Issn 0102-0382 • ano 119 • Nº 357 • jan/fev/mar • 2011
rio de ,
janeiro
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6
há 44
Revista do Clube Naval • 357
1
Nesta edição:
TI - Tecnologia da
informação •
Pág 38 • Um ensaio
sobre a participação dos
Oficiais da Marinha no
desenvolvimento técnico
da informática em
todo o Brasil • Antônio
Tângari Filho
4 editorial
6 EM PAUTA
• Notas sobre acontecimentos no CN.
8 charitas
bastidores do 44º mundial de optmist
• Renato Botelho e Susan Collingwood.
12 atualidade
as “mídias sociais e a democarcia”:
da grécia antiga ao moderno mundo árabe
• Fernando Malburg da Silveira.
as“mídias sociais
e a democracia”:
da grécia antiga
ao moderno
mundo árabe •
Pág 12 • A trajetória
evolutiva da democracia
no mundo e como o
conceito de “mídias
sociais” conseguiu,
através da informática,
influenciar grandes
grupos, principalmente
de jovens, que vivem em
sociedades de regime
fechado • Fernando
Malburg da Silveira
16 guerra das malvinas
o afundamento do hms sheffield
• Contra-Almirante (REF)
Carlos Frederico Vasconcellos da Silva.
21 defesa
livro branco de defesa nacional
• Marcílio Boavista da Cunha.
26 defesa
a estratégia de defesa e o pré-sal
• Capitão-de-Mar-e-Guerra-EN/REF
Antonio Didier Vianna.
30 atividades navais
combate à pirataria marítima e
ao terrorismo: um novo campo de atuação
para as operações especiais navais?
• Capitão-de-Mar-e-Guerra Carlos Eduardo Horta Arentz.
38 ensaio
ti - tecnologia da informação.
uma síntese da participação dos oficiais
da marinha na formação da sua base
técnica no brasil
• Antônio Tângari Filho.
o afundamento do
hms sheffield •
Pág 16 • A primeira
vez na história que uma
aeronave lançou um
míssil Exocet AM-39 foi
justamente contra esse
Destróier inglês, durante
a Guerra das Malvinas •
Contra-Almirante (REF)
Carlos Frederico
Vasconcellos da Silva
52 navios da mb
ndcc almirante saboia 2 anos de incorporação à marinha do brasil
• Capitão-de-Corveta Wagner Goulart de Souza.
54 saúde
tabagismo. desafio difícil de ser vencido
• Maj-Brig Méd Ricardo L. de G. Germano.
56 viagens
chile. os belíssimos contrastes
do deserto do atacama
• Capitão-Tenente Rosa Nair Medeiros
62 crônica
Sonhar com o almirantado. por que não?
• Capitão-de-Mar-e-Guerra (CD)
Leonor Amélia de Mello Barros da Cunha Reetz.
chile.
os belíssimos
contrastes do
deserto do
atacama • Pág 56
• Mais uma de nossas
viagens, dessa vez pela
exótica beleza de um
deserto com gêiseres,
vulcões e lagos de sal •
Capitão-Tenente Rosa
Nair Medeiros
64 marinhagens
saga amazônica. o Retorno de josé
• Contra-Almirante Domingos Castello Branco.
67 OS militarES
não peçam aos militares que se neguem a lutar
• Eurico de Andrade Neves Borba
74 última página
2
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Adeus à Luciana
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3
•••
Prezado Sócio
Clube Naval
Av. Rio Branco, 180 • 5º andar
Centro • Rio de Janeiro • RJ
Brasil • 20040-003
Tel.: (21) 2112-2425
Neste número, como de costume, publicamos eventos sobre a vida
social e outros artigos enviados nos moldes tradicionais da RCN ou seja,
em ciência, tecnologia, ciências políticas, relações internacionais etc.
Nessa linha, sem desmerecer os demais assuntos, destacamos a publicação
da matéria “Tecnologia da informação” a cerca da participação dos
Oficiais de Marinha no desenvolvimento da informática no Brasil, motivo
de interesse de inúmeros de nossos leitores que nessa atividade conviveram
e, também, espelhou o envaidecimento de nossa Classe em ter contribuído
para o desenvolvimento do tema em nosso País.
Presidente
V Alte Ricardo Antonio da Veiga Cabral
Diretor do Departamento Cultural
V Alte José Eduardo Pimentel de Oliveira
•••
Também publicamos, a propósito do trimestre que se encerra, o artigo
“Os Militares”, que ressalta o justo reconhecimento que a classe militar
representou e continua a representar na vida da Nação brasileira.
Editoria
VAlte José Eduardo Pimentel de Oliveira
CMG Adão Chagas de Rezende
Jornalista Responsável
Mais uma vez, portanto, esperamos esta continuidade para o
melhor proveito dos nosso leitores.
Antônio de Oliveira Pereira
(DRT-MT. Reg. 15.712)
Direção de Arte e Diagramação
A Editoria
AG Rio - Comunicação Corporativa
[email protected]
(21) 2569-9651
Produção
José Carlos Medeiros
Atendimento Comercial
Tel.: (21) 2262-1873
[email protected]
•••
As informações e opiniões emitidas em
entrevistas, matérias assinadas e cartas
publicadas são de exclusiva responsabilidade
de seus autores. Não exprimem,
necessariamente, informações, opiniões
ou pontos de vista oficiais da Marinha do
Brasil, nem do Clube Naval, a menos que
explicitamente declarado.
A transcrição ou reprodução de matérias aqui
publicadas, em todo ou em parte, necessita
da autorização prévia da Revista do Clube Naval.
•••
Os artigos enviados estão sujeitos a cortes
e modificações em sua forma, obedecendo
a critérios de nosso estilo editorial.
Também estão sujeitos às correções
gramaticais, feitas pelo revisor da revista.
As fotos enviadas através de e-mail devem
medir o mínimo de 15cm, em jpg ou tif,
com 300dpi.
•••
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Almoço de entrega de placas • Foram entregues aos representantes
das lojas situadas na Sede Social, placas comemorativas do Centenário da Sede Social.
Na foto, a partir da esquerda, o Comandante José Joaquim Pires,1º Secretário do Clube Naval, a SenhoraValéria Silva dos Santos,
Vendedora da Loja Girassol, o Vice-Almirante Ricardo Antônio da Veiga Cabral, Presidente do Clube Naval, a Senhora Tereza Corsão,
proprietária do Restaurante ‘O Navegador’, a Senhora Josette Maria Macedo, administradora do Restaurante ‘BistrôVillarino’, o Senhor
Walter Cabral, proprietário do Salão Walter’s Coiffeur e o Comandante Mario Marcio Simões Huguet, Diretor Social do Clube Naval.
eventos e
comemorações
na sede social
VISITA À DIRETORIA DE CONTAS
DA MARINHA (DCOM) • No dia 14 de fevereiro, o
Presidente do Clube Naval,Vice-Almirante Ricardo Antônio da Veiga Cabral, visitou a Diretoria de Contas da
Marinha (DCOM) a convite do seu Diretor, o Contra-Almirante (IM) Francisco José de Araújo, que ocupa também o cargo de Diretor Financeiro do Clube Naval.
Na foto, o Almirante Francisco e o Almirante Veiga
Cabral, logo após a Cerimônia de recepção ao Presidente do Clube.
Doação de Livros ao Clube Naval • No dia 28
de Fevereiro de 2011, o Alte Veiga Cabral recebeu a doação do
livro “Poluição Marinha: Uma Questão de Competência. Aspectos da Lei nº. 9.966, de 28/04/2000”,
ofertado pelo Comte Valdir Andrade
Santos, na foto, acompanhado pelo
Comte Fernando Moraes Baptista,
Presidente do Conselho Diretor, e
Comte Helio Augusto de Souza,
Assessor Jurídico. A obra ficará
disponível para consulta e
empréstimos, na biblioteca
do Clube.
Almoço em homenagem ao
Alte Corrêa Guimarães • No dia
25 de Março de 2011, o Presidente do Clube
Naval,Vice-Almirante Ricardo Antônio da
Veiga Cabral, ofereceu um almoço ao
Almirante-de-Esquadra (FN) Marco Antônio
Corrêa Guimarães, Comandante Geral do
Corpo de Fuzileiros Navais, em homenagem
à sua promoção e em agradecimento pelos
relevantes serviços prestados ao Clube Naval,
como 1º Vice-Presidente.
Na foto, a partir da esquerda, os Almirantes Corrêa Guimarães, Veiga Cabral e o ViceAlmirante (FN) Carlos Alfredo Vicente Leitão,
Comandante do Pessoal de Fuzileiros Navais e
atual 1º Vice-Presidente do Clube Naval.
Quadro ADSUMUS • O quadro foi doado
ao acervo do Clube Naval pelo autor, Comandante (FN) Hiron. Retrata, em arte digitalizada e infografada, o “Memorial dos Fuzileiros Navais Mortos
em Combate”, desde 1808, quando aqui chegaram, trazidos por seus irmãos Marinheiros. O
Memorial está erguido no pátio do Batalhão Naval, na Ilha das Cobras.
O Quadro ADSUMUS foi premiado pelo júri
do XV Salão de Belas Artes Plásticas do Bicentenário do CFN, em 2008, com Menção Honrosa e
no 31º Salão Marinha do Brasil, em 2009, com o
prêmio Grande Medalha de Bronze.
Na foto, a partir da esquerda, o Almirante
Veiga Cabral, Presidente do Clube, o Comandante Hiron e o Almirante Leitão, 1º Vice-Presidente
do Clube Naval.
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eventos e
comemorações
na sede social
charitas
BASTIDORES DO
44º MUNDIAL
DE OPTMIST
Renato Botelho
Susan Collingwood
Foto: Fred Hoffman
S
O 44º Campeonato Mundial de Optimist foi sediado no Clube Naval Charitas (CNC),
entre 5 e 14 de agosto de 2009 e se constituiu num dos maiores eventos náuticos da história
de Niterói. Foi considerado bem organizado pelos participantes, entidades envolvidas e
espectadores. Este objetivo alcançado foi fruto de intenso trabalho de bastidores, que não
é aparente para os que avaliam apenas os resultados obtidos.
o Mundial ocorreria em agosto de 2009, dois meses antes de o Comitê
Olímpico Internacional eleger a nossa capital do Estado como cidadesede para 2016. Era, deste modo, grande a responsabilidade do Clube
Naval e do seu Departamento Náutico- o nosso Charitas.
Alguns desafios se mostraram de maior complexidade, tais como:
alojamento para 300 pessoas de 47 países diferentes, mobilização de
220 embarcações iguais para os competidores, embarcações de apoio,
alimentação com três refeições diárias para todos os participantes,
segurança, saúde, atendimento médico, proteção ao meio ambiente,
adequação do tráfego marítimo para evitar contratempos para os
velejadores, programação de atividades sociais que proporcionassem
entretenimento e bom relacionamento entre os participantes etc.
Foi também definido que o campeonato deveria ocorrer sem causar transtorno às atividades normais do Clube e aos associados.
Foi elaborado um planejamento detalhado com todas as atividades, durações e datas de conclusão requeridas, usando-se o software
Project. Esse planejamento foi elemento fundamental de controle
e ajuste das ações a serem tomadas.
ediar o Mundial de 2009 foi consequência do sucesso
anterior do Sul-Americano de Optimist que ocorrera no
CNC em abril de 2007. A International Optimist Dinghy
Association (IODA), entidade internacional que controla
os campeonatos dessa classe, ficou bem impressionada e
aceitou a candidatura do Charitas, apresentada na Itália
no segundo semestre de 2007, concorrendo com dois
outros países. A eleição, propriamente dita, se deu na Turquia no
ano seguinte, na Assembleia Geral da IODA, composta pelos países
participantes do Mundial de 2008 que se realizava naquele país, em
votação presenciada pelos representantes do CNC.
A partir da aprovação do CNC como sede do Mundial de 2009,
foram tomadas as primeiras iniciativas de preparação do Clube para
atender aos requisitos da IODA. Essa preparação seria objeto de vistorias periódicas por aquela entidade. Havia uma possibilidade, não
muito perceptível, de que o campeonato poderia vir a ser também um
teste da capacidade de organização brasileira de um grande certame
náutico, que de algum modo poderia ter influência na escolha da
cidade do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016, visto que
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O aspecto financeiro se mostrou, como sempre, um desafio para
que fossem atendidos os limites orçamentários definidos. As fontes
de recursos seriam o módico pagamento de US$ 500 por participante, o pagamento do aluguel dos Optimists pelos participantes para
treinamento antes do início do campeonato, pagamento ao CNC de
comissão da empresa locadora das embarcações, patrocínios por
empresas que tradicionalmente apoiam esses eventos (Petrobras,
Universidade Salgado de Oliveira, Prezunic) e uma verba conseguida
junto ao governo estadual. Posteriormente, o governo estadual, por
intermédio da Secretaria de Esportes, não conseguiu atender seu
compromisso e o Clube Naval teve de assumir esse encargo poucas
semanas antes do início do evento.
O atendimento aos requisitos de alojamento era crítico. Embora
o hotel do Clube pudesse alojar alguns participantes, as acomodações eram insuficientes para a sua totalidade. A experiência do
Sul-Americano mostrava a viabilidade do uso de contêineres como
alojamento para vagas adicionais. O custo do aluguel seria, porém,
excessivamente alto e fora dos orçamentos predefinidos. Surgiu
então uma oportunidade: a Marinha do Brasil havia recebido da
extinta Cia. de Navegação Lloyd Brasileiro, uma década antes, o
Navio Mercante Atlântico Sul, já desativado. Ele foi leiloado por
não ter mais utilidade para a Armada e comprado pela Norsul. Esta
empresa resolveu acolher a nossa solicitação e ceder para o Charitas
70 contêineres obsoletos, mantidos nos porões de carga do navio,
mas os custos para removê-los e transportá-los seriam grandes.
Foram então estabelecidos contatos com a Brasteiner, que opera no
mercado de aluguel de contêineres transformados, e ficou acertado
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que essa empresa removeria os contêineres do navio, sem custos
para a Norsul ou para o Charitas, faria as adaptações necessárias,
proveria o transporte e instalaria as novas “suítes” no campus do
Clube. Nessa ocasião, o custo de cada contêiner, pela sua obsolescência, se equiparava ao custo dos serviços acima (adaptação, transporte
e instalação) – e isso permitiu que esses serviços fossem ressarcidos
com a entrega da maioria dos contêineres para a Brasteiner.
Foi uma operação complexa e bem-sucedida, que atendeu aos
interesses de todos os envolvidos. No Clube, os 70 contêineres foram
dispostos como se fossem uma vila olímpica de dois andares, com
passarelas inferior e superior. Tinham forração interna e dispunham
de camas, armários, pia, chuveiro, sanitário, ar-condicionado, sistema de combate a incêndio, o que exigiu a construção de instalações
especiais relacionadas com água, esgoto e energia elétrica, esta fornecida através de um grupo motor-gerador, alugado para a ocasião.
Tudo isso, inspecionado e aprovado pelo Corpo de Bombeiros.
A principal cobertura jornalística do campeonato foi proporcionada pelo canal de TV ESPN Brasil, com um programa semanal que
divulgava as notícias em reportagens especiais. Também a empresa
Ponte S.A. disponibilizou gratuitamente por duas semanas os painéis
da ponte Rio-Niterói, dando destaque a esse grande acontecimento
náutico da nossa cidade.
A contratação de árbitros nacionais e internacionais de renome,
assim como de reconhecidos craques da vela nacional, para atuar
nas diversas comissões, foi importante para o padrão de qualidade da
parte operacional do campeonato – considerado elevado pelos atletas,
técnicos e dirigentes participantes, nas suas várias declarações.
9
o Rio de Janeiro. O Grupamento Aeromarítimo
(GAM) da Polícia Militar mobilizou um inflável
com guardas armados que patrulharam as águas
da enseada de Jurujuba diuturnamente. O Corpo
de Fuzileiros Navais disponibilizou um pelotão
para segurança não ostensiva, cujos soldados
permaneceram descaracterizados no interior
do Clube durante todo o evento. Seguranças
femininas contratadas realizaram o controle do
acesso aos alojamentos femininos. Foi instalado
um sistema de informações e monitoramento
de imagens, com câmeras e sensores, visando
ampliar as informações necessárias tanto à
segurança quanto ao acompanhamento das
regatas, já que o sistema possui câmeras com
alcance de até 1,5 km.
Tivemos desse modo garantia de condições
adequadas de segurança que permitiram – também nesse aspecto – que o evento transcorresse
sem nenhuma anormalidade.
Um desafio diário foi o lançamento à água,
praticamente simultâneo, de mais de 200
embarcações em tempo compatível com os
anseios dos participantes. Foram contratados
marinheiros adicionais e destacado um funcionário da náutica do CNC como responsável
pelas operações. Conseguimos a performance de
lançamento de todas as embarcações no prazo
de 15 minutos!
Para atender aos requisitos de alimentação,
foram instaladas mesas no salão principal do
Clube e servidas 1.800 refeições por dia. Antes
disso, foram efetuadas reformas na cozinha,
adquiridos materiais e equipamentos apropriados, contratados nutricionistas e garçons. Esse
serviço, inicialmente complexo, foi prestado sem reclamações dos
usuários e sem a ocorrência de distúrbios alimentares. Apenas um
participante teve alimentação especial, por ser sensível à ingestão
de glúten.
Durante a noite, após o jantar, foram programadas festas e
atividades sociais que permitiram a alegria e o congraçamento dos
participantes do evento.
Como resultado de toda essa preparação, o CNC recebeu uma
carta de elogios da IODA. Como a IODA tem representante na International Sailing Federation (ISAF) que por sua vez tem assento
no Comitê Olímpico Internacional (COI), parece justo dizer que o
sucesso do evento contribuiu com uma imagem positiva do Brasil
junto ao COI, órgão que viria a eleger o Rio de Janeiro como cidadesede da Olimpíada de 2016. Um fato recente pode corroborar essa
assertiva: o Clube Naval Charitas foi honrado em fevereiro de 2011
com um diploma do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), assinado
pelo seu presidente, Carlos Arthur Nuzman, pelo qual aquele Comitê
agradece ao nosso Clube “o apoio para o crescimento do esporte e
desenvolvimento do Movimento Olímpico Brasileiro”.
Ao terminar este registro histórico, faz-se necessário ressaltar
que o atendimento aos requisitos de um evento de tamanha envergadura deveu-se ao trabalho árduo e abnegado de uma equipe dedicada
e competente que buscou honrar as tradições do Clube Naval e do
seu Departamento Náutico, escrevendo uma página inesquecível
para os que dele participaram.
Foto: Fred Hoffman
A mobilização das 220 embarcações da classe Optimist de um
mesmo fabricante foi também complexa. Os prazos teriam de ser
cumpridos e o custo teria de ser compatível com as expectativas dos
participantes. Logo no início, tentou-se uma solução no mercado
nacional, que traria o benefício de ser geradora de emprego de
mão de obra especializada e carente no nosso país. Infelizmente,
essa alternativa mostrou-se inviável e partiu-se para a contratação
de uma empresa argentina, experiente neste tipo de eventos e que
havia fornecido os Optimists para o Sul-Americano no CNC. Os
pagamentos a essa empresa foram feitos diretamente pelos participantes, com repasse ao Charitas, pela locadora, de uma comissão
pelo uso dos barcos durante o evento.
As embarcações de apoio, tipo inflável com motor de popa, seriam inicialmente alugadas. Posteriormente, foi vislumbrada a possibilidade de mobilização desse tipo de embarcação junto ao Corpo
de Fuzileiros Navais, Exército e Força de Submarinos. Desse modo,
o atendimento se mostrou adequado e sem custos adicionais.
O controle do tráfego marítimo era outro aspecto importante
a se considerar para que não ocorressem transtornos durante as
competições. Isso envolvia principalmente o fluxo de catamarãs
da empresa Barcas S/A, que fazem a linha Praça XV-Charitas. Esse
encargo foi repassado à Capitania dos Portos do Rio de Janeiro, responsável pela segurança marítima na Baía de Guanabara, que tomou
as providências necessárias, posicionando, inclusive, lanchas suas
pela proa dos catamarãs, servindo de guias quando estes cruzavam
as raias demarcadas para a competição.
O fato de o idioma oficial do campeonato ser o inglês demandou
cuidado especial na seleção do pessoal para trabalhar no evento, bem
como na preparação do material de divulgação e orientação aos estrangeiros, aqui incluídas as placas de sinalização espalhadas pelo Clube.
Foi elaborado um plano de SMS (segurança individual, meio
ambiente e saúde), com o sentido de garantir que a competição
ocorresse sem riscos para os participantes e sem agressões ao meio
ambiente, além de proporcionar condições adequadas a uma boa
disposição física e mental dos competidores.
Dentro dos conceitos atuais de convivência do ser humano com
o meio ambiente, o lema escolhido para o campeonato foi a Geração
da Energia Limpa (Clean Energy Generation).
10
Foto: Fred Hoffman
Para apoiar as delegações com relação a passaporte e emigração,
a Delegacia da Polícia Federal em Niterói instalou um posto de
atendimento no CNC.
O Posto Médico do Clube funcionou a contento
e foi chefiada voluntariamente por um associado
nosso, Médico da Reserva da Marinha, que ficou
responsável pela preparação do Posto e pelos atendimentos que fossem necessários. Foi mobilizada
também uma ambulância, fornecida pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, que
permaneceu nas dependências do Clube 24 horas
por dia durante todo o evento, sem custos para o
CNC e, felizmente, sem ter sido usada. Fez-se uma
parceria com o Hospital das Clínicas de Niterói,
que assumiu as responsabilidades de Hospital de
Base para casos de emergência.
Como curiosidade, ocorreu infestação de
piolhos, de origem desconhecida, nos contêineres
de duas equipes. O problema foi prontamente
resolvido com a compra de xampu específico,
distribuição a todas as equipes e orientação
quanto ao seu uso. A compra foi de tal monta que,
praticamente, se esgotaram os estoques desse
produto nas farmácias de Niterói!
Uma participante, por sinal a campeã feminina
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da competição, caiu do beliche e quebrou um dente. Foi imediatamente levada a um dentista e no mesmo dia o dano foi reparado.
Como vemos, nenhuma ocorrência médica grave teve lugar
durante o campeonato.
Uma preocupação adicional quanto à saúde decorreu da
alarmante questão da gripe suína, cuja epidemia naqueles dias
ameaçava grassar pelo país: a orientação das autoridades sanitárias foi fundamental para que se tomassem medidas preventivas
e não houvesse no Clube qualquer registro de caso da doença
relacionado ao evento.
A cerimônia de abertura representou um momento especial,
quando foram hasteadas as bandeiras dos países participantes sob
os acordes do Hino Nacional Brasileiro, sucedendo ao desfile aberto
pela Banda do CIAGA, em que atletas e dirigentes das 47 delegações
levaram pelos caminhos do Charitas os seus pavilhões nacionais ao
som do “Cisne Branco”.
Os aspectos de segurança do patrimônio e das pessoas foram
objeto de atenção especial. Não poderíamos nos permitir o risco de
ocorrências que viessem a prejudicar o campeonato e a imagem do
país como futura sede da Olimpíada. Foram mantidos contatos com
a Guarda Municipal da Prefeitura de Niterói que mobilizou uma
viatura 24 horas por dia, durante todo o evento, nas proximidades do
CNC. A Polícia Militar mobilizou efetivo que patrulhava a área entre
a estação do catamarã e o Charitas, tendo em vista o elevado número
de acompanhantes de atletas que atravessavam a baía para conhecer
Revista do Clube Naval • 357
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atualidade
As“mídias sociais”
e a democracia:
Nas fotos: de Platão a Kaddafi
da Grécia antiga ao
moderno mundo árabe
democracia como sendo o governo do povo, pelo povo e para o povo
(frequentemente desrespeitada, como se constata no mundo atual).
A filosofia grega, mormente sob Platão, tornou-se um meio de alcançar um projeto político capaz de servir à sociedade, neutralizando os
interesses de grupos e as opiniões apaixonadas que, desprovidas de
fundamento sólido, se opunham ao real conhecimento. Procurava-se
uma aristocracia do poder, sob a convicção de que, emanando dos
grandes pensadores, as ideias dariam fruto às melhores soluções de
governo para o cidadão comum. Para isso, Platão e seus seguidores,
no pequeno contexto geográfico e social das polis (Atenas, Esparta,
Tebas, Micenas e muitas outras), usavam fartamente a discussão
política, o debate sobre o contraditório (opinião versus verdade,
desejo versus razão, interesse particular versus interesse coletivo,
senso comum versus senso filosófico etc.), fazendo máximo uso das
poderosas armas do diálogo e da dialética.
Disseminar esses pensamentos, ideias, debates e suas conclusões
por toda a Grécia era, decerto, tarefa difícil, limitada que estava aos
deslocamentos dos mestres e seus discípulos, com os parcos meios
de locomoção da época, para as cidades mais próximas. Nessas polis
mais populosas incentivava-se a concentração popular nas praças
públicas, cenários de memoráveis debates que, muitas das vezes,
consagravam deliberações coletivas que se tornavam regra para
toda a comunidade citadina e as das imediações, propagando-se
pelo Estado grego. A isso se deu o nome de democracia direta, isto
é, aquela praticada diretamente pelo povo presente às reuniões
públicas. Esses aglomerados populares, ou assembleias, eram a
mídia social da época: diminuta, limitadamente informada e restrita à discussão do pensamento de alguns poucos cidadãos mais
ilustrados, cuja divulgação mostrava-se precária e lenta mas, ainda
assim, eficaz para nortear o comportamento da sociedade.
Aristóteles foi um dos primeiros a perceber que, com o crescimento das polis e o aumento de sua população, tornavam-se pouco
viáveis as reuniões e deliberações em praças públicas, pois eram
parcos e raros os meios de reunir as pessoas e disseminar ideias para
uma real prática democrática abrangente. Aristóteles aventou que
a politeia, que seria expressa por representantes eleitos pelo povo
Fernando Malburg da Silveira
E
A democracia ateniense e seus meios de divulgação às massas
m artigo publicado nesta revista sob o título Os fundamentos da democracia ateniense e uma comparação com
algumas posturas políticas contemporâneas (RCN, nº 345,
jan./fev./mar. 2008), o autor procurou expor a forma pela
qual o povo grego, seis séculos antes de Cristo, buscava
organizar e consolidar os princípios que norteariam o
comportamento ético e político das pessoas, e muito
especialmente o dos cidadãos das polis (as cidades gregas, onde se
destacava Atenas, hospedeira do pensamento dos principais filósofos
gregos). Desde então era percebida pelos mais intelectualizados a
necessidade de moldar e parametrizar o convívio social das pessoas
na coletividade, todavia sem deixar de considerar seus direitos e
sua maneira de ver e pensar o mundo, desde que respeitando o
bem comum, entendido como a vontade da maioria (na verdade,
da “maioria pensante”).
Dessa busca pelo bem comum resultou o sistema que então
ficou conhecido como democracia (palavra que vem do grego
demos – povo – e kratos – autoridade). Tal sistema reconhecia a
vontade popular predominante, mas colocava acima dela a figura
emblemática do governante, incumbido de que fazer com que essa
vontade fosse realizada sob o domínio da ordem e sempre visando
ao bem comum.
Esse sistema levou alguns séculos para se consolidar. A partir da
mitologia nascida das tradições culturais e do pensamento mítico
dos magos e sacerdotes, passando pela escola filosófica fundamental
de Tales de Mileto (século VI a.C.) e seus muitos discípulos, depois
por Pitágoras (530 a.C.), chegando a Sócrates (470-399 a.C.), cujo
pensamento clássico fertilizou a análise conceitual e a epistemologia de seu discípulo Platão (428-347 a.C.), a Grécia desenvolveu
e legou para a posteridade, até os dias de hoje, teorias filosóficas,
fundamentos éticos e comportamentos políticos que, passados 25 séculos, permanecem vivos, gerando a moderna consagração do termo
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Revista do Clube Naval • 357
para em seu nome decidir, era a solução mais adequada ao conceito
de República e de Estado politicamente organizado. Surgiu então a
democracia representativa, aceita por aqueles povos como forma
mais justa e adequada de governo, admitindo-se que os representantes eleitos eram pessoas de notório saber e voltadas para o bem
comum (conceito que, infelizmente, foi bastante vilipendiado com o
passar dos tempos...). Ainda assim, a discussão das ideias permanecia
limitada a uma pequena parcela da sociedade; e as deliberações eram
de fato feitas por uns poucos cidadãos reunidos nas assembleias
(parlamentos) da elite pensante, teoricamente representativas da
vontade comum. A divulgação para toda a comunidade, porém,
continuava lenta e pouco eficiente.
As mudanças
O passar dos tempos imprimiu muitas mudanças ao modo
político de pensar das sociedades. Nem sempre a opção foi pela
democracia nas formas acima descritas. Regimes absolutistas,
estabelecidos no modelo monárquico ou sob o totalitarismo das
revoluções ideológicas, fizeram-se presentes (e ainda sobrevivem)
em muitos países da era moderna. Estão nesse caso, por exemplo,
as monarquias europeias absolutistas da fase pré-parlamentarista;
as atuais monarquias de muitos países do mundo árabe; os governos
marxistas nascidos dos ideais da Revolução Russa (poucos ainda
existem); os governos populistas autoritários que se estabelecem
pelo voto em alguns países de sociedades menos intelectualizadas
(a América Latina é prenhe de exemplos); e outros. No seio dessas
formas autoritárias de governo tiveram surgimento, em épocas
recentes – mormente em países latino-americanos onde a esquerda
fortemente ideologizada asssumiu o poder –, algumas interpretações
distorcidas da democracia, como é o caso da utilização de plebiscitos
a título de expressar e adotar a vontade popular – reedição deturpada
da democracia direta ateniense, que tende a neutralizar a representatividade do Congresso substituindo-a por deliberações de massas
populares politicamente pouco preparadas e fortemente influenciadas pelo discurso e pela propaganda do poder dominante.
A mudança mais atual e dramática, porém, é a que se está
Revista do Clube Naval • 357
presenciando em regimes monárquicos, e em alguns presidencialistas, do mundo árabe, como decorrência dos acontecimentos
na Tunísia, no Egito, no Iêmen, no Bahrein, no Irã e em outros
países, onde parcelas da população – especialmente seus grupos
mais jovens – parecem ter despertado de anos de torpor e, sob
algum estímulo que vem sendo considerado como uma aspiração
democrática, estão indo para as ruas e praças públicas clamar por
mudanças e por maior liberdade político-social. Iniciados na Tunísia,
esses movimentos – já considerados revolucionários – tiveram um
rápido alastramento, como se um pavio fosse queimando e fazendo
explodir sucessivas manifestações populares em múltiplos lugares
do mundo árabe, do Norte da África até o Oriente Médio, motivando
severas repressões governamentais.
O papel das mídias sociais parece ser, nesses casos e em vários
outros em potencial, o agente comburente dessas combustões, que
poderão vir a resultar na instalação de outros regimes. Poderá surgir
algo parecido, mas não necessariamente igual, às democracias do
mundo ocidental – nem sempre adaptáveis às culturas nacionais
daquelas sociedades; ou poderão resultar sérias instabilidades naquelas regiões petrolíferas, com consequências importantes para
o mundo ocidental. Além disso, no mundo presente essas mídias
influenciam o cenário com altíssima velocidade, fazendo uso da rede
digital mundial de computadores em tempo real.
As mídias sociais
O conceito de mídias sociais (social medias) precede a era da
internet e das atuais ferramentas tecnológicas de integração de
massas, ainda que o termo não fosse então utilizado. Trata-se da
produção de textos/vídeo/áudio de forma descentralizada e sem o
controle editorial de grandes grupos, diferentemente da mídia impressa, radiofônica e televisiva convencionais. Significa disseminar
as ideias de muitos para muitos.
Em essência, trata-se de uma larga interação entre pessoas, da
qual resulta a construção de temáticas compartilhadas, usando a
tecnologia da eletrônica digital como meio de conexão e divulgação,
circulando o planeta em poucos segundos. São sistemas on-line
projetados para permitir a interação social a partir do compartilhamento da informação nos mais diversos níveis e formas. Essa tecnologia possibilita a publicação de conteúdos por qualquer pessoa,
baixando a praticamente zero o custo de produção e distribuição, ao
passo que antes essa atividade se restringia a grandes grupos com
poder econômico grande o bastante para possuir jornais, emissoras
de rádio e de TV. Aí reside, possivelmente, a grande revolução do
mundo de hoje, que muitos analistas entendem como característica
principal da Era da Informação.
As atividades integram tecnologia, interação social e o uso de
palavras, fotos, vídeos e áudios. Nelas a informação é apresentada
em variados formatos, como blogs, sites, compartilhamento de fotos,
correio eletrônico (e-mails), videologs (tipo YouTube), mensagens
instantâneas de telefonia ou computadores, compartilhamento de
músicas, VoIP, e várias outras manifestações, que não param de
surgir a cada ano que passa. Em nossos dias, poucos são os que
nunca usaram (ou pelo menos ouviram falar) de blogs (publicações
editoriais independentes), google groups (referências, redes sociais),
wikipedia (enciclopédia eletrônica), Facebook (rede social), YouTube
(rede social e de compartilhamento de vídeo), Second Life (realidade
virtual), Flickr (rede social e de compartilhamento de fotos), Twitter
(rede social e microblogging), Wikis (compartilhamento de conhecimento), Skype e inúmeros outros serviços e aplicações que usam a
rede mundial de computadores e interligam praticamente em tempo
13
Fotomontagem: Sendino
real pessoas nos mais diversos e remotos locais do planeta.
Isso provoca notável mudança na estrutura de poder social:
qualquer pessoa, e não mais apenas os detentores do capital, pode
construir e disseminar conteúdos capazes de influenciar a opinião
pública e mobilizar outras pessoas e grupos, a custo quase nulo e
em alta velocidade, gerando uma das mais influentes formas midiáticas da atualidade e praticando uma liberdade de comunicação
interativa dificilmente controlável pelos governantes, o que se
torna um tormento para os regimes autoritários cerceadores da
liberdade de expressão.
As mídias sociais, porém, não têm o condão de fazer revoluções políticas, nem de implantar democracias via internet. Elas
constituem apenas um meio, um instrumento capaz de propagar
velozmente, a baixo custo, ideias que podem ser revolucionárias,
catalisando opiniões e contribuindo para a rápida formação e mobilização de grupos capazes de promover os movimentos de força.
Na Era da Informação já não se pode esconder dos dissidentes o
que ocorre no mundo. Em poucos segundos, ações coletivas podem
ser incentivadas e disseminadas, alcançando milhares de adesões e
desencadeando movimentos que, eventualmente, podem derrubar
governos, cuja primeira reação é a de bloquear os acessos a provedores de internet, a websites e a operadoras de telefonia celular (como
tem ocorrido na China, no Irã e mais recentemente no Egito, diante
de manifestações populares mobilizadas pelas mídias sociais). Essas
ações podem também – quando não logram mudar os governantes
ou o regime – dar campo para a prevalência de movimentos sociais
que se colocam acima da lei e da ordem vigentes, fazendo com
que a ineficácia da lei e da ordem deem lugar ao que os sociólogos
chamam de Estado anômico, onde prevalecem a confusão política
e a fraqueza das normas de conduta.
Os governos que se sentem ameaçados por esses meios modernos
de divulgação às massas também têm defesas. Entre elas, a possibilidade de identificar os usuários das redes instigadores de movimentos,
os quais se expõem ao disseminar suas mensagens. Muitas prisões, no
Irã e no Egito, foram noticiadas como tendo sido fruto da identificação
dos dissidentes, a partir de seus endereços eletrônicos e dos acordos
entre governos e provedores de serviços. Esses governos podem, ainda,
tirar seu próprio partido do uso das redes, disseminando contrainformações e tentando desorganizar e confundir o “inimigo”. E podem,
como já mencionando, bloquear os acessos às redes, com tanto mais
facilidade quanto mais participante for o Estado (em termos de capital
ou de influência política) das empresas que as operam.
É esse o moderno mundo da tecnologia eletrônica digital e das
comunicações satelitais, que diferenciam a velocidade da propagação
das ideias entre o tempo em que vivemos e a maneira grega de disseminar o pensamento político-social, 600 anos antes de Cristo.
Tecnologia da eletrônica digital.
Possivelmente, a grande revolução
do mundo de hoje
cerca de um terço de jovens descontentes formando sua população.(1)
Como exemplos, o Marrocos, cuja dinastia real governa o país desde
o século XVII; a Argélia, cujo presidente está no poder desde 1999; a
Tunísia, que acaba de derrubar em janeiro o ditador que governava
há 23 anos e inspirou o movimento que logo se seguiu no Egito; a
Líbia, governada desde 1969 por Muamar Kadafi, que no momento
em que era escrito este artigo promovia sangrenta repressão ao
movimento revolucionário desencadeado no leste do país, gerando
forte reação no mundo ocidental; o Egito, que em fevereiro derrubou o ditador Hosni Mubarak e é governado provisoriamente por
um Conselho Supremo das Forças Armadas (sendo de realçar que
é país que desempenha papel crucial para o equilíbrio de poderes
no mundo árabe e no processo de pacificação árabe-israelense). Já
no outro lado do Canal de Suez, tem-se a Jordânia, aliada dos EUA
e que reconhece o Estado de Israel, mas é governada pela dinastia
hashemita desde 1920; a Síria, que vive há décadas em estado de
emergência, cujo atual governante herdou a ditadura de 30 anos
do falecido pai e tem relações tensas com os EUA em face de ser
aliada do Irã e do grupo anti-israelita libanês Hezbollah, a quem dá
suporte; o Iêmen, cujo presidente está no cargo desde 1990 e onde
há sérios conflitos com a oposição; a Arábia Saudita, cuja dinastia
monárquica governa desde o início do século XX, é forte aliada dos
EUA – motivo de insatisfação para grande parte do mundo árabe –
e detém 20% do petróleo do planeta; o Bahrein, rico emirado que
hospeda a sede da 5ª Esquadra dos EUA e cujo monarca sucedeu o
pai, falecido em 1999 e que governava desde 1961; e o Irã, teocracia
islâmica radical antiamericanista que derrubou a dinastia Pahlevi,
segundo maior produtor de petróleo da região e que prega a extinção
do Estado de Israel, suportando sanções da ONU por seus projetos
alegadamente belicistas na área nuclear.
Não é possível atribuir aos movimentos antigovernamentais
que proliferam nesses países o caráter de revoluções ideológicas.
Tampouco é razoável generalizar para eles um cunho islâmico radical, embora, claramente, os radicais islâmicos fiquem motivados
a aproveitar a oportunidade para chegar mais perto do poder, nos
países em que ainda predominam islâmicos mais moderados. As
avaliações dos analistas geopolíticos e sociais é de que se trata de
uma explosão de desejos de uma juventude que nasceu sob essas
ditaduras, vive em penúria e não vê perspectivas de progresso
social e liberdade sociopolítica. O desemprego parece ser o maior
ingrediente do descontentamento, havendo estatísticas que indicam
que cerca de um terço da população árabe é de jovens entre 15 e 29
anos, desempregados e precariamente educados.(2) Mas sejam quais
forem suas reais causas, ou conjunto de causas, está-se diante de
um fato: são movimentos que se alastram rapidamente, alimentados
pelos recursos oferecidos pelas mídias eletrônicas sociais, trazendo
Efeitos recentes no mundo islâmico
A área geográfica mais afetada, no momento, pela atuação desses
movimentos sociais revolucionários midiáticos abrange grande
parte do mundo muçulmano, do Norte da África até a Península
Árabe e as vizinhanças do Golfo Pérsico. Essa extensa área revela
problemas sociais graves, que levam uma expressiva parte de suas
populações (principalmente jovens carentes de emprego e desejosos
de mais liberdade) a um nível de tensão facilmente transformável
em estremecimentos sociais, mormente com as facilidades de
divulgação da internet.
Do Oeste para o Leste, problemas dessa natureza afetam regimes
ditatoriais e autoritários, monárquicos ou republicanos, quase todos
convivendo há décadas com algum nível de pobreza extrema e com
É como se um pavio fosse queimando e
fazendo explodir sucessivas manifestações populares
em múltiplos lugares do mundo árabe
14
Revista do Clube Naval • 357
Revista do Clube Naval • 357
os manifestantes em grandes massas para as ruas das capitais e
principais cidades, surpreendendo regimes que aparentemente
gozavam de estabilidade e até mesmo de suporte do mundo ocidental, em certos casos. A perplexidade tomou esses governantes
de forma inesperada, repentina, e isso terá desdobramentos. Entre
eles, a necessidade dos regimes democráticos ocidentais que apoiam
(ou apoiavam) regimes totalitários ou autoritários no mundo árabe
reverem suas posições, diante dos clamores populares.
Há dois aspectos importantes que convém ressaltar nesses
desdobramentos. O primeiro é que apenas a vontade juvenil e o
entusiasmo de estudantes nas ruas não vencem revoluções. Para
vencê-las, esses movimentos despertados pela mídia eletrônica precisam da adesão, ou da simpatia, de quem detém o poder das armas.
No caso do Egito, por exemplo, os militares aderiram e a revolução
teve sucesso. No caso líbio, os militares inicialmente se mostraram
divididos, trazendo o risco de uma guerra civil de longa duração.
Outro aspecto é o que se refere ao tipo de democracia que
esses movimentos eventualmente logrem desenvolver. Trata-se de
culturas diferentes das ocidentais a que estamos afeitos, há longo
tempo acostumadas com liberdades limitadas, limitações essas que,
não raro, têm o fundamento religioso muçulmano em seu âmago.
Dificilmente veremos o nascimento de democracias desenhadas
nos moldes ocidentais. Quando muito, serão modelos adaptados
às circunstâncias locais, podendo prevalecer regras de cunho
shiita ou sunita, com maior ou menor influência da lei islâmica
(a sharia). Em certos casos, como o da Líbia, o tribalismo poderá
ter influência mais proeminente do que a teologia, não sendo de se
desprezar a possibilidade de não haver convergência de posições e
da revolta surgir o caos. Em muitos casos, nada garante, se adotado
o sufrágio universal, que os eleitos formarão governos com posturas e índoles pró-ocidentais (democracia e posturas pró-Ocidente
não são coisas umbilicalmente ligadas). Em quase todos os casos,
os revolucionários carecem de organização política (partidos, por
exemplo, com programas de governo) para assumirem o poder, e
esse despreparo pode ser desastroso para os Estados em que logrem
derrubar o status quo.
O epílogo de cada um desses movimentos “nutridos pela web” é
imprevisível, no momento. Não é possível afirmar, por exemplo, que
vá ocorrer algo similar a 1989, quando os manifestantes de países
do Leste europeu, com expressiva ajuda de dissidentes das forças
armadas e da polícia, decidiram livrar-se do comunismo, mudaram a
ordem política em toda uma grande região e alteraram o equilíbrio
de poder no planeta, ao dar fim ao Império Soviético. O mais provável, por motivos culturais, é que falhem em mudar profundamente
o mundo árabe, mas as sementes para mudanças ficarão plantadas,
podendo futuramente germinar democracias (ainda que não muito
liberais, em razão de suas raízes islâmicas).(3)
Uma coisa é certa: os monarcas e ditadores do mundo árabe,
até agora confiantes de estabilidade em suas longas permanências
à frente do governo, foram sacudidos pelo poder da mídia digital e
não voltarão a dormir em paz. As potências ocidentais, por sua vez,
terão que decidir se apoiam as mudanças ou se continuam – movidas
por seus interesses no petróleo – a prestigiar governos pouco ou
nada democráticos.
Notas
(1)
Fonte: O Globo, “Uma região volátil”, 20 fev. 2011, p. 38.
(2)
Fonte: O Globo, 20 fev. 2011, p. 40.
(3)
Friedman, George. Revolution and the Muslim World. Disponível em:
<http://www.stratfor.com/weekly/20110221-revolution-and-muslim-world>.
15
guerra das malvinas
O AFUNDAMENTO DO
HMS SHEFFIELD
discutível, apesar de se enquadrar no parâmetro de custo estabelecido. Qualquer adição de armamento implicaria problemas relativos
à indisponibilidade de espaço, que não havia e de aumento de peso,
que afetaria as condições de estabilidade do navio. Dessas restrições,
resultaram ainda, as impossibilidades de se instalar o sistema de
armas antissubmarino Ikara e de dotar o navio de um hangar duplo,
para abrigar e operar dois helicópteros orgânicos, do modelo Lynx,
o que seria necessário, tendo em vista que era considerado que a
disponibilidade de voo desses helicópteros não ultrapassava os 50%.
Enfim, a redução de peso e espaço foram tais, que até o centro de
operações de combate (COC) ganhou instalações acanhadas, em
espaço inadequado, em prejuízo de sua funcionalidade.
Na Argentina, no final do ano de 1981, período que precedeu ao
início das hostilidades com a Inglaterra, na Guerra das Malvinas,
a Aviação Naval contava com um efetivo aproximado de três mil
homens e cerca de 130 aeronaves distribuídas em dez unidades
aéreas, para operar de terra, de suas três bases principais, e no mar
embarcadas no Navio-Aeródromo 25 de Maio. Essas unidades estavam bem adestradas para desenvolver operações de esclarecimento,
de ataque, antissubmarino, de logística e de busca e salvamento,
tiveram participação ativa e cumpriram eficazmente suas missões,
superando as muitas dificuldades encontradas. No entanto, para
desenvolver o esforço principal de ataque à Força Tarefa (FT) da
Marinha inglesa, a Aviação Naval argentina contava apenas com 15
Contra-Almirante (REF)
Carlos Frederico Vasconcellos da Silva
A importância da operação de ataque ao Destróier Sheffield, realizada em 4 de maio de 1982
pela Aviação Naval Argentina na Guerra das Malvinas, se deve, principalmente, ao fato de que,
pela primeira vez na história, uma aeronave lançou com sucesso em operação real de guerra,
um míssil ar-superfície contra um navio inimigo. A aeronave era um Super Etendard (SUE)
da Aviação Naval Argentina, o míssil, um Exocet AM-39, ambos de fabricação francesa
e o navio-alvo, o Destróier tipo 42 Sheffield, incorporado à Marinha inglesa em 1975.
Para melhor entender o resultado da ação, devem ser considerados alguns aspectos
importantes e fatos que ocorreram na Argentina e na Inglaterra, precedendo as operações que
se desenrolaram na Guerra das Malvinas, que por certo influenciaram alguns resultados.
N
uma classe de navios com capacidade similar,
mas de porte mais reduzido, deslocando de
3.500 a 4.100 toneladas e a um custo final bem
menor, o que possibilitaria a construção de
um maior número de unidades. Foi assim que
se originou o projeto dos destroieres tipo 42.
Um
Super
Etendard
(SUE)
O míssil
Exocet AM 39
ANTECEDENTES
a Inglaterra, na década de 1960, estava sendo planejada
a construção de uma nova classe de navios-aeródromos
(NAe), para substituir os mais antigos, remanescentes
da II Guerra Mundial. A classe ganharia o nome de
Queen Elizabeth (CVA-01), deveria ser incorporada à
esquadra inglesa na década de 1970 e o projeto inicial
previa a construção de dois desses NAe. Esse projeto
deu origem a outro, o de construção dos navios que comporiam a
escolta desses NAe, com a missão principal de lhes prover defesa
antiaérea e antissubmarino. Seriam quatro unidades dos Guided
Missile Destroyer (DDG) tipo 82, com deslocamento de 6.700 a
7.700 toneladas a toda carga. Em 1966, levando em consideração
os altos custos envolvidos, o governo trabalhista cancelou não só,
o projeto dos CVA-01, como também o dos DDG tipo 82, quando o
primeiro navio dessa classe já estava pronto, o HMS Bristol. Daí,
ainda levando em conta essas razões econômicas, mas considerando as necessidades da Marinha inglesa, o Ministério da Defesa
determinou que em substituição aos DDG tipo 82, fosse construída
16
Revista do Clube Naval • 357
Obviamente, o requisito de compacidade impôs restrições relativas
à configuração dos navios dos primeiro e segundo lotes construídos,
como o Sheffield, do que resultou, entre outras, a impossibilidade
de se instalar um sistema mais eficiente de defesa antiaérea de
ponto (CIWS-close in weapon system), para se contrapor a ataques
de aeronaves e de mísseis em voo rasante. Não foi possível instalar
nem mesmo o sistema Sea Cat, cujo desempenho já era considerado
Revista do Clube Naval • 357
aeronaves Sky Hawks A-4Q, que, tanto quanto os 60 A-4P da Força
Aérea, foram adquiridos da Marinha americana, na condição de
aeronaves usadas. Além dessas aeronaves, a Aviação Naval argentina
havia recebido cinco aeronaves, parte de um contrato de aquisição
de 14 Super Etendard (SUE), caças-bombardeiros fabricados pela
Dassault e cinco mísseis ar-superfície Exocet AM-39, também
adquiridos e recebidos antes da efetivação do embargo imposto ao
fornecimento de armas pela França à Argentina. Os SUE não possuíam características excepcionais de voo e, além disso, tinham um
raio de ação muito limitado, sua velocidade máxima a 11 mil pés de
altitude chegava a 1.3 Mach, mas a baixa altitude não passava de 0.97
Mach, menor que a do som. Todavia, tiveram um bom desempenho
no conflito, especialmente, em razão da sua capacidade de portar e
17
lançar o míssil ar-superfície Exocet AM39, o que, aliado às deficiências de projeto
inerentes aos destroieres tipo 42 dos 1º e
2º lotes construídos para a Marinha inglesa, no que concerne à dificuldade de se
contraporem de modo eficiente ao ataque
de aeronaves e mísseis em voo rasante,
certamente, contribuiu para o sucesso da
operação de ataque ao Sheffield.
realização de ataque aos alvos com mísseis
Exocet AM-39. Às 8h45min, depois de recebida do Netuno a posição mais atualizada
dos alvos, que então seriam três sendo um
grande e dois médios, foram expedidas as
ordens para que os SUE decolassem às
Um Exocet
9h45min e para que o Netuno os informaslançado de um
navio
se, diretamente, a posição de 10h00min.
Essa informação era necessária, para
que os pilotos pudessem introduzi-la nos
computadores de navegação de suas aeronaves antes do inicio do ataque. Por razões
óbvias, os SUE estavam se deslocando para
a área de ataque, com seus radares Agave
desligados. A decolagem aconteceu como
determinado e a 150 milhas da base de Rio
Grande, voando a 15 mil pés de altitude
os SUE se encontraram com uma aeronave KC-130 da Força Aérea argentina, se
O NAe
reabasteceram em voo e atestaram seus
Invencible
tanques de combustível, antes do início
da fase final do ataque. Encerrado o reabastecimento, os SUE prosseguiram para
a área de ataque mantendo seus radares
desligados e iniciando a descida para voo
a baixa altitude, próximo ao nível do mar,
a fim de evitar que fossem detectados pela
FT inimiga. Encontraram condições meteorológicas adversas, com teto das nuvens a
500 pés e visibilidade horizontal reduzida
por efeito das pancadas de chuva e bancos
de névoa. Enquanto isso, o radar do Netuno apresentou um defeito que o impedia de
manter o acompanhamento dos alvos. Ainda assim, recebeu ordem
de permanecer na área, fazendo uma derradeira tentativa de reparar o equipamento, até que às 10h30min conseguiu seu intento e
transmitiu aos SUE as informações requeridas. Cumprida a ordem, a
aeronave de patrulha encerrou sua missão com pleno sucesso, abandonou a área e regressou para a base de Rio Grande, onde pousou,
às 13h04min. Recebida a última informação do Netuno, os pilotos
dos SUE, sabendo que os navios da FT inglesa se encontravam a 115
milhas de distância, decidiram atacar o alvo maior.
Nesse entretempo, o comandante do Sheffield estava em seu
posto no passadiço e o COC totalmente guarnecido, quando, visando
diminuir a possibilidade do inimigo detectar a posição exata da FT,
foi determinado pelo capitânia que o Sheffield transmitisse uma
mensagem para o Comando da Esquadra Inglesa, em Northwood.
Em razão dessa faina, o seu radar principal foi desligado, a fim de
evitar qualquer interferência na transmissão da mensagem, do que
resultou uma falha na cobertura radar. Para cobrir essa falha, o
HMS Hermes, estava repassando por data-link para o Sheffield, as
imagens obtidas pelo seu radar. Apesar dessas precauções, ocorreu
algum problema. Os detalhes são um pouco confusos, mas, aparentemente, o radar do Hermes obteve um contato momentâneo,
chegando a detectar três aeronaves e a classificá-las como hostis,
mas como esse contato se desvaneceu rapidamente, não houve
tempo para uma identificação positiva das aeronaves. Na falta dessa
identificação positiva, o contato foi interpretado como sendo de
aeronaves argentinas de interceptação, Mirage III, voando afastadas
da FT, em rumo que não inspirava maiores cuidados. De certa forma,
A OPERAÇÃO DE ATAQUE
Dois dias antes da invasão das Malvinas pelas forças argentinas, a Segunda
Esquadrilha de Caça e Ataque da Aviação
Naval da Marinha recebeu ordens de
interromper seu programa normal de
adestramento, para se dedicar exclusivaO Cruzador
mente, durante os 30 dias seguintes, ao
Belgrano
adestramento objetivando o emprego eficiente do sistema de ataque com mísseis
ar-superfície Exocet AM-39. Estabelecido
o embargo, o governo da França determinou a suspensão da entrega das demais aeronaves adquiridas, dos sobressalentes do
armamento, e a suspensão dos trabalhos
de assessoria técnica que seus técnicos
prestavam em território argentino. O
interessante é que ainda assim, esses técnicos não receberam ordem de regresso
para a França, permanecendo na Argentina. De qualquer forma, os engenheiros
e os técnicos da Marinha argentina, com
auxílio ou não dos franceses, conseguiram
resolver os problemas de instalação e harmonização do armamento
e, a fim de atender às necessidades de sobressalentes para quatro
aeronaves, procederam à desmontagem do quinto SUE.
Em 4 de maio de 1982, dois dias após o torpedeamento e afundamento do Cruzador Belgrano, uma aeronave de patrulha da Força
Aérea Argentina, tipo Netuno, obteve um contato radar às 7h09min,
a 90 milhas de distância e a 100 milhas de Porto Argentino, durante
um voo de esclarecimento que vinha sendo realizado diariamente na
área marítima ao redor das ilhas, visando assegurar o tráfego aéreo
e marítimo entre as ilhas e o continente. Pelo processamento dos
sinais recebidos e analisados em seu equipamento ESM (eletronic
support measures), foi determinado que se tratava de um navio
inimigo, provavelmente um destróier tipo 42 da Marinha Inglesa.
Na realidade, tratava-se do Destróier Sheffield posicionado 20 milhas
avante do navio capitânia da força-tarefa inglesa, o NAe Hermes,
com a missão principal de lhe prover cobertura antiaérea e a seu
par, o NAe Invencible.
No Sheffield, para atenuar o desconforto da tripulação, decorrente
das condições de fechamento do material adotadas quando em cruzeiro de guerra, foi estabelecido o serviço em turnos de seis horas,
de maneira a proporcionar ao pessoal de folga, a possibilidade de
melhores refeições e de descanso mais adequado (defence stationssecond state of readiness).
O Netuno, após transmitir para a base argentina de Rio Grande
a informação do contato obtido, recebeu a determinação de manter acompanhamento do alvo e de ampliar sua informação inicial.
Paralelamente, foi determinada a prontificação de dois SUE para a
18
Revista do Clube Naval • 357
O Destróier
Sheffield em
três momentos,
antes e depois
de atingido pelo
míssel exocet
contribuiu para que essa falha não fosse percebida no devido tempo,
o fato de os helicópteros Lynx, que estavam equipados com ESM,
capazes de identificar não só radares de aeronaves inimigas, como
também a frequência de emissão e o tipo do radar, se encontrarem
voando muito afastados da FT, em altitude que não lhes possibilitava
a detecção de qualquer emissão radar das aeronaves argentinas.
Conhecedores da capacidade ESM da FT inglesa, os pilotos navais
argentinos, deliberadamente, continuavam a aproximação com
seus SUE, mantendo voo a baixa altitude e radares de busca desligados, até atingir posição na distância de 25 a 30 milhas dos alvos.
Enquanto isso, outros problemas afetavam e agravavam o quadro
de problemas da FT inglesa: o Sheffield e demais navios da escolta
que também possuíam seus próprios equipamentos ESM, não puderam fazer no devido tempo, antes do início da guerra, os ajustes
necessários nesses equipamentos, a fim de que o míssil Exocet fosse
identificado como armamento hostil. Adicionalmente, vários dos
radares de busca de superfície dos navios da FT, emitiam na mesma
frequência do radar do míssil e, dessa combinação de problemas,
resultou que não houve uma identificação rápida do ataque com os
Exocet, até que os mísseis estivessem muito próximos ao alvo.
Assim, introduzidos os dados dos alvos nos sistemas das unidades
de ataque (UAI) das suas aeronaves, os pilotos argentinos navegando
pelos seus computadores, conduziram os SUE até a posição prevista
para efetuar o lançamento dos mísseis. Após uma primeira tentativa
falha, lograram identificar o inimigo em seus radares e lançaram
seus mísseis a cerca de 25 milhas do alvo. Às 11h04min, imediatamente após o lançamento, os SUE iniciaram curva de afastamento
Revista do Clube Naval • 357
da zona de perigo, assumiram o rumo de regresso para a base de
Rio Grande e pousaram sem novidades às 12h04min.
Enquanto os Exocet se deslocavam voando baixo, com a velocidade de 1.000 km/h na direção do condenado Sheffield, o comandante
do navio e outro oficial observavam com atenção o horizonte, com
a finalidade de tentar confirmar a informação daquele contato
momentâneo que haviam recebido do COC pouco antes. Estavam
fazendo varredura visual pelo setor de boreste do navio, no sentido
popa até a proa, quando perceberam muito afastado uma pequena
nuvem de fumo e não conseguiram identificar do que se tratava,
porque nem eles, nem ninguém, jamais havia tido a oportunidade
de ver um míssil Exocet voando rasante, de frente, e se aproximando
do navio com velocidade quase supersônica. Quando finalmente o
identificaram, o míssil já se encontrava a uma milha de distância
e não houve tempo para acionar qualquer medida defensiva, a não
ser transmitir pelo sistema de intercomunicações, um alerta para
que todos se protegessem. Quatro segundos depois o míssil atingiu o navio, por boreste, a meia-nau e abaixo do convés principal,
poucos pés acima da linha d’água. O Exocet perfurou o costado do
Sheffield, com trajetória em ângulo de cerca de 30° em relação ao
plano diametral do navio, atravessou o compartimento de máquinas
avante, penetrou no compartimento de máquinas a ré, onde atingiu
as turbinas de propulsão e, finalmente, se chocou contra a antepara
de ré, sem explodir. O pessoal de serviço no passadiço e no COC,
ouviu um estrondo, como o de uma colossal explosão, mas as fotos
tiradas antes do navio afundar revelaram que a cabeça de combate de
364 libras do míssil não detonou e que o ruído ouvido foi produzido
19
defesa
LIVRO
BRANCO
DE DEFESA
NACIONAL
MARCÍLIO BOAVISTA DA CUNHA
O ministro da Defesa
recebeu, por Lei Complementar, a responsabilidade de implantar
o Livro Branco de Defesa Nacional.(1) O Poder Executivo deverá, a
seguir, encaminhá-lo à
apreciação do Congresso
Nacional, juntamente com
a política(2) e a estratégia(3)
de defesa.
Os princípios e diretrizes para a elaboração deste livro foram recentemente estabelecidos pela presidente da República, que também
Pode-se imaginar qual
seria a representação do
quadro que registra as
perdas reais da Marinha
inglesa, na Guerra das
Malvinas, caso a Aviação
Naval argentina tivesse
recebido em tempo útil os
14 Super Etendard e uma
quantidade maior de
mísseis Exocet
pela onda de choque decorrente do impacto das 1.455 libras do
seu corpo e do seu motor. Mesmo sem a detonação da cabeça de
combate os resultados foram catastróficos. O atrito da passagem
do míssil com as chapas de aço do navio ao atravessá-las, provocou
temperaturas elevadas e labaredas que atingiram o tanque principal
de combustível do navio, ocorrendo de imediato um incêndio de
grandes proporções e densas nuvens de fumaça branca. A seguir, o
fogo propagou-se pela cablagem de PVC, pintura e outros materiais
inflamáveis e sua fumaça tóxica se espalhou por todos os compartimentos e passagens do navio. Sem energia, não sendo possível nem
mesmo ventilar os compartimentos internos para tentar expulsar
a fumaça, as equipes de combate a incêndio ficaram isoladas, os
equipamentos auxiliares como geradores e bombas de incêndio não
funcionaram, e o incêndio atingiu proporções incontroláveis, com
ameaça de explosão do paiol de munição avante. Nesse paiol, estavam
armazenados 22 mísseis Sea Dart e respectivas cabeças de combate,
120 projéteis para o canhão de 4,5 polegadas, algumas cabeças de
combate de torpedos, bombas de profundidade e foguetes chaff.
Frente a essa situação, após cerca de cinco horas extenuantes de
lutas para debelar o incêndio, sem sucesso, o comandante do navio
se viu na contingência de dar a ordem de abandonar o navio.
Ainda foi tentada uma operação de salvamento do Sheffield,
rebocando-o para as ilhas de Ascensão ou para a Geórgia do Sul, mas
a deterioração do estado do tempo não possibilitou a concretização
da ideia. O navio embarcou muita água, e cada vez mais, devido às
más condições do mar, sem possibilidade de bombeá-la para fora,
levando à decisão de afundá-lo naquela área, em águas profundas, a
10 de maio de 1982, seis dias depois de atingido pelo Exocet.
instituiu grupo de trabalho
interministerial com o
objetivo de elaborar estudos sobre temas a ele
pertinentes.(4)
Porém, o que é um
Livro Branco? Qual a
sua importância numa
democracia? O que é o
Livro Branco de Defesa
Nacional? Como se integra
com a política e a estratégia
de defesa? Qual serão as responsabilidades do Executivo e do
Legislativo? Quais as consequências de
sua elaboração pelo governo e apreciação pelo
Congresso Nacional?
quando a Marinha inglesa perdeu duas unidades dessa classe, o
Sheffield e o Conventry, que faziam parte da sua força-tarefa, afundados nos ataques aéreos realizados pela Aviação Naval argentina,
utilizando mísseis ar-superfície ou bombas, determinaram posteriormente a adoção de medidas corretivas que foram observadas
mais especificamente na construção dos destroieres tipo 42 do
lote nº 3. Eles tiveram seu comprimento acrescido de 50 pés e seu
deslocamento para 4.765 toneladas a toda carga, melhorando seu
comportamento no mar. Essa medida contribuiu para aumentar
a disponibilidade de espaço e possibilitou a acomodação de um
sistema CIWS (close in weapon system) mais efetivo de armamento antiaéreo para defesa de ponto, como o Vulcan Phalanx, para
aumentar as dimensões da plataforma de voo junto ao hangar e
ainda para instalação de um radar mais moderno.
O ataque ao Sheffield, fez com que a força-tarefa inglesa tivesse
que alterar substancialmente seu dispositivo, afastando seus naviosaeródromos para leste, tendo que designar uma maior quantidade de
navios para lhes prover proteção antiaérea mais efetiva e ainda, que
na falta de aeronaves adequadas, tivesse que adaptar helicópteros
para realização da função de alarme aéreo antecipado;
Para reflexão, pode-se imaginar qual seria a representação do
quadro que registra as perdas reais da Marinha inglesa, na Guerra
das Malvinas, caso a Aviação Naval argentina tivesse recebido em
tempo útil os 14 Super Etendard e uma quantidade maior de mísseis
Exocet, adquiridos pouco antes do início das hostilidades.
Para finalizar, essa operação, certamente reforça a necessidade que tem qualquer Marinha, de contar com uma aviação de
patrulha eficiente.
OBSERVAÇÕES FINAIS
Referências
A capacidade de defesa antimíssil do Destróier Sheffield foi praticamente nula, não tendo ocorrido nenhum tipo de alarme antecipado
que lhe permitisse tentar uma manobra evasiva, nem tão pouco, que
seu armamento pudesse se contrapor à ação do míssil Exocet AM-39.
O desempenho dos destroieres tipo 42 na Guerra das Malvinas,
1. Boletim Del Centro Naval, v. 109, n. 764, Ataque Al Sheffield, 1991.
2. Marshall Cavendish. The Falklands War – day by day record from
invasion to victory. 1983.
3. The Sunday Times. “The Falklands War – The Full Story. 1982.
20
Revista do Clube Naval • 357
Revista do Clube Naval • 357
21
L
LIVRO BRANCO
ivros brancos (em inglês, “white papers”) fazem parte de
um conjunto de livros coloridos que têm sido utilizados
pelos governos dos regimes democráticos para expor e
realizar consultas a setores da sociedade sobre suas ideias,
planos e intenções. Muito utilizados, especialmente
pelos governos europeus, eles são reconhecidos como
documentos oficiais de governo que abordam um determinado problema e informam como ele será enfrentado. Tratam,
geralmente, de problemas políticos ou econômicos.
Há livros brancos que abordam problemas de defesa, mas,
também, de assuntos internacionais, de negócios, de tecnologia,
de saúde, de educação e outros. Historicamente, têm valor
mais acentuado: o Livro Branco de Churchill, de 1922,
e o Livro Branco, de 1939, ingleses, que abordam o
problema de ocupação da Palestina pelos judeus; o
Livro Branco sobre Empregos, de 1945, da Austrália,
reconhecendo a obrigação do Estado de garantir
empregos à população; o Livro Branco de Defesa
do Reino Unido, de 1957, redefinindo suas necessidades da defesa; e o Livro Branco de Defesa do
Canadá, de 1964, que unificou e modernizou as
Forças Armadas daquele país.
Os livros verdes (“green papers”), que
têm sido publicados mais frequentemente,
são também chamados “documentos de
consulta” e utilizados para propor uma
estratégia ou mostrar as intenções do
governo, visando à obtenção de pareceres e o retorno da opinião pública. Por
exemplo, na União Europeia, os mais
recentes Livros Verdes, publicados em
2010 e 2011, consultam a sociedade
sobre temas como a modernização
da política de compras, a redução
da burocracia para os cidadãos, o
aumento da eficiência do sistema
de arrecadação, as compras de
governo por meio eletrônico e o
desenvolvimento sustentável.
Livros de outras colorações, como preto e azul,
são eventualmente criados
para atender a diferentes
propósitos.
LIVRO BRANCO
DE DEFESA
Os Livros Brancos de Defesa oferecem, em geral, uma avaliação estratégica do ambiente de defesa e segurança de um Estado,
apontam a capacidade desejada para suas Forças Armadas e definem
as circunstâncias em que elas podem ser chamadas a intervir. No
presente, vários países europeus, asiáticos e africanos já elaboraram
e publicaram seus Livros Brancos de Defesa.
Nas Américas, o incentivo para a elaboração desses livros partiu
do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos.
Ouvindo a Comissão de Segurança Hemisférica, o Conselho editou
uma Resolução5 adotando diretrizes para a elaboração dos livros e
instando os Estados membros a implementá-las.
A resolução identifica a elaboração desses livros como um
“mecanismo útil de fortalecimento da confiança e da segurança
no Hemisfério” e considera sua preparação como um exercício
fundamental de democracia, ao requerer extensa cooperação entre
civis e militares. O livro elaborado por cada Estado membro oferecerá aos demais a visão de seus governos a respeito da própria
defesa. Para sua sociedade, descreverá o contexto amplo de política
e estratégia, refletindo o papel das forças de defesa no conjunto das
prioridades nacionais.
Mesmo reconhecendo não ser viável estabelecer um formato
padrão para os Livros Brancos de Defesa, devido aos diferentes
contextos históricos, geográficos, culturais, políticos e fiscais que influenciam cada país, a resolução sugere que eles contenham alguns
22
Revista do Clube Naval • 357
itens comuns. Os Estados membros concordaram em incluir, em
seus livros, artigos sobre política e doutrina de defesa, capacidades
e padrões de desempenho das FFAA, questões orçamentárias e de
recursos e estrutura militar de defesa.
Vários países americanos já produziram e publicaram seus Livros
Brancos de Defesa, entre os quais a Argentina, o Canadá, o Chile, o
Peru, a Nicarágua e a Guatemala.
O LIVRO BRANCO DE DEFESA NACIONAL
A Câmara aprovou, em março de 2010, o Projeto de Lei Complementar (PLP) no 543/09, do Executivo, que se tornou a Lei Complementar n° 136. Ela promove alterações na Lei Complementar n°
Revista do Clube Naval • 357
97, de 1999, cria o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e
determina a elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional.
No §1° de seu art. 9°, a LC no 136 define o Livro Branco de Defesa
Nacional como um “documento de caráter público, por meio do qual
se permitirá o acesso ao amplo contexto da Estratégia de Defesa
Nacional, em perspectiva de médio e longo prazos, que viabilize
o acompanhamento do orçamento e do planejamento plurianual
relativos ao setor”, e estabelece que compete ao ministro de Estado
da Defesa a sua implantação.
O §2° determina que o Livro Branco de Defesa Nacional
contenha dados estratégicos, orçamentários, institucionais e
materiais detalhados sobre as Forças Armadas, abordando os
seguintes tópicos:
I – cenário estratégico para o século XXI;
II – política nacional de defesa;
III – estratégia nacional de defesa;
IV – modernização das Forças Armadas;
V – racionalização e adaptação das estruturas
de defesa;
VI – suporte econômico da defesa nacional;
VII – as Forças Armadas: Marinha, Exército
e Aeronáutica; e
VIII –- operações de paz e ajuda humanitária.
E o §3° recomenda que o Poder Executivo
encaminhe à apreciação do Congresso Nacional, na primeira metade de cada sessão
legislativa ordinária, de quatro em quatro
anos, a partir de 2012, os seguintes documentos, devidamente atualizados:
• a Política de Defesa Nacional,
que fixa princípios, conceitos e
objetivos;
• a Estratégia Nacional de Defesa, que trata de questões institucionais, da organização das Forças
Armadas e dos meios para fazer
com que a nação participe da
defesa; e
• o Livro Branco de Defesa Nacional, que promove
a divisão de responsabilidades entre o Executivo
e o Legislativo e transforma a estratégia de
defesa nacional em
assunto de Estado.
O encaminhamento simultâneo desses três importantes documentos implica
que eles serão integrados e coerentes entre si.
Em cumprimento à recomendação do Legislativo, a presidente
da República determinou, em fevereiro de 2011, a elaboração do
Livro Branco de Defesa Nacional. O trabalho ficará sob a responsabilidade do Ministério da Defesa, deverá conter os dados especificados
na LC no 136 e observar, como diretrizes: o incentivo a pesquisas
e estudos; a realização de parcerias com instituições públicas e
privadas; e a integração da ação governamental.6
Para tanto, foi instituído o “Grupo de Trabalho Interministerial
do Livro Branco de Defesa Nacional”, integrado por representantes
de 11 órgãos do governo federal e presidido pelo representante do
23
Ministério da Defesa. Como esperado, participarão do Grupo de
Trabalho representantes dos ministérios da Ciência e Tecnologia, do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Fazenda, da Justiça, do Planejamento, Orçamento e Gestão, das Relações Exteriores,
da secretarias de Assuntos Estratégicos e do Gabinete de Segurança
Institucional. Para surpresa de alguns, foram também incluídos
representantes do Ministério da Integração Regional e da Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República, que, certamente,
muito contribuirão para a legitimidade do produto final.
Interessante registrar a autorização para que a presidência
do Grupo de Trabalho convide representantes de outros órgãos e
entidades da administração pública e da sociedade para participar
de suas atividades. Entre esses, espera-se que sejam convidadas
entidades representativas dos setores acadêmicos, científicos, de
comunicações, logísticos e industriais do país. Certamente os
centros de estudos estratégicos e as associações de classe terão
muito a contribuir, como a Associação Brasileira das Indústrias
de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), a Associação das
Indústrias Aeroespaciais do Brasil (Aiab), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), as federações estaduais das indústrias,
como a Fiesp, a Firjan, a Firgs, e outras.
da responsabilidade sobre a defesa do país entre Executivo e
Legislativo. Garante que a estratégia de defesa nacional se
torne, como é devido, assunto de Estado, e não apenas de um
ou outro governo.
Todo o processo de preparação do livro, por promover extensa
cooperação entre representantes civis e militares de diversos setores da sociedade, contribuirá para uma ampla conscientização a
respeito da missão e do valor das Forças Armadas, e conferirá maior
legitimidade à política de defesa nacional.
Uma consequência em nível internacional, apontada pelo Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos, é que
a elaboração e a troca de informações sobre políticas e doutrinas
de defesa nacional contribuirão para o fortalecimento da confiança
e da segurança no hemisfério.
A visão do Congresso está espelhada no seguinte texto: “a apreciação periódica pelo Parlamento dará a este a responsabilidade que
o Legislativo deve ter em questões dessa magnitude, fortalecendo
o papel do Congresso Nacional. É preciso que o Poder Legislativo
participe do debate dos temas que se relacionam intimamente à
própria manutenção do Estado brasileiro”.7
Consideremos, também, que o Livro Branco de Defesa Nacional
será um permanente instrumento de prestação de contas. Para tanto,
a política e os objetivos constantes do livro deverão ser enunciados
com clareza e precisão, e os recursos colocados à disposição das
forças de defesa terão que alcançar níveis coerentes. Isso tornará
o Ministério da Defesa e as Forças Armadas responsáveis pelos
objetivos declarados, mas, também, os capacitará a defender seus
pedidos plurianuais de recursos orçamentários, como necessários
ao cumprimento da política de defesa enunciada.
CONSEQUÊNCIAS
O art. 21, item III, da Constituição Federal estabelece que
“compete à União assegurar a defesa nacional”. A defesa nacional é, portanto, uma responsabilidade de todos. A elaboração do
Livro Branco de Defesa e seu encaminhamento à apreciação do
Congresso Nacional, como determina a LC n° 136, traz, como
primeira e mais importante consequência, o compartilhamento
A análise das consequências apontadas
no item anterior mostra que a elaboração
do Livro Branco de Defesa Nacional será
benéfica aos militares e a todos os cidadãos
brasileiros. Esse livro tornar-se-á o esperado
guia para orientar aqueles que se preocupam
honestamente com a defesa do Brasil. Sem
dúvida, devemos oferecer nossa contribuição e empenhar nossos esforços para que
esse trabalho seja realizado com a melhor
qualidade possível.
Finalmente, lembremos que o Livro
Branco de Defesa Nacional, pronto e aprovado, tornar-se-á um valioso instrumento de
planejamento e acompanhamento, ao cobrar
a consecução dos objetivos declarados e ao
exigir a colocação dos recursos necessários
à disposição das forças de defesa.
Notas
Lei Complementar n° 136, de 25 de agosto de 2010, que altera a
Lei Complementar n° 97, de 9 de junho de 1999.
(2)
Decreto n° 5.484, de 30 de junho de 2005.
(3)
Decreto n° 6.703, de 18 de dezembro de 2008.
(4)
Decreto n° 7.483, de 11 de fevereiro de 2011.
(5)
Resolução CP/RES. 829 (1342/02), de 6 de novembro de 2002.
(6)
Decreto n° 7.483, de 11 de fevereiro de 2011.
(7)
Justificação do PLP-no 547/2009, de autoria do deputado Raul
Jungmann, em 10 de dezembro de 2009.
(1)
CONCLUSÃO
A elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional pelo Executivo,
e sua posterior apreciação pelo Legislativo, se tornará um autêntico exercício de democracia no Brasil. Esse livro, de fundamental
importância, oferecerá à sociedade uma visão ampla do governo e
do Congresso a respeito da defesa do país. A consulta aos diversos
setores representativos da sociedade será imperativa, para conferir
maior legitimidade à política de defesa nacional.
24
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25
DEFESA
A ESTRATÉGIA DE DEFESA
EO
Capitão-de-Mar-e-Guerra-EN/Ref
Antonio Didier Vianna
Engenheiro Nuclear/PhD
PRÉ-SAL
A
Com o surgimento dos campos produtores dos reservatórios do pré-sal, o problema da proteção
dessas novas áreas se tornou extremamente complexo. O pré-sal brasileiro ficou na dependência da
soberania do país, assunto que envolve todas as forças vivas da Nação na construção de estratégias,
meios e envolvimento de toda a sociedade para garantir o produto e a posse dessas jazidas. O Brasil
tem uma posição muito forte sobre essas jazidas, uma vez que foram descobertas, delimitadas,
medidas e viabilizadas pela Petrobras, mas talvez não seja suficiente para garantir a plenitude do
uso como único proprietário, exigindo outros enfoques, argumentos e posições e imposições.
Estratégia de Defesa Nacional em vigor, aprovada
por Decreto n o 6.703, de 18/12/08, do governo,
estampa na sua Introdução: “Se o Brasil quiser
ocupar o lugar que lhe cabe no mundo, precisará
estar preparado para defender-se, não somente das
agressões, mas também das ameaças. Vive-se em
um mundo em que a intimidação tripudia sobre
a boa-fé. Nada substitui o envolvimento do povo brasileiro no
debate e na construção de sua própria defesa.”
Essa política foi estabelecida quando ainda inexistia definido o
tamanho da riqueza do pré-sal. Agora não se pode perder tempo e
As fatias dos royaltyes do Pré-sal
22,5%
25%
Estados produtores
e confrontantes
Ministério da Ciência
e Tecnologia
15%
Comando da Marinha
7,5%
Municípios afetados
26
7,5%
Fundo especial distribuído
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22,5%
Municípios produtores e confrontantes
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estar cada vez mais preparados para repelir as ameaças de exploração externa dessa nossa riqueza que breve surgirão, pois teremos
a ganância financeira generalizada acrescida das necessidades
estratégicas da energia do petróleo que move o mundo atual e que
está ficando cada vez mais escassa nos países dominantes. Como
a construção dessa defesa é um processo contínuo e permanente,
é preciso manter nossa sociedade informada de modo a obter a
participação do povo nos processos desse desenvolvimento e se
necessário no engajamento direto nas ações.
O Congresso Nacional colocou sob responsabilidade da Marinha
a fiscalização e a proteção das áreas de produção offshore e destinou
parcela fixa dos royalties da produção de petróleo dessas áreas como
recursos adequados para isso.
A fiscalização foi organizada pela Marinha em cooperação com o
Ibama e tem sido realizada com eficiência em caráter permanente.
A Petrobras que opera a quase totalidade das plataformas offshore
tem priorizado investimentos para que suas equipes de operação das
plataformas possam garantir plena execução das leis ambientais.
Entretanto, a PROTEÇÂO, converteu-se num problema crucial.
Atentar para o seguinte: as reservas descobertas do pré-sal
dividem-se em três áreas marítimas bem distintas.
1. Mar territorial brasileiro – sem problemas. Aceitação internacional do domínio brasileiro sobre essas áreas.
2. Zona econômica exclusiva (ZEE). Essa zona vai até o limite de
200 milhas náuticas (cerca de 370 km) além do mar territorial. As
normas de exploração dessa região estão fixadas na Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982. No entanto cerca de
40 nações não assinaram ou ratificaram a convenção, aí incluídos os
EUA e a Venezuela. Nessa zona é que está a maior parte das reservas
do pré-sal. O Itamaraty deveria pressionar a presidente Dilma para
conseguir que o presidente Chávez da Venezuela ratifique essa
convenção. Eliminaria um próximo da área e ativo em petróleo.
3. Mar internacional – há uma faixa da reserva do pré-sal localizada na área de mar internacional. Essa faixa está sendo reivindicada
pelo Brasil de acordo com o dispositivo do tratado que garante aos
países direito sobre sua “plataforma continental”. Foi requerido à
ONU o direito sobre 960 mil km² de plataforma continental em 2004,
mas ainda não houve definição. Portanto essa parcela das reservas
do pré-sal situadas no mar internacional, ainda é “patrimônio da
humanidade”. Deverá ser atuação prioritária de nossas Relações
Exteriores a obtenção da aprovação dessa nossa pretensão.
Pela Lei no 9.478/97 – conhecida como Lei do Petróleo, o
Congresso Nacional determinou, no seu artigo 49, que a parcela
do valor do royalty que exceder a 5% da produção terá a seguinte
distribuição (ver Lei no 10.261/01):
I – quando a lavra ocorrer em terra;
II – quando a lavra ocorrer na plataforma continental (offshore)
a) 22,5% aos estados produtores confrontantes;
b) 22,5% aos municípios produtores confrontantes;
c) 15% ao Comando da Marinha para atender aos encargos de
fiscalização e proteção das áreas de produção;
d) 7,5% aos municípios que sejam afetados pelas operações de
embarque e desembarque de petróleo e gás natural;
e) 7,5% para constituição de um fundo especial a ser distribuído
entre todos os estados, territórios e municípios;
f) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar
programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento
tecnológico relacionados ao produto.
O país assistiu no Congresso e na mídia a uma demonstração
pública de cobiça generalizada pelo dinheiro dos royalties não
27
“
somente pelo que seria gerado pelo pré-sal, mas também pelo que
está sendo produzido pelas plataformas existentes com destinações
especificas já estabelecidas pelo Congresso Nacional através da Lei
do Petróleo. Essa cobiça que faz parte da mente do ser humano,
não é só de políticos brasileiros, mas também de nações que desde
que existem procuram saquear os mais fracos e também dos piratas
que sempre povoaram os mares do mundo.
Como a riqueza do pré-sal é muito grande e será explorada pelos
próximos 80 anos, é preciso concentrar recursos para progressivamente adequar nossas defesas e construir um aparato de dissuasão
para impedir que essas cobiças, inclusive dos brasileiros inescrupulosos, venham desviar e perturbar a utilização dos benefícios que
advirão dessa exploração pela sociedade brasileira.
É óbvio que, antes de se falar em royalties do pré-sal, isto é,
do lucro líquido da exploração, é preciso garantir abrangência e
independência para administrar e gerar recursos para desenvolver
os campos, o que permitirá essa exploração. Os royalties são consequência de empreendimento bem-sucedido. A prioridade tem
que ser focada no planejamento e nos recursos para viabilizar esse
empreendimento e, paralelamente, com a mesma determinação,
como protegê-lo da cobiça externa. Essa é uma riqueza excepcional
e o país precisa aglutinar competências para fazer um planejamento
cuidadoso e sem pressa para ir desenvolvendo os campos paralelamente com os recursos financeiros, de pessoal qualificado, de
equipamentos e sistemas de segurança operacional para garantir a
produção contínua desse petróleo sem desastres como o do Golfo
do México que podem consumir os royalties.
Temos observado a pressa com a intenção de utilização das
providências sobre o pré-sal em ativo político, visando vantagens
de imagem para as eleições de outubro de 2010. Por favor, se
O Brasil dispõe de
completo domínio do
ciclo de combustível nuclear.
Produz seu próprio urânio
e as centrífugas para
enriquecimento.
abstenham desse desserviço ao país. Deixem o grupo competente
trabalhar, sem pressões políticas e de pressa, para construir condições para nossa sociedade beneficiar-se continuamente e com
segurança dessas riquezas.
O que vimos no Congresso na cobiça pelos royalties foi uma
demonstração do desvario de desqualificados querendo se apropriar indebitamente dos ganhos dos outros sem terem executado
qualquer trabalho ou contribuição para criação daquelas riquezas.
28
Revista do Clube Naval • 357
“
Nossa Constituição proíbe o
uso de armas nucleares.
É bom que fique bem claro
que o Brasil não fabrica bombas atômicas
por decisão própria do seu povo e do seu
Congresso, mas não ameacem a nossa
soberania, pois é possível o Congresso
Nacional reverter essa posição.
nuclear. Produz seu próprio urânio e as centrífugas para enriquecimento. Como o tratado de não proliferação (TNP) permite
o enriquecimento até 20% por qualquer país, esse foi o escolhido
para utilização nos submarinos nucleares da Marinha, que não são
considerados armas nucleares. Nossa Constituição proíbe o uso
de armas nucleares. É bom que fique bem claro que o Brasil não
fabrica bombas atômicas por decisão própria do seu povo e do seu
Congresso, mas não ameacem a nossa soberania, pois é possível o
Congresso Nacional reverter essa posição.
O Ministério da Defesa negou a imposição americana para que
proibíssemos a divulgação do livro Física dos explosivos nucleares
do Dr. Dalton Barroso do Instituto Militar de Engenharia (IME). Lá
estão didaticamente descritos todos os detalhes físicos e técnicos
para a construção dos diferentes artefatos nucleares. É também um
reforço para dissuasão saberem que o Brasil dispõe de competência
e instalações para tornar a matéria-prima disponível e desenvolver
a bomba atômica. Foi positiva a posição do ministro da Defesa. É
preciso ser direto e intransigente quando afeta nossa soberania. É
bom que o mundo fique consciente do que já foi exposto. Precisamos
ser respeitados, pois isso ajuda a dissuasão.
Os militares não desenvolveram cultura de marketing, assunto
inexistente nos currículos de suas escolas. No mundo moderno, o
marketing tem força de persuasão que muitas vezes faz reverter
até conceitos arraigados nas sociedades. Substitui a espionagem
e as atividades de quintas-colunas, forças da época das guerras
do século passado. Com a internet cada vez mais generalizada, o
marketing se converteu no vetor estratégico de qualquer empreendimento. É preciso incorporá-lo em todos os procedimentos
relativos à nossa Defesa. Assim estará sendo cumprido o que
determina o decreto da Estratégia Nacional de Defesa, e é uma
das condições para o sucesso, pois coloca o povo e o Congresso
participando do Programa de Defesa.
Projeto de
um submarino
nuclear
Revista do Clube Naval • 357
“
“
Unidade de produção de pastilhas da fábrica de combustível nuclear da INB
Quem não tem competência para gerar riquezas, também não
tem para gastá-las. È preciso isolar essa turma de insensatos, do
planejamento e execução do pré-sal.
Embora não tenha sido divulgada para a sociedade, por não
termos essa cultura nos governos, o Ministério da Defesa tem atuado
para fortalecer nossa soberania. O país tem hoje uma “Estratégia
de Defesa” muito bem costurada e tornada pública por decreto
do presidente da República. Paralelamente está implantando o ali
estabelecido dentro dos limites de recursos do governo.
Por exemplo, o melhor meio de dissuasão contra piratas ou
ações semelhantes é a disponibilidade de submarinos nucleares.
Esses são os únicos que podem negar os mares a qualquer inimigo.
Foi assinado um acordo com o governo francês para completar o
desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro e toda a infraestrutura de suporte de nossa flotilha de submarinos. O programa
tem financiamento do governo francês e está em plena execução.
Os royalties destinados em lei do Congresso para a Marinha são
suficientes para pagar todo esse programa, desde que liberados
para esse fim. Não precisa depender do Tesouro, nem do orçamento
anual da República votado pelos congressistas. Basta cumprir o
que já foi transformado em lei pelo Congresso. Evita-se assim o
que aconteceu com Angra 3 que teve paralisada sua obra por 20
anos e o próprio Programa Nuclear da Marinha cujo projeto do seu
submarino nuclear ficou no limbo por 10 anos.
O Congresso está discutindo agora a cobiça pelos royalties, entretanto é importantíssimo manter o royalty destinado a proteger as
áreas do pré-sal que o Congresso atribuiu à Marinha como condição
para que a Marinha possa desenvolver os meios de dissuasão que
fortalecerão nossa soberania e protegerão nossas jazidas.
O Ministério da Defesa está também no processo de aquisição de
um grupo de aviões de caça e de transporte de pessoal e material para
suportar nossa Estratégia de Defesa. Essas ações fortalecem a nossa
soberania e essa cobertura aérea é também necessária à proteção
das áreas do pré-sal. Desenvolver as ações previstas na Estratégia
Nacional de Defesa são vitais para ir construindo o reforço contínuo
da soberania nacional, base para qualquer tipo de enfrentamento.
O Brasil dispõe de completo domínio do ciclo de combustível
29
Combate à
pirataria marítima e
ao terrorismo: A
atividades navais
O navio italiano
Achille Lauro,
sequestrado em 1985,
por fundamentalistas
palestinos ligados
a Al Fatah
Capitão-de-mar-e-guerra CARLOS EDUARDO HORTA ARENTZ
Mar
Mapa de atos de pirataria
Vermelho
em 2009, mostrando o
golfo de Aden, sul do
Sudão
estreito de Ormuz parte
do oceano Índico
(fonte: IMB)
Ataques reais
Oman
Somália
Quênia
Tentativas de ataque
Embarcações
suspeitas
Rep. Unida
da Tanzânia
Há algumas décadas, o terrorismo enxergou as atividades
marítimas como uma de suas possíveis áreas de atuação.
O ano de 1985 marcou a história, quando o navio italiano
Achille Lauro, um navio de passageiros, foi sequestrado
por fundamentalistas palestinos ligados a Al Fatah (o braço
armado da Organização para Libertação da Palestina – OLP).
A partir dessa ocorrência, Forças Armadas de vários
países iniciaram a preparação de unidades de operações
especiais para se contrapor a essa nova ameaça,
conduzindo treinamentos em navios, terminais portuários
e plataformas de exploração de petróleo e gás.
30
um novo
campo de
atuação
para as
operações
especiais
navais?
Revista do Clube Naval • 357
pirataria marítima, comum nos séculos XVI e XVII, é
outra atividade que vem impondo restrições à liberdade nos mares e causa grandes prejuízos ao comércio
internacional. As somas demandadas nos resgates já
ultrapassam cifras de milhões de dólares para cada
ocorrência (no início de novembro de 2010, foi anunciado o pagamento de US$ 9,5 milhões, o maior resgate
pago a piratas, para reaver, um mês depois, o petroleiro sul-coreano
sequestrado por piratas somalis em abril). As seguradoras aumentaram os valores cobrados, acarretando o incremento no custo dos
fretes, sobretudo nas rotas mais vulneráveis. A Otan já mobiliza um
esquema de comboio militar, visando proteger os navios mercantes
que transportam ajuda alimentar à população da Somália.
Nesse contexto, a costa da Somália tem chamado a atenção da
comunidade internacional, pois vem sendo palco da ocorrência rotineira de ataques piratas aos navios que navegam em suas cercanias,
por onde passam as rotas que demandam o canal de Suez, golfo
de Aden e boa parte do transporte oriundo do estreito de Ormuz.
Cerca de 52% dos ataques piratas registrados pelo International
Maritime Bureau (IMB) ocorreram na região do chamado “Chifre
da África”. Dos ataques efetivamente consumados, 42% se deram
contra navios em movimento, havendo registros de ataques conduzidos a 970 milhas náuticas a leste de Mogadishu, o que denota a
estrutura de meios marítimos de que podem dispor esses atacantes
e sua capacidade de atuação.
Este artigo busca expor como os EUA se estruturaram para reagir
às ameaças representadas pelo terrorismo e pela pirataria marítima,
por meio das suas forças de operações especiais, particularmente os
mergulhadores de combate da Marinha norte-americana, conhecidos pela sigla SEAL.(1)
A análise realizada apresenta um panorama sumário acerca da
estrutura operacional dos SEALs e as alterações introduzidas após os
ataques de 11 de setembro de 2001, destacando uma parcela do seu
emprego atual: o combate à pirataria marítima e ao terrorismo.
No final do texto, é apresentada uma breve comparação entre os
SEALs e os mergulhadores de combate (MEC) da Marinha do Brasil.
Estrutura dos SEAL Teams
Os SEAL Teams são as unidades operacionais dos mergulhadores de combate norte-americanos. Elas são subordinadas ao Naval
Special Warfare Command (NSWC), que é o componente marítimo
vinculado ao United States Special Operations Command (SOCOM),
por sua vez, ligado diretamente ao Ministério da Defesa (Departament of Defense – DoD).
Os SEAL Teams
Revista do Clube Naval • 357
31
O Naval Special Warfare Command concentra cerca de 2 mil
militares SEAL e quase o dobro, quando contabilizados o pessoal de
apoio e staff, distribuídos em cinco grandes Comandos (Naval Special
Warfare Groups – NSWG). Existem oito SEAL Teams subordinados
aos NSWG, possuindo, cada um, cerca de 130 militares SEAL, além da
unidade SEAL que opera os veículos minissubmarinos (SEAL Delivery
Vehicle Teams – SDVT) e das unidades que operam as embarcações
especiais utilizadas pelos SEALs (Special Boat Teams).
foi denominada de Esquadrão de Mergulhadores de Combate (Naval
Special Warfare Squadron). Além dos SEALs, ela conta também com
as embarcações de operações especiais, minissubmarinos e desativadores de artefatos explosivos. Esses esquadrões são normalmente
adjudicados a Forças-Tarefas Conjuntas de OpEsp.
Antes de 11 de setembro de 2001, os SEALs atuavam estritamente em ambiente marítimo e ribeirinho. Após os ataques, os
SEALs passaram a conduzir também outras tarefas de operações
especiais, inclusive em ambientes puramente terrestres, como reconhecimentos estratégicos e ações cirúrgicas envolvendo confronto
direto com tropas inimigas.
Há ainda o SEAL Team 6, oficialmente extinto em 1987, tendo
sido reconfigurado, passando a denominar-se DEVGRU ou NSWDG
(United States Naval Special Warfare Development Group), sendo encarregado das ações contraterroristas em ambiente marítimo. É uma
das unidades mais sigilosas das Forças Armadas norte-americanas,
ao lado da Força Delta, do Exército.
A mudança: 11 de setembro de 2001
Uma das consequências dos ataques terroristas de 11 de setembro foi a alteração da configuração do emprego operativo dos SEALs,
em combate, sobretudo com relação ao apoio tático e logístico e
ao comando e controle. O novo conceito passou a adotar o préposicionamento (deployment) de um SEAL Team inteiro, reforçado
por destacamentos de outras unidades. Essa estrutura de combate
Minissubmarino SDV (SEAL Delivery Vehicle Mk-8). Como não havia
informação precisa se as plataformas de petróleo Kaaot e Mabot possuíam
algum sistema radar capaz de detectar embarcações na superfície, a coleta
de dados de inteligência foi conduzida por meio dos SDV
Controle de área marítima,
combate à pirataria marítima e defesa das plataformas de petróleo
Como sucessão aos ataques de 11 de setembro, diversas ações de
abordagens, forçadas ou não, a navios suspeitos de terem ligações
ou mesmo que estivessem conduzindo membros da Al-Qaeda foram
realizadas pela parcela dos SEALs que se encontrava pré-posicionada
nas proximidades do golfo Pérsico. Outra importante tarefa desempenhada por esses militares foi o reconhecimento estratégico da área
Revista do Clube Naval • 357
Sequestro
do navio mercante
MV Maersk Alabama
Lifeboat do
MV Maersk Alabama
terrestre onde viria a ser posteriormente estabelecida a base de operações denominada Camp Rhino, a primeira base avançada estabelecida
no Afeganistão, como parte da Operação Enduring Freedom.
Durante as operações de interdição marítima (MIO)(2) realizadas
antes e durante a invasão do Iraque, os SEALs foram utilizados
novamente para abordarem navios e investigarem a existência de
membros da Al-Qaeda.
Além disso, os SEALs conduziram ações de reconhecimento
nas águas do canal que liga o porto de Um Qasr ao Golfo Pérsico,
interceptando e capturando todos os navios e embarcações capazes
de lançar minas de fundeio. A preocupação com esta ameaça era
grande, uma vez que, dias antes da operação, o navio-patrulha USS
Firebolt (PC 10), apreendeu 86 minas que estavam sendo conduzidas
por uma chata na região.
Os SEALs já haviam conduzido reconhecimentos estratégicos
submersos nas águas do golfo Pérsico mesmo antes da invasão do
Iraque, empregando os veículos submersíveis SDV,(3) lançados por
uma embarcação de operações especiais Mk-V. As tarefas atribuídas
32
Saltando com
paraquedas (SLOP)
Revista do Clube Naval • 357
a essas equipes foram: realizar
reconhecimentos hidrográficos
submersos das plataformas de
petróleo Al Basrah (ou Mina AlBakr Oil Terminal – Mabot) e
Khawr al-Amaya (ou Khor alAmaya Oil Terminal – Kaaot). Os
SEALs mergulharam por baixo
das plataformas e levaram várias
horas tirando fotografias e coletando outros dados de inteligência sobre a estrutura, pontos de
possível acesso, assim como sobre
a atividade e estado de alerta dos
iraquianos. Posteriormente, uma
força conjunta e combinada de US
Navy SEALs foi formada para realizar a captura dessas plataformas.
Ela contava com os poloneses do
GROM (Grupa Reagowania Operacyjno-Manewrowego – Grupo
Operacional de Reação Rápida) e os fuzileiros britânicos, além dos
helicópteros e embarcações empregados para a inserção.
Mais recentemente, em abril de 2009, uma reação militar interrompeu uma investida pirata contra outro navio desarmado, agora
no golfo de Aden, na costa da Somália. Tratou-se do sequestro do
navio mercante norte-americano MV Maersk Alabama. No dia 8 de
abril, quatro piratas somalis, armados de fuzis AK-47, atacaram o
navio, em águas internacionais, a cerca de 350 milhas de distância
da costa da Somália, mantendo o comandante como refém. O resgate
exigido foi US$ 1 milhão. A Marinha norte-americana determinou
ao contratorpedeiro USS Bainbridge que se deslocasse para a área,
assim como designou uma equipe SEAL para se encontrar com o
navio. O encontro (rendezvouz) ocorreu após a equipe haver saltado
com paraquedas (SLOP),(4) em pleno mar, no ponto previamente
acertado com o navio. Com a recusa da cooperação por parte dos
piratas e considerando o risco a que estava submetido o comandante
do navio, os atiradores de precisão SEALs aniquilaram os agentes
adversos, possibilitando o resgate bem-sucedido do refém.
33
Os Mergulhadores de Combate do Brasil
lançados por submarinos, navios, aviões etc. Entre a gama de
equipamentos que utilizam estão vários tipos de equipamentos de
mergulho, caiaques, lanchas de alta velocidade, embarcações pneumáticas, paraquedas e armamentos diversos. O GRUMEC realiza,
também, a desativação de artefatos explosivos subaquáticos e possui
No Brasil, a unidade que se equipara aos SEALs Teams é o
Grupamento de Mergulhadores de Combate (GRUMEC). A implementação do mergulho de combate (MEC) na nossa Marinha foi
iniciada há cerca de quatro décadas, tendo sido possível devido aos
conhecimentos adquiridos pelos oficiais e praças que lograram
êxito nos cursos de MEC realizados junto às Marinhas dos Estados
Unidos da América e da França.
Nossos Mergulhadores de Combate são especialmente selecionados e adestrados para atuarem em ambientes de risco elevado,
empregando técnicas e métodos não convencionais, podendo ser
O Grupamento
de Mergulhadores
de Combate
(GRUMEC) em
treinamento
Conclusão
Militares do
GERR/MEC em
adestramento
de retomada
e resgate
34
Revista do Clube Naval • 357
exímios atiradores de precisão (snipers).
Nos anos iniciais, a atividade MEC no Brasil seguiu a doutrina
desenvolvida na II Guerra Mundial, conflito em que os mergulhadores de combate de outras Marinhas foram empregados realizando
a colocação de explosivos nas obras vivas de navios inimigos. Nesse
cruento combate eles também conduziram levantamentos hidrográficos das praias escolhidas para operações anfíbias, demolindo
os eventuais obstáculos existentes, de modo a prover melhores condições de abicagem para as embarcações e navios de desembarque.
Mas, ao longo dos anos, o GRUMEC incorporou novas doutrinas e
desenvolveu procedimentos próprios.
Assim, devido às suas habilitações específicas, os Mergulhadores
de Combate da Marinha do Brasil (MB) têm papel relevante nas
operações clássicas da guerra naval, assim como no combate ao
terrorismo e à pirataria em navios e instalações petrolíferas, entre
outros delitos transfronteiriços atuantes no mar.
Complementarmente, os Destacamentos de Abordagem do GRUMEC vêm fazendo parte das forças navais, em apoio aos Grupos de
Visita e Inspeção (GVI) dos nossos navios, contribuindo sobremaneira
nas ações de fiscalização das águas jurisdicionais brasileiras e nas
operações de controle de área marítima, atuando previamente aos
GVI, em caso de alvos não cooperativos ou potencialmente hostis.
A MB conta também com o Grupo Especial de Retomada e
Resgate do GRUMEC (GERR/MEC), voltado, desde a década de
1980, para ações contra elementos adversos em ambiente marítimo,
contribuindo para a proteção dos inúmeros terminais e plataformas
petrolíferas e navios na nossa Amazônia Azul.
O GRUMEC é, portanto, uma importante parcela do Poder Naval
do Brasil, podendo ser empregado nos mais variados ambientes
operacionais, em perfeita sintonia com as mudanças do século XXI,
em face de sua estrutura eficiente, de grande flexibilidade e agilidade
de emprego em múltiplas tarefas.
Revista do Clube Naval • 357
Os conflitos atuais e os delitos marítimos que transpassam
as fronteiras nacionais têm carreado as Marinhas de vários
países desenvolvidos para algumas transformações estruturais,
como a dos Estados Unidos da América, visando responder
adequadamente a tais ameaças.
A nação norte-americana, que representa, desde o esfacelamento da União Soviética, o principal poder militar estatal existente
no mundo, capaz de atuar em várias partes do planeta, conta com
um conjunto de militares de sua
Marinha, altamente selecionados
Lancha de
e adestrados, contribuindo de
Operações Especiais
forma relevante nessa empreiMk-V, usada pelos
tada: seus mergulhadores de
SEALs
combate – os SEALs.
Tendo em vista o rigoroso
processo de formação, o custobenefício compensador (5) e um
razoável período de efetivação
da qualificação operativa, (6)
cabe ressaltar a importância
que vem sendo dada a esses
combatentes de elite, uma vez
que forças de operações especiais não são produzidas em
massa, após um conflito haver
surgido.
35
Nos combates mais recentes, os SEALs estão sendo empregados de forma conjunta com outras tropas de operações especiais,
inclusive estrangeiras, conduzindo reconhecimentos estratégicos
terrestres ou submersos, realizando ações de busca e captura de
membros da Al-Qaeda e suas células coirmãs, assalto tático a instalações, combate ao terrorismo, entre outras tarefas. Fora dos conflitos,
eles vêm atuando, também, na repressão à pirataria marítima e aos
outros crimes internacionais.
O mundo globalizado, hoje, é multifacetado e o mar representa
um de seus aspectos mais importantes, pois cerca de 90% do comércio
mundial tem com força propulsora o transporte marítimo. O Brasil
é igualmente dependente desse sistema, uma vez que 95% do nosso
comércio internacional e cerca de 90% da produção de petróleo e gás
natural são potenciais ligados ao mar. Com a perspectiva do pré-sal,
estima-se que o Brasil será, em duas décadas, o 6º maior produtor de
petróleo do mundo, o que já vem gerando grandes atenções, que por sua
vez, tendem a aumentar as potencialidades de ataques externos, estatais
ou não, caso esteja vulnerável e não possa reagir ou se precaver.
Nesse contexto, a Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada em 2008, traça os caminhos para o remodelamento das nossas
forças de defesa. Na MB, concernente à END, faz-se destaque para
a perspectiva da implementação do Sistema de Gerenciamento da
Amazônia Azul (SisGAAz) que, em conjunto com os meios navais
necessários, entre eles o GRUMEC, contará com uma infraestrutura
de resposta adequada à vigilância, acompanhamento e reação às
eventuais ameaças.
Particularmente ao Brasil, em cujas águas jurisdicionais e leito
marinho repousam imensos recursos vivos e não vivos, representando parcela significativa da economia nacional e um potencial
marcante no cenário internacional, cabe prover-se de meios navais e
estruturas compatíveis com os interesses da nossa pátria. A Marinha
vem buscando compor o arcabouço correspondente às necessidades
afetas à defesa da nossa Amazônia Azul, estando o GRUMEC plenamente inserido neste contexto.
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Os SEALs em
treinamento
nas Operações
de Interdição
Marítima (MIO)
36
Revista do Clube Naval • 357
Revista do Clube Naval • 357
Notas
(1) Acrônimo de SEa, Air and Land, representando os ambientes
operacionais em que podem operar.
(2) Maritime Interdiction Operations – uma modalidade mais
reativa das Operações de Controle de Área Marítima.
(3) SEAL Delivery Vehicle.
(4) Salto Livre Operacional – SLOP, no qual os SEALs saltam
com seu armamento, equipamento e, por vezes, também com
embarcações.
(5) Investimentos relativamente pequenos, comparados às forças convencionais, grande poder de destruição em alvos pontuais e
possibilidade de mínima exposição política em certos casos.
(6) Cerca de dois a três anos.
37
ensaio
TI
TECNOLOGIA DA
INFORMAÇÃO
Uma síntese da participação dos
Oficiais da Marinha na formação
da sua base técnica no Brasil
Antônio Tângari Filho
N
Introdução
este século XXI a sigla TI aparece com frequência em
textos de natureza não técnica, em revistas, jornais e
programas de rádio e de TV.
Leitores, ouvintes e telespectadores, não habituados
aos jargões do ramo, antigamente chamados de “ibemês”, só ficam sabendo que se trata de tecnologia da
informação, acompanhando a matéria até o final.
De forma resumida, TI é o título que se dá ao conjunto: processamento de dados (ped); informática; teleprocessamento; banco de
dados; processamento distribuído; acesso à internet; celulares.
Muitas dessas técnicas, já existentes desde antes da metade do
século XX combinadas ou isoladamente, são hoje fundamentais para
praticamente todas as empresas, escolas, atividades de Estado, e
38
até mesmo para o conforto dos nossos lares. Podemos dizer que se
trata de um neologismo, para se referir às atividades de tratamento
da informação. A criação de novas expressões é muito comum, em
se tratando de tecnologias em permanente mutação. No presente
ensaio serão mencionadas as várias denominações, ligadas ao contexto e época em que foram utilizadas, todas elas nos remetendo
ao termo atual, tecnologia da informação (TI).
As famílias brasileiras têm cada vez mais acesso a microcomputadores desktops, laptops, e a modernos tablets, com muitos usuários
domiciliares ligados à grande rede “internet”. Paralelamente, os
governantes se esforçam em massificar o uso da tecnologia, com
programas do tipo “Internet para Todos”, “Banda Larga sem Fio
Gratuita para a População” – lamentavelmente em esforço nem
sempre bem coordenado e efetivo – para universalizar o conhecimento e uso dessas modernas tecnologias.
A Fundação Getulio Vargas, na sua 21ª Pesquisa Anual, diz que
em 2010 o Brasil já tem 72 milhões de computadores pessoais em
uso (desktop, PC, notebook, netbook). Segundo essa mesma pesquisa, a previsão é de que até 2014 venham a ser 140 milhões, ou
seja, duas máquinas para cada três habitantes.
Quanto ao uso da internet, por banda larga ou por linha discada,
levantamentos feitos pelas entidades ligadas à TI apontam para 10,8
milhões de IP (endereços de máquinas diretamente conectadas em
todo o território nacional com a internet), e cerca de 54 milhões
de brasileiros com acesso à Rede, considerados domicílios, escolas,
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empresas públicas e privadas, órgãos governamentais, bem como
usuários via telefonia móvel e lan houses.
No entanto, poucos brasileiros sabem da intensa participação da
Marinha do Brasil, por meio dos seus Oficiais, no desenvolvimento
dessa tecnologia.
O propósito deste artigo é contar um pouco dessa história,
procurando não cansar o prezado leitor, muito embora venha a
ser mandatório citar nomes e datas. Desde já, o autor, que deixou
o Serviço Ativo da Marinha em 1976, ressalta que as experiências e
participantes mencionados nessa pequena história, por certo não
são os únicos. Admite e se desculpa perante os possíveis leitores
pelas suas limitações e falhas de memória, em parte decorrentes
ainda da intenção de se restringir às dimensões reduzidas em que
um artigo dessa natureza teve que ser contido.
A ideia de escrever sobre assunto tão empolgante, surgiu há
alguns anos, durante almoço com um pequeno grupo de amigos
do Corpo de Intendentes da Marinha, no qual alguns fatos aqui
narrados foram rememorados.
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39
Primórdios
Funções Técnicas (QFT), inúmeros Oficiais Superiores da Marinha
optaram por fazer mestrado e doutorado em informática em universidades (PUC, Unicamp, USP), ao serem aprovados para cursar
a Escola de Guerra Naval. Isto gerou maior interação da Marinha
com a sociedade civil no que se refere àquela tecnologia, avançada
e em permanente expansão.
Pretende-se registrar participações expressivas da Marinha e de
seus Oficiais em empresas, instituições e iniciativas na informática,
que permitiram a sua constante evolução, até se chegar ao estágio atual, em que a tecnologia da informação (TI) se mostra tão presente.
Será mencionada também a expressiva contribuição do uso intenso
de apoio de informática às atividades técnico-administrativas da Marinha, que permitiu a implantação de sistemas inéditos no Brasil.
O sucesso de alguns destes sistemas, chamou a atenção de outros setores das administrações federal, estadual e municipal, e de
empresas privadas, sendo aproveitadas as experiências dos Oficiais
da Marinha envolvidos na sua concepção e desenvolvimento.
Em se tratando de um artigo, fica a esperança de que desperte
a curiosidade de outros colegas da Marinha, que por certo tiveram
participação marcante nesta história e poderão corrigir lacunas ou
falhas eventualmente cometidas pelo autor, que se considera um
perfeito “dinossauro”, se comparado aos jovens que hoje atuam
neste campo. A sua principal vantagem é a de ter tido o privilégio de
acompanhar pessoalmente uma pequena parte dessa “saga”, digna
de ser mais aprofundada e divulgada para as novas gerações.
Na década de 40 do século passado, a Comissão de Marinha
Mercante (CMM) criada em 7/3/1941, órgão vinculado ao Ministério
da Marinha até o final dos anos 60 – quando foi transferida para o
Ministério dos Transportes, e posteriormente reorganizada sob o
nome de Superintendência Nacional de Marinha Mercante (Sunamam) – já utilizava recursos de processamento de dados.
Logo após a sua criação, a CMM contratou à IBM máquinas,
então chamadas de convencionais, nas quais eram tabulados e
listados os dados estatísticos relativos à movimentação de carga
por via marítima/fluvial.
Essa experiência em processamento de dados, desenvolvida na
Marinha à época, era também aplicada pioneiramente no controle
do pagamento do seu pessoal militar e civil, assim como em algumas
grandes empresas no Brasil. O termo “hollerit”, como são chamados
os bilhetes de pagamento até hoje, nos remete ao estatístico norte
americano Hermann Hollerit (1860/1929) fundador da empresa
Tabulation Machines Corporation que deu origem à empresa IBM,
fabricante das máquinas usadas para processá-los e imprimi-los, e
antigamente utilizadas no Sistema de Pagamento da Marinha. A
IBM desenvolveu o primeiro computador, o Eniac em 1941, Sendo
até os dias atuais, líder na venda de equipamentos de grande porte,
os chamados mainframes.
Na CMM, embora sob nova jurisdição, não foi desprezada a
utilização de processamento de dados. Pelo contrário, foi cada vez
mais expandida, em razão do aumento do volume de informações
relativas ao transporte aquaviário a serem trabalhadas, e da criação
do adicional de frete marítimo, para cujo cálculo era essencial a
manutenção de uma base de dados estatísticos a partir do controle
dos manifestos de carga. Este fato levou a que cada vez mais fossem
necessários equipamentos de grande porte, e técnicos para desenvolver, manter e gerenciar tais atividades.
Assim, mesmo não mais subordinada ao Ministério da Marinha a
CMM, bem como a sua sucessora Sunamam, sempre contaram com
Oficiais cedidos pela Marinha – ou que passaram a prestar serviços
àquelas organizações após sua transferência para a Reserva – para
desempenhar as suas funções específicas, muito ligadas à atividade
marítima.
Concomitantemente, outras atividades de processamento de
dados na Marinha também evoluíam quase que geometricamente,
de sorte que, em 1965/66, a Diretoria de Intendência da Marinha
contratou junto à IBM um dos primeiros computadores de grande
porte em uso no país, modelo IBM/360. Antes já tinha acumulado
grande experiência no uso do computador IBM-1401 cuja memória
era de no máximo 32KB, mas diferentemente das máquinas classificadoras e de tabulação convencionais, permitia linguagens de
programação (Fortran, Cobol, RPG), em substituição à montagem
de instruções através de painéis.
A excepcional capacidade de processamento, alocada à Diretoria
de Intendência, apoiou também as complexas e vitais tarefas da
Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), assim como outros
setores da Marinha, enquanto não possuíam equipamentos próprios,
como por exemplo, a Diretoria de Pessoal, o Centro de Controle
de Estoque de Material, o Departamento de Pessoal do Comando
Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, o Centro de Adestramento
Alte. Marques Leão (Camaleão), entre outros.
Oficiais de Marinha – dos Corpos da Armada, de Fuzileiros
Navais e do Corpo de Intendentes – foram indicados para fazer
cursos específicos de programação nas dependências do Centro
Educacional da IBM, estrategicamente instalado na Rua Teófilo
Acima, em 1956, o disco rígido de 5Mb do primeiro computador com HD, da IBM (Foto cedida por Jorge e Janete Braga). Abaixo, um IBM 360, em plena atividade
Hermann Hollerit (1860/1929), fundador da IBM
Otoni, bem próximo do prédio do então Ministério da Marinha,
hoje sede do Primeiro Distrito Naval. Mostrando a preocupação da
Marinha com o assunto, bem antes de 1965, quando foi adquirido
o primeiro grande computador, o Currículo do Estágio dos GGMM
(IM) já incluía um curso básico de processamento de dados. Curiosamente, naquela mesma via pública, no final da década de 1970,
foi inicialmente instalado o Instituto de Processamento de Dados
e Informática da Marinha (IPDIM), no local onde hoje está a sede
da Diretoria de Portos e Costas da Marinha (DPC).
O contato cada vez mais frequente dos Oficiais da Marinha com
o mundo do processamento de dados levou à busca de talentos na
Marinha do Brasil, em decorrência da expansão do mercado que
se verificou a partir da década de 60 e pela carência de técnicos
especializados. A própria IBM se tornou uma voraz atuante nesse
tipo de “recrutamento”.
Na opinião deste autor, a perda de inteligências para o mercado,
em que pese ser no curto prazo prejudicial para a Marinha, sob o
aspecto macroeconômico foi um grande benefício para o país. Este
pessoal, altamente qualificado, tem sido responsável pelo desenvolvimento da informática e sua aplicação em inúmeras atividades,
colaborando para o progresso da nação.
Posteriormente, com a criação do então chamado Quadro de
40
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41
Rússia
É de suma importância que nós brasileiros, hoje usufruindo
desta maravilha que é a TI, saibamos da luta que foi chegar até ela,
para não esmorecermos na busca do permanente aperfeiçoamento,
única maneira de não se perder o nível técnico atingido e conseguir
acompanhar a sua explosiva evolução.
Mesmo a aparentemente singela facilidade de nossos filhos e
netos poderem se sentar diante de um micro com jogos eletrônicos,
não chegou até eles de “mão beijada”.
Bielo-Rússia
Angola
A Marinha do Brasil e a informática
Considerações preliminares
Já foi mencionado anteriormente que inúmeros Oficiais da
Marinha se dedicaram ao estudo, pesquisa, desenvolvimento e
implantação de técnicas relacionadas com o uso de processamento
de dados, desde a década de 40 do século XX, época em que no
Brasil não havia o ensino do assunto nos bancos escolares. De forma natural, em razão das suas atividades na Marinha, os Oficiais
Intendentes direcionaram-se para o software, e os Oficiais da Armada
e Engenheiros, em especial os de eletrônica para o hardware ou
para o “software básico”, necessários à operação de equipamentos
eletrônicos instalados a bordo dos navios da Marinha.
Sabiamente, as Autoridades Navais criaram o Instituto de
Processamento de Dados e Informática da Marinha (IPDIM) e o
Centro de Análise de Sistemas Navais (CASNAV), ambos no início
da década de 1970, reconhecendo a necessidade de tratar separadamente as especializações.
Deve ser destacado que, detalhar a contribuição destes Oficiais
no aperfeiçoamento da informática na Marinha, não é o propósito
deste artigo, reconhecida que é como tendo atingido – como se
diria no ibemês antigo – um nível bastante sofisticado no “estado
da arte”, mas a sua contribuição para o Brasil em geral.
A propósito, muito se discutiu e ainda se discute, se a informática
é ciência ou arte. Os pioneiros da Assespro, Sucesu, Capre, Cobra, e
outras entidades ligadas ao meio, optaram por não adotar o termo
“computer science”, como o processamento de dados passou a ser
chamado nos Estados Unidos. Foi preferida a expressão francesa
“informatique”, julgada mais abrangente.
Provavelmente, dessa decisão derivou a ampla divulgação da tecnologia pelo termo “informática”. A esta terminologia, se seguiram
outras denominações, até passar a ser consagradamente chamada
de TI – tecnologia da informação.
Voltando ao tema deste artigo – a participação da Marinha e de
seus Oficiais no desenvolvimento da TI – em pesquisa sem grande
grau de aprofundamento, pode ser verificado que entre 1960 e 1980
mais de 50 Oficiais, ao pedirem seu desligamento do Serviço Ativo,
ou se transferirem para a Reserva, ocuparam ou ainda ocupam
funções de destaque nessa área de conhecimento. Essa participação
abrange diversas atividades, tais como:
• indústrias de equipamentos (hardware);
• concepção de sistemas e programas básicos (software);
• desenvolvimento de sistemas e programas aplicativos
(software);
• vendas de hardware e software e treinamento dos usuários;
• integração dos sistemas com as telecomunicações;
• ensino em universidades e cursos específicos de informática;
• consultoria e implantação de sistemas informatizados.
Determinante também para essa contribuição, foi o fato de que
diversos sistemas de uso corrente na Marinha tiveram emprego
quase que imediato em atividades empresariais e governamentais,
Peru
México
República Dominicana
O Siafi, inicialmente implantado na Marinha, acabou sendo atodado por muitos países
gestão na Rússia, Bielo-Rússia, Angola, Peru, México, República
Dominicana, e outros países.
A seguir serão lembradas experiências específicas de Oficiais da
Marinha no âmbito da informática ressaltando a influência de suas
atuações, e grupando-as em tópicos que sejam correlatos. Como
ressalvado anteriormente, não há a pretensão de esgotar o assunto, muito menos de registrar de forma completa e com exatidão
cronológica a participação de todos os que saíram da Marinha e
ingressaram neste mundo novo, levando seu conhecimento técnico
e vontade de colaborar para o engrandecimento do Brasil, além
das atender às suas realizações pessoais e profissionais. Trata-se
tão somente de mostrar um panorama geral, com o propósito de
propiciar ao leitor o conhecimento do que foi feito pelo pessoal da
Marinha, para e pela informática do nosso país.
Antes, voltando à Escola Naval, nos idos de 1957/1958, não
pode deixar de ser mencionado que o Comte (IM) Carlos Augusto
Guimarães Cordovil, professor de Cálculo Integral e posteriormente
de Mecanografia na Escola Naval era um grande incentivador do
estudo de ciências exatas. Foi ele responsável pelo convencimento e
tomada de decisão por Oficiais da Marinha de algumas gerações, de
que deveriam continuar estudando, alguns optando por Matemática,
Economia, Estatística, Contabilidade, Física, ou Engenharia Eletrônica, já que não havia ainda cursos regulares de processamento
de dados no Brasil. Ele próprio dizia que tinha um pequeno local
sossegado, para poder se manter atualizado nas matérias que lecionava. Ao deixar o Serviço Ativo da Marinha, em 1961, foi um dos
primeiros contratados pela IBM do Brasil.
Nos estabelecimentos bancários e financeiros
na medida em que os seus Oficiais se retiravam do Serviço Ativo e
de pronto eram recrutados pela sociedade civil.
Exemplos incontestes, para ficar somente em casos mais marcantes, podem ser mencionados:
• uso do dígito verificador, adotado pelo Sistema de Pagamento
da Marinha, e hoje disseminado em todos os sistemas que processam
grandes cadastros;
• técnicas de abastecimento controle e catalogação de material,
indispensáveis para qualquer entidade, de grande ou médio porte;
• Sistema de Pagamento da Marinha, iniciado na década de
1940, e considerado dos mais aperfeiçoados, sendo replicado em
inúmeras empresas e organizações do Brasil;
• Sistema de Consignações (desconto em folha de pagamento), que
atualmente serve de base para o tão festejado crédito consignado;
• Sistema de Controle e Acompanhamento do Plano Diretor
(planejamento e execução orçamentária), implantado na Marinha
nas décadas de 1960/1970, e transplantado com sucesso para empresas, e entidades públicas no país e no exterior.
Deve ser ressaltado ainda que a meta de transparência nas despesas públicas, hoje tão festejada nos meios de comunicação pela
facilidade de acesso via internet – vide as informações divulgadas pela
ONG Contas Abertas – não teria sido possível sem a participação da
Marinha. O primeiro ministério a descentralizar a Execução Financeira do Orçamento, com base em um sofisticado Sistema de Processamento de Dados foi o da Marinha, em 1967. Essa descentralização
reduziu a um mínimo as Despesas sob o Regime de Adiantamento de
Recursos, complicado e de difícil aplicação e controle.
Com a Circular nº 12 da Diretoria de Intendência da Marinha,
editada em 1967, foi dada a partida para ser projetado o hoje conhecido Siafi, Sistema Integrado de Administração Financeira, em vigor
nos governos federais, estaduais e municipais do Brasil. A Circular
42
Revista do Clube Naval • 357
nº 12 foi de tal repercussão positiva na Marinha que, além de passar
a ser cognominada por alguns como Circular do Zé (carinhosa e
reconhecida alusão ao seu mentor inicial, Comte Edison José Ribeiro), constou da publicação do Ministério do Planejamento Anais
da Reforma Administrativa no Brasil como sendo um dos marcos
daquela Reforma. Além da responsabilidade do Comte Edison na
sua concepção, deve ser destacado o indispensável apoio de Diretor
de Intendência da Marinha à época, VA (IM) Arnoldo Hasselmann
Fairbairn. Além de colocar à disposição a estrutura da Diretoria,
designou dois Oficiais para, em regime de mutirão (o autor deste
ensaio e o Ten (IM) Roberto Ricardo Calazans Tavares), auxiliarem
o Comte Edison na redação final, bem como na elaboração dos
formulários, anexos e demais documentos que vieram a compor
essa Circular. Tudo pronto, mas faltava a impressão dos documentos
para possibilitar a sua distribuição por todas as organizações da
MB. Entra aí, o espírito de equipe dos Intendentes da Marinha. O
então Comte (IM) Geraldo Souza Vieira servindo da DHN (futuro
Oficial General e Diretor da Diretoria de Intendência da Marinha),
obteve autorização para que o trabalho fosse feito na gráfica daquela
Diretoria, com qualidade excepcional, o que em muito contribuiu
para a sua rápida assimilação pela Marinha.
O Siafi inicialmente implantado na Marinha e idealizado pelo
Comte (IM) Edison José Ribeiro, baseado na primeira experiência
acima detalhada, e com a participação de uma equipe altamente
capacitada da Marinha, foi adotado pelos diversos níveis do governo e
até mesmo exportado. Assim é que, o Comte (IM) Carlos de Andrade
Duarte, que ao se transferir para a Reserva trabalhou na Secretaria
do Tesouro Nacional no desenvolvimento e implantação do Siafi
no governo federal, nos anos de 1986 e 1987, e o Comte Edison,
foram contratados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para
implantar nossas técnicas de gerência e controle de orçamento e
Revista do Clube Naval • 357
Em 1968, o Banco Nacional do Norte criou a sua Diretoria de
Processamento de Dados, chamando para ser titular o Comte (IM)
Zemar Carneiro de Rezende, antigo chefe da Divisão de Consignações
da Diretoria de Intendência da Marinha, à época se transferindo para
a Reserva. O Comte Zemar, posteriormente convidou um antigo seu
comandado, o Comte (IM) Manfredo Carlos Zenkert, que se retirou
do Serviço Ativo da Marinha para também trabalhar no Banorte.
Em 1967, deixa o Serviço Ativo da Marinha o Comte (CA) Adolpho Ferreira de Oliveira, para fundar a corretora que levou o seu
nome, posteriormente transformada em banco. Essa corretora foi
uma das primeiras do Rio de Janeiro a utilizar um terminal para
consulta à Bolsa de Valores, Para tal se valeu da experiência adquirida
na Marinha, e buscou a assessoria de Oficiais familiarizados com o
desenvolvimento de software.
Também, de grande importância tem sido a contribuição para
as entidades bancárias no desenvolvimento de software, através da
consultoria para automação bancária, prestada já no final do século
XX e início do século XXI, pelos técnicos da empresa Lab-System,
fundada pelo Comte (IM) Osmar Boavista da Cunha Júnior, tendo
como um dos seus colaboradores o autor deste trabalho.
Nos setores de hardware,
“software básico” e equipamentos periféricos
Em 1961, o Comte (EN) Antônio Carlos Didier Barbosa Vianna
pede transferência para a Reserva. Atuando na área de hardware fundou as empresas Microlab e Impelco, localizadas no Rio de Janeiro,
produzindo diversos equipamentos entre os quais, unidades de fita
magnética, discos rígidos e winchesters, então essenciais para os
Centros de Processamento de Dados. Foi presidente da Associação
Brasileira das Indústrias de Computadores e Periféricos (Abicomp).
Merece uma referência especial a participação da Marinha no
43
desenvolvimento, no Laboratório de Sistemas Digitais
da USP, do primeiro computador nacional de 8 bits com
4 Kbites de memória. O inicialmente chamado “Patinho
Feio” concluído em 1972. Patinho Feio, em alusão à
canção “Cisne Branco”, bastante conhecida nos navios
e estabelecimentos navais.
Esse projeto, apoiado enfaticamente pela Marinha,
que estava interessada em desenvolver equipamentos e
“software básico” para as Fragatas em início de construção na Inglaterra, muito contribuiu para a base
tecnológica da qual se derivou a indústria de eletrônica
e microeletrônica no Brasil. Alguns Oficiais da Marinha
se dedicaram denodadamente ao projeto, que visava procurar substituir equipamentos importados por similares
construídos no Brasil.
A empresa Cobra – Computadores Brasileiros, fundada em 1974, com forte apoio da Marinha e do BNDE
foi herdeira desse desenvolvimento, lançando em 1980 o
computador Cobra 530, que derivou do Projeto G-10 (o G
tirado da inicial do nome de guerra do Comte (CA) José Luiz
Guaranys Rego, especializado em eletrônica). Na Marinha
e em alguns meios acadêmicos, esse projeto pioneiro ficou
conhecido como Projeto Guaranys.
A Cobra, além de outros diretores, teve dois Oficiais da
Marinha na sua Presidência, o Alte (EN) José Claudio Frederico Beltrão e o Comte Antônio Carlos de Loyola Reis.
O Comte Guaranys, juntamente com o Comte (EN)
Cleofas Ismael de Medeiros Uchoa, então já tendo saído
do Serviço Ativo da Marinha e atuando na Digibrás,
assim como o Comte (CA) Pedro Paulo Betim Paes Leme, também
especializado em eletrônica, atuaram de forma marcante nessa fase
embrionária da indústria eletrônica do país. Na ocasião, a Marinha
tinha uma grande preocupação em absorver a tecnologia da empresa
Ferranti, que fornecia os equipamentos eletrônicos das Fragatas,
como dito anteriormente, em construção na Inglaterra e com
previsão para posteriormente serem construídas no Brasil, como
realmente o foram, no Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro.
São testemunhos da influência desses Oficiais da Marinha
naqueles chamados “tempos difíceis” da indústria nacional, os
seguintes pronunciamentos de profissionais isentos, por serem
estranhos à Marinha.
• Homenagem ao Comte Paes Leme na Sessão Solene de
Abertura do Primeiro Congresso Nacional de Processamento de
Dados, em 9 de setembro de 1968. “Antes de mais nada, é nosso
dever prestar uma homenagem ao Comte Pedro Paulo Betim Paes
Leme, que morreu trabalhando. Para tal estirpe de homem é que
peço ao Plenário um minuto de silêncio, de pé, como nossa sincera
e última homenagem.” Palavras do coordenador-geral do Congresso
Eng. Juan Missirlian.
Este Primeiro Congresso de Informática, bastante prestigiado
pela MB, constitui um dos marcos da grande interação da Marinha
com a sociedade civil.
• Trechos do livro Rastro de cobra, de 1984, no qual sua
autora, Silvia Helena Vianna Rodrigues, conta a saga da criação
e consolidação da Cobra – Computadores Brasileiros: “Um dos
maiores batalhadores pela criação da indústria brasileira de computadores, Guaranys não viveu para ver concretizada a primeira
empresa: a Cobra que ajudou a criar... O comandante Guaranys
era dos mais atentos, na Diretoria de Eletrônica da Marinha, para
a questão das modificações introduzidas pelos equipamentos de
computação em todo o funcionamento naval.”
“Uchoa deixara a Marinha em 1968, assumindo a Diretoria Técnica da Digibrás, presidida por Ézio Távora... Passada pelo presidente
da Digibrás a Uchoa... este assumiu a tarefa com garra, e em julho
estava feita a Cobra.”
O governo federal, primeiramente em 1975, através da Capre
– Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento
Eletrônico, subordinada à Seplan, e a partir de 1979, da Secretaria
Especial de Informática (SEI), subordinada ao Conselho de Segurança Nacional, passou a interferir diretamente na formulação de
uma Política Nacional de Informática, gerando a chamada Reserva
de Mercado. À época objetivava não só o progresso da indústria
local, mas também reduzir os resultados negativos da Balança de
Pagamentos do país.
Não cabe neste artigo descrever as incontáveis discussões em
torno do tema. A Reserva de Mercado teve muitos defensores e
detratores. No entanto, deve-se reconhecer que os estímulos à
pesquisa e desenvolvimento dela advindos, em muito colaboraram
para a formação da ampla base industrial existente hoje em dia, da
mesma maneira que a posterior abertura propiciou a inserção do
Brasil no mercado global de computadores e demais equipamentos
eletrônicos correlatos.
Em 1987, assume a SEI um Oficial da Marinha, o Comte (CA)
José Ezil Veiga da Rocha, na fase em que a Reserva de Mercado já
estava sendo flexibilizada.
Em 1988/89, na sua gestão, foi atualizado o Plano Nacional de
Informática (Planin), que incluiu uma Proposta de Plano Setorial de
Informática nos Transportes, através da Comissão Especial nº 31. No
Plano Setorial, que contou com a coordenação do autor deste artigo
na qualidade de representante da Sunamam, foi proposto um projeto
denominado Projeto Navio. Este projeto foi aprovado por aclamação
44
Revista do Clube Naval • 357
na Reunião Plenária da Comissão, realizada em Brasília.
O Projeto Navio, do qual participaram representantes dos setores ligados aos transportes (estaleiros, armadores, companhias de
navegação, DNER, Geipot, Portobràs), detalhava e propunha medidas de estímulo à informatização dos navios, desde a construção
até a operação, bem como na sua relação com os portos quando da
atracação e despacho.
Talvez, um tanto ou quanto utopicamente, mencionava o futuro
de se ter navios operando com apenas nove tripulantes, além do
seu comandante!
O período de 1985 até 1989 foi muito profícuo no uso da informática na Sunamam, graças ao apoio de seus principais diretores,
Comte Murillo Rubens Habbemma de Maia, Superintendente-Geral,
Comte Wander Amoroso Wang, Diretor-Geral de Planejamento e
Comte Alfredo Pinto de Magalhães Júnior, Diretor-Geral de Administração, que não mediram esforços para dotar a organização de
recursos para os investimentos em hardware planejados nos seus
Planos Diretores de Informática (PDI). Seu principal “cliente” da informática, o Diretor de Estatística, Comte Nauro Monteiro de Campos, cuja principal atribuição era fornecer subsídios para permitir o
cálculo do adicional do frete marítimo – de implicações financeiras
importantes para o Fundo de Marinha Mercante e, ipso facto para a
expansão da Marinha Mercante Nacional – também muito colaborou,
de forma proativa e eficaz, com a informática. A equipe de informática da Sunamam, reformulada na gestão dos Comtes Habbemma
e Wander, desenvolveu e implantou diversos sistemas de TI, que
permitiam o acesso dos diretores a informações importantes para
a formulação da Política de Navegação, via terminais on-line. Foi
também iniciada, em projeto conjunto com técnicos da Secretaria de
Transportes Aquaviários, a descentralização da entrada de dados dos
manifestos de carga, utilizando microcomputadores nos principais
portos de embarque e desembarque de mercadorias.
Não pode deixar de ser citado que uma das grandes concorrentes
da IBM nos EUA e no Brasil, no fornecimento de computadores,
especialmente para as grandes empresas de engenharia foi a Control
Data. Essa empresa chegou a contar
com grande participação no mercado,
tendo como um dos seus principais
clientes a Petrobras. Na década de
1990, por estratégia de marketing,
ela deixou de atuar, de forma direta,
no Brasil. O CT (IM) Renaldo Pereira
Nunes foi vice-presidente da Control
Data do Brasil.
No anuário Computerworld do
Brasil (CWB) de informática, editado
em 1988/1989, foram listadas 2 mil
empresas no setor, registrando um
acréscimo de 700 novas em relação
ao de 1987/1988, certamente, fruto
da Política Nacional de Informática
implantada no período.
Marinha foram convidados para assumir cargos de direção no
Serpro, o Comte (IM) Antônio Bernardino de Carvalho e o Comte
(IM) Thomaz Edison Goulart do Amarante.
Esses Oficiais, com grande experiência de processamento de
dados, gerência de projetos e de implantação de técnicas de planejamento com o Plano Diretor, juntamente com vários outros que
saíram da Marinha para trabalhar nessa nova atividade – entre eles
são mencionados o Comte (FN) José Danilo Silvestre Fernandes, e os
1T (IM) RNR Augusto Dolher do Carmo e Gilson Leal Barbosa – foram
os impulsionadores do crescimento e pujança atual do Serpro.
Ainda com relação ao Serpro, responsável pela administração
dos sistemas de TI do Ministério da Fazenda, deve ser especialmente
citado o Centro de Informações Econômico-Fiscais (CIEF). Trata-se
de um sistema que opera uma imensa base de dados, hoje apoiada
nos computadores de maior capacidade instalados no Brasil, onde
são concentradas e cruzadas as informações de caráter fiscal de
empresas e pessoas físicas, dando suporte ao governo federal na
arrecadação e na formulação de políticas econômicas.
Na fase inicial de formação do CIEF, a participação dos Oficiais
e técnicos oriundos da Marinha que optaram em trabalhar em
informática foi muito intensa. O Comte Edison, anteriormente
mencionado, mesmo enquanto no Serviço Ativo e por determinação
dos Ministros da Marinha à época, colaborou durante muitos anos
com o Serpro, na qualidade de assessor especial. Nesse período foi
implantado um documento único para controlar a arrecadação, o
conhecido DARF, que contou com a sua assessoria na concepção do
layout. Esse documento, depois adotado nos estados e nos municípios, propiciou o controle individualizado de cada recolhimento de
impostos e taxas pelos cidadãos e empresas. O DARF, associado aos
cadastros de contribuintes, é essencial também para o cruzamento
de informações sobre arrecadação.
Notícias veiculadas na internet dão conta de que:
“A Receita Federal passou a contar com o T-Rex, um supercomputador que leva o nome do devastador Tiranossauro rex, e o
software Harpia, ave de rapina mais poderosa do país, que teria até
No desenvolvimento de
software e aplicações para PED
Em 1964, o Ministério da Fazenda
resolve centralizar as atividades de
processamento de dados, criando o
Serviço Federal de Processamento
de Dados (Serpro). Dois Oficiais da
Revista do Clube Naval • 357
470 Roda Linux, um dos quinze maiores computadores do mundo, atualmente
45
a capacidade de aprender com o ‘comportamento’ dos contribuintes
para detectar irregularidades. O programa vai integrar as secretarias
estaduais da Fazenda, instituições financeiras, administradoras de
cartões de crédito e os cartórios.”
Com certeza tal poder de verificação, essencial para o Estado,
mas intimidador para os cidadãos, não deixa de ser uma ferramenta
importante no combate à sonegação.
Esperamos que contribua para ser possível um real alívio na
carga fiscal, em futuro não muito remoto. Sem a base montada
pelo Serpro e seus colaboradores iniciais, muitos da Marinha, não
se teria chegado a tal grau de sofisticação.
Ainda no âmbito do governo federal, a produção de estatísticas
se ressentia, no final da década de 1960, de um órgão que tivesse
flexibilidade e permitisse tornar os censos mais ágeis, com seus
resultados processados com maior segurança e rapidez.
Para tal, em 1973 foi criada a Fundação IBGE na estrutura do
Ministério do Planejamento, de grande importância e respeitabilidade. Essa Fundação também contou com
Oficiais de Marinha na montagem da estrutura informatizada, entre eles o CT (IM)
Hidelberto Gonçalves Tavares, estudioso de
Matemática, estatística e processamento de
dados, e conhecido pelos seus amigos na
Marinha, da Turma Elmo, como “Sinésio”,
em alusão ao Professor Sinésio de Farias,
autor do livro Curso de Álgebra, muito
familiar aos que faziam concursos para as
escolas militares na década de 1950.
O IBGE adquiriu os mais modernos
equipamentos então existentes e hoje é motivo de orgulho dos brasileiros, tendo seus
trabalhos muita credibilidade, pela abrangência e metodologia de pesquisa desenvolvida. Sempre com o suporte de atualizados
sistemas de hardware e software.
No que diz respeito às iniciativas no setor privado da economia, a
partir da década de 1960 os Oficiais saídos da Marinha, muitos deles recrutados pela IBM, passaram a atuar como representantes técnicos (RT),
tendo contato com grandes empresas nacionais e multinacionais.
No final dos anos 60 era grande a carência de pessoal especializado em Processamento Eletrônico de Dados (PED), com conhecimento da programação dos novos computadores e de técnicas de
análise e projetos de sistemas. Por esse motivo, alguns migraram
para empresas clientes da IBM, ou criaram suas empresas de consultoria ou de “bureau de serviços”.
O mercado necessitava e havia pouca disponibilidade de técnicos,
principalmente pela falta de formação regular. Essa deficiência só
passou a ser sanada, com a criação dos cursos de programação,
análise de sistemas e os de tecnólogos de processamento de dados,
no Rio de Janeiro, por iniciativa da PUC, da UFRJ e da Petrobras,
assim como em São Paulo, através da USP e Unicamp.
Na Marinha o IPDIM, órgão responsável pela condução das
atividades de processamento de dados, preocupado com a demanda
decorrente da expansão da informática não suprida adequadamente por especialistas, tomou a iniciativa de propor um Curso
de Formação de Técnicos em Análise de Sistemas (CESTASPDO)
que teve como primeiro encarregado, o Comte (IM) Túlio Cícero
Cavalcante de Albuquerque.
A partir de 1980 é que começaram a se multiplicar, principalmente nas capitais dos estados, os cursos específicos de informá-
tica, que formaram gerações de técnicos nos mais diversos níveis.
Atualmente, são bastante comuns os cursos de informática para a
terceira idade. Mais um sinal da importância da informática, ou TI,
para a sociedade brasileira!
Logicamente, sendo então um mercado com restrição na
oferta de mão de obra especializada, houve estímulos para que
Oficiais do Corpo de Intendentes da Marinha, familiarizados há
muito com o assunto, nele encontrassem um nicho importante
para atuação, como técnicos, consultores e empreendedores, à
medida que saíam do Serviço Ativo.
As décadas de 1970 e de 1980 foram ricas nesse tipo de
experiência!
Inúmeras empresas de consultoria em análise de sistemas
foram criadas nesse período, algumas delas por Oficiais oriundos da Marinha e ainda prestando serviços reconhecidos como
excelentes pelos seus clientes.
Para ficar em apenas alguns exemplos, uma vez que seria difícil
fazer pesquisas nas Juntas Comerciais ou nos
Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas,
além de inadequado a um artigo que pretende
ser o mais sucinto possível, o autor passa a
relatar alguns casos vitoriosos.
Em 1970, o CT (IM) Alberto Machado
Corrêa Netto, recém-saído do Serviço
Ativo, e o Comte (IM) Antônio Bernardino de Carvalho ex-diretor do Serpro, se
juntaram a outros Oficiais e fundaram
uma sociedade civil, voltada basicamente
para análise e projeto de sistemas. Como a
sociedade civil então formada não detinha
imóveis, máquinas e equipamentos, o seu
capital era representado pela experiência
e, porque não dizer, pela inteligência dos
seus associados e consultores.
Essa sociedade civil foi denominada
PPS – Planejamento, Projetos, Sistemas, e contou inicialmente,
além dos diretores acima mencionados, com os Comtes José Maria
Teixeira da Cunha Sobrinho (um dos seus idealizadores), Nilo
Mendes Figueiredo, Edison José Ribeiro, Sérvio Gama de Almeida,
e com o autor deste artigo, que teve o privilégio de conviver com
esta plêiade de mentes criativas.
Este grupo, além de ter técnicos de alto nível, foi reforçado por
inúmeros outros consultores, entre os quais se ressaltam: os Comtes
(IM) José Eduardo Amaral de Sá, José Carlos Sette Ferreira Pires,
Luiz Vicente Franco, Jiro Kawase, o Ten (IM) Gilson Leal Barbosa
e Ten (CA) Jorge Araújo (atualmente professor da Escola Naval).
No decorrer das décadas de 1970 e de 1980, foram desenvolvidos
e implantados diversos sistemas, além de treinamento do pessoal
das empresas contratantes.
No anuário CWB de Informática, anos 1988/1989, a PPS está
catalogada como “Software House”, com menção aos diversos
sistemas nela desenvolvidos, em especial nas áreas de patrimônio,
livros fiscais, atendimento médico, controle acadêmico, mala direta,
contabilidade, entre outros.
Ainda na década de 1970, alguns Oficiais também oriundos da Marinha, entre os quais os CT (IM) Haroldo Medeiros Duarte, e Roberto
Ricardo Calazans Tavares fundaram a empresa Interdata que, além
de prestar serviços de análise, projeto, implantação e treinamento de
pessoal para as atividades de PED, montou um “bureau de serviços”,
que continua atendendo à própria empresa e a diversos clientes.
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Essa empresa se consolidou no mercado e presta serviços especializados de TI para administradoras de cartões de crédito, imóveis,
entre outras atividades que requerem grandes bancos de dados.
A Interdata também consta do anuário CWB de Informática
1988/1989 como “software house”.
Mas não só como empresários os Oficiais que saíram da
Marinha para se dedicarem à TI foram de grande influência no
seu desenvolvimento.
Muitos se firmaram na IBM, com carreiras brilhantes. Entre eles:
Comte (IM) Vinício La Maison Buschmann, CT (CA) Hélio Paes, CT
(CA) João Luiz Volmmer Motta Paes Ten (IM) Roberto Vidal Lameiro,
Ten (IM) Gustavo Ribas da Gama Lima, o Ten (IM) Eduardo Mello
Barbieri. Deve ser mencionado também o Comte (IM) Paulo Arivaldo
de Aragão Filho, especialista em controle e gestão usando técnicas de
informática e de Plano Diretor, que se dedicou a aplicar seus conhecimentos nos municípios do Brasil, ao se retirar do Serviço Ativo.
A Datamec, empresa que presta serviços à CEF, também contou com Oficiais da Marinha, entre eles
o Comte (FN) Roberto Berlinck Ramos.
Sendo empresa praticamente estatal, sua
diretoria era política, mas mesmo assim,
o autor deste artigo no ano de 1984 teve
a honra de compor uma lista de possíveis
presidentes. Foi escolhido um dirigente do
PTB no estado do Rio.
Outros, ao se retirarem do Serviço
Ativo, especializaram-se em auditoria e
segurança em TI, entre os quais podem
ser lembrados: Comte (CA) Gabriel de
Almeida, com intensa participação em
congressos nacionais e internacionais de
TI, bem como em cursos especiais, relacionados com a segurança nas atividades
de informática; Comte (IM) Roberto de
Castro Filho, que foi diretor da empresa
Price Watherhouse e Coopers de auditoria e o Comte (IM) José
Augusto Vieira, consultor de várias empresas sobre auditoria em
sistemas de TI, atualmente na Dataprev.
Com o advento dos micros, as planilhas de aplicativos foram
adaptadas e largamente difundidas. Passou-se então da fase de desenvolvimento de programas aplicativos, para a nova situação em que
para quase todo tipo de necessidade havia um software disponível
no mercado, inúmeros desenvolvidos por empresas nacionais.
Comercializado pela Microsoft, um dos softwares mais utilizados
tem sido o Excel. Dois Oficiais oriundos da Marinha são considerados
experts no uso do Excel, com brilhante sucesso na sua utilização
nas empresas e entidades por onde passaram: os Comtes (IM) Jiro
Kawase e Nelson Brasileiro de Medeiros, ambos prestando inestimável colaboração ao Clube Naval, e também ao querido Flamengo,
no caso do Comte Brasileiro.
Como exemplo de elevado conhecimento técnico, merece ser
narrado um fato ocorrido na antiga Sunamam. Em 1987, o Comte
(IM) João Luiz Carneiro Cerqueira era o seu Diretor Financeiro e
solicitou ao autor deste artigo, à época Diretor de Informática, que
pesquisasse e adquirisse um desses softwares – a planilha Lotus –
para uso na sua diretoria. Cerca de um mês após a compra, liga o
dono da empresa de software para o Diretor de Informática. O propósito do telefonema era pedir desculpas e solicitar paciência, pois
o Comte Carneiro havia levantado questões tão importantes e de tal
complexidade, que ele pediu à matriz nos EUA que enviasse um dos
Revista do Clube Naval • 357
técnicos desenvolvedores do programa para tentar esclarecer.
Os Oficiais da Marinha trabalharam também na Aviação Civil!
Na então chamada ARSA (Aeroportos do Rio de Janeiro S/A),
foi criado e implantado um sistema de automação para o Aeroporto
do Galeão, pelo CT (CA) Roberto Antônio Las Casas Bruce, quando
dirigiu o seu Departamento de Informática.
O Comte (IM) Osmar Boavista da Cunha Júnior, e o Comte (CA)
Luiz Fernando Melo de Almeida, em datas posteriores também
dirigiram o Departamento de Informática da ARSA.
Nas telecomunicações e teleprocessamento de dados
Em 1962, segundo dados da Telebrás, havia no país 1.326.000
linhas telefônicas instaladas. Hoje em dia, contando os aparelhos
celulares temos praticamente uma linha para cada habitante!
Além das linhas telefônicas, o uso da banda larga e da internet
tem crescido vertiginosamente no Brasil, sendo a opinião dos especialistas que muito ainda há para se expandir.
No entanto, poucos brasileiros sabem
o longo caminho percorrido até se chegar
a este ponto. “Com base na reconstituição
das ações que precederam a implantação da
internet no Brasil, o artigo tem por objetivo
demonstrar que, como em toda inovação
tecnológica, sua expansão/apropriação é
o resultado de um processo mais longo
do que transparece para o grande público
(...) No país, dependendo de quem fala, as
estimativas variam de 450 mil a 1 milhão.
Esta incerteza, porém, não parece ser um
problema; acredita-se que a constituição
da clientela da rede também chamada ‘comunidade virtual’ está apenas começando
e que, portanto, esses números só tendem a
crescer num ritmo cada vez mais rápido.”
As citações acima são do excelente artigo,
de 1997, “Redes técnicas/redes sociais: a pré-história da Internet no
Brasil”, autoria de Tamara Benakouche, disponível para consulta e
leitura na internet.
Na realidade, muitos fatos precederam o estágio atual que foi
alcançado. Mesmo a ampla e ousada privatização das telecomunicações, que independentemente do ponto de vista de cada um
trouxe mais investimentos para o setor a partir de 1998, não teria
sido possível sem a base anteriormente formada, para o que os
Oficiais da Marinha contribuíram de forma inequívoca, com se
procurará mostrar a seguir.
Entre as providências que precederam o “boom” das telecomunicações, merecem ser destacadas:
• aprovação do Código Brasileiro de Telecomunicações em 1962;
• criação em julho de 1972 da Telebrás;
• fundação em setembro de 1965 da Embratel, que adquiriu a Companhia Telefônica Brasileira, e instalou em março de 1966 em Tanguá,
RJ, a primeira estação terrestre de comunicação via satélite;
• implantação pela Telebrás e Embratel, em 1984 da Renpac,
rede de telecomunicações que opera o Sistema de Comunicação
de Dados por Comutação de Pacotes. Na época com a incrível capacidade de transmitir 512 bytes, à velocidade de 56.000 bits por
segundo (BPS)! A Renpac pode ser considerada como a precursora da
internet, e ainda hoje é comercializada pela Embratel, para empresas
que necessitam de transmissão de grandes arquivos;
• criação em 1980 da rede Transdata.
47
Esse conjunto de medidas formou a base para o desenvolvimento
da telefonia, e sua conjugação com a informática foi responsável
pelo surgimento no Brasil da então chamada telemática.
Pode-se dizer que tudo isso foi possível em grande parte graças
ao Comte (CA) Euclides Quandt de Oliveira, que a partir de 1970
colocou seu dinamismo e visão de futuro nas telecomunicações do
país a serviço do Contel, da Telebrás e da Embratel, especialmente
no período em que foi Ministro das Comunicações (1974 a 1979).
O Comte Quandt, apesar da sua capacidade, sempre foi consciente de que não poderia fazer tudo sozinho. Inteligentemente,
buscou se cercar de uma equipe de técnicos excepcionais tanto
em telecomunicações, quanto em administração, e que fossem
igualmente devotados ao bem público como ele.
Apenas para exemplificar, serão mencionados dois membros
daquela equipe, por serem também Oficiais da Marinha e assim
caberem no espírito que norteia este artigo.
Um deles é o Comte (EN) Luiz de Oliveira Machado
que, a partir de 1972, foi um dos pioneiros na Telebrás.
Passou posteriormente para a iniciativa privada, onde
teve muito sucesso. Foi escolhido o Executivo do Ano em
Telecomunicações em 1997. Outro que cabe ser citado é o
CC (IM) Henrique da Costa Ferreira Filho, especializado
em abastecimento, catalogação e controle de material, que
teve também intensa atuação na Telebrás a partir de 1977,
quando deixou o Serviço Ativo.
Marinha, trabalhou em diversos projetos ligados à informática, tais
como: Sistema de Abastecimento da Marinha (Singra); Sistemas de
Caixa de Economias e Municiamento da DFM (Quaestor); Sistema
de Pagamento no Exterior da Papem; Controle de Material também
da DFM; Sistema de Controle de Seguros do SASM e Sistema de
Controle de Auditorias da DCoM.
Em 1981 foi lançado, pela Editora Campus, no Congresso Nacional da Sucesu daquele ano, o primeiro livro de programação, que
abordou de forma acadêmica, mas bastante acessível para os jovens
que iniciavam a sua aventura no mundo dos microcomputadores.
Este livro, cujo título era Basic básico foi considerado um bestseller. Vendeu mais de 30 mil exemplares, em cinco edições, e é de
autoria do engenheiro e professor Jorge da Cunha Pereira Filho,
ex-aluno do Colégio e Escola Navais (1954 a 1957), Chefe de Classe
da Turma de Oficiais Fuzileiros Navais formada em 1957, e que saiu
Na luta para difundir a informática
Neste tópico, podemos verificar como a Marinha e
seus Oficiais colaboraram para difundir e universalizar o
uso e conhecimento dessa tecnologia. Como já dito anteriormente, nos primeiros tempos da informática pouco
havia no Brasil, em termos de ensino formal. Também
essas atividades não eram regulamentadas, muito menos
apoiadas por entidades de classe.
Na Marinha, em 1966 pela primeira vez foi incluída na grade
de matérias ensinadas na Escola Naval, a cadeira de Processamento de Dados, substituindo a de Mecanização. Seu primeiro
instrutor foi o Comte (IM) Michel Elias Jorge, que atuou por
30 anos no ensino de informática, e em 1972 publicou o livro
de sua autoria Processamento de dados, adotado em cursos
regulares e universidades do Rio de Janeiro.
Paralelamente, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do
Rio de Janeiro foi criado em 1966 o Rio Data Centro, voltado primordialmente para a computação científica e também apoiando
os cursos de programação, análise de sistemas, tecnólogo de
processamento de dados.
Entre os Oficiais da Marinha que exerceram funções
de professores e coordenadores na PUC não podem deixar
de ser mencionados: o Comte (IM) Boavista, o Comte (CA)
Mário Antônio Monteiro, assim como o Ten (IM) Augusto Dolher
do Carmo do IAG – Instituto de Administração e Gerência. Com
mestrado e doutorado em informática, os Comtes Boavista e Mário
Monteiro, se dedicaram à consultoria e ao ensino, na PUC e outras
universidades, como a Estácio de Sá, assim como em cursos regulares que vieram a ser criados.
Mesmo nos tempos atuais, os Oficiais da Marinha contribuem
para o ensino de informática, como é o caso do Comte (IM) José
Roberto de Souza Blaschek, que deixou o Serviço Ativo em 1997,
leciona na PUC e coordena projetos de TI pela UFRJ, através da Fundação Coppetec. Segundo depoimento do Comte Blaschek, ainda na
cedo da Marinha para se dedicar à engenharia e à informática.
Ainda na área de desenvolvimento do ensino, na década de
1980, o Comte (IM) José Maria Sobrinho, um dos fundadores da
empresa PPS, associou-se ao principal curso de informática em
funcionamento na cidade de São Paulo, instalando no Rio de Janeiro
a filial da Servimec de SP. A Servimec-Rio, durante alguns anos foi
responsável por incontáveis turmas de programadores e analistas
de sistemas aptos a trabalharem com os micros e minis que eram
lançados no mercado pela indústria nacional ou importados. Desfeita
a parceria com o curso de São Paulo, o foco do empresário José
Maria Sobrinho não foi desviado. Fundou a JMS – Informática, com
48
Revista do Clube Naval • 357
sede no Rio de Janeiro e filial em São Paulo, montando uma rede de
ensino de informática, com material didático próprio e instrutores
especialmente treinados, que substituiu com muito sucesso a filial
Rio da Servimec. O Comte José Maria Sobrinho, já considerado
um líder empresarial, continuou contribuindo para a formação
de pessoal, procurando acompanhar a evolução da informática, ao
atualizar os cursos oferecidos ao mercado.
A seguir será feita uma passagem pelas diversas fases em que
foi projetada a ideia de se criar entidades de classe congregando as
empresas de informática, que foi iniciada no Rio de Janeiro.
Já foi citada neste ensaio a Sociedade dos Usuários de Computadores e Equipamentos Subsidiários (Sucesu). A sua Seção do Estado
da Guanabara organizou em 1968 o primeiro de subsequentes e cada
vez mais concorridos Congressos Nacionais de Processamento de
Dados, que contaram para a sua efetivação com a colaboração de
Oficiais da Marinha. O congresso passou a ser realizado alternando
a cada ano sua Sede entre as cidades do Rio de Janeiro e de São
Paulo. Juntamente com o congresso eram montadas feiras de produtos de hardware e de software, muito concorridas e procuradas
por empresários e pelo público interessado na nova tecnologia. A
Marinha procurou sempre prestigiar os congressos, liberando seus
Oficiais e técnicos para as palestras sobre o tema informática e até
designando equipes para representá-la nos eventos. A Sucesu, com
representações nas principais capitais do país, ainda contribui para o
acompanhamento da evolução da tecnologia da informação – TI.
Mas faltava uma entidade que representasse as empresas do setor!
Em 1976 cinco empresas reuniram-se, duas delas dirigidas por
antigos Oficiais da Marinha, e após inúmeras discussões, por consenso resolveram fundar a Assespro/RJ – Associação das Empresas
de Processamento de Dados. A ideia inicial, bem como a liderança
dos trabalhos foi do empresário de Informática Márcio Canavarro,
que cedeu a sede da sua empresa para as inúmeras reuniões que
precederam a deliberação final. A PPS, consultoria formada por
antigos Oficiais da Marinha foi representada por um dos seus diretores, o Comte (IM) Carvalho, tendo também a participação do Ten
(IM) Hilton Freitas Pinho, empresário do setor, e que veio a falecer
prematuramente em plena campanha para deputado federal, indicado que fora pela comunidade de informática do estado do Rio
de Janeiro. Para se ter uma ideia da visão do Ten Hilton, em 1980,
ele já conjecturava sobre a grande rede da internet, assim como
com relação ao futuro da interatividade digital, hoje tão difundida
e aplicada nos celulares e nas TVs digitais e a cabo. Participaram
ainda da fundação do Assespro os empresários Benito Paret e
Nelson Ichikawa. Com o dinamismo emprestado pelas empresas
que lutaram pela sua constituição, através dos seus diretores, a nova
entidade teve sucesso imediato. Em poucos anos a associação adquiriu foro e âmbito nacional, e dando continuidade à sua influência
no mercado, o Comte (IM) José Maria Sobrinho presidiu a Assespro/
RJ em 1980 e a Assespro nacional de 1981 até 1983.
Em 1988, foi fundado o Sindicato das Empresas de Informática
do RJ (Seprorj), atualmente presidido pelo empresário Benito Paret
– um dos fundadores da Assespro, e que tem na sua diretoria atual
um Oficial da Marinha, Ten (CA) Jorge Araújo. A Assespro continua
prestando seus serviços, adaptando seu nome para Associação das
Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação.
As empresas produtoras de software são também representadas
pela Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes), fundada em 1986, na cidade de São Paulo. A Abes teve como um dos
seus objetivos colaborar com a abertura do mercado brasileiro de
informática, meta atingida plenamente em 1992, com o advento do
Revista do Clube Naval • 357
governo Collor. Segundo essa associação, em 2009 o Brasil tinha
um mercado interno para produtos de software estimado em US$
15 bilhões, exportando US$ 363 milhões (coluna Conexão Global,
O Globo edição do dia 6/7/2010).
Fechando este tópico, não pode deixar de ter uma referência
especial a participação do já citado empresário do setor de informática, Comte José Maria Sobrinho, quando da sua passagem pela
Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). Tendo sido eleito
para o Conselho Permanente de Informática de 1983 a 1987, sendo
posteriormente Vice-Presidente da ACRJ, abriu as portas da Associação para os empresários discutirem a Reserva do Mercado de
Informática, então ainda defendida pela SEI no âmbito do governo
federal. O Conselho foi palco de incontáveis Ciclos de Palestras, em
que eram ouvidos os titulares das empresas produtoras de hardware
e software nacionais, algumas delas considerando a Reserva intocável, assim como os empresários que viam na Reserva um limitador
para o seu desenvolvimento, e prejudicial ao crescimento do país.
Este autor teve também o privilégio de participar do Conselho de
Informática como Secretário, e ser testemunho do quanto foi importante e esclarecedor o embate naquele fórum tão especial.
Conclusões
Nos bancos escolares da Universidade de Ciências Econômicas
do Estado do Rio de Janeiro, os mestres ensinaram a este autor e a
tantos quantos tiveram a oportunidade de estudar Macro e Microeconomia, que a capilaridade e o potencial das micro, pequenas e
médias empresas, com sua capacidade de gerar emprego, inovar e
atuar com mais flexibilidade nos diversos nichos do mercado, são os
grandes responsáveis pelo desenvolvimento de uma nação. As grandes
e mega empresas pesam no contexto, mas na realidade não representam a maior fatia do Produto Interno Bruto. No setor de TI, são
milhares e milhares de empreendimentos, estimulados pelo “boom”
das telecomunicações, e das inovações tecnológicas que surgem de
maneira vertiginosa, especialmente a partir do início deste século XXI
em que vivemos. Tudo isto somado à globalização e potencializado
pela velocidade com que as novidades são divulgadas em um mundo
cada vez mais digitalizado. No Brasil não poderia ser diferente. O
empreendorismo na área de TI é fabulosamente rico e variado. Com
a globalização, um produto lançado no mercado é imediatamente absorvido, gerando em seu entorno uma infinidade de novas aplicações,
e naturalmente mais empresas e empregos para o país.
Seria uma tarefa hercúlea tentar quantificar o volume de faturamento, e o número de empresas ligadas à TI no mercado brasileiro.
O cumprimento dessa tarefa é perseguido pelas diversas associações
ligadas à TI, mas altamente dificultado pela mistura e complexidade
das atividades que compõem o amplo espectro dessa tecnologia,
que vai desde o microempresário que leva seus serviços pessoais às
empresas de maior porte até as empresas multinacionais e os grandes grupos nacionais, atuantes no “mundo digitalizado”. Todos são
personagens de uma história, que, como se procurou demonstrar
neste artigo, no Brasil começou na primeira metade do século XX.
Mais do que tudo, contou com intensa participação da Marinha do
Brasil e dos seus abnegados Oficiais, que foram dominados pela
“cachaça” que é o trabalho em TI, expressão tirada do rótulo de
uma pequena moringa de barro que foi distribuída no Congresso
de Informática de 1984 da Sucesu, contendo excelente aguardente
com o título: “INFORMÁTICA, A NOSSA GRANDE CACHAÇA”.
Como foi dito anteriormente, a refrega Reserva de Mercado x
Abertura, foi intensa nas duas últimas décadas do século XX. Mas,
com isenção pode-se afirmar que os dois lados foram importantes
49
para se atingir o estágio atual. Se não tivesse havido o patriotismo
dos pioneiros, muitos deles da Marinha do Brasil, que lançaram
as bases para a indústria do hardware e do software apoiados pela
proteção da Reserva, o Brasil não teria gerado massa crítica para
enfrentar a concorrência das empresas multinacionais, e lograr
um mínimo de independência das tecnologias alienígenas. Do
outro lado, sem a tenacidade dos empresários que, sentindo a necessidade de acesso às novas tecnologias que surgiam no mercado
mundial, pugnaram pela abertura do mercado, talvez ainda estivéssemos em estágio muito inferior, ultrapassados pelo “tsunami”
das inovações, lançadas em progressão exponencial, ou parados no
tempo, dependendo do contrabando ou como se costumava dizer,
dos “executivos de fronteira”. Para se ter uma ideia, valendo como
amostragem, pois se baseia em dados divulgados sobre as maiores
empresas do Brasil, que logicamente, exclui milhares de micro,
pequenas e médias empresas, a revista Visão, na sua publicação
Quem é Quem, dos anos de 1977 e 1980, ainda não dedicava um
capítulo específico para as empresas de TI, ao divulgar os dados
das 200 maiores empresas do Brasil. Estavam elas inseridas no
título “Máquinas, Aparelhos e Instrumentos para Escritórios”, com
algumas poucas empresas multinacionais listadas. Como empresa
nacional somente a Cobra – Computadores, Sistemas Brasileiros
S.A. apareceu na listagem de 1980.
A edição especial da revista Exame, de 1983 dedica um capítulo
exclusivo para a Informática, com dados comparativos 83/82. Entre as
500 maiores empresa do país, estão incluídas 20 do Setor de Informática, dentre elas: IBM, Burroughs, HP,
Olivetti, Xerox, NCR, estrangeiras, e
Cobra, Elebra, Scopus, Labo, Microlab,
Edisa, nacionais. Consulta ao balanço
anual da Gazeta Mercantil, publicado
em novembro de 1994, constata que
são listadas 27 empresas, separadas
em fabricantes de computadores e de
periféricos; 15 empresas de software;
6 consultorias e 20 “birôs” privados,
além de empresas de comunicações
de dados, automação industrial, centrais telefônicas e telecomunicações
diversas. Não elabora um “ranking”
geral, mas faz um retrato bastante
consistente do setor de TI. As principais empresas nacionais citadas são:
Cobra, Itautec. Medidata, Sisco, Elebra,
Racimec, Proceda, Software de Base,
Progresso, e Cetil Informática.
Verifica-se um notável progresso de 1977 para 1994, pela simples
constatação do número de empresas
e a nítida separação da informática
em vários subtítulos, já livre do título
genérico de 1977!
Chegamos finalmente ao ano de
2010!
Ainda com a ressalva deste autor,
de não abranger as micros, pequenas e
médias empresas, a edição especial da
revista Exame, publicada em julho de
2010, se refere à TI como “Mundo Digital”. Dedica um capítulo para analisar
as 50 maiores empresas do setor, todas elas listadas nas 1.000 maiores
do Brasil. Como o titulo sugere, engloba as empresas de software e
de hadware de todo o espectro abrangido pela TI. Entre as empresas
ali incluídas estão: Cobra, Scopus, Intel, IBM, Positivo, Terra, Nortel,
Serpro, Itautec, Google, Sony, Prodesp, Totvs, HP, Motorola.
Para se ter uma ideia do potencial estas 50 empresas, no ano de
2009, juntas tiveram um faturamento total equivalente a 39.284,80
milhões de dólares americanos! Ressalte-se que das 50 apenas 8 (oito)
sofreram redução em suas vendas em relação a 2008, mesmo diante
da séria crise financeira internacional. Comparando o número de
2009, acima mencionado, com 1976 no qual as empresas incluídas no
título Informática e Material de Escritório, tiveram um faturamento
total equivalente a 840,8 milhões de dólares americanos, houve um
fortíssimo incremento. Deve ser ressaltado que algumas empresas
multinacionais como a IBM não divulgavam os seus resultados financeiros para as pesquisas, o que não acontece atualmente.
Ainda para fins de comparação com os números de 2010, em fevereiro de 1986 a Secretaria Especial de Informática do Ministério da
Ciência e Tecnologia, cujo Secretário Executivo era o Comte José Ezil
Veiga da Rocha, fez um excelente diagnóstico da informática no Brasil,
com o título Perfil da informática na Administração Pública federal.
Nas suas páginas 32 a 34 são divulgadas estatísticas de importação do
setor de informática, detalhado por aplicação, nos anos de 1983/84/85.
Os dados estatísticos abrangem os governos municipais, estaduais e
federais, bem como no setor privado. Os totais das importações podem
ser assim resumidos, (valores expressos em US$ 1,00):
LOBO
50
Revista do Clube Naval • 357
Federal 100.473.656 Estadual 28.510.457 Municipal 49.240 Setor Privado 311.075.619 Totalizando 440.108.972 no ano de 1983.
Federal 105.006.009 Estadual 15.968.492 Municipal 628.688 Setor Privado 483.640.300 Totalizando 605.243.483 no ano de 1984.
Federal 142.378.627 Estadual 51.871.541. Municipal 1.818.312 Setor
Privado 443.822.150 Totalizando US$ 639.690.630,00 no ano de 1985.
Nos resumos estatísticos apresentados anteriormente, pode ser
observado que de 1983 a 1985, não houve variações consideráveis,
muito embora o total geral tenha crescido cerca de 45%. Pode-se
ressaltar, sem medo de incorrer em erro, que a evolução ocorrida no
setor de tecnologia da informação se deve a três fatores principais:
• a base instalada na indústria local (hardware, software e
teleprocessamento), fruto do esforço dos pioneiros, muitos deles
da Marinha do Brasil;
• a posterior abertura do mercado de informática;
• a dinâmica de crescimento do setor de tecnologia da informação, que abriu milhares de oportunidades para as empresas
nacionais, complementadas pela importação, de forma a atender à
demanda estimulada pelo crescimento do país.
Podemos considerar que o saldo é amplamente positivo, os
números não mentem!
Ao se falar de TI, não pode deixar de ser mencionado o tema
do momento: “cloud computing”, isto é computação nas nuvens.
Preocupadas com os investimentos para manter imensos bancos
de dados em equipamentos servidores exclusivos, principalmente quando os volumes de dados têm características sazonais, foi
desenvolvida a ideia de usar uma rede de servidores tipo internet,
trabalhando em paralelo e sem exclusividade, onde as capacidades
de armazenamento são compartilhadas. No entanto, é sabido que
uma vez colocadas em rede, as informações são passíveis de violação
no que se refere a sua segurança. Já dizia Bill Gates, o fundador da
Microsoft, em seu livro A estrada do futuro, que para se ter completa
certeza de que uma informação transmitida estaria completamente
segura, seria necessário usar um algoritmo baseado em números
primos de tal ordem, que o processamento praticamente se tornaria
inviável, por ser muito lento e oneroso!
Nossos filhos e netos, acostumados que estão ao uso dos computadores pessoais, muitas vezes se esquecem de que os chamados “mainframes”, ainda são necessários. Confirmando essa afirmação, notícia do
jornal O Globo, de 27/7/2010, coluna Conexão Global, dá conta de que
a IBM comemora o lançamento do “zEnterprise System”. Segundo o
titular da coluna citada, Nelson Vasconcelos: “...com os smartphones,
dando conta de qualquer recado, pode parecer anacrônico falar em
mainframes – mas quem move a humanidade são eles...”
Ao concluir este despretensioso artigo, algumas considerações
importantes.
A influência dos Oficiais da Marinha que se dedicaram à informática não ficou restrita aos aspectos até aqui abordados. Como mencionado na seção II, por ser o Serviço de Intendência da Marinha um dos
primeiros setores a se valer da informática, foi natural que entre 1960
e 1980 houvesse uma participação mais ativa dos Oficiais Intendentes
no processo, bem como na sua disseminação na sociedade civil.
Os Oficiais Generais que dirigiram a então Diretoria de Intendência da Marinha, ao darem seu apoio ao desenvolvimento da informática
tiveram uma visão de futuro. Simbolizando o reconhecimento dessa
atuação, este autor menciona alguns desses antigos Diretores, sob
cujo Comando teve a honra de servir na Marinha: VA (IM) Arnoldo
Hasselmann Fairbairn; CA (IM) Jorge de Queiroz Combacau e VA (IM)
Estanislau Façanha Sobrinho, que foi o seu último Comandante, antes
de se retirar do Serviço Ativo da Marinha, no ano de 1976.
Revista do Clube Naval • 357
Quantos são os técnicos, programadores, analistas, gerentes de
suporte e de treinamento, e gerentes de TI, que fazem parte da segunda
e até mesmo da terceira geração dos aqui chamados de pioneiros? A semente da informática foi lançada em campo fértil, nos filhos, sobrinhos,
netos e até nos filhos de amigos que não se envolveram diretamente
com o assunto. È uma corrente que não se quebrará nunca, por não ter
elos fracos. Foi forjada no respeito às leis, no amor à pátria, à Marinha
e no compromisso com o trabalho honesto e honrado. O lema da PPS,
empresa de consultoria da qual este autor foi um dos colaboradores
“Criatividade e Técnica, a Perfeição como Objetivo” se aplica adequadamente ao trabalho desenvolvido por todos.
Agora perguntariam os leitores, afinal, o que é feito dos personagens desta história contada resumidamente, mas plena de
belos exemplos?
Eis algumas respostas:
Muitos já nos deixaram e estão no plano superior, com a certeza
do dever cumprido; outros gozam de merecido descanso junto a seus
familiares, dedicando-se a seus filhos, netos ou a algum hobby, contentes pela colaboração que deram ao país. Não ficaram milionários,
pois que não é esse o objetivo dos que se dedicam com amor ao que
fazem, sem pensar em negociatas, ou em vantagens não merecidas.
Outros mais ainda continuam envolvidos com a “cachaça” que é a
informática; e há os que agora se dedicam a uma segunda paixão,
como a música, a literatura, as artes plásticas, o Flamengo e a Escola
de Samba Portela, com a mesma proficiência.
Para finalizar, o autor pede licença aos possíveis leitores para
dedicar este artigo ao seu querido amigo Comte Edison José Ribeiro,
muito justamente considerado por brasileiros ligados à Administração Pública federal como um verdadeiro gênio, inovador que foi nas
práticas de contabilidade, controle e gerenciamento das finanças
públicas usando a tecnologia da informação aliada à sistematização
dos processos administrativos. Em outubro de 1970, a revista Cidades
e Municípios publicou num encarte o trabalho de autoria do Comte
Edison intitulado “Orçamento Programa”, no qual já explanava objetivamente novas técnicas de gestão aplicáveis nos diversos níveis de
governo. Isto é, há 40 anos, ele já antevia o que hoje se torna comum
e mandatório em qualquer governo realmente sério!
Este ensaio foi escrito em outubro de 2010.
BIBLIOGRAFIA
O autor se valeu de consultas a seus
arquivos, contato pessoal ou por
escrito com alguns personagens
desta pequena história, e de leituras
e pesquisas diversas, entre as quais:
• A indústria de informática:
tendências e oportunidades.
Suma Econômica, 1989.
• Perfil da informática na
Administração Pública federal.
Ministério da Ciência e
Tecnologia, 1986.
• Turma Elmo 1955/2005.
Ney Dantas.
• Rastro de cobra. Silvia Helena,
internet.
• A estrada do futuro. Bill Gates.
• Núcleo de Memória da PUC-Rio.
Internet.
• Patinho Feio/Redetec. Prof.
Antônio Hélio Guerra Vieira,
internet.
51
• Anuário CWB de Informática
/88/89. Computerworld do Brasil.
• Plano Diretor de Informática.
Sunamam, 1986.
- Páginas na Web da Assespro,
Abes, Embratel, Telebrás e Seprorj.
• Página na Web do Museu
da Informática e Tecnologia da
Informação (Miti).
• Wikipédia.
Transcrições e citações
consideradas necessárias ao seu
melhor entendimento foram
incluídas no texto, sendo as fontes
devidamente indicadas.
Sobre o autor
Oficial Superior Reformado da
Marinha do Brasil componente da
Turma Elmo (1955/1957), bacharel
em Ciências Econômicas, formado
pela UERJ em 1968, Ex-diretor de
empresas privadas e estatais,
natural de Belo Horizonte - MG,
onde nasceu em 1938
NDCC
ALMIRANTE
SABOIA
navios da mb
2 ANOS DE
INCORPORAÇÃO
À MARINHA DO BRASIL
Capitão-de-Corveta Wagner Goulart de Souza
52
Revista do Clube Naval • 357
N
o próximo dia 21 de maio, o NDCC Almirante Saboia
estará completando seu segundo ano na Marinha do
Brasil. Construído pelo estaleiro R. & W. Hawthorn
Leslie and Company Limited e lançado ao mar em
julho de 1966, o NDCC Almirante Saboia foi adquirido
na Inglaterra e incorporado em 21 de maio de 2009 à
Marinha do Brasil pela Portaria nº 105/MB, de 23 de
março de 2009, do Comandante da Marinha.
Entre 1994 e 1998 o navio passou por um “programa de extensão
da sua vida útil” (SLEP – Ship Life Extended Programme). Entre os
diversos serviços realizados durante a modernização destacaram-se
a introdução de uma seção de 12 metros; a substituição de grande
parte das chapas das obras vivas; uma completa alteração de sua
superestrutura para uma de concepção mais moderna; a substituição dos dois motores da propulsão e do “Bow Thruster”, para
propulsores mais potentes e modernos; e a substituição de cerca
de 90% das auxiliares.
Após sua obtenção pela Marinha do Brasil (MB), o navio realizou extenso programa de obras no estaleiro A & P Falmouth, no
período de 24 de novembro de 2008 a 21 de maio de 2009, a fim
de adaptá-lo aos requisitos da MB e revitalizá-lo para operação
como Navio de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) na
Esquadra Brasileira.
O navio foi incorporado à Armada em 21 de maio de 2009, ainda
na cidade de Falmouth, no Reino Unido, tendo realizado a travessia
Revista do Clube Naval • 357
para o Brasil no período de 23 de junho a 31 de julho de 2009. A
cerimônia de passagem de subordinação para o setor operativo
ocorreu em 6 de agosto de 2009.
A missão do navio é “Realizar o transporte de carga e tropa,
transbordos de pessoal, movimento navio-terra (MNT), por superfície
ou helitransportado, abicagens e operações aéreas, podendo ainda
realizar, com restrições, lançamentos e recolhimentos de carros
lagarta anfíbios (CLAnf), a fim de contribuir para a realização de
operações anfíbias, ribeirinhas e de apoio logístico móvel”.
O navio possui rampas na proa e a ré para embarque e desembarque de viaturas e pessoal, duas rampas intermediárias, ligando
o convés principal (Vehicle Deck) ao convés 3 (Tank Deck), um
guindaste de 25t, dois de 8t e dois convoos. O convés 3 (Tank Deck)
possui 124,50m de comprimento e 8m de largura útil para acondicionamento das viaturas e carga geral.
Desde a sua chegada ao Brasil, que ocorreu em 31 de julho de
2009, o navio realizou importantes comissões, entre elas destacamse as comissões de ajuda humanitária às vítimas do terremoto no
Haiti (HAITI VIII e HAITI X), ASPIRANTEX 2010 e 2011, operação ATLÂNTICO II/2010, comissões de reabastecimento/revitalização do Posto
Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT V/2009 e POIT VI/2010) e
comissões de familiarização/estágio dos diversos alunos dos Centros/
Escolas de Formação de Oficiais e Praças da MB, tais como: CIAW,
CIABA, CIAA, EAMPE, EAMES e EAMCE.
Ao nosso HIPPO da Esquadra, parabéns!!!
53
saúde
Desafio difícil de ser vencido
Maj-Brig Méd Ricardo L. de G. Germano
O raio X e
a foto do pulmão
de um fumante
Tabagismo é a doença crônica causada pela
dependência química e psicológica à nicotina.
Sendo assim, o não preenchimento da necessidade
leva à sintomatologia orgânica e psicológica
(síndrome de abstinência). Trata-se de aderência
a uma droga que é aceita pela sociedade.
A adição química à nicotina leva aproximadamente
90 dias para ocorrer, e a memória química pode
persistir por muitos anos.
O
tabaco é nativo das Américas e acredita-se que tenha
começado a crescer nessa região por volta de 6000 a.C. As
origens do uso disseminado do tabaco para fumar datam
de 1492, quando Colombo chegou ao Novo Mundo e foi
presenteado pelos nativos americanos com folhas de
tabaco. Os espanhóis introduziram a planta na Europa.
Durante todo o século XVIII, o rapé ficou popular em
toda a Europa. No século XIX, o uso do rapé (tabaco de mascar de fino
corte, que é colocado dentro da bochecha, ou pó de tabaco que é inalado
pelas narinas) deu lugar ao tabagismo de charuto. Com a introdução
da fabricação automatizada de cigarros em 1881, o preço dos mesmos
caiu e a popularidade desse tipo de tabagismo aumentou drasticamente.
Entre 1910 e 1919, a produção de cigarros aumentou em 633%, de
menos de 10 bilhões para mais de 70 bilhões por ano.
Composição do cigarro
osteoporose, gastrite, úlcera péptica, disfunção erátil e outras. O
cenário atual do tabagismo é de uma pandemia, tendo-se 1,25 bilhão
de fumantes no mundo, sendo 33 milhões no Brasil, causando cinco
milhões de mortes por ano em todo o planeta, das quais 200 mil no
nosso país. Projetando-se as mortes para o período 2025-2030 teremos
nos países desenvolvidos três milhões por ano e nos países emergentes
sete milhões por ano. Deve ser mencionado que os fumantes passivos
correm os mesmos riscos, embora em menor intensidade.
Como dito na definição, a nicotina causa dependência física e
psicológica, transformando o tabagismo em uma condição de difícil
tratamento. Os sintomas de abstinência são: físicos: enxaqueca, palpitações, fome e náuseas – e psicológicos: ansiedade, irritabilidade,
perda de identidade, depressão e estresse.
Muito além da nicotina e do alcatrão, principais substâncias
divulgadas, cada cigarro possui mais de 4 mil substâncias, sendo
em bom número tóxicas ou carcinogênicas, tais como: acetona,
amônia, naftalina, terebentina, formol e fósforo P4/PE.
Dados epidemiológicos e patológicos
O tabagismo é a principal causa prevenível de doenças graves e
mortes. Entre as patologias relacionadas, temos:
Câncer (pulmão, bexiga, próstata, mama, cavidade oral, língua,
faringe, laringe, esôfago, estômago, cólon e outros), doença cardiovascular isquêmica (hipertensão arterial, aterosclerose, infarto do
miocárdio, derrame etc.), DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica),
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Revista do Clube Naval • 357
Abordagem terapêutica
Em primeiro lugar deve ser ressaltado que o fato de o fumante
querer parar com a prática do tabagismo é fundamental para que se
gaste energia com a abordagem terapêutica. Se o fumante não estiver motivado para contribuir, será perda total de tempo e recursos.
Por outro lado, o ideal é que uma equipe multidisciplinar e profissional participe dessa abordagem. Essa equipe deve ser composta
de: médico (preferencialmente, clínico geral), psicólogo, assistente
social e enfermeiras sendo coordenada pelo primeiro.
Surgindo a necessidade, pareceres de outros especialistas serão
solicitados. Dito isto, a abordagem terapêutica deverá ser: não
medicamentosa e medicamentosa.
Abordagem não medicamentosa: seu objetivo é auxiliar o
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fumante a lidar com o estresse, estimular
habilidades para resistir às tentações de
fumar e prevenir as recaídas. “Os nove
passos para parar de fumar” ajudam
muito e são os seguintes: Acredite:
você pode e deve parar de fumar.
Planeje: informe-se sobre o assunto e
organize-se para partir com todas as
forças para esse projeto. Contabilize: os
recursos gastos com o cigarro poderão
ser investidos em coisas melhores para
você e sua família. Mas o maior rendimento
é o da saúde. Peça ajuda: a equipe multidisciplinar estará à sua disposição nessa hora. Escolha:
discuta com a equipe que o acompanha e, devidamente
assessorado, encontre a melhor abordagem para seu caso. Priorize:
esse deve ser seu principal objetivo no momento. Agende: é fundamental marcar o dia e a hora para parar de fumar. Resista: lembre-se
de que para toda grande vitória é necessário esforço. Você não é um
perdedor. Tente outra vez: a guerra não acabou, portanto respire
fundo e parta determinante para vencer a batalha final.
Nessa abordagem, o uso de uma dieta saudável (pouco hidrato
de carbono, gordura vegetal, aves, peixes, verduras, legumes e frutas), além de atividade física regular, ajuda em demasia. Reuniões
com a equipe multidisciplinar e com pacientes bem-sucedidos são
importantes também.
Abordagem medicamentosa: os fármacos disponíveis para o
auxílio ao abandono do tabagismo são:
• reposição de nicotina: sob a forma de adesivo cutâneo de
liberação lenta ou goma de mascar;
• antidepressivos: entre estes funciona melhor a bupropiona;
• tartarato de vareniclina: por sua dupla ação agonista e antagonista dos receptores nicotínicos α4 β 2 a vareniclina funciona como
um tipo de “falso cigarro”. Pela ação agonista estimula a liberação
de dopamina que, mesmo em menor quantidade, proporciona
alívio ao fumante. Como antagonista, ocupa o receptor nicotínico,
evitando a ação da nicotina circulante. Assim, o fumante tende a
abandonar o cigarro mais facilmente. Com o advento da vareniclina,
os resultados se têm mostrado animadores, pois antes dela o índice
de recaída mostrava-se elevado.
Mensagem final
Espero que os tabagistas e seus familiares (inclusive os fumantes
passivos) tenham compreendido a intensidade do mal chamado
tabagismo e motivem-se para vencer esse desafio. Nesse caso querer
é fundamental para se poder.
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Chile
viagens
Os
belíssimos
contrastes
do deserto
do Atacama
D
O Valle
de la Luna
Texto e fotos:
Capitão-Tenente Rosa Nair Medeiros
epois de alguns dias em Santiago, cidade cosmopolita
e ao mesmo tempo aconchegante, viajei para Calama.
Destino: o deserto do Atacama, localizado a 1.300 quilômetros da capital chilena, entre o Oceano Pacífico e
a Cordilheira dos Andes, numa superfície de mais de
106 mil quilômetros quadrados, que vai de Copiapó (no
norte do Chile) à fronteira com o Peru.
Depois de duas horas de voo, foi preciso mais de uma hora na
estrada até a simpática cidadezinha de San Pedro (província de
Antofagasta), a base da maioria dos turistas no deserto. Ao chegar,
realizei o primeiro passeio, ao famoso Valle de la Luna, na Cordilheira de Sal – antigo lago cujo fundo se levantou há milhões de
anos, em razão dos mesmos movimentos na crosta terrestre que
deram origem à Cordilheira dos Andes.
O vento e outros fenômenos atmosféricos moldaram ao longo do
tempo a Cordilheira de Sal, surgindo assim impressionantes formas
e esculturas naturais. Devido à diversidade mineral do local (sal,
Gêiseres, vulcões, lagos de sal, cenários
que remetem a outra atmosfera, à
Lua, a Marte.Tudo isso é o Atacama e
muito mais... Estar ali, em paisagens
esculpidas há milhões de anos, é ter
um encontro único com a Pachamama,
a Mãe Terra para os atacamenhos.
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Os gêiseres, a
4.300 metros de altura
e a temperaturas de
até16 gráus negativos
gesso, argila e outros minerais), apresenta diferentes estratificações
e colorações. De mirantes tem-se a vista para o Salar de Atacama, a
cadeia de vulcões pertencentes à Cordilheira dos Andes, particularmente o Licancabur, e o vale que forma o oásis de San Pedro.
A primeira parada que fizemos (um grupo composto de turistas
de vários países) foi na Quebrada de Cari. Depois de descer dezenas
de metros por uma duna, chegamos a um desfiladeiro, onde paramos
para observar as rochas e ouvir as explicações do guia sobre os minerais que as formam, como o sulfato de cálcio. O passeio prosseguiu
em direção ao Valle de la Muerte, encravado nas mesmas formações
esculpidas, com tonalidades avermelhadas e manchas brancas. Segundo uma versão, os atacamenhos não entenderam bem quando o padre
e arqueólogo Gustavo Le Paige, que explorou a região na década de
1950, chamou o lugar de Vale de Marte, devido ao solo avermelhado
e extremamente ressecado semelhante ao daquele planeta.
Retornamos à estrada que corta a Cordilheira, na direção de Calama, e logo entramos no Valle de la Luna, uma grande depressão, com
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Impressionantes
esculturas naturais
O Valle
de la Muerte
Flamingos,
habitantes da
lagoa Chaxa
solo salino, rodeada por morros com formações exóticas lembrando
o solo lunar. O entardecer é um momento especial, quando as cores
ficam ainda mais fortes e belas. Na grande cratera central há uma
impressionante duna de areia; o seu topo é um dos mais concorridos
mirantes. De lá, pode-se ver o pôr do sol no céu magenta, em meio
a vários picos andinos. Aos poucos surge uma paleta de cores – tons
laranja, depois vermelho, rosa, lilás, azul.
Findo o espetáculo, voltamos ao centro de San Pedro, onde
os restaurantes na rua principal, a Caracoles, viram pontos de
encontro. O mais conhecido é o café Adobe, onde os atacamenhos
e turistas costumam combinar festas.
Caracoles,
a rua principal
metros de altitude. Considerada um oásis no meio do deserto, é o
principal ponto de encontro de viajantes do mundo inteiro.
Lagoas Miscanti e Miñiques
No dia seguinte, fui ao Salar de Atacama, combinado com as lagoas Miscanti e Miñiques, que ficam dentro da Reserva Nacional dos
Flamingos. No Salar impressionam as pedras de sal; já nas lagoas,
destaca-se o azul intenso em contraste com as montanhas em tons
de bege e cinza. Começamos pelo Salar, localizado a 55 quilômetros
de San Pedro e a 2.300 metros acima do nível do mar, cercado por
montanhas, onde não há saídas para drenagem de água. Na sua
superfície pode-se observar crostas de sal geradas pelo acúmulo
de cristais produzidos pela evaporação de águas subterrâneas. O
ponto de entrada, que permite uma exploração parcial do local, é o
de acesso à lagoa Chaxa, onde habitam flamingos de três espécies
(andino, chileno e James).
Após essa incursão pelo salar é hora de experimentar altitudes maiores. A 4 mil metros na Cordilheira dos Andes, forma-se
uma meseta, pequeno planalto, conhecida como altiplano, com
pequenos lagos e pântanos. É lá que estão as lagoas Miscanti e
Miñiques, a 110 quilômetros de San Pedro e a 28 quilômetros do
povoado de Socaire.
Na paisagem destacam-se os vulcões Miscanti e Miñiques que,
junto a montanhas de pontas negras, dão forma a essas lagoas
irmãs, separadas por uma pequena faixa de terra. Elas recebem
Algumas
peças do Museu
Arqueológico
Pe. Le Paige
O deserto
Deserto
de Atacama,
o mais seco
do mundo
Considerado o deserto mais seco do mundo, o Atacama guarda
grandes riquezas, como o cobre (a maior delas), lítio e outros minerais, o que já foi motivo de disputas, como a Guerra do Pacífico, em
que o Chile perdeu boa parte da Patagônia para a Argentina (devido
a um acordo que assegurava a neutralidade desse país no conflito),
mas garantiu, em 1883, as províncias de Antofagasta (pertencente
à Bolívia) e Taparacá, que pertencia ao Peru. No entanto, a maior
riqueza da região é a aquela contemplada por milhares de visitantes
a cada ano, os contrastes da natureza nesse deserto nas alturas.
Nele estão mais de 150 vulcões, dos quais dois estão ativos e três
em semiatividade. Mas é o Lincancabur, um vulcão inativo, com mais
de 5 mil metros de altura, que marca a paisagem e fixa-se na memória
dos viajantes. Considerado sagrado pelos atacamenhos (significa “Pai
da Gente”), está localizado a cerca de 45 quilômetros de San Pedro, e é
um cone quase perfeito; na sua cratera há um lago de cor esverdeada.
O Lascar, a 70 quilômetros de San Pedro e a 5.600 metros acima do
nível do mar, é outro que marca presença. Considerado um vulcão
semiativo, de vez em quando surpreende lançando cinzas.
As temperaturas no deserto são outro desafio, variam entre zero
grau à noite e 40 graus durante o dia. Devido a essas condições
existem poucas cidades e vilas, a mais conhecida é San Pedro do
Atacama, que tem pouco mais de 5 mil habitantes e está a 2.400
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As llhamas,
em um oásis
próximo ao
povoado de
Machuca
recargas de água subterrânea, das chuvas de verão e do degelo
dos cumes. No inverno é possível observar sua superfície quase
totalmente congelada.
Há milhões de anos a paisagem deste setor era diferente; as
águas provenientes da alta cordilheira escorriam livremente
frente aos vulcões Miscanti e Miñiques, chegando até o Salar, o
qual gerava um pequeno rio. Uma erupção do vulcão Miñiques,
ocorrida há menos de um milhão de anos, cortou o avanço das
águas, conformando as lagoas.
No retorno há uma parada para almoço em Socaire, um pequeno
vilarejo, e outra em Toconao, povoado com menos de mil habitantes, com casinhas feitas de pedra vulcânica (liparita) e lojinhas de
artesanato, onde encontram-se desde esculturas em pedra vulcânica,
únicas na região, tecidos de lã e trabalhos em madeira de cactus,
algarrobo e tamarugo.
Próximo a Toconao está a Quebrada de Jere, um cânion fértil que
rasga o deserto com paredes de mais de 20 metros de altura. Nesse
oásis, ao longo de um pequeno rio, são plantadas diversas frutas.
A lagoa Cejar,
também chamada
de Mar Morto
sul-americano
Outros lugares interessantes são as Termas de Puritama, piscinas naturais de águas quentes em meio ao
deserto, e o Salar de Tara, a 100 quilômetros de San Pedro
e a 4.300 metros de altitude, onde encontram-se esculturas
de pedras feitas pelo vento e pela erosão, como os Monjes
de La Pacana, o Castelo de Tara, e um lago de água azulpiscina que vai se estendendo até tornar-se branco de sal.
O Valle del Arcoiris, onde montanhas de rocha de várias
cores formam uma paisagem fantástica, é também um
destino muito procurado.
Um geiser
lançando
água quente,
que pode alcançar
até 10 metros de altura
Jatos d’água fervente que brotam da terra
Enfrentar o frio intenso e o sono da madrugada; é assim que
começa o passeio aos gêiseres del Tatio. Os ônibus passam nos hotéis
às quatro horas, mas vale a pena para ver uma das atrações mais
impressionantes do Atacama. Localizados a 99 quilômetros de San
Pedro, os gêiseres estão a 4.300 metros de altitude, e as temperaturas
vão de oito a 16 graus negativos. Madrugar é preciso porque a água
é lançada de fissuras no solo somente
ao amanhecer, a partir das seis horas,
O vulcão
a uma altura de até 10 metros e a uma
Miscanti
temperatura de 85 graus. Esse campo
geotérmico é formado por 40 gêiseres,
60 termas e 70 fumarolas numa extensão de 3 quilômetros quadrados.
À medida que o sol vai nascendo
por trás da cadeia de montanhas,
a visão da paisagem torna-se ainda
mais espetacular. O guia explica que
os gêiseres são formados quando a
água subterrânea que se encontra nas
fissuras e cavidades entra em contato
com rochas quentes, ocorrendo então
o aquecimento da água. Quando a
temperatura atinge um ponto crítico,
entra rapidamente em ebulição.
Próximo ao local há uma parada
numa piscina térmica natural, onde
muitos aproveitam para banhar-se. Toda a área em volta dos gêiseres
é muito bela. No caminho de volta passa-se por longos trechos de terra dourada e avermelhada, onde não raro encontram-se vicunhas.
Para completar o passeio, os turistas podem experimentar o churrasquinho de lhama no povoado de Machuca, onde pode-se fotografar
as casinhas e a igreja em cima do morro. Mas o maior charme desse
lugar é o fato de viverem ali apenas seis habitantes, o que garante um
ar de cidade perdida no deserto. As poucas famílias que viviam em
Machuca foram deixando o local para garantirem uma vida melhor.
Os que decidiram ficar sobrevivem da pecuária e do turismo.
morto sul-americano, por ter água com alta taxa de salinidade,
impedindo que os banhistas afundem. Por precaução recomendase que se leve chinelos para caminhar sobre o solo a fim de evitar
acidentes nas placas afiadas de sal.
Depois de desfrutar dessa experiência única, o passeio prossegue até Los Ojos e a seguir à lagoa
Tebenquiche. Los Ojos são duas
impressionantes crateras justapostas
encontradas em pleno Salar do Atacama, com água de cor azulada que até
hoje têm sua origem desconhecida.
Alguns dizem que são o resultado da
queda de meteoritos na região. Muitos
turistas não resistem e banham-se
nessas profundas piscinas. Já a lagoa
Tebenquiche abriga flamingos e
outros pássaros. As suas águas são
verdadeiros espelhos refletindo tudo
a sua volta; mais um lindo lugar para
apreciar o pôr do sol.
Sítios arqueológicos
Para os que desejam conhecer mais sobre a parte
histórica do Atacama e seus povos, há um tour especíUm dos
fico. Nos arredores de San Pedro, considerada a capital
Los Ojos
arqueológica do Chile, encontram-se vários sítios atacamenhos, como a Aldea de Tulor, vestígio habitacional
mais antigo do Salar, e Pukará de Quitor, construção pré-incaica
de caráter defensivo.
Tulor é um conjunto de construções circulares interconectadas, habitado entre 800 aC e 200 dC pelos antigos povos atacamenhos. Do mirante construído sobre as ruínas, é possível ver parte
dos trabalhos de escavação que foram realizados.
As ruínas de Pukará de Quitor não estão muito bem preservadas, mesmo assim pode-se imaginar a distribuição espacial das
edificações. Localizada na Cordilheira de Sal, proporciona uma
bela vista do vale que está em seu entorno. De San Pedro dá para
ir caminhando ou de bicicleta.
O passeio termina com visita ao Museu Arqueológico Pe. Le
Paige, onde há exibição de diversas peças da evolução dos povoados
atacamenhos, também objetos da cultura inca e espanhola.
Mas não é só entre montanhas, vulcões, gêiseres, lagoas de sal
que o Atacama nos arrebata. Com um dos céus mais limpos do
planeta, o deserto é um paraíso para os astrônomos. Por isso, a 30
quilômetros de San Pedro, a 5.100 metros de altura, está sendo
implantado o grande conjunto de radiotelescópio, o Atacama Large
Millimeter Array (Alma), reunindo cientistas de vários países. As
imagens terão 10 vezes mais detalhes que as capturadas pelo Hubble
e a previsão é de que esteja pronto em 2012.
Por enquanto, há observatórios particulares como o do Hotel
Explora e o do astrônomo francês Alain Maury. Mas o melhor mesmo é contemplar naturalmente o céu salpicado de estrelas, que ali
parecem estar mais perto.
Flutuar na lagoa Cejar
Localizada a cerca de 30 quilômetros de San Pedro, essa lagoa
de cor verde-esmeralda e margens cristalizadas é chamada de mar
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61
Lagunas
altiplanicas
crônica
Sonhar
com o
Almirantado.
capitão-de-mar-e-guerra (cd)
Leonor Amélia de Mello Barros
da Cunha Reetz
Por
que não?
“Se seus sonhos estiverem nas nuvens,
não se preocupe, pois eles estão no lugar
certo; agora, construa os alicerces.”
a alegria e o entusiasmo próprios de quem realizava um sonho e
começava a fazer parte da história naval do Brasil.
Estava pronta a base. Havia me tornado militar! E o orgulho
que senti ao pronunciar diante dos meus pais, familiares e diversas autoridades presentes, o Juramento à Bandeira, assumindo o
compromisso de defender a pátria com o sacrifício da própria vida,
fez-me ter a certeza de que um dia, nós mulheres, seríamos mais que
Capitão-de-Fragata, que era o último posto previsto para o Quadro
Feminino de Oficiais. Seríamos sim, Almirantes! Por que não?
As oficiais do Quadro Feminino, formadas nas mais diversas
especialidades das áreas de saúde, de tecnologia e humanas, sem
distinções, só seriam efetivadas ou não após nove anos de serviço,
sendo que antes, porém, deveriam ser reavaliadas a cada triênio.
Entretanto, a Alta Administração Naval atenta à competência, profissionalismo e total adaptação das oficiais à vida militar,
promulgou, em 1987, nova lei, efetivando aquelas que já haviam
passado pela primeira avaliação da Comissão de Promoção de Oficiais e elevando o último posto a Capitão-de-Mar-e-Guerra, numa
significativa conquista.
Subíamos, assim, mais um posto na escala hierárquica e com
ele o meu alicerce e a convicção plena de que um dia, nós mulheres,
ainda seríamos Almirantes! E este sonho não me abandonava.
Estava, portanto, em igualdade de condições perante meus
colegas do Quadro de Cirurgiões-Dentistas.
O que era então exclusividade masculina foi gradativamente, por
nós mulheres, sendo desbravado e à medida que o tempo passava,
vivenciávamos cada vez mais experiências numa clara evidência
de igualdade de deveres e direitos, a qual culminou com a reestruturação de Corpos e Quadros e a consequente extinção do Corpo
Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha em 1997.
Com a transferência das oficiais para os diversos Corpos e Quadros
já existentes, e onde já havia a previsão de se alcançar o posto de ViceAlmirante, a oportunidade para as mulheres atingirem o Almirantado
deixou de ser apenas um sonho. Tornou-se real! Que grande vitória
L
endo há poucos dias a Revista Marítima Brasileira de junho de 2010, deparei-me com este dito chinês atribuído a
Chuang Tzu, num artigo de autoria do Contra-Almirante
(Ref) Reginaldo Gomes Garcia dos Reis.
Dei-me conta então que, há exatos 30 anos coloquei meus sonhos nas nuvens e iniciei a construção
de sólidos alicerces.
Lembro-me quando, em fevereiro de 1980, graduada em
Odontologia há apenas dois meses, atravessei pela primeira vez
o portão do 1º Distrito Naval, embarcando rumo ao Centro de
Instrução Almirante Wandenkolk, para assistir à formatura militar de alguns colegas de turma da faculdade, que ingressavam
como Oficiais da Reserva da Marinha.
Como num verdadeiro caso de amor à primeira vista, a visão do
belo cenário da Ilha das Enxadas, a imponência da cerimônia com
seus garbosos oficiais em seus impecáveis uniformes brancos e o
salário bastante atraente que iriam receber, encantaram-me profundamente, levando-me a pensar e desejar intensamente a mesma oportunidade. Completamente apaixonada, sonhei tornar-me militar!
Alguns meses mais tarde, soube que o então Ministro da
Marinha, Alte Maximiano Eduardo da Silva Fonseca, assinara
uma Portaria criando o Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da
Marinha, em 7 de julho de 1980, numa atitude ousada e pioneira,
permitindo o ingresso daquelas que, voluntariamente, desejavam
servir à pátria e à Marinha do Brasil.
Vi, assim, surgir a tão desejada e sonhada oportunidade.
Sem esmorecer diante do fracasso no primeiro concurso, persegui meu objetivo, obtendo êxito no ano seguinte e ingressando,
em 1982, na 2ª Turma de Oficiais do Corpo Auxiliar Feminino, com
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feminina! As mulheres já poderiam, sim, ser Almirantes!
Contudo, a alegria da conquista alcançada pelas oficiais que
teriam essa chance foi, pouco a pouco, sendo substituída pela
frustração de saber que nem todas teriam a mesma oportunidade.
Somente as médicas e engenheiras transferidas para seus respectivos quadros e as intendentes do Quadro Complementar, quando
fossem transferidas para o Corpo de Intendentes, usufruiriam dessa
prerrogativa. Seriam então essas especialidades mais importantes
que as demais para serem merecedoras de tal privilégio?
Mesmo apaixonada pela carreira, como não se entristecer ao ver
que Quadros que compõem o mesmo Corpo não possuem as mesmas
oportunidades? Afinal, todos aqueles que ingressam com formação
acadêmica universitária, realizam o mesmo curso de adaptação à
vida militar, o mesmo juramento à bandeira e os mesmos cursos
de carreira até o posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra.
Sei que diferenças ocorrem também entre os oriundos da Escola
Naval, onde o Corpo de Intendentes, que carrega em sua história
241 anos de existência, ainda não possui entre os seus integrantes,
um Almirante-de-Esquadra, a exemplo do Corpo da Armada e do
Corpo de Fuzileiros Navais, que há 30 anos promoveu o seu primeiro
Almirante-de-Esquadra numa justa e merecida vitória.
Entretanto, o fato de ter servido à Escola Superior de Guerra
por pouco mais de quatro anos, além de ter realizado um dos
cursos ministrados por aquela instituição, onde o pensamento da
igualdade de oportunidades era amplamente propalado, tornou esse
sentimento cada vez mais arraigado em meu ser.
É nesse sentido que sonho em ver um dia, o Quadro de CirurgiõesDentistas ao qual pertenço e que este ano completa 75 anos de existência com excelentes serviços prestados à Família Naval, ascender
ao Almirantado. Cabe ressaltar que esse anseio já constituiu motivo
de pronunciamento por parte do Presidente do Conselho Regional de
Odontologia em 2008. Com isso, seria feita a adequação do Quadro, a exemplo do que já ocorre com os cirurgiões-dentistas
militares nos Estados Unidos, onde, além de altamente
conceituados, ocupam posição de destaque no Corpo de
Saúde e há muito já atingiram o Almirantado.
Ao atingir o último posto existente, até o momento,
para o Quadro de Cirurgiões-Dentistas, no mesmo ano
em que é comemorado o 30º Aniversário de Ingresso
da Mulher Militar na Marinha, este sonho voltou
com força ainda maior ao meu coração. E embora com algumas lágrimas derramadas inerentes a todos que vivem uma grande paixão,
ainda carrego a mesma alegria e entusiasmo
da Guarda-Marinha de 1982, muitos sonhos
realizados e outros ainda pelo caminho...
E irmanando-me com oficiais, homens e
mulheres, das diversas especialidades, dos diferentes Quadros e que provavelmente carregam
em seus corações o desejo de alcançar os mais
altos postos da Administração Naval, mas, que até
o momento, não vislumbram essa possibilidade,
concito-os a que jamais percam a alegria, o entusiasmo e a paixão que um dia os levaram a ingressar
na Marinha do Brasil e jurar defender a pátria com o
sacrifício da própria vida!
Continuem a construir seus alicerces.
Sonhar é preciso! Tornar os sonhos em realidade é
possível! Por que não?
63
MArinhagens
SAGA
AMAZÔNICA
O
RETORNO
DE JOSÉ
Contra-Almirante Domingos Castello Branco
A
corveta se deslocou de lado, no remanso junto ao
barranco alto, conforme as espias eram entradas pelo
cabrestante na proa e pelo poderoso guincho da popa,
com retornos em troncos de árvores da margem. O
comandante achou desnecessário largar o ferro de
bombordo, como recurso para puxar melhor a proa
para fora, na próxima desatracação, programada para
ocorrer na manhã do dia seguinte. Para sair dali, pareceu-lhe
bastante contar somente com o emprego das máquinas. O fato
de o navio ter duas hélices, bem afastadas uma da outra, sempre facilitava muito esse tipo de manobra. Em poucos minutos,
empurrado pelo forte rodamoinho na água, o navio chegou em
posição e a prancha foi passada para terra. Ela ficou apoiada a
partir do passadiço, único lugar possível para acomodá-la, devido
à altura da margem. Uma pequena multidão de caboclos e índios
assistia atenta e silenciosa à atracação.
O major, comandante da companhia de fronteira, entrou a bordo
acompanhado por seus oficiais. Foi recebido pelo comandante com
as honras de estilo do cerimonial naval, incluindo uma guarda de
fuzileiros navais, do pequeno destacamento que sempre embarcava nessas longas viagens. Os trinados do apito do contramestre e
o movimento de armas da guarda causaram sensação no público
e agitaram de vez as muitas crianças, até então quietas como os
adultos. Seguiu-se uma breve confraternização de oficiais da tropa
e do navio, na praça-d’armas. Cerca de meia hora depois, o comandante e o major saíram de bordo, juntos com seus oficiais, para
uma visita protocolar ao quartel da companhia, situado também
próximo da margem do rio, a algumas centenas de metros abaixo
de onde estava a corveta.
Na saída, o comandante, acompanhado pelo major e pelo imediato, fez questão de percorrer o barranco por todo o comprimento
do navio, para observar as condições de atracação, feita por boreste
e aproada à correnteza. A profundidade do canal, logo ao lado do
remanso onde se abrigara o navio, era de absurdos 22 metros, e
sua correnteza fora estimada em 4 nós, apesar de estarem a mais
de 4 mil quilômetros da foz do imenso rio. Ali ocorria ainda uma
permanente passagem de troncos e galhos, alguns avantajados. Dois
vigias da faxina do mestre guarneceram a proa, munidos de longos
croques reforçados, para manter afastada da corveta a galharia que
eventualmente nela enganchasse.
Do barranco, o comandante observava tudo aquilo com muita
satisfação e orgulho do seu navio. Entretanto, ao se aproximar da
64
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popa, viu uma meia dúzia de meninos maiores que mergulhavam
no remanso. Isso era feito a partir da borda baixa do navio a ré, e
também de pontos altos dos conveses superiores, inclusive do passadiço, mais a vante, pelo lado de fora da atracação. Ele não gostou
daquela brincadeira e cogitava mandar cessá-la, quando o imediato
interrompeu seus pensamentos, avisando que o major os esperava
junto às viaturas para levá-los ao quartel. Na pressa, o comandante
arquivou o assunto e partiu com o companheiro do Exército.
A chegada de um navio da Marinha naquelas lonjuras era sempre
motivo de muita festa. A recepção ao comandante da corveta e seus
oficiais foi carinhosa, muito além das formalidades. Como homem
do mar, ele ficou emocionado ao passar em revista a companhia de
fronteira, ao som da canção “Cisne Branco”, entoada pelas crianças
da escola do grupamento, em uniformes azul e branco, e agitando
pequenas bandeiras brasileiras feitas por elas. A tropa era integrada
por jovens caboclos e índios das diversas aldeias da região, e se
apresentou de forma impecável. Seguiu-se uma palestra, na maior
sala do colégio, na qual o major discorreu sobre os diversos aspectos
da existência do grupamento, naquele ponto distante do território
nacional. O encontro terminou em um modesto coquetel, com a
presença das famílias dos oficiais, que sempre participavam de todas
as atividades civis do grupamento.
Já anoitecia, quando o comandante regressou para bordo a
fim de vestir roupas civis, por ter aceito o convite do major para
jantar em sua casa. Nas proximidades do barranco de atracação,
percebeu um movimento anormal, com gente correndo em
direção ao local. Ao descer da camioneta, notou que o oficial de
servico estava ausente do portaló. O contramestre não o esperou
entrar a bordo e veio correndo pela prancha para lhe dar a má
notícia. Desaparecera debaixo do navio um dos garotos maiores
que estavam mergulhando do passadiço e, carregados pela correnteza, subiam para bordo na popa.
Foi um soco no estômago. Uma perplexidade dolorida tomou
conta do comandante. Pensou imediatamente nos pais do menino.
Ele mesmo tinha um filho pré-adolescente, a paixão de sua vida.
Entretanto, em instantes, reassumiu o papel de comandante, para
o qual tivera anos de preparação. Sabedor de que o oficial de servico
estava na popa, dirigiu-se apressadamente para lá. Antes, porém,
enviou um sargento à companhia para avisar ao imediato do ocorrido e dizer-lhe que regressasse para bordo com todos os oficiais.
Além disso, o imediato deveria informar pessoalmente ao major o
que estava se passando.
Encontrou o oficial de serviço supervisionando a colocação de
luminárias na popa para clarear a superfície da água, na qual vários
homens mergulhavam em sequência, na tentativa desesperada de
encontrar o garoto. Entre eles, destacava-se um que exercia uma
certa coordenação do grupo. Era um caboclo alto e desempenado
o qual, ao ver o comandante, dirigiu-se a ele, acompanhado pelas
demais pessoas ali presentes. O comandante teve um pressentimento logo confirmado. Era o pai do menino. Ele começou a falar de
forma descontrolada. Estava todo molhado, com os olhos injetados
de sangue, e ajustava nervosamente o calção velho, que insistia em
descer da cintura, enquanto gesticulava trêmulo.
O pobre homem via no comandante a última esperança de salvar
seu filho. Ele não conseguia se fazer entender e ficava cada vez mais
nervoso. De repente, tentou segurar as mãos do seu salvador e se
ajoelhou em frente a ele, em um choro convulsivo. O comandante
e o oficial de serviço tentaram ajudá-lo a levantar-se, mas o homem
insistia em ficar de joelhos. Em seguida, deitou-se no convés e foi
se encolhendo, aos prantos, até ficar em posição fetal, gemendo
65
os militares
o imediato tomava as providências rotineiras para a desatracação, o
comandante se isolou na escuridão, do lado de fora do passadiço.
Nesses poucos minutos, sua ansiedade atingiu um ponto quase
insuportável. Ele se sentia responsável por tudo aquilo e inteiramente só. Entretanto, nada poderia ser demonstrado por ele daí
em diante, até terminar toda a manobra, com o navio devidamente
fundeado na posição predeterminada, afastado do barranco. O
imediato, muito tenso, veio lhe informar que o navio estava pronto
para ser movimentado, com exceção da rotineira experiência com as
hélices, que não havia sido feita, por razões óbvias. O comandante
entrou no passadiço e iniciou a manobra.
Sua primeira ordem foi mandar largar os cabos de vante e de ré,
que ainda mantinham o navio junto ao barranco. A corveta, mesmo
livre, não se mexeu. O rodamoinho no remanso, que não podia ser
visto na escuridão, continuava a empurrá-la contra a margem. Decorridos alguns minutos, o comandante, com um nó na garganta,
começou a usar as hélices devagar – a de dentro para vante e a de
fora para ré – sem mexer no leme, na tentativa de girar a proa da
corveta para o meio do rio. Dessa forma, ela sofreria influência da
forte correnteza do canal e, naturalmente se afastaria do barranco.
De novo, o navio não se mexeu.
Angustiado, o comandante ordenou meia-força para as máquinas, o que aumentou bastante a rotação das hélices, fazendo o navio
vibrar um pouco, porém sem sair do lugar. O leme, onde poderia
estar preso o corpo de Jose, foi então carregado para bombordo, de
modo a auxiliar na tentativa de girar o navio para fora. Nada aconteceu. Suando frio, o comandante ordenou toda força para ambas as
hélices. A corveta finalmente reagiu e, com forte vibração, começou
a girar devagar para bombordo e avançar em direção ao canal. Ao
chegar lá, devido à velocidade da correnteza, foi necessário manobrar várias vezes com o leme e com as hélices, de modo a atingir a
posição predeterminada e nela fundear com segurança.
A manobra toda durou cerca de vinte minutos. Ao terminá-la,
com o navio firmemente fundeado na posição escolhida, o comandante desceu desarvorado para a câmara e jogou-se chorando no
beliche, sem tirar a roupa. Dormiu um sono sobressaltado por um
pesadelo terrível, no qual o menino José e seu filho se afogavam
no rio e eram despedaçados por hélices enormes, em alta rotação.
Acordou no meio da noite alagado de suor e se sentindo mal. Avisou
ao médico e foi logo atendido por ele, acompanhado pelo imediato.
Foi-lhe aplicado um forte calmante que o fez dormir até tarde no
dia seguinte. O imediato suspendeu cedo com o navio, dando prosseguimento à viagem.
O comandante quase não saiu da câmara nos dois dias seguintes. Quando ia ao passadiço, permanecia taciturno e calado,
sentado em sua cadeira privativa e olhando fixamente para o rio.
Fazia as refeições sozinho, em seus aposentos. O navio todo se
preocupava muito com ele, por ser uma pessoa justa e boa. O
moral da tripulação estava muito baixo.
No terceiro dia, chegou uma mensagem do major para ele,
informando que o corpo do José fora encontrado nas águas
paradas da boca de um igarapé, vários quilômetros rio abaixo.
Estava inteiro, salvo os efeitos naturais de morte por afogamento. O comandante da companhia dizia também que o José fora
enterrado no pequeno cemitério local. Estiveram presentes sua
família e boa parte da população da pequena cidade. Foram-lhe
prestadas honras militares por um grupo de combate de jovens
soldados da companhia de fronteira.
O filho José havia retornado.
A corveta prosseguiu viagem em paz.
baixinho. A perplexidade e o constrangimento dominavam a cena.
Súbito, ouviu-se a voz de uma mulher que chegava. Era a mãe,
também desesperada com a situação. Ela já havia chorado muito,
tudo que pudera. Contudo, ao ver seu homem naquelas condições,
reagiu da forma que só as mulheres sabem fazer, em especial as
mães. Abraçou-se com ele e o fez se levantar, dizendo palavras carinhosas ao seu ouvido, passando-lhe a mão no rosto e nos cabelos.
O pai, já mais recomposto e cercado pelos companheiros,
dirigiu-se ao comandante, de forma muito respeitosa, e lhe fez
um pedido irrecusável, nas circunstâncias trágicas da ocasião. Ele
queria que o navio fosse tirado dali logo, para poderem mergulhar
mais livremente e ter alguma chance de encontrar o corpo do seu
filho menino, o José.
O comandante foi apanhado de surpresa pela solicitação e não
concordou de pronto. Disse ao homem angustiado que iria pensar no
assunto e lhe daria uma posição dentro de algum tempo. Dirigiu-se
para a câmara, onde se trancou, deixando antes instruções para o
imediato vir falar com ele assim que chegasse a bordo. Sua cabeça
estava a mil, pois a primeira ideia a lhe ocorrer era de o corpo do
menino poder estar preso ao leme, entre as duas hélices. Quase
certamente, seria necessário usar as máquinas para abrir a proa do
barranco e sair dali com o navio. Maldita hora em que não lançara
n’água o ferro de bombordo, cuja falta agora iria complicar toda
a manobra. Em outras palavras, o corpo do José corria o risco de
ser despedaçado pelas hélices, girando necessariamente aceleradas
durante a manobra.
Muito ansiosos, ele e o imediato discutiram o assunto durante
algum tempo. Examinaram todos os aspectos da manobra de desatracação do navio de onde estava, a ser seguida por seu deslocamento e
fundeio em frente à posição atual, a cerca de 100 metros da margem.
Nas circunstâncias existentes, seria quase imprevisível o efeito das
correntes sobre a corveta durante os poucos minutos que ela levaria
para chegar à posição de fundeio, após largar da margem, girar para
fora e cruzar o canal em frente, com sua forte correnteza.
Além disso, seria fundamental que toda a manobra fosse feita
com o mínimo emprego das hélices, de preferência uma de cada
vez, de modo a evitar ou minimizar o pior, isto é, seu provável efeito
no corpo do menino. Sob esse aspecto, isso poderia ter sido muito
facilitado se o ferro de bombordo tivesse sido largado n’água na
chegada, possibilitando o navio ser puxado por ele, para se afastar
do barranco na saída. Para complicar ainda mais as coisas, a noite lá
fora estava um breu, perdendo-se bastante as referências de distância
da margem, inclusive pelo radar, muito impreciso de tão perto.
A parte mais difícil, naquele momento, seria falar com os pais
do José para alertá-los das possíveis consequências da manobra. De
qualquer maneira, a desatracação teria de ser feita logo, como eles
pediram, ou quando o navio prosseguisse viagem, na manhã do dia
seguinte. Essa conversa ocorreu na câmara, com a presença do casal,
do comandante, do major – que viera dar apoio ao navio – do imediato e do médico de bordo. Foi um momento de alta dramaticidade,
por todas as circunstâncias, e que terminou com os pais do menino
destroçados e todos os presentes chorando. Dela decorreu também
a ordem do comandante para que nada fosse comentado a bordo a
respeito, até o navio continuar a viagem no dia seguinte.
Tomada a decisão, o comandante e o imediato foram para o
passadiço, a fim de executar a manobra. Os pais de José, o major e
o médico desembarcaram em seguida e ficaram no barranco, em
frente ao navio. Eles foram cercados pelos fuzileiros navais, que
também estavam em terra, para controlar qualquer agitação por
parte do povo, que assistia silencioso aos acontecimentos. Enquanto
66
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não peçam
aos militares
que se neguem
a lutar
Várias vezes pensei em escrever estes comentários.
A cada vez que percebo as virulentas críticas aos
militares, o não entendimento da missão específica
ue lhes cabe, o enxovalhamento a que estão sendo
submetidos – principalmente no Brasil, mas também
em todo o mundo – sinto uma revolta contra o
silêncio que se impõe e percebo que nenhuma voz
se levanta, nem aquelas vozes categorizadas da nação
que deveriam, em momentos como esses, se pronunciar
para esclarecer as assertivas contundentes que são
propagadas aos quatro ventos e que são de grande
interesse para o exercício consciente da cidadania e
mesmo para o futuro da humanidade.
Revista do Clube Naval • 357
Eurico de Andrade Neves Borba
Ex-professor, diretor do Departamento de Economia e
vice-reitor da PUC-Rio, ex-presidente do IBGE, ex-diretor-geral da
Escola de Administração Fazendária, escritor.
A
última vez em que pensei no assunto em tela foi quando
visitei, há pouco tempo, o Monumento dos Mortos da
II Guerra Mundial, no aterro do Flamengo, no Rio
de Janeiro. Tive o privilégio e a honra de, em 1960,
junto com meu pai, meu irmão e dois dos meus tios,
levarmos, pelas mãos, cada um segurando uma alça de
urna, os restos mortais dos seis pracinhas, padioleiros,
que foram soldados do meu pai, que comandou o Batalhão de Saúde
da Força Expedicionária Brasileira, na Itália, entre 1944 e 1945.
Caminhamos do Arsenal de Marinha, onde recebemos as cinzas dos
soldados mortos na campanha europeia, que foram transportadas
desde a Itália pelo Cruzador Tamandaré, até o Parque do Flamengo,
cruzando toda a Avenida Rio Branco. O povo, respeitoso, aplaudia
sem muito entusiasmo, parecendo não entender muito bem o que
estava se passando. Manifestações bem diferentes daquelas quando
os pracinhas regressaram da guerra em 1945 – uma apoteose, com
multidões nas ruas saudando os militares que regressavam cobertos
67
de glórias, ou quando regressou ao Rio de Janeiro a Força Naval
do Nordeste, onde a Marinha desempenhou relevantes serviços na
proteção de comboios, das nossas costas e do mar territorial.
Tomo esta iniciativa de escrever devido à minha formação.
De certa forma posso dizer que estive, emocionalmente, presente
em todas as guerras de que o Brasil participou e acompanhei a
evolução das nossas Forças Armadas, ao longo de décadas, com
interesse muito particular. Foram tataravós, bisavós, avós, pai,
irmão, tios, que delas fizeram parte desde as Campanhas do Prata,
por volta de 1850, até a II Guerra Mundial, finda em 1945. Ouvia,
com muita atenção e interesse, os relatos do ocorrido, primeiro
pelas conversas com meu pai, meu avô paterno e meu irmão mais
velho oficial da Marinha. Depois li dezenas de livros e assisti a
inúmeros documentários ou filmes baseados em fatos reais.
Uma lembrança muito forte minha foi a descrição, feita por minha
mãe, de quando o Marechal Setembrino Carvalho comunicou, fardado, acompanhado de sua esposa, ao meu avô, o General Eurico
de Andrade Neves e à minha avó Elvira, que residiam à época num
sobrado na Tijuca, no Rio de Janeiro, a morte do meu tio, irmão da
minha mãe, o Capitão Carlos de Andrade Neves, nos campos de batalha da França, em 1918. O Brasil, na I Grande Guerra, 1914-1918,
enviou, além da Divisão Naval de Operações de Guerra que manteve
patrulhando o Atlântico entre Recife e Dakar, uma missão de oficiais e um grupo da saúde, para ajudar o exaurido Exército francês
no seu quarto ano de guerra. Meu pai, quinto anista de medicina,
foi trabalhar nos hospitais franceses e completou, na França, seu
curso de medicina no Hotel Dieu, hospital que até hoje existe ao
lado da Catedral de Notre Dame, em Paris. Meu avô paterno, então
tenente-coronel, foi subcomandante de um regimento de cavalaria francesa. O tio Carlos comandava uma bateria de artilharia de
campanha. Faleceu pouco antes do fim da guerra, na batalha que
veio a ser depois conhecida como a do Segundo Marne. Mamãe e
minhas tias, mocinhas, acordaram com o alvoroço da casa e do alto
das escadas viram o Marechal Setembrino comunicar a morte do
irmão. Vovô Eurico, fardado, permaneceu impassível. Vovó Elvira,
praticamente desmaiada nos seus braços, começou a chorar baixinho
e nunca mais se recuperou do trauma.
Lembro, já adolescente, ter ido com papai e mamãe visitar
os mortos da família, sepultados no Rio de Janeiro, no cemitério
do Caju. Lá estava o túmulo do tio Carlos com a réplica da cruz
de madeira que ornamentara seu túmulo na França – il est mort
dans le champ d’honneur... Embaixo da inscrição a reprodução
da condecoração francesa que recebera postumamente, a Legion
d’Honeur. Os restos mortais do tio Carlos, anos depois, promovido
post-mortem ao posto de major, foi transladado para Curitiba, sua
terra natal, e a cruz está no museu da cidade.
Nunca esqueci essas narrativas e experiências. Elas consolidaram na
minha memória, como marco referencial de alto valor patriótico, momentos estranhos ao quotidiano da família, mas narrados com orgulho
e carinho – como ações dignas de serem lembradas e homenageadas.
Ao visitar o grande monólito de mármore negro, recordando
os mortos da guerra do Vietnã, em frente do Lincoln Memorial e o
cemitério de Arlington, em Washington, uma homenagem do povo
americano aos seus mortos nas várias guerras em que estiveram
presentes, passei a ter uma perspectiva mais abrangente da missão
e do destino dos militares no nosso tempo. Fui à Normandia, em
1995, nas comemorações dos 50 anos do fim da II Guerra Mundial,
procurar o recanto de repouso dos milhares de militares, de várias
nações, que tombaram naquele lugar no esforço aliado para pôr fim
à dominação nazifascista. Não esqueço, nas várias capitais e grandes
Reverencio aqueles militares
que, muitas vezes, mesmo sem
entender as intrincadas e tortuosas
vias da política e da diplomacia dos
seus países, honraram seus juramentos
de servir, honraram a suas fardas e
ofereceram o que possuíam
de melhor e de mais precioso:
suas vidas
cidades do continente europeu, as placas, em algumas ruas, com os
nomes dos membros da resistência que, naqueles lugares, foram
mortos pelos invasores – um preito de permanente recordação e
reconhecimento ao heroísmo que tem como argumento explicativo
do ato praticado, um único e decisivo motivo – amor à pátria e à
causa da liberdade. São milhares de cemitérios e monumentos
dedicados aos militares que morreram em milhares de combates,
que podem ser encontrados em todo o mundo.
Por quê? Qual a justificativa dessas mortes? Foram mortes diferentes das demais tragédias e violências, foram mortes aceitas em
razão de ordens, compromissos e juramentos feitos, talvez até mal
compreendidos, talvez até impostos em situações sem alternativa,
foram mortes dignificadas por uma causa – a liberdade de um pedaço de terra do planeta chamado pátria. Não são apenas palavras
vãs – dever, honra, compromisso, pátria, lealdade, liberdade – são
palavras que expressam uma adesão a uma crença, mesmo que não
sustentada por refinadas elaborações intelectuais, e, em decorrência,
comportamentos que geram fatos e consequências.
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Revista do Clube Naval • 357
Jamais esquecerei as narrativas familiares, os livros, os filmes, as
visitas a esses lugares tornados sagrados pelos corpos daqueles que
entregaram suas vidas, como mártires, por uma causa. Com emoção
recordo aqueles momentos de suprema dedicação à pátria, de coragem,
de lealdade e honra, de testemunho a valores morais que estão se
perdendo, referências que fazem parte dos fundamentos mesmo das
sociedades e sobre as quais as novas gerações pouco ou nada conhecem.
É preciso recordar que tais alicerces foram construídos com vidas que
foram ofertadas em prol de um ideal que aqueles homens e mulheres,
bravos e determinados, acreditavam e ajudaram a defender.
Vidas livres e conscientemente oferecidas por causa de uma crença
tornam quaisquer mortes dignas de respeito, não necessariamente
de adesão ou de aplauso às causas que motivaram o fato, mas de
respeito. Se nada for acrescentado como explicação, basta a presença
dos mártires de um ideal para que o ocorrido permaneça como algo
pelo menos diferente a ser lembrado, com críticas ou aplausos, mas
respeitado. Nenhuma vida ofertada é uma oferta vã, mesmo que
motivada por pensamentos simples, talvez até ingênuos. A entrega
Revista do Clube Naval • 357
consciente de uma vida transmuda, em solenes compromissos históricos, de condenação ou aplauso, o objetivo pelo qual alguém lutou
e morreu. A radical opção que foi tomada pelo militar que morre em
combate, probabilidade sempre presente em suas vidas, é um fato a
ser considerado quando a eles nos referimos. Ofertar seu bem mais
precioso a uma causa coletiva faz do militar uma figura distinta das
demais pessoas, mesmo aqueles soldados convocados, como um dever
temporário imposto pela cidadania que usufruem, de acordo com as
leis e a Constituição dos seus países.
Reverencio aqueles militares que, muitas vezes, mesmo sem
entender as intrincadas e tortuosas vias da política e da diplomacia
dos seus países, honraram seus juramentos de servir, honraram
a suas fardas e ofereceram o que possuíam de melhor e de mais
precioso: suas vidas. Acreditaram que todos os mecanismos sociais e políticos, que fizeram mover o destino e as decisões de
uma sociedade até aquele momento de confronto, eram medidas
justas, assumidas também por homens e mulheres honestamente
imbuídos do mesmo compromisso coletivo. Não perceberam que
69
alguns mentem, que alguns, solertes personagens, muitas vezes
forçaram as situações de conflito que conduziram a história para
um momento de guerra.
Há momentos históricos, criados por circunstâncias muito
especiais, onde a maioria da nação passa a acreditar em uma causa,
na proposta de que todos estão comprometidos honesta e verdadeiramente com um objetivo comum certo, adequado, honesto e,
portanto, justificando o sacrifício extremo se assim for necessário.
Não que eles, militares, sejam melhores do que os outros concidadãos, mas, no entanto, carregam pela vida a consciência de que
pelos outros são capazes de se entregar integralmente, até morrer
se preciso for, por decisão livre que assumiram ao optarem pela
carreira militar. Como decorrência, necessariamente cultivam a
coragem de agir, coragem que descobrem no fundo de suas almas,
fruto não só do treinamento que recebem para o desempenho de
suas missões específicas, mas também pela motivação das gloriosas
tradições e exemplos do passado que lhes foram ensinados e nos
quais acreditam integralmente. Foi assim, quase sempre, nesses
cenários de lutas que a humanidade progrediu em direção à democracia, à liberdade e à paz. As conquistas das civilizações não foram
realizadas e consolidadas com discursos ou poesias – foram fruto de
lutas cruentas onde os vencedores impuseram seus estilos de vida
e suas formas de pensar num processo persistente e ininterrupto
do progredir da história das nações.
Orgulho-me de uma época que parece que já passou em definitivo, não restando nem a memória dos fatos gloriosos que abrigou.
Abomino os medíocres que, indistintamente e a cada oportunidade,
criticam mentirosa e irresponsavelmente os militares. Eles não
deviam existir, dizem. São críticas vulgares, perversas e mentirosas
na sua ação demolidora de uma história e de testemunhos que um
dia honraram e motivaram o orgulho de nações inteiras. Hoje, em
sociedades amorais, a lembrança honrada do passado ainda incomoda. Por isso é preciso desmerecê-las, se não suprimi-las. E, o pior,
não se quer conhecer a verdade – se satisfazem na sua ignorância.
Não querem pensar sobre as reais circunstâncias e condicionamentos políticos, legais, sociológicos e psicológicos que conduziram
a existência dos militares, como grupo social diferenciado como
tantos outros grupos que formam uma sociedade democrática. Não
querem conhecer as circunstâncias políticas que levaram às guerras
e o porquê da persistência das mesmas até os dias atuais.
Quem são realmente os responsáveis pelas tragédias que são as
guerras que se abateram sobre a humanidade, em todo o seu percurso histórico e lá
se vão centenas de séculos?
O que condiciona os militares a ser o
que são, cultivando um estilo de vida e uma
forma de pensar muito próprios?
Recordam sempre as torturas praticadas – fato que, inegavelmente, mancha
a história militar de forma terrível. Esquecem, no entanto, que foram alguns
desajustados, que existem em todos os
grupamentos humanos, que praticaram o
ocorrido, condenados pelos próprios colegas, nunca uma política determinada pelo
estilo de vida que os caracterizam ou da
instituição a que pertencem. Foi, sempre,
no Brasil e em todos os países, iniciativa
de pessoas com personalidades distorcidas,
como aquelas outras também encontradas
em quaisquer corporações, e pela qual os militares já pagaram, sozinhos, um preço excessivo. Erraram, mas não todos, apenas alguns
poucos. Podemos recordar atrocidades e arbitrariedades praticadas,
no decorrer das últimas décadas, pelo Exército francês na guerra de
libertação da África do Norte, pelo inglês na manutenção da ordem
em suas colônias, dos Estados Unidos na guerra permanente no
Oriente Médio, pelo russo no Afeganistão, pelo japonês na China e
Coreia, pelo alemão em toda a Europa, pelo português em Angola e
Moçambique, pelo brasileiro na revolução de 1964. São fatos deploráveis, merecedores de condenação, condenemos o desvio ocorrido
não a corporação inteira pela ação de alguns de seus membros.
Os militares em todos os países democráticos, a maioria do
Ocidente, são subordinados ao poder civil. Se bem pesquisarmos a
história podemos, hoje, verificar como os civis sempre condicionaram o comportamento dos militares, procurando nas forças armadas
o necessário poder para desfazer os malfeitos por eles mesmos praticados ou dar continuidade às suas políticas de interesse nacional,
também por eles definidas. Não poderia ser de outra forma, pois os
civis, na quase totalidade, são os que compõem o Poder Executivo,
o Legislativo e o Judiciário eleitos pelo povo. Guerras, revoluções,
não foram organizadas, planejadas, gestadas, pelos militares – certamente eles informam, assessoram o poder civil, mas não decidem
- cumprem ordens. O poder civil, os interesses econômicos, empresariais e políticos, os meandros da política internacional, formam
o pano de fundo, o ambiente histórico que, em ocasiões especiais,
conduzem ao conflito armado. É fácil distorcer os fatos junto à mídia
e à população, oferecendo os acontecimentos que incriminem, no
desenrolar do processo litigioso, aqueles que estão à frente dos fatos
e são facilmente identificáveis, especialmente se fardados e armados.
Por uma questão de formação, de disciplina, de organização de uma
sociedade democrática, os militares permanecem calados e não explicam ao povo as razões de sua presença no processo beligerante, ao
qual foram convocados a participar. Depois, quase sempre, o poder
civil cala sobre as razões e consequências trágicas de suas decisões.
Passados os eventos do conflito, muitas vezes ajudam a jogar pedras
naqueles que executaram suas determinações: os militares.
Na Alemanha nazista os militares erraram ao permitir a ascensão
de Hitler e dos seus asseclas. Mas o poder civil, os partidos políticos,
as igrejas cristãs, a mídia, também não souberam ou não quiseram
reagir: calaram-se. Foram coniventes com a barbárie que se estruturava, com a liquidação da liberdade. Depois culparam os militares
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Revista do Clube Naval • 357
por terem permitido a ascensão do tirano. O mesmo ocorreu na Itália
fascista, na Espanha franquista, em Portugal salazarista. O mesmo
ocorreu em outros países latino-americanos. O mesmo aconteceu
no Brasil quando políticos, banqueiros, empresários, latifundiários,
representantes das igrejas cristãs, expoentes da imprensa, envolveram os militares com a argumentação de que só eles poderiam salvar
o Brasil das mãos do comunismo internacional, pedindo um basta
à República sindicalista que um presidente fraco e inepto favorecia.
Esquecem-se, os que espezinham e criticam os militares, especificamente no Brasil – poucos conhecem a história contemporânea
– que o comunismo internacional, muito bem organizado em suas
múltiplas ações internacionais, naqueles anos que sucederam o fim
da II Guerra Mundial, até o fim dos anos de 1980, quando ruiu o
muro de Berlim e a seguir o Império Soviético, estava pronto para
assumir o controle de vários países, mormente na América Latina
e África. Hoje essa trama internacional está amplamente divulgada
e existe farta documentação que comprova as ações do comunismo
internacional durante as décadas da Guerra Fria. É de se recordar o
que efetivamente ocorreu quando o comunismo internacional, com
a União Soviética à frente, se assenhoreou, no final da década dos
anos de 1940 da Hungria, da Romênia, da Bulgária, da Albânia, da
Tchecoslováquia, da Polônia, da metade da Alemanha, quase tomando conta, inclusive, da Itália, da Grécia e da França. Era a esperada
libertação dos povos do domínio capitalista. Não diziam que também
seria o fim da liberdade muito mal plantada em inúmeras nações,
mas promissora em outras como era o caso do Brasil.
Caso os comunistas tivessem vencido por estas bandas, o sistema de organização da sociedade que pretendiam implantar não
permitiria o aparecimento nem de Lula, nem de Chávez, nem de
Evo Morales dos dias atuais. Fidel Castro não se apercebeu que
a sua revolução era própria e adequada à sua ilha Cuba e acabou
perturbando o continente sul-americano e até a África, com suas
propostas socialistas ineficientes e ultrapassadas, com sua megalomania ridícula e truculenta e lá está até os dias de hoje a encantar
parte da juventude ignorante do que realmente ocorreu. Os militares
salvaram a democracia no Chile e no Brasil. Isso não é dito nem
lembrado – um lamentável erro histórico, uma covardia acadêmica.
A liberdade que hoje usufruímos se deve à revolução de março de
1964. Certamente foram terríveis e condenáveis as prisões arbitrárias, as cassações de direitos políticos, as torturas, o fechamento
do Congresso Nacional, a censura da imprensa – uma mancha na
nossa história. Aconteceu, no entanto, num momento histórico
muito próprio e, lamentavelmente, foi a resposta encontrada para
o mal feito por civis, políticos, acadêmicos e empresários, que não
souberam fazer vencer suas ideias pelo caminho da democracia.
Revista do Clube Naval • 357
Ao não atenderem às necessidades dos mais pobres, em décadas
de vigência de um Estado democrático em permanente evolução, criando “dois brasis” – os do que possuíam alguma coisa
e a grande massa dos marginalizados – possibilitaram que
demagogos incompetentes, seduzidos pelo socialismo irreal e
inaplicável, como logo depois a história acabaria por comprovar,
tentassem uma revolução. A contrarrevolução que se instalou,
autoritária, foi a resposta encontrada para suprimir a ameaça da
ditadura comunista que
se anunciava. Terrível
momento da história brasileira, que se espera que
não mais se repita.
As críticas superficiais
e quase sempre ofensivas
são simplistas: os militares são boçais, estúpidos,
com pouca formação acadêmica não compreendem
a história, a dinâmica social e desprezam os civis.
São perversos, cultivam a
violência, são autoritários
e não admitem críticas. São arrogantes, acobertados pelas armas
e pelo poder que ainda possuem.
Não é nada disso.
As ciências sociais, os estudos antropológicos, políticos e sociológicos, apontam, com clara evidência, a importância que a natural
divisão do trabalho teve na organização e no funcionamento da
vida coletiva das várias sociedades, que se formaram ao longo dos
tempos. Certamente foi um dos fatores determinantes mais importantes para o progresso da humanidade. Com o passar do tempo a
especialização permitiu o progresso das ciências, das tecnologias,
das artes, da reflexão filosófica, teológica e da política. Cada um,
com a divisão do trabalho, teve a oportunidade de desenvolver suas
naturais preferências e habilidades, permitindo assim o crescimento do estoque de saberes e o aperfeiçoamento das sociedades,
contribuindo para que uma forma de viver coletiva, uma cultura
diferenciada se tornasse possível e sobrevivesse ao confronto com
outros grupos humanos, firmando sua individualidade própria e
prosperando como nação.
Na divisão natural do trabalho, quais são as atividades típicas
dos militares? Sempre foi a da defesa da comunidade, da vida e das
propriedades – públicas e privadas – dos seus cidadãos, da soberania
do seu território, da integridade de suas rotas comerciais, enfim do
conjunto de interesses e conquistas que tornaram cada sociedade
distinta das demais e convivente, num mundo cada vez mais interdependente e competitivo, com outras sociedades também soberanas
e com interesses e objetivos próprios a defender. É óbvio que para
cumprir sua missão, como parte integrante de uma sociedade, com
missão específica determinada pela divisão do trabalho, os militares
são preparados para a luta, para o combate, para a guerra. Falhando
os políticos, os diplomatas, na defesa dos interesses vitais de uma
nação, a manutenção de sua identidade, resta a decisão pela força
das armas, decisão esta sempre subordinada, mesmo durante sua
execução, ao poder político civil, democraticamente constituído.
Clausewitz, já no século XIX, definia a guerra “como a política
exercida por outros meios” (War is not merely a political act, but
also a political instrument, a continuation of political relations,
a carrying out of the same by other means – in Da Guerra). Esta
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assertiva não é contestada pois é clara a sua evidência, mesmo
nos dias atuais. Isto ainda é verdade – fracassando as atividades
geracionais de uma sociedade democrática, exercida pelos civis,
só resta, se esta mesma sociedade pretende continuar a sobreviver
livre e soberana, o apelo àqueles que destinaram suas vidas para a
defesa da pátria, como última opção para a sua sobrevivência como
grupo humano com características próprias.
Portanto, não peçam aos militares que se neguem a lutar. Não
esperem que afrouxem e percam um combate, uma guerra que,
uma vez iniciada, pelos políticos e diplomatas, por civis, tem uma
dinâmica própria – vencer o inimigo da pátria, atingindo os objetivos
determinados pela liderança política. A partir da deflagração de um
conflito bélico cessa a lógica da paz, do altruísmo solidário, da bondade
nas relações humanas – vigora a lógica da eficiência dos combates,
a lógica da vitória a ser conquistada nos campos de luta, conduzida
e interpretada pelos militares, pois este é o seu trabalho, a sua especialidade, a sua missão. Podem os militares até ser incompreendidos,
criticados por suas ações, mas não peçam nem esperem que sejam
traidores da razão de suas vidas – a defesa da pátria – construída pela
natural divisão do trabalho numa sociedade que é dirigida por civis,
num sistema político representativo e participativo, sob o império da
lei que, democraticamente, conduziu o país à guerra.
Em momentos de discussão pública sobre o papel dos militares
na vida de uma nação, sempre são lembradas as palavras do discurso
de despedida do presidente dos Estados Unidos, General Eisenhower,
em que denunciou o perigo, para a democracia e a paz, das pressões
políticas exercidas pelo “complexo militar industrial”. Parece que os
eternos críticos das Forças Armadas se esquecem do componente
industrial e só se referem ao componente militar, da argumentação
apresentada no discurso do ilustre presidente americano. Sabe-se,
e a mídia é exuberante em apresentar os fatos ocorridos no último
século, como os civis, donos das indústrias que podem produzir
artefatos bélicos, capitalistas possuidores de incalculáveis riquezas,
manipulam a política, os políticos, muitas vezes os corrompendo,
da mesma forma como se intrometem nas relações internacionais,
quando seus negócios indicam ser o melhor caminho para prosperarem, gerando situações de conflito entre nações, para assim
obrigar, “pelo interesse nacional”, a interferência militar.
Certamente que as Forças Armadas conhecem o potencial bélico
de possíveis contendores e, logicamente, solicitam nos orçamentos
nacionais as condições mínimas de equipamentos e armas para,
quando e se forem chamados a atuar, possam atender com eficácia
os apelos da pátria, interpretados pelos civis, parlamentares, empresários, diplomatas, que representam a nação. Não queiram que
uma força militar, mal equipada e mal treinada, possa atender às
expectativas de defesa do povo apenas com coragem e disciplina. É
preciso que as forças armadas estejam equipadas na proporção das
possíveis missões que o poder civil possa, um dia, vir a ordenar que
cumpram. É normal, numa sociedade democrática, que os vários
segmentos que a compõe – educação, saúde, transportes, comunicação, forças armadas, energia, agricultura, indústria – procurem nos
orçamentos a serem votados uma melhor participação, amparados
por argumentos e estudos comprobatórios de suas necessidades. Os
recursos, os orçamentos, são produtos de decisões de civis que atuam
no Legislativo e Executivo – são eles que estabelecem as prioridades,
julgam as solicitações e direcionam os recursos nacionais segundo os
interesses da nação da qual são os legítimos representantes. Não são
os militares que determinam a parcela da riqueza nacional que a eles
deve ser alocada – como os demais setores apontam suas necessidades
e apresentam suas justificativas. Se o sistema político não é auten-
ticamente representativo dos interesses nacionais pode sim ocorrer
distorções, mas, mais uma vez insisto, a responsabilidade pelo mal
feito cabe aos civis que gerenciam e decidem os destinos do país.
Iludem-se os que pensam que as guerras, os conflitos armados
não mais ocorrerão. Basta prestar atenção para o que vem acontecendo de forma crescente, em nossos dias, em todos os continentes:
terrorismo desvairado, crime organizado atingindo vastas extensões
territoriais, o narcotráfico, as disputas étnicas e religiosas, os questionamentos sobre a localização das reais fronteiras que dividem
as nações, o acesso e o uso dos mananciais de água potável, a posse
de fontes de energia não renováveis, a exploração dos minerais do
fundo dos mares, os direitos de pesca, a poluição atmosférica que
supera as fronteiras terrestres afetando vários países, o contrabando
de mercadorias perturbando o comércio internacional. São questões
que devem ser consideradas para que se perceba, com maior clareza,
a necessidade dos países de manterem Forças Armadas eficientes,
com rápida capacidade de mobilização e de deslocamento de expressivos efetivos, de tal forma que o país que as utilizar possa garantir
sucesso na iniciativa e seu objetivo estratégico ser alcançado.
O Brasil, recentemente, precisou apelar para as Forças Armadas
com a finalidade de restabelecer a ordem em determinada área do
estado do Rio de Janeiro, então nas mãos do crime organizado,
fato que pode ocorrer em outras unidades da Federação. O governo
brasileiro enviou e mantém tropas no Haiti e deverá contribuir na
Força de Paz que irá se estabelecer no Líbano, como apoio e afirmação de sua política exterior. Em passado não muito remoto, enviou
militares, sob o comando das Nações Unidas, para a faixa de Gaza
e para o Timor, bem como observadores da ONU na conflagrada ex
Iugoslávia, com a missão de assegurarem a paz ameaçada naquelas
paragens. Precisamos estar preparados para essas missões que podem ser solicitadas a qualquer momento neste mundo instável em
que vivemos. No entanto, para que isso aconteça, torna-se necessário
uma política permanente de reequipamento, treinamento e manutenção de um efetivo mínimo do Exército, Marinha e Aeronáutica,
de tal forma que nossa presença no mundo contemporâneo seja
considerada como um país de real expressão econômica, política,
diplomática e militar. Não há alternativa a ser considerada – a não
ser a irresponsabilidade para com as necessidades da nação.
Os militares, os cidadãos que por primeiro sofrem com os horrores
da batalha, com os sofrimentos infligidos pela guerra, são os cidadãos
que mais aspiram a paz. Vale, no seu estilo e determinação de vida, a
sábia orientação da máxima latina: Si vis pacem, para bellum (Se queres
paz, prepara-te para a guerra). Cabe aos civis, ao processo educacional
de qualidade, às igrejas cristãs, eliminarem ou diminuírem o mal, o
pecado do mundo, conquistando as condições de realização da paz.
Os militares devem ganhar as guerras, proteger a nação, suas leis e
Constituição – esta é a sua missão, sua atribuição constitucional.
Certamente podemos visualizar na já longa caminhada da humanidade, exemplos notáveis de virtudes pessoais e coletivas, bem
como instantes da mais deslavada predominância do mal cometido
por pessoas ou por grupos de pessoas. Não precisamos nos deter
muito mais debatendo esse pressuposto óbvio e irretocável: o mal,
nas suas várias formas de manifestação, existe como decorrência
mesmo da liberdade e da racionalidade da pessoa humana que faz
opções na sua vida. Os militares, tratando-se daquilo que é considerado um mal para a sua nação, por sua liderança política civil,
tratarão de eliminá-lo ou contê-lo, segundo os meios de combate e
de treinamento que possuem.
Apreendi que certas palavras, com todas as suas possibilidades e força de comunicação, são o norte, a orientação principal
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da vida de um militar: Pátria, Honra e Lealdade. Uma ideologia
que se cristaliza em tradição, disciplina, hierarquia e coragem.
Agem, como outros grupamentos humanos que possuem suas
ideologias próprias – partidos políticos, sindicatos, organizações várias que compõe uma sociedade.
O mesmo povo que hoje cospe no rosto dos militares, a mesma
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juventude que debocha do estilo de vida que os militares cultivam
e dos valores pelos quais estão dispostos a dar a vida, é o que
nos momentos de perigo vai exigir, clamar por Forças Armadas
capazes de defendê-lo exigindo, nesse momento, que as mesmas
estejam prontas, bem equipadas e treinadas. Isto aconteceu em
2010 no Brasil e tende a se repetir outras vezes, com percepção
clara dos inimigos internos e externos a
serem neutralizados.
Frente a tal situação os militares ficam estupefatos, desorientados e tristes. Desolados
com o abandono dos políticos, historiadores,
filósofos, igrejas, professores, que gozam
a liberdade, a paz e o progresso que foram
erguidos, em passado não muito distante,
também com lutas, com guerras, com a perda
de inúmeras vidas, geralmente de jovens,
que acreditavam que lutavam e morriam
por uma causa justa, cumprindo ordens dos
legítimos dirigentes de sua nação, esperando,
no desespero trágico dos combates, apenas
cumprir a missão que lhes fora confiada e
o reconhecimento do seu povo para com os
sacrifícios que se dispuseram a fazer. Essa
disposição continua a mesma.
Acredito que todos os cidadãos e cidadãs
esperam pelo dia em que não mais existirão
conflitos. Que as naturais divergências de
opinião e conflitos de interesse possam
ser resolvidos nos parlamentos nacionais
e internacionais. São inúmeras as vozes
de mulheres e de homens ilustres que, no
decorrer da história da humanidade, propugnaram pelo aperfeiçoamento da democracia,
da liberdade, da justiça e da paz. Muito já foi
feito e consolidado na organização da vida
das nações e da nascente ordem internacional. Muito resta a ser feito. Vale recordar as
palavras do profeta Isaías:
“Com efeito, de Sião sairá a Lei, e de Jerusalém, a palavra de Iahweh. Ele julgará as
nações, Ele corrigirá a muitos povos. Estes
quebrarão as suas espadas, transformandoas em relhas, e as suas lanças, a fim de fazerem podadeiras. Uma nação não levantará a
espada contra a outra, e nem se aprenderá
mais a fazer guerra” (Is 2, 1-4).
Os militares, disciplinadamente atentos, certamente saberão dizer, como uma
oração, na trilha das tradições que cultivam,
como último alento de certeza na missão
que lhes foi confiada pela sociedade, como
tão singelamente cantou Castro Alves, (in
“Dous de Julho”), com sua poesia vibrante
de emoção e pertinência:
“Heróis! Como o cedro augusto
Campeia rijo e vetusto
Dos séculos ao perpassar,
Vós sois os cedros da História,
A cuja sombra de glória
Vai-se o Brasil abrigar.”
73
última página
A
É
deus à Luciana
com profundo pesar que participamos
o falecimento da nossa colaboradora
na Revista do Clube Naval, a Sra.
Luciana Buarque Goulart, em 15 de
janeiro deste ano.
Nossa querida Luciana trabalhou na revista
desde julho de 1998, e tinha como tarefa organizar
os trabalhos propostos para publicação, manter
contato com os autores, orientar o diretor de arte
quanto a detalhes pertinentes ao texto e coordenar
a produção final da revista. Pelo contato afável que
manteve com os autores das matérias, foi sempre
muito elogiada e querida.
A direção da revista sempre teve nela uma
incansável colaboradora e amiga, que facilitava a
relação com os nossos autores de textos.
Tudo o que ela representou nesses anos, a sua
amizade, simpatia e fino trato com todos do Departamento Cultural, deixou em nossos corações
um grande vazio.
À sua família, portanto, em nome do Clube
Naval e de todos nós que desfrutamos do seu convívio, transmitimos os mais sinceros sentimentos
de condolência.
CLUBE NAVAL,127 ANOS
O Presidente do Clube Naval, Vice-Almirante Ricardo Antônio da Vega Cabral tem a honra de convidar
para as cerimônias comemorativas do 127º aniversário do
Clube Naval, que serão realizadas no dia 10 de junho
de 2011: Homenagem ao Almirante Saldanha da Gama,
na praça que tem o seu nome, no Jardim de Alah,
às 9 horas. Missa em ação de graças em memória dos
sócios falecidos, na igreja Santa Cruz dos Militares,
na rua 1º de Março, 36, às 11 horas.
Traje: passeio completo.
Militares da MB: 5.3.
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