UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LARISSA BERALDO KAWASHIMA
CONTEÚDOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA O ENSINO
FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE CUIABÁ: UM
ESTUDO SOBRE SUA SISTEMATIZAÇÃO
CUIABÁ-MT
2010
LARISSA BERALDO KAWASHIMA
CONTEÚDOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA O ENSINO
FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE CUIABÁ: UM
ESTUDO SOBRE SUA SISTEMATIZAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação no Instituto de Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso como pré-requisito para a
obtenção do título de Mestre em Educação na Área de
Concentração Educação, Linha de Pesquisa Culturas
Escolares e Linguagens.
Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes
Cuiabá-MT
2010
K22c
Kawashima, Larissa Beraldo.
Conteúdos de Educação Física para o Ensino Fundamental da rede
Municipal de Cuiabá: um estudo sobre sua sistematização. / Larissa
Beraldo Kawashima – Cuiabá (MT): A Autora, 2010.
196 p.: il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de
Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes.
Inclui bibliografia.
1. Escola. 2. Educação Física. 3. Conteúdos. 4. Sistematização. I.
Título.
CDU: 37:796
Às escolas que abriram suas portas para que eu pudesse desvelar a realidade de suas aulas
de Educação Física, e em especial, aos gestores, professores e alunos que contribuíram para
que esta pesquisa se tornasse possível.
AGRADECIMENTOS
À CAPES, por ter permitido fazer um curso e caminhar mais longe.
Ao professor Cléo, orientador, mestre e amigo, que me conduziu nos caminhos investigativos
e imprimiu significativas aprendizagens na minha formação profissional.
Aos meus colegas de orientação Dudu e Flávia, e em especial, à grande amiga Luciane, pelo
papel relevante na construção desta pesquisa, e com ela experimentei os mesmos caminhos,
desafios e conquistas.
Aos colegas e professores do mestrado, pelos conhecimentos partilhados.
Às professoras-amigas Bela (Beleni), Lílian (Bauru) e Tati (Irene Rangel) por acreditarem no
meu trabalho e incentivarem para que eu nunca desistisse, assim como nos inspira Paulo
Freire, de ter esperança numa Educação Física escolar de qualidade.
Ao professor Evando pelas importantes contribuições à pesquisa e à minha formação
profissional.
A professora Lucinéia Macedo Santos pela revisão do abstract e a ―tia‖ Neiva pela revisão
geral da dissertação.
Ao Ricardo, pela paciência, dedicação e incentivo para que eu nunca desistisse de lutar pelos
meus sonhos.
A minha família, em especial, aos meus pais que tanto se esforçaram para que eu fosse
―alguém na vida‖
RESUMO
O objetivo geral desta pesquisa foi o de identificar como os professores da rede municipal de
Cuiabá organizam os conteúdos da Educação Física escolar para os dois primeiros ciclos do
ensino fundamental, bem como as orientações recebidas pelos gestores (coordenadores e
diretores) de sua escola e, ainda, o que (quais conteúdos) seus alunos aprendem nas aulas de
Educação Física. Os objetivos específicos foram delimitados como identificar se existe uma
proposta de sistematização de conteúdos da Educação Física organizada pela Secretaria
Municipal de Educação, pela escola, ou orientada pelos gestores das escolas. Identificar quais
conteúdos os alunos aprendem nas aulas de Educação Física; e configurar uma organização
dos conteúdos para os dois primeiros ciclos do ensino fundamental a partir das percepções dos
gestores e professores pesquisados. Foram pesquisadas seis escolas públicas municipais de
Cuiabá-MT, localizada em bairros distintos da cidade e com peculiaridades inerentes a cada
uma. As escolas foram nomeadas de E1 a E6, conforme a ordem de seleção (visita as escolas)
realizada por mim. Os sujeitos desta pesquisa são formados por 12 gestores, sendo um
coordenador e um diretor de cada escola. Os professores de Educação Física são formados por
11 sujeitos e os alunos se constituem em 24 sujeitos. A pesquisa é de natureza qualitativainterpretativa, na qual os dados coletados chegaram através de entrevistas semi-estruturadas
com todos os sujeitos, observações de aula e anotações em diário de campo das aulas dos
professores de Educação Física e estudos nos documentos elaborados pelos professores, no
caso, os planejamentos anuais e semanais. As informações sobre a metodologia estão
explicitadas no capítulo 2. São apresentados três capítulos de análise, sendo que no primeiro
(capítulo 3) foram analisadas as falas dos gestores; o capítulo 4 refere-se aos professores de
Educação Física, no qual está dividido a análise em três categorias perpassando a lógica de
construção e execução de uma proposta de sistematização de conteúdos (planejar, falar sobre
e executar); o capítulo 5 se destina a ouvir o quê os alunos destes professores pesquisados têm
a dizer sobre os conteúdos aprendidos nas aulas. Os gestores trazem contribuições importantes
para a compreensão da sistematização de conteúdos elaborada pelos professores de Educação
Física, pois as orientações repassadas ao professores são, na maioria das escolas pesquisadas,
recebidas e aplicadas por eles em suas aulas. As orientações baseadas em interpretações do
Projeto da Escola Sarã nem sempre são transmitidas em sua essência, levando os gestores a se
apropriarem de conceitos mal compreendidos, deixando a Educação Física a mercê das
demais disciplinas. Os gestores acabam verbalizando aquilo que vivenciam e observam no dia
a dia de sua escola, e contestam práticas retrógadas dos professores de Educação Física,
principalmente aquelas a que se referem ao professor ―rola bola‖. Porém, não apenas criticam
estas práticas, mas apontam sugestões para a melhoria da qualidade do ensino da Educação
Física na escola. No capítulo dos professores, o leitor poderá identificar um entrelaçamento
entre as ações de planejar – falar sobre – fazer, no qual é observável que a maioria dos
professores tem estas três ações coerentes, sendo que os conteúdos propostos pelos mesmos
são sistematizados para os ciclos pesquisados. A análise das falas dos alunos mostra que os
mesmos refletem em suas falas os conteúdos explicitados pelos seus professores, percebendo
e questionando quando os mesmos se apropriam de práticas recreacionista e não ensinam nada
durante as aulas. Assim, espero que esta pesquisa possa contribuir para o salto qualitativo da
Educação Física escolar e para a legitimação da disciplina na escola através da identificação
dos entraves constituintes da proposição de conteúdos específicos e sua organização. A
sistematização de conteúdos, configurada nesta pesquisa, é um dos possíveis caminhos para o
ensino da Educação Física no 1º e 2º ciclos, já que transcreve o resultado de práticas
consolidadas e bem sucedidas no âmbito escolar.
Palavras-chaves: Escola, Educação Física, conteúdos, sistematização.
ABSTRACT
The main purpose of this research was to identify how teachers in Cuiabá organize the
Physical Education contents at school for the two first cycles of basic education, as well as the
ways received for the school administrators (coordinators and principals) and, still, what
(which contents) the students learn in the lessons of Physical Education. The specific
objectives had been delimited as to identify if there is a proposal of systematization of the
Physical Education contents organized by the city department of education, by the school, or
guided for the managers of the schools. To identify which teaching contents the students learn
in the lessons of Physical Education; and to configure, from the perceptions of the managers
and searched teachers, an organization of those contents for the two first cycles of basic
education. Six municipal public schools of Cuiabá, Mato Grosso State located in distinct areas
of the city and with inherent peculiarities to each one had been searched. The schools had
been nominated from E1 to E6, as the order of election (visitation of the schools) carried out
by me. The citizens of this research are composed by 12 managers, with a coordinator and a
principal of each school. There are also 11 (eleven) Physical Education teachers and 24
(twenty-four) students. The research has a qualitative-interpretative nature, with data collected
through interviews half-structuralized with all the citizens, daily lesson annotations and
observations, and studies in documents elaborated by the teachers, in this case, the annual and
weekly lessons planning. The information on the methodology are exposed in chapter 2.
Three chapters of analysis are presented. In the first one (chapter 3) it was analyzed the
interviews with the managers; the chapter 4 refers to the Physical Education teachers, with
analysis in three categories, passing the logic of construction and execution of a proposal of
systematization of teaching contents (to plan, to speak on and executing); chapter 5 destines to
hear what the students of these searched teachers have to say on the contents learned in the
lessons. The managers bring important contributions to understanding the systematization of
content produced by Physical Education teachers, for the guidance given to teachers are in
most of the schools surveyed received and applied by them in their classes. The guidelines
based on interpretations of the Sarã School Project are not always provided in its essence,
leading managers to take ownership misunderstood concepts, leaving Physical Education at
the mercy of other disciplines. The managers just verbalizing what they experience and
observe on the day of his school, and challenge practices of retrograde physical education
teachers, especially those that refer to the professor "ball rolling". However, not only critical
of these practices, but pointed suggestions for improving the quality of physical education at
school. In the chapter about teachers, the reader can identify an interrelationship between the
actions of plan - talk about - so, on what is observable that most teachers have these three
things consistent, and the contents offered by them is systematic for the cycles studied . The
analysis of discourse of the students shows that they reflect in their speech content explained
by their teachers, noticing and questioning when they take ownership of recreationists and
practices do not teach anything in class. Thus, I hope that this research can contribute for the
qualitative increase of the Physical Education at school, and for the legitimation of this
discipline in the school through the identification of the impediments of the proposal of
specific contents and its organization. The teaching contents systematization, configured in
this research, is one of the possible ways for the Physical Education teaching in 1º and 2º
cycles, since it transcribes the result of consolidated and successfuly practices in the school
scope.
Key-words: School, Physical Education, Contents, Systematization.
SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO
13
Capítulo 1
1- SOBRE CONTEÚDOS E SISTEMATIZAÇÃO: O QUE SE DEVE 18
ENSINAR NA ESCOLA?
1.1 As escolas
19
1.2 A Educação Física
21
1.3 Definição de conteúdos e suas dimensões
25
1.3.1 Dimensão procedimental
28
1.3.2 Dimensão conceitual
29
1.3.3 Dimensão atitudinal
30
1.4 Os conteúdos da Educação Física
31
1.5 A sistematização de conteúdos
36
1.5.1 A sistematização de conteúdos nas abordagens da Educação Física
37
1.5.2 Outras propostas
48
1.6 Escola Sarã: o que diz o município de Cuiabá?
52
2.1
2.2
2.2.1
2.3
2.4
2.4.1
2.4.2
2.4.3
2.5
3.1
3.2
3.3
3.4
3.5
Capítulo 2
METODOLOGIA
A natureza da pesquisa
O campo de estudo
As escolas
Os sujeitos
Procedimentos metodológicos: coleta de dados
As entrevistas
As observações
Os documentos
A análise de dados
Capítulo 3
PERCEPÇÕES DOS GESTORES: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS
DADOS
Orientações dos gestores aos professores de suas escolas
Conteúdos específicos orientados pelos gestores
A interdisciplinaridade e o trabalho com projetos na visão dos gestores
Os conteúdos propostos pelos professores de Educação Física segundo
depoimentos dos gestores
Os conteúdos que os gestores acreditam que deveriam ser ensinados nas
aulas de Educação Física
Capítulo 4
PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA:
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
4.1 Os documentos: análise e discussão dos dados presentes nos planejamentos
entregues pelos professores de Educação Física
4.1.1 Como os professores organizam os conteúdos nos planejamentos
4.1.2 Os conteúdos que os professores idealizam
56
56
56
58
65
67
67
68
70
71
73
73
75
88
93
97
103
103
107
110
4.1.2.1 ―Conhecimento de si‖ – o corpo e suas possibilidades de movimento
4.1.2.2 Como os professores utilizam o ―Momento recreativo‖: conteúdo,
metodologia ou prática descontextualizada?
4.1.2.3 Como os professores organizam as brincadeiras populares
4.1.2.4 Como os professores organizam os conteúdos referentes ao ritmo e expressão
corporal
4.1.2.5 O que os professores propõem para a capoeira
4.1.2.6 O que os professores propõem sobre as lutas
4.1.2.7 Como os professores organizam a ginástica
4.1.2.8 O que os professores propõem quanto aos esportes coletivos e o atletismo
4.1.2.9 Conteúdos atitudinais transversais: o que propõem os professores
4.1.2.10 Os conteúdos propostos pelos professores que colocam a especificidade da
Educação Física em jogo
4.2 O que dizem os professores de Educação Física: análise e discussão dos
dados coletados nas entrevistas
4.2.1 O que é ―conteúdo‖ para os professores de Educação Física
4.2.2 Os conteúdos da Educação Física
4.2.3 A sistematização de conteúdos na voz dos professores
4.2.3.1 Os conteúdos para o 1º ciclo
4.2.3.2 Os conteúdos para o 2º ciclo
4.3 A prática docente: o fazer pedagógico do professor de Educação Física
4.3.1 As aulas de Educação Física na escola E1
4.3.2 As aulas de Educação Física na escola E2
4.3.3 As aulas de Educação Física na escola E3
4.3.4 As aulas de Educação Física na escola E4
4.3.5 As aulas de Educação Física na escola E5
4.3.6 As aulas de Educação Física na escola E6
Capítulo 5
A VISÃO DOS ALUNOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
5.1 Os conteúdos da Educação Física aprendidos pelos alunos
5.2 Os conteúdos não aprendidos e as mudanças sugeridas pelos alunos
111
116
125
126
130
131
132
136
138
139
144
145
147
150
154
156
159
159
161
163
165
168
170
176
177
182
CONSIDERAÇÕES FINAIS
186
REFERÊNCIAS
191
APÊNDICE
196
LISTA DE QUADROS
Página
Quadro 1 Organização dos núcleos temáticos e seus respectivos conteúdos
32
Quadro 2 Sugestões de conteúdo programático para programa de educação física 45
escolar direcionados à promoção da saúde
Quadro 3 Distribuição dos temas pelas diversas séries
49
Quadro 4 Subtemas
49
Quadro 5 Proposta de distribuição de conteúdos ao longo das séries escolares em 51
percentuais
Quadro 6 Enturmação dos alunos na Escola Sarã
53
Quadro 7 Conteúdos para 1º e 2º ciclos de formação da rede municipal de Cuiabá
54
Quadro 8 Conteúdos ―Jogos e Brincadeiras‖
83
Quadro 9 Conteúdos ―Dança, Lutas e Capoeira‖
85
Quadro 10 Conteúdo ―Ginástica‖
86
Quadro 11 Conteúdo ―Esporte‖
87
Quadro 12 Diferenças e semelhanças na sala de aula
116
Quadro 13 Conteúdos de jogos de salão e de raciocínio lógico
121
Quadro 14 Conteúdos dos jogos de salão e intelectivos para o 2º ciclo
122
Quadro 15 Ginástica artística: sequência ginástica
135
Quadro 16 Conteúdos atitudinais transversais
138
Quadro 17 O jogo das letras
139
Quadro 18 Resumo dos conteúdos apresentados nos planejamentos
142
Quadro 19 Sequência ginástica
173
Quadro 20 Resumo das análises dos dados dos professores de Educação Física
175
LISTA DE TABELAS
Página
Tabela 1 Delineamento das escolas e sujeitos pesquisados
65
LISTA DE FIGURAS
Página
Figura 1 Blocos de conteúdos da Educação Física
35
Figura 2 Quadra da escola E1 durante uma aula de Educação Física
59
Figura 3 Pátio externo utilizado nas aulas de Educação Física
60
Figura 42- A quadra da escola
61
Figura 5 Pátio coberto utilizado para as aulas de Educação Física
62
Figura 6 Quadra da escola utilizada para as aulas de Educação Física
63
Figura 7 Espaço utilizado para jogos de voleibol com portão de acesso a quadra 63
pequena ao fundo
Figura 8 Quadra coberta da escola utilizada para as aulas de Educação Física
64
Figura 9 Conteúdos Jogos e Brincadeiras
82
Figura 10 Via de acesso pelos resultados
109
Figura 11 Hierarquia para o desenvolvimento dos conteúdos procedimentais da 134
ginástica escolar
Figura 12 Alerta queimada
160
Figura 13 Escravos de Jó
161
Figura 14 Brincadeiras livres
162
Figura 15 Aula de Educação Física na sala de aula
163
Figura 16 Aula de ―condução de bola‖
164
Figura 17 ―Campo minado‖ na sala de aula
165
Figura 18 Jogo de voleibol com balões
166
Figura 19 Dança sênior
167
Figura 20 Jogo de handebol gigante
169
Figura 21 Aula da professora SOL para a Educação Infantil
170
Figura 22 Separação por sexo nas aulas de Educação Física
172
Figura 23 Aula de ginástica olímpica
174
Figura 24 Festival de Ginástica
175
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa é fruto de inquietações pessoais e profissionais que me perseguem desde
o ano de 2003, quando ainda recém-formada em licenciatura plena em Educação Física e
estudante do curso de especialização em Pedagogia do Esporte Escolar. Neste curso, conheci
o esporte escolar de uma forma adequada, ou seja, organizada e distribuída ao longo das séries
da educação básica.
Sabe-se, porém, que a Educação Física escolar atual tem no esporte seu conteúdo
exclusivo, delimitando em bimestres as modalidades esportivas coletivas (voleibol,
basquetebol, handebol e futsal) e reproduzindo o esporte do clube ou da mídia na escola, ou
seja, esporte na escola. A realidade escolar, tratando-se especialmente das escolas públicas,
tem características peculiares e inerentes a cada contexto social, com salas de aulas lotadas e
grupos heterogêneos, não só no sexo e idade, mas nas características físicas e sociais. Então,
deve existir uma Educação Física preocupada com a formação integral do aluno e não apenas
em instituir o esporte na escola! Mas é somente o conteúdo ―esporte‖ que deve ser trabalhado
nas aulas de Educação Física Escolar?
O problema (ou talvez a solução de todos eles) é que a Educação Física é muito ampla
e diversificada e, diferente dos demais componentes curriculares, não possui uma sequência
pedagógica sistematizada para cada nível escolar. O que se observa é uma Educação Física
escolar desenvolvida de forma desorganizada e fragmentada, sem a continuidade e a evolução
necessária ao aprendizado, pautada na repetição dos conteúdos nos diferentes níveis do
ensino, por exemplo, o voleibol trabalhado na 3ª série é o mesmo da 6ª série, que por sua vez
é o mesmo do 2º ano do ensino médio (PAES, 2002).
Neste sentido, como deveriam ser desenvolvidos os conteúdos da Educação Física
escolar? Quais conteúdos deveriam ser ministrados aos alunos dos ciclos iniciais do Ensino
Fundamental (antigas 1ª a 4ª séries)? Por que trabalhar tais conteúdos e não outros? Como
desenvolvê-los nas três dimensões do conteúdo (conceitual, procedimental e atitudinal)? Esses
foram alguns dos questionamentos que permearam meus três anos como docente de uma
escola municipal na cidade de Morro Agudo – SP.
Percebi que os ―colegas‖ professores não sabiam organizar os conteúdos para as
diferentes séries do Ensino Fundamental, e pior, não acreditavam nessa necessidade e muito
menos nessa possibilidade. Mas, eu não podia aceitar estes argumentos, já que havia
aprendido que o Esporte escolar poderia ser sistematizado, e por que não todos os outros
conteúdos da Educação Física? Elaborei minha própria sistematização para as 4ª séries
13
iniciais do Ensino Fundamental, que através de um processo reflexivo, era repensada a cada
ano de prática docente.
Um ponto que me instigou a realizar esta pesquisa foi no sentido de que se eu
organizei os conteúdos para as séries iniciais, supõe-se que todos professores de Educação
Física deveriam construir sua própria organização também. Mas será que os professores
organizam seus conteúdos para as diferentes fases de ensino?
O aspecto relevante para a construção de uma proposta pedagógica que norteie a
Educação Física escolar é a sistematização dos conteúdos, considerando os diferentes níveis
de ensino e a diversificação destes conteúdos. Deve-se obedecer a uma sequência de
aprendizagem, respeitando as características dos alunos em cada faixa etária e trabalhando os
conteúdos de forma organizada e sistematizada (PAES, 2002). A diversificação de
movimentos, das práticas corporais e suas manifestações ampliam o universo de
possibilidades dos alunos, já que a Educação Física escolar dispõe de uma diversidade de
formas de abordagem para a aprendizagem, entre elas as situações de jogo coletivo, os
exercícios de preparação corporal, de aperfeiçoamento, de improvisação, a imitação de
modelos, a apreciação e discussão, os circuitos, as atividades recreativas, enfim, todas devem
ser utilizadas como recurso para a aprendizagem (BRASIL, 1997).
Segundo Ferreira (2000), sistematização é o ―ato ou efeito de sistematizar‖, ou seja,
―reduzir (vários elementos) a um sistema‖. Ainda refere-se a sistema como ―disposição de
partes ou de elementos de um todo, coordenados entre si, e que formam uma estrutura
organizada‖. Assim, sistematizar os conteúdos da Educação Física escolar nada mais é do que
organizá-los de modo coerente em cada nível de ensino.
A cultura escolar indica uma determinada ordem para todas as disciplinas quanto à
sistematização dos conteúdos a serem abordados na escola. A Educação Física não tem seus
conteúdos sistematizados, ou seja, não existem critérios que auxiliem professores na
organização curricular. Já as demais disciplinas adotam livros didáticos que norteiam o
trabalho do professor. Os professores, principalmente os iniciantes, têm dificuldade de
determinar qual conteúdo será aplicado primeiro e em que série (DARIDO; RANGEL, 2005).
Alguns autores escreveram propostas teóricas de organização dos conteúdos da
Educação Física para a Educação Básica, mas acabaram por privilegiar apenas uma dimensão
dos conteúdos, ou ainda, abordaram apenas um conteúdo específico, sendo ainda propostas
divergentes entre si. Cito as propostas de Soares e colaboradores (2003), o modelo
desenvolvimentista de Tani e colaboradores (1988), entre outras.
14
Utilizo como autores de referência César Coll e colaboradores (2000), que abordam as
dimensões do conteúdo (procedimental, atitudinal e conceitual), tão relevante na Educação
Física para desmistificar a ideia de disciplina essencialmente prática. Trabalho ainda com o
conceito de conteúdos de Libâneo (1994) e Zabala (1998) e, principalmente, com autores da
Educação Física que discutem a sistematização de conteúdos, como Darido e Rangel (2005),
Palma e colaboradores (2008), Freire e Scaglia (2003), Oliveira (2004), entre outros autores.
Neste sentido, o objetivo geral desta pesquisa é identificar como os professores da rede
municipal de Cuiabá organizam os conteúdos escolares da Educação Física para os dois
primeiros ciclos do Ensino Fundamental, quais são as orientações recebidas pelos gestores
(coordenadores e diretores) e, ainda, quais conteúdos seus alunos apreendem nas aulas de
Educação Física.
Assim, como objetivo específico foi delimitado a configuração de uma organização
dos conteúdos para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, a partir das percepções
dos gestores e professores pesquisados.
A metodologia de pesquisa é descrita no Capítulo 2. Foram objetos de estudo seis
escolas públicas municipais de Cuiabá-MT, localizadas em bairros distintos da cidade e com
peculiaridades inerentes a cada uma. As escolas foram nomeadas de E1 a E6, conforme a
ordem de seleção (visita às escolas) realizada pela pesquisadora.
Os sujeitos desta pesquisa foram formados por 12 gestores, sendo um coordenador e
um diretor de cada escola. Os professores de Educação Física, em número de 11 e os alunos,
24 sujeitos.
A pesquisa é de natureza qualitativo-descritiva, em que os dados coletados se deram
através de entrevistas semiestruturadas com todos os sujeitos, observações de aula e anotações
em diário de campo das aulas dos professores de Educação Física, além do recolhimento de
documentos elaborados pelos professores, no caso, os planejamentos anuais e semanais.
A análise dos dados é interpretativa, construída em três categorias descritivas de
análise: os gestores, os professores de Educação Física e os alunos.
O primeiro capítulo de análise (Capítulo 3) foi elaborado a partir das análises das
respostas dos gestores. Foram detectadas recorrências nas respostas dos mesmos, originando
assim cinco subitens de análise: as orientações gerais passadas aos professores de Educação
Física; as orientações sobre os conteúdos específicos; a visão dos gestores sobre a
interdisciplinaridade e trabalho com projetos; os conteúdos trabalhados pelos professores de
Educação Física segundo depoimentos dos gestores e os conteúdos que os gestores acreditam
que deveriam ser ensinados nas aulas de Educação Física e não o são.
15
Os gestores trazem contribuições importantes à compreensão da sistematização de
conteúdos, elaborada pelos professores de Educação Física, pois as orientações repassadas ao
professores são, na maioria das escolas pesquisadas, recebidas e aplicadas por eles em suas
aulas. As orientações baseadas em interpretações do Projeto da Escola Sarã nem sempre são
transmitidas em sua essência, levando os gestores a se apropriarem de conceitos mal
compreendidos, deixando a Educação Física a mercê das demais disciplinas.
Os gestores acabam verbalizando aquilo que vivenciam e observam no dia a dia de sua
escola e contestam práticas retrógadas dos professores de Educação Física, principalmente
aquelas que se referem ao professor ―rola bola‖. Porém, não apenas criticam estas práticas,
mas apontam sugestões para a melhoria da qualidade do ensino da Educação Física na escola.
No Capítulo 4 desta dissertação, a partir dos discursos dos professores de Educação
Física, a análise foi dividida em três momentos, perpassando a lógica de uma construção e
execução de uma proposta de sistematização de conteúdos. A ação de planejar foi
determinada como o primeiro procedimento do professor de Educação Física, ou seja, a
primeira análise corresponde a dos planejamentos entregues por estes professores. O segundo
passo foi o ―falar sobre‖, especificamente, a análise das entrevistas. E por fim, a análise das
aulas observadas desses professores, entendendo esta, como a última ação, ou seja, colocar em
prática o que já foi elaborado.
O leitor poderá identificar um entrelaçamento entre as ações de planejar – falar sobre –
fazer, no qual é observável uma coerência entre essas três ações, sendo que os conteúdos
propostos pelos professores são sistematizados para os ciclos pesquisados. Estes professores
correspondem aos que disponibilizaram seus planejamentos para a pesquisa, subentendendose que os demais não elaboraram/planejaram suas aulas, apresentando maior distorção entre o
―dizer e fazer‖.
Neste capítulo também apresento a construção de uma proposta de sistematização, a
partir dos dados apresentados das pesquisas realizadas pelos professores de Educação Física ,
mais concreta para 1º e 2º ciclos, sendo pouco delimitada a divisão por etapas, ou seja, os
professores oferecem conteúdos similares para as etapas constituintes de um ciclo de
aprendizagem.
O Capítulo 5 é destinado a ouvir o que os alunos destes professores pesquisados têm a
dizer sobre os conteúdos apreendidos durante as aulas, pois, assim, a sistematização de
conteúdos poderá ser compreendida num âmbito maior, enxergando não apenas o que os
professores de Educação Física, construtores deste processo, têm a dizer sobre os conteúdos
16
ensinados, mas verificar a influência direta que os gestores têm neste processo, bem como a
visão dos alunos.
O interessante é que os alunos refletem em suas falas os conteúdos explicitados pelos
seus professores, percebendo e questionando quando os mesmos se apropriam de práticas
recreacionista e não ensinam nada durante as aulas.
Assim, espero que esta pesquisa possa contribuir para o salto qualitativo da Educação
Física escolar e para a legitimação da disciplina na escola através da identificação dos
entraves constituintes da proposição de conteúdos específicos e sua organização. Creio que a
sistematização de conteúdos configurada nesta pesquisa é um dos possíveis caminhos para o
ensino da Educação Física dos 1º e 2º ciclos, já que transcreve o resultado de práticas
consolidadas e bem sucedidas no âmbito escolar.
17
Capítulo 1
SOBRE CONTEÚDOS E SISTEMATIZAÇÃO: O QUE SE DEVE ENSINAR NA
ESCOLA?
A discussão primordial deste texto é a sistematização de conteúdos da Educação
Física, especificamente para as etapas iniciais do ensino fundamental. Para se compreender a
sistematização é necessário definir quais são os conteúdos da Educação Física e, por
conseguinte, a definição do que sejam conteúdos.
É pertinente iniciar pela contextualização das aulas de Educação Física discorrendo
sobre seu papel na escola, seus conteúdos de ensino, até a sistematização dos mesmos. Este
caminho é um pouco extenso e repleto de pensamentos divergentes entre si, complementares
talvez, mas necessários para determinarmos a posição teórica assumida nesta pesquisa.
Apoiada por autores da pós-modernidade considero que vivemos numa ―sociedade
líquido-moderna‖, como nomeia Zygmunt Bauman (2007), ou ―sociedade da decepção‖,
segundo Gilles Lipovetsky (2007).
A sociedade líquido-moderna, em que habitam os chamados consumidores (nós), é
uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo
mais curto do que aquele necessário para sua consolidação, em hábitos e rotinas, as formas de
agir. A vida na sociedade líquido-moderna não pode manter a forma ou permanecer em seu
curso por muito tempo. As realizações individuais não podem solidificar-se em posses
permanentes. Prever tendências futuras a partir de eventos passados torna-se cada dia mais
arriscado e frequentemente enganoso. É uma vida precária, vivida em condições de incerteza
constante (BAUMAN, 2007).
Nessa sociedade está cada dia mais difícil construir e manter relações sólidas.
Segundo Bauman (2003), antes o trabalho era uma vocação ou missão de vida, mas se tornou
frágil e quebradiço. Não há empregos permanentes e nem indispensáveis. Nada permanece o
mesmo durante muito tempo. Nada dura o suficiente para ser absorvido. O vendedor local foi
substituído por vozes eletrônicas e ícones sem nome e sem rosto na internet.
É nesta sociedade em que vivemos. É onde vivem nossas crianças. É onde estão
inseridas nossas escolas, tanto públicas quanto particulares. É a realidade que permeia as aulas
de Educação Física escolar também.
18
1.1 As escolas
A sociedade (imaginária) era pensada como uma comunidade de cuidados e
compartilhamentos em que poderia recorrer em caso de problemas; mas a sociedade perdeu
com a globalização sua aparência ―paternal‖, pois não cumpriu (e não cumpre) suas
promessas de um lar seguro, exigindo mais flexibilidade e que as pessoas procurem por si a
sobrevivência, o progresso e vida digna. Num mundo individualizado e privatizado, a
segurança depende de cada indivíduo e não da sociedade (BAUMAN, 2007).
Antigamente, os povoados se fechavam do mundo exterior com muralhas e fossos,
ficando os inimigos do lado de fora. Hoje, há uma inversão, nas cidades convivem amigos e
inimigos, e os perigos e riscos agora estão dentro da cidade. Bauman (1999; 2007) diz que a
saída encontrada são as ―comunidades fechadas‖ que supõem ―invisibilidade‖ e
―intimidação‖, com uma arquitetura do medo se espalhando por espaços privados e até
públicos.
As escolas também são um exemplo de ―comunidade fechada‖. Cercadas por muros,
vigiadas por câmeras e seguranças, regras rígidas... A liberdade é cerceada em troca da
segurança. Escolas públicas preferem não ter salas de informática para seus alunos, evitando
assim serem vítimas de ladrões.
Em uma das escolas pesquisadas, a primeira impressão que ficou foi de um ―presídio‖,
toda murada, com apenas um acesso de entrada. O prédio onde ficam as salas de aula é
completamente fechado, com a porta de entrada trancada constantemente. O único tempo
livre, em que as crianças saem deste local, é durante as aulas de Educação Física ou na hora
do recreio. Mesmo assim, no recreio, apenas as crianças maiores podem sair deste prédio.
Outra
característica
encontrada
nas
escolas
atuais
é
a
transferência
de
responsabilidades da educação familiar para a escola. Percebemos que as famílias não
constroem mais relações sociais seguras, duradouras e confiáveis.
Os vínculos familiares se afrouxaram devido ao tempo que os pais passam fora de casa
e à inversão de autoridade (crianças tornaram-se especialistas em compras e tomam decisões a
esse respeito). Bauman (2007) nos mostra que os processos de consumismo desestabilizaram
as instituições de formação de identidade (família, escola, igreja, etc.) e produziram um vácuo
que não se preocupou em preencher.
Será que é dever do professor assumir a educação moral, responsabilidade das
famílias? Postman (2002, p. 141) afirma que:
19
―(...) o fato inegável é que não há nada na formação ou educação dos professores
que os qualifique para fazer o que outras instituições têm obrigação de fazer. Fique
claro, aliás, que neste argumento a expressão ‗professores despreparados‘ não quer
dizer que os professores não sabem fazer seu trabalho. Quer dizer que não podem
fazer o trabalho de todo mundo‖.
Neste sentido, qual será a função da escola? Para Neira (2006), a escola tem a função
de divulgar criticamente a toda a sociedade os bens culturais acumulados pelo trabalho, pela
reflexão, pela ciência, tecnologia e outras fontes. E, complementa, que a escola deve fazer
isso criando condições para o desenvolvimentos integral máximo dos educandos, para
enfrentarem o mundo do exercício profissional, da ciência, cultura, arte, religião, economia e
política como cidadãos conscientes.
A escola conserva simultaneamente os bens culturais significativos até então
acumulados e cria condições para que eles sejam inovados. Deve proporcionar aos alunos os
meios necessários para entender o mundo em que vivem e o momento histórico em que se
situam, além de elevar o nível cultural de toda a população, o que só acontecerá se todos
puderem passar pelos seus portões (NEIRA, 2006).
Baseando-se no relatório da Comissão Internacional para o Desenvolvimento da
Educação da UNESCO, Neira (2006, p. 56) discorre sobre os papéis da Educação, sendo o
primeiro ―proporcionar o encaminhamento dos indivíduos para um humanismo cientifico,
pois uma nova forma de educação se apresenta sobre a formação científica e tecnológica‖.
Neste sentido, propõe-se um pensamento e uma linguagem científica em que se recusa toda a
ideia preconcebida, subjetiva e abstrata do homem; as regras da objetividade — saber que
todo conhecimento é o ponto de partida de uma nova conquista, e decidir e agir quando for o
caso, mas não formular julgamentos antes de verificar —; a relatividade dialética e a
formação do espírito científico.
O segundo papel da educação seria o estímulo da criatividade através do debate entre a
segurança e aventura, a procura de novos valores e a ação e reflexão. O terceiro papel para a
educação na sociedade seria o estabelecimento de um compromisso social, sendo composto
por uma educação política, uma prática democrática e uma participação — é função do
cidadão exercer seus poderes em todos os níveis da vida social e em todas as etapas da vida
(NEIRA, 2006).
Para Libâneo (1992), dentre os principais objetivos da escola está a formação de
sujeitos capazes de produzir a democratização da sociedade, consistindo na conquista das
condições materiais, sociais, políticas e culturais, possibilitando, assim, a ativa participação de
todos na direção da sociedade.
20
É preciso reconhecer que a atividade educacional profissional e institucionalizada na
escola pressupõe o ensino, ou seja, a transmissão de um conteúdo específico e dentro de um
contexto hierarquizado pela posse de determinados conhecimentos e mesmo de um papel
social muito diferenciado entre professor e alunos. Assim, o papel da escola é conservar e
transmitir os conteúdos culturais de uma civilização ou nação, além de preparar a passagem
do privado (família) para o público (política/cidadania), viabilizando sua inserção e ação no
mundo, através da qualificação da capacidade de interlocução. (CARVALHO, 1996, apud
GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2009)
1.2 A Educação Física
A aula de Educação Física não está alheia aos fatos e acontecimentos que permeiam a
sociedade atual, muito menos aos desafios e percalços das realidades escolares. A vantagem
desta disciplina é a de tornar possível a aproximação dos corpos e, consequentemente, a
construção de relações mais sólidas entre alunos e alunos e entre professor e alunos.
Entretanto, a insistência em pedagogias inadequadas e conteúdos repetitivos nas aulas
de Educação Física, aliadas ao descaso com o planejamento escolar, contribuem para um
distanciamento e desânimo dos alunos.
Há algum tempo as aulas de Educação Física deixaram de ser sinônimo de ―quadra e
bola‖ para se tornarem referência como possibilidade de formação de um ser humano integral.
No corpo fica gravado todo conhecimento culturalmente adquirido, e sendo ele ―movimento‖,
a Educação Física, na escola, tem o papel fundamental de discernir e ressignificar as
experiências da vida cotidiana.
Gomes (2008) enfatiza a necessidade de uma releitura desse corpo como objeto de
conhecimento que precisa relacionar-se com outras ciências ou áreas de conhecimento para se
fazer aceita por uma civilização que não cessa de consumir. A Educação Física, além de
proporcionar diferentes formas de agir e movimentar o corpo, é também espaço de reflexões
sobre a sociedade, a estética, o corpo, a cultura, o consumo, e outras. É o agir de um corpo
que não apenas se movimenta, mas pensa, sente e age.
A vivência das práticas corporais pode ser ampliada pelo conhecimento sobre o que se
pratica, como se dá esta prática e a reflexão sobre as atitudes possíveis nas diversas situações
de ensino-aprendizagem, buscando respostas mais complexas para questões específicas.
21
O professor de Educação Física precisa atentar aos temas relevantes para os alunos e a
sociedade, revendo-os cientificamente, tratando-os pedagogicamente em suas aulas. Deste
modo, a aprendizagem se tornará mais significativa aos alunos.
Ainda, o professor de Educação Física já não pode mais ser aquele especialista em
determinado conteúdo ou esporte, ele precisa estar ―antenado‖ no mundo, diversificando e
contextualizando sua prática docente e suas aulas com a vida cotidiana.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais entendem
―a Educação Física como uma área de conhecimento da cultura corporal de
movimento e a Educação Física escolar como uma disciplina que introduz e integra
o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la,
reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir dos jogos, dos
esportes, das danças, das lutas e das ginásticas em benefício do exercício crítico da
cidadania e da melhoria da qualidade de vida.‖ (BRASIL, 1998, p. 29).
Apesar de a Educação Física, por lei, constituir-se como componente curricular
obrigatório, Neira (2006, p. 37) afirma que a disciplina só adquirirá o mesmo patamar dos
outros componentes curriculares ―quando sua prática se apresentar contribuinte à formação do
cidadão, enquanto persistirem discursos magoados e práticas desprovidas de coerência, nos
distanciaremos cada vez mais‖. Sobre a função da Educação Física acrescenta que:
―(...) a Educação Física não deve abrir mão de sua função constituinte da formação
ética do indivíduo. Uma vez que sua forma de agir nas aulas se dá, sobretudo, em
contato com as demais, estaremos todos imersos e submetidos ao emprego de
comportamentos sociais, ressaltando nessa mobilização o desenvolvimento de
nossas dimensões competentes no lidar cotidiano com o ambiente. No caso
específico do componente estariam envolvidos os conflitos éticos gerados pela
cultura corporal de movimento: a competição e cooperação, ao conhecimento dos
limites e possibilidades do próprio corpo e sua aceitação, à autodisciplina, ao
aprendizado e respeito às regras, a utilização ou não de substâncias estranhas à
prática esportiva, o comportamento antiesportivo, etc.‖ (NEIRA, 2006, p. 53)
.
O cenário atual da Educação Física escolar aponta que a disciplina ainda não consegue
cumprir seu papel na formação dos alunos, como preconizou Neira anteriormente, pois ainda
é comum nos depararmos com práticas descontextualizadas ou retrógradas, utilizando
métodos e técnicas comuns a outros momentos históricos da Educação Física, como aulas de
características esportivistas ou militaristas, nas quais o ―saber se movimentar‖ é
preponderante. Porém, as discussões sobre a Educação Física escolar foram ampliadas na
última década, surgindo diversas tendências que tentam legitimar a disciplina na escola,
através da proposição de conteúdos significativos e metodologias de ensino que levam o aluno
22
a pensar, criticar, discutir, construir e repensar sua própria ação no contexto da cultura
corporal.
Darido e Rangel (2005) dialogam que cada contexto escolar possui suas
particularidades, e isso, determinará a opção do professor pela metodologia apropriada.
Entretanto, essa escolha metodológica deve ser constantemente refletida, pois o professor
além de pensar sobre as ações e reações de seus alunos (interação professor x alunos), ele faz
parte de uma realidade escolar e de uma sociedade, ou seja, de uma cultura escolar.
Devemos considerar ainda que, o trabalho de um professor de Educação Física exige
que ele gerencie um contexto permeado por diversas ações e decisões ao mesmo tempo, por
exemplo, em apenas uma aula ele precisa administrar: o tempo de aula, o espaço, o número de
alunos, as brigas, o barulho, os pequenos acidentes que podem acontecer, a falta de material, o
conteúdo, o processo ensino-aprendizagem, os outros aluno que já estão esperando a próxima
aula, etc. Enfim, com tantas informações, seu trabalho acaba se tornando mecânico, seja pela
quantidade de aulas que precisa planejar e administrar, ou pelas condições de trabalho que
enfrenta. Percebemos que ensinar não é uma tarefa tão simples quanto parece ser, é necessário
que o aluno esteja aprendendo algo ou ampliando seu conhecimento, mas como fazê-lo?
Para Dias da Silva (1995, apud DARIDO; RANGEL, 2005) existem três aspectos
importantes envolvendo o ato de ensinar: o domínio do conteúdo e metodologia, o
envolvimento e apropriação da realidade dos alunos e o caráter reflexivo do trabalho docente.
Na perspectiva do ensino reflexivo, a ampliação das relações entre o conhecimento
científico e prático (teoria e prática) se dá através da investigação, da experimentação, da
reflexão crítica entre a prática e a reflexão sobre a prática, com o objetivo de mobilizar os
diversos tipos de saberes: de uma teoria especializada, de uma prática reflexiva e uma
militância pedagógica (RAMOS, 2002).
Na formação continuada, quanto a reflexão propriamente dita, ela caracterizaria o
professor como um investigador no ambiente de aula, que utilizaria para seu próprio
aprimoramento profissional. A reflexão serviria para uma espécie de formação contínua
durante a prática docente (DARIDO; RANGEL, 2005).
Ao pensar no professor como um prático reflexivo, temos que levar em conta sua
experiência que reside na prática diária. O professor deve considerar a importância de refletir
em seu próprio dia-a-dia. A reflexão também permite aprender que ensinar é uma
competência que aprendemos e melhoramos durante toda nossa carreira docente, sendo mais
importante que nossa formação inicial. Isso porque no máximo um professor pode ser
23
preparado para o início da sua carreira, tentando antecipar elementos do processo de ensino e
aprendizagem durante sua formação (DARIDO; RANGEL, 2005).
O professor que atua na escola deve ser um professor reflexivo, ou seja, deve refletir o
tempo todo sobre suas ações, construindo e comparando novas estratégias de ação, novas
formas de pesquisa, novas teorias e categorias de compreensão. O professor de Educação
Física reflexivo é aquele que reflete antes (conhecimento na ação), durante (reflexão na ação)
e após a aula (reflexão sobre a ação). A proposta de Schön (1992, apud DARIDO; RANGEL,
2005) descreve estes três momentos: o conhecimento na ação, que acontece antes do professor
iniciar sua aula; nesse momento, ele reflete sobre as possibilidades humanas e materiais que
possui; a reflexão na ação: acontece no decorrer da aula, possibilitando a tomada de decisões
diante dos problemas que vão surgindo; e a reflexão sobre a ação: após a aula e um certo
tempo depois, o professor analisa os acontecimentos ocorridos, as decisões tomadas, o que
faltou para que a aula fosse melhor, enfim, o que deu certo ou errado.
Nesse modelo, o professor reflete o tempo todo sobre suas ações, construindo assim,
novas estratégias, teorias e maneiras de enfrentar e definir os problemas, tornando-se um
investigador e pesquisador de sua própria prática. Assim, o professor se torna investigador da
própria prática profissional, se torna um pesquisador e não apenas um ―consumidor de
pesquisas‖.
Por isso, encontraremos professores que dirão ―esse negócio de construtivismo não dá
certo não. Esses teóricos não conhecem a realidade da escola e querem impor como devemos
trabalhar!‖. Na realidade, não dá certo mesmo porque a proposta foi construída com base em
estudos para determinada realidade, e dificilmente o professor conseguirá reproduzi-la. Ele
deve adaptá-la a sua realidade, questionando os conceitos, reproduzindo o que dá certo e
construindo assim seu próprio saber.
A produção de saberes, então, tem uma dimensão bilateral, ou seja, a produção do
conhecimento não deve vir apenas de ―cima para baixo‖, da Universidade para a escola, mas
também de ―baixo para cima‖, do professor para a Universidade. O professor reflexivo é
capaz de digerir os conhecimentos produzidos na Universidade, aproveitar em sua prática
docente o que considera aplicável, questionando estes novos saberes e, a partir destes,
produzir novos conhecimentos. Estes novos conhecimentos devem ser devolvidos a
Universidade, na forma de apresentação em eventos científicos da área, no formato de relato
de experiência.
Assim, Neira (2009, p. 73) afirma que
24
Ensinar Educação Física é um ato dinâmico e permanente de conhecimento centrado
na descoberta, análise e transformação da realidade por aqueles que a vivenciam.
Com isso, pretende-se não só, a valorização identitária, como também, a ampliação
cultural e o reconhecimento das diferenças. Tamanho diálogo cultural contribuirá
para a construção do autoconceito positivo e respeito com o outro, elementos
indispensáveis a uma relação verdadeiramente democrática.
Para finalizar, Moreira (2009) aponta possibilidades que poderão ser utilizadas para
nortear as aulas de Educação Física no Ensino Fundamental, sugerindo cinco pontos que
podem e devem fazer parte do contexto da Educação Física escolar. O primeiro ponto é o
processo de inclusão, que se baseia na presença constante de todos os alunos em aulas de
Educação Física.
Segundo, problematização para gerar soluções, ou seja, o professor deve
―problematizar as atividades para que os alunos possam construir suas próprias soluções a
partir de experiências motoras próprias, não existindo padrões a se alcançar, ou ainda,
equiparação entre os alunos.‖ (MOREIRA, 2009, p. 103). Outro ponto é a adaptação à
diversidade de alunos e atividades, lembrando que nem todos os alunos conseguem executar
as atividades propostas e atingir os objetivos propostos para a aula. O professor deve adaptar
as atividades em função do aluno, e não o contrário, respeitando assim a condição
diferenciada de cada um.
O quarto ponto levantado por Moreira (2009) é a utilização dos meios de
comunicação e tecnologia como recurso educativo, destacando que é de essencial
importância num mundo cada vez mais informado. O último ponto é a corresponsabilidade
pela prática, em que o professor precisa estabelecer uma relação de parceria com as turmas,
analisando previamente o contexto em que está inserido e diagnosticando as reais
necessidades do grupo de alunos, para depois tomar a decisão mais acertada.
1.3 Definição de conteúdos e suas dimensões
Historicamente, podemos distinguir duas tendências opostas em relação ao tratamento
do conteúdo, seja pela definição, seja pela importância que lhe atribuem. A visão mais
tradicional de ensino atribui aos conteúdos um papel central no ensino e aprendizagem dos
alunos, pois supõe a transmissão cumulativa de conhecimentos. Em contraposição, uma visão
mais progressista está associada a uma interpretação cognitiva e construtivista da
aprendizagem. Neste sentido, esta proposta acaba por minimizar e relativizar a importância
dos conteúdos, no qual o aluno é o centro da aprendizagem e o professor é o facilitador desse
processo (COLL ET AL, 2000).
25
Coll e colaboradores (2000, p. 11) ―defende uma interpretação radicalmente
construtivista do ensino e da aprendizagem e sustenta, ao mesmo tempo, que os conteúdos
desempenham um papel decisivo na educação escolar‖. Essas proposições se baseiam na atual
reforma da proposta curricular espanhola, que ao mesmo tempo em que destaca o papel da
atividade construtiva do aluno, confere uma importância considerável à aprendizagem de
determinados conteúdos específicos, destacando a influência educativa do professor.
Mas, afinal, o que são conteúdos? De forma sucinta, Soares e colaboradores (1992,
p.64) definem ―os conteúdos são conhecimentos necessários à apreensão do desenvolvimento
sócio-histórico das próprias atividades corporais e à explicitação das suas significações
objetivas‖. Ainda considera em sua obra o termo ―conteúdo‖ como sinônimo de
―conhecimento‖.
Sobre o termo ―conteúdo‖, Neira (2006, p. 61) entende como ―tudo quanto se tem que
aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades
cognitivas, como também, incluem as demais capacidades‖. Os conteúdos não se reduzem
apenas às contribuições das disciplinas/matérias, mas possibilitam também o desenvolvimento
de capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e inserção social.
Para Libâneo (1994, p.128), os conteúdos de ensino são o conjunto de
―conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação social,
organizados pedagógica e didaticamente, tendo em vista a assimilação ativa e aplicação pelos
alunos na sua prática de vida‖.
Complementando a definição de Libâneo (1994), Coll e colaboradores (2000, p. 12)
afirmam que ―os conteúdos designam o conjunto de conhecimentos ou formas culturais, cuja
assimilação e apropriação pelos alunos são consideradas essenciais para o seu
desenvolvimento‖. E ainda:
Em primeiro lugar, os conteúdos são uma seleção de formas ou saberes culturais em
um sentido muito próximo, àquele que é dado a essa expressão na antropologia
cultural: conceitos, explicações, raciocínios, habilidades, linguagens, valores,
crenças, sentimentos, atitudes, interesses, modelos de conduta, etc. Em segundo
lugar, são uma seleção de formas ou saberes culturais cuja assimilação é considerada
essencial para que se produza um desenvolvimento e uma socialização adequada dos
alunos e alunas dentro da sociedade a qual pertencem; isso quer dizer que nem todos
os saberes ou formas culturais são suscetíveis de constar como conteúdos
curriculares, mas somente aqueles cujas assimilações e a apropriação são
consideradas fundamentais. E, em terceiro lugar, aplica-se ainda um critério de
seleção complementar, na medida em que somente os saberes e as formas culturais
cuja assimilação correta e plena requer uma ajuda específica deveriam ser incluídos
como conteúdos de ensino e de aprendizagem nas propostas curriculares. (COLL ET
AL, 2000, p.13)
26
Para Libâneo (2002, p.15), os elementos constitutivos dos conteúdos de ensino
referem-se aos conhecimentos sistematizados, selecionados das bases das ciências e dos
modos de ação acumulados pela experiência social da humanidade e organizados para serem
ensinados na escola; são habilidades e hábitos, vinculados aos conhecimentos, incluindo
métodos e procedimentos de aprendizagem e de estudo; são atitudes, convicções, valores,
envolvendo modos de agir, de sentir e de enfrentar o mundo.
Zabala (1998) alerta que o termo ―conteúdo‖ normalmente foi utilizado para expressar
aquilo que se deve aprender, porém em relação quase exclusiva aos conhecimentos das
disciplinas clássicas, quase sempre fazendo alusão a nomes, conceitos, teoremas e enunciados.
O autor pondera sobre a necessidade de entender o termo ―conteúdo‖ como:
―(...) tudo quanto se tem que aprender para alcançar determinados objetivos que não
apenas abrangem as capacidades cognitivas, como também incluem as demais
capacidades. Deste modo, os conteúdos de aprendizagem não se reduzem
unicamente às contribuições das disciplinas ou matérias tradicionais. Portanto,
também serão conteúdos de aprendizagem todos aqueles que possibilitem o
desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de
inserção social‖. (ZABALA, 1998, p. 30).
No debate sobre os conteúdos escolares, quando há afirmações de que os conteúdos
têm peso excessivo no ensino-aprendizagem dos alunos, essa referência é relativa a apenas
um tipo de conteúdo, ou seja, os fatos e conceitos. Essa assertiva é equivalente na disciplina
de Educação Física ao uso excessivo de atividades práticas, com bola.
As aulas de Educação Física têm privilegiado os conteúdos de ordem procedimental,
essencialmente práticos, tendo uma presença desproporcional em relação aos fatos, conceitos
ou atitudes. Coll e colaboradores (2000) sugerem que os professores organizem sua prática
docente em torno de todos esses tipos de conteúdos, ou seja, os procedimentos, os fatos e
conceitos e as atitudes.
Esta classificação responde a três perguntas: ―o que se deve saber?‖, ―o que se deve
saber fazer?‖ e ―como se deve ser?‖, com o intento de atingir as capacidades propostas nas
finalidades educacionais (ZABALA, 1998). Assim, ao estruturar as propostas curriculares em
torno destes três tipos de conteúdos, os professores podem organizar a sua prática docente,
sendo orientados para a maneira mais adequada de proceder. O que também não quer dizer
que esta classificação deve ser interpretada de maneira rígida (COLL ET AL, 2000).
Segundo Neira (2006), a tipologia de conteúdos pode servir de instrumento para
definir as diferentes posições sobre o papel que o ensino deve ter. Assim, ao buscar a
formação integral dos alunos, a presença de diferentes tipos de conteúdos deve ser
equilibrada.
27
Essa classificação não deve ser interpretada de forma rígida e um mesmo conteúdo
pode ser abordado numa perspectiva factual, conceitual, procedimental ou inclusive atitudinal
ao mesmo tempo.
1.3.1 Dimensão procedimental
A dimensão procedimental dos conteúdos na disciplina de Educação Física é a mais
utilizada pelos professores da escola, pois se caracteriza como ―natural‖, inerente à área. Isso
não é novidade e nem motivo de espanto, já que a nossa área tem como objeto de estudo a
cultura corporal de movimento. As aulas práticas, com vivências de diversas atividades, jogos
e exercícios são características do trabalho com esta dimensão do conteúdo. Incluem-se aqui
todas as vivências possíveis dentro de cada conteúdo.
Os conteúdos procedimentais incluem as regras, as técnicas, os métodos, as destrezas
ou habilidades, as estratégias, os procedimentos, ou seja, um conjunto de ações coordenadas
dirigidas para a realização de um objetivo. A realização da ação que compõe o procedimento
é condição fundamental para a aprendizagem, pois, ―as ações se aprendem, fazendo-as‖
(NEIRA, 2006, p. 66). O autor complementa que a ―vivência prática e diversificada é o
elemento imprescindível para o domínio competente nos conteúdos procedimentais‖.
Coll e colaboradores (2000) dizem que o que se propõe para a aprendizagem dos
alunos são conjuntos de ações que conforme realização tem a finalidade de atingir
determinadas metas. Assim, trabalhar os procedimentos significa revelar a capacidade de
saber fazer, saber agir de maneira eficaz. Os autores complementam:
Trata-se sempre de formas determinadas e concretas de agir, cuja principal
característica é que não são realizadas de forma arbitrária ou desordenadas, mas de
maneira sistemática e ordenada, uma etapa após a outra e que essa atuação é
orientada para a consecução de uma meta. (COLL ET AL, 2000, p. 78)
Para Zabala (1998), apesar de estes conteúdos terem como denominador comum o fato
de serem ações ou conjunto de ações, a aprendizagem de cada um deles tem características
bastante específicas. Apesar disso, em termos gerais, pode-se dizer que os conteúdos
procedimentais são apreendidos a partir de modelos especializados, nos quais a realização das
ações que compõem o procedimento ou a estratégia é o ponto de partida.
28
1.3.2 Dimensão conceitual
Os fatos e conceitos são tradicionalmente o que se entendeu (e ainda se entende) como
―conteúdos‖ do ensino, sendo objeto da maior parte das avaliações realizadas nas salas de
aula. Coll e colaboradores (2000, p. 19) discorrem que:
―Essa distinção entre três tipos de conteúdos deve envolver também mudanças
significativas na funcionalidade e no valor educacional dos fatos e conceitos como
conteúdos escolares. No entanto, tais mudanças não representam uma redução da
importância dos conteúdos tradicionais e, sim, mais uma reconsideração do seu
papel na educação. Não consiste em eliminar os conceitos e fatos do currículo,
embora em algum caso suponha uma redução do tempo dedicado aos mesmos, mas
estabelecer uma relação complementar, de dependência mútua, entre os diversos
tipos de conteúdos.‖
Os conteúdos conceituais englobam os fatos, os conceitos e os princípios. Os fatos se
referem ao conhecimento de fatos, acontecimentos, situações, dados e fenômenos concretos e
singulares, como nomes, idades, determinados momentos (ZABALA, 1998).
Segundo Neira (2006, p. 64), os conceitos e princípios são termos abstratos, sendo que
os conceitos se referem a um conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características
comuns, como exemplo, grande, pequeno, rolamento, etc. Os princípios ―se referem às
mudanças que se produzem num fato, objeto ou situação em relação a outros fatores, objetos e
situações e que normalmente descrevem relações de causa-efeito ou de correlação‖. As regras,
leis, velocidade e peso de objetos, são exemplos de princípios.
Zabala (1998) alude que os conceitos e princípios, por se tratarem de temas abstratos,
requerem uma compreensão do significado, assim sendo, um processo de elaboração pessoal.
Seguindo esta lógica, os fatos devem ser ensinados antes dos conceitos e princípios, ou seja,
do concreto para o abstrato.
Os conteúdos conceituais sempre fizeram parte das aulas de Educação Física escolar,
porém em proporções bem menores que os da dimensão procedimental. Está muito presente
na iniciação às modalidades esportivas, destacada pela história de cada esporte.
As aulas de Educação Física chamadas de ―teóricas‖ sofriam (e ainda sofrem) muitos
preconceitos por parte dos alunos, professores de outras áreas e gestores da escola que estão
acostumados a ver a disciplina como essencialmente prática. Pressuponho que as aulas
essencialmente teóricas devam acontecer em local apropriado, em sala de aula específica e
com os recursos pedagógicos necessários. Digo essencialmente teóricas porque em todas as
aulas essa dimensão está presente, seja para a explicação de um jogo que acontecerá durante a
aula ou o conceito sobre a capacidade física realizada. Não importa. Só não podemos esquecer
29
que os fatos e conceitos, decorrentes de estudos científicos, são relevantes para a
aprendizagem global de um determinado conteúdo.
1.3.3 Dimensão atitudinal
A assertiva anterior concerne também à dimensão atitudinal do conteúdo. A questão
―como se deve ser?‖ se faz presente no currículo oculto da escola, ou seja, são aprendizagens
que se realizam na escola, mas que não aparecem de forma explícita nos programas de ensino.
Como estes programas têm se centrado nas disciplinas escolares, tudo aquilo que
indiscutivelmente se aprende na escola e que não se pode considerar nos compartimentos
destas disciplinas, não tem aparecido e nem sido objeto de avaliações explícitas (ZABALA,
1998).
Zabala (1998) discorre que quando se opta por uma definição de conteúdos de
aprendizagem ampla e não restrita aos conteúdos disciplinares, o currículo oculto pode se
tornar manifesto, podendo-se assim avaliar sua pertinência como conteúdo expresso de
aprendizagens e de ensino.
Os conteúdos da dimensão atitudinal podem ser agrupados em valores, atitudes e
normas. É comum ouvirmos dos professores de Educação Física, por exemplo, que precisam
trabalhar mais a socialização e a cooperação com seus alunos. O que isso significa? Expressa
a necessidade de explorar mais os conteúdos atitudinais em suas aulas.
Os valores se referem a princípios ou ideias éticas que permitem as pessoas emitir um
juízo sobre as condutas e seu sentido. São exemplos de valores: solidariedade, respeito ao
próximo, responsabilidade, cooperação, etc. Para Zabala (1998, p. 47), considera-se que uma
pessoa adquiriu um valor quando este foi interiorizado, sendo ―elaborados critérios para tomar
posição frente àquilo que se deve considerar positivo ou negativo, critérios morais que regem
a atuação e a avaliação de si mesmo e dos outros‖.
Sobre as atitudes, Zabala (1998) diz que são tendências ou predisposições
relativamente estáveis das pessoas para atuar de certa maneira, sendo a forma como cada um
realiza sua conduta de acordo com determinados valores. Como exemplo de atitudes, o autor
cita: cooperar com o grupo, ajudar os colegas, respeitar o meio ambiente, participar das
tarefas escolares, etc.
Sobre as normas, o autor diz que são padrões ou regras de comportamento que
devemos seguir em determinadas ocasiões a que se sujeitam todos os membros de um grupo
social. As normas constituem a forma pactuada de realizar certos valores compartilhados por
30
uma coletividade e indicam o que pode se fazer ou não pode se fazer neste grupo. E
complementa:
―Como podemos notar, apesar das diferenças, todos estes conteúdos estão
estreitamente relacionados e têm em comum que cada um deles está configurado por
componentes cognitivos (conhecimentos e crenças), afetivos (sentimentos e
preferências) e condutuais (ações e declarações de intenção). Mas a incidência de
cada um destes componentes se dá maior ou menor grau segundo se trate de um
valor, uma atitude ou uma norma.‖ (ZABALA, 1998, p. 46-47).
Dentro da dimensão atitudinal, a meu ver, existem ainda duas subcategorias de
conteúdos atitudinais: os específicos de cada conteúdo e os transversais. Os específicos são
aqueles inerentes a um determinado conteúdo, por exemplo, valorização do patrimônio de
jogos e brincadeiras, atitudes não-discriminatórias ao homem dançar, compreensão da
filosofia das lutas (atitudes de não violência) ou o respeito aos limites do próprio corpo.
O conteúdo atitudinal transversal é aquele que não é específico de nenhum conteúdo e
muito menos da Educação Física, devendo ser trabalhado por todas as disciplinas. Aqui
entram conteúdos como a socialização, cooperação, respeito ao próximo, trabalho em grupo,
resolução de problemas, autonomia, participação, organização, etc.
1.4 Os conteúdos da Educação Física
Em 2008, Betti e Sanches Neto propõem em seu texto uma integração dos
conhecimentos em Educação Física através de uma convergência entre as diversas tendências,
tanto em relação às áreas de estudos científicos como às abordagens para a Educação Física
Escolar (incluindo os PCNs), afirmando ser uma condição necessária para o avanço da prática
pedagógica na Educação Física. Propõem quatro blocos de conteúdos temáticos: elementos
culturais da Motricidade; aspectos pessoais e interpessoais relacionados e integrados à
Motricidade; movimentos fundamentais, combinados e especializados; e adequação da
Motricidade às demandas ambientais.
O primeiro bloco, elementos culturais da motricidade, corresponde as Brincadeiras e
Jogos, Esporte, Dança, Ginástica e Circo, Luta e Capoeira. Neste bloco devem ser tematizadas
as diferentes modalidades e derivações dos elementos culturais associados à Educação Física
a partir da sua tradição, frequentemente renovada por elementos emergentes, como parte de
uma dinâmica sociocultural mais ampla. O bloco seguinte, os aspectos pessoais e
interpessoais relacionados a motricidade compreendem as Noções de Bioquímica e Nutrição,
Embriologia, Fisiologia, Anatomia e Biomecânica, Antropologia e Psicologia, Saúde e
31
Patologia. Já os aspectos integrados à motricidade incluem Comportamento Motor,
enfatizando noções de Aprendizagem Motora, Controle Motor, Desenvolvimento Motor e
interferências contextuais e culturais (BETTI; SANCHES NETO, 2008).
Os autores ainda propõem que no terceiro bloco devem ser tematizadas categorias de
movimento e contextualizadas as capacidades recorrentes para a realização desses
movimentos, suas possíveis combinações e manifestações em diferentes habilidades
especializadas. Os movimentos fundamentais, combinados e especializados são representados
pelas Habilidades de Estabilização, Manipulação e Locomoção, Ritmo, Combinação e
Especialização de Habilidades, Capacidades e noções de Treinamento. E, finalizando, o
quarto bloco propõe a problematização da Motricidade frente ao Meio Ambiente Físico e
Natural, Social e Político, Filosófico e Estético, Virtual, Administrativo/Organizacional e
Econômico, Histórico e Geográfico; Perspectivas Adaptativas e de Transformação do Meio
Ambiente.
De fato, Betti e Sanches Neto (2008) nos mostram uma nova configuração dos
conteúdos frente às possibilidades de convergi-los numa proposta unificada em Educação
Física.
Oliveira (2004) entende que os conteúdos da Educação Física especificados pelos
PCNs devem ser ampliados e redefinidos. Propõe a classificação em núcleos de concentração,
tendo o movimento humano como objeto de estudo.
Palma e colaboradores (2008) tem como base a proposta de Oliveira (2004) e propõe
que o objeto de estudo da Educação Física seja ampliado para ―movimento humano
culturalmente construído‖. Para ambos os estudos, os conteúdos são estruturados em quatro
núcleos: a) o movimento em construção e estruturação; b) o movimento nas manifestações
lúdicas e esportivas; c) o movimento em expressão e ritmo; e d) o movimento e a saúde.
Para melhor visualização dos conteúdos nos núcleos de concentração, Oliveira (2004)
e Palma e colaboradores (2008) propõem um quadro demonstrativo, representado a seguir.
Quadro 1 – Organização dos núcleos temáticos e seus respectivos conteúdos
(OLIVEIRA, 2004, p. 30).
Núcleos
Conteúdos Básicos
a) o movimento em Habilidades motoras de base (locomotoras, nãoconstrução e estruturação
locomotoras, coordenação viso-motora), esquema
corporal, percepção corporal.
b) o movimento nas Jogos (motores, sensoriais, criativos, intelectivos e prémanifestações lúdicas e desportivos); Esporte Institucionalizado (basquetebol,
esportivas
voleibol, handebol, atletismo, futebol, futsal, ciclismo,
outros) e Esportes Alternativos (capoeira, escaladas,
caminhadas, passeios, bets, malha, peteca, outros).
32
c) o movimento em Ginástica, Dança, Brinquedos Cantados, Cantigas de
expressão e ritmo
Roda, outros.
d) o movimento e a saúde
Higiene e Primeiros Socorros, Ergonomia, Bases
Anátomo-fisiológica do corpo humano, Bases
Nutricionais, Aspectos básicos da metodologia do
treinamento,
Avaliações
do
crescimento,
desenvolvimento, composição corporal e aptidão física.
Longe de criticar esta ou aquela proposta, pois como alude Postman (2002, p. 11) ―não
há ninguém que possa dizer que esta ou aquela é a melhor maneira de conhecer as coisas, de
sentir as coisas, de lembrar coisas, de usar coisas, de ligar coisas, e que nenhuma outra serve‖,
é preciso posicionar-me.
Para esta pesquisa, os conteúdos da Educação Física elencados pelos PCNs, a meu ver,
compreendem aqueles apresentados pelas demais propostas ou abordagens da Educação
Física Escolar de forma mais simples, completa e compreensível pelos nossos sujeitos
principais que são os professores de Educação Física da rede pública municipal de CuiabáMT, além de ser um referencial nacional acessível e conhecido por eles. Porém, é necessário
ampliá-lo, com base em experiências profissionais e nos conteúdos elencados pelos
professores pesquisados.
Nos PCNs, os conteúdos da Educação Física estão organizados em três blocos que
deverão ser desenvolvidos durante todo o ensino fundamental, compreendendo os ―esportes,
jogos, lutas e ginásticas‖, ―atividades rítmicas e expressivas‖ e ―conhecimentos sobre o
corpo‖. Estes blocos articulam-se entre si, tendo vários conteúdos em comum, mas guardando
especificidades. (BRASIL, 1997).
Os PCNs trazem as brincadeiras populares descritas no bloco ―esportes, jogos, lutas e
ginásticas‖, mas não especificadas como um bloco de conteúdos. Neste sentido, sugiro que as
―BRINCADEIRAS POPULARES‖ devam constituir um bloco a parte, por entender que Jogo
é diferente de Brincadeira. Da mesma forma, cada conteúdo deste bloco será desmembrado e
constituído como um bloco de conteúdos.
Para esclarecer, na língua francesa, o vocábulo jeu é utilizado como sinônimo de jogo,
brincadeira e, no plural, jeux, jogos. Segundo Brougère (1998), as diferenças são explicitadas
pelos usos sociais do termo. Na língua portuguesa, apesar da discussão sócio-semântica
também ser pertinente e válida, há vários termos para denominar aquilo que, em francês, está
associado a jeu. Em português, ―brincadeira‖ refere-se a atividades preferencialmente infantis,
enquanto que ―jogo‖ está associado a atividades lúdicas com regras. A palavra brincadeira
existe apenas em nossa língua. Os autores franceses, por exemplo, não distinguem
semanticamente o jogo da brincadeira.
33
Acredito que as Brincadeiras Populares, como conteúdo da Educação Física escolar,
tenha a função de recuperar a memória das brincadeiras vividas em outras épocas, o que é
bem diferente de reproduzir, transformar ou criar Jogos (regras). Assim, prefiro considerá-los
como conteúdos díspares.
Seguindo a mesma lógica, o conteúdo ―CAPOEIRA‖ — que para os PCNs é
considerada como uma forma de luta — também deve se constituir como um bloco de
conteúdos a parte. Muitos autores têm opiniões divergentes sobre a classificação da capoeira
como uma luta, podendo ser um esporte, um jogo, uma dança...
Gallardo (2003, p.38) acredita ser a Capoeira a
(...) forma de luta mais pedagógica, porque ela nasce com uma função específica de
se defender, sabendo muito bem de quem, nela as agressões são ritualizadas e
transformadas numa dança lúdica, onde a habilidade e a plasticidade são mais fortes
e valoradas que o poder destrutivo das ações.
Para o autor, a capoeira é uma forma particular de luta representativa de um grupo
social considerado marginal, sendo valorizada apenas quando a mídia se interessa por ela.
Noronha e Nunes Pinto (2004) consideram a Capoeira uma mistura de luta, dança e
jogo que se materializou como uma arma em busca da liberdade. Campos (2001) identifica
três formas a inclusão da capoeira na escola, a primeira incluída nos métodos de Ginástica
Tradicional, a segunda como conteúdo diferenciado de ginástica escolar e a terceira como
esporte de caráter optativo.
Prefiro considerar a capoeira como uma manifestação cultural do povo brasileiro, com
características próprias e peculiares. Assim, deve ser tratada como um conteúdo exclusivo. ―A
capoeira é um conteúdo que pode ser contemplado na escola pelos seus múltiplos enfoques,
que possibilitam, a luta, a dança e a arte, o folclore, o esporte, a educação, o lazer e o jogo‖
(SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p.45).
Então, quais são os conteúdos da Educação Física? Partindo dos PCNs, que propõem
três blocos de conteúdos, nesta pesquisa adotaremos oito blocos em que se inserem os
conteúdos da Educação Física, ilustrados na figura 1 abaixo:
34
Conhecimentos
sobre o corpo
Atividades
rítmicas,
expressivas
e danças
Capoeira
Esportes
Jogos
Brincadeiras
Populares
Ginásticas
Lutas
Figura 1: Blocos de conteúdos da Educação Física
Estes conteúdos, apesar de estarem separados em blocos, representam meras
formalidades, já que os blocos apresentam ligação entre si, podendo um determinado
conteúdo possuir elementos de outros blocos. Como exemplo, Toledo (1999, p. 74) diz que
A ginástica, enquanto um dos ―conteúdos‖ deste bloco, também possui uma íntima
relação com a música e a expressão. Algumas modalidades gímnicas possuem esta
relação, como é o caso da ginástica rítmica desportiva, da ginástica artística e da
ginástica geral. Outras possuem vínculos mais indiretos, como é o caso da
acrobática, da aeróbica, etc. Mas, sem dúvida, é a dança que abarca estas
manifestações com maior diversidade, complexidade e intensidade.
Essas definições se fazem necessárias, pois no decorrer da análise de dados veremos
conteúdos ligados a um destes blocos de conteúdos que apresentam também características de
outros blocos.
Por mais que a análise de dados seja objetiva, no sentido de tentar enquadrar os
conteúdos propostos pelos professores de Educação Física num destes blocos, nem sempre
será possível fazer esta classificação desvinculada de subjetividade, visto ter sido docente nas
séries iniciais do Ensino Fundamental, o que me leva a fazer interpretações pessoais desses
conteúdos.
Isso também é possível devido ao fato das discordâncias entre os próprios teóricos da
área, com posicionamentos diferentes perante cada conteúdo, como vimos o impasse da
―Capoeira‖ citada anteriormente. Assim sendo, será necessário um posicionamento pessoal
35
diante de determinados conteúdos que aparecerão, principalmente, nos planejamentos dos
professores.
1.5 A sistematização de conteúdos
A reflexão é sobre a necessidade de sistematizar os conteúdos da Educação Física
escolar. O que justificaria a preocupação com a ausência de uma sistematização?
Primeiramente, segundo Ferreira (2000), sistematização é o ―ato ou efeito de
sistematizar‖, ou seja, ―reduzir (vários elementos) a um sistema‖. Ainda refere-se a sistema
como ―disposição de partes ou de elementos de um todo, coordenados entre si, e que formam
uma estrutura organizada‖. Assim, sistematizar os conteúdos da Educação Física escolar nada
mais é do que organizá-los de modo coerente com cada nível de ensino.
A cultura escolar indica uma determinada ordem para todas as disciplinas quanto à
sistematização dos conteúdos a serem abordados na escola. Para Kravchychyn e
colaboradores (2008, p. 40), ―a Educação Física não possui ― ao contrário de outras
disciplinas ― conteúdos sistematizados, que indica o trabalho ao longo das séries escolares,
gerando dúvidas, trabalhos desarticulados e sem sequência lógica‖. Os professores,
principalmente os iniciantes, têm dificuldade de determinar qual conteúdo será aplicado
primeiro e em que série.
A necessidade de uma proposta concreta e aplicável que norteie a organização de
conteúdos da Educação Física está no âmbito das discussões atuais em Educação Física
escolar. Questões sobre o que e quando ensinar cada conteúdo, justifica a grande quantidade
de pesquisas acerca deste tema.
No que diz respeito à sistematização de conteúdos, Palma e colaboradores (2008)
apontam a necessidade de não se limitar a uma das diversas linhas de pensamento ou de
prática pedagógica da Educação Física. Destaca a importância do docente apropriar-se de
todos os conhecimentos possíveis e, a partir deles, elaborar matrizes curriculares que
propriciem avanços pedagógicos úteis ao momento histórico vivenciado, contudo sem reduzir
o pensamento ao ecletismo.
É frequente nas aulas de Educação Física a repetição das mesmas práticas nas
diferentes fases do ensino. Paes (2002) nomeia esta prática de ―prática repetitiva de gestos em
diferentes níveis de ensino‖, em que o conteúdo aplicado ao 1º ano é o mesmo do 6º ano, que
por sua vez é idêntico ao do 9º ano do Ensino Fundamental. Essa situação revela a falta de
36
respeito às fases do desenvolvimento do aluno e tem sido uma das causas da evasão dos
alunos nas aulas de Educação Física na escola.
Outro problema abordado por Paes (2002) é quanto à ―fragmentação de conteúdos‖,
oferecidos de forma desorganizada, sem continuidade e a evolução necessárias ao
aprendizado. Salienta que esse comportamento pode ser observado pela ausência de
planejamento, levando o professor a trabalhar conteúdos isolados.
A solução a esses problemas parece simples e óbvia, porém é desconsiderada por
muitos profissionais da área. A diversificação de conteúdos é uma delas. É direito do aluno
receber informações e conhecimentos diversificados das possibilidades existentes na cultura
corporal, tanto quanto é responsabilidade do professor buscar estas manifestações e eleger os
conteúdos aplicáveis a cada contexto escolar (BRASIL, 1998).
Respeitar as diferentes fases de ensino e apresentar os conteúdos de forma planejada,
organizada e sistematizada, são para Paes (2002), os aspectos relevantes e balizadores de uma
proposta pedagógica.
Ao pensarmos na Educação Física da pós-modernidade, precisamos nos lembrar que a
sistematização de conteúdos não pode ser rígida e fechada, e sim flexível e aberta a receber
novas informações produzidas pela sociedade, como a transformação das regras dos esportes,
aperfeiçoadas constantemente.
Assim, observada a necessidade de uma sistematização dos conteúdos da Educação
Física escolar, buscaremos conhecer as principais pesquisas e propostas sobre o assunto,
destacando aquelas referentes ao campo de pesquisa deste estudo, os anos (séries) iniciais do
Ensino Fundamental.
1.5.1 A sistematização de conteúdos nas abordagens da Educação Física
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 traz em seu Art. 26, §3º
que ―a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular
da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo
facultativa nos cursos noturnos‖ (BRASIL, 1996).
Tal condição foi alterada pela lei 10.793, de primeiro de dezembro de 2003, que
acrescenta o termo ―obrigatório‖ ao texto original, tornando a Educação Física ―componente
curricular obrigatório‖ da Educação Básica (BRASIL, 2003). Assim, subentende-se que a
Educação Física, como as demais disciplinas, possui conteúdos específicos e, que por sua vez,
37
devem seguir uma ordem de ensino. E quais são esses conteúdos e como são distribuídos
pelas diversas séries de ensino?
Se fizermos um passeio pela história da Educação Física, perceberemos que muitos
autores definiram quais são os conteúdos específicos da disciplina na escola e quando devem
ser ensinados, mas cada um com sua classificação própria, sem chegar a um consenso sobre o
assunto. Cada obra da referida história, desde documentos formais como pesquisas realizadas
por diversos autores, revela um critério para seleção dos conteúdos específicos da Educação
Física escolar.
Resumindo um pouco a história, sabe-se que até o final da década de 1970, durante o
governo militar, a Educação Física sofria grande influência do modelo ―esportivista‖, que
objetivava formar atletas que pudessem participar de competições internacionais,
representando o país (BRASIL, 1998). Neste contexto, o esporte era o conteúdo absoluto da
Educação Física.
Na tentativa de contrapor práticas tecnicistas, esportivistas ou centradas em apenas um
conteúdo é que, a partir da década de 1980, surgiram novos movimentos na Educação Física
escolar.
Das
tendências
inovadoras,
discorrerei
sobre
a
Psicomotricidade,
a
Desenvolvimentista, a Construtivista, a Crítico-Superadora, Saúde Renovada e os Parâmetros
Curriculares Nacionais, destacando os conteúdos da Educação Física e sua sistematização
organizados e selecionados por cada uma delas. Optei por descrever estas tendências por
entender que são as mais conhecidas e, talvez, mais utilizadas pelos professores de Educação
Física, além de apontarem uma organização dos conteúdos para as diversas fases de ensino da
Educação Básica.
O primeiro movimento a contrapor o ―esportivismo‖ é a Psicomotricidade. O francês
Jean Le Bouch foi o maior propagador desta tendência no Brasil, tendo como base estudos da
psicopedagogia. A Educação Física passa a se preocupar com o desenvolvimento da criança,
com o ato de aprender, com os processos cognitivos, afetivos e psicomotores, garantindo
assim a formação integral do aluno (BRASIL, 1998).
Neste sentido, Educação Física é vista como um meio para ensinar Matemática ou
Língua Portuguesa, não dispondo de conteúdos próprios. O ensino é pautado na aquisição do
esquema motor, lateralidade, consciência corporal e coordenação viso-motora (DARIDO;
RANGEL, 2005).
Porém, a Psicomotricidade não é a única tendência que desconsidera a especificidade
da Educação Física. Segundo Darido e Rangel (2005), o construtivismo possibilita maior
integração com uma proposta pedagógica ampla e integrada da Educação Física na
38
Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Em contrapartida, desconsidera a
especificidade da Educação Física, aceitando conteúdos sem relação com a prática do
movimento, sendo este um instrumento facilitador de conteúdos ligados ao aspecto
cognitivo, como aprendizagem da leitura e escrita.
O construtivismo tem como obra clássica o livro ―Educação de corpo inteiro‖, de
João Batista Freire (2005). A intenção desta abordagem, orientada pelas obras de Jean
Piaget, é a construção do conhecimento a partir da interação do sujeito com o mundo, numa
relação que extrapola o simples exercício de ensinar e aprender.
O avanço desta concepção é a consideração aos conhecimentos previamente
adquiridos pelo aluno e a recuperação da cultura de jogos e brincadeiras infantis. Sendo
assim, o jogo e a brincadeira são os conteúdos principais desta proposta, com o lúdico e o
prazeroso permeando o ambiente de aprendizagens.
Uma das obras clássicas e representante de um marco na Educação Física moderna é o
livro produzido por Soares e colaboradores, em 1992, intitulado ―Metodologia de Ensino da
Educação Física‖ que apresenta conteúdos surgidos de grandes temas da cultura corporal e
podem ser vistos em todos os graus do Ensino Fundamental e médio. Os conteúdos da
abordagem crítico-superadora são: Jogo, Esporte, Capoeira, Ginástica e Dança. Estes
devem ser estudados profundamente pelo professor, desde sua origem histórica ao seu valor
educativo para os propósitos e fins do currículo. O professor é livre para organizar seu
programa dando a ordem necessária aos conteúdos segundo o interesse da turma, ou tratar
deles simultaneamente (SOARES ET AL, 1992).
A seleção e organização de conteúdos, na perspectiva de uma pedagogia críticosuperadora abordado por Soares e colaboradores (1992), exige coerência com o objetivo de
promover a leitura da realidade. Deve-se considerar também a realidade de materiais da
escola.
Pensando em cada conteúdo citado por esta perspectiva, sugerem, num programa de
jogos, que os conteúdos sejam relacionados, considerando a memória lúdica do aluno e ainda
oferecendo conhecimentos dos jogos das diversas regiões brasileiras e de outros países.
O esporte se projeta numa dimensão complexa de fenômeno que envolve códigos,
sentidos e significados da sociedade que o cria e o pratica. O programa deve abranger desde
os jogos que possuem regras implícitas até aqueles institucionalizados por regras específicas,
sendo necessário que o ensino não se esgote nos gestos técnicos.
Os gestos da Capoeira no passado significaram saudade da terra e da liberdade
perdida, desejo velado de reconquista da liberdade que tinha como arma apenas o próprio
39
corpo. A Educação Física precisa resgatar a capoeira como manifestação cultural e não
transformá-la simplesmente em mais uma modalidade esportiva (SOARES ET AL, 1992).
Para a elaboração de um programa de ginástica para as diferentes séries exige pensar
na evolução que deve ter em sua abordagem, desde as formas espontâneas de solução dos
problemas com técnicas rústicas nas primeiras séries, até a execução técnica aprimorada nas
últimas séries do Ensino Fundamental.
Para o ensino da Dança, é necessário considerar que seu aspecto expressivo se
confronta, necessariamente, com a formalidade da técnica para sua execução. Em relação ao
desenvolvimento técnico, sugere-se a abordagem dos seguintes fundamentos: ritmo, espaço e
energia. Em relação ao conteúdo expressivo, sugere-se: as ações de vida diária; os estados
afetivos; as sensações corporais; os seres e fenômenos do mundo animal, vegetal e mineral; o
mundo do trabalho; o mundo da escola; os problemas sócio-políticos atuais (SOARES ET
AL, 1992).
Os autores ainda propõem uma organização de conteúdos específica para o 1º e 2º
ciclos, de acordo com a classificação feita pelos autores. Vejamos esta organização.
Conteúdos no Ciclo de Educação Infantil (Pré-Escola) e no Ciclo da Identificação da
Realidade (1ª a 3ª séries do Ensino Fundamental), segundo Soares e colaboradores (1992):
1. Jogos cujo conteúdo implique:

no reconhecimento de si mesmo e das próprias possibilidades de ação;
reconhecimento das propriedades externas dos materiais/objetos para jogar, sejam eles
do ambiente natural ou construídos pelo homem; identificação das possibilidades de
ação com materiais/objetos e das relações destes com a natureza; inter-relação do
pensamento sobre uma ação com a imagem e a conceituação verbal dela, como forma
de facilitar o sucesso da ação e da comunicação; inter-relações com as outras matérias
de ensino; a vida de trabalho do homem, da própria comunidade, das diversas regiões
do país, de outros países; o sentido de convivência com o coletivo, das suas regras e
dos valores que estas envolvem; auto-organização, auto-avaliação e avaliação coletiva
das próprias atividades; elaboração de brinquedos, tanto para jogar em grupo como
para jogar sozinho.
2.
Formas ginásticas cujo conteúdo implique:

nas próprias possibilidades de saltar, equilibrar, balançar e girar em situações de:
desafios que apresenta o ambiente natural, a própria construção da escola, praça, rua,
quadra e também desafios propostos por meio de organização motivadora de materiais
ginásticos, formais ou alternativos; nas diferentes soluções aos problemas do
40
equilibrar, trepar, saltar, rolar/girar, balançar/embalar; sejam organizadas para
possibilitar a identificação de sensações afetivas e ou/ cinestésicas, tais como prazer,
medo, tensão, desagrado, enrijecimento, relaxamento, etc.; contribuam para promover
o sucesso de todos; contribuam com fundamentos iguais aos dois eixos; coletivas em
que se combinem os cinco fundamentos: saltar, equilibrar, trepar, embalar/balançar e
rolar/girar.
3. Danças:

de livre interpretação de músicas diferentes para relacionar-se com o universo musical
e de interpretação de temas figurados.

Conteúdos no Ciclo de Iniciação à Sistematização do Conhecimento (4ª a 6ª séries do
Ensino Fundamental), segundo Soares e colaboradores (1992):
1. Jogos cujo conteúdo implique:

Jogar tecnicamente e empregar o pensamento tático; desenvolvimento da capacidade
de organizar os próprios jogos e decidir suas regras, entendendo-as como exigência do
coletivo.
2. Ginásticas:

Formas técnicas de diversas ginásticas (artística ou olímpica, rítmica desportiva,
ginásticas suaves, ginástica aeróbica, etc.); projetos individuais e coletivos de
prática/exibição de ginástica na escola e na comunidade.
3. Danças:

Com interpretação técnica da representação de temas da cultura nacional e
internacional; com conteúdo relacionado á realidade social dos alunos e da
comunidade.
O modelo desenvolvimentista elaborado por Tani e colaboradores (1988) aponta o
movimento como objeto de estudo e aplicação da Educação Física. Esta abordagem tem o
―intuito de apresentar uma fundamentação teórica para a Educação Física Escolar, com ênfase
nas séries iniciais do Ensino de 1o Grau‖ (TANI, 2008, p. 315).
Tani e colaboradores (1988, p. 64) complementam que:
―(...) o propósito de uma atuação mais significativa e objetiva sobre o movimento
pode levar a Educação Física a estabelecer, como objetivo básico, o que se costuma
denominar de aprendizagem do movimento. Na verdade, o reconhecimento do
significado de que, ao longo da vida, o ser humano apresenta uma série de mudanças
na sua capacidade de se mover, e que tais mudanças são de natureza progressiva,
organizada e interdependente, resultando em uma sequência de desenvolvimento,
traz elementos para a justificativa de uma aprendizagem do movimento.‖
41
Este modelo pautado nas ideias de Gallahue defende que a Educação Física deveria se
responsabilizar pela educação do movimento, orientado pelos processos maturacionais do
desenvolvimento e aprendizagem da criança, fases que demarcariam os períodos mais
adequados para o ensino deste ou daquele movimento (FERREIRA, 2006).
Os autores da proposta baseiam-se na ideia de que a sequência de desenvolvimento é a
mesma para todas as crianças, o que varia é a velocidade de progressão. Alegam ainda que
existe uma interdependência entre o que está se desenvolvendo e as mudanças futuras, ou
seja, há ―habilidades básicas‖ dentro da sequência de desenvolvimento que são pré-requisitos
fundamentais para que toda a aquisição posterior seja possível e efetiva, e sempre na intenção
de uma maior capacidade de controlar os movimentos. Assim, a Educação Física tem a
responsabilidade de uma atuação eficiente na aquisição das habilidades básicas ou padrões
fundamentais de movimento (TANI ET AL, 1988).
Os padrões fundamentais de movimento podem ser divididos em padrões de
locomoção, de manipulação e de equilíbrio. Nos padrões de locomoção se inserem todas as
habilidades que permitem a exploração do espaço, como andar, correr, saltar, trepar, galopar,
rolar, etc. A manipulação envolve o relacionamento do indivíduo com o objeto, como receber,
rebater, chutar, etc. Já as habilidades que envolvem equilíbrio permitem a criança manter sua
postura no espaço, incluindo os padrões de movimentos axiais do corpo todo ou segmentos
dele, como girar, ficar em pé, ficar sentado, girar os braços, etc. (TANI ET AL, 1988).
Sobre o desenvolvimento hierárquico de habilidades nas diferentes fases da Educação
Física na escola, Tani e colaboradores (1998) propõem que até aproximadamente 6 a 7 anos
de idade (1º ano do Ensino Fundamental), o desenvolvimento motor da criança se caracteriza
basicamente pela aquisição, estabilização e diversificação das habilidades básicas e, entre 8 e
12 anos (2º a 5º anos) aproximadamente, o refinamento e diversificação na combinação destas
habilidades. As habilidades básicas são atividades voluntárias que permitem a locomoção
(deslocamento), manipulação e equilíbrio (estabilização) em diferentes situações, como andar,
correr, saltar, arremessar, receber, rebater, chutar, quicar e girar.
Na fase que abrange do 6º ao 9º ano, o modelo desenvolvimentista propõe o
desenvolvimento das habilidades específicas, que são definidas como atividades motoras
voluntárias mais complexas e com objetivos específicos, como a cortada do voleibol, o chute
do futebol, a bandeja no basquete, ou seja, fundamentos específicos dos esportes (TANI ET
AL, 1988).
Tani (2008) estabelece ainda como tema central da Educação Física escolar dois tipos
de aprendizagem: do movimento e através do movimento. Com a aprendizagem do
42
movimento os alunos se capacitam a movimentar numa variedade de atividades motoras
crescentemente complexas, envolvendo atividades como tentar, praticar, pensar, tomar
decisões, ousar e persistir. Já a aprendizagem através do movimento implica no uso do
movimento como meio para alcançar um fim, o que não é exclusividade da Educação Física,
podendo ser utilizada pelas demais disciplinas. E alega:
(...) é preciso assumir que a aprendizagem do movimento é de responsabilidade
integral da Educação Física. Se ela não a promover, quem o faria? E em não se
promovendo, seguramente a educação de nossos escolares estaria incompleta.
Acredita-se que a Educação Física Escolar, ao desempenhar com competência a sua
especificidade, estará cumprindo responsavelmente o seu papel no contexto
educacional, sem nenhuma necessidade de cair em discursos demagógicos que
superestimam ingenuamente suas capacidades e atribuem a si competências que não
possuem (TANI, 2008, p. 318).
Tani (2008) acrescenta ainda a aprendizagem sobre o movimento — um avanço da
abordagem desenvolvimentista — referindo-se a aprendizagem de conhecimentos
acadêmicos sobre o movimento acessando as dimensões e implicações das diversas áreas de
conhecimento.
Tani (2008) reitera que existem fatores que afetam o desenvolvimento dos alunos,
como os socioculturais, influenciando a velocidade desse desenvolvimento e não sua
sequência. O autor esclarece ainda que:
(...) ―as habilidades básicas e suas combinações podem ser muito bem desenvolvidas
pelos escolares mediante o seu envolvimento, por exemplo, em jogos de diferentes
níveis de organização, danças e outras atividades próprias da cultura em que vivem,
desde que adequadas ao seu estágio de desenvolvimento motor, cognitivo e afetivosocial.‖ (TANI, 2008, p. 325).
De acordo com Darido e Rangel (2005), outra tendência se fez presente no contexto
escolar na última década, a Saúde Renovada, baseada nos estudos propostos por Nahas
(2006) e Guedes e Guedes (1993).
No texto publicado pela Revista da Associação dos professores de Educação Física
de Londrina (APEF), Guedes e Guedes (1993) sugerem a redefinição do papel dos
programas de Educação Física na escola, como meio de promoção da saúde ou indicação de
um estilo de vida ativo. Para os autores, o papel do professor não é adotar exclusivamente a
prática esportiva, mas através de experiências propiciar e promover saúde aos alunos, sendo
capazes de optar por um estilo de vida ativa por toda a vida.
Nahas (2006) alerta que os benefícios educacionais esperados pela Educação Física
na escola correspondem ao desenvolvimento de habilidades motoras, aptidão física,
desenvolvimento sócio-pessoal e um estilo de vida ativo. Acrescenta ainda que os currículos
―devem enfatizar os objetivos centrais da Educação Física: o desenvolvimento de
43
habilidades motoras e a promoção de atividades físicas relacionadas à saúde. (...) os alunos
precisam ser fisicamente ativos, na escola e fora dela‖. (NAHAS, 2006, p. 152).
O interessante é que Nahas (2006, p. 152) (grifo do autor) destaca que a ―educação
para um estilo de vida ativo representa uma das tarefas educacionais fundamentais que a
Educação Física tem a realizar‖. Isso sugere que o autor não nega a existência de outros
objetivos que a Educação Física precisa atingir além da promoção da saúde, e compreende
os ―esportes e jogos‖ como componentes fundamentais dos currículos de Educação Física,
mas que não podem ser entendidos como substitutos para um programa como um todo.
A abordagem da Saúde Renovada preocupa-se ainda com a falta de progressão lógica
ou de uma sequência nas experiências escolares em termos de atividade física. Assim, há
uma preocupação em responder questões como ―quando se deve introduzir os conteúdos e
experiências relacionados com atividades físicas, aptidão física e saúde?‖ e ―que conteúdos
devem ser incluídos?‖ (NAHAS, 2006, p. 153).
Sobre a sistematização de conteúdos, Nahas (2006) sugere conteúdos e objetivos
para um programa de Educação Física para um estilo de vida ativo para o ensino médio.
Para as séries iniciais, o autor diz o seguinte:
Os primeiros anos escolares são próprios para atividades diversificadas que
promovam o desenvolvimento motor e o gosto pela recreação ativa. Nesta fase, a
aptidão física é considerada objetivo secundário, resumindo-se no envolvimento de
todas as crianças em atividades variadas e agradáveis, que promovam a auto-estima
e atitudes positivas em relação a atividade física. Neste nível, ensinar sobre a aptidão
física relacionada à saúde é mais uma questão de mudança de métodos do que de
conteúdos. (NAHAS, 2006, p. 156).
Já Guedes e Guedes (1993) sugerem conteúdos programáticos para todos os níveis de
ensino. Vejamos no quadro 2 a seguir o que os autores propõem para as séries iniciais do
ensino fundamental:
44
Quadro 2: Sugestões de conteúdo programático para programa de educação física escolar direcionados à promoção da saúde – séries iniciais do ensino de 1º grau
UNIDADES DE ENSINO
1- Diagnóstico e OBJETIVOS
acompanhamento
IMEDIATOS
dos
níveis
de
crescimento,
CONTEÚDO
composição
corporal
e PROGRAMÁTICO
desempenho motor.
2Prática
de OBJETIVOS
atividades rítmicas
IMEDIATOS
CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO
3- Prática de jogos
motores e sensoriais
OBJETIVOS
IMEDIATOS
CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO
4Prática
de
atividades motoras
relacionadas à saúde
OBJETIVOS
IMEDIATOS
CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO
5Prática
de
atividades motoras
voltadas a iniciação
esportiva.
OBJETIVOS
IMEDIATOS
CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO
CICLO BÁSICO DE ALFABETIZAÇÃO
3ª/ 4ª SÉRIES
O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode:
Submeter-se a uma rotina de avaliação com a finalidade de traduzir com
fidelidade informações relacionadas com o desenvolvimento morfofuncional.
Administração de rotinas de avaliação voltadas ao crescimento, a
composição corporal e ao desempenho motor.
Submeter-se a uma rotina de avaliação com a finalidade de traduzir com
fidelidade informações relacionadas com o desenvolvimento morfofuncional.
Administração de rotinas de avaliação voltadas ao crescimento, a
composição corporal e ao desempenho motor.
O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode:
Submeter-se a experiências motoras que possam promover o
desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades voltadas às atividades
rítmicas nas suas diferentes formas.
Atividades dirigidas que envolvam a participação do ritmo.
Atividades lúdicas que solicitam a participação das diferentes formas do
ritmo.
Submeter-se a experiências motoras que possam promover o
desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades voltadas às atividades
rítmicas nas suas diferentes formas.
Atividades dirigidas que envolvam a participação do ritmo.
Atividades lúdicas que solicitam a participação das diferentes formas do
ritmo.
O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode:
Submeter-se a experiências motoras que possam promover o
desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades coordenativas.
Atividades dirigidas que envolvam a manipulação de implementos com
bola, bastões, corda, etc.
Atividades lúdicas que solicitam a participação de condutas neuro-motoras
relacionadas às capacidades coordenativas.
Submeter-se a experiências motoras que possam promover o
desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades coordenativas.
Atividades dirigidas e não-dirigidas que envolvam a manipulação de
implementos com bola, bastões, corda, etc.
Atividades lúdicas que solicitam a participação de condutas neuro-motoras
relacionadas às capacidades coordenativas.
O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode:
Submeter-se a experiências motoras que possam promover o
desenvolvimento e o aprimoramento dos níveis de aptidão física
relacionadas à saúde.
Atividades dirigidas e não-dirigidas que envolvam a participação dos
componentes da aptidão física relacionada à saúde.
Atividades lúdicas que solicitam a participação de comportamentos motores
voltados às capacidades condicionantes.
O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode:
Submeter-se a experiências que possam promover o domínio de prérequisitos motores que venham facilitar a execução dos gestos esportivos.
Vivenciar situações que possam promover compreensão de regras e normas
de convivência social.
Atividades dirigidas e não-dirigidas que envolvam a participação de prérequisitos motores para familiarização e execução dos gestos esportivos.
Atividades lúdicas que solicitam a participação um grande repertório de
ações motoras direcionadas à estruturação de movimentos voltados à
execução dos gestos esportivos.
Atividades envolvendo jogos pré-esportivos.
45
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1997; 1998) abordam os
conteúdos da Educação Física como expressão de produções culturais, conhecimentos
historicamente acumulados e socialmente transmitidos, ou seja, cultura corporal de
movimento. Capacita o indivíduo a refletir sobre suas possibilidades corporais, e com
autonomia, exercê-las de maneira social e culturalmente significativa e adequada.
Trata-se de compreender como o indivíduo utiliza suas habilidades e estilos pessoais
dentro de linguagens e contextos sociais, pois o mesmo gesto adquire significados diferentes
conforme a intenção de quem o realiza e a situação em que isso ocorre.
A proposta adquire critérios para a seleção de conteúdos que são: relevância social,
características dos alunos e características da própria área. Nos PCNs, os conteúdos são
agrupados em blocos que se articulam entre si, com conteúdos em comum, mas guardando
especificidades. São os blocos:
Conhecimentos sobre o corpo: o corpo é compreendido como um organismo
integrado que interage com o meio físico e cultural, que sente dor, prazer, alegria, medo, etc.
Para se compreender o corpo abordam-se os conhecimentos anatômicos, fisiológicos,
biomecânicos e bioquímicos que capacitam a análise crítica dos programas de atividade
física e o estabelecimento de critérios para julgamento, escolha e realização que regulem as
próprias atividades corporais saudáveis, seja no trabalho ou no lazer.
Esportes, jogos, lutas e ginásticas: os esportes têm regras de caráter oficial e
competitivo, organizadas em federações regionais, nacionais e internacionais que
regulamentam a atuação amadora e profissional. Os jogos são exercidos com um caráter
competitivo, cooperativo ou recreativo em situações festivas, comemorativas, de
confraternização, como passatempo e diversão. As lutas caracterizam-se por uma
regulamentação específica, a fim de punir atitudes de violência e deslealdade. As ginásticas
são técnicas de trabalho corporal que, de modo geral, assumem um caráter individualizado
com finalidades diversas.
Atividades rítmicas e expressivas: inclui as manifestações da cultura corporal que
tem como características comuns a intenção de expressão e comunicação mediante gestos e
a presença de estímulos sonoros como referência para o movimento corporal, ou seja, danças
e brincadeiras populares.
Os PCNs propõem uma organização curricular dividida por ciclos. O documento
referente às séries iniciais do Ensino Fundamental é o publicado em 1997, abrangendo 1º e 2º
ciclos.
46
No Primeiro Ciclo, que corresponde a 1ª e 2ª série, são propostos os seguintes
conteúdos: participação em diversos jogos e lutas, respeitando regras e não discriminando os
colegas; explicação e demonstração de brincadeiras ensinadas em contextos extra-escolares;
participação e apreciação de brincadeiras ensinadas pelos colegas; resolução de situações de
conflito por meio do diálogo, com a ajuda do professor; discussão das regras dos jogos;
utilização de habilidades em situações de jogo e luta, tendo como referencia de avaliação o
esforço pessoal; resolução de problemas corporais individualmente; avaliação do próprio
desempenho estabelecimento de metas com o auxilio do professor; participação em
brincadeiras cantadas; criação de brincadeiras cantadas; acompanhamento de uma dada
estrutura rítmica com diferentes partes do corpo; apreciação e valorização de danças
pertencentes à localidade; participação em danças simples ou adaptadas, pertencentes a
manifestações populares, folclóricas ou de outro tipo que estejam presentes no cotidiano;
participação em atividades rítmicas e expressivas; utilização e recriação de circuitos;
utilização de habilidades (correr, saltar, arremessar, rolar, bater, rebater, receber, amortecer,
chutar, girar, etc.) durante os jogos, lutas, brincadeiras e danças; desenvolvimento das
capacidades físicas durante os jogos, lutas, brincadeiras e danças; diferenciação das situações
de esforço e repouso; reconhecimento de algumas das alterações provocadas pelo esforço
físico, tais como excesso de excitação, cansaço, elevação de batimentos cardíacos, mediante a
percepção do próprio corpo (BRASIL, 1997).
Os conteúdos propostos no Segundo Ciclo, que correspondem a 3ª e 4ª série, são
desdobramentos e aperfeiçoamento dos conteúdos do ciclo anterior: participação em
atividades competitivas, respeitando regras e não discriminando os colegas, suportando
pequenas frustrações, evitando atitudes violentas; observação e análise do desempenho dos
colegas, de esportistas, de crianças mais velhas ou mais novas; expressão de opiniões pessoais
quanto a atitudes e estratégias a serem utilizadas em situações de jogos, esportes e lutas;
apreciação de esportes e lutas considerando alguns aspectos técnicos, táticos e estéticos;
reflexão e avaliação de seu próprio desempenho e dos demais, tendo como referencia o
esforço em si, prescindindo, em alguns casos, do auxílio do professor; resoluções de
problemas corporais individualmente e em grupos; participação na execução e criação de
coreografias simples; participação em danças pertencentes a manifestações culturais da
coletividade ou de outras localidades, que estejam presentes no cotidiano; apreciação e
valorização de danças pertencentes á localidade; valorização das danças como expressões da
cultura, sem discriminações por razões culturais, sociais ou de gênero; acompanhamento de
uma dada estrutura rítmica com diferentes partes do corpo, em coordenação; participação em
47
atividades rítmicas e expressivas; análise de alguns movimentos e posturas do cotidiano a
partir de elementos socioculturais e biomecânicos; percepção do próprio corpo e busca de
posturas e movimentos não prejudiciais nas situações do cotidiano; utilização de habilidades
motoras nas lutas, jogos e danças; desenvolvimento de capacidades físicas dentro de lutas,
jogos e danças, percebendo limites e possibilidades; diferenciação de situações de esforço
aeróbico, anaeróbico e repouso; reconhecimento de alterações corporais, mediante a
percepção do próprio corpo, provocadas pelo esforço físico, tais como excesso de excitação,
cansaço, elevação de batimentos cardíacos, efetuando um controle dessas sensações de forma
autônoma e com auxílio do professor (BRASIL, 1997).
Para finalizar este item que contempla as diversas abordagens da Educação Física
escolar, que apresentam conteúdos e sistematizações específicas e, até mesmo, divergentes e
distantes entre si, comungo com a fala de Tani (2008, p. 329):
(...) resta ressaltar a necessidade de convergência em substituição à divergência que
caracterizou os debates e embates das diferentes abordagens da Educação Física
Escolar nos últimos 20 anos. (...) Todos sabem que diferenças ideológicas são
praticamente irreconciliáveis e que diferenças de posições filosóficas são
usualmente difíceis de dissipar. Não se trata, portanto, de reconciliar o que é
irreconciliável, e sim, de dirigir mais atenção aos aspectos comuns, ressaltando-se as
semelhanças mais do que as diferenças (TANI, 1998b). O contexto pede a noção de
complementaridade (PATTEE, 1978). Neste particular, aceitar a pluralidade é
fundamental. (...) Existem hoje abordagens em diferentes níveis de análise, desde o
sociológico e o comportamental até o biológico. Como já mencionado, os níveis de
análise são irredutíveis, mas cabe indagar: essas abordagens poderiam ser
complementares? Essa é uma questão que merece uma reflexão profunda caso
pretendamos promover mudanças qualitativas na prática pedagógica da Educação
Física Escolar.
1.5.2 Outras propostas
A sistematização dos conteúdos da Educação Física é objeto de estudo de muitas
pesquisas recentes. Algumas propostas publicadas, como a ―Proposta Curricular de São
Paulo‖ e a proposta de KRAVCHYCHYN, OLIVEIRA e CARDOSO, ambas de 2008,
abarcam os anos finais do Ensino Fundamental e médio e ensino médio respectivamente. No
entanto, não fazem menção aos anos iniciais do fundamental, por isso não serão explicitadas
no texto.
Freire e Scaglia (2003) propõem uma organização curricular dividida em temas e
subtemas. Cada tema é desenvolvido com atividades que compõem o conteúdo da Educação
Física. Cada tema corresponde de forma direta ou indireta a subtemas que são as capacidades
48
e habilidades a serem trabalhadas. Estes temas devem estar conectados com os temas
transversais socialmente relevantes.
Alvitram assim uma ―educação para a autonomia‖ do aluno, utilizando o jogo como
principal meio de ensino-aprendizagem dos conteúdos da Educação Física escolar.
Os autores distribuem os temas pelas diversas séries do Ensino Fundamental, no qual
farei um recorte para apresentar apenas temas concernentes aos anos iniciais do Ensino
Fundamental, como ilustrado no quadro 3:
Quadro 3: Distribuição dos temas pelas diversas séries
1ª 2ª 3ª 4ª
1- Atividades de sensibilização corporal
X X X X
2- Jogos Simbólicos
X
3- Jogos de Construção
X
4- Jogos de Regras
X X X X
5- Rodas Cantadas
X X
6- Brincadeiras Populares
X X X X
7- Ginásticas Gerais
X X X X
8- Danças Folclóricas
X X
9- Lutas Simples
X X
10- Jogos Pré-desportivos
X X
11- Atividades de Fundamentação do Esporte
X
Adaptado de Freire e Scaglia (2003, p. 42)
A proposta de Freire e Scaglia (2003) é que a cada aula seja eleito um tema e um
subtema para ser desenvolvido durante a aula. Cada tema pode eleger um ou mais subtemas
de acordo com os objetivos da aula. Os subtemas apresentados no quadro 4 são divididos em
seis categorias: motores, sociais, afetivos, intelectuais, perceptivos e simbólicos.
Quadro 4: Subtemas retirados da obra de Freire e Scaglia (2003)
Motores
Habilidades de
Andar, correr, saltar, desviar, rolar, girar, abaixar,
deslocamento
levantar, contornar, subir, descer e escorregar.
Habilidades de manipulação Segurar, lançar, chutar, bater, rebater, equilibrar, apertar,
afrouxar e tocar.
Habilidades de estabilização Equilibrar-se, ficar em pé, ficar deitado, ficar agachado,
apoiar-se e imobilizar-se.
Habilidades desportivas
Desarmar, driblar, fintar, cabecear, passar, finalizar,
49
Capacidades Motoras
Habilidades Sociais
Habilidades Afetivas
Habilidades Intelectuais
conduzir, antecipar e controlar.
Força, resistência, agilidade, velocidade e flexibilidade.
Sociais
Cooperar, solidarizar-se, organizar grupos, discutir temas,
competir e construir regras.
Afetivos
Amor, altruísmo, agressividade, violência, fraternidade e
confiança.
Intelectuais
Táticas, diálogos, teorias, textos, tomada de consciência da
prática, imitações e criações.
Perceptivas
Habilidades Perceptivas
Habilidades Simbólicas
Sensibilidade, noção de tempo, noção de espaço e noção do
próprio corpo.
Simbólicos
Imaginação
É ressaltada ainda a habilidade de passar como de extrema importância em razão do
número de atividades que a mobilizam. Sugere-se também que aulas se iniciem e terminem
com uma roda de conversa, para explicitar os objetivos da aula e eleger conteúdos e discutir
sobre a aula realizada (FREIRE; SCAGLIA, 2003).
Um exemplo de plano de aula é a escolha do tema Brincadeiras Populares para a
primeira série e os subtemas, de ordem motora, as habilidades de deslocamento andar e correr
e, de ordem perceptiva, as habilidades perceptivas de noção de tempo e de espaço. O
conteúdo escolhido foi a atividade de Queimada, que é uma Brincadeira Popular e desenvolve
os subtemas escolhidos.
Palma e colaboradores (2008) e Oliveira (2004) propõem uma sistematização dos
conteúdos da Educação Física para a educação básica, baseado nos quatro núcleos
apresentados anteriormente: a) o movimento em construção e estruturação; b) o movimento
nas manifestações lúdicas e esportivas; c) o movimento em expressão e ritmo; e d) o
movimento e a saúde. Posso dizer que é a primeira obra que traz uma proposta de organização
de conteúdos da Educação Física para as séries iniciais.
O próximo passo para a elaboração da proposta é a distribuição destes núcleos de
forma proporcional a ser destinada ao longo da vida escolar, levando-se em conta a
complexidade do desenvolvimento das dimensões humanas. Palma e colaboradores (2008)
50
destacam que essa distribuição não é rígida, tendo os docentes, autonomia para organizar essa
distribuição de acordo com sua realidade.
A distribuição elaborada pelos autores considera os interesses manifestados pelos
alunos ao longo da vida escolar como um dos critérios para a organização dos conteúdos.
Vejamos o quadro 5 a seguir.
Quadro 5: Proposta de distribuição de conteúdos ao longo das séries escolares em percentuais
Séries
Núcleos
a) o movimento
em construção e
estruturação
b) o movimento
nas manifestações
lúdicas
e
esportivas
Ensino Fundamental
1ª
2ª
3ª
4ª
5ª
45
40
40
30
30
20
30
30
30
30
20
20
20
10
20
20
c) o movimento
em expressão e
30
20
ritmo
d) o movimento e
a saúde
5
10
Adaptado de PALMA e colaboradores, 2008, p. 39
É preciso observar que as séries contempladas no livro são similares aos anos iniciais
(1º a 5º ano) da rede municipal de Cuiabá, diferenciando-se apenas na terminologia série/ano.
A proposta de organização dos conteúdos e suas subdivisões, como nomeiam os autores, são
ilustrados em quadros para cada série e núcleo em separado. Uma terminologia que me intriga
nesta obra é os autores falarem o tempo todo em ―conteúdos‖ e quando delineiam a proposta
passam a se referir a ―temas‖, e não mais a conteúdos. Cada quadro (de cada núcleo) traz um
―tema‖ central, um ―subtema‖ e diversos ―assuntos‖. No entanto, não é meu objetivo
discutir/criticar a proposta em questão, mas apenas transcrever sua existência.
Da mesma forma, outras publicações fazem menção à organização de conteúdos para
os anos iniciais do Ensino Fundamental, como a proposta curricular dos trabalhos publicados
pelo Laboratório de Estudos e Trabalhos Pedagógicos em Educação Física (LETPEF –
UNESP - Rio Claro) e um relato de experiência publicado em 2009 contando a sistematização
de conteúdos que elaborei e apliquei na escola (KAWASHIMA; SOUZA; FERREIRA, 2009).
Entretanto, para esta pesquisa, não há a necessidade de maiores divagações sobre o assunto.
51
1.5.3 Escola Sarã: o que diz o município de Cuiabá?
A organização das escolas estaduais de Mato Grosso e municipais de Cuiabá-MT é por
ciclos de formação, sendo que o 1º ciclo refere-se a 1º, 2º e 3º etapas (antigas classes de
alfabetização, 1ª e 2ª séries); o 2º ciclo engloba 1º, 2º e 3º etapas (antigas 3ª, 4ª e 5ª séries) e o
3º ciclo, as turmas de 1º, 2º e 3º etapas (6ª, 7ª e 8ª séries).
Optei pelos 1º e 2º ciclos por englobar as séries inicias da antiga classificação (1ª a 4ª
séries), pois não seria adequado ao estudo escolher apenas as séries que nos interessava,
ignorando a classificação dos ciclos de aprendizagem.
Para facilitar o entendimento do leitor, adotarei a nomenclatura de anos iniciais como
explicitado no capítulo metodológico. Assim, as três etapas do 1º ciclo nomeadas de 1º, 2º e
3º anos, e as etapas do 2º ciclo noemadas de 4º, 5º e 6º anos.
As escolas municipais de Cuiabá-MT são orientadas pelos Referenciais Curriculares
da Escola Sarã1, proposta curricular construída com a participação de supervisores escolares,
professores representantes do Ensino Fundamental, especialistas nas áreas de conhecimento e
técnicos da Secretaria Municipal de Educação (CUIABÁ, 1999).
Este documento contempla a LDB de 1996, os PCNs e o Projeto Político Pedagógico
das Escolas, com o objetivo de orientar o trabalho pedagógico do professor de 1º, 2º e 3º
ciclos. Trata-se de uma proposta aberta e flexível que não deve ser entendida como uma
receita a ser seguida rigorosamente.
A ―enturmação‖ dos alunos considera o seu desenvolvimento formativo, observando
critérios de idade, desenvolvimento sócio-cultural e afetivo e o desenvolvimento cognitivo. A
―enturmação‖ por idade é flexível.
O foco central da organização do tempo escolar no Ensino Fundamental será o
educando e suas idades mais aproximadas de formação (infância, pré-adolescência,
adolescência). Este critério de enturmação supõe que os alunos, junto com seus
pares de idade, terão mais facilidade nas trocas socializantes e na construção de
autoimagens e identidades mais equilibradas. Permanecendo no mesmo grupo de
idade, terão maiores oportunidades para sua formação-socialização equilibrada.
(CUIABÁ, 1999, p. 94).
Vejamos o quadro 6 a seguir sobre a ―enturmação‖ dos alunos na Escola Sarã.
1
(...) o Sarã, vegetação característica da Bacia do Cuiabá e outros rios, possui raízes e copas que se entrelaçam,
formando um contínuo a ocupar os espaços degradados pelo homem. (...) O Sarã que acompanha o rio
desempenha importantes funções, tanto para o sistema natural quanto para o sistema humanizado, pois além de
evitar o processo de erosão, contém, em sua composição, uma diversidade de plantas que servem de abrigo e
alimento para os peixes, aves e outros animais. Nesse sistema biológico, organizado desta forma, encontramos
inúmeros vegetais usados pelo homem na alimentação e na cura de doenças. Em especial, o sarã-de-leite e o
sarã-d‘água são utilizados para fazer utensílios domésticos e instrumentos musicais como a ―viola de cocho‖,
muito usada para animar as festas tradicionais do povo mato-grossense. (CUIABÁ, 2000, p. 9-10).
52
Quadro 6: Enturmação dos alunos na Escola Sarã (CUIABÁ, 2000, p. 66)
CICLOS
ETAPAS
AGRUPAMENTOS
FAIXA DE
DESENVOLVIMENTO
1º ciclo
1ª Etapa
6 a 7 anos
2ª Etapa
7 a 8 anos
Infância
3ª Etapa
8 a 9 anos
2º ciclo
1ª Etapa
9 a 10 anos
2ª Etapa
10 a 11 anos
Pré-adolescência
3ª Etapa
11 a 12 anos
3º ciclo
1ª Etapa
12 a 13 anos
2ª Etapa
13 a 14 anos
Adolescência
3ª Etapa
14 a 15 anos
O livro que traz as orientações para a Escola Sarã (CUIABÁ, 1999, p.47) não aponta
conteúdos curriculares fragmentados, apenas propõe ―caminhos que devem ser organizados
interdisciplinarmente, tendo como eixo norteador os Temas Geradores que emergem da
prática social na comunidade na qual está inserida‖.
Para a Educação Física, a Escola Sarã se baseia nos ciclos de formação apresentados
pelo Coletivo de Autores (SOARES ET AL, 1992), no qual o 1º ciclo corresponde a
―organização da identidade dos dados da realidade‖, o 2º ciclo a ―iniciação à sistematização
do conhecimento‖ e o 3º ciclo a ―ampliação da sistematização do conhecimento‖.
Entendo que o livro não traz especificações de conteúdos para a Educação Física, e
sim uma relação de objetivos propostos para cada ciclo de formação. E ainda, a Educação
Física é a única disciplina que não traz uma apresentação de si, sendo que as demais a
possuem. Em 2000, a Secretaria Municipal de Educação lança outro livro com o objetivo de
registrar e divulgar o projeto político-pedagógico em desenvolvimento e selar um
compromisso com a sociedade no sentido de fortalecer a Escola Pública.
Traz considerações mais específicas para a Educação Física, tendo como referência o
Paradigma da Cultura Corporal, entendendo como seu objeto de estudo a expressão corporal
como linguagem. O conhecimento tratado pela disciplina deve levar em conta o
desenvolvimento da historicidade da cultura corporal, através da reflexão pedagógica
exteriorizada pela expressão corporal ―no Jogo, na Dança, no Esporte, na Ginástica, na Luta,
no Teatro e em outras situações do movimento humano.‖ (CUIABÁ, 2000, p. 122).
Longe de se propor uma sistematização de conteúdos para a Educação Física, neste
livro há direcionamentos de quais conteúdos selecionar para cada ciclo de formação,
apontando caminhos para o desenvolvimento de cada um deles. Mesmo sem citar as
dimensões dos conteúdos, é possível percebê-los na proposta da Escola Sarã, especificamente
na publicação de 2000. O quadro 7 abaixo representa os conteúdos sugeridos para 1º e 2º
53
ciclos por Cuiabá (2000). Observa-se que os conteúdos são apresentados conforme aparecem
no decorrer do texto do livro, sugerindo para o 1º ciclo quais conteúdos trabalhar primeiro.
Quadro 7 – Conteúdos para 1º e 2º ciclos de formação da rede municipal de Cuiabá
(CUIABÁ, 2000).
Conteúdos para o 1º ciclo
Conteúdos para o 2º ciclo
Conhecimento
do
próprio
corpo,
reconhecimento de si e das suas
possibilidades de ação.
Atividades rítmicas – conscientização da
corporeidade em relação ao meio, ao
espaço, tempo, ritmo e velocidade e a
criatividade em sua habilidade motora.
Esporte – conteúdos que auxiliem no
reconhecimento das propriedades dos
objetos e materiais para jogar, oriundos do
ambiente natural ou cultural. Relações
sociais, lazer e o sentido da convivência.
Jogos populares e regionais – jogos de
época (aspectos religiosos e sociais).
Pensamento
tátil,
elementos
técnicos,
organização de jogos, decisão de regras pelos
alunos.
Vivência de elementos táticos presentes nas
manifestações corporais individuais e coletivas
da cultura local, nacional e internacional.
Contextualização e valorização das raízes da
cultura cuiabana e de outras regiões.
Questões relativas à fisiologia do esforço,
verificação da frequência cardíaca e pressão
arterial. Conceitos de aeróbico, anaeróbico e da
função cardiovascular.
Lutas
Relação intrínseca entre as manifestações
corporais e a manutenção da saúde e do bemestar físico e mental.
Dança – origem, o que representou ou Desenvolvimento do caráter lúdico-solidário na
representa e qual seu significado.
expressividade da dança, luta, esporte, ginástica
e jogo cooperativo.
Ginásticas – possibilidades de saltar,
equilibrar, balançar e girar em situações
de desafios, relativos ao ambiente natural
às sensações afetivas e/ou cinestésicas tais
como prazer, medo, relaxamento, autoestima e confiança.
O referencial que serve de base para esta proposta é o livro elaborado pela Secretaria
Municipal de Educação (1997), específico para a área de Educação Física. Esta obra é ―fruto
da reflexão coletiva dos professores da Rede Pública participantes do curso que construíram
esta Proposta, a partir de seus estudos e análises da realidade do cotidiano escolar‖ (CUIABÁ,
1997, p. 11). O curso mencionado anteriormente se refere a uma especialização para os
professores de Educação Física da rede municipal, em ―Metodologia do Ensino da Educação
Física‖, nos anos de 1995 e 1996.
A obra tem como referência o livro do Coletivo de Autores (SOARES ET AL, 1992),
em que os conteúdos ilustrados são semelhantes ao da referência, trazendo algumas
54
adaptações para a realidade local. Acredito não ser necessário elencar os conteúdos
específicos ilustrados no livro, já que em tópicos anteriores foram apresentados em Soares e
colaboradores (1992).
Apenas gostaria de ressaltar que na fala dos nossos sujeitos pesquisados não há
referências a esta obra produzida pela Secretaria Municipal de Educação. Ressalto ainda que
um dos professores de Educação Física, sujeito desta pesquisa, é coautor do livro, o que será
levado em consideração durante a análise em dados.
55
Capítulo 2
METODOLOGIA
2.1 A natureza da pesquisa
Esta pesquisa se configura como qualitativa-descritiva, pois segundo Lüdke e André
(1986) supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que
está sendo investigada, via de regra, através do trabalho intensivo de campo. Como os
problemas são estudados no ambiente em que ocorrem naturalmente, sem qualquer
manipulação intencional do pesquisador, este tipo de pesquisa também é chamada de
naturalística.
A necessidade do pesquisador em manter um contato direto com a situação onde os
fenômenos ocorrem, naturalmente é devido à grande influência do seu contexto.
A pesquisa qualitativa ainda apresenta mais quatro características descritas por
Bogdan e Biklen (1994). A primeira consiste nos dados coletados serem predominantemente
descritivos, em que o material obtido é rico em descrições de pessoas, situações,
acontecimentos, incluindo transcrições de entrevistas e de depoimentos, fotografias, desenhos
e extratos de vários tipos de documentos. Todos os dados da realidade são considerados
importantes.
Há uma preocupação maior com o processo do que o produto da pesquisa, em que a
complexidade do cotidiano escolar é sistematicamente retratada. Outro ponto é a tentativa de
capturar a perspectiva do participante, isto é, a maneira como os sujeitos encaram as questões
focalizadas. E, por fim, a análise de dados tende a seguir um processo indutivo, o que o
configura como interpretativo.
Assim, esta pesquisa atende às características da pesquisa qualitativa, pois busca
descrever e interpretar dados coletados em contextos escolares adversos, com características e
sujeitos peculiares. Os dados foram coletados por mim, enquanto pesquisadora,
acompanhando o trabalho de um ano escolar completo.
2.2 O campo de estudo
O primeiro grande desafio foi escolher as escolas que participariam da pesquisa, por
ser eu uma ―forasteira‖ residente em Cuiabá/MT há apenas dois anos e por não me haver
permitido ,ainda, um contato direto com as escolas públicas de Mato Grosso.
56
Identifiquei que as escolas estaduais de Mato Grosso e municipais de Cuiabá são
organizadas por ciclos de formação e não por séries ou anos como no estado de São Paulo.
Nesse tipo de organização, cada ciclo tem três etapas ou fases: a antiga classe de
alfabetização, na escola organizada em ciclos, corresponde a 1ª fase ou etapa do 1º ciclo.
Assim, a antiga 4ª série, por exemplo, corresponde a 2ª fase ou etapa do 2º ciclo. Digo ―fase
ou etapa‖ porque no estado é chamado de ―fase‖ e no município ―etapa‖.
Para facilitar a explanação, adotarei a nomenclatura ―anos‖: para o 1º ciclo, falarei em
1º, 2º e 3º anos; para o 2º ciclo, 4º, 5º e 6º anos.
O foco da pesquisa são os anos iniciais (de 1ª a 4ª séries), mas não havia professores
de Educação Física especialistas nas escolas estaduais para tais anos, somente em alguns
municípios do estado, inclusive Cuiabá. Na rede estadual, apesar da Educação Física ser
disciplina integrante do currículo, são professoras licenciadas em Pedagogia quem ministra as
aulas. Optei, então, por pesquisar escolas municipais de Cuiabá.
Em princípio foi escolhida apenas uma escola do Jardim Industriário II para configurar
um estudo de caso sobre a sistematização dos conteúdos, visto o interesse da professora de
Educação Física daquela escola, em contribuir, disponibilizando seus planejamentos semanais
para análise.
A próxima etapa seria a de selecionar outras escolas para análise apenas do
planejamento anual dos professores, com o objetivo de fazer uma sondagem dos conteúdos
selecionados para cada série. Porém, identifiquei que a maioria das escolas não exige o
planejamento anual de seus professores, somente planejamento semanal. Então, não seria
melhor selecionar mais escolas e verificar como os professores organizam os conteúdos para
os anos iniciais do Ensino Fundamental?
Inicialmente, a intenção era selecionar o maior número possível de escolas municipais,
em torno de 20 a 30 escolas, abrangendo as quatro regionais em que são divididas as escolas
de Cuiabá. Sonho? Utopia?
Como já havia visitado a escola do Jardim Industriário II, decidi percorrer a regional
leste, que abrange desde o bairro Bosque da Saúde até o CPA IV. Acabei selecionando
escolas próximas , mas que não pertencem à mesma regional.
Assim, o critério de escolha das escolas constituiu-se em escolhê-las em bairros
diferentes, independente das regionais que ocupassem, tentando abranger maior diversidade
de contextos sociais, aleatoriamente.
57
Após realizar contato com a sexta escola, percebi que não seria possível pesquisar as
20 ou 30 escolas, pois a grande quantidade de dados gerados poderia desviar-me do foco da
pesquisa. Optei por seis escolas.
Cada uma apresentando suas particularidades: desde o espaço físico onde se realizam
as aulas de Educação Física, a metodologia usada para o desenvolvimento delas até a
concepção de ―Educação Física‖, conteúdos e sistematização de conteúdos apropriada pelos
gestores e professores.
2.2.1 As escolas
Selecionados os campos de estudo, a apresentação das escolas seguirá a sequência dos
contatos realizados e serão identificadas com a letra E seguida por um número que
identificará a ordem das visitas, que por questões éticas, manteria em sigilo o nome das
mesmas.
A primeira escola contactada foi a E1, do bairro Jardim Industriário II. O bairro é
localizado na saída do município e a escola abrange desde a Educação Infantil I até o 2º ciclo
(6º ano). Considero uma escola de porte pequeno, visto que atende apenas à Educação Infantil
e aos anos iniciais do Ensino Fundamental. possui duas professoras de Educação Física: uma,
para o período matutino; outra, para o vespertino. Porém, apenas a professora do matutino
aceitou participar da pesquisa. A escola dispõe de um amplo espaço físico entre os blocos de
salas de aula, ampla biblioteca e quadra poliesportiva coberta. Vejamos o que a professora de
Educação Física diz sobre seus espaços (Figura 2):
A sala de aula, eu gosto de aproveitar alguns momentos que não seja de atividades
mais de coordenação motora grossa, e principalmente a quadra porque é um lugar lá
na minha escola que é muito agradável, muito grande, o espaço físico é muito bom,
e é lá que eu trabalho (ROS/ F – 39 anos – P. E1)
58
Figura 2: Quadra da escola E1 durante uma aula de Educação Física
A segunda escola visitada, a E2, localiza-se no bairro Canjica. De porte pequeno,
atende apenas aos 2º e 3º ciclo, pois a Educação Infantil e 1º ciclo são oferecidos por uma
escola que faz fundos com ela. É uma escola muito colorida, com os azulejos nas
paredes,decorados com figuras e mensagens, alertando sobre bons comportamentos e atitudes
positivas. Porém, o espaço físico é pequeno, dando a impressão de só haver salas de aula e
nada mais. A escola tem duas professoras de Educação Física, uma para cada período. Como
na escola anterior,nessa, apenas uma aceitou participar da pesquisa. Para aulas de Educação
Física, a escola não possui quadra ( Figura 3). Segundo a coordenadora, está em reforma; já a
diretora, afirma que não mandará consertá-la porque a comunidade foi quem a destruiu,
podendo ocorrer novamente:
Eu já disse e repito: nós não temos espaço adequado pras aulas de Educação Física.
São jogos intelectivos que não deixa de fazer Educação Física em função dela,
trabalhando o intelecto, trabalhando um todo, dentro da sala. Não tem outro espaço,
porque esse daqui (pátio externo) é só na quarta e quinta-feira, pelo número de
alunos, o espaço é pequeno (CID/ F – 52 anos – P. E2)
59
Figura 3: Pátio externo utilizado para aulas de Educação Física.
A terceira escola, a E3,está situada no bairro Bela Vista. É uma escola de porte
médio, já que oferece desde a Educação Infantil 1 até o 3º ciclo. É uma das primeiras escolas
a receber o projeto Escola em Tempo Integral, do governo municipal, em que as crianças
participam de atividades extracurriculares, como tênis de mesa, Karatê e dança, em período
diverso ao que estudam. Na escola há apenas um professor de Educação Física que atende a
todas as séries. A professora, que inicialmente se dispôs a participar da pesquisa, deixou suas
aulas, em meados de maio/2008, em virtude de ela ser de Tempo Integral. Como o professor
substituto aceitou participar da pesquisa, decidi contar com os dois sujeitos, supondo que, se
existisse uma sistematização de conteúdos, o segundo daria continuidade ao trabalho anterior,
sem perdas para os alunos.
A E3 dispõe de um terreno amplo, conta com uma quadra coberta e o espaço das salas
de aula ocupa apenas parte do terreno. Além da quadra (Figura 4), seus entornos( a sala de
aula, a sala de vídeo, o pátio e a biblioteca) são utilizados pelos professores como espaços
para as aulas de Educação Física. Todas as salas de aula têm ar condicionado.
60
Figura 4: A quadra da escola.
A escola E4 situa-se no bairro ―Carumbé‖, próximo ao presídio de mesmo nome. É de
porte pequeno e oferece Educação Infantil, 1º e 2º ciclos. O prédio da escola é alugado do
Clube Seleta e possui ar condicionado em todas as salas. É uma escola pequena, mas
aconchegante.
A escola tem um professor de Educação Física para cada período e ambos aceitaram
participar da pesquisa. Os espaços para as aulas de Educação Física limitam-se a sala de aula
e um pátio (Figura 5) que, no período vespertino, bate muito sol. Os demais espaços
pertencem ao clube e precisam de autorização para utilizá-los, como o campo de futebol e os
espaços do salão social.
A escola funciona num prédio alugado, então quando tá demais a gente pega o
espaço do clube que é ―Seleta‖, pedi, porque o que é alugado é essa parte aqui, parte
do clube que é o campo de futebol e os espaços do salão social, quando a gente
pede, eles pegam também, aí a gente procura se deslocar e chegar lá... (JOS/ F – 38
anos – P. E4).
61
Figura 5: Pátio coberto utilizado para as aulas de Educação Física.
A quinta escola visitada, E5, centrada no bairro Tancredo Neves, de porte pequeno
oferta a Educação Infantil, 1º e 2º ciclos. Das seis escolas deste estudo, esta é a única que tem
um professor de Educação Física como gestor. As ruas ao redor da escola não são asfaltadas e
o portão que dava acesso da rua à quadra da escola, foi arrancado pela comunidade para
usufruto do espaço.
A escola tem quatro professores de Educação Física, sendo dois para a Educação
Infantil e dois para 1º e 2º ciclos. Os dois professores do Ensino Fundamental se dispuseram a
colaborar na pesquisa, lembrando que apenas estes foram convidados a participar devido às
séries contempladas pela pesquisa.
Para as aulas de Educação Física, há a disponibilidade de uma quadra descoberta
(Figura 6), em que a comunidade adentra a qualquer hora do dia, inclusive durante as aulas de
Educação Física. Há também um espaço cimentado descoberto com portões nas duas
entradas, ou seja, é como uma pequena quadra. E um espaço (Figura 7) ao lado, onde os
professores armam a rede de voleibol.
62
Figura 6: Quadra da escola utilizada para aulas de Educação Física. No muro branco, à
esquerda, é possível observar a entrada da quadra que dá acesso a rua, sem portão.
Figura 7: Espaço utilizado para jogos de voleibol com portão de acesso a quadra pequena ao
fundo.
63
A última escola contatada foi a E6, localizada no bairro CPA III, de porte pequeno
contando com Educação Infantil, 1º e 2º ciclos. As aulas de Educação Física são divididas
entre três professores, os quais participam da pesquisa. A escola conta com um amplo espaço
físico, com dois blocos de salas de aula, um para a Educação Infantil e outro para 1º e 2º ciclo.
Para as aulas de Educação Física, a escola dispõe de uma quadra poliesportiva coberta
(Figura 8), uma sala de vídeo com espelho, quadra descoberta (pouco utilizada pelos
professores) e espaços com sombras debaixo das árvores, como ratifica a fala da professora a
seguir:
Uma quadra, quadrinha e quadra coberta, porque antes a gente fazia aí na frente
debaixo das árvores, aí construíram a quadra coberta que inaugurou aí a gente usa a
quadra lá embaixo. E tem a sala de vídeo também. Tinha a sala de ginástica, com
espelho, com tudo, aí tirou e fez mais uma sala de Educação Infantil. É... Lá no
anexo... Ali tinha ar condicionado... Aí nós perdemos espaço. Aí ficou a quadra e a
sala de vídeo. É porque a demanda é grande, tem muito aluno, não tem creche por
aqui, as creches não chegam e aqui tem Ed. Infantil e tem que acolher (SOL/ F – 50
anos – P. E6)
Figura 8: Quadra coberta da escola utilizada para as aulas de Educação Física.
64
2.3 Os sujeitos
Nas seis escolas optei por pesquisar os gestores (diretores e coordenadores), os
professores de Educação Física dos anos iniciais do Ensino Fundamental e três alunos de cada
um desses professores. Os alunos são do 4º ano do Ensino Fundamental devido a uma das
escolas pesquisadas não atender o 1º ciclo, ou seja, só atende a partir do 4º ano e também, por
preferir não escolher o último ano das séries inicias.
O número de professores que colaborou com a pesquisa corresponde àquele que
trabalham com o 1º e 2º ciclos nas mesmas e em algumas escolas há, no quadro docente, mais
de um professor, trabalhando com os anos iniciais do ensino fundamental. Em outras escolas,
alguns professores se recusaram a participar, o que justifica o número diferente de sujeitos por
escola. O mesmo fato procede com respeito aos alunos, nas escolas em que temos 2
professores participantes da pesquisa, o número de alunos participantes é maior.
A seguir,( tabela 1) é apresentado um delineamento das escolas e quantidade de
sujeitos pesquisados em cada uma delas.
Tabela 1: Delineamento das escolas e sujeitos pesquisados.
Escola
pesquisada
E1
E2
E3
E4
E5
E6
TOTAL
Total de 47 sujeitos
Diretor
1
1
1
1
1
1
6
Sujeitos
Coordenador
Professores de
Educação
Física
1
1
1
1
1
2
1
2
1
2
1
3
6
11
Alunos de 4º
ano
3
3
3
6
3
6
24
Por que pesquisar tantos sujeitos de diferentes funções? Acredito que para
compreender a importância da existência de uma sistematização de conteúdos organizada
pelos professores de Educação Física da rede municipal de Cuiabá-MT. É preciso elucidar o
que a gestão da escola compreende e como interfere nesta sistematização; se os professores
são os únicos responsáveis por esta organização dos conteúdos. Para isso, nada melhor do que
verificar a internalização e compreensão dos mesmos pelos seus alunos. Assim, teremos uma
visão ampla e completa do objeto pesquisado neste estudo.
65
O primeiro passo da pesquisa foi receber a permissão para entrar nas escolas. Assim
sendo, cada uma recebeu um ofício por meio do diretor ou coordenador da escola,
formalizando a coleta de dados na escola, que incluía: entrevistas com professores, gestores e
alunos; fotos; filmagens; cópias de documentos e observações. Aos os alunos que concederam
entrevista, foi enviado um pedido de autorização aos pais.
Quanto à identificação dos sujeitos, durante a pesquisa, foram seguidas as
recomendações de Bogdan e Biklen (1994, p. 77) sobre a preservação de suas identidades.
―As identidades dos sujeitos devem ser protegidas, para que a informação que o investigador
recolha não possa causar-lhes qualquer tipo de transtorno ou prejuízo‖. O anonimato deve
contemplar não apenas o material escrito, mas também os relatos verbais da informação
recolhida durante as observações.
Os sujeitos serão identificados conforme o exemplo a seguir:
LAS/F – 27 anos – P. E1
Legenda:
LAS – corresponde a identificação do sujeito pesquisado.
F – indica o sexo do sujeito — F para feminino e M para masculino.
27 anos – refere-se à idade do sujeito
P – é a legenda destinada a função desenvolvida na escola. P — professor. C — coordenador.
D — diretor.
E1 – escola em que o sujeito pertence.
As crianças terão uma identificação diferente, sendo que todas têm idade entre 9 e 11
anos e é necessário conhecer quem é o seu professor para análise comparativa entre os
discursos do professor e do aluno. A identificação se dará da seguinte forma:
LAS/F – E1 – CIN
Legenda:
LAS – corresponde a identificação do sujeito pesquisado.
F – indica o sexo do sujeito — F para feminino e M para masculino.
E1 – escola em que o sujeito pertence.
CIN – corresponde à identificação de seu professor de Educação Física
66
Assim, todas as transcrições de falas dos sujeitos, referências a documentos entregues
por eles ou observações de suas ações, serão identificadas conforme legenda anterior.
2.4 Procedimentos metodológicos: coleta de dados
Após a definição do lócus e sujeitos da pesquisa, iniciou-se a coleta de dados ,
realizadas em três fases distintas: 1ª) entrevistas com gestores, professores de Educação Física
e alunos das escolas pesquisadas (APÊNDICE A); 2ª) observação de aulas de Educação Física
dos professores participantes do estudo e entrevista com os alunos destes professores; 3ª)
coleta dos planejamentos anuais, bimestrais e/ou semanais dos professores.
2.4.1 As entrevistas
A primeira fase foi realizada durante o primeiro semestre de 2008, até meados de julho
do mesmo ano. Porém, devido à dificuldade de encontrar alguns sujeitos, no caso gestores das
escolas, algumas entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2008, uma delas
próxima ao fechamento do ano letivo.
A decisão em realizar entrevistas, no início da pesquisa, foi tomada com a intenção de
conhecer melhor os sujeitos entrevistados, bem como a percepção que tinham sobre o assunto
abordado. Assim, ficou mais fácil a participação deles das etapas seguintes da pesquisa, como
a observação das aulas dos professores de Educação Física.
A entrevista é uma técnica para recolher dados descritivos, na linguagem do próprio
sujeito, o que permite ao pesquisador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira
como os sujeitos interpretam aspectos do mundo (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Ludke e André (1986) lembram que a grande vantagem da entrevista sobre outras
técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada,
praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Esta técnica
permite ainda correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam eficaz na obtenção das
informações desejadas.
O tipo de entrevista utilizada nesta pesquisa é a semi-estruturada que, segundo Lüdke
e André (1986, p. 35), ―se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado
rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações‖. Assim, foi
elaborado um esquema de perguntas com o objetivo de compreender a visão dos sujeitos
67
quanto aos conteúdos da Educação Física e sua organização para os diferentes anos do Ensino
Fundamental.
Todas as entrevistas foram realizadas dentro da escola, nos momentos de
disponibilidade dos sujeitos. Já a entrevista com as crianças aconteceu após a observação de
uma aula de Educação Física em que se faziam presentes, mais especificamente a segunda
aula dentre as três observadas por mim.
Optei pela gravação das entrevistas em áudio, utilizando um gravador de voz, modelo
ICD-UX70 da Sony. Este modelo grava o som em formato digital (MP3), o que permite uma
ótima qualidade de áudio e a facilidade de transferir as entrevistas diretamente para o
computador. O gravador é pequeno e discreto, não intimidando o entrevistado que,
naturalmente, se mostra apreensivo no início da entrevista.
Para as crianças, procurei mostrar o funcionamento do gravador antes de iniciar a
entrevista, apresentando até mesmo a fala de alguns colegas entrevistados anteriormente para
que compreendessem o mecanismo do equipamento. Desse modo, as crianças desviariam sua
atenção do gravador e se concentrariam na entrevista, uma vez que objetos diferentes sempre
despertam curiosidade nas crianças.
Os sujeitos foram entrevistados em local reservado, normalmente numa sala vazia da
escola, biblioteca ou sala dos professores, para que não houvesse interferência nas gravações e
nem nas concepções dos mesmos, deixando-os a vontade para falarem livremente sobre seus
pontos de vista.
A transcrição das entrevistas é uma tarefa árdua que consome várias horas de trabalho.
Lüdke e André (1986) afirmam que o resultado produzido pela transcrição ainda é bastante
cru, com informações contidas num todo indiferenciado, sendo difícil distinguir, em princípio,
as menos importantes daquelas realmente centrais. Esta técnica permite conhecer o que cada
um dos sujeitos pesquisados pensa realmente sobre o assunto abordado. Posso assim,
conhecer suas concepções, naquilo em que acreditam e se apropriam em sua prática docente,
mesmo que suas crenças não interfiram no seu fazer cotidiano.
2.4.2 As observações
Após o primeiro contato com os sujeitos, no caso gestores e professores, o segundo
momento foi o da observação de três aulas seqüenciais dos professores de Educação Física.
Optei por observar as aulas dos 4º anos, pois é uma série intermediária entre 1º e 2º ciclos e na
qual a maioria dos professores pesquisados ministrava aula.
68
Não foi possível observar as aulas de apenas três professores: a professora ANE já
tinha se afastado para o projeto Escola Integral no segundo semestre; a professora SOL não
ministra aula para 4º anos; e o professor CIN esteve de licença por quase todo o segundo
semestre de 2008. Assim, observei as aulas de oito professores, sendo três aulas consecutivas
de cada, pontuando que os alunos destes professores só foram entrevistados ao término da
segunda aula observada. Foram observadas três aulas devido ao curto tempo para coleta dos
dados e quantidade de sujeitos.
A técnica de observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com
o objeto de pesquisa que, para Lüdke e André (1986), apresenta vantagens como a experiência
direta na ocorrência do fenômeno e a opção do pesquisador em recorrer aos conhecimentos e
experiências pessoais como auxiliares no seu processo de compreensão e interpretação.
Os autores ainda afirmam que a observação direta permite que o observador se
aproxime mais da perspectiva dos sujeitos, auxiliando no descobrimento de novos aspectos do
problema. Contudo, alerta para que o pesquisador não se envolva demasiadamente para que
não obtenha uma visão distorcida do fenômeno, já que a observação pressupõe a interpretação
pessoal.
Nesse sentido, tomei os devidos cuidados para que minha presença não modificasse o
andamento das aulas e nem provocasse sensações angustiantes nos professores e alunos. As
observações foram autorizadas pelos professores de Educação Física, sendo comunicadas e
combinadas previamente.
Elaborei um roteiro para orientar as observações, a fim de me ater em pontos
importantes para a obtenção de dados que me permitiriam uma análise completa do problema.
O roteiro contava das seguintes observações:
a) se o conteúdo citado pelo professor estava sendo desenvolvido durante a
aula;
b) como o conteúdo é desenvolvido segundo suas dimensões conceituais,
procedimentais e atitudinais;
c) a participação e envolvimento com a aula dos alunos que seriam
entrevistados;
d) se havia sequência de conteúdos de uma aula para outra.
Lüdke e André (1986) recomendam que a parte descritiva deva compreender um
registro detalhado do que ocorre ―no campo‖, como descrição de sujeitos, reconstrução de
diálogos, descrição dos locais, de eventos especiais, atividades e comportamentos dos
observados.
69
Em todas as aulas observadas, o primeiro procedimento era de perguntar ao professor
de Educação Física qual seria o conteúdo ministrado naquela aula e anotar no diário de
campo. Depois, acompanhava o professor até o local onde seria realizada a aula, procurando
não chamar atenção das crianças, para não me tornar o centro das atenções e atrapalhar o
professor. Claro que no primeiro dia de observação foi impossível não causar alguma
estranheza nas crianças, mas sanadas todas as dúvidas, logo se esqueciam da minha presença.
Pude, assim, presenciar e anotar os diálogos entre as crianças, entre elas e o professor,
atitudes dos professores em determinadas situações, e até mesmo opiniões, expectativas,
indignações minha, enquanto observadora e outros esclarecimentos necessários. Lüdke e
André (1986) nomeiam esta segunda parte de ―reflexiva‖, em que o pesquisador inclui
anotações pessoais às suas observações.
As observações foram acompanhadas por foto com o objetivo apenas de
complementar ou ilustrar algum fato observado e não na intenção de utilizá-la como um
método de coleta de dados. A câmera utilizada para os registros fotográficos é da marca
Fujifilm, modelo FinePix A330, com 3.2 mega pixels de resolução máxima.
Seguindo as orientações de Lüdke e André (1986), utilizei um pequeno caderno para
anotar minhas observações e destaquei inicialmente a cada registro o dia, hora da aula, local
observado, período de duração, nome do professor e escola. Todo esse material foi transcrito
para o Word, para facilitar o posterior trabalho de análise de dados.
Nas anotações, Bogdan e Biklen (1994) sugerem que todo comentário pessoal do
observador (parte reflexiva) siga a notação C.O, que quer dizer, comentário do observador. Os
diálogos foram ouvidos e transcritos e se encontram entre aspas para facilitar a identificação
do leitor.
2.4.3 Os documentos
O último e talvez mais complicado passo da coleta de dados foi a obtenção de
documentos, no caso, dos planejamentos dos professores de Educação Física. Não foi uma
tarefa fácil, pois cada professor elabora um tipo de planejamento, seja anual, bimestral ou
semanal, todos eles, ou ainda nenhum deles. A maioria dos professores só faz os
planejamentos que são cobrados pela gestão da escola e, mesmo sendo uma responsabilidade
profissional e um compromisso ético, a elaboração de planos de aula semanais são pouco
utilizados pelos mesmos.
70
Desde o início da coleta de dados deixei bem claro todos os procedimentos que
adotaria. Um desses procedimentos é de que seria solicitada ao final do ano letivo de 2008
uma cópia de todo planejamento dos professores. Alguns foram muito além e me entregaram
até cópias dos projetos que desenvolveram durante o ano, porém outros professores não me
entregaram nenhum documento.
Bogdan e Biklen (1994) consideram este tipo de documento como ―oficiais‖, o que
permite um acesso a perspectiva oficial, bem como às várias maneiras como o pessoal da
escola se comunica. Considero assim os planejamentos como documentos oficiais, do tipo
técnico (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), em que os professores organizam suas tarefas com
precisão e eficiência para executá-las em sua prática diária.
Lüdke e André (1986, p. 39) indicam três situações básicas em que é apropriado o uso
da análise documental, uma delas justifica nossa escolha que é ―quando se pretende ratificar e
validar informações obtidas por outras técnicas de coleta, como, por exemplo, a entrevista, o
questionário ou a observação‖. Nesta pesquisa, a análise documental é um importante
instrumento que permitirá identificar quais conteúdos planejados e se fazem parte das suas
aulas.
Assim, pude averiguar o que ―dizem‖ os professores (entrevistas), o que
―pensam/planejam‖ (análise documental) e o que ―fazem‖ (observação das aulas). Deste
modo contemplaria uma dimensão maior do objeto de estudo desta pesquisa. .
2.5 A análise dos dados
As análises basearam-se na análise interpretativa dos dados coletados, a fim de
construir-se um conjunto de categorias descritivas.
Em princípio, defini três grandes categorias de análise baseada nos sujeitos desta
pesquisa: a primeira refere-se aos gestores; a segunda, aos professores e a terceira, aos alunos,
lembrando que o meu objeto de pesquisa é a sistematização de conteúdos da Educação Física
para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental. Estas três grandes categorias
correspondem a cada um dos meus três capítulos de análise.
O primeiro capítulo de análise foi elaborado a partir das análises das respostas dos
gestores. Foram detectadas recorrências nas respostas dos mesmos, originando assim cinco
subitens de análise: as orientações gerais passadas aos professores de Educação Física; as
orientações sobre os conteúdos específicos; a visão dos gestores sobre a interdisciplinaridade
e trabalho com projetos; os conteúdos trabalhados pelos professores de Educação Física
71
segundo depoimentos dos gestores; os conteúdos que os gestores acreditam que deveriam ser
ensinados nas aulas de Educação Física e não são.
No segundo capítulo da análise dos professores, dividi em três partes partindo dos
elementos de análise, pensando na lógica de construção da sistematização de conteúdos pelos
professores. Neste sentido, no primeiro momento, apresento a análise dos planejamentos dos
professores, pois mesmo sendo a última fase da coleta de dados, subentende-se que o ato de
planejar é anterior ao ―dizer sobre‖ ou ―executar a ação‖. Na sequência, a segunda fase da
análise, corresponde à fala dos professores (entrevistas) e, a terceira fase, às observações de
suas aulas (ao fazer do professor).
O terceiro capítulo de análise corresponde às falas das crianças sobre quais conteúdos
aprendem nas aulas de Educação Física. Percebe-se que há também uma lógica na sequência
dos capítulos propostos, lendo o contexto escolar numa estrutura vertical: os gestores
oferecendo apoio administrativo e pedagógico aos professores, estes, elaborando e executando
suas ações pedagógicas e os alunos, foco do ensino-aprendizagem, recebendo os
conhecimentos transmitidos pelos professores.
A estrutura da análise é a seguinte:
Capítulo 3 – Orientações dos gestores quanto à sistematização de conteúdos (análise
de entrevistas e documentos).
Capítulo 4 – Sistematização de conteúdos: visão dos professores de Educação Física.
 O que planejam? (análise de documentos);
 O que dizem? (análise das entrevistas);
 O que fazem? (análise das observações de aulas);
Capítulo 5 – A visão dos alunos: quais conteúdos aprendem?(entrevistas).
72
Capítulo 3
PERCEPÇÕES DOS GESTORES: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Venho neste momento retratar as percepções dos gestores das escolas pesquisadas
quanto aos conteúdos específicos da Educação Física, bem como uma possível sistematização
dos mesmos para cada ciclo de aprendizagem e/ou cada ano inicial do Ensino Fundamental.
Lembrando que os gestores contribuíram com a pesquisa através de entrevistas e, apenas um
gestor — único da área de Educação Física — com documentos oficiais, no caso, seu
planejamento, de quando atuava como professor.
Aos gestores, direcionei dois questionamentos fundamentais: um, alusivo aos
direcionamentos dados aos professores de Educação Física quanto aos conteúdos específicos:
outro, sobre as orientações em relação à organização destes conteúdos, para cada ano do
Ensino Fundamental (1º e 2º ciclos).
A seguir, serão apresentados os depoimentos dos gestores, bem como a análise de suas
falas. Os depoimentos foram classificados de acordo com as categorias teóricas iniciais ou
conceitos emergentes (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).
3.1 Orientações dos gestores aos professores de sua escola
Serão apresentados os depoimentos dos gestores sobre as orientações dadas aos
professores de Educação Física da sua escola a respeito dos conteúdos específicos e sua
organização para os ciclos. Vejamos o que dizem as diretoras de três escolas:
Olha, esse lado aí eu deixo mais pro coordenador. Eu vou ser sincera pra você, tá?
Ela fala comigo o que vai fazer com o profissional e eu apoio, tá tudo bem pode
fazer desse jeito, tá? (NAI/F – 52 anos – D. E6).
(...) a coordenadora está sempre perto, tá sempre cobrando, discutindo com eles. Só
que, ainda não sai tão... não sai. A gente acaba perdendo a... A SIL, a coordenadora,
que é ela (coordenadora) que tem um contato maior, eu fico sabendo porque a gente
conversa muito, eu fico sabendo mas não sou eu que acompanho diretamente, é ela
(ANT/F – 38 anos – D. E4).
Da parte pedagógica não, eu posso assim, em reunião ou nós duas conversando, eu
dar alguma sugestão, mas a coordenadora é encarregada pelo pedagógico. Ela não
toma nenhuma decisão sozinha, assim como eu não tomo nenhuma decisão sozinha,
mas conjuntamente, com ela a frente do pedagógico (ROS/F – 32 anos – D. E1).
Contextualizando a gestão das escolas, nas três respostas anteriores percebi que os
diretores, mesmo tendo uma opinião própria e, às vezes, até diferente das coordenadoras, a
73
atribuição de fazer considerações acerca da prática pedagógica do professor é da coordenação,
o que também não impede ao diretor de fazê-la. Na realidade, a função de coordenação, em
qualquer escola, exige por parte do professor que a assume, um contato maior com as práticas
pedagógicas. Então, salvo algumas exceções, a maioria dos questionamentos foi respondida
com maior profundidade pelas coordenadoras.
Outras duas escolas optam pelo trabalho coletivo entre diretora e coordenadora,
ficando ambas responsáveis por acompanhar o trabalho do professor de Educação Física e
fazer as orientações pedagógicas necessárias. Na fala das gestoras da E2 esta visão não é
explícita, mas fica bem evidente no decorrer da entrevista. Já a diretora da E3 deixa isso bem
claro em sua fala. Vejamos:
A minha interferência é direta, enquanto diretora não, mas eu diria assim, eu sou
uma diretora muito pedagógica. Eu falo a verdade pra você, assim, eu sou mais do
pedagógico do que do administrativo, muito embora eu tenho as pessoas que a gente
caminha bem dentro da escola. A gente procura fazer um trabalho coletivo, então, a
gente num tem isso assim, a coordenadora que tá fazendo isso, a diretora que tá
fazendo, não. Esse é um trabalho coletivo mesmo, dentro da escola, e aí quando eu
vejo qualquer coisa assim que muitas vezes, pra mim, algumas horas pode não estar
correta, minha prática é sentar primeiro com a coordenadora ver como que está, ver
o que ela acha, como nós vamos trabalhar, e aí a gente trabalha. Eu nunca fiz um
trabalho isolado de chamar a professora de Educação Física e falar olha você tem
que trabalhar assim, assim não. Por exemplo, ontem na hora que a coordenadora
chegou na escola eu já estava com o e-mail do professor e já estava passando pra ele
como que nessa escola trabalha. Então quando a coordenadora chegou ela fez só
complementar porque a gente não tem assim você tem que dar isso. (ENE/F – 54
anos – D. E3).
Na escola E5, a situação é distinta, pois o diretor da escola é professor de Educação
Física. Inclusive, vale ressaltar que o diretor BER é o único gestor do sexo masculino
participante desta pesquisa, sendo os demais do sexo feminino. A coordenadora da E5 diz
―(...) porque assim, eu não tenho uma formação em Educação Física, a gente não domina
tudo, mas eu tenho o BER que tá sempre ajudando a orientar, porque ele é um professor de
Educação Física. Então ele ajuda a orientar os professores‖ (ERO/F – 39 anos – C. E5).
Sobre os conteúdos específicos da Educação Física, duas coordenadoras (SIL e OLI)
relatam que não interferem no trabalho do professor de Educação Física, tendo ele autonomia
para escolher os conteúdos para cada ano de ensino. Na fala da coordenadora SIL a seguir, o
que se percebe é a liberdade para os professores escolherem a melhor forma de trabalhar,
dando apenas direcionamentos mais gerais, no âmbito pedagógico e não indicando conteúdos
a serem trabalhados.
74
Por não dominar, é uma área que as professoras dominam muito mais do que eu, os
conteúdos basicamente são elas que definem. Por exemplo, tá aqui a habilidade que
foi encaminhada pela rede, aí o quê que a professora precisa fazer para dar conta,
quais são os conteúdos que ela vai lançar mão pra dar conta? Aí a gente discute as
habilidades, qual que é o conteúdo? Se ela me disser é esse que vai dar conta, eu não
tenho argumentos pra rebatê-la, não tenho, o que elas me dizem acaba ficando, né?
Em algumas situações eu leio a respeito sobre o assunto, sobre a temática, eu tento
comparar, verificar, mas eu ainda não tive elementos pra perceber que tinha alguma
irregularidade grande naquilo que elas fizeram. Eu não tenho condições,
infelizmente... (SIL/F – 34 anos – C. E4).
A coordenadora OLI da escola E1, diz que as professoras de Educação Física de sua
escola organizam os conteúdos no planejamento anual e assim, não precisam acrescentar
outros direcionamentos. Vejamos o que ela diz:
(...) no início do ano elas fazem planejamento anual e aí dentro do planejamento
anual elas mesmo já dividem isso, então não precisa de eu estar acrescentando em
um trabalho que já está bem dividido, elas dividem muito bem, tanto pelo ciclo
como pelo ano de cada ciclo. Aí são além desse trabalho, quando eu recebo o
planejamento anual já vem tudinho as orientações específicas. Porque no início do
ano nós temos uma semana de planejamento e esse planejamento além de reuniões
pedagógicas, nós temos um momento pra que cada professor coloque é... no papel
tudo o que vai ser trabalhado. (...) E aí dentro desse planejamento, que é o
planejamento anual, quando eu retenho, eu vejo quais são as orientações, como elas
vão trabalhar e durante o ano aí tem planejamento semanal e elas fazem essa
especificidade... (OLI/F – 47 anos – C. E1).
O planejamento de ensino deve ser compreendido e concebido como uma das
responsabilidades do professore, portanto, também do professor de Educação Física, que tem
condições de organizar sua tarefa docente com precisão e eficiência (MOREIRA, 2008).
As análises mostraram que os diretores pouco interferem no trabalho dos professores
de suas escolas, deixando esta ação para os coordenadores. Acredito que se os professores de
Educação Física tivessem a consciência da importância de planejar suas aulas, organizando os
conteúdos para cada ano da educação básica, as discussões a respeito da sistematização de
conteúdos teria outro enfoque. Não precisaria ser enfatizada sua necessidade, tão pouco
constatar a falta dela, mas as discussões poderiam permear dimensões mais metodológicas do
que conceituais.
3.2 Conteúdos específicos orientados pelos gestores
Os documentos formais mais citados pelos gestores como base utilizada para sugerir
conteúdos
específicos
da
Educação
Física
aos
professores
de
sua
escola
são
fundamentalmente três: os PCNs, o projeto da Escola Sarã e o dossiê. Os dois primeiros são
apenas citados, porém os dossiês são mais evidenciados na fala de alguns gestores. Outro
75
documento, mas este de caráter informal, citado como orientação aos professores é o
planejamento pessoal elaborado pelo diretor BER enquanto ainda professor de Educação
Física de sua escola.
Vale à pena ressaltar que os gestores deram ênfase nos questionamentos sobre os
conteúdos específicos, porém sobre a sistematização dos mesmos a maioria desviou o assunto,
voltando a falar apenas dos conteúdos específicos.
Apenas em uma das escolas os gestores não fazem menção a nenhum documento
formal que apresente aos professores a fim de orientar seu trabalho. E, das seis escolas
pesquisadas, em três delas os gestores mencionam utilizar os PCNs como orientação para os
professores de Educação Física selecionarem os conteúdos específicos e sistematizar os
mesmos. Vejamos as falas a seguir.
Tem orientação porque nós trabalhamos com os PCNs, embora o pessoal não usa,
mas eles são de grande contribuição para que nos dê diretrizes pra fazer ou o projeto
da EF, ou o plano de aula, ou o planejamento, é ele que nos dá a diretriz (...) (VIT/F
– 56 anos – C. E2).
Da Secretaria de Educação não, nós seguimos como orientação também os
Parâmetros Curriculares. Vindo diretamente de lá pras escolas não. Mas eles tem é...
pagam curso, foi esse ano? Foi ano passado se não me engano que eles tiveram...
esse ano também tiveram (ROS/F – 32 anos – D. E1)
(...) nós temos assim o PCN, né? que eu passo pra eles, distribuo o material pra eles,
que é o que eu tenho acesso a alguns materiais eu distribuo pra eles (ERO/F – 39
anos – C. E5).
A coordenadora VIT, quando questionada se existia alguma orientação da gestão da
escola em relação aos conteúdos específicos a serem trabalhados na Educação Física,
menciona os PCNs, mas alega que são pouco utilizados pelos professores. Já a diretora ROS
comenta que da Secretaria de Educação não existe nenhuma orientação para os conteúdos
específicos e nem para organização dos mesmos para cada ano de ensino. É interessante esta
fala porque sugere que a Secretaria de Educação não interfere no trabalho pedagógico das
escolas, dando-lhes autonomia para escolher a melhor forma de trabalhar. Entretanto, existe
sim um referencial oficial que aborda conteúdos específicos, embora precariamente, que é o
projeto da escola Sarã.
No caso da escola E5, a coordenadora relatou que oferece os PCNs aos professores de
Educação Física fazerem uso do material; o diretor da escola, já sugere o livro da escola Sarã
como referência ao trabalho dos professores, pois o material traz os objetivos para cada ciclo
e a partir daí podem organizar os conteúdos.
76
(...) No Livro Sarã, que é a ―Bíblia‖ da escola municipal, não só pra Educação Física
como também pras outras disciplinas, em termos curriculares, lá tem os objetivos de
formação pro primeiro ciclo, pro segundo ciclo e também pra Educação Infantil.
Então, pra se montar um planejamento tem que estar baseado ali, os tipos de
atividades aplicadas e desenvolvidas em cada faixa-etária, Educação Infantil,
primeiro ciclo e segundo ciclo. Aí cabe ao professor se organizar pra tomar esse
cuidado pra... não é? (BER/M – 44 anos – D. E5).
Neste momento, acredito que os dossiês merecem destaque, já que no referencial
teórico pude relatar os conteúdos propostos pelos PCNs e escola Sarã. Os dossiês constituemse documentos de avaliação exclusivos para todas as escolas da Secretaria Municipal de
Educação de Cuiabá-MT. Este documento, diferente para cada ciclo, traz uma matriz de
habilidades e competências que os alunos devem desenvolver através do trabalho do
professor. Não importa qual conteúdo será desenvolvido, ele sempre será avaliado em relação
às habilidades e competências (resultados esperados) determinadas para a matriz do ciclo em
que ele se encontra.
Em duas das escolas pesquisadas, os gestores fazem menção aos dossiês. A diretora da
E3 explica que as habilidades contidas nos dossiês foram retiradas do projeto da escola Sarã.
Vejamos sua fala.
Como referência nossa, seria ainda a escola Sarã, tá? Porque nós temos um manual
praticamente porque ali, e também dentro do projeto Sarã foi feito um trabalho
coletivo dentro da rede, todo mundo estudou, então ali já tem todas as nossas
habilidades, e essas habilidades foram elaboradas também pelos professores de
Educação Física. Então a gente, praticamente não diria que é a nossa... mas é o
nosso dia a dia, o que contempla no dossiê, também contempla dentro do nosso
projeto político pedagógico (ENE/F – 54 anos – D. E3)
A coordenadora e a diretora da E3 têm a mesma opinião quanto à utilização dos
dossiês para seleção de conteúdos específicos. Elas dizem que não existe direcionamento para
o conteúdo em particular, mas que nas habilidades trazidas pelos dossiês já estão descritos os
conteúdos a serem trabalhados.
Não, não os conteúdos, assim, em si, não, mas de acordo com as habilidades que
eles têm que desenvolver, de acordo com o dossiê, porque é através daqui que a
gente trabalha, e eles, daqui, ele mesmo vai tirar os conteúdos (NOR/F – 44 anos –
C. E3).
(...) mas neste dossiê dos alunos, já vem praticamente o que específico que eles têm
que trabalhar. Então, a gente tem o nosso projeto, mas não esquece das habilidades
que cada aluno tem que alcançar, e aqui nesse dossiê, já estava escrito de todas as
disciplinas como o professor tem que trabalhar, né? As habilidades (ENE/F – 54
anos – D. E3).
Vejamos então as habilidades contidas nos dossiês de 1º e 2º ciclo. Ambos trazem
inicialmente uma página contendo os ―aspectos psicológicos e atitudinais‖ que são
habilidades gerais a serem atingidas por todas as disciplinas.
77
Estas habilidades são as mesmas para 1º e 2º ciclo, e são elas: revela comportamento
de assiduidade; demonstra pontualidade nas entradas e saídas da escola; realiza tarefas na
escola em casa, com autonomia; demonstra atitudes de conservação do patrimônio público;
emite opiniões, formula perguntas e suposições sobre o assunto em estudo; relaciona-se de
forma educada com os colegas e professores (evita agressões físicas e verbais); demonstra
atitudes de autoconfiança frente às aprendizagens; envolve-se nas atividades propostas em
sala e extraclasse; participa das aulas de apoio com assiduidade e pontualidade, quando
encaminhado.
Entendo que estas habilidades se referem à dimensão atitudinal do conteúdo, proposta
por Coll e colaboradores (2000) e, ainda, podem ser classificadas como transversais, pois são
comuns a todos conteúdos de todas disciplinas, como apresentado no referencial teórico.
Para o 1º ciclo, a diretora da E3 nos alerta que ―não é por disciplina, é por área, no
caso, Linguagens. Mas há alguns itens, por exemplo,como apresentar movimentos de
destrezas de acordo com as possibilidades, então a gente vê aqui no que a professora de
Educação Física pode estar avaliando‖ (ENE/F – 54 anos – D. E3).
Na área de Linguagens, lócus da Educação Física, das dezessete habilidades a serem
atingidas pelos alunos ao longo dos três anos do 1º ciclo, apenas três correspondem a
Educação Física. São elas:
1) Apresentar movimentos de destreza, de acordo com suas possibilidades individuais,
durante os jogos, lutas, danças, esportes e ginásticas;
2) Reconhecer que a cooperação e o sentimento comunitário são mais importantes que
a luta competitiva;
3) Criar, imitar e recriar gestos, expressões, coreografias, sequências de movimentos
corporais.
A diretora ENE completa que ―as habilidades mostram que os conteúdos já estão
descritos nessas habilidades‖. Neste sentido, a primeira habilidade descrita anteriormente
indica, por exemplo, que eu posso selecionar os conteúdos jogos, lutas, danças, esportes e
ginásticas e suas possibilidades de movimentação, além do conhecimento do próprio corpo.
É possível perceber que através destas habilidades a serem avaliadas nos dossiês, os
professores de Educação Física tenderiam a selecionar os blocos de conteúdos explicitados
pelos PCNs (conhecimentos sobre o corpo; esportes, jogos, lutas e ginásticas; atividades
rítmicas e expressivas). Além de também direcionar a seleção de conteúdos atitudinais, como
a cooperação e criatividade.
Para o 2º ciclo, as habilidades e competências estão divididas por disciplinas e,
portanto, a Educação Física tem uma página exclusiva. São descritas seis habilidades a serem
avaliadas na Educação Física, sendo elas:
78
1) Participar em atividades rítmicas e expressivas, danças da localidade, coreografias,
etc.
2) Participar em atividades competitivas, respeitando as regras, não discriminando
colegas e admitindo frustrações.
3) Expressar opiniões pessoais quanto a atitudes e estratégias a serem utilizadas em
situações de jogos, esportes e lutas.
4) Compreender a relação e a importância da prática das manifestações corporais
enquanto fator de manutenção da saúde e bem estar físico e mental.
5) Participar da prática/exibição das manifestações corporais na escola e na
comunidade.
6) Demonstrar sensibilidade às solicitações dos outros membros do grupo.
Novamente é possível destacar os blocos de conteúdos contidos nos PCNs como base
para seleção de conteúdos através das habilidades descritas acima. Percebe-se também que há
uma progressão em relação ao primeiro ciclo, ou seja, um leve aprofundamento das
habilidades e, consequentemente, dos conteúdos.
Deste modo, pelo menos em relação aos ciclos de aprendizagem (1º e 2º ciclos),
subentende-se que os conteúdos devem ser distintos, sugerindo que o professor de Educação
Física deva sistematizar os conteúdos e não repeti-los ou simplesmente reproduzi-los em cada
ciclo de aprendizagem. Por exemplo, quando se pensa no bloco de conteúdos ―conhecimentos
sobre o corpo‖, para o 1º ciclo é necessário conhecer o próprio corpo e seus limites, e no 2º
ciclo as relações entre atividade física e saúde. É o indício de que este conteúdo deve ser
organizado para cada ciclo.
Quando questionadas sobre a existência de uma sistematização dos conteúdos
específicos para a Educação Física, a coordenadora NOR diz se basear nas habilidades, que o
professor deve avaliar se foi ou não construída pelo aluno. Porém, não evidencia nada em
específico sobre a sistematização.
Tudo em cima das habilidades (...), por exemplo, ela vai ter que... Construída ou não
construída. Então se ela desenvolveu a participação rítmica dos alunos, ela sabe se o
Cláudio construiu essa habilidade, porque essa aqui, essa aqui é a avaliação do
aluno. (...) É porque nós somos escola ciclada, é escola ciclada, então, tudo a gente
vai ver dentro do dossiê (NOR/F – 44 anos – C. E3).
A diretora ENE, no entanto, explicita que as habilidades devem ser trabalhadas no
decorrer dos três anos do ciclo, cabendo ao professor eleger atividades para desenvolvê-las.
Ela sugere que as atividades podem ser as mesmas para cada ano, mas com diferentes graus
de dificuldade. Percebe-se que ela fala de atividades aplicadas durante as aulas e não em
conteúdos específicos para cada ano de ensino.
79
Tem, tem sim. Por exemplo, no primeiro ciclo, deixa eu pegar um dossiê pra você
ver, o dossiê ele é feito pra 3 anos, entendeu? (...) O professor põe a mesma
habilidade, aqui também as habilidades, mas aí o professor vai ter que fazer as
atividades para trabalhar as habilidades que estão descritas aqui. Pode ser a mesma
coisa, mas vai alcançando um grau de dificuldade, por exemplo. (ENE/F – 54 anos –
D. E3).
Na escola E4, a diretora relata que a equipe (gestores e professores) foi além da
divisão por ciclos de aprendizagem e decompuseram as habilidades em etapas. As etapas
correspondem a cada ano dentro dos ciclos, ou seja, dentro das habilidades propostas para
cada ciclo, a equipe destacou quais seriam específicos para o 1º ano, 2º, 3º até o 6º ano.
(...) tem? Porque a gente recebe a matriz de habilidades que vocês já devem ter
entrado em contato com ela. Então lá, tem assim o que você precisa trabalhar no
primeiro ciclo, no segundo (...) o professor quando ele vai fazer a avaliação dele,
eles têm como referência a matriz (...) tem que trabalhar tá lá dentro. E esse início de
ano foi levantado assim, o que o primeiro ciclo tem, o que cabe a ela dentro dessa
matriz que se avalia em ciclo que são três anos, o que o primeiro ciclo cabe a ela, o
que não, o que a primeira etapa cabe a ela, o que a segunda cabe, o que a terceira
etapa cabe, dentro de um ciclo. (...) A orientação é por ciclo e dividido em etapas a
partir deste ano. Então nós estamos tentando trabalhar dessa forma, até pra não se
perder, que quando você fala em ciclo, né? são três anos, então, vai deixando, vai
deixando e no final do ciclo atropela e num dá tempo mais... (ANT/F – 38 anos – D.
E4).
Esta divisão por etapas relatada pela diretora ANT foi uma forma encontrada para que
os professores não trabalhassem com determinadas habilidades em um ano e deixassem de
lado as outras, tendo ao final do ciclo que resgatá-las de uma vez só. A proposta desta escola é
interessante, mostrando a necessidade de se ter habilidades específicas para cada ano de
ensino e, consequentemente, de uma sistematização dos conteúdos da Educação Física.
Não obstante, a E5 tem em sua direção um professor de Educação Física, o único
gestor com formação específica nas escolas pesquisadas. O diretor BER, quando ainda
professor de Educação Física da mesma escola, construiu em sua prática docente saberes
sobre os conteúdos específicos que são repassados aos professores de sua escola. Estes
saberes estão inscritos no seu planejamento que se constitui um documento informal de
orientação aos professores de sua escola.
É perceptível em seu depoimento a insatisfação com as aulas de Educação Física em
sua escola, pois tinha a utopia que com o seu apoio na direção da escola, a Educação Física
seria melhor. Observemos sua narração a seguir.
80
É tratamento... Até brincando, eu não sei, acho que é tratamento de Deus. É... a
minha luta pra mim hoje tá aqui não foi fácil, porque os alunos eles não queriam que
eu deixasse a sala de aula, por causa disso, que eles não queriam me perder, mas eu
como bom político escolar, eu prometi pra eles, eu falei: ―Não, virão professores
melhores, eu vou virar as costas, vocês vão escolher dois ou três melhores do que eu,
vocês vão me abandonar‖. Então coloquei tudo isso pra eles, mas... infelizmente não
aconteceu, os que eu queria que viessem pra cá, não teve como eu trazer pra cá,
entendeu? (BER/M – 44 anos – D. E5).
O diretor BER, quando deixou a sala de aula para ser diretor, tinha como ideal tentar
melhorar a Educação Física em sua escola. Os saberes construídos em sua prática docente
foram repassados aos professores de sua escola, mas não são aplicados como ele queria. Ele
afirma ainda ―eu tenho observado, como bom observador, que não aplica, não aplica,
infelizmente não aplica, né? Uns aplicam e outros não. Eu fico triste de ver uma situação
desta (...)‖ (BER/M – 44 anos – D. E5). A escola ainda conta com vários projetos
conquistados por ele.
Em sua fala de planejamento anual construído em sua prática docente não foi possível
perceber uma sistematização dos conteúdos para cada ano de ensino, porém em alguns
momentos ele propõe atividades específicas para cada ciclo (1º e 2º). Em seu planejamento,
explica detalhadamente quais são os conteúdos específicos dentro de cada bloco de conteúdos
dos PCNs.
Ele divide os conteúdos para cada bimestre do ano letivo, sendo ―Jogos e
Brincadeiras‖ para o 1º bimestre, ―Dança e Lutas‖ para o 2º bimestre, ―Ginástica‖ para o 3º
bimestre e ―Esportes‖ para o 4º bimestre. Não faz referência aos ―conhecimentos sobre o
corpo‖, porém em seu planejamento identifiquei alguns conteúdos relacionados a este bloco.
Ele também não especifica os conteúdos em suas três dimensões (conceitual, procedimental e
atitudinal), contudo é notável em seu planejamento que trabalha com as três.
Em seu depoimento, dá exemplos de como desenvolver cada conteúdo, explicitando
que está tudo em seu planejamento. Vejamos primeiro o que ele propõe para o 1º bimestre
sobre os conteúdos ―Jogos e Brincadeiras‖.
Jogos e brincadeiras é trabalhar, é... Brincadeiras de roda, resgatar as brincadeiras da
região, do bairro, quais são as principais brincadeiras, jogos e brincadeiras que as
crianças mais brincam no bairro, então se faz um questionário, pesquisa pra eles...
Pra saber quais são os principais jogos e brincadeiras que os pais deles brincavam e
quais são os principais jogos e brincadeiras que as crianças brincam aqui no bairro,
então se faz um questionário, se faz uma votação, aí depois essa votação fica
sabendo quais são as mais... Quais são as brincadeiras que eles mais praticaram, aí
essas brincadeiras, aí o professor aplica, né, de acordo com vontade deles, vamos
jogar hoje é... Esconde-esconde, pique latinha, corre-cutia, entendeu? Então é os
jogos e brincadeiras, e os jogos é... Regionais da região, tá? É o jogo de bola que
fala, né, joga bola no campinho, de travinha (BER/M – 44 anos – D. E5).
81
As atividades citadas anteriormente referem-se aos conteúdos de Jogos e Brincadeiras
Populares, Regionais e da Época, explícitos em seu planejamento. A seguir, a figura 9 retirada
de seu planejamento anual registra os conteúdos específicos sugeridos/trabalhados por ele
neste bloco de conteúdos.
Figura 9: Conteúdos Jogos e Brincadeiras, retirado do planejamento
entregue pelo diretor BER (BER/M – 44 anos – D. E5).
A partir do depoimento do diretor BER, da figura exposta anteriormente e análise do
material entregue por ele, cheguei ao quadro 8 abaixo que apresenta todos os conteúdos
trabalhados no 1º bimestre por ele. Os conteúdos nem sempre estavam explícitos, então foi
preciso ler nas entrelinhas para detectar o conteúdo sugerido. A divisão nas três dimensões
também foi elaborada por mim, já que não organiza os conteúdos desta forma apesar de
trabalhá-los.
82
Quadro 8: conteúdos ―Jogos e Brincadeiras‖
Dimensão do
conteúdo
Conceitual
Procedimental
1º Bimestre — JOGOS E BRINCADEIRAS
Conteúdos propostos
Atividades sugeridas
1º ciclo
2º ciclo
Levantamento
e
investigação
dos
jogos/brincadeiras conhecidos dos alunos,
professor, família e bairro.
- Estórias e relatos sobre jogos e brincadeiras da
infância, professor, pais, próprio aluno e colega.
1- Jogos populares, regionais, nacionais,
modernos, antigos e de época
- Aplicação/Vivência de jogos e brincadeiras
conhecidos dos alunos, professor, família e bairro.
- Desenho de jogos praticados.
2- Jogos simbólicos
Maestro, macaco Macaco
disse,
disse, corre cotia, maestro, ir a
coelhinho sai da festa,
batata
toca,
casinha, quente, adivinha,
boneca, carrinho, memória.
espelho, estátua,
batata quente.
3- Jogos de socialização em equipe
Futeboliche, pegador com bola (mão e
pé), queimada das pontas, queimada
maluca e simples, cola-cola, pegapega, pique no alto, tênis de quadra,
jogo de bolita, esconde-esconde,
pique-latinha, maestro, morto ou vivo,
corre cutia, garrafa venenosa,
coelhinho sai da toca, amarelinha,
handeboliche, futsal travinha, jogo da
linha, futebol sentado.
4- Jogos com regras
Futebol sentado, Jogo de bola,
jogo de bola, handeboliche,
rouba bandeira, futebol travinha,
handeboliche,
rouba bandeira.
etc.
5- Jogos motores, de percepção, sensoriais: coordenação motora geral (óculo – manual –
pedal), orientação espaço-temporal, atenção, percepção, agilidade.
6- Jogos competitivos e pré-desportivos:
- noções táticas, de organização e colaboração.
- habilidades de lançar e manusear a bola.
7- Jogos:
- mentais
- construção
- recreativos (livres
- afetivo-social
- lúdicos
e dirigidos)
8- Brincadeiras de roda: cantigas, ladainhas e cantadas
- Questionamentos de regras
Atitudinal
- Comunicação/ relacionamento aluno-escola, aluno-família e aluno-bairro.
- Compromisso, prestação de contas, responsabilidade e deveres
- Ficção, imaginação, imitação, criatividade, desafio, bons hábitos, saúde e bem estar,
expressão, atitude e valores, socialibização, aproximação, comunicação e afetividade.
- Jogos com regras: organização de equipes (par ou impar, dois ou um, tempo, número de
pontos, número de alunos, equipes mistas ou não, escolha de quadra ou bola, camisa ou
sem camisa, vencedor ou perdedor, outra oportunidade, eliminado, ganhador, perdedor)
- regras de convivência, liderança, conscientização.
- participação, segurança, desafio, interesse, socialização, criatividade em grupo, regras.
Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5
83
Darido e Rangel (2005) nos alertam quanto às características dos jogos, podendo ser
reproduzidos, transformados ou criados. Se observarmos atentamente o quadro anterior,
verifica-se que o diretor BER propõe apenas jogos ―reproduzidos‖, ou seja, aqueles que
possibilitam a manutenção das tradições culturais. Este tipo de jogo está em constante
transformação, pois vão incorporando criações que são transmitidas pela oralidade. As autoras
enfatizam que a reprodução de jogos é necessária nas aulas de Educação Física, desde que o
aluno saiba exatamente por que se está reproduzindo.
Os jogos também podem ser transformados e/ou criados. Estes dois tipos envolvem
conteúdos atitudinais como a criatividade, resolução de problemas e criação/modificação de
regras. Porém, este tipo de jogo, tão importante para a formação crítica e autônoma dos
alunos, não aparecem na fala ou planejamento do diretor BER.
Sobre este bloco de conteúdos, ainda senti a necessidade de diferenciar ―jogo‖ e
―brincadeira‖, além de sistematizar os conteúdos. No entanto, a sistematização não é proposta
para nenhum conteúdo explicitado em sua proposta, mas é um avanço elencar esta diversidade
de conteúdos para os anos iniciais do Ensino Fundamental.
A dança, compreendida no bloco de conteúdos ―atividades rítmicas, expressivas e
danças‖, é proposta para o 2º bimestre. O diretor BER explica as estratégias que utiliza para
aplicar estes conteúdos nas aulas de Educação Física, enfatizando a utilização de monitores,
ou seja, ex-alunos da escola como auxiliares nas aulas e eventos. Vejamos o que ele fala.
Com relação a dança também a orientação que tá no planejamento do professor é...
também faz um questionário, quais são os principais tipos de dança que os pais
também mais gostavam ou mais gostam de praticar e de dançar, quais são os lugares
onde as pessoas mais dançam, onde que as pessoas dançam, e depois a parte, outra
parte teórica é repassar pros alunos vários tipos de dança, pede pra eles trazerem de
casa,o cd, as músicas, aí a gente ouve as músicas tudinho, aí começa a definir, que
música que é, que ritmo que é, tá? E depois a questão prática é mostrar alguns
ritmos, de tipos de dança, principalmente da região, rasqueado, tem o lambadão,
cururu, siriri, e outras danças, e daí se cria coreografia e já envolve os alunos pro
festival de dança, envolve a comunidade, envolve os ex-alunos também pra fazer
parte do festival de dança, envolve os ex-alunos ou os alunos que tem uma qualidade
já na dança tem um potencial, esses alunos eles trabalham como monitores nas aulas
de Educação Física já ensinando outros, você passa duas, três, quatro movimentos
pra eles aí já se cria uma coreografia e ele já começa a fazer uma coreografia pra
um, pra outro, tal, então daí vai construindo várias outras coreografias e os ex-alunos
desses que sempre gostaram de dança, que eram destaque nas aulas de dança, a
gente convida eles pra tá aqui eles sempre como já trabalharam em outras escolas a
questão da dança, então eu convido eles pra estar aqui, aí eles já envolvem aí com os
alunos pra tá ensinando algumas outras coreografias e daí o resultado final é o
festival de dança, não é? (BER/M – 44 anos – D. E5).
É importante destacar a valorização das danças regionais de Mato Grosso
especificadas pelo diretor BER. Os PCNs enfatizam a necessidade da escola trabalhar com o
84
repertório cultural local, garantindo o acesso de experiências que os alunos talvez não
tivessem fora da escola (BRASIL, 1997).
No quadro 9 a seguir, foram elencados os conteúdos da dança e lutas contemplados no
discurso e no planejamento do diretor BER para o trabalho no 2º bimestre. Observe que os
conteúdos das lutas não aparecem em sua fala, apenas no planejamento; e as danças não são
contempladas na dimensão atitudinal.
Quadro 9: Conteúdos ―Dança, Lutas e Capoeira‖
2º Bimestre — DANÇA, LUTAS e CAPOEIRA
Conteúdos
DANÇA
LUTAS
Conceitual
- Origem e significado
- conceito e significado de luta
- reflexões pedagógicas: tempo, -luta dos animais
espaço, corporal, social e afetiva
-tipos de lutas
- levantamento das danças praticadas - armas utilizadas em lutas
pelos pais e os lugares praticados
- boxe e judô — vídeos e filmes: ―A
- tipos de danças (ritmos)
cruz e o punhal‖
- apresentação de desenhos e fotos
sobre lutas
Procedimental - vivência de alguns tipos de dança
- centro de controle do próprio corpo
- danças regionais: rasqueado,
- respiração, contração
lambadão, siriri, cururu.
- luta livre, briga de galo e simulação
- criação de coreografias (festival de
de guerra
dança)
- demonstração dos movimentos de
algumas lutas e intervenção dos
árbitros
- movimentos da ginga da capoeira
- cuidados com o corpo do próximo e
Atitudinal
com seu próprio corpo.
Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5
Dimensão do
conteúdo
É interessante notar que no conteúdo ―lutas‖, o diretor cita os movimentos da ginga da
capoeira. Isso se deve ao fato do diretor adotar os PCNs como referência no seu trabalho. No
capítulo que analisa os dados dos professores de Educação Física, observei outras formas de
classificação e utilização da capoeira, porém vale lembrar que determinamos um bloco de
conteúdos específicos para a capoeira, como explicitado no primeiro capítulo desta
dissertação.
O conteúdo de ―Ginástica‖ é oferecido no 3º bimestre através de estratégias como os
circuitos e a utilização dos próprios espaços e matérias da escola: muros, carteiras e sala de
aula. O diretor BER cita o desdobramento do conteúdo ginástica artística, ginástica calistênica
e dança com bastão. Na verdade, a ginástica calistênica e a dança proferida por ele
correspondem à ginástica rítmica (GR), identificadas pelo trabalho com bastão, arco e fita,
específicos da GR.
85
Já com relação a ginástica, que é no terceiro bimestre, as aulas é mais assim de
trabalho de circuito, vários tipos de circuito diferenciados pra experimentar o corpo,
coordenação motora, ritmo, equilíbrio e tal, pegamos o próprio material que a escola
tem, muro, rampa, alguns colchões a própria carteira de sala de aula deles, mesa, pra
subir por cima por baixo, pra passar de um, de dois de mão dada. Então, explorar
bastante movimento, desafio, mais ou menos assim a aula de dança, e algumas
atividades competitivas, não é? É... na aula de dança também é muito trabalhado
aqui na escola usando bastão que a ginástica calistênica, com bastão aí eles fazem
coreografia de doze, uma série de doze, quinze movimentos, as meninas também
fazem a ginástica com bastão, mas é mais os meninos que termina montando a
coreografias pra se apresentar e as meninas é a ginástica com arco, com arco e com
fita, não é, os bambolês, então elas criam várias coreografias aí até bonita, a aula de
ginástica é trabalhado mais... o forte da escola é isso, de trabalhar a ginástica
calistênica e a ginástica artística aí no final eles fazem apresentação (BER/M – 44
anos – D. E5).
O quadro 10 abaixo representa os conteúdos para o 3º bimestre extraídos de sua fala e
planejamentos.
Quadro 10: Conteúdo ―Ginástica‖
Dimensão do
conteúdo
3º Bimestre — GINÁSTICA
Conteúdos
- Origem, história e tipos de ginástica
- acontecimentos olímpicos — identificação de tipos de ginástica praticados.
- identificação de aparelhos e materiais de ginástica
Procedimental - possibilidades de saltar, girar, balançar, equilibrar, pular e rolar.
- coreografia — sequência de movimentos
- vivências práticas dos alunos na ginástica
- Ginástica Artística
- Ginástica rítmica — arcos, bastão e fitas.
- situações de desafio relativos ao ambiente natural, sensações afetivas e
Atitudinal
cinestésicas — prazer, medo, relaxamento, auto-estima, confiança.
- superação de dificuldades, sensações afetivas de medo, insegurança, percepção,
desequilíbrio, vontade, atenção, concentração, agressividade, etc.
Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5
Conceitual
Observei também que o conteúdo proposto para o 1º bimestre (jogos e brincadeiras)
está bem detalhado no planejamento do diretor BER, com planos de aulas e atividades
propostas. Contudo, o mesmo não acontece com os demais conteúdos apresentados, o que
sugere um conhecimento maior do conteúdo jogos e brincadeiras ou, simplesmente, a não
elaboração/registro dos planos de aula dos bimestres subsequentes. Isso também ocorre com o
conteúdo proposto para o 4º bimestre, o ―Esporte‖.
Já no esporte, já no final do ano, fica um pouco mais assim, é... livre, pras aulas mais
recreativas voltado a parte desportiva do futsal, do vôlei, do handebol e do basquete.
Do basquete a gente faz... todas essas modalidades que são as principais que a gente
trabalha aqui, faz o trabalho de iniciação, não é? A exemplo do basquete, o jogo da
cadeira que eles gostam muito que a quadra não é apropriada então faz o jogo da
cadeira e eles divertem bastante, fazendo o jogo da cadeira. Futsal... que mais
trabalha, o que eles mais gostam é o futsal, se for pras aulas de Educação Física ser
só futsal é de fevereiro a dezembro, então só... é mais ou menos assim que nós
trabalhamos (BER/M – 44 anos – D. E5).
86
O conteúdo esporte proposto pelo diretor BER privilegia os esportes coletivos mais
conhecidos e dominantes na escola, o basquetebol, handebol, futsal e voleibol. Mesmo que
este conteúdo seja oferecido em suas três dimensões, há a necessidade de proporcionar outras
práticas esportivas aos alunos, e principalmente sistematizar este conteúdo.
Observemos o quadro 11 que retrata os conteúdos dos esportes propostos pelo diretor
em seu depoimento e planejamentos.
Quadro 11: Conteúdo ―Esporte‖
Dimensão do
conteúdo
4º Bimestre — ESPORTE
Conteúdos
Conceitual
- origens e principais movimentos e esportes
- esporte como vida, saúde, paz e esperança
- preferências e experiências no esporte — expressar opinião
- esporte do bairro — principais movimentos, forma de disputa, local, horário,
participação do grupo, suas regras, etc.
- diferenças, variações e adaptações possíveis do esporte do bairro
- sensações diversas provocadas pelo movimento: percepção, reflexo, atenção,
acertos, erros, cuidados, união, solidão, alegria, tristeza, prazer, raiva,
agressividade, calma, controle emocional, etc.
- regras dos esportes coletivos.
Procedimental - reconhecimento das propriedades dos objetos e materiais para jogar, oriundos do
ambiente natural e cultural
- esportes regionais
- jogos pré-desportivos do voleibol, handebol, basquetebol e futsal — iniciação
esportiva
- vivência do esporte enquanto parte da cultura corporal do seu bairro
- vivência do esporte oficial
- organização
Atitudinal
- respeito às regras
- relações sociais, lazer, convivência com o esporte formal e solidário.
- vivência sócio-afetiva individual e coletivamente
Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5
No quadro anterior, podemos ver que o conteúdo esporte, e também em outros
conteúdos descritos anteriormente, considera-se a relevância social e as características dos
alunos como critérios de seleção dos conteúdos, como proposto pelos PCNs. ―A definição dos
conteúdos buscou guardar uma amplitude que possibilite a consideração das diferenças entre
regiões, cidades e localidades brasileiras e suas respectivas populações.‖ (BRASIL, 1998, p.
67).
87
3.3 A interdisciplinaridade e o trabalho com projetos na visão dos gestores
Notei na fala de alguns gestores a referência ao trabalho interdisciplinar e com
projetos, em que a escola adota uma proposta, a partir de um tema gerador, para todas as
disciplinas desenvolverem.
Neste momento, acho pertinente discutir a apropriação dos gestores quanto ao termo
―interdisciplinar‖ e o trabalho das escolas por projetos. Estas referências ocorreram quando
foram solicitados a responder sobre a orientação na escolha e sistematização dos conteúdos
pelos professores de Educação Física. Vejamos a fala da coordenadora MAR, a seguir:
É porque tem alguns conteúdos que já são da Educação Física, que são
predominantes da Educação Física, então o que eu proponho para o professor é que
ele elabore alguma atividade que se torne a aula dele um pouco... Interdisciplinar
com aquilo que o professor da sala está trabalhando (...) (MAR/F – 29 anos – C. E6).
A coordenadora MAR se apropria do termo interdisciplinar no sentido do professor de
Educação Física procurar saber o que o ―professor da sala‖ está trabalhando com seus alunos,
e assim auxiliá-lo. Este entendimento é recorrente na fala de mais dois gestores de escolas
diferentes. Porém, antes da fala destes gestores, vejamos o que o referencial da Escola Sarã
nos fala sobre o assunto.
A Escola Sarã faz a ―opção por um desenvolvimento curricular dialético, voltado para
uma metodologia globalizada e interdisciplinar, tendo como eixo condutor o Tema Gerador‖
(CUIABÁ, 2000, p. 59). Sobre a globalização, o mesmo texto traz que:
O termo globalização aparece no início deste século com o avanço da psicologia e
de pesquisas que confirmaram a característica global da percepção humana. É a
compreensão do processo global de aprendizagem em que se incluem os interesses e
as experiências dos educandos, o afetivo e o cognitivo. (...) A globalização está
inserida a ideia de que é preciso acreditar no verdadeiro processo de formação do
educando, numa exercitação de capacidades de reflexão sobre a realidade e no
pensar e recriar valores e normas. (CUIABÁ, 2000, p. 59-60).
Conhecer o sentido de globalização se faz importante porque o termo interdisciplinar
está ligado a ele. A interdisciplinaridade é o suporte técnico para que a globalização aconteça
na sala de aula. Exige uma mudança de atitude frente ao conhecimento, buscando a superação
dos limites entre as diferentes disciplinas e organizações do conhecimento. Assim, os saberes
podem ser unificados para melhor atender à complexidade das relações sociais na sociedade
contemporânea (CUIABÁ, 2000).
88
No material entregue pelo diretor da E5 — planejamento anual e bimestral —
encontrei em seu planejamento uma página escrita por ele, abordando a interdisciplinaridade,
mas não consegui detectar de onde extraiu este referencial ou se foi construído por ele.
Ele faz a relação da interdisciplinaridade com a Educação Física. Aponta como
vantagens deste tipo de trabalho que ―o aluno aprende muito mais‖ e adquire ―facilidade nas
disciplinas de matemática/ ciências/ etc.‖. Ao conhecer a concepção que o diretor tem sobre a
Educação Física explicitada em suas falas e em seu planejamento, a citação anterior faz alusão
à importância do conhecimento específico apreendido na Educação Física para se atingir a
globalização sugerida pela escola Sarã. Deste modo, a intenção não é auxiliar as outras
disciplinas, e sim que cada disciplina contribua na sua especificidade para a ―formação de
pessoas mais abertas, flexíveis, solidárias, democráticas e críticas.‖ (CUIABÁ, 2000, p. 60).
Em determinado momento da fala da coordenadora SIL da E4, percebe-se
aproximação da ideia de interdisciplinaridade preconizada pela Escola Sarã e o diretor BER, e
que ao mesmo tempo difere da concepção da diretora de sua escola. É perceptível na fala a
seguir a ideia de que a Educação Física compreende saberes necessários às outras disciplinas,
e não como um auxílio a elas.
Aí nós fazemos essa discussão, de apropriação do espaço, de lateralidade, né, isso a
gente discute, até porque, com a matemática e com a Língua Portuguesa precisa
muito, porque pra escrever essas crianças precisam saber o que é da direita, que é da
esquerda pra direita ou da direita pra esquerda, em cima em baixo, pra escrever é
necessário, né? Pra o conhecimento social, pra localização no espaço, pra
aprendizagem a Geografia, então, tem muita a ver, a gente discute bastante (SIL/F –
34 anos – C. E4).
Voltando ao planejamento do diretor BER (44 anos – D. E5), há o registro de que a
interdisciplinaridade ―é o ponto de partida para uma nova ação pedagógica diferenciada na
escola‖. E que ―todas as disciplinas não são outra coisa senão partes deste todo humano em
formação e mudança‖. Minuta ainda que ela só ocorra ―quando há trocas constantes de
informações entre os professores, visando os mesmos objetivos educacionais propostos pela
escola‖.
Esta última transcrição do planejamento do diretor BER comunga com a proposta da
Escola Sarã quando faz a seguinte menção:
Esse enfrentamento só será possível com o estabelecimento de parcerias entre os
educadores, sustentadas pela inter-relação das diferentes áreas do conhecimento, que
só pode ser construída através da troca entre os pares, da humildade frente ao saber
do outro, da escuta, da reflexão e da crítica, na busca de uma (re)significação do
fazer e do dizer pedagógico. (CUIABÁ, 2000, p. 60)
89
A citação anterior é a chave para a compreensão do significado do termo
interdisciplinaridade apropriada pelos gestores de três escolas diferentes — as coordenadoras
da E1 e E6, e a diretora da E4 — tendo a Educação Física como suporte às demais
disciplinas. Analisemos suas falas.
Olha, o que a gente orienta é o seguinte, que o professor precisa trabalhar mais
integrado com o professor de sala, puxando atividades mais ou menos de acordo
com os conteúdos trabalhados na sala, o que está sendo pensado na sala eles vão ter
essa troca pra ele estar buscando trabalhar, na medida do possível, junto com o
professor de sala (ANT/F – 38 anos – D. E4).
(...) mas alguns conteúdos parecem que o professor referência delegam ao professor
de Educação Física pra trabalhar. Então aí a gente sempre solicita essa parceria pra
que possa estar ajudando a criança a desenvolver melhor. (...) Olha é mais em
relação a interdisciplinaridade, até porque nós temos muita sorte em relação as
nossas 2 professoras de EF (...) (OLI/F – 47 anos – C. E1).
Nos depoimentos anteriores, percebe-se que interdisciplinaridade significa para os
gestores ―trabalhar integrado com o professor da sala‖, ou seja, atender aos interesses das
outras disciplinas, como um reforço, o que na realidade não se constitui como
interdisciplinaridade. Na verdade é uma interpretação incorreta das ―parcerias entre os
educadores‖ sugeridas pela Escola Sarã.
Pereira (2009, p.115) encontrou dados semelhantes em uma pesquisa que revela as
dificuldades dos professores em compreender, de forma mais significativa, o que é
interdisciplinaridade. ―Muitos relatos identificam a prática interdisciplinar como auxilio as
outras disciplinas. Neste caso, a Educação Física é entendida como uma disciplina que pode
promover, por intermédio de suas atividades, vínculos com essas disciplinas‖, sendo citados
pelos sujeitos o auxílio à Língua Portuguesa e a possibilidade de trabalhar os meridianos,
latitude, longitude, entre outros.
Zabala (1998, p. 143) apresenta o seguinte conceito de interdisciplinaridade:
―A interdisciplinaridade é a interação entre duas ou mais disciplinas, que pode ir
desde a simples comunicação de ideias até a interação recíproca dos conceitos
fundamentais e da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa.
Estas interações podem implicar transferências de leis de uma disciplina para outra
e, inclusive, em alguns casos dão lugar a um novo corpo disciplinar, como a
bioquímica ou a psicolinguística.‖
Retomando a fala da coordenadora MAR da E6, que nos deu subsídio para iniciarmos
as discussões sobre interdisciplinaridade, ela traz duas considerações importantes a serem
discutidas neste momento: o trabalho da escola com projetos (tema gerador) e a relutância do
professor de Educação Física em aceitar o trabalho ―interdisciplinar‖ proposto por ela.
90
(...) há pouco tempo que eu estava conversando com eles (professores) pra que esses
conteúdos venham ser interdisciplinar, com o professor da sala e com o projeto que
está sendo trabalhado na escola. Porque o projeto da escola ele é da escola, mas cada
professor ele faz um trabalho na sala, ele tem um conteúdo que ele desenvolve na
sala, aí eu queria que o professor de Educação Física trabalhasse um conteúdo do
projeto e que tornasse algumas atividades de forma interdisciplinar com o professor
da sala, às vezes dá e às vezes o professor fala que não tem como ele fazer isso,
entendeu? Esse é um pouco da nossa, vamos dizer assim, da nossa ansiedade porque
eu gostaria que criasse alguma atividade que fosse dar gancho, ganchos pra prática e
eles acham que às vezes num dá, que tem alguns conteúdos que eles querem
trabalhar: habilidades do corpo, movimentos, entendeu? São específicos, então eles
acham que às vezes eu quero demais (MAR/F – 29 anos – C. E6).
Os professores de Educação Física não aceitam o trabalho ―interdisciplinar‖ porque
querem propor conteúdos específicos, e não perder a especificidade da área. O interessante é
que a coordenadora tem consciência disso, o que mais uma vez nos remete a ideia de
interpretação distinta dos pressupostos da Escola Sarã.
Já o trabalho com projetos é outra orientação da Escola Sarã, tendo como proposta
central a investigação do universo temático, baseado na obra ―Pedagogia do Oprimido‖ de
Paulo Freire (1970, apud CUIABÁ, 2000). É uma investigação realizada por toda comunidade
escolar para selecionar os Temas Geradores a serem desenvolvidos na escola, em forma de
Projeto. Esses temas e subtemas selecionados constituem o eixo orientador dos conteúdos de
aprendizagem em cada disciplina. Assim, os conhecimentos de Português, Matemática ou
Educação
Física
―auxiliam
no
desvelamento
dessa
temática,
numa
produção
epistemologicamente interdisciplinar que permite a apropriação, construção e reconstrução
dos conhecimentos necessários para melhor compreender a sociedade contemporânea‖
(CUIABÁ, 2000, p. 62).
As escolas municipais têm autonomia para escolher ou não trabalhar com projetos,
através da seleção de um tema gerador para todas as disciplinas desenvolvê-lo, dentro da sua
especificidade, o que torna o trabalho interdisciplinar. Na E1, a coordenadora explica como é
o trabalho com projetos adotado pela escola. Vejamos seu depoimento.
Trabalhamos com projetos semestrais. Já está dentro da nossa proposta pedagógica,
nós já sabemos quais são os projetos pra trabalhar no 1º, 2º, 3º e 4º. (É um projeto
pra toda a escola?) Isso. (E a EF se encaixa nesse projeto?) Nossa, e elas trabalham
porque aí elas trabalham uma parte corporal da EF, as danças, elas se envolvem
muito. Porque tanto a professora de EF da manhã quanto da tarde, elas gostam muito
de fazer isso, e tem assim além delas fazerem com prazer elas tem esse dom, esse
lado artístico, dentro do meu conhecimento científico elas tem o dom natural (OLI/F
– 47 anos – C. E1).
Existe um projeto comum a todas as disciplinas, sendo um para cada bimestre, porém
subentende-se que os professores de Educação Física tem a função de realizar a parte
―festiva‖ do projeto, a finalização, com apresentações de dança, por exemplo.
91
Percebe-se ainda que a dificuldade está na cobrança dos gestores em exigir que a
Educação Física, historicamente tida como prática, atue como auxiliar às demais disciplinas,
proporcionando atividades (joguinhos) que ajudem a contemplar o tema selecionado pela
escola. Com isso, veremos casos, que serão discutidos no capítulo subsequente, de escolas
que selecionam temas como ―Leitura e escrita‖ ou ―Meio ambiente‖ e os professores de
Educação Física se incluem no projeto apenas aplicando jogos e brincadeiras para ajudar os
alunos a melhorarem a leitura, ou gincanas acerca de arrecadação de lixos recicláveis.
Quando solicitados a falar sobre a sistematização de conteúdos, a coordenadora da E5
discorre sobre o trabalho com projetos, mas de uma maneira diferente das demais escolas, isto
é, os projetos são elaborados pelos professores segundo a necessidade de cada turma. Então,
cada turma tem um ou mais projetos diferentes, utilizados para sanar os problemas detectados.
Vejamos sua fala.
Nós trabalhamos com escola ciclada e era tema gerador, então o que que nós
fizemos, reunião de 2 anos pra analisar, pesquisar na comunidade o que tinha que ser
mudado. Aí no nosso projeto maior, trabalhamos por projetos, e como que acontece?
Tem muita escola que trabalha assim: o projeto grande da escola e o professor só
encaixa no projeto. Então aqui na nossa escola já não é mais assim. O professor
elabora o projeto de acordo com a realidade da sala de aula dele. E cada ano vai ter
uma realidade diferente, então não tem como o professor ficar repetindo projeto.
Depende da necessidade do professor. Pode ser que tenha mais de um projeto na
sala. Pode ser não, acontece. Por exemplo, eu entro na sala de aula e eu detecto lá
que o aluno ele precisa trabalhar mais a questão da socialização, eu vou fazer um
projeto voltado pra isso, e eu vou trabalhando. Se envolvem nesse projeto, todas as
disciplinas. A partir do momento que eu detectar que melhorou, eu posso ou
continuar nesse projeto e ampliar ele, ou fazer outro projeto. Então o tempo desse
projeto pode ser de uma semana, 15 dias, um mês, uma semana, um bimestre ou o
ano inteiro, depende da realidade do professor do aluno. O professor regente
juntamente com o professor de Educação Física, eles vão tentar sanar o problema
detectado, então ele vai trabalhar a parte de Educação Física dentro do projeto. Ele
vai encaixando no projeto (os conteúdos), de acordo com o que ele achar necessário
ele vai encaixando no projeto (ERO/F – 39 anos – C. E5).
O que não fica claro na fala da coordenadora ERO é se o professor de Educação Física
tem autonomia ou não para detectar os problemas ou necessidades dos alunos nas aulas de
Educação Física e, a partir daí, propor um projeto interdisciplinar com o professor regente.
Como o 1º e 2º ciclos nas escolas municipais contam com professores generalistas
(pedagogos), ministrando todas as disciplinas, exceto artes e Educação Física que tem
professores especialistas, se o professor de Educação Física não tiver a compreensão correta
da interdisciplinaridade, novamente ele se tornará refém dos projetos de outros professores,
contribuindo apenas com os conteúdos procedimentais não contemplados pelas outras
disciplinas.
92
Assim sendo, a sistematização dos conteúdos parece não existir, já que os conteúdos
para cada ano são selecionados a partir dos projetos elaborados para cada turma, não existindo
uma organização que oriente os professores. Pois, quando se pensa em sistematização,
acredita-se que os professores saibam o que os alunos deverão aprender naquele ano, e no ano
seguinte darão continuidade àquele conhecimento apreendido anteriormente. E novamente, se
o professor de Educação Física apenas encaixar conteúdos ao projeto de outros professores,
efetivamente não sistematizarão os conteúdos, podendo até repeti-los durante os anos de
ensino.
A título de esclarecimento, não acredito que a sistematização de conteúdos da
Educação Física deva ser indicada pelos gestores da escola, que não têm conhecimentos
específicos sobre o assunto. Porém, subentende-se que se houvesse uma proposta de
conteúdos construída pela Secretaria Municipal de Educação ou pela própria escola, os
gestores orientariam os seus professores de Educação Física a se basearem na mesma.
Na visão da coordenadora MAR da E6, consolida-se a ideia de que a Educação Física
não precisa (não tem) de conteúdos específicos, pois a orientação dela para a sistematização
de conteúdos é a de selecioná-los de acordo com o trabalho do professor de sala.
Eu oriento eles que têm que fazer de acordo com a turma, o quê que o primeiro ano
trabalha. A Educação Infantil (...) está trabalhando com temas, é... Com uma
temática X, então o que vocês podem trabalhar com isso? Brincadeiras, jogos,
atividades recreativas que vá desenvolver no aluno algum relacionamento com
aquilo que o professor está trabalhando na sala. Primeiro ano também, segundo ano
também, então ali eles elencam alguma coisa pra mim que seja nesse sentido, né?
(MAR/F – 29 anos – C. E6).
No depoimento anterior, chega-se a seguinte conclusão: sistematizar os conteúdos...
Para quê? Não há necessidade. O importante é que a Educação Física possa ajudar as demais
disciplinas, propondo atividades para dar conta dos conteúdos procedimentais que as outras
disciplinas insistem em ignorar.
Vejo, neste sentido, a necessidade de rever o conceito de interdisciplinaridade
assimilado pelos gestores e professores de Educação Física, libertando assim a Educação
Física das amarras pedagógicas descontextualizadas.
3.4 Os conteúdos propostos pelos professores de Educação Física segundo depoimentos
dos gestores
Os gestores de três escolas relataram sobre os conteúdos que os professores de
Educação Física desenvolvem em suas escolas, e também como ocorre a sistematização de
93
conteúdos. Aqui, veremos o saber constituído, aplicado, aquele que se materializa nas aulas
de Educação Física, sob a visão ou orientação dos gestores.
Na E2, a coordenadora nos relata que as aulas de Educação Física em sua escola
sofrem com problemas de espaço físico, pois ocorrem dentro da sala de aula. Por isso, os
conteúdos desenvolvidos são praticamente os ―Jogos‖, no caso, os jogos de salão. Ela cita
outras atividades desenvolvidas na sala utilizando arcos, boliche, e aulas de relaxamento.
(...) no caso da professora de Educação Física é o projeto de jogos, porque nós não
temos disponibilidade de espaço suficiente e não temos quadra coberta, então tem
período que quando dá a criança vai pra esse espaço. Quando não tem muito sol nós
conseguimos trabalhar com outra atividade interna na sala de aula. Esse ano na sala
de aula nós estamos trabalhando com o bambolê, com o boliche, pra criança
desenvolver — de 1 a 4 eu tô falando — estamos trabalhando com exercícios de
relaxamento e não precisa ter tanto espaço e pode ser utilizado, e a gente elimina
mais o esporte que é a bola, futebol, esses ficam mais difícil e a criança tem, o
próprio bairro tem, onde eles desenvolverem esse trabalho, ocupar com esse tipo, ou
um vôlei, um jogo de campinho aí, a própria comunidade tem isso. Porque as aulas
teóricas entram essa parte de orientação, de alimentação, sobre a higiene, sobre a
obesidade, sobre o próprio comportamento, a discriminação, todo esse trabalho a
gente faz (VIT/F – 56 anos – C. E2).
Percebe-se também uma não compreensão da dimensão do ―esporte‖ enquanto um
conteúdo da Educação Física na escola, justificando que o bairro já oferece este tipo de
prática, não necessitando a Educação Física trabalhá-lo. Neste sentido, a coordenadora não
diferencia o esporte como prática de lazer e como conteúdo de ensino na escola.
Enfatiza ainda a necessidade de aulas teóricas para serem abordados conceitos como
alimentação, higiene, obesidade (conteúdos conceituais) e também o comportamento e a
discriminação (conteúdos atitudinais). É interessante a coordenadora referir-se aos conteúdos
de ordem conceitual e atitudinal, porém sem mencionar estes termos. Isto demonstra uma
visão de Educação Física abrangente, desvinculada apenas da concepção de aulas práticas e
contrária ao esporte como conteúdo exclusivo das aulas de Educação Física.
Complementando o discurso da coordenadora, a diretora da escola profere críticas ao
professor recreacionista, sem fundamentação pedagógica alguma e que qualquer profissional
poderia desenvolver seu trabalho. Vejamos seu depoimento.
(...) qualquer pessoa sem formação nenhuma dá conta de fazer hoje o que ele vem
fazendo, só dá uma bola pra uma criança não tem nem fundamentação teórica
nenhuma. Não ensina regra, não passa as regras, não tem isso, então qualquer uma
pessoa com uma formação mais rudimentar dá conta de dar uma bola e jogar pras
crianças, então a ideia base é que não tem formação, não tem assim uma preparação,
então qualquer um pode dar, e da forma como está sendo na maioria das vezes, é
assim, vai pra quadra, joga bola, volta suado e pronto. Alguns bambolês pras
meninas, futebol pros meninos, bambolê e corda e essa é a aula. Qualquer ser
humano faz isso. É um profissional também da saúde, é um profissional também do
94
bem-estar que busca melhorar, contribuir com a qualidade de vida, não profissional
da bola, então qualquer um pode ser (FRA/F – 48 anos – D. E2)
A diretora FRA justifica em seu discurso a ―negação ao rola bola‖ preconizada
também pela coordenadora. Ela acredita que o professor de Educação Física se vê como um
profissional do esporte, enquanto deveria se vir como da área da saúde também. Isso
comprova ainda que as aulas teóricas, explanadas pela coordenadora, são utópicas, na prática
não acontecem, pois a diretora FRA confirma: ―nós temos um projeto que chama Jogos uma
mediação pedagógica (...). Ficou só nisso. Era pra trabalhar isso, ficou só nisso‖
Na escola E4, a coordenadora relata as atividades e conteúdos trabalhados nos
diferentes níveis de ensino oferecidos pela escola. Com isso, ela aparenta compreender que os
conteúdos da Educação Física são diferentes para cada ano de ensino, esboçando uma
sistematização dos conteúdos, pois indica conteúdos específicos para cada faixa etária.
(...) até na Educação Infantil há uma discussão maior da questão da motricidade, do
equilíbrio, do ritmo, então a gente discute mais com os pequenininhos, e isso acaba
até ajudando a definir lá com os maiores. Lá com os maiores, já vem mais
modalidades esportivas, que embora as condições sejam péssimas, a gente coloca aí
uma rede de vôlei aí e tenta fazer umas adaptações, nós colocamos a tabela de
basquete aqui também, depois a gente tira, a gente vai pensando, então dessa forma.
Aqui tem muita historinha, na Educação Infantil tem muita brincadeirinha, é... que
envolve histórias, aqueles que vão correr e pega o seu lobo, o rato, o gato, aqui que
não se aplicam lá entre os maiores, né? Aí a gente faz essa discussão porque trabalha
com os pequenininhos com fantasia também, com brincadeiras, então, aqui é dessa
forma, lá já mais diferente um pouquinho, eles adoram, os maiores gostam muito de
dançar (...) (SIL/F – 34 anos – C. E4).
Para os ―pequeninhos‖ (Educação Infantil e 1º ciclo), relata que a fantasia predomina
através de histórias, ou seja, aulas historiadas e com muita brincadeira. Compreendo que ela
faz alusão ao conteúdo de ―Jogos simbólicos‖, de grande interesse das crianças dessa faixa
etária, em que a imaginação e a fantasia são peças fundamentais.
É compreensível que os alunos do 2º ciclo não gostem deste tipo de jogo, pois,
segundo Château (1987), nesta faixa etária a criança passa a se submeter a uma regra exterior,
havendo uma regra abstrata (social) que fornece a trama do jogo, ou seja, preferem jogos
competitivos, tradicionais, de grupos organizados. Isso justifica os conteúdos esportivos que
ela cita para o 2º ciclo, e também a dança que, para Château (1987), são jogos de regulação
restrita que não supõem nenhuma imitação.
Quanto ao trabalho desenvolvido por cada professor de Educação Física da sua escola,
a coordenadora SIL comenta que não obriga o professor a fazer o que não domina. Diz ―eu
não forço porque um professor que não sabe fazer uma coisa que você exige que ele faça, ele
vai fazer aquilo mal feito‖ (SIL/F – 34 anos – C. E4). Então, questiono: será que temos que
95
ensinar os conteúdos que dominamos ou aqueles que os alunos precisam aprender? Será que
numa aula de matemática o professor não vai ensinar a tabuada só porque não domina?
A coordenadora SIL fala do trabalho da professora JOS com a dança, sendo os
conteúdos desenvolvidos a dança circular e a dança Sênior. É interessante que a professora
também proporcione vivências com a dança adaptada para deficientes visuais, mostrando que
ela desenvolve o conteúdo ―Dança‖ dentro do conhecimento que possui.
A JOS trabalha com dança circular e dança Sênior, é lindo também, só que é
totalmente diferente, né? A gente, ela falou assim: ―Olha eu tenho conhecimento,
trabalho com idosos, a gente dança, a gente faz dança Sênior, dança circular‖. Ela
trabalha também no Instituto dos cegos e foi lindo porque nós trouxemos o pessoal
do Instituto dos cegos pra cá pra escola, e os nossos alunos dançaram com os
deficientes visuais. Aqui foi uma aula muito bonita, nós fizemos apresentações
juntas, então ela trabalha dança circular, e é super gostoso, é bonito também, é
diferente, totalmente diferente da que envolve menos os alunos, né? Eles preferem
street dance do que dança circular, mas é uma outra forma diferente, dá super certo
também. (SIL/F – 34 anos – C. E4).
A dança trabalhada pela professora JOS é inclusiva, pois, segundo a coordenadora, ―é
totalmente diferente da que envolve menos alunos‖. Só não é citado para quais anos ela
propõe esse conteúdo, se é para todos os anos ou não, e se esse conteúdo é sistematizado.
O que mais chama a atenção é que a coordenadora admira muito o trabalho de seus
professores, mesmo ―dominando‖ conteúdos diferentes. Em sua fala, fica explícita essa
admiração e a vontade que cada um deles trabalhe o conteúdo que o outro professor
desenvolve. E ela não deixa de ter razão porque se subentende que o professor ROB não
propõe o conteúdo ―dança‖ e que a professora JOS não aplica o conteúdo ―conhecimentos
sobre o corpo‖, mais especificamente os conhecimentos antropométricos, as capacidades
físicas (cita a flexibilidade), as relações entre a atividade física e a saúde.
Ah! Eu não tenho ainda uma opinião formada a respeito, eu acho bonito o trabalho
do ROB, eu acho legal essa questão de verificar até se o trabalho está dando, na
prática se está produzindo algum resultado, por exemplo, se hoje vai se verificar, se
ele fez um teste de flexibilidade no começo do ano, e isso faz com que os alunos
enxerguem, porque ele pode apresentar pra turma como está a questão da
flexibilidade, do peso, e do tamanho, da altura, deles, né? E aí agora, no segundo
bimestre, feito isso dá pra se verificar essa flexibilidade, essa comparação se essa
flexibilidade melhorou ou não. Eu sei que no trabalho com a JOS, se ela fizesse
também esse levantamento e depois discutir com os alunos, vai se perceber que
houve um resultado também, na prática houve, mas num houve uma discussão assim
a nível de consciência, de percepção do aluno assim de que atividade física é
importante pra eles, pra saúde, pro coração deles. (SIL/F – 34 anos – C. E4)
A coordenadora SIL compreende que se a professora JOS aplicar teste para saber se os
alunos melhoraram a flexibilidade (como faz o professor ROB), por exemplo, ela notará que
96
houve melhora, mesmo não propondo atividades específicas para esse fim. Para ela, a
diferença é que o professor ROB propõe discussões com seus alunos sobre estes conteúdos,
conscientizando-os da importância da atividade física, ou seja, apresenta conceitos também.
Vejo que nesta escola a coordenadora sabe da importância da diversificação dos
conteúdos da Educação Física, pois reconhece o que falta na aula de cada professor de sua
escola. E também, tem consciência de que os conteúdos não podem ser os mesmos para cada
ano de ensino, já que faz considerações neste sentido.
Para finalizar, na E5 a coordenadora relata sobre os conteúdos desenvolvidos na
escola, enfatizando o projeto de jogos e brincadeiras. Ela diz que são trabalhados três
conteúdos em sua escola: a ginástica olímpica, jogos e brincadeiras e o futebol.
Assim, nós temos na escola, por exemplo, nós trabalhamos jogos e brincadeiras, aí
nós trabalhamos mais com a parte de ginástica olímpica, ele é divido em 3: ginástica
olímpica, jogos e brincadeiras, e... Não lembro. São os momentos que... A prática do
futebol também, que a gente participa das escolinhas. (...) nos jogos e brincadeiras,
nós pegamos as crianças e fomos pra Universidade e lá, além de visitar o zoológico,
fizemos brincadeiras com as crianças, brincadeiras antigas, e... Não é fácil os
projetos, nós que colaborar com os professores, e é interessante sabe por que? O
professor se torna pesquisador. Principalmente Educação Física. ―ERO, como que
eu faço pra encaixar o meu projeto nesse projeto?‖, e vai indo entendeu? Então o
professor tem que ser pesquisador, ele tem que estudar (...) (ERO/F – 39 anos – C.
E5).
Ela não comenta sobre os conteúdos específicos para cada ano, apenas fala do projeto
de jogos de brincadeiras sem especificar para qual ano foi aplicado, citando as brincadeiras
antigas. A meu ver, as brincadeiras antigas (ou populares) devem ser trabalhadas em todos os
anos iniciais do Ensino Fundamental, como sugerido por Freire e Scaglia (2003). Porém, os
conteúdos das Brincadeiras Populares devem ser sistematizados e trabalhados de maneira
diferente em cada ano de ensino.
Neste item, percebi que em algumas escolas os gestores respeitam a especificidade da
Educação Física, reconhecendo quando os conteúdos são diversificados e esboçando uma
compreensão e necessidade de organizá-los para cada ano de ensino.
3.5 Os conteúdos que os gestores acreditam que deveriam ser ensinados nas aulas de
Educação Física
Os depoimentos recorrentes aqui inscritos refletem a decepção dos gestores com a
Educação Física em suas escolas, consubstanciando a ideia de mudança desta realidade
através de propostas baseadas num saber adquirido pela experiência, convivência, teoria ou
97
construída pela prática. Demonstram a necessidade de mudar conceitos e os conteúdos
instituídos nas aulas dos professores de Educação Física, apresentando propostas de como
fazê-la acontecer.
Os gestores compreendem que a Educação Física é a aula mais atraente da escola,
visto que ―(...) os alunos gostam porque eles saem da sala de aula. Eles não vão escrever... não
vão copiar, não vão ouvir o professor ali o tempo todo (...). Mas infelizmente deixa muito a
desejar. Agora, que as crianças gostam, gostam‖ (NAI/F – 52 anos – D. E6). A diretora tem
razão em atribuir às aulas de Educação Física ao momento de alegria na escola, pois retrata o
tempo do corpo livre, liberto do mundo estático da sala de aula.
Segundo Gomes (2001), a sala de aula e seu mobiliário, tudo geralmente padronizado,
tem características que provocam desconforto, dor e tédio. São ainda sons e ruídos, cores,
formas e cheiros que na maioria das vezes causam desagrado, desconfiança ou irritação. Esse
desconforto, dor, tédio, desagrado, desconfiança, irritação são ―visíveis‖ no corpo do aluno,
que é condicionado ou ―encaixotado‖ em sua carteira. Está sempre distanciado do território do
corpo do outro, tem sempre a cara virada para frente da sala, tem sempre que prestar atenção
ao que o professor fala lá na frente ou àquilo, na carteira, do seu fazer de aluno.
Mas o que se percebe, e os gestores deixam isso bem claro, é que os professores de
Educação Física não sabem fazer uso desta magnífica ―varinha de condão‖ que tem nas mãos,
tão cobiçada por outras disciplinas e tão banalizada pela Educação Física. Ao invés do
professor aproveitar o gosto natural que as crianças têm pela aula de Educação Física e propor
a diversificação e organização dos conteúdos para cada ano de ensino, ele se seduz pela
comodidade e facilidade de trabalhar com aquilo que domina. Vejamos o depoimento a
seguir.
Então se vocês estão fazendo uma pesquisa nesse sentido seria interessante buscar
renovar... eu acho que tá faltando uma renovação, entendeu? Para que o professor de
educação física faça acontecer diferente, faça acontecer. Que outros profissionais
vejam ele como realmente um profissional de educação, porque na minha concepção
o professor de educação física não é visto ainda como um profissional de educação
por esses motivos, que cada professor de educação física pega pela sua afinidade, se
o professor de educação física tem afinidade com futebol, ele visa futebol, se tem
basquete, ele vai pro basquete, isso eu já vivi, fui diretora de outra escola, vivi isso
que hoje ele graças a Deus passou num teste de futebol foi pra área dele realmente...
foi pra área dele, ta? Então é isso, cada um tem a sua afinidade, ele num busca a
afinidade do aluno, é a dele (NAI/F – 52 anos – D. E6).
Outro entrave contestado pelos gestores é o ―mito do espaço‖, no qual o professor de
Educação Física justifica seu (mau) trabalho pela falta de espaço físico adequado e poucos ou
nenhum material. Vejamos a fala de uma diretora.
98
(..) e foi isso que eu aprendi lá nesse curso (Segundo tempo), existe o mito do
espaço, porque o professor de Educação Física ele quer quadra, ele quer cobertura
da quadra, ele quer espaço, todo o espaço, então não consegue trabalhar o que tem,
com o espaço que tem, com as limitações geográficas que tem, ele não consegue
trabalhar, por comodismo ou até pela própria formação acadêmica, formação
acadêmica mesmo, então ele não consegue. Todo mal trabalho, todo trabalho não
executado, não realizado é por conta das condições físicas, estruturais da escola,
tudo não acontece (FRA/F – 48 anos – D. E2).
Esta é a desculpa mais frequente para que as aulas de Educação Física não aconteçam
como deveriam, justificando a não diversificação dos conteúdos e a concepção do professor
―rola bola‖ — aquele que dá a bola para os alunos e fica apenas observando. O professor não
tem material ou espaço adequado porque não propõe conteúdos que justifiquem a necessidade
deste espaço, e muito menos participam de reuniões em que possam fundamentar sua prática
perante os gestores e professores de outras áreas. Assim, nunca entenderão por que
precisamos de materiais ou quadras cobertas.
Na E2, como abordado em tópicos anteriores, é uma escola que não dispõe de espaço
físico, nem mesmo uma quadra descoberta. Com isso, as professoras de Educação Física
ministram suas aulas dentro da sala, especificamente com o conteúdo de jogos de salão.
(...) Então esses tempos inclusive, a gente trabalha aqui na escola, nós temos um
projeto que chama ―Jogos uma mediação pedagógica‖, pra trabalhar o xadrez, jogo
de dama, mancala2, dama, uma série de outros jogos. Ficou só nisso. Era pra
trabalhar isso, ficou só nisso. Quer dizer, nós temos, dentro dos nossos espaços que é
extremamente limitado, acho que é pior do que todas as outras demais escolas, pelo
menos no período da manha que o sol... eu tenho muito receio de colocar a criança
no sol... mas tem que fazer atividades com corda, atividades com bambolês, que são
atividades motoras, inclusive eu achei interessante que até mães contaram em
reuniões aqui pra solicitar que a escola não vinha trabalhando essa parte motora, e
eu achei interessante... mas gente, poxa vida né? Eu fiquei assim... (FRA/ F – 48
anos – D. E2).
E a diretora FRA explicita que as mães dos alunos sentem a necessidade de trabalhar
outros conteúdos também, afirmando que ―é importante até pra gastar um pouco dessa
energia, dessa criança que já fica muito represada‖.
Acho que aqui na escola nessa parte a gente precisa repensar, melhorar e tentar
colocar mesmo com as limitações físicas e estruturais nossa dá um upgrade pra essas
aulas de Educação Física, que eu tenho a clareza, e pela minha própria formação
acadêmica e pedagógica, que precisa ser melhorada, isso influencia drasticamente no
pedagógico, cognitivo, não tem como. E ficam aulas maçantes, tudo demais enjoa,
2
Mancala é uma família de jogos de tabuleiro jogada ao redor do mundo, algumas vezes chamada de jogos de
semeadura ou jogos de contagem e captura, que vêm das regras gerais. Os jogos dessa família mais conhecidos
no mundo ocidental são o Oware, Kalah, Sungka, Omweso e Bao. Jogos de mancala possuem um papel
importante em muitas sociedades africanas e asiáticas, comparável ao do xadrez no Ocidente. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mancala. Acesso: em 15/07/2009.
99
xadrez demais enjoa, atividade física demais enjoa, então eu gostaria da gente
repensar a Educação Física mesmo sem essa estrutura física (FRA/F – 48 anos – D.
E2).
Neste sentido, a diretora FRA sugere que a Educação Física seja repensada a partir do
tema ―Saúde‖, proporcionando assim uma prática mais variada e interdisciplinar. Ela se refere
à metodologia de interdisciplinaridade e globalização proposta pela Escola Sarã, sendo a
Saúde um tema trabalhado por todas as áreas de conhecimento e a Educação Física dialogaria
a Saúde com a Atividade Física. Observemos sua fala.
Assim, trabalhar um pouco a questão da saúde, essa cultura mesmo da saúde, do
bem-estar, que tem a ver a Educação Física, a prática física, ela tem a ver com o
bem-estar físico e até espiritual, emocional. Essa coisa que tem a ver com a
liberação da endorfina, essa coisa toda, quer dizer, já é até pra trabalhar uma aula
interdisciplinar, dentro de uma aula mais globalizada que é a proposta da prefeitura,
trabalhar com as ciências, essa coisa toda da adrenalina, da endorfina. (...) Até
teoricamente também, o que que essas atividades, isso nas séries maiores, que
benefício que ela vai trazer pra gente, trabalhar a questão dos vícios, mais é conciliar
a questão do medo... Então são esses conceitos construídos, associar as atividades
físicas, a saúde, ao bem-estar, é fundamentalmente isso e, aliado a isso, trabalhar a
atividade física, senão trabalhar... ah, tem tanto... a região é bem acidentada, mas dá
pra fazer, nós não vamos evidentemente trabalhar a questão da natação, nunca a
gente vai fazer isso evidentemente, mas nós podemos trabalhar com outras
atividades, o futebol mesmo não tem, por conta da dificuldade parou, aí exagerou a
dose no outro, fundamentalmente é isso (FRA/F – 48 anos – D. E2).
É interessante também que a proposta das aulas teóricas para abordar os conceitos
(conteúdos conceituais) seja sugerida para as ―séries maiores‖, o que nos remete a ideia de
sistematização dos conteúdos. O tema ―Saúde‖ é predominante em sua fala e recorrente no
discurso da coordenadora também, mas esta diz que o tema já é trabalhado na escola,
enquanto a diretora discorre sobre a importância deste tema que não é desenvolvido em sua
escola. Diante de observações feitas na escola e de posse do planejamento da professora de
Educação Física, pontuo que realmente o tema não é desenvolvido na escola.
A diretora FRA ainda faz referência sobre onde adquiriu este conhecimento, citando
conteúdos e formas de aplicá-lo na escola. Para ela, o curso oferecido pelo Programa Segundo
Tempo, do Governo Federal, ofereceu a base teórica para detectar as necessidades da
Educação Física em sua escola. Entendo que estes conteúdos contemplam o bloco de
conteúdos ―conhecimentos sobre o corpo‖, lembrando que a saúde é um tema transversal.
(...) inclusive eu fiz num curso do Segundo Tempo com uma turma muito boa, você
fez essa capacitação? Foi assim, eu nem sabia que existia aquilo, muito bom, eu
aprendi tanto, eu aprendi em três dias coisas que a gente não faz na escola, alguns
exames, algumas atividades, que a gente não faz, pesar criança, medir criança,
algumas verificações, como é que chama? Testes com a criança que é tão
importante, que diz tanto da criança, do aspecto físico, do aspecto motor, até
100
cognitivo e a gente não faz absolutamente, o profissional de Educação Física que
aprendeu isso na Universidade não tá conseguindo trazer isso pras escolas. Não faz
absolutamente. Nunca um professor aqui nesta escola pediu uma balança pra pesar a
criança, pra ver o nível de obesidade dessas crianças ou não, o índice corporal dessas
crianças que é importante, desenvolvimento físico, crescimento... Então são
questões, a questão mesmo da alimentação, da parte física, da parte da cultura do
corpo, da cultura da saúde, absolutamente é negado. É a cultura da bola (FRA/F – 48
anos – D. E2).
Em seu comentário faz referência àos conceitos que deveriam ser trabalhados na
Educação Física, como a alimentação e a obesidade, além de acompanhar o crescimento e
desenvolvimento físico e motor dos alunos através de exames antropométricos de peso, altura
e índice de massa corporal. Para ela, os professores de Educação Física negam estes
conhecimentos aos alunos, privilegiando a ―cultura da bola‖.
Destaca que estes conhecimentos não foram abordados no ano de 2008, mas seriam
retomados no ano subsequente ―a questão da saúde... da alimentação... nós vamos retomar
isso aí e colocar no planejamento que foi o que faltou pra nós fazer esse planejamento, colocar
essas situações e perseguir isso‖ (FRA/F – 48 anos – D. E2).
Em seu depoimento, a diretora justifica sua proposta de inserção dos conhecimentos
sobre a Saúde, citando exemplos de crianças com quadros graves de obesidade em sua escola,
alegando omissão da escola nestes casos.
Discorre sobre o caso de um aluno obeso que está na escola desde os cinco anos e que
a escola não cumpriu sua missão de ajudá-lo. Ela diz que ―(...) por toda a vida ele foi obeso,
mas obeso mesmo, a criança hoje ele tá com 14 anos, ele tá com diabetes tipo 2, já perdeu
uma visão e vai perder a outra, tá na fila de transplante de córnea‖ (FRA/F – 48 anos – D.
E2).
Nós temos muitas crianças com essa dificuldade, com esse quadro de obesidade,
criança de classe média baixa mesmo, então essa questão da alimentação, da prática
de esporte, essa questão dessa cultura e esse acompanhamento, como que nós não
fazemos esse acompanhamento dessa criança, porque a gente pega essa criança de
pequeninho e ela vai crescendo na escola junto com a gente e a gente é omisso nessa
parte e isso influencia toda uma vida. Uma criança com problema de obesidade ou
mesmo uma criança com problema de crescimento, ela vai ter no seu futuro e as suas
emoções extremamente comprometidas, a sua auto-estima, a visão de mundo e isso
influencia, eu sei o que eu tô falando, e nós somos extremamente omissos essa parte.
Resolver é muita pretensão. Nós vamos resolver esse problema? Sei lá. Mas quais as
intervenções feitas? Nenhuma. (FRA/F – 48 anos – D. E2).
No decorrer de todo o discurso da diretora FRA é evidente a preocupação com a
qualidade de vida de modo geral e a falta de intervenções significativas por parte da escola.
Por se tratar de um tema transversal, como dito anteriormente, a Educação Física é também
101
responsável por essa omissão, já que em sua visão ―não dá pra viver sem a qualidade de vida.
Não dá. Isso pode mudar um pouquinho a visão do professor de Educação Física (...)‖.
A diretora chega à conclusão que os temas apontados como essenciais para a
qualidade de vida dos alunos devem ser tratados como conteúdos de ensino da Educação
Física, ou seja, como conceitos (conteúdos conceituais). Vejamos seu depoimento a seguir.
Então nessa questão do conteúdo, nessa parte, de repente deveria entrar como
conteúdo, porque a palavra conteúdo é isso, é a essência, é o essencial e eu vejo isso
como essencial pra qualidade de vida, são conceitos, são essenciais, eu penso assim.
Então essa parte, essa visão, ela precisa ser incorporada principalmente agora com
os hábitos alimentares, o sedentarismo que tomou conta da gente, porque as nossas
crianças têm outra vida, estão encarceradas mesmo por conta da própria realidade e
isso vem trazendo danos muito grandes, e as escolas quando trabalham, trabalham
com conteúdos segmentados, trabalham conteúdos completamente segmentados
nada relacionados a qualidade de vida dessas crianças, nada relacionado ao bem
estar dessas crianças (FRA/F – 48 anos – D. E2).
A qualidade de vida, a saúde, o sedentarismo, a obesidade, alimentação, entre outros
conceitos citados pela diretora FRA são realmente essenciais e devem ser incorporados às
aulas de Educação Física, já que estão inseridos dentro do bloco de conteúdos
―conhecimentos sobre o corpo‖. Isso deveria acontecer em todas as escolas e por todos os
professores de Educação Física.
Assim, ao finalizar as análises das entrevistas dos gestores, conclui-se que os mesmos
compreendem que as aulas de Educação Física não se resumem apenas ao esporte, rolar bola
ou aos festivais de final de semestre e, mesmo com as limitações físicas das escolas, há
possibilidades de se desenvolver um bom trabalho durante as aulas. Percebe-se ,também, que
a Educação Física tem conteúdos específicos, mesmo não entendendo sobre a sistematização
destes conteúdos para os diferentes níveis de ensino.
Não se pode esquecer que este é apenas um pequeno galho da grande árvore que
abarca os conteúdos da Educação Física, e que os demais conteúdos também devem ser
selecionados. Mas a diretora tem consciência disso quando sugere que tudo que é demais
enjoa, ou seja, é necessário diversificar.
Essas orientações proferidas pelos gestores são pertinentes à medida que nos faz
refletir sobre quais conteúdos estão sendo aplicados nas escolas e quais deveriam estar lá
também, mas por algum motivo não estão. O olhar do outro é importante para enxergarmos
aquilo que nossa própria arrogância não nos permite ver claramente, e por mais que não
tenham conhecimento específico em Educação Física, cabe aos professores avaliarem o que
realmente é significativo e tentar pelo menos mudar sua prática docente.
102
Capítulo 4
PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Este capítulo é a essência da pesquisa, pois aqui pretendo percorrer os caminhos
trilhados pelos professores de Educação Física na construção, elaboração e aplicação da
sistematização de conteúdos específicos. Para compreender este processo foi necessário
conhecer o que os professores ―pensam, dizem e fazem‖ quanto à prática pedagógica.
O pensamento dos professores é concretizado na ação de elaboração dos
planejamentos, seja anual, semestral, bimestral, semanal, ou aula a aula. Entendo que esta
ação precede todas as demais, por isso, num primeiro momento, serão analisados os
planejamentos entregues pelos professores pesquisados.
O segundo passo é analisar as entrevistas concedidas pelos professores, mais
especificamente sobre a questão referente à organização dos conteúdos para cada ciclo ou
etapa de ensino. Ao verbalizar esta organização, compreendo que os professores discorrerão
sobre uma ação já pensada anteriormente, transcrita em seus planejamentos ou não. Estas
falas ajudarão a compreender conceitos e concepções implícitas nos planejamentos.
A terceira etapa de análise se deterá nas anotações realizadas em diário de campo
contendo observações coletadas nas aulas dos professores. Este momento é importante para
saber se realmente o que é planejado e/ou falado é executado na prática docente. E,
principalmente, se há uma sequência lógica entre as aulas, consequentemente, entre os
conteúdos propostos.
4.1 Os documentos: análise e discussão dos dados presentes nos planejamentos entregues
pelos professores de Educação Física
Esta fase da pesquisa, a coleta de planejamentos, foi a última a ser realizada e a mais
difícil de ser concretizada. Os professores foram avisados, desde o início da pesquisa, que
deveriam entregar os planejamentos elaborados no decorrer do ano letivo — seja ele qual
fosse — no final do ano. Alguns professores foram entregando as cópias ao final de cada
semestre, porém alguns não entregaram nenhum.
Dos
onze
professores
participantes
desta
pesquisa,
sete
entregaram
seus
planejamentos: sendo que um deles entregou apenas o anual; outro, o anual e bimestral ; dois
entregaram o anual e semanal, apenas do 1º bimestre. Apenas três professores entregaram
103
planejamento anual, planos de aula semanal e, ainda, os projetos desenvolvidos por eles em
suas respectivas escolas.
Assim, temos quatro professores que não entregaram nenhum planejamento, porém os
quatro afirmaram tê-los. Vejamos o episódio da coleta do professor ADE (52 anos – P. E5),
na escola E5:
Relato 2 (15/12/2008): Seu planejamento... Como assim?
Fui buscar o planejamento do professor ADE na escola E5 conforme
combinamos e a cópia do caderno do diretor BER, que é o referencial
sugerido por ele aos professores de sua escola; mas seu caderno havia
sumido e o ADE havia tirado cópia dele, então ele se propôs a tirar cópia
para mim. Cheguei à escola e o professor estava tirando as cópias do caderno
do diretor para mim e para o diretor (já que ele não encontrou seu caderno).
As folhas do caderno estavam todas fora de ordem e o diretor teve muito
trabalho para organizá-las. Aí pedi a cópia do planejamento do ADE e ele
disse que era aquele ali. Como assim? Não, aquelas cópias eram do
planejamento do diretor. Demorei a entender o que ele estava querendo
dizer: que ele segue aquele planejamento do diretor e faz apenas algumas
adaptações. Mas ainda perguntei ―então você trabalha com jogos e
brincadeiras no 1º bimestre, lutas e ginásticas e esportes?‖ E ele disse que
sim!
No relato anterior, é possível ter uma noção das dificuldades enfrentadas no
recolhimento destes planejamentos. Neste caso, eu não podia contestar o professor
simplesmente afirmando que ele não põe em prática aquele planejamento, o que seria até
indelicado, já que minha função como pesquisadora era entender o processo de organização
dos conteúdos construídos pelos professores de Educação Física, e não julgá-lo.
Ao assumir a justificativa do professor ADE como verdadeira, ou seja, que ele
realmente executa tudo o que foi proposto pelo diretor, essa ainda não seria uma conduta
admissível, pois como afirma Neira (2006) o professor deve ser um prático reflexivo,
rejeitando a imposição de reformas educativas que o levam a copiar e aplicar passivamente
planos desenvolvidos por outros atores sociais. O autor ainda considera:
O planejamento e a avaliação dos processos educacionais como partes inseparáveis
do ensinar, já que o que acontece nas aulas, ou seja, o ensino, não poderá ser
entendido sem uma análise que leve em conta as intenções, as previsões, as
expectativas e a avaliação dos resultados. (NEIRA, 2006, p. 24).
Outros dois professores, RON (31 anos – P. E3) e GIL (52 anos – P. E6), também não
entregaram nenhum planejamento. Ambos disseram que tinham os planejamentos em seus
cadernos, mas prefeririam digitar para entregar de forma mais organizado. Liguei para eles
várias vezes durante os meses de dezembro/2008 e janeiro/2009, porém percebi que estava
104
sendo inconveniente cobrando os planejamentos e, como ficaram de retornar quando estivesse
tudo digitado, preferi aguardar, sem obter sucesso.
A professora SOL (50 anos – P. E6) também não entregou planejamento algum, mas
ela foi clara dizendo que não ia entregar mesmo. Com ela, realizei apenas a entrevista, já que
ela ministrava aulas apenas para o 1º ciclo e as aulas observadas foram do 2º. Vejamos o
episódio que ilustra o momento em que fui buscar seu planejamento, conforme combinado
anteriormente.
Relato 3 (17/12/2008): Nem lembrei, nem lembrei!
Conforme combinado, voltei para buscar o planejamento da professora SOL
e do GIL. Eles estavam na sala dos professores e o GIL disse que ainda não
havia digitado o planejamento e pediu que ligasse na segunda. Quando
perguntei a SOL sobre o planejamento, ela disse:
― ―Ah, nem lembrei, nem lembrei‖.
――Que dia posso vir pegar? Amanhã?‖
――Amanhã não venho. Pega do AND que é igual ao meu, a gente faz
junto‖.
― ―Mas preciso pegar separado...‖
――Fica com o do GIL e do AND, você nem assistiu minhas aulas!‖
― ―Mas fiz entrevista com você...‖
――Pode tirar então, tira a minha lá...‖
Perguntei ao professor AND se o planejamento da professora SOL era o
mesmo do dele, como ela afirmou anteriormente, e ele disse que não. Aí
falei que ela disse que eles planejavam juntos, ele disse ―Planejávamos, mas
larguei de ser bobo, porque eu planejava e ela só copiava!‖
A partir dos fatos relatados, considero para esta pesquisa que nenhum dos quatro
professores entregou seus planejamentos porque na verdade não existe nenhum planejamento.
E esta assertiva se confirmará nas observações que fiz de suas aulas.
Bossle (2002) afirma que um dos motivos pelos quais o professor de Educação Física
não elabora planejamentos é o fato de considerar seu tempo de experiência capaz de suprimir
o ato de planejar. O autor chama isto de ―vício‖ do professor de Educação Física, recorrente
também para quem está começando a dar a aulas.
Outro fator é a descrença no planejamento de ensino por parte dos professores de
Educação Física, manifestada por uma resistência em colocar no papel o que se deseja. A
prática negativa ou equivocada de realizar planejamento constituiu-se numa tarefa mecânica
para cumprir um ritual de formalidade controlado e cobrado por coordenadores e supervisores
pedagógicos, também contribui para a desconsideração do planejamento como necessário
(BOSSLE, 2002).
Afinal, o que é o planejamento? O que ele contém? Essas definições serão relevantes
para definir a ação de análise dos planejamentos, entregues pelos professores de Educação
105
Física, sujeitos desta pesquisa e que entregaram algum tipo de planejamento. Como cada um
deles elabora o planejamento de uma forma peculiar, faz-se necessário definir e adotar
conceitos. Para Libâneo (1994, p. 221-22)
O planejamento escolar é uma tarefa docente que inclui tanto a previsão das
atividades didáticas em termos da sua organização e coordenação em face dos
objetivos propostos, quanto a sua revisão e adequação no decorrer do processo de
ensino. O planejamento é um meio para se programar as ações docentes, mas é
também um momento de pesquisa e reflexão intimamente ligado à avaliação. (...) A
ação de planejar, portanto, não se reduz ao simples preenchimento de formulários
para controle administrativo; é, antes, a atividade consciente de previsão das ações
docentes, fundamentadas em opções político-pedagógicas, e tendo como referência
permanente as situações didáticas concretas.
O planejamento assegura a racionalização, organização e coordenação do trabalho
docente, possibilitando ao professor um ensino de qualidade através da previsão das ações
docentes, evitando a improvisação e a rotina. Libâneo (1994) afirma que existem três tipos de
planejamentos: o plano da escola (mais global), o plano de ensino (planejamentos anuais,
semestrais ou bimestrais) e o plano de aula (previsão do desenvolvimento do conteúdo para
uma aula ou conjunto de aulas). Nesta pesquisa, foi solicitado aos professores o plano de
ensino e planos de aula.
Os planejamentos devem conter basicamente os objetivos (gerais e/ou específicos),
conteúdos, desenvolvimento metodológico (atividades do professor e alunos) e a avaliação.
Libâneo (1994, p. 119) discorre que:
Os objetivos antecipam resultados e processos esperados do trabalho conjunto do
professor e dos alunos, expressando conhecimentos, habilidades e hábitos
(conteúdos) a serem assimilados de acordo com as exigências metodológicas (...).
Os conteúdos formam a base objetiva da instrução — conhecimentos sistematizados
e habilidades — referidos aos objetivos e viabilizados pelos métodos de transmissão
e assimilação.
Assim, Libâneo (1994) conclui que há uma estreita relação entre objetivos, conteúdos
e métodos: os objetivos contém a ―explicitação pedagógica dos conteúdos‖, no sentido de que
estes são preparados pedagogicamente para serem ensinados e assimilados. Os objetivos
refletem a estrutura do conteúdo da matéria, sendo então que a tarefa de formular objetivos
consiste em descrever os conhecimentos a serem assimilados ao término do estudo de
determinados conteúdos de ensino.
A avaliação, segundo Libâneo (1994) é uma tarefa didática necessária e permanente
do trabalho docente, que deve acompanhar passo a passo o processo de ensino e
aprendizagem, e não uma etapa isolada. É uma reflexão sobre o nível de qualidade do trabalho
escolar tanto do professor como dos alunos.
106
Há uma exigência de que esteja concatenada com os objetivos-conteúdos-métodos
expressos no plano de ensino e desenvolvidos no decorrer das aulas. Os objetivos
explicitam conhecimentos, habilidades, habilidades e atitudes, cuja compreensão,
assimilação e aplicação, por meio de métodos adequados, devem manifestar-se em
resultados obtidos nos exercícios, provas, conversação didática, trabalho
independente, etc. (LIBÂNEO, 1994, p. 200-201)
A partir destas definições, entendo que os conteúdos de ensino devem estar explícitos
nos planejamentos entregues pelos professores de Educação Física, seja anual ou semanal.
Porém, em sua maioria, os conteúdos aparecem apenas no planejamento anual, sendo que os
planos de aula semanal são elaborados de maneira diferente por cada professor, o que é
compreensível já que é um documento pessoal, organizador da prática docente, sem
exigências técnicas e cobranças por gestores das escolas.
Nos planos de aula, há professores que só elencam os objetivos e atividades a serem
desenvolvidas na aula, enquanto alguns só descrevem os procedimentos metodológicos (o
passo a passo de execução da aula). A avaliação é quase inexistente nos documentos
entregues, aparecendo apenas nos planejamentos anuais.
Tomando como base as definições de Libâneo quanto aos objetivos, procedimentos
metodológicos e a avaliação, analisarei os planejamentos tentando enxergar, quando não
especificados, os conteúdos implícitos nos objetivos, atividades propostas e avaliação descrita
pelo professor de Educação Física. Assim, seguirei os caminhos percorridos pelos professores
na construção da sistematização de conteúdos para cada ciclo ou etapa de ensino destacada no
planejamento.
4.1.1 Como os professores organizam os conteúdos nos planejamentos
Como já destaquei anteriormente, o planejamento é a forma como o professor organiza
suas ações docentes. Faz-se necessário compreender como cada professor de Educação Física
constrói seus planejamentos e, consequentemente, os conteúdos no decorrer do ano letivo.
A primeira forma de organização dos conteúdos detectada é por ciclos ou etapas destes
ciclos. As habilidades e competências elencadas pelos dossiês para cada ciclo aparecem como
base para a seleção de conteúdos no planejamento anual das professoras ANE (32 anos – P.
E3) e JOS (38 anos – P. E4). A organização de conteúdos por ciclos continua no planejamento
bimestral ou nos planos de aula, que a professora JOS, por exemplo, propõe os mesmos
conteúdos para as etapas do 1º ciclo e outros conteúdos para as etapas do 2º ciclo.
107
Na verdade, nenhum dos professores pesquisados propõe um plano de aula específico
para cada etapa de cada ciclo, repetindo assim a mesma aula em diversas etapas, como é o
caso da professora ANE citada anteriormente.
Nos demais planos semanais, encontrei conteúdos específicos para alguns anos
independentemente dos ciclos, como o professor ROB (31 anos – P. E4) que propõe
conteúdos iguais para 1º e 2º anos, e outros iguais para 3º, 4º, 5º e 6º anos. Já a professora
ROS (39 anos – P. E1), distribui os conteúdos em três grupos, ou seja, para educação infantil
e 1º anos, outro para 2º, 3º e 4º anos e, por fim, para 5º e 6º anos.
Apenas no desenvolvimento do conteúdo ―Ginástica‖ pelo professor AND (32 anos –
P. E6) é que aparece um plano de aula específico para cada etapa do 1º e 2º ciclos, sugerindo
uma sistematização destes conteúdos.
Analisando os dossiês utilizados pelos professores de Educação Física como base para
seleção e organização dos conteúdos ao longo dos ciclos, como apareceu nos planejamentos
das professoras JOS e ANE anteriormente, indago: será que os dossiês são realmente a melhor
opção para a seleção de conteúdos específicos da Educação Física? Baseando-me nas ideias
de Coll (1997) sobre as intenções educativas na elaboração de uma proposta curricular ou
planejamentos dos professores, eu diria que é um caminho, mas talvez não o melhor deles.
Neste caso, ―as intenções educativas podem referir-se aos resultados de aprendizagem que se
espera obter, aos conteúdos sobre os quais a aprendizagem versa ou às próprias atividades da
aprendizagem‖ (COLL, 1997, p.69).
Embora estes três elementos sempre estejam presentes nas atividades escolares de
ensino/aprendizagem, a importância que se atribui a cada um pode originar três vias de acesso
diferentes na concretização das intenções educativas: com relação aos conteúdos a trabalhar,
aos resultados esperados ou as atividades a realizar.
Os dossiês são utilizados pelos professores como via de acesso pelos resultados
esperados, que:
(...) pressupõe que as intenções educativas se concretizem a partir da consideração e
análise das aprendizagens que o aluno vai realizar em consequência de sua
participação no processo educacional. Tanto as atividades concretas, quanto os
conteúdos particulares em torno dos quais se organizam, são escolhidos em função
dos resultados esperados, que se transformam assim no elemento orientador do
planejamento educacional. (COLL, 1997, p.70-71).
108
A
análise
dos
resultados
esperados da aprendizagem dos
alunos determinam...
As
atividades
de
ensino/aprendizagem a realizar.
Os conteúdos a trabalhar.
Figura 10: Via de acesso pelos resultados (Retirado de COLL, 1997, p. 71).
Esta via está associada a uma interpretação cognitiva da aprendizagem nos chamados
objetivos cognitivos. Aqui, os resultados esperados são definidos em termos de habilidades ou
destrezas cognitivas. ―Trata-se de identificar os processos cognitivos mais importantes na
aprendizagem, a fim de confeccionar um repertório de habilidades independentes de
conteúdos específicos e, portanto, suscetível de ser aplicado a uma variedade de situações.‖
(COLL, 1997, p. 72).
O que se observa nos dossiês é a apresentação de habilidades e competências
independentes de conteúdos específicos. A partir dessa ótica, portanto, a concretização das
intenções educativas consiste em um conjunto de destrezas cognitivas (resultados esperados),
cujo fim depende tanto as atividades de ensino/aprendizagem como os seus conteúdos.
A consequência é que os objetivos cognitivos são necessariamente formulados nos
currículos em nível muito abrangentes e pouco úteis para guiar eficazmente a prática
pedagógica. Coll (1997) sugere a opção por uma via mista de acesso, a partir dos resultados
esperados e dos conteúdos, na concretização das intenções educativas, assim os professores
deveriam utilizar os dossiês e os conteúdos específicos da Educação Física para planejar os
objetivos específicos, e não utilizar apenas os resultados esperados (habilidades e
competências) como foco principal do planejamento.
Outra forma de organização dos conteúdos é temporal, ou seja, anual, semestral,
bimestral ou semanalmente. Dois professores elencam conteúdos anuais e não fazem distinção
em bimestres no decorrer dos planejamentos.
Se pensarmos na estrutura da escola organizada por ciclos de aprendizagem, como é o
caso das escolas municipais de Cuiabá, subentende-se que os alunos têm um ano todo para
aprender os conteúdos daquela etapa de aprendizagem, ou seja, não deveria haver divisões dos
conteúdos por bimestres. Porém, os outros cinco professores de Educação Física propõem
conteúdos bimestrais, divergindo da proposta da escola organizada por ciclos.
Este fato pode ser interpretado por dois motivos principais: o dossiê e a experiência
dos professores. O dossiê, como citado no capítulo anterior, é um instrumento de avaliação
109
bimestral da rede municipal de Cuiabá, em que alguns professores se orientam para selecionar
os conteúdos da Educação Física, influenciando sua organização por bimestres.
A experiência dos professores com o trabalho em escolas seriadas é outro fator que
pode estar envolvido na tradicional divisão do ano letivo por bimestres. Souza Junior (2007)
encontrou problemas semelhantes na organização dos saberes escolares dados pelos
professores — não só da Educação Física — da rede municipal de Recife – PE, referentes a
mudança de série para ciclos de aprendizagem.
Porém, tais mudanças, são acompanhadas de resistências, tanto intencionais, quanto
por costume com a estruturação seriada do currículo. É o caso da organização do
tempo pedagógico, dividindo o ano calendário em dois semestres e cada um desses
em duas etapas. Todas essas divisões partem de repartições equitativas, do ponto de
vista quantitativo, levando ao tratamento dos saberes escolares uma forma etapista,
linear e de desintegração dos conhecimentos. (SOUZA JÚNIOR, 2007, p. 88).
Perrenoud (2002) relata que mesmo nas redes em que se trabalham os ciclos de
maneira mais integrada, a referência as séries permanece tácita ou explícita. O autor dá o
exemplo da rede municipal de São Paulo, em que se avalia que ―a expressão mais clara dos
problemas de implementação dos ciclos está no predomínio de práticas pedagógicas que têm a
organização seriada como princípio ordenador.‖ (PERRENOUD, 2002, p. 222).
4.1.2 Os conteúdos que os professores idealizam
Agora que pudemos verificar como os professores organizam os conteúdos em seus
planejamentos, apresento a seguir esses conteúdos, observando assim o que é ensinado nas
aulas de Educação Física em cada ciclo ou etapa destes, mas sem detalhar por bimestres. Os
conteúdos explicitados pelos professores serão agrupados em blocos, sendo que em alguns
momentos houve a indicação do professor quanto à classificação dos mesmos; em outros
momentos, não.
Nos planejamentos dos professores não aparece classificação dos conteúdos em suas
dimensões. A relação estabelecida dos conteúdos com suas dimensões é feita por mim, a fim
de demonstrar que, mesmo não aparecendo esta classificação nos planejamentos analisados,
os professores conhecem e trabalham (ou não) com as três dimensões.
110
4.1.2.1 ―Conhecimento de si‖ – o corpo e suas possibilidades de movimento
Se a Educação Física tem como campo de estudo a cultura corporal de movimento,
nada mais lógico do que compreender o corpo como o princípio de todo o conhecimento que
podemos ter. Darido e Rangel (2005, p. 140) falam sobre o que se espera que os alunos
saibam sobre ―conhecimento do próprio corpo‖:
Conhecer o próprio corpo pode ser o principio de todo conhecimento que alguém
pode ter, pois entendemos que conhecer o corpo é conhecer-se a si mesmo.
Esperamos que os alunos, na Educação Básica, aprendam a conhecer o próprio
corpo, seus detalhes internos, sua subjetividade e afetividade interpessoal. Eles
também não devem se limitar a esse conhecimento, pois seu corpo está relacionado
ao seu ser, aos outros e à cultura, enfim, ao mundo que o cerca e ao contexto mais
amplo do ambiente.
Lembrando que a Educação Física, na rede municipal de Cuiabá, está inserida na área
de Linguagens, e segundo Neira (2007, p. 14) o corpo é entendido como suporte de linguagem
que manifesta a cultura em que está inserido, ou seja, ―ao se movimentarem homens e
mulheres expressam intencionalidades, comunicam e veiculam modos de ser, pensar e agir
característicos, ou seja, culturalmente impressos em seus corpos‖.
Neste sentido, entende-se o corpo como um suporte textual onde se inscrevem a
história e a trajetória dos homens e da cultura. Com mais esta justificativa e compreendendo o
corpo como ―texto da cultura‖ e os gestos os ―textos do corpo‖ — expressões de Neira (2007)
— resolvi iniciar as análises por este bloco de conteúdos. Então, o que os professores de
Educação Física ensinam sobre este conteúdo na escola e para as diferentes etapas do 1º e 2º
ciclos?
Os conteúdos relacionados à psicologia e psicomotricidade estão presentes em todos
os planejamentos analisados dos professores de Educação Física, seja como conteúdos para
todos os ciclos, sejam específicos para algumas etapas, mas sempre presentes. Estes
conteúdos são propostos apenas na dimensão procedimental, sendo eles assim apresentados
pelos professores de Educação Física:

Esquema corporal: partes do corpo;

Coordenação motora fina e grossa: coordenação dinâmica global (ampla),
coordenação manual e coordenação viso-motora;

Lateralidade;

Orientação espacial e temporal;

Percepção (espacial, temporal e tátil).
111
É interessante notar que estes conteúdos, apesar de serem citados como gerais em
todos os ciclos nos planejamentos anuais, quando os professores os propõem nos
planejamentos específicos de cada ciclo, estes aparecerem apenas para o 1º ciclo.
O professor ROB (31 anos – P. E4) propõe ainda para o 1º ciclo, a ―organização e
conhecimento da identidade e percepção tátil, auditiva, visual, gustativa e olfativa‖.
No segundo ciclo, apenas o professor AND (32 anos – P. E6) fala em ―conhecimento
do corpo, dos movimentos e seus limites e partes do corpo‖.
Sobre os conteúdos citados anteriormente, Neira (2006, p. 123-124) nos diz que:
(...) a Educação Infantil e as primeiras séries do Ensino Fundamental têm grande
relevância na proposição das atividades que visam o desenvolvimento das
habilidades básicas como: percepção, lateralidade, orientação espaço-temporal,
coordenação visual e motora e esquema corporal.
Segundo o autor, a aquisição de um esquema corporal pressupõe-se conhecer a
imagem do próprio corpo, saber que este corpo é parte da nossa identidade, perceber cada
parte sem perder a noção de unidade. Diz ser necessário perceber os elementos do corpo em
separado para depois construir a percepção de globalidade corporal (NEIRA, 2006).
Os discursos de Neira (2006) justificam a proposta dos professores de Educação Física
quanto a proposição dos conteúdos psicomotores. Somados a estes conteúdos, os professores
ainda sugerem o trabalho com: a atenção visual e auditiva; percepção sinestésica; memória
visual, auditiva e sinestésica; associação de ideias; compreensão e raciocínio; informações
sonoras, visuais e táteis.
Todos os conteúdos citados anteriormente são chamados de ―Atividades de
Sensibilização Corporal‖ por Freire e Scaglia (2003). A estes, podemos englobar ainda os
seguintes conteúdos sugeridos pelos professores: 1º ciclo — possibilidades de explorar e
controlar o corpo, imitação de som e gestual (animal, personagens, objetos, etc.); 2º ciclo —
conhecimento do próprio corpo, dos movimentos e seus limites, e a imitação dos movimentos
dos animais.
As possibilidades de movimento do nosso corpo são inúmeras e a Educação Física tem
a responsabilidade de explorar estes conhecimentos, levando o aluno a uma compreensão e
reflexão sobre o corpo e seus movimentos e não apenas à prática descontextualizada dos
mesmos. Neste sentido, o professor ROB (31 anos – P. E4) propõe a apresentação e discussão
de textos sobre o ―corpo humano‖ e ―a função dos movimentos‖, fazendo menção à dimensão
conceitual dos conteúdos.
Outros conceitos tratados pelos professores referem-se as ―noções básicas sobre
higiene e postura‖, como aparecem nos planejamentos dos professores AND (32 anos – P. E6)
112
e ANE (32 anos – P. E3). Especificam a higiene nas aulas de Educação Física, na hora do
lanche e na sala de aula, para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental.
Palma e colaboradores (2008) sugerem que na Educação Infantil e 1º anos os
princípios básicos de higiene e de cuidados com o corpo devem ser ensinados e estimulados.
Para os demais anos do 1º e 2º ciclos, pois estas questões devem ser lembradas e organizadas
a fim de subsidiar hábitos saudáveis.
Nota-se ainda que a ―postura‖, citada anteriormente, aparece na dimensão
procedimental sempre atrelada ao ―alongamento‖. A professora ROS sugere o alongamento
como conteúdo para 5º e 6º anos. Já o professor AND propõe a sequência de alongamentos
como conteúdo para 1º ciclo e, ainda, suas definições e razões de fazê-los (conceitos) para
todos os ciclos.
Percebe-se que o alongamento é um conteúdo que causou divergência, pois não há
uma unanimidade quanto ao momento em que deve ser proposto, ou seja, em qual ano deve
ser contemplado.
Darido e Rangel (2005) falam da necessidade de compreender as habilidades e as
capacidades necessárias à prática de atividades físicas, aprendendo estratégias para o
aprendizado de novas habilidades e não somente o aprimoramento da técnica das habilidades
já aprendidas. Neste sentido, veremos o que os professores de Educação Física pesquisados
propõem quanto a aprendizagem das habilidades motoras e das capacidades físicas.
As habilidades motoras são propostas no planejamento de quatro professores. A
professora JOS (38 anos – P. E4) é a única que propõe os conteúdos de habilidades motoras
de estabilização para os dois ciclos. Este conteúdo é o Equilíbrio — dinâmico e estático (uma
perna só, aviãozinho, parada de mão, estátua).
Os demais conteúdos referentes às habilidades motoras são propostos apenas para o 1º
ciclo. As habilidades parecem ter sido retiradas da proposta elaborada por Tani e
colaboradores (1988). Vejamos os conteúdos propostos:




Habilidades de locomoção: andar, correr, saltar, desviar, rolar, girar, abaixar, levantar,
contornar, subir, descer e trepar;
Habilidades de manipulação (não especificados no planejamento);
Habilidades de estabilização: equilíbrio; paradas abruptas e saídas também; mudança
de direção;
Movimentos combinados.
As habilidades de estabilização foram todas citadas pela professora JOS (38 anos – P.
E4) e são similares ao conteúdo ―domínio do corpo‖ — saída rápida, parada brusca e
mudança de direção — elaborado por Paes (2002) em sua proposta de sistematização dos
conteúdos do Esporte coletivo.
113
As capacidades físicas aparecem como conteúdos de ensino no planejamento de três
professores participantes desta pesquisa, sendo denominadas por eles de ―habilidades
motoras‖ ou ―exercícios físicos‖. Porém, os elementos constitutivos deste conteúdo são os
mesmos propostos por autores como Freire e Scaglia (2003) como ―capacidades motoras‖ e
por Darido e Souza Júnior (2007) como ―capacidades físicas‖.
As capacidades físicas são ações musculares e processos motores que dizem respeito
à formação corporal e à técnica de movimentos, ou seja, qualidades que fazem parte
de nosso corpo, essenciais para uma vida ativa e saudável. Entre as capacidades
físicas, podemos citar: a força, a flexibilidade, a agilidade, o equilíbrio e a
resistência aeróbia e anaeróbia. (DARIDO; SOUZA JÚNIOR, 2007, p.301).
Dentre os componentes das capacidades físicas citadas, apenas o equilíbrio não foi
mencionado pelos professores. Isto se deve aos mesmos proporem o equilíbrio como uma
habilidade motora de estabilização, o que também é correto.
Freire e Scaglia (2003) sugerem para este conteúdo os componentes: força,
resistência, agilidade, velocidade e flexibilidade. Estes componentes coincidem com os
sugeridos pelos professores AND, ROB e a professora ROS, aparecendo no planejamento
anual como conteúdo para todos os ciclos, porém nos semanais são determinados apenas para
o 1º ciclo. Foi citada ainda a ―capacidade respiratória‖, que está diretamente ligada a
resistência aeróbia.
Numa relação entre conhecimento sobre o corpo e fisiologia, é proposta para todos os
ciclos, na dimensão conceitual, a ―explicação do sistema pulmonar ― por que ficamos
ofegantes? Qual a melhor forma de recuperação?‖ (ROB/M – 31 anos – P. E4).
O professor ROB é o único que cita as capacidades físicas como ―componentes da
aptidão física‖. Betti e Zuliani (2002) nos alertam que o trabalho voltado para a aptidão física
só deve acontecer a partir do 8º ano do Ensino Fundamental. Lembram ainda que a
aprendizagem de habilidades motoras e o desenvolvimento de capacidades físicas são
necessárias nas aulas de Educação Física, porém não são suficientes. Assim, a Educação
Física escolar não pode resumir-se apenas nestas práticas corporais, sendo necessária a
contemplação das outras dimensões do conteúdo também.
O professor ROB propõe ainda a avaliação física e funcional de peso, altura e
flexibilidade, que se constitui no ―diagnóstico e acompanhamento dos níveis de crescimento,
composição corporal e desempenho motor‖, tanto no 1º quanto no 2º ciclo.
Ao pensar sobre o crescimento e desenvolvimento motor, comungo com as palavras a
seguir:
114
Conhecer o corpo é mais do que saber quais são as suas partes e o que essas partes
podem fazer. Devemos confrontar quaisquer ideologias que reduzam as
possibilidades do corpo e que o fragmentem, sendo necessário compreender o
processo de constante mudança que caracteriza o corpo, como ocorre seu
crescimento e seu desenvolvimento (DARIDO; RANGEL, 2005, p. 140-141).
Neste sentido, o professor ROB (31 anos – P. E4) propõe temas de relevância social
que, quando trazidos para o contexto da Educação Física na escola, se tornam conteúdos de
ensino. Um conteúdo ligado ao crescimento e desenvolvimento motor é a reflexão sobre o
envelhecimento do nosso corpo — Idoso ou envelhecimento sadio. O professor ROB propõe
para 1º e 2º ciclos:
Conceitos:









Conhecimento do corpo humano e suas limitações.
Semelhanças e diferenças do corpo idoso com os mais jovens.
Atividade física e envelhecimento: benefícios e riscos da atividade física.
Estatuto do idoso.
Envelhecimento sadio: por que o corpo envelhece.
Tipos de alimentação que ajudam a retardar a velhice.
Orientações e selecão de exercíciopara idosos realizar.
Principais doenças relacionadas ao idoso.
Prática esportiva do idoso.


Procedimentos:
Visita ao centro de convivência para a 3ª idade.
Sequência de atividades práticas para o idoso, elaborada pelos alunos.

Atitudes:
Responsabilidade e respeito ao idoso.
Percebe-se que a relação entre os conhecimentos sobre o corpo e o idoso é nítida nos
conteúdos apresentados pelo professor ROB em seu planejamento, apesar de não fazer
distinção indicativa de ano. Esta perspectiva transcende o ―saber fazer‖ e suas razões, levando
ao aluno a possibilidade de adquirir conhecimentos contextualizados e a reflexão dos
mesmos.
O professor ROB faz uma relação da Educação Física com a qualidade de vida, o que
interfere diretamente nos conhecimentos sobre o corpo. A ―prevenção de doenças do coração,
conhecimento de suas funções e prevenção de doenças degenerativas‖ são conceitos
alcançados através da relação com a atividade física, fisiologia e hábitos de vida saudáveis.
Somados a isto, a professora JOS (38 anos – P. E4) propõe para o 2º ciclo a discussão dos
―benefícios (efeitos) das atividades físicas‖ através de textos e pesquisas sobre ―obesidade‖.
115
Numa dimensão de corpo mais social e antropológica, o professor ROB propõe a
interlocução com o tema Diversidade Racial. Como conteúdos, pode-se extrair; o ―estudo das
etnias; diversidade cultural; semelhanças físicas; semelhanças e diferenças raciais na sala de
aula; aceitação e convivência; conscientização da cultura negra‖.
Percebe-se em seu planejamento atividades que trabalham estes conteúdos dialogando
com o corpo, como exemplo, segue a sequência de atividades retiradas de seu planejamento
para trabalhar ―semelhanças e diferenças, aceitação e convivência na sala‖ retratadas no
quadro 12 a seguir.
Quadro 12: Diferenças e semelhanças na sala de aula
1) O professor abordará o tema exemplificando como acontecem as semelhanças e
diferenças na sala de aula.
2) Os alunos (após um debate) irão demonstrar, através de um desenho, a visão que
ele tem do seu colega mais próximo.
3) Após o desenho o professor irá reunir a sala e verificar as suas semelhanças e
diferenças com o colega.
4) Atividades práticas:
A) Formar grupos:
1) Cor do cabelo.
2) Cor dos olhos.
3) Tamanho dos pés.
4) Cor da camiseta.
5) Tamanho dos braços.
Extraído do planejamento do professor ROB/M (31 anos – P. E4)
Assim, finalizo o bloco de conteúdos ―conhecimentos sobre corpo‖ ratificando que
conhecer a si mesmo transcende o fazer motor expresso por habilidades motoras, capacidades
físicas ou esquema corporal. Nas palavras de Kunz (2005, p. 5):
Não se trata de formar pessoas que se conheçam melhor, apenas, mas de formar
gente consciente de que jamais conhecerá tudo de si, pois isso consiste em conhecer
a humanidade e o mundo. É imprescindível que a educação desencadeie um
processo de conhecimento de si através dos valores humanos encontrados em cada
indivíduo, possibilitando condições para que cada aluno e aluna encontrem, por suas
referências internas e não apenas do mundo exterior e dos outros, o que ele ou ela de
fato são em relação ao mundo, aos outros e a si próprio.
4.1.2.2 Como os professores utilizam o ―Momento recreativo‖: conteúdo, metodologia ou
prática descontextualizada?
Os jogos e as brincadeiras populares são conteúdos recorrentes no planejamento dos
sete professores que entregaram. Em alguns momentos, os jogos e brincadeiras aparecem
116
como instrumento para o ensino de outros conteúdos específicos, tranformando-se, neste caso,
em estratégia (ou metodologia/atividade) de ensino.
É comum na Educação Física esta estratégia , como exemplo, numa determinada aula,
o conteúdo a ser ensinado pode ser a vivência de uma brincadeira popular da época em que os
pais de nossos alunos eram crianças e que hoje são desconhecidas deles. Neste sentido, a
brincadeira popular é o conteúdo da aula.
Em outra aula, pode-se propor, por exemplo, o ensino do conteúdo habilidades de
estabilização, sendo utilizado para isto um jogo de pegar em que as crianças devem correr em
cima de cordas e bancos estreitos, exigindo-se assim o equilíbrio. Neste caso, o jogo se tornou
uma estratégia para ensinar um determinado conteúdo da Educação Física, sendo comum
ouvir dos professores de Educação Física que utilizam ―atividades lúdicas‖ ou ―atividades
recreativas‖ em suas aulas.
É preciso tomar cuidado com a compreensão internalizada por alguns professores de
Educação Física de que é preciso tornar a aula lúdica, respeitando-se assim a espontaneidade
da criança em brincar. Esta concepção traduz a proposição de aulas em que a ―recreação‖ se
constitui no seu momento principal. Porém, vê-se que este momento acaba revelando uma
aula descontextualizada, em que as atividades recreativas são propostas com a finalidade
precípua de divertir, sem objetivos determinados e nem conteúdos a serem ensinados. Apenas
o brincar por brincar.
Dos professores que entregaram planejamentos semanais, nos quais pude analisar o
que foi oferecido aula a aula, dois professores apresentaram nos planos de aula os termos
―momento recreativo‖, ―atividades recreativas‖ ou simplesmente ―recreação‖. Como estes
professores não descreviam claramente todos os passos de um plano de aula, ou seja, às vezes
não deixavam claro o conteúdo a ser ensinado na aula, tive que tentar compreender o contexto
em que se inseriam os termos mencionados anteriormente. Será que se referiam ao ensino de
jogos ou brincadeiras como conteúdo? Será que se constitui apenas em atividades propostas
para ensinar determinado conteúdo, ou seja, uma estratégia de ensino? Ou apenas um
momento de diversão nas aulas de Educação Física?
No planejamento do professor ROB (31 anos – P. E4) pude identificar o ―momento
recreativo‖ representativo das três condições anteriores: ora como conteúdo, ora como método
de ensino, ora como mera recreação.
O momento recreativo ou parte recreativa da aula indicada pelo professor ROB em seu
planejamento se caracteriza como uma mera recreação quando propõe atividades (no caso,
brincadeiras/jogos) sem relação alguma com o objetivo ou conteúdo proposto na aula. Tenho
117
a impressão da necessidade das aulas de Educação Física em oferecer uma parte prática em
suas aulas, levando o professor a destinar uma parte de sua aula à práticas
descontextualizadas, recreativas, ou seja, atividades sem intenção pedagógica, mas divertidas.
Por exemplo, no planejamento semanal do professor ROB, ele propõe uma aula cujo
tema é o ―idoso e suas qualidades‖ e o objetivo da aula é ―mostrar para os participantes a
responsabilidade do respeito e as semelhanças e diferenças do corpo em relação aos mais
jovens‖ (ROB/M – 31 anos – P. E4). Neste sentido, ele propõe num primeiro momento da
aula atividades para desenvolver o tema em questão, como a discussão sobre as principais
doenças relacionadas ao idoso e os exercícios físicos adequados a eles. O professor não indica
para qual ciclo propõe esta aula.
A segunda parte desta mesma aula é nomeada de ―parte recreativa‖, em que o
professor propôs atividades como ―gato e rato‖, ―nunca três‖, etc. Em outra aula, desta vez
para a Educação Infantil, o planejamento não destaca o conteúdo da aula e nem os objetivos,
apenas atividades, sem ligação ou coerência entre elas.
Estes exemplos são características da concepção de recreacionismo, em que se enfatiza
a ideia de ações ao ar livre, sejam elas organizadas ou não. Sobre o recreacionismo,
Waichman (2004, p.26) diz que não há um interesse profundo pelas atividades além do seu
―emprego no tempo desocupado. O importante é disponibilizar uma oferta larga de
possibilidades, desde a atividade gratuita (uso de lugares públicos ao ar livre) até jogos
sofisticados e onerosos‖.
Esta concepção é diferente da abordagem recreacionista em que aparece a figura do
professor ―rola bola‖. No caso dos nossos exemplos, a recreação se caracteriza simplesmente
por oferecer a diversão através de jogos e brincadeiras escolhidas. É como se o professor
abrisse um livro e selecionasse as atividades ―mais legais‖ para aquela aula, sem objetivo e/ou
conteúdo determinado. Esta prática é muito comum entre os professores de Educação Física,
que entendem a disciplina, principalmente para a Educação Infantil e 1º ciclo, como uma
prática lúdica.
Para Santos (2001, p. 93), trabalhar com recreação nesta perspectiva é trabalhar com a
prática no seu sentido mais vulgar, com uma atividade que não precisa ter critérios e nem
coerência. ―Como o objetivo, nessas atividades, não é compreender como as crianças
aprendem, para que elas se tornem autônomas e criativas, realizar atividade prática não passa
de uma repetição mecânica de experiências motoras‖.
A recreação aparece no planejamento do professor ROB e da professora ROS também
como um procedimento utilizado para ensinar outros conteúdos. Numa aula da professora
118
ROS, por exemplo, o conteúdo expresso nos objetivos corresponde a ―percepção visual,
auditiva, atenção, capacidade respiratória e coordenação motora fina‖ (ROS/F – 39 anos – P.
E1). As atividades propostas para o 2º, 3º e 4º ano são descritas da seguinte forma:
 Atividade para despertar a atenção:
- corrida de formação de grupos
- corrida dos números
- dentro e fora
 Recreação:
- a ponte
- coelhinho sai da toca
Percebe-se que esta aula proposta para o dia 08 de agosto de 2008 pela professora
ROS apresenta a recreação como um procedimento de ensino para ensinar os conteúdos prédeterminados. É nítido em suas aulas esta divisão nas atividades propostas, sempre oferece
exercícios ou parte teórica no início da aula e, logo após, jogos e brincadeiras para ensinar
conteúdos.
O professor ROB também destaca em seu planejamento a recreação como
procedimento de ensino, e ainda nomeia de ―método recreativo‖. Pinto (2001, p. 57) diz que
no ―início do século XX, a influência da tendência pedagógica conhecida como Escola Nova
influenciou no sentido da privatização da cultura lúdica do nosso povo e na legitimação da
recreação como instrumento-meio para o ensino de outros saberes escolares‖.
E a recreação enquanto conteúdo da Educação Física? Não considero a recreação
como um conteúdo, porém o tratamento dado pelos professores pesquisados a este termo,
associando-o aos jogos, supõe-se como um conteúdo. Neste caso, os professores utilizam o
termo ―jogos recreativos‖, ―recreação‖ ou apenas ―jogos‖ para dizer que o conteúdo de ensino
são os jogos propriamente ditos, ou como nos indica Darido e Rangel (2005), ―jogos
reproduzidos‖ (apresentados no capítulo anterior).
O ensino de jogos na perspectiva de reprodução só não aparece no planejamento do
professor CIN. Para os demais, este conteúdo é proposto para os dois ciclos iniciais do Ensino
Fundamental, sem distinção nenhuma do conteúdo entre os ciclos. Ainda, é apresentado
apenas na dimensão procedimental, o saber fazer. Nesta dimensão inclui-se também ―as
regras dos jogos‖, proposto pelo professor ROB para o 2º ciclo. Em apenas um planejamento,
da professora JOS, é citado a ―organização de jogos e regras‖ (2º ciclo), fazendo menção às
atitudes dos alunos diante destes jogos.
Percebe-se que a menção às regras dos jogos transcende a perspectiva de apenas
reproduzi-los, mas ainda há a necessidade de aproximação da transformação e criação destes
119
jogos (DARIDO; RANGEL, 2005), ou os chamados ―jogos de regras‖, classificados assim
por Freire e Scaglia (2003).
Os Jogos de Regras podem ser os próprios jogos populares da cultura infantil ou
quaisquer outros criados pelos professores. A diferença entre os Jogos de Regras e
os demais é que, ao aplicá-los, os professores devem inicialmente utilizar o menor
número possível de regras. A cada conflito entre os alunos, causado pela falta de
regras, o professor deve interromper a aula e, em pouco tempo, ajudá-los a
estabelecer uma regra (FREIRE; SCAGLIA, 2003, p. 69).
Sobre as dimensões conceituais e atitudinais, estas aparecem ligadas ao conteúdo
―jogos cooperativos‖ — único a apresentar as três dimensões do conteúdo. No conteúdo
―jogos de salão‖, a dimensão atitudinal e procedimental são destacadas no planejamento, mas
desta vez apenas despida de fatos ou conceitos. Vejamos então estes conteúdos:
Jogos cooperativos
- O que é cooperação – conceitos e conhecimentos dos alunos.
- Importância da cooperação (textos).
- Jogos cooperativos: vivência de jogos propostos pelo professor e escolhidos pelos
alunos.
- Recreação semi-cooperativa.
- Cooperação, socialização, respeito, coletividade, afetividade, confiança no outro e
relação interpessoal.
Os professores AND (32 anos – P. E6) e JOS (38 anos – P. E4) propõem estes jogos
para os dois ciclos do Ensino Fundamental, inclusive a ―importância dos jogos cooperativos‖
através de textos aparece no planejamento da professora JOS para o 1º ciclo. Mas será que os
alunos do 1º ciclo têm condições de ler textos e compreender a importância da cooperação? O
professor ROB, por exemplo, só propõe os jogos cooperativos a partir do 2º ciclo.
O jogo cooperativo consiste em jogos e atividades onde os participantes jogam
juntos, ao invés de contra os outros, apenas pela diversão. Através deste tipo de
jogo, nós aprendemos a trabalhar em grupo, confiança e coesão grupal. A ênfase está
na participação total, espontaneidade, partilha, prazer em jogar, aceitação de todos
os jogadores, darem o melhor de si, mudar regras e limites que restringem os
jogadores, e no reconhecimento que todo jogador é importante. Nós não
comparamos nossas diferentes habilidades nem performances anteriores, nós não
enfatizamos a vitória e a derrota, resultados ou marcas (SOBEL, 1983, apud
BROTTO, 2001, p. 55-56).
Brotto (2001) considerada que para a integração dos Jogos Cooperativos em grupos ou
ambientes com pouca ou nenhuma experiência anterior é aconselhável iniciar pelos jogos
semi-cooperativos — recreação semi-cooperativa como propôs o professor ROB
120
anteriormente — e gradativamente caminhar na direção dos jogos cooperativos sem
perdedores.
Ao refletirmos sobre a escola, a assertiva anterior de Brotto (2001) é pertinent, se
pensarmos nas características de crianças de 1º ciclo, que segundo Piaget (s.d., citado por
FREIRE, 2005) é neste período, entre 6 e 7 anos, que a criança começa a ser capaz de
cooperar. É nesta fase também que, segundo Chatêau (1987), a criança começa a se interessar
por jogos sociais, deixando o egocentrismo de lado.
Baseando-me nesses autores e em minha experiência como professora das séries
inicias (antiga 1ª a 4ª série), entendo que as crianças de 1º e 2º ano ainda estão neste período
de transição entre o egocentrismo e a socialização, sendo ainda incapazes de cooperar. Talvez,
por começarem a entrar na fase de raciocínio lógico (PIAGET, s.d, apud FREIRE, 2005), elas
são capazes de entender a importância de cooperar com os colegas, mas isso não quer dizer
que ela terá atitudes de cooperação num jogo. Socialização sim, mas não cooperação. Talvez a
proposta do professor ROB em oferecer os jogos cooperativos a partir do 2º ciclo corrobora
com a discussão anterior.
Os jogos de salão, de mesa ou de tabuleiro é outro conteúdo presente no planejamento
dos professores pesquisados, apresentado com exclusividade pela professora CID (52 anos –
P. E2). Nesta escola em especial, por conta da inexistência de um espaço adequado às aulas de
Educação Física, a professora ocupa a sala de aula oferecendo este conteúdo aos alunos como
eixo norteador de seu trabalho, juntamente com jogos intelectivos ou de raciocínio lógico.
Vejamos o que ela propõe para o 2º ciclo no quadro 13, lembrando que esta escola não
oferece 1º ciclo:
Quadro 13: Conteúdos de jogos de salão e de raciocínio lógico
JOGOS DE SALÃO
JOGOS DE RACIOCÍNIO LÓGICO (Passatempos)
 Dama
 Caça palavras
 Sequência l
 Dominós
 Criptocruzada
 Sudoku
 Gamão
–
noções Criptograma
 Tangran
básicas
 Jogos da memória
 Tetraminós
 Ludo
 Treminós
 Xadrez
 Resta um
 Confecção de jogos de
dama e ludo
 Criação de regras pelo
grupo
Baseado no planejamento da professora CID/F – 52 anos – P. E2.
Na dimensão atitudinal, são apresentados os seguintes conteúdos pela professora CID:
a criatividade, atenção, cooperação, criação de regras, respeito ao colega e cumprimento de
121
regras. Acrescentando, a professora JOS (38 anos – P. E4) sugere para os jogos de mesa, a
participação, formação de grupos, troca de material e acordo com as afinidades.
A professora CID, além dos conteúdos propostos para todos os anos, esboça uma
sistematização dos mesmos para cada ano do 2º ciclo. Vejamos estes conteúdos no quadro 14.
Quadro 14: Conteúdos dos jogos de salão e intelectivos para o 2º ciclo.
4º e 5º anos
6º ano
- Palavras cruzadas diretas
- Confecção de jogo de Conteúdos atitudinais:
- Dama
ludo
- criatividade
- Quebra-cabeça
- Quebra-cabeça e jogo - cooperação
- Lego
da memória
- atenção
- Jogo da memória
- Torneio de damas
- respeito ao adversário e
- Sequência lógica
às regras
- competitividade
Baseado no planejamento da professora CID/F – 52 anos – P. E2.
A professora JOS sugere ainda o ―bozó‖ como um conteúdo dos jogos de mesa. Para
situar o leitor,
O Bozó é um jogo instigante, onde é preciso ter sorte e estratégia para obter a
vitória. Sorte, pois são utilizados cinco dados que serão lançados ao acaso e
estratégia para obter a pontuação mais conveniente e não a mais óbvia. A origem do
jogo ainda é incerta, só sabemos que ele é uma das variações de um jogo muito
antigo chamado Yam (possui relação com o Pôquer) e outros jogos, dentre eles o
Yatch, Holligam e o General. Acreditamos que o Bozó foi baseado no General por
haver uma casa com esse nome. E, também, no Nordeste Bozó significa dado. O
Bozó não é muito popular no Brasil, ele é conhecido nos estados de Mato Grosso e
Mato Grosso Sul, e é muito jogado entre a população urbana e indígena dos dois
estados3.
Em princípio me ocorreu a seguinte questão: até que ponto se pode considerar os jogos
de salão e de raciocínio lógico como conteúdos da Educação Física? Não que a Educação
Física se resuma ao movimento e estes jogos sejam ―sedentários‖, mas pelo fato de tentar
compreender se todos os tipos de Jogos podem se constituir como objeto de estudo de nossa
área. E, mesmo se elegêssemos o movimento como nosso objeto de estudo, segundo Gomes4
o pensamento é uma das formas mais representativas de movimento, já que nosso cérebro não
pára nem mesmo quando estamos dormindo.
Sobre a dúvida cruel do ―ser ou não ser‖, Lílian Ferreira5 indica que dependerá do
objetivo traçado pela professora. Comungando com esta ideia, Beleni Grando6 escreve:
3
Texto disponível em: http://www.jogos.antigos.nom.br/dados.asp (visitado em 04/07/2009).
Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes (UFMT) – comunicação em orientação pessoal no dia 03/07/2009.
5
Profa. Dra. Lílian Aparecida Ferreira (Unesp – Bauru) – comunicação pessoal via e-mail no dia 03/07/2009.
6
Profa. Dra. Beleni Salete Grando (Unemat – Cáceres) – comunicação pessoal via e-mail no dia 02/07/2009.
4
122
(...) depende do referencial e dos objetivos em que estes jogos são inseridos no
contexto da aula de Educação Física. Se a professora faz isso para se justificar na
escola, se faz para não ter trabalho durante as aulas e poder ficar longe do contato
com as crianças, ou se recorre aos jogos como parte de um plano de trabalhos em
que eles entram em alguma fase do trabalho para desenvolver algumas habilidades
necessárias aos conteúdos da Educação Física, etc.
Segundo Evando Moreira7, estes jogos são considerados conteúdos sim, e esta é a
mesma opinião da professora Irene Rangel8:
Creio que os jogos podem ser considerados como conteúdo sim, mas não exclusivos.
Isto seria o mesmo que dar queimada ou futebol o ano inteiro. Inclusive esses jogos
poderiam ser transformados pelas crianças em jogos para área externa, ou seja, eles
poderiam tentar fazê-los na quadra (ou outro espaço).
Considerando que para o desenvolvimento destes jogos foi elaborado um projeto de
intervenção pela professora, seguindo orientações das gestoras da escola — conforme descrito
no capítulo dos gestores —, os jogos de salão e de raciocínio lógico serão considerados como
conteúdo da Educação Física nesta pesquisa em específico. Porém, ressalvo que é um assunto
que carece de maiores discussões e pesquisas pelos teóricos da área.
Para definirmos os jogos de salão e de raciocínio, encontrei em Araújo (2004)
categorias (tipos) de jogos citados como conteúdos da Educação Física, em que estes
aparecem. Vejamos o que a autora diz:
Outros tipos de jogos são conhecidos pelos professores como jogos intelectivos ou
jogos de raciocínio. O desenvolvimento destes jogos é baseado principalmente nos
aspectos neurocomportamentais e nos aspectos cognitivos como, por exemplo:
memorização, categorização, comunicação, atenção, percepção e avaliação de
situações, táticas e estratégias, síntese, sequência de pensamento, linguagem oral,
etc. Observamos que, em muitos casos, os jogos de mesa ou pequenos jogos estão
fundamentados nos mesmos aspectos e atendem a objetivos semelhantes durante o
seu desenvolvimento que os jogos intelectivos ou jogos de raciocínio. Desta forma,
podemos dizer que os jogos de salão, pequenos jogos ou jogos de mesa são opções
de jogos de raciocínio e também de jogos perceptivo-motores (aspectos
neurocomportamentais). Alguns exemplos desses jogos são: xadrez, dama, tênis de
mesa, trilha, jogo da velha, resta um, etc. (ARAÚJO, 2004, p. 34-35).
No planejamento do professor ROB aparece o ―tênis de mesa‖, classificado por ele
como um jogo, assim como Araújo (2004) o classifica. Na história do tênis de mesa9, este é
classificado como um esporte, sendo um dos esportes mais populares do mundo em número
de jogadores. O tênis de mesa surgiu na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, período
7
Prof. Dr. Evando Carlos Moreira (FEF/UFMT) – comunicação pessoal no dia 08/07/2009.
Profa. Dra. Irene Conceição Andrade Rangel (Unesp – Rio Claro) – comunicação pessoal via e-mail no dia
07/07/2009.
9
Disponível em: http://www.brasilescola.com/curiosidades/pingpong.htm (visitado em 04/07/2009)
8
123
em que esse esporte possuía vários nomes. Ao ouvir o barulho das bolinhas batendo em
raquetes ocas, James Gibb, um maratonista aposentado, associou o barulho à palavra ―ping
pong‖, que se tornou o apelido mais conhecido do esporte até os dias de hoje.
O termo ping pong atualmente é utilizado somente para fins recreativos. Apenas por
uma questão de utilização do conceito correto, considerarei o ―ping pong‖ como um jogo,
sendo assim um conteúdo da Educação Física, que o professor ROB propõe para o 1º e 2º
ciclo.
Outro tipo de jogo sugerido pelo professor ROB para 1º e 2º ciclos é ―prática de jogos
motores e sensoriais: jogos de baixa organização e jogos sensoriais‖, além do ―respeito à
atividade‖ e à relação entre ―ganhar e perder‖. Segundo Araújo (2004), os jogos motores
nascem da combinação de movimentos naturais (andar, correr, saltar, etc.), com objetivos
semelhantes aos dos jogos sensoriais, ou seja, desenvolver, aprimorar ou manter as
capacidades físicas e habilidades motoras.
A professora JOS sugere para o 1º ciclo os ―jogos de mímica, atividades historiadas e
pequenos jogos‖. Os jogos chamados de imitação ou ficção se relacionam com o simbolismo,
à imitação ou à imaginação. Estes jogos são considerados por Araújo (2004) vinculados aos
jogos simbólicos classificados assim por Piaget. Assim, pode-se considerar a mímica como
uma imitação e as atividades historiadas ligadas a imaginação, ou seja, conteúdos ligados aos
jogos simbólicos.
Freire e Scaglia (2003), em sua ―distribuição de temas pelas diversas séries‖,
recomendam os jogos simbólicos da Educação Infantil até a 1ª série, que no nosso caso
corresponde até o 2º ano do Ensino Fundamental. Os autores dizem indicar os jogos
simbólicos até a primeira série porque, ―as crianças ainda vivem fortemente o período das
fantasias, da organização das representações mentais. Portanto, elas precisam de atividades
que fomentem o desenvolvimento de tais funções‖ (FREIRE; SCAGLIA, 2003, p. 38). Logo,
devemos refletir apenas se estes conteúdos propostos pela professora JOS ao 1º ciclo serão
eficientes e interessantes para as crianças de 3º ano, que ainda se encaixam no 1º ciclo.
Para 1º e 2º anos o professor ROB acrescenta ―jogos de habilidades: atenção,
criatividade, sensibilização; e jogos de combate: ataque e defesa – permitir a criança um
conhecimento espacial de uma área onde será realizado o jogo‖, descritos e classificados deste
modo por ele.
124
4.1.2.3 Como os professores organizam as brincadeiras populares
Nas brincadeiras populares, ―as crianças se engajam em regras testadas por séculos,
que são passadas de criança para criança sem nenhuma referência à escrita, parlamento ou a
alguma propriedade adulta." (OPIE; OPIE, 1976, apud PONTES; MAGALHÃES, 2003, p.
122).
Araújo (2004) diz que as brincadeiras perpassam o tempo, de geração a geração. A
estes se vincula a cultura de jogos infantis tradicionais, que são conhecidos, entre outras
denominações, como jogos de rua e brincadeiras populares. Ao trabalhar com esta categoria
de jogos, podem ser consideradas e discutidas as características regionais e as mudanças que
os jogos sofrem de acordo com o contexto de cada região. A autora reforça que um dos
aspectos do comportamento que julga importante ser evidenciado durante a realização desses
jogos é o aspecto sócio-cultural.
Estes aspectos descritos anteriormente são importantes para diferenciarmos jogos
(reproduzidos ou de regras) de brincadeiras populares, pois nem sempre os professores
deixam claro em seus planejamentos que estão se referindo as brincadeiras, ou seja, às vezes
os conteúdos referentes a este bloco não estão explícitos e sim imbricados no conteúdo de
jogos. No planejamento dos sete professores de Educação Física, apenas a professora CID não
faz menção às brincadeiras populares.
França e Grando (2007, p. 147) descrevem o sentido de memória lúdica para a cultura
e identidade de uma comunidade, dizendo que a brincadeira, quando executada, oferece a
capacidade de desenvolver na criança seus potenciais criativos, de interação com outras
pessoas e com seu meio. As brincadeiras ―guardam os valores e a produção de um povo, uma
cultura conservada por meio da representação infantil das crianças daquela época‖. Assim,
dada a importância deste bloco de conteúdos fazer parte das aulas de Educação Física,
vejamos o que propõem os professores de Educação Física pesquisados.
A professora ROS (39 anos – P. E1) elenca brincadeiras que devem ser trabalhadas
com as crianças de 1º ciclo, como a amarelinha, pular corda, bambolê, bolinha de gude,
pipas, lenço atrás, corre cotia, esconde-esconde, coelho sai da toca, duro ou mole, tourinho,
reloginho, pega-pega, bom barqueiro, corrida dos panos, gato e rato, cordeirinho e lobo.
Percebe-se que são brincadeiras tradicionais infantis, introduzidas nas aulas de Educação
Física como um conteúdo procedimental. A professora ainda divide o aprendizado do ―pular
corda‖ para os alunos de 1º a 4º anos, e propõe a ―compreensão de texto – escrever a
brincadeira que conhece (dia a dia)‖, para 2º ao 4º ano.
125
O professor ROB indica o trabalho com as ―brincadeiras esquecidas dos alunos‖
(antigas) para o 1º e 2º ciclos. O professor AND (32 anos – P. E6) oferece no 3º bimestre
―oficinas para confecção de brinquedos‖ (projeto arte reciclada). A professora ANE (32 anos
– P. E3) também propõe a construção de brinquedos, mais especificamente a ―confecção de
petecas e suas formas de jogar‖ e, na dimensão conceitual, ―história da peteca – como os
índios brincavam de peteca‖.
As brincadeiras de roda ou brincadeiras cantadas estão presentes no planejamento de
quatro professores e são indicadas para todos os anos, com exceção da professora ROS que
oferece este conteúdo apenas para o 1º ciclo.
O professor ROB (31 anos – P. E6) acrescenta o trabalho com o tema diversidade
racial, em que sugere para 1º e 2º anos as ―músicas e brincadeiras da infância que os pais
ensinaram‖, e as ―adivinhas‖ de 3º a 6º ano.
Partindo do pressuposto que as brincadeiras de roda ou cantadas são formas de
representação da cultura tradicional infantil, carregadas de valores culturais que devem ser
conservados, discutidos e transmitidos a outras gerações, pode-se considerar este conteúdo
como parte do bloco de conteúdos ―Brincadeiras Populares‖, como fizeram os professores de
Educação Física anteriormente.
A título de esclarecimento, veremos no bloco de conteúdos ―atividades rítmicas,
expressivas e danças‖ que alguns professores voltarão a mencionar as brincadeiras de roda,
músicas folclóricas, entre outros, como integrante deste bloco, caso que será discutido no item
correspondente.
Sobre a dimensão conceitual das brincadeiras populares, França e Grando (2007)
compreendem a possibilidade de, a partir delas, trabalhar a história de uma cidade/estado/país
e a história da infância nestes locais, oportunizando, no contexto escolar, a organização de
saberes da realidade da qual as crianças participam, com historicidade e valorização das mais
diversas formas de viver. Talvez sejam estes os conteúdos não identificados nos
planejamentos, porém relevantes e necessários à Educação Física.
4.1.2.4 Como os professores organizam os conteúdos referentes ao ritmo e expressão
corporal
Neste bloco de conteúdos reuni as atividades rítmicas e expressivas e as danças, e
anuncio que partirei do micro para o macro, ou seja, do regional para o nacional, das danças
tradicionais cuiabano/mato-grossenses para as demais danças recorrentes nos planejamentos
126
dos professores. E, a partir daí, apresentarei o que propõem de atividades rítmicas e
expressivas.
Segundo Pereira e Grando (2007), a religiosidade das danças está presente em todas as
sociedades humanas desde os tempos mais antigos, sendo marca identitária das comunidades
tradicionais que, mesmo numa sociedade complexa como a nossa, sustentam formas de
valorizar a vida em comunidade e fortalecer a esperança em dias melhores.
Entre as mais diversas formas de expressar a cultura local e a identidade, a dança é
uma das formas mais utilizadas por todas as pessoas na sociedade ocidental. Esta
manifestação corporal é criação pessoal que por meio do corpo possibilita a pessoa
construir seus próprios movimentos; conforme a criatividade, cada qual tem seu jeito
de dançar e criar seu passo (PEREIRA; GRANDO, 2007, p. 64).
Dentre as danças tradicionais cuiabanas, as mais conhecidas são o cururu, siriri e
rasqueado, que são lembrados pelos professores ANE/F (32 anos – P. E3) e AND/M (32 anos
– P. E6) em seus planejamentos. Propõem como conteúdos da Educação Física para todos os
anos do 1º e 2º ciclo ―as danças regionais de Cuiabá, o rasqueado e o siriri‖, e na dimensão
conceitual ―a cultura de Mato Grosso e as danças típicas de Cuiabá‖.
Para o leitor conhecer um pouco mais do siriri e do rasqueado citados pelos
professores, as autoras Campos, Pereira e Grando (2007) discorrem que o rasqueado é a dança
mais popular dos mato-grossense, finalizando as festas de santo já que não há nada de sagrado
em sua origem. Das festas populares, esta dança conquistou muitos adeptos em várias festas,
em clubes, etc.
O Rasqueado: Definição da palavra rasqueado: ―[...] arrastar as unhas ou um só
polegar sobre as cordas, e sem as pontear‖. Em Mato Grosso, a expressão musical
[...] traz no seu processo histórico toda uma saga, que começou após o fim da
Segunda Guerra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai), quando os prisioneiros
ficaram confinados à margem direita do rio Cuiabá [...]. Aqui permanecendo
resultando em várias influências em costumes, linguajar, e principalmente danças
folclóricas: a polca paraguaia e o siriri, dando origem ao rasqueado mato-grossense.
(GUAPO, 1985, apud CAMPOS; PEREIRA; GRANDO, 2007, p.6).
O siriri10 é uma dança em que participam pessoas de qualquer idade e sexo,
geralmente em pares, e que se utilizam de alguns tipos básicos de coreografia, tais como a
dança de roda e dança de fileira. Em roda, com o círculo em movimento, os dançarinos batem
as mãos espalmadas nas mãos dos dançarinos que estão à direita e à esquerda. Enquanto
giram, os dançarinos vão respondendo aos tocadores que conduzem o canto. Já na fileira, os
dançarinos são dispostos frente a frente, acontecendo o mesmo processo de bater as mãos.
10
Disponível em: http://www.rasqueadocuiabano.com.br/dancassiriri.php visitado em 06/07/2009.
127
A festa junina também traz conteúdos que são propostos por três professores em suas
aulas, como a ―dança da quadrilha‖ e atitudes como ―participação na festa junina‖. Estes
conteúdos são propostos para todos os anos dos ciclos pesquisados, porém os professores não
apresentam maiores detalhes do assunto, não sendo possível identificar se a festa junina é
trabalhada contextualizada dentro de um bloco de conteúdo de danças, ou se constitui apenas
numa obrigação de ensaiar quadrilhas para a festa da escola.
Em relação às danças tradicionais do Brasil, o professor ROB propõe para os dois
ciclos, na dimensão conceitual, ―as danças e comidas típicas das regiões do Brasil‖ e,
especificamente para o 5º ano, dentro da temática Diversidade Racial (cultural), ―pesquisa
sobre danças do Brasil – forró, pagode, axé e capoeira – onde nasceram, de quais regiões são
e se são conhecida no Brasil‖.
A professora JOS indica para todos os anos a dança de ―maculelê11 enfocando o
respeito às origens e formas de dançar de cada país‖. Sistematizadas as ―danças folclóricas‖:
―danças de roda e rodas contadas‖ para 1º ciclo, e ―danças circulares de diversos países e
dança sênior (idosos)‖ para 2º ciclo.
A dança circular e os brinquedos cantados (e cantigas de roda) aparecem também no
planejamento do professor AND. Como também a professora ROS (39 anos – P. E1) fala em
cantigas folclóricas (1º ano), musiquetas folclóricas e brincadeiras cantadas – escravos de Jó
(2º ao 4º), e danças (5º e 6º anos), sugerindo uma organização destes conteúdos para cada ano
do Ensino Fundamental.
Vimos no item sobre as brincadeiras populares a citação de alguns destes conteúdos
(brincadeiras cantadas, músicas folclóricas, etc.) assim classificados pelos professores de
Educação Física. Porém, concordo com Toledo (2006, p. 78) que afirma ―as cantigas e as
rodas cantadas são consideradas parte dos conteúdos Dança e Atividades Rítmicas e
Expressivas‖. Justifica ainda:
A roda cantada pode ser considerada como um tipo de Dança folclórica, uma vez
que possui uma música combinada com movimentos preestabelecidos, com duas
características particulares: ser realizada em roda (círculo) e geralmente ter uma letra
(da música) que conta uma pequena história, típica daquela comunidade, por isso ela
é criada e cultivada na comunidade, mantendo-se de geração em geração. Um
exemplo típico é a Ciranda Cirandinha. (TOLEDO, 2006, p. 72).
A diferença das rodas cantadas para as cantigas é que estas podem ser cantadas em
roda, mas não se caracterizam como rodas cantadas. Sobre as atividades rítmicas e
11
Tipo de dança, bailado, que se exibe na festa de Nossa Senhora da Purificação, na cidade de Santo Amaro,
Bahia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Maculel%C3%AA Visitado em 06/07/2009.
128
expressivas, envolvem atividades que relacionam a música ao movimento, assim como a
interpretação e o processo criativo de ações coreográficas (TOLEDO, 2006).
E quanto a uma indicação destes conteúdos (ligados ao folclore) para as diferentes
fases de ensino escolar, Toledo (2006) sugere as cantigas de roda, rodas cantadas, lendas e
parlendas para a Pré-escola; jogos e brinquedos folclóricos, e danças folclóricas brasileiras
para 1ª a 4ª série; manifestações do folclore internacional de 5ª série em diante.
Percebe-se que a Capoeira foi relacionada pelos professores ROB e JOS como uma
dança. Lembremos também que no capítulo dos gestores o diretor BER fala da capoeira, mas
como uma luta. Assim, mesmo elencando a Capoeira nestes tópicos, recomendo considerá-la
como um bloco de conteúdos a parte, que será discutido adiante.
Na sistematização de conteúdos proposto por Palma e colaboradores (2008), as danças
folclóricas de cada região do Brasil são apresentadas a partir da 2ª série (corresponde ao 2º
ano nosso). Da 2ª a 6ª série é proposto o trabalho de uma região do país por série, e a partir da
7ª série aparecem as danças folclóricas do Brasil e do mundo. Porém, não há uma justificativa
na apresentação das regiões, ou seja, por que iniciar com a região nordeste na 2ª série? Por
que esta e não outra região?
Outros conteúdos trabalhados pelos professores de Educação Física neste bloco são:
- movimento do corpo através da dança;
- coreografias simples (músicas – lateralidade);
- movimento dos animais;
- danças expressivas (sentimentos);
- atividades rítmicas: deslocamento no ritmo da música, agrupamentos com ritmos
diferentes, dança das cadeiras, ritmos de diferentes países;
- danças coreografadas – atividades lúdicas com e sem instrumentos.
Os conteúdos acima são descritos para 1º e 2º ciclos, sem especificação de anos e nem
detalhamentos sobre o significado dos mesmos ou exemplos de como trabalhá-los. O mesmo
ocorre com a professora CID que propõe, especificamente para o 2º ciclo, os seguintes
conteúdos:
- formas naturais primárias e secundárias com e sem elementos;
- formas rítmicas de movimentos axiais com e sem elementos;
- associação de várias formas rítmicas de movimentos axiais.
Assim, finalizo aqui as discussões deste bloco de conteúdos, enfatizando a importância
de se trabalhar não só este, mas todos os blocos de conteúdos em suas três dimensões. Aqui,
percebe-se a ênfase na dimensão procedimental dos conteúdos propostos pelos professores de
129
Educação Física, porém há um avanço significativo quando se sugere um diálogo dos mesmos
com os temas transversais, como a diversidade cultural.
4.1.2.5 O que os professores propõem para a capoeira
Inicio este tópico com uma citação de Darido e Souza Júnior (2007, p. 221):
A capoeira é um esporte, uma luta, uma dança, um jogo. Afinal de contas, o que é a
capoeira? Na verdade, é um pouco de tudo isso. A capoeira é uma manifestação
genuinamente brasileira, criada pelos escravos africanos trazidos para o país. Hoje, a
capoeira apresenta várias vertentes, ganhando até mesmo regras, para poder fazer
parte do universo esportivo.
Neste sentido, complementa Falcão (2006, p. 59) que a ―capoeira pode ser vista como
um misto de jogo, arte, luta, dança e folclore que vem, sistematicamente, se incorporando à
lógica desportiva, a partir de várias iniciativas de cunho oficial e privado‖. O autor considera
a capoeira como uma ―construção social que extrapola conotações específicas que tentam
acomodá-la em dimensões fechadas‖.
Como vimos anteriormente neste capítulo, os professores de Educação Física
consideram a capoeira como uma manifestação da dança, o que é verdade. Porém, a capoeira
tem outras características que não permitem que a classifiquemos apenas em um bloco de
conteúdos, sendo necessário assim considerá-la um conteúdo a parte.
No planejamento dos professores pesquisados, apenas dois sugerem a capoeira como
conteúdo da Educação Física, e mesmo assim apenas o professor ROB o explicita com mais
detalhes. Ele alude na dimensão conceitual o ―início, histórico e qualidades físicas trabalhadas
na capoeira‖. Na procedimental, a ―ginga simples e principais golpes da capoeira‖. A
dimensão atitudinal não é lembrada em seu planejamento. Estes conteúdos não aparecem
ligados a nenhum ano do Ensino Fundamental, sugerindo o trabalho com todos os ciclos.
Porém, estão vinculados ao tema ―diversidade racial‖, proposto pelo professor ROB.
Souza e Oliveira (2001) ressaltam a relevância deste conteúdo nas aulas de Educação
Física na escola, e como foi possível verificar, é pouco trabalhado pelos professores
pesquisados nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os autores sugerem em seu texto uma
estruturação da capoeira para as diferentes fases de ensino na escola, elencando conteúdos
distintos para os anos inicias e finais do Ensino Fundamental e ensino médio. Esta proposta
atende a seis horas/aula anuais com este conteúdo.
A sua prática na escola possibilita o desenvolvimento de conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais, como autonomia, cooperação e participação social,
postura não preconceituosa, entendimento do cotidiano pelo exercício da cidadania,
130
historicidade, etc. No aspecto motor, especificamente, a capoeira deve ser
reconhecida como uma alternativa rica para o desenvolvimento das estruturas da
criança, como esquema corporal, lateralidade, equilíbrio, orientação espaçotemporal, coordenação motora etc.
Vale ressaltar, ainda, que a aprendizagem da capoeira não deverá ter somente o
aspecto técnico de aprender determinada forma de luta ou esporte; o ensino dos
movimentos deverá ser acompanhado da transmissão de todos os elementos que
envolvem sua cultura, história, origem e evolução, ao mesmo tempo em que deverá
ser estimulada a integração com outras disciplinas do contexto escolar, a fim de que
o educando tenha uma participação efetiva no contexto da capoeira como um todo
(SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p.44).
Estas considerações trazidas pelos autores Souza e Oliveira (2001) servem para
enfatizar a necessidade de considerarmos a diversidade de conteúdos da Educação Física que
temos a nossa disposição e oferecê-las de forma completa aos nossos alunos.
4.1.2.6 O que os professores propõem sobre as lutas
O conteúdo ―lutas‖ não aparece no planejamento de nenhum dos sete professores que
o entregaram. Mas, por que a exclusão deste conteúdo dos programas de Educação Física?
Uma justificativa é entendimento de pais, gestores e até do próprio professor, de
relacionar as lutas como propulsora da violência, esquecendo-se que as lutas trazem toda uma
bagagem cultural, histórica e filosófica. Os conteúdos atitudinais são destaques no ensino das
lutas, pois o praticante de qualquer arte marcial tem princípios a seguir, como a disciplina,
respeito ao adversário e a formação do caráter.
Darido e Rangel (2005, p. 248) alegam que:
Espera-se que o aluno aprenda, não apenas a apreciar uma luta, distinguindo sua
origem, história, golpes e a forma de pontuação, como também aprenda alguns
golpes, equilíbrios e desequilíbrios e saiba diferenciar uma luta organizada a partir
de uma fonte histórica de uma briga entre torcidas ou a violência gratuita.
O objetivo não é a formação de lutadores, mas a construção de conhecimentos básicos
de mais uma expressão da Cultura Corporal de Movimento, diante das questões conceituais,
procedimentais e atitudinais (DARIDO; RANGEL, 2005). Questões sobre a violência podem
(e devem) ser inseridas dentro do contexto das lutas, gerando discussões sobre as diferenças
entre a prática das lutas e das ―brigas de rua‖ (violência).
Pensando numa sistematização de conteúdos das lutas, Rangel e colaboradores (2010)
sugerem sua inclusão desde a Educação Infantil, contextualizando o conteúdo com as figuras
de heróis de desenhos animados, iniciando a discussão sobre os valores nas lutas e valores
131
para a vida. Para as crianças menores de 4 anos, as relações corporais de
equilíbrio/desequilíbrio, imitações de animais brincando de brigar, são possibilidades de
inserção do conteúdo nas aulas de Educação Física.
Conceitualmente, Rangel e colaboradores (2010) indicam que as crianças podem
aprender as diferenças entre as várias lutas e, a partir da 1ª série do Ensino Fundamental,
podem aprender a origem das lutas e algumas de suas características.
Segundo Kawashima, Souza e Ferreira (2009), os conteúdos das lutas ainda podem ser
propostos da seguinte forma: 3ª série - cabo de guerra, atividades lúdicas com lutas simples,
Kata; elementos comuns às lutas: equilíbrio e desequilíbrio e quedas; violência nos desenhos
animados: assistir desenhos animados e verificar incidência de violência (lutas simples);
Conceitos e atitudes nas lutas; atitudes nas lutas (violência); 4ª série - Elementos comuns às
lutas: equilíbrio e desequilíbrio, quedas e golpes, noções de Karatê e/ou judô;
contextualização e conhecimento das diferentes modalidades de lutas; atitudes nas lutas e
respeito ao adversário. Estes conteúdos são propostas com base em experiências efetivadas na
escola.
As autoras ainda relatam a experiência com a inclusão das lutas na sistematização dos
conteúdos para1ª a 4ª série:
O conteúdo ―lutas‖ também trouxe experiências interessantes. Embora o objetivo
não fosse aprofundar no ensino de golpes específicos de cada luta, as crianças de 3ª
e 4ª série puderam ter uma noção do que eram as lutas, para que servem, as
diferenças entre lutar e brigar, e alguns fundamentos comuns das lutas como quedas
e rolamentos. O interessante da sistematização é que o professor sabe dizer aos seus
alunos quando aprenderá este ou aquele conteúdo, como no caso das ―lutas‖, em que
crianças da 2ª série presenciaram uma aula da 3ª e ficaram eufóricos achando que
aprenderiam este conteúdo também. Assim sendo, pode-se explicar a eles que
precisariam aprender outras habilidades e vivenciar outras experiências antes das
lutas, e que na série seguinte teriam a oportunidade de praticá-las. Ou seja, os alunos
sabiam que na 3ª série teriam o conteúdo ―lutas‖ e não precisaram se chatear por
isso. (KAWASHIMA; SOUZA; FERREIRA, 2009, p. 463-464).
Assim, dada a importância e as sugestões para o ensino das lutas nas aulas de
Educação Física escolar, compreendo que este conteúdo precisa ser abordado e incluído nos
planejamentos dos professores pesquisados, proporcionando aos alunos conhecimentos
diversificados da Cultura Corporal de Movimento.
4.1.2.7 Como os professores organizam a ginástica
A ginástica, como conteúdo da Educação Física, está presente no planejamento de
quatro professores, dentre os sete que entregaram este documento. A professora ANE (32
132
anos – P.E3) não especifica quais são os conteúdos da ginástica trabalhados por ela, apenas
fala em ―ginástica‖, sem exemplos ou maiores detalhes.
A ginástica é proposta exclusivamente na dimensão procedimental pelos professores
pesquisados. Faz-se necessário relembrar que a ginástica como conteúdo da Educação Física
— e isso serve para todo e qualquer conteúdo específico — não deve resumir-se ao ―saber
fazer‖, a mera execução de técnicas. Como nos alerta Neira (2006), o exercício e a técnica não
substituem a aprendizagem, que só será possível pela compreensão da situação-problema e da
consciência mais ou menos clara que orienta a intencionalidade da ação. Ou seja, não basta
fazer, é preciso compreender.
É importante então salientar – e pode se situar aí um dos mais sérios problemas da
Educação Física – que uma educação integral, que tenha por objetivo óbvio o
desenvolvimento do individuo em todos os planos, não é suficiente o simples fazer
motor, pois mesmo se admitindo o fato de que esse fazer seja sempre gerador de
conhecimento, não se pode esquecer que ele poderá permanecer limitado ao
inconsciente cognitivo, fora do acesso ao pensamento consciente do sujeito. Se, por
um lado, as disciplinas intelectualistas estimulam o estudante à reflexão, sem
contudo, nem sempre estabelecer um vinculo entre a simbologia utilizada e a
realidade física, por outro, a Educação Física, conduzida de maneira exclusivamente
motora, estimula em grande medida o fazer motor, pouco exigindo a reflexão
(NEIRA, 2006, p. 84, grifo meu).
Quando propomos conteúdos conceituais e atitudinais damos oportunidade ao nosso
aluno de conhecer, por exemplo, um pouco da história da Educação Física, já que ela está
diretamente ligada aos movimentos ginásticos europeus que trouxeram contribuições
significativas para a Educação Física escolar.
No planejamento do 2º bimestre do professor AND (32 anos – P. E6), para 1º e 2º
ciclos, encontrei os conteúdos ―movimentos naturais ou elementos fundamentais em suas
variadas formas, com e sem elementos‖ (elementos = aparelhos), ―possibilidades de
movimentação do corpo: livre, rolar, girar, equilíbrar, andar, correr, agachar, etc.; rolamento
lateral e frontal com banco sueco, plinto e colchões; fundamentos da ginástica artística (GA):
rolamento para frente, lateral, avião, vela‖.
O professor ROB (31 anos – P. E4) indica em seu planejamento anual, para todos os
anos, o que ele nomeia de ―ginástica recreativa‖, fazendo menção a ginástica rítmica,
olímpica (artística) e as capacidades físicas. Sobre a ginástica recreativa, faz referência a
alguns fundamentos da Ginástica Artística como parada de três apoios, rolamentos
(cambalhota), avião e apoio fixo na parede. Percebe-se que é uma característica do professor
ROB em atrelar o termo recreativo aos conteúdos propostos, como fez com os jogos e
brincadeiras, e com os esportes (mais adiante). Fica a impressão de que o termo recreativo
133
serve para denotar algo que não é formal, mas lúdico, legal, destinado ou adaptado às
crianças.
Assim, o professor ROB dedica aos 1º e 2º anos o conteúdo de ―ginástica acrobática‖,
propondo ainda rolamentos e cambalhotas, movimentação com três apoios, paradas com
apoio na parede, elefantinho, etc. Os fundamentos propostos pelo professor ROB para a
ginástica recreativa e acrobática são praticamente os mesmos, sugerindo o trabalho com o que
Toledo (1999) chama de elementos ginásticos, ou seja, movimentos que são criados a partir
das habilidades naturais do ser humano (andar, correr, saltar, girar, etc.) caracterizado-se pela
existência de uma técnica própria. Estes elementos são obrigatórios na ginástica artística.
Neste sentido, a professora ROS (39 anos – P. E1) trabalha com o 1º ciclo as formas
básicas de ginástica — andar, correr, saltar e rastejar —, e cambalhotas no colchão.
Toledo (1999), em sua dissertação de mestrado, propõe uma sequência para o
aprendizado dos conteúdos da ginástica nas três dimensões do conteúdo, baseado em Coll. Na
dimensão procedimental, a figura 11, a seguir, ilustra a sequência de conteúdos (ou
hierarquia) a serem ensinados na escola.
Figura 11: Hierarquia para o desenvolvimento dos conteúdos procedimentais da ginástica
escolar (TOLEDO, 1999, p. 168).
Os conteúdos propostos pelos professores corroboram com a segunda etapa proposta
por Toledo (1999) na figura 11 (elementos constitutivos da ginástica e a combinação entre
eles. O próximo passo é o que o professor AND propõe a seguir sobre os conteúdos da GA
especificamente. Estes aparecem novamente no 3º bimestre — lembrando que ele os
menciona no 2º bimestre também, mas desta vez os elementos da GA são propostos em
―sequências ginásticas‖ diferentes para cada ano do Ensino Fundamental. Vejamos o que ele
propõe no quadro 15 para cada ano:
134
Quadro 15: Ginástica Artística – Sequência Ginástica
1º ano
2º e 3º ano
- rolamento para frente
- rolamento para trás
- vela
- avião
- avião
- meio giro
- pose
- rolamento para frente
- vela
- pose ―ajoelhada‖
- pose final em V
4º e 5º ano
- avião
- rolamento para frente
- vela
- puxada
- rolamento pra trás
- salto grupado
- salto em reversão com
finalização em avião
- giro 360º com salto
- pose
Retirado do planejamento do professor AND/M – 32 anos – P. E6.
A sequência ginástica proposta pelo professor AND sugere uma sistematização do
conteúdo procedimental da GA, pois se entende que para a efetivação de cada sequência os
alunos precisam conhecer cada elemento (fundamento) da GA. Neste sentido, subentende-se
que o professor já havia oferecido estes conteúdos aos seus alunos anteriormente, e os
elementos propostos seguem uma lógica de aprendizagem, a medida que no 1º ano contempla
menos elementos e com grau de dificuldade ―fácil‖ até chegar ao 5º e 6º, com maior número
de elementos ginásticos, englobando todos os anteriores.
A ginástica rítmica, apesar de citada pelo professor ROB, não é apresentada em
detalhes por nenhum professor.
A Ginástica aparece no planejamento da professora ROS (39 anos – P. E1) sob três
formas diferentes:

De manutenção da saúde (aeróbica);

De preparação e aperfeiçoamento para dança;

De preparação para os esportes coletivos.
Estas formas de ginástica, apesar de serem apresentadas no planejamento anual, não
foram oferecidas durante o ano letivo pela professora ROS constatado em análise dos planos
de aula. Não se sabe o motivo que levou a professora a não desenvolver este conteúdo, mas
segundo Schiavon e Nista-Piccolo (2006) a ginástica, como conteúdo de ensino, é pouco (ou
inexistente) trabalhada nas escolas. Este fato é atribuído a falta de materiais específicos,
deficiências de espaços adequados a esta prática e falhas na formação profissional.
135
4.1.2.8 O que os professores propõem quanto aos esportes coletivos e o atletismo
O bloco de conteúdos ―esporte‖ só não está presente no planejamento da professora
CID, tendo um espaço reservado no trabalho dos outros seis professores que entregaram os
planejamentos. Os esportes coletivos (voleibol, basquetebol, handebol e futsal) ganham
destaque neste bloco de conteúdos, pois são as únicas manifestações esportivas contempladas
por estes professores, constando nos seis planejamentos citados, salvo as professoras JOS e
ROS que, além dos esportes coletivos, destacam o atletismo.
Iniciando pelo atletismo, ou seja, único esporte individual citado pelos professores, os
conteúdos propostos são apresentados apenas na dimensão procedimental e mesmo assim de
forma muito restrita. A professora JOS/F (38 anos – P. E4) propõe para todos os anos do 1º e
2º ciclos a ―variação dos saltos em altura e distância‖.
A professora ROS/F (39 anos – P. E1) apresenta para o 1º ciclo as ―corridas de
velocidade, resistência, com obstáculos e de revezamento‖. No segundo ciclo o atletismo não
é citado em nenhum momento.
Percebe-se que o atletismo é pouco trabalhado nas aulas de Educação Física dos
professores pesquisados, sendo contemplados apenas as corridas e saltos, lembrando que as
modalidades do atletismo se constituem ainda por arremessos, lançamentos e marchas.
Não se sabe os motivos pelos quais esta modalidade é tão pouco explorada na escola,
já que envolve movimentos básicos inerentes ao ser humano, como andar, correr, saltar,
lançar e arremessar. ―Se entendermos que essas ações vêm facilitar a própria coordenação,
lateralidade, esquema corporal e percepção do próprio corpo, os mesmos deveriam ser
abordados e aplicados desde a pré-escola e séries iniciais do Ensino Fundamental.‖
(NASCIMENTO, 2006, p. 179).
Sobre os esportes coletivos, é possível observar nos planejamentos dos professores
alguns conteúdos comuns às quatro modalidades e outros conteúdos específicos a elas. Os
conteúdos comuns são:




Manipulação de bola — agarrar, girar com a bola, saltar, etc.
Jogos pré-desportivos.
Iniciação desportiva: passes baixo, ombro, peito, parabólicos, etc.
Gincanas esportivas e culturais: competições com a participação de todos os
alunos.
Para 4º e 5º anos, o professor AND propõe:



Noções dos esportes coletivos: condução, passes, toques e arremessos.
Mini-jogos: equipes e tempos reduzido.
Jogos interclasses para todos os anos.
136
Os conteúdos acima são apresentados para todos os anos do 1º e 2º ciclos. Apenas o
professor CIN/M (55 anos – P. E5) faz distinção de ciclos, no qual os jogos pré-desportivos
são oferecidos apenas para o 1º ciclo. Este professor tem o esporte como conteúdo exclusivo
das suas aulas de Educação Física, como veremos mais a frente em sua entrevista.
O professor AND/M (32 anos – P. E6) propõe as ―regras, equipamentos utilizados em
cada modalidade e locais para a prática destes esportes‖, fazendo alusão aos conteúdos
conceituais. O professor CIN sugere que as regras das modalidades esportivas sejam
apresentadas apenas ao 2º ciclo, acrescentando a discussão sobre ―práticas esportivas
saudáveis‖.
O professor ROB fala nas ―diferenças entre esporte competitivo e recreativo‖, e a
professora ROS adiciona o ―espírito esportivo — derrota e vitória‖, que por sinal, é o único
conteúdo proposto que se liga a dimensão atitudinal.
Sobre os conteúdos específicos para cada esporte coletivo, além do ―jogo
propriamente dito‖ e ―pré-desportivo‖ de cada modalidade, verifica-se que apenas o voleibol
traz conteúdos mais detalhados pelos professores, apesar de ser proposto a partir do 2º ciclo.
Na dimensão conceitual, o professor ROB fala da ―origem, característica funcional,
fundamentos, maiores campeões do mundo e as formas de jogar voleibol‖. Na dimensão
procedimental, sugere o ―aprimoramento dos movimentos e qualidades físicas; o primeiro
fundamento: saque; jogos reduzidos: 3x3, 4x4, etc.‖ e, especificamente para 3º,4º,5ºe 6º anos,
o ―voleibol cooperativo, toque e manchete‖.
Complementando, a professora ROS sugere para 5º e 6º anos os ―jogos prédesportivos de rede humana e queimada de dois cantos‖ como conteúdos do voleibol.
O professor CIN especifica os conteúdos do basquetebol para o 2º ciclo em ―passes
alto, baixo e peito; drible e arremesso‖. Para o futsal, o professor propõe ―passes, chutes,
dribles e condução‖. A professora ROS oferece o futsal também para o 1º ciclo, na forma
―jogo recreativo‖, subentendo-se na leitura de seu planejamento que esta prática se refere ao
―deixar jogar‖, ―dar a bola‖ aos alunos.
O handebol, apesar de citado pelos professores de Educação Física pesquisados, não
aparece em registros de nenhum conteúdo específico ligado à modalidade e nem mesmo de
atividades propostas, o que me leva a crer que não é oferecido pelo professores em suas aulas.
137
4.1.2.9 Conteúdos atitudinais transversais: o que propõem os professores
No Primeiro Capítulo desta dissertação, em que são apresentados os referenciais de
sustentação teórica para analisar e discutir os dados coletados nesta pesquisa, fiz referência as
três dimensões do conteúdo. Na dimensão atitudinal, alertei para duas possibilidades: os
conteúdos atitudinais específicos e os transversais.
No decorrer deste capítulo, os conteúdos atitudinais sempre apareceram ligados a
algum bloco de conteúdos, tendo assim a característica de ser ―específico‖ a estes conteúdos.
Porém, alguns conteúdos atitudinais apareceram nos planejamentos dos professores de
Educação Física desligados de qualquer conteúdo específico (ou bloco de conteúdos), sendo
inerentes a qualquer componente escolar e não apenas da Educação Física.
Vejamos quais são estes conteúdos atitudinais transversais propostos pelos professores
pesquisados, apresentados no quadro 16:
Quadro 16: Conteúdos atitudinais transversais
Geral
- amizade e companheirismo
- colaboração
- cooperação
- imaginação
- integração entre os alunos
- interação sócio-afetivo
- organização: filas, colunas,
rodas, esperar a vez, etc.
- socialização com os colegas
- solidariedade no cotidiano
- trabalho em grupo
1º ciclo
- comportamento
- falta de determinada
habilidade
- importância da disciplina,
comportamento, respeito.
- perda de jogos
- reconhecimento do erro
- socialização
- solidariedade
- trabalho em grupo
2º ciclo
- auto-estima
- companheirismo
-contribuir
com
os
―combinados‖
- diálogo sobre disciplina e
valores
- disciplina
- respeito ao próximo
- socialização
- trabalho em grupo
- valores
Este tópico tem a intenção precípua de registrar os conteúdos atitudinais descritos
pelos professores de Educação Física em seus planejamentos. Segundo Darido e Rangel
(2005), com a ampliação do conceito de ―conteúdos‖ explicitada por Libâneo (1999) e Zabala
(1998), e consequentemente suas dimensões descritas por Coll e colaboradores (2000), abre
possibilidade de que aqueles conteúdos ocultos nos possam ser incluídos de forma explícita
nos programas de ensino, sendo possível avaliar sua pertinência como conteúdo de
aprendizagem e de ensino.
Estas aprendizagens que se realizam na escola, mas nunca aparecem de forma
explícita nos planejamentos são denominadas ―currículo oculto‖.
138
―Como estes planos têm se centrado nas disciplinas ou matérias, tudo aquilo que
indubitavelmente se aprende na escola, mas que não se pode classificar nos
compartimentos das disciplinas, não tem aparecido e tampouco tem sido objeto de
avaliações explícitas, mesmo que ocupem o lugar de conhecimentos alcançados
dentro da escola‖ (NEIRA, 2006, p. 61-62).
Quando se opta por um entendimento maior do que sejam conteúdos, esse currículo
oculto deve ser manifesto e que seja avaliada a sua pertinência como conteúdo expresso de
aprendizagem e ensino.
4.1.2.10 Os conteúdos propostos pelos professores que colocam a especificidade da
Educação Física em jogo
É relevante destacar neste momento alguns conteúdos citados pelos professores de
Educação Física em seus planejamentos que não se ligam a nenhuma dos blocos de conteúdos
explicitados ao longo deste capítulo. Ou ainda, conteúdos advindos de temas transversais ou
projetos que fogem a especificidade da Educação Física, transcendendo a outras áreas de
conhecimento.
Neste sentido, a professora ANE/F (32 anos – P. E3) propõe em uma aula para 1º e 2º
ciclos que as crianças conheçam ―as letras, observação e percepção‖, escolhendo o ―jogo das
letras‖ como estratégia de ensino. Vejamos a descrição desta atividade no quadro 17:
Quadro 17: O jogo das letras
Cuiabá, 16 de abril de 2008
Planejamento semanal – 22 a 24 de abril
1º e 2º ciclos
Jogo das letras
Material: cartolina com letras do alfabeto e durex.
Desenvolvimento: dividir a turma em dois grupos (equipe A e B). Cada aluno da equipe A
receberá uma letra do alfabeto, que será fixada nas suas costas, com durex.
Os alunos da equipe A ficarão de costas para os alunos da equipe B, que ao sinal do
professor, e por um período de tempo previamente fixado, tentarão formar o maior número
de palavras possíveis com as letras das cartolinas.
O professor anotará, à parte, as palavras escritas pelos alunos do grupo B e, posteriormente,
os alunos do grupo A terão também a mesma oportunidade.
Retirado do planejamento entregue pela professora ANE/F – 32 anos – P. E3.
A atividade descrita e aplicada pela professora ANE revela uma estratégia que poderia
ser utilizada pelo professor regente (pedagoga) ou na disciplina de Português para
desenvolver o conteúdo ―conhecer as letras‖. Porém, a atitude da professora em se propor a
139
oferecer tal conteúdo é reflexo da cobrança da gestão da escola, já que ela afirma em
entrevista que o objetivo da escola é fazer com que os alunos aprendam a ler, então ―a
Educação Física vem para ajudar os alunos a aprender, através de jogos (...)‖. Assim, a
professora utiliza jogos/atividades nas aulas de Educação Física para ajudar na aprendizagem
das letras e dos números.
A professora ROS/F (39 anos – P. E1) também destaca em seu planejamento
conteúdos como ―repertório, oralidade e escrita‖ (contar e desenhar uma história), ―letrinhas e
numerais‖ e ―somar números e formar grupos‖. A estratégia de contar e desenhar histórias não
faz alusão a Educação Física, sendo pedido aos alunos que ―contem historinhas de contos e
fábulas ou de sua vivência‖. Desta forma, novamente os conteúdos da Educação Física são
esquecidos, para além do proposto, para expressar a especificidade da Educação Física,
poderiam ser propostas dramatizações, vivências corporais das histórias contadas pelos
alunos, ou até mesmo ―contar e desenhar‖ a história de um esporte ou uma brincadeira
popular.
A Educação Física, como destacada no planejamento das professoras ROS e ANE, se
torna refém das demais disciplinas escolares. É como se nós, professores de Educação Física,
fossemos os ―donos do movimento‖ e eles, demais disciplinas, os ―donos dos saberes‖
(cognitivo).
Para reforçar ainda mais este saber que vai além da Educação Física, e que por sinal
não é propriedade da área, algumas escolas optam pelo trabalho com projetos orientados pelas
diretrizes da Escola Sarã, como já discutimos no capítulo anterior (Capítulo 3). Na escola E6,
o projeto em destaque tem o nome de ―Em defesa do planeta‖, tendo como eixo norteador a
qualidade de vida (meio ambiente). O professor AND/M (32 anos – P. E6) desenvolveu um
trabalho com reciclagem, construindo com seus alunos brinquedos reciclados que culminou
em uma exposição na Feira de Ciências da escola. Este trabalho se constitui num projeto
específico (Reciclar é legal!) dentro do grande projeto da escola.
Ainda nesta escola, o professor AND fala da construção de uma horta e de atividades
de jardinagem pelos alunos, com o intuito de demonstrar valores e conhecer o valor nutritivo
das plantas. Outro destaque é o trabalho de cooperação, durante a aula de Educação Física,
realiza-se a limpeza do pátio com seus alunos, observando em todas as aulas a limpeza da
escola e a coleta seletiva. Mas, até que ponto se pode considerar (ou não) as atividades
descritas pelo professor AND como inerentes a Educação Física? As ações precisam ser
contextualizadas dentro das possibilidades de intervenção da Educação Física, para que a
limpeza da escola, por exemplo, não se torne uma exclusividade desta disciplina.
140
O professor ROB/M (32 anos – P. E4) destaca os conteúdos da Educação Física em
diálogo com temas sociais emergentes, como a Saúde, Qualidade de Vida, Emprego, Dengue,
Ações no Trânsito, Diversidade Racial, Meio Ambiente, Terceira Idade, entre outros. Estes
temas trazem contribuições significativas quando atrelados aos conteúdos específicos como
foi citado anteriormente, por exemplo, as danças locais selecionadas a partir do tema
diversidade raciais.
Porém, o professor ROB se resvala ao tentar propor discussões a partir de alguns
temas, apropriando-se de conteúdos de outras disciplinas escolares. No tema Saúde, ele fala
em ―saúde familiar e sua organização, utilização do posto de saúde, doenças comuns‖, e
solicita aos alunos pesquisarem ―quantas pessoas da família vão ao médico com certa
frequência, quantas utilizam o posto de saúde, qual tipo de doença tem aparecido com maior
frequência‖.
Para o tema Meio Ambiente, o professor ROB destaca a ―conservação das florestas, a
preservação do meio ambiente, sua importante, as plantas e sua função para a respiração, a
conservação do lixo‖. No planejamento semanal, propõe atividades como ―levar os alunos
para conhecer as plantas e hortaliças nas proximidades da escola‖ e, também, questiona
―fisiologicamente, como as plantas auxiliam a respiração?‖. Estes conteúdos não seriam
específicos da Biologia ou Ciências? Neste caso, não cabe ao professor de Educação Física a
função de ensiná-los. Bastaria fazer como a professora ROS, que relaciona o meio ambiente
as situações de baixa umidade do ar e atividades físicas apropriadas.
O professor ROB ainda recomenda discussões sobre ―diferenças salariais entre
brancos e negros, homens e mulheres, e possíveis soluções para este problema‖, fazendo
menção ao tema Diversidade Racial. Neste ínterim, a professora CID/F (52 anos – P. E2)
destaca as datas comemorativas como conteúdo de suas aulas, aparecendo em seu
planejamento a ―valorização das profissões‖ com a carta do dia do trabalho — não traz
detalhes sobre esta carta do dia do trabalho e como a utilizou em sua aula — e o Aniversário
de Cuiabá, no qual destaca os pontos turísticos da cidade.
Encerro aqui as análises dos planejamentos dos professores de Educação Física,
alertando para o cuidado ao se trabalhar com temas transversais ou projetos para que os
conteúdos selecionados, a partir dos mesmos, atendam a especificidade da área, garantindo o
compromisso de formar cidadãos críticos e autônomos o suficiente para escolher suas próprias
práticas corporais.
141
O quadro 18 a seguir apresenta um resumo dos conteúdos presentes nos planejamentos
dos professores pesquisados. O quadro indica o ciclo em que o conteúdo foi
oferecido/planejado, não havendo distinção por etapas.
Quadro 18: resumo dos conteúdos apresentados nos planejamentos
JOGOS
CONHECIMENTOS SOBRE O CORPO
CONTEÚDOS
Esquema corporal
Coordenação motora fina e grossa
Lateralidade
Orientação espacial e temporal
Percepção espacial, temporal e tátil
Organização e conhecimento da identidade e percepção tátil,
auditiva, visual, gustativa e olfativa
Conhecimento do corpo, dos movimentos e seus limites e partes do
corpo
Atenção visual e auditiva; percepção sinestésica; memória visual,
auditiva e sinestésica; associação de ideias; compreensão e
raciocínio; informações sonoras, visuais e táteis.
Possibilidades de explorar e controlar o corpo, imitação de som e
gestual (animal, personagens, objetos, etc.)
Conhecimento do próprio corpo, dos movimentos e seus limites, e a
imitação dos movimentos dos animais.
O ―corpo humano‖ e ―a função dos movimentos‖
Noções básicas sobre higiene e postura
Alongamento; Sequência de alongamentos; Definições e razoes de
fazê-lo
Equilíbrio — dinâmico e estático (uma perna só, aviãozinho, parada
de mão, estátua).
Habilidades de locomoção, manipulação, estabilização e
movimentos combinados
Capacidades físicas: força, resistência, agilidade, velocidade e
flexibilidade; Capacidade respiratória
Explicação do sistema pulmonar – por que ficamos ofegantes? Qual
a melhor forma de recuperação?
Diagnóstico e acompanhamento dos níveis de crescimento,
composição corporal e desempenho motor
Envelhecimento do nosso corpo (idoso)
Prevenção de doenças do coração, conhecimento de suas funções e
prevenção de doenças degenerativas
Benefícios (efeitos) das atividades físicas – obesidade
Conhecimentos sobre o corpo e diversidade cultural
Vivências de jogos
Regras dos jogos
Organização de jogos e regras
Jogos cooperativos
Jogos de salão e de raciocínio lógico
Tênis de mesa
1º
CICLO
X
X
X
X
X
X
2º
CICLO
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
142
BRINCADEIRAS POPULARES
ATIVIDADES RÍTMICAS
CAPO
EIRA
GINÁSTICA
Jogos motores e sensoriais: jogos de baixa organização e jogos
sensoriais, respeito à atividade e à relação entre ganhar e perder
Jogos de mímica, atividades historiadas e pequenos jogos
Jogos de habilidades: atenção, criatividade, sensibilização; e jogos
de combate: ataque e defesa – permitir à criança um conhecimento
espacial de uma área onde será realizado o jogo
Amarelinha, pular corda, bambolê, bolinha de gude, pipas, lenço
atrás, corre cotia, esconde-esconde, coelho sai da toca, duro ou
mole, tourinho, reloginho, pega-pega, bom barqueiro, corrida dos
panos, gato e rato, cordeirinho e lobo,
Compreensão de texto – escrever a brincadeira que conhece (dia a
dia)
Brincadeiras (antigas)
Oficinas para confecção de brinquedos
Confecção de petecas e suas formas de jogar; história da peteca –
como os índios brincavam de peteca
Brincadeiras de roda e brincadeiras cantadas
Músicas e brincadeiras da infância da infâcia dos pais
Adivinhas
A cultura de Mato Grosso e danças tradicionais cuiabanas: cururu,
siriri e rasqueado
Festa Junina: quadrilha e participação na festa
As danças e comidas típicas das regiões do Brasil
Pesquisa sobre danças do Brasil – forró, pagode, axé e capoeira
Maculelê e o respeito às origens e formas de dançar de cada país
Danças folclóricas: danças de roda e rodas contadas
Danças circulares de diversos países e dança sênior (idosos)
Dança circular e os brinquedos cantados (e cantigas de roda)
Cantigas folclóricas, musiquetas folclóricas e brincadeiras cantadas
Movimento do corpo através da dança; coreografias simples
(músicas – lateralidade); movimento dos animais; danças
expressivas (sentimentos); atividades rítmicas: deslocamento no
ritmo da música, agrupamentos com ritmos diferentes, dança das
cadeiras, ritmos de diferentes países; danças coreografadas –
atividades lúdicas com e sem instrumentos.
Formas naturais primárias e secundárias com e sem elementos;
formas rítmicas de movimentos axiais com e sem elementos;
associação de várias formas rítmicas de movimentos axiais.
Danças
Início, histórico e qualidades físicas trabalhadas na capoeira
Ginga simples e principais golpes da capoeira
Movimentos naturais ou elementos fundamentais em suas variadas
formas, com e sem elementos (elementos = aparelhos),
possibilidades de movimentação do corpo: livre, rolar, girar,
equilíbrio, andar, correr, agachar, etc.; rolamento lateral e frontal
com banco sueco, plinto e colchões; fundamentos da ginástica
artística (GA): rolamento para frente, lateral, avião, vela
Ginástica recreativa
Ginástica acrobática
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
143
ESPORTES
CONTEÚDOS
ATITUDINAIS
Formas básicas de ginástica — andar, correr, saltar e rastejar
Sequência ginástica – elementos diferentes para cada etapa dos
ciclos
Ginástica rítmica
Ginástica de manutenção da saúde (aeróbica); de preparação e
aperfeiçoamento para dança; de preparação para os esportes
coletivos.
ATLETISMO: variação dos saltos em altura e distância
ATLETISMO: corridas de velocidade, resistência, com obstáculos e
de revezamento
Conteúdos comuns aos esportes coletivos:
Manipulação de bola; Jogos pré-desportivos; Iniciação desportiva:
passes baixo, ombro, peito, parabólicos, etc.; Gincanas esportivas e
culturais: competições com a participação de todos alunos.
Conteúdos comuns aos esportes coletivos: Noções dos esportes
coletivos: condução, passes, toques e arremessos; Mini-jogos:
equipes e tempos reduzidos; Jogos interclasses para todos os anos.
Regras, equipamentos utilizados em cada modalidade e locais para a
prática destes esportes; práticas esportivas saudáveis
Diferenças entre esporte competitivo e recreativo; espírito esportivo
— derrota e vitória
Jogo propriamente dito e pré-desportivos de cada modalidade
coletiva
BASQUETEBOL: passes alto, baixo e peito; drible e arremesso
FUTSAL: passes, chutes, dribles e condução
VOLEIBOL: origem, característica funcional, fundamentos,
maiores campeões do mundo e as formas de jogar voleibol;
aprimoramento dos movimentos e qualidades físicas; o primeiro
fundamento: saque; jogos reduzidos: 3x3, 4x4, etc.; voleibol
cooperativo, toque e manchete
Amizade e companheirismo; colaboração; cooperação; imaginação;
integração entre os alunos; interação sócio-afetiva; organização:
filas, colunas, rodas, esperar a vez, etc.; socialização com os
colegas; solidariedade no cotidiano; trabalho em grupo
Comportamento; falta de determinada habilidade; importância da
disciplina;
comportamento,
respeito;
perda
de
jogos;
reconhecimento do erro; socialização; solidariedade
Auto-estima; contribuir com os ―combinados‖; diálogo sobre
disciplina e valores; disciplina; respeito ao próximo; socialização.
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4.2 O que dizem os professores de Educação Física: análise e discussão dos dados
coletados nas entrevistas
Neste tópico serão analisadas as entrevistas concedidas pelos professores de Educação
Física em resposta as seguintes questões: ―o que é conteúdo?‖, ―quais são os conteúdos da
Educação Física?‖ e ―como você distribui os conteúdos ao longo das etapas do Ensino
Fundamental?‖.
144
4.2.1 O que é ―conteúdo‖ para os professores de Educação Física
Na visão dos professores entrevistados, a concepção de conteúdos diverge entre eles.
Percebe-se que há certa dificuldade em diferenciar o que são conteúdos de ensino e atividades
programadas pelo professor para desenvolver estes conteúdos. Isto fica claro nos depoimentos
a seguir.
Conteúdo é alguma atividade que eu abordo no sentido de colher alguma coisa,
como coordenação, socialização, coordenação fina ou grossa, neste sentido (RON/M
– 31 anos – P. E3)
São as atividades programáticas a serem aplicadas de acordo com a necessidade e
faixa etária dos alunos (ROS/F – 39 anos – P. E1)
Observam-se também conceitos muito amplos e vagos de conteúdos, abrangendo não
apenas os conhecimentos a serem ensinos/aprendidos, mas o planejamento, objetivos,
processos de ensino, etc. Vejamos alguns depoimentos:
Conteúdo é toda a relação de, vamos dizer assim, de ―pele‖ que a Educação Física
trabalha para desenvolver o corpo, a mente e colocar as crianças num patamar
melhor pra ter uma boa conduta dentro da sociedade (ROB/ M – 31 anos – P. E4)
Conteúdo? Conteúdo pra mim... Conteúdo é todo um processo de ensino, pra mim é
todo aquele processo de aprendizagem, tudo aquilo que você consegue desenvolver
com eficácia e consegue atingir, principalmente o aprendizado (...) (ADE/ M – 52
anos – P. E5)
Conteúdo programático? O que vai ser dado pra ser executado e não só ouvido. O
que não me impede, que todo plano precisa, que mude na hora (CID/F – 52 anos – P.
E2)
Aí eu uso os conteúdos hoje mais como... processo pedagógico...(...) (AND/M – 32
anos – P. E6).
Libâneo (1994) diz que se perguntarmos aos professores o que são conteúdos de
ensino, uma resposta provável é que são conhecimentos de cada matéria do currículo que
transmitimos aos alunos. Segundo o autor, essa ideia não está totalmente errada, porém esse
entendimento é insuficiente para a compreensão do seu verdadeiro significado. Vejamos os
exemplos a seguir.
No meu conhecimento, conteúdo é tudo aquilo programado para ministrar uma aula
e o planejamento faz parte do conteúdo também (GIL/M – 52 anos – P. E6)
Conteúdo é aquilo que eu trabalho dentro da Educação Física (SOL/ F – 50 anos – P.
E6)
145
Talvez a definição de conteúdo mais próxima daquela explicitada pelos autores da
Educação e Educação Física definidas neste texto, seria do professor CIN, que explica através
de exemplos sua concepção.
Conteúdo pra mim é aquilo que vou trabalhar com a criança, por exemplo, dentro do
futebol de salão, vou ensinar a chutar, conduzir uma bola, no vôlei vou ensinar eles a
atacar, a manchete... (CIN/ M – 55 anos – P. E5)
É interessante destacar que alguns referenciais teóricos arquitetados pelo Município de
Cuiabá elencam habilidades ou competências ao invés de conteúdos de ensino. Neste sentido,
gestores e professores tendem a acreditar que habilidades e competências sejam diferentes de
conteúdos, quando na realidade são elementos constitutivos dos conteúdos (LIBÂNEO,
1994). Vejamos a resposta do professor AND quando indagado se acreditava que
―habilidades‖ poderiam configurar também como um conteúdo.
Não, entra como habilidade. Os projetos nossos hoje é focado como habilidade,
então na hora que eu for montar meu projeto... ah, meu projeto o tema vai ser o que?
Ah... ginástica pra alguma coisa...o meu corpo fazendo ginástica, vamos supor, aí eu
tenho que elencar as habilidades que eu tenho que desenvolver nos meu alunos, aí
entra as habilidades, entra a questão da saúde, tem que entrar... (AND/M – 32 anos –
P. E6)
Para completar, perguntei aos professores se conheciam as três dimensões do conteúdo
(conceitual,
atitudinal
e
procedimental).
Apenas
dois
professores
responderam
afirmativamente, porém quando discorrem sobre o tema demonstram não ter clareza sobre o
tema. Vejamos algumas destas respostas:
Eu não conheço, porque nos PCNs não tem. (ROS/F – 39 anos – P. E1)
De cabeça não... (RON/M – 31 anos – P. E3)
Todos que eu trabalho? Conheço. Tem que desenvolver a dança, desenvolver os
jogos, a ludicidade que falam né?, e a criatividade da criança. (ROB/ M – 31 anos –
P. E4)
Não. Já ouvi falar. Conheço, conheço. De vez quando a gente usa. Sempre tem
debate sobre os PCNs, trabalhar com os temas transversais. A gente procura também
trabalhar a parte de sexualidade que ta aflorada, eu ouço cada coisa de arrepiar o
cabelo. (SOL/ F – 50 anos – P. E6)
Mesmo os professores alegando não conhecer as dimensões do conteúdo, a análise dos
planejamentos demonstrou que os conteúdos são oferecidos aos alunos nas três dimensões. Os
professores podem não conhecer o conceito sobre as dimensões do conteúdo, porém sabem
que precisam ser trabalhados. Isto se evidencia, por exemplo, na fala do professor ROB
146
quando diz conhecer as dimensões do conteúdo, porém na sua explicação os conceitos não se
equivalem, e na sua prática docente realmente ele utiliza os conceitos, atitudes e
procedimentos.
4.2.2 Os conteúdos da Educação Física
Nesta sessão, apresentarei as respostas dos professores à questão ―quais são os
conteúdos da Educação Física?‖. Esta pergunta aflorou respostas indicativas sobre os
conteúdos trabalhados pelos professores em suas escolas.
É fácil identificar na fala dos professores que o esporte ainda reina como conteúdo
quase exclusivo da Educação Física escolar, como identifiquei nos depoimentos a seguir.
Tem as turmas de alunos mais... é que é por ciclos... o ciclo mais perto da
finalização, que a gente dá a atividade que é esporte, da secretaria mesmo já vem
uma grade que a gente tenta seguir, aí tem que dar esporte, fundamentos, regras, o
básico, só o básico pra eles ter apenas uma noção, que eles vão conseguir conduzir,
aplicar a atividade, pra eles pelo menos saber manusear, saber...a praticar o esporte
(RON/ M – 31 anos – P. E3)
Eu começo trabalhando com a coordenação, primeiro começo trabalhando
coordenação, porque se a criança não tiver coordenação... por exemplo, uma
brincadeira que trabalho com eles é a amarelinha, coordenação pra amarelinha, o
jogo de 7 Marias, eu faço as pedras... muita criança você não tem material pra fazer,
então dentro daquilo que vai trabalhar com o futebol de salão, no vôlei, as meninas
gostam do handebol não sei até porque os meninos é mais o handebol do que o
futebol, então tem porque você vai trabalhar, vai pondo pra eles trabalhar, aí você
vai colocando a atividade. Eu só trabalho com o esporte (CIN/M – 55 anos – P. E5)
O professor RON não disponibilizou seu planejamento para a pesquisa, então não é
possível averiguar se sua fala confere com o que planeja. Já a fala do professor CIN, deixa
claro que apesar de trabalhar com outros conteúdos, no caso a ―coordenação motora‖, esta é
apenas um atalho para chegar aos conteúdos esportivos. Tanto que ele enfatiza ―eu só trabalho
com o esporte‖. Essa afirmação é confirmada pelo seu planejamento anual, em que identifica
os conteúdos apenas para o segundo ciclo (4º, 5º e 6º anos), e são eles: Basquetebol ― passe
alto, baixo e peito, drible e arremesso; Futsal ― passe, chute, drible e condução.
O esporte é conteúdo exclusivo de muitas aulas de Educação Física na escola. Porém,
dependendo das condições materiais e físicas da mesma, a opção por apenas um conteúdo
também se faz presente, como é o caso da professora CID. Em sua escola, não existe quadra e
a orientação da gestão da escola é que as aulas de Educação Física sejam desenvolvidas em
sala de aula. Neste caso, o conteúdo exclusivo das aulas de Educação Física, segundo seu
147
depoimento, são os ―jogos de salão‖. Estes conteúdos estão explícitos também em seu
planejamento, conforme foi apresentado anteriormente na análise dos documentos.
Primeiro: dama, xadrez, bozó, porque o bozó ajuda a trabalhar, e eu não via dessa
maneira, aprendi com eles pra você ver que a gente aprende também né? Não só
ensina, aprende a todo instante, a trabalhar a matemática, porque os pequenos
muitos não sabem a tabuada, mas sabem jogar bozó, como que você aprendeu a
jogar o bozó? E... ludo, este bimestre agora, dama, dominó, bozó, memória e as
datas comemorativas. (...) Entra a memória, o bozó segue o ano inteiro, aí vem o
xadrez, lembrando sempre de trabalhar com o relaxamento, jogos de atenção
também (CID/ F – 52 anos – P. E2).
Essa preferência dos professores de Educação Física por apenas um conteúdo
exclusivo é muito contestada pelos teóricos da própria área e, principalmente, pelos
profissionais que trabalham com esse professor e tem oportunidade de observar essa prática
pedagógica repetitiva, como ficou evidente na análise das falas dos gestores no capítulo
anterior.
Na fala da professora ROS, os conteúdos em destaque são os da Psicomotricidade.
Vejamos sua fala:
Os conteúdos que eu trabalho com meus alunos são todos aqueles que envolvem a
coordenação motora grossa, coordenação motora fina, percepção visual, auditiva,
tátil, óculo-manual, pedal, são os conteúdos que eu trabalho com meus alunos nas
aulas de Educação Física. (ROS/ F – 39 anos – P. E1).
Estes conteúdos aparecerem com destaque também em seu planejamento, sendo que os
objetivos elencados para a maioria de suas aulas contemplavam com recorrência a
―coordenação motora‖.
Alguns professores de Educação Física acreditam que a função de sua disciplina é
ajudar as demais. Os professores ROB e GIL, quando indagados sobre os conteúdos da
Educação Física trabalhados em suas aulas, relatam sobre o trabalho conjunto com o professor
pedagogo regente da sala:
(...) Bom, relacionado, principalmente, que eu amarro muito na questão do outro
profissional que é o professor da sala de aula. (...) Você vai lá, vê com a professora,
principalmente da Educação Infantil, são crianças que estão assim em pré-formação
mesmo, então a gente tá querendo trabalhar de acordo com o que a turma ou a
professora está trabalhando dentro da sala de aula, pra haver também esta
continuidade (ROB/ M – 31 anos – P. E4).
(...) É... eu pergunto pra ela (professora da sala), ―o que você tá trabalhando?‖ ―Tô
trabalhando tal coisa..‖ aí eu vou trabalhar, assim, eu divido, 20% da minha aula eu
vou trabalhar em cima da sala de aula e o restante, 80% eu trabalho em cima da
minha aula. Isso, como um apoio (GIL/ M – 52 anos – P. E6)
148
Tanto o professor ROB como o GIL tem em suas escolas gestoras que comungam com
esta concepção de Educação Física como auxiliar as demais disciplinas, sugerindo que estas
orientações recebidas das gestoras são realmente colocadas em prática. Porém, é mais comum
com as turmas de 1º ciclo, como disse o professor ROB destacando a Educação Infantil.
A psicomotricidade e o construtivismo norteiam a concepção de conteúdos específicos
da Educação Física, presentes nas falas de dois professores entrevistados — ANE e ADE. A
professora ANE deixa bem claro que os conteúdos da Educação Física seriam os jogos e
brincadeiras e depois complementa que os gestores pedem-lhe que trabalhe conteúdos da
psicomotricidade.
Conteúdo seria os jogos né?, brincadeiras, é... o movimento, a coordenação motora
que é o que eles pedem muito é você trabalhar a coordenação motora com o aluno
do 1º ciclo, porque ele tem muita dificuldade de movimento, principalmente na mão,
coordenação motora fina, então eles utilizam muito, é... pedem muito, então trabalho
muito lateralidade, trabalho a coordenação motora, que seria esse o conteúdo,
movimento frente, atrás, então seria...dentro, fora, seria esse o conteúdo que eu
trabalho (ANE/ F – 32 anos – P. E3).
O professor ADE pondera sobre os conteúdos da Educação Física que trabalha,
fazendo uma miscelânea entre os oriundos da psicomotricidade (equilíbrio, força, destreza,
desenvolvimento psicomotor) e faz menção também ao trabalho com a manipulação de
objetos para a criança descobrir suas cores e formas, o que é específico da tendência
construtivista.
Os conteúdos que eu trabalho na área de Educação Física os conteúdos que
geralmente nós trabalhamos são: desenvolvimento psicomotor da criança, equilíbrio,
a força, destreza, como a criança atacar, se defender, jogar, arremessar, conhecer as
formas e objetos, principalmente na primeira idade a manipulação de objetos, pra
que a criança descubra a forma, o peso, sentido de lateralidade, direita, esquerda,
você acompanha aí todo o horizonte que você tem no planejamento o horizonte que
você quer formar. Os conteúdos então são de acordo com a faixa etária da criança,
das etapas (ADE/ M – 52 anos – P. E5).
Na fala da professora JOS a seguir, é possível notar a influência da tendência
desenvolvimentista sobre os conteúdos da Educação Física que ela conhece ou trabalha. Estes
conteúdos servem de base para seu trabalho e afirma só utilizar os jogos de mesa como
conteúdos quando precisa ficar em sala de aula devido as condições climáticas. Cita os jogos
pré-desportivos como conteúdos da Educação Física também, mas como uma oposição ao uso
do esporte nas aulas.
Habilidades de deslocamento, então as corridas, estafetas, o que envolver o
deslocamento. Habilidades de estabilização: o equilíbrio, dinâmicas, de todas as
formas. Habilidades de manipulação: tudo que envolver o contato com mão, bolas
diferentes e tudo mais, e... Que mais? (...) Grupos de atividades... é que tem mais um
149
ainda. Movimentos combinados, que trabalha com tudo daí. É como uma divisão.
Tem várias tá. Aí vêm as atividades de recreação, as atividades de dança, jogos de
mesa, porque quando Deus não permite não tem como, então tem que ir pras aulas
de mesa, e também com alguns jogos pré-desportivos, dificilmente eu trabalho com
esporte, nem com noção, nem com fundamentos, mais assim pré-desportivo básico,
então aí depois cada um vai fazer o que quer, mas no momento é pré-desportivo.
(JOS/ F – 38 anos – P. E4)
Os conteúdos citados pelos professores de Educação Física correspondem aos
propostos em seus planejamentos. É possível destacar que os conteúdos referentes à
abordagem psicomotora e desenvolvimentista são selecionados pelos professores para o 1º
ciclo do ensino fundamental e, os conteúdos ligados aos esportes, para o 2º ciclo. A opção
pelo trabalho interdisciplinar com o professor da sala de aula, mesmo que de certa forma
fazendo-se de apoio ao ensino dos conteúdos de outras disciplinas, demonstra a dificuldade
dos professores em trabalhar com crianças menores de 9 anos, correspondentes a Educação
Infantil e 1º ciclo.
4.2.3 A sistematização de conteúdos na voz dos professores
Quando solicitados a responder sobre a organização e distribuição dos conteúdos para
cada ciclo ou etapa, seis professores levam em conta a faixa etária dos alunos, suas
necessidades e o grau de dificuldade dos conteúdos ou atividades oferecidas. Vejamos os
depoimentos:
É porque que nem no primeiro ciclo, são os menores, então eu não posso trabalhar a
mesma coisa que eu trabalho com os maiores. Eu trabalho com os pequenininhos
umas coisas totalmente diferentes do que eu trabalho com os 3ª e 4ª. (SOL/F – 50
anos – P. E6)
Bom, de acordo com a faixa etária, primeiro lugar, a faixa etária dos alunos, e no
caso já começo a trabalhar a Psicomotricidade, os movimentos básicos, correr,
andar, saltar, rastejar e, depois das faixas etárias, eu trabalho em cima da
necessidade dos alunos, o que eu acho que tá precisando trabalhar, o equilíbrio, a
atenção, concentração. (...) muitas são sequências, por exemplo, se eu vou dar
iniciação, aprendizado de pular corda, no primeiro ano, consequentemente eu vou
trabalhar os passos preliminares. Já no ano seguinte que ele vai tá no segundo ano já,
já vou tá dando um grau diferente, mais dificuldade, ele já vai tá pulando a corda
assim, e vai indo, então varia, e algumas coisas são iguais. (ROS/F – 39 anos – P.
E1)
A professora SOL quando diz que não pode trabalhar a mesma coisa do 1º ciclo com o
2º, indica que a faixa etária é determinante para a distinção dos conteúdos para cada ciclo. O
mesmo ocorre com a professora ROS, que deixa claro em seu depoimento e através do
exemplo explicitado, em que o grau de dificuldade é determinante para a escolha do conteúdo
150
para cada ano de ensino. Esta fala confirma a divisão dos conteúdos por agrupamentos de
anos (5º e 6º anos – mesmo conteúdo) em seu planejamento.
Percebe-se que a noção de graus de dificuldade está diretamente ligada a faixa etária
em que o conteúdo se aplica. Nas falas das professoras JOS e ANE o grau de dificuldade é
enfatizado, seguido por exemplos com diferentes faixas etárias.
Só o grau de dificuldade. Porque eu coloco estabilização e pronto, aí a criança tem e
o que ela não tem, repertório motor, então os movimentos de coordenação motora,
esquema corporal essas coisas, vem da educação infantil, então se elas conseguem
trabalhar, fazer, executar na Educação Física, daí eu continuo. Então se eu tô
pedindo pra correr e a criança vai com o bracinho aqui, eu preciso trabalhar mais
com ela, com atividades que busquem trazer a naturalidade dentro desse movimento.
Então é o grau de dificuldade que vai avançando na atividade. (JOS/F – 38 anos – P.
E4)
Eu organizo assim...eu coloco dificuldades, às vezes eu posso fazer, por
exemplo,essa semana que eu vou trabalhar com jogos de letras, então com o 1º ciclo,
eu vou usar assim palavras...eles vão colocar...eu vou colocar assim várias letras e
eles vão ter que formar palavras, então eles vão formar palavras de menos é...com
dificuldade menor, um sílaba, duas sílabas e no 2º ciclo não, eles teriam que tá
formando palavras mais complexas, formando frases, então a complexidade, a
dificuldade da atividade que muda, pode até ser a mesma atividade, mas a
complexidade que muda. (ANE/ F – 32 anos – P. E3)
É perceptível nas duas falas anteriores que a complexidade se refere não só aos
conteúdos, mas também às atividades programadas. Neste sentido, perguntei a professora
ANE se o conteúdo poderia ser o mesmo para as diferentes etapas do ensino fundamental,
diferenciando-se apenas as atividades e respondeu:
Também. Não, mas não é sempre, daí vai ser de acordo com o que a professora tá
trabalhando, por exemplo, essa semana nós estamos comemorando a semana do
índio, então com um eu tô confeccionando as petecas, com outro eu já to só jogando,
entendeu? Então eu tô vendo o jogo, as regras do jogo, entendeu? (ANE/ F – 32 anos
– P. E3).
A professora ANE deixa claro que pode acontecer do conteúdo trabalhado ser o
mesmo e com atividades diferentes para cada ano, mas os conteúdos também podem se
diferenciar entre os anos do ensino fundamental. Cita o exemplo da peteca que, como vimos
em seu planejamento, estava ligado ao conteúdo de brincadeiras populares, em que sugere
uma sistematização deste conteúdo quando afirma que com algumas turmas ―está
confeccionando‖ o brinquedo e, com outras turmas, ―vendo o jogo‖ e ―as regras‖. Assim, o
conteúdo não é o mesmo para cada ano de ensino.
O professor AND/M (32 anos – P. E6) diz que ―utilizo o mesmo plano pra todos essas
faixas etárias. O que... o meu diferencial é como é que eu vou aplicar isso... graus de
151
dificuldade, eu trabalho com graus de dificuldade‖. Percebe-se que ele elabora o mesmo plano
de aula para todos os ciclos, diferenciando no modo de aplicação destes conteúdos, ou seja, os
métodos, procedimentos ou atividades. Esta fala se concretiza em seu planejamento, em que
se pode averiguar que o professor tem o mesmo plano de aula para todos os ciclos, porém a
partir do 3º bimestre começa a distinguir os conteúdos para as diferentes etapas de ensino,
propondo a sistematização dos conteúdos da ginástica, dança e esportes.
O professor RON pondera também sobre a sistematização, porém acaba falando mais
sobre a organização das aulas e problemas que tem enfrentado em sua prática cotidiana, do
que sobre a organização de conteúdos para 1º e 2º ciclos. Vejamos seu depoimento:
Sim, até por horário. Às vezes é a mesma turma, mas com horários diferentes, às
vezes a gente tenta passar a mesma coisa, mas é difícil dá certo, entendeu? Sempre a
gente tem que ter algo na manga, porque às vezes a gente faz o planejamento pras
duas turmas, por ser a mesma faixa etária de idade, mas por ser turmas diferentes, de
outros professores, difícil dar certo, às vezes pra de manhã dá certo e a tarde não dá
certo. (RON/M – 31 anos – P. E3)
A professora ANE também se baseia nas datas comemorativas para organizar os
conteúdos da Educação Física em seu planejamento, ou seja, como distribuir os conteúdos ao
longo do ano letivo, em que momento oferecer este e não aquele conteúdo.
Eu fiz um planejamento bimestral e aí através desse planejamento eu busco as
atividades e também busco nas datas comemorativas, aí por exemplo, na semana de
Cuiabá nós é...danças...trabalhamos com danças, danças típicas da região e assim...
(ANE/F – 32 anos – P. E3).
Os professores AND, ANE e ROS discorrem também sobre as orientações que
recebem dos gestores das suas escolas em relação à sistematização de conteúdos, e
consequentemente, em que se baseiam para selecionar os conteúdos para as diferentes fases
do ensino fundamental. As falas explicitam exatamente o que os gestores ponderaram em seus
depoimentos: trabalho com projetos, dossiês, trabalho interdisciplinar, projeto Sarã e PCNs.
A professora ANE/F (32 anos – P. E3) diz: ―Eu vou muito pelo projeto Sarã, pelo livro
da Sarã, que é o livro que foi formado por Cuiabá, pela prefeitura‖. Sobre a distribuição dos
conteúdos para cada etapa do ensino fundamental, a professora ANE diz que ―tem no PCN,
no PCN nós temos‖.
A professora ROS/F (39 anos – P. E1) também expõe que utiliza o projeto Sarã e os
PCNs para escolher e organizar os conteúdos da Educação Física. Vejamos sua fala:
(...) como eu trabalho na prefeitura de Cuiabá, baseado no projeto Sarã, que é
justamente nos PCNs, então os conteúdos são tirados de lá, porque lá já vem falando
a faixa etária correspondente, e as atividades ficam a seu critério, criatividade.
152
A partir do projeto Sarã, os professores ROS e AND trazem os conceitos de
interdisciplinaridade e trabalho com projetos para sua prática pedagógica, como referência
para a distribuição dos conteúdos para 1º e 2º ciclos do ensino fundamental. Vejamos o que
eles dizem primeiro sobre o trabalho com projetos.
O projeto é livre. Tem o período do bimestre pra entregar relatório, o dossiê do
aluno, mas é livre, eu posso montar um projeto qualidade de vida e trabalharia o ano
todo. Mas eu tenho que tá avaliando, a coordenadora pede pra tá avaliando, voltar
nos pontos que você não atingiu. Se atingiu-se tudo, não tem porque continuar nele.
(AND/M – 32 anos – P. E6)
(...) é escolhido um tema, por exemplo, agora no 2º bimestre tamo trabalhando meio
ambiente, cada bimestre é um tema, 1º bimestre trabalhamos sobre Cuiabá, agora
meio ambiente, e assim vai indo. Por exemplo, no meio ambiente, cada professor
fica com um tema específico, lixo, água, rio Cuiabá, natureza... eu, por exemplo, tô
com o tema ―lixo, que lixo?‖, e tamo também trabalhando com os alunos maiores a
importância, o que estas mudanças climáticas que vem acontecendo estão trazendo
as aulas de Educação Física, como a respiração, quando a umidade do ar baixa
porque a gente praticamente não pode correr, então tudo em forma de pesquisa com
eles. Também a reciclagem, que é um projeto de criação, cada aluno... eles estão
fazendo já, confeccionando, já tô com muitos feitos comigo lá no meu armário, eles
estão confeccionando brinquedos a partir de material do lixo, pasta de dente, caixa
de fósforo, garrafa, e cada um vai ta criando um brinquedo, mostrando que a gente
pode reciclar o lixo. (ROS/F – 39 anos – P. E1)
A professora ROS explica o trabalho com projetos através de exemplos do que ela está
realizando com seus alunos naquele bimestre. Seu exemplo se refere ao projeto com o tema
meio ambiente, confirmando os dados contidos em seu planejamento, reforçando que é um
trabalho que garante a especificidade da Educação Física.
Outra constatação importante é que os depoimentos referentes ao trabalho com
projetos e interdisciplinar, confirmam as orientações passadas dos gestores aos professores de
suas escolas. A seguir, a fala do professor AND sobre a interdisciplinaridade em sua escola:
Com os professores, ou seja, eles querem que nós, é... trabalhemos o projeto dos
professores. A interdisciplinaridade que eu entendo que eles passam pra gente é isso.
O professor de Educação Física, artes e línguas entrar no projeto do professor. Não,
não é um reforço. Até eu bato muito em cima disso, fica maçante pro aluno. Por isso
que quando nós elaboramos nosso projeto da Educação Física, um dos pontos tá lá,
que o professor de Educação Física tem a liberdade de trabalhar seu conteúdo
independente da interdisciplinaridade com os professores. Mas nós somos cobrados
bastante pra trabalhar o conteúdo do professor. Eu posso fazer meu projeto, a
coordenadora vai olhar e falar onde é que tá inserido aqui o projeto dos professores
da sala... tanto é que esse ano ficou um projetão só pra todo mundo por causa disso.
Tinha que fazer um planejamento...uma professora trabalhava com água, a outra
trabalhava com lixo, a outra trabalhava com saúde...nós ficamos perdidão. Perdido,
ou seja, como é que você vai montar uma aula interdisciplinar com tudo isso. Isso aí
só dá pra você trabalhar verbalmente. Por isso que eu falo, vai perdendo aquela
especificidade da Educação Física, trabalhar o corpo. (AND/M – 32 anos – P. E6)
153
O discurso do professor AND traduz sua insatisfação e dificuldade em aceitar o
conceito de interdisciplinaridade concebido pelas gestoras de sua escola, no caso, da
coordenadora que, como vimos no capítulo de análise dos depoimentos dos gestores, insiste
que a Educação Física sirva como um apoio ao professor da sala de aula (pedagogo). A
coordenadora alegou que os professores de sua escola não concordavam com esta concepção,
o que ficou evidente no depoimento do professor AND, dizendo que ―não é um reforço‖,
senão ―vai perdendo aquela especificidade da Educação Física‖.
Os dossiês também aparecem como orientação dos gestores para nortear a seleção dos
conteúdos para cada ano de ensino, como indica a professora ANE:
Através do plano bimestral e nas competências e habilidades que eu tenho que fazer
meu planejamento, então através desse conteúdo que eu tenho que são as
competências e habilidades que traz o dossiê, em cima deles que eu faço meu
planejamento. No primeiro ciclo o que que ele traz, no 1º ciclo ele apresenta
movimento de destreza, jogos, dança, ele vem num conteúdo só pra você trabalhar
com jogos, danças...então você que tem que distribuir o que você vai trabalhar
naquele bimestre, entendeu? Assim que é feito... aí no 2º ciclo ele já vai trabalhar
com regras, vai colocando regras, nos jogos. (ANE/F – 32 anos – P. E3)
Este depoimento da professora ANE confirma as orientações descritas pelas gestoras
de sua escola no terceiro capítulo, bem como os dados coletados do planejamento que
entregou, dados estes discutidos no início deste capítulo.
4.2.3.1 Os conteúdos para o 1º ciclo
Sobre a sistematização de conteúdos, todos os professores responderam que há
diferenças entre os ciclos e as faixas etárias, sendo necessário propor conteúdos, estratégias e
atividades diferentes para cada ciclo ou etapa do ensino fundamental. Neste momento, serão
apresentados os conteúdos que os professores disseram propor para o 1º ciclo. Vejamos os
depoimentos:
(...) Educação Infantil, 1º ano, até o 2º ano, que é 1ª série né?, eu gosto de trabalhar
espaço-temporal, lateralidade, então envolve uma série de atividades essas
atividades. E neles eu posso trabalhar igual, por exemplo, atividades que desenvolva
direita, esquerda, em cima, embaixo, alto, baixo, essas atividades. (ROS/F – 39 anos
– P. E1)
Assim, essas turmas mais infantil, a gente sempre pega mais na linha de
coordenação motora, grossa, fina, porque é a maior dificuldade deles. Manuseio de
bola com a mão, pra poder diferenciar, não só saber manusear a bola, mas saber
diferenciar pressão da bola, peso da bola, tamanho da bola, neste sentido. (RON/M –
31 anos – P. E3)
154
Eu sinceramente acho que na Educação Infantil nós tínhamos que trabalhar todo o
esquema corporal, lateralidade, a gente começa vendo lá e vai ver sempre, porque
quando chegar nos movimentos de estabilização, ali entra muito a questão da
lateralidade, então eu acho que se a gente trabalhar bem essa questão na Educação
Infantil, 1º e 2º ciclo, a partir do 3º eles já estão prontos pra fazer uma outra camada
de atividades, e daí não cai na mesmice de todo ano vira isso, todo ano vira
aquilo.(JOS/F – 38 anos – P. E4)
Na Educação Infantil, no 3º bimestre, nós vamos trabalhar assim com a percepção
tátil, equilíbrio e as habilidades naturais, o foco é esse. Então, o balão, já
trabalhando uma atividade de manipulação, passe, porque a criança brinca, BRINCA
(...) (JOS/F – 38 anos – P. E4)
Às vezes, os maiores têm a mesma dificuldade que os menores, principalmente
lateralidade que você vai trabalhar esquerda, direita, pula pra direita, pula pra
esquerda, eles não tem noção... quadrado, retângulo que você vai trabalhar no chão.
(...) Fazer roda, é... pega-pega, o que mais gosta os menores é pega-pega, essas
brincadeiras infantis mesmo. (SOL/F – 50 anos – P. E6)
(...) porque no 2º ano em diante a gente trabalha mais com a formação deles, ou seja,
a orientação é diferente, por exemplo, você vai trabalhar futebol que na Educação
Infantil você não trabalha, dominó e dama que na Educação Infantil você já trabalha,
essas coisas... já ao contrário, na Educação Infantil você trabalha lateralidade,
postura, coordenação motora... já na 3ª e 4ª série não trabalha esse lado. (GIL/M –
52 anos – P. E6)
Percebe-se que a maioria dos professores fala de conteúdos da Educação Infantil
juntamente com os de 1º, 2º e até 3º anos e justificam esta opção dizendo que ―neles eu posso
trabalhar tudo igual‖, como disse a professora ROS.
Os conteúdos citados pelos professores referem-se basicamente a lateralidade,
percepção tátil, equilíbrio, coordenação motora fina e grossa, manipulação de bola (pressão,
peso, tamanho da bola, passe), noções de figuras geométricas (quadrado, retângulo),
brincadeiras (roda, pega-pega), movimentos de estabilização e habilidades naturais. Estes
conteúdos correspondem àqueles propostos nos planejamentos dos professores, confirmando
que eles ―verbalizam‖ aquilo que ―pensaram‖ (planejaram).
O professor GIL faz uma comparação dos conteúdos que devem ser oferecidos até o 2º
ano, que no caso ele se refere ao 3º do ensino fundamental, e para 3ª e 4ª série, ou seja, 2º
ciclo. Mesmo o professor GIL não tendo entregue seu planejamento, sua fala confirma a
tendência em propor conteúdos ligados a psicomotricidade (lateralidade, postura e
coordenação motora) para Educação Infantil e 1º ciclo, e futebol, dominó e dama para o 2º
ciclo.
Já o professor CIN confirma em seu depoimento os dados coletados em seu
planejamento anual e é coerente com sua concepção de conteúdos específicos da Educação
Física. Vejamos sua fala:
155
Os meninos de 5 anos, eu trabalho o esporte generalizado, eles vão chutar, correr
com a bola, então ponho eles ―você tem que ir pra frente, o gol seu é lá‖, então seu
gol é lá, lá na frente que você tem que fazer o gol, porque eles correm com a bola e
fazem gol no gol deles mesmo. Então, você põe, é pra frente que você tem ir, chuta a
bola pra frente, e chuta daqui pra lá e pra lá. A bola, põe aqui na lateral, então você
delimita a quadra, aqui é fora e o resto você deixa eles aprender, então eles vão
correr, chutar. Isso no futebol de salão, porque nestas séries você não vai trabalhar o
vôlei, não vai trabalhar o handebol, só trabalha o futebol de salão. A queimada pra
esse também. (CIN/M – 55 anos – P. E5)
O esporte se constitui como conteúdo principal das aulas do professor CIN: o voleibol
e handebol a partir do 2º ciclo; para o 1º ciclo, oferece apenas a modalidade de futebol de
salão, com adaptações e a queimada. Em seu planejamento isso ficou bem claro, pois propõe
conteúdos psicomotores que finalizam com a prática esportiva, o futebol.
O professor ROB/M (31 anos – P. E5) diz ―envolver o mesmo conteúdo, mas em nível
de recreação, em nível de conversa, vai daqui pra ali, porque tem muitas crianças que não
lêem ainda, mas entendem‖. Esse ―mesmo conteúdo‖ corresponde aos conteúdos ligados às
atividades físicas e saúde oferecidas ao 2º ciclo e que será apresentado no próximo subitem
referente aos conteúdos do 2º ciclo. Percebem-se em sua fala que os conteúdos para 1º e 2º
ciclo são os mesmos, porém são tratados de maneira diferente: para 1º ciclo a estratégia é a
recreação; para o 2º ciclo as aulas teóricas estão mais presentes.
Assim, os conteúdos que os professores ―dizem‖ trabalhar com o 1º ciclo
correspondem e confirmam os apresentados em seus planejamentos.
4.2.3.1 Os conteúdos para o 2º ciclo
Este item é o último a analisar os depoimentos dos professores de Educação Física,
sendo aqui explicitados os conteúdos que verbalizam para o 2º ciclo. É perceptível na fala de
quatro professores (ROS, RON, GIL e CIN) que no 2º ciclo os conteúdos devem ser
diferentes do ciclo anterior, já que os alunos já adquiriram determinadas habilidades que não
são mais necessárias trabalhar. Vejamos duas destas respostas:
Já no 4º ano, por exemplo, eu não preciso mais trabalhar, eu já trabalhei (conteúdos
da psicomotricidade), então vou trabalhar com jogo de raciocínio, raciocínio lógico,
uma atividade pra desenvolver mais a capacidade respiratória, as habilidades
motoras, mais ou menos isso. (ROS/F – 39 anos – P. E1)
A turminha maior já tem um pouco mais de coordenação, aí já dá pra brincar, liberar
um pouco mais, fazer atividades mais de contato físico, de correr... (você faz parte
teórica com as crianças?) Com o infantil não, só com os maiores, com os alunos do
3º ciclo. Porque aí já uma atividade mais... esporte no caso. Aí gente tenta explicar,
dar a teoria do esporte, os fundamentos, regras, como é aplicada e vai pra prática.
(RON/M – 31 anos – P. E3)
156
A professora ROS e o professor RON consideram as experiências anteriores dos
alunos que estão no 2º ciclo, não sendo necessário oferecer conteúdos aplicados a
psicomotricidade, os quais foram apresentados e apreendidos pelos alunos no 1º ciclo. Este
dado é importante, pois confirma a opção dos professores de Educação Física em selecionar
os conteúdos ligados a psicomotricidade apenas para o 1º ciclo, como vimos em seus
planejamentos.
A professora ROS afirma trabalhar com jogos de raciocínio e capacidade respiratória
dos alunos. O professor RON indica o trabalho com atividades com maior contato físico,
porém as aulas teóricas sobre o esporte, suas regras, fundamentos, etc. são destinadas ao 3º
ciclo. Todavia, os professores mostraram em seus planejamentos que estes conteúdos do
esporte são oferecidos aos alunos de 2º ciclo sim, sendo que o professor RON não entregou o
planejamento, então não se pode conferir se sua fala é compatível com o seu planejar, o que
talvez se confirme na análise das observações de suas aulas.
A fala do professor GIL/M (52 anos – P. E6) também indica que os conteúdos da
psicomotricidade são exclusivos do 1º ciclo. Segue seu depoimento descrito na forma de
diálogo, já que suas respostas se deram a partir de questionamentos efetuados por mim.
GIL: (...) já na 3ª e 4ª série não trabalha esse lado (lateralidade, postura e
coordenação motora).
EU: É mais voltado para o esporte?
GIL: Isso, isso.
EU: E você divide os conteúdos de que forma? Por bimestre, cada bimestre você
trabalha uma coisa?
GIL: É também... também... os conteúdos da Educação Física pra terceira, segunda e
quarta série são acoplados com a sala de aula do professor também, por exemplo,
semana passada, sexta-feira, eu tive aqui olimpíadas de matemática, então aí eu pego
além da Educação Física, bola ao cesto, futsal, dominó, dama e também incluí mais
a competição de matemática.
O professor GIL ratifica o trabalho com o conteúdo esporte no 2º ciclo e também
reafirma que estes conteúdos têm ligação com o que o professor da sala está ensinando,
colocando em risco a especificidade da área. Outro professor que confirma o trabalho com o
esporte é o professor CIN, declarando também que nesta faixa etária os alunos já têm
―coordenação motora‖. Vejamos seu depoimento:
O vôlei só pros grandinhos, de 9 a 10 anos, aí você vai trabalhar com eles o
basquete, eles já tem coordenação... Primeiro eu começo a trabalhar com o manuseio
de bola, a ter contato com a bola, a bola, pra dar um tapa na bola, o problema que a
gente tem é que não temos material, por exemplo, eu trago uma bola minha, aí você
tem 25 crianças, até cada um dar um quique na bola, briga, já empurrou, é a
dificuldade, não tem como você fazer uma bola de papel, ―ah, faz uma bola de
meia‖, não tem, você tem que ter contato com a bola. (CIN/M – 55 anos – P. E5)
157
O professor CIN oferece o basquetebol a partir do 2º ciclo, o que está de acordo com o
proposto em seu planejamento. Complementando este dado, vale ressaltar que em depoimento
sobre os conteúdos do 1º ciclo, o professor CIN enfatiza que o handebol e voleibol só devem
aparecer a partir do 2º ciclo, sendo apenas o futsal declarado para ambos os ciclos.
A professora CID só trabalha com o 2º ciclo, já que sua escola só oferece 2º e 3º
ciclos. Assim, ela discorre sobre os conteúdos trabalhados nestes anos:
Tem diferença (entre as turmas). Com os pequenos a gente monte um ludo com uma
sala, mostro primeiro um jogo pronto e aí a gente vai montar, ―se cair aqui o que é
que vai fazer?‖, então eles dão as regras e a gente monta um. Com os maiores, 6ª pra
cima, aí eles vão pesquisar a origem, como surgiu, ludo, dama, bozó eu ainda não
consegui, xadrez... aí eles vão fazer a pesquisa. Trabalho com 4º ao 9º ano. Não tem
turmas menores que 4º ano. (CID/F – 52 anos – P. E2)
Para o 2º ciclo, a professora diz trabalhar com os jogos de salão, em que os alunos
propõem as regras e constroem os jogos. Diz ainda que somente a partir do 3º ciclo que os
alunos trabalharão com pesquisas sobre a origem destes jogos. Estes dados estão claros em
seu planejamento também.
A professora JOS/F (38 anos – P. E4) não descreve os conteúdos do 2º ciclo, apenas
diz ―não trabalho com o esporte, mas eles pedem muito‖. Discorre ainda sobre o ―combinado‖
que faz com seus alunos do 2ª ciclo, em que ―duas vezes por mês eles jogam futebol‖. Isso ela
diz não colocar em seu planejamento, sendo ―um dia livre, quem quer jogar futebol, joga
futebol, quem não que jogar futebol, vai fazendo outra atividade que eles querem fazer porque
eu não me incluo, é um dia livre‖. Da mesma forma, a professora JOS faz este combinado
com as turmas de 1º ciclo que, no caso, não jogam futebol, mas brincam livremente.
O professor ROB confirma em seu discurso o trabalho com o tema Saúde:
(...) a partir do 2º ciclo eu já trabalho mais na área da saúde, prevenção, doenças
degenerativas, volume de peso, essas coisas todas que envolvem cálculo. Teórica
também. Agora, é diferente do pessoal do 2º ciclo, já sabe copiar, já sabe resolver
algumas operações, então a partir dali a gente vai incrementando também esses
conteúdos de acordo com o que eles estão sabendo realizar em sala de aula. No meu
planejamento anual, ele entrou como ―doenças preventivas‖, são todas elas, diabetes,
hipertensão, todas. Isso para o 2º ciclo. Dentro do planejamento anual foi feito um
para 1º e um para 2º ciclo, bem dividido a questão do conteúdo. Ele é dividido
também, porque tem a mídia que fala muito sobre a questão da caminhada, da
atividade física, então eu uso também esse detalhe pra gente colocar em sala de aula.
(ROB/M – 31 anos – P. E4)
Esta fala é coerente com os conteúdos propostos em seu planejamento, inclusive as
aulas teóricas, ou conteúdos conceituais, que aparecem a partir do 2º ciclo, por entender que
158
nesta fase as crianças já sabem/conseguem copiar e compreender as discussões sobre Saúde,
atividade física, mídia, etc.
Já o professor ADE/M (52 anos – P. E5) disse que ―é muito difícil definir um
conteúdo‖, alegando que trabalha ―com crianças de várias faixas etárias‖, entre outros
problemas. Sugere que ―os conteúdos tem que ser bastante flexíveis porque você trabalha com
diferentes faixas etárias (...)‖, alegando que a Educação Física depende de vários fatores, já
que ―fomos preparados para trabalhar com crianças bem definidas‖. Neste sentido, percebese que o professor ADE não respondeu ao que lhe foi perguntado, ou seja, sobre a
sistematização de conteúdos, sobre quais conteúdos ensina no 1º e 2º ciclo. Por isso, seu
depoimento não aparece entre as respostas das análises sobre a sistematização, o que
corrobora também com a não entrega de seu planejamento, sugerindo a não organização dos
conteúdos para as diferentes fases de ensino.
Assim, pode-se verificar nos depoimentos dos professores de Educação Física que eles
não sabem dizer exatamente os conteúdos que ensinam em suas aulas, justificando a não
especificação dos conteúdos em seus planejamentos. Porém, ao ler nas entrelinhas dos
planejamentos, percebe-se que ―o que se ensina‖ nas aulas corresponde ao que verbalizam nas
entrevistas.
4.3 A prática docente: o fazer pedagógico do professor de Educação Física
Neste tópico serão apresentados e analisados os dados coletados em observação das
aulas dos professores de Educação Física pesquisados. Esta análise é relevante para identificar
se a prática pedagógica dos professores pesquisados é condizente com os saberes expressos
em seus planejamentos e depoimentos. Assim, apresentarei ―o que faz cada professor em suas
aulas‖, seguindo a ordem das escolas pesquisadas (de E1 a E6).
4.3.1 As aulas de Educação Física na escola E1
Começando pela escola E1, no início de cada aula a professora ROS/F (39 anos – P.
E1) indica o trabalho com os seguintes conteúdos(aulas duplas – 26/08/2008 e 02/09/2008):
jogos; futsal recreativo; jogos de raciocínio e brincadeiras cantadas. Os conteúdos
correspondem exatamente aos descritos em seu planejamento, confirmando que a prática
pedagógica da professora ROS é pensada, planejada para cada semana de aula.
159
Os jogos de raciocínio são oferecidos sempre dentro da sala de aula e no início da
aula, pois existe o problema do recreio tomar os quinze primeiros minutos desta aula de
Educação Física, ou seja, todas as aulas que se iniciam às 9 horas da manhã, são
interrompidas pelo recreio, independente da disciplina curricular.
O conteúdo de jogos se apresenta como forma de ―jogos reproduzidos‖,
proporcionando o alerta queimada, corre cotia, eu vou à Lua, e uma variação da brincadeira
―Sol e Lua‖. A brincadeira cantada oferecida foi ―escravos de Jó‖, sem utilização de objetos,
apenas com o emprego do próprio corpo (em pé). Vejamos as figuras 12 e 13 que ilustram as
aulas de Educação Física da professora ROS:
Figura 12: Alerta queimada
160
Figura 13: Escravos de Jó
O futsal recreativo é um momento livre da aula, em que os alunos jogam, divididos
por sexo: primeiro os meninos; depois, as meninas. Os alunos que ficam fora do jogo,
esperando sua vez, se distraem com jogos educativos como dama e ludo. O futsal recreativo
aparece em seu planejamento para todos os anos do ensino fundamental.
4.3.2 As aulas de Educação Física na E2
Na escola E2, os conteúdos que a professora CID/F (52 anos – P. E2) trabalhou (aulas
duplas – 21/08/2008 e 01/09/2008) foram: ―brincadeiras; brincadeiras livres e semana da
pátria‖. O conteúdo ―brincadeiras‖ não aparece em seu planejamento anual em nenhum
momento, apenas indica as ―brincadeiras de roda‖ para o 4º bimestre — as aulas observadas
aconteceram no 3º bimestre. As datas comemorativas aparecem em seu planejamento em
todos os bimestres, mas não há detalhes sobre o assunto.
O seu planejamento semanal só foi elaborado até o 2º bimestre devido a uma lesão no
braço que a impossibilitou de escrever, porém, percebi que as aulas não eram planejadas, pois
era evidente o improviso e repentina mudança de atividades, sem que houvesse qualquer
ligação entre as atividades oferecidas. Vejamos uma observação realizada na segunda aula:
161
Relato 4 (01/09/2008): Vamos copiar agora!
A aula foi toda dentro da sala. A professora começou a aula explicando
sobre os símbolos do Brasil (bandeira, cores da bandeira, escritos como
Ordem e Progresso) enquanto falava sobre a Semana da Pátria. De repente,
ela parou de falar e saiu da sala. Quando voltou, começou com a brincadeira
―careca – cabeludo‖, sem falar nada aos alunos, e enquanto isso a moça da
limpeza jogou um balde de água dentro da sala de aula para refrescar. Disse
ainda que todos deviam ficar sentados para não escorregar na água. De
repente, a professora pede o caderno aos alunos. A maioria disse que não
tinha, ou ―qual caderno?‖. Ela responde: ―qualquer caderno‖. Ela resolve
passar na lousa a letra da música ―Super herói‖ que as crianças haviam
cantado na entrada da escola (uma música sobre Jesus) e que as crianças
deviam copiar, pois na próxima semana ela traria o som e o CD para
cantarem.
Percebe-se, com este relato ,que a professora não planeja suas aulas e fica o tempo
todo improvisando, preenchendo o tempo da aula. Em outra aula, a professora foi com as
crianças ao pátio para realizar brincadeiras, mas o que fez foi oferecer materiais como
bambolês e cordas para que brincassem livremente (Figura 14). Assim, o conteúdo
―brincadeiras‖ mencionado pela professora CID, trata-se de atividades sem objetivo algum,
ou ainda, sem conteúdo a ser ensinado.
Figura 14: Brincadeiras Livres
A figura 15 ilustra uma aula de Educação Física dentro da sala de aula, com as
crianças sentadas em suas carteiras, com brincadeiras dirigidas pela professora.
162
Figura 15: Aula de Educação Física na sala de aula
4.3.3 As aulas de Educação Física na E3
Nesta escola, temos dois professores participantes da pesquisa, porém as aulas da
professora ANE/F (32 anos – P. E3) não foram observadas, pois ela deixou suas aulas a partir
do 3º bimestre para assumir a coordenação do projeto da escola integral. Assim, o professor
RON/M (31 anos – P. E3) assumiu suas aulas a partir do 3º bimestre, sendo observadas
apenas as aulas deste professor.
A professora ANE declarou ter auxiliado o professor RON no início, apresentando seu
planejamento para que desse continuidade ao seu trabalho. O professor RON não entregou seu
planejamento para análise, porém em observação às suas aulas percebi que ele não deu
continuidade ao proposto pela professora ANE, talvez pela dificuldade em dominar a turma e
por ser recém-formado.
Os conteúdos propostos pelo professor RON (aulas duplas – 30/09/2008 e
02/10/2008)foram: campo minado, voleibol, futsal, condução de bola e coordenação motora.
Em seu depoimento, o professor ROB diz oferecer o esporte a partir do 3º ciclo, porém em
sua prática ele trabalha conteúdos esportivos, como voleibol, futsal e condução de bola. A
condução de bola a que o professor se refere, na prática, são atividades de arremesso e não de
condução. Na figura 16 é possível observar o momento em que o professor tenta ensinar a
163
―condução de bola‖, e um aluno entra na quadra com uma bicicleta, mas mesmo assim ele
continua sua aula. Observa-se também a pouca participação dos alunos.
Figura 16: Aula de ―condução de bola‖
Outra incoerência com seu discurso é a coordenação motora, pois alega que no 2º ciclo
as crianças ―já têm um pouco mais de coordenação, aí já dá pra brincar‖, ou seja, segundo sua
fala não seria necessário propor este conteúdo para esta faixa etária.
O campo minado foi uma atividade realizada dentro da sala de aula, que o professor
teve muita dificuldade em executar devido à inquietação e ansiedade das crianças para sair da
sala, e também por ser uma atividade que apenas uma criança realiza por vez, ficando as
demais muito tempo parado. Porém, o professor conseguiu levar a atividade até o fim. A
figura 17 mostra o ―campo minado‖, em que o aluno de camiseta laranja e azul realiza a
atividade.
164
Figura 17: ―Campo minado‖ na sala de aula
O futsal e o voleibol não são sistematizados, sendo oferecidos de forma livre às
crianças. Como as aulas do professor são duplas, na primeira ele fica dentro da sala e na
segunda na quadra, com atividades livres, como futsal para os meninos, voleibol, casinha,
corda, stop, etc. Neste sentido, o discurso do professor não é coerente com sua prática.
4.3.4 As aulas de Educação Física na E4
Na escola E4, os dois professores de Educação Física contribuíram com a pesquisa em
todas as fases, inclusive na observação de suas aulas.
O professor ROB/M (31 anos – P. E4) disse que o conteúdo a ser trabalhado durante
todo o bimestre seria o voleibol. As três aulas observadas foram sobre este conteúdo e o
professor informou que já havia iniciado na semana anterior com uma aula teórica. Uma das
alunas me informou que na aula anterior foi ―sobre o homem que inventou o voleibol‖ (T., 8
anos), ou seja, sobre a origem do voleibol, conforme mencionou o professor ROB. Um dado
interessante foi o episódio da ―aula de física‖, descrito a seguir:
165
Relato 5 (06/08/2008): A aula de ―física‖
Outra aluna disse ―costumamos dizer que dentro da sala o professor é física e
fora da sala é de Educação Física‖ (K., 9 anos). Este episódio é muito
interessante. Na quarta-feira contei ao professor ROB o que a aluna havia
dito sobre a aula de ―física‖ e ele comentou que, quando chegou a esta
escola, as crianças só chamavam a aula de ―física‖. Então ele tentou mudar
este conceito e fazer as crianças falarem Educação Física. Assim, as crianças
associaram ―física‖ às aulas teóricas e ―Educação Física‖ à prática.
Conversei novamente com a aluna K. e perguntei o que ela queria dizer com
aquilo sobre as aulas de física... Ela respondeu: ―sabe tia, é que quando o
professor dá aula dentro da sala, ele enche a lousa de coisas, então todo
mundo fica zangado com ele, então a aula é de Física. E a aula de Educação
Física é quando fazemos exercícios, brincamos‖. Ou seja, ela associou o
―Física‖ a algo chato, rígido, sem movimento. E Educação Física é a parte
legal, é a brincadeira, a alegria, euforia...
Este relato confirma que realmente o professor ROB ministra aulas teóricas aos seus
alunos, mesmo que para eles este seja um momento ―chato‖. Ao contrário, as aulas práticas
que observei são extremamente divertidas, pois é perceptível a alegria e o prazer que as
crianças têm em participar.
Durante as aulas observadas (04, 06 e 11/08/2008), o professor ROB propôs jogos prédesportivos do voleibol, como rede humana, jogos com balão (um ou dois), jogos utilizando
sacos (cooperativos) e jogos 6X6. Havia sempre a preocupação do professor em explicar os
jogos que seriam realizados, e também sobre o posicionamento dos jogadores e estratégias de
cada equipe. A figura 18 representa um destes jogos com balões:
Figura 18: Jogo de voleibol com balões
166
Os conteúdos propostos pelo professor ROB correspondem aos indicados em seu
planejamento, onde estão descritos com detalhes cada atividade proposta para suas aulas.
Durante as aulas observadas, o conteúdo foi apenas voleibol, mas obedecendo a uma
sequência de aprendizagem dos conteúdos estabelecida pelo professor.
A professora do período vespertino (JOS/F – 38 anos – P. E4) comentou logo no início
da primeira aula observada que o conteúdo proposto para aquele bimestre seria ―manipulação
de bola‖ — que realmente consta em seu planejamento — mas, devido ao clima seco, as aulas
estavam acontecendo dentro da sala de aula. Em cada aula a professora JOS propôs um
conteúdo diferente, todos estavam presentes no seu planejamento bimestral.
Na primeira aula (04/08/2008) o conteúdo foi ―atividades rítmicas – dança para a
terceira idade‖, iniciando a aula com conceitos sobre as atividades indicadas aos idosos, como
a dança sênior, e depois ensinou quatro coreografias diferentes, uma delas ilustrada na figura
19.
Figura 19: Dança sênior
O conteúdo da segunda aula observada (06/08/2008) foi a ―percepção espaçotemporal‖. Uma das atividades foi o maestro (similar ao ―siga o mestre‖), em que a professora
explicou que era preciso ―prestar atenção, observar o que o maestro está conduzindo‖. As
167
crianças participam efetivamente das aulas com muita alegria e a professora demonstra ter
grande domínio da turma. Na última aula observada (11/08/2008), o conteúdo mencionado
pela professora foi a ―cooperação‖, alegando que é um item do dossiê e que trabalharia
através da dança da cadeira. Afirmou ainda que ―vai e volta nos conteúdos‖.
Ficou claro nas observações das aulas dos dois professores da E4 que os conteúdos
planejados por eles, correspondiam aos aplicados nas aulas de Educação Física.
4.3.5 As aulas de Educação Física na E5
Na escola E5, havia quatro professores de Educação Física, sendo dois para a
Educação Infantil e dois para o Ensino Fundamental. Os professores CIN e ADE, do ensino
fundamental, participaram da pesquisa, porém as aulas do professor CIN não puderam ser
observadas, já que ficou de licença durante o 2º semestre todo. Assim, observei apenas as
aulas do professor ADE, lembrando que ele não havia entregado planejamento algum.
No primeiro dia de observação (29/09/2008), o que mais me chamou atenção foi o
professor ADE/M (52 anos – P. E5) chegar atrasado 20 minutos e não saber para qual turma
iria dar aula. Nesta aula, ele indicou que o conteúdo seria ―jogos de equipe‖, com o objetivo
de desenvolver o espírito de equipe, trabalho em grupo, força, flexibilidade e reflexo. Iniciou
a aula explicando as atividades aos alunos, sendo ―coordenação motora‖ trabalhando com
bambolês e cordas. A turma reclamou muito e ele disse que seria então voleibol e handebol,
mas continuaram a reclamar, pois queriam jogar futebol. Já na quadra, o professor deixou as
crianças sozinhas para buscar o material para a aula; enquanto isso, as crianças sobiam nas
árvores, corriam e brincavam de futebol. O professor ADE iniciou então um ―handebol
gigante‖, sem número certo de jogadores, com duração de 10 minutos. Em seguida, realizou
um ―futebol gigante‖, com todas as crianças que participaram da atividade anterior, já que
muitos ficaram de fora.
Percebe-se que o professor não planejou a aula e teve muita dificuldade em realizar as
atividades com alunos, dando a impressão de que em suas aulas as crianças apenas jogam
futebol ou fazem o que querem.
Na segunda aula observada (09/10/2008), o conteúdo indicado pelo professor ADE foi
a ―recreação‖, sendo que a aula teria ―vôlei, corda (escalada), futebol e handebol‖. Esta aula
teve um caráter recreacionista (DARIDO; RANGEL, 2005), ou seja, o professor ofereceu os
espaços e materiais, e os alunos se organizaram e escolheram o que queriam fazer.
168
Na terceira aula (13/10/2008), os conteúdos mencionados pelo professor foram
―comportamento na escola e interdisciplinaridade – atitudes‖, sendo utilizados como
estratégia de ensino os jogos recreativos e pequenos jogos. Segue a descrição da parte inicial
desta aula:
Relato 6 (13/10/2008): Oposição dos alunos
O professor ADE organiza uma fila na quadra, com as crianças dando espaço
entre um do outro. Pergunta por que tem algumas crianças que não estão na
fila e a aluna J. responde: ―eles não querem, não são obrigados a participar‖.
O professor manda as crianças correrem de uma linha até a outra da quadra
como forma aquecimento, relando a mão na linha. Depois do aquecimento,
ele dá um handebol gigante meninos x meninas. As linhas da quadra são
tortas e a linha dos 7m do handebol é muito longe do gol, parece a área do
basquete. A aluna J. diz: ―ah professor, você não sabe jogar handebol!‖, e ele
responde: ―isso não é handebol, é uma brincadeira‖. A bola era grande e leve
(tamanho da de basquete). Depois de 5 minutos, ele troca por uma bola de
futsal, mas continuam jogando handebol. O professor foi atrás de 3 meninos
que saíram sem pedir para beber água, deixando assim a turma sozinha. O
jogo acabou parando. Quando ele voltou, perguntou: ―por que pararam?‖, e a
aluna J. responde: ―porque você não tá olhando‖.
Após a tentativa do jogo de handebol (figura 20), o professor ADE resolve oferecer o
―futebol gigante‖. O discurso do professor indica sempre um conteúdo diferente em cada aula,
porém as aulas são sempre iguais, com os esportes (voleibol, handebol e futsal) sempre
presentes, seja como conteúdo, seja como atividade (estratégia) para desenvolver outros
conteúdos.
Figura 20: Jogo de handebol gigante
169
4.3.6 As aulas de Educação Física na E6
Na escola E6, os três professores de Educação Física do ensino fundamental
participaram da pesquisa, porém as aulas da professora SOL/F (50 anos – P. E6) não foram
observadas devido à mesma não ministrar aulas para turmas de 4º ano — tem turmas apenas
de 1º ciclo. Durante as aulas observadas do professor GIL, foi possível conhecer um pouco da
prática pedagógica da professora SOL, pois algumas aulas destes professores acontecem no
mesmo horário (choque de horário) e acabam dividindo o mesmo espaço (a quadra).
As duas aulas em que presenciei a divisão de quadra entre os professores, a professora
SOL estava com alunos da Educação Infantil, momento em que os deixava livres pela quadra,
atrapalhando as atividades do professor GIL. Quando conseguiram dividir a quadra, a
professora SOL organizou um jogo de futebol com alguns de seus alunos que tinham entre 4 e
5 anos. Em determinado momento pediu ao professor GIL para que ―olhasse‖ seus alunos,
enquanto estava conversando com outra professora. Em todas estas aulas — e em outros
momentos que a encontrei na escola — a professora SOL estava usando calça jeans e
sandálias.
A figura 21 ilustra uma destas aulas (03/09/2008) em que o professor GIL ministrava
aula para os alunos do 4º ano (na quadra) e a professora SOL observava seus alunos da
Educação Infantil espalhadas pela quadra — detalhe de algumas crianças em cima do palco e
da professora, de costas, vestindo calça e sandália.
Figura 21: Aula da professora SOL para a Educação Infantil
170
Percebe-se que a professora SOL não organiza suas aulas e seu discurso é incoerente
com sua prática. O professor de Educação Física deve ser um exemplo para seus alunos a
começar por sua vestimenta, pois não se pode exigir dos alunos que trajem roupas adequadas
às aulas de Educação Física se o próprio professor se veste inadequadamente. Darido e
Rangel (2005, p. 112) sugerem que para a participação efetivas das aulas de Educação Física,
―indica-se uma vestimenta adequada, como calças e bermudas de tecidos flexíveis e arejados,
camisetas e tênis, para que os alunos possam vivenciar efetivamente a aula, minimizando os
riscos de lesões‖.
As aulas do professor GIL/M (52 anos – P. E6) são duplas e, neste caso, eu observaria
apenas dois dias de aula, o que totalizaria quatro aulas (para a pesquisa, estabeleci a
observação de três aulas consecutivas). Porém, foi necessário observar três dias de aula, já que
no segundo dia de observação (27/08/2008), a professora da sala não liberou os alunos para a
aula de Educação Física, alegando que a maioria não havia feito a tarefa pedida por ela.
Apenas 7 alunos, que fizeram a tarefa, foram liberados para a aula de Educação Física. O
professor GIL concordou com a atitude da professora afirmando ser necessário para que ela
conseguisse manter o controle da sala. Devido ao número de alunos, o professor deixou que
as crianças brincassem livremente, com bambolês, colchonetes ou correndo.
O professor GIL afirmou que era possível trabalhar com poucos alunos na aula, mas
era complicado ainda mais por estar com o pé machucado — realmente ele estava com o pé
enfaixado e de chinelos. Esta aula teve características essencialmente recreacionistas, sem
conteúdos ou objetivos definidos. A atitude do professor em aceitar que a professora da sala
não libere os alunos para a aula de Educação Física é reflexo da sua aposentadoria que,
segundo ele, sairia no início do próximo ano. Porém, não deve ser uma prática aceitável pelos
professores de Educação Física, pois a disciplina fica com características de um ―prêmio‖, em
que os alunos terão o direito se cumprirem determinadas tarefas, causando prejuízo aos alunos
e garantindo a falta de legitimidade da área.
A primeira aula observada (13/08/2008), os conteúdos mencionados pelo professor
GIL foram: basquetebol, futsal e coordenação motora com bambolê. A aula se constituiu
basicamente na divisão da quadra entre meninos e meninas, sendo que os meninos jogaram
futsal e as meninas basquetebol. Como a aula é dupla, na segunda aula o professor realizou a
inversão dos grupos, explicando aos mesmos como jogar, ou seja, futsal para as meninas e
basquetebol para os meninos. Os demais alunos que não quiseram participar destas atividades
brincaram com cordas, bambolês e jogos de tabuleiro ao redor da quadra.
171
O professor ficou o tempo sentado assistindo a aula, o que me causou muita
dificuldade em realizar minhas observações, pois ele queria conversar comigo sobre os
problemas da Educação Física em sua escola. Dentre os problemas, destacou a falta de
materiais devido a um roubo que acontecera na escola na semana anterior e o problema de
divisão de quadra com os outros professores de Educação Física. O professor GIL é um
autêntico professor ―rola bola‖.
Na segunda aula, dia 03/09/2008, os conteúdos descritos pelo professor GIL foram a
queimada, mini-basquetebol e futsal. Num primeiro momento, realizou uma queimada entre
meninos x meninas, em que elas ficaram no centro da quadra e os meninos ao redor tentando
queimá-las. Depois, os papéis foram invertidos, sendo que ―queimou saiu‖, nas palavras do
professor GIL. A segunda atividade foi um jogo de mini-basquete, novamente meninos x
meninas, com o objetivo de fazer gol com a bola de basquetebol.
No segundo momento da aula, a quadra foi dividida em duas, sendo metade destinada
ao basquetebol e a outra metade ao futsal, como na aula anterior. Segundo Darido e Rangel
(2005), por muito tempo a Educação Física escolar separou os meninos das meninas, e,
baseado num estudo de Gaspari e colaboradores (2003, apud DARIDO, RANGEL, 2005), as
autoras descrevem que muitos professores defendem a separação das turmas por sexo
utilizando-se de argumentos que valorizam a performance, competição, rendimento e
treinamento, constituindo uma prática incoerente com as propostas pedagógicas atuais. A
figura 22 retrata a divisão da quadra entre meninos e meninas realizadas nas aulas de
Educação Física do professor GIL.
Figura 22: Separação por sexo nas aulas de Educação Física
172
Enfim, observei que as aulas do professor GIL não são planejadas, dando a impressão
da improvisação de atividades adequadas para cada momento. As aulas são muito parecidas,
sem uma sistematização aparente dos conteúdos. Contudo, a prática pedagógica do professor
é coerente com seu discurso, pois na entrevista ele alega que no 2º ciclo trabalha com o
esporte e, quando indagado sobre os conteúdos da Educação Física que trabalhava, discorreu
sobre os materiais que oferecia aos alunos: ―material são: trabalho com bola, cone, arco,
colchão pra rolamento, essa coisa aí toda. Eu tenho jogos lúdicos: dominó, dama...‖ (GIL/M –
52 anos – P. E6), confirmando sua tendência recreacionista.
Para finalizar as observações da escola E6, o professor AND/M (32 anos – P. E6)
estava trabalhando com o conteúdo ―Ginástica Olímpica‖, especificamente ―sequência
ginástica‖. Confesso que fiquei encantada com a aula do professor AND, inclusive pela
sistematização do conteúdo ginástica que ele organizou, oferecendo aos alunos elementos
diferentes da ginástica para cada ano de ensino.
A primeira e segunda aula (16/10/2008 e 21/10/2008) aconteceram dentro da sala de
vídeo (com espelhos nas paredes da sala) e, a terceira aula (23/10/2008), na quadra coberta. O
conteúdo foi o mesmo nas três aulas, já que a cada dia os alunos foram aprendendo um pouco
da sequência ginástica, tendo como objetivo final uma apresentação no ―festival de ginástica‖
da escola. A sequência ginástica estava disponível na lousa para que os alunos copiassem,
sendo apresentado no quadro 19 abaixo:
Quadro 19: Sequência ginástica
Educação
Infantil
Rolamento para
frente
Vela
Avião
Meio giro
Rolamento para
trás
Pose em V
1º ano
2º ano
3º ano
4º ano
(meninas)
Avião
Rolamento para Rolamento para Giro meia ponta
Rolamento para frente
trás
Rolamento para
frente
Vela
Avião
trás
Estrelinha
Rolamento
Salto grupado
Avião
Meio giro
lateral
Meio giro
Giro 360º
Salto estrela
Puxada
Rolamento para Salto grupado
Rolamento para Rolamento trás frente
Passo e vira
trás
Avião
Vela
Dois
Pose ajoelhada
Salto grupado
Rolamento
rolamentos para
Meio giro
lateral
frente
Estrela
Puxada
Salto estrela
Pose
Rolamento para Ponte
frente
Rolamento
360º
lateral e puxada
Estrelinha
Pose
Pose
4º ano
(meninos)
Estrelinha
Rolamento para
trás
Avião
Giro 360º
Salto grupado
Dois
rolamentos
Salto esticado
Vela
Rolamento
lateral
Puxada
Pose
173
Os alunos realizavam a sequência ginástica em duplas, enquanto o professor anotava,
corrigia e avaliava o movimento executado pelos alunos. Vejamos a figura 23 que ilustra uma
destas aulas:
Figura 23: Aula de ginástica olímpica
A prática pedagógica do professor AND é coerente com seu discurso e todo o
conteúdo apresentado é previamente programado em seu planejamento semanal, sendo
comprovado pela apresentação do plano de aula a cada início da aula observada. Para
finalizar, segue a foto (figura 24) que ilustra o festival de ginástica — fechamento do 3º
bimestre na escola E6:
174
Figura 24: Festival de Ginástica
Assim, o capítulo de análise dos dados coletados sobre os conteúdos da Educação
Física e sua sistematização, na visão dos professores de Educação Física das seis escolas
pesquisadas, encerra-se aqui, com o quadro 20 que é um resumo e comparação do que os
professores ―planejam, dizem e fazem‖ em suas aulas de Educação Física.
Quadro 20: Resumo das análises dos dados dos professores de Educação Física
ESCOLA
Professores
de Educação
Física
E1
E2
E3
E3
E4
E4
E5
E5
E6
E6
E6
ROS
CID
ANE
RON
JOS
ROB
CIN
ADE
SOL
GIL
AND
―O planejar‖:
Entregou seu
planejamento?
―O dizer‖:
O depoimento é
coerente com o
planejamento?
―O fazer‖:
A prática é condizente
com o planejamento
e/ou depoimento?
SIM
SIM
SIM
NÃO
SIM
SIM
SIM
NÃO
NÃO
NÃO
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
SIM
NÃO
NÃO
SIM
SIM
NÃO
NÃO
SIM
SIM
175
Capítulo 5
A VISÃO DOS ALUNOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Neste capítulo serão analisadas as entrevistas concedidas pelos alunos de 4º anos do
Ensino Fundamental, dos professores de Educação Física sujeitos desta pesquisa. Foram
realizadas entrevistas com 24 alunos, sendo três de cada professor, porém os alunos dos
professores ANE, SOL e CIN não participaram porque não assisti às aulas dos mesmos. A
questão central da entrevista refere-se aos conteúdos aprendidos pelos alunos durante o ano
letivo, bem como os aprendidos durante a aula que antecedeu a entrevista e o que gostariam
de aprender.
Todos os alunos foram indicados pelos professores pesquisados, seguindo as
características de ―mais bagunceiro‖, ―mais participa‖ e ―menos participa‖ das aulas. Em
minhas observações, percebi que todos os alunos indicados participam da aula de alguma
forma, seja participando apenas das atividades que gostam, seja atrapalhando o andamento da
aula, seja ajudando o professor, ou ainda, participando de atividades paralelas proporcionadas
pelo próprio professor.
Todos os alunos pesquisados responderam que gostavam das aulas de Educação Física
e justificaram suas respostas, pelos mais distintos motivos, como podemos ver nas falas a
seguir:
(...) Futebol, assim, é sem graça, eles não passam a bola pra gente, aí sem graça. O
restante da aula eu gosto. (VIT/M – E1 – ROS)
Gosto. Ah, porque a professora é legal, ela inventa cada brincadeira legal, quando
ela vem. (JES/F – E2 – CID)
Gosto. Porque às vezes tem umas atividades novas e algumas antigas. (ERI/M – E2
– CID)
Sim, porque é muito legal, eu gosto de brincar de corda, ―voler‖, todas brincadeiras.
(...) Porque eu brinco de casinha às vezes. A gente pede pra ele e ele deixa. (IRU/F –
E2 – RON)
Gosto. Porque é... o professor fica brincando cum nóis, ele dá atenção pra nóis, ele
fica jogando vôlei cum nóis. (TAU/F – E3 – RON)
Gosto, porque ele ensina a gente bastante sobre o corpo humano, sobre o futsal,
saque, sobre essas coisas. (LIL/F – E4 – ROB)
Gosto, porque ele é legal com a gente. (JUL/F – E4 – ROB)
Gosto. Porque ajuda a melhorar o comportamento. (GIS/F – E4 – JOS)
Gosto. Ah, porque lá a gente aprende muitas coisas, a gente joga futebol, e a gente
nem sabia joga handebol. Aí o professor ensinou a gente jogar handebol direito.
(LAR/F – E5 – ADE)
Não muito... Mas, gosto! Por causa que é muito boa, exercita meu corpo, é bom pra
nossa saúde e é muito bom pra gente se divertir também. (ICA/M – E6 – AND)
176
Muito, porque às vezes é brincadeira, às vezes é estratégia, às vezes é muita diversão
e às vezes também é ginástica, e eu gosto de fazer ginástica, de fazer exercício.
(ANA/F – E6 – AND)
Percebe-se na fala das crianças que apenas dois alunos hesitam em dizer que gostam
da aula num primeiro momento, mas depois confirmam gostar. O VIT, aluno da professora
ROS, diz não gostar do futebol, alegando que os colegas não passam a bola para ele. Nesta
fala, ele se refere ao ―futebol recreativo‖ proporcionado pela professora todo final de aula, o
que demonstra ser um momento livre, mas que beneficia aqueles que têm certa habilidade no
futsal, pois os que apresentam alguma dificuldade se sentem excluídos.
A maioria das justificativas está atrelada ao brincar, à diversão, à alegria, à
brincadeiras proporcionadas pelas aulas de Educação Física. Assim, Kawashima, Gomes e
Gomes (2009, p.12) dizem:
Neste sentido, Château (1987) observa que ―perguntar por que a criança brinca, é
perguntar por que é criança‖ (p. 14). Para a criança, quase toda atividade é jogo
(brincadeira) e é através dele que ela adivinha e antecipa suas condutas superiores.
Ou seja, por mais que os professores de Educação Física proponham jogos
pedagógicos em suas aulas, com o objetivo de ensinar algum conteúdo aos seus
alunos, para as crianças, se houver diversão, será sempre brincadeira.
Alguns alunos justificam gostar das aulas de Educação Física devido ao professor ser
―legal‖ e ao que ele ensina, ou seja, os conteúdos que aprendem nas aulas de Educação Física.
Os alunos do professor RON, por exemplo, atribuem gostar das aulas de Educação Física
devido a sua participação nas atividades propostas e por deixá-los brincar do que quiserem.
Estas afirmações corroboram as observações das aulas do professor RON, quando ele
distribui os materiais para os alunos brincarem livremente, além de organizar jogos de
voleibol e deixar as meninas brincarem de casinha. Neste sentido, o professor é ―legal‖, pois
deixa as crianças fazerem o que quiserem durante a aula, inclusive jogar futebol.
5.1 Os conteúdos da Educação Física aprendidos pelos alunos
Sobre os conteúdos, os alunos foram indagados sobre ―o que aprendem nas aulas de
Educação Física‖, inclusive sobre ―o que aprenderam na aula de hoje‖ (dia da entrevista) e
suas respostas serão apresentadas em blocos correspondentes a cada escola pesquisada. Na
escola E1, os alunos responderam que:
Joga bola, joga basquete, aprende a pular corda. Corre cotia. (RAF/F – E1 – ROS)
177
O ano todo o que eu aprendi que a gente... assim... pra poder correr atrás da bola tem
ser rápido, fazer aquela brincadeira lá, tem que fazer exercícios assim...capoeira. Tô
fazendo. Capoeira eu fico brincando de capoeira ali naquele negócio que tem lá, ali
em cima, aquele pedaço que é grande atrás do palco, eu treino um pouco. Ano
passado que eu aprendi uma brincadeira muito legal, que a gente fica enfileirado
assim, aí a gente corre, é de duas equipes, a primeira e a segunda, aí a primeira pega
e segunda vai correndo, aí assim tem um colchãozinho assim na onde tem que ir
virar uma cambalhota e aqui, a primeira equipe que passar por aqui e segunda fica
aqui naquele negócio lá, depois voltar pro lugar. O vencedor é o que chega na frente.
Não pode pular nenhum degrau. (VIT/M – E1 – ROS)
Educação, joga bola, um monte de coisa. Aprendi joga bola, brinca de pega-pega,
de...sei lá...atacante, vôlei, pular corda, um monte de coisa. Tem do ―Jó‖ que
acabamos de brincar ali também. (...) daquele ―escravos de Jó, jogavam caxangá‖, e
o outro aí de passar a bola, tipo queimada...tipo batata quente. Ahhhh... e da
caixinha, aquela aqui da sala. (MAT/M – E1 – ROS)
Na fala dos alunos da professora ROS, os conteúdos citados pelos alunos se referem
ao futebol, voleibol, basquetebol, pular corda, brincadeiras de roda (Escravos de Jó) e outras
brincadeiras, sendo que estes conteúdos correspondem aos propostos pela professora durante
o ano letivo. A fala do aluno VIT (mais bagunceiro) demonstra que ele não participa da aula,
tanto é que no dia da entrevista ele estava de castigo desde o início do período por ter
desobedecido à professora da sala. Assim ele se desculpou: ―eu respondi a professora, a
professora da classe. Não foi hoje, foi mês passado, parece‖. Além disso, percebe-se que
pouco participa da aula, mas gosta da capoeira, oferecida noutro turno da escola e não nas
aulas de Educação Física. Sobre o que aprende nas aulas, falou ainda de uma atividade
aprendida no ano anterior e não naquele ano letivo.
Na escola E2, os alunos da professora CID falam das brincadeiras que aprendem
dentro e fora da sala, conforme também se observou durante as aulas que presenciei:
Ah, eu aprendo muita brincadeira, música. Não, porque é assim, esse ano eu entrei
agora, porque eu não estudava aqui. Aprendi com a professora tem que respeitar os
idosos, tem que respeitar os mais velhos, quando a minha mãe tiver brigando a gente
não pode xingar porque ela é que tá certa e muita coisa, e...por isso que eu gosto
dela. (...) aprendi a musiquinha que ela inventou agora. Ela canta junto cum nóis, aí
nós aprendemos. Ela passou no quadro a musiquinha. (JES/F – E2 – CID)
Esse ano? Num lembro... Nós aprendemos sobre brincar, muitas coisas. Na aula
passada nós aprendemos ―careca-cabeludo‖, morto vivo junto, e fomos do lado de
fora brincar. Corrida, corrida de saco... (a profa faz com vocês? Tem saco?) Não.
Tava querendo que ela faz. Eu aprendi com esse hino que teve aí, a ―estrada‖...
(ERI/M – E2 – CID)
Ah...muitas coisas. Ela ensina música...ah, tem um monte de coisas assim. Ah,
brincadeiras, novas brincadeiras. Ah, ela faz brincadeira com a gente assim. Tem
vez que ela faz dentro da sala, tem vez que leva a gente aqui pra fora. Pular corda,
joga bola. Mas agora não joga mais, porque o povo de manhã furou a bola. Agora só
pula corda e brinca. Prefiro aqui fora. (PED/M – E2 – CID)
178
Percebe-se que a aluna JES discorre sobre valores (respeito aos mais velhos) que
aprendeu nas aulas de Educação Física, além das brincadeiras e músicas. Os conteúdos
atitudinais estão presentes no planejamento da professora CID, porém são poucos os descritos
por ela, sendo que o ―respeito aos mais velhos‖ não aparece no planejamento. Neste sentido, é
possível compreender que os conteúdos atitudinais são trabalhados nas aulas de Educação
Física, mas ainda fazem parte do currículo oculto da escola.
O aluno PED complementa que ―na aula de hoje? Eu num fiz nada não. Não quero.
Porque não gosto da aula de hoje, hoje eu não tô bem (...). Eu tava prestando atenção né?, mas
eu fiquei mesmo desenhando‖. Na aula observada a que o aluno se refere (01/09/2008),
realmente ele e a maioria dos alunos da sala dispersaram-se, até que a professora resolveu
disponibilizar brinquedos, jogos de tabuleiro e outros jogos pedagógicos para as crianças
escolherem e brincarem livremente.
Vejamos agora o que dizem os alunos do professor RON, da escola E3:
Ah, bastante coisa... joga bola, joga vôlei. Já aprendi jogar vôlei, pular corda e jogar
bola. Participo das aulas. A gente brinca de Stop, Amarelinha... a gente pede um giz
pro professor. (e na aula de hoje?) Eu aprendi... nada. Hoje eu não aprendi nada.
Porque sim, porque hoje eu tava brincando STOP. Eu tava fazendo STOP e agora
vou brincar de amarelinha. (ELE/F – E3 – RON)
Ainda nada. Não, nada. Porque eu fico participando de outras brincadeiras. Ele
ensina vôlei, futebol, mas eu não gosto de brincar. (e hoje?) A brincar de jogar bola
no bambolê. Só isso. (IRU/F – E3 – RON)
Aprendo a jogar vôlei, basquete, futebol, um monte de coisa. Eu não lembro.
Basquete. Só isso mesmo. (TAU/F – E3 – RON)
É recorrente no discurso das crianças a aprendizagem dos esportes e das brincadeiras,
reforçando a ideia de ―aulas livres‖ quando a aluna ELE afirma que ―pede um giz pro
professor‖. Neste caso, as aulas observadas confirmam esta prática, em que o professor monta
a rede de voleibol, dá a bola de futsal para os meninos e o restante brinca do que quiser. Isso
se evidencia ainda mais na fala da aluna IRU, cotada como a que ―mais participa‖ das aulas
pelo professor RON, quando diz que ainda não aprendeu nada durante este ano letivo, ou seja,
nada de novo, nada direcionado a aprendizagem dos alunos.
Na aula referente ao dia da entrevista, a aluna TAU não participou, e justificou: ―Eu
não fui pra Educação Física. É que o Erick tava batendo na minha cabeça aí a MAR foi e
chamou nóis. Eu fiquei copiando. Achei ruim, porque eu queria tá lá brincando‖.
Esta fala demonstra mais uma vez a importância que a aula de Educação Física tem
para as escolas, tornando-se um prêmio para o bom aluno, comportado, que participa e faz
tudo nas demais aulas. E, quando o aluno transgride alguma regra da escola, sua punição é
179
ficar sem assistir a aula de Educação Física. Isso é responsabilidade do próprio professor de
Educação Física da escola, como é o caso do professor RON, que ao assumir a postura de
professor ―rola bola‖, não tem condições de defender o papel da Educação Física,
transformando sua aula num momento de diversão que somente os ―comportados‖ podem
desfrutar.
Na escola E4, os alunos do professor ROB e JOS discorrem sobre o que aprenderam
nas aulas de Educação Física:
Hummm... basquete, vôlei, dança, alimentação...acho que é só. (GAB/M – E4 –
ROB)
Eu aprendi sobre o corpo humano bastante, sobre o coração, sobre o idoso, sobre
prática do futsal, um monte de coisas, porque Educação Física não é só brincar é
também fazer atividades. (...) hoje eu aprendi um pouco mais sobre o saque do
voleibol (LIL/F – E4 – ROB)
Eu aprendi a jogar vôlei, brincar de alerta cor, brincar de jogar bola. (JUL/F – E4 –
ROB)
Muitas brincadeiras. É... ginástica. Ah... ela deu música. Aprendi a dançar. Um
monte de coisa. Ensina a brincar. (GEA/M – E4 – JOS)
Eu aprendo as brincadeiras. (GIS/F – E4 – JOS)
As brincadeiras. De queimada, pega-pega, barra manteiga, maestro... Dança dos
idosos. (...) Brincar de maestro e aquele de brincar. De maestro que tem que prestar
atenção. (REN/F – E4 – JOS)
Os alunos do professor ROB têm clareza do que aprendem nas aulas de Educação
Física, destacando os conteúdos esportivos, dança e brincadeiras, mas também apontam
conteúdos ligados ao tema Saúde, como alimentação e funcionamento do corpo humano. Em
outro trecho da entrevista, a aluna LIL comenta algumas atividades desenvolvidas em aula,
fazendo referência ao projeto ―Saúde‖ desenvolvido pelo professor.
Ele manda a gente fazer trabalho e eu consigo. Aí um dia minha mãe, é agente
comunitária de saúde, ela traz um monte de papel sobre o corpo humano, sobre
bastante, aí ela tava falando sobre obesidade, aí eu peguei o livrinho dela, copiei
tudo, ele passou pra sala inteirinha. Fiz o trabalho na folha aí ele passou pra todo
mundo. Eu fiz vários trabalhos que fala sobre o peso da família, escolher 10 pessoas
da família pra poder falar sobre o peso, sobre a obesidade (LIL/F – E4 – ROB)
A mesma aluna LIL ainda relata sobre as aulas teóricas, no qual as crianças têm
caderno para anotar o que o professor ensina: ―Ele fala também se alguém puder ter um
caderno, senão pega o caderno de sala porque a professora é muito legal e ela deixa‖.
Os alunos da professora JOS falam de conteúdos como brincadeiras, ginástica e a
dança, em destaque, a dança dos idosos. Estes conteúdos são coerentes com a prática
pedagógica da professora.
180
Os alunos da escola E5 têm discursos coerentes e que ratificam a opção do professor
ADE por aulas recreacionistas, mas que, às vezes, tem sua intervenção nas atividades
proporcionadas durante as aulas.
A gente aprende...ah, jogar vôlei, a gente também gosta que o professor chama a
gente, aí tem vez que tem gente que não obedece, aí o professor fala ―vamo logo‖, aí
tem vez que a gente fica com fome. Ah, a gente também aprende a jogar futebol
direito, joga handebol também, porque a gente brinca de bastante coisa lá. Tem uma
corda lá que o professor amarra na árvore aí a gente pega e tenta pulá ela pra...a
gente finge que tá cheio de jacaré lá e o professor fica brincando com a gente, e no
balanço também. Tem vez que é diferente. Antes ele só dava futebol pra gente, aí ele
trocou e arrumou uma corda, agora ele já tem balanço, entendeu? Ele arruma a rede
pra gente jogar vôlei. (LAR/F – E5 – ADE)
Ah, a jogá bola, jogá vôlei, nada. Não, é que ele dá só mais pra menina. Pras
meninas ele dá handebol. Handebol não, ele dá futsal pra nóis. (e hoje?) tava
jogando futsal. (DAN/M – E5 – ADE)
Muitas coisas com o professor. Ele ensina nóis jogar futebol, handebol, tudo que a
gente erra ele pega e ensina. Ele ensinou a gente a jogar handebol direito, porque a
gente jogava tudo misturado e ele falou que era assim, assim e assim. De hoje? A
jogar aquele... como é o nome mesmo? Vôlei. (MAP/F – E5 – ADE)
A aluna LAR faz um relato preciso de como acontecem as aulas de Educação Física
do professor ADE, em que antes era só futebol, agora tem handebol, voleibol e corda que é
utilizada como balanço ou para escalada, atividades estas que também presenciei nas aulas .
Outra situação levantada pela aluna LAR é ―tem vez que a gente fica com fome‖, isso se deve
ao recreio de outras turmas acontecer no momento das aulas de Educação Física desta turma
de 4º ano, sendo que alguns crianças saem da aula para comer, mesmo não sendo seu horário
de recreio.
No discurso do aluno DAN fica claro também que o futebol é oferecido para os
meninos — mesmo tendo algumas alunas que participam, como a LAR — e o voleibol para
as meninas. As aulas que observei demonstraram que o handebol era o único momento de
integração entre meninos e meninas.
Vejamos agora o que os alunos dos professores AND e GIL dizem aprender nas aulas
de Educação Física, na escola E6:
Aprendo a fazer exercícios, aprendo também a fazer coisas que eu nunca fiz, tipo, é
assim mais ou menos assim, tipo fazer muitos exercícios e competir com outras
pessoas. Eu já aprendi a fazer negócio pra trás, giro pra trás mais ou menos, e
também é aquele como se chama? É... aprendi que não pode fazer ―calhambota‖
assim, tem que fazer a posição certinha, senão machuca. Também já fiz uma
competição lá na ―física‖ de beber refrigerante na gincana, foi muito legal, e
também nóis tinha que fazer a coleta do lixo, teve que correr a escola inteira pra
catar o lixo, e também fazer muita coisa que eu nunca fiz e agora eu tô fazendo,
coisa que nunca fiz. Tipo o que? Tipo, correr na coleta de lixo pra preservar a
181
natureza, essa competição de refrigerante eu já fui já, mas também é muito legal.
(ICA/M – E6 – AND)
Muitas coisas. Eu faço rolamento, a gente ia assistir vídeo depois faz perguntas, faz
também... gincana. (e hoje?) Rolamento. Que eu aprendi? Rolamento. Pra
apresentação. (JOA/M – E6 – AND)
Eu já aprendi a fazer um monte de coisas na Educação Física, já aprendi novas
brincadeiras, já aprendi novas ginásticas, já aprendi a virar estrelinha, já aprendi a
virar cambalhota, aprendi a fazer um monte de coisas. Lembro. Que eu nunca tinha
visto? Já aprendi um monte de brincadeiras, é que às vezes eu esqueço, mas às vezes
eu não lembro. Uma brincadeira que ninguém sabia, na época assim ninguém sabia,
porque o professor falou assim ―vamos brincar de nada‖, ―ah professor, como é que
brinca?‖, foi no primeiro dia e a gente não sabia como é que brinca, aí o professor
falou assim, vamos brincar de batata quente! Eu não sabia como é que brincava, aí
―como é que é professor?‖, ―ah é assim‖. Aí fica lá, tampa o olho e fica falando até a
bolinha parar de cantar a música, aí tem que parar, tem queimada assim, é assim a
brincadeira, só que eu não sabia. (...) ah, prova a gente já fez, prova de ginástica,
prova de gincana, da torta na cara que fazia pergunta e a gente respondia, se errasse
levava torta na cara. Já aprendi um monte de coisa que a gente até esquece, dá um
branco na gente. (e hoje?) Fazer um monte de Ginástica, eu aprendi ginástica
olímpica. (ANA/F – E6 – AND)
Eu aprendo muitas brincadeiras, é...brincadeiras. Eu aprendi a jogar...eu não sabia
jogar direito basquete e eu aprendi! Vôlei. Vôlei e...como fala? Peteca. (ele já deu
aula com peteca pra vocês?) Não, ele trazia o negócio e jogava comigo. (e hoje?) ah,
é... eu joguei as coisas que eu já sei mesmo. Joguei queimada, futebol, basquete.
(LAU/F – E6 – GIL)
Que a gente não deve não brigar, xingar, bater. (MEU/M – E6 – GIL)
Eu aprendo a mexer o corpo, eu aprendo a fazer exercícios no começo da aula. Eu
aprendo que não pode faltar a aula de Educação Física porque vale ponto, e também
que a gente não deve faltar porque no final do ano a gente perde um monte. Aprendi
rouba-bandeira que eu nunca brinquei, eu brincava de pega-pega, rouba-chinelo,
andar na lata. (e hoje?) Aprendi a mesma coisa. Aprendi a jogar bola muito bem, que
eu não sabia jogar muito bem. (BAR/F – E6 – GIL)
Os alunos do professor AND destacam conteúdos análogos aos analisados na prática
pedagógica do professor, como os conteúdos da ginástica, brincadeiras, gincanas e sobre o
projeto ―Meio Ambiente‖. O aluno ICA ainda faz um relato sobre a aula do mesmo dia da
entrevista, destacando a importância do professor de Educação Física para a aprendizagem
dos conteúdos propostos através do incentivo a seus alunos:
Na aula de hoje eu aprendi que a gente também, quando você, você pode ser
qualquer coisa, mas você é capaz, você é capaz de fazer aquilo que você pode fazer,
você consegue, é só querer. Eu consegui fazer aquele negócio do avião que antes eu
não sabia fazer, aí eu errei um pouco, mas o professor falou ―não, você tem que
fazer o contrário senão vai fazer tudo errado, não esquece disso não‖. (ICA/M – E6
– AND)
Diferentemente, as brincadeiras citadas pelos alunos do professor GIL tem conotação
distinta daquelas ensinadas pelo professor AND, pois para o professor AND é um conteúdo
182
da Educação Física, e nas aulas do professor GIL aparece como ―atividade livre‖, comuns a
tendência recreacionista.
5.2 Os conteúdos não aprendidos e as mudanças sugeridas pelos alunos
Para finalizar as análises das percepções dos alunos, verificaremos as respostas sobre
―o que gostariam de fazer nas aulas de Educação Física‖, sugerindo que verbalizassem os
conteúdos que gostariam de aprender. Neste sentido, pretende-se verificar quais os conteúdos
que talvez estejam deixando de ser oferecidos pelos professores de Educação Física
pesquisados.
Dos 24 alunos entrevistados, 11 alegaram que não gostariam de aprender mais nada,
justificando que ―tá bom assim‖, ―ele não deixa mesmo‖, ―o professor acho que vai passar‖,
―agora eu não lembro‖, ou ainda, dizendo apenas ―não‖ ou ―nada‖. Três alunos gostariam de
aprender natação, vejamos suas falas.
Queria... tomar banho de piscina. (GAB/M – E4 – ROB)
Natação. (como?) construir uma piscina no fundo. (IRU/F – E3 – RON)
Aula de natação. Ah, se... eu posso falar um pouquinho de política? O prefeito de
Cuiabá (...) eu queria pedir, fazer uma proposta aqui que alguém, pros professores,
podiam falar com o prefeito pra ele por uma piscina nessa escola, e tem como fazer,
tem espaço. Se tiver piscina na escola dá pra fazer natação. (ICA/M – E6 – AND)
Dentre as respostas, há ainda quatro recorrentes sobre o futebol. Vejamos os
depoimentos:
Não. Ah... futebol. Queria que reformasse a quadra, por muro pra ninguém entrar.
Quebrou o muro, a comunidade. (ERI/M – E2 – CID)
Olimpíadas. Sobre... deixa eu ver... sobre futsal. Porque a nossa sala é conhecida
como a bagunceira, a sala mais bagunceira, e ele além de ser um bom professor
escolheu a gente, pra gente participar. (LIL/F – E4 – ROB)
Jogar bola. Porque ela dá menos bola. Esse ano não... esse ano já. (GEA/M – E4 –
JOS)
A jogar futebol. Só os guri que joga. Mais os guri não deixa. Eu vou pedir pra ele
me ensinar. (MAP/F – E5 – ADE)
As respostas das crianças revelam a realidade de cada escola. Na escola E2, os alunos
não são apresentados ao conteúdo futebol por não existir quadra na escola, já que foi
depredada pela comunidade; na E4, o futebol não apareceu no planejamento do professor
ROB e, a professora JOS, presenteia as turmas com o futebol duas vezes por mês, assim seu
aluno questiona que gostaria de jogar mais, ou seja, a prática descontextualizada do futebol
183
não ocorre nesta escola; e, na E5, a aluna MAP reivindica o direito de jogar futebol, prática
que é oferecida apenas aos meninos. Vejamos as demais respostas dos alunos:
A brincadeira de rouba-bandeira. É... basquete. A gente não joga basquete. Não, só
vi na televisão. A primeira vez que a gente jogou basquete não foi basquete, foi
futebol americano. O pessoal não sabia jogar basquete, aí pegava a bola e segurava...
(VIT/M – E1 – ROS)
Joga handebol. (MAT/M – E1 – ROS)
Pega- pega. Só de pega-pega. (JUL/F – E4 – ROB)
Ah, eu queria que ele ensinasse direito o vôlei pra gente. Porque quando a sala nove
vem jogar com a gente, a gente fica tudo misturado, aí vem os guri grandão e chuta a
bola com o pé, e sempre o professor não vê. (LAR/F – E5 – ADE).
Tenho! Eu tenho vontade de... falar a verdade, é sério, eu queria que ele colocasse
música pra todo mundo cantar. Cantar e dançar! Eu queria também que a gente
tivesse aula de dança. (ANA/F – E6 – AND)
Os conteúdos que os alunos gostariam de aprender correspondem ao basquetebol,
handebol, brincadeiras como rouba-bandeira e pega-pega, voleibol e dança. Sobre o
basquetebol, a professora ROS afirmou que a tabela de sua escola é inadequada aos alunos de
4º ano, sendo muito alta (tamanho oficial) para a idade das crianças, por isso não oferece para
o 2º ciclo.
Já o fato relatado pela aluna LAR, novamente indica que o voleibol ofertado pelo
professor ADE não tem objetivo algum, sendo a prática pela prática. Interessante que a aluna
contrapõe o tipo de aula ministrado pelo professor, solicitando que o mesmo ensine o voleibol
e não apenas os deixe jogar. A prática do professor ―rola bola‖ é contestada pela aluna em
outro momento da entrevista, quando afirma:
Ah, tem vez que eu falo assim ―ah professor, vamo jogá handebol, a gente tá
cansado de jogá futebol, quase toda aula a gente joga futebol‖, aí as meninas
começam a ficar cansadas, tem menina que ficava cansada de tanto que os guri só
queria jogar futebol. Quase todo mundo participa do futebol, tem umas meninas que
não gostam muito não, tem umas que tem medo de jogá, os guri mete bico assim,
dói. (LAR/F – E5 – ADE)
A frase ―a gente tá cansado de jogá futebol‖ corrobora com a seguinte afirmação de
Vago:
―Assim, penso que uma prática pedagógica de Educação Física que não contemple o
esporte é empobrecedora. Mas, em sentido inverso, considero que um projeto de
Educação Física que só contemple o esporte é igualmente empobrecedor da
formação cultural que ela pode oferecer a crianças, jovens e adultos.‖ (VAGO, 2009,
p. 38, grifo do autor)
Outros dois alunos contrapõem a prática descontextualizada da Educação Física em
seus discursos:
184
É... o professor que deu aula na outra escola, ele ensinava eles a marchar, e algumas
brincadeiras e aqui não tinha. Aqui ele só fica sentado olhando, a gente não aprende
outras coisas, aqui a gente brincar só do que a gente gosta, tipo se a gente quiser
correr no pátio ele deixa, ele não ensina outras brincadeiras. Ele deixa brincar do que
quiser. Ele só dá alguns brinquedos. (BAR/F – E6 – GIL)
Às vezes eu vou pra biblioteca, mas eu brinco de... aquelas coisas que te falei não sei
se é na primeira ou segunda pergunta.(por que você vai pra biblioteca?) hã...é legal,
eu ajudo a arrumar os livros, as coisas...porque eu quero. Não então, é que no
futebol são 11 minutos para os garotos e as garotas. O futebol que eu não gosto. É...
nesse momento já era pra eu ta lá na biblioteca. (VIT/M – E1 – ROS)
O depoimento da aluna BAR explicita exatamente como são as aulas do professor GIL
e, ainda, sua ansiedade em ter aulas diversificadas, em que o professor ensine conteúdos com
algum significado e não apenas ―deixá-los brincar‖. Mesmo na escola E1, em que a professora
ROS propõe o futebol recreativo apenas nos finais de suas aulas, é uma prática contestada
pelo aluno VIT, sendo ainda justificativa para sua evasão das aulas de Educação Física.
Neste sentido, vale à pena refletir sobre as práticas e discursos recorrentes no dia a dia
de muitos professores de Educação Física atuantes em escolas, tanto públicas como privadas,
que, de um modo geral, se baseiam em desculpas como falta de materiais, de lugares
inadequados para a prática e falta de interesse dos alunos, para justificarem a ausência ou
preferência por algum conteúdo específico da Educação Física, como relatou Carvalho (2009)
em sua pesquisa sobre o conteúdo da dança na escola.
Em sua pesquisa, a autora questiona quais os fatores determinantes para o ensino da
dança, já que haviam afirmado anteriormente não trabalhar com o conteúdo em suas aulas, e a
falta de espaço adequado, falta de preparo profissional e falta de interesse dos alunos foram
respostas recorrentes.
Assim, nesta pesquisa, as falas dos alunos contradizem qualquer justificativa de senso
comum dos professores de Educação Física escolar, demonstrando que qualquer prática
quando é demais e não é diversificada, enjoa. E, os alunos sabem dizer, melhor do que
qualquer outro ator da escola, sobre sua aula de Educação Física, verbalizando aquilo que
aprendem de acordo com a prática de cada professor.
185
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegar ao final de uma investigação com a emoção de ter pesquisado sobre a minha
área profissional ― Educação Física Escolar ― confesso que tive muita dificuldade em
enxergar os dados da pesquisa com um olhar neutro. Um olhar de pesquisadora, sem se
envolver emocionalmente e, não demonstrar indignações com a realidade observada não é
tarefa fácil de fazer.
Da mesma forma, não posso deixar de destacar que práticas pedagógicas me
surpreenderam, através de discursos coerentes, planejamentos adequados e, principalmente, a
vontade de transformar a Educação Física, de não se render ao sistema burocrático que
absorve e tanto despreza a nossa área. Professores que oferecem conteúdos diversificados e,
além de tudo, sistematizados, organizados, obedecendo a uma sequência de aprendizagem,
sabendo o que oferecer para cada ano de ensino ou ciclo.
Retomando as questões centrais postuladas para a pesquisa, o objetivo geral tratou de
identificar como os professores da rede municipal de Cuiabá organizam os conteúdos da
Educação Física Escolar para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, bem como as
orientações recebidas pelos gestores de sua escola e, ainda, quais conteúdos seus alunos
aprendem nas aulas de Educação Física.
Outro objetivo relevante foi o de tentar configurar uma organização dos conteúdos
para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, a partir das percepções dos gestores e
professores pesquisados.
Sobre as orientações dos gestores aos professores de Educação Física, percebi que os
documentos oficiais (PCNs, Escola Sarã e dossiês) constituem-se como norteadores do
trabalho docente, sendo, às vezes, interpretados de maneira incorreta pelos gestores e
professores. Neste caso, destacam-se as orientações contidas na escola Sarã sobre o conceito
de interdisciplinaridade, em que muitos gestores compreendem a Educação Física como
auxiliar às demais disciplinas, sendo a portadora e executora de uma gama de jogos
pedagógicos para o ensino da matemática, leitura e escrita, etc.
Ficou evidente também que este conceito de interdisciplinaridade é concebido pelos
professores de Educação Física, que aceitam e aplicam estas orientações. Todavia, outros
professores não aceitam que a Educação Física perca sua especificidade e lutam pela
proposição de conteúdos próprios. É interessante que os gestores têm essa concepção de
Educação Física coerente com a prática pedagógica do professor, ou seja, verbalizam aquilo
que conhecem e vivenciam em suas escolas. Assim, só há uma interpretação: de que a
186
Educação Física deve ajudar na aprendizagem dos conteúdos das demais disciplinas por parte
da gestão da escola porque o professor de Educação Física reflete essa concepção em sua
prática.
Constatei que a proposta de conteúdos sugerida a partir das construções do diretor
BER (escola E5) é o exemplo de que é possível e necessário diversificar os conteúdos
específicos da Educação Física para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Se não foi
possível observar uma sistematização desses conteúdos, pelo menos o ponta-pé inicial foi
dado.
Este saber idealizado, e que um dia foi posto em prática, demonstrou que nem tudo
está perdido, que há professores e gestores conscientes e preocupados com a Educação Física
escolar. Resta-nos olhar com mais vagar para as produções destes profissionais e seguir seus
exemplos, buscando tornar estes saberes utópicos (mas possíveis) em conhecimentos
constituídos.
Sobre a análise dos planejamentos dos professores, pude identificar conteúdos
específicos para algumas etapas de ensino independentemente dos ciclos, sendo propostos
conteúdos idênticos para 1º e 2º anos, e outros iguais para 3º, 4º, 5º e 6º anos. Outros
professores distribuem os conteúdos em três grupos: para 1º anos, outro para 2º, 3º e 4º anos e,
por fim, para 5º e 6º anos. Estas divisões são incoerentes com a organização dos ciclos de
aprendizagem do município de Cuiabá, pois como podemos agrupar e propor conteúdos
iguais para crianças que estão em ciclos diferentes, como são agrupados 2º, 3º e 4º anos? O 2º
ano é etapa do 1º ciclo e 3º e 4º anos etapas do 2º ciclo. Por mais inconfortável que seja a
repetição de conteúdos nas diferentes etapas de ensino, é preferível que os conteúdos sejam
propostos congruentes para todas as etapas do 1º ciclo e outros para todas as etapas do 2º
ciclo, como identifiquei na proposta de alguns professores.
Na configuração da proposta de sistematização dos conteúdos segundo os professores
pesquisados, percebi que os conteúdos, de modo geral, atendem as três dimensões e, quando
agrupados todos estes saberes produzidos pelos professores, é possível verificar uma
diversificação dos conteúdos atendendo a todos os blocos propostos nesta pesquisa. Porém,
como fui professora atuante nesta fase de ensino — das séries iniciais — não posso deixar de
identificar e contribuir com algumas sugestões para que sejam inseridos conteúdos que não
constam nesta configuração proposta pelos professores.
Pensando nos conteúdos contidos no bloco de ―Jogos‖, é preciso proporcionar aos
alunos experiências não apenas com a reprodução de jogos, mas também com construção e
transformação dos mesmos, por exemplo, através da modificação de regras. Faz-se necessário
187
ter compreensão sobre a especificidade da nossa área para que os jogos e também as
brincadeiras populares não sejam utilizadas apenas como estratégias de ensino de outros
conteúdos da Educação Física e, até mesmo, de outras disciplinas.
Com base na pesquisa a ginástica como conteúdo da Educação Física pode estar nas
aulas por duas maneiras: através de uma perspectiva histórica, na qual podem ser abordados
os movimentos ginásticos europeus (escola alemã, sueca, francesa, dentre outros); outra
possibilidade é partir dos tipos de ginástica existentes hoje, como a ginástica de academia
(step, hidroginástica, sistema body systems...), competitiva (artística, rítmica, acrobáticas...),
demonstrativa (ginástica geral), alternativas (RPG, bioenergéticas, etc.), natural e laboral. A
partir destes dois caminhos, é possível discutir sobre temas como a mídia, consumo, saúde e
outros, além das atitudes como preconceitos, questões de gênero, respeito aos limites do
corpo, etc.
Penso também que para a proposição dos conteúdos da dança pode-se seguir a lógica
de começar pelas danças tradicionais da cultura local, ou seja, de sua cidade, estado e região
do país, para assim conhecer as danças das demais regiões, do Brasil e do mundo. Do mesmo
modo, conhecer as danças tradicionais cuiabanas no 1º e 2º ciclo como sugerem os
professores pesquisados, incluindo outros conhecimentos da cultura regional brasileira, é um
indício de uma sistematização destes conteúdos nas aulas de Educação Física escolar.
A capoeira e as lutas são conteúdos que precisam ser considerados nas aulas de
Educação Física, já que poucos professores (ou nenhum professor, como aconteceu com as
lutas) se propuseram oferecê-los a seus alunos, assim como os esportes individuais.
Estas são apenas algumas considerações para inclusão de conteúdos que precisam ser
inseridos nas aulas de Educação Física, necessitando de maiores discussões para a sua
inclusão no currículo da disciplina.
Sobre a sistematização de conteúdos, os dados demonstraram ainda que os professores
de Educação Física planejam conteúdos diferentes para 1º e 2º ciclo, enfatizando os conteúdos
das abordagens psicomotora, desenvolvimentista e construtivista para o 1º ciclo. O esporte é
outro conteúdo que se diferencia, visto que os professores optam por apresentá-lo aos alunos,
a partir do 2º ciclo.
Percebe-se que os professores de Educação Física sabem da necessidade de oferecer
conteúdos organizados e sistematizados para cada nível de ensino, porém práticas repetitivas,
pouca diversificação dos conteúdos e práticas pedagógicas descontextualizadas também se
fazem presentes nos trabalhos dos professores pesquisados.
188
Alguns problemas também são observáveis como a ideia de ―Educação Física como
auxiliar das demais disciplinas‖, no qual os professores se baseiam em conteúdos oferecidos
pelo professor pedagogo para selecionar e oferecer atividades nas aulas de Educação Física, o
que remete à perda de especificidade da área.
Pode-se perceber também que, individualmente, cada professor precisa complementar
seu trabalho, oferecendo outros conteúdos não trabalhados ou outras dimensões dos conteúdos
que já oferece aos seus alunos. De modo geral, ao atrelar todos os conteúdos trabalhados
pelos professores pesquisados, temos como resultado um trabalho sistematizado para os anos
iniciais do ensino fundamental, com conteúdos específicos para cada ciclo e diversificados.
É preciso também destacar o trabalho de alguns professores de Educação Física
pesquisados, que desenvolvem um trabalho organizado, planejado e com conteúdos
diversificados e encadeados com temáticas de urgência social, como é o caso dos professores
ROS (E1), ROB (E4), JOS (E4) e AND (E6).
Ao se dar voz aos alunos dos professores pesquisados, conclui-se que eles refletem em
seus depoimentos exatamente aquilo que seus professores preconizam durante as aulas. Os
alunos aprendem aquilo que lhes é proposto e têm consciência quando também não aprendem
nada. Os discursos denunciam que as crianças querem aprender conteúdos novos e diferentes,
diversificados e que a rotina e a prática repetitiva de seus professores são atitudes reprováveis
pelos mesmos.
Então, os discursos de senso comum por parte dos professores que justificam sua
prática descontextualizada, como aqueles referentes à falta de materiais, falta de espaços
adequados ou falta de interesse dos alunos, não encontram respaldo nos gestores e alunos de
suas escolas. Os dados demonstraram que esta realidade construída pelo professor de
Educação Física é culpa de sua própria atuação profissional, seja por comodismo ou formação
inicial insuficiente. A falta de interesse é do professor e não dos alunos ou da escola, pois a
prática dos próprios colegas da área demonstra diversas possibilidades de atuação e ensino
dos conteúdos específicos.
A sistematização de conteúdos apresentada nesta pesquisa expõe trabalhos
organizados e diversificados já consolidados na escola, mas também descortina realidades que
precisam ser modificadas. E, quando se une todas essas práticas num só trabalho, verifica-se a
complementaridade que os conteúdos propostos por determinado professor pode contribuir
para a prática dos demais, completando-os, melhorando-os, trazendo uma identidade para a
Educação Física na escola.
189
A pesquisa deixa o campo na ―esperança‖ de que cada professor, assim que tomar
contato com seus resultados, possa lê-la e identificar (e se identificar) as necessidades de
inserir determinados conteúdos em suas aulas que nunca antes imaginados, sabendo que um
colega já trabalha com este conteúdo e, o mais importante, que dá certo! E, quem sabe, com a
perspectiva de ter contribuído, o mínimo que seja, para a transformação e legitimação da
Educação Física escolar.
Assim, a contribuição desta pesquisa é a configuração da sistematização de conteúdos
explicitada pelos professores pesquisados, sendo identificadas as contribuições dos gestores e
dos alunos como expectadores da prática do professor, mostrando caminhos e olhares
diferentes e complementares que só tendem a ajudar a efetivação e melhoria das aulas de
Educação Física.
190
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APÊNDICE A
Entrevista semiestruturada com os gestores das escolas
1- Nome e função na escola
2- Quais as orientações da gestão para os conteúdos da Educação Física em sua escola?
3- E para a organização destes conteúdos?
Entrevista semiestruturada com os professores de Educação Física
1- Nome, idade e formação profissional.
2- Em qual nível de ensino você atua nesta escola?
3- Quais os espaços que você dispõe para a realização da Educação Física em sua escola?
4- Qual sua concepção de conteúdo em Educação Física?
5- Quais conteúdos fazem parte das suas aulas de Educação Física?
6- Como você distribui estes conteúdos ao longo das séries e do ano letivo?
Entrevista semiestruturada com os alunos
1- Nome, idade, série e escola em que estuda.
2- Você gosta das aulas de Educação Física? Por quê?
3- O que você aprende nas aulas de Educação Física?
4- O que você aprendeu na aula de hoje?
5- O que você mais faz nas aulas de Educação Física?
6- Tem alguma coisa que você gostaria de aprender nas aulas de Educação Física e que
ainda não teve oportunidade? Por quê?
7- Como é a sua relação com o professor?
8- Você participa, dando sugestões ao professor, sobre o que deve ser desenvolvido?
9- Você brinca na aula de Educação Física? De quê?
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