. Os outros que têm ligação com o caso não assumem. No decorrer de tudo, o juiz da cidade, Dr. André Jucá, foi justo comigo. Eu usei a sabedoria e a paciência para sobreviver. Deixei aquela vida de apresentações para viver no cárcere. O Grito: Como foi a fase que esteve foragido? David: Fiquei no Rio de Janeiro e na Bacia Amazô‑ nica. Trabalhei de pedreiro na draga em um rio tirando areia. Vivi em uma barraca de pau sem parede, sem cama, sem nada e comia banana verde frita com capim santo. Fui picado de escorpião e tomei minha própria urina para me curar de uma virose. Fiz desenhos em al‑ gumas casas, todos gostavam de mim. As pessoas não entendiam porque eu estava naquela situação, até que contei a verdade para todos. Convivi com índios, ensi‑ nei muitas pessoas a escrever, fui espancado por po‑ liciais, além de ter sido queimado com cigarro. Fiquei desfigurado! Nessa jornada forçada, Deus me guiava, pois não teria conseguido sozinho. Depois disso tudo que passei a cadeia não foi tão ruim. O Grito: Enquanto foragido, o caso foi exibido no programa Linha Direta, da TV Globo. Você assistiu na época? David: Assisti sim, mas ninguém sabia que era so‑ bre mim. Teve muita mentira ali. Nunca tive caso com a Dona Graça (viúva da vítima). Ela era apenas minha aluna, nunca recebi dinheiro nem conhecia a vítima. O Grito: O que você acredita que o ajudou a su‑ perar tudo? David: As crianças. Elas são a minha motivação. Sou apaixonado por elas. Eu não vim ao mundo para gerar, mas elas gostam de mim e eu delas. Hoje mes‑ mo levei quatro crianças para a escola, porque o pai não havia chegado do serviço. O Grito: Qual o peso do preconceito em sua vida? David: Hoje já está mais tranquilo, mas já teve um peso muito grande. Sofri muito por parte da família. De pais também que, ao descobrirem quem eu sou, queriam afastar seus filhos de mim. O Grito: Conte um pouco da sua carreira David: Eu sempre gostei de fazer apresentações. E era ousado no palco. Por 12 anos imitei Michael Jack‑ son, de quem sou muito fã. Inclusive, quando houve o escândalo com ele, foi na mesma época em que minha vida tomou outro rumo. Durante oito anos, fui a mulher mais forte do Goiás e do DF e a 4ª do Brasil em 1997. Sempre ensinei crianças e mulheres a se defender. Já ministrei aulas de Karatê, Boxe e Kickbox, além de ter atuado como professor em várias academias. Tenho o Registro Provisionado do CREF (Conselho Regional de O professor tem divulgado sua historia nas redes sociais para conseguir patrocinio e lancar seu livro. Foto: Edinaldo Rufino Educação Física), sem falar que também sou professor de Jump, Step, Ginástica Localizada e Musculação. O Grito: O que tem feito atualmente? David: Atualmente estou afastado das academias. Estou sofrendo de condromalácia patelar, que é o des‑ carte da cartilagem, nos joelhos. Preciso de uma cirur‑ gia. Agora vivo de dar aulas particulares e de trabalhar no meu artesanato. Recentemente, tive uma notícia de que estava com um tumor maligno no útero e que tinha pouco tempo de vida. Cheguei a entrar em depressão, mas tudo passou de um diagnóstico errado de um mé‑ dico irresponsável e homofóbico. Não é maligno e vou me recuperar. Essa questão da doença acabou chaman‑ do a atenção dos meus parentes, o que me assustou. O Grito: Como conheceu Dona Detinha? David: Dona Detinha me contratou para dar aulas de dança para uma apresentação que ela queria fazer em seu aniversário. Sem ela, não teria acontecido nada na minha vida. Eu não teria casa. Ela me viu dormin‑ do em uma academia, numa fase em que eu passava fome. Ela me acolheu e foi contra tudo que falaram sobre mim. Isso já tem seis anos. Também cuido dela. Sou muito grato pelo que tem feito por mim! O Grito: Como surgiu a ideia do livro? David: Desde muito jovem eu venho escrevendo minha história. No tempo do cárcere, escrevi todos os dias. Meu livro é uma bomba! Conto detalhes do que me levou à cadeia, na fase em que estava foragido, da minha infância. Metamorfose de um Transgênero é o nome que tenho em mente para a publicação. O Grito: O que você ainda espera da vida? David: Há anos não tenho um relacionamento, o que sinto falta. Passei por muita coisa. A Fênix, pássaro da mitologia grega, que renasce das cinzas, ficou pequena perto de mim. Gosto de ajudar e transformar coisas e pessoas, acho que por isso que sou artista e profissional da educação física. Sonho ainda em ter uma creche, es‑ pecializar em geriatria e montar uma academia de trei‑ namento funcional. Tenho fé que irei conseguir! Matéria Publicada Originalmente em O Grito do Povo 18‑fev-2014 MEMÓRIA LGBT | 17 MEMÓRIA e RESISTÊNCIA LGBT Considerações acerca do presídio central Edegar Ribeiro Júnior 1 Em 2013, houve, em Porto Ale‑ gre, apresentações de uma peça de teatro intitulada “BR Trans”, apre‑ sentada e dirigida por Silvero Perei‑ ra do Coletivo Artístico “As Traves‑ tidas”. Em uma das passagens da peça, Silvero interpreta uma travesti presidiária e seus medos, seus mo‑ dos, sua identidade e o que pouco é visto no Presídio Central de Porto Alegre: a violência explícita e implí‑ cita contra aqueles que possuem identificação de gênero diverso do convencional. Muito em voga, nos dias de hoje, são os direitos de afir‑ 18 | MEMÓRIA LGBT mação dos homossexuais, traves‑ tis e transexuais. Reivindicam ‑se direitos ao nome, ao casamento igualitário, direito de terem filhos, direitos previdenciários e sucessó‑ rios, de modificar o corpo, em ter‑ mos gerais, direitos que decorrem da autodeterminação de gênero. A par dessas reivindicações, como o próprio Silvero deixa claro, as tra‑ vestis e homossexuais presos recla‑ mam esses direitos e o direito de, enquanto estiverem presos, serem simplesmente respeitados. Nesse sentido, ao que tudo indica, a cria‑ ção de uma ala especial seria uma forma de respeito. Conforme notoriamente divulga‑ do, a situação desse presídio é pre‑ cária, ou seja, é insalubre, populosa e está em desacordo com o que se considera digno, assim, contribuin‑ do ao desrespeito da finalidade da pena, qual seja, de acordo com as teorias modernas, reintegrar aque‑ le que sofreu as consequências de uma sentença penal condenatória de privação da liberdade ou aguarda alguma outra espécie de decisum liberatório. Ante isso, é justificável a os direitos das travestis do l de Porto Alegre preocupação com a presente temá‑ tica, uma vez que, a realidade viven‑ ciada por essas travestis e homos‑ sexuais do Presídio Central de Porto Alegre fere direitos básicos. Por certo que há e a mídia rela‑ ta a violência sofrida pelas traves‑ tis quando ficam encarceradas em presídios masculinos. Muitas são estupradas e agredidas moral e fisi‑ camente. Essa situação, acrescida à criação de uma ala especial para as travestis, homossexuais e seus com‑ panheiros importa ao contexto so‑ cial atual, uma vez que se proliferam políticas públicas, ações afirmativas a grupos socialmente desprivilegia‑ dos aos quais se inserem as travestis. A violência nos/dos presídios é dada pelo próprio encarceramen‑ to, de acordo com o que se expôs acima e o que se pretende inves‑ tigar. A violência cometida contra as travestis é dada pela mesma do encarceramento e pelo desrespei‑ to ao gênero quando são agredi‑ das físicas, sexual e moralmente. Por isso, o mínimo deve ser ense‑ jado, qual seja, a criação de uma ala especial, sob pena de respon‑ sabilização estatal, já que o estado deve responder pela incolumidade física e moral de seus presos. 1 Advogado MEMÓRIA LGBT | 19 MEMÓRIA e RESISTÊNCIA LGBT r o c a e a m a r g Entre o verde da do Arco‑Íris Alex Fernandes Entre o céu azul, o verde da grama e a transparência da água nos vêem representados por um Arco‑Íris. O lo‑ cal de encontro é o Parque Vaca Brava, em Goiânia, um dos postos onde tem ocorrido as reuniões de um amplo grupo de ativistas LGBT da cidade, em pleno domingo de fevereiro. Junto aos agentes de saúde do projeto Phoco (Projeto Horizonte Centro‑Oeste), sentados em cangas coloridas, com preservativos a mostra para quem quiser pegar, discutimos a prevenção das DST´s. O objetivo é problematizar as infecções das DST, HIV/ Aids e Hepatites Virais junto aos Gays, defendendo o uso da liberdade do seu corpo junto ao sexo seguro. O encontro teve como Phoco mostrar a importância do uso do preservativo na relação sexual entre homens que fazem sexo com homens –HSH, Trabalhadores Se‑ xuais Masculinos‑ TSM e por final mostrar que a convi‑ vência com portadores do vírus HIV é mais comum do que unir as cores das bandeiras. Entre assuntos sobre a homofobia convidamos com alegria outras pessoas para participarem. Com isso as discussões vão ficando calorosas. A diversidade da ho‑ mossexualidade dentro do grupo mostra o tanto que o grupo é pluri, de meninos novos a meninas experientes na arte da sedução, vai dando um ar de provocação, de demonstração de resistência entre grupos que existem e precisam do seu espaço respeitado. Exemplo desses questionamentos é “quem matou Kaique?”. O parque Vaca Brava, como muitos luga‑ res em Goiânia, tornaram‑se ponto de encontro para esse grupo, tal qual o Banana Shopping, o Bosque Botafogo, entre outros espaços, mostrando a luta por permanência do nosso grupo em meio a tantos con‑ flitos cria e recria lugares de memória clandestina. 20 | MEMÓRIA LGBT A reunião da galera LGBT intensifica‑se em cores: existe o rosa, o vermelho, o amarelo e o laranja da ONG Grupo Eles por Eles, representando a Associação Goiana de Cidadania e Direitos Humanos. Para ficar aquele colorido de encher os olhos, o roxo, o azul e o verde a ART GAY (Articulação Brasileira de Gays) surge empoderada na defesa dos nossos direitos. Através dessas reuniões outros projetos foram se en‑ caixando. Organizamos cartazes do Dia da Visibilidade Trans* em Goiânia, tendo reunido travestis e transexuais para comemorar o seu dia no centro da cidade, mostran‑ do que el@s existem e querem ser respeitad@s. Outra idéia pensada pelo grupo foi o “Carnaval Folia LGBT”, o primeiro carnaval em Goiânia do gênero, com muita diversão e varias apresentações, sempre lembran‑ do que a diversão começa com a proteção. Realizado no dia 23 de Fevereiro, com entrada franca, com sete DJ´s e banda de axé para deixar o carnaval ainda mais colorido. As idéias são muitas e todas as semanas vão sur‑ gindo novas, outro apoio que estava sendo levado as reuniões é a inscrição do Curso de Formação de Ati‑ vista/ Novas Lideranças #LGBT para o controle Social no SUS das regiões Norte e Centro‑Oeste. A inscrição foi feita no site da Ceperj. Uma leitura colorida para #TODOS. MEMÓRIA e RESISTÊNCIA LGBT Exposição “T: Um Outro Olhar” Felipe Medeiros1 A Gerência de Livre Orientação Sexual – GLOS é um núcleo vinculado a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos da Prefeitura Municipal do Recife, e atua como agente articulador para construção e fortalecimento de políticas públicas voltadas para garantia da cidadania da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT no município do Recife. Igualmente, com vistas em fortalecer e integrar as ações do município às políticas públicas que visem o enfrentamento à homofobia e a promoção de direi‑ tos da população LGBT, nas áreas de direitos huma‑ nos, assistência social, saúde, educação e segurança pública a GLOS desenvolve ações e campanhas na perspectiva da promoção da cidadania e da garantia dos direitos fundamentais dessa população. Assim, a Exposição “T: Um Outro Olhar” integra o Programa ‘Recife Sem Preconceito e Discrimina‑ ção’ concebido pela Gerência de Livre Orientação Sexual para enfrentar a homofobia e combater MEMÓRIA LGBT | 21 MEMÓRIA e RESISTÊNCIA LGBT toda violência e a discriminação contra a popula‑ ção LGBT. OBJETIVO Esta exposição propõe uma reflexão que promo‑ va inclusão social e o respeito à diversidade sexual, trazendo um olhar sensível sobre esta população, que também é criativa e talentosa, desmistificando a ideia de inferioridade. As obras mostram retratos do cotidiano de pessoas transexuais, suas historias de vida, seus sonhos e suas dores, a luta para vencer o preconceito e a discrimina‑ ção social na hora de se inserir no mercado de traba‑ lho e como elas venceram as barreiras. Esse contexto é apresentado em vinte fotos assinadas pelo Fotógrafo Sol Pulquério, sob a curadoria de Claudia Aires. Assessor Técnico da Gerência de Livre Orientação Sexual 1 22 | MEMÓRIA LGBT Coquetel de lançamento da exposição no Museu Murillo la Greca Estação Central do Metrô Recife MEMÓRIA LGBT | 23 MEMÓRIA e RESISTÊNCIA LGBT Violência e preconceito: A homossexualidade nas escolas Cassiano Celestino de Jesus1 Elaine de Jesus Souza2 QUESTÕES INICIAIS A instituição escolar é permeada pela diversidade sexual, que engloba as diferentes formas de viven‑ ciar a sexualidade que não seja o modelo da hete‑ rossexualidade. Dentre as identidades sexuais que perpassam a escola, sobressai‑se a homossexualida‑ de, ainda que de forma camuflada ou estereotipada. Assim sendo, tal identidade precisa ser (re)conhecida e incluída de forma efetiva na escola, seja através de informações sobre os temas que a rodeiam, ou pela desconstrução dos preconceitos que culminam em diversas formas de violências. As concepções que educadores/as possuem acerca dde tal identidade sexual influenciam a (des)constru‑ ção de atitudes preconceituosas e discriminatórias que são manifestadas no ambiente escolar. No entanto, a carência na formação docente de es‑ tudos que engloba as temáticas diversidade sexual, homossexualidade e homofobia faz com que os/as docentes se sintam despreparados para discutir tais assuntos em sala de aula. Tal situação contribui com a omissão desses temas no espaço escolar, acarre‑ tando diversas práticas homofóbicas (agressões físi‑ cas e/ou verbais, exclusões, ameaças, simbólica, entre outros) contra os indivíduos que se declaram contrá‑ rios ao padrão heteronormativo. Assim sendo, o si‑ lenciamento e/ou negação da diversidade sexual na escola contribui para o enaltecimento das manifesta‑ 24 | MEMÓRIA LGBT ções de preconceitos. Neste contexto, os/as educado‑ res/as devem desconstruir atitudes preconceituosas e discriminatórias contra tais indivíduos. A dificuldade de combater o preconceito contra os/ as homossexuais, bem como incluir definitivamente a diversidade sexual na escola acaba levando muitos/ as jovens a abdicarem dos estudos. Assim sendo, este artigo tem por objetivo analisar de que forma é concebida essa expressão sexual na instituição escolar. DIVERSIDADE SEXUAL: A HOMOSSEXUALIDADE NAS ESCOLAS A pluralidade sexual abrange as diversidades prá‑ ticas e expressões da sexualidade que não são regu‑ ladas pelo modelo heterossexual. É perceptível que o ambiente escolar engloba a diversidade de pessoas que fazem parte da sociedade. Indivíduos de diversas culturas e orientações sexuais. No entanto, a diversidade sexual nas escolas é invi‑ sível. Em matéria de sexualidade prevalece o silêncio sobre a diversidade, constitui a relação afetiva sexual entre pessoas de sexo opostos como a única forma de expressão sexual e obrigatória. “Essa exigência normativa tem como efeito a desqualificação de ou‑ tros modos de viver a sexualidade, gerando a prá‑ tica discriminatória” (LIONÇO e DINIZ, 2009, p.11). Prevalece então a desvalorização para toda e qual‑ quer forma contrária a esta ordem social. O tema só Por conseguinte, a heterossexualidade tornou‑se é colocado em pauta quando vem acompanhado de mais do que uma orientação sexual, se constituiu situações de conflitos e tensões. como uma ordem social, e tudo o que não se encaixa Além disso, quando a temática é sexualidade e mais nesse modelo sofre violência homofóbica. Até mes‑ especificamente homossexualidade, a escola ainda mo homens com trajetos femininos e mulheres com oferece certos obstáculos em trajetos masculinos também discuti‑los. Os Parâmetros Curri‑ sofrem com ela. O confronto Em matéria de culares Nacionais (PCN) apresen‑ com as diferenças tem gerado sexualidade prevalece tam poucas menções referentes à um sentimento de estranheza homoafetividade. Eles tendem a a tal ponto de querer exter‑ o silêncio sobre a debater as manifestações sexuais minar este diferente. E o que diversidade, constitui a sob um viés heterossexual. A es‑ sustenta esta discriminação é cola permanece sem contribui‑ relação afetiva sexual uma ideologia de superiori‑ ções apropriadas para lidar com dade (BORRILLO, 2009). entre pessoas de sexo esses assuntos. “[...] a escola, De acordo com Lionço e como instituição e da forma em opostos como a única Diniz (2009), esta discrimi‑ que está organizada, não permite forma de expressão nação pode acarretar danos a aparição desses diversos ele‑ pessoais e sociais para quem sexual e obrigatória. mentos da cultura no interior dos sofre. Desqualificar o outro, muros e tenta uniformizá‑los, ao emitir juízo de valor por ser ignorar, refrear, paralisar as diferenças e os paradoxos diferente, produz desigualdade e prejuízos. É neste aí postos” (SILVA JUNIOR, 2010, p.49). contexto que se insere a educação, uma ferramen‑ Compreender que a homossexualidade é uma ta possível para reprimir os atos discriminatórios e entre as possíveis identidades sexuais, faz‑se rele‑ tornar da escola um espaço de socialização para a vante debater as concepções que a norteiam, sobre‑ diversidade, a fim de concretizar o seu compromisso tudo na instituição escolar, já que é um espaço que com a igualdade. lida com a fabricação dos corpos e das identidades Por isso, é de extrema importância pensar sobre a (SILVA JUNIOR, 2010). qualidade da escola e sua relação com políticas sociais É preciso entender que tal orientação é uma entre que tenham por objetivo fomentar a inclusão de to‑ as outras possíveis formas de expressão da sexuali‑ das as sexualidades. Pois ela influência e/ou determina dade. E o mais importante é sabermos identificar os como alunos/as devem atuar, como eles/as devem se argumentos que orientam em nossa cultura acerca comportar, e se relacionar. (SILVA JUNIOR, 2010). Pois das sexualidades como forma de combater a discri‑ a livre orientação sexual é direito humano fundamen‑ minação e o preconceito que são formados e repro‑ tal para todos os indivíduos, e apenas uma educação duzidos ao longo de nossa história (TORRES, 2010). diferenciada, que respeite as especificidades étnicas, As práticas sexuais foram naturalizadas e utilizadas religiosas, raciais, e a livre orientação sexual é que po‑ para controlar o corpo dos sujeitos restringindo as derá fazer desabrochar em todo menino, sem traumas possibilidades da expressão da diversidade sexual. A ou exageros, o seu lado feminino, e em toda a menina compreensão das outras formas de expressão sexual seu lado masculino (MOTT, 2009). que não seja a heterossexual pode nos levar a ques‑ A omissão e o silêncio exercido sobre os indivíduos tionar e até mesmo recusar essa naturalização. que se expressam contrários à norma e ao padrão esta‑ MEMÓRIA LGBT | 25 MEMÓRIA e RESISTÊNCIA LGBT belecido pela sociedade tido como o único e legítimo, é um tipo de violência a estes indivíduos que devem ser questionadas. Tais sujeitos são obrigados a manterem em segredo sua orientação sexual já que a homosse‑ xualidade é pregada como algo anormal, uma doença e pecado, produzidos pela mídia, e religião. O reconhecimento da discriminação é um problema recente que precisa ser enfrentado pela educação no Brasil. Apresentar as diversidades sexuais não como o outro e estranho (LIONÇO e DINIZ, 2009). Deve‑se trabalhar com os/as estudantes os princí‑ pios da dignidade e igualdade humana, reprimindo os comentários preconceituosos, e conscientizando a respeito das diferenças num ambiente tão diverso em que vivemos. Na atualidade ela é entendida como um dos pre‑ conceitos ainda tolerado. “[...] dizer publicamente não se simpatizar ou mesmo odiar pessoas homos‑ sexuais ainda é algo não só tolerado, como constitui também em uma forma bastante comum de afirma‑ ção e de constituição da heterossexualidade masculi‑ na” (DINIS, 2011, p.41). Assim sendo, se estas normas e estereótipos já acabados e estabelecidos não forem questionados na instituição escolar teremos como resultado: o preconceito, a discriminação e a exclusão. A presen‑ ça de homossexuais ‘assumidos’ na escola produz uma série de conflitos na classe e na instituição. Conflitos esses que vão desde diálogos que tocam a sexualidade, piadas, e até mesmo protestos de outros estudantes acerca de suas atitudes no setor MANIFESTAÇÃO DA HOMOFOBIA NA ESCOLA: diretório (SILVA JUNIOR, 2010). VIOLÊNCIAS E PRECONCEITOS Por isso ainda há muito a ser feito. A homofobia Na escola a homofobia se revela através de agressões prejudica a nossa formação e danifica a constru‑ físicas e verbais aos estudantes que se declaram e se ex‑ ção de uma sociedade democrática e plural (SILVA pressam contrários a heteronormatividade. As práticas JUNIOR, 2010). A homofobia constitui como uma de violência contra alunos (as) gays, lésbicas, bissexuais, ameaça à democracia. Promove a desigualdade. transexuais, e travestis são chamadas no contexto esco‑ Desse modo, a educação tem um papel fundamen‑ lar de bullyinghomofóbico. tal para a propagação do en‑ No entanto, a homofobia tendimento de igualdade, e A intolerância as não se limita apenas a repul‑ promover a cidadania. Ela tem diferenças faz com sa ou o preconceito contra o papel de desmistificar a rea‑ tais sijeitos. Podemos enten‑ que o grupo rejeitado lidade que corrobora com os der a homofobia, assim como não tenha acesso aos preconceitos e violências em as outras formas de precon‑ torno na diversidade sexual, ceito, como uma atitude de seus direitos básicos e, sobretudo da homossexua‑ colocar a outra pessoa, no lidade. e sociais. caso, o homossexual, na con‑ Todas as formas de expres‑ dição de inferioridade, de anormalidade, baseada são da sexualidade não são doenças ou desvios. no domínio da lógica heteronormativa, ou seja, da Neste sentido, não são doenças virais que podem heterossexualidade como padrão, norma. Mas, a ser transmitidas de pessoas para pessoas. Os desco‑ toda a forma de expressão que contraria as nor‑ nhecimentos acerca das orientações sexuais acabam mas sociossexuais já existente. Este tipo de homo‑ contribuindo para a negação ou mesmo conformis‑ fobia é definido como a repulsão a certos indiví‑ mo acerca das práticas de violências que permeiam duos que demonstra certas atitudes consideradas o âmbito escolar, possibilitando o enaltecimento como do gênero oposto (BORRILLO, 2009). dos preconceitos, discriminações e estereótipos per‑ 26 | MEMÓRIA LGBT petrados contra indivíduos com identidades sexuais e de gênero fora do modelo heteronormativo. A intolerância as diferenças faz com que o grupo rejeitado não tenha acesso aos seus direitos bási‑ cos e sociais. Os/as homossexuais são considerados “bizarros” e são entendidos como uma ameaça potencial à coesão cultural e moral da sociedade (Borrillo, 2009, p.29). CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, destaca‑se que essa reflexão não vai no sentido de julgar ou culpabilizar a escola, mas Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe/UFS; Bolsista do programa de iniciação cientifica (PIBIC/CNPq/UFS). Email: [email protected] 1 Mestranda em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergi‑ pe/UFS; Professora de Educação Básica. Email: [email protected] 2 REFERÊNCIAS BORRILLO, D. A homofobia. In: LIONÇO; DINIZ, D (Orgs.). Homo‑ fobia & Educação: um desafio ao silêncio. Brasília: LetrasLivres: EdUnB, 2009, p.15‑46. DINIS, N. F. Homofobia e educação: quando a omissão também é signo de violência. Educar em Revista, Curitiba, v. 39, p. 39‑50. Editora UFPR, jan./abr. 2011. FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico. Diversidade sexual: subsídios para a compreensão e a mudança de atitude. In: FIGUEIRÓ, M. N. D (Org.). Homossexualidade e Educação Sexual: construindo respeito à diversidade. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2007. p. 15‑67. FRY, P; MACRAE, E. O que é Homossexualidade. São Paulo: Brasi‑ liense, 1985. sim de tornar consciente tal problemática e assim pensar e efetivar ações que busquem romper com essa violência, unindo todos os seus atores sociais em torno do combate a homofobia. É necessário combater a homofobia e contribuir com a desconstrução de preconceitos e estereótipos em torno da homossexualidade, compreender que a sexualidade e todos os aspectos a ela relacionados são indicadores de todo um equilíbrio que o organis‑ mo busca. Encarar a viver a sexualidade como uma das coisas mais bonitas da vida exige muita coragem de todos nós. KAMEL, L.; PIMENTA, C. Diversidade sexual nas escolas: o que os profissionais de educação precisam saber. Rio de Janeiro: ABIA, 2008. Disponível em: <http://www.vagnerdealmeida.com/Publi‑ cations/Cartilha_Diversidade_sexual_Escolas.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2011. LIONÇO, Tatiana; DINIS, Debora. Qual a diversidade sexual dos livros didáticos brasileiros? In: LIONÇO, T; DINIS, D (Org.). Homo‑ fobia & Educação: um desafio ao silêncio. Brasília: Letraslivres: Edunb, 2009. p. 09‑14. LIONÇO, Tatiana; DINIS, Debora. Homofobia, silêncio e naturaliza‑ ção: por uma narrativa da diversidade sexual. In: LIONÇO, T; DINIS, D (Org.). Homofobia & Educação: um desafio ao silêncio. Brasília: Letraslivres: Edunb, 2009. p. 47‑61. MOTT, Luiz. O jovem homossexual: noções básicas para profes‑ sores, jovens gays, lésbicas, trangêneros e seus familiares. In: FI‑ GUEIRÓ, M. N. D (Org.) Educação Sexual: Em busca de mudanças. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2009.p. 17‑34. SILVA JÚNIOR, J. A.Rompendo a mordaça: Representações Sociais de Professores e Professoras do Ensino Médio sobre homosse‑ xualidade(Tese de doutorado).São Paulo: Faculdade de Educação daUSP, 2010. TORRES, Marco Antonio. A diversidade sexual na educação e os direitos de cidadania LGBT na escola. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. MEMÓRIA LGBT | 27 CAPA Patrimônio cultural LGBT e potencialidades de mem Tony Willian Boita / Jean Baptista O presente projeto propõe um mapeamento sobre o reconhecimento do patrimônio e da memória LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) em experiências museológicas no Brasil. Justifica-se por dar visibilidade às potencialidades patrimoniais e museológicas desta comunidade a partir do aporte da Mesa Redonda de Santiago do Chile(1972), dos ar‑ tigos 215 e 216 da Constituição Federal (1988), da Declaração de Durban (2001), da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural ( 2002) e das leis esta‑ duais que dispõem sobre a liberdade de orientação se‑ xual de 15 estados ( BA, RJ, RS, DF, MG, SP, MS, PI, PA, PB, AL, MA e PE). Para tal, objetiva identificar e mapear propostas museográficas, registros e tombamentos do patrimônio cultural LGBT, avaliando os processos de in‑ clusão e de ausências presentes em cada processo. Até o momento, o projeto identificou, mapeou e analisou as seguintes ações: a) o Museu da Sexualidade (Salva‑ 28 | MEMÓRIA LGBT dor, Bahia), criado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) em setembro de 2008, primeira instituição de memória do país que abarca o tema da sexualidade; b) o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, festa registrada no livro de celebrações no ano de 2004, onde ao fim da procissão ocorre a festa das Filhas das Chiquita, protagoniza‑ da pelo movimento LGBT do Pará, esse responsável pela articulação necessária de inclusão da Chiquita no Museu do Círio de Nazaré; c) o Museu da Diversidade (SP), onde a memória e a história LGBT configuram-se como protagonistas do espaço; d) as exposições so‑ bre Pierre Verger, em especial a exposição O Brasil de Pierre Verger, onde se percebe a ausência do discurso sobre a orientação sexual do fotógrafo; e) as exposi‑ ções Sim estou vivendo: Registros fotográficos de uma sociedade plural e Do Babado: Registros de uma So‑ ciedade Plural e Homofóbica promovida pelo Museu da Bandeiras (IBRAM-Minc), primeiro museu federal e museus: mapeamento e mórias negligenciadas a contemplar a questão LGBT em suas exposições temporárias; f) o Ponto de Memória LGBT, de Maceió, reconhecido pelo Ibram pelo Programa Pontos de Me‑ mória; g) apresenta-se a potencialidade de reconheci‑ mento de espaços e festas de sociabilidade LGBT na qualidade de patrimônio material, tal qual o Cabaret Casanova (Lapa, RJ), a mais antiga casa noturna do gênero em funcionamento no Brasil, e a Parada Gay de São Paulo; h) por fim o Parque do Flamengo, idealiza‑ do por Lotta ( Lotta Macedo de Moraes / Maria Carlota Costallat de Macedo Soares) , assumidamente lésbica e tombado no livro tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico em julho de 1965, tornando-se o primeiro parque brasileiro a preocupar-se com a qualidade de vida dos frequentadores. Exposição “Brasil de Pierre Verger” - culturadigital.br Museu da Diversidade - http://www.generoseetnias.com.br/noticias/museu/ MEMÓRIA LGBT | 29 CAPA Cabaret Casanova – Lapa, RJ “A casa é um Cabaret com apresentações e shows de transformistas e travestis. É uma das mais antigas da Lapa, ainda em funcionamento. Funciona no mes‑ mo local desde 1939, e sua maior atração é o show da transformista, a Drag-Queen Meine dos Brilhos, que se apresenta no local, no mesmo palco há 33 anos.” (Lapa Criativa) Foto da Foto: http://www.lapacriativa.com.br/es‑ pacosculturais/316 Parque do Flamengo Patrimônio arqueológico, etnográfico e paisagis‑ tico LGBT “O Parque do Flamengo, é um complexo paisagísti‑ co composto por dois parques, o Museu de Arte Mo‑ derna, jardins projetados por Burle Marx, Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra, clubes náu‑ ticos, conjuntos arquitetônicos, playgrounds, trilhas e restaurantes. Ele foi tombado (número do processo 0748-T-64) no livro tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico em julho de 1965 ( IPHAN)” Foto: Instituto Lotta 30 | MEMÓRIA LGBT MEMÓRIAS Minha vida com Marina Reidel Stephanie Borchardt Reidel Um relato de quem desde cedo aprendeu a amar as diferenças. Meu nome é Stephanie Borchardt, sou jornalista, filha, irmã, noiva, e sobrinha de uma transexual. Para muita gente isso pode parecer esquisito, esse fato pertencer a uma definição. Mas como filha, irmã, noiva... ser sobrinha de Marina Reidel tam‑ bém define diretamente quem eu sou, quem fui e quem quero ser. Marina Reidel sempre foi um exemplo, nasceu Mário e cresceu em uma família humilde do interior gaúcho. No decorrer das suas descobertas se viu em um corpo que não era seu e mais do que a dúvida de não saber ao certo quem era também poderia ser acusada e condenada por isso. Como foi. Porém, ao invés de baixar a cabeça, ela, antes ele, ergueu. Formou‑se professor e se tornou meu mes‑ tre. Foi quem ocupou o primeiro degrau na minha escadaria até o jornalismo. Até hoje quando falamos disso, dedico a ela boa parte das minhas conquistas, já que foi quem com muita delicadeza colocou “as letrinhas na minha cabeça” e que desde então nunca me abandonaram. Mas como sempre Marina não se acomodou, estudou e viajou. Lembro‑me como se fosse hoje, com tanto orgulho, do período em que ficou nos Estados Unidos e que voltou com o inglês afiado na ponta da língua. Afinal, para aquela menini‑ nha que sempre adorou as palavras, falar em outro idioma era como se fosse um “super‑poder”, que me encantou desde sempre. Depois cursou artes e tornou‑se a primeira pessoa a concluir um curso superior na família. Não pense que foi fácil, era árduo. O dinheiro era curto, o pai aposentado e mãe sem renda. Uma uni‑ versidade longe de casa, dois trabalhos ao mesmo tempo e precisando diariamente fingir não ouvir os comentários que vinham das ruas. Marina Reidel Foto: Juliana Moscofian / Arquivo Pessoal MEMÓRIA LGBT | 31 MEMÓRIAS Afinal, as pessoas podem ser bondosas e suas amigas, mas as línguas são afiadas sempre. Fico imaginando a dor que tudo isso gerou além de todo o medo. Medo não apenas pela violência a si mes‑ mo, mas de algo que pudesse constranger seus pais já idosos. Afinal, nem as crianças eram perdoadas e nós também éramos apontados na rua por fazer‑ mos parte da família. Porém, desde sempre meus pais apoiaram suas escolhas, assim como nós. Não nos importava se Mário era Marina, se Marina poderia cantarolar a canção de Renato Russo “e eu gosto de meninas e meninos”, ou só de meninos ou só de meninas. Isso tanto faz hoje, como ontem e amanhã! Marina era amada, era sensível, amiga e justa. Marina era batalhadora, sensata e amável. Marina sendo Mário ou não, era minha madrinha. Alguém em quem eu confiava independente de precisar colocar um “A” ou “O” no final ou início do seu nome. Isso nun‑ ca foi importante para mim como para ninguém da nossa família. E como uma criança muito bem “mal criada”, sempre tive resposta na ponta da língua para quem questionasse esse parentesco e dizia: “Sou sobrinha sim... tenho orgulho e quero conhecer o mundo como meu tio. Também vou estudar como ele faz, enquanto você fica fofocando e falando dos outros!”. Dito e feito! Estudei, formei e viajei. Durante esse meu percurso em que eu me modificava, Marina saía do casulo. Deixava o corpo de Mário e virava Marina durante um recesso que pediu ainda no período leti‑ vo. Linda, bela e cheia de vida, ela voltou para escola e foi aceita de braços abertos por aqueles que para ela mais importavam, seus alunos. Mas mesmo com a mudança não perdeu aquele sorriso, aquela força, aquilo que herdara de sua trajetória. Marina não quis apenas mudar o seu mundo, mas quis mudar o mun‑ do de muitas, quis modificar as dificuldades de tantos jovens. Por isso, batalhou e tornou‑se exemplo. 32 | MEMÓRIA LGBT Recentemente formou mestra pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com a pesquisa “A Pedagogia do Salto Alto”, Marina discutiu e des‑ mistificou a Transexualidade e a Travestilidade, os conceitos de gênero na escola e fora dela, além de experiências de outras professoras que como ela se modificaram e, hoje trans, trabalham com a temática da educação. As experiências e histórias dessas mulheres ba‑ talhadoras são dignas de orgulho, ainda mais nes‑ te mês dedicado à mulher. Elas que mesmo não nascendo mulheres, mostraram ter a força que só vive dentro das verdadeiras mulheres. Sinto orgu‑ lho disso tudo, todos os dias que me deparo com uma reportagem na TV, jornal, revista ou internet, tanto da Marina quanto de outras guerreiras que auxiliam na criação de uma juventude mais com‑ pleta e coerente. Sinto isso o tempo todo, por saber que Marina virou uma estrela ilustre na cidade que tanto a apontava. Mas, muito mais do que isso, sinto um orgulho imenso por saber que ela esteve sempre ali. Que modificou minha vida, que me fez enxergar aquilo que era diferente a mim com normalidade. Afinal, todos os dias vemos pessoas, cores, cheiros e tantas outras coisas diferentes. Não é pelo dife‑ rente que temos estranhamento, é por aquilo que não podemos modificar. Aprendi que não preciso mudar o outro para respeitá‑lo, aprendi que na vida tem coisas que não temos escolhas, faz parte de nós e que quem nos ama nos ama por completo por aquilo que en‑ tendem e pelo que ainda não compreendem. Mas acima de tudo, aprendi a olhar o outro sem pre‑ conceitos, aprendi que naquele lá há uma Marina, mesmo que menor que seja, querendo abrir as suas asas e conquistar o mundo, pedacinho por peda‑ cinho. Por isso, hoje digo, meu nome é Stephanie Borchardt, jornalista, filha, irmã, noiva, e sobrinha de uma transexual. PATRIMÔNIO IMATERIAL LGBT O BAILE DAS CHIQUITAS: Conflitos e Negociações de um Patrimônio LGBT Jaddson Luiz “Entre tantas celebrações ligadas ao Círio e à Festa de Nazaré existem algumas que não são organizadas pela diretoria da festa. Entre elas destaca-se a chamada festa das filhas da Chiquita, repudiada pela diretoria da festa e pelas autoridades eclesiásticas.” (Dossiê IPHAN I Círio de Nazaré) Foto: evnamoura.blogspot.com O Círio de Nossa Senhora de Nazaré ocorre em Belém do Pará, na segunda semana de outubro, especificamente no segundo domingo. Mas tam‑ bém possui várias comemorações que o antecede. Destacamos entre as atividades que o envolve: 1) a Passeata dos Motoqueiros que acompanham a imagem de Nossa Senhora de Nazaré até o mu‑ nicípio de Icoaraci; 2) o Círio Fluvial, quando a imagem retorna de Icoaraci à cidade Belém e 3) a trasladação que ocorre no sábado e tem como característica a transportação da imagem da santa do Colégio Gentil à Igreja da Sé. É neste momento que observamos a existência da festa sobre a qual esta análise se debruça. MEMÓRIA LGBT | 33 PATRIMÔNIO IMATERIAL LGBT Quando a imagem na trasladação – atividade que ocorre na virada de sexta‑feira para o sábado – pas‑ sa pela Praça da República, local onde se encontra o Teatro da Paz, inicia‑se a festa mais antiga no ter‑ ritório brasileiro que homenageia o público LGBT. Na manhã de domingo, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré é obrigado a conviver com os resquícios do que fora abandonado pelos participantes do Baile das Chiquitas. Para o desenvolvimento deste trabalho, observare‑ mos a seguir considerações sobre patrimônio cultural. Destarte, o patrimônio cultural, sendo conside‑ rado por determinado conjunto social como sua cultura própria, que sustenta sua identidade e o diferencia de outros grupos, não abarca apenas os monumentos históricos, como foi por bastan‑ te tempo considerado, mas também o desenho urbanístico e outros bens físicos, e a experiência vivida condensada em linguagens, conhecimentos, tradições imateriais, modos de usar os bens e os espaços físicos (Canclini, 1990, p. 99). Tendo como ponto de partida a afirmação aci‑ ma, o principal objetivo deste artigo vem a ser o de apresentar a existência do Baile das Chiquitas. Este, ligado a um dos mais antigos patrimônios imateriais do Brasil, O Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Por este caminho que escolhi traçar, serão também abordados os conceitos de Sincretismo e Patrimônio Imaterial com o intuito de apresentar as mudanças, o antagonismo e a convergência presentes entre o Baile das Chiquitas e o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. HISTÓRICO DO MOVIMENTO O Baile das Chiquitas na época de sua gêne‑ se, em 1978, não passava de um simples bloco de carnaval que contava com a participação de alguns intelectuais, jornalistas e artistas paraen‑ ses, ou seja, personagens da cidade de Belém os quais podemos classificar, poeticamente, como os frequentadores das “vigílias etílicas” promovidas 34 | MEMÓRIA LGBT pelo Bar do Parque, local onde até hoje ocorre esta manifestação cultural. Resumindo, este evento co‑ meçou como um encontro de amigos cheios de irreverência e aparentemente sem discriminação, mas que na atualidade galgou dimensões bastan‑ te expressivas. Com o passar do tempo, como é de se esperar em qualquer manifestação cultural, a festa não conse‑ guiu permanecer imutável. Tal fato para uns pode representar o declínio de toda a “magia” contida no evento. Porém, para outros pode representar a “ascensão” do Baile das Chiquitas devido à mega produção do evento e o grande número de partici‑ pantes. Fato que pode ser associado ao pensamento desenvolvido por Sant’Anna: Não podendo ser fundada em seus conceitos de permanência e autenticidade. Os bens culturais de natureza imaterial são dotados de uma dinâmica de desenvolvimento e transformação que não cabe nesses, sendo mais importante, nesses casos, regis‑ tro e documentação do que intervenção, restaura‑ ção e conservação (Sant’Anna, 2009, p. 55). No início o evento mantinha um caráter cordial en‑ tre os participantes e toda a concentração da festa acontecia ao lado do Bar do Parque em frente ao Teatro da Paz. Todavia, a festa das Chiquitas, a cada ano que passa, aumenta expressivamente o número de participantes e estes passaram a ocupar todas as áreas da Praça da República. Mesmo com as acusações daqueles que defen‑ dendo uma suposta pureza pretérita e não concor‑ dam com algumas mudanças que ocorreram com o decorrer do tempo, O Baile das Chiquitas ainda mantêm muitas de suas atrações principais, sendo uma delas o prêmio O Veado de Ouro que é dado à personalidade paraense que mais se dedicou du‑ rante todo o ano corrente a luta pelos direitos dos homossexuais, como pode ser observado: Já o ápice da noite, o prêmio Veado de Ouro, en‑ tregue aos que mais se dedicam na comunidade du‑ rante o ano por sua contribuição contra a homofo‑ bia, é o que atrai o público. ‘Este ano o escolhido foi Adilson Oliveira, que está defendendo uma disser‑ tação sobre discriminação de professores homosse‑ xuais nas faculdades’ [...] (O Liberal; 2007 p.4) Contudo, embora esta manifestação cultural tenha sido batizada com um nome bem sugestivo, o que po‑ deria restringir os participantes somente a comunida‑ de LGBT, vários são os representantes da sociedade belenense que frequentam o evento. mo. Esse pensamento é fundamentado pelo trecho bíblico a seguir: Com homem não te deitarás como se fosse mu‑ lher; é abominação e se também um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticaram coisa abominável; serão mor‑ tos; o seu sangue cairá sobre eles. (BÍBLIA; Levítico 18:22, Levítico 20:13) De fato, o que não se pode é cair no erro de acre‑ ditar que um festejo com tamanha grandiosidade AMOR E ÓDIO: O EMBATE ENTRE O BAILE E A IGREJA como é o caso do Círio de Nazaré, não irá apresentar O animador oficial da festa é Eloy Iglesias, que junções de várias culturas mesmo que antagônicas. aparece no documentário ‘As Filhas da Chiquita’. Os que torcem o nariz para tanta tolerância terão mes‑ Numa das cenas, o artista conta que a festa convi‑ mo é que se acostumar porque a festa da Chiquita atrai ve em harmonia com o fes‑ mais gente a cada ano. Ela tejo religioso. Atribui a con‑ Por parte das hierarquias consta no calendário oficial tradição da parada gay e o dos festejos do Círio de Na‑ católicas, há uma Círio ao monopólio que a zaré, reconhecido pelo mi‑ relutância em aceitar igreja tenta impor. Mas diz nistério da cultura, que [...] que a participação popular tombou a festa como patri‑ a ligação da festa é um fenômeno incontro‑ mônio imemorial do povo considerada profana com lável. ‘o Círio de Nazaré já brasileiro. E desde 2004, faz parte da cultura paraen‑ a festa religiosa da qual é reconhecida como Patri‑ se. Extrapola a fronteira mônio Cultural do Brasil. (O os católicos paraenses religiosa. Durante o Círio, Liberal; 2007 p. 4) em todos os municípios do Esta junção que por tanto se “envaidecem”. Pará existem homenagens agora compreenderemos exclusivamente religiosas, cada uma com sua pe‑ como sincretismo cultural, diferente do que o nome culiaridade. A festa sempre teve o lado profano. (O pode deixar parecer, não ocorre de forma harmônica Liberal; 2007 p. 4) como em um sincronismo, mas sim de uma forma Por parte das hierarquias católicas, há uma relu‑ sofrível, movida por um jogo irtercultural que prevê tância em aceitar a ligação da festa considerada perdas e ganhos, trocas e negociações. Para que se profana com a festa religiosa da qual os católicos possa compreender a dimensão que ronda o que paraenses tanto se “envaidecem”. Para tanto, por aqui entendemos como sincretismo, afirmamos que: ser uma vertente do pensamento judaico‑cristão, [...] sincretismo como termo‑chave para a compreen‑ o catolicismo assim como o cristianismo como um são da transformação que está se dando naquele pro‑ todo, condena as práticas homossexuais. Assim sen‑ cesso de globalização/localização que envolve, trans‑ do, negam a legitimidade do Baile. forma e arrasta os modos tradicionais de produção O argumento por parte da Igreja é o de que as de cultura, consumo, comunicação. Essa palavra não práticas homossexuais são biblicamente conside‑ somente abre portas à compreensão de um contexto radas pecado, portanto, condenadas pelo catolicis‑ feito de arrancadas e confusas mutações, mas também MEMÓRIA LGBT | 35 PATRIMÔNIO IMATERIAL LGBT pode permitir direcionar esta crescente desordem co‑ municativa ao longo de correntes criativas, descentra‑ das, abertas (CANEVACCI, 1996, p. 4). Para que se possa perceber o sincretismo no Círio de Nossa Senhora de Nazaré, não precisamos re‑ correr a livros ou a comentários de terceiros. Basta apenas que os curiosos que queiram conhecer um pouco mais sobre o que ocorre nas entranhas des‑ te evento acompanhem todas as atividades que envolvem esta festa religiosa. Serão visíveis, para este neófito, as várias manifestações religiosas antagônicas ao catolicismo e que coadunam com Para a tristeza dos clérigos católicos, o Círio de Nazaré já transcendeu as pequenas paredes da instituição da qual outrora se originou. Círio, abrem espaço para uma nova realidade social que não é mais tal igual à realidade social da qual se originou. Esta ocorrência permite a inserção das mais variadas e contraditórias relações culturais, quando este fato é colocado em pauta, abrem‑se também as dimensões de estudos que rondam as duas ma‑ nifestações, ampliando as discussões com relação ao Patrimônio. Seja ele Patrimônio Material, Imaterial, Cultural, Global, entre outros. Em segundo lugar, não podemos esquecer sobre as questões que tangem os registros de ambos os movimentos culturais. Em suma, ao concluir este tra‑ balho, podemos afirmar que apesar de todo o caráter espontâneo que é inerente a um Patrimônio Imaterial nos dias de hoje, graças às iniciativas de alguns ór‑ gãos patrimoniais se tem feito muito para que haja um registro desses patrimônios, para que estes em alguns casos, não deixem de existir sem que se co‑ nheça algo sobre eles. o Círio, sem que ocorra repressão direta. Para a tristeza dos clérigos católicos, o Círio de Nazaré já transcendeu as pequenas paredes da instituição da qual outrora se originou. REFERÊNCIAS CONSIDERAÇÕES FINAIS As discussões que rondam a relação entre O Baile das Chiquitas e o Círio de Nazaré acabam por nos guiar a duas questões básicas. Apontamos aqui, em primeiro lugar, o fato de que se devem considerar as manifestações populares. As mesmas, ao entrarem em conflito com as tradições hegemônicas da institui‑ ção religiosa da qual podemos atribuir a patente do CANEVACCI, Massimo. Uma exploração das hibridações culturais. São Paulo: Studio Nobel, 1996. CANCLINI, Néstor Garcia. O patrimônio cultural e a construção imaginária nacional. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 23. Rio de Janeiro, 1990. Vianna, L. Dinâmica e preservação das culturas populares: experiên‑ cias de políticas no Brasil. Revista Tempo Brasileiro, 2001. SANT’ANNA, Márcia. A face imaterial do patrimônio cultural: os novos instrumentos de reconhecimentos e valorização. In: ABREU, Regina e CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio deJaneiro: DP&A, 2003. p.46‑55. 36 | MEMÓRIA LGBT PATRIMÔNIO MATERIAL LGBT Já parou para pensar que a sua boate pode ser tombada? Victor Urresti Vamos citar a história do Cine Ideal! Uma boate que (infelizmente) recentemente fechou suas por‑ tas (#todaschoram) e que tem uma longa história por trás do seu nome, do seu espaço e do próprio termo pelo qual era intitulado: “Templo da House Music” O atual Cine Ideal está localizado à Rua da Ca‑ rioca, no centro do Rio de Janeiro, ao lado da Praça Tiradentes, onde outrora foi a praça dos cinemas e teatros. Os poucos que restaram são contemporâ‑ neos ao passo dos cinemas da rua do Cine Ideal. O Cine Ideal, já foi conhecido como Cinematographo Ideal, inaugurado em 1908. Prédio tombado junto a um conjunto arquitetônico que engloba a Rua da Ca‑ rioca, do número 02 ao 87 (o nosso cine é o número 60‑62). Possui uma linda cúpula que nos seus tempos áureos de cinema se abria no verão. MEMÓRIA LGBT | 37 PATRIMÔNIO IMATERIAL LGBT Bom, ao pensar no “templo da house music”, título da boate, devemos olhar sua fachada para entender isso. É uma fachada eclética com pilas‑ tras nas janelas, arcos plenos ladeando, frontões, cornijas e um toque art nouveau fechando a de‑ coração. Na verdade, nunca tinha parado para ligar o "1+1" que os idealizadores fizeram, de repente não sou o único, porque o badalo lá é certo! Em dias de festa, quem vai olhar a arquitetura? O mais interessante de tudo isso é a ocupação da comunidade LGBT nestes espaços, a festa durou anos, onze para ser exato. Ora! Um espaço que po‑ deria muito bem estar à quem apenas tendo vistoria do patrimônio uma vez na vida e outra na morte, es‑ tava em uso. Ainda tinha funcionalidade e não tinha uma bee se quer que não tenha ouvido falar do Cine Ideal ou se jogado nas suas pistas open bar. 38 | MEMÓRIA LGBT INTERNACIONAL Sala de cinema Urdaneta: um espaço de identidade gay José Alirio Peña Zerpa – Tradução: Mario Di Lorenzo 1 As salas de cinema pornô como espaços fixos moldados pela personalidade e referencias culturais do usuário, fazendo deles lugares que permitem o bem O cinema pornô é companheiro do cinema comercial; ‑estar e sossego mental. Agora, se traduzimos essa clandestino, ou não, representa uma produção parale‑ descrição àquelas salas de cinema pornô ou outras que la ao cinema oficial. Provavelmente alguns produtos existiram durante várias décadas em algumas cidades identificados como Made in USA tenham sido elabora‑ da America Latina, frequentadas, em sua maioria, pelo dos na America Latina, porém o vestígio da nação que público gay. Não faltará aquele que, categoricamente, o produziu se perdeu pelo mesmo adotar um título em comente sobre estes lugares como espaços que não inglês para a sua distribuição. Evidentemente, antes do proporcionaram valor algum à sociedade. boom da internet, a distribuição deste cinema se limi‑ Na Cidade do México o “Cine Teresa”, inaugurado no tava a salas de cinema pornô. Estas salas foram muito dia 8 de junho de 1942, começou a exibir cinema pornô populares nos anos 80 e algumas tem permanecido em 1994 para se recuperar de sua forte baixa econômi‑ até o século XXI. “Cine Teresa”, no México e o “Teatro ca. Em 2010 foi reformado e em 2011 foi reinaugurado. Urdaneta”, em Caracas, são exemplos de salas de ci‑ Hoje em dia forma parte da Cinemateca Nacional e não nema pornô fechadas, reformadas e reinauguradas por mais exibe filmes pornôs (Espinoza, 2013). Atualmente, organismos governamentais para a exibição de cinema segundo dados da Câmera Nacional da Indústria Cine‑ oficial iberoamericano e estrangeiro. matográfica (El Universal Tv, 2010) consultados em Gar‑ Ontiveros (1995) retomava as ideias de Hall (1973) cía (2013) existem menos de 20 salas de cinema pornô sobre os espaços de características fixas que estão de um total de 2400 em todo o México. O “Cine Urdaneta” nasceu no dia 14 de junho de 1951 com o filme “¡Ay amor, cómo me has puesto!” protagonizado por Tin Tan. Seu nome é em homenagem ao sobrenome do seu primeiro dono (Carlos Urdaneta Carrillo) e formou parte do conjunto de cinemas po‑ pulares criado nos anos 50, em Caracas. Nos anos 70 já havia imposto a classificação D. “Las insaciables del sexo” (As insaciáveis do sexo), “Morenas Ardientes” (Morenas Ardentes), “Azafatas del Placer (Aeromoças do prazer), “Dulce cálida Lisa” (Doce quente Lisa), “Remolino de Pasiones”, (Moinhos de Paixões) “Pastel para el amor” (Torta para o amor), “Noches de Pasión” MEMÓRIA LGBT | 39 INTERNACIONAL (Noites de Paixão), Girl Fever” foram alguns dos títulos que foram exibidos nesse lugar. Se lermos as salas de cinema pornô como espaços fixos onde os usuários gays são livres de protagonizar seus próprios filmes pornôs nos banheiros ou poltronas, então, estamos assumindo, em primeiro lugar, o dife‑ rencialismo e em segundo lugar, o rapport entre esses espaços fixos e seus usuários. Com diferencialismo se faz referencia àquela postura de um conjunto de sujei‑ tos individuais e coletivos que não seguem os mesmos direitos do que comumente foi denominado de socieda‑ de heteronormativa. A diferença das associações LGBTI (lesbianas, gays, bissexuais, identidades trans e interse‑ xuais) não almeja o matrimonio civil igualitário nem a constituição de famílias homoparentais. Para eles a vida sexual ativa é valida com varias pessoas. Os conceitos de monogamia e fidelidade não se correspondem ao fato de casar para toda a vida com uma única pessoa. Suprimem a palavra promiscuidade por considerá‑la estigmatizante. A postura diferencialista é descrita por Vélez (2008) contrapondo‑a a assimilacionista liderada, em sua maioria, pelos coletivos LGBTI. Isso que chama‑ mos de “sexodiversidade” de fato reúne as posturas assimilacionistas e diferencialistas. Rapport entre a sala de Cinema Urdaneta e seus usuários gays Caracteriza‑se por: a. A relação com o mobiliário/ objetos: “Sentei e apliquei a mesma da vez anterior… Aventuro‑me 40 | MEMÓRIA LGBT às primeiras fileiras para ver o que vou encontrar… Tempos depois se senta um moreno lindo…” (Cara‑ cas Mensex CCS MS/ celebroso, 2009). b. A experiência espacial que refere a distancia ín‑ tima, ou longínqua, que o individuo cria em relação a outro(s): “Tempinho depois sentou um do meu lado e me punhetou, daí em diante foram se revezando para me dar umas boas chupadas... Não deixa de me parecer engraçado que é parecido como uma loja de doces, alguns provam os paus como balas de carame‑ lo...” (Caracas Mensex CCS MS/ perrobravo, 2009). c. Cada detalhe do local é reconhecido e viven‑ ciado, o qual permite assegurar a continuidade do grupo: “Um cheiro de sexo e fumo de cigarro impreg‑ nam toda a sala. A luz é escassa e só umas pequenas lâmpadas vermelhas na parede e os letreiros de não fumar iluminam todo o espaço” (Caracas Mensex CCS MS/ Mamón, 2008). “Bom, vejo que já descobri‑ ram que o domingo é o dia no Urdaneta...” (Caracas Mensex CCSMS/ Carlos, 2009). Cinema Urdaneta: um lugar antropológico e um não lugar Se nos remetermos aos anos de existência do ci‑ nema Urdaneta (1970‑2012) como sala de cinema pornô poderia distingui‑lo como: a. Um espaço de identidade que tinha sentido de unidade para seus usuários gays: “O que caralho ocorre aqui? Se aqui não deixam chupar, ficaremos todas loucas e este cinema arruína‑se... É claro que o cinema inteiro aplaudiu...” (Caracas Mensex CCS MS/ videólogo, 2007). b. Um espaço relacional onde se desenvolveu uma linguagem gestual e corporal bem particular que di‑ namizou formas de fazer, agir, reunir‑se: “De repen‑ te fez um movimento... o sacudiu assim como quem oferece algo a um cachorro... fez‑me um sinal com a cabeça...” (Caracas Mensex CCS MS/ bryan, 2012). c. Um espaço histórico por quanto podiam sentir fal‑ ta de tempos passados como melhores: “Ainda lembro o dia que fui pela primeira vez, em comparação com o dia de hoje, tinha muito mais gente...” (Caracas Men‑ sex CCS MS/ Alfasirius, 2008). “...frequentava o cine‑ ma há 15 a 20 anos, era muito diferente... que lem‑ branças tão bonitas e saber que não voltaram mais...” (Caracas Mensex CCS MS/ carlos luis, 2009). As características anteriores correspondem aos luga‑ res antropológicos descritos por Augé (1993). Mas, a sala de cinema Urdaneta na sua etapa de censura D também reuniu as condições de área efêmera e de lu‑ gar de passo vinculado ao anonimato, para alguns de seus usuários: “... Necessitava escolher o trabalhador, açougueiro, vigilante, motorizado, ou o que fosse para lhe dar porra...” (Caracas Mensex CCS MS/ Campero, 2010). “Deixei atrás o cinema adulto... que na verdade é um hotel onde alguns vão para manter seções de sexo expresso” (Caracas Mensex CCS MS/ Mamón, 2008). Neste sentido, se trata de um não lugar. E o não lugar e o lugar antropológico não são opostos, são um jogo continuo e confuso entre a identidade e a relação, onde emerge a apropriação social. Estudante de doutorado em Artes e Cultura para a América Latina e o Caribe (UPEL). Magister Scientiarum em Comunicação. Menção Honro‑ sa (UCV, 2013). Ele estudou na Escola de Cinema e Televisão Caracas (ESCINETV, 2009‑2011). Especialista em Gestão Profissional Empresa‑ rial (Preston University, 2003). Locutor 34.217 (UCV, 2002). Industrió‑ logo, Cum Laude (UCAB, 2000). Presidente da Venezuela LGBTI Film Festival‑ FESTDIVQ. Membro da Rede Latino‑Americana de Audiovisual Narrativas (RedInav) e Rede de Pesquisa em Cinema Latino‑Americano (RICILA). Autor dos livros "Arco‑íris Tricolor. Estereótipos de gays no fil‑ me venezuelano (1970‑1999) "(2013) e" Rainbow Tricolor. Venezuela Sexodiversas Audiovisual Productions (1982‑2012) "(2013). 1 Referencias 1. Augé, M. (1993). Los no lugares. Espacios del anonimato. Una antropo‑ logía de la sobremodernidad (1era. Edición). Barcelona: Gedisa 2. Caracas Mensex CCS MS/ Alfasirius (2008, julio 31). Cine Urdaneta, datos actuales Julio 2008… [Discusión en línea]. Disponible: http://www. network54.com/Forum/202926/message/1217547012/CINE+URDANE‑ TA,+datos+actuales+Julio+2008... [Consulta: 2013, noviembre 2013] 3. Caracas Mensex CCS MS/ bryan (2012, noviembre 16). Aah el Urda‑ neta [Discusión en línea]. Disponible: http://www.network54.com/Fo‑ rum/202926/message/1353073568/aah+el+Urdaneta [Consulta: 2013, noviembre 2013] 4. Caracas Mensex CCS MS/ Campero (2010, julio 22). El morbo y los ce‑ los fueron al Urdaneta un día… [Discusión en línea]. Disponible: http:// www.network54.com/Forum/202926/message/1294120069/TITULO ‑+EL+MORBO+Y+LOS+CELOS+FUERON+AL++URDANETA++UN+D IA..... [Consulta: 2013, noviembre 2013] 5. Caracas Mensex CCS MS/ Carlos (2009, febrero 3). Más puntos al Ur‑ daneta… [Discusión en línea]. Disponible: http://www.network54.com/ Forum/202926/message/1233710725/m%E1s+puntos+al+Urdaneta... [Consulta: 2013, noviembre 2013] 6. Caracas Mensex CCS MS/ carlos luis (2009, enero 8). Una crítica constructiva al Urdaneta [Discusión en línea]. Disponible: http://www. network54.com/Forum/202926/message/1231389364/una+critica+‑ construtiva+al+Urdaneta [Consulta: 2013, noviembre 2013] 7. Caracas Mensex CCS MS/ celebroso (2009, febrero 2). Domingo en Ur‑ daneta‑ Chester [Discusión en línea]. Disponible: http://www.network54. com/Forum/202926/message/1233677269/...y+tambien+el+sabado [Consulta: 2013, noviembre 2013] 8. Caracas Mensex CCS MS/ Mamón (2008, diciembre 20). Sexo ex‑ press en cine Urdaneta [Discusión en línea]. Disponible: http://www. network54.com/Forum/202926/message/1229824536/SEXO+EXPRES‑ S+EN+CINE+URDANETA [Consulta: 2013, noviembre 2013] 9. Caracas Mensex CCS MS/ perrobravo (2009, febrero 3). … y también el sábado [Discusión en línea]. Disponible: http://www.network54.com/ Forum/202926/message/1233631158/Domingo+en+Urdaneta‑Chester [Consulta: 2013, noviembre 2013] 10. Caracas Mensex CCS MS/ videólogo (2007, agosto 8). La Rebelión de las Locas [Discusión en línea]. Disponible: http://www.network54.com/ Forum/202926/message/1186590485/La+Rebeli%F3n+de+las+Locas [Consulta: 2013, noviembre 2013] 11. El Universal Tv (2010). Cines porno, la función está en las butacas [Video en línea]. Disponible: http://www.youtube.com/watch?v=8xW‑ vEa0gumw [Consulta: 2014, enero 18] 12. Espinoza, L. (2013). La seducción del Cine Teresa [Documento en línea]. 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Barcelona: Edi‑ ciones de Intervención Cultural MEMÓRIA LGBT | 41 TURISMO LGBT Turismo Gay‑Friendly e lucros de 2014 O que se entende como Turismo Gay são as prá‑ ticas de viagens, destinos e equipamentos que re‑ cebem o público LGBT (Lésbicas, Gays Bissexuais e Transexuais/transgêneros) em toda sua diversi‑ dade. O segmento de mercado, no turismo, conhe‑ cido com Gay‑Friendly1 é responsável pelo aten‑ dimento do público LGBT. São estabelecimentos que não são necessariamente espaços exclusivos desse público, são atrativos e equipamentos que atendem todos os clientes do mercado, mas são sensíveis as causas LGB e, portanto, compromis‑ sados ao atendimento respeitoso e de qualidade à classe. Eles são o “S” da antiga sigla (GLS), os simpatizantes da causa. (SILVA, 2009; NASCIMEN‑ TO; SANCHES, 2009). 42 | MEMÓRIA LGBT Hagá Galvão É uma tendência que ganhou força após a visibili‑ dade causada pelos avanços dos direitos dos homos‑ sexuais na sociedade, após a segunda metade XX e está em grande expansão (NASCIMENTO; SANCHES, 2009). A consciência do trade turístico não vem apenas pela solidariedade ou pela consciência dos direitos das minorias, ele vem associado a grandes movimentações financeiras que interessam ao mer‑ cado. Segundo pesquisa divulgada pelo World Tra‑ vel Market, os gastos do segmento LGBT em 2014 superarão os USD$ 200 bilhões de dólares. Os empolgantes números internacionais do Pink Money2 (NASCIMENTO; SANCHES, 2009) – como é chamado os lucros proveniente do segmento – cha‑ ma atenção dos investidores e empresários brasilei‑ $ $ $ ros que hoje configuram o segundo maior mercado mundial para o turis‑ mo LGBT (WORLD TRAVEL MARKET, 2013). Já se encontra no mercado brasileiro destinos que empu‑ nham a bandeira LGBT no turismo, com articulações governamentais e associação de empresários, como em Recife, Florianópolis, São Paulo, Rio de Janei‑ ro, Minas Gerais, Bahia e Paraná. Na cidade de São Paulo a Parada da Diversidade é o segundo evento que mais arrecada, estando apenas atrás da Formu‑ la 1. Outro fato relevante é que 83% dos turistas homossexuais estão nas classes socioeconômicas A e B (AZEVEDO et al., 2012), apresentando portan‑ to alto poder aquisitivo, característica de um públi‑ co exigente, que requer tratamento especializado. (AZEVEDO et al., 2012). Existem equipamentos que ostentam o selo de Gay‑Friendly através de associações de classe, como o Recife Convention and Visitors Bureau, agên‑ cia não governamental que promove e atrai eventos e movimenta o setor turístico na capital pernambu‑ cana. Essa entidade tem uma lista dos equipamentos que estão aptos ao atendimento do público LGBT e fazem parte de um guia especializado para a classe. Estes equipamentos também recebem um selo metá‑ lico que fica exposto ao público para que seja divul‑ gada a proposta da empresa. É um mercado em franca expansão que gera lucros para empresário e pode garantir um atendimento livre de discriminação. A maior barreira para a ex‑ pansão da tendência é o preconceito e a falta de es‑ pecialização. Esse ainda é o maior problema desse ni‑ cho de mercado, a falta de especialização (AZEVEDO et al., 2012; WORLD TRAVEL MARKET, 2013). Falta entendimento dos dirigentes de empresas entende‑ rem que ingressar no mercado com Gay‑Friendly não transforma seu equipamento em gueto homossexual. $ $ $ $ É ‘apenas’ atestar que o equipa‑ mento está disposto e apto a rece‑ ber o público homossexual sem agredi‑los. A visibilidade e a transformação do mercado, como já dito, vem junto com o avanço nas conquis‑ tas dos direitos da classe LGBT, que traz os benefícios humanitários do respeito, e como posto, benefícios à economia. Amigável com os Gays Dinheiro Rosa (Tradução Livre) 1 2 Referencias AZEVEDO, Maurício Sanitá et al. Segmentação no setor Turístico: O turista LGBT de são paulo. Revista de Aministração da UFSM, Santa Maria, v. 3, n. 5, p.493‑506, 11 ago. 2012. Bimestral. Disponível em: <http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs‑2.2.2/index.php/reaufsm/ article/view/3852>. Acesso em: 17 fev. 2014. NASCIMENTO, Márcio Alessandro Neman do; SANCHES, Thiago Cardassi. Existem consumidores de turismo LGBT na região norte do Paraná? Quem são e o que consomem? Revista de Psico‑ logia da UNESP, São José do Rio Preto, v. 2, n. 8, p.76‑87, 2009. Disponível em: <http://www2.assis.unesp.br/revpsi‑ co/index.php/revista/ article/viewFile/136/166>. Acesso em: 15 fev. 2014. SILVA, Flavio Bezerra da. Turismo e Sexualidade na Metrópo‑ le: O Caso de São Paulo. In: SEMINÁRIO DE PÓS‑GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA DA UNESP RIO CLARO, 9, 2009. Rio Claro: Flamarion Dutra Alves, 2009. p. 704 – 716. Disponível em: < https://sites.google.com/site/ seminarioposgeo/anais >. Acesso em: 16 fev. 2014. WORLD TRAVEL MARKET (London). LGBT Tourism Breaks Through USD$200 Billion in Annual Spending. 2013. Disponível em: <http://www.WORLD TRAVEL MARKET .com / page.cfm/Action=press/libID=1/libEntryID=2343>. Acesso em: 11 fev. 2014. Herivaldo Galvão é turismólogos pela Universidade Federal de Pernambuco, especialista em turismo cultural e planejamen‑ to. Dedica‑se desde 2009 a pesquisa em museus. – gal‑ [email protected] $ MEMÓRIA LGBT | 43 $ A próxima edição da Terá como tema: Dia Internacional de Combate a Homofobia (17 de Maio) + Dia Internacional dos Museus (18 de maio) = Combate a homofobia, lesbofobia e transfobia em museus e espaços de memória Foi descriminad@ em um Museu ou espaço de memória? #envieseurelato Visitou alguma exposição que abordasse a memória LGBT? #enviesuacontribuição Envie também, depoimentos, artigos, contos, histórias, fotos e o que mais quiser! Envie sua contribuição até 25 de Abril [email protected]