DISTÚRBIOS DA CONTEMPORANEIDADE IMAGEM DO CORPO NA Márcia Regina Bozon de Campos A cultura contemporânea é palco de transformações radicais relacionadas ao lugar ocupado pelo corpo enquanto objeto estético e modulador das relações. Jurandir Freire Costa se refere à “cultura somática” para designar esse momento socio-cultural no qual a realidade corporal é tomada como paradigma de admiração moral e garantia de bem-estar. Atingir as expectativas dos novos ideais estético-morais exige disciplina no que concerne a educação dos sentidos e manutenção da forma física, num momento em que o corpo é percebido como responsável pela ferida narcísica causada pela possível falta de interesse do outro. Nesse contexto, a imagem do corpo é utilizada para sustentar o interesse do outro e a idéia de perfeição física passa a permear um imaginário que encontra na realidade, através dos avanços científicos, a possibilidade de se materializar. A fantasia de tornar o corpo um objeto moldável capaz de satisfazer o eu narcísico pode tornar-se uma ameaça ao equilíbrio das funções fisiológicas mantenedoras da vida. Nas adições, nos distúrbios alimentares, nas compulsões por cirurgias plásticas, no fisioculturismo ou em algumas desordens psicossomáticas, os mecanismos de manutenção da vida são postos em risco, seja pela busca do prazer sensorial permanente, seja pelo superinvestimento na imagem do corpo que passa a servir como suporte da própria identidade. Pensar nos distúrbios da imagem do corpo está longe de dar conta de todo o questionamento que se coloca, mas penso que possa ser um caminho interessante trazer o corpo à cena analítica, estando aberto e atento para suas manifestações concretas e subjetivas. Proponho iniciarmos com uma compreensão do conceito de imagem do corpo e da importância da pele enquanto envelope narcísico na sua função de imagem estabilizadora para seguirmos adiante com reflexões sobre a clínica. Utilizarei como referencial teórico às contribuições de P. Shilder e Françoise Dolto e Didier Anzieu. A imagem do corpo se estrutura pelo investimento libidinal. Todo desejo ou tendência de investimento libidinal altera a estrutura (ou constituição) da imagem corporal, modificando também a percepção do próprio corpo nos seus aspectos físicos concretos como peso, volume, etc. A imagem corporal é lábil e mutável, constrói-se e desconstrói-se constantemente, pode encolher, expandir, dar partes suas para o mundo e tomar para si partes do mundo. A roupa que usamos passa a fazer parte da nossa imagem corporal e se reveste de libido narcisista. Ao mudar de roupa podemos também mudar de atitude, numa tentativa de superar a rigidez da imagem corporal. O movimento também é uma maneira de flexibilizar a imagem corporal, pois durante o movimento ocorre uma adaptação imediata e constante do modelo postural do corpo, que lança mão de reflexos posturais normalmente indisponíveis à consciência. A conseqüência é a alteração da percepção de peso do corpo, de volume, do nível de tensão muscular, o que por sua vez conduz a alterações psíquicas e mudanças no estado emocional. A construção da imagem corporal é continuamente reelaborada através das vivências de cada pessoa, de forma que traz em si sinais característicos de toda a sua vida. Grande parte do corpo é descoberta pelo toque das próprias mãos e o interessante é que ao tocar o próprio corpo este é percebido pelas mãos como objeto enquanto simultaneamente está presente a sensação de estar sendo tocado. O toque também aumenta o investimento libidinal nas partes do corpo que são tocadas, daí estas serem mais bem percebidas do que outras que usualmente não recebem o toque. O contato com o outro e seu olhar sobre o nosso corpo também são de grande importância no processo de construção e atualização da imagem do corpo. A imagem do corpo é eminentemente inconsciente, tornando-se em parte consciente quando associada à linguagem (consciente). Isso acontece a partir do uso de metáforas e metonímias relacionadas à imagem do corpo, tanto através das palavras como através das mímicas. Nas palavras de F. Dolto a imagem do corpo é a “síntese viva de nossas experiências inter-humanas, repetidamente vividas através das sensações erógenas arcaicas ou atuais”. É a cada momento a memória inconsciente de todas as relações vividas, sendo ao mesmo tempo atual, viva e dinâmica. É atualizada pela palavra, pelo gesto, pelo movimento, pela música, pelo desenho, modelagem, etc. POTENCIAL DE COMUNICAÇÃO A comunicação com o outro passa pela imagem do corpo, pois é através dela que o passado inconsciente ressoa na relação presente. É justamente quando a libido é mobilizada na relação atual que uma imagem corporal arcaica pode retornar. Enquanto o esquema corporal estrutura-se pela aprendizagem e pela experiência, a imagem do corpo se estrutura pela comunicação entre sujeitos. Por causa disto o esquema corporal se constitui independentemente da linguagem e é evolutivo no tempo e no espaço, enquanto a imagem corporal não. Desde o nascimento palavras e fonemas acompanham os contatos com o corpo da criança. As palavras com as quais pensamos estiveram na origem das palavras e dos grupos de palavras que acompanharam a formação da imagem do corpo durante o contato com o outro. A experiência do contato com outro ser humano oferece à criança a possibilidade de cruzar o esquema corporal, lugar da necessidade e vitalidade orgânica, com a imagem do corpo, lugar do desejo. É essa trama que permitirá à criança estruturar-se como ser humano. Enquanto o desejo busca a satisfação, a palavra oferece a possibilidade da espera. Os processos de tensão ou de dor que se estabelecem no corpo (esquema corporal) são apaziguados pela palavra vinda de um outro, permitindo que estas percepções sejam humanizadas (imagem corporal). O viver em um esquema corporal desprendido da imagem do corpo é um viver mudo, solitário e silencioso, como vemos em casos de autismo ou psicose nos quais o sujeito permanece cativo de uma imagem incomunicável, uma imagem coisificada que respira e pulsa, mas não tem prazer nem dor. Na esquizofrenia a potencialidade de simbolizar a imagem do corpo foi interrompida por não existirem palavras vindas da pessoa com quem a relação era estruturante. Trata-se não exatamente da ausência de qualquer palavra, mas da palavra carregada de afeto e de sentido, da palavra humanizada. A palavra carrega em si mesma um sentido simbólico e é potencialmente objeto de comunicação entre os homens, mas de maneira geral sua compreensão depende do esquema corporal e da constituição da imagem corporal de cada indivíduo, pois a palavra remete às trocas vivas que acompanharam seu processo de aquisição. Se faltar o esquema do corpo ou a imagem corporal referente a uma determinada palavra esta não será compreendida por estar vazia de sentido para aquele sujeito. OS TRÊS ASPECTOS DINÂMICOS DA IMAGEM CORPORAL IMAGEM DE BASE é o que permite à criança sentir-se em uma “mesmice de ser” ou seja, uma continuidade narcísica no espaçotempo desde o nascimento, que resiste às mudanças do corpo e aos processos evolutivos. “É desta mesmice que vem a sensação de existência”. A imagem de base vai sendo constituída de acordo com a importância dada às diversas zonas do corpo desde o nascimento. Num primeiro momento a imagem de base é respiratóio-olfativa-auditiva, referindose à percepção do cavum e tórax, passando a seguir para uma imagem de base oral, que compreende a primeira e acrescenta a percepção da zona bucal faringo-laringe e à representação do cheio ou vazio do estômago (percepção ligada à fome ou saciedade). A próxima será a imagem de base anal, que acrescenta às duas primeiras a percepção da retenção ou expulsão do conteúdo da região inferior do tubo digestivo, além da bacia, nádegas e períneo. A pele e os orifícios também tem grande importância na constituição da imagem de base, dada sua capacidade erógena. IMAGEM FUNCIONAL diferente da imagem de base que tem em si um componente estático, a imagem funcional é a responsável pela realização do desejo. Graças a ela as demandas provenientes do esquema corporal buscam atingir a satisfação. A elaboração da imagem funcional enriquece as possibilidades de relação com o outro, pois estimula o corpo a servir ao objetivo de satisfazer o desejo em grande parte pela via da comunicação. IMAGEM ERÓGENAassocia-se à imagem funcional do corpo, local onde se vivencia o prazer ou desprazer na relação com o outro, abrindo caminho para o prazer partilhado, humanizante no tocante ao valor simbólico e que pode ser expresso pelo gesto e pela palavra (no início a palavra vinda do outro e mais tarde a própria palavra). A imagem do corpo é, portanto a síntese viva destas três possibilidades, atualizadas constantemente no que Dolto denomina Imagem Dinâmica, que corresponde ao “desejo de ser e de preservar um advir”. A imagem dinâmica não tem uma representação própria, mas corresponde a uma intensidade da expectativa de atingir o objeto, é o “trajeto do desejo dotado de sentido, indo em direção a um objetivo”. A pele tem um importante papel na constituição da Imagem do Corpo, pois as sensações táteis são responsáveis pela percepção da existência de um espaço interno separado do externo, oque no processo de desenvolvimento primitivo leva a percepção da individualidade. Sabemos que as experiências de contato cutâneo entre a mãe e o bebê possibilitam que este vá, pouco a pouco, percebendo a existência da sua pele. Além disso, é nessa relação de contato com a mãe que o bebê vai delimitando o seu interior separado de exterior. Anzieu completa esta idéia apoiando-se em Bion para afirmar que o bebê precisa se sentir tranqüilo para ter assegurada a integridade do seu “envelope cutâneo”, pois a despersonalização está relacionada com a fantasia de um envelope perfurado e a uma angústia de esvaziamento. Anzieu propõe a metáfora do Eu- Pele a partir da idéia de uma conexão entre o eu (ego) e a pele, derivada da comparação entre estas duas estruturas enquanto suas características e funções, uma no âmbito psíquico e a outra no âmbito fisiológico. Apóia-se na imagem de que ambos são como uma membrana que envolve, contém e limita, separando o interior do exterior. A partir do texto freudiano, Anzieu entende que “o Eu é explicitamente designado como envelope psíquico. Este envelope não é somente uma bolsa continente; desempenha um papel ativo de colocar em contato o psiquismo com o mundo exterior e de recolher e transmitir informação”. Ainda em Freud encontramos a seguinte afirmação: “Na aparição do Eu e em sua separação com o Id, um outro fator além da influência do sistema Pc parece ter desempenhado um papel. O próprio corpo e antes de tudo sua superfície, é um lugar do qual podem resultar simultaneamente percepções externas e internas. É visto como um objeto estranho, mas ao mesmo tempo ele permite ao tato sensações de dois tipos, podendo uma delas ser assimilada a uma percepção interna”. A partir desta constatação Anzieu afirma que a bipolaridade tátil torna-se objeto de exploração por parte do bebê e pode-se pensar que esse desdobramento reflexivo entre sentir-se sujeito e objeto simultaneamente prepara para o desdobramento reflexivo do Eu consciente (a partir da experiência tátil). A idéia de um Eu-pele aponta para a necessidade de um envelope narcísico que assegure ao aparelho psíquico, a certeza de um bem estar de base, para que possa haver investimento libidinal nos objetos. Para construir esse conceito, Anzieu parte do princípio de que toda a atividade psíquica se estabelece sobre uma função biológica (conceito de apoio), sendo que o Eu-pele encontra seu apoio nas diversas funções fisiológicas da pele (continência, contato e troca com o meio, percepção do exterior, etc). Aponta também para a possibilidade que a criança tem, nos estágios mais precoces do seu desenvolvimento, de representar-se como um Eu capaz de conter os conteúdos psíquicos, muitos dos quais relativos às experiências provenientes da superfície do corpo. Em “Considerações sobre o corpo em Psicanálise”, Jurandir Freire Costa se refere à percepção imaginária do corpo como um envelope fechado como origem da autopercepção do eu na formação narcísica, afirmando que “a identidade egóica é modelada pela imagem corporal que atende à demanda do outro que atribui ao sujeito uma completude física, emocional e moral proporcional à sua fantasia de perfeição e exige em troca a submissão a este ideal”. A imagem do corpo passa a ser usada como “moeda de troca” e o corpo é manipulado com o intuito de garantir a satisfação narcísica de sustentar o interesse do outro. Nesse jogo a unidade psicossomática pode ser abalada e a imagem do corpo desviante passa a ditar os caminhos que levarão à destruição total ou parcial das funções autoreguladoras do esquema corporal. Um exemplo é o caso das adições o corpo torna-se o lugar absoluto de gozo e o prazer pela sensorialidade passa a ser sua garantia. A estimulação dos sentidos precisa ser constante o que leva a insaciabilidade. A droga ao ser ingerida torna-se corpo, sua presença é introjetada em diversos níveis, fisiológico, psíquico e comportamental. Não é possível prescindir da droga poisnão é possível constituir a imagem do corpo sem ela. Segundo Jeammet nos comportamentos adictivos em geral há uma alternância entre sensações de vazio e de completude. Na toxicomania há a necessidade da droga, na bulimia da comida e na anorexia a necessidade de prescindir da satisfação de uma necessidade. Alguns autores vêem a relação da anoréxica e da bulímica com a comida como um vínculo de sujeição, tal qual uma adição. Seu discurso é preenchido por questões referentes ao se alimentar ou não se alimentar, ao peso, às dietas, de forma que a própria identidade do sujeito passa a se constituir a partir destas questões. No âmbito dos distúrbios alimentares acho importante fazermos algumas considerações sobre a questão da imagem do corpo na adolescência. Como bem observou Carla Busato “os distúrbios da imagem do corpo na adolescência são patologias que usam o corpo para narrar aquilo que a mente ainda não sabe faze-lo”. Sabemos que este é um momento de transformações contínuas e incontroláveis e por causa disso o corpo pode ser vivido como fonte de angústia, um corpo estranho. Vítima de uma vivência persecutória surge a fantasia de que o corpo deva ser aprisionado, bloqueado, já que é tomado por subversivo. Se a vivência for de um corpo cujos limites estão ausentes, pode acontecer a tentativa de tornar o ilimitado limitado através da solução bulímica de dilatar-se até sentir-se cheia. A sensação de estar cheia pode estar diretamente relacionada com a constituição da imagem de ter um contorno, pois se há um espaço interno que está preenchido, dilatado até o limite, há um limite que contorna. Outra questão recorrente na adolescência é a necessidade de reconhecimento do que lhe pertence e do que pertence ao outro. Em termos corporais, o corpo vivido como estranho pode trazer a percepção de ter partes em excesso que precisam ser eliminadas. A solução anoréxica é eliminar os excessos até tornar-se pele e osso, na tentativa de moldar um corpo que lhe pertença. Muitos autores consideram que há na anoréxica uma dificuldade em assumir um corpo feminino, dada a impossibilidade de aceitar a semelhança com o corpo materno, o que levaria à desejada mas insuportável identificação com a mãe. Não desprezo esta hipótese, mas acrescento que talvez a dificuldade vá além desejo de manter-se púbere, pois a anoréxica parece não suportar ter um corpo encarnado. Essa era a imagem que eu tinha de uma paciente de vinte e um anos. Durante o tratamento me perguntava se o desejo de prescindir do alimento não seria um desejo onipotente relacionado com a imagem corporal alucinada de ter o corpo de um anjo, no qual a sexualidade também era negada, traduzido pela fantasia de um corpo imutável, livre das vicissitudes do corpo humano, que envelhece, que adoece... O narcisismo recai sobre a imagem de um corpo ideal, um corpo que não sofre e a imagem corporal fica desconectada do corpo real (daí ver-se gorda enquanto seus ossos estão visivelmente à mostra), e a identidade se constitui a partir de um corpo ausente. Outra manifestação que chama atenção na clínica é a fibromialgia, cujas dores itinerantes causam sofrimento e impo limitações à vida dos pacientes. Embora esteja na maioria das vezes aliada a um estado depressivo, não há exatamente uma relação direta entre a depressão e as dores. Chama a atenção na fibromialgia a imprevisibilidade das dores e o fato destas serem resistentes à ação de analgésicos. Me pergunto se em alguns casos as contraturas musculares que provocam a dor da fibromialgia não teriam a função de fornecer limites, como um invólucro muscular protetor, numa tentativa de dar conta de uma falta de contorno, por conta de falhas na representação do envelope cutâneo na constituição da imagem do corpo. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CORPO NA CONTEMPORANEIDADE Em Notas sobre a cultura somática, Jurandir Freire Costa percorre o caminho que levou o corpo a tornar-se uma referência importante na constituição da identidade do homem contemporâneo. Refere-se a um primeiro momento na civilização ocidental, situado entre a Antiguidade Clássica indo até à sociedade aristocrática do antigo regime, em que o indivíduo era valorizado pelo reconhecimento de seus pares e sua identidade se constituía pela posição simbólica que ocupava na hierarquia social. Mais adiante, no apogeu da burguesia romântica, época em que imperavam os valores da cultura cristã, a identidade passou a se constituir a partir da intimidade, apoiada na idéia da existência de um eu interior desvinculado das necessidades biológicas, que aproximavam o homem dos animais. O corpo era visto como sede do desejo e de impulsos agressivos que deveriam ser contidos em nome da evolução sentimental, moral e espiritual do homem. Decartes afirmava a dualidade entre mente e corpo, propondo explicitamente uma hierarquia entre ambas as instâncias, de modo que foi só a partir da fenomenologia, que aspectos da corporeidade puderam ser reconhecidos como modalidades de um conhecimento semelhante ao saber conceitual, só que de outra ordem. É a partir desse momento que a “equação explicativa” se inverte e o corpo passa a ocupar um lugar relevante na relação com o meio, precedendo o surgimento dos aspectos mentais e possuidor de intencionalidade. Será a partir deste momento que a corporeidade passa a protagonizar a ordem social e moral da cultura contemporânea, alicerçando os ideais da “cultura somática”, que tem no culto ao corpo e na valorização da aparência um de seus principais valores. Já refletimos um pouco sobre os prejuízos causados pela idealização do corpo próprio em virtude de modelos externos inatingíveis, sobre os sofrimentos impingidos para alcançar tais ideais e sobre as conseqüentes imagens corporais desviantes decorrentes dessas experiências. Porém, me pergunto se o fato do corpo vir à cena só terá implicações negativas. Digo isso porque se durante tantos anos o corpo foi renegado a um papel de coadjuvante da mente, subjugado a um uso quase predatório, recebendo atenção apenas no adoecimento, talvez possamos avaliar o que o homem tem a ganhar ao assumir “ser o próprio corpo”. A primeira questão que se coloca é: de corpo estamos falando? Tomando por base o que discutimos anteriormente sobre o papel do corpo na origem do psiquismo e a importância da imagem corporal na constituição da identidade, acredito que nãoreste dúvidas de o corpo é bem mais que mera fisicidade. Trata-se de um corpo sensível e a sensorialidade é a porta para a constituição do corpo erógeno, caminho que levará ao processo simbólico. Então, ao constatarmos que a corporeidade “rouba a cena”, talvez possamos encontrar meios de tirar proveito da situação. Ao meu ver um modo de fazer isto seria ampliarmos nossa compreensão sobre a importância do corpo na saúde psíquica, pois mesmo que nosso instrumento de trabalho seja a palavra, podemos dirigir o olhar para o corpo dos nossos pacientes e para nosso próprio corpo, estando atentos ao que surge a partir deste contato. Em “Memória Corporal na transferência”, Ivanise Fontes discorre sobre a relação entre a presença corpórea do analista e paciente e suas implicações no processo analítico. Jurandir Freire Costa, ao encerrar suas “Notas sobre a Cultura Somática”, também se refere à possibilidade do encontro de ideais de desempenho físico menos opressores e alienantes, salientando que a serenidade, o equilíbrio e o conforto físico e mental podem ser maneiras de “resistir ativamente ao dever de gozar sensorialmente imposto pela mídia... o gozoinconsequente é abandonado e o prazer físico adquire características próximas do prazer sentimental, embora sem os ingredientes psicológicos do sentimentalismo intimista burguês”. Já que o corpo se impõe através de múltiplos sintomas, talvez possamos refletir sobre meios de reverter este processo encontrando meios de resgatar no corpo sua memória, sua “biografia tecida por lembranças e narrativas que persistem além dos estímulos físicos atuais” e que talvez possam nos dar pistas de direções a seguir quando o sintoma que se inscreve no corpo insiste em levar o processo analítico a um beco sem saída. BIBLIOGRAFIA ANZIEU, Didier. O eu pele. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1989. COSTA, Jurandir Freire. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo, São Paulo:Ed. Casa do psicólogo, 2004. DOLTO, Françoise. A imagem inconsciente do corpo, São Paulo: Perspectiva, 1984. FERRARI, Armando.B. Adolescência o segundo desafio, São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 1996. FONTES, Ivanise. Memória corporal na transferência, São Paulo: Ed. Via lettera, 2002. (1914) (1923) O ego e o id. . IN Obras Psicológicas Completas, vol.. Rio de Janeiro: Imago, 1969. FREUD, Sigmund