111 ARTIGO DE PREVENÇÃO A BIOLOGIA MOLECULAR ABRE PORTAS PARA A NOVA GERAÇÃO EM TERAPIA ANTI-CÂNCER SAHÁDIA KOOP 1 , NEWTON M. CAPELLA 2 O câncer é uma patologia que vem desafiando a humanidade durante milênios, tendo suas primeiras referências sido encontradas nos papiros egípcios descrevendo lesões em múmias. Várias tentativas terapêuticas tem sido aplicadas desde então, visando o controle do câncer, considerado como doença crônica do século XX. A terapia anti-câncer é uma área em constante desenvolvimento, porém sua efetividade tem sido observada apenas em uma pequena proporção de tipos tumorais. Os tratamentos disponíveis para o câncer tem tido como alvo o dano da célula cancerígena, sendo por essa razão designados terapias citotóxicas. No entanto, os tratamentos de rotina como a quimioterapia e radioterapia não atingem somente as células malignas, causam também danos a várias células do corpo humano. Esta falha na especificidade de ação é a maior limitação destas terapias. Avanços no conhecimento da biologia molecular envolvidos na formação e malignização tumoral observados nas últimas três décadas abriram novos horizontes no controle do câncer. A terapia genética por exemplo, é um dos tratamentos de maior potencial. Nos anos 70 descobriu-se que a transformação de células normais em cancerígenas, com crescimento descontrolado, é ocasionada por gens mutados. Se o dano celular pudesse ser reparado ou os genes danificados pudessem ser substituídos, haveria a possibilidade de reversão do processo, com o conseqüente controle da proliferação celular. A pesquisa na área da terapia genética visa atualmente três classes de gens: os oncogens, que estimulam o crescimento e a divisão celular; os gens supressores tumorais que reprimem o crescimento celular; e os gens de controle da replicação e reparo do DNA. Recentemente pesquisadores do Anderson Cancer Center na University of Texas demonstraram que um adenovirus causador de uma gripe pode servir como carreador do gen supressor tumoral p53 para o interior de células cancerígenas, forçando-as a cometer suicídio (apoptose). Estes resultados foram obtidos com o mínimo de toxidade em pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Outra substância que tem merecido a atenção dos pesquisadores é a telomerase, uma enzima que interfere no controle da vida e morte de todas as células, incluindo as cancerígenas. Todas as bandas de DNA são cobertas por telômeros, segmentos extras de DNA que são liberados a cada divisão celular. Quando todos os telômeros foram eliminados, a célula pára de dividir e torna-se senescente (velha). Pesquisadores em Menlo Park-Califórnia demonstraram recentemente que a enzima telomerase aumenta os telômeros, permitindo que a célula mantenha a divisão celular. As células cancerígenas utiliza m a telomerase para manter a sua divisão indefinidamente, adquirindo a sua imortalidade. O desenvolvimento do câncer envolve, no entanto, muito mais do que o descontrole da proliferação celular. O crescimento da massa tumoral bem como a sua malignização depende não só das características fenotípicas da célula cancerígena, mas também de vários outros fatores decorrentes da inter-relação desta célula com o microambiente no qual ela está localizada. Um dos exemplos mais contundentes destes fenômenos inter-celulares é a descoberta de Judah Folkman, onde tumores malignos dependem de suprimento sangüíneo para o seu crescimento sobrevivência. Após 25 anos de crítica e controvérsia, O'Reilly, um pesquisador do laboratório de Folkman, trouxe ao mundo da pesquisa uma das novidades mais animadoras em terapia anti-câncer dos últimos tempos: duas drogas anti-angiogênicas podem reduzir a vascularização tumoral, controlando o crescimento e invasão dos tumores malignos. A teoria de Folkman baseou-se na observação de que quando o crescimento tumoral atinge um diâmetro de 1 a 2 cm, a área central do tumor passa a não apresentar um suprimento sangüíneo adequado, e estas células tumorais enviam então sinais químicos para o microambiente ao redor, induzindo a formação de novos capilares sangüíneos, processo conhecido como angiogênese. Após a identificação do primeiro fator de crescimento anti-angiogênico, pelo time de Folkman, em 1983, várias outras drogas vêm sendo desenvolvidas e usadas em ensaios clínicos como inibidores da angiogênese. Infelizmente, a eficácia destes compostos limitava-se à redução parcial dos vasos sangüíneos, havendo a necessidade de utilizá-los em tratamento conjunto com a quimioterapia e radioterapia. Os fatores angiostatin e endostatin isolados recentemente por O'Reilly, são os anti-angiogênicos mais eficazes 1 Dra Sahádia Koop, Ph.D. Oncologia Molecular e Oncologia Experimental. University of Western Ontario – Canadá. Prof. Dr. Newton M. Capella. Dr. Cirurgia pela Universidade Autônoma de Barcelona -Espanha. Prof. Adjunto III da Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental – UFSC. 2 Arq Cat Med 1997 Jan/Dez; 26(1-4):111-2 112 identificados até o presente. Estes compostos produziram efeitos colaterais mínimos experimentalmente, quando comparados com os efeitos observados com a quimioterapia e radioterapia, pois o alvo terapêutico é a célula endotelial que dividi-se mais vagarosamente que a célula cancerígena, onde o risco de resistência a esta terapia é provavelmente menor que os tratamentos citotóxicos. Apesar do otimismo e expectativas, estes novos agentes anti-angiogênicos não estarão à disposição tão cedo para ensaios clínicos. Existe também a possibilidade de que as respostas em pacientes humanos não sejam tão animadoras. Uma visão otimista de tratamentos futuros baseia-se no uso de compostos anti-angiogênicos para a redução do diâmetro tumoral previamente a sua remoção cirúrgica e o uso posterior destes agentes associados com terapia genética ou baixas doses de quimioterápicos e ou radioterapia, objetivando o controle das metástases já existentes. Há também a possibilidade do uso de anti-angiogênicos por longos períodos, visando a manutenção de um estado tumoral dormente, permitindo o seu controle em níveis assintomáticos. Para isso, é preciso manter as pesquisas em andamento, e se possível, identificar outros componentes terapêuticos tão eficazes ou mais potentes que o angiostatin. Acima de tudo, é de fundamental importância a conscientização por parte da comunidade médico-científica brasileira, o apoio e o interesse de instituições públicas e privadas sobre a importância da pesquisa na área da biologia molecular do câncer, fundamental para a nossa participação no contexto da era das drogas inteligentes no combate ao câncer. Arq Cat Med 1997 Jan/Dez; 26(1-4):111-2