Custo de Produção de Mandioca no Estado de São Paulo: Mandioca industrial (maio/04) e de mesa (junho/04)* Lucilio Rogerio Aparecido Alves** Fábio Isaias Felipe*** Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros**** 1. Introdução A informação sobre o custo de produção de uma cultura é uma das mais importantes para qualquer atividade produtiva, sendo fundamental para a tomada de decisão dos agricultores. No setor rural, a discussão sobre custo de produção é bastante relevante, uma vez que pode ter diferentes finalidades, segundo os diversos agentes econômicos envolvidos em sua estimativa. Em geral, o objetivo de cálculo do custo pode servir de base, por exemplo, para subsidiar uma decisão gerencial de curto prazo, propostas ou implementação de políticas agrícolas, para medir a sustentabilidade de um empreendimento agrícola no longo prazo, para medir a capacidade de pagamento de uma lavoura, para medir a viabilidade econômica de uma tecnologia alternativa, entre outras. A condução de uma lavoura guarda sensíveis particularidades (diferenças) de um produtor para outro, ou de uma região para outra, o que dificulta a adoção de procedimentos “padrão” para o estudo do custo de produção. Além disso, há muitas controvérsias conceituais, mesmo no ambiente acadêmico, no que se refere às diferentes metodologias de elaboração de custos de produção. Os mercados de produtos agrícolas, via de regra, tendem ao de competição perfeita, não sendo diferente para o caso da mandioca. Em tais mercados, os preços são definidos pelas * Texto preliminar para discussão. Os autores agradecem a contribuição dos seguintes profissionais de Paulo Arlindo de Oliveira, Aparecido Naloto e Tito Bergamasso (CATI Regional Assis); Marcos Antônio Forner e Luiz Henrique Teresani de Freitas (Casa da Agricultura de Engenheiro Coelho). ** Doutorando em Economia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP) e pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA). E-mail: [email protected]. *** Graduando em economia pelo Instituto Superior de Ciências Aplicadas (ISCA) e pesquisador do CEPEA. Email: [email protected]. **** Professor Titular do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da ESALQ/USP. Coordenador Científico do CEPEA. E-mail: [email protected]. 2 forças de oferta e demanda pelo produto, sendo que cada agente – individualmente – não tem influência sobre esse preço. Em outras palavras, os preços são “dados” aos agricultores, tornando-se ainda mais relevante o controle dos custos como instrumento de obtenção de rentabilidade. Um aspecto que não pode ser perdido de vista é a necessidade de desenvolvimento de um sistema que seja de manipulação relativamente fácil pelos produtores, pois eles serão os utilitários finais e adotarão a metodologia para cálculo dos seus custos particulares. A utilização de um sistema que seja padrão permitirá uma análise conjunta dos custos de diversas propriedades. Dessa maneira, as distorções e vantagens poderão ser analisadas por meio de comparações dos diversos itens componentes do custo, o que pode ser um importante instrumento para ajuste de problemas como, por exemplo, uso excessivo de determinado insumo de produção. Procurando contribuir nesse sentido, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA/ESALQ/USP), juntamente com a Coordenadoria de Assistência Técnica e Integral (CATI) da região de Assis e da Casa da Agricultura de Engenheiro Coelho, vem levantando e acompanhando os custos de produção agrícola da mandioca nas principais regiões produtoras do Estado de São Paulo. O trabalho vem contando, ainda, com o apoio da Câmara Setorial da Mandioca da Secretaria da Agricultura do Estado e da Associação dos Produtores de Mandioca e Derivados do Estado de São Paulo (APMESP). Desta forma, este trabalho tem como objetivo apresentar as principais características dos sistemas de produção, o valor dos custos e informações adicionais para a mandioca de uso industrial (região de Assis), que foram coletadas no final de maio/04, e para a mandioca de mesa (região de Engenheiro Coelho), com coleta efetuada na primeira quinzena de junho/04. Além destas considerações iniciais, este trabalho consta de mais três partes. Na segunda apresenta-se a metodologia utilizada para cômputo do custo de produção nestas regiões, descrevendo o método de obtenção das informações e a formação do custo. Em seguida (terceira parte), apresentam-se os resultados destacando-se os custos das operações e a rentabilidade. As considerações finais sumariam este trabalho. 2. Metodologia 2.1 Obtenção das informações 3 A metodologia padrão de levantamento dos coeficientes técnicos a ser utilizado para formar o custo de produção, adotado pela equipe CEPEA, é a do “painel”, que consiste em uma reunião de trabalho entre produtores, pesquisadores e técnicos locais. Esses agentes discutem, em conjunto, e procuram desenhar um sistema típico de produção de determinada localidade.1 Cada etapa do processo de produção é discutida até se chegar a um consenso sobre as práticas e coeficientes técnicos mais comuns, praticados pelos agricultores locais. Os preços dos insumos e serviços também são discutidos. Esses valores, em uma etapa posterior, podem ser averiguados mediante pesquisa realizada junto aos fornecedores do mercado e fontes de informação secundária. Vale ressaltar que a presença dos técnicos locais é fundamental para a adequada realização do trabalho, uma vez que são conhecedores da realidade, servindo como uma espécie de “juiz” das opiniões e informações discutidas pelo grupo. Os pesquisadores têm o papel de coordenar os trabalhos de discussão e sistematizar as informações levantadas, devendo ter um conhecimento prévio da atividade em discussão. Isso é alcançado por meio de estudos realizados anteriormente com o auxílio de levantamentos bibliográficos referente ao assunto. Para facilitar os trabalhos, as reuniões são realizadas com o auxílio de recursos audiovisuais. As informações originadas das discussões vão sendo automaticamente alimentadas em planilhas eletrônicas que são projetadas por um equipamento do tipo “datashow”. No final, os resultados são obtidos, avaliados e discutidos pelos participantes. Essas planilhas estão programadas de modo que os preços dos insumos, bem como os coeficientes técnicos sejam facilmente revistos para obtenção de custos atualizados e para facilitar a simulação de cenários e situações especificas projetadas pelos participantes do “painel”. Posteriormente, os pesquisadores avaliam as informações obtidas criteriosamente e ajustam as planilhas de modo a obter os custos finais de produção. Em relação às informações coletadas na região de Assis, contemplou-se a produção de mandioca para indústria, considerando a possibilidade de dois “ciclos” de produção. A mandioca de “um ciclo” seria aquela cultivada no período de aproximadamente um ano; a 1 Mais informações sobre descrição de painel e outras características podem ser verificadas em Deblitz (1999) e De Zen & Perez (2002). 4 mandioca da “dois ciclos” seria aquela com um período em torno de 18 meses. No município de Engenheiro Coelho, importante produtor de mandioca para mesa, considerou-se um ciclo normal de aproximadamente 10 meses de cultivo. 2.2 Formação do Custo Há algumas controvérsias na definição de “custo”. Elas são oriundas das diversas finalidades no cálculo e na análise do custo de produção, que resultam em importantes diferenças metodológicas, em função dos dados disponíveis para a realização dos cálculos e dos diferentes pressupostos teóricos necessários para se estimar os custos de produção e sua posterior avaliação econômica e gerencial. Neste trabalho, a metodologia proposta considera o “custo operacional total”, que contempla todos os custos variáveis e os custos fixos, sendo esses últimos alocados devidamente para a cultura em questão. Essa metodologia é uma adaptação da metodologia proposta pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) (Matsunaga et al., 1976). O custo das máquinas e implementos é alocado para a cultura da mandioca segundo o tempo que os mesmos são utilizados nessa lavoura. O custo da hora de operação de um trator é formado considerando conjuntamente os respectivos implementos utilizados e a mão-de-obra necessária para sua condução. Considera-se o custo de manutenção, depreciação e combustível. Portanto, a metodologia não contempla subutilização ou superutilização das máquinas e equipamentos. Essa é uma forma de homogeneizar o tratamento entre as propriedades, desconsiderando as outras atividades agrícolas existentes. Todos os insumos são considerados com seus preços de mercado, para pagamento à vista. Para aqueles insumos que representam maiores volumes, como óleo diesel e fertilizantes, deve-se considerar o custo “posto na propriedade”, ou seja, incluindo o seu frete até a propriedade. A mão-de-obra segue o mesmo raciocínio de utilização das máquinas, ou seja, o de considerar o tempo que o trabalhador estará se dedicando à lavoura da mandioca. Considera-se dois tipos de trabalho: o do empregado fixo e o do chamado temporário. O primeiro recebe salário mensal e todos os encargos devem ser considerados, inclusive eventuais custos com alimentação, alojamento e equipamentos de proteção fornecidos a esses. Os trabalhadores avulsos recebem diárias, que têm um preço fixo. Mais uma vez ressalta-se que essa forma de 5 alocação dos custos independe das outras atividades e também da existência de mão-de-obra superdimensionada ou subdimensionada para a lavoura de mandioca. O custo financeiro deve ser incluído em um custo operacional total de produção. Esse seria o custo que o agricultor incorreria com a tomada de financiamento para custeio. No entanto, caso seja usado apenas recursos próprios, deve ser considerado o custo de oportunidade do capital. Na metodologia proposta, o custo financeiro incide sobre todos os custos de produção, para o período referente ao ciclo considerado. A taxa de juros deve ser aquela equivalente às das principais linhas de financiamento disponíveis para a atividade (Pronaf, etc.). O custo da terra é outro item que geralmente gera discussão. Caso o agricultor não disponha da terra, terá de arrendá-la, incorrendo com o custo desse arrendamento. O arrendamento é bastante comum na cultura da mandioca, na maioria das regiões. Se o agricultor for o proprietário da terra, terá um custo de oportunidade por não estar arrendando-a a outro. Esse custo refere-se ao preço do arrendamento nas respectivas regiões consideradas. É um item importante que não podemos descartar do custo de produção. 3. Resultados 3.1 Custos Nesta seção, destacam-se os dados dos custos obtidos e a rentabilidade da cultura. Primeiramente, na Tabela 1 são apresentados as principais características dos sistemas de produção considerados, seus custos e informações adicionais. De acordo com os dados desta tabela e pela visualização das Figuras 1 e 2, os principais itens formadores do custo de produção são o custo da terra, o da colheita, o dos adubos e corretivos e o das operações mecânicas/manuais (que englobam o preparo do solo, plantio e os tratos culturais). Os insumos e os custos de financiamento de capital de giro apresentam uma importância secundária. Para a mandioca destinada a industrialização no município de Assis, os dados apontam para um custo próximo de R$87,00/t, tanto para a mandioca de um ciclo como para a de dois ciclos. 6 Tabela 1. Custo de produção de mandioca industrial (região de Assis – maio/04) e mandioca de mesa (região de Engenheiro Coelho – junho/04), Estado de São Paulo. Características Ciclo Assis 1 ciclo Destino produção Eng. Coelho 2 ciclos 10 meses Indústria Mesa Tamanho da propriedade típica (alqueire) 10 10 Área cultivada com mandioca na propriedade típica 5 5 Outras atividades Milho e soja Laranja e milho Tipo cultivo Mecanizado Semimecanizado Produtividade (t/al) 49,20 80,00 42,00 Produtividade (cx/al) - - 1.500 Custo operações (R$/al) 744,97 915,06 728,85 Custo ramas e outros (R$/al) 363,74 363,74 - Custo adubos e corretivos (R$/al) 500,00 500,00 400,00 Custo herbicidas (R$/al) 52,80 164,80 200,00 Custo inseticidas (R$/al) 58,00 58,00 - Custo fungicidas (R$/al) - - - 34,44 55,38 - 738,00 1.200,00 1.500,00 1.350,00 2.700,00 2.000,00 336,17 781,85 422,52 4.178,11 6.738,83 5.251,38 Volume líquido de produção (t/al) 48,07 78,16 41,03 Custo operacional total (R$/t) 86,92 86,22 127,98 Custo assistência técnica (R$/al) Custo colheita (R$/al) Custo arrendamento (R$/al) Custo financiamento capital de giro (R$/al) Custo operacional total (R$/al) Custo operacional total (R$/cx) 3,58 Fonte: CEPEA/ESALQ/USP, CATI Regional Assis e Casa da Agricultura de Engenheiro Coelho Já na região de Engenheiro Coelho, produtora de mandioca de mesa, o custo da mandioca foi calculado em aproximadamente R$128,00/t ou R$ 3,58/caixa de 28 kg (essa última é a unidade mais comum para esse mercado). Nesta região, houve um acréscimo considerável nos custos, comparativamente ao ano anterior, devido aos reajustes de preços e do início de utilização de adubos e corretivos. 7 Finan. capital de giro 8,0% Ramas e outros 8,7% Tratos culturais 6,3% Outros 3,5% Custo da terra 32,3% Preparo do solo e plantio 11,5% Colheita 17,7% Adubos e corretivos 12,0% Figura 1 – Participação das parcelas de custo de produção de mandioca industrial de um ciclo no custo total (região de Assis – maio/04), Estado de São Paulo. Fonte: CEPEA/ESALQ/USP e CATI Regional Assis Ramas e outros Adubos e corretivos 0,00% 7,62% Finan. capital de giro 8,05% Colheita 28,56% Outros 3,81% Tratos culturais 5,55% Preparo do solo e plantio 8,33% Custo da terra 38,09% Figura 2 – Participação das parcelas de custo de produção de mandioca de mesa no custo total (região de Engenheiro Coelho – junho/04), Estado de São Paulo. Fonte: CEPEA/ESALQ/USP e Casa da Agricultura de Engenheiro Coelho 8 Desta forma, a adubação para a mandioca que não era prática comum na região de Engenheiro Coelho, começa a apresentar destaque, devido à consciência dos produtores da necessidade da utilização deste insumo para melhorar sua produtividade. Além disso, há um reconhecido aproveitamento dos resíduos de fertilizantes aplicados para outras culturas, como o milho e os laranjais em fase de formação. Já em Assis, a prática da adubação e correção do solo para o cultivo da mandioca é mais comum, ainda que também a mandioca se beneficie do resíduo da adubação realizadas nas culturas que a antecedem. Para calcular o custo de financiamento de capital de giro, utilizou-se uma taxa de 8,75% ao ano, que normalmente é a taxa referencial de obtenção de crédito para custeio. Para o cultivo de 18 meses (segundo ciclo), esse custo acaba sendo elevado significativamente. O custo da rama não aparece no custo de Engenheiro Coelho, porque o mais comum é a preparação por parte dos próprios produtores, sendo que o custo dessa mão-de-obra acaba sendo computado em operações, e não como custo de compra de rama, como considerado em Assis. 3.2 Rentabilidade A rentabilidade da cultura estará diretamente relacionada aos preços dos produtos, que sofrem forte oscilação ao longo do tempo. Neste contexto, a análise de rentabilidade aqui apresentada tem o objetivo único de ilustrar a situação conjuntural. Considerando os preços médios praticados em 2004, segundo as informações dos produtores, a situação é a apresentada na Tabela 2. Com um preço de R$135,00/t para a mandioca industrial em Assis, os agricultores obteriam uma margem positiva de R$48,08/t. Essa margem refere-se a uma taxa de retorno ao redor de 55%. Em Engenheiro Coelho, a margem foi de R$86,31/t, que é equivalente a R$2,42/cx, considerando um valor de R$6,00/cx. Isso resulta em uma taxa de retorno de 67%. 9 Tabela 2. Preços e margens para mandioca industrial (região de Assis – maio/04) e mandioca de mesa (região de Engenheiro Coelho – junho/04), Estado de São Paulo. Preços e margens Preço médio considerado (R$/t) Assis 1 ciclo 135,00 Eng. Coelho 2 ciclos 10 meses 135,00 214,29 Preço médio considerado (R$/cx) Margem (R$/t) 6,00 48,08 48,78 86,31 Margem (R$/cx) Margem (R$/al) Taxa de retorno 2,42 2.311,12 3.812,77 3.541,62 55% 57% 67% Fonte: CEPEA/ESALQ/USP e CATI Regional Assis e Secretaria de Agricultura de Engenheiro Coelho 4. Considerações finais De forma geral, pode-se dizer que a metodologia sugerida parece ser bastante satisfatória para a elaboração de um custo que se aproxime da realidade da produção de mandioca. Conforme já ressaltado pela equipe CEPEA em outras oportunidades, seria muito importante que uma iniciativa de acompanhamento dessa natureza fosse permanente, sendo atualizado com preços de mercado e contemplando eventuais evoluções tecnológicas nos sistemas de produção. A utilização de painéis com pesquisadores, técnicos e produtores mostra-se também bastante eficiente para a construção desses custos. Além do mais, é uma forma de aproximação e troca de idéias e experiências entre o setor. Entretanto, vale lembrar que cada propriedade apresenta particularidades em termos de topografia, fertilidade do solo, máquinas utilizadas, área plantada, nível tecnológicos, aspectos administrativos, entre outros. Portanto, o que se propôs aqui foi tomar como base as características principais das propriedades de cada região analisada. Por fim, dado que as planilhas estão construídas de modo que simulações e atualizações possam ser facilmente realizadas, os agricultores podem fazer uso dessas ferramentas para calcular custo de produção para situações especificas. Isso contribuiria para melhorar a tomada de decisão, bem como para verificar a rentabilidade do negócio. 10 Referências bibliográficas DEBLITZ, DEBLITZ, C. The International Farm Comparison Network (IFCN) - bridging the gap between farmers, science and policy. IFCN-homepage: http://www.fal.de/english/ institutes/bw/ifcn/html/ifcnhome.html. DE ZEN, S.; PERES, F.C. Painel agrícola como instrumento de comunicação. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 40., Passo Fundo, 2002. Anais. Brasília: SOBER, 2002. MATSUNAGA, M., BEMELMANS, P. F., TOLEDO, P. E. N. de; DULLEY, R.D.; OKAWA, H. & PEROSO, I.A .Metodologia de custo de produção utilizado pelo IEA. Agricultura em São Paulo, São Paulo, v.23, n.1, p.123-139. 1976.