A PEDAGOGIA DE MAKARENKO E O PRINCIPIO EDUCATIVO DO TRABALHO Mônica Seferino Bento (PIBIC/Fundação Araucária-UNIOESTE), José Luiz Zanella (Orientador), e-mail: [email protected] Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Centro de Ciências Humanas/Francisco Beltrão-PR Ciências Humanas – Educação Palavras-chave: Trabalho, educação, formação humana Resumo: O objetivo principal da pesquisa consiste em apresentar uma reflexão sobre o trabalho como princípio educativo na pedagogia de Makarenko. Com base na Filosofia da Práxis busca-se o significado do trabalho como principio educativo. Em seguida, a partir das principais obras de Makarenko, mostrase como este educador marxista concebia o trabalho como principio educativo na formação da criança. O desafio está em relacionar o ensino e o educar com o trabalho. Para tanto, é fundamental entender de que forma o trabalho pode ser principio formador do sujeito. Introdução Partimos do pressuposto da centralidade do trabalho na produção da existência humana. Este pressuposto nos conduz a reflexão da relação entre trabalho e educação, principalmente da educação escolar. Sendo assim, indagamos: De que forma o trabalho se constitui em principio educativo? Na educação escolar, como utilizar o trabalho como principio educativo no ensino e na formação, ou seja, no educar? Dentre tantas contribuições a esta temática, destacamos a Pedagogia de Makarenko. Para mostrar em que consiste o trabalho como principio educativo no educar, buscou-se selecionar nas obras de Makarenko passagens que demonstrassem como a “educação para o trabalho” produz o ser humano, a segunda natureza. Materiais e métodos O trabalho como princípio educativo e a formação humana O homem é uma formação histórica a qual denominamos de segunda natureza, produzida pelo trabalho e educação. Advém aqui o princípio educativo do trabalho. Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é uma dádiva natural, mas tem de ser produzida pelos próprios homens, sendo, pois, um produto do trabalho, isso significa que o homem não nasce homem. Ele Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR. forma-se homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo. (SAVIANI, 2007, p. 154) A individualidade constitui-se, segundo Gramsci (1999), a partir das relações orgânicas que o homem estabelece com os outros homens e com a natureza. A individualidade resulta de determinadas relações sociais. Frigotto (2002), interpretando Marx, mostra em que consiste o “princípio educativo do trabalho” enquanto direito e dever. O trabalho (...) por ser elemento criador da vida humana (...) [constitui-se em] um dever a ser apreendido, socializado, desde a infância. Trata-se de apreender que o ser humano – como ser natural – necessita elaborar a natureza, transformá-la, e pelo trabalho extrair dela bens úteis para satisfazer as suas necessidades vitais e socioculturais. Quando não se socializa este valor, a criança e o jovem tornam-se, no dizer de Gramsci, espécies de mamíferos de luxo, que acham natural viverem do trabalho e da exploração dos outros. Não se trata aqui de defender a exploração capitalista do trabalho infanto-juvenil, que mutila e degrada a vida da infância e da juventude. Trata-se de educar a criança e o jovem para participar das tarefas da produção, de cuidar de sua própria vida e da vida coletiva e para partilhar de tarefas compatíveis com sua idade (p. 15). É com base neste pressuposto de educar a criança a partir do trabalho que realizamos a pesquisa em Makarenko. O homem, ao trabalhar, transforma a natureza e “modifica sua própria natureza” (MARX, 1999, p. 211). A pedagogia de Makarenko, construída a partir da prática com crianças e menores infratores (hoje diríamos sem limites), na sociedade socialista da URSS, na primeira metade do século XX, buscou formar o ser social com base numa escola organizada que também organizava a família. A verdadeira essência do trabalho educativo não consiste na realidade como provavelmente já se terá observado nas conversas com a criança, na influência direta sobre ela, mas na organização da família, na organização da vida da criança e no exemplo que se lhe oferece da nossa própria vida pessoal e social. O trabalho educativo é antes de tudo um trabalho de organização (MAKARENKO, 1981, p. 24). Segundo Makarenko a educação deve se organizar em torno do interesse da coletividade, o que implica deveres e responsabilidades que muitas vezes se encontram em contradição aos desejos da criança. É preciso combater o individualismo e enfatizar o coletivo. No método pedagógico de Makarenko, as normas - as regras devem ser discutidas junto ao coletivo. A formação humana, segundo Makarenko, é um processo histórico e social. Daí ser fundamental, na escola, a organização de um coletivo que institua, de forma autônoma e disciplinada, critérios e hábitos de trabalho e estudo. Assim, forma-se o caráter, a responsabilidade pelo outro e o compromisso com a construção da sociedade socialista. Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR. De modo que o educar é um processo prático (formação de hábitos que se tornam a “segunda natureza”), de longo prazo, que requer dos educadores uma filosofia do meio-termo – ser severo de forma carinhosa – e capacidade de dar significado as regras. Para a compreensão do significado do trabalho na formação humana, apresentamos uma citação de Makarenko sobre uma conversa que teve com os pais de um garoto. - Somos, ambos membros do Partido e ativista sociais, eu sou engenheiro e ela é professora. Nosso filho era um bom garoto, mas agora não sabemos o que se passa com ele. Diz grosserias a sua mãe, sai de casa quando lhe da vontade e nos desaparecem coisas. Que fazer? Educamos e demos a ele atenção como se deve, sempre teve tantos brinquedos quantos quis, vestimos calçamos, tem um quarto só para ele e lhe proporcionamos todo tipo de distração. Agora (tem 15 anos), não lhe proibimos que vá ao cinema ou ao teatro. Se ele deseja uma bicicleta, a compramos. De nossa parte, você está vendo: somos pessoas normais de quem não pode ter herdado nada de mal. Por que então, o meu filho é tão mau? -Você faz a cama do garoto? Sempre?-perguntei a mãe. -Sempre. -Nunca lhe ocorreu propor-lhe que ele mesmo a faça? Perguntei ao pai: -Você limpa os sapatos de seu filho? -Sim. Terminei a conversa, dizendo-lhes: -Vão tranqüilos e não procurem mais ninguém. Sentem-se em qualquer banco solitário de algum jardim e tratem de recordar o que fizeram com seu filho. Perguntem a si mesmo quem tem culpa de que o garoto seja assim e encontrarão a resposta e os procedimentos para corrigi-lo (MAKARENKO, 1976, p. 410). Temos aqui o sentido do trabalho como principio educativo na formação do ser humano. Na medida em que o trabalho é aprendido pela criança desde a infância, esta aprende a dar valor às coisas e acima de tudo forma-se uma pessoa com caráter e, se a educação for critica, saberá lutar contra a exploração do trabalho. Resultados e Discussão As leituras das obras de Makarenko trazem uma contribuição significativa para os desafios do educar em nosso tempo. Diante do problema de indisciplina, falta de limites e de respeito de um número considerável de crianças e jovens, a pedagogia de Makarenko mostra como o educar a partir do trabalho num coletivo organizado pode superar estes problemas. É uma pedagogia que tem como pressuposto o trabalho como principio educativo no sentido da formação humana. Não se trata de formar trabalhadores profissionais submissos e dóceis e nem de utilizar o trabalho como recurso didático do método do aprender a aprender das pedagogias pragmáticas. Ao contrário, parte-se da centralidade do trabalho concreto como fundamento ontológico do ser social. Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR. Conclusões Chegamos à conclusão que é necessário educar a criança desde cedo para o trabalho “concreto”, aquele trabalho que é “criador da vida”, que produz “valores de uso”. Pois, é por este trabalho que se forma o ser humano, com caráter e responsabilidade, que entende o valor como produto do trabalho. É por esta razão que Makarenko propõe um método de educação para o trabalho, em que as crianças possam, conforme a idade, assumirem certos trabalhos. Ao ingressarem na escola, as crianças compreenderão que estudo é também trabalho. “Deve-se convencer muita gente de que o estudo é também um trabalho, e muito cansativo, com um tirocínio particular próprio, não só intelectual, mas também muscular-nervoso: é um processo de adaptação, é um hábito adquirido com esforço, aborrecimento e até mesmo sofrimento” (GRAMSCI, 2000, p. 51). Referências CAPRILES, René. Makarenko: o nascimento da pedagogia socialista. São Paulo: Scipione, 1989 FRIGOTTO,Gaudêncio. A dupla face do trabalho: criação e destruição da vida.Rio de Janeiro, 2002. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. 2. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2000. . LEUDEMANN, Cecília da Silveira. Anton Makarenko: vida e obra a pedagogia na revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2002. MAKARENKO, Anton. O Livro dos Pais. Lisboa: Horizonte pedagógico, 1976, Vol. II. MAKARENKO, Anton. Poema Pedagógico. São Paulo: Editora 34, 2005. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 17. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. Livro 1. v. 1 e 2. Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR.