Departamento de Microbiologia
Instituto de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Minas Gerais
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Interação Microrganismos - Planta
Introdução
Praticamente todas as plantas vivem em associação com microrganismos que podem colonizar a
superfície (colonização epifítica) ou ocupar os espaços intercelulares (colonização endofítica) de
tecidos vegetais. Essas relações são comuns e podem trazer vantagens ou desvantagens para a
planta. Os microrganismos podem causar doenças às plantas, resultando em grandes perdas
econômicas e podem também se envolver no processo de fixação de nitrogênio que será utilizado
pelas plantas ou podem aumentar a área de superfície pela qual a planta pode absorver nutrientes.
Relações que envolvem simbiose mutualística
Micorriza ou Micorrhyzum
Trata-se de uma associação simbiótica entre certos fungos e raízes de algumas plantas. As raízes da
planta são invadidas por hifas de fungos (Figura 1) que atuam nos processos de absorção de água e
nutrientes. Isso permite um aumento da superfície de absorção da planta. Já os fungos recebem da
planta os carboidratos necessários para a sua sobrevivência, os quais não são capazes de sintetizar,
uma vez que não possuem clorofila. Tal associação possibilita melhor tolerância a stress salino, a
climas mais secos e a ataques de patógenos que causam danos nas raízes (ex.: Pythium sp., Fusarium
sp., Sclerotinia sp.), além de reduzir as necessidades de fertilização. A maioria das pteridófitas,
gimnospermas e angiospermas faz esse tipo de associação.
Fig. 1: Esquema representativo da associação entre raízes de uma planta (Pinus) e hifas de fungos micorrízicos
(Boletus).
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Estudos sugerem que tal associação foi extremamente importante para a conquista do ambiente
terrestre pelas plantas, uma vez que em grande parte das vezes, os solos eram muito pobres em
nutrientes.
As micorrizas são representadas por uma grande diversidade de tipos e grupos. De modo geral,
reconhece-se sete tipos distintos de micorrizas: endomicorrizas (micorrizas arbusculares),
ectomicorrizas, ectendomicorrizas, micorrizas monotropóides, micorrizas ericóides, micorrizas
arbutóides, e micorrizas orquidóides; sendo que os dois primeiros são os tipos mais comuns e
importantes.
Endomicorrizas
A maior parte das micorrizas pertence a esse grupo e são chamadas de micorrizas arbusculares. São
formadas por fungos da ordem Glomales, classe dos Zigomicetos, os quais possuem hifas asseptadas
que colonizam as raízes de plantas de quase todos os gêneros de Gimnospermas e Angiospermas,
além de alguns representantes de Briófitas e Pteridófitas.
As hifas penetram na raiz e nas células vegetais, colonizando as células do córtex radicular, levando
à formação dos arbúsculos, estruturas altamente ramificadas, típicas das endomicorrizas. Também
é possível encontrar hifas com dilatações terminais denominadas vesículas.
São utilizadas em várias áreas de pesquisa e no desenvolvimento de mudas em viveiros. Além
de serem capazes de aumentar a solubilização de fosfato mineral no solo, cuja correção da baixa
concentração é extremamente problemática nos solos tropicais altamente intemperizados.
Fig. 2: Corte transversal de uma raíz micorrizada mostrando penetração intracelular das hifas.
Ectomicorrizas
São formadas, na maioria dos casos, por fungos com hifas septadas da classe dos Basidiomicetos.
São características de alguns grupos específicos de árvores ou arbustos de zonas temperadas, como
no caso dos pinheiros.
As hifas formam um revestimento em torno das células das raízes, penetrando apenas
intercelularmente no córtex das raízes, com formação de estrutura característica, chamada Rede
de Hartig, nos espaços intercelulares substituindo a lamela média. Em adição ocorre a formação do
manto fúngico ao redor das raízes. Tais modificações tornam a planta mais resistente a condições
adversas, tais como secas e baixas temperaturas.
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Fig. 3: Corte transversal de ectomicorriza mostrando bainha fúngica e penetração intercelular pelas hifas.
O gênero Rhizobium
As bactérias deste gênero se caracterizam por sua habilidade de infectar os pêlos radiculares das
leguminosas e induzir a nodulação (Figuras 4 e 5), processo que possibilita a fixação de nitrogênio. Assim,
tais bactérias atuam como verdadeiro “adubo natural”. São encontradas principalmente nas raízes de
leguminosas, sendo que a maioria destas são hóspedes específicos. Essas bactérias convertem o nitrogênio
presente na atmosfera em nitrato. Ao contrário, as bactérias do gênero Nitrosomas convertem amônia
(NH3), resultante do processo de decomposição, em nitrito, o qual deve sofrer posterior conversão por
bactérias do gênero Nitrobacter em nitrato, forma passível de uso pelas plantas.
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Fig. 4: Interações entre bactérias do gênero Rhizobium e leguminosas levando a infecção e formação de nódulo. (A)
Quimiotaxia entre as bactérias e os pêlos da raiz. Mediada por lecitinas algumas se ligam a parece celular dos pêlos da
raiz. Triptofano é um componente do exsudato dos pêlos da raiz. (B) Triptofano é transformado em ácido indolacético
pelas bactérias. Esse hormônio de crescimento causa crescimento dos pêlos da raiz em volta das bactérias ligadas.
Poligalactuonase, secretada pelas bactérias ou possivelmente pelas plantas, despolimeriza e torna a parede celular dos
pêlos da raiz mais facilmente penetráveis. (C) As bactérias penetram na parede celular dos pêlos da raiz. O núcleo da
célula do pêlo da raiz direciona o crescimento. (D) Um tubo consistindo de membrana celular e cercado por parede de
celulose cresce dentro do córtex da raiz e infecta algumas células tetraplóides que proliferam e formam o tecido nodular.
As bactérias se desapegam de tal tubo, perdem sua forma e se tornam bacterióides irregulares, prontos para realizar a
fixação do nitrogênio. (E) Leguminosa com nódulos. Fig 5: Nódulos de Rhizobium em luguminosa.
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Interações entre microrganismos endofíticos e plantas hospedeiras
Inclusos nessa categoria estão protistas, insetos, bactérias e fungos. Microrganismos endofíticos
são aqueles que habitam o interior de plantas, sem causar qualquer dano. Esse nicho ecológico
torna os microrganismos endofíticos úteis no controle biológico de pragas e patógenos, através
da competição com estes por nutrientes e espaço, bem como através da produção de substâncias
tóxicas e indução de resistência (associada a alterações bioquímicas e estruturais) por parte das
plantas hospedeiras. Em troca, endófitos podem receber proteção e nutrientes do hospedeiro.
Alguns autores consideram que as interações entre o endófito e a planta hospedeira podem variar
entre e dentro de comunidades. Assim, microrganismos endofíticos podem se tornar parasitas
sob determinadas condições e a interação pode alterar de mutualismo para parasitismo de modo
continuo em função de inúmeras variáveis, tais como condições de estresse.
Outros autores defendem, ainda, que a colonização sintomática de um tecido ou órgão vegetal por
um endófito resultaria de uma relação antagônica balanceada, onde ocorre um equilíbrio entre a
virulência do microrganismo e as respostas de defesa do hospedeiro. Desse modo, a variabilidade
dessa interação dependeria não só da adaptação do microrganismo a um determinado hospedeiro
ou órgão em particular, mas como também de fatores como virulência inata do endófito, a resposta
de defesa da planta e as condições ambientais.
Ressalta-se ainda que a interação planta-endófito é influenciada por fatores bióticos e abióticos,
sendo que já foi possível o isolamento de grande número de espécies de plantas, no entanto,
somente algumas espécies, geralmente específicas do hospedeiro, estão presentes em quantidades
significativas. Alguns desses fatores são: espécie do vegetal e sua distribuição geográfica, umidade
do ambiente, posição da planta (altura em relação ao solo) e idade da planta.
Dentre os microrganismos endofíticos existentes, os fungos são os mais frequentemente isolados,
podendo ser representados pelos filos Zygomycota, Chytridiomycota, Ascomycota, Basidiomycota e
Glomerulomycota, sendo a maioria pertencente ao filo Ascomycota e seus anamorfos. Ainda com
relação aos fungos endofíticos, os gêneros Neotyphodium e Fusarium apresentam maior potencial
para o controle biológico de insetos e de doenças.
Sabe-se que pelo menos 15 gêneros de bactérias são capazes de exercer tal papel, sendo os mais
efetivos os gêneros Bacillus e Pseudomonas.
Os endófitos são transmitidos via sementes, por meio da reprodução por estaquias contaminadas e
por penetração ativa ou passiva via raízes e estômatos. Há, então, colonização de regiões específicas
dos tecidos e disseminação de forma sistêmica pelos vasos condutores ou espaços intercelulares do
hospedeiro.
A variabilidade genética que ocorre em microrganismos endofíticos justifica as diferenças entre
linhagens patogênicas e endofíticas dentro de uma mesma espécie. Isso explica o fato das plantas
possuírem uma microbiota endofítica característica.
Ainda com relação às suas possíveis aplicações, tais microrganismos apresentam capacidade de
sintetizar uma variedade de metabólitos secundários e, portanto, possuem potencial para emprego
em diversas áreas, como medicina, indústria e agricultura. Assim, além do controle biológico de
pragas e doenças, pode-se citar como empregos:
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• produção de antibióticos e outros metabólitos secundários de interesse farmacológico;
• biorremediação de solos contaminados com poluentes;
• bioindicadores de vitalidade;
• bioherbicidas;
• vetores para introdução de genes em plantas hospedeiras.
Devido a tal potencial, o uso de microrganismos endofíticos em processos biotecnológicos tem
sido cada vez mais freqüente. A modificação destes microrganismos, por tecnologia do DNA
recombinante, permite que novos genes sejam neles introduzidos. Dentro desse contexto, podese realizar a introdução de genes capazes de aumentar a produção de substâncias de importância
para controle de pragas. Da mesma maneira, outros genes podem ser introduzidos com o intuito,
por exemplo, de afetar nematóides, fungos e bactérias patogênicos ou que modificam estados
fisiológicos das plantas.
Em adição, sabe-se que fármacos têm sido descobertos a partir de fungos endofíticos. Como exemplo
dessa aplicação, temos a produção industrial de taxol, substância utilizada contra certos tipos de
câncer e que é produzida tanto por alguns vegetais, como por fungos que habitam esta planta (ex:
Taxomyces andreanae). Essa descoberta permite estudos para produção do fármaco pelo fungo, a
partir de fermentação industrial.
Relações que envolvem parasitismo (fitopatógenos)
As doenças são capazes de causar morte ou mau funcionamento das plantas, que resultam em
redução da capacidade de sobrevivência e da manutenção de seu nicho ecológico. Dessa forma,
ocorre queda na qualidade e quantidade da produção agrícola.
O desenvolvimento de uma doença vegetal causada por microrganismos patogênicos, na maioria
das vezes, segue o seguinte padrão: contato inicial, entrada na planta, reprodução, crescimento e
desenvolvimento dos sinais próprios da doença.
As plantas infectadas acabam por desenvolver uma variedade de anormalidades morfológicas e
metabólicas como resultados das infecções. A invasão de células vegetais por patógenos às vezes
resulta em rápida morte da planta, enquanto que em outros casos a planta pode passar por mudanças
lentas, dentre elas formação de estruturas, tais como papilas. Essa resposta pode ser uma tentativa
de bloqueio da dispersão dos patógenos. Além disso, as paredes celulares de tecidos infectados
são várias vezes modificadas, resultando em inchaço ou outras distorções da morfologia celular. Em
adição, mudanças na permeabilidade podem ser causadas por enzimas ou toxinas produzidas pelos
patógenos.
Os patógenos também podem levar a mudanças nas atividades metabólicas das plantas, como, por
exemplo, na atividade respiratória, devido a alterações no transporte de elétrons ou nas vias de
metabolismo dos carboidratos. Também podem interferir com a fixação de CO2 e síntese protéica
ou de ácidos nucléicos.
É interessante lembrar que uma vez que exibem sinais de invasão primária por um patógeno, as
plantas infectadas estão sujeitas a invasões secundárias por patógenos oportunistas.
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Doenças virais
Os vírus vegetais, parasitas intracelulares obrigatórios, necessitam de encontrar as células certas para
sua replicação. Lembrando que um atributo necessário a patógenos em geral, e a viroses vegetais
em particular, é a habilidade de sobreviver fora da célula infectada até encontrar hospedeiros vivos
susceptíveis, pode-se entender a importância de vetores. Esses vetores são principalmente insetos,
os quais são importantes no transporte de vírus patogênicos que ocorrem no solo ou em tecidos
vegetais de plantas hospedeiras susceptíveis. Assim, fora das células vegetais susceptíveis, inclusive
dentro de vetores, os vírus devem manter a sua integridade para que possam manter sua capacidade
de infectar.
Fatores ambientais que afetam a sobrevivência e o movimento dos vetores no organismo, tais como
a textura do solo, determinam em grande parte os padrões de disseminação dos vírus patogênicos.
A distribuição de doenças virais em plantas usualmente segue a distribuição espacial dos vetores.
Vírus patogênicos a plantas podem também ser transmitidos dentro das estruturas infectadas de
plantas, assim como dentro de sementes, o que garante sua manutenção em populações vegetais
susceptíveis.
Doenças bacterianas
Espécies bacterianas patogênicas ocorrem nos gêneros Mycoplasma, Spiroplasma, Corynebacterium,
Agrobacterium, Pseudomonas, Xanthomonas, Streptomyces e Erwinia. Tais bactérias estão
amplamente distribuídas e causam uma série de doenças vegetais.
Devido ao fato da maioria dessas bactérias não possuírem estágios latentes, as mesmas devem
permanecer em contato íntimo dentro dos tecidos vegetais durante todos os estágios de seu
desenvolvimento.
Ampla variedade de comportamento é encontrada. Enquanto alguns desses patógenos não exibem
fase importante no solo, outros possuem fase permanente no solo e outros passam a maior parte
de seu desenvolvimento em sementes.
Doenças fúngicas
A maioria das doenças vegetais é causada por fungos. Muitos deles são bem adaptados a agir como
patógenos vegetais efetivos. A variedade de esporos produzida por fungos permite transmissão
aérea entre plantas e a produção de esporos latentes permite a manutenção de sua viabilidade fora
de plantas hospedeiras.
Muitos patógenos fúngicos vegetais possuem um ciclo de vida complexo, sendo parte durante a
infecção vegetal e parte fora da planta hospedeira.
Para invadir plantas susceptíveis e causar doenças, todos os patógenos vegetais necessitam de
condições ambientais favoráveis, tais como temperatura ambiente e umidade. Mudanças nessas
condições podem afetar o fungo, a planta ou ambos. A maioria dos fungos se desenvolve melhor
e causam a maioria das doenças mais severas durante as épocas mais quentes do ano e durante o
inverno podem estar inativos.
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Literatura sugerida
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