Revista Eletrônica Novo Enfoque, ano 2013, v. 17, n. 17, p. 36 –42
A RELAÇÃO ENTRE OS CONTEÚDOS DE HISTÓRIA E AS
REPRESENTAÇÕES DE SUAS PRÁTICAS EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE
ENSINO BÁSICO NA ZONA OESTE DO RIO DE JANEIRO
CUSTÓDIO, Amanda Heloisa Souza1
FERREIRA, Arthur Vianna2
Palavras-chave: Ensino de História – Conteúdos – Representações – Práticas docentes
Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar parte dos resultados do Projeto de
Iniciação Científica e Tecnológica (2012-2013) intitulado Ensinar ou fazer História em
sala de aula? Representações das práticas de ensino de História em escolas públicas da
Zona Oeste do Rio de Janeiro. Esta pesquisa propôs investigar as representações das
práticas de ensino de História organizadas pelos professores do Ensino Fundamental I
de uma escola pública em um bairro na Zona Oeste no Rio de Janeiro, nas adjacências
de Realengo. Neste presente artigo, os resultados discutidos e apresentados se
relacionam aos conteúdos trabalhados por estes professores na constituição de suas
representações e práticas escolares nos três primeiros anos do ensino básico da escola
pública da Zona Oeste do Rio de Janeiro, a qual foi objeto de estudo desta pesquisa
sobre ensino de História.
Procedimentos Metodológicos
O CIEP Padre Paulo Corrêa de Sá, pertencente a 8ª CRE, foi autorizado pela
Secretaria Municipal de Educação para o desenvolvimento desta pesquisa. Esta
instituição localiza-se em Padre Miguel, na Comunidade “77”, Rua Francisco Brício. A
região é assinalada por condições socioeconômicas precárias, possuindo alto índice de
desemprego e subemprego e escassa assistência pública, características evidenciadas no
1
Acadêmica Voluntária PIBICT/UCB (Vigência: Out/2012 a Out/2013). Grupo de Pesquisa LaPHis da
Universidade Castelo Branco. Aluna do curso de licenciatura em História da Universidade Castelo
Branco (UCB), Campus Realengo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2
Orientador da Linha de Pesquisa ‘Representações e práticas no Ensino de História’ do LAPHIS –
Laboratório de Pesquisas em História. Doutor em Educação e professor do curso de licenciatura em
História e da escola de formação de professores da Universidade Castelo Branco (UCB), Campus
Realengo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Projeto Político-Pedagógico do CIEP, denominado AFRA: amor, fraternidade, respeito
e amizade, valores considerados norteadores por esta instituição escolar.
Nesta pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas semidirigidas ao corpo
docente, do estudo do material didático, do exame de Planos de Aula semanais e
bimestrais, análise de documentos oficiais e dos indicadores conteúdos e práticas,
observou-se a organização do ensino de História para as turmas da Casa de
Alfabetização, que correspondem do 1° ao 3° ano do Ensino Fundamental I.
Análise de Dados
Atualmente, no Rio de Janeiro, o ensino de História encontra-se oficialmente
‘não obrigatório’ do 1° ao 3° ano do Ensino Fundamental, sendo incluído efetivamente
apenas a partir do 4° ano. Os Cadernos Pedagógicos, principal material didático desta
etapa, estão disponíveis apenas para as disciplinas Matemática, Português e Ciências.
Livros didáticos de História são introduzidos no 4° ano e nos letivos posteriores.
Embora o ensino de História para a Casa de Alfabetização não seja exigido pela
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa do Governo Federal (PNAIC) instaura os direitos de
aprendizagem em História no ciclo inicial de alfabetização, ressaltando os
conhecimentos de fatos, sujeitos históricos e tempo.
Estes conceitos e todos os conteúdos que os perpassam constam nos Parâmetros
Curriculares Nacionais de História (PCNs) de 1997 para o Primeiro Ciclo do Ensino
Fundamental, ressaltando os mesmos objetivos encontrados neste documento e
destacando os eixos temáticos História Local e do Cotidiano. Contudo, o PNAIC é um
documento consideravelmente recente, sendo introduzido em muitas escolas apenas em
2013. As circunstâncias apresentadas não concedem o objeto no qual possam ser
analisadas as representações, alterando a premissa desta investigação. Portanto, esta
pesquisa focalizou na organização docente para o ensino desta disciplina e em como os
professores preparam os alunos para os ulteriores conhecimentos históricos que
receberão.
O CIEP Padre Paulo Corrêa de Sá atende aos níveis Educação Infantil (préescola), Educação Especial, PEJA e Ensino Fundamental. Este último está organizado
do seguinte modo:
37
Ano
1°
2°
3°
4°
5°
Projeto
Turmas
3
3
4
2
2
1
Obs.: Projeto de Aceleração
O corpo docente encontra-se assim disposto:
25%
33%
75%
Outros Professores
Professores da Casa de Alfabetização
Professores Entrevistados
Selbach (2010, p. 42) nos aponta que “o ensino da História no Ensino
Fundamental se fundamenta em objetivos claros que, se não concretizados, abrem
insuperável lacuna na formação dos estudantes”. Os planejamentos bimestrais e
semanais elaborados pelo CIEP Padre Paulo Corrêa de Sá do ano de 2013 são norteados
pelas Orientações Curriculares de 2010 da Secretaria Municipal de Educação, já que a
mesma não mais dispõe estas diretrizes atualmente para a Casa de Alfabetização. Estas
Orientações de 2010 propõem continuidade ao processo de atualização do Núcleo
Curricular Básico Multieducação, documento de 1996. As Orientações Curriculares de
2010 para a disciplina História enfatizam para os 1°, 2º e 3° anos do Ensino
Fundamental o estudo das transformações sociais e culturais, noção de pertencimento a
diferentes grupos, relações sociais no espaço, relações de trabalho, semelhanças e
diferenças entre grupos sociais próximos, regras de convivência e noções elementares
de tempo. Foram coletados os Planos do 2° Bimestre para os 1°, 2º e 3° anos e 3°
Bimestre para o 2° ano. Os demais não estavam dispostos para análise.
Os planejamentos selecionados estão perceptivelmente em consonância com os
objetivos propostos. No 1° ano, o conteúdo programático inclui as relações de
parentesco, os tipos de organização familiares, regras de convivência nas famílias e nas
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turmas; a cooperação para o bem-estar social, as semelhanças e diferenças entre os
grupos
sociais
da
comunidade:
ricos/pobres,
negros/brancos
e
indígenas,
homem/mulher; noções elementares do período do dia, a semana e o calendário; e o
espaço da sala de aula e as relações de trabalho encontradas no meio da criança. No 2°
ano, identifica-se e contextualiza-se o espaço social da casa, da turma e da escola;
busca-se reconhecer o preconceito e seus significados a partir do tratamento
diferenciado entre os indivíduos presentes no cotidiano escolar; constroem-se
gradativamente as noções de temporalidade e procura-se inserir a percepção e
compreensão das transmutações socioespaciais, culturais e históricas no local de
moradia, família e escola. No 3° ano, é desenvolvida a identidade grupal e as origens do
grupo social a que se pertence. No Planejamento Semanal, o ensino de História não está
especificado, mas organizado em atividades de sistematização de outras áreas do
conhecimento. É notória nestes planejamentos a inserção da educação de valores.
As entrevistas realizadas com os docentes intentou analisar os planejamentos – e
seus conteúdos – elaborados por estes profissionais confluindo com os discursos dos
mesmos. Nesta exposição da análise serão citados alguns pontos relevantes do discurso
dos professores e exemplificados pelo recorte de seus discursos. Os sujeitos serão
identificados como professores A, B e C.
a) Questionadas acerca da seleção e aplicação dos conteúdos do ensino de História:
Professora B: “Na verdade, basicamente, 1°, 2° e 3° ano trabalham de forma muito
igual nesse ponto. Separação de conteúdos vem a partir das orientações curriculares
que o Município nos fornece. A gente não pode sair muito dessa linha. Então quanto
tem alguma coisa assim, que a gente sinta maior necessidade, que não tem determinado
conteúdo, mas eu queria muito trabalhar com a turma, a gente conversa com a
coordenadora e ela vê se tem a ver realmente com a série, com o que eles precisam
estar aprendendo ou não”.
Professora A: “A gente trabalha primeiro falar com eles sobre o conteúdo, daquela
data que está se aproximando, aquela data que vai ser comemorada, o porquê daquela
data, e concluímos às vezes com teatrinhos, com confecções de fantoches, ou algum
trabalho de artes.”
Em relação à escolha do conteúdo e a aplicação, embora se tenham algumas
poucas orientações deixadas pela secretaria, ainda que não de forma estruturada como
as outras disciplinas, os dois elementos de organização dos conteúdos ainda estão
carregados da subjetividade dos professores e da sensibilidade frente às datas
comemorativas partilhadas pela sociedade no geral, sem apresentar um conjunto
esquemático de objetivos gerais ou específicos organizados em torno do ensino de
história (SELBACH, 2010; BITTENCOURT, 2009).
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b) Indagadas sobre a dissonância das datas comemorativas no planejamento semanal,
como o ensino da cultura indígena durante a semana de junho:
Professora B: “Às vezes no material do Município, alguma coisa referente ao índio,
muito depois da data que seria e a gente acaba retomando aquela situação. Mas não
que tenha sido trabalhado só naquele momento, já foi trabalhado antes e depois a gente
retomou por algum motivo”.
Entretanto, o planejamento semanal do 1° ano, por exemplo, indica discrepância,
pois no mês de abril o tema trabalhado em atividades de sistematização de outras áreas
do conhecimento, relativas à história, está especificado somente como “Família”.
c) Questionadas em como conciliar o currículo de História proposto pelo CIEP Padre
Paulo Corrêa de Sá por meio da coordenação pedagógica com cadernos pedagógicos
cedidos pela Secretaria Municipal de Educação que não especificam conteúdos para esta
disciplina:
Professora C: “A nossa prática não é só o que está no caderno pedagógico. A gente se
baseia no planejamento que a gente faz, baseado nas orientações curriculares da
Secretaria Municipal de Educação. A gente pega as orientações, os tópicos que devem
ser contemplados de acordo com cada bimestre, daquele devido ano, e a gente aplica
fora do caderno. Não desmerecendo o caderno, mas ele é a parte”.
Os discursos das professoras a respeito da sua prática corroboram a tentativa de
conciliar os diversos materiais oferecidos pela instituição escolar e mostram um esforço
do docente em estruturar o seu trabalho a partir de objetivos que coincidem com a
realidade da escolha dos conteúdos e suas aplicações em sala de aula. (CHARLOT,
2003). Porém, este esforço supracitado ganha uma conotação positiva em seu trabalho a
partir do momento em que ele consegue perceber em seus alunos elementos específicos
do ensino de História no processo de aprendizagem de seus alunos em sala de aula. Veja
a citação abaixo:
Professora B: “Quando ele começa a perceber essa situação do ontem, do hoje, do
amanhã. Quando ele começa a se colocar como indivíduo da sociedade, objeto da
história, fazendo parte de um grupo... eu consigo ver que eu consegui mexer um pouco
nessa estrutura dele”.
Assim sendo, a organização do conteúdo, as escolhas, a tentativa de conciliação
com os materiais oficiais e as suas utilizações, embora apareçam no foro individual e
não da coletividade, mostram uma preocupação do colegiado da disciplina historia
frente a sua ‘não obrigatoriedade’ na rede municipal.
Devido às greves dos profissionais da educação ocorridas no período de vigência
da pesquisa, não foi possível observar as aulas para analisar conjuntamente os discursos,
os planejamentos e a relação conteúdos e práticas, além de reunir um maior contingente
para as entrevistas.
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Discussão de Resultados
A partir da análise dos dados apresentados, são notórias as incongruências
relativas ao ensino de História do 1° ao 3° ano do Ensino Fundamental. A Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro não mais dispõe de orientações para esta
disciplina, não havendo para este corpo social docente um objeto social ‘ensino de
História’ regulador de práticas para a casa de alfabetização.
Segundo Ferreira (2012, p.138), uma vez que este objeto estudado é constituído
em um foro exclusivo do grupo particular da escola estudado, ou seja, uma
representação particular do grupo de professores da escola em uma situação específica e
‘não naturalizante’ de práticas a todo grupo de professores da rede, o objeto ‘ensino de
história’ não se apresenta como o elemento adequado para o estudo das representações
sociais neste ambiente de pesquisa.
Porém, a pesquisa incita outras investigações futuras com este mesmo grupo de
professores sobre as possíveis representações da ‘não obrigatoriedade’ do ensino de
História, que é o objeto social realmente vivenciado por todos os grupos docentes na
rede pública do estado do Rio de Janeiro.
Por isto, analisando os planejamentos bimestrais e semanais elaborados pela
coordenação pedagógica e o corpo docente da Casa de Alfabetização do CIEP Padre
Paulo Corrêa de Sá e os discursos das professoras entrevistadas, é notória a diligência
desta instituição escolar para com o ensino dos conteúdos de História, embora o mesmo
não tenha obrigatoriedade neste nível da educação. Os educadores optam por consultar
documentos antigos que, embora apresentem conceitos e temáticas relevantes
circundantes a História, respeitando as etapas cognitivas dos discentes, estão
desatualizados e podem não atender a novas demandas.
Considerações Finais
O atual quadro do ensino de História para os anos iniciais do Ensino
Fundamental do Rio de Janeiro demanda orientações precisas emitidas pela Secretaria
Municipal de Educação para que esta disciplina não seja relegada, pois os conceitos
básicos de História precisam ser desenvolvidos para os posteriores conhecimentos que
os discentes receberão. Os cadernos pedagógicos, principal material didático desta etapa
da educação, precisam ser contidos de interdisciplinaridade. Estas medidas contribuem
para que os docentes, principalmente os de formação normalista sem graduação
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específica em História, não desvinculem de seus conteúdos estes saberes importantes
para o aluno que, se não ensinados, geram lacunas em sua formação estudantil e cidadã.
Referências
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos.
São Paulo: Cortez, 2009.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais – Primeiro e Segundo ciclos do Ensino
Fundamental, História. Brasília: MEC/SEF, 1997.
______. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – Planejamento e
organização da rotina na alfabetização: Ano 3, unidade 2. Ministério da Educação:
Brasília, 2012.
CHARLOT, Bernard. “O sujeito e a relação com o saber”. IN: BARBOSA, Raquel
Lazzari Leite. Formação de professores – desafios e perspectivas. São Paulo:
UNESP, 2003. (p.23-34)
FERREIRA, Arthur Vianna. Representações Sociais e Identidade Profissional:
elementos das práticas educacionais com os pobres. Rio de Janeiro: Letra Capital,
2012.
SELBACH, Simone. História e didática. Petrópolis: Vozes, 2010.
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