Mesas Multiplataforma: Tempo e Formatos. para Conteúdos de Curta Duração Políticas Públicas e o Mercado do Curta no Século XXI Conhecendo as demandas Aletéia Selonk Doutora em Comunicação Social, produtora da Okna Produções e integrante da diretoria da ABD-N. A primeira mesa do Seminário Curta e Mercado, intitulada Multiplataforma: Tempo e Formatos para Conteúdo de Curta Duração, tinha como objetivo apresentar experiências do mercado voltadas à difusão, distribuição e exibição de produtos audiovisuais de curta duração. Assim, formou-se um painel de informações sobre o perfil desses cases, as características dos produtos a serem comercializados e as oportunidades existentes. Defendo a ideia de que o audiovisual de curta duração pode ser um protagonista do mercado atual. Isto ao considerar as suas características e possibilidades de distribuição em todas as janelas de exibição. No entanto, conhecer iniciativas em andamento e obter informações sobre o mercado é sempre um passo fundamental para compreendermos o nosso ambiente e sermos capazes de gerar novas estratégias para as nossas produções e para todo o segmento audiovisual. Esse estudo favorece o desenvolvimento de novos modelos de negócios por parte dos realizadores e produtores. Essa foi a proposta que norteou toda a primeira mesa do Seminário. Douglas Silveira foi o primeiro convidado a falar. Ele coordena o Núcleo de Comunicação da TV Escola, um canal do Ministério da Educação que entrou em operação em 1996. A TV Escola é exibida por meio de antena parabólica analógica e digital, por algumas operadoras a cabo do Brasil e pela internet. Silveira explicou que a emissora tem a sua programação composta por documentários e programas educativos voltados ao público infantil. Além do uso em sala de aula, feito por professores e educadores de escolas que dispõem de kits tecnológicos — TV, DVD e antena parabólica — a grade também atende ao público em geral, às famílias brasileiras. Entre 60 e 70% da programação é adquirida de empresas educativas internacionais, a maioria proveniente da Holanda, França, Canadá, Coréia e Inglaterra. O restante é produzido aqui mesmo, no Brasil. 137 seminário de comercialização de conteúdos audiovisuais de curta duração Os conteúdos adquiridos são, normalmente, aqueles que não são encontrados no mercado brasileiro. E a produção pela emissora segue regras rígidas de licitação, o que pode causar uma lentidão nos processos, o que não se adéqua ao ritmo acelerado da montagem de uma grade de TV. Assim, como é difícil encontrar produtos prontos que abordem, de maneira educativa, a língua portuguesa ou a história do Brasil, por exemplo, a tendência é que estas demandas sejam atendidas por produções internas. Silveira salientou que a principal vantagem dessas licitações é a possibilidade de contratos de trabalho com produtoras de todo o Brasil. João Garção Borges apresentou a todos o case do programa Onda Curta – um espaço para exibição de curtas-metragens na RTP – Rádio e Televisão de Portugal – da qual ele é criador e programador. O programa de Garção Borges é exibido no canal RTP2, que tem perfil cultural. No Brasil, a TV Brasil se assemelha a ele. Importante destacar que o curta-metragem sempre foi exibido nas televisões portuguesas. O Onda Curta vai ao ar em horário nobre, às 21 horas, e tem uma hora de duração, agrupando vários filmes. O programa exibe, especialmente, filmes de criação, de autor. Mas, todos os gêneros são aceitos — ficção, documentário, experimental, animação. A seleção do que vai ar é feita pelo próprio Garção, que programa os filmes de melhor qualidade segundo a sua opinião. Ele acredita que cada filme tem seu público específico e, dessa forma, mantém-se firme aos seus próprios critérios na hora de fazer a seleção. Todos os filmes exibidos são remunerados a partir de uma mesma média de preço, hoje estimada em 65 euros por minuto, para duas exibições, sem exclusividade. Como seu trabalho já está consolidado, o Onda Curta também possui importantes parcerias com eventos internacionais, como o prêmio de aquisição do Festival Curta Cinema, do Rio de Janeiro. O terceiro participante da mesa, Carlos Dowling — coordenador de programação da TV da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) — apresentou o trabalho da Rede Nordestina do Audiovisual (RNA), projeto que ele também coordena. A RNA é um “pontão de cultura”, iniciado em 2007, que tem como objetivo promover a articulação e o intercâmbio das experiências do “fazer audiovisual” na região Nordeste. Mas, além de encontros presenciais, ela cria novos mecanismos para viabilizar essa troca de experiências. O principal deles é o portal Rede Nordestina do Audiovisual – um espaço na internet que possibilita o compartilhamento de conteúdo audiovisual, especialmente de filmes de curta duração. Realizadores podem disponibilizar seus filmes para que sejam assistidos através do portal além de possibi138 seminário de comercialização de conteúdos audiovisuais de curta duração litar a troca de informações através de listas de conteúdo. Ainda em teste de usabilidade, o portal já conta com uma parceria com o programa XPTO.Lab, para trabalhar com a capacitação para o uso de tecnologias interativas para a TV Digital, aproximando programadores de tecnologia da informação e produtores de conteúdo. As exibições dos filmes através do portal não têm fins lucrativos, mas modelos de comercialização são possíveis dentro desta estrutura e serão pensados nas fases posteriores do projeto. O funcionamento da Programadora Brasil – um programa da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, desenvolvido pela Cinemateca Brasileira através da Sociedade Amigos da Cinemateca, desde 2006 — foi apresentado por sua coordenadora, a produtora Moema Müller. O objetivo principal da iniciativa é promover o encontro do público com o cinema brasileiro através de uma ação que visa a formação de público, o fomento ao pensamento crítico em torno da produção nacional e o fortalecimento de iniciativas de difusão cultural. Isso se dá pela organização de programas de filmes brasileiros, disponibilizados em DVD, e autorizados a serem exibidos em pontos associados ao programa, que hoje já são mais de 1.400 – normalmente, espaços de exibição sem fins comerciais tais como cineclubes, centro culturais, pontos de cultura, escolas, bibliotecas, museus, são alguns exemplos de associados. Com mais de 700 filmes disponíveis, sendo que a maioria deles, 78%, tem menos de 30 minutos de duração, a Programadora Brasil oferece 214 DVDs. Cada DVD é um programa que, na prática, funciona como uma sugestão de programação, organizada por um rigoroso trabalho de curadoria que disponibiliza curtas-metragens, curtas e longas-metragens ou apenas longasmetragens. Todos os filmes recebem remuneração e são escolhidos entre as produções nacionais e os inscritos no edital de seleção da Programadora. A única exigência é que os títulos possuam CPB – Certificado de Produto Brasileiro, expedido pela Ancine. Sabrina Nudeliman fechou a mesa e focou-se no tema da distribuição. Ela é co-fundadora e diretora da distribuidora Elo Company – uma distribuidora de conteúdo audiovisual. A empresa trabalha com distribuição tradicional e, em seu catálogo, estão filmes de todos os formatos, duração e gêneros. Sabrina explicou também que, além de comercializar os títulos no Brasil — para televisões, linhas aéreas —, a Elo possui um forte trabalho de colocação do produto brasileiro no mercado internacional. E a área de mídias digitais vem ganhando espaço em virtude de um aumento na demanda. A própria Elo criou canais na internet que disponibilizam conteúdo sob demanda, de 139 seminário de comercialização de conteúdos audiovisuais de curta duração modo segmentado, ou seja, um canal para documentários, outro para animação, e assim por diante. Ainda sobre as mídias digitais, Sabrina defendeu a tese de que quanto mais perto dos olhos, menor a tela — por exemplo, a tela do celular — e, portanto, menor duração deve ter o conteúdo. Além disso, a ordem das janelas começa a se alterar e disponibilizar os filmes na internet já não impede a exibição ou comercialização em festivais e televisões, segundo ela. Durante a apresentação, Sabrina condensou dicas sobre a comercialização de conteúdo. Elas são úteis, pois apontam cuidados que realizadores devem ter desde a concepção do projeto. Os principais tópicos abordados foram: o produtor deve se responsabilizar e ter todos os contratos de liberação de direitos de obras literárias adaptadas e trilhas sonoras; ao criar um produto audiovisual deve-se pensar no seu público, direcionando-o para algumas das fatias, pois assim, evita-se trabalhos muito abertos, que tentam dialogar com todas as audiências, o que é muito difícil; produzir materiais extras — vídeos, fotos, releases — para serem usados na divulgação; selecionar os festivais e pensar na distribuição, desde o início do projeto. O que fica claro aqui é que os realizadores precisam definir as suas intenções de distribuição, bem como o perfil dos produtos que estão sendo criados. Quando estas questões são levadas em consideração desde a concepção dos projetos, os resultados podem ser mais efetivos. Já para as produções concluídas, é necessário adaptar-se aos perfis de cada oportunidade e colocar a “cara na rua”, ou seja, oferecer as produções audiovisuais para distribuidores, programadores e exibidores. As chances de uma boa remuneração são maiores se considerarmos modelos de negócio que possam ser explorados a médio e longo prazo, acumulando remunerações advindas de diversos contratos. Ou então, produzir de modo a atender uma real demanda do mercado. Mesmo assim, não podemos desconsiderar, neste momento, a importância da difusão do produto nacional, mesmo que isso não se reverta em remuneração. A oferta do filme de curta duração pode ser encarada como uma estratégia para o aumento da demanda já existente, para a consolidação das cinematografias regionais e para o estímulo às iniciativas em funcionamento. Afinal, bons resultados geram novas demandas e novas demandas impulsionam o mercado para modelos de negócios capazes de gerar benefícios financeiros para todos os agentes envolvidos. E essa é a nossa meta. 140 Interlocução com o Poder Público resumo elaborado por Lizandra Magon de Almeida, editora do material impresso do Festival Internacional de Curtas-metragens e desta publicação. P ara encerrar o Seminário Curta & Mercado, foram reunidos alguns representantes das instâncias de governo ligadas ao audiovisual, sob a coordenação da presidente da ABD-N, Solange Lima. Também compareceu o presidente da Fundacine e diretor executivo do Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), Cícero Aragon, convidado a falar sobre a realização do Congresso que aconteceria alguns dias depois, de 12 a 15 de setembro, em Porto Alegre. André Sturm, coordenador da Unidade de Fomento e Difusão de Produção Cultural (UFDPC) da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, e personalidade importante na história recente do curta-metragem brasileiro abriu os trabalhos. Sturm foi diretor do Cineclube da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, um dos pontos de exibição mais efervescentes do final da década de 1980, quando o curta-metragem começou a retomar seu prestígio perante o público e quando surgiram diversas iniciativas para promovê-lo. Ele falou sobre esse período e também apresentou um projeto que está sendo desenvolvido pela Secretaria da Cultura para levar o cinema brasileiro de curta-metragem a cidades do interior paulista que não contam com salas de exibição. Segundo Sturm, foi feito um mapeamento das cidades onde havia auditório ou biblioteca e foram doados projetores digitais com a condição de que fossem criados cineclubes. Ao todo, 50 municípios foram contemplados. A Secretaria também está fazendo uma compilação de curtasmetragens produzidos com recursos do Prêmio Estímulo, que completa 30 anos, para doar para essas cidades. Em seguida, apresentou-se o secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Newton Cannito. “Sentimos que estamos em um momento de inovação, e dentro desse momento queremos apoiar a distribuição”, afirmou ao começar. Cannito comentou a necessidade de se fomentar o debate a respeito do produto audiovisual brasileiro. “Debate e comercialização são duas 141 seminário de comercialização de conteúdos audiovisuais de curta duração coisas muito próximas, pois os filmes discutem a sociedade brasileira e isso impulsiona a campanha do filme. Muita gente fica pensando na publicidade do filme, mas esse conceito é antigo. É preciso haver um posicionamento no campo das ideias, divulgar ideias e conceitos para que o filme tenha repercussão.” Nesse sentido, Cannito propôs uma valorização dos críticos e curadores. “O mundo digital valoriza os curadores, que são agregadores independentes de conteúdo. São pessoas, não empresas, e eles têm prestígio junto às comunidades. Estamos sempre desprestigiando o campo intelectual e isso acaba tendo repercussões na economia. Dentro das políticas de distribuição de curtas-metragens, existem pessoas importantíssimas que funcionam como agentes.” Outra questão levantada por Cannito foi a importância dos festivais para agregar valor aos filmes. Segundo o secretário, é muito importante haver tantos festivais, mas seria fundamental investir para tornar suas marcas mais fortes e com isso alavancar a exibição e comercialização dos filmes. “Falamos em mercado como se fosse uma coisa só, mas são vários segmentos. Os festivais precisam refletir essa variedade, e não o contrário. Muita gente acaba tentando fazer filmes que são o estilo deste ou daquele festival.” Em relação ao mundo digital, Cannito disse que é preciso saber que a Internet tem uma vocação para o gratuito, que é realmente difícil conseguir remuneração nessa mídia. Mas que justamente não se pode mais pensar em segmentação por mídias. “O raciocínio digital é transmidiático, então a estratégia precisa ser pensada para o conteúdo. Hoje existem séries de TV que ganham dinheiro vendendo música para IPhone, outras vendem brinquedos, outras vendem DVDs. São várias ações em paralelo, de acordo com o conteúdo, que já precisa ser pensado nesse sentido.” Outra forma é por tipos de público, completou. “Estamos pensando em financiar pesquisas sobre a tendência do gosto do consumidor.” O convidado seguinte foi Manoel Rangel, diretor da Ancine. Ele destacou a importância da convergência digital, citando o Plano Nacional para Banda Larga, do Governo Federal, que pretende levar o acesso à banda larga para toda a população do país. “O cenário projetado para o futuro aponta para a perspectiva de que o cidadão vai estar diante de uma tela, qualquer tela, e vai receber conteúdo audiovisual. Precisamos estar preparados para isso.” Rangel também destacou a importância da existência de projetos propostos pelos próprios realizadores audiovisuais, como uma maneira consistente de avançar nas discussões. Nesse sentido, aposta no projeto Curta em Todas as Telas (veja no final desta publicação). Ele alertou os realizadores 142 seminário de comercialização de conteúdos audiovisuais de curta duração sobre a demanda futura por obras audiovisuais que deve surgir com a aprovação do PL 29/PLC 116. “Vejo este como um momento que pode marcar uma geração de realizadores.” Antes de abrir para as perguntas da plateia, Solange Lima afirmou que um dos maiores desafios dos realizadores brasileiros, diante de tantas mudanças no cenário do audiovisual, é a profissionalização do setor. Questões de direitos autorais e documentação são algumas das preocupações que precisam estar na mente dos realizadores, tema que também foi comentado por Paulo Alcoforado, da Ancine, que afirmou que é preciso avançar a discussão nesse sentido, pois o pagamento de direitos está diretamente ligado à geração de negócios. “A organização dos direitos morais e patrimoniais decorrentes da autoria resolve muitas dificuldades, mas exige uma capacitação que ainda não existe da produção executiva”, afirmou. “No âmbito do audiovisual, a Ancine é a agência responsável por isso, para ajudar nessa capacitação.” Caio Plessman, da ABD-SP, comentou sobre a questão dos festivais levantada por Cannito. Segundo Plessman, hoje os festivais não agregam mais valor no sentido de levar público às salas de cinema, pois a lógica do mercado atual é diferente. Entretanto, os festivais agregam no sentido cultural, o que em última análise pode ajudar na carreira do filme. Plessman também afirmou que existem mais de 220 festivais cadastrados pelo Forum de Festivais e que existe uma diversificação na temática. Em seguida, Paulo Alcoforado se manifestou sobre o assunto, dizendo que os festivais poderiam articular lançamentos de filmes brasileiros visando ocupar as salas de cinema. Também informou que está sendo criado o Programa Banco de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros, uma central de produções brasileiras de audiovisual. A Cinemateca Brasileira será a responsável pelo projeto, mantendo as atividades de preservação e restauro que já desenvolve e passando também a digitalizar esses conteúdos para disponibilizar para o licenciamento a outras instituições e distribuição em banda larga. A Cinemateca já está conectada ao backbone da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e fará parte do Plano Nacional de Banda Larga. Cannito respondeu aos comentários dizendo que é preciso ir além das avaliações feitas até o momento, com abordagens mais críticas e menos defensivas. “Temos muitas coisas para abordar, podemos falar em lançar melhor os filmes, em reserva de mercado, em ações regulatórias, mas também temos de atacar por outro lado. Não podemos ficar tentando encontrar culpados, como o cinema americano. Nós precisamos bolar outra estratégia, ir além, atacar os nichos.” 143 seminário de comercialização de conteúdos audiovisuais de curta duração Solange lançou uma provocação a Manoel Rangel, de que faltou abordar a questão das salas de cinema. Para Rangel, a exibição em salas hoje não é tão prioritária para o filme de curta-metragem, diante da multiplicidade de formatos digitais e novas mídias. “Respeito o direito desse formato estar na sala de cinema e acho que deve estar, mas não acho que esse seja o problema mais importante da comercialização. É uma ponta, mas o centro é a demanda em larga escala, o que pode gerar uma demanda econômica efetiva.” Para Rangel, o mundo convergente impôs outro ritmo à cena do audiovisual. “A sala de cinema é uma vitrine, e eu admito que é preciso ter vitrine quando se trata de um produto audiovisual, mas para se ter resultado econômico é necessário pensar em todas as plataformas.” Sobre a questão dos direitos autorais, Rangel explicou que a Ancine não tem atribuições nesse sentido, mas que o tema precisa ser acompanhado na discussão da nova lei de direitos do autor. Para Cannito, a ideia é que exista uma arrecadadora privada ligada às associações de autores. Cícero Aragon interveio para propor uma reflexão sobre o papel estatal na organização do banco de conteúdos brasileiros, que está sendo desenvolvido pela Cinemateca Brasileira. Segundo ele, é necessário que o governo dê suporte às iniciativas privadas e que evite uma concorrência entre os negócios já existentes e os projetos governamentais. Rangel respondeu dizendo que o banco de conteúdos apenas organiza os materiais, mas que não tem o propósito de ofertá-los ao usuário. O cineasta Geraldo Moraes comentou a importância dos festivais de cinema no sentido de desenvolver novos públicos e de promover a inclusão audiovisual. “Antes alguns festivais se preocupavam em levar estrelas e isso realmente gerava mídia, mas hoje esse aspecto festivo foi substituído por outro que me parece mais importante, que é levar os filmes ao grande público.” Rangel complementou afirmando que deveria haver mais apoio do Estado a iniciativas que abram esse tipo de possibilidade. Em seguida, todos os demais inscritos fizeram suas perguntas para Newton Cannito e Manuel Rangel. Cynthia Alario, da Rede Brazucah, remeteu-se à palestra de Ana Carla Fonseca (veja na página 25), que falou sobre o desenvolvimento de uma indústria criativa com a participação do governo, e perguntou como os representantes da SAv e da Ancine veem o audiovisual de curta duração dentro da indústria criativa. Talitha Dalacosta, da M1ND Tecnologia, lembrou que a empresa desenvolveu ferramentas para mensurar o desempenho da produção audiovisual em meios como o telefone celular, e se colocou à disposição para eventuais estudos que o governo quisesse desenvolver. 144 seminário de comercialização de conteúdos audiovisuais de curta duração Retomando o comentário de Manuel Rangel sobre a exibição dos curtas-metragens em sala de cinema, Jaime Lerner, da APTC-RS, lembrou que projetos citados por Rangel como bem-sucedidos — caso do Curta nas Telas, do Rio Grande do Sul — não foram reproduzidos em outros estados. “O que se poderia levar para o âmbito nacional de iniciativas como essa?”, perguntou. Silvio Da-Rin, da EBC/TV Brasil, se pronunciou a seguir fazendo um apanhado histórico da Lei do Curta e, apesar de concordar com a afirmação de Rangel de que a exibição em salas não é mais a questão central do curta-metragem, cobrou um posicionamento no sentido de substituir essa legislação por outra mais adequada ao momento atual. “Essa é uma questão chata, um cadáver que ficou insepulto em minha gestão na Secretaria do Audiovisual, mas é uma janela que não pode ser desprezada. Acho que é preciso que o setor se posicione claramente em relação a isso, para que não continuemos sendo admoestados pelos jurássicos nostálgicos que consideram falta de vontade política a regulamentação de um dispositivo que é anacrônico, limitadíssimo.” A produtora Paula Pripas comentou que a participação de curtas em festivais internacionais é uma boa oportunidade de comercialização, seja dos direitos, seja de cópias em DVD ou até de coletâneas e outros produtos semelhantes. Ela perguntou se existe a possibilidade de que o produtor seja o próprio distribuidor das obras de curta duração, já que tem sido difícil conseguir que uma distribuidora comercial lance filmes desse formato. Aletéia Selonk, da diretoria da ABD-N, abriu o Seminário coordenando a primeira mesa e foi a última inscrita para perguntas. Ela fez um breve apanhado do processo de criação do Seminário, dizendo que se no início da discussão, há cerca de um ano, a ideia da Lei do Curta ainda estava muito presente, ao longo do tempo foi sendo esquecida, já que as ideias foram atualizadas, avançaram e devem continuar avançando já que existe a expectativa de que o assunto continue a ser fomentado no blog do Seminário até a próxima edição do evento, prevista para 2011 no Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo. Manuel Rangel começou então a responder às perguntas, fazendo um apanhado da ação da Ancine nos últimos dez anos. “Toda a operação que se conduziu ao longo dos últimos dez anos de ação do Estado brasileiro representa um esforço de construção de uma economia do audiovisual robusta, na qual o produto audiovisual brasileiro e as empresas brasileiras estejam no centro da ocupação do mercado interno. Digamos que as condições oferecidas nunca foram tão expressivas como são hoje, as condições de financiamento, 145 seminário de comercialização de conteúdos audiovisuais de curta duração a quantidade de novos que entraram na cena, a construção de laços com a rede de TVs públicas.” Em resposta ao questionamento de Jaime Lerner, Rangel inverteu as perguntas: “Como vocês farão com que os projetos de vocês se materializem? Que iniciativas estão sendo pensadas de articulação com empresas do setor? E com distribuidores, exibidores, programadores? Que visitas estão sendo programadas às televisões abertas para oferecer parcerias? Que estratégia as ABDs construíram para que seu projeto tenha continuidade?”. Rangel se referia ao projeto “Curta em Todas as Telas”, e afirmou que fez essa “provocação” sentindo-se em casa, já que também fez parte da ABD. “Sempre é bom lembrar que não se espere uma iniciativa redentora do Estado. Esse é um processo de construção articulada.” Para o diretor da Ancine, “o documento da ABD constitui uma belíssima plataforma de diálogo com o poder público, mas sobretudo com os outros parceiros do mercado. É preciso pensar no agregador, no agente de vendas, em quem vai abrir mão de seu impulso criativo, de autor, para se dedicar ao negócio, porque é preciso pensar sob esse ponto de vista — poucas pessoas estão dispostas a cumprir esse papel.” O secretário do Audiovisual então fez seu pronunciamento final, retomando a ideia da indústria criativa e a necessidade de valorizar o autor e todos os elos da cadeia. “Sempre insisto que ninguém deve trabalhar de graça, isso é antiético, é errado. O audiovisual é uma indústria que tem um processo de feitura artesanal e uma distribuição industrial. Não é um processo fordista, isso nunca funcionou na arte. Mas precisamos ver o cidadão como um consumidor, consumir é um processo político. É uma mudança de raciocínio que precisamos ter, de que o processo tem de ser pensado para que todos ganhem e nem sempre o financiamento fique só a cargo do Estado.” A coordenadora da mesa, Solange Lima, agradeceu a todos os organizadores e participantes, e encerrou dizendo que a nova geração que hoje está pensando em fazer cinema “dialoga, cobra e também propõe, porque é só assim que se avança. Acho que essa foi uma grande mudança, que pudemos ver aqui neste Seminário”. A partir das discussões elaboradas durante os três dias de evento, o documento “Curta em Todas as Telas” foi atualizado e sua nova versão está disponível nas páginas seguintes. 146