CAPÍTULO 4 - Franchising, Redes de Relacionamentos e Competências Na opinião de Dnes (1996), o franchising é uma oportunidade excelente para teorizar, modelizar e testar hipóteses sobre a Economia da Organização. Este capítulo tem como objectivo abordar o franchising sob o prisma das Competências da Empresa em Redes de Relacionamentos1. Assim sendo, este estudo procurará analisar o franchising, combinando os avanços da Economia da Organização baseados nas Competências Organizacionais e a Abordagem das Redes de Empresas e, de alguma forma, inserindo-se numa nova linha da literatura que analisa o franchising, procurando ultrapassar as limitações tradicionais. A compatibilidade e complementaridade da Teoria das Competências com a Abordagem das Redes (Mota, 2000) foram já anteriormente referidas2. Sendo que ambas partilham os mesmos antecessores, Penrose (1959) e Richardson (1972), as duas teorias apresentam um conjunto de pressupostos comuns, dos quais se destacam a existência de heterogeneidade no sistema industrial e a importância do conhecimento produtivo e do percurso passado. Assim sendo, a adopção desta perspectiva implica, necessariamente, aceitar a possibilidade de existir: - heterogeneidade dos relacionamentos e dos actores, ou seja, das empresas franqueadoras e franqueadas; - heterogeneidade do conhecimento produtivo que se encontra dividido entre os diferentes actores e necessita de coordenação; - dependência do percurso de que resulta o presente e que condiciona o desenvolvimento futuro da rede de franchising, dos relacionamentos e das competências envolvidas. 1 No entanto, não se põe de parte a possibilidade de complementaridade desta abordagem com as teorias tradicionais. Langlois e Foss (1999), por exemplo, defendem que a Teoria das Competências não tem de ser vista, necessariamente, como uma concorrente da Teoria de Agência ou dos Custos de Transacção. Pelo contrário, os autores consideram que poderá ser possível que estas teorias sejam complementares. Por um lado, as competências poderão ajudar a mitigar problemas de agência. Por outro lado, poderão ser vistas como activos específicos, tal como as patentes ou equipamentos produtivos. Finalmente, esta teoria também não será totalmente oposta à Teoria dos Recursos da Empresa, residindo a principal distinção no facto desta última abordagem se fundamentar nas limitações de recursos, enquanto a primeira perspectiva se preocupa, especificamente, com a limitação do conhecimento produtivo. 2 Ver secção 3.3. 106 Estes pressupostos não parecem desadequados. Na verdade, os trabalhos que se enquadram na nova abordagem que Allam (2003) denominou ‘Corrente Empreendorista do Franchising’, admitem já, de forma mais ou menos explícita, estes pressupostos. Argote e Darr (2000), por exemplo, realizam um estudo empírico, onde concluem que existem factores específicos que influenciam a produtividade das unidades. Os autores consideram que esta questão poderá ter a ver com o conhecimento e a aprendizagem dos franqueados. Tal como já foi descrito, Langenhan (2003) define o conhecimento contido no franchise package, que é transmitido pelo franqueador aos franqueados, como o conhecimento ‘central’. O autor considera, ainda, a existência de conhecimento ‘descentralizado’, detido pelos franqueados individualmente, que não se encontra no franchise package, e a que os outros franqueados e o próprio franqueador podem não ter acesso. Finalmente, a questão da dependência do percurso é de alguma forma considerada, ainda que de forma implícita, no âmbito da aprendizagem organizacional (Langenham, 2003) ou na resistência oferecida pelas unidades franqueadas, no que se refere à implementação de inovações (Cliquet e Ngoc, 2003). A utilização dos pressupostos mencionados poderá permitir-nos ultrapassar três das limitações das teorias tradicionais já identificadas: a questão da homogeneidade dos franqueadores, franqueados e relacionamentos, a questão da desvalorização dos custos de produção e da importância do percurso passado. No entanto, poderá ser possível contornar outras limitações descritas. A literatura tradicional é estática, não tendo em consideração a evolução dos relacionamentos de franchising, nem da rede franqueada, ao longo do tempo. Analisar o franchising, segundo uma abordagem de competências em redes de empresas, significa adoptar uma perspectiva dinâmica dos relacionamentos e do próprio sistema. Esta perspectiva poderá ainda ajudar-nos a compreender a importância e dinâmica da forma plural e a influência, no relacionamento e no sistema, do papel dos franqueados e das diferentes percepções da realidade. A abordagem do franchising sob este prisma implica, ainda, a identificação das competências em questão de cada um dos lados do relacionamento. Do lado do franqueador, parecem existir competências específicas na gestão de uma marca e/ou conceito de negócio, o que inclui o know-how relativo à definição do produto e/ou conceito (por exemplo através do posicionamento e imagem), ao processo produtivo e 107 tecnologia, à manutenção (através da publicidade e da supervisão dos franqueados) e ao melhoramento ou desenvolvimento (de novos produtos, serviços ou mercados) relativo a esse produto ou conceito. Parecem ainda competências importantes do franqueador, as relativas à captação de bons franqueados, à replicação de rotinas, à criação, à codificação e à difusão do conhecimento através da rede. Do lado dos franqueados, parece encontrar-se o know-how relativo à gestão corrente da unidade, ao mercado local e, ainda, as competências que lhes permitem combinar o seu conhecimento idiossincrático com o conhecimento fornecido pelo franqueador. Neste capítulo, na primeira secção, procurar-se-á abordar o franchising numa perspectiva de competências em redes de relacionamentos. Com base nessa abordagem, na segunda secção, identificar-se-ão as questões de pesquisa deste trabalho. 108 4.1. A Perspectiva de Competências em Redes de Relacionamentos Numa abordagem de redes, a cadeia de franchising poderá ser vista como uma rede de empresas activas e heterogéneas que interagem. Nesta perspectiva, nenhuma delas, isoladamente, terá os recursos e as competências necessárias para atingir os seus objectivos (Axelsson e Easton, 1992). Através da rede, cada empresa, franqueadora ou franqueada, poderá aceder aos recursos e às competências das contrapartes com quem se relaciona. Por exemplo, os franqueados poderão aceder às competências do franqueador relativas à definição do produto ou conceito, ao processo produtivo e à tecnologia, à manutenção e ao melhoramento ou desenvolvimento desse produto ou conceito. Por seu lado, o franqueador poderá aceder ao know-how dos franqueados relativo à gestão corrente da unidade, ao mercado local e às competências que lhes permitem combinar o seu conhecimento idiossincrático com o conhecimento fornecido pelo franqueador. Neste enquadramento, a combinação das competências do franqueador e dos franqueados poderá ter um papel na explicação da emergência do franchising, tanto ao nível do negócio, quanto ao nível das unidades. Sendo que cada participante na rede de franchising terá características únicas, a heterogeneidade estará presente não só a nível dos participantes, mas também dos relacionamentos que se estabelecem (Hakansson e Snehota, 1995). Logo no início desta argumentação admitimos que, tal como na perspectiva das competências, o conhecimento produtivo pode ser heterogéneo, não se encontrar distribuído uniformemente pela indústria e necessitar ser coordenado. Assim, poderá ser possível explicar a emergência dos relacionamentos de franchising através das competências idiossincráticas da empresa franqueadora e da franqueada. Seguindo este raciocínio, é possível que existam três factores, não exclusivos, que poderão ajudar a compreender os relacionamentos de franchising ao nível do negócio. Primeiro, uma vez que as actividades do franqueador e dos franqueados poderão ser percepcionadas como parcialmente dissimilares mas muito complementares, poderá ser necessária a sua coordenação através da cooperação interorganizacional (Richardson, 1972). Segundo, a opção pelo franchising poderá resultar de custos de transacção dinâmicos inferiores (Langlois e Robertson, 1993). Finalmente, quer o franchising, quer os custos de transacção dinâmicos mencionados, poderão ser 109 uma função das competências indirectas do franqueador (Loasby, 1998). Estas razões são analisadas em detalhe nos parágrafos seguintes e ilustradas nas Figuras 8 e 9. De acordo com o proposto por Richardson (1972), se as actividades realizadas pelos franqueados forem dissimilares3 das desempenhadas pelo franqueador, então elas não deverão ficar a cargo da empresa franqueadora. Mas, se forem muito complementares4 também não deverão ser obtidas no mercado, mas através de cooperação. Note-se no entanto, tal como Loasby (2001) refere, que esta questão pode ser influenciada pela percepção dos intervenientes, ou seja, o que realmente influencia a decisão da empresa é a percepção que esta tem da similaridade e/ou complementaridade das actividades e competências. Assim sendo, será possível analisar o franchising na perspectiva da articulação das competências das duas partes envolvidas no relacionamento (ver Figura 8). Aparentemente, num relacionamento de franchising, as actividades realizadas pelo franqueador e pelos franqueados, enquanto tais, são muito complementares mas dissimilares. No caso do Franchising da Produção5, por exemplo o franqueador fabrica o produto e os franqueados distribuem-no. Estas actividades são claramente complementares, mas dissimilares. Se, neste tipo de franchising, a complementaridade e a dissemelhança das actividades envolvidas parecem bastante óbvias, no caso do Franchising Industrial6, de Distribuição7 ou de Serviços8, elas poderão não ser tão evidentes e, por isso, necessitar de averiguação. De qualquer forma, em qualquer um destes relacionamentos, o franchising surge associado à exploração de uma marca ou conceito, onde o franqueador é responsável pela realização de actividades relacionadas com a gestão dessa marca, tais como a concepção do produto e a determinação e implementação das estratégias de marketing. Os franqueados são, normalmente, responsáveis pelas actividades de relacionamento 3 As actividades dissimilares são as que utilizam competências diferentes. As actividades complementares são as que se encontram ligadas pela cadeia de produção. 5 No Franchising de Produção, os franqueados vendem exclusivamente o produto do franqueador. 6 No Franchising Industrial ou de Transferência de Tecnologia, os franqueados produzem e vendem produtos de uma determinada marca, recorrendo a técnicas de venda e a tecnologias de produção do franqueador. 7 No Franchising Comercial ou de Distribuição, os franqueados vendem um conjunto de artigos que podem, ou não, ser produzidos pelo franqueador. 8 No Franchising de Serviços, os franqueados prestam um determinado serviço, através de um método transmitido pelo franqueador. 4 110 directo com o cliente, como sejam a venda ou a prestação do serviço. Neste contexto, a marca da empresa franqueadora poderá ter um papel fundamental na justificação da coordenação das actividades através da cooperação. Na verdade, as actividades realizadas por franqueador e franqueados parecem ser muito complementares9, na medida em que, por exemplo, não deverá existir uma descoordenação entre a actuação dos empregados que interagem com o cliente e a imagem da marca que é definida centralmente. Figura 8 - A Perspectiva das Competências sobre o Franchising I Actividades similares que se baseiam nas mesmas competências Negócio da Empresa Franqueadora envolve: Actividades dissimilares mas muito complementares Actividades desenvolvidas pelo franqueador Actividades que não devem ser desenvolvidas pelo franqueador mas que também não devem adquiridas no mercado Franchising surge como forma de coordenar actividades dissimilares mas muito complementares A opção pelo franchising poderá também ser influenciada pelos custos de transacção dinâmicos enfrentados pelo franqueador. Para Langlois e Robertson (1995), a questão das fronteiras da empresa coloca-se, exclusivamente, como a decisão entre ‘fazer internamente na empresa’ vs. ‘comprar no mercado’, não assumindo a possibilidade de ‘get things done’ como em Loasby (1998), isto é, não aceitando a possibilidade de obter as competências em falta, através de relacionamentos interorganizacionais. Langlois e Robertson (1993,1995) propõem o conceito de ‘custos de transacção dinâmicos’, resultantes da diferença, em determinado momento, entre as competências externas que a empresa necessita e aquelas que o mercado consegue fornecer. De acordo com estes autores, as fronteiras da empresa são, assim, influenciadas pela relação entre os custos de desenvolver internamente competências e os custos de as obter externamente através do mercado. Neste contexto, a evolução das fronteiras da empresa resulta da dinâmica da codificação e difusão do conhecimento na indústria. 9 De acordo com Richardson (1971), as actividades muito complementares necessitam de respeitar exigências qualitativas. 111 Se se estender o conceito de ‘custos de transacção dinâmicos’ de forma a incluir não só a decisão ‘empresa vs. mercado’, mas também os relacionamentos entre empresas, poderemos analisar a emergência dos relacionamentos de franchising como resultando de custos de transacção dinâmicos inferiores. Tendo em conta as competências que a empresa necessita e dada a distribuição de competências na indústria, a opção pelo franchising poderá resultar do facto do custo de captar, coordenar e ensinar os franqueados ser menor do que o custo de desenvolver as competências internamente e inferior ao custo de transacção dinâmico associado a outros fornecedores, incluindo o de outras alianças estratégicas. Mas, por outro lado, tal como refere Loasby (1998), é possível que os benefícios esperados decorrentes de uma forma organizacional sejam de tal forma elevados, que a empresa esteja disposta a assumir custos de governo superiores aos de outras alternativas, de forma a tirar partido desses benefícios. Neste enquadramento, é também possível que, ainda que este apresente custos de governo superiores, o benefício decorrente da combinação de competências através do franchising possa justificar o início de um relacionamento deste tipo. Por último, as competências indirectas do franqueador também poderão influenciar a adopção de uma estratégia de franchising, quer de forma directa, quer através da sua influência nos custos de transacção dinâmicos desse franqueador. Lembremos que para Loasby (1998), as competências indirectas são aquelas que permitem a uma empresa aceder às competências de outras. As competências indirectas do franqueador, que lhe permitirão aceder às competências dos franqueados, poderão influenciar a emergência dos relacionamentos de franchising, bem como a sua manutenção (ver Figura 9). Mais ainda, estas competências poderão influenciar os custos de transacção dinâmicos do franqueador. Estas competências indirectas poderão reflectir o seu know-how idiossincrático para captar e manter franqueados e aceder às suas competências. Assim sendo, é possível que quanto melhor a empresa franqueadora tiver desenvolvido essas competências, menor seja o custo de transacção dinâmico associado ao franchising, isto é o custo de negociar, coordenar e ensinar os franqueados. Como o desenvolvimento de competências é um processo prolongado, as competências indirectas do franqueador poderão depender da trajectória percorrida pela empresa, isto é dos investimentos realizados no seu desenvolvimento. 112 Consequentemente, os custos de transacção dinâmicos enfrentados pelo franqueador poderão também ser um resultado desse percurso. A este propósito note-se, ainda, que estes custos de transacção dinâmicos poderão ser específico à contraparte, ou seja, variar de franqueado para franqueado. As competências indirectas do franqueador poderão traduzir-se, mais concretamente, no know-how que permite criar e manter um conceito de negócio atractivo, criar e manter uma boa reputação no mercado, replicar rotinas, codificar e difundir conhecimento na rede, (por exemplo através da formação dos franqueados) e supervisionar as unidades franqueadas. Nos próximos parágrafos iremos analisar estas competências no contexto dos relacionamentos de franchising. Figura 9 - A Perspectiva das Competências sobre o Franchising II Competências Directas Actividades desenvolvidas pelo franqueador Competências Indirectas/ CTD Competências que lhe permitem aceder às competências dos outros Empresa Franqueadora Franchising depende das competências indirectas do franqueador Numa fase inicial do franchise, as principais competências indirectas do franqueador, que lhe permitem aceder às competências dos (potenciais) franqueados, poderão dizer respeito à sua capacidade para os motivar a aderir a um conceito que poderá, ou não, já ter uma imagem forte. Neste sentido, estas competências poderão ser tanto mais importantes, quanto mais desconhecido for o conceito. No fundo, nesta fase, sendo a empresa imatura ou não, estas competências poderão dizer respeito à capacidade do franqueador para vender a sua ideia aos potenciais franqueados, e dependerão, em grande parte, do seu know-how para criar um conceito atractivo, para codificar o conhecimento em manuais de procedimentos, para o difundir pela rede, para formar franqueados e para replicar rotinas. Este último aspecto poderá ser fundamental 113 para a sobrevivência da rede e enquadra-se no argumento defendido pela Teoria Económica Evolucionista (Nelson e Winter, 1982) de que as rotinas bem sucedidas deverão ser replicadas. Debrucemo-nos um pouco sobre esta questão. Winter e Szulanski (2000) analisam a estratégia de replicação nas cadeias que denominam de ‘replicators’10,11. De acordo com os autores (p. 730), a replicação envolve a “criação e funcionamento de um grande número de unidades que oferecem um produto ou realizam um serviço”. No entanto, a estratégia de replicação não é a mera exploração de um modelo de negócio (exploitation). Pelo contrário, envolve uma fase de criação e refinamento desse modelo (exploration), “seguida pela fase de exploração em que o modelo de negócio é estabilizado e rentabilizado através da replicação em grande escala”. A literatura existente tende a focalizar-se na segunda fase, contudo, para estes autores, a primeira fase é igualmente importante, pois as cadeias replicadoras criam valor através do desenvolvimento de um modelo de negócio, da selecção dos componentes desse modelo que serão replicados, do desenvolvimento de competências relativas à rotinização da transferência de conhecimento e a manutenção em funcionamento desse modelo após a sua replicação. Neste contexto, os autores procuram identificar os aspectos chave da estratégia de replicação. Nesse sentido, introduzem o conceito de “Arrow Core” que se refere ao conhecimento relativo à selecção dos atributos a replicar e à criação desses mesmos atributos. Este conhecimento é adquirido através da aprendizagem da ‘organização central’ que detém as competências dinâmicas necessárias para transferir esse conhecimento para as unidades. Como “a rapidez da replicação é fundamental num contexto competitivo, o replicador (…) tem que derivar, a partir da sua experiência limitada com o template em evolução, a compreensão do que é replicável e vantajoso replicar” (pág. 731). A transferência de conhecimento em larga escala é outro aspecto chave importante numa estratégia de replicação. Para os autores (pág. 732), a transferência de 10 Segundo Winter e Szulanski (2000, pág. 730), a literatura tende a ver a ‘replicação’ como uma simples exploração de um modelo de negócio. No entanto, “Such a view clouds the strategic subtlety of replication by side-stepping the exploration efforts to uncover and develop the best business model as well as the ongoing assessment that precedes large-scale replication of it.” 11 Szulanski (2000) analisa a rotinização da replicação de rotinas no Bank One. 114 conhecimento é em larga escala “se cria ou modifica o contexto organizacional das unidades ou da organização alvo, possivelmente definindo ou redefinindo a sua identidade”. Na opinião dos autores, “a transferência de conhecimento em larga escala caracteriza a estratégia de replicação porque esta estratégia se baseia na criação de unidades …[que conseguem] produzir localmente o seu produto ou serviço”. É exactamente essa característica que distingue, na sua opinião, a estratégia de replicação da estratégia que denominam de “faux-replication”. Numa estratégia de fauxreplication, procura-se obter as vantagens da “verdadeira estratégia de replicação, mas sem o envolvimento dos processos internos das unidades. Esse é o caso das cadeias de retalho que não produzem os produtos ou serviços idiossincráticos no ponto de contacto”. Winter e Szulanski (2000) abordam a replicação dentro das cadeias replicadoras, contudo, os autores não têm em consideração a existência de relacionamentos dentro dessas redes. Apesar de os autores falarem genericamente nesses ‘replicators’, o trabalho desenvolvido tem por base o trabalho empírico realizado por Szulanski (2000), onde o autor analisa a rotinização da replicação de rotinas no Bank One. Este é um banco norte-americano que cresce através da aquisição de pequenos bancos locais que depois são transformados em mais unidades da cadeia. Este caso serve de exemplo para a forma como as empresas replicadoras podem desenvolver rotinas de replicação de rotinas. Contudo, numa rede de franchising, as competências de replicação e mais concretamente o desenvolvimento do Arrow Core acontece no contexto dos relacionamentos que se estabelecem entre o franqueador e os franqueados. Dito isto, da mesma forma que é expectável que uma empresa tente replicar as suas melhores rotinas noutros pontos da organização, pode-se também esperar que os franqueadores procurem replicar rotinas bem sucedidas no contexto do relacionamento com um franqueado, em relacionamentos com os outros. Contudo, adoptando a perspectiva do IMP, esses relacionamentos podem ser heterogéneos, o que significa que poderão existir aspectos específicos de cada relacionamento. Nesse contexto, poderá não ser possível realizar a replicação de rotinas de forma acrítica e os franqueados, fazendo uso do seu conhecimento idiossincrático, poderão contribuir de forma relevante para as decisões relativas à replicação. 115 Como dizíamos, inicialmente, as principais competências indirectas do franqueador poderão dizer respeito à sua capacidade para motivar os franqueados a aderir ao seu conceito de negócio. Mas, à medida que a rede se vai afirmando no mercado, um segundo tipo de competências indirectas do franqueador poderá ganhar importância: as competências relativas à criação e manutenção da reputação12 no mercado. A reputação do franqueador poderá ter um papel importante da captação de novos franqueados13 e esta poderá depender não só do comportamento do conceito no mercado, mas, talvez mais importante, do investimento que realizou nos relacionamentos estabelecidos com os franqueados actuais e passados (como em Mota e de Castro, 2004). Nesta fase, a reputação do franqueador pode ser tão boa que existam filas de espera de potenciais franqueados (tal como o previsto por Mathewson e Winter, 1985). Neste contexto, a dependência do percurso passado poderá assumir uma relevância, aparentemente, óbvia. Note-se, contudo, que sendo o desenvolvimento das competências um processo demorado, é de esperar que haja uma dependência do percurso, mesmo numa primeira fase do franchise. Hakansson e Snehota (1995) afirmam que o desempenho da rede poderá depender dos relacionamentos que se estabelecem entre os actores (neste caso entre o franqueador e os franqueados). Os relacionamentos que estes conseguem estabelecer poderão depender também do desempenho da rede. Mas, é possível acrescentar mais uma constatação. Os investimentos realizados pelo franqueador nas suas competências indirectas poderão permitir-lhe desenvolver os relacionamentos (existentes e novos). Por outro lado, também o investimento realizado nos relacionamentos existentes – nomeadamente por se traduzirem na reputação do franqueador – poderão permitir-lhe desenvolver as suas competências indirectas. Esta conclusão encontra fundamento teórico em Araújo et al., (2003), onde a distribuição de competências num sistema industrial não só influencia como também é influenciada pela forma como as empresas definem as suas fronteiras. Conclui-se, também, que os relacionamentos poderão alterar a percepção das identidades tanto no interior como no exterior da rede e condicionar, positiva ou 12 Para Kay (1993a) a criação e manutenção da reputação é uma competência importante, no contexto dos relacionamentos. 13 Ver no ponto 2.1, os estudos empíricos de Martin (1988), Scott (1995) e Lafontaine (1992). 116 negativamente a possibilidade de acção dos actores (Hakansson e Snehota, 1995). Este poderá ser o caso, quando o franqueador procura novos franqueados. A reputação do franqueador, nomeadamente no que diz respeito ao desempenho do conceito franqueado e à forma como se relaciona com os seus actuais franqueados, poderá ter uma influência fundamental no processo de obtenção de novos franqueados. Mas, esta constatação não se limita à reputação do franqueador enquanto manifestação das suas competências indirectas e, portanto, da sua capacidade para captar e manter franqueados. Em relacionamentos externos à rede, em certa medida, tanto o franqueador, como cada um dos franqueados, poderá representar, de alguma forma, o outro (Hakansson e Snehota, 1995). Quando, por exemplo, um franqueado procura obter crédito bancário para expandir a sua unidade, o banco poderá ver nele para lá do empresário individual, a empresa franqueadora que ele representa ou a rede em que está inserido. Por outro lado, quando o franqueador contacta um fornecedor, este poderá ver nele não apenas a empresa franqueadora, mas o potencial de fornecer toda a rede. Argumentamos no início desta secção que as competências idiossincráticas do franqueador e dos franqueados poderão ajudar a explicar a emergência dos relacionamentos de franchising quer a nível do negócio quer da unidade. Debatemos já a aplicação de uma perspectiva de competência e relacionamentos à decisão de implementar uma estratégia de franchising a nível de negócio. Iremos agora analisar a utilização desta mesma perspectiva no estudo da emergência do relacionamento ao nível das unidades e da existência e dinâmica da forma plural. Ao nível das unidades, a decisão entre deter ou franquear uma determinada unidade poderá depender das competências necessárias para gerir essa unidade, e de como essas competências se podem combinar com as outras competências existentes na rede. Assim, a forma plural poderá ser o resultado de vantagens, parcialmente específicas, percepcionadas na combinação das competências dos franqueados e do franqueador. Este argumento encontra-se em linha com os trabalhos de Bradach (1998), Sorenson e Sørensen (2001) e outros autores, que procuram as vantagens da forma plural. De facto, a forma plural poderá reflectir a necessidade de deter um determinado nível de variedade dentro da rede (e.g. Cliquet e Ngoc, 2003). A diversidade de franqueados poderá ser uma questão importante, especialmente no que diz respeito à 117 criação de conhecimento (e.g. Hakansson e Snehota, 1995). As diferentes localizações, experiências e percursos passados dos vários franqueados poderão torná-los numa fonte importante de competências dinâmicas para a rede. No entanto, de acordo com alguns estudos (por exemplo Langenham, 2003), a maior parte dos franqueadores parece negligenciar este papel potencial dos franqueados. Na verdade, poderemos estar perante um dos paradoxos das redes de Ford et al. (2003). De acordo com estes autores, os actores numa rede procuram o seu controlo. Contudo, o controlo da rede, se for conseguido, pode ser prejudicial, pois impõe um limite à heterogeneidade e, portanto, à criação de conhecimento e inovação. Neste contexto, a subavaliação do contributo dos franqueados poderá explicar alguns casos de mau desempenho das redes de franchising. A análise do franchising sob esta perspectiva poderá, também, ajudar-nos a compreender a dinâmica do mix das unidades franqueadas e unidades próprias. A evolução deste mix poderá ser influenciada pelos investimentos realizados no passado, tanto em competências directas e indirectas (Loasby, 1998) como nos relacionamentos como manifestações dessas competências indirectas. Mota e de Castro (2004) consideram que a evolução das fronteiras da empresa é determinada pelo conjunto das suas competências directas e indirectas que resulta dos investimentos e práticas no contexto de relacionamentos inter-organizacionais. De acordo com estes autores, o desenvolvimento das competências não acontece em isolamento, mas num contexto de relacionamentos. A empresa está inserida numa rede de relacionamentos com outras empresas, que possuem diferentes conjuntos de competências directas e indirectas. Assim, o desenvolvimento das competências da empresa é influenciado pelo desenvolvimento das competências das suas contrapartes. Do mesmo modo, as suas competências influenciam o desenvolvimento das competências das restantes. Esta perspectiva é consistente com a abordagem das Redes Industriais que enfatiza os relacionamentos entre negócios “independentes” como um mecanismo central para compreender a dinâmica industrial (Axelsson e Easton 1992; Hakansson e Snehota 1995). Mais ainda, é possível que certos recursos, e mesmo competências, sejam desenvolvidos especificamente para o relacionamento (Hakansson e Johanson, 1992). Nesta perspectiva, é possível abordar as redes de franchising e a sua dinâmica, como sistemas de relacionamentos conectados, que envolvem diferentes actores, que 118 detêm competências parcialmente idiossincráticas, dentro e fora da rede de franchising. Neste enquadramento, a dinâmica do mix de unidades franqueadas e unidades próprias pode ser influenciada pelo desenvolvimento das competências directas e indirectas do franqueador e dos franqueados, que resulta das experiências partilhadas na rede14, e que modificam as vantagens decorrentes das combinações das competências que estiveram na origem da forma plural. Portanto, podemos considerar que os relacionamentos e a dinâmica do sistema poderão ser influenciados por uma dependência do percurso. A rede é um resultado do seu passado e uma base para o seu futuro desenvolvimento (Hakansson e Snehota, 1995). Este, por sua vez, depende dos relacionamentos e das competências desenvolvidas no passado. Por outro lado, de acordo com Langlois e Robertson (1993), a evolução das fronteiras da empresa resulta da dinâmica da codificação e difusão do conhecimento na indústria que altera os custos de transacção dinâmicos. Neste sentido, a dinâmica do mix de unidades franqueadas e unidades próprias poderá, também, ser influenciada pela alteração dos custos de transacção dinâmicos associada quer ao desenvolvimento das competências directas e indirectas do franqueador e dos franqueados, quer do desenvolvimento e difusão do conhecimento na indústria (ver Figura 10). Note-se, contudo, que nem todo o conhecimento é codificado, e, assim sendo, parte da difusão do conhecimento dentro da rede de franchising poderá acontecer através da observação directa e do envolvimento no contexto (tal como em Argote e Darr, 2000). Finalmente, sendo que cada actor poderá ter diferentes percepções da realidade (Loasby, 2001) e, consequentemente, das competências que cada um dos restantes actores detém em face das competências que necessita, as alterações verificadas nestas percepções, ao longo do tempo, poderão também influenciar a dinâmica do mix de unidades próprias e franqueadas. Os problemas decorrentes da interpretação errada das competências dos outros, nomeadamente dos franqueados, podem levar, por exemplo, a erros de avaliação quanto à melhor estratégia de propriedade de uma unidade ou nos critérios de selecção adoptados para recrutar franqueados. As alterações nas percepções 14 Esta questão foi aflorada por Oxenfeldt e Kelly (1969). Segundo estes autores, o ciclo de vida do franchising, i.e., a tendência no sentido da reconversão das unidades franqueadas em unidades integradas, explica-se, entre outros factores, pelo facto de, com o amadurecimento da rede, o franqueador adquirir conhecimento sobre o mercado local através do contacto com o franqueado e este adquirir conhecimentos de gestão (por exemplo de planeamento) que lhe permitem ter um negócio totalmente independente do franqueador. 119 do franqueador relativamente a estes pontos poderão influenciar a forma como o mix evolui. Figura 10 - A Evolução do Mix de Unidades Próprias e Franqueadas Desenvolvimento das competências directas e indirectas do franqueador Modifica ção das vantagens da combina ção das competências do franqueador e dos franquedos Desenvolvimento das competências directas e indirectas dos franqueados Altera ção no custo de obten ção de competências de que a empresa não dispõe mas necessita Evolu ção do mix unidades franqueadas e unidades integradas Desenvolvimento e difusão do conhecimento na indústria Começamos esta secção referindo que, numa perspectiva de redes, a cadeia de franchising poderá ser vista como uma rede constituída pela organização franqueadora e pelas empresas franqueadas. Os actores, nesta rede, poderão ser heterogéneos, o que significa que poderão ter actividades, recursos, competências, percepções e intenções diferentes. Uma vez que o franqueador e cada franqueado poderão ter objectivos diferentes, a interacção entre eles poderá envolver, simultaneamente, a cooperação e o conflito. Esta questão parece ser bastante clara, por exemplo, na abertura de uma nova unidade. Na perspectiva do franqueador, esta nova unidade parece significar a expansão da rede, e ser, portanto, desejável. Mas, para o franqueado, esta nova unidade poderá representar concorrência acrescida. A coexistência de cooperação e o conflito num relacionamento, torna necessário que este continue a ser interessante para ambas as partes para que se mantenha. Neste contexto, as relações sociais, eventualmente até extra-profissionais, que se estabelecem entre os membros das duas organizações envolvidas no relacionamento, poderão influenciar de forma decisiva a sua evolução (Hakansson e Snehota, 1995). Por outro lado, o relacionamento entre um franqueado e o franqueador poderá ser visto, simultaneamente, como um activo, no sentido que permitirá o controlo indirecto de recursos e competências, mas, também, como um passivo que poderá condicionar a empresa à situação actual (Hakansson e Snehota, 1995). Por exemplo, o 120 desenvolvimento do conceito franqueado é importante para a sua sobrevivência e, nesse sentido, o relacionamento pode demonstrar-se um activo, nomeadamente por contribuir para a diversidade da rede. Contudo, o relacionamento põe também ser um constrangimento ao desenvolvimento, pois a implementação de inovações poderá encontrar resistência por parte dos franqueados, nomeadamente se essa exigir um investimento elevado (e.g. Cliquet e Ngoc, 2003, Croonen, 2003). Como já se viu, um dos problemas enfrentados pelo franqueador é a gestão do Paradoxo da Exploração de March (1991). Por um lado, ele vê-se confrontado com a necessidade de inovar, de desenvolver o conceito, de forma a garantir a sua sobrevivência. Contudo, face à forte necessidade de estandardização e uniformidade inerente a este tipo de relacionamento, e tendo em conta a possível indisponibilidade, referida em alguns estudos (por exemplo, Cliquet e Ngoc, 2003), por parte dos franqueados para investir na implementação das inovações, coloca-se o problema da dificuldade de difusão da referida inovação na rede de franchising. Esta questão, poderá, de alguma forma, assemelhar-se ao paradoxo da coexistência de estabilidade e mudança numa rede (Hakansson e Snehota, 1995). Mais ainda, poderá explicar a necessidade de a mudança na rede ser evolutiva, i.e., marginal e ligada ao passado. Numa rede de empresas activas, heterogéneas, que interagem, o resultado das acções de uma delas influencia o resultado das acções das outras (Hakansson e Snehota, 1995). Neste contexto, as acções do franqueador e de cada franqueado, afectam o valor da marca ou conceito franqueado e, nesse contexto, poderão repercutir-se no desempenho de cada uma das contrapartes da rede. O franqueador e os franqueados serão interdependentes, o que significa que os resultados das acções de um deles, poderão decorrer, também, das acções das outras contrapartes. Neste contexto, na definição das estratégias, quer do franqueador, quer do franqueado, poderá ser relevante ter em consideração a reacção das contrapartes, ao contrário do proposto pelas teorias tradicionais. Por exemplo, se se vir confrontado com a necessidade de introduzir uma alteração na imagem do conceito franqueado, que se traduzirá num investimento elevado a nível das unidades, o franqueador poderá ter em consideração qual será a reacção provável, dos franqueados, a essa inovação. Mais ainda, estando os principais relacionamentos de uma empresa conectados, o que acontece no relacionamento entre o franqueador e um franqueado poderá afectar os relacionamentos desse franqueador com 121 os restantes franqueados. E, assim sendo, a mudança propaga-se na rede (Hakansson e Snehota, 1995). A adopção de uma nova abordagem sobre o franchising, nomeadamente uma Perspectiva de Competências em Redes de Relacionamentos, poderá contribuir para ultrapassar algumas das limitações tradicionais da literatura, nomeadamente as questões relativas à homogeneidade dos franqueadores, franqueados e relacionamentos, à desconsideração dos custos de produção, à desvalorização das diferentes percepções da realidade, à adopção de uma perspectiva estática, que não tem em consideração a evolução dos relacionamentos e da rede franqueada ao longo do tempo, e da consequente importância do percurso passado. Finalmente, esta nova abordagem poderá realçar o papel dos franqueados no relacionamento. Não só as suas competências, em conjunto com as do franqueador, poderão ajudar a explicar a existência do franchising a nível do negócio, como a existência e a dinâmica da forma plural. Mais ainda, as competências dos franqueados poderão ainda ser importantes para o desenvolvimento da rede franqueada. Na secção seguinte deste trabalho, definem-se algumas das questões de pesquisa levantadas por esta discussão. O campo de pesquisa é muito vasto, deixando, claramente espaço para pesquisa futura. Neste trabalho, contudo, serão apenas pesquisadas, empiricamente, algumas dessas questões. 122 4.2. Questões de Pesquisa Tradicionalmente, a literatura sobre franchising, na área da gestão, aborda duas questões principais, a emergência do franchising e a decisão entre franquear ou integrar determinada unidade. Estas são também duas das questões que se pretendem estudar, adoptando a Perspectiva das Competências em Redes de Relacionamentos. No entanto, procurar-se-á também responder a outras questões deixadas em aberto pela literatura tradicional. Neste capítulo, definem-se as questões de pesquisa deste trabalho, resultantes da discussão do capítulo anterior. Note-se, no entanto, que dada a sua natureza, é extremamente difícil tratá-las de forma independente uma vez que elas estão fortemente interligadas. Ainda assim, procurou-se compartimentá-las de forma a facilitar a sua compreensão. Para cada uma dessas questões, apresentam-se as proposições teóricas propostas pelo estudo, bem como as previsões das teorias tradicionais ou rivais (Yin, 1994). Não se exclui, ainda assim, a hipótese da conciliação entre as várias teorias apresentadas. As questões de pesquisa são, então, as seguintes: 1. Como é que as competências directas e indirectas do franqueador e (potenciais) franqueados influenciam a emergência dos relacionamentos de franchising? A literatura sobre franchising aborda a questão das fronteiras da empresa, procurando determinar os factores que fundamentam a decisão de franquear. De acordo com a literatura vigente, a resposta reside quer em limitações dos recursos disponíveis para a expansão, quer nos custos de agência associados ao franchising vs. a integração vertical. Analisando esta questão sob o Prisma das Competências da Empresa, a explicação para a emergência de um relacionamento entre o franqueador e o franqueado, poderá residir: 123 (a) na necessidade de coordenar actividades muito complementares mas parcialmente dissimilares (Richardson, 1972) – tal como elas são percepcionadas pelo franqueador e pelo franqueado (Loasby (2001); (b) em custos de transacção dinâmicos inferiores (Langlois e Robertson, 1995), resultantes da distribuição de competências na indústria, mais concretamente da distribuição de conhecimento produtivo entre franqueador, (potenciais) franqueados e terceiros – ou em benefícios esperados de tal forma elevados que justifiquem suportar custos de governo mais elevados (Loasby, 1998); (c) nas competências indirectas (Loasby, 1998) do franqueador que lhe permitem aceder às competências dos franqueados e que poderão influenciar os seus custos de transacção dinâmicos. Estas competências incluirão o seu know-how para captar bons franqueados, desenvolver um conceito atractivo, codificar e difundir conhecimento, formar franqueados, replicar rotinas e criar e manter uma boa reputação no mercado. Esta última competência será, em parte, resultante do desempenho do conceito no mercado mas, também, dos investimentos realizados, no passado, nos relacionamentos com os franqueados (como em Mota e de Castro, 2004). Esta perspectiva da emergência dos relacionamentos de franchising poderá ajudar a compreender porque razão, ao contrário do previsto pela literatura tradicional, o franchising é utilizado por grandes empresas, que não parecem sofrer de restrições de recursos e por empresas imaturas, que não possuem uma ‘marca forte’, factos que questionam os pressupostos base das Teorias vigentes. O pressuposto da heterogeneidade implica que o conhecimento produtivo detido por cada empresa, onde se incluem franqueadoras, franqueadas e outras, seja heterogéneo. Assim sendo, a opção entre adoptar ou não um sistema de franchising poderá não estar apenas relacionado com uma ‘marca forte’, nem com a limitação de recursos de uma empresa imatura, mas resultar das competências detidas por cada parte do relacionamento. Em síntese, as Proposições apresentadas neste estudo, e as propostas pelas teorias tradicionais, relativamente a esta questão, são as seguintes: 124 Teorias Tradicionais: 1A) O franchising surge como forma de ultrapassar as limitações de recursos que impedem o crescimento rápido. 1B) O franchising surge como forma de reduzir os custos da prevaricação dos agentes. Teoria das Competências: 1C) O franchising surge como forma de coordenar actividades dissimilares mas muito complementares, tais como percebidas no momento e no futuro próximo. 1D) O franchising surge como forma de a empresa utilizar as competências que necessita, mas não dispõe, ao menor custo de transacção dinâmico – ou alternativamente a um custo superior, desde que os benefícios decorrentes da combinação das competências do franqueador e franqueado assim o justifiquem. 1E) A emergência do franchising depende das competências indirectas do franqueador. 2. Como contribuem as competências (directas e indirectas) do franqueador e dos franqueados para a explicação da forma plural? A forma plural não encontra base teórica sólida na literatura tradicional (Lafontaine, 1992). Na Perspectiva da Teoria dos Recursos da Empresa, a coexistência de unidades franqueadas e de unidades detidas directamente pelo franqueador resulta da limitação de recursos, que obrigam a empresa a recorrer ao franchise das unidades, enquanto não amadurece, contorna essas restrições e se converte numa empresa totalmente integrada. Na Perspectiva da Agência, a forma plural decorre do trade-off de custos de agência associados aos custos de supervisão de cada tipo de unidade. Contudo, empiricamente, nenhuma das teorias parece ter o suporte adequado. Por um lado, a tendência no sentido da conversão das unidades franqueadas em unidades integradas, associada à maturidade da rede, não encontra suporte em vários estudos empíricos que parecem apontar uma tendência no sentido oposto. Por outro lado, a constatação da existência de unidades franqueadas e de unidades integradas, numa mesma localização, não apoiam a hipótese do trade-off entre custos de agência. Nos últimos anos, alguns autores procuraram compreender as vantagens da forma plural. Bradach (1998) e Croonen (2003), por exemplo, consideram que as 125 unidades exploradas directamente pelo franqueador têm vantagens na exploração presente (exploitation) do conceito, enquanto as unidades franqueadas são mais vantajosas na exploração do seu potencial (exploration). Para Cliquet e Ngoc (2003), a forma plural é preferível no contexto da inovação, considerando os franqueados como fonte de novas ideias que, mais tarde, e em primeiro lugar, são testadas e implementadas pelas unidades próprias. A abordagem desta questão sob o prisma das competências poderá ajudar a explicar a forma plural, procurando compreender de que forma as competências de franqueador e franqueado se combinam através da coexistência de unidades verticalmente integradas e franqueadas. Neste contexto, a questão da variedade poderá ser um factor importante, nomeadamente pelo seu papel na criação de conhecimento e na inovação (Hakansson e Snehota, 1995). As vantagens da combinação das competências de um novo franqueado às competências já existentes na rede podem resultar do interesse em alargar a diversidade existente no sistema. Cada nova unidade poderá ter características parcialmente únicas, no entanto, estas deverão ser também suficientemente partilháveis na rede, para que as restantes unidades possam adoptar, ou adaptar, novas ideias ou práticas à sua realidade específica. Em síntese, as Proposições apresentadas neste estudo, e as propostas pelas teorias tradicionais, relativamente a esta questão, são as seguintes: Teorias Tradicionais: 2A) A forma plural é uma fase transitória até que a empresa se integra completamente. 2B) A forma plural é o resultado da existência de um trade-off entre custos de agência. Teoria das Competências: 2C) A forma plural é o resultado de combinações variadas das competências do franqueador e dos franqueados e do interesse em preservar e aumentar a variedade no sistema. 126 3. Como é que o desenvolvimento dessas competências e a criação e difusão do conhecimento na indústria influenciam a evolução do mix de unidades franqueadas / unidades integradas? Tal como foi referido, as Teorias Tradicionais prevêem que, com o amadurecimento da rede, se verifique uma tendência no sentido da integração vertical. Na perspectiva da Teoria dos Recursos da Empresa, esta reconversão resulta do facto de a empresa, mais madura, já não sentir o mesmo constrangimento, a nível de recursos, que a impulsionou a franquear. Para a Teoria da Agência, esta tendência resulta do facto de, com o tempo e a expansão do número de unidades, estas tenderem a situar-se mais próximas umas das outras e, portanto, o custo de supervisão in loco diminuir, o que torna a integração vertical mais vantajosa. Numa perspectiva de Competências em Redes de Relacionamentos, a evolução do mix unidades franqueadas / unidades integradas, ao longo do tempo, poderá depender da aprendizagem da rede e do desenvolvimento das suas competências directas e indirectas (Loasby, 1998) e, ainda, mais genericamente, da criação e difusão do conhecimento na indústria que produzem alterações na distribuição de competências entre os diferentes participantes e, portanto, nos custos de transacção dinâmicos (Langlois e Robertson, 1993) que influenciam a decisão de franquear. Neste contexto, poderá também existir uma dependência do percurso que explica o mix presente e que determina também a sua evolução futura. A evolução do mix poderá depender do desenvolvimento das competências. Este desenvolvimento depende das decisões de investimento relativas às competências, tomadas no passado, que influenciam não só as competências actuais, mas, também, as opções futuras (Teece et al., 2000). Sendo que as competências se desenvolvem numa rede de relacionamentos, esse desenvolvimento poderá resultar das experiências partilhadas na rede (Mota e de Castro, 2004), entre franqueadores e franqueados. Em suma, a dinâmica do mix de unidades franqueadas e unidades próprias será influenciado pelo desenvolvimento das competências directas e indirectas do franqueador e dos franqueados que resulta das experiências partilhadas na rede, e pelo 127 desenvolvimento e difusão do conhecimento na indústria. Esse desenvolvimento, por um lado, poderá modificar as vantagens (ou a sua percepção) decorrentes da combinação das competências que estiveram na origem da forma plural, bem como poderá alterar os custos dinâmicos de transacção associados à decisão de franquear. Finalmente, como cada actor poderá ter diferentes percepções (Loasby, 2001) das competências que cada um dos restantes actores detém em face das competências que necessita, as alterações verificadas nestas percepções, ao longo do tempo, poderão também influenciar a dinâmica do mix de unidades próprias e franqueadas. Em síntese, as Proposições apresentadas neste estudo, e as propostas pelas teorias tradicionais, relativamente a esta questão, são as seguintes: Teorias Tradicionais: 3A) A evolução do mix de unidades franqueadas e integradas verticalmente depende da maior facilidade de acesso aos recursos, resultante do amadurecimento da rede. 3B) A evolução do mix de unidades franqueadas e integradas verticalmente depende da maior facilidade de supervisão das unidades, devido à sua maior concentração, resultante do amadurecimento da rede. Teoria das Competências: 3C) A evolução do mix de unidades franqueadas e integradas verticalmente é influenciada pelo desenvolvimento das competências directas do franqueador e do franqueado, que modifica as vantagens decorrentes da combinação dessas competências. 3D) A evolução do mix de unidades franqueadas e integradas verticalmente é influenciada pelo desenvolvimento das competências indirectas do franqueador, que provoca uma alteração no custo de obtenção das competências de que necessita mas não dispõe. 3E) A evolução do mix de unidades franqueadas e integradas verticalmente é influenciada não só pelo desenvolvimento das competências directas e indirectas do franqueador e do franqueado, mas também pelo desenvolvimento e difusão do 128 conhecimento na indústria (que provocam uma alteração no custo de obtenção de competências, de que as empresas franqueadoras necessitam mas não dispõem)15. 4. Como podem contribuir, os franqueados, para o desenvolvimento das competências dinâmicas da rede, e como poderá a subvalorização do seu papel influenciar o desempenho desta? A literatura tradicional, ainda que reconhecendo a importância dos recursos fornecidos pelos franqueados, atribui-lhes um papel passivo no relacionamento de franchising, desvalorizando uma competência importante, o seu espírito de iniciativa. O carácter de empreendorismo dos franqueados é, de alguma forma, considerado, por exemplo, no que respeita a gestão do dia-a-dia do negócio ou a tomada do risco (Martin, 1988). Por outro lado, o seu espírito de iniciativa é apontado como explicação para a decisão entre a constituição de um negócio e o emprego por conta de outrem. No entanto, a literatura não aprofunda esta vertente do franchising. De facto, enquanto que as competências do franqueador são estudadas, as competências dos franqueados permanecem na penumbra (Allam, 2003). Alguns autores têm procurado lançar alguma luz sobre esta questão, reconhecendo a importância do conhecimento dos franqueados (Minkler, 1990), nomeadamente por se encontrar em contacto directo com o cliente, bem como reconhecendo o seu papel como fonte de inovação (Allam, 2003; Cliquet e Ngoc, 2003; Croonen, 2003; Gorovaia, 2003; Langenham, 2003) ou como impulsionador de crescimento (West, 2003). Mais ainda, tanto a literatura, como os profissionais de franchising, parecem negligenciar o papel dos franqueados no desenvolvimento de competências da rede. Langenham (2003), por exemplo, reporta que o conhecimento ‘descentralizado’ do franqueado não é valorizado, nem pelo franqueador, nem pelos próprios franqueados. 15 Note-se que a alteração nos custos de transacção dinâmicos que influenciam a decisão de franquear poderá não implicar que a empresa franqueadora recompre as unidades anteriormente franqueadas ou venda o franchise das unidades anteriormente integradas. Num contexto semelhante, Mota e de Castro (2004) referem que a alteração dos custos de transacção dinâmicos não implica necessariamente a desintegração vertical devido à inércia. No caso particular do franchising, poderá ainda haver uma questão adicional, o custo de mudança do tipo de propriedade, nomeadamente o custo de conversão das unidades franqueadas em unidades integradas. Assim, em conclusão, neste contexto, a alteração do mix de unidades franqueadas e de unidades integradas poderá resultar, essencialmente, de uma mudança na estratégia de propriedade, seguida pelo franqueador, na abertura de novas unidades. 129 Da mesma forma, e apesar de ambos considerarem importante o desenvolvimento do conceito, tanto franqueadores, quanto franqueados, parecem considerar que a inovação deverá ser apenas responsabilidade do franqueador. Argote e Darr (2000) constatam que os franqueados, da rede de pizzarias que analisaram, introduzem inovações nas suas unidades. Contudo, na maior parte das vezes, essas inovações não se difundem pela rede. Uma das razões encontradas prende-se com o facto de essa difusão não ser incentivada pelo franqueador. Love (1986) é uma das poucas excepções, reportando o papel do franqueado da McDonald´s no desenvolvimento de novos produtos, que posteriormente se difundem pela rede. No entanto, a diversidade dos franqueados e das unidades poderá constituir um ‘ingrediente’ potenciador da inovação presente numa rede de franchising. Na opinião de Allen (2001), os agentes que se encontram em localizações diferentes, têm experiências diferentes e, portanto, têm comportamentos heterogéneos. Esta micro-diversidade dos agentes de um sistema (complexo) pode originar respostas criativas e, portanto, potenciar a inovação. Ou seja, as diferentes localizações, experiências e percursos passados, dos vários franqueados, poderão torná-los numa fonte de competências dinâmicas para a rede. Alguns autores referem o facto deste papel (potencial) dos franqueados ser negligenciado, quer na literatura, quer na ‘prática’ (por exemplo Croonen, 2003). No entanto, não justificam porque é que, num mundo onde, cada vez mais, a sobrevivência das empresas depende das suas competências dinâmicas (Teece et al., 2000), a maior parte dos franqueadores subvaloriza esta competência dos franqueados. A leitura desta questão, numa perspectiva das redes de relacionamentos, levanta a possibilidade de estarmos perante um dos paradoxos descritos por Ford et al. (2002, 2003). Segundo estes autores, numa rede, os actores procuram obter o seu controlo. Contudo, o controlo é prejudicial, porque limita a heterogeneidade, a criação de conhecimento e a inovação. Neste ponto poderá residir o insucesso de algumas redes de franchising. As redes são locais importantes para a inovação, porque as ligações fortes que se estabelecem são vitais para a criação de conhecimento e a transferência de tecnologia (Ritter et al., 2002). Por outro lado, o confronto do conhecimento heterogéneo promove a aprendizagem e a geração de conhecimento (Hakansson e Snehota, 1995). A 130 desvalorização do papel dos franqueados e o controlo da rede por parte do franqueador poderão estar na origem do fracasso de alguns franchises que têm inícios auspiciosos. Tal como já foi referido, dada a heterogeneidade dos franqueados, o franchising poderá potenciar o desenvolvimento de novas competências. No entanto, existem, também, características do franchising que poderão limitar a criação de novo conhecimento. A verdade é que, numa rede franqueada, existe uma forte pressão para a estandardização, o que poderá constituir um entrave à inovação (e.g. Cliquet e Ngoc, 2003). Por outro lado, as diferentes unidades franqueadas, nomeadamente as que se encontram na mesma zona geográfica, são concorrentes umas das outras, pelo que poderão não cooperar nos aspectos que não se encontram previstos pelos contratos de franchising, como, por exemplo, a transmissão de conhecimento. Em suma, a questão que se coloca é a da determinação do papel dos franqueados na construção das competências dinâmicas da rede, ou, mais concretamente, no desenvolvimento da marca franqueada. Em segundo lugar, compreender a razão porque esse papel pode ser negligenciado pelos franqueadores. Finalmente, importa também compreender se a desvalorização do contributo dos franqueados para o desenvolvimento das competências da empresa, por parte do franqueador, poderá condicionar o desempenho da rede. Em síntese, as Proposições apresentadas neste estudo, e as propostas pelas teorias tradicionais, relativamente a esta questão, são as seguintes: Teorias Tradicionais: 4A) Os franqueados assumem um papel passivo no relacionamento de franchising. Teoria das Competências: 4B) A diversidade do conhecimento, das experiências, das localizações e dos percursos passados dos vários franqueados são uma fonte importante de competências dinâmicas para a rede. 4C) A subvalorização das competências dos franqueados influencia o desempenho da rede. 131 No capítulo seguinte, descreve-se a metodologia a utilizar na avaliação empírica das questões seleccionadas para análise. 132