UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LARISSA BERALDO KAWASHIMA CONTEÚDOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE CUIABÁ: UM ESTUDO SOBRE SUA SISTEMATIZAÇÃO CUIABÁ-MT 2010 LARISSA BERALDO KAWASHIMA CONTEÚDOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE CUIABÁ: UM ESTUDO SOBRE SUA SISTEMATIZAÇÃO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação no Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação na Área de Concentração Educação, Linha de Pesquisa Culturas Escolares e Linguagens. Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes Cuiabá-MT 2010 K22c Kawashima, Larissa Beraldo. Conteúdos de Educação Física para o Ensino Fundamental da rede Municipal de Cuiabá: um estudo sobre sua sistematização. / Larissa Beraldo Kawashima – Cuiabá (MT): A Autora, 2010. 196 p.: il.; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes. Inclui bibliografia. 1. Escola. 2. Educação Física. 3. Conteúdos. 4. Sistematização. I. Título. CDU: 37:796 Às escolas que abriram suas portas para que eu pudesse desvelar a realidade de suas aulas de Educação Física, e em especial, aos gestores, professores e alunos que contribuíram para que esta pesquisa se tornasse possível. AGRADECIMENTOS À CAPES, por ter permitido fazer um curso e caminhar mais longe. Ao professor Cléo, orientador, mestre e amigo, que me conduziu nos caminhos investigativos e imprimiu significativas aprendizagens na minha formação profissional. Aos meus colegas de orientação Dudu e Flávia, e em especial, à grande amiga Luciane, pelo papel relevante na construção desta pesquisa, e com ela experimentei os mesmos caminhos, desafios e conquistas. Aos colegas e professores do mestrado, pelos conhecimentos partilhados. Às professoras-amigas Bela (Beleni), Lílian (Bauru) e Tati (Irene Rangel) por acreditarem no meu trabalho e incentivarem para que eu nunca desistisse, assim como nos inspira Paulo Freire, de ter esperança numa Educação Física escolar de qualidade. Ao professor Evando pelas importantes contribuições à pesquisa e à minha formação profissional. A professora Lucinéia Macedo Santos pela revisão do abstract e a ―tia‖ Neiva pela revisão geral da dissertação. Ao Ricardo, pela paciência, dedicação e incentivo para que eu nunca desistisse de lutar pelos meus sonhos. A minha família, em especial, aos meus pais que tanto se esforçaram para que eu fosse ―alguém na vida‖ RESUMO O objetivo geral desta pesquisa foi o de identificar como os professores da rede municipal de Cuiabá organizam os conteúdos da Educação Física escolar para os dois primeiros ciclos do ensino fundamental, bem como as orientações recebidas pelos gestores (coordenadores e diretores) de sua escola e, ainda, o que (quais conteúdos) seus alunos aprendem nas aulas de Educação Física. Os objetivos específicos foram delimitados como identificar se existe uma proposta de sistematização de conteúdos da Educação Física organizada pela Secretaria Municipal de Educação, pela escola, ou orientada pelos gestores das escolas. Identificar quais conteúdos os alunos aprendem nas aulas de Educação Física; e configurar uma organização dos conteúdos para os dois primeiros ciclos do ensino fundamental a partir das percepções dos gestores e professores pesquisados. Foram pesquisadas seis escolas públicas municipais de Cuiabá-MT, localizada em bairros distintos da cidade e com peculiaridades inerentes a cada uma. As escolas foram nomeadas de E1 a E6, conforme a ordem de seleção (visita as escolas) realizada por mim. Os sujeitos desta pesquisa são formados por 12 gestores, sendo um coordenador e um diretor de cada escola. Os professores de Educação Física são formados por 11 sujeitos e os alunos se constituem em 24 sujeitos. A pesquisa é de natureza qualitativainterpretativa, na qual os dados coletados chegaram através de entrevistas semi-estruturadas com todos os sujeitos, observações de aula e anotações em diário de campo das aulas dos professores de Educação Física e estudos nos documentos elaborados pelos professores, no caso, os planejamentos anuais e semanais. As informações sobre a metodologia estão explicitadas no capítulo 2. São apresentados três capítulos de análise, sendo que no primeiro (capítulo 3) foram analisadas as falas dos gestores; o capítulo 4 refere-se aos professores de Educação Física, no qual está dividido a análise em três categorias perpassando a lógica de construção e execução de uma proposta de sistematização de conteúdos (planejar, falar sobre e executar); o capítulo 5 se destina a ouvir o quê os alunos destes professores pesquisados têm a dizer sobre os conteúdos aprendidos nas aulas. Os gestores trazem contribuições importantes para a compreensão da sistematização de conteúdos elaborada pelos professores de Educação Física, pois as orientações repassadas ao professores são, na maioria das escolas pesquisadas, recebidas e aplicadas por eles em suas aulas. As orientações baseadas em interpretações do Projeto da Escola Sarã nem sempre são transmitidas em sua essência, levando os gestores a se apropriarem de conceitos mal compreendidos, deixando a Educação Física a mercê das demais disciplinas. Os gestores acabam verbalizando aquilo que vivenciam e observam no dia a dia de sua escola, e contestam práticas retrógadas dos professores de Educação Física, principalmente aquelas a que se referem ao professor ―rola bola‖. Porém, não apenas criticam estas práticas, mas apontam sugestões para a melhoria da qualidade do ensino da Educação Física na escola. No capítulo dos professores, o leitor poderá identificar um entrelaçamento entre as ações de planejar – falar sobre – fazer, no qual é observável que a maioria dos professores tem estas três ações coerentes, sendo que os conteúdos propostos pelos mesmos são sistematizados para os ciclos pesquisados. A análise das falas dos alunos mostra que os mesmos refletem em suas falas os conteúdos explicitados pelos seus professores, percebendo e questionando quando os mesmos se apropriam de práticas recreacionista e não ensinam nada durante as aulas. Assim, espero que esta pesquisa possa contribuir para o salto qualitativo da Educação Física escolar e para a legitimação da disciplina na escola através da identificação dos entraves constituintes da proposição de conteúdos específicos e sua organização. A sistematização de conteúdos, configurada nesta pesquisa, é um dos possíveis caminhos para o ensino da Educação Física no 1º e 2º ciclos, já que transcreve o resultado de práticas consolidadas e bem sucedidas no âmbito escolar. Palavras-chaves: Escola, Educação Física, conteúdos, sistematização. ABSTRACT The main purpose of this research was to identify how teachers in Cuiabá organize the Physical Education contents at school for the two first cycles of basic education, as well as the ways received for the school administrators (coordinators and principals) and, still, what (which contents) the students learn in the lessons of Physical Education. The specific objectives had been delimited as to identify if there is a proposal of systematization of the Physical Education contents organized by the city department of education, by the school, or guided for the managers of the schools. To identify which teaching contents the students learn in the lessons of Physical Education; and to configure, from the perceptions of the managers and searched teachers, an organization of those contents for the two first cycles of basic education. Six municipal public schools of Cuiabá, Mato Grosso State located in distinct areas of the city and with inherent peculiarities to each one had been searched. The schools had been nominated from E1 to E6, as the order of election (visitation of the schools) carried out by me. The citizens of this research are composed by 12 managers, with a coordinator and a principal of each school. There are also 11 (eleven) Physical Education teachers and 24 (twenty-four) students. The research has a qualitative-interpretative nature, with data collected through interviews half-structuralized with all the citizens, daily lesson annotations and observations, and studies in documents elaborated by the teachers, in this case, the annual and weekly lessons planning. The information on the methodology are exposed in chapter 2. Three chapters of analysis are presented. In the first one (chapter 3) it was analyzed the interviews with the managers; the chapter 4 refers to the Physical Education teachers, with analysis in three categories, passing the logic of construction and execution of a proposal of systematization of teaching contents (to plan, to speak on and executing); chapter 5 destines to hear what the students of these searched teachers have to say on the contents learned in the lessons. The managers bring important contributions to understanding the systematization of content produced by Physical Education teachers, for the guidance given to teachers are in most of the schools surveyed received and applied by them in their classes. The guidelines based on interpretations of the Sarã School Project are not always provided in its essence, leading managers to take ownership misunderstood concepts, leaving Physical Education at the mercy of other disciplines. The managers just verbalizing what they experience and observe on the day of his school, and challenge practices of retrograde physical education teachers, especially those that refer to the professor "ball rolling". However, not only critical of these practices, but pointed suggestions for improving the quality of physical education at school. In the chapter about teachers, the reader can identify an interrelationship between the actions of plan - talk about - so, on what is observable that most teachers have these three things consistent, and the contents offered by them is systematic for the cycles studied . The analysis of discourse of the students shows that they reflect in their speech content explained by their teachers, noticing and questioning when they take ownership of recreationists and practices do not teach anything in class. Thus, I hope that this research can contribute for the qualitative increase of the Physical Education at school, and for the legitimation of this discipline in the school through the identification of the impediments of the proposal of specific contents and its organization. The teaching contents systematization, configured in this research, is one of the possible ways for the Physical Education teaching in 1º and 2º cycles, since it transcribes the result of consolidated and successfuly practices in the school scope. Key-words: School, Physical Education, Contents, Systematization. SUMÁRIO Página INTRODUÇÃO 13 Capítulo 1 1- SOBRE CONTEÚDOS E SISTEMATIZAÇÃO: O QUE SE DEVE 18 ENSINAR NA ESCOLA? 1.1 As escolas 19 1.2 A Educação Física 21 1.3 Definição de conteúdos e suas dimensões 25 1.3.1 Dimensão procedimental 28 1.3.2 Dimensão conceitual 29 1.3.3 Dimensão atitudinal 30 1.4 Os conteúdos da Educação Física 31 1.5 A sistematização de conteúdos 36 1.5.1 A sistematização de conteúdos nas abordagens da Educação Física 37 1.5.2 Outras propostas 48 1.6 Escola Sarã: o que diz o município de Cuiabá? 52 2.1 2.2 2.2.1 2.3 2.4 2.4.1 2.4.2 2.4.3 2.5 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 Capítulo 2 METODOLOGIA A natureza da pesquisa O campo de estudo As escolas Os sujeitos Procedimentos metodológicos: coleta de dados As entrevistas As observações Os documentos A análise de dados Capítulo 3 PERCEPÇÕES DOS GESTORES: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Orientações dos gestores aos professores de suas escolas Conteúdos específicos orientados pelos gestores A interdisciplinaridade e o trabalho com projetos na visão dos gestores Os conteúdos propostos pelos professores de Educação Física segundo depoimentos dos gestores Os conteúdos que os gestores acreditam que deveriam ser ensinados nas aulas de Educação Física Capítulo 4 PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS 4.1 Os documentos: análise e discussão dos dados presentes nos planejamentos entregues pelos professores de Educação Física 4.1.1 Como os professores organizam os conteúdos nos planejamentos 4.1.2 Os conteúdos que os professores idealizam 56 56 56 58 65 67 67 68 70 71 73 73 75 88 93 97 103 103 107 110 4.1.2.1 ―Conhecimento de si‖ – o corpo e suas possibilidades de movimento 4.1.2.2 Como os professores utilizam o ―Momento recreativo‖: conteúdo, metodologia ou prática descontextualizada? 4.1.2.3 Como os professores organizam as brincadeiras populares 4.1.2.4 Como os professores organizam os conteúdos referentes ao ritmo e expressão corporal 4.1.2.5 O que os professores propõem para a capoeira 4.1.2.6 O que os professores propõem sobre as lutas 4.1.2.7 Como os professores organizam a ginástica 4.1.2.8 O que os professores propõem quanto aos esportes coletivos e o atletismo 4.1.2.9 Conteúdos atitudinais transversais: o que propõem os professores 4.1.2.10 Os conteúdos propostos pelos professores que colocam a especificidade da Educação Física em jogo 4.2 O que dizem os professores de Educação Física: análise e discussão dos dados coletados nas entrevistas 4.2.1 O que é ―conteúdo‖ para os professores de Educação Física 4.2.2 Os conteúdos da Educação Física 4.2.3 A sistematização de conteúdos na voz dos professores 4.2.3.1 Os conteúdos para o 1º ciclo 4.2.3.2 Os conteúdos para o 2º ciclo 4.3 A prática docente: o fazer pedagógico do professor de Educação Física 4.3.1 As aulas de Educação Física na escola E1 4.3.2 As aulas de Educação Física na escola E2 4.3.3 As aulas de Educação Física na escola E3 4.3.4 As aulas de Educação Física na escola E4 4.3.5 As aulas de Educação Física na escola E5 4.3.6 As aulas de Educação Física na escola E6 Capítulo 5 A VISÃO DOS ALUNOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS 5.1 Os conteúdos da Educação Física aprendidos pelos alunos 5.2 Os conteúdos não aprendidos e as mudanças sugeridas pelos alunos 111 116 125 126 130 131 132 136 138 139 144 145 147 150 154 156 159 159 161 163 165 168 170 176 177 182 CONSIDERAÇÕES FINAIS 186 REFERÊNCIAS 191 APÊNDICE 196 LISTA DE QUADROS Página Quadro 1 Organização dos núcleos temáticos e seus respectivos conteúdos 32 Quadro 2 Sugestões de conteúdo programático para programa de educação física 45 escolar direcionados à promoção da saúde Quadro 3 Distribuição dos temas pelas diversas séries 49 Quadro 4 Subtemas 49 Quadro 5 Proposta de distribuição de conteúdos ao longo das séries escolares em 51 percentuais Quadro 6 Enturmação dos alunos na Escola Sarã 53 Quadro 7 Conteúdos para 1º e 2º ciclos de formação da rede municipal de Cuiabá 54 Quadro 8 Conteúdos ―Jogos e Brincadeiras‖ 83 Quadro 9 Conteúdos ―Dança, Lutas e Capoeira‖ 85 Quadro 10 Conteúdo ―Ginástica‖ 86 Quadro 11 Conteúdo ―Esporte‖ 87 Quadro 12 Diferenças e semelhanças na sala de aula 116 Quadro 13 Conteúdos de jogos de salão e de raciocínio lógico 121 Quadro 14 Conteúdos dos jogos de salão e intelectivos para o 2º ciclo 122 Quadro 15 Ginástica artística: sequência ginástica 135 Quadro 16 Conteúdos atitudinais transversais 138 Quadro 17 O jogo das letras 139 Quadro 18 Resumo dos conteúdos apresentados nos planejamentos 142 Quadro 19 Sequência ginástica 173 Quadro 20 Resumo das análises dos dados dos professores de Educação Física 175 LISTA DE TABELAS Página Tabela 1 Delineamento das escolas e sujeitos pesquisados 65 LISTA DE FIGURAS Página Figura 1 Blocos de conteúdos da Educação Física 35 Figura 2 Quadra da escola E1 durante uma aula de Educação Física 59 Figura 3 Pátio externo utilizado nas aulas de Educação Física 60 Figura 42- A quadra da escola 61 Figura 5 Pátio coberto utilizado para as aulas de Educação Física 62 Figura 6 Quadra da escola utilizada para as aulas de Educação Física 63 Figura 7 Espaço utilizado para jogos de voleibol com portão de acesso a quadra 63 pequena ao fundo Figura 8 Quadra coberta da escola utilizada para as aulas de Educação Física 64 Figura 9 Conteúdos Jogos e Brincadeiras 82 Figura 10 Via de acesso pelos resultados 109 Figura 11 Hierarquia para o desenvolvimento dos conteúdos procedimentais da 134 ginástica escolar Figura 12 Alerta queimada 160 Figura 13 Escravos de Jó 161 Figura 14 Brincadeiras livres 162 Figura 15 Aula de Educação Física na sala de aula 163 Figura 16 Aula de ―condução de bola‖ 164 Figura 17 ―Campo minado‖ na sala de aula 165 Figura 18 Jogo de voleibol com balões 166 Figura 19 Dança sênior 167 Figura 20 Jogo de handebol gigante 169 Figura 21 Aula da professora SOL para a Educação Infantil 170 Figura 22 Separação por sexo nas aulas de Educação Física 172 Figura 23 Aula de ginástica olímpica 174 Figura 24 Festival de Ginástica 175 INTRODUÇÃO Esta pesquisa é fruto de inquietações pessoais e profissionais que me perseguem desde o ano de 2003, quando ainda recém-formada em licenciatura plena em Educação Física e estudante do curso de especialização em Pedagogia do Esporte Escolar. Neste curso, conheci o esporte escolar de uma forma adequada, ou seja, organizada e distribuída ao longo das séries da educação básica. Sabe-se, porém, que a Educação Física escolar atual tem no esporte seu conteúdo exclusivo, delimitando em bimestres as modalidades esportivas coletivas (voleibol, basquetebol, handebol e futsal) e reproduzindo o esporte do clube ou da mídia na escola, ou seja, esporte na escola. A realidade escolar, tratando-se especialmente das escolas públicas, tem características peculiares e inerentes a cada contexto social, com salas de aulas lotadas e grupos heterogêneos, não só no sexo e idade, mas nas características físicas e sociais. Então, deve existir uma Educação Física preocupada com a formação integral do aluno e não apenas em instituir o esporte na escola! Mas é somente o conteúdo ―esporte‖ que deve ser trabalhado nas aulas de Educação Física Escolar? O problema (ou talvez a solução de todos eles) é que a Educação Física é muito ampla e diversificada e, diferente dos demais componentes curriculares, não possui uma sequência pedagógica sistematizada para cada nível escolar. O que se observa é uma Educação Física escolar desenvolvida de forma desorganizada e fragmentada, sem a continuidade e a evolução necessária ao aprendizado, pautada na repetição dos conteúdos nos diferentes níveis do ensino, por exemplo, o voleibol trabalhado na 3ª série é o mesmo da 6ª série, que por sua vez é o mesmo do 2º ano do ensino médio (PAES, 2002). Neste sentido, como deveriam ser desenvolvidos os conteúdos da Educação Física escolar? Quais conteúdos deveriam ser ministrados aos alunos dos ciclos iniciais do Ensino Fundamental (antigas 1ª a 4ª séries)? Por que trabalhar tais conteúdos e não outros? Como desenvolvê-los nas três dimensões do conteúdo (conceitual, procedimental e atitudinal)? Esses foram alguns dos questionamentos que permearam meus três anos como docente de uma escola municipal na cidade de Morro Agudo – SP. Percebi que os ―colegas‖ professores não sabiam organizar os conteúdos para as diferentes séries do Ensino Fundamental, e pior, não acreditavam nessa necessidade e muito menos nessa possibilidade. Mas, eu não podia aceitar estes argumentos, já que havia aprendido que o Esporte escolar poderia ser sistematizado, e por que não todos os outros conteúdos da Educação Física? Elaborei minha própria sistematização para as 4ª séries 13 iniciais do Ensino Fundamental, que através de um processo reflexivo, era repensada a cada ano de prática docente. Um ponto que me instigou a realizar esta pesquisa foi no sentido de que se eu organizei os conteúdos para as séries iniciais, supõe-se que todos professores de Educação Física deveriam construir sua própria organização também. Mas será que os professores organizam seus conteúdos para as diferentes fases de ensino? O aspecto relevante para a construção de uma proposta pedagógica que norteie a Educação Física escolar é a sistematização dos conteúdos, considerando os diferentes níveis de ensino e a diversificação destes conteúdos. Deve-se obedecer a uma sequência de aprendizagem, respeitando as características dos alunos em cada faixa etária e trabalhando os conteúdos de forma organizada e sistematizada (PAES, 2002). A diversificação de movimentos, das práticas corporais e suas manifestações ampliam o universo de possibilidades dos alunos, já que a Educação Física escolar dispõe de uma diversidade de formas de abordagem para a aprendizagem, entre elas as situações de jogo coletivo, os exercícios de preparação corporal, de aperfeiçoamento, de improvisação, a imitação de modelos, a apreciação e discussão, os circuitos, as atividades recreativas, enfim, todas devem ser utilizadas como recurso para a aprendizagem (BRASIL, 1997). Segundo Ferreira (2000), sistematização é o ―ato ou efeito de sistematizar‖, ou seja, ―reduzir (vários elementos) a um sistema‖. Ainda refere-se a sistema como ―disposição de partes ou de elementos de um todo, coordenados entre si, e que formam uma estrutura organizada‖. Assim, sistematizar os conteúdos da Educação Física escolar nada mais é do que organizá-los de modo coerente em cada nível de ensino. A cultura escolar indica uma determinada ordem para todas as disciplinas quanto à sistematização dos conteúdos a serem abordados na escola. A Educação Física não tem seus conteúdos sistematizados, ou seja, não existem critérios que auxiliem professores na organização curricular. Já as demais disciplinas adotam livros didáticos que norteiam o trabalho do professor. Os professores, principalmente os iniciantes, têm dificuldade de determinar qual conteúdo será aplicado primeiro e em que série (DARIDO; RANGEL, 2005). Alguns autores escreveram propostas teóricas de organização dos conteúdos da Educação Física para a Educação Básica, mas acabaram por privilegiar apenas uma dimensão dos conteúdos, ou ainda, abordaram apenas um conteúdo específico, sendo ainda propostas divergentes entre si. Cito as propostas de Soares e colaboradores (2003), o modelo desenvolvimentista de Tani e colaboradores (1988), entre outras. 14 Utilizo como autores de referência César Coll e colaboradores (2000), que abordam as dimensões do conteúdo (procedimental, atitudinal e conceitual), tão relevante na Educação Física para desmistificar a ideia de disciplina essencialmente prática. Trabalho ainda com o conceito de conteúdos de Libâneo (1994) e Zabala (1998) e, principalmente, com autores da Educação Física que discutem a sistematização de conteúdos, como Darido e Rangel (2005), Palma e colaboradores (2008), Freire e Scaglia (2003), Oliveira (2004), entre outros autores. Neste sentido, o objetivo geral desta pesquisa é identificar como os professores da rede municipal de Cuiabá organizam os conteúdos escolares da Educação Física para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, quais são as orientações recebidas pelos gestores (coordenadores e diretores) e, ainda, quais conteúdos seus alunos apreendem nas aulas de Educação Física. Assim, como objetivo específico foi delimitado a configuração de uma organização dos conteúdos para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, a partir das percepções dos gestores e professores pesquisados. A metodologia de pesquisa é descrita no Capítulo 2. Foram objetos de estudo seis escolas públicas municipais de Cuiabá-MT, localizadas em bairros distintos da cidade e com peculiaridades inerentes a cada uma. As escolas foram nomeadas de E1 a E6, conforme a ordem de seleção (visita às escolas) realizada pela pesquisadora. Os sujeitos desta pesquisa foram formados por 12 gestores, sendo um coordenador e um diretor de cada escola. Os professores de Educação Física, em número de 11 e os alunos, 24 sujeitos. A pesquisa é de natureza qualitativo-descritiva, em que os dados coletados se deram através de entrevistas semiestruturadas com todos os sujeitos, observações de aula e anotações em diário de campo das aulas dos professores de Educação Física, além do recolhimento de documentos elaborados pelos professores, no caso, os planejamentos anuais e semanais. A análise dos dados é interpretativa, construída em três categorias descritivas de análise: os gestores, os professores de Educação Física e os alunos. O primeiro capítulo de análise (Capítulo 3) foi elaborado a partir das análises das respostas dos gestores. Foram detectadas recorrências nas respostas dos mesmos, originando assim cinco subitens de análise: as orientações gerais passadas aos professores de Educação Física; as orientações sobre os conteúdos específicos; a visão dos gestores sobre a interdisciplinaridade e trabalho com projetos; os conteúdos trabalhados pelos professores de Educação Física segundo depoimentos dos gestores e os conteúdos que os gestores acreditam que deveriam ser ensinados nas aulas de Educação Física e não o são. 15 Os gestores trazem contribuições importantes à compreensão da sistematização de conteúdos, elaborada pelos professores de Educação Física, pois as orientações repassadas ao professores são, na maioria das escolas pesquisadas, recebidas e aplicadas por eles em suas aulas. As orientações baseadas em interpretações do Projeto da Escola Sarã nem sempre são transmitidas em sua essência, levando os gestores a se apropriarem de conceitos mal compreendidos, deixando a Educação Física a mercê das demais disciplinas. Os gestores acabam verbalizando aquilo que vivenciam e observam no dia a dia de sua escola e contestam práticas retrógadas dos professores de Educação Física, principalmente aquelas que se referem ao professor ―rola bola‖. Porém, não apenas criticam estas práticas, mas apontam sugestões para a melhoria da qualidade do ensino da Educação Física na escola. No Capítulo 4 desta dissertação, a partir dos discursos dos professores de Educação Física, a análise foi dividida em três momentos, perpassando a lógica de uma construção e execução de uma proposta de sistematização de conteúdos. A ação de planejar foi determinada como o primeiro procedimento do professor de Educação Física, ou seja, a primeira análise corresponde a dos planejamentos entregues por estes professores. O segundo passo foi o ―falar sobre‖, especificamente, a análise das entrevistas. E por fim, a análise das aulas observadas desses professores, entendendo esta, como a última ação, ou seja, colocar em prática o que já foi elaborado. O leitor poderá identificar um entrelaçamento entre as ações de planejar – falar sobre – fazer, no qual é observável uma coerência entre essas três ações, sendo que os conteúdos propostos pelos professores são sistematizados para os ciclos pesquisados. Estes professores correspondem aos que disponibilizaram seus planejamentos para a pesquisa, subentendendose que os demais não elaboraram/planejaram suas aulas, apresentando maior distorção entre o ―dizer e fazer‖. Neste capítulo também apresento a construção de uma proposta de sistematização, a partir dos dados apresentados das pesquisas realizadas pelos professores de Educação Física , mais concreta para 1º e 2º ciclos, sendo pouco delimitada a divisão por etapas, ou seja, os professores oferecem conteúdos similares para as etapas constituintes de um ciclo de aprendizagem. O Capítulo 5 é destinado a ouvir o que os alunos destes professores pesquisados têm a dizer sobre os conteúdos apreendidos durante as aulas, pois, assim, a sistematização de conteúdos poderá ser compreendida num âmbito maior, enxergando não apenas o que os professores de Educação Física, construtores deste processo, têm a dizer sobre os conteúdos 16 ensinados, mas verificar a influência direta que os gestores têm neste processo, bem como a visão dos alunos. O interessante é que os alunos refletem em suas falas os conteúdos explicitados pelos seus professores, percebendo e questionando quando os mesmos se apropriam de práticas recreacionista e não ensinam nada durante as aulas. Assim, espero que esta pesquisa possa contribuir para o salto qualitativo da Educação Física escolar e para a legitimação da disciplina na escola através da identificação dos entraves constituintes da proposição de conteúdos específicos e sua organização. Creio que a sistematização de conteúdos configurada nesta pesquisa é um dos possíveis caminhos para o ensino da Educação Física dos 1º e 2º ciclos, já que transcreve o resultado de práticas consolidadas e bem sucedidas no âmbito escolar. 17 Capítulo 1 SOBRE CONTEÚDOS E SISTEMATIZAÇÃO: O QUE SE DEVE ENSINAR NA ESCOLA? A discussão primordial deste texto é a sistematização de conteúdos da Educação Física, especificamente para as etapas iniciais do ensino fundamental. Para se compreender a sistematização é necessário definir quais são os conteúdos da Educação Física e, por conseguinte, a definição do que sejam conteúdos. É pertinente iniciar pela contextualização das aulas de Educação Física discorrendo sobre seu papel na escola, seus conteúdos de ensino, até a sistematização dos mesmos. Este caminho é um pouco extenso e repleto de pensamentos divergentes entre si, complementares talvez, mas necessários para determinarmos a posição teórica assumida nesta pesquisa. Apoiada por autores da pós-modernidade considero que vivemos numa ―sociedade líquido-moderna‖, como nomeia Zygmunt Bauman (2007), ou ―sociedade da decepção‖, segundo Gilles Lipovetsky (2007). A sociedade líquido-moderna, em que habitam os chamados consumidores (nós), é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para sua consolidação, em hábitos e rotinas, as formas de agir. A vida na sociedade líquido-moderna não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo. As realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes. Prever tendências futuras a partir de eventos passados torna-se cada dia mais arriscado e frequentemente enganoso. É uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante (BAUMAN, 2007). Nessa sociedade está cada dia mais difícil construir e manter relações sólidas. Segundo Bauman (2003), antes o trabalho era uma vocação ou missão de vida, mas se tornou frágil e quebradiço. Não há empregos permanentes e nem indispensáveis. Nada permanece o mesmo durante muito tempo. Nada dura o suficiente para ser absorvido. O vendedor local foi substituído por vozes eletrônicas e ícones sem nome e sem rosto na internet. É nesta sociedade em que vivemos. É onde vivem nossas crianças. É onde estão inseridas nossas escolas, tanto públicas quanto particulares. É a realidade que permeia as aulas de Educação Física escolar também. 18 1.1 As escolas A sociedade (imaginária) era pensada como uma comunidade de cuidados e compartilhamentos em que poderia recorrer em caso de problemas; mas a sociedade perdeu com a globalização sua aparência ―paternal‖, pois não cumpriu (e não cumpre) suas promessas de um lar seguro, exigindo mais flexibilidade e que as pessoas procurem por si a sobrevivência, o progresso e vida digna. Num mundo individualizado e privatizado, a segurança depende de cada indivíduo e não da sociedade (BAUMAN, 2007). Antigamente, os povoados se fechavam do mundo exterior com muralhas e fossos, ficando os inimigos do lado de fora. Hoje, há uma inversão, nas cidades convivem amigos e inimigos, e os perigos e riscos agora estão dentro da cidade. Bauman (1999; 2007) diz que a saída encontrada são as ―comunidades fechadas‖ que supõem ―invisibilidade‖ e ―intimidação‖, com uma arquitetura do medo se espalhando por espaços privados e até públicos. As escolas também são um exemplo de ―comunidade fechada‖. Cercadas por muros, vigiadas por câmeras e seguranças, regras rígidas... A liberdade é cerceada em troca da segurança. Escolas públicas preferem não ter salas de informática para seus alunos, evitando assim serem vítimas de ladrões. Em uma das escolas pesquisadas, a primeira impressão que ficou foi de um ―presídio‖, toda murada, com apenas um acesso de entrada. O prédio onde ficam as salas de aula é completamente fechado, com a porta de entrada trancada constantemente. O único tempo livre, em que as crianças saem deste local, é durante as aulas de Educação Física ou na hora do recreio. Mesmo assim, no recreio, apenas as crianças maiores podem sair deste prédio. Outra característica encontrada nas escolas atuais é a transferência de responsabilidades da educação familiar para a escola. Percebemos que as famílias não constroem mais relações sociais seguras, duradouras e confiáveis. Os vínculos familiares se afrouxaram devido ao tempo que os pais passam fora de casa e à inversão de autoridade (crianças tornaram-se especialistas em compras e tomam decisões a esse respeito). Bauman (2007) nos mostra que os processos de consumismo desestabilizaram as instituições de formação de identidade (família, escola, igreja, etc.) e produziram um vácuo que não se preocupou em preencher. Será que é dever do professor assumir a educação moral, responsabilidade das famílias? Postman (2002, p. 141) afirma que: 19 ―(...) o fato inegável é que não há nada na formação ou educação dos professores que os qualifique para fazer o que outras instituições têm obrigação de fazer. Fique claro, aliás, que neste argumento a expressão ‗professores despreparados‘ não quer dizer que os professores não sabem fazer seu trabalho. Quer dizer que não podem fazer o trabalho de todo mundo‖. Neste sentido, qual será a função da escola? Para Neira (2006), a escola tem a função de divulgar criticamente a toda a sociedade os bens culturais acumulados pelo trabalho, pela reflexão, pela ciência, tecnologia e outras fontes. E, complementa, que a escola deve fazer isso criando condições para o desenvolvimentos integral máximo dos educandos, para enfrentarem o mundo do exercício profissional, da ciência, cultura, arte, religião, economia e política como cidadãos conscientes. A escola conserva simultaneamente os bens culturais significativos até então acumulados e cria condições para que eles sejam inovados. Deve proporcionar aos alunos os meios necessários para entender o mundo em que vivem e o momento histórico em que se situam, além de elevar o nível cultural de toda a população, o que só acontecerá se todos puderem passar pelos seus portões (NEIRA, 2006). Baseando-se no relatório da Comissão Internacional para o Desenvolvimento da Educação da UNESCO, Neira (2006, p. 56) discorre sobre os papéis da Educação, sendo o primeiro ―proporcionar o encaminhamento dos indivíduos para um humanismo cientifico, pois uma nova forma de educação se apresenta sobre a formação científica e tecnológica‖. Neste sentido, propõe-se um pensamento e uma linguagem científica em que se recusa toda a ideia preconcebida, subjetiva e abstrata do homem; as regras da objetividade — saber que todo conhecimento é o ponto de partida de uma nova conquista, e decidir e agir quando for o caso, mas não formular julgamentos antes de verificar —; a relatividade dialética e a formação do espírito científico. O segundo papel da educação seria o estímulo da criatividade através do debate entre a segurança e aventura, a procura de novos valores e a ação e reflexão. O terceiro papel para a educação na sociedade seria o estabelecimento de um compromisso social, sendo composto por uma educação política, uma prática democrática e uma participação — é função do cidadão exercer seus poderes em todos os níveis da vida social e em todas as etapas da vida (NEIRA, 2006). Para Libâneo (1992), dentre os principais objetivos da escola está a formação de sujeitos capazes de produzir a democratização da sociedade, consistindo na conquista das condições materiais, sociais, políticas e culturais, possibilitando, assim, a ativa participação de todos na direção da sociedade. 20 É preciso reconhecer que a atividade educacional profissional e institucionalizada na escola pressupõe o ensino, ou seja, a transmissão de um conteúdo específico e dentro de um contexto hierarquizado pela posse de determinados conhecimentos e mesmo de um papel social muito diferenciado entre professor e alunos. Assim, o papel da escola é conservar e transmitir os conteúdos culturais de uma civilização ou nação, além de preparar a passagem do privado (família) para o público (política/cidadania), viabilizando sua inserção e ação no mundo, através da qualificação da capacidade de interlocução. (CARVALHO, 1996, apud GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2009) 1.2 A Educação Física A aula de Educação Física não está alheia aos fatos e acontecimentos que permeiam a sociedade atual, muito menos aos desafios e percalços das realidades escolares. A vantagem desta disciplina é a de tornar possível a aproximação dos corpos e, consequentemente, a construção de relações mais sólidas entre alunos e alunos e entre professor e alunos. Entretanto, a insistência em pedagogias inadequadas e conteúdos repetitivos nas aulas de Educação Física, aliadas ao descaso com o planejamento escolar, contribuem para um distanciamento e desânimo dos alunos. Há algum tempo as aulas de Educação Física deixaram de ser sinônimo de ―quadra e bola‖ para se tornarem referência como possibilidade de formação de um ser humano integral. No corpo fica gravado todo conhecimento culturalmente adquirido, e sendo ele ―movimento‖, a Educação Física, na escola, tem o papel fundamental de discernir e ressignificar as experiências da vida cotidiana. Gomes (2008) enfatiza a necessidade de uma releitura desse corpo como objeto de conhecimento que precisa relacionar-se com outras ciências ou áreas de conhecimento para se fazer aceita por uma civilização que não cessa de consumir. A Educação Física, além de proporcionar diferentes formas de agir e movimentar o corpo, é também espaço de reflexões sobre a sociedade, a estética, o corpo, a cultura, o consumo, e outras. É o agir de um corpo que não apenas se movimenta, mas pensa, sente e age. A vivência das práticas corporais pode ser ampliada pelo conhecimento sobre o que se pratica, como se dá esta prática e a reflexão sobre as atitudes possíveis nas diversas situações de ensino-aprendizagem, buscando respostas mais complexas para questões específicas. 21 O professor de Educação Física precisa atentar aos temas relevantes para os alunos e a sociedade, revendo-os cientificamente, tratando-os pedagogicamente em suas aulas. Deste modo, a aprendizagem se tornará mais significativa aos alunos. Ainda, o professor de Educação Física já não pode mais ser aquele especialista em determinado conteúdo ou esporte, ele precisa estar ―antenado‖ no mundo, diversificando e contextualizando sua prática docente e suas aulas com a vida cotidiana. Os Parâmetros Curriculares Nacionais entendem ―a Educação Física como uma área de conhecimento da cultura corporal de movimento e a Educação Física escolar como uma disciplina que introduz e integra o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir dos jogos, dos esportes, das danças, das lutas e das ginásticas em benefício do exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida.‖ (BRASIL, 1998, p. 29). Apesar de a Educação Física, por lei, constituir-se como componente curricular obrigatório, Neira (2006, p. 37) afirma que a disciplina só adquirirá o mesmo patamar dos outros componentes curriculares ―quando sua prática se apresentar contribuinte à formação do cidadão, enquanto persistirem discursos magoados e práticas desprovidas de coerência, nos distanciaremos cada vez mais‖. Sobre a função da Educação Física acrescenta que: ―(...) a Educação Física não deve abrir mão de sua função constituinte da formação ética do indivíduo. Uma vez que sua forma de agir nas aulas se dá, sobretudo, em contato com as demais, estaremos todos imersos e submetidos ao emprego de comportamentos sociais, ressaltando nessa mobilização o desenvolvimento de nossas dimensões competentes no lidar cotidiano com o ambiente. No caso específico do componente estariam envolvidos os conflitos éticos gerados pela cultura corporal de movimento: a competição e cooperação, ao conhecimento dos limites e possibilidades do próprio corpo e sua aceitação, à autodisciplina, ao aprendizado e respeito às regras, a utilização ou não de substâncias estranhas à prática esportiva, o comportamento antiesportivo, etc.‖ (NEIRA, 2006, p. 53) . O cenário atual da Educação Física escolar aponta que a disciplina ainda não consegue cumprir seu papel na formação dos alunos, como preconizou Neira anteriormente, pois ainda é comum nos depararmos com práticas descontextualizadas ou retrógradas, utilizando métodos e técnicas comuns a outros momentos históricos da Educação Física, como aulas de características esportivistas ou militaristas, nas quais o ―saber se movimentar‖ é preponderante. Porém, as discussões sobre a Educação Física escolar foram ampliadas na última década, surgindo diversas tendências que tentam legitimar a disciplina na escola, através da proposição de conteúdos significativos e metodologias de ensino que levam o aluno 22 a pensar, criticar, discutir, construir e repensar sua própria ação no contexto da cultura corporal. Darido e Rangel (2005) dialogam que cada contexto escolar possui suas particularidades, e isso, determinará a opção do professor pela metodologia apropriada. Entretanto, essa escolha metodológica deve ser constantemente refletida, pois o professor além de pensar sobre as ações e reações de seus alunos (interação professor x alunos), ele faz parte de uma realidade escolar e de uma sociedade, ou seja, de uma cultura escolar. Devemos considerar ainda que, o trabalho de um professor de Educação Física exige que ele gerencie um contexto permeado por diversas ações e decisões ao mesmo tempo, por exemplo, em apenas uma aula ele precisa administrar: o tempo de aula, o espaço, o número de alunos, as brigas, o barulho, os pequenos acidentes que podem acontecer, a falta de material, o conteúdo, o processo ensino-aprendizagem, os outros aluno que já estão esperando a próxima aula, etc. Enfim, com tantas informações, seu trabalho acaba se tornando mecânico, seja pela quantidade de aulas que precisa planejar e administrar, ou pelas condições de trabalho que enfrenta. Percebemos que ensinar não é uma tarefa tão simples quanto parece ser, é necessário que o aluno esteja aprendendo algo ou ampliando seu conhecimento, mas como fazê-lo? Para Dias da Silva (1995, apud DARIDO; RANGEL, 2005) existem três aspectos importantes envolvendo o ato de ensinar: o domínio do conteúdo e metodologia, o envolvimento e apropriação da realidade dos alunos e o caráter reflexivo do trabalho docente. Na perspectiva do ensino reflexivo, a ampliação das relações entre o conhecimento científico e prático (teoria e prática) se dá através da investigação, da experimentação, da reflexão crítica entre a prática e a reflexão sobre a prática, com o objetivo de mobilizar os diversos tipos de saberes: de uma teoria especializada, de uma prática reflexiva e uma militância pedagógica (RAMOS, 2002). Na formação continuada, quanto a reflexão propriamente dita, ela caracterizaria o professor como um investigador no ambiente de aula, que utilizaria para seu próprio aprimoramento profissional. A reflexão serviria para uma espécie de formação contínua durante a prática docente (DARIDO; RANGEL, 2005). Ao pensar no professor como um prático reflexivo, temos que levar em conta sua experiência que reside na prática diária. O professor deve considerar a importância de refletir em seu próprio dia-a-dia. A reflexão também permite aprender que ensinar é uma competência que aprendemos e melhoramos durante toda nossa carreira docente, sendo mais importante que nossa formação inicial. Isso porque no máximo um professor pode ser 23 preparado para o início da sua carreira, tentando antecipar elementos do processo de ensino e aprendizagem durante sua formação (DARIDO; RANGEL, 2005). O professor que atua na escola deve ser um professor reflexivo, ou seja, deve refletir o tempo todo sobre suas ações, construindo e comparando novas estratégias de ação, novas formas de pesquisa, novas teorias e categorias de compreensão. O professor de Educação Física reflexivo é aquele que reflete antes (conhecimento na ação), durante (reflexão na ação) e após a aula (reflexão sobre a ação). A proposta de Schön (1992, apud DARIDO; RANGEL, 2005) descreve estes três momentos: o conhecimento na ação, que acontece antes do professor iniciar sua aula; nesse momento, ele reflete sobre as possibilidades humanas e materiais que possui; a reflexão na ação: acontece no decorrer da aula, possibilitando a tomada de decisões diante dos problemas que vão surgindo; e a reflexão sobre a ação: após a aula e um certo tempo depois, o professor analisa os acontecimentos ocorridos, as decisões tomadas, o que faltou para que a aula fosse melhor, enfim, o que deu certo ou errado. Nesse modelo, o professor reflete o tempo todo sobre suas ações, construindo assim, novas estratégias, teorias e maneiras de enfrentar e definir os problemas, tornando-se um investigador e pesquisador de sua própria prática. Assim, o professor se torna investigador da própria prática profissional, se torna um pesquisador e não apenas um ―consumidor de pesquisas‖. Por isso, encontraremos professores que dirão ―esse negócio de construtivismo não dá certo não. Esses teóricos não conhecem a realidade da escola e querem impor como devemos trabalhar!‖. Na realidade, não dá certo mesmo porque a proposta foi construída com base em estudos para determinada realidade, e dificilmente o professor conseguirá reproduzi-la. Ele deve adaptá-la a sua realidade, questionando os conceitos, reproduzindo o que dá certo e construindo assim seu próprio saber. A produção de saberes, então, tem uma dimensão bilateral, ou seja, a produção do conhecimento não deve vir apenas de ―cima para baixo‖, da Universidade para a escola, mas também de ―baixo para cima‖, do professor para a Universidade. O professor reflexivo é capaz de digerir os conhecimentos produzidos na Universidade, aproveitar em sua prática docente o que considera aplicável, questionando estes novos saberes e, a partir destes, produzir novos conhecimentos. Estes novos conhecimentos devem ser devolvidos a Universidade, na forma de apresentação em eventos científicos da área, no formato de relato de experiência. Assim, Neira (2009, p. 73) afirma que 24 Ensinar Educação Física é um ato dinâmico e permanente de conhecimento centrado na descoberta, análise e transformação da realidade por aqueles que a vivenciam. Com isso, pretende-se não só, a valorização identitária, como também, a ampliação cultural e o reconhecimento das diferenças. Tamanho diálogo cultural contribuirá para a construção do autoconceito positivo e respeito com o outro, elementos indispensáveis a uma relação verdadeiramente democrática. Para finalizar, Moreira (2009) aponta possibilidades que poderão ser utilizadas para nortear as aulas de Educação Física no Ensino Fundamental, sugerindo cinco pontos que podem e devem fazer parte do contexto da Educação Física escolar. O primeiro ponto é o processo de inclusão, que se baseia na presença constante de todos os alunos em aulas de Educação Física. Segundo, problematização para gerar soluções, ou seja, o professor deve ―problematizar as atividades para que os alunos possam construir suas próprias soluções a partir de experiências motoras próprias, não existindo padrões a se alcançar, ou ainda, equiparação entre os alunos.‖ (MOREIRA, 2009, p. 103). Outro ponto é a adaptação à diversidade de alunos e atividades, lembrando que nem todos os alunos conseguem executar as atividades propostas e atingir os objetivos propostos para a aula. O professor deve adaptar as atividades em função do aluno, e não o contrário, respeitando assim a condição diferenciada de cada um. O quarto ponto levantado por Moreira (2009) é a utilização dos meios de comunicação e tecnologia como recurso educativo, destacando que é de essencial importância num mundo cada vez mais informado. O último ponto é a corresponsabilidade pela prática, em que o professor precisa estabelecer uma relação de parceria com as turmas, analisando previamente o contexto em que está inserido e diagnosticando as reais necessidades do grupo de alunos, para depois tomar a decisão mais acertada. 1.3 Definição de conteúdos e suas dimensões Historicamente, podemos distinguir duas tendências opostas em relação ao tratamento do conteúdo, seja pela definição, seja pela importância que lhe atribuem. A visão mais tradicional de ensino atribui aos conteúdos um papel central no ensino e aprendizagem dos alunos, pois supõe a transmissão cumulativa de conhecimentos. Em contraposição, uma visão mais progressista está associada a uma interpretação cognitiva e construtivista da aprendizagem. Neste sentido, esta proposta acaba por minimizar e relativizar a importância dos conteúdos, no qual o aluno é o centro da aprendizagem e o professor é o facilitador desse processo (COLL ET AL, 2000). 25 Coll e colaboradores (2000, p. 11) ―defende uma interpretação radicalmente construtivista do ensino e da aprendizagem e sustenta, ao mesmo tempo, que os conteúdos desempenham um papel decisivo na educação escolar‖. Essas proposições se baseiam na atual reforma da proposta curricular espanhola, que ao mesmo tempo em que destaca o papel da atividade construtiva do aluno, confere uma importância considerável à aprendizagem de determinados conteúdos específicos, destacando a influência educativa do professor. Mas, afinal, o que são conteúdos? De forma sucinta, Soares e colaboradores (1992, p.64) definem ―os conteúdos são conhecimentos necessários à apreensão do desenvolvimento sócio-histórico das próprias atividades corporais e à explicitação das suas significações objetivas‖. Ainda considera em sua obra o termo ―conteúdo‖ como sinônimo de ―conhecimento‖. Sobre o termo ―conteúdo‖, Neira (2006, p. 61) entende como ―tudo quanto se tem que aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades cognitivas, como também, incluem as demais capacidades‖. Os conteúdos não se reduzem apenas às contribuições das disciplinas/matérias, mas possibilitam também o desenvolvimento de capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e inserção social. Para Libâneo (1994, p.128), os conteúdos de ensino são o conjunto de ―conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação social, organizados pedagógica e didaticamente, tendo em vista a assimilação ativa e aplicação pelos alunos na sua prática de vida‖. Complementando a definição de Libâneo (1994), Coll e colaboradores (2000, p. 12) afirmam que ―os conteúdos designam o conjunto de conhecimentos ou formas culturais, cuja assimilação e apropriação pelos alunos são consideradas essenciais para o seu desenvolvimento‖. E ainda: Em primeiro lugar, os conteúdos são uma seleção de formas ou saberes culturais em um sentido muito próximo, àquele que é dado a essa expressão na antropologia cultural: conceitos, explicações, raciocínios, habilidades, linguagens, valores, crenças, sentimentos, atitudes, interesses, modelos de conduta, etc. Em segundo lugar, são uma seleção de formas ou saberes culturais cuja assimilação é considerada essencial para que se produza um desenvolvimento e uma socialização adequada dos alunos e alunas dentro da sociedade a qual pertencem; isso quer dizer que nem todos os saberes ou formas culturais são suscetíveis de constar como conteúdos curriculares, mas somente aqueles cujas assimilações e a apropriação são consideradas fundamentais. E, em terceiro lugar, aplica-se ainda um critério de seleção complementar, na medida em que somente os saberes e as formas culturais cuja assimilação correta e plena requer uma ajuda específica deveriam ser incluídos como conteúdos de ensino e de aprendizagem nas propostas curriculares. (COLL ET AL, 2000, p.13) 26 Para Libâneo (2002, p.15), os elementos constitutivos dos conteúdos de ensino referem-se aos conhecimentos sistematizados, selecionados das bases das ciências e dos modos de ação acumulados pela experiência social da humanidade e organizados para serem ensinados na escola; são habilidades e hábitos, vinculados aos conhecimentos, incluindo métodos e procedimentos de aprendizagem e de estudo; são atitudes, convicções, valores, envolvendo modos de agir, de sentir e de enfrentar o mundo. Zabala (1998) alerta que o termo ―conteúdo‖ normalmente foi utilizado para expressar aquilo que se deve aprender, porém em relação quase exclusiva aos conhecimentos das disciplinas clássicas, quase sempre fazendo alusão a nomes, conceitos, teoremas e enunciados. O autor pondera sobre a necessidade de entender o termo ―conteúdo‖ como: ―(...) tudo quanto se tem que aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades cognitivas, como também incluem as demais capacidades. Deste modo, os conteúdos de aprendizagem não se reduzem unicamente às contribuições das disciplinas ou matérias tradicionais. Portanto, também serão conteúdos de aprendizagem todos aqueles que possibilitem o desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de inserção social‖. (ZABALA, 1998, p. 30). No debate sobre os conteúdos escolares, quando há afirmações de que os conteúdos têm peso excessivo no ensino-aprendizagem dos alunos, essa referência é relativa a apenas um tipo de conteúdo, ou seja, os fatos e conceitos. Essa assertiva é equivalente na disciplina de Educação Física ao uso excessivo de atividades práticas, com bola. As aulas de Educação Física têm privilegiado os conteúdos de ordem procedimental, essencialmente práticos, tendo uma presença desproporcional em relação aos fatos, conceitos ou atitudes. Coll e colaboradores (2000) sugerem que os professores organizem sua prática docente em torno de todos esses tipos de conteúdos, ou seja, os procedimentos, os fatos e conceitos e as atitudes. Esta classificação responde a três perguntas: ―o que se deve saber?‖, ―o que se deve saber fazer?‖ e ―como se deve ser?‖, com o intento de atingir as capacidades propostas nas finalidades educacionais (ZABALA, 1998). Assim, ao estruturar as propostas curriculares em torno destes três tipos de conteúdos, os professores podem organizar a sua prática docente, sendo orientados para a maneira mais adequada de proceder. O que também não quer dizer que esta classificação deve ser interpretada de maneira rígida (COLL ET AL, 2000). Segundo Neira (2006), a tipologia de conteúdos pode servir de instrumento para definir as diferentes posições sobre o papel que o ensino deve ter. Assim, ao buscar a formação integral dos alunos, a presença de diferentes tipos de conteúdos deve ser equilibrada. 27 Essa classificação não deve ser interpretada de forma rígida e um mesmo conteúdo pode ser abordado numa perspectiva factual, conceitual, procedimental ou inclusive atitudinal ao mesmo tempo. 1.3.1 Dimensão procedimental A dimensão procedimental dos conteúdos na disciplina de Educação Física é a mais utilizada pelos professores da escola, pois se caracteriza como ―natural‖, inerente à área. Isso não é novidade e nem motivo de espanto, já que a nossa área tem como objeto de estudo a cultura corporal de movimento. As aulas práticas, com vivências de diversas atividades, jogos e exercícios são características do trabalho com esta dimensão do conteúdo. Incluem-se aqui todas as vivências possíveis dentro de cada conteúdo. Os conteúdos procedimentais incluem as regras, as técnicas, os métodos, as destrezas ou habilidades, as estratégias, os procedimentos, ou seja, um conjunto de ações coordenadas dirigidas para a realização de um objetivo. A realização da ação que compõe o procedimento é condição fundamental para a aprendizagem, pois, ―as ações se aprendem, fazendo-as‖ (NEIRA, 2006, p. 66). O autor complementa que a ―vivência prática e diversificada é o elemento imprescindível para o domínio competente nos conteúdos procedimentais‖. Coll e colaboradores (2000) dizem que o que se propõe para a aprendizagem dos alunos são conjuntos de ações que conforme realização tem a finalidade de atingir determinadas metas. Assim, trabalhar os procedimentos significa revelar a capacidade de saber fazer, saber agir de maneira eficaz. Os autores complementam: Trata-se sempre de formas determinadas e concretas de agir, cuja principal característica é que não são realizadas de forma arbitrária ou desordenadas, mas de maneira sistemática e ordenada, uma etapa após a outra e que essa atuação é orientada para a consecução de uma meta. (COLL ET AL, 2000, p. 78) Para Zabala (1998), apesar de estes conteúdos terem como denominador comum o fato de serem ações ou conjunto de ações, a aprendizagem de cada um deles tem características bastante específicas. Apesar disso, em termos gerais, pode-se dizer que os conteúdos procedimentais são apreendidos a partir de modelos especializados, nos quais a realização das ações que compõem o procedimento ou a estratégia é o ponto de partida. 28 1.3.2 Dimensão conceitual Os fatos e conceitos são tradicionalmente o que se entendeu (e ainda se entende) como ―conteúdos‖ do ensino, sendo objeto da maior parte das avaliações realizadas nas salas de aula. Coll e colaboradores (2000, p. 19) discorrem que: ―Essa distinção entre três tipos de conteúdos deve envolver também mudanças significativas na funcionalidade e no valor educacional dos fatos e conceitos como conteúdos escolares. No entanto, tais mudanças não representam uma redução da importância dos conteúdos tradicionais e, sim, mais uma reconsideração do seu papel na educação. Não consiste em eliminar os conceitos e fatos do currículo, embora em algum caso suponha uma redução do tempo dedicado aos mesmos, mas estabelecer uma relação complementar, de dependência mútua, entre os diversos tipos de conteúdos.‖ Os conteúdos conceituais englobam os fatos, os conceitos e os princípios. Os fatos se referem ao conhecimento de fatos, acontecimentos, situações, dados e fenômenos concretos e singulares, como nomes, idades, determinados momentos (ZABALA, 1998). Segundo Neira (2006, p. 64), os conceitos e princípios são termos abstratos, sendo que os conceitos se referem a um conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns, como exemplo, grande, pequeno, rolamento, etc. Os princípios ―se referem às mudanças que se produzem num fato, objeto ou situação em relação a outros fatores, objetos e situações e que normalmente descrevem relações de causa-efeito ou de correlação‖. As regras, leis, velocidade e peso de objetos, são exemplos de princípios. Zabala (1998) alude que os conceitos e princípios, por se tratarem de temas abstratos, requerem uma compreensão do significado, assim sendo, um processo de elaboração pessoal. Seguindo esta lógica, os fatos devem ser ensinados antes dos conceitos e princípios, ou seja, do concreto para o abstrato. Os conteúdos conceituais sempre fizeram parte das aulas de Educação Física escolar, porém em proporções bem menores que os da dimensão procedimental. Está muito presente na iniciação às modalidades esportivas, destacada pela história de cada esporte. As aulas de Educação Física chamadas de ―teóricas‖ sofriam (e ainda sofrem) muitos preconceitos por parte dos alunos, professores de outras áreas e gestores da escola que estão acostumados a ver a disciplina como essencialmente prática. Pressuponho que as aulas essencialmente teóricas devam acontecer em local apropriado, em sala de aula específica e com os recursos pedagógicos necessários. Digo essencialmente teóricas porque em todas as aulas essa dimensão está presente, seja para a explicação de um jogo que acontecerá durante a aula ou o conceito sobre a capacidade física realizada. Não importa. Só não podemos esquecer 29 que os fatos e conceitos, decorrentes de estudos científicos, são relevantes para a aprendizagem global de um determinado conteúdo. 1.3.3 Dimensão atitudinal A assertiva anterior concerne também à dimensão atitudinal do conteúdo. A questão ―como se deve ser?‖ se faz presente no currículo oculto da escola, ou seja, são aprendizagens que se realizam na escola, mas que não aparecem de forma explícita nos programas de ensino. Como estes programas têm se centrado nas disciplinas escolares, tudo aquilo que indiscutivelmente se aprende na escola e que não se pode considerar nos compartimentos destas disciplinas, não tem aparecido e nem sido objeto de avaliações explícitas (ZABALA, 1998). Zabala (1998) discorre que quando se opta por uma definição de conteúdos de aprendizagem ampla e não restrita aos conteúdos disciplinares, o currículo oculto pode se tornar manifesto, podendo-se assim avaliar sua pertinência como conteúdo expresso de aprendizagens e de ensino. Os conteúdos da dimensão atitudinal podem ser agrupados em valores, atitudes e normas. É comum ouvirmos dos professores de Educação Física, por exemplo, que precisam trabalhar mais a socialização e a cooperação com seus alunos. O que isso significa? Expressa a necessidade de explorar mais os conteúdos atitudinais em suas aulas. Os valores se referem a princípios ou ideias éticas que permitem as pessoas emitir um juízo sobre as condutas e seu sentido. São exemplos de valores: solidariedade, respeito ao próximo, responsabilidade, cooperação, etc. Para Zabala (1998, p. 47), considera-se que uma pessoa adquiriu um valor quando este foi interiorizado, sendo ―elaborados critérios para tomar posição frente àquilo que se deve considerar positivo ou negativo, critérios morais que regem a atuação e a avaliação de si mesmo e dos outros‖. Sobre as atitudes, Zabala (1998) diz que são tendências ou predisposições relativamente estáveis das pessoas para atuar de certa maneira, sendo a forma como cada um realiza sua conduta de acordo com determinados valores. Como exemplo de atitudes, o autor cita: cooperar com o grupo, ajudar os colegas, respeitar o meio ambiente, participar das tarefas escolares, etc. Sobre as normas, o autor diz que são padrões ou regras de comportamento que devemos seguir em determinadas ocasiões a que se sujeitam todos os membros de um grupo social. As normas constituem a forma pactuada de realizar certos valores compartilhados por 30 uma coletividade e indicam o que pode se fazer ou não pode se fazer neste grupo. E complementa: ―Como podemos notar, apesar das diferenças, todos estes conteúdos estão estreitamente relacionados e têm em comum que cada um deles está configurado por componentes cognitivos (conhecimentos e crenças), afetivos (sentimentos e preferências) e condutuais (ações e declarações de intenção). Mas a incidência de cada um destes componentes se dá maior ou menor grau segundo se trate de um valor, uma atitude ou uma norma.‖ (ZABALA, 1998, p. 46-47). Dentro da dimensão atitudinal, a meu ver, existem ainda duas subcategorias de conteúdos atitudinais: os específicos de cada conteúdo e os transversais. Os específicos são aqueles inerentes a um determinado conteúdo, por exemplo, valorização do patrimônio de jogos e brincadeiras, atitudes não-discriminatórias ao homem dançar, compreensão da filosofia das lutas (atitudes de não violência) ou o respeito aos limites do próprio corpo. O conteúdo atitudinal transversal é aquele que não é específico de nenhum conteúdo e muito menos da Educação Física, devendo ser trabalhado por todas as disciplinas. Aqui entram conteúdos como a socialização, cooperação, respeito ao próximo, trabalho em grupo, resolução de problemas, autonomia, participação, organização, etc. 1.4 Os conteúdos da Educação Física Em 2008, Betti e Sanches Neto propõem em seu texto uma integração dos conhecimentos em Educação Física através de uma convergência entre as diversas tendências, tanto em relação às áreas de estudos científicos como às abordagens para a Educação Física Escolar (incluindo os PCNs), afirmando ser uma condição necessária para o avanço da prática pedagógica na Educação Física. Propõem quatro blocos de conteúdos temáticos: elementos culturais da Motricidade; aspectos pessoais e interpessoais relacionados e integrados à Motricidade; movimentos fundamentais, combinados e especializados; e adequação da Motricidade às demandas ambientais. O primeiro bloco, elementos culturais da motricidade, corresponde as Brincadeiras e Jogos, Esporte, Dança, Ginástica e Circo, Luta e Capoeira. Neste bloco devem ser tematizadas as diferentes modalidades e derivações dos elementos culturais associados à Educação Física a partir da sua tradição, frequentemente renovada por elementos emergentes, como parte de uma dinâmica sociocultural mais ampla. O bloco seguinte, os aspectos pessoais e interpessoais relacionados a motricidade compreendem as Noções de Bioquímica e Nutrição, Embriologia, Fisiologia, Anatomia e Biomecânica, Antropologia e Psicologia, Saúde e 31 Patologia. Já os aspectos integrados à motricidade incluem Comportamento Motor, enfatizando noções de Aprendizagem Motora, Controle Motor, Desenvolvimento Motor e interferências contextuais e culturais (BETTI; SANCHES NETO, 2008). Os autores ainda propõem que no terceiro bloco devem ser tematizadas categorias de movimento e contextualizadas as capacidades recorrentes para a realização desses movimentos, suas possíveis combinações e manifestações em diferentes habilidades especializadas. Os movimentos fundamentais, combinados e especializados são representados pelas Habilidades de Estabilização, Manipulação e Locomoção, Ritmo, Combinação e Especialização de Habilidades, Capacidades e noções de Treinamento. E, finalizando, o quarto bloco propõe a problematização da Motricidade frente ao Meio Ambiente Físico e Natural, Social e Político, Filosófico e Estético, Virtual, Administrativo/Organizacional e Econômico, Histórico e Geográfico; Perspectivas Adaptativas e de Transformação do Meio Ambiente. De fato, Betti e Sanches Neto (2008) nos mostram uma nova configuração dos conteúdos frente às possibilidades de convergi-los numa proposta unificada em Educação Física. Oliveira (2004) entende que os conteúdos da Educação Física especificados pelos PCNs devem ser ampliados e redefinidos. Propõe a classificação em núcleos de concentração, tendo o movimento humano como objeto de estudo. Palma e colaboradores (2008) tem como base a proposta de Oliveira (2004) e propõe que o objeto de estudo da Educação Física seja ampliado para ―movimento humano culturalmente construído‖. Para ambos os estudos, os conteúdos são estruturados em quatro núcleos: a) o movimento em construção e estruturação; b) o movimento nas manifestações lúdicas e esportivas; c) o movimento em expressão e ritmo; e d) o movimento e a saúde. Para melhor visualização dos conteúdos nos núcleos de concentração, Oliveira (2004) e Palma e colaboradores (2008) propõem um quadro demonstrativo, representado a seguir. Quadro 1 – Organização dos núcleos temáticos e seus respectivos conteúdos (OLIVEIRA, 2004, p. 30). Núcleos Conteúdos Básicos a) o movimento em Habilidades motoras de base (locomotoras, nãoconstrução e estruturação locomotoras, coordenação viso-motora), esquema corporal, percepção corporal. b) o movimento nas Jogos (motores, sensoriais, criativos, intelectivos e prémanifestações lúdicas e desportivos); Esporte Institucionalizado (basquetebol, esportivas voleibol, handebol, atletismo, futebol, futsal, ciclismo, outros) e Esportes Alternativos (capoeira, escaladas, caminhadas, passeios, bets, malha, peteca, outros). 32 c) o movimento em Ginástica, Dança, Brinquedos Cantados, Cantigas de expressão e ritmo Roda, outros. d) o movimento e a saúde Higiene e Primeiros Socorros, Ergonomia, Bases Anátomo-fisiológica do corpo humano, Bases Nutricionais, Aspectos básicos da metodologia do treinamento, Avaliações do crescimento, desenvolvimento, composição corporal e aptidão física. Longe de criticar esta ou aquela proposta, pois como alude Postman (2002, p. 11) ―não há ninguém que possa dizer que esta ou aquela é a melhor maneira de conhecer as coisas, de sentir as coisas, de lembrar coisas, de usar coisas, de ligar coisas, e que nenhuma outra serve‖, é preciso posicionar-me. Para esta pesquisa, os conteúdos da Educação Física elencados pelos PCNs, a meu ver, compreendem aqueles apresentados pelas demais propostas ou abordagens da Educação Física Escolar de forma mais simples, completa e compreensível pelos nossos sujeitos principais que são os professores de Educação Física da rede pública municipal de CuiabáMT, além de ser um referencial nacional acessível e conhecido por eles. Porém, é necessário ampliá-lo, com base em experiências profissionais e nos conteúdos elencados pelos professores pesquisados. Nos PCNs, os conteúdos da Educação Física estão organizados em três blocos que deverão ser desenvolvidos durante todo o ensino fundamental, compreendendo os ―esportes, jogos, lutas e ginásticas‖, ―atividades rítmicas e expressivas‖ e ―conhecimentos sobre o corpo‖. Estes blocos articulam-se entre si, tendo vários conteúdos em comum, mas guardando especificidades. (BRASIL, 1997). Os PCNs trazem as brincadeiras populares descritas no bloco ―esportes, jogos, lutas e ginásticas‖, mas não especificadas como um bloco de conteúdos. Neste sentido, sugiro que as ―BRINCADEIRAS POPULARES‖ devam constituir um bloco a parte, por entender que Jogo é diferente de Brincadeira. Da mesma forma, cada conteúdo deste bloco será desmembrado e constituído como um bloco de conteúdos. Para esclarecer, na língua francesa, o vocábulo jeu é utilizado como sinônimo de jogo, brincadeira e, no plural, jeux, jogos. Segundo Brougère (1998), as diferenças são explicitadas pelos usos sociais do termo. Na língua portuguesa, apesar da discussão sócio-semântica também ser pertinente e válida, há vários termos para denominar aquilo que, em francês, está associado a jeu. Em português, ―brincadeira‖ refere-se a atividades preferencialmente infantis, enquanto que ―jogo‖ está associado a atividades lúdicas com regras. A palavra brincadeira existe apenas em nossa língua. Os autores franceses, por exemplo, não distinguem semanticamente o jogo da brincadeira. 33 Acredito que as Brincadeiras Populares, como conteúdo da Educação Física escolar, tenha a função de recuperar a memória das brincadeiras vividas em outras épocas, o que é bem diferente de reproduzir, transformar ou criar Jogos (regras). Assim, prefiro considerá-los como conteúdos díspares. Seguindo a mesma lógica, o conteúdo ―CAPOEIRA‖ — que para os PCNs é considerada como uma forma de luta — também deve se constituir como um bloco de conteúdos a parte. Muitos autores têm opiniões divergentes sobre a classificação da capoeira como uma luta, podendo ser um esporte, um jogo, uma dança... Gallardo (2003, p.38) acredita ser a Capoeira a (...) forma de luta mais pedagógica, porque ela nasce com uma função específica de se defender, sabendo muito bem de quem, nela as agressões são ritualizadas e transformadas numa dança lúdica, onde a habilidade e a plasticidade são mais fortes e valoradas que o poder destrutivo das ações. Para o autor, a capoeira é uma forma particular de luta representativa de um grupo social considerado marginal, sendo valorizada apenas quando a mídia se interessa por ela. Noronha e Nunes Pinto (2004) consideram a Capoeira uma mistura de luta, dança e jogo que se materializou como uma arma em busca da liberdade. Campos (2001) identifica três formas a inclusão da capoeira na escola, a primeira incluída nos métodos de Ginástica Tradicional, a segunda como conteúdo diferenciado de ginástica escolar e a terceira como esporte de caráter optativo. Prefiro considerar a capoeira como uma manifestação cultural do povo brasileiro, com características próprias e peculiares. Assim, deve ser tratada como um conteúdo exclusivo. ―A capoeira é um conteúdo que pode ser contemplado na escola pelos seus múltiplos enfoques, que possibilitam, a luta, a dança e a arte, o folclore, o esporte, a educação, o lazer e o jogo‖ (SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p.45). Então, quais são os conteúdos da Educação Física? Partindo dos PCNs, que propõem três blocos de conteúdos, nesta pesquisa adotaremos oito blocos em que se inserem os conteúdos da Educação Física, ilustrados na figura 1 abaixo: 34 Conhecimentos sobre o corpo Atividades rítmicas, expressivas e danças Capoeira Esportes Jogos Brincadeiras Populares Ginásticas Lutas Figura 1: Blocos de conteúdos da Educação Física Estes conteúdos, apesar de estarem separados em blocos, representam meras formalidades, já que os blocos apresentam ligação entre si, podendo um determinado conteúdo possuir elementos de outros blocos. Como exemplo, Toledo (1999, p. 74) diz que A ginástica, enquanto um dos ―conteúdos‖ deste bloco, também possui uma íntima relação com a música e a expressão. Algumas modalidades gímnicas possuem esta relação, como é o caso da ginástica rítmica desportiva, da ginástica artística e da ginástica geral. Outras possuem vínculos mais indiretos, como é o caso da acrobática, da aeróbica, etc. Mas, sem dúvida, é a dança que abarca estas manifestações com maior diversidade, complexidade e intensidade. Essas definições se fazem necessárias, pois no decorrer da análise de dados veremos conteúdos ligados a um destes blocos de conteúdos que apresentam também características de outros blocos. Por mais que a análise de dados seja objetiva, no sentido de tentar enquadrar os conteúdos propostos pelos professores de Educação Física num destes blocos, nem sempre será possível fazer esta classificação desvinculada de subjetividade, visto ter sido docente nas séries iniciais do Ensino Fundamental, o que me leva a fazer interpretações pessoais desses conteúdos. Isso também é possível devido ao fato das discordâncias entre os próprios teóricos da área, com posicionamentos diferentes perante cada conteúdo, como vimos o impasse da ―Capoeira‖ citada anteriormente. Assim sendo, será necessário um posicionamento pessoal 35 diante de determinados conteúdos que aparecerão, principalmente, nos planejamentos dos professores. 1.5 A sistematização de conteúdos A reflexão é sobre a necessidade de sistematizar os conteúdos da Educação Física escolar. O que justificaria a preocupação com a ausência de uma sistematização? Primeiramente, segundo Ferreira (2000), sistematização é o ―ato ou efeito de sistematizar‖, ou seja, ―reduzir (vários elementos) a um sistema‖. Ainda refere-se a sistema como ―disposição de partes ou de elementos de um todo, coordenados entre si, e que formam uma estrutura organizada‖. Assim, sistematizar os conteúdos da Educação Física escolar nada mais é do que organizá-los de modo coerente com cada nível de ensino. A cultura escolar indica uma determinada ordem para todas as disciplinas quanto à sistematização dos conteúdos a serem abordados na escola. Para Kravchychyn e colaboradores (2008, p. 40), ―a Educação Física não possui ― ao contrário de outras disciplinas ― conteúdos sistematizados, que indica o trabalho ao longo das séries escolares, gerando dúvidas, trabalhos desarticulados e sem sequência lógica‖. Os professores, principalmente os iniciantes, têm dificuldade de determinar qual conteúdo será aplicado primeiro e em que série. A necessidade de uma proposta concreta e aplicável que norteie a organização de conteúdos da Educação Física está no âmbito das discussões atuais em Educação Física escolar. Questões sobre o que e quando ensinar cada conteúdo, justifica a grande quantidade de pesquisas acerca deste tema. No que diz respeito à sistematização de conteúdos, Palma e colaboradores (2008) apontam a necessidade de não se limitar a uma das diversas linhas de pensamento ou de prática pedagógica da Educação Física. Destaca a importância do docente apropriar-se de todos os conhecimentos possíveis e, a partir deles, elaborar matrizes curriculares que propriciem avanços pedagógicos úteis ao momento histórico vivenciado, contudo sem reduzir o pensamento ao ecletismo. É frequente nas aulas de Educação Física a repetição das mesmas práticas nas diferentes fases do ensino. Paes (2002) nomeia esta prática de ―prática repetitiva de gestos em diferentes níveis de ensino‖, em que o conteúdo aplicado ao 1º ano é o mesmo do 6º ano, que por sua vez é idêntico ao do 9º ano do Ensino Fundamental. Essa situação revela a falta de 36 respeito às fases do desenvolvimento do aluno e tem sido uma das causas da evasão dos alunos nas aulas de Educação Física na escola. Outro problema abordado por Paes (2002) é quanto à ―fragmentação de conteúdos‖, oferecidos de forma desorganizada, sem continuidade e a evolução necessárias ao aprendizado. Salienta que esse comportamento pode ser observado pela ausência de planejamento, levando o professor a trabalhar conteúdos isolados. A solução a esses problemas parece simples e óbvia, porém é desconsiderada por muitos profissionais da área. A diversificação de conteúdos é uma delas. É direito do aluno receber informações e conhecimentos diversificados das possibilidades existentes na cultura corporal, tanto quanto é responsabilidade do professor buscar estas manifestações e eleger os conteúdos aplicáveis a cada contexto escolar (BRASIL, 1998). Respeitar as diferentes fases de ensino e apresentar os conteúdos de forma planejada, organizada e sistematizada, são para Paes (2002), os aspectos relevantes e balizadores de uma proposta pedagógica. Ao pensarmos na Educação Física da pós-modernidade, precisamos nos lembrar que a sistematização de conteúdos não pode ser rígida e fechada, e sim flexível e aberta a receber novas informações produzidas pela sociedade, como a transformação das regras dos esportes, aperfeiçoadas constantemente. Assim, observada a necessidade de uma sistematização dos conteúdos da Educação Física escolar, buscaremos conhecer as principais pesquisas e propostas sobre o assunto, destacando aquelas referentes ao campo de pesquisa deste estudo, os anos (séries) iniciais do Ensino Fundamental. 1.5.1 A sistematização de conteúdos nas abordagens da Educação Física A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 traz em seu Art. 26, §3º que ―a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos‖ (BRASIL, 1996). Tal condição foi alterada pela lei 10.793, de primeiro de dezembro de 2003, que acrescenta o termo ―obrigatório‖ ao texto original, tornando a Educação Física ―componente curricular obrigatório‖ da Educação Básica (BRASIL, 2003). Assim, subentende-se que a Educação Física, como as demais disciplinas, possui conteúdos específicos e, que por sua vez, 37 devem seguir uma ordem de ensino. E quais são esses conteúdos e como são distribuídos pelas diversas séries de ensino? Se fizermos um passeio pela história da Educação Física, perceberemos que muitos autores definiram quais são os conteúdos específicos da disciplina na escola e quando devem ser ensinados, mas cada um com sua classificação própria, sem chegar a um consenso sobre o assunto. Cada obra da referida história, desde documentos formais como pesquisas realizadas por diversos autores, revela um critério para seleção dos conteúdos específicos da Educação Física escolar. Resumindo um pouco a história, sabe-se que até o final da década de 1970, durante o governo militar, a Educação Física sofria grande influência do modelo ―esportivista‖, que objetivava formar atletas que pudessem participar de competições internacionais, representando o país (BRASIL, 1998). Neste contexto, o esporte era o conteúdo absoluto da Educação Física. Na tentativa de contrapor práticas tecnicistas, esportivistas ou centradas em apenas um conteúdo é que, a partir da década de 1980, surgiram novos movimentos na Educação Física escolar. Das tendências inovadoras, discorrerei sobre a Psicomotricidade, a Desenvolvimentista, a Construtivista, a Crítico-Superadora, Saúde Renovada e os Parâmetros Curriculares Nacionais, destacando os conteúdos da Educação Física e sua sistematização organizados e selecionados por cada uma delas. Optei por descrever estas tendências por entender que são as mais conhecidas e, talvez, mais utilizadas pelos professores de Educação Física, além de apontarem uma organização dos conteúdos para as diversas fases de ensino da Educação Básica. O primeiro movimento a contrapor o ―esportivismo‖ é a Psicomotricidade. O francês Jean Le Bouch foi o maior propagador desta tendência no Brasil, tendo como base estudos da psicopedagogia. A Educação Física passa a se preocupar com o desenvolvimento da criança, com o ato de aprender, com os processos cognitivos, afetivos e psicomotores, garantindo assim a formação integral do aluno (BRASIL, 1998). Neste sentido, Educação Física é vista como um meio para ensinar Matemática ou Língua Portuguesa, não dispondo de conteúdos próprios. O ensino é pautado na aquisição do esquema motor, lateralidade, consciência corporal e coordenação viso-motora (DARIDO; RANGEL, 2005). Porém, a Psicomotricidade não é a única tendência que desconsidera a especificidade da Educação Física. Segundo Darido e Rangel (2005), o construtivismo possibilita maior integração com uma proposta pedagógica ampla e integrada da Educação Física na 38 Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Em contrapartida, desconsidera a especificidade da Educação Física, aceitando conteúdos sem relação com a prática do movimento, sendo este um instrumento facilitador de conteúdos ligados ao aspecto cognitivo, como aprendizagem da leitura e escrita. O construtivismo tem como obra clássica o livro ―Educação de corpo inteiro‖, de João Batista Freire (2005). A intenção desta abordagem, orientada pelas obras de Jean Piaget, é a construção do conhecimento a partir da interação do sujeito com o mundo, numa relação que extrapola o simples exercício de ensinar e aprender. O avanço desta concepção é a consideração aos conhecimentos previamente adquiridos pelo aluno e a recuperação da cultura de jogos e brincadeiras infantis. Sendo assim, o jogo e a brincadeira são os conteúdos principais desta proposta, com o lúdico e o prazeroso permeando o ambiente de aprendizagens. Uma das obras clássicas e representante de um marco na Educação Física moderna é o livro produzido por Soares e colaboradores, em 1992, intitulado ―Metodologia de Ensino da Educação Física‖ que apresenta conteúdos surgidos de grandes temas da cultura corporal e podem ser vistos em todos os graus do Ensino Fundamental e médio. Os conteúdos da abordagem crítico-superadora são: Jogo, Esporte, Capoeira, Ginástica e Dança. Estes devem ser estudados profundamente pelo professor, desde sua origem histórica ao seu valor educativo para os propósitos e fins do currículo. O professor é livre para organizar seu programa dando a ordem necessária aos conteúdos segundo o interesse da turma, ou tratar deles simultaneamente (SOARES ET AL, 1992). A seleção e organização de conteúdos, na perspectiva de uma pedagogia críticosuperadora abordado por Soares e colaboradores (1992), exige coerência com o objetivo de promover a leitura da realidade. Deve-se considerar também a realidade de materiais da escola. Pensando em cada conteúdo citado por esta perspectiva, sugerem, num programa de jogos, que os conteúdos sejam relacionados, considerando a memória lúdica do aluno e ainda oferecendo conhecimentos dos jogos das diversas regiões brasileiras e de outros países. O esporte se projeta numa dimensão complexa de fenômeno que envolve códigos, sentidos e significados da sociedade que o cria e o pratica. O programa deve abranger desde os jogos que possuem regras implícitas até aqueles institucionalizados por regras específicas, sendo necessário que o ensino não se esgote nos gestos técnicos. Os gestos da Capoeira no passado significaram saudade da terra e da liberdade perdida, desejo velado de reconquista da liberdade que tinha como arma apenas o próprio 39 corpo. A Educação Física precisa resgatar a capoeira como manifestação cultural e não transformá-la simplesmente em mais uma modalidade esportiva (SOARES ET AL, 1992). Para a elaboração de um programa de ginástica para as diferentes séries exige pensar na evolução que deve ter em sua abordagem, desde as formas espontâneas de solução dos problemas com técnicas rústicas nas primeiras séries, até a execução técnica aprimorada nas últimas séries do Ensino Fundamental. Para o ensino da Dança, é necessário considerar que seu aspecto expressivo se confronta, necessariamente, com a formalidade da técnica para sua execução. Em relação ao desenvolvimento técnico, sugere-se a abordagem dos seguintes fundamentos: ritmo, espaço e energia. Em relação ao conteúdo expressivo, sugere-se: as ações de vida diária; os estados afetivos; as sensações corporais; os seres e fenômenos do mundo animal, vegetal e mineral; o mundo do trabalho; o mundo da escola; os problemas sócio-políticos atuais (SOARES ET AL, 1992). Os autores ainda propõem uma organização de conteúdos específica para o 1º e 2º ciclos, de acordo com a classificação feita pelos autores. Vejamos esta organização. Conteúdos no Ciclo de Educação Infantil (Pré-Escola) e no Ciclo da Identificação da Realidade (1ª a 3ª séries do Ensino Fundamental), segundo Soares e colaboradores (1992): 1. Jogos cujo conteúdo implique: no reconhecimento de si mesmo e das próprias possibilidades de ação; reconhecimento das propriedades externas dos materiais/objetos para jogar, sejam eles do ambiente natural ou construídos pelo homem; identificação das possibilidades de ação com materiais/objetos e das relações destes com a natureza; inter-relação do pensamento sobre uma ação com a imagem e a conceituação verbal dela, como forma de facilitar o sucesso da ação e da comunicação; inter-relações com as outras matérias de ensino; a vida de trabalho do homem, da própria comunidade, das diversas regiões do país, de outros países; o sentido de convivência com o coletivo, das suas regras e dos valores que estas envolvem; auto-organização, auto-avaliação e avaliação coletiva das próprias atividades; elaboração de brinquedos, tanto para jogar em grupo como para jogar sozinho. 2. Formas ginásticas cujo conteúdo implique: nas próprias possibilidades de saltar, equilibrar, balançar e girar em situações de: desafios que apresenta o ambiente natural, a própria construção da escola, praça, rua, quadra e também desafios propostos por meio de organização motivadora de materiais ginásticos, formais ou alternativos; nas diferentes soluções aos problemas do 40 equilibrar, trepar, saltar, rolar/girar, balançar/embalar; sejam organizadas para possibilitar a identificação de sensações afetivas e ou/ cinestésicas, tais como prazer, medo, tensão, desagrado, enrijecimento, relaxamento, etc.; contribuam para promover o sucesso de todos; contribuam com fundamentos iguais aos dois eixos; coletivas em que se combinem os cinco fundamentos: saltar, equilibrar, trepar, embalar/balançar e rolar/girar. 3. Danças: de livre interpretação de músicas diferentes para relacionar-se com o universo musical e de interpretação de temas figurados. Conteúdos no Ciclo de Iniciação à Sistematização do Conhecimento (4ª a 6ª séries do Ensino Fundamental), segundo Soares e colaboradores (1992): 1. Jogos cujo conteúdo implique: Jogar tecnicamente e empregar o pensamento tático; desenvolvimento da capacidade de organizar os próprios jogos e decidir suas regras, entendendo-as como exigência do coletivo. 2. Ginásticas: Formas técnicas de diversas ginásticas (artística ou olímpica, rítmica desportiva, ginásticas suaves, ginástica aeróbica, etc.); projetos individuais e coletivos de prática/exibição de ginástica na escola e na comunidade. 3. Danças: Com interpretação técnica da representação de temas da cultura nacional e internacional; com conteúdo relacionado á realidade social dos alunos e da comunidade. O modelo desenvolvimentista elaborado por Tani e colaboradores (1988) aponta o movimento como objeto de estudo e aplicação da Educação Física. Esta abordagem tem o ―intuito de apresentar uma fundamentação teórica para a Educação Física Escolar, com ênfase nas séries iniciais do Ensino de 1o Grau‖ (TANI, 2008, p. 315). Tani e colaboradores (1988, p. 64) complementam que: ―(...) o propósito de uma atuação mais significativa e objetiva sobre o movimento pode levar a Educação Física a estabelecer, como objetivo básico, o que se costuma denominar de aprendizagem do movimento. Na verdade, o reconhecimento do significado de que, ao longo da vida, o ser humano apresenta uma série de mudanças na sua capacidade de se mover, e que tais mudanças são de natureza progressiva, organizada e interdependente, resultando em uma sequência de desenvolvimento, traz elementos para a justificativa de uma aprendizagem do movimento.‖ 41 Este modelo pautado nas ideias de Gallahue defende que a Educação Física deveria se responsabilizar pela educação do movimento, orientado pelos processos maturacionais do desenvolvimento e aprendizagem da criança, fases que demarcariam os períodos mais adequados para o ensino deste ou daquele movimento (FERREIRA, 2006). Os autores da proposta baseiam-se na ideia de que a sequência de desenvolvimento é a mesma para todas as crianças, o que varia é a velocidade de progressão. Alegam ainda que existe uma interdependência entre o que está se desenvolvendo e as mudanças futuras, ou seja, há ―habilidades básicas‖ dentro da sequência de desenvolvimento que são pré-requisitos fundamentais para que toda a aquisição posterior seja possível e efetiva, e sempre na intenção de uma maior capacidade de controlar os movimentos. Assim, a Educação Física tem a responsabilidade de uma atuação eficiente na aquisição das habilidades básicas ou padrões fundamentais de movimento (TANI ET AL, 1988). Os padrões fundamentais de movimento podem ser divididos em padrões de locomoção, de manipulação e de equilíbrio. Nos padrões de locomoção se inserem todas as habilidades que permitem a exploração do espaço, como andar, correr, saltar, trepar, galopar, rolar, etc. A manipulação envolve o relacionamento do indivíduo com o objeto, como receber, rebater, chutar, etc. Já as habilidades que envolvem equilíbrio permitem a criança manter sua postura no espaço, incluindo os padrões de movimentos axiais do corpo todo ou segmentos dele, como girar, ficar em pé, ficar sentado, girar os braços, etc. (TANI ET AL, 1988). Sobre o desenvolvimento hierárquico de habilidades nas diferentes fases da Educação Física na escola, Tani e colaboradores (1998) propõem que até aproximadamente 6 a 7 anos de idade (1º ano do Ensino Fundamental), o desenvolvimento motor da criança se caracteriza basicamente pela aquisição, estabilização e diversificação das habilidades básicas e, entre 8 e 12 anos (2º a 5º anos) aproximadamente, o refinamento e diversificação na combinação destas habilidades. As habilidades básicas são atividades voluntárias que permitem a locomoção (deslocamento), manipulação e equilíbrio (estabilização) em diferentes situações, como andar, correr, saltar, arremessar, receber, rebater, chutar, quicar e girar. Na fase que abrange do 6º ao 9º ano, o modelo desenvolvimentista propõe o desenvolvimento das habilidades específicas, que são definidas como atividades motoras voluntárias mais complexas e com objetivos específicos, como a cortada do voleibol, o chute do futebol, a bandeja no basquete, ou seja, fundamentos específicos dos esportes (TANI ET AL, 1988). Tani (2008) estabelece ainda como tema central da Educação Física escolar dois tipos de aprendizagem: do movimento e através do movimento. Com a aprendizagem do 42 movimento os alunos se capacitam a movimentar numa variedade de atividades motoras crescentemente complexas, envolvendo atividades como tentar, praticar, pensar, tomar decisões, ousar e persistir. Já a aprendizagem através do movimento implica no uso do movimento como meio para alcançar um fim, o que não é exclusividade da Educação Física, podendo ser utilizada pelas demais disciplinas. E alega: (...) é preciso assumir que a aprendizagem do movimento é de responsabilidade integral da Educação Física. Se ela não a promover, quem o faria? E em não se promovendo, seguramente a educação de nossos escolares estaria incompleta. Acredita-se que a Educação Física Escolar, ao desempenhar com competência a sua especificidade, estará cumprindo responsavelmente o seu papel no contexto educacional, sem nenhuma necessidade de cair em discursos demagógicos que superestimam ingenuamente suas capacidades e atribuem a si competências que não possuem (TANI, 2008, p. 318). Tani (2008) acrescenta ainda a aprendizagem sobre o movimento — um avanço da abordagem desenvolvimentista — referindo-se a aprendizagem de conhecimentos acadêmicos sobre o movimento acessando as dimensões e implicações das diversas áreas de conhecimento. Tani (2008) reitera que existem fatores que afetam o desenvolvimento dos alunos, como os socioculturais, influenciando a velocidade desse desenvolvimento e não sua sequência. O autor esclarece ainda que: (...) ―as habilidades básicas e suas combinações podem ser muito bem desenvolvidas pelos escolares mediante o seu envolvimento, por exemplo, em jogos de diferentes níveis de organização, danças e outras atividades próprias da cultura em que vivem, desde que adequadas ao seu estágio de desenvolvimento motor, cognitivo e afetivosocial.‖ (TANI, 2008, p. 325). De acordo com Darido e Rangel (2005), outra tendência se fez presente no contexto escolar na última década, a Saúde Renovada, baseada nos estudos propostos por Nahas (2006) e Guedes e Guedes (1993). No texto publicado pela Revista da Associação dos professores de Educação Física de Londrina (APEF), Guedes e Guedes (1993) sugerem a redefinição do papel dos programas de Educação Física na escola, como meio de promoção da saúde ou indicação de um estilo de vida ativo. Para os autores, o papel do professor não é adotar exclusivamente a prática esportiva, mas através de experiências propiciar e promover saúde aos alunos, sendo capazes de optar por um estilo de vida ativa por toda a vida. Nahas (2006) alerta que os benefícios educacionais esperados pela Educação Física na escola correspondem ao desenvolvimento de habilidades motoras, aptidão física, desenvolvimento sócio-pessoal e um estilo de vida ativo. Acrescenta ainda que os currículos ―devem enfatizar os objetivos centrais da Educação Física: o desenvolvimento de 43 habilidades motoras e a promoção de atividades físicas relacionadas à saúde. (...) os alunos precisam ser fisicamente ativos, na escola e fora dela‖. (NAHAS, 2006, p. 152). O interessante é que Nahas (2006, p. 152) (grifo do autor) destaca que a ―educação para um estilo de vida ativo representa uma das tarefas educacionais fundamentais que a Educação Física tem a realizar‖. Isso sugere que o autor não nega a existência de outros objetivos que a Educação Física precisa atingir além da promoção da saúde, e compreende os ―esportes e jogos‖ como componentes fundamentais dos currículos de Educação Física, mas que não podem ser entendidos como substitutos para um programa como um todo. A abordagem da Saúde Renovada preocupa-se ainda com a falta de progressão lógica ou de uma sequência nas experiências escolares em termos de atividade física. Assim, há uma preocupação em responder questões como ―quando se deve introduzir os conteúdos e experiências relacionados com atividades físicas, aptidão física e saúde?‖ e ―que conteúdos devem ser incluídos?‖ (NAHAS, 2006, p. 153). Sobre a sistematização de conteúdos, Nahas (2006) sugere conteúdos e objetivos para um programa de Educação Física para um estilo de vida ativo para o ensino médio. Para as séries iniciais, o autor diz o seguinte: Os primeiros anos escolares são próprios para atividades diversificadas que promovam o desenvolvimento motor e o gosto pela recreação ativa. Nesta fase, a aptidão física é considerada objetivo secundário, resumindo-se no envolvimento de todas as crianças em atividades variadas e agradáveis, que promovam a auto-estima e atitudes positivas em relação a atividade física. Neste nível, ensinar sobre a aptidão física relacionada à saúde é mais uma questão de mudança de métodos do que de conteúdos. (NAHAS, 2006, p. 156). Já Guedes e Guedes (1993) sugerem conteúdos programáticos para todos os níveis de ensino. Vejamos no quadro 2 a seguir o que os autores propõem para as séries iniciais do ensino fundamental: 44 Quadro 2: Sugestões de conteúdo programático para programa de educação física escolar direcionados à promoção da saúde – séries iniciais do ensino de 1º grau UNIDADES DE ENSINO 1- Diagnóstico e OBJETIVOS acompanhamento IMEDIATOS dos níveis de crescimento, CONTEÚDO composição corporal e PROGRAMÁTICO desempenho motor. 2Prática de OBJETIVOS atividades rítmicas IMEDIATOS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 3- Prática de jogos motores e sensoriais OBJETIVOS IMEDIATOS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 4Prática de atividades motoras relacionadas à saúde OBJETIVOS IMEDIATOS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 5Prática de atividades motoras voltadas a iniciação esportiva. OBJETIVOS IMEDIATOS CONTEÚDO PROGRAMÁTICO CICLO BÁSICO DE ALFABETIZAÇÃO 3ª/ 4ª SÉRIES O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode: Submeter-se a uma rotina de avaliação com a finalidade de traduzir com fidelidade informações relacionadas com o desenvolvimento morfofuncional. Administração de rotinas de avaliação voltadas ao crescimento, a composição corporal e ao desempenho motor. Submeter-se a uma rotina de avaliação com a finalidade de traduzir com fidelidade informações relacionadas com o desenvolvimento morfofuncional. Administração de rotinas de avaliação voltadas ao crescimento, a composição corporal e ao desempenho motor. O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode: Submeter-se a experiências motoras que possam promover o desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades voltadas às atividades rítmicas nas suas diferentes formas. Atividades dirigidas que envolvam a participação do ritmo. Atividades lúdicas que solicitam a participação das diferentes formas do ritmo. Submeter-se a experiências motoras que possam promover o desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades voltadas às atividades rítmicas nas suas diferentes formas. Atividades dirigidas que envolvam a participação do ritmo. Atividades lúdicas que solicitam a participação das diferentes formas do ritmo. O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode: Submeter-se a experiências motoras que possam promover o desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades coordenativas. Atividades dirigidas que envolvam a manipulação de implementos com bola, bastões, corda, etc. Atividades lúdicas que solicitam a participação de condutas neuro-motoras relacionadas às capacidades coordenativas. Submeter-se a experiências motoras que possam promover o desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades coordenativas. Atividades dirigidas e não-dirigidas que envolvam a manipulação de implementos com bola, bastões, corda, etc. Atividades lúdicas que solicitam a participação de condutas neuro-motoras relacionadas às capacidades coordenativas. O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode: Submeter-se a experiências motoras que possam promover o desenvolvimento e o aprimoramento dos níveis de aptidão física relacionadas à saúde. Atividades dirigidas e não-dirigidas que envolvam a participação dos componentes da aptidão física relacionada à saúde. Atividades lúdicas que solicitam a participação de comportamentos motores voltados às capacidades condicionantes. O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode: Submeter-se a experiências que possam promover o domínio de prérequisitos motores que venham facilitar a execução dos gestos esportivos. Vivenciar situações que possam promover compreensão de regras e normas de convivência social. Atividades dirigidas e não-dirigidas que envolvam a participação de prérequisitos motores para familiarização e execução dos gestos esportivos. Atividades lúdicas que solicitam a participação um grande repertório de ações motoras direcionadas à estruturação de movimentos voltados à execução dos gestos esportivos. Atividades envolvendo jogos pré-esportivos. 45 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1997; 1998) abordam os conteúdos da Educação Física como expressão de produções culturais, conhecimentos historicamente acumulados e socialmente transmitidos, ou seja, cultura corporal de movimento. Capacita o indivíduo a refletir sobre suas possibilidades corporais, e com autonomia, exercê-las de maneira social e culturalmente significativa e adequada. Trata-se de compreender como o indivíduo utiliza suas habilidades e estilos pessoais dentro de linguagens e contextos sociais, pois o mesmo gesto adquire significados diferentes conforme a intenção de quem o realiza e a situação em que isso ocorre. A proposta adquire critérios para a seleção de conteúdos que são: relevância social, características dos alunos e características da própria área. Nos PCNs, os conteúdos são agrupados em blocos que se articulam entre si, com conteúdos em comum, mas guardando especificidades. São os blocos: Conhecimentos sobre o corpo: o corpo é compreendido como um organismo integrado que interage com o meio físico e cultural, que sente dor, prazer, alegria, medo, etc. Para se compreender o corpo abordam-se os conhecimentos anatômicos, fisiológicos, biomecânicos e bioquímicos que capacitam a análise crítica dos programas de atividade física e o estabelecimento de critérios para julgamento, escolha e realização que regulem as próprias atividades corporais saudáveis, seja no trabalho ou no lazer. Esportes, jogos, lutas e ginásticas: os esportes têm regras de caráter oficial e competitivo, organizadas em federações regionais, nacionais e internacionais que regulamentam a atuação amadora e profissional. Os jogos são exercidos com um caráter competitivo, cooperativo ou recreativo em situações festivas, comemorativas, de confraternização, como passatempo e diversão. As lutas caracterizam-se por uma regulamentação específica, a fim de punir atitudes de violência e deslealdade. As ginásticas são técnicas de trabalho corporal que, de modo geral, assumem um caráter individualizado com finalidades diversas. Atividades rítmicas e expressivas: inclui as manifestações da cultura corporal que tem como características comuns a intenção de expressão e comunicação mediante gestos e a presença de estímulos sonoros como referência para o movimento corporal, ou seja, danças e brincadeiras populares. Os PCNs propõem uma organização curricular dividida por ciclos. O documento referente às séries iniciais do Ensino Fundamental é o publicado em 1997, abrangendo 1º e 2º ciclos. 46 No Primeiro Ciclo, que corresponde a 1ª e 2ª série, são propostos os seguintes conteúdos: participação em diversos jogos e lutas, respeitando regras e não discriminando os colegas; explicação e demonstração de brincadeiras ensinadas em contextos extra-escolares; participação e apreciação de brincadeiras ensinadas pelos colegas; resolução de situações de conflito por meio do diálogo, com a ajuda do professor; discussão das regras dos jogos; utilização de habilidades em situações de jogo e luta, tendo como referencia de avaliação o esforço pessoal; resolução de problemas corporais individualmente; avaliação do próprio desempenho estabelecimento de metas com o auxilio do professor; participação em brincadeiras cantadas; criação de brincadeiras cantadas; acompanhamento de uma dada estrutura rítmica com diferentes partes do corpo; apreciação e valorização de danças pertencentes à localidade; participação em danças simples ou adaptadas, pertencentes a manifestações populares, folclóricas ou de outro tipo que estejam presentes no cotidiano; participação em atividades rítmicas e expressivas; utilização e recriação de circuitos; utilização de habilidades (correr, saltar, arremessar, rolar, bater, rebater, receber, amortecer, chutar, girar, etc.) durante os jogos, lutas, brincadeiras e danças; desenvolvimento das capacidades físicas durante os jogos, lutas, brincadeiras e danças; diferenciação das situações de esforço e repouso; reconhecimento de algumas das alterações provocadas pelo esforço físico, tais como excesso de excitação, cansaço, elevação de batimentos cardíacos, mediante a percepção do próprio corpo (BRASIL, 1997). Os conteúdos propostos no Segundo Ciclo, que correspondem a 3ª e 4ª série, são desdobramentos e aperfeiçoamento dos conteúdos do ciclo anterior: participação em atividades competitivas, respeitando regras e não discriminando os colegas, suportando pequenas frustrações, evitando atitudes violentas; observação e análise do desempenho dos colegas, de esportistas, de crianças mais velhas ou mais novas; expressão de opiniões pessoais quanto a atitudes e estratégias a serem utilizadas em situações de jogos, esportes e lutas; apreciação de esportes e lutas considerando alguns aspectos técnicos, táticos e estéticos; reflexão e avaliação de seu próprio desempenho e dos demais, tendo como referencia o esforço em si, prescindindo, em alguns casos, do auxílio do professor; resoluções de problemas corporais individualmente e em grupos; participação na execução e criação de coreografias simples; participação em danças pertencentes a manifestações culturais da coletividade ou de outras localidades, que estejam presentes no cotidiano; apreciação e valorização de danças pertencentes á localidade; valorização das danças como expressões da cultura, sem discriminações por razões culturais, sociais ou de gênero; acompanhamento de uma dada estrutura rítmica com diferentes partes do corpo, em coordenação; participação em 47 atividades rítmicas e expressivas; análise de alguns movimentos e posturas do cotidiano a partir de elementos socioculturais e biomecânicos; percepção do próprio corpo e busca de posturas e movimentos não prejudiciais nas situações do cotidiano; utilização de habilidades motoras nas lutas, jogos e danças; desenvolvimento de capacidades físicas dentro de lutas, jogos e danças, percebendo limites e possibilidades; diferenciação de situações de esforço aeróbico, anaeróbico e repouso; reconhecimento de alterações corporais, mediante a percepção do próprio corpo, provocadas pelo esforço físico, tais como excesso de excitação, cansaço, elevação de batimentos cardíacos, efetuando um controle dessas sensações de forma autônoma e com auxílio do professor (BRASIL, 1997). Para finalizar este item que contempla as diversas abordagens da Educação Física escolar, que apresentam conteúdos e sistematizações específicas e, até mesmo, divergentes e distantes entre si, comungo com a fala de Tani (2008, p. 329): (...) resta ressaltar a necessidade de convergência em substituição à divergência que caracterizou os debates e embates das diferentes abordagens da Educação Física Escolar nos últimos 20 anos. (...) Todos sabem que diferenças ideológicas são praticamente irreconciliáveis e que diferenças de posições filosóficas são usualmente difíceis de dissipar. Não se trata, portanto, de reconciliar o que é irreconciliável, e sim, de dirigir mais atenção aos aspectos comuns, ressaltando-se as semelhanças mais do que as diferenças (TANI, 1998b). O contexto pede a noção de complementaridade (PATTEE, 1978). Neste particular, aceitar a pluralidade é fundamental. (...) Existem hoje abordagens em diferentes níveis de análise, desde o sociológico e o comportamental até o biológico. Como já mencionado, os níveis de análise são irredutíveis, mas cabe indagar: essas abordagens poderiam ser complementares? Essa é uma questão que merece uma reflexão profunda caso pretendamos promover mudanças qualitativas na prática pedagógica da Educação Física Escolar. 1.5.2 Outras propostas A sistematização dos conteúdos da Educação Física é objeto de estudo de muitas pesquisas recentes. Algumas propostas publicadas, como a ―Proposta Curricular de São Paulo‖ e a proposta de KRAVCHYCHYN, OLIVEIRA e CARDOSO, ambas de 2008, abarcam os anos finais do Ensino Fundamental e médio e ensino médio respectivamente. No entanto, não fazem menção aos anos iniciais do fundamental, por isso não serão explicitadas no texto. Freire e Scaglia (2003) propõem uma organização curricular dividida em temas e subtemas. Cada tema é desenvolvido com atividades que compõem o conteúdo da Educação Física. Cada tema corresponde de forma direta ou indireta a subtemas que são as capacidades 48 e habilidades a serem trabalhadas. Estes temas devem estar conectados com os temas transversais socialmente relevantes. Alvitram assim uma ―educação para a autonomia‖ do aluno, utilizando o jogo como principal meio de ensino-aprendizagem dos conteúdos da Educação Física escolar. Os autores distribuem os temas pelas diversas séries do Ensino Fundamental, no qual farei um recorte para apresentar apenas temas concernentes aos anos iniciais do Ensino Fundamental, como ilustrado no quadro 3: Quadro 3: Distribuição dos temas pelas diversas séries 1ª 2ª 3ª 4ª 1- Atividades de sensibilização corporal X X X X 2- Jogos Simbólicos X 3- Jogos de Construção X 4- Jogos de Regras X X X X 5- Rodas Cantadas X X 6- Brincadeiras Populares X X X X 7- Ginásticas Gerais X X X X 8- Danças Folclóricas X X 9- Lutas Simples X X 10- Jogos Pré-desportivos X X 11- Atividades de Fundamentação do Esporte X Adaptado de Freire e Scaglia (2003, p. 42) A proposta de Freire e Scaglia (2003) é que a cada aula seja eleito um tema e um subtema para ser desenvolvido durante a aula. Cada tema pode eleger um ou mais subtemas de acordo com os objetivos da aula. Os subtemas apresentados no quadro 4 são divididos em seis categorias: motores, sociais, afetivos, intelectuais, perceptivos e simbólicos. Quadro 4: Subtemas retirados da obra de Freire e Scaglia (2003) Motores Habilidades de Andar, correr, saltar, desviar, rolar, girar, abaixar, deslocamento levantar, contornar, subir, descer e escorregar. Habilidades de manipulação Segurar, lançar, chutar, bater, rebater, equilibrar, apertar, afrouxar e tocar. Habilidades de estabilização Equilibrar-se, ficar em pé, ficar deitado, ficar agachado, apoiar-se e imobilizar-se. Habilidades desportivas Desarmar, driblar, fintar, cabecear, passar, finalizar, 49 Capacidades Motoras Habilidades Sociais Habilidades Afetivas Habilidades Intelectuais conduzir, antecipar e controlar. Força, resistência, agilidade, velocidade e flexibilidade. Sociais Cooperar, solidarizar-se, organizar grupos, discutir temas, competir e construir regras. Afetivos Amor, altruísmo, agressividade, violência, fraternidade e confiança. Intelectuais Táticas, diálogos, teorias, textos, tomada de consciência da prática, imitações e criações. Perceptivas Habilidades Perceptivas Habilidades Simbólicas Sensibilidade, noção de tempo, noção de espaço e noção do próprio corpo. Simbólicos Imaginação É ressaltada ainda a habilidade de passar como de extrema importância em razão do número de atividades que a mobilizam. Sugere-se também que aulas se iniciem e terminem com uma roda de conversa, para explicitar os objetivos da aula e eleger conteúdos e discutir sobre a aula realizada (FREIRE; SCAGLIA, 2003). Um exemplo de plano de aula é a escolha do tema Brincadeiras Populares para a primeira série e os subtemas, de ordem motora, as habilidades de deslocamento andar e correr e, de ordem perceptiva, as habilidades perceptivas de noção de tempo e de espaço. O conteúdo escolhido foi a atividade de Queimada, que é uma Brincadeira Popular e desenvolve os subtemas escolhidos. Palma e colaboradores (2008) e Oliveira (2004) propõem uma sistematização dos conteúdos da Educação Física para a educação básica, baseado nos quatro núcleos apresentados anteriormente: a) o movimento em construção e estruturação; b) o movimento nas manifestações lúdicas e esportivas; c) o movimento em expressão e ritmo; e d) o movimento e a saúde. Posso dizer que é a primeira obra que traz uma proposta de organização de conteúdos da Educação Física para as séries iniciais. O próximo passo para a elaboração da proposta é a distribuição destes núcleos de forma proporcional a ser destinada ao longo da vida escolar, levando-se em conta a complexidade do desenvolvimento das dimensões humanas. Palma e colaboradores (2008) 50 destacam que essa distribuição não é rígida, tendo os docentes, autonomia para organizar essa distribuição de acordo com sua realidade. A distribuição elaborada pelos autores considera os interesses manifestados pelos alunos ao longo da vida escolar como um dos critérios para a organização dos conteúdos. Vejamos o quadro 5 a seguir. Quadro 5: Proposta de distribuição de conteúdos ao longo das séries escolares em percentuais Séries Núcleos a) o movimento em construção e estruturação b) o movimento nas manifestações lúdicas e esportivas Ensino Fundamental 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 45 40 40 30 30 20 30 30 30 30 20 20 20 10 20 20 c) o movimento em expressão e 30 20 ritmo d) o movimento e a saúde 5 10 Adaptado de PALMA e colaboradores, 2008, p. 39 É preciso observar que as séries contempladas no livro são similares aos anos iniciais (1º a 5º ano) da rede municipal de Cuiabá, diferenciando-se apenas na terminologia série/ano. A proposta de organização dos conteúdos e suas subdivisões, como nomeiam os autores, são ilustrados em quadros para cada série e núcleo em separado. Uma terminologia que me intriga nesta obra é os autores falarem o tempo todo em ―conteúdos‖ e quando delineiam a proposta passam a se referir a ―temas‖, e não mais a conteúdos. Cada quadro (de cada núcleo) traz um ―tema‖ central, um ―subtema‖ e diversos ―assuntos‖. No entanto, não é meu objetivo discutir/criticar a proposta em questão, mas apenas transcrever sua existência. Da mesma forma, outras publicações fazem menção à organização de conteúdos para os anos iniciais do Ensino Fundamental, como a proposta curricular dos trabalhos publicados pelo Laboratório de Estudos e Trabalhos Pedagógicos em Educação Física (LETPEF – UNESP - Rio Claro) e um relato de experiência publicado em 2009 contando a sistematização de conteúdos que elaborei e apliquei na escola (KAWASHIMA; SOUZA; FERREIRA, 2009). Entretanto, para esta pesquisa, não há a necessidade de maiores divagações sobre o assunto. 51 1.5.3 Escola Sarã: o que diz o município de Cuiabá? A organização das escolas estaduais de Mato Grosso e municipais de Cuiabá-MT é por ciclos de formação, sendo que o 1º ciclo refere-se a 1º, 2º e 3º etapas (antigas classes de alfabetização, 1ª e 2ª séries); o 2º ciclo engloba 1º, 2º e 3º etapas (antigas 3ª, 4ª e 5ª séries) e o 3º ciclo, as turmas de 1º, 2º e 3º etapas (6ª, 7ª e 8ª séries). Optei pelos 1º e 2º ciclos por englobar as séries inicias da antiga classificação (1ª a 4ª séries), pois não seria adequado ao estudo escolher apenas as séries que nos interessava, ignorando a classificação dos ciclos de aprendizagem. Para facilitar o entendimento do leitor, adotarei a nomenclatura de anos iniciais como explicitado no capítulo metodológico. Assim, as três etapas do 1º ciclo nomeadas de 1º, 2º e 3º anos, e as etapas do 2º ciclo noemadas de 4º, 5º e 6º anos. As escolas municipais de Cuiabá-MT são orientadas pelos Referenciais Curriculares da Escola Sarã1, proposta curricular construída com a participação de supervisores escolares, professores representantes do Ensino Fundamental, especialistas nas áreas de conhecimento e técnicos da Secretaria Municipal de Educação (CUIABÁ, 1999). Este documento contempla a LDB de 1996, os PCNs e o Projeto Político Pedagógico das Escolas, com o objetivo de orientar o trabalho pedagógico do professor de 1º, 2º e 3º ciclos. Trata-se de uma proposta aberta e flexível que não deve ser entendida como uma receita a ser seguida rigorosamente. A ―enturmação‖ dos alunos considera o seu desenvolvimento formativo, observando critérios de idade, desenvolvimento sócio-cultural e afetivo e o desenvolvimento cognitivo. A ―enturmação‖ por idade é flexível. O foco central da organização do tempo escolar no Ensino Fundamental será o educando e suas idades mais aproximadas de formação (infância, pré-adolescência, adolescência). Este critério de enturmação supõe que os alunos, junto com seus pares de idade, terão mais facilidade nas trocas socializantes e na construção de autoimagens e identidades mais equilibradas. Permanecendo no mesmo grupo de idade, terão maiores oportunidades para sua formação-socialização equilibrada. (CUIABÁ, 1999, p. 94). Vejamos o quadro 6 a seguir sobre a ―enturmação‖ dos alunos na Escola Sarã. 1 (...) o Sarã, vegetação característica da Bacia do Cuiabá e outros rios, possui raízes e copas que se entrelaçam, formando um contínuo a ocupar os espaços degradados pelo homem. (...) O Sarã que acompanha o rio desempenha importantes funções, tanto para o sistema natural quanto para o sistema humanizado, pois além de evitar o processo de erosão, contém, em sua composição, uma diversidade de plantas que servem de abrigo e alimento para os peixes, aves e outros animais. Nesse sistema biológico, organizado desta forma, encontramos inúmeros vegetais usados pelo homem na alimentação e na cura de doenças. Em especial, o sarã-de-leite e o sarã-d‘água são utilizados para fazer utensílios domésticos e instrumentos musicais como a ―viola de cocho‖, muito usada para animar as festas tradicionais do povo mato-grossense. (CUIABÁ, 2000, p. 9-10). 52 Quadro 6: Enturmação dos alunos na Escola Sarã (CUIABÁ, 2000, p. 66) CICLOS ETAPAS AGRUPAMENTOS FAIXA DE DESENVOLVIMENTO 1º ciclo 1ª Etapa 6 a 7 anos 2ª Etapa 7 a 8 anos Infância 3ª Etapa 8 a 9 anos 2º ciclo 1ª Etapa 9 a 10 anos 2ª Etapa 10 a 11 anos Pré-adolescência 3ª Etapa 11 a 12 anos 3º ciclo 1ª Etapa 12 a 13 anos 2ª Etapa 13 a 14 anos Adolescência 3ª Etapa 14 a 15 anos O livro que traz as orientações para a Escola Sarã (CUIABÁ, 1999, p.47) não aponta conteúdos curriculares fragmentados, apenas propõe ―caminhos que devem ser organizados interdisciplinarmente, tendo como eixo norteador os Temas Geradores que emergem da prática social na comunidade na qual está inserida‖. Para a Educação Física, a Escola Sarã se baseia nos ciclos de formação apresentados pelo Coletivo de Autores (SOARES ET AL, 1992), no qual o 1º ciclo corresponde a ―organização da identidade dos dados da realidade‖, o 2º ciclo a ―iniciação à sistematização do conhecimento‖ e o 3º ciclo a ―ampliação da sistematização do conhecimento‖. Entendo que o livro não traz especificações de conteúdos para a Educação Física, e sim uma relação de objetivos propostos para cada ciclo de formação. E ainda, a Educação Física é a única disciplina que não traz uma apresentação de si, sendo que as demais a possuem. Em 2000, a Secretaria Municipal de Educação lança outro livro com o objetivo de registrar e divulgar o projeto político-pedagógico em desenvolvimento e selar um compromisso com a sociedade no sentido de fortalecer a Escola Pública. Traz considerações mais específicas para a Educação Física, tendo como referência o Paradigma da Cultura Corporal, entendendo como seu objeto de estudo a expressão corporal como linguagem. O conhecimento tratado pela disciplina deve levar em conta o desenvolvimento da historicidade da cultura corporal, através da reflexão pedagógica exteriorizada pela expressão corporal ―no Jogo, na Dança, no Esporte, na Ginástica, na Luta, no Teatro e em outras situações do movimento humano.‖ (CUIABÁ, 2000, p. 122). Longe de se propor uma sistematização de conteúdos para a Educação Física, neste livro há direcionamentos de quais conteúdos selecionar para cada ciclo de formação, apontando caminhos para o desenvolvimento de cada um deles. Mesmo sem citar as dimensões dos conteúdos, é possível percebê-los na proposta da Escola Sarã, especificamente na publicação de 2000. O quadro 7 abaixo representa os conteúdos sugeridos para 1º e 2º 53 ciclos por Cuiabá (2000). Observa-se que os conteúdos são apresentados conforme aparecem no decorrer do texto do livro, sugerindo para o 1º ciclo quais conteúdos trabalhar primeiro. Quadro 7 – Conteúdos para 1º e 2º ciclos de formação da rede municipal de Cuiabá (CUIABÁ, 2000). Conteúdos para o 1º ciclo Conteúdos para o 2º ciclo Conhecimento do próprio corpo, reconhecimento de si e das suas possibilidades de ação. Atividades rítmicas – conscientização da corporeidade em relação ao meio, ao espaço, tempo, ritmo e velocidade e a criatividade em sua habilidade motora. Esporte – conteúdos que auxiliem no reconhecimento das propriedades dos objetos e materiais para jogar, oriundos do ambiente natural ou cultural. Relações sociais, lazer e o sentido da convivência. Jogos populares e regionais – jogos de época (aspectos religiosos e sociais). Pensamento tátil, elementos técnicos, organização de jogos, decisão de regras pelos alunos. Vivência de elementos táticos presentes nas manifestações corporais individuais e coletivas da cultura local, nacional e internacional. Contextualização e valorização das raízes da cultura cuiabana e de outras regiões. Questões relativas à fisiologia do esforço, verificação da frequência cardíaca e pressão arterial. Conceitos de aeróbico, anaeróbico e da função cardiovascular. Lutas Relação intrínseca entre as manifestações corporais e a manutenção da saúde e do bemestar físico e mental. Dança – origem, o que representou ou Desenvolvimento do caráter lúdico-solidário na representa e qual seu significado. expressividade da dança, luta, esporte, ginástica e jogo cooperativo. Ginásticas – possibilidades de saltar, equilibrar, balançar e girar em situações de desafios, relativos ao ambiente natural às sensações afetivas e/ou cinestésicas tais como prazer, medo, relaxamento, autoestima e confiança. O referencial que serve de base para esta proposta é o livro elaborado pela Secretaria Municipal de Educação (1997), específico para a área de Educação Física. Esta obra é ―fruto da reflexão coletiva dos professores da Rede Pública participantes do curso que construíram esta Proposta, a partir de seus estudos e análises da realidade do cotidiano escolar‖ (CUIABÁ, 1997, p. 11). O curso mencionado anteriormente se refere a uma especialização para os professores de Educação Física da rede municipal, em ―Metodologia do Ensino da Educação Física‖, nos anos de 1995 e 1996. A obra tem como referência o livro do Coletivo de Autores (SOARES ET AL, 1992), em que os conteúdos ilustrados são semelhantes ao da referência, trazendo algumas 54 adaptações para a realidade local. Acredito não ser necessário elencar os conteúdos específicos ilustrados no livro, já que em tópicos anteriores foram apresentados em Soares e colaboradores (1992). Apenas gostaria de ressaltar que na fala dos nossos sujeitos pesquisados não há referências a esta obra produzida pela Secretaria Municipal de Educação. Ressalto ainda que um dos professores de Educação Física, sujeito desta pesquisa, é coautor do livro, o que será levado em consideração durante a análise em dados. 55 Capítulo 2 METODOLOGIA 2.1 A natureza da pesquisa Esta pesquisa se configura como qualitativa-descritiva, pois segundo Lüdke e André (1986) supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra, através do trabalho intensivo de campo. Como os problemas são estudados no ambiente em que ocorrem naturalmente, sem qualquer manipulação intencional do pesquisador, este tipo de pesquisa também é chamada de naturalística. A necessidade do pesquisador em manter um contato direto com a situação onde os fenômenos ocorrem, naturalmente é devido à grande influência do seu contexto. A pesquisa qualitativa ainda apresenta mais quatro características descritas por Bogdan e Biklen (1994). A primeira consiste nos dados coletados serem predominantemente descritivos, em que o material obtido é rico em descrições de pessoas, situações, acontecimentos, incluindo transcrições de entrevistas e de depoimentos, fotografias, desenhos e extratos de vários tipos de documentos. Todos os dados da realidade são considerados importantes. Há uma preocupação maior com o processo do que o produto da pesquisa, em que a complexidade do cotidiano escolar é sistematicamente retratada. Outro ponto é a tentativa de capturar a perspectiva do participante, isto é, a maneira como os sujeitos encaram as questões focalizadas. E, por fim, a análise de dados tende a seguir um processo indutivo, o que o configura como interpretativo. Assim, esta pesquisa atende às características da pesquisa qualitativa, pois busca descrever e interpretar dados coletados em contextos escolares adversos, com características e sujeitos peculiares. Os dados foram coletados por mim, enquanto pesquisadora, acompanhando o trabalho de um ano escolar completo. 2.2 O campo de estudo O primeiro grande desafio foi escolher as escolas que participariam da pesquisa, por ser eu uma ―forasteira‖ residente em Cuiabá/MT há apenas dois anos e por não me haver permitido ,ainda, um contato direto com as escolas públicas de Mato Grosso. 56 Identifiquei que as escolas estaduais de Mato Grosso e municipais de Cuiabá são organizadas por ciclos de formação e não por séries ou anos como no estado de São Paulo. Nesse tipo de organização, cada ciclo tem três etapas ou fases: a antiga classe de alfabetização, na escola organizada em ciclos, corresponde a 1ª fase ou etapa do 1º ciclo. Assim, a antiga 4ª série, por exemplo, corresponde a 2ª fase ou etapa do 2º ciclo. Digo ―fase ou etapa‖ porque no estado é chamado de ―fase‖ e no município ―etapa‖. Para facilitar a explanação, adotarei a nomenclatura ―anos‖: para o 1º ciclo, falarei em 1º, 2º e 3º anos; para o 2º ciclo, 4º, 5º e 6º anos. O foco da pesquisa são os anos iniciais (de 1ª a 4ª séries), mas não havia professores de Educação Física especialistas nas escolas estaduais para tais anos, somente em alguns municípios do estado, inclusive Cuiabá. Na rede estadual, apesar da Educação Física ser disciplina integrante do currículo, são professoras licenciadas em Pedagogia quem ministra as aulas. Optei, então, por pesquisar escolas municipais de Cuiabá. Em princípio foi escolhida apenas uma escola do Jardim Industriário II para configurar um estudo de caso sobre a sistematização dos conteúdos, visto o interesse da professora de Educação Física daquela escola, em contribuir, disponibilizando seus planejamentos semanais para análise. A próxima etapa seria a de selecionar outras escolas para análise apenas do planejamento anual dos professores, com o objetivo de fazer uma sondagem dos conteúdos selecionados para cada série. Porém, identifiquei que a maioria das escolas não exige o planejamento anual de seus professores, somente planejamento semanal. Então, não seria melhor selecionar mais escolas e verificar como os professores organizam os conteúdos para os anos iniciais do Ensino Fundamental? Inicialmente, a intenção era selecionar o maior número possível de escolas municipais, em torno de 20 a 30 escolas, abrangendo as quatro regionais em que são divididas as escolas de Cuiabá. Sonho? Utopia? Como já havia visitado a escola do Jardim Industriário II, decidi percorrer a regional leste, que abrange desde o bairro Bosque da Saúde até o CPA IV. Acabei selecionando escolas próximas , mas que não pertencem à mesma regional. Assim, o critério de escolha das escolas constituiu-se em escolhê-las em bairros diferentes, independente das regionais que ocupassem, tentando abranger maior diversidade de contextos sociais, aleatoriamente. 57 Após realizar contato com a sexta escola, percebi que não seria possível pesquisar as 20 ou 30 escolas, pois a grande quantidade de dados gerados poderia desviar-me do foco da pesquisa. Optei por seis escolas. Cada uma apresentando suas particularidades: desde o espaço físico onde se realizam as aulas de Educação Física, a metodologia usada para o desenvolvimento delas até a concepção de ―Educação Física‖, conteúdos e sistematização de conteúdos apropriada pelos gestores e professores. 2.2.1 As escolas Selecionados os campos de estudo, a apresentação das escolas seguirá a sequência dos contatos realizados e serão identificadas com a letra E seguida por um número que identificará a ordem das visitas, que por questões éticas, manteria em sigilo o nome das mesmas. A primeira escola contactada foi a E1, do bairro Jardim Industriário II. O bairro é localizado na saída do município e a escola abrange desde a Educação Infantil I até o 2º ciclo (6º ano). Considero uma escola de porte pequeno, visto que atende apenas à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental. possui duas professoras de Educação Física: uma, para o período matutino; outra, para o vespertino. Porém, apenas a professora do matutino aceitou participar da pesquisa. A escola dispõe de um amplo espaço físico entre os blocos de salas de aula, ampla biblioteca e quadra poliesportiva coberta. Vejamos o que a professora de Educação Física diz sobre seus espaços (Figura 2): A sala de aula, eu gosto de aproveitar alguns momentos que não seja de atividades mais de coordenação motora grossa, e principalmente a quadra porque é um lugar lá na minha escola que é muito agradável, muito grande, o espaço físico é muito bom, e é lá que eu trabalho (ROS/ F – 39 anos – P. E1) 58 Figura 2: Quadra da escola E1 durante uma aula de Educação Física A segunda escola visitada, a E2, localiza-se no bairro Canjica. De porte pequeno, atende apenas aos 2º e 3º ciclo, pois a Educação Infantil e 1º ciclo são oferecidos por uma escola que faz fundos com ela. É uma escola muito colorida, com os azulejos nas paredes,decorados com figuras e mensagens, alertando sobre bons comportamentos e atitudes positivas. Porém, o espaço físico é pequeno, dando a impressão de só haver salas de aula e nada mais. A escola tem duas professoras de Educação Física, uma para cada período. Como na escola anterior,nessa, apenas uma aceitou participar da pesquisa. Para aulas de Educação Física, a escola não possui quadra ( Figura 3). Segundo a coordenadora, está em reforma; já a diretora, afirma que não mandará consertá-la porque a comunidade foi quem a destruiu, podendo ocorrer novamente: Eu já disse e repito: nós não temos espaço adequado pras aulas de Educação Física. São jogos intelectivos que não deixa de fazer Educação Física em função dela, trabalhando o intelecto, trabalhando um todo, dentro da sala. Não tem outro espaço, porque esse daqui (pátio externo) é só na quarta e quinta-feira, pelo número de alunos, o espaço é pequeno (CID/ F – 52 anos – P. E2) 59 Figura 3: Pátio externo utilizado para aulas de Educação Física. A terceira escola, a E3,está situada no bairro Bela Vista. É uma escola de porte médio, já que oferece desde a Educação Infantil 1 até o 3º ciclo. É uma das primeiras escolas a receber o projeto Escola em Tempo Integral, do governo municipal, em que as crianças participam de atividades extracurriculares, como tênis de mesa, Karatê e dança, em período diverso ao que estudam. Na escola há apenas um professor de Educação Física que atende a todas as séries. A professora, que inicialmente se dispôs a participar da pesquisa, deixou suas aulas, em meados de maio/2008, em virtude de ela ser de Tempo Integral. Como o professor substituto aceitou participar da pesquisa, decidi contar com os dois sujeitos, supondo que, se existisse uma sistematização de conteúdos, o segundo daria continuidade ao trabalho anterior, sem perdas para os alunos. A E3 dispõe de um terreno amplo, conta com uma quadra coberta e o espaço das salas de aula ocupa apenas parte do terreno. Além da quadra (Figura 4), seus entornos( a sala de aula, a sala de vídeo, o pátio e a biblioteca) são utilizados pelos professores como espaços para as aulas de Educação Física. Todas as salas de aula têm ar condicionado. 60 Figura 4: A quadra da escola. A escola E4 situa-se no bairro ―Carumbé‖, próximo ao presídio de mesmo nome. É de porte pequeno e oferece Educação Infantil, 1º e 2º ciclos. O prédio da escola é alugado do Clube Seleta e possui ar condicionado em todas as salas. É uma escola pequena, mas aconchegante. A escola tem um professor de Educação Física para cada período e ambos aceitaram participar da pesquisa. Os espaços para as aulas de Educação Física limitam-se a sala de aula e um pátio (Figura 5) que, no período vespertino, bate muito sol. Os demais espaços pertencem ao clube e precisam de autorização para utilizá-los, como o campo de futebol e os espaços do salão social. A escola funciona num prédio alugado, então quando tá demais a gente pega o espaço do clube que é ―Seleta‖, pedi, porque o que é alugado é essa parte aqui, parte do clube que é o campo de futebol e os espaços do salão social, quando a gente pede, eles pegam também, aí a gente procura se deslocar e chegar lá... (JOS/ F – 38 anos – P. E4). 61 Figura 5: Pátio coberto utilizado para as aulas de Educação Física. A quinta escola visitada, E5, centrada no bairro Tancredo Neves, de porte pequeno oferta a Educação Infantil, 1º e 2º ciclos. Das seis escolas deste estudo, esta é a única que tem um professor de Educação Física como gestor. As ruas ao redor da escola não são asfaltadas e o portão que dava acesso da rua à quadra da escola, foi arrancado pela comunidade para usufruto do espaço. A escola tem quatro professores de Educação Física, sendo dois para a Educação Infantil e dois para 1º e 2º ciclos. Os dois professores do Ensino Fundamental se dispuseram a colaborar na pesquisa, lembrando que apenas estes foram convidados a participar devido às séries contempladas pela pesquisa. Para as aulas de Educação Física, há a disponibilidade de uma quadra descoberta (Figura 6), em que a comunidade adentra a qualquer hora do dia, inclusive durante as aulas de Educação Física. Há também um espaço cimentado descoberto com portões nas duas entradas, ou seja, é como uma pequena quadra. E um espaço (Figura 7) ao lado, onde os professores armam a rede de voleibol. 62 Figura 6: Quadra da escola utilizada para aulas de Educação Física. No muro branco, à esquerda, é possível observar a entrada da quadra que dá acesso a rua, sem portão. Figura 7: Espaço utilizado para jogos de voleibol com portão de acesso a quadra pequena ao fundo. 63 A última escola contatada foi a E6, localizada no bairro CPA III, de porte pequeno contando com Educação Infantil, 1º e 2º ciclos. As aulas de Educação Física são divididas entre três professores, os quais participam da pesquisa. A escola conta com um amplo espaço físico, com dois blocos de salas de aula, um para a Educação Infantil e outro para 1º e 2º ciclo. Para as aulas de Educação Física, a escola dispõe de uma quadra poliesportiva coberta (Figura 8), uma sala de vídeo com espelho, quadra descoberta (pouco utilizada pelos professores) e espaços com sombras debaixo das árvores, como ratifica a fala da professora a seguir: Uma quadra, quadrinha e quadra coberta, porque antes a gente fazia aí na frente debaixo das árvores, aí construíram a quadra coberta que inaugurou aí a gente usa a quadra lá embaixo. E tem a sala de vídeo também. Tinha a sala de ginástica, com espelho, com tudo, aí tirou e fez mais uma sala de Educação Infantil. É... Lá no anexo... Ali tinha ar condicionado... Aí nós perdemos espaço. Aí ficou a quadra e a sala de vídeo. É porque a demanda é grande, tem muito aluno, não tem creche por aqui, as creches não chegam e aqui tem Ed. Infantil e tem que acolher (SOL/ F – 50 anos – P. E6) Figura 8: Quadra coberta da escola utilizada para as aulas de Educação Física. 64 2.3 Os sujeitos Nas seis escolas optei por pesquisar os gestores (diretores e coordenadores), os professores de Educação Física dos anos iniciais do Ensino Fundamental e três alunos de cada um desses professores. Os alunos são do 4º ano do Ensino Fundamental devido a uma das escolas pesquisadas não atender o 1º ciclo, ou seja, só atende a partir do 4º ano e também, por preferir não escolher o último ano das séries inicias. O número de professores que colaborou com a pesquisa corresponde àquele que trabalham com o 1º e 2º ciclos nas mesmas e em algumas escolas há, no quadro docente, mais de um professor, trabalhando com os anos iniciais do ensino fundamental. Em outras escolas, alguns professores se recusaram a participar, o que justifica o número diferente de sujeitos por escola. O mesmo fato procede com respeito aos alunos, nas escolas em que temos 2 professores participantes da pesquisa, o número de alunos participantes é maior. A seguir,( tabela 1) é apresentado um delineamento das escolas e quantidade de sujeitos pesquisados em cada uma delas. Tabela 1: Delineamento das escolas e sujeitos pesquisados. Escola pesquisada E1 E2 E3 E4 E5 E6 TOTAL Total de 47 sujeitos Diretor 1 1 1 1 1 1 6 Sujeitos Coordenador Professores de Educação Física 1 1 1 1 1 2 1 2 1 2 1 3 6 11 Alunos de 4º ano 3 3 3 6 3 6 24 Por que pesquisar tantos sujeitos de diferentes funções? Acredito que para compreender a importância da existência de uma sistematização de conteúdos organizada pelos professores de Educação Física da rede municipal de Cuiabá-MT. É preciso elucidar o que a gestão da escola compreende e como interfere nesta sistematização; se os professores são os únicos responsáveis por esta organização dos conteúdos. Para isso, nada melhor do que verificar a internalização e compreensão dos mesmos pelos seus alunos. Assim, teremos uma visão ampla e completa do objeto pesquisado neste estudo. 65 O primeiro passo da pesquisa foi receber a permissão para entrar nas escolas. Assim sendo, cada uma recebeu um ofício por meio do diretor ou coordenador da escola, formalizando a coleta de dados na escola, que incluía: entrevistas com professores, gestores e alunos; fotos; filmagens; cópias de documentos e observações. Aos os alunos que concederam entrevista, foi enviado um pedido de autorização aos pais. Quanto à identificação dos sujeitos, durante a pesquisa, foram seguidas as recomendações de Bogdan e Biklen (1994, p. 77) sobre a preservação de suas identidades. ―As identidades dos sujeitos devem ser protegidas, para que a informação que o investigador recolha não possa causar-lhes qualquer tipo de transtorno ou prejuízo‖. O anonimato deve contemplar não apenas o material escrito, mas também os relatos verbais da informação recolhida durante as observações. Os sujeitos serão identificados conforme o exemplo a seguir: LAS/F – 27 anos – P. E1 Legenda: LAS – corresponde a identificação do sujeito pesquisado. F – indica o sexo do sujeito — F para feminino e M para masculino. 27 anos – refere-se à idade do sujeito P – é a legenda destinada a função desenvolvida na escola. P — professor. C — coordenador. D — diretor. E1 – escola em que o sujeito pertence. As crianças terão uma identificação diferente, sendo que todas têm idade entre 9 e 11 anos e é necessário conhecer quem é o seu professor para análise comparativa entre os discursos do professor e do aluno. A identificação se dará da seguinte forma: LAS/F – E1 – CIN Legenda: LAS – corresponde a identificação do sujeito pesquisado. F – indica o sexo do sujeito — F para feminino e M para masculino. E1 – escola em que o sujeito pertence. CIN – corresponde à identificação de seu professor de Educação Física 66 Assim, todas as transcrições de falas dos sujeitos, referências a documentos entregues por eles ou observações de suas ações, serão identificadas conforme legenda anterior. 2.4 Procedimentos metodológicos: coleta de dados Após a definição do lócus e sujeitos da pesquisa, iniciou-se a coleta de dados , realizadas em três fases distintas: 1ª) entrevistas com gestores, professores de Educação Física e alunos das escolas pesquisadas (APÊNDICE A); 2ª) observação de aulas de Educação Física dos professores participantes do estudo e entrevista com os alunos destes professores; 3ª) coleta dos planejamentos anuais, bimestrais e/ou semanais dos professores. 2.4.1 As entrevistas A primeira fase foi realizada durante o primeiro semestre de 2008, até meados de julho do mesmo ano. Porém, devido à dificuldade de encontrar alguns sujeitos, no caso gestores das escolas, algumas entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2008, uma delas próxima ao fechamento do ano letivo. A decisão em realizar entrevistas, no início da pesquisa, foi tomada com a intenção de conhecer melhor os sujeitos entrevistados, bem como a percepção que tinham sobre o assunto abordado. Assim, ficou mais fácil a participação deles das etapas seguintes da pesquisa, como a observação das aulas dos professores de Educação Física. A entrevista é uma técnica para recolher dados descritivos, na linguagem do próprio sujeito, o que permite ao pesquisador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Ludke e André (1986) lembram que a grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Esta técnica permite ainda correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam eficaz na obtenção das informações desejadas. O tipo de entrevista utilizada nesta pesquisa é a semi-estruturada que, segundo Lüdke e André (1986, p. 35), ―se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações‖. Assim, foi elaborado um esquema de perguntas com o objetivo de compreender a visão dos sujeitos 67 quanto aos conteúdos da Educação Física e sua organização para os diferentes anos do Ensino Fundamental. Todas as entrevistas foram realizadas dentro da escola, nos momentos de disponibilidade dos sujeitos. Já a entrevista com as crianças aconteceu após a observação de uma aula de Educação Física em que se faziam presentes, mais especificamente a segunda aula dentre as três observadas por mim. Optei pela gravação das entrevistas em áudio, utilizando um gravador de voz, modelo ICD-UX70 da Sony. Este modelo grava o som em formato digital (MP3), o que permite uma ótima qualidade de áudio e a facilidade de transferir as entrevistas diretamente para o computador. O gravador é pequeno e discreto, não intimidando o entrevistado que, naturalmente, se mostra apreensivo no início da entrevista. Para as crianças, procurei mostrar o funcionamento do gravador antes de iniciar a entrevista, apresentando até mesmo a fala de alguns colegas entrevistados anteriormente para que compreendessem o mecanismo do equipamento. Desse modo, as crianças desviariam sua atenção do gravador e se concentrariam na entrevista, uma vez que objetos diferentes sempre despertam curiosidade nas crianças. Os sujeitos foram entrevistados em local reservado, normalmente numa sala vazia da escola, biblioteca ou sala dos professores, para que não houvesse interferência nas gravações e nem nas concepções dos mesmos, deixando-os a vontade para falarem livremente sobre seus pontos de vista. A transcrição das entrevistas é uma tarefa árdua que consome várias horas de trabalho. Lüdke e André (1986) afirmam que o resultado produzido pela transcrição ainda é bastante cru, com informações contidas num todo indiferenciado, sendo difícil distinguir, em princípio, as menos importantes daquelas realmente centrais. Esta técnica permite conhecer o que cada um dos sujeitos pesquisados pensa realmente sobre o assunto abordado. Posso assim, conhecer suas concepções, naquilo em que acreditam e se apropriam em sua prática docente, mesmo que suas crenças não interfiram no seu fazer cotidiano. 2.4.2 As observações Após o primeiro contato com os sujeitos, no caso gestores e professores, o segundo momento foi o da observação de três aulas seqüenciais dos professores de Educação Física. Optei por observar as aulas dos 4º anos, pois é uma série intermediária entre 1º e 2º ciclos e na qual a maioria dos professores pesquisados ministrava aula. 68 Não foi possível observar as aulas de apenas três professores: a professora ANE já tinha se afastado para o projeto Escola Integral no segundo semestre; a professora SOL não ministra aula para 4º anos; e o professor CIN esteve de licença por quase todo o segundo semestre de 2008. Assim, observei as aulas de oito professores, sendo três aulas consecutivas de cada, pontuando que os alunos destes professores só foram entrevistados ao término da segunda aula observada. Foram observadas três aulas devido ao curto tempo para coleta dos dados e quantidade de sujeitos. A técnica de observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o objeto de pesquisa que, para Lüdke e André (1986), apresenta vantagens como a experiência direta na ocorrência do fenômeno e a opção do pesquisador em recorrer aos conhecimentos e experiências pessoais como auxiliares no seu processo de compreensão e interpretação. Os autores ainda afirmam que a observação direta permite que o observador se aproxime mais da perspectiva dos sujeitos, auxiliando no descobrimento de novos aspectos do problema. Contudo, alerta para que o pesquisador não se envolva demasiadamente para que não obtenha uma visão distorcida do fenômeno, já que a observação pressupõe a interpretação pessoal. Nesse sentido, tomei os devidos cuidados para que minha presença não modificasse o andamento das aulas e nem provocasse sensações angustiantes nos professores e alunos. As observações foram autorizadas pelos professores de Educação Física, sendo comunicadas e combinadas previamente. Elaborei um roteiro para orientar as observações, a fim de me ater em pontos importantes para a obtenção de dados que me permitiriam uma análise completa do problema. O roteiro contava das seguintes observações: a) se o conteúdo citado pelo professor estava sendo desenvolvido durante a aula; b) como o conteúdo é desenvolvido segundo suas dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais; c) a participação e envolvimento com a aula dos alunos que seriam entrevistados; d) se havia sequência de conteúdos de uma aula para outra. Lüdke e André (1986) recomendam que a parte descritiva deva compreender um registro detalhado do que ocorre ―no campo‖, como descrição de sujeitos, reconstrução de diálogos, descrição dos locais, de eventos especiais, atividades e comportamentos dos observados. 69 Em todas as aulas observadas, o primeiro procedimento era de perguntar ao professor de Educação Física qual seria o conteúdo ministrado naquela aula e anotar no diário de campo. Depois, acompanhava o professor até o local onde seria realizada a aula, procurando não chamar atenção das crianças, para não me tornar o centro das atenções e atrapalhar o professor. Claro que no primeiro dia de observação foi impossível não causar alguma estranheza nas crianças, mas sanadas todas as dúvidas, logo se esqueciam da minha presença. Pude, assim, presenciar e anotar os diálogos entre as crianças, entre elas e o professor, atitudes dos professores em determinadas situações, e até mesmo opiniões, expectativas, indignações minha, enquanto observadora e outros esclarecimentos necessários. Lüdke e André (1986) nomeiam esta segunda parte de ―reflexiva‖, em que o pesquisador inclui anotações pessoais às suas observações. As observações foram acompanhadas por foto com o objetivo apenas de complementar ou ilustrar algum fato observado e não na intenção de utilizá-la como um método de coleta de dados. A câmera utilizada para os registros fotográficos é da marca Fujifilm, modelo FinePix A330, com 3.2 mega pixels de resolução máxima. Seguindo as orientações de Lüdke e André (1986), utilizei um pequeno caderno para anotar minhas observações e destaquei inicialmente a cada registro o dia, hora da aula, local observado, período de duração, nome do professor e escola. Todo esse material foi transcrito para o Word, para facilitar o posterior trabalho de análise de dados. Nas anotações, Bogdan e Biklen (1994) sugerem que todo comentário pessoal do observador (parte reflexiva) siga a notação C.O, que quer dizer, comentário do observador. Os diálogos foram ouvidos e transcritos e se encontram entre aspas para facilitar a identificação do leitor. 2.4.3 Os documentos O último e talvez mais complicado passo da coleta de dados foi a obtenção de documentos, no caso, dos planejamentos dos professores de Educação Física. Não foi uma tarefa fácil, pois cada professor elabora um tipo de planejamento, seja anual, bimestral ou semanal, todos eles, ou ainda nenhum deles. A maioria dos professores só faz os planejamentos que são cobrados pela gestão da escola e, mesmo sendo uma responsabilidade profissional e um compromisso ético, a elaboração de planos de aula semanais são pouco utilizados pelos mesmos. 70 Desde o início da coleta de dados deixei bem claro todos os procedimentos que adotaria. Um desses procedimentos é de que seria solicitada ao final do ano letivo de 2008 uma cópia de todo planejamento dos professores. Alguns foram muito além e me entregaram até cópias dos projetos que desenvolveram durante o ano, porém outros professores não me entregaram nenhum documento. Bogdan e Biklen (1994) consideram este tipo de documento como ―oficiais‖, o que permite um acesso a perspectiva oficial, bem como às várias maneiras como o pessoal da escola se comunica. Considero assim os planejamentos como documentos oficiais, do tipo técnico (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), em que os professores organizam suas tarefas com precisão e eficiência para executá-las em sua prática diária. Lüdke e André (1986, p. 39) indicam três situações básicas em que é apropriado o uso da análise documental, uma delas justifica nossa escolha que é ―quando se pretende ratificar e validar informações obtidas por outras técnicas de coleta, como, por exemplo, a entrevista, o questionário ou a observação‖. Nesta pesquisa, a análise documental é um importante instrumento que permitirá identificar quais conteúdos planejados e se fazem parte das suas aulas. Assim, pude averiguar o que ―dizem‖ os professores (entrevistas), o que ―pensam/planejam‖ (análise documental) e o que ―fazem‖ (observação das aulas). Deste modo contemplaria uma dimensão maior do objeto de estudo desta pesquisa. . 2.5 A análise dos dados As análises basearam-se na análise interpretativa dos dados coletados, a fim de construir-se um conjunto de categorias descritivas. Em princípio, defini três grandes categorias de análise baseada nos sujeitos desta pesquisa: a primeira refere-se aos gestores; a segunda, aos professores e a terceira, aos alunos, lembrando que o meu objeto de pesquisa é a sistematização de conteúdos da Educação Física para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental. Estas três grandes categorias correspondem a cada um dos meus três capítulos de análise. O primeiro capítulo de análise foi elaborado a partir das análises das respostas dos gestores. Foram detectadas recorrências nas respostas dos mesmos, originando assim cinco subitens de análise: as orientações gerais passadas aos professores de Educação Física; as orientações sobre os conteúdos específicos; a visão dos gestores sobre a interdisciplinaridade e trabalho com projetos; os conteúdos trabalhados pelos professores de Educação Física 71 segundo depoimentos dos gestores; os conteúdos que os gestores acreditam que deveriam ser ensinados nas aulas de Educação Física e não são. No segundo capítulo da análise dos professores, dividi em três partes partindo dos elementos de análise, pensando na lógica de construção da sistematização de conteúdos pelos professores. Neste sentido, no primeiro momento, apresento a análise dos planejamentos dos professores, pois mesmo sendo a última fase da coleta de dados, subentende-se que o ato de planejar é anterior ao ―dizer sobre‖ ou ―executar a ação‖. Na sequência, a segunda fase da análise, corresponde à fala dos professores (entrevistas) e, a terceira fase, às observações de suas aulas (ao fazer do professor). O terceiro capítulo de análise corresponde às falas das crianças sobre quais conteúdos aprendem nas aulas de Educação Física. Percebe-se que há também uma lógica na sequência dos capítulos propostos, lendo o contexto escolar numa estrutura vertical: os gestores oferecendo apoio administrativo e pedagógico aos professores, estes, elaborando e executando suas ações pedagógicas e os alunos, foco do ensino-aprendizagem, recebendo os conhecimentos transmitidos pelos professores. A estrutura da análise é a seguinte: Capítulo 3 – Orientações dos gestores quanto à sistematização de conteúdos (análise de entrevistas e documentos). Capítulo 4 – Sistematização de conteúdos: visão dos professores de Educação Física. O que planejam? (análise de documentos); O que dizem? (análise das entrevistas); O que fazem? (análise das observações de aulas); Capítulo 5 – A visão dos alunos: quais conteúdos aprendem?(entrevistas). 72 Capítulo 3 PERCEPÇÕES DOS GESTORES: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Venho neste momento retratar as percepções dos gestores das escolas pesquisadas quanto aos conteúdos específicos da Educação Física, bem como uma possível sistematização dos mesmos para cada ciclo de aprendizagem e/ou cada ano inicial do Ensino Fundamental. Lembrando que os gestores contribuíram com a pesquisa através de entrevistas e, apenas um gestor — único da área de Educação Física — com documentos oficiais, no caso, seu planejamento, de quando atuava como professor. Aos gestores, direcionei dois questionamentos fundamentais: um, alusivo aos direcionamentos dados aos professores de Educação Física quanto aos conteúdos específicos: outro, sobre as orientações em relação à organização destes conteúdos, para cada ano do Ensino Fundamental (1º e 2º ciclos). A seguir, serão apresentados os depoimentos dos gestores, bem como a análise de suas falas. Os depoimentos foram classificados de acordo com as categorias teóricas iniciais ou conceitos emergentes (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). 3.1 Orientações dos gestores aos professores de sua escola Serão apresentados os depoimentos dos gestores sobre as orientações dadas aos professores de Educação Física da sua escola a respeito dos conteúdos específicos e sua organização para os ciclos. Vejamos o que dizem as diretoras de três escolas: Olha, esse lado aí eu deixo mais pro coordenador. Eu vou ser sincera pra você, tá? Ela fala comigo o que vai fazer com o profissional e eu apoio, tá tudo bem pode fazer desse jeito, tá? (NAI/F – 52 anos – D. E6). (...) a coordenadora está sempre perto, tá sempre cobrando, discutindo com eles. Só que, ainda não sai tão... não sai. A gente acaba perdendo a... A SIL, a coordenadora, que é ela (coordenadora) que tem um contato maior, eu fico sabendo porque a gente conversa muito, eu fico sabendo mas não sou eu que acompanho diretamente, é ela (ANT/F – 38 anos – D. E4). Da parte pedagógica não, eu posso assim, em reunião ou nós duas conversando, eu dar alguma sugestão, mas a coordenadora é encarregada pelo pedagógico. Ela não toma nenhuma decisão sozinha, assim como eu não tomo nenhuma decisão sozinha, mas conjuntamente, com ela a frente do pedagógico (ROS/F – 32 anos – D. E1). Contextualizando a gestão das escolas, nas três respostas anteriores percebi que os diretores, mesmo tendo uma opinião própria e, às vezes, até diferente das coordenadoras, a 73 atribuição de fazer considerações acerca da prática pedagógica do professor é da coordenação, o que também não impede ao diretor de fazê-la. Na realidade, a função de coordenação, em qualquer escola, exige por parte do professor que a assume, um contato maior com as práticas pedagógicas. Então, salvo algumas exceções, a maioria dos questionamentos foi respondida com maior profundidade pelas coordenadoras. Outras duas escolas optam pelo trabalho coletivo entre diretora e coordenadora, ficando ambas responsáveis por acompanhar o trabalho do professor de Educação Física e fazer as orientações pedagógicas necessárias. Na fala das gestoras da E2 esta visão não é explícita, mas fica bem evidente no decorrer da entrevista. Já a diretora da E3 deixa isso bem claro em sua fala. Vejamos: A minha interferência é direta, enquanto diretora não, mas eu diria assim, eu sou uma diretora muito pedagógica. Eu falo a verdade pra você, assim, eu sou mais do pedagógico do que do administrativo, muito embora eu tenho as pessoas que a gente caminha bem dentro da escola. A gente procura fazer um trabalho coletivo, então, a gente num tem isso assim, a coordenadora que tá fazendo isso, a diretora que tá fazendo, não. Esse é um trabalho coletivo mesmo, dentro da escola, e aí quando eu vejo qualquer coisa assim que muitas vezes, pra mim, algumas horas pode não estar correta, minha prática é sentar primeiro com a coordenadora ver como que está, ver o que ela acha, como nós vamos trabalhar, e aí a gente trabalha. Eu nunca fiz um trabalho isolado de chamar a professora de Educação Física e falar olha você tem que trabalhar assim, assim não. Por exemplo, ontem na hora que a coordenadora chegou na escola eu já estava com o e-mail do professor e já estava passando pra ele como que nessa escola trabalha. Então quando a coordenadora chegou ela fez só complementar porque a gente não tem assim você tem que dar isso. (ENE/F – 54 anos – D. E3). Na escola E5, a situação é distinta, pois o diretor da escola é professor de Educação Física. Inclusive, vale ressaltar que o diretor BER é o único gestor do sexo masculino participante desta pesquisa, sendo os demais do sexo feminino. A coordenadora da E5 diz ―(...) porque assim, eu não tenho uma formação em Educação Física, a gente não domina tudo, mas eu tenho o BER que tá sempre ajudando a orientar, porque ele é um professor de Educação Física. Então ele ajuda a orientar os professores‖ (ERO/F – 39 anos – C. E5). Sobre os conteúdos específicos da Educação Física, duas coordenadoras (SIL e OLI) relatam que não interferem no trabalho do professor de Educação Física, tendo ele autonomia para escolher os conteúdos para cada ano de ensino. Na fala da coordenadora SIL a seguir, o que se percebe é a liberdade para os professores escolherem a melhor forma de trabalhar, dando apenas direcionamentos mais gerais, no âmbito pedagógico e não indicando conteúdos a serem trabalhados. 74 Por não dominar, é uma área que as professoras dominam muito mais do que eu, os conteúdos basicamente são elas que definem. Por exemplo, tá aqui a habilidade que foi encaminhada pela rede, aí o quê que a professora precisa fazer para dar conta, quais são os conteúdos que ela vai lançar mão pra dar conta? Aí a gente discute as habilidades, qual que é o conteúdo? Se ela me disser é esse que vai dar conta, eu não tenho argumentos pra rebatê-la, não tenho, o que elas me dizem acaba ficando, né? Em algumas situações eu leio a respeito sobre o assunto, sobre a temática, eu tento comparar, verificar, mas eu ainda não tive elementos pra perceber que tinha alguma irregularidade grande naquilo que elas fizeram. Eu não tenho condições, infelizmente... (SIL/F – 34 anos – C. E4). A coordenadora OLI da escola E1, diz que as professoras de Educação Física de sua escola organizam os conteúdos no planejamento anual e assim, não precisam acrescentar outros direcionamentos. Vejamos o que ela diz: (...) no início do ano elas fazem planejamento anual e aí dentro do planejamento anual elas mesmo já dividem isso, então não precisa de eu estar acrescentando em um trabalho que já está bem dividido, elas dividem muito bem, tanto pelo ciclo como pelo ano de cada ciclo. Aí são além desse trabalho, quando eu recebo o planejamento anual já vem tudinho as orientações específicas. Porque no início do ano nós temos uma semana de planejamento e esse planejamento além de reuniões pedagógicas, nós temos um momento pra que cada professor coloque é... no papel tudo o que vai ser trabalhado. (...) E aí dentro desse planejamento, que é o planejamento anual, quando eu retenho, eu vejo quais são as orientações, como elas vão trabalhar e durante o ano aí tem planejamento semanal e elas fazem essa especificidade... (OLI/F – 47 anos – C. E1). O planejamento de ensino deve ser compreendido e concebido como uma das responsabilidades do professore, portanto, também do professor de Educação Física, que tem condições de organizar sua tarefa docente com precisão e eficiência (MOREIRA, 2008). As análises mostraram que os diretores pouco interferem no trabalho dos professores de suas escolas, deixando esta ação para os coordenadores. Acredito que se os professores de Educação Física tivessem a consciência da importância de planejar suas aulas, organizando os conteúdos para cada ano da educação básica, as discussões a respeito da sistematização de conteúdos teria outro enfoque. Não precisaria ser enfatizada sua necessidade, tão pouco constatar a falta dela, mas as discussões poderiam permear dimensões mais metodológicas do que conceituais. 3.2 Conteúdos específicos orientados pelos gestores Os documentos formais mais citados pelos gestores como base utilizada para sugerir conteúdos específicos da Educação Física aos professores de sua escola são fundamentalmente três: os PCNs, o projeto da Escola Sarã e o dossiê. Os dois primeiros são apenas citados, porém os dossiês são mais evidenciados na fala de alguns gestores. Outro 75 documento, mas este de caráter informal, citado como orientação aos professores é o planejamento pessoal elaborado pelo diretor BER enquanto ainda professor de Educação Física de sua escola. Vale à pena ressaltar que os gestores deram ênfase nos questionamentos sobre os conteúdos específicos, porém sobre a sistematização dos mesmos a maioria desviou o assunto, voltando a falar apenas dos conteúdos específicos. Apenas em uma das escolas os gestores não fazem menção a nenhum documento formal que apresente aos professores a fim de orientar seu trabalho. E, das seis escolas pesquisadas, em três delas os gestores mencionam utilizar os PCNs como orientação para os professores de Educação Física selecionarem os conteúdos específicos e sistematizar os mesmos. Vejamos as falas a seguir. Tem orientação porque nós trabalhamos com os PCNs, embora o pessoal não usa, mas eles são de grande contribuição para que nos dê diretrizes pra fazer ou o projeto da EF, ou o plano de aula, ou o planejamento, é ele que nos dá a diretriz (...) (VIT/F – 56 anos – C. E2). Da Secretaria de Educação não, nós seguimos como orientação também os Parâmetros Curriculares. Vindo diretamente de lá pras escolas não. Mas eles tem é... pagam curso, foi esse ano? Foi ano passado se não me engano que eles tiveram... esse ano também tiveram (ROS/F – 32 anos – D. E1) (...) nós temos assim o PCN, né? que eu passo pra eles, distribuo o material pra eles, que é o que eu tenho acesso a alguns materiais eu distribuo pra eles (ERO/F – 39 anos – C. E5). A coordenadora VIT, quando questionada se existia alguma orientação da gestão da escola em relação aos conteúdos específicos a serem trabalhados na Educação Física, menciona os PCNs, mas alega que são pouco utilizados pelos professores. Já a diretora ROS comenta que da Secretaria de Educação não existe nenhuma orientação para os conteúdos específicos e nem para organização dos mesmos para cada ano de ensino. É interessante esta fala porque sugere que a Secretaria de Educação não interfere no trabalho pedagógico das escolas, dando-lhes autonomia para escolher a melhor forma de trabalhar. Entretanto, existe sim um referencial oficial que aborda conteúdos específicos, embora precariamente, que é o projeto da escola Sarã. No caso da escola E5, a coordenadora relatou que oferece os PCNs aos professores de Educação Física fazerem uso do material; o diretor da escola, já sugere o livro da escola Sarã como referência ao trabalho dos professores, pois o material traz os objetivos para cada ciclo e a partir daí podem organizar os conteúdos. 76 (...) No Livro Sarã, que é a ―Bíblia‖ da escola municipal, não só pra Educação Física como também pras outras disciplinas, em termos curriculares, lá tem os objetivos de formação pro primeiro ciclo, pro segundo ciclo e também pra Educação Infantil. Então, pra se montar um planejamento tem que estar baseado ali, os tipos de atividades aplicadas e desenvolvidas em cada faixa-etária, Educação Infantil, primeiro ciclo e segundo ciclo. Aí cabe ao professor se organizar pra tomar esse cuidado pra... não é? (BER/M – 44 anos – D. E5). Neste momento, acredito que os dossiês merecem destaque, já que no referencial teórico pude relatar os conteúdos propostos pelos PCNs e escola Sarã. Os dossiês constituemse documentos de avaliação exclusivos para todas as escolas da Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá-MT. Este documento, diferente para cada ciclo, traz uma matriz de habilidades e competências que os alunos devem desenvolver através do trabalho do professor. Não importa qual conteúdo será desenvolvido, ele sempre será avaliado em relação às habilidades e competências (resultados esperados) determinadas para a matriz do ciclo em que ele se encontra. Em duas das escolas pesquisadas, os gestores fazem menção aos dossiês. A diretora da E3 explica que as habilidades contidas nos dossiês foram retiradas do projeto da escola Sarã. Vejamos sua fala. Como referência nossa, seria ainda a escola Sarã, tá? Porque nós temos um manual praticamente porque ali, e também dentro do projeto Sarã foi feito um trabalho coletivo dentro da rede, todo mundo estudou, então ali já tem todas as nossas habilidades, e essas habilidades foram elaboradas também pelos professores de Educação Física. Então a gente, praticamente não diria que é a nossa... mas é o nosso dia a dia, o que contempla no dossiê, também contempla dentro do nosso projeto político pedagógico (ENE/F – 54 anos – D. E3) A coordenadora e a diretora da E3 têm a mesma opinião quanto à utilização dos dossiês para seleção de conteúdos específicos. Elas dizem que não existe direcionamento para o conteúdo em particular, mas que nas habilidades trazidas pelos dossiês já estão descritos os conteúdos a serem trabalhados. Não, não os conteúdos, assim, em si, não, mas de acordo com as habilidades que eles têm que desenvolver, de acordo com o dossiê, porque é através daqui que a gente trabalha, e eles, daqui, ele mesmo vai tirar os conteúdos (NOR/F – 44 anos – C. E3). (...) mas neste dossiê dos alunos, já vem praticamente o que específico que eles têm que trabalhar. Então, a gente tem o nosso projeto, mas não esquece das habilidades que cada aluno tem que alcançar, e aqui nesse dossiê, já estava escrito de todas as disciplinas como o professor tem que trabalhar, né? As habilidades (ENE/F – 54 anos – D. E3). Vejamos então as habilidades contidas nos dossiês de 1º e 2º ciclo. Ambos trazem inicialmente uma página contendo os ―aspectos psicológicos e atitudinais‖ que são habilidades gerais a serem atingidas por todas as disciplinas. 77 Estas habilidades são as mesmas para 1º e 2º ciclo, e são elas: revela comportamento de assiduidade; demonstra pontualidade nas entradas e saídas da escola; realiza tarefas na escola em casa, com autonomia; demonstra atitudes de conservação do patrimônio público; emite opiniões, formula perguntas e suposições sobre o assunto em estudo; relaciona-se de forma educada com os colegas e professores (evita agressões físicas e verbais); demonstra atitudes de autoconfiança frente às aprendizagens; envolve-se nas atividades propostas em sala e extraclasse; participa das aulas de apoio com assiduidade e pontualidade, quando encaminhado. Entendo que estas habilidades se referem à dimensão atitudinal do conteúdo, proposta por Coll e colaboradores (2000) e, ainda, podem ser classificadas como transversais, pois são comuns a todos conteúdos de todas disciplinas, como apresentado no referencial teórico. Para o 1º ciclo, a diretora da E3 nos alerta que ―não é por disciplina, é por área, no caso, Linguagens. Mas há alguns itens, por exemplo,como apresentar movimentos de destrezas de acordo com as possibilidades, então a gente vê aqui no que a professora de Educação Física pode estar avaliando‖ (ENE/F – 54 anos – D. E3). Na área de Linguagens, lócus da Educação Física, das dezessete habilidades a serem atingidas pelos alunos ao longo dos três anos do 1º ciclo, apenas três correspondem a Educação Física. São elas: 1) Apresentar movimentos de destreza, de acordo com suas possibilidades individuais, durante os jogos, lutas, danças, esportes e ginásticas; 2) Reconhecer que a cooperação e o sentimento comunitário são mais importantes que a luta competitiva; 3) Criar, imitar e recriar gestos, expressões, coreografias, sequências de movimentos corporais. A diretora ENE completa que ―as habilidades mostram que os conteúdos já estão descritos nessas habilidades‖. Neste sentido, a primeira habilidade descrita anteriormente indica, por exemplo, que eu posso selecionar os conteúdos jogos, lutas, danças, esportes e ginásticas e suas possibilidades de movimentação, além do conhecimento do próprio corpo. É possível perceber que através destas habilidades a serem avaliadas nos dossiês, os professores de Educação Física tenderiam a selecionar os blocos de conteúdos explicitados pelos PCNs (conhecimentos sobre o corpo; esportes, jogos, lutas e ginásticas; atividades rítmicas e expressivas). Além de também direcionar a seleção de conteúdos atitudinais, como a cooperação e criatividade. Para o 2º ciclo, as habilidades e competências estão divididas por disciplinas e, portanto, a Educação Física tem uma página exclusiva. São descritas seis habilidades a serem avaliadas na Educação Física, sendo elas: 78 1) Participar em atividades rítmicas e expressivas, danças da localidade, coreografias, etc. 2) Participar em atividades competitivas, respeitando as regras, não discriminando colegas e admitindo frustrações. 3) Expressar opiniões pessoais quanto a atitudes e estratégias a serem utilizadas em situações de jogos, esportes e lutas. 4) Compreender a relação e a importância da prática das manifestações corporais enquanto fator de manutenção da saúde e bem estar físico e mental. 5) Participar da prática/exibição das manifestações corporais na escola e na comunidade. 6) Demonstrar sensibilidade às solicitações dos outros membros do grupo. Novamente é possível destacar os blocos de conteúdos contidos nos PCNs como base para seleção de conteúdos através das habilidades descritas acima. Percebe-se também que há uma progressão em relação ao primeiro ciclo, ou seja, um leve aprofundamento das habilidades e, consequentemente, dos conteúdos. Deste modo, pelo menos em relação aos ciclos de aprendizagem (1º e 2º ciclos), subentende-se que os conteúdos devem ser distintos, sugerindo que o professor de Educação Física deva sistematizar os conteúdos e não repeti-los ou simplesmente reproduzi-los em cada ciclo de aprendizagem. Por exemplo, quando se pensa no bloco de conteúdos ―conhecimentos sobre o corpo‖, para o 1º ciclo é necessário conhecer o próprio corpo e seus limites, e no 2º ciclo as relações entre atividade física e saúde. É o indício de que este conteúdo deve ser organizado para cada ciclo. Quando questionadas sobre a existência de uma sistematização dos conteúdos específicos para a Educação Física, a coordenadora NOR diz se basear nas habilidades, que o professor deve avaliar se foi ou não construída pelo aluno. Porém, não evidencia nada em específico sobre a sistematização. Tudo em cima das habilidades (...), por exemplo, ela vai ter que... Construída ou não construída. Então se ela desenvolveu a participação rítmica dos alunos, ela sabe se o Cláudio construiu essa habilidade, porque essa aqui, essa aqui é a avaliação do aluno. (...) É porque nós somos escola ciclada, é escola ciclada, então, tudo a gente vai ver dentro do dossiê (NOR/F – 44 anos – C. E3). A diretora ENE, no entanto, explicita que as habilidades devem ser trabalhadas no decorrer dos três anos do ciclo, cabendo ao professor eleger atividades para desenvolvê-las. Ela sugere que as atividades podem ser as mesmas para cada ano, mas com diferentes graus de dificuldade. Percebe-se que ela fala de atividades aplicadas durante as aulas e não em conteúdos específicos para cada ano de ensino. 79 Tem, tem sim. Por exemplo, no primeiro ciclo, deixa eu pegar um dossiê pra você ver, o dossiê ele é feito pra 3 anos, entendeu? (...) O professor põe a mesma habilidade, aqui também as habilidades, mas aí o professor vai ter que fazer as atividades para trabalhar as habilidades que estão descritas aqui. Pode ser a mesma coisa, mas vai alcançando um grau de dificuldade, por exemplo. (ENE/F – 54 anos – D. E3). Na escola E4, a diretora relata que a equipe (gestores e professores) foi além da divisão por ciclos de aprendizagem e decompuseram as habilidades em etapas. As etapas correspondem a cada ano dentro dos ciclos, ou seja, dentro das habilidades propostas para cada ciclo, a equipe destacou quais seriam específicos para o 1º ano, 2º, 3º até o 6º ano. (...) tem? Porque a gente recebe a matriz de habilidades que vocês já devem ter entrado em contato com ela. Então lá, tem assim o que você precisa trabalhar no primeiro ciclo, no segundo (...) o professor quando ele vai fazer a avaliação dele, eles têm como referência a matriz (...) tem que trabalhar tá lá dentro. E esse início de ano foi levantado assim, o que o primeiro ciclo tem, o que cabe a ela dentro dessa matriz que se avalia em ciclo que são três anos, o que o primeiro ciclo cabe a ela, o que não, o que a primeira etapa cabe a ela, o que a segunda cabe, o que a terceira etapa cabe, dentro de um ciclo. (...) A orientação é por ciclo e dividido em etapas a partir deste ano. Então nós estamos tentando trabalhar dessa forma, até pra não se perder, que quando você fala em ciclo, né? são três anos, então, vai deixando, vai deixando e no final do ciclo atropela e num dá tempo mais... (ANT/F – 38 anos – D. E4). Esta divisão por etapas relatada pela diretora ANT foi uma forma encontrada para que os professores não trabalhassem com determinadas habilidades em um ano e deixassem de lado as outras, tendo ao final do ciclo que resgatá-las de uma vez só. A proposta desta escola é interessante, mostrando a necessidade de se ter habilidades específicas para cada ano de ensino e, consequentemente, de uma sistematização dos conteúdos da Educação Física. Não obstante, a E5 tem em sua direção um professor de Educação Física, o único gestor com formação específica nas escolas pesquisadas. O diretor BER, quando ainda professor de Educação Física da mesma escola, construiu em sua prática docente saberes sobre os conteúdos específicos que são repassados aos professores de sua escola. Estes saberes estão inscritos no seu planejamento que se constitui um documento informal de orientação aos professores de sua escola. É perceptível em seu depoimento a insatisfação com as aulas de Educação Física em sua escola, pois tinha a utopia que com o seu apoio na direção da escola, a Educação Física seria melhor. Observemos sua narração a seguir. 80 É tratamento... Até brincando, eu não sei, acho que é tratamento de Deus. É... a minha luta pra mim hoje tá aqui não foi fácil, porque os alunos eles não queriam que eu deixasse a sala de aula, por causa disso, que eles não queriam me perder, mas eu como bom político escolar, eu prometi pra eles, eu falei: ―Não, virão professores melhores, eu vou virar as costas, vocês vão escolher dois ou três melhores do que eu, vocês vão me abandonar‖. Então coloquei tudo isso pra eles, mas... infelizmente não aconteceu, os que eu queria que viessem pra cá, não teve como eu trazer pra cá, entendeu? (BER/M – 44 anos – D. E5). O diretor BER, quando deixou a sala de aula para ser diretor, tinha como ideal tentar melhorar a Educação Física em sua escola. Os saberes construídos em sua prática docente foram repassados aos professores de sua escola, mas não são aplicados como ele queria. Ele afirma ainda ―eu tenho observado, como bom observador, que não aplica, não aplica, infelizmente não aplica, né? Uns aplicam e outros não. Eu fico triste de ver uma situação desta (...)‖ (BER/M – 44 anos – D. E5). A escola ainda conta com vários projetos conquistados por ele. Em sua fala de planejamento anual construído em sua prática docente não foi possível perceber uma sistematização dos conteúdos para cada ano de ensino, porém em alguns momentos ele propõe atividades específicas para cada ciclo (1º e 2º). Em seu planejamento, explica detalhadamente quais são os conteúdos específicos dentro de cada bloco de conteúdos dos PCNs. Ele divide os conteúdos para cada bimestre do ano letivo, sendo ―Jogos e Brincadeiras‖ para o 1º bimestre, ―Dança e Lutas‖ para o 2º bimestre, ―Ginástica‖ para o 3º bimestre e ―Esportes‖ para o 4º bimestre. Não faz referência aos ―conhecimentos sobre o corpo‖, porém em seu planejamento identifiquei alguns conteúdos relacionados a este bloco. Ele também não especifica os conteúdos em suas três dimensões (conceitual, procedimental e atitudinal), contudo é notável em seu planejamento que trabalha com as três. Em seu depoimento, dá exemplos de como desenvolver cada conteúdo, explicitando que está tudo em seu planejamento. Vejamos primeiro o que ele propõe para o 1º bimestre sobre os conteúdos ―Jogos e Brincadeiras‖. Jogos e brincadeiras é trabalhar, é... Brincadeiras de roda, resgatar as brincadeiras da região, do bairro, quais são as principais brincadeiras, jogos e brincadeiras que as crianças mais brincam no bairro, então se faz um questionário, pesquisa pra eles... Pra saber quais são os principais jogos e brincadeiras que os pais deles brincavam e quais são os principais jogos e brincadeiras que as crianças brincam aqui no bairro, então se faz um questionário, se faz uma votação, aí depois essa votação fica sabendo quais são as mais... Quais são as brincadeiras que eles mais praticaram, aí essas brincadeiras, aí o professor aplica, né, de acordo com vontade deles, vamos jogar hoje é... Esconde-esconde, pique latinha, corre-cutia, entendeu? Então é os jogos e brincadeiras, e os jogos é... Regionais da região, tá? É o jogo de bola que fala, né, joga bola no campinho, de travinha (BER/M – 44 anos – D. E5). 81 As atividades citadas anteriormente referem-se aos conteúdos de Jogos e Brincadeiras Populares, Regionais e da Época, explícitos em seu planejamento. A seguir, a figura 9 retirada de seu planejamento anual registra os conteúdos específicos sugeridos/trabalhados por ele neste bloco de conteúdos. Figura 9: Conteúdos Jogos e Brincadeiras, retirado do planejamento entregue pelo diretor BER (BER/M – 44 anos – D. E5). A partir do depoimento do diretor BER, da figura exposta anteriormente e análise do material entregue por ele, cheguei ao quadro 8 abaixo que apresenta todos os conteúdos trabalhados no 1º bimestre por ele. Os conteúdos nem sempre estavam explícitos, então foi preciso ler nas entrelinhas para detectar o conteúdo sugerido. A divisão nas três dimensões também foi elaborada por mim, já que não organiza os conteúdos desta forma apesar de trabalhá-los. 82 Quadro 8: conteúdos ―Jogos e Brincadeiras‖ Dimensão do conteúdo Conceitual Procedimental 1º Bimestre — JOGOS E BRINCADEIRAS Conteúdos propostos Atividades sugeridas 1º ciclo 2º ciclo Levantamento e investigação dos jogos/brincadeiras conhecidos dos alunos, professor, família e bairro. - Estórias e relatos sobre jogos e brincadeiras da infância, professor, pais, próprio aluno e colega. 1- Jogos populares, regionais, nacionais, modernos, antigos e de época - Aplicação/Vivência de jogos e brincadeiras conhecidos dos alunos, professor, família e bairro. - Desenho de jogos praticados. 2- Jogos simbólicos Maestro, macaco Macaco disse, disse, corre cotia, maestro, ir a coelhinho sai da festa, batata toca, casinha, quente, adivinha, boneca, carrinho, memória. espelho, estátua, batata quente. 3- Jogos de socialização em equipe Futeboliche, pegador com bola (mão e pé), queimada das pontas, queimada maluca e simples, cola-cola, pegapega, pique no alto, tênis de quadra, jogo de bolita, esconde-esconde, pique-latinha, maestro, morto ou vivo, corre cutia, garrafa venenosa, coelhinho sai da toca, amarelinha, handeboliche, futsal travinha, jogo da linha, futebol sentado. 4- Jogos com regras Futebol sentado, Jogo de bola, jogo de bola, handeboliche, rouba bandeira, futebol travinha, handeboliche, rouba bandeira. etc. 5- Jogos motores, de percepção, sensoriais: coordenação motora geral (óculo – manual – pedal), orientação espaço-temporal, atenção, percepção, agilidade. 6- Jogos competitivos e pré-desportivos: - noções táticas, de organização e colaboração. - habilidades de lançar e manusear a bola. 7- Jogos: - mentais - construção - recreativos (livres - afetivo-social - lúdicos e dirigidos) 8- Brincadeiras de roda: cantigas, ladainhas e cantadas - Questionamentos de regras Atitudinal - Comunicação/ relacionamento aluno-escola, aluno-família e aluno-bairro. - Compromisso, prestação de contas, responsabilidade e deveres - Ficção, imaginação, imitação, criatividade, desafio, bons hábitos, saúde e bem estar, expressão, atitude e valores, socialibização, aproximação, comunicação e afetividade. - Jogos com regras: organização de equipes (par ou impar, dois ou um, tempo, número de pontos, número de alunos, equipes mistas ou não, escolha de quadra ou bola, camisa ou sem camisa, vencedor ou perdedor, outra oportunidade, eliminado, ganhador, perdedor) - regras de convivência, liderança, conscientização. - participação, segurança, desafio, interesse, socialização, criatividade em grupo, regras. Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5 83 Darido e Rangel (2005) nos alertam quanto às características dos jogos, podendo ser reproduzidos, transformados ou criados. Se observarmos atentamente o quadro anterior, verifica-se que o diretor BER propõe apenas jogos ―reproduzidos‖, ou seja, aqueles que possibilitam a manutenção das tradições culturais. Este tipo de jogo está em constante transformação, pois vão incorporando criações que são transmitidas pela oralidade. As autoras enfatizam que a reprodução de jogos é necessária nas aulas de Educação Física, desde que o aluno saiba exatamente por que se está reproduzindo. Os jogos também podem ser transformados e/ou criados. Estes dois tipos envolvem conteúdos atitudinais como a criatividade, resolução de problemas e criação/modificação de regras. Porém, este tipo de jogo, tão importante para a formação crítica e autônoma dos alunos, não aparecem na fala ou planejamento do diretor BER. Sobre este bloco de conteúdos, ainda senti a necessidade de diferenciar ―jogo‖ e ―brincadeira‖, além de sistematizar os conteúdos. No entanto, a sistematização não é proposta para nenhum conteúdo explicitado em sua proposta, mas é um avanço elencar esta diversidade de conteúdos para os anos iniciais do Ensino Fundamental. A dança, compreendida no bloco de conteúdos ―atividades rítmicas, expressivas e danças‖, é proposta para o 2º bimestre. O diretor BER explica as estratégias que utiliza para aplicar estes conteúdos nas aulas de Educação Física, enfatizando a utilização de monitores, ou seja, ex-alunos da escola como auxiliares nas aulas e eventos. Vejamos o que ele fala. Com relação a dança também a orientação que tá no planejamento do professor é... também faz um questionário, quais são os principais tipos de dança que os pais também mais gostavam ou mais gostam de praticar e de dançar, quais são os lugares onde as pessoas mais dançam, onde que as pessoas dançam, e depois a parte, outra parte teórica é repassar pros alunos vários tipos de dança, pede pra eles trazerem de casa,o cd, as músicas, aí a gente ouve as músicas tudinho, aí começa a definir, que música que é, que ritmo que é, tá? E depois a questão prática é mostrar alguns ritmos, de tipos de dança, principalmente da região, rasqueado, tem o lambadão, cururu, siriri, e outras danças, e daí se cria coreografia e já envolve os alunos pro festival de dança, envolve a comunidade, envolve os ex-alunos também pra fazer parte do festival de dança, envolve os ex-alunos ou os alunos que tem uma qualidade já na dança tem um potencial, esses alunos eles trabalham como monitores nas aulas de Educação Física já ensinando outros, você passa duas, três, quatro movimentos pra eles aí já se cria uma coreografia e ele já começa a fazer uma coreografia pra um, pra outro, tal, então daí vai construindo várias outras coreografias e os ex-alunos desses que sempre gostaram de dança, que eram destaque nas aulas de dança, a gente convida eles pra tá aqui eles sempre como já trabalharam em outras escolas a questão da dança, então eu convido eles pra estar aqui, aí eles já envolvem aí com os alunos pra tá ensinando algumas outras coreografias e daí o resultado final é o festival de dança, não é? (BER/M – 44 anos – D. E5). É importante destacar a valorização das danças regionais de Mato Grosso especificadas pelo diretor BER. Os PCNs enfatizam a necessidade da escola trabalhar com o 84 repertório cultural local, garantindo o acesso de experiências que os alunos talvez não tivessem fora da escola (BRASIL, 1997). No quadro 9 a seguir, foram elencados os conteúdos da dança e lutas contemplados no discurso e no planejamento do diretor BER para o trabalho no 2º bimestre. Observe que os conteúdos das lutas não aparecem em sua fala, apenas no planejamento; e as danças não são contempladas na dimensão atitudinal. Quadro 9: Conteúdos ―Dança, Lutas e Capoeira‖ 2º Bimestre — DANÇA, LUTAS e CAPOEIRA Conteúdos DANÇA LUTAS Conceitual - Origem e significado - conceito e significado de luta - reflexões pedagógicas: tempo, -luta dos animais espaço, corporal, social e afetiva -tipos de lutas - levantamento das danças praticadas - armas utilizadas em lutas pelos pais e os lugares praticados - boxe e judô — vídeos e filmes: ―A - tipos de danças (ritmos) cruz e o punhal‖ - apresentação de desenhos e fotos sobre lutas Procedimental - vivência de alguns tipos de dança - centro de controle do próprio corpo - danças regionais: rasqueado, - respiração, contração lambadão, siriri, cururu. - luta livre, briga de galo e simulação - criação de coreografias (festival de de guerra dança) - demonstração dos movimentos de algumas lutas e intervenção dos árbitros - movimentos da ginga da capoeira - cuidados com o corpo do próximo e Atitudinal com seu próprio corpo. Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5 Dimensão do conteúdo É interessante notar que no conteúdo ―lutas‖, o diretor cita os movimentos da ginga da capoeira. Isso se deve ao fato do diretor adotar os PCNs como referência no seu trabalho. No capítulo que analisa os dados dos professores de Educação Física, observei outras formas de classificação e utilização da capoeira, porém vale lembrar que determinamos um bloco de conteúdos específicos para a capoeira, como explicitado no primeiro capítulo desta dissertação. O conteúdo de ―Ginástica‖ é oferecido no 3º bimestre através de estratégias como os circuitos e a utilização dos próprios espaços e matérias da escola: muros, carteiras e sala de aula. O diretor BER cita o desdobramento do conteúdo ginástica artística, ginástica calistênica e dança com bastão. Na verdade, a ginástica calistênica e a dança proferida por ele correspondem à ginástica rítmica (GR), identificadas pelo trabalho com bastão, arco e fita, específicos da GR. 85 Já com relação a ginástica, que é no terceiro bimestre, as aulas é mais assim de trabalho de circuito, vários tipos de circuito diferenciados pra experimentar o corpo, coordenação motora, ritmo, equilíbrio e tal, pegamos o próprio material que a escola tem, muro, rampa, alguns colchões a própria carteira de sala de aula deles, mesa, pra subir por cima por baixo, pra passar de um, de dois de mão dada. Então, explorar bastante movimento, desafio, mais ou menos assim a aula de dança, e algumas atividades competitivas, não é? É... na aula de dança também é muito trabalhado aqui na escola usando bastão que a ginástica calistênica, com bastão aí eles fazem coreografia de doze, uma série de doze, quinze movimentos, as meninas também fazem a ginástica com bastão, mas é mais os meninos que termina montando a coreografias pra se apresentar e as meninas é a ginástica com arco, com arco e com fita, não é, os bambolês, então elas criam várias coreografias aí até bonita, a aula de ginástica é trabalhado mais... o forte da escola é isso, de trabalhar a ginástica calistênica e a ginástica artística aí no final eles fazem apresentação (BER/M – 44 anos – D. E5). O quadro 10 abaixo representa os conteúdos para o 3º bimestre extraídos de sua fala e planejamentos. Quadro 10: Conteúdo ―Ginástica‖ Dimensão do conteúdo 3º Bimestre — GINÁSTICA Conteúdos - Origem, história e tipos de ginástica - acontecimentos olímpicos — identificação de tipos de ginástica praticados. - identificação de aparelhos e materiais de ginástica Procedimental - possibilidades de saltar, girar, balançar, equilibrar, pular e rolar. - coreografia — sequência de movimentos - vivências práticas dos alunos na ginástica - Ginástica Artística - Ginástica rítmica — arcos, bastão e fitas. - situações de desafio relativos ao ambiente natural, sensações afetivas e Atitudinal cinestésicas — prazer, medo, relaxamento, auto-estima, confiança. - superação de dificuldades, sensações afetivas de medo, insegurança, percepção, desequilíbrio, vontade, atenção, concentração, agressividade, etc. Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5 Conceitual Observei também que o conteúdo proposto para o 1º bimestre (jogos e brincadeiras) está bem detalhado no planejamento do diretor BER, com planos de aulas e atividades propostas. Contudo, o mesmo não acontece com os demais conteúdos apresentados, o que sugere um conhecimento maior do conteúdo jogos e brincadeiras ou, simplesmente, a não elaboração/registro dos planos de aula dos bimestres subsequentes. Isso também ocorre com o conteúdo proposto para o 4º bimestre, o ―Esporte‖. Já no esporte, já no final do ano, fica um pouco mais assim, é... livre, pras aulas mais recreativas voltado a parte desportiva do futsal, do vôlei, do handebol e do basquete. Do basquete a gente faz... todas essas modalidades que são as principais que a gente trabalha aqui, faz o trabalho de iniciação, não é? A exemplo do basquete, o jogo da cadeira que eles gostam muito que a quadra não é apropriada então faz o jogo da cadeira e eles divertem bastante, fazendo o jogo da cadeira. Futsal... que mais trabalha, o que eles mais gostam é o futsal, se for pras aulas de Educação Física ser só futsal é de fevereiro a dezembro, então só... é mais ou menos assim que nós trabalhamos (BER/M – 44 anos – D. E5). 86 O conteúdo esporte proposto pelo diretor BER privilegia os esportes coletivos mais conhecidos e dominantes na escola, o basquetebol, handebol, futsal e voleibol. Mesmo que este conteúdo seja oferecido em suas três dimensões, há a necessidade de proporcionar outras práticas esportivas aos alunos, e principalmente sistematizar este conteúdo. Observemos o quadro 11 que retrata os conteúdos dos esportes propostos pelo diretor em seu depoimento e planejamentos. Quadro 11: Conteúdo ―Esporte‖ Dimensão do conteúdo 4º Bimestre — ESPORTE Conteúdos Conceitual - origens e principais movimentos e esportes - esporte como vida, saúde, paz e esperança - preferências e experiências no esporte — expressar opinião - esporte do bairro — principais movimentos, forma de disputa, local, horário, participação do grupo, suas regras, etc. - diferenças, variações e adaptações possíveis do esporte do bairro - sensações diversas provocadas pelo movimento: percepção, reflexo, atenção, acertos, erros, cuidados, união, solidão, alegria, tristeza, prazer, raiva, agressividade, calma, controle emocional, etc. - regras dos esportes coletivos. Procedimental - reconhecimento das propriedades dos objetos e materiais para jogar, oriundos do ambiente natural e cultural - esportes regionais - jogos pré-desportivos do voleibol, handebol, basquetebol e futsal — iniciação esportiva - vivência do esporte enquanto parte da cultura corporal do seu bairro - vivência do esporte oficial - organização Atitudinal - respeito às regras - relações sociais, lazer, convivência com o esporte formal e solidário. - vivência sócio-afetiva individual e coletivamente Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5 No quadro anterior, podemos ver que o conteúdo esporte, e também em outros conteúdos descritos anteriormente, considera-se a relevância social e as características dos alunos como critérios de seleção dos conteúdos, como proposto pelos PCNs. ―A definição dos conteúdos buscou guardar uma amplitude que possibilite a consideração das diferenças entre regiões, cidades e localidades brasileiras e suas respectivas populações.‖ (BRASIL, 1998, p. 67). 87 3.3 A interdisciplinaridade e o trabalho com projetos na visão dos gestores Notei na fala de alguns gestores a referência ao trabalho interdisciplinar e com projetos, em que a escola adota uma proposta, a partir de um tema gerador, para todas as disciplinas desenvolverem. Neste momento, acho pertinente discutir a apropriação dos gestores quanto ao termo ―interdisciplinar‖ e o trabalho das escolas por projetos. Estas referências ocorreram quando foram solicitados a responder sobre a orientação na escolha e sistematização dos conteúdos pelos professores de Educação Física. Vejamos a fala da coordenadora MAR, a seguir: É porque tem alguns conteúdos que já são da Educação Física, que são predominantes da Educação Física, então o que eu proponho para o professor é que ele elabore alguma atividade que se torne a aula dele um pouco... Interdisciplinar com aquilo que o professor da sala está trabalhando (...) (MAR/F – 29 anos – C. E6). A coordenadora MAR se apropria do termo interdisciplinar no sentido do professor de Educação Física procurar saber o que o ―professor da sala‖ está trabalhando com seus alunos, e assim auxiliá-lo. Este entendimento é recorrente na fala de mais dois gestores de escolas diferentes. Porém, antes da fala destes gestores, vejamos o que o referencial da Escola Sarã nos fala sobre o assunto. A Escola Sarã faz a ―opção por um desenvolvimento curricular dialético, voltado para uma metodologia globalizada e interdisciplinar, tendo como eixo condutor o Tema Gerador‖ (CUIABÁ, 2000, p. 59). Sobre a globalização, o mesmo texto traz que: O termo globalização aparece no início deste século com o avanço da psicologia e de pesquisas que confirmaram a característica global da percepção humana. É a compreensão do processo global de aprendizagem em que se incluem os interesses e as experiências dos educandos, o afetivo e o cognitivo. (...) A globalização está inserida a ideia de que é preciso acreditar no verdadeiro processo de formação do educando, numa exercitação de capacidades de reflexão sobre a realidade e no pensar e recriar valores e normas. (CUIABÁ, 2000, p. 59-60). Conhecer o sentido de globalização se faz importante porque o termo interdisciplinar está ligado a ele. A interdisciplinaridade é o suporte técnico para que a globalização aconteça na sala de aula. Exige uma mudança de atitude frente ao conhecimento, buscando a superação dos limites entre as diferentes disciplinas e organizações do conhecimento. Assim, os saberes podem ser unificados para melhor atender à complexidade das relações sociais na sociedade contemporânea (CUIABÁ, 2000). 88 No material entregue pelo diretor da E5 — planejamento anual e bimestral — encontrei em seu planejamento uma página escrita por ele, abordando a interdisciplinaridade, mas não consegui detectar de onde extraiu este referencial ou se foi construído por ele. Ele faz a relação da interdisciplinaridade com a Educação Física. Aponta como vantagens deste tipo de trabalho que ―o aluno aprende muito mais‖ e adquire ―facilidade nas disciplinas de matemática/ ciências/ etc.‖. Ao conhecer a concepção que o diretor tem sobre a Educação Física explicitada em suas falas e em seu planejamento, a citação anterior faz alusão à importância do conhecimento específico apreendido na Educação Física para se atingir a globalização sugerida pela escola Sarã. Deste modo, a intenção não é auxiliar as outras disciplinas, e sim que cada disciplina contribua na sua especificidade para a ―formação de pessoas mais abertas, flexíveis, solidárias, democráticas e críticas.‖ (CUIABÁ, 2000, p. 60). Em determinado momento da fala da coordenadora SIL da E4, percebe-se aproximação da ideia de interdisciplinaridade preconizada pela Escola Sarã e o diretor BER, e que ao mesmo tempo difere da concepção da diretora de sua escola. É perceptível na fala a seguir a ideia de que a Educação Física compreende saberes necessários às outras disciplinas, e não como um auxílio a elas. Aí nós fazemos essa discussão, de apropriação do espaço, de lateralidade, né, isso a gente discute, até porque, com a matemática e com a Língua Portuguesa precisa muito, porque pra escrever essas crianças precisam saber o que é da direita, que é da esquerda pra direita ou da direita pra esquerda, em cima em baixo, pra escrever é necessário, né? Pra o conhecimento social, pra localização no espaço, pra aprendizagem a Geografia, então, tem muita a ver, a gente discute bastante (SIL/F – 34 anos – C. E4). Voltando ao planejamento do diretor BER (44 anos – D. E5), há o registro de que a interdisciplinaridade ―é o ponto de partida para uma nova ação pedagógica diferenciada na escola‖. E que ―todas as disciplinas não são outra coisa senão partes deste todo humano em formação e mudança‖. Minuta ainda que ela só ocorra ―quando há trocas constantes de informações entre os professores, visando os mesmos objetivos educacionais propostos pela escola‖. Esta última transcrição do planejamento do diretor BER comunga com a proposta da Escola Sarã quando faz a seguinte menção: Esse enfrentamento só será possível com o estabelecimento de parcerias entre os educadores, sustentadas pela inter-relação das diferentes áreas do conhecimento, que só pode ser construída através da troca entre os pares, da humildade frente ao saber do outro, da escuta, da reflexão e da crítica, na busca de uma (re)significação do fazer e do dizer pedagógico. (CUIABÁ, 2000, p. 60) 89 A citação anterior é a chave para a compreensão do significado do termo interdisciplinaridade apropriada pelos gestores de três escolas diferentes — as coordenadoras da E1 e E6, e a diretora da E4 — tendo a Educação Física como suporte às demais disciplinas. Analisemos suas falas. Olha, o que a gente orienta é o seguinte, que o professor precisa trabalhar mais integrado com o professor de sala, puxando atividades mais ou menos de acordo com os conteúdos trabalhados na sala, o que está sendo pensado na sala eles vão ter essa troca pra ele estar buscando trabalhar, na medida do possível, junto com o professor de sala (ANT/F – 38 anos – D. E4). (...) mas alguns conteúdos parecem que o professor referência delegam ao professor de Educação Física pra trabalhar. Então aí a gente sempre solicita essa parceria pra que possa estar ajudando a criança a desenvolver melhor. (...) Olha é mais em relação a interdisciplinaridade, até porque nós temos muita sorte em relação as nossas 2 professoras de EF (...) (OLI/F – 47 anos – C. E1). Nos depoimentos anteriores, percebe-se que interdisciplinaridade significa para os gestores ―trabalhar integrado com o professor da sala‖, ou seja, atender aos interesses das outras disciplinas, como um reforço, o que na realidade não se constitui como interdisciplinaridade. Na verdade é uma interpretação incorreta das ―parcerias entre os educadores‖ sugeridas pela Escola Sarã. Pereira (2009, p.115) encontrou dados semelhantes em uma pesquisa que revela as dificuldades dos professores em compreender, de forma mais significativa, o que é interdisciplinaridade. ―Muitos relatos identificam a prática interdisciplinar como auxilio as outras disciplinas. Neste caso, a Educação Física é entendida como uma disciplina que pode promover, por intermédio de suas atividades, vínculos com essas disciplinas‖, sendo citados pelos sujeitos o auxílio à Língua Portuguesa e a possibilidade de trabalhar os meridianos, latitude, longitude, entre outros. Zabala (1998, p. 143) apresenta o seguinte conceito de interdisciplinaridade: ―A interdisciplinaridade é a interação entre duas ou mais disciplinas, que pode ir desde a simples comunicação de ideias até a interação recíproca dos conceitos fundamentais e da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa. Estas interações podem implicar transferências de leis de uma disciplina para outra e, inclusive, em alguns casos dão lugar a um novo corpo disciplinar, como a bioquímica ou a psicolinguística.‖ Retomando a fala da coordenadora MAR da E6, que nos deu subsídio para iniciarmos as discussões sobre interdisciplinaridade, ela traz duas considerações importantes a serem discutidas neste momento: o trabalho da escola com projetos (tema gerador) e a relutância do professor de Educação Física em aceitar o trabalho ―interdisciplinar‖ proposto por ela. 90 (...) há pouco tempo que eu estava conversando com eles (professores) pra que esses conteúdos venham ser interdisciplinar, com o professor da sala e com o projeto que está sendo trabalhado na escola. Porque o projeto da escola ele é da escola, mas cada professor ele faz um trabalho na sala, ele tem um conteúdo que ele desenvolve na sala, aí eu queria que o professor de Educação Física trabalhasse um conteúdo do projeto e que tornasse algumas atividades de forma interdisciplinar com o professor da sala, às vezes dá e às vezes o professor fala que não tem como ele fazer isso, entendeu? Esse é um pouco da nossa, vamos dizer assim, da nossa ansiedade porque eu gostaria que criasse alguma atividade que fosse dar gancho, ganchos pra prática e eles acham que às vezes num dá, que tem alguns conteúdos que eles querem trabalhar: habilidades do corpo, movimentos, entendeu? São específicos, então eles acham que às vezes eu quero demais (MAR/F – 29 anos – C. E6). Os professores de Educação Física não aceitam o trabalho ―interdisciplinar‖ porque querem propor conteúdos específicos, e não perder a especificidade da área. O interessante é que a coordenadora tem consciência disso, o que mais uma vez nos remete a ideia de interpretação distinta dos pressupostos da Escola Sarã. Já o trabalho com projetos é outra orientação da Escola Sarã, tendo como proposta central a investigação do universo temático, baseado na obra ―Pedagogia do Oprimido‖ de Paulo Freire (1970, apud CUIABÁ, 2000). É uma investigação realizada por toda comunidade escolar para selecionar os Temas Geradores a serem desenvolvidos na escola, em forma de Projeto. Esses temas e subtemas selecionados constituem o eixo orientador dos conteúdos de aprendizagem em cada disciplina. Assim, os conhecimentos de Português, Matemática ou Educação Física ―auxiliam no desvelamento dessa temática, numa produção epistemologicamente interdisciplinar que permite a apropriação, construção e reconstrução dos conhecimentos necessários para melhor compreender a sociedade contemporânea‖ (CUIABÁ, 2000, p. 62). As escolas municipais têm autonomia para escolher ou não trabalhar com projetos, através da seleção de um tema gerador para todas as disciplinas desenvolvê-lo, dentro da sua especificidade, o que torna o trabalho interdisciplinar. Na E1, a coordenadora explica como é o trabalho com projetos adotado pela escola. Vejamos seu depoimento. Trabalhamos com projetos semestrais. Já está dentro da nossa proposta pedagógica, nós já sabemos quais são os projetos pra trabalhar no 1º, 2º, 3º e 4º. (É um projeto pra toda a escola?) Isso. (E a EF se encaixa nesse projeto?) Nossa, e elas trabalham porque aí elas trabalham uma parte corporal da EF, as danças, elas se envolvem muito. Porque tanto a professora de EF da manhã quanto da tarde, elas gostam muito de fazer isso, e tem assim além delas fazerem com prazer elas tem esse dom, esse lado artístico, dentro do meu conhecimento científico elas tem o dom natural (OLI/F – 47 anos – C. E1). Existe um projeto comum a todas as disciplinas, sendo um para cada bimestre, porém subentende-se que os professores de Educação Física tem a função de realizar a parte ―festiva‖ do projeto, a finalização, com apresentações de dança, por exemplo. 91 Percebe-se ainda que a dificuldade está na cobrança dos gestores em exigir que a Educação Física, historicamente tida como prática, atue como auxiliar às demais disciplinas, proporcionando atividades (joguinhos) que ajudem a contemplar o tema selecionado pela escola. Com isso, veremos casos, que serão discutidos no capítulo subsequente, de escolas que selecionam temas como ―Leitura e escrita‖ ou ―Meio ambiente‖ e os professores de Educação Física se incluem no projeto apenas aplicando jogos e brincadeiras para ajudar os alunos a melhorarem a leitura, ou gincanas acerca de arrecadação de lixos recicláveis. Quando solicitados a falar sobre a sistematização de conteúdos, a coordenadora da E5 discorre sobre o trabalho com projetos, mas de uma maneira diferente das demais escolas, isto é, os projetos são elaborados pelos professores segundo a necessidade de cada turma. Então, cada turma tem um ou mais projetos diferentes, utilizados para sanar os problemas detectados. Vejamos sua fala. Nós trabalhamos com escola ciclada e era tema gerador, então o que que nós fizemos, reunião de 2 anos pra analisar, pesquisar na comunidade o que tinha que ser mudado. Aí no nosso projeto maior, trabalhamos por projetos, e como que acontece? Tem muita escola que trabalha assim: o projeto grande da escola e o professor só encaixa no projeto. Então aqui na nossa escola já não é mais assim. O professor elabora o projeto de acordo com a realidade da sala de aula dele. E cada ano vai ter uma realidade diferente, então não tem como o professor ficar repetindo projeto. Depende da necessidade do professor. Pode ser que tenha mais de um projeto na sala. Pode ser não, acontece. Por exemplo, eu entro na sala de aula e eu detecto lá que o aluno ele precisa trabalhar mais a questão da socialização, eu vou fazer um projeto voltado pra isso, e eu vou trabalhando. Se envolvem nesse projeto, todas as disciplinas. A partir do momento que eu detectar que melhorou, eu posso ou continuar nesse projeto e ampliar ele, ou fazer outro projeto. Então o tempo desse projeto pode ser de uma semana, 15 dias, um mês, uma semana, um bimestre ou o ano inteiro, depende da realidade do professor do aluno. O professor regente juntamente com o professor de Educação Física, eles vão tentar sanar o problema detectado, então ele vai trabalhar a parte de Educação Física dentro do projeto. Ele vai encaixando no projeto (os conteúdos), de acordo com o que ele achar necessário ele vai encaixando no projeto (ERO/F – 39 anos – C. E5). O que não fica claro na fala da coordenadora ERO é se o professor de Educação Física tem autonomia ou não para detectar os problemas ou necessidades dos alunos nas aulas de Educação Física e, a partir daí, propor um projeto interdisciplinar com o professor regente. Como o 1º e 2º ciclos nas escolas municipais contam com professores generalistas (pedagogos), ministrando todas as disciplinas, exceto artes e Educação Física que tem professores especialistas, se o professor de Educação Física não tiver a compreensão correta da interdisciplinaridade, novamente ele se tornará refém dos projetos de outros professores, contribuindo apenas com os conteúdos procedimentais não contemplados pelas outras disciplinas. 92 Assim sendo, a sistematização dos conteúdos parece não existir, já que os conteúdos para cada ano são selecionados a partir dos projetos elaborados para cada turma, não existindo uma organização que oriente os professores. Pois, quando se pensa em sistematização, acredita-se que os professores saibam o que os alunos deverão aprender naquele ano, e no ano seguinte darão continuidade àquele conhecimento apreendido anteriormente. E novamente, se o professor de Educação Física apenas encaixar conteúdos ao projeto de outros professores, efetivamente não sistematizarão os conteúdos, podendo até repeti-los durante os anos de ensino. A título de esclarecimento, não acredito que a sistematização de conteúdos da Educação Física deva ser indicada pelos gestores da escola, que não têm conhecimentos específicos sobre o assunto. Porém, subentende-se que se houvesse uma proposta de conteúdos construída pela Secretaria Municipal de Educação ou pela própria escola, os gestores orientariam os seus professores de Educação Física a se basearem na mesma. Na visão da coordenadora MAR da E6, consolida-se a ideia de que a Educação Física não precisa (não tem) de conteúdos específicos, pois a orientação dela para a sistematização de conteúdos é a de selecioná-los de acordo com o trabalho do professor de sala. Eu oriento eles que têm que fazer de acordo com a turma, o quê que o primeiro ano trabalha. A Educação Infantil (...) está trabalhando com temas, é... Com uma temática X, então o que vocês podem trabalhar com isso? Brincadeiras, jogos, atividades recreativas que vá desenvolver no aluno algum relacionamento com aquilo que o professor está trabalhando na sala. Primeiro ano também, segundo ano também, então ali eles elencam alguma coisa pra mim que seja nesse sentido, né? (MAR/F – 29 anos – C. E6). No depoimento anterior, chega-se a seguinte conclusão: sistematizar os conteúdos... Para quê? Não há necessidade. O importante é que a Educação Física possa ajudar as demais disciplinas, propondo atividades para dar conta dos conteúdos procedimentais que as outras disciplinas insistem em ignorar. Vejo, neste sentido, a necessidade de rever o conceito de interdisciplinaridade assimilado pelos gestores e professores de Educação Física, libertando assim a Educação Física das amarras pedagógicas descontextualizadas. 3.4 Os conteúdos propostos pelos professores de Educação Física segundo depoimentos dos gestores Os gestores de três escolas relataram sobre os conteúdos que os professores de Educação Física desenvolvem em suas escolas, e também como ocorre a sistematização de 93 conteúdos. Aqui, veremos o saber constituído, aplicado, aquele que se materializa nas aulas de Educação Física, sob a visão ou orientação dos gestores. Na E2, a coordenadora nos relata que as aulas de Educação Física em sua escola sofrem com problemas de espaço físico, pois ocorrem dentro da sala de aula. Por isso, os conteúdos desenvolvidos são praticamente os ―Jogos‖, no caso, os jogos de salão. Ela cita outras atividades desenvolvidas na sala utilizando arcos, boliche, e aulas de relaxamento. (...) no caso da professora de Educação Física é o projeto de jogos, porque nós não temos disponibilidade de espaço suficiente e não temos quadra coberta, então tem período que quando dá a criança vai pra esse espaço. Quando não tem muito sol nós conseguimos trabalhar com outra atividade interna na sala de aula. Esse ano na sala de aula nós estamos trabalhando com o bambolê, com o boliche, pra criança desenvolver — de 1 a 4 eu tô falando — estamos trabalhando com exercícios de relaxamento e não precisa ter tanto espaço e pode ser utilizado, e a gente elimina mais o esporte que é a bola, futebol, esses ficam mais difícil e a criança tem, o próprio bairro tem, onde eles desenvolverem esse trabalho, ocupar com esse tipo, ou um vôlei, um jogo de campinho aí, a própria comunidade tem isso. Porque as aulas teóricas entram essa parte de orientação, de alimentação, sobre a higiene, sobre a obesidade, sobre o próprio comportamento, a discriminação, todo esse trabalho a gente faz (VIT/F – 56 anos – C. E2). Percebe-se também uma não compreensão da dimensão do ―esporte‖ enquanto um conteúdo da Educação Física na escola, justificando que o bairro já oferece este tipo de prática, não necessitando a Educação Física trabalhá-lo. Neste sentido, a coordenadora não diferencia o esporte como prática de lazer e como conteúdo de ensino na escola. Enfatiza ainda a necessidade de aulas teóricas para serem abordados conceitos como alimentação, higiene, obesidade (conteúdos conceituais) e também o comportamento e a discriminação (conteúdos atitudinais). É interessante a coordenadora referir-se aos conteúdos de ordem conceitual e atitudinal, porém sem mencionar estes termos. Isto demonstra uma visão de Educação Física abrangente, desvinculada apenas da concepção de aulas práticas e contrária ao esporte como conteúdo exclusivo das aulas de Educação Física. Complementando o discurso da coordenadora, a diretora da escola profere críticas ao professor recreacionista, sem fundamentação pedagógica alguma e que qualquer profissional poderia desenvolver seu trabalho. Vejamos seu depoimento. (...) qualquer pessoa sem formação nenhuma dá conta de fazer hoje o que ele vem fazendo, só dá uma bola pra uma criança não tem nem fundamentação teórica nenhuma. Não ensina regra, não passa as regras, não tem isso, então qualquer uma pessoa com uma formação mais rudimentar dá conta de dar uma bola e jogar pras crianças, então a ideia base é que não tem formação, não tem assim uma preparação, então qualquer um pode dar, e da forma como está sendo na maioria das vezes, é assim, vai pra quadra, joga bola, volta suado e pronto. Alguns bambolês pras meninas, futebol pros meninos, bambolê e corda e essa é a aula. Qualquer ser humano faz isso. É um profissional também da saúde, é um profissional também do 94 bem-estar que busca melhorar, contribuir com a qualidade de vida, não profissional da bola, então qualquer um pode ser (FRA/F – 48 anos – D. E2) A diretora FRA justifica em seu discurso a ―negação ao rola bola‖ preconizada também pela coordenadora. Ela acredita que o professor de Educação Física se vê como um profissional do esporte, enquanto deveria se vir como da área da saúde também. Isso comprova ainda que as aulas teóricas, explanadas pela coordenadora, são utópicas, na prática não acontecem, pois a diretora FRA confirma: ―nós temos um projeto que chama Jogos uma mediação pedagógica (...). Ficou só nisso. Era pra trabalhar isso, ficou só nisso‖ Na escola E4, a coordenadora relata as atividades e conteúdos trabalhados nos diferentes níveis de ensino oferecidos pela escola. Com isso, ela aparenta compreender que os conteúdos da Educação Física são diferentes para cada ano de ensino, esboçando uma sistematização dos conteúdos, pois indica conteúdos específicos para cada faixa etária. (...) até na Educação Infantil há uma discussão maior da questão da motricidade, do equilíbrio, do ritmo, então a gente discute mais com os pequenininhos, e isso acaba até ajudando a definir lá com os maiores. Lá com os maiores, já vem mais modalidades esportivas, que embora as condições sejam péssimas, a gente coloca aí uma rede de vôlei aí e tenta fazer umas adaptações, nós colocamos a tabela de basquete aqui também, depois a gente tira, a gente vai pensando, então dessa forma. Aqui tem muita historinha, na Educação Infantil tem muita brincadeirinha, é... que envolve histórias, aqueles que vão correr e pega o seu lobo, o rato, o gato, aqui que não se aplicam lá entre os maiores, né? Aí a gente faz essa discussão porque trabalha com os pequenininhos com fantasia também, com brincadeiras, então, aqui é dessa forma, lá já mais diferente um pouquinho, eles adoram, os maiores gostam muito de dançar (...) (SIL/F – 34 anos – C. E4). Para os ―pequeninhos‖ (Educação Infantil e 1º ciclo), relata que a fantasia predomina através de histórias, ou seja, aulas historiadas e com muita brincadeira. Compreendo que ela faz alusão ao conteúdo de ―Jogos simbólicos‖, de grande interesse das crianças dessa faixa etária, em que a imaginação e a fantasia são peças fundamentais. É compreensível que os alunos do 2º ciclo não gostem deste tipo de jogo, pois, segundo Château (1987), nesta faixa etária a criança passa a se submeter a uma regra exterior, havendo uma regra abstrata (social) que fornece a trama do jogo, ou seja, preferem jogos competitivos, tradicionais, de grupos organizados. Isso justifica os conteúdos esportivos que ela cita para o 2º ciclo, e também a dança que, para Château (1987), são jogos de regulação restrita que não supõem nenhuma imitação. Quanto ao trabalho desenvolvido por cada professor de Educação Física da sua escola, a coordenadora SIL comenta que não obriga o professor a fazer o que não domina. Diz ―eu não forço porque um professor que não sabe fazer uma coisa que você exige que ele faça, ele vai fazer aquilo mal feito‖ (SIL/F – 34 anos – C. E4). Então, questiono: será que temos que 95 ensinar os conteúdos que dominamos ou aqueles que os alunos precisam aprender? Será que numa aula de matemática o professor não vai ensinar a tabuada só porque não domina? A coordenadora SIL fala do trabalho da professora JOS com a dança, sendo os conteúdos desenvolvidos a dança circular e a dança Sênior. É interessante que a professora também proporcione vivências com a dança adaptada para deficientes visuais, mostrando que ela desenvolve o conteúdo ―Dança‖ dentro do conhecimento que possui. A JOS trabalha com dança circular e dança Sênior, é lindo também, só que é totalmente diferente, né? A gente, ela falou assim: ―Olha eu tenho conhecimento, trabalho com idosos, a gente dança, a gente faz dança Sênior, dança circular‖. Ela trabalha também no Instituto dos cegos e foi lindo porque nós trouxemos o pessoal do Instituto dos cegos pra cá pra escola, e os nossos alunos dançaram com os deficientes visuais. Aqui foi uma aula muito bonita, nós fizemos apresentações juntas, então ela trabalha dança circular, e é super gostoso, é bonito também, é diferente, totalmente diferente da que envolve menos os alunos, né? Eles preferem street dance do que dança circular, mas é uma outra forma diferente, dá super certo também. (SIL/F – 34 anos – C. E4). A dança trabalhada pela professora JOS é inclusiva, pois, segundo a coordenadora, ―é totalmente diferente da que envolve menos alunos‖. Só não é citado para quais anos ela propõe esse conteúdo, se é para todos os anos ou não, e se esse conteúdo é sistematizado. O que mais chama a atenção é que a coordenadora admira muito o trabalho de seus professores, mesmo ―dominando‖ conteúdos diferentes. Em sua fala, fica explícita essa admiração e a vontade que cada um deles trabalhe o conteúdo que o outro professor desenvolve. E ela não deixa de ter razão porque se subentende que o professor ROB não propõe o conteúdo ―dança‖ e que a professora JOS não aplica o conteúdo ―conhecimentos sobre o corpo‖, mais especificamente os conhecimentos antropométricos, as capacidades físicas (cita a flexibilidade), as relações entre a atividade física e a saúde. Ah! Eu não tenho ainda uma opinião formada a respeito, eu acho bonito o trabalho do ROB, eu acho legal essa questão de verificar até se o trabalho está dando, na prática se está produzindo algum resultado, por exemplo, se hoje vai se verificar, se ele fez um teste de flexibilidade no começo do ano, e isso faz com que os alunos enxerguem, porque ele pode apresentar pra turma como está a questão da flexibilidade, do peso, e do tamanho, da altura, deles, né? E aí agora, no segundo bimestre, feito isso dá pra se verificar essa flexibilidade, essa comparação se essa flexibilidade melhorou ou não. Eu sei que no trabalho com a JOS, se ela fizesse também esse levantamento e depois discutir com os alunos, vai se perceber que houve um resultado também, na prática houve, mas num houve uma discussão assim a nível de consciência, de percepção do aluno assim de que atividade física é importante pra eles, pra saúde, pro coração deles. (SIL/F – 34 anos – C. E4) A coordenadora SIL compreende que se a professora JOS aplicar teste para saber se os alunos melhoraram a flexibilidade (como faz o professor ROB), por exemplo, ela notará que 96 houve melhora, mesmo não propondo atividades específicas para esse fim. Para ela, a diferença é que o professor ROB propõe discussões com seus alunos sobre estes conteúdos, conscientizando-os da importância da atividade física, ou seja, apresenta conceitos também. Vejo que nesta escola a coordenadora sabe da importância da diversificação dos conteúdos da Educação Física, pois reconhece o que falta na aula de cada professor de sua escola. E também, tem consciência de que os conteúdos não podem ser os mesmos para cada ano de ensino, já que faz considerações neste sentido. Para finalizar, na E5 a coordenadora relata sobre os conteúdos desenvolvidos na escola, enfatizando o projeto de jogos e brincadeiras. Ela diz que são trabalhados três conteúdos em sua escola: a ginástica olímpica, jogos e brincadeiras e o futebol. Assim, nós temos na escola, por exemplo, nós trabalhamos jogos e brincadeiras, aí nós trabalhamos mais com a parte de ginástica olímpica, ele é divido em 3: ginástica olímpica, jogos e brincadeiras, e... Não lembro. São os momentos que... A prática do futebol também, que a gente participa das escolinhas. (...) nos jogos e brincadeiras, nós pegamos as crianças e fomos pra Universidade e lá, além de visitar o zoológico, fizemos brincadeiras com as crianças, brincadeiras antigas, e... Não é fácil os projetos, nós que colaborar com os professores, e é interessante sabe por que? O professor se torna pesquisador. Principalmente Educação Física. ―ERO, como que eu faço pra encaixar o meu projeto nesse projeto?‖, e vai indo entendeu? Então o professor tem que ser pesquisador, ele tem que estudar (...) (ERO/F – 39 anos – C. E5). Ela não comenta sobre os conteúdos específicos para cada ano, apenas fala do projeto de jogos de brincadeiras sem especificar para qual ano foi aplicado, citando as brincadeiras antigas. A meu ver, as brincadeiras antigas (ou populares) devem ser trabalhadas em todos os anos iniciais do Ensino Fundamental, como sugerido por Freire e Scaglia (2003). Porém, os conteúdos das Brincadeiras Populares devem ser sistematizados e trabalhados de maneira diferente em cada ano de ensino. Neste item, percebi que em algumas escolas os gestores respeitam a especificidade da Educação Física, reconhecendo quando os conteúdos são diversificados e esboçando uma compreensão e necessidade de organizá-los para cada ano de ensino. 3.5 Os conteúdos que os gestores acreditam que deveriam ser ensinados nas aulas de Educação Física Os depoimentos recorrentes aqui inscritos refletem a decepção dos gestores com a Educação Física em suas escolas, consubstanciando a ideia de mudança desta realidade através de propostas baseadas num saber adquirido pela experiência, convivência, teoria ou 97 construída pela prática. Demonstram a necessidade de mudar conceitos e os conteúdos instituídos nas aulas dos professores de Educação Física, apresentando propostas de como fazê-la acontecer. Os gestores compreendem que a Educação Física é a aula mais atraente da escola, visto que ―(...) os alunos gostam porque eles saem da sala de aula. Eles não vão escrever... não vão copiar, não vão ouvir o professor ali o tempo todo (...). Mas infelizmente deixa muito a desejar. Agora, que as crianças gostam, gostam‖ (NAI/F – 52 anos – D. E6). A diretora tem razão em atribuir às aulas de Educação Física ao momento de alegria na escola, pois retrata o tempo do corpo livre, liberto do mundo estático da sala de aula. Segundo Gomes (2001), a sala de aula e seu mobiliário, tudo geralmente padronizado, tem características que provocam desconforto, dor e tédio. São ainda sons e ruídos, cores, formas e cheiros que na maioria das vezes causam desagrado, desconfiança ou irritação. Esse desconforto, dor, tédio, desagrado, desconfiança, irritação são ―visíveis‖ no corpo do aluno, que é condicionado ou ―encaixotado‖ em sua carteira. Está sempre distanciado do território do corpo do outro, tem sempre a cara virada para frente da sala, tem sempre que prestar atenção ao que o professor fala lá na frente ou àquilo, na carteira, do seu fazer de aluno. Mas o que se percebe, e os gestores deixam isso bem claro, é que os professores de Educação Física não sabem fazer uso desta magnífica ―varinha de condão‖ que tem nas mãos, tão cobiçada por outras disciplinas e tão banalizada pela Educação Física. Ao invés do professor aproveitar o gosto natural que as crianças têm pela aula de Educação Física e propor a diversificação e organização dos conteúdos para cada ano de ensino, ele se seduz pela comodidade e facilidade de trabalhar com aquilo que domina. Vejamos o depoimento a seguir. Então se vocês estão fazendo uma pesquisa nesse sentido seria interessante buscar renovar... eu acho que tá faltando uma renovação, entendeu? Para que o professor de educação física faça acontecer diferente, faça acontecer. Que outros profissionais vejam ele como realmente um profissional de educação, porque na minha concepção o professor de educação física não é visto ainda como um profissional de educação por esses motivos, que cada professor de educação física pega pela sua afinidade, se o professor de educação física tem afinidade com futebol, ele visa futebol, se tem basquete, ele vai pro basquete, isso eu já vivi, fui diretora de outra escola, vivi isso que hoje ele graças a Deus passou num teste de futebol foi pra área dele realmente... foi pra área dele, ta? Então é isso, cada um tem a sua afinidade, ele num busca a afinidade do aluno, é a dele (NAI/F – 52 anos – D. E6). Outro entrave contestado pelos gestores é o ―mito do espaço‖, no qual o professor de Educação Física justifica seu (mau) trabalho pela falta de espaço físico adequado e poucos ou nenhum material. Vejamos a fala de uma diretora. 98 (..) e foi isso que eu aprendi lá nesse curso (Segundo tempo), existe o mito do espaço, porque o professor de Educação Física ele quer quadra, ele quer cobertura da quadra, ele quer espaço, todo o espaço, então não consegue trabalhar o que tem, com o espaço que tem, com as limitações geográficas que tem, ele não consegue trabalhar, por comodismo ou até pela própria formação acadêmica, formação acadêmica mesmo, então ele não consegue. Todo mal trabalho, todo trabalho não executado, não realizado é por conta das condições físicas, estruturais da escola, tudo não acontece (FRA/F – 48 anos – D. E2). Esta é a desculpa mais frequente para que as aulas de Educação Física não aconteçam como deveriam, justificando a não diversificação dos conteúdos e a concepção do professor ―rola bola‖ — aquele que dá a bola para os alunos e fica apenas observando. O professor não tem material ou espaço adequado porque não propõe conteúdos que justifiquem a necessidade deste espaço, e muito menos participam de reuniões em que possam fundamentar sua prática perante os gestores e professores de outras áreas. Assim, nunca entenderão por que precisamos de materiais ou quadras cobertas. Na E2, como abordado em tópicos anteriores, é uma escola que não dispõe de espaço físico, nem mesmo uma quadra descoberta. Com isso, as professoras de Educação Física ministram suas aulas dentro da sala, especificamente com o conteúdo de jogos de salão. (...) Então esses tempos inclusive, a gente trabalha aqui na escola, nós temos um projeto que chama ―Jogos uma mediação pedagógica‖, pra trabalhar o xadrez, jogo de dama, mancala2, dama, uma série de outros jogos. Ficou só nisso. Era pra trabalhar isso, ficou só nisso. Quer dizer, nós temos, dentro dos nossos espaços que é extremamente limitado, acho que é pior do que todas as outras demais escolas, pelo menos no período da manha que o sol... eu tenho muito receio de colocar a criança no sol... mas tem que fazer atividades com corda, atividades com bambolês, que são atividades motoras, inclusive eu achei interessante que até mães contaram em reuniões aqui pra solicitar que a escola não vinha trabalhando essa parte motora, e eu achei interessante... mas gente, poxa vida né? Eu fiquei assim... (FRA/ F – 48 anos – D. E2). E a diretora FRA explicita que as mães dos alunos sentem a necessidade de trabalhar outros conteúdos também, afirmando que ―é importante até pra gastar um pouco dessa energia, dessa criança que já fica muito represada‖. Acho que aqui na escola nessa parte a gente precisa repensar, melhorar e tentar colocar mesmo com as limitações físicas e estruturais nossa dá um upgrade pra essas aulas de Educação Física, que eu tenho a clareza, e pela minha própria formação acadêmica e pedagógica, que precisa ser melhorada, isso influencia drasticamente no pedagógico, cognitivo, não tem como. E ficam aulas maçantes, tudo demais enjoa, 2 Mancala é uma família de jogos de tabuleiro jogada ao redor do mundo, algumas vezes chamada de jogos de semeadura ou jogos de contagem e captura, que vêm das regras gerais. Os jogos dessa família mais conhecidos no mundo ocidental são o Oware, Kalah, Sungka, Omweso e Bao. Jogos de mancala possuem um papel importante em muitas sociedades africanas e asiáticas, comparável ao do xadrez no Ocidente. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mancala. Acesso: em 15/07/2009. 99 xadrez demais enjoa, atividade física demais enjoa, então eu gostaria da gente repensar a Educação Física mesmo sem essa estrutura física (FRA/F – 48 anos – D. E2). Neste sentido, a diretora FRA sugere que a Educação Física seja repensada a partir do tema ―Saúde‖, proporcionando assim uma prática mais variada e interdisciplinar. Ela se refere à metodologia de interdisciplinaridade e globalização proposta pela Escola Sarã, sendo a Saúde um tema trabalhado por todas as áreas de conhecimento e a Educação Física dialogaria a Saúde com a Atividade Física. Observemos sua fala. Assim, trabalhar um pouco a questão da saúde, essa cultura mesmo da saúde, do bem-estar, que tem a ver a Educação Física, a prática física, ela tem a ver com o bem-estar físico e até espiritual, emocional. Essa coisa que tem a ver com a liberação da endorfina, essa coisa toda, quer dizer, já é até pra trabalhar uma aula interdisciplinar, dentro de uma aula mais globalizada que é a proposta da prefeitura, trabalhar com as ciências, essa coisa toda da adrenalina, da endorfina. (...) Até teoricamente também, o que que essas atividades, isso nas séries maiores, que benefício que ela vai trazer pra gente, trabalhar a questão dos vícios, mais é conciliar a questão do medo... Então são esses conceitos construídos, associar as atividades físicas, a saúde, ao bem-estar, é fundamentalmente isso e, aliado a isso, trabalhar a atividade física, senão trabalhar... ah, tem tanto... a região é bem acidentada, mas dá pra fazer, nós não vamos evidentemente trabalhar a questão da natação, nunca a gente vai fazer isso evidentemente, mas nós podemos trabalhar com outras atividades, o futebol mesmo não tem, por conta da dificuldade parou, aí exagerou a dose no outro, fundamentalmente é isso (FRA/F – 48 anos – D. E2). É interessante também que a proposta das aulas teóricas para abordar os conceitos (conteúdos conceituais) seja sugerida para as ―séries maiores‖, o que nos remete a ideia de sistematização dos conteúdos. O tema ―Saúde‖ é predominante em sua fala e recorrente no discurso da coordenadora também, mas esta diz que o tema já é trabalhado na escola, enquanto a diretora discorre sobre a importância deste tema que não é desenvolvido em sua escola. Diante de observações feitas na escola e de posse do planejamento da professora de Educação Física, pontuo que realmente o tema não é desenvolvido na escola. A diretora FRA ainda faz referência sobre onde adquiriu este conhecimento, citando conteúdos e formas de aplicá-lo na escola. Para ela, o curso oferecido pelo Programa Segundo Tempo, do Governo Federal, ofereceu a base teórica para detectar as necessidades da Educação Física em sua escola. Entendo que estes conteúdos contemplam o bloco de conteúdos ―conhecimentos sobre o corpo‖, lembrando que a saúde é um tema transversal. (...) inclusive eu fiz num curso do Segundo Tempo com uma turma muito boa, você fez essa capacitação? Foi assim, eu nem sabia que existia aquilo, muito bom, eu aprendi tanto, eu aprendi em três dias coisas que a gente não faz na escola, alguns exames, algumas atividades, que a gente não faz, pesar criança, medir criança, algumas verificações, como é que chama? Testes com a criança que é tão importante, que diz tanto da criança, do aspecto físico, do aspecto motor, até 100 cognitivo e a gente não faz absolutamente, o profissional de Educação Física que aprendeu isso na Universidade não tá conseguindo trazer isso pras escolas. Não faz absolutamente. Nunca um professor aqui nesta escola pediu uma balança pra pesar a criança, pra ver o nível de obesidade dessas crianças ou não, o índice corporal dessas crianças que é importante, desenvolvimento físico, crescimento... Então são questões, a questão mesmo da alimentação, da parte física, da parte da cultura do corpo, da cultura da saúde, absolutamente é negado. É a cultura da bola (FRA/F – 48 anos – D. E2). Em seu comentário faz referência àos conceitos que deveriam ser trabalhados na Educação Física, como a alimentação e a obesidade, além de acompanhar o crescimento e desenvolvimento físico e motor dos alunos através de exames antropométricos de peso, altura e índice de massa corporal. Para ela, os professores de Educação Física negam estes conhecimentos aos alunos, privilegiando a ―cultura da bola‖. Destaca que estes conhecimentos não foram abordados no ano de 2008, mas seriam retomados no ano subsequente ―a questão da saúde... da alimentação... nós vamos retomar isso aí e colocar no planejamento que foi o que faltou pra nós fazer esse planejamento, colocar essas situações e perseguir isso‖ (FRA/F – 48 anos – D. E2). Em seu depoimento, a diretora justifica sua proposta de inserção dos conhecimentos sobre a Saúde, citando exemplos de crianças com quadros graves de obesidade em sua escola, alegando omissão da escola nestes casos. Discorre sobre o caso de um aluno obeso que está na escola desde os cinco anos e que a escola não cumpriu sua missão de ajudá-lo. Ela diz que ―(...) por toda a vida ele foi obeso, mas obeso mesmo, a criança hoje ele tá com 14 anos, ele tá com diabetes tipo 2, já perdeu uma visão e vai perder a outra, tá na fila de transplante de córnea‖ (FRA/F – 48 anos – D. E2). Nós temos muitas crianças com essa dificuldade, com esse quadro de obesidade, criança de classe média baixa mesmo, então essa questão da alimentação, da prática de esporte, essa questão dessa cultura e esse acompanhamento, como que nós não fazemos esse acompanhamento dessa criança, porque a gente pega essa criança de pequeninho e ela vai crescendo na escola junto com a gente e a gente é omisso nessa parte e isso influencia toda uma vida. Uma criança com problema de obesidade ou mesmo uma criança com problema de crescimento, ela vai ter no seu futuro e as suas emoções extremamente comprometidas, a sua auto-estima, a visão de mundo e isso influencia, eu sei o que eu tô falando, e nós somos extremamente omissos essa parte. Resolver é muita pretensão. Nós vamos resolver esse problema? Sei lá. Mas quais as intervenções feitas? Nenhuma. (FRA/F – 48 anos – D. E2). No decorrer de todo o discurso da diretora FRA é evidente a preocupação com a qualidade de vida de modo geral e a falta de intervenções significativas por parte da escola. Por se tratar de um tema transversal, como dito anteriormente, a Educação Física é também 101 responsável por essa omissão, já que em sua visão ―não dá pra viver sem a qualidade de vida. Não dá. Isso pode mudar um pouquinho a visão do professor de Educação Física (...)‖. A diretora chega à conclusão que os temas apontados como essenciais para a qualidade de vida dos alunos devem ser tratados como conteúdos de ensino da Educação Física, ou seja, como conceitos (conteúdos conceituais). Vejamos seu depoimento a seguir. Então nessa questão do conteúdo, nessa parte, de repente deveria entrar como conteúdo, porque a palavra conteúdo é isso, é a essência, é o essencial e eu vejo isso como essencial pra qualidade de vida, são conceitos, são essenciais, eu penso assim. Então essa parte, essa visão, ela precisa ser incorporada principalmente agora com os hábitos alimentares, o sedentarismo que tomou conta da gente, porque as nossas crianças têm outra vida, estão encarceradas mesmo por conta da própria realidade e isso vem trazendo danos muito grandes, e as escolas quando trabalham, trabalham com conteúdos segmentados, trabalham conteúdos completamente segmentados nada relacionados a qualidade de vida dessas crianças, nada relacionado ao bem estar dessas crianças (FRA/F – 48 anos – D. E2). A qualidade de vida, a saúde, o sedentarismo, a obesidade, alimentação, entre outros conceitos citados pela diretora FRA são realmente essenciais e devem ser incorporados às aulas de Educação Física, já que estão inseridos dentro do bloco de conteúdos ―conhecimentos sobre o corpo‖. Isso deveria acontecer em todas as escolas e por todos os professores de Educação Física. Assim, ao finalizar as análises das entrevistas dos gestores, conclui-se que os mesmos compreendem que as aulas de Educação Física não se resumem apenas ao esporte, rolar bola ou aos festivais de final de semestre e, mesmo com as limitações físicas das escolas, há possibilidades de se desenvolver um bom trabalho durante as aulas. Percebe-se ,também, que a Educação Física tem conteúdos específicos, mesmo não entendendo sobre a sistematização destes conteúdos para os diferentes níveis de ensino. Não se pode esquecer que este é apenas um pequeno galho da grande árvore que abarca os conteúdos da Educação Física, e que os demais conteúdos também devem ser selecionados. Mas a diretora tem consciência disso quando sugere que tudo que é demais enjoa, ou seja, é necessário diversificar. Essas orientações proferidas pelos gestores são pertinentes à medida que nos faz refletir sobre quais conteúdos estão sendo aplicados nas escolas e quais deveriam estar lá também, mas por algum motivo não estão. O olhar do outro é importante para enxergarmos aquilo que nossa própria arrogância não nos permite ver claramente, e por mais que não tenham conhecimento específico em Educação Física, cabe aos professores avaliarem o que realmente é significativo e tentar pelo menos mudar sua prática docente. 102 Capítulo 4 PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Este capítulo é a essência da pesquisa, pois aqui pretendo percorrer os caminhos trilhados pelos professores de Educação Física na construção, elaboração e aplicação da sistematização de conteúdos específicos. Para compreender este processo foi necessário conhecer o que os professores ―pensam, dizem e fazem‖ quanto à prática pedagógica. O pensamento dos professores é concretizado na ação de elaboração dos planejamentos, seja anual, semestral, bimestral, semanal, ou aula a aula. Entendo que esta ação precede todas as demais, por isso, num primeiro momento, serão analisados os planejamentos entregues pelos professores pesquisados. O segundo passo é analisar as entrevistas concedidas pelos professores, mais especificamente sobre a questão referente à organização dos conteúdos para cada ciclo ou etapa de ensino. Ao verbalizar esta organização, compreendo que os professores discorrerão sobre uma ação já pensada anteriormente, transcrita em seus planejamentos ou não. Estas falas ajudarão a compreender conceitos e concepções implícitas nos planejamentos. A terceira etapa de análise se deterá nas anotações realizadas em diário de campo contendo observações coletadas nas aulas dos professores. Este momento é importante para saber se realmente o que é planejado e/ou falado é executado na prática docente. E, principalmente, se há uma sequência lógica entre as aulas, consequentemente, entre os conteúdos propostos. 4.1 Os documentos: análise e discussão dos dados presentes nos planejamentos entregues pelos professores de Educação Física Esta fase da pesquisa, a coleta de planejamentos, foi a última a ser realizada e a mais difícil de ser concretizada. Os professores foram avisados, desde o início da pesquisa, que deveriam entregar os planejamentos elaborados no decorrer do ano letivo — seja ele qual fosse — no final do ano. Alguns professores foram entregando as cópias ao final de cada semestre, porém alguns não entregaram nenhum. Dos onze professores participantes desta pesquisa, sete entregaram seus planejamentos: sendo que um deles entregou apenas o anual; outro, o anual e bimestral ; dois entregaram o anual e semanal, apenas do 1º bimestre. Apenas três professores entregaram 103 planejamento anual, planos de aula semanal e, ainda, os projetos desenvolvidos por eles em suas respectivas escolas. Assim, temos quatro professores que não entregaram nenhum planejamento, porém os quatro afirmaram tê-los. Vejamos o episódio da coleta do professor ADE (52 anos – P. E5), na escola E5: Relato 2 (15/12/2008): Seu planejamento... Como assim? Fui buscar o planejamento do professor ADE na escola E5 conforme combinamos e a cópia do caderno do diretor BER, que é o referencial sugerido por ele aos professores de sua escola; mas seu caderno havia sumido e o ADE havia tirado cópia dele, então ele se propôs a tirar cópia para mim. Cheguei à escola e o professor estava tirando as cópias do caderno do diretor para mim e para o diretor (já que ele não encontrou seu caderno). As folhas do caderno estavam todas fora de ordem e o diretor teve muito trabalho para organizá-las. Aí pedi a cópia do planejamento do ADE e ele disse que era aquele ali. Como assim? Não, aquelas cópias eram do planejamento do diretor. Demorei a entender o que ele estava querendo dizer: que ele segue aquele planejamento do diretor e faz apenas algumas adaptações. Mas ainda perguntei ―então você trabalha com jogos e brincadeiras no 1º bimestre, lutas e ginásticas e esportes?‖ E ele disse que sim! No relato anterior, é possível ter uma noção das dificuldades enfrentadas no recolhimento destes planejamentos. Neste caso, eu não podia contestar o professor simplesmente afirmando que ele não põe em prática aquele planejamento, o que seria até indelicado, já que minha função como pesquisadora era entender o processo de organização dos conteúdos construídos pelos professores de Educação Física, e não julgá-lo. Ao assumir a justificativa do professor ADE como verdadeira, ou seja, que ele realmente executa tudo o que foi proposto pelo diretor, essa ainda não seria uma conduta admissível, pois como afirma Neira (2006) o professor deve ser um prático reflexivo, rejeitando a imposição de reformas educativas que o levam a copiar e aplicar passivamente planos desenvolvidos por outros atores sociais. O autor ainda considera: O planejamento e a avaliação dos processos educacionais como partes inseparáveis do ensinar, já que o que acontece nas aulas, ou seja, o ensino, não poderá ser entendido sem uma análise que leve em conta as intenções, as previsões, as expectativas e a avaliação dos resultados. (NEIRA, 2006, p. 24). Outros dois professores, RON (31 anos – P. E3) e GIL (52 anos – P. E6), também não entregaram nenhum planejamento. Ambos disseram que tinham os planejamentos em seus cadernos, mas prefeririam digitar para entregar de forma mais organizado. Liguei para eles várias vezes durante os meses de dezembro/2008 e janeiro/2009, porém percebi que estava 104 sendo inconveniente cobrando os planejamentos e, como ficaram de retornar quando estivesse tudo digitado, preferi aguardar, sem obter sucesso. A professora SOL (50 anos – P. E6) também não entregou planejamento algum, mas ela foi clara dizendo que não ia entregar mesmo. Com ela, realizei apenas a entrevista, já que ela ministrava aulas apenas para o 1º ciclo e as aulas observadas foram do 2º. Vejamos o episódio que ilustra o momento em que fui buscar seu planejamento, conforme combinado anteriormente. Relato 3 (17/12/2008): Nem lembrei, nem lembrei! Conforme combinado, voltei para buscar o planejamento da professora SOL e do GIL. Eles estavam na sala dos professores e o GIL disse que ainda não havia digitado o planejamento e pediu que ligasse na segunda. Quando perguntei a SOL sobre o planejamento, ela disse: ― ―Ah, nem lembrei, nem lembrei‖. ――Que dia posso vir pegar? Amanhã?‖ ――Amanhã não venho. Pega do AND que é igual ao meu, a gente faz junto‖. ― ―Mas preciso pegar separado...‖ ――Fica com o do GIL e do AND, você nem assistiu minhas aulas!‖ ― ―Mas fiz entrevista com você...‖ ――Pode tirar então, tira a minha lá...‖ Perguntei ao professor AND se o planejamento da professora SOL era o mesmo do dele, como ela afirmou anteriormente, e ele disse que não. Aí falei que ela disse que eles planejavam juntos, ele disse ―Planejávamos, mas larguei de ser bobo, porque eu planejava e ela só copiava!‖ A partir dos fatos relatados, considero para esta pesquisa que nenhum dos quatro professores entregou seus planejamentos porque na verdade não existe nenhum planejamento. E esta assertiva se confirmará nas observações que fiz de suas aulas. Bossle (2002) afirma que um dos motivos pelos quais o professor de Educação Física não elabora planejamentos é o fato de considerar seu tempo de experiência capaz de suprimir o ato de planejar. O autor chama isto de ―vício‖ do professor de Educação Física, recorrente também para quem está começando a dar a aulas. Outro fator é a descrença no planejamento de ensino por parte dos professores de Educação Física, manifestada por uma resistência em colocar no papel o que se deseja. A prática negativa ou equivocada de realizar planejamento constituiu-se numa tarefa mecânica para cumprir um ritual de formalidade controlado e cobrado por coordenadores e supervisores pedagógicos, também contribui para a desconsideração do planejamento como necessário (BOSSLE, 2002). Afinal, o que é o planejamento? O que ele contém? Essas definições serão relevantes para definir a ação de análise dos planejamentos, entregues pelos professores de Educação 105 Física, sujeitos desta pesquisa e que entregaram algum tipo de planejamento. Como cada um deles elabora o planejamento de uma forma peculiar, faz-se necessário definir e adotar conceitos. Para Libâneo (1994, p. 221-22) O planejamento escolar é uma tarefa docente que inclui tanto a previsão das atividades didáticas em termos da sua organização e coordenação em face dos objetivos propostos, quanto a sua revisão e adequação no decorrer do processo de ensino. O planejamento é um meio para se programar as ações docentes, mas é também um momento de pesquisa e reflexão intimamente ligado à avaliação. (...) A ação de planejar, portanto, não se reduz ao simples preenchimento de formulários para controle administrativo; é, antes, a atividade consciente de previsão das ações docentes, fundamentadas em opções político-pedagógicas, e tendo como referência permanente as situações didáticas concretas. O planejamento assegura a racionalização, organização e coordenação do trabalho docente, possibilitando ao professor um ensino de qualidade através da previsão das ações docentes, evitando a improvisação e a rotina. Libâneo (1994) afirma que existem três tipos de planejamentos: o plano da escola (mais global), o plano de ensino (planejamentos anuais, semestrais ou bimestrais) e o plano de aula (previsão do desenvolvimento do conteúdo para uma aula ou conjunto de aulas). Nesta pesquisa, foi solicitado aos professores o plano de ensino e planos de aula. Os planejamentos devem conter basicamente os objetivos (gerais e/ou específicos), conteúdos, desenvolvimento metodológico (atividades do professor e alunos) e a avaliação. Libâneo (1994, p. 119) discorre que: Os objetivos antecipam resultados e processos esperados do trabalho conjunto do professor e dos alunos, expressando conhecimentos, habilidades e hábitos (conteúdos) a serem assimilados de acordo com as exigências metodológicas (...). Os conteúdos formam a base objetiva da instrução — conhecimentos sistematizados e habilidades — referidos aos objetivos e viabilizados pelos métodos de transmissão e assimilação. Assim, Libâneo (1994) conclui que há uma estreita relação entre objetivos, conteúdos e métodos: os objetivos contém a ―explicitação pedagógica dos conteúdos‖, no sentido de que estes são preparados pedagogicamente para serem ensinados e assimilados. Os objetivos refletem a estrutura do conteúdo da matéria, sendo então que a tarefa de formular objetivos consiste em descrever os conhecimentos a serem assimilados ao término do estudo de determinados conteúdos de ensino. A avaliação, segundo Libâneo (1994) é uma tarefa didática necessária e permanente do trabalho docente, que deve acompanhar passo a passo o processo de ensino e aprendizagem, e não uma etapa isolada. É uma reflexão sobre o nível de qualidade do trabalho escolar tanto do professor como dos alunos. 106 Há uma exigência de que esteja concatenada com os objetivos-conteúdos-métodos expressos no plano de ensino e desenvolvidos no decorrer das aulas. Os objetivos explicitam conhecimentos, habilidades, habilidades e atitudes, cuja compreensão, assimilação e aplicação, por meio de métodos adequados, devem manifestar-se em resultados obtidos nos exercícios, provas, conversação didática, trabalho independente, etc. (LIBÂNEO, 1994, p. 200-201) A partir destas definições, entendo que os conteúdos de ensino devem estar explícitos nos planejamentos entregues pelos professores de Educação Física, seja anual ou semanal. Porém, em sua maioria, os conteúdos aparecem apenas no planejamento anual, sendo que os planos de aula semanal são elaborados de maneira diferente por cada professor, o que é compreensível já que é um documento pessoal, organizador da prática docente, sem exigências técnicas e cobranças por gestores das escolas. Nos planos de aula, há professores que só elencam os objetivos e atividades a serem desenvolvidas na aula, enquanto alguns só descrevem os procedimentos metodológicos (o passo a passo de execução da aula). A avaliação é quase inexistente nos documentos entregues, aparecendo apenas nos planejamentos anuais. Tomando como base as definições de Libâneo quanto aos objetivos, procedimentos metodológicos e a avaliação, analisarei os planejamentos tentando enxergar, quando não especificados, os conteúdos implícitos nos objetivos, atividades propostas e avaliação descrita pelo professor de Educação Física. Assim, seguirei os caminhos percorridos pelos professores na construção da sistematização de conteúdos para cada ciclo ou etapa de ensino destacada no planejamento. 4.1.1 Como os professores organizam os conteúdos nos planejamentos Como já destaquei anteriormente, o planejamento é a forma como o professor organiza suas ações docentes. Faz-se necessário compreender como cada professor de Educação Física constrói seus planejamentos e, consequentemente, os conteúdos no decorrer do ano letivo. A primeira forma de organização dos conteúdos detectada é por ciclos ou etapas destes ciclos. As habilidades e competências elencadas pelos dossiês para cada ciclo aparecem como base para a seleção de conteúdos no planejamento anual das professoras ANE (32 anos – P. E3) e JOS (38 anos – P. E4). A organização de conteúdos por ciclos continua no planejamento bimestral ou nos planos de aula, que a professora JOS, por exemplo, propõe os mesmos conteúdos para as etapas do 1º ciclo e outros conteúdos para as etapas do 2º ciclo. 107 Na verdade, nenhum dos professores pesquisados propõe um plano de aula específico para cada etapa de cada ciclo, repetindo assim a mesma aula em diversas etapas, como é o caso da professora ANE citada anteriormente. Nos demais planos semanais, encontrei conteúdos específicos para alguns anos independentemente dos ciclos, como o professor ROB (31 anos – P. E4) que propõe conteúdos iguais para 1º e 2º anos, e outros iguais para 3º, 4º, 5º e 6º anos. Já a professora ROS (39 anos – P. E1), distribui os conteúdos em três grupos, ou seja, para educação infantil e 1º anos, outro para 2º, 3º e 4º anos e, por fim, para 5º e 6º anos. Apenas no desenvolvimento do conteúdo ―Ginástica‖ pelo professor AND (32 anos – P. E6) é que aparece um plano de aula específico para cada etapa do 1º e 2º ciclos, sugerindo uma sistematização destes conteúdos. Analisando os dossiês utilizados pelos professores de Educação Física como base para seleção e organização dos conteúdos ao longo dos ciclos, como apareceu nos planejamentos das professoras JOS e ANE anteriormente, indago: será que os dossiês são realmente a melhor opção para a seleção de conteúdos específicos da Educação Física? Baseando-me nas ideias de Coll (1997) sobre as intenções educativas na elaboração de uma proposta curricular ou planejamentos dos professores, eu diria que é um caminho, mas talvez não o melhor deles. Neste caso, ―as intenções educativas podem referir-se aos resultados de aprendizagem que se espera obter, aos conteúdos sobre os quais a aprendizagem versa ou às próprias atividades da aprendizagem‖ (COLL, 1997, p.69). Embora estes três elementos sempre estejam presentes nas atividades escolares de ensino/aprendizagem, a importância que se atribui a cada um pode originar três vias de acesso diferentes na concretização das intenções educativas: com relação aos conteúdos a trabalhar, aos resultados esperados ou as atividades a realizar. Os dossiês são utilizados pelos professores como via de acesso pelos resultados esperados, que: (...) pressupõe que as intenções educativas se concretizem a partir da consideração e análise das aprendizagens que o aluno vai realizar em consequência de sua participação no processo educacional. Tanto as atividades concretas, quanto os conteúdos particulares em torno dos quais se organizam, são escolhidos em função dos resultados esperados, que se transformam assim no elemento orientador do planejamento educacional. (COLL, 1997, p.70-71). 108 A análise dos resultados esperados da aprendizagem dos alunos determinam... As atividades de ensino/aprendizagem a realizar. Os conteúdos a trabalhar. Figura 10: Via de acesso pelos resultados (Retirado de COLL, 1997, p. 71). Esta via está associada a uma interpretação cognitiva da aprendizagem nos chamados objetivos cognitivos. Aqui, os resultados esperados são definidos em termos de habilidades ou destrezas cognitivas. ―Trata-se de identificar os processos cognitivos mais importantes na aprendizagem, a fim de confeccionar um repertório de habilidades independentes de conteúdos específicos e, portanto, suscetível de ser aplicado a uma variedade de situações.‖ (COLL, 1997, p. 72). O que se observa nos dossiês é a apresentação de habilidades e competências independentes de conteúdos específicos. A partir dessa ótica, portanto, a concretização das intenções educativas consiste em um conjunto de destrezas cognitivas (resultados esperados), cujo fim depende tanto as atividades de ensino/aprendizagem como os seus conteúdos. A consequência é que os objetivos cognitivos são necessariamente formulados nos currículos em nível muito abrangentes e pouco úteis para guiar eficazmente a prática pedagógica. Coll (1997) sugere a opção por uma via mista de acesso, a partir dos resultados esperados e dos conteúdos, na concretização das intenções educativas, assim os professores deveriam utilizar os dossiês e os conteúdos específicos da Educação Física para planejar os objetivos específicos, e não utilizar apenas os resultados esperados (habilidades e competências) como foco principal do planejamento. Outra forma de organização dos conteúdos é temporal, ou seja, anual, semestral, bimestral ou semanalmente. Dois professores elencam conteúdos anuais e não fazem distinção em bimestres no decorrer dos planejamentos. Se pensarmos na estrutura da escola organizada por ciclos de aprendizagem, como é o caso das escolas municipais de Cuiabá, subentende-se que os alunos têm um ano todo para aprender os conteúdos daquela etapa de aprendizagem, ou seja, não deveria haver divisões dos conteúdos por bimestres. Porém, os outros cinco professores de Educação Física propõem conteúdos bimestrais, divergindo da proposta da escola organizada por ciclos. Este fato pode ser interpretado por dois motivos principais: o dossiê e a experiência dos professores. O dossiê, como citado no capítulo anterior, é um instrumento de avaliação 109 bimestral da rede municipal de Cuiabá, em que alguns professores se orientam para selecionar os conteúdos da Educação Física, influenciando sua organização por bimestres. A experiência dos professores com o trabalho em escolas seriadas é outro fator que pode estar envolvido na tradicional divisão do ano letivo por bimestres. Souza Junior (2007) encontrou problemas semelhantes na organização dos saberes escolares dados pelos professores — não só da Educação Física — da rede municipal de Recife – PE, referentes a mudança de série para ciclos de aprendizagem. Porém, tais mudanças, são acompanhadas de resistências, tanto intencionais, quanto por costume com a estruturação seriada do currículo. É o caso da organização do tempo pedagógico, dividindo o ano calendário em dois semestres e cada um desses em duas etapas. Todas essas divisões partem de repartições equitativas, do ponto de vista quantitativo, levando ao tratamento dos saberes escolares uma forma etapista, linear e de desintegração dos conhecimentos. (SOUZA JÚNIOR, 2007, p. 88). Perrenoud (2002) relata que mesmo nas redes em que se trabalham os ciclos de maneira mais integrada, a referência as séries permanece tácita ou explícita. O autor dá o exemplo da rede municipal de São Paulo, em que se avalia que ―a expressão mais clara dos problemas de implementação dos ciclos está no predomínio de práticas pedagógicas que têm a organização seriada como princípio ordenador.‖ (PERRENOUD, 2002, p. 222). 4.1.2 Os conteúdos que os professores idealizam Agora que pudemos verificar como os professores organizam os conteúdos em seus planejamentos, apresento a seguir esses conteúdos, observando assim o que é ensinado nas aulas de Educação Física em cada ciclo ou etapa destes, mas sem detalhar por bimestres. Os conteúdos explicitados pelos professores serão agrupados em blocos, sendo que em alguns momentos houve a indicação do professor quanto à classificação dos mesmos; em outros momentos, não. Nos planejamentos dos professores não aparece classificação dos conteúdos em suas dimensões. A relação estabelecida dos conteúdos com suas dimensões é feita por mim, a fim de demonstrar que, mesmo não aparecendo esta classificação nos planejamentos analisados, os professores conhecem e trabalham (ou não) com as três dimensões. 110 4.1.2.1 ―Conhecimento de si‖ – o corpo e suas possibilidades de movimento Se a Educação Física tem como campo de estudo a cultura corporal de movimento, nada mais lógico do que compreender o corpo como o princípio de todo o conhecimento que podemos ter. Darido e Rangel (2005, p. 140) falam sobre o que se espera que os alunos saibam sobre ―conhecimento do próprio corpo‖: Conhecer o próprio corpo pode ser o principio de todo conhecimento que alguém pode ter, pois entendemos que conhecer o corpo é conhecer-se a si mesmo. Esperamos que os alunos, na Educação Básica, aprendam a conhecer o próprio corpo, seus detalhes internos, sua subjetividade e afetividade interpessoal. Eles também não devem se limitar a esse conhecimento, pois seu corpo está relacionado ao seu ser, aos outros e à cultura, enfim, ao mundo que o cerca e ao contexto mais amplo do ambiente. Lembrando que a Educação Física, na rede municipal de Cuiabá, está inserida na área de Linguagens, e segundo Neira (2007, p. 14) o corpo é entendido como suporte de linguagem que manifesta a cultura em que está inserido, ou seja, ―ao se movimentarem homens e mulheres expressam intencionalidades, comunicam e veiculam modos de ser, pensar e agir característicos, ou seja, culturalmente impressos em seus corpos‖. Neste sentido, entende-se o corpo como um suporte textual onde se inscrevem a história e a trajetória dos homens e da cultura. Com mais esta justificativa e compreendendo o corpo como ―texto da cultura‖ e os gestos os ―textos do corpo‖ — expressões de Neira (2007) — resolvi iniciar as análises por este bloco de conteúdos. Então, o que os professores de Educação Física ensinam sobre este conteúdo na escola e para as diferentes etapas do 1º e 2º ciclos? Os conteúdos relacionados à psicologia e psicomotricidade estão presentes em todos os planejamentos analisados dos professores de Educação Física, seja como conteúdos para todos os ciclos, sejam específicos para algumas etapas, mas sempre presentes. Estes conteúdos são propostos apenas na dimensão procedimental, sendo eles assim apresentados pelos professores de Educação Física: Esquema corporal: partes do corpo; Coordenação motora fina e grossa: coordenação dinâmica global (ampla), coordenação manual e coordenação viso-motora; Lateralidade; Orientação espacial e temporal; Percepção (espacial, temporal e tátil). 111 É interessante notar que estes conteúdos, apesar de serem citados como gerais em todos os ciclos nos planejamentos anuais, quando os professores os propõem nos planejamentos específicos de cada ciclo, estes aparecerem apenas para o 1º ciclo. O professor ROB (31 anos – P. E4) propõe ainda para o 1º ciclo, a ―organização e conhecimento da identidade e percepção tátil, auditiva, visual, gustativa e olfativa‖. No segundo ciclo, apenas o professor AND (32 anos – P. E6) fala em ―conhecimento do corpo, dos movimentos e seus limites e partes do corpo‖. Sobre os conteúdos citados anteriormente, Neira (2006, p. 123-124) nos diz que: (...) a Educação Infantil e as primeiras séries do Ensino Fundamental têm grande relevância na proposição das atividades que visam o desenvolvimento das habilidades básicas como: percepção, lateralidade, orientação espaço-temporal, coordenação visual e motora e esquema corporal. Segundo o autor, a aquisição de um esquema corporal pressupõe-se conhecer a imagem do próprio corpo, saber que este corpo é parte da nossa identidade, perceber cada parte sem perder a noção de unidade. Diz ser necessário perceber os elementos do corpo em separado para depois construir a percepção de globalidade corporal (NEIRA, 2006). Os discursos de Neira (2006) justificam a proposta dos professores de Educação Física quanto a proposição dos conteúdos psicomotores. Somados a estes conteúdos, os professores ainda sugerem o trabalho com: a atenção visual e auditiva; percepção sinestésica; memória visual, auditiva e sinestésica; associação de ideias; compreensão e raciocínio; informações sonoras, visuais e táteis. Todos os conteúdos citados anteriormente são chamados de ―Atividades de Sensibilização Corporal‖ por Freire e Scaglia (2003). A estes, podemos englobar ainda os seguintes conteúdos sugeridos pelos professores: 1º ciclo — possibilidades de explorar e controlar o corpo, imitação de som e gestual (animal, personagens, objetos, etc.); 2º ciclo — conhecimento do próprio corpo, dos movimentos e seus limites, e a imitação dos movimentos dos animais. As possibilidades de movimento do nosso corpo são inúmeras e a Educação Física tem a responsabilidade de explorar estes conhecimentos, levando o aluno a uma compreensão e reflexão sobre o corpo e seus movimentos e não apenas à prática descontextualizada dos mesmos. Neste sentido, o professor ROB (31 anos – P. E4) propõe a apresentação e discussão de textos sobre o ―corpo humano‖ e ―a função dos movimentos‖, fazendo menção à dimensão conceitual dos conteúdos. Outros conceitos tratados pelos professores referem-se as ―noções básicas sobre higiene e postura‖, como aparecem nos planejamentos dos professores AND (32 anos – P. E6) 112 e ANE (32 anos – P. E3). Especificam a higiene nas aulas de Educação Física, na hora do lanche e na sala de aula, para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental. Palma e colaboradores (2008) sugerem que na Educação Infantil e 1º anos os princípios básicos de higiene e de cuidados com o corpo devem ser ensinados e estimulados. Para os demais anos do 1º e 2º ciclos, pois estas questões devem ser lembradas e organizadas a fim de subsidiar hábitos saudáveis. Nota-se ainda que a ―postura‖, citada anteriormente, aparece na dimensão procedimental sempre atrelada ao ―alongamento‖. A professora ROS sugere o alongamento como conteúdo para 5º e 6º anos. Já o professor AND propõe a sequência de alongamentos como conteúdo para 1º ciclo e, ainda, suas definições e razões de fazê-los (conceitos) para todos os ciclos. Percebe-se que o alongamento é um conteúdo que causou divergência, pois não há uma unanimidade quanto ao momento em que deve ser proposto, ou seja, em qual ano deve ser contemplado. Darido e Rangel (2005) falam da necessidade de compreender as habilidades e as capacidades necessárias à prática de atividades físicas, aprendendo estratégias para o aprendizado de novas habilidades e não somente o aprimoramento da técnica das habilidades já aprendidas. Neste sentido, veremos o que os professores de Educação Física pesquisados propõem quanto a aprendizagem das habilidades motoras e das capacidades físicas. As habilidades motoras são propostas no planejamento de quatro professores. A professora JOS (38 anos – P. E4) é a única que propõe os conteúdos de habilidades motoras de estabilização para os dois ciclos. Este conteúdo é o Equilíbrio — dinâmico e estático (uma perna só, aviãozinho, parada de mão, estátua). Os demais conteúdos referentes às habilidades motoras são propostos apenas para o 1º ciclo. As habilidades parecem ter sido retiradas da proposta elaborada por Tani e colaboradores (1988). Vejamos os conteúdos propostos: Habilidades de locomoção: andar, correr, saltar, desviar, rolar, girar, abaixar, levantar, contornar, subir, descer e trepar; Habilidades de manipulação (não especificados no planejamento); Habilidades de estabilização: equilíbrio; paradas abruptas e saídas também; mudança de direção; Movimentos combinados. As habilidades de estabilização foram todas citadas pela professora JOS (38 anos – P. E4) e são similares ao conteúdo ―domínio do corpo‖ — saída rápida, parada brusca e mudança de direção — elaborado por Paes (2002) em sua proposta de sistematização dos conteúdos do Esporte coletivo. 113 As capacidades físicas aparecem como conteúdos de ensino no planejamento de três professores participantes desta pesquisa, sendo denominadas por eles de ―habilidades motoras‖ ou ―exercícios físicos‖. Porém, os elementos constitutivos deste conteúdo são os mesmos propostos por autores como Freire e Scaglia (2003) como ―capacidades motoras‖ e por Darido e Souza Júnior (2007) como ―capacidades físicas‖. As capacidades físicas são ações musculares e processos motores que dizem respeito à formação corporal e à técnica de movimentos, ou seja, qualidades que fazem parte de nosso corpo, essenciais para uma vida ativa e saudável. Entre as capacidades físicas, podemos citar: a força, a flexibilidade, a agilidade, o equilíbrio e a resistência aeróbia e anaeróbia. (DARIDO; SOUZA JÚNIOR, 2007, p.301). Dentre os componentes das capacidades físicas citadas, apenas o equilíbrio não foi mencionado pelos professores. Isto se deve aos mesmos proporem o equilíbrio como uma habilidade motora de estabilização, o que também é correto. Freire e Scaglia (2003) sugerem para este conteúdo os componentes: força, resistência, agilidade, velocidade e flexibilidade. Estes componentes coincidem com os sugeridos pelos professores AND, ROB e a professora ROS, aparecendo no planejamento anual como conteúdo para todos os ciclos, porém nos semanais são determinados apenas para o 1º ciclo. Foi citada ainda a ―capacidade respiratória‖, que está diretamente ligada a resistência aeróbia. Numa relação entre conhecimento sobre o corpo e fisiologia, é proposta para todos os ciclos, na dimensão conceitual, a ―explicação do sistema pulmonar ― por que ficamos ofegantes? Qual a melhor forma de recuperação?‖ (ROB/M – 31 anos – P. E4). O professor ROB é o único que cita as capacidades físicas como ―componentes da aptidão física‖. Betti e Zuliani (2002) nos alertam que o trabalho voltado para a aptidão física só deve acontecer a partir do 8º ano do Ensino Fundamental. Lembram ainda que a aprendizagem de habilidades motoras e o desenvolvimento de capacidades físicas são necessárias nas aulas de Educação Física, porém não são suficientes. Assim, a Educação Física escolar não pode resumir-se apenas nestas práticas corporais, sendo necessária a contemplação das outras dimensões do conteúdo também. O professor ROB propõe ainda a avaliação física e funcional de peso, altura e flexibilidade, que se constitui no ―diagnóstico e acompanhamento dos níveis de crescimento, composição corporal e desempenho motor‖, tanto no 1º quanto no 2º ciclo. Ao pensar sobre o crescimento e desenvolvimento motor, comungo com as palavras a seguir: 114 Conhecer o corpo é mais do que saber quais são as suas partes e o que essas partes podem fazer. Devemos confrontar quaisquer ideologias que reduzam as possibilidades do corpo e que o fragmentem, sendo necessário compreender o processo de constante mudança que caracteriza o corpo, como ocorre seu crescimento e seu desenvolvimento (DARIDO; RANGEL, 2005, p. 140-141). Neste sentido, o professor ROB (31 anos – P. E4) propõe temas de relevância social que, quando trazidos para o contexto da Educação Física na escola, se tornam conteúdos de ensino. Um conteúdo ligado ao crescimento e desenvolvimento motor é a reflexão sobre o envelhecimento do nosso corpo — Idoso ou envelhecimento sadio. O professor ROB propõe para 1º e 2º ciclos: Conceitos: Conhecimento do corpo humano e suas limitações. Semelhanças e diferenças do corpo idoso com os mais jovens. Atividade física e envelhecimento: benefícios e riscos da atividade física. Estatuto do idoso. Envelhecimento sadio: por que o corpo envelhece. Tipos de alimentação que ajudam a retardar a velhice. Orientações e selecão de exercíciopara idosos realizar. Principais doenças relacionadas ao idoso. Prática esportiva do idoso. Procedimentos: Visita ao centro de convivência para a 3ª idade. Sequência de atividades práticas para o idoso, elaborada pelos alunos. Atitudes: Responsabilidade e respeito ao idoso. Percebe-se que a relação entre os conhecimentos sobre o corpo e o idoso é nítida nos conteúdos apresentados pelo professor ROB em seu planejamento, apesar de não fazer distinção indicativa de ano. Esta perspectiva transcende o ―saber fazer‖ e suas razões, levando ao aluno a possibilidade de adquirir conhecimentos contextualizados e a reflexão dos mesmos. O professor ROB faz uma relação da Educação Física com a qualidade de vida, o que interfere diretamente nos conhecimentos sobre o corpo. A ―prevenção de doenças do coração, conhecimento de suas funções e prevenção de doenças degenerativas‖ são conceitos alcançados através da relação com a atividade física, fisiologia e hábitos de vida saudáveis. Somados a isto, a professora JOS (38 anos – P. E4) propõe para o 2º ciclo a discussão dos ―benefícios (efeitos) das atividades físicas‖ através de textos e pesquisas sobre ―obesidade‖. 115 Numa dimensão de corpo mais social e antropológica, o professor ROB propõe a interlocução com o tema Diversidade Racial. Como conteúdos, pode-se extrair; o ―estudo das etnias; diversidade cultural; semelhanças físicas; semelhanças e diferenças raciais na sala de aula; aceitação e convivência; conscientização da cultura negra‖. Percebe-se em seu planejamento atividades que trabalham estes conteúdos dialogando com o corpo, como exemplo, segue a sequência de atividades retiradas de seu planejamento para trabalhar ―semelhanças e diferenças, aceitação e convivência na sala‖ retratadas no quadro 12 a seguir. Quadro 12: Diferenças e semelhanças na sala de aula 1) O professor abordará o tema exemplificando como acontecem as semelhanças e diferenças na sala de aula. 2) Os alunos (após um debate) irão demonstrar, através de um desenho, a visão que ele tem do seu colega mais próximo. 3) Após o desenho o professor irá reunir a sala e verificar as suas semelhanças e diferenças com o colega. 4) Atividades práticas: A) Formar grupos: 1) Cor do cabelo. 2) Cor dos olhos. 3) Tamanho dos pés. 4) Cor da camiseta. 5) Tamanho dos braços. Extraído do planejamento do professor ROB/M (31 anos – P. E4) Assim, finalizo o bloco de conteúdos ―conhecimentos sobre corpo‖ ratificando que conhecer a si mesmo transcende o fazer motor expresso por habilidades motoras, capacidades físicas ou esquema corporal. Nas palavras de Kunz (2005, p. 5): Não se trata de formar pessoas que se conheçam melhor, apenas, mas de formar gente consciente de que jamais conhecerá tudo de si, pois isso consiste em conhecer a humanidade e o mundo. É imprescindível que a educação desencadeie um processo de conhecimento de si através dos valores humanos encontrados em cada indivíduo, possibilitando condições para que cada aluno e aluna encontrem, por suas referências internas e não apenas do mundo exterior e dos outros, o que ele ou ela de fato são em relação ao mundo, aos outros e a si próprio. 4.1.2.2 Como os professores utilizam o ―Momento recreativo‖: conteúdo, metodologia ou prática descontextualizada? Os jogos e as brincadeiras populares são conteúdos recorrentes no planejamento dos sete professores que entregaram. Em alguns momentos, os jogos e brincadeiras aparecem 116 como instrumento para o ensino de outros conteúdos específicos, tranformando-se, neste caso, em estratégia (ou metodologia/atividade) de ensino. É comum na Educação Física esta estratégia , como exemplo, numa determinada aula, o conteúdo a ser ensinado pode ser a vivência de uma brincadeira popular da época em que os pais de nossos alunos eram crianças e que hoje são desconhecidas deles. Neste sentido, a brincadeira popular é o conteúdo da aula. Em outra aula, pode-se propor, por exemplo, o ensino do conteúdo habilidades de estabilização, sendo utilizado para isto um jogo de pegar em que as crianças devem correr em cima de cordas e bancos estreitos, exigindo-se assim o equilíbrio. Neste caso, o jogo se tornou uma estratégia para ensinar um determinado conteúdo da Educação Física, sendo comum ouvir dos professores de Educação Física que utilizam ―atividades lúdicas‖ ou ―atividades recreativas‖ em suas aulas. É preciso tomar cuidado com a compreensão internalizada por alguns professores de Educação Física de que é preciso tornar a aula lúdica, respeitando-se assim a espontaneidade da criança em brincar. Esta concepção traduz a proposição de aulas em que a ―recreação‖ se constitui no seu momento principal. Porém, vê-se que este momento acaba revelando uma aula descontextualizada, em que as atividades recreativas são propostas com a finalidade precípua de divertir, sem objetivos determinados e nem conteúdos a serem ensinados. Apenas o brincar por brincar. Dos professores que entregaram planejamentos semanais, nos quais pude analisar o que foi oferecido aula a aula, dois professores apresentaram nos planos de aula os termos ―momento recreativo‖, ―atividades recreativas‖ ou simplesmente ―recreação‖. Como estes professores não descreviam claramente todos os passos de um plano de aula, ou seja, às vezes não deixavam claro o conteúdo a ser ensinado na aula, tive que tentar compreender o contexto em que se inseriam os termos mencionados anteriormente. Será que se referiam ao ensino de jogos ou brincadeiras como conteúdo? Será que se constitui apenas em atividades propostas para ensinar determinado conteúdo, ou seja, uma estratégia de ensino? Ou apenas um momento de diversão nas aulas de Educação Física? No planejamento do professor ROB (31 anos – P. E4) pude identificar o ―momento recreativo‖ representativo das três condições anteriores: ora como conteúdo, ora como método de ensino, ora como mera recreação. O momento recreativo ou parte recreativa da aula indicada pelo professor ROB em seu planejamento se caracteriza como uma mera recreação quando propõe atividades (no caso, brincadeiras/jogos) sem relação alguma com o objetivo ou conteúdo proposto na aula. Tenho 117 a impressão da necessidade das aulas de Educação Física em oferecer uma parte prática em suas aulas, levando o professor a destinar uma parte de sua aula à práticas descontextualizadas, recreativas, ou seja, atividades sem intenção pedagógica, mas divertidas. Por exemplo, no planejamento semanal do professor ROB, ele propõe uma aula cujo tema é o ―idoso e suas qualidades‖ e o objetivo da aula é ―mostrar para os participantes a responsabilidade do respeito e as semelhanças e diferenças do corpo em relação aos mais jovens‖ (ROB/M – 31 anos – P. E4). Neste sentido, ele propõe num primeiro momento da aula atividades para desenvolver o tema em questão, como a discussão sobre as principais doenças relacionadas ao idoso e os exercícios físicos adequados a eles. O professor não indica para qual ciclo propõe esta aula. A segunda parte desta mesma aula é nomeada de ―parte recreativa‖, em que o professor propôs atividades como ―gato e rato‖, ―nunca três‖, etc. Em outra aula, desta vez para a Educação Infantil, o planejamento não destaca o conteúdo da aula e nem os objetivos, apenas atividades, sem ligação ou coerência entre elas. Estes exemplos são características da concepção de recreacionismo, em que se enfatiza a ideia de ações ao ar livre, sejam elas organizadas ou não. Sobre o recreacionismo, Waichman (2004, p.26) diz que não há um interesse profundo pelas atividades além do seu ―emprego no tempo desocupado. O importante é disponibilizar uma oferta larga de possibilidades, desde a atividade gratuita (uso de lugares públicos ao ar livre) até jogos sofisticados e onerosos‖. Esta concepção é diferente da abordagem recreacionista em que aparece a figura do professor ―rola bola‖. No caso dos nossos exemplos, a recreação se caracteriza simplesmente por oferecer a diversão através de jogos e brincadeiras escolhidas. É como se o professor abrisse um livro e selecionasse as atividades ―mais legais‖ para aquela aula, sem objetivo e/ou conteúdo determinado. Esta prática é muito comum entre os professores de Educação Física, que entendem a disciplina, principalmente para a Educação Infantil e 1º ciclo, como uma prática lúdica. Para Santos (2001, p. 93), trabalhar com recreação nesta perspectiva é trabalhar com a prática no seu sentido mais vulgar, com uma atividade que não precisa ter critérios e nem coerência. ―Como o objetivo, nessas atividades, não é compreender como as crianças aprendem, para que elas se tornem autônomas e criativas, realizar atividade prática não passa de uma repetição mecânica de experiências motoras‖. A recreação aparece no planejamento do professor ROB e da professora ROS também como um procedimento utilizado para ensinar outros conteúdos. Numa aula da professora 118 ROS, por exemplo, o conteúdo expresso nos objetivos corresponde a ―percepção visual, auditiva, atenção, capacidade respiratória e coordenação motora fina‖ (ROS/F – 39 anos – P. E1). As atividades propostas para o 2º, 3º e 4º ano são descritas da seguinte forma: Atividade para despertar a atenção: - corrida de formação de grupos - corrida dos números - dentro e fora Recreação: - a ponte - coelhinho sai da toca Percebe-se que esta aula proposta para o dia 08 de agosto de 2008 pela professora ROS apresenta a recreação como um procedimento de ensino para ensinar os conteúdos prédeterminados. É nítido em suas aulas esta divisão nas atividades propostas, sempre oferece exercícios ou parte teórica no início da aula e, logo após, jogos e brincadeiras para ensinar conteúdos. O professor ROB também destaca em seu planejamento a recreação como procedimento de ensino, e ainda nomeia de ―método recreativo‖. Pinto (2001, p. 57) diz que no ―início do século XX, a influência da tendência pedagógica conhecida como Escola Nova influenciou no sentido da privatização da cultura lúdica do nosso povo e na legitimação da recreação como instrumento-meio para o ensino de outros saberes escolares‖. E a recreação enquanto conteúdo da Educação Física? Não considero a recreação como um conteúdo, porém o tratamento dado pelos professores pesquisados a este termo, associando-o aos jogos, supõe-se como um conteúdo. Neste caso, os professores utilizam o termo ―jogos recreativos‖, ―recreação‖ ou apenas ―jogos‖ para dizer que o conteúdo de ensino são os jogos propriamente ditos, ou como nos indica Darido e Rangel (2005), ―jogos reproduzidos‖ (apresentados no capítulo anterior). O ensino de jogos na perspectiva de reprodução só não aparece no planejamento do professor CIN. Para os demais, este conteúdo é proposto para os dois ciclos iniciais do Ensino Fundamental, sem distinção nenhuma do conteúdo entre os ciclos. Ainda, é apresentado apenas na dimensão procedimental, o saber fazer. Nesta dimensão inclui-se também ―as regras dos jogos‖, proposto pelo professor ROB para o 2º ciclo. Em apenas um planejamento, da professora JOS, é citado a ―organização de jogos e regras‖ (2º ciclo), fazendo menção às atitudes dos alunos diante destes jogos. Percebe-se que a menção às regras dos jogos transcende a perspectiva de apenas reproduzi-los, mas ainda há a necessidade de aproximação da transformação e criação destes 119 jogos (DARIDO; RANGEL, 2005), ou os chamados ―jogos de regras‖, classificados assim por Freire e Scaglia (2003). Os Jogos de Regras podem ser os próprios jogos populares da cultura infantil ou quaisquer outros criados pelos professores. A diferença entre os Jogos de Regras e os demais é que, ao aplicá-los, os professores devem inicialmente utilizar o menor número possível de regras. A cada conflito entre os alunos, causado pela falta de regras, o professor deve interromper a aula e, em pouco tempo, ajudá-los a estabelecer uma regra (FREIRE; SCAGLIA, 2003, p. 69). Sobre as dimensões conceituais e atitudinais, estas aparecem ligadas ao conteúdo ―jogos cooperativos‖ — único a apresentar as três dimensões do conteúdo. No conteúdo ―jogos de salão‖, a dimensão atitudinal e procedimental são destacadas no planejamento, mas desta vez apenas despida de fatos ou conceitos. Vejamos então estes conteúdos: Jogos cooperativos - O que é cooperação – conceitos e conhecimentos dos alunos. - Importância da cooperação (textos). - Jogos cooperativos: vivência de jogos propostos pelo professor e escolhidos pelos alunos. - Recreação semi-cooperativa. - Cooperação, socialização, respeito, coletividade, afetividade, confiança no outro e relação interpessoal. Os professores AND (32 anos – P. E6) e JOS (38 anos – P. E4) propõem estes jogos para os dois ciclos do Ensino Fundamental, inclusive a ―importância dos jogos cooperativos‖ através de textos aparece no planejamento da professora JOS para o 1º ciclo. Mas será que os alunos do 1º ciclo têm condições de ler textos e compreender a importância da cooperação? O professor ROB, por exemplo, só propõe os jogos cooperativos a partir do 2º ciclo. O jogo cooperativo consiste em jogos e atividades onde os participantes jogam juntos, ao invés de contra os outros, apenas pela diversão. Através deste tipo de jogo, nós aprendemos a trabalhar em grupo, confiança e coesão grupal. A ênfase está na participação total, espontaneidade, partilha, prazer em jogar, aceitação de todos os jogadores, darem o melhor de si, mudar regras e limites que restringem os jogadores, e no reconhecimento que todo jogador é importante. Nós não comparamos nossas diferentes habilidades nem performances anteriores, nós não enfatizamos a vitória e a derrota, resultados ou marcas (SOBEL, 1983, apud BROTTO, 2001, p. 55-56). Brotto (2001) considerada que para a integração dos Jogos Cooperativos em grupos ou ambientes com pouca ou nenhuma experiência anterior é aconselhável iniciar pelos jogos semi-cooperativos — recreação semi-cooperativa como propôs o professor ROB 120 anteriormente — e gradativamente caminhar na direção dos jogos cooperativos sem perdedores. Ao refletirmos sobre a escola, a assertiva anterior de Brotto (2001) é pertinent, se pensarmos nas características de crianças de 1º ciclo, que segundo Piaget (s.d., citado por FREIRE, 2005) é neste período, entre 6 e 7 anos, que a criança começa a ser capaz de cooperar. É nesta fase também que, segundo Chatêau (1987), a criança começa a se interessar por jogos sociais, deixando o egocentrismo de lado. Baseando-me nesses autores e em minha experiência como professora das séries inicias (antiga 1ª a 4ª série), entendo que as crianças de 1º e 2º ano ainda estão neste período de transição entre o egocentrismo e a socialização, sendo ainda incapazes de cooperar. Talvez, por começarem a entrar na fase de raciocínio lógico (PIAGET, s.d, apud FREIRE, 2005), elas são capazes de entender a importância de cooperar com os colegas, mas isso não quer dizer que ela terá atitudes de cooperação num jogo. Socialização sim, mas não cooperação. Talvez a proposta do professor ROB em oferecer os jogos cooperativos a partir do 2º ciclo corrobora com a discussão anterior. Os jogos de salão, de mesa ou de tabuleiro é outro conteúdo presente no planejamento dos professores pesquisados, apresentado com exclusividade pela professora CID (52 anos – P. E2). Nesta escola em especial, por conta da inexistência de um espaço adequado às aulas de Educação Física, a professora ocupa a sala de aula oferecendo este conteúdo aos alunos como eixo norteador de seu trabalho, juntamente com jogos intelectivos ou de raciocínio lógico. Vejamos o que ela propõe para o 2º ciclo no quadro 13, lembrando que esta escola não oferece 1º ciclo: Quadro 13: Conteúdos de jogos de salão e de raciocínio lógico JOGOS DE SALÃO JOGOS DE RACIOCÍNIO LÓGICO (Passatempos) Dama Caça palavras Sequência l Dominós Criptocruzada Sudoku Gamão – noções Criptograma Tangran básicas Jogos da memória Tetraminós Ludo Treminós Xadrez Resta um Confecção de jogos de dama e ludo Criação de regras pelo grupo Baseado no planejamento da professora CID/F – 52 anos – P. E2. Na dimensão atitudinal, são apresentados os seguintes conteúdos pela professora CID: a criatividade, atenção, cooperação, criação de regras, respeito ao colega e cumprimento de 121 regras. Acrescentando, a professora JOS (38 anos – P. E4) sugere para os jogos de mesa, a participação, formação de grupos, troca de material e acordo com as afinidades. A professora CID, além dos conteúdos propostos para todos os anos, esboça uma sistematização dos mesmos para cada ano do 2º ciclo. Vejamos estes conteúdos no quadro 14. Quadro 14: Conteúdos dos jogos de salão e intelectivos para o 2º ciclo. 4º e 5º anos 6º ano - Palavras cruzadas diretas - Confecção de jogo de Conteúdos atitudinais: - Dama ludo - criatividade - Quebra-cabeça - Quebra-cabeça e jogo - cooperação - Lego da memória - atenção - Jogo da memória - Torneio de damas - respeito ao adversário e - Sequência lógica às regras - competitividade Baseado no planejamento da professora CID/F – 52 anos – P. E2. A professora JOS sugere ainda o ―bozó‖ como um conteúdo dos jogos de mesa. Para situar o leitor, O Bozó é um jogo instigante, onde é preciso ter sorte e estratégia para obter a vitória. Sorte, pois são utilizados cinco dados que serão lançados ao acaso e estratégia para obter a pontuação mais conveniente e não a mais óbvia. A origem do jogo ainda é incerta, só sabemos que ele é uma das variações de um jogo muito antigo chamado Yam (possui relação com o Pôquer) e outros jogos, dentre eles o Yatch, Holligam e o General. Acreditamos que o Bozó foi baseado no General por haver uma casa com esse nome. E, também, no Nordeste Bozó significa dado. O Bozó não é muito popular no Brasil, ele é conhecido nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso Sul, e é muito jogado entre a população urbana e indígena dos dois estados3. Em princípio me ocorreu a seguinte questão: até que ponto se pode considerar os jogos de salão e de raciocínio lógico como conteúdos da Educação Física? Não que a Educação Física se resuma ao movimento e estes jogos sejam ―sedentários‖, mas pelo fato de tentar compreender se todos os tipos de Jogos podem se constituir como objeto de estudo de nossa área. E, mesmo se elegêssemos o movimento como nosso objeto de estudo, segundo Gomes4 o pensamento é uma das formas mais representativas de movimento, já que nosso cérebro não pára nem mesmo quando estamos dormindo. Sobre a dúvida cruel do ―ser ou não ser‖, Lílian Ferreira5 indica que dependerá do objetivo traçado pela professora. Comungando com esta ideia, Beleni Grando6 escreve: 3 Texto disponível em: http://www.jogos.antigos.nom.br/dados.asp (visitado em 04/07/2009). Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes (UFMT) – comunicação em orientação pessoal no dia 03/07/2009. 5 Profa. Dra. Lílian Aparecida Ferreira (Unesp – Bauru) – comunicação pessoal via e-mail no dia 03/07/2009. 6 Profa. Dra. Beleni Salete Grando (Unemat – Cáceres) – comunicação pessoal via e-mail no dia 02/07/2009. 4 122 (...) depende do referencial e dos objetivos em que estes jogos são inseridos no contexto da aula de Educação Física. Se a professora faz isso para se justificar na escola, se faz para não ter trabalho durante as aulas e poder ficar longe do contato com as crianças, ou se recorre aos jogos como parte de um plano de trabalhos em que eles entram em alguma fase do trabalho para desenvolver algumas habilidades necessárias aos conteúdos da Educação Física, etc. Segundo Evando Moreira7, estes jogos são considerados conteúdos sim, e esta é a mesma opinião da professora Irene Rangel8: Creio que os jogos podem ser considerados como conteúdo sim, mas não exclusivos. Isto seria o mesmo que dar queimada ou futebol o ano inteiro. Inclusive esses jogos poderiam ser transformados pelas crianças em jogos para área externa, ou seja, eles poderiam tentar fazê-los na quadra (ou outro espaço). Considerando que para o desenvolvimento destes jogos foi elaborado um projeto de intervenção pela professora, seguindo orientações das gestoras da escola — conforme descrito no capítulo dos gestores —, os jogos de salão e de raciocínio lógico serão considerados como conteúdo da Educação Física nesta pesquisa em específico. Porém, ressalvo que é um assunto que carece de maiores discussões e pesquisas pelos teóricos da área. Para definirmos os jogos de salão e de raciocínio, encontrei em Araújo (2004) categorias (tipos) de jogos citados como conteúdos da Educação Física, em que estes aparecem. Vejamos o que a autora diz: Outros tipos de jogos são conhecidos pelos professores como jogos intelectivos ou jogos de raciocínio. O desenvolvimento destes jogos é baseado principalmente nos aspectos neurocomportamentais e nos aspectos cognitivos como, por exemplo: memorização, categorização, comunicação, atenção, percepção e avaliação de situações, táticas e estratégias, síntese, sequência de pensamento, linguagem oral, etc. Observamos que, em muitos casos, os jogos de mesa ou pequenos jogos estão fundamentados nos mesmos aspectos e atendem a objetivos semelhantes durante o seu desenvolvimento que os jogos intelectivos ou jogos de raciocínio. Desta forma, podemos dizer que os jogos de salão, pequenos jogos ou jogos de mesa são opções de jogos de raciocínio e também de jogos perceptivo-motores (aspectos neurocomportamentais). Alguns exemplos desses jogos são: xadrez, dama, tênis de mesa, trilha, jogo da velha, resta um, etc. (ARAÚJO, 2004, p. 34-35). No planejamento do professor ROB aparece o ―tênis de mesa‖, classificado por ele como um jogo, assim como Araújo (2004) o classifica. Na história do tênis de mesa9, este é classificado como um esporte, sendo um dos esportes mais populares do mundo em número de jogadores. O tênis de mesa surgiu na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, período 7 Prof. Dr. Evando Carlos Moreira (FEF/UFMT) – comunicação pessoal no dia 08/07/2009. Profa. Dra. Irene Conceição Andrade Rangel (Unesp – Rio Claro) – comunicação pessoal via e-mail no dia 07/07/2009. 9 Disponível em: http://www.brasilescola.com/curiosidades/pingpong.htm (visitado em 04/07/2009) 8 123 em que esse esporte possuía vários nomes. Ao ouvir o barulho das bolinhas batendo em raquetes ocas, James Gibb, um maratonista aposentado, associou o barulho à palavra ―ping pong‖, que se tornou o apelido mais conhecido do esporte até os dias de hoje. O termo ping pong atualmente é utilizado somente para fins recreativos. Apenas por uma questão de utilização do conceito correto, considerarei o ―ping pong‖ como um jogo, sendo assim um conteúdo da Educação Física, que o professor ROB propõe para o 1º e 2º ciclo. Outro tipo de jogo sugerido pelo professor ROB para 1º e 2º ciclos é ―prática de jogos motores e sensoriais: jogos de baixa organização e jogos sensoriais‖, além do ―respeito à atividade‖ e à relação entre ―ganhar e perder‖. Segundo Araújo (2004), os jogos motores nascem da combinação de movimentos naturais (andar, correr, saltar, etc.), com objetivos semelhantes aos dos jogos sensoriais, ou seja, desenvolver, aprimorar ou manter as capacidades físicas e habilidades motoras. A professora JOS sugere para o 1º ciclo os ―jogos de mímica, atividades historiadas e pequenos jogos‖. Os jogos chamados de imitação ou ficção se relacionam com o simbolismo, à imitação ou à imaginação. Estes jogos são considerados por Araújo (2004) vinculados aos jogos simbólicos classificados assim por Piaget. Assim, pode-se considerar a mímica como uma imitação e as atividades historiadas ligadas a imaginação, ou seja, conteúdos ligados aos jogos simbólicos. Freire e Scaglia (2003), em sua ―distribuição de temas pelas diversas séries‖, recomendam os jogos simbólicos da Educação Infantil até a 1ª série, que no nosso caso corresponde até o 2º ano do Ensino Fundamental. Os autores dizem indicar os jogos simbólicos até a primeira série porque, ―as crianças ainda vivem fortemente o período das fantasias, da organização das representações mentais. Portanto, elas precisam de atividades que fomentem o desenvolvimento de tais funções‖ (FREIRE; SCAGLIA, 2003, p. 38). Logo, devemos refletir apenas se estes conteúdos propostos pela professora JOS ao 1º ciclo serão eficientes e interessantes para as crianças de 3º ano, que ainda se encaixam no 1º ciclo. Para 1º e 2º anos o professor ROB acrescenta ―jogos de habilidades: atenção, criatividade, sensibilização; e jogos de combate: ataque e defesa – permitir a criança um conhecimento espacial de uma área onde será realizado o jogo‖, descritos e classificados deste modo por ele. 124 4.1.2.3 Como os professores organizam as brincadeiras populares Nas brincadeiras populares, ―as crianças se engajam em regras testadas por séculos, que são passadas de criança para criança sem nenhuma referência à escrita, parlamento ou a alguma propriedade adulta." (OPIE; OPIE, 1976, apud PONTES; MAGALHÃES, 2003, p. 122). Araújo (2004) diz que as brincadeiras perpassam o tempo, de geração a geração. A estes se vincula a cultura de jogos infantis tradicionais, que são conhecidos, entre outras denominações, como jogos de rua e brincadeiras populares. Ao trabalhar com esta categoria de jogos, podem ser consideradas e discutidas as características regionais e as mudanças que os jogos sofrem de acordo com o contexto de cada região. A autora reforça que um dos aspectos do comportamento que julga importante ser evidenciado durante a realização desses jogos é o aspecto sócio-cultural. Estes aspectos descritos anteriormente são importantes para diferenciarmos jogos (reproduzidos ou de regras) de brincadeiras populares, pois nem sempre os professores deixam claro em seus planejamentos que estão se referindo as brincadeiras, ou seja, às vezes os conteúdos referentes a este bloco não estão explícitos e sim imbricados no conteúdo de jogos. No planejamento dos sete professores de Educação Física, apenas a professora CID não faz menção às brincadeiras populares. França e Grando (2007, p. 147) descrevem o sentido de memória lúdica para a cultura e identidade de uma comunidade, dizendo que a brincadeira, quando executada, oferece a capacidade de desenvolver na criança seus potenciais criativos, de interação com outras pessoas e com seu meio. As brincadeiras ―guardam os valores e a produção de um povo, uma cultura conservada por meio da representação infantil das crianças daquela época‖. Assim, dada a importância deste bloco de conteúdos fazer parte das aulas de Educação Física, vejamos o que propõem os professores de Educação Física pesquisados. A professora ROS (39 anos – P. E1) elenca brincadeiras que devem ser trabalhadas com as crianças de 1º ciclo, como a amarelinha, pular corda, bambolê, bolinha de gude, pipas, lenço atrás, corre cotia, esconde-esconde, coelho sai da toca, duro ou mole, tourinho, reloginho, pega-pega, bom barqueiro, corrida dos panos, gato e rato, cordeirinho e lobo. Percebe-se que são brincadeiras tradicionais infantis, introduzidas nas aulas de Educação Física como um conteúdo procedimental. A professora ainda divide o aprendizado do ―pular corda‖ para os alunos de 1º a 4º anos, e propõe a ―compreensão de texto – escrever a brincadeira que conhece (dia a dia)‖, para 2º ao 4º ano. 125 O professor ROB indica o trabalho com as ―brincadeiras esquecidas dos alunos‖ (antigas) para o 1º e 2º ciclos. O professor AND (32 anos – P. E6) oferece no 3º bimestre ―oficinas para confecção de brinquedos‖ (projeto arte reciclada). A professora ANE (32 anos – P. E3) também propõe a construção de brinquedos, mais especificamente a ―confecção de petecas e suas formas de jogar‖ e, na dimensão conceitual, ―história da peteca – como os índios brincavam de peteca‖. As brincadeiras de roda ou brincadeiras cantadas estão presentes no planejamento de quatro professores e são indicadas para todos os anos, com exceção da professora ROS que oferece este conteúdo apenas para o 1º ciclo. O professor ROB (31 anos – P. E6) acrescenta o trabalho com o tema diversidade racial, em que sugere para 1º e 2º anos as ―músicas e brincadeiras da infância que os pais ensinaram‖, e as ―adivinhas‖ de 3º a 6º ano. Partindo do pressuposto que as brincadeiras de roda ou cantadas são formas de representação da cultura tradicional infantil, carregadas de valores culturais que devem ser conservados, discutidos e transmitidos a outras gerações, pode-se considerar este conteúdo como parte do bloco de conteúdos ―Brincadeiras Populares‖, como fizeram os professores de Educação Física anteriormente. A título de esclarecimento, veremos no bloco de conteúdos ―atividades rítmicas, expressivas e danças‖ que alguns professores voltarão a mencionar as brincadeiras de roda, músicas folclóricas, entre outros, como integrante deste bloco, caso que será discutido no item correspondente. Sobre a dimensão conceitual das brincadeiras populares, França e Grando (2007) compreendem a possibilidade de, a partir delas, trabalhar a história de uma cidade/estado/país e a história da infância nestes locais, oportunizando, no contexto escolar, a organização de saberes da realidade da qual as crianças participam, com historicidade e valorização das mais diversas formas de viver. Talvez sejam estes os conteúdos não identificados nos planejamentos, porém relevantes e necessários à Educação Física. 4.1.2.4 Como os professores organizam os conteúdos referentes ao ritmo e expressão corporal Neste bloco de conteúdos reuni as atividades rítmicas e expressivas e as danças, e anuncio que partirei do micro para o macro, ou seja, do regional para o nacional, das danças tradicionais cuiabano/mato-grossenses para as demais danças recorrentes nos planejamentos 126 dos professores. E, a partir daí, apresentarei o que propõem de atividades rítmicas e expressivas. Segundo Pereira e Grando (2007), a religiosidade das danças está presente em todas as sociedades humanas desde os tempos mais antigos, sendo marca identitária das comunidades tradicionais que, mesmo numa sociedade complexa como a nossa, sustentam formas de valorizar a vida em comunidade e fortalecer a esperança em dias melhores. Entre as mais diversas formas de expressar a cultura local e a identidade, a dança é uma das formas mais utilizadas por todas as pessoas na sociedade ocidental. Esta manifestação corporal é criação pessoal que por meio do corpo possibilita a pessoa construir seus próprios movimentos; conforme a criatividade, cada qual tem seu jeito de dançar e criar seu passo (PEREIRA; GRANDO, 2007, p. 64). Dentre as danças tradicionais cuiabanas, as mais conhecidas são o cururu, siriri e rasqueado, que são lembrados pelos professores ANE/F (32 anos – P. E3) e AND/M (32 anos – P. E6) em seus planejamentos. Propõem como conteúdos da Educação Física para todos os anos do 1º e 2º ciclo ―as danças regionais de Cuiabá, o rasqueado e o siriri‖, e na dimensão conceitual ―a cultura de Mato Grosso e as danças típicas de Cuiabá‖. Para o leitor conhecer um pouco mais do siriri e do rasqueado citados pelos professores, as autoras Campos, Pereira e Grando (2007) discorrem que o rasqueado é a dança mais popular dos mato-grossense, finalizando as festas de santo já que não há nada de sagrado em sua origem. Das festas populares, esta dança conquistou muitos adeptos em várias festas, em clubes, etc. O Rasqueado: Definição da palavra rasqueado: ―[...] arrastar as unhas ou um só polegar sobre as cordas, e sem as pontear‖. Em Mato Grosso, a expressão musical [...] traz no seu processo histórico toda uma saga, que começou após o fim da Segunda Guerra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai), quando os prisioneiros ficaram confinados à margem direita do rio Cuiabá [...]. Aqui permanecendo resultando em várias influências em costumes, linguajar, e principalmente danças folclóricas: a polca paraguaia e o siriri, dando origem ao rasqueado mato-grossense. (GUAPO, 1985, apud CAMPOS; PEREIRA; GRANDO, 2007, p.6). O siriri10 é uma dança em que participam pessoas de qualquer idade e sexo, geralmente em pares, e que se utilizam de alguns tipos básicos de coreografia, tais como a dança de roda e dança de fileira. Em roda, com o círculo em movimento, os dançarinos batem as mãos espalmadas nas mãos dos dançarinos que estão à direita e à esquerda. Enquanto giram, os dançarinos vão respondendo aos tocadores que conduzem o canto. Já na fileira, os dançarinos são dispostos frente a frente, acontecendo o mesmo processo de bater as mãos. 10 Disponível em: http://www.rasqueadocuiabano.com.br/dancassiriri.php visitado em 06/07/2009. 127 A festa junina também traz conteúdos que são propostos por três professores em suas aulas, como a ―dança da quadrilha‖ e atitudes como ―participação na festa junina‖. Estes conteúdos são propostos para todos os anos dos ciclos pesquisados, porém os professores não apresentam maiores detalhes do assunto, não sendo possível identificar se a festa junina é trabalhada contextualizada dentro de um bloco de conteúdo de danças, ou se constitui apenas numa obrigação de ensaiar quadrilhas para a festa da escola. Em relação às danças tradicionais do Brasil, o professor ROB propõe para os dois ciclos, na dimensão conceitual, ―as danças e comidas típicas das regiões do Brasil‖ e, especificamente para o 5º ano, dentro da temática Diversidade Racial (cultural), ―pesquisa sobre danças do Brasil – forró, pagode, axé e capoeira – onde nasceram, de quais regiões são e se são conhecida no Brasil‖. A professora JOS indica para todos os anos a dança de ―maculelê11 enfocando o respeito às origens e formas de dançar de cada país‖. Sistematizadas as ―danças folclóricas‖: ―danças de roda e rodas contadas‖ para 1º ciclo, e ―danças circulares de diversos países e dança sênior (idosos)‖ para 2º ciclo. A dança circular e os brinquedos cantados (e cantigas de roda) aparecem também no planejamento do professor AND. Como também a professora ROS (39 anos – P. E1) fala em cantigas folclóricas (1º ano), musiquetas folclóricas e brincadeiras cantadas – escravos de Jó (2º ao 4º), e danças (5º e 6º anos), sugerindo uma organização destes conteúdos para cada ano do Ensino Fundamental. Vimos no item sobre as brincadeiras populares a citação de alguns destes conteúdos (brincadeiras cantadas, músicas folclóricas, etc.) assim classificados pelos professores de Educação Física. Porém, concordo com Toledo (2006, p. 78) que afirma ―as cantigas e as rodas cantadas são consideradas parte dos conteúdos Dança e Atividades Rítmicas e Expressivas‖. Justifica ainda: A roda cantada pode ser considerada como um tipo de Dança folclórica, uma vez que possui uma música combinada com movimentos preestabelecidos, com duas características particulares: ser realizada em roda (círculo) e geralmente ter uma letra (da música) que conta uma pequena história, típica daquela comunidade, por isso ela é criada e cultivada na comunidade, mantendo-se de geração em geração. Um exemplo típico é a Ciranda Cirandinha. (TOLEDO, 2006, p. 72). A diferença das rodas cantadas para as cantigas é que estas podem ser cantadas em roda, mas não se caracterizam como rodas cantadas. Sobre as atividades rítmicas e 11 Tipo de dança, bailado, que se exibe na festa de Nossa Senhora da Purificação, na cidade de Santo Amaro, Bahia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Maculel%C3%AA Visitado em 06/07/2009. 128 expressivas, envolvem atividades que relacionam a música ao movimento, assim como a interpretação e o processo criativo de ações coreográficas (TOLEDO, 2006). E quanto a uma indicação destes conteúdos (ligados ao folclore) para as diferentes fases de ensino escolar, Toledo (2006) sugere as cantigas de roda, rodas cantadas, lendas e parlendas para a Pré-escola; jogos e brinquedos folclóricos, e danças folclóricas brasileiras para 1ª a 4ª série; manifestações do folclore internacional de 5ª série em diante. Percebe-se que a Capoeira foi relacionada pelos professores ROB e JOS como uma dança. Lembremos também que no capítulo dos gestores o diretor BER fala da capoeira, mas como uma luta. Assim, mesmo elencando a Capoeira nestes tópicos, recomendo considerá-la como um bloco de conteúdos a parte, que será discutido adiante. Na sistematização de conteúdos proposto por Palma e colaboradores (2008), as danças folclóricas de cada região do Brasil são apresentadas a partir da 2ª série (corresponde ao 2º ano nosso). Da 2ª a 6ª série é proposto o trabalho de uma região do país por série, e a partir da 7ª série aparecem as danças folclóricas do Brasil e do mundo. Porém, não há uma justificativa na apresentação das regiões, ou seja, por que iniciar com a região nordeste na 2ª série? Por que esta e não outra região? Outros conteúdos trabalhados pelos professores de Educação Física neste bloco são: - movimento do corpo através da dança; - coreografias simples (músicas – lateralidade); - movimento dos animais; - danças expressivas (sentimentos); - atividades rítmicas: deslocamento no ritmo da música, agrupamentos com ritmos diferentes, dança das cadeiras, ritmos de diferentes países; - danças coreografadas – atividades lúdicas com e sem instrumentos. Os conteúdos acima são descritos para 1º e 2º ciclos, sem especificação de anos e nem detalhamentos sobre o significado dos mesmos ou exemplos de como trabalhá-los. O mesmo ocorre com a professora CID que propõe, especificamente para o 2º ciclo, os seguintes conteúdos: - formas naturais primárias e secundárias com e sem elementos; - formas rítmicas de movimentos axiais com e sem elementos; - associação de várias formas rítmicas de movimentos axiais. Assim, finalizo aqui as discussões deste bloco de conteúdos, enfatizando a importância de se trabalhar não só este, mas todos os blocos de conteúdos em suas três dimensões. Aqui, percebe-se a ênfase na dimensão procedimental dos conteúdos propostos pelos professores de 129 Educação Física, porém há um avanço significativo quando se sugere um diálogo dos mesmos com os temas transversais, como a diversidade cultural. 4.1.2.5 O que os professores propõem para a capoeira Inicio este tópico com uma citação de Darido e Souza Júnior (2007, p. 221): A capoeira é um esporte, uma luta, uma dança, um jogo. Afinal de contas, o que é a capoeira? Na verdade, é um pouco de tudo isso. A capoeira é uma manifestação genuinamente brasileira, criada pelos escravos africanos trazidos para o país. Hoje, a capoeira apresenta várias vertentes, ganhando até mesmo regras, para poder fazer parte do universo esportivo. Neste sentido, complementa Falcão (2006, p. 59) que a ―capoeira pode ser vista como um misto de jogo, arte, luta, dança e folclore que vem, sistematicamente, se incorporando à lógica desportiva, a partir de várias iniciativas de cunho oficial e privado‖. O autor considera a capoeira como uma ―construção social que extrapola conotações específicas que tentam acomodá-la em dimensões fechadas‖. Como vimos anteriormente neste capítulo, os professores de Educação Física consideram a capoeira como uma manifestação da dança, o que é verdade. Porém, a capoeira tem outras características que não permitem que a classifiquemos apenas em um bloco de conteúdos, sendo necessário assim considerá-la um conteúdo a parte. No planejamento dos professores pesquisados, apenas dois sugerem a capoeira como conteúdo da Educação Física, e mesmo assim apenas o professor ROB o explicita com mais detalhes. Ele alude na dimensão conceitual o ―início, histórico e qualidades físicas trabalhadas na capoeira‖. Na procedimental, a ―ginga simples e principais golpes da capoeira‖. A dimensão atitudinal não é lembrada em seu planejamento. Estes conteúdos não aparecem ligados a nenhum ano do Ensino Fundamental, sugerindo o trabalho com todos os ciclos. Porém, estão vinculados ao tema ―diversidade racial‖, proposto pelo professor ROB. Souza e Oliveira (2001) ressaltam a relevância deste conteúdo nas aulas de Educação Física na escola, e como foi possível verificar, é pouco trabalhado pelos professores pesquisados nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os autores sugerem em seu texto uma estruturação da capoeira para as diferentes fases de ensino na escola, elencando conteúdos distintos para os anos inicias e finais do Ensino Fundamental e ensino médio. Esta proposta atende a seis horas/aula anuais com este conteúdo. A sua prática na escola possibilita o desenvolvimento de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, como autonomia, cooperação e participação social, postura não preconceituosa, entendimento do cotidiano pelo exercício da cidadania, 130 historicidade, etc. No aspecto motor, especificamente, a capoeira deve ser reconhecida como uma alternativa rica para o desenvolvimento das estruturas da criança, como esquema corporal, lateralidade, equilíbrio, orientação espaçotemporal, coordenação motora etc. Vale ressaltar, ainda, que a aprendizagem da capoeira não deverá ter somente o aspecto técnico de aprender determinada forma de luta ou esporte; o ensino dos movimentos deverá ser acompanhado da transmissão de todos os elementos que envolvem sua cultura, história, origem e evolução, ao mesmo tempo em que deverá ser estimulada a integração com outras disciplinas do contexto escolar, a fim de que o educando tenha uma participação efetiva no contexto da capoeira como um todo (SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p.44). Estas considerações trazidas pelos autores Souza e Oliveira (2001) servem para enfatizar a necessidade de considerarmos a diversidade de conteúdos da Educação Física que temos a nossa disposição e oferecê-las de forma completa aos nossos alunos. 4.1.2.6 O que os professores propõem sobre as lutas O conteúdo ―lutas‖ não aparece no planejamento de nenhum dos sete professores que o entregaram. Mas, por que a exclusão deste conteúdo dos programas de Educação Física? Uma justificativa é entendimento de pais, gestores e até do próprio professor, de relacionar as lutas como propulsora da violência, esquecendo-se que as lutas trazem toda uma bagagem cultural, histórica e filosófica. Os conteúdos atitudinais são destaques no ensino das lutas, pois o praticante de qualquer arte marcial tem princípios a seguir, como a disciplina, respeito ao adversário e a formação do caráter. Darido e Rangel (2005, p. 248) alegam que: Espera-se que o aluno aprenda, não apenas a apreciar uma luta, distinguindo sua origem, história, golpes e a forma de pontuação, como também aprenda alguns golpes, equilíbrios e desequilíbrios e saiba diferenciar uma luta organizada a partir de uma fonte histórica de uma briga entre torcidas ou a violência gratuita. O objetivo não é a formação de lutadores, mas a construção de conhecimentos básicos de mais uma expressão da Cultura Corporal de Movimento, diante das questões conceituais, procedimentais e atitudinais (DARIDO; RANGEL, 2005). Questões sobre a violência podem (e devem) ser inseridas dentro do contexto das lutas, gerando discussões sobre as diferenças entre a prática das lutas e das ―brigas de rua‖ (violência). Pensando numa sistematização de conteúdos das lutas, Rangel e colaboradores (2010) sugerem sua inclusão desde a Educação Infantil, contextualizando o conteúdo com as figuras de heróis de desenhos animados, iniciando a discussão sobre os valores nas lutas e valores 131 para a vida. Para as crianças menores de 4 anos, as relações corporais de equilíbrio/desequilíbrio, imitações de animais brincando de brigar, são possibilidades de inserção do conteúdo nas aulas de Educação Física. Conceitualmente, Rangel e colaboradores (2010) indicam que as crianças podem aprender as diferenças entre as várias lutas e, a partir da 1ª série do Ensino Fundamental, podem aprender a origem das lutas e algumas de suas características. Segundo Kawashima, Souza e Ferreira (2009), os conteúdos das lutas ainda podem ser propostos da seguinte forma: 3ª série - cabo de guerra, atividades lúdicas com lutas simples, Kata; elementos comuns às lutas: equilíbrio e desequilíbrio e quedas; violência nos desenhos animados: assistir desenhos animados e verificar incidência de violência (lutas simples); Conceitos e atitudes nas lutas; atitudes nas lutas (violência); 4ª série - Elementos comuns às lutas: equilíbrio e desequilíbrio, quedas e golpes, noções de Karatê e/ou judô; contextualização e conhecimento das diferentes modalidades de lutas; atitudes nas lutas e respeito ao adversário. Estes conteúdos são propostas com base em experiências efetivadas na escola. As autoras ainda relatam a experiência com a inclusão das lutas na sistematização dos conteúdos para1ª a 4ª série: O conteúdo ―lutas‖ também trouxe experiências interessantes. Embora o objetivo não fosse aprofundar no ensino de golpes específicos de cada luta, as crianças de 3ª e 4ª série puderam ter uma noção do que eram as lutas, para que servem, as diferenças entre lutar e brigar, e alguns fundamentos comuns das lutas como quedas e rolamentos. O interessante da sistematização é que o professor sabe dizer aos seus alunos quando aprenderá este ou aquele conteúdo, como no caso das ―lutas‖, em que crianças da 2ª série presenciaram uma aula da 3ª e ficaram eufóricos achando que aprenderiam este conteúdo também. Assim sendo, pode-se explicar a eles que precisariam aprender outras habilidades e vivenciar outras experiências antes das lutas, e que na série seguinte teriam a oportunidade de praticá-las. Ou seja, os alunos sabiam que na 3ª série teriam o conteúdo ―lutas‖ e não precisaram se chatear por isso. (KAWASHIMA; SOUZA; FERREIRA, 2009, p. 463-464). Assim, dada a importância e as sugestões para o ensino das lutas nas aulas de Educação Física escolar, compreendo que este conteúdo precisa ser abordado e incluído nos planejamentos dos professores pesquisados, proporcionando aos alunos conhecimentos diversificados da Cultura Corporal de Movimento. 4.1.2.7 Como os professores organizam a ginástica A ginástica, como conteúdo da Educação Física, está presente no planejamento de quatro professores, dentre os sete que entregaram este documento. A professora ANE (32 132 anos – P.E3) não especifica quais são os conteúdos da ginástica trabalhados por ela, apenas fala em ―ginástica‖, sem exemplos ou maiores detalhes. A ginástica é proposta exclusivamente na dimensão procedimental pelos professores pesquisados. Faz-se necessário relembrar que a ginástica como conteúdo da Educação Física — e isso serve para todo e qualquer conteúdo específico — não deve resumir-se ao ―saber fazer‖, a mera execução de técnicas. Como nos alerta Neira (2006), o exercício e a técnica não substituem a aprendizagem, que só será possível pela compreensão da situação-problema e da consciência mais ou menos clara que orienta a intencionalidade da ação. Ou seja, não basta fazer, é preciso compreender. É importante então salientar – e pode se situar aí um dos mais sérios problemas da Educação Física – que uma educação integral, que tenha por objetivo óbvio o desenvolvimento do individuo em todos os planos, não é suficiente o simples fazer motor, pois mesmo se admitindo o fato de que esse fazer seja sempre gerador de conhecimento, não se pode esquecer que ele poderá permanecer limitado ao inconsciente cognitivo, fora do acesso ao pensamento consciente do sujeito. Se, por um lado, as disciplinas intelectualistas estimulam o estudante à reflexão, sem contudo, nem sempre estabelecer um vinculo entre a simbologia utilizada e a realidade física, por outro, a Educação Física, conduzida de maneira exclusivamente motora, estimula em grande medida o fazer motor, pouco exigindo a reflexão (NEIRA, 2006, p. 84, grifo meu). Quando propomos conteúdos conceituais e atitudinais damos oportunidade ao nosso aluno de conhecer, por exemplo, um pouco da história da Educação Física, já que ela está diretamente ligada aos movimentos ginásticos europeus que trouxeram contribuições significativas para a Educação Física escolar. No planejamento do 2º bimestre do professor AND (32 anos – P. E6), para 1º e 2º ciclos, encontrei os conteúdos ―movimentos naturais ou elementos fundamentais em suas variadas formas, com e sem elementos‖ (elementos = aparelhos), ―possibilidades de movimentação do corpo: livre, rolar, girar, equilíbrar, andar, correr, agachar, etc.; rolamento lateral e frontal com banco sueco, plinto e colchões; fundamentos da ginástica artística (GA): rolamento para frente, lateral, avião, vela‖. O professor ROB (31 anos – P. E4) indica em seu planejamento anual, para todos os anos, o que ele nomeia de ―ginástica recreativa‖, fazendo menção a ginástica rítmica, olímpica (artística) e as capacidades físicas. Sobre a ginástica recreativa, faz referência a alguns fundamentos da Ginástica Artística como parada de três apoios, rolamentos (cambalhota), avião e apoio fixo na parede. Percebe-se que é uma característica do professor ROB em atrelar o termo recreativo aos conteúdos propostos, como fez com os jogos e brincadeiras, e com os esportes (mais adiante). Fica a impressão de que o termo recreativo 133 serve para denotar algo que não é formal, mas lúdico, legal, destinado ou adaptado às crianças. Assim, o professor ROB dedica aos 1º e 2º anos o conteúdo de ―ginástica acrobática‖, propondo ainda rolamentos e cambalhotas, movimentação com três apoios, paradas com apoio na parede, elefantinho, etc. Os fundamentos propostos pelo professor ROB para a ginástica recreativa e acrobática são praticamente os mesmos, sugerindo o trabalho com o que Toledo (1999) chama de elementos ginásticos, ou seja, movimentos que são criados a partir das habilidades naturais do ser humano (andar, correr, saltar, girar, etc.) caracterizado-se pela existência de uma técnica própria. Estes elementos são obrigatórios na ginástica artística. Neste sentido, a professora ROS (39 anos – P. E1) trabalha com o 1º ciclo as formas básicas de ginástica — andar, correr, saltar e rastejar —, e cambalhotas no colchão. Toledo (1999), em sua dissertação de mestrado, propõe uma sequência para o aprendizado dos conteúdos da ginástica nas três dimensões do conteúdo, baseado em Coll. Na dimensão procedimental, a figura 11, a seguir, ilustra a sequência de conteúdos (ou hierarquia) a serem ensinados na escola. Figura 11: Hierarquia para o desenvolvimento dos conteúdos procedimentais da ginástica escolar (TOLEDO, 1999, p. 168). Os conteúdos propostos pelos professores corroboram com a segunda etapa proposta por Toledo (1999) na figura 11 (elementos constitutivos da ginástica e a combinação entre eles. O próximo passo é o que o professor AND propõe a seguir sobre os conteúdos da GA especificamente. Estes aparecem novamente no 3º bimestre — lembrando que ele os menciona no 2º bimestre também, mas desta vez os elementos da GA são propostos em ―sequências ginásticas‖ diferentes para cada ano do Ensino Fundamental. Vejamos o que ele propõe no quadro 15 para cada ano: 134 Quadro 15: Ginástica Artística – Sequência Ginástica 1º ano 2º e 3º ano - rolamento para frente - rolamento para trás - vela - avião - avião - meio giro - pose - rolamento para frente - vela - pose ―ajoelhada‖ - pose final em V 4º e 5º ano - avião - rolamento para frente - vela - puxada - rolamento pra trás - salto grupado - salto em reversão com finalização em avião - giro 360º com salto - pose Retirado do planejamento do professor AND/M – 32 anos – P. E6. A sequência ginástica proposta pelo professor AND sugere uma sistematização do conteúdo procedimental da GA, pois se entende que para a efetivação de cada sequência os alunos precisam conhecer cada elemento (fundamento) da GA. Neste sentido, subentende-se que o professor já havia oferecido estes conteúdos aos seus alunos anteriormente, e os elementos propostos seguem uma lógica de aprendizagem, a medida que no 1º ano contempla menos elementos e com grau de dificuldade ―fácil‖ até chegar ao 5º e 6º, com maior número de elementos ginásticos, englobando todos os anteriores. A ginástica rítmica, apesar de citada pelo professor ROB, não é apresentada em detalhes por nenhum professor. A Ginástica aparece no planejamento da professora ROS (39 anos – P. E1) sob três formas diferentes: De manutenção da saúde (aeróbica); De preparação e aperfeiçoamento para dança; De preparação para os esportes coletivos. Estas formas de ginástica, apesar de serem apresentadas no planejamento anual, não foram oferecidas durante o ano letivo pela professora ROS constatado em análise dos planos de aula. Não se sabe o motivo que levou a professora a não desenvolver este conteúdo, mas segundo Schiavon e Nista-Piccolo (2006) a ginástica, como conteúdo de ensino, é pouco (ou inexistente) trabalhada nas escolas. Este fato é atribuído a falta de materiais específicos, deficiências de espaços adequados a esta prática e falhas na formação profissional. 135 4.1.2.8 O que os professores propõem quanto aos esportes coletivos e o atletismo O bloco de conteúdos ―esporte‖ só não está presente no planejamento da professora CID, tendo um espaço reservado no trabalho dos outros seis professores que entregaram os planejamentos. Os esportes coletivos (voleibol, basquetebol, handebol e futsal) ganham destaque neste bloco de conteúdos, pois são as únicas manifestações esportivas contempladas por estes professores, constando nos seis planejamentos citados, salvo as professoras JOS e ROS que, além dos esportes coletivos, destacam o atletismo. Iniciando pelo atletismo, ou seja, único esporte individual citado pelos professores, os conteúdos propostos são apresentados apenas na dimensão procedimental e mesmo assim de forma muito restrita. A professora JOS/F (38 anos – P. E4) propõe para todos os anos do 1º e 2º ciclos a ―variação dos saltos em altura e distância‖. A professora ROS/F (39 anos – P. E1) apresenta para o 1º ciclo as ―corridas de velocidade, resistência, com obstáculos e de revezamento‖. No segundo ciclo o atletismo não é citado em nenhum momento. Percebe-se que o atletismo é pouco trabalhado nas aulas de Educação Física dos professores pesquisados, sendo contemplados apenas as corridas e saltos, lembrando que as modalidades do atletismo se constituem ainda por arremessos, lançamentos e marchas. Não se sabe os motivos pelos quais esta modalidade é tão pouco explorada na escola, já que envolve movimentos básicos inerentes ao ser humano, como andar, correr, saltar, lançar e arremessar. ―Se entendermos que essas ações vêm facilitar a própria coordenação, lateralidade, esquema corporal e percepção do próprio corpo, os mesmos deveriam ser abordados e aplicados desde a pré-escola e séries iniciais do Ensino Fundamental.‖ (NASCIMENTO, 2006, p. 179). Sobre os esportes coletivos, é possível observar nos planejamentos dos professores alguns conteúdos comuns às quatro modalidades e outros conteúdos específicos a elas. Os conteúdos comuns são: Manipulação de bola — agarrar, girar com a bola, saltar, etc. Jogos pré-desportivos. Iniciação desportiva: passes baixo, ombro, peito, parabólicos, etc. Gincanas esportivas e culturais: competições com a participação de todos os alunos. Para 4º e 5º anos, o professor AND propõe: Noções dos esportes coletivos: condução, passes, toques e arremessos. Mini-jogos: equipes e tempos reduzido. Jogos interclasses para todos os anos. 136 Os conteúdos acima são apresentados para todos os anos do 1º e 2º ciclos. Apenas o professor CIN/M (55 anos – P. E5) faz distinção de ciclos, no qual os jogos pré-desportivos são oferecidos apenas para o 1º ciclo. Este professor tem o esporte como conteúdo exclusivo das suas aulas de Educação Física, como veremos mais a frente em sua entrevista. O professor AND/M (32 anos – P. E6) propõe as ―regras, equipamentos utilizados em cada modalidade e locais para a prática destes esportes‖, fazendo alusão aos conteúdos conceituais. O professor CIN sugere que as regras das modalidades esportivas sejam apresentadas apenas ao 2º ciclo, acrescentando a discussão sobre ―práticas esportivas saudáveis‖. O professor ROB fala nas ―diferenças entre esporte competitivo e recreativo‖, e a professora ROS adiciona o ―espírito esportivo — derrota e vitória‖, que por sinal, é o único conteúdo proposto que se liga a dimensão atitudinal. Sobre os conteúdos específicos para cada esporte coletivo, além do ―jogo propriamente dito‖ e ―pré-desportivo‖ de cada modalidade, verifica-se que apenas o voleibol traz conteúdos mais detalhados pelos professores, apesar de ser proposto a partir do 2º ciclo. Na dimensão conceitual, o professor ROB fala da ―origem, característica funcional, fundamentos, maiores campeões do mundo e as formas de jogar voleibol‖. Na dimensão procedimental, sugere o ―aprimoramento dos movimentos e qualidades físicas; o primeiro fundamento: saque; jogos reduzidos: 3x3, 4x4, etc.‖ e, especificamente para 3º,4º,5ºe 6º anos, o ―voleibol cooperativo, toque e manchete‖. Complementando, a professora ROS sugere para 5º e 6º anos os ―jogos prédesportivos de rede humana e queimada de dois cantos‖ como conteúdos do voleibol. O professor CIN especifica os conteúdos do basquetebol para o 2º ciclo em ―passes alto, baixo e peito; drible e arremesso‖. Para o futsal, o professor propõe ―passes, chutes, dribles e condução‖. A professora ROS oferece o futsal também para o 1º ciclo, na forma ―jogo recreativo‖, subentendo-se na leitura de seu planejamento que esta prática se refere ao ―deixar jogar‖, ―dar a bola‖ aos alunos. O handebol, apesar de citado pelos professores de Educação Física pesquisados, não aparece em registros de nenhum conteúdo específico ligado à modalidade e nem mesmo de atividades propostas, o que me leva a crer que não é oferecido pelo professores em suas aulas. 137 4.1.2.9 Conteúdos atitudinais transversais: o que propõem os professores No Primeiro Capítulo desta dissertação, em que são apresentados os referenciais de sustentação teórica para analisar e discutir os dados coletados nesta pesquisa, fiz referência as três dimensões do conteúdo. Na dimensão atitudinal, alertei para duas possibilidades: os conteúdos atitudinais específicos e os transversais. No decorrer deste capítulo, os conteúdos atitudinais sempre apareceram ligados a algum bloco de conteúdos, tendo assim a característica de ser ―específico‖ a estes conteúdos. Porém, alguns conteúdos atitudinais apareceram nos planejamentos dos professores de Educação Física desligados de qualquer conteúdo específico (ou bloco de conteúdos), sendo inerentes a qualquer componente escolar e não apenas da Educação Física. Vejamos quais são estes conteúdos atitudinais transversais propostos pelos professores pesquisados, apresentados no quadro 16: Quadro 16: Conteúdos atitudinais transversais Geral - amizade e companheirismo - colaboração - cooperação - imaginação - integração entre os alunos - interação sócio-afetivo - organização: filas, colunas, rodas, esperar a vez, etc. - socialização com os colegas - solidariedade no cotidiano - trabalho em grupo 1º ciclo - comportamento - falta de determinada habilidade - importância da disciplina, comportamento, respeito. - perda de jogos - reconhecimento do erro - socialização - solidariedade - trabalho em grupo 2º ciclo - auto-estima - companheirismo -contribuir com os ―combinados‖ - diálogo sobre disciplina e valores - disciplina - respeito ao próximo - socialização - trabalho em grupo - valores Este tópico tem a intenção precípua de registrar os conteúdos atitudinais descritos pelos professores de Educação Física em seus planejamentos. Segundo Darido e Rangel (2005), com a ampliação do conceito de ―conteúdos‖ explicitada por Libâneo (1999) e Zabala (1998), e consequentemente suas dimensões descritas por Coll e colaboradores (2000), abre possibilidade de que aqueles conteúdos ocultos nos possam ser incluídos de forma explícita nos programas de ensino, sendo possível avaliar sua pertinência como conteúdo de aprendizagem e de ensino. Estas aprendizagens que se realizam na escola, mas nunca aparecem de forma explícita nos planejamentos são denominadas ―currículo oculto‖. 138 ―Como estes planos têm se centrado nas disciplinas ou matérias, tudo aquilo que indubitavelmente se aprende na escola, mas que não se pode classificar nos compartimentos das disciplinas, não tem aparecido e tampouco tem sido objeto de avaliações explícitas, mesmo que ocupem o lugar de conhecimentos alcançados dentro da escola‖ (NEIRA, 2006, p. 61-62). Quando se opta por um entendimento maior do que sejam conteúdos, esse currículo oculto deve ser manifesto e que seja avaliada a sua pertinência como conteúdo expresso de aprendizagem e ensino. 4.1.2.10 Os conteúdos propostos pelos professores que colocam a especificidade da Educação Física em jogo É relevante destacar neste momento alguns conteúdos citados pelos professores de Educação Física em seus planejamentos que não se ligam a nenhuma dos blocos de conteúdos explicitados ao longo deste capítulo. Ou ainda, conteúdos advindos de temas transversais ou projetos que fogem a especificidade da Educação Física, transcendendo a outras áreas de conhecimento. Neste sentido, a professora ANE/F (32 anos – P. E3) propõe em uma aula para 1º e 2º ciclos que as crianças conheçam ―as letras, observação e percepção‖, escolhendo o ―jogo das letras‖ como estratégia de ensino. Vejamos a descrição desta atividade no quadro 17: Quadro 17: O jogo das letras Cuiabá, 16 de abril de 2008 Planejamento semanal – 22 a 24 de abril 1º e 2º ciclos Jogo das letras Material: cartolina com letras do alfabeto e durex. Desenvolvimento: dividir a turma em dois grupos (equipe A e B). Cada aluno da equipe A receberá uma letra do alfabeto, que será fixada nas suas costas, com durex. Os alunos da equipe A ficarão de costas para os alunos da equipe B, que ao sinal do professor, e por um período de tempo previamente fixado, tentarão formar o maior número de palavras possíveis com as letras das cartolinas. O professor anotará, à parte, as palavras escritas pelos alunos do grupo B e, posteriormente, os alunos do grupo A terão também a mesma oportunidade. Retirado do planejamento entregue pela professora ANE/F – 32 anos – P. E3. A atividade descrita e aplicada pela professora ANE revela uma estratégia que poderia ser utilizada pelo professor regente (pedagoga) ou na disciplina de Português para desenvolver o conteúdo ―conhecer as letras‖. Porém, a atitude da professora em se propor a 139 oferecer tal conteúdo é reflexo da cobrança da gestão da escola, já que ela afirma em entrevista que o objetivo da escola é fazer com que os alunos aprendam a ler, então ―a Educação Física vem para ajudar os alunos a aprender, através de jogos (...)‖. Assim, a professora utiliza jogos/atividades nas aulas de Educação Física para ajudar na aprendizagem das letras e dos números. A professora ROS/F (39 anos – P. E1) também destaca em seu planejamento conteúdos como ―repertório, oralidade e escrita‖ (contar e desenhar uma história), ―letrinhas e numerais‖ e ―somar números e formar grupos‖. A estratégia de contar e desenhar histórias não faz alusão a Educação Física, sendo pedido aos alunos que ―contem historinhas de contos e fábulas ou de sua vivência‖. Desta forma, novamente os conteúdos da Educação Física são esquecidos, para além do proposto, para expressar a especificidade da Educação Física, poderiam ser propostas dramatizações, vivências corporais das histórias contadas pelos alunos, ou até mesmo ―contar e desenhar‖ a história de um esporte ou uma brincadeira popular. A Educação Física, como destacada no planejamento das professoras ROS e ANE, se torna refém das demais disciplinas escolares. É como se nós, professores de Educação Física, fossemos os ―donos do movimento‖ e eles, demais disciplinas, os ―donos dos saberes‖ (cognitivo). Para reforçar ainda mais este saber que vai além da Educação Física, e que por sinal não é propriedade da área, algumas escolas optam pelo trabalho com projetos orientados pelas diretrizes da Escola Sarã, como já discutimos no capítulo anterior (Capítulo 3). Na escola E6, o projeto em destaque tem o nome de ―Em defesa do planeta‖, tendo como eixo norteador a qualidade de vida (meio ambiente). O professor AND/M (32 anos – P. E6) desenvolveu um trabalho com reciclagem, construindo com seus alunos brinquedos reciclados que culminou em uma exposição na Feira de Ciências da escola. Este trabalho se constitui num projeto específico (Reciclar é legal!) dentro do grande projeto da escola. Ainda nesta escola, o professor AND fala da construção de uma horta e de atividades de jardinagem pelos alunos, com o intuito de demonstrar valores e conhecer o valor nutritivo das plantas. Outro destaque é o trabalho de cooperação, durante a aula de Educação Física, realiza-se a limpeza do pátio com seus alunos, observando em todas as aulas a limpeza da escola e a coleta seletiva. Mas, até que ponto se pode considerar (ou não) as atividades descritas pelo professor AND como inerentes a Educação Física? As ações precisam ser contextualizadas dentro das possibilidades de intervenção da Educação Física, para que a limpeza da escola, por exemplo, não se torne uma exclusividade desta disciplina. 140 O professor ROB/M (32 anos – P. E4) destaca os conteúdos da Educação Física em diálogo com temas sociais emergentes, como a Saúde, Qualidade de Vida, Emprego, Dengue, Ações no Trânsito, Diversidade Racial, Meio Ambiente, Terceira Idade, entre outros. Estes temas trazem contribuições significativas quando atrelados aos conteúdos específicos como foi citado anteriormente, por exemplo, as danças locais selecionadas a partir do tema diversidade raciais. Porém, o professor ROB se resvala ao tentar propor discussões a partir de alguns temas, apropriando-se de conteúdos de outras disciplinas escolares. No tema Saúde, ele fala em ―saúde familiar e sua organização, utilização do posto de saúde, doenças comuns‖, e solicita aos alunos pesquisarem ―quantas pessoas da família vão ao médico com certa frequência, quantas utilizam o posto de saúde, qual tipo de doença tem aparecido com maior frequência‖. Para o tema Meio Ambiente, o professor ROB destaca a ―conservação das florestas, a preservação do meio ambiente, sua importante, as plantas e sua função para a respiração, a conservação do lixo‖. No planejamento semanal, propõe atividades como ―levar os alunos para conhecer as plantas e hortaliças nas proximidades da escola‖ e, também, questiona ―fisiologicamente, como as plantas auxiliam a respiração?‖. Estes conteúdos não seriam específicos da Biologia ou Ciências? Neste caso, não cabe ao professor de Educação Física a função de ensiná-los. Bastaria fazer como a professora ROS, que relaciona o meio ambiente as situações de baixa umidade do ar e atividades físicas apropriadas. O professor ROB ainda recomenda discussões sobre ―diferenças salariais entre brancos e negros, homens e mulheres, e possíveis soluções para este problema‖, fazendo menção ao tema Diversidade Racial. Neste ínterim, a professora CID/F (52 anos – P. E2) destaca as datas comemorativas como conteúdo de suas aulas, aparecendo em seu planejamento a ―valorização das profissões‖ com a carta do dia do trabalho — não traz detalhes sobre esta carta do dia do trabalho e como a utilizou em sua aula — e o Aniversário de Cuiabá, no qual destaca os pontos turísticos da cidade. Encerro aqui as análises dos planejamentos dos professores de Educação Física, alertando para o cuidado ao se trabalhar com temas transversais ou projetos para que os conteúdos selecionados, a partir dos mesmos, atendam a especificidade da área, garantindo o compromisso de formar cidadãos críticos e autônomos o suficiente para escolher suas próprias práticas corporais. 141 O quadro 18 a seguir apresenta um resumo dos conteúdos presentes nos planejamentos dos professores pesquisados. O quadro indica o ciclo em que o conteúdo foi oferecido/planejado, não havendo distinção por etapas. Quadro 18: resumo dos conteúdos apresentados nos planejamentos JOGOS CONHECIMENTOS SOBRE O CORPO CONTEÚDOS Esquema corporal Coordenação motora fina e grossa Lateralidade Orientação espacial e temporal Percepção espacial, temporal e tátil Organização e conhecimento da identidade e percepção tátil, auditiva, visual, gustativa e olfativa Conhecimento do corpo, dos movimentos e seus limites e partes do corpo Atenção visual e auditiva; percepção sinestésica; memória visual, auditiva e sinestésica; associação de ideias; compreensão e raciocínio; informações sonoras, visuais e táteis. Possibilidades de explorar e controlar o corpo, imitação de som e gestual (animal, personagens, objetos, etc.) Conhecimento do próprio corpo, dos movimentos e seus limites, e a imitação dos movimentos dos animais. O ―corpo humano‖ e ―a função dos movimentos‖ Noções básicas sobre higiene e postura Alongamento; Sequência de alongamentos; Definições e razoes de fazê-lo Equilíbrio — dinâmico e estático (uma perna só, aviãozinho, parada de mão, estátua). Habilidades de locomoção, manipulação, estabilização e movimentos combinados Capacidades físicas: força, resistência, agilidade, velocidade e flexibilidade; Capacidade respiratória Explicação do sistema pulmonar – por que ficamos ofegantes? Qual a melhor forma de recuperação? Diagnóstico e acompanhamento dos níveis de crescimento, composição corporal e desempenho motor Envelhecimento do nosso corpo (idoso) Prevenção de doenças do coração, conhecimento de suas funções e prevenção de doenças degenerativas Benefícios (efeitos) das atividades físicas – obesidade Conhecimentos sobre o corpo e diversidade cultural Vivências de jogos Regras dos jogos Organização de jogos e regras Jogos cooperativos Jogos de salão e de raciocínio lógico Tênis de mesa 1º CICLO X X X X X X 2º CICLO X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X 142 BRINCADEIRAS POPULARES ATIVIDADES RÍTMICAS CAPO EIRA GINÁSTICA Jogos motores e sensoriais: jogos de baixa organização e jogos sensoriais, respeito à atividade e à relação entre ganhar e perder Jogos de mímica, atividades historiadas e pequenos jogos Jogos de habilidades: atenção, criatividade, sensibilização; e jogos de combate: ataque e defesa – permitir à criança um conhecimento espacial de uma área onde será realizado o jogo Amarelinha, pular corda, bambolê, bolinha de gude, pipas, lenço atrás, corre cotia, esconde-esconde, coelho sai da toca, duro ou mole, tourinho, reloginho, pega-pega, bom barqueiro, corrida dos panos, gato e rato, cordeirinho e lobo, Compreensão de texto – escrever a brincadeira que conhece (dia a dia) Brincadeiras (antigas) Oficinas para confecção de brinquedos Confecção de petecas e suas formas de jogar; história da peteca – como os índios brincavam de peteca Brincadeiras de roda e brincadeiras cantadas Músicas e brincadeiras da infância da infâcia dos pais Adivinhas A cultura de Mato Grosso e danças tradicionais cuiabanas: cururu, siriri e rasqueado Festa Junina: quadrilha e participação na festa As danças e comidas típicas das regiões do Brasil Pesquisa sobre danças do Brasil – forró, pagode, axé e capoeira Maculelê e o respeito às origens e formas de dançar de cada país Danças folclóricas: danças de roda e rodas contadas Danças circulares de diversos países e dança sênior (idosos) Dança circular e os brinquedos cantados (e cantigas de roda) Cantigas folclóricas, musiquetas folclóricas e brincadeiras cantadas Movimento do corpo através da dança; coreografias simples (músicas – lateralidade); movimento dos animais; danças expressivas (sentimentos); atividades rítmicas: deslocamento no ritmo da música, agrupamentos com ritmos diferentes, dança das cadeiras, ritmos de diferentes países; danças coreografadas – atividades lúdicas com e sem instrumentos. Formas naturais primárias e secundárias com e sem elementos; formas rítmicas de movimentos axiais com e sem elementos; associação de várias formas rítmicas de movimentos axiais. Danças Início, histórico e qualidades físicas trabalhadas na capoeira Ginga simples e principais golpes da capoeira Movimentos naturais ou elementos fundamentais em suas variadas formas, com e sem elementos (elementos = aparelhos), possibilidades de movimentação do corpo: livre, rolar, girar, equilíbrio, andar, correr, agachar, etc.; rolamento lateral e frontal com banco sueco, plinto e colchões; fundamentos da ginástica artística (GA): rolamento para frente, lateral, avião, vela Ginástica recreativa Ginástica acrobática X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X 143 ESPORTES CONTEÚDOS ATITUDINAIS Formas básicas de ginástica — andar, correr, saltar e rastejar Sequência ginástica – elementos diferentes para cada etapa dos ciclos Ginástica rítmica Ginástica de manutenção da saúde (aeróbica); de preparação e aperfeiçoamento para dança; de preparação para os esportes coletivos. ATLETISMO: variação dos saltos em altura e distância ATLETISMO: corridas de velocidade, resistência, com obstáculos e de revezamento Conteúdos comuns aos esportes coletivos: Manipulação de bola; Jogos pré-desportivos; Iniciação desportiva: passes baixo, ombro, peito, parabólicos, etc.; Gincanas esportivas e culturais: competições com a participação de todos alunos. Conteúdos comuns aos esportes coletivos: Noções dos esportes coletivos: condução, passes, toques e arremessos; Mini-jogos: equipes e tempos reduzidos; Jogos interclasses para todos os anos. Regras, equipamentos utilizados em cada modalidade e locais para a prática destes esportes; práticas esportivas saudáveis Diferenças entre esporte competitivo e recreativo; espírito esportivo — derrota e vitória Jogo propriamente dito e pré-desportivos de cada modalidade coletiva BASQUETEBOL: passes alto, baixo e peito; drible e arremesso FUTSAL: passes, chutes, dribles e condução VOLEIBOL: origem, característica funcional, fundamentos, maiores campeões do mundo e as formas de jogar voleibol; aprimoramento dos movimentos e qualidades físicas; o primeiro fundamento: saque; jogos reduzidos: 3x3, 4x4, etc.; voleibol cooperativo, toque e manchete Amizade e companheirismo; colaboração; cooperação; imaginação; integração entre os alunos; interação sócio-afetiva; organização: filas, colunas, rodas, esperar a vez, etc.; socialização com os colegas; solidariedade no cotidiano; trabalho em grupo Comportamento; falta de determinada habilidade; importância da disciplina; comportamento, respeito; perda de jogos; reconhecimento do erro; socialização; solidariedade Auto-estima; contribuir com os ―combinados‖; diálogo sobre disciplina e valores; disciplina; respeito ao próximo; socialização. X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X 4.2 O que dizem os professores de Educação Física: análise e discussão dos dados coletados nas entrevistas Neste tópico serão analisadas as entrevistas concedidas pelos professores de Educação Física em resposta as seguintes questões: ―o que é conteúdo?‖, ―quais são os conteúdos da Educação Física?‖ e ―como você distribui os conteúdos ao longo das etapas do Ensino Fundamental?‖. 144 4.2.1 O que é ―conteúdo‖ para os professores de Educação Física Na visão dos professores entrevistados, a concepção de conteúdos diverge entre eles. Percebe-se que há certa dificuldade em diferenciar o que são conteúdos de ensino e atividades programadas pelo professor para desenvolver estes conteúdos. Isto fica claro nos depoimentos a seguir. Conteúdo é alguma atividade que eu abordo no sentido de colher alguma coisa, como coordenação, socialização, coordenação fina ou grossa, neste sentido (RON/M – 31 anos – P. E3) São as atividades programáticas a serem aplicadas de acordo com a necessidade e faixa etária dos alunos (ROS/F – 39 anos – P. E1) Observam-se também conceitos muito amplos e vagos de conteúdos, abrangendo não apenas os conhecimentos a serem ensinos/aprendidos, mas o planejamento, objetivos, processos de ensino, etc. Vejamos alguns depoimentos: Conteúdo é toda a relação de, vamos dizer assim, de ―pele‖ que a Educação Física trabalha para desenvolver o corpo, a mente e colocar as crianças num patamar melhor pra ter uma boa conduta dentro da sociedade (ROB/ M – 31 anos – P. E4) Conteúdo? Conteúdo pra mim... Conteúdo é todo um processo de ensino, pra mim é todo aquele processo de aprendizagem, tudo aquilo que você consegue desenvolver com eficácia e consegue atingir, principalmente o aprendizado (...) (ADE/ M – 52 anos – P. E5) Conteúdo programático? O que vai ser dado pra ser executado e não só ouvido. O que não me impede, que todo plano precisa, que mude na hora (CID/F – 52 anos – P. E2) Aí eu uso os conteúdos hoje mais como... processo pedagógico...(...) (AND/M – 32 anos – P. E6). Libâneo (1994) diz que se perguntarmos aos professores o que são conteúdos de ensino, uma resposta provável é que são conhecimentos de cada matéria do currículo que transmitimos aos alunos. Segundo o autor, essa ideia não está totalmente errada, porém esse entendimento é insuficiente para a compreensão do seu verdadeiro significado. Vejamos os exemplos a seguir. No meu conhecimento, conteúdo é tudo aquilo programado para ministrar uma aula e o planejamento faz parte do conteúdo também (GIL/M – 52 anos – P. E6) Conteúdo é aquilo que eu trabalho dentro da Educação Física (SOL/ F – 50 anos – P. E6) 145 Talvez a definição de conteúdo mais próxima daquela explicitada pelos autores da Educação e Educação Física definidas neste texto, seria do professor CIN, que explica através de exemplos sua concepção. Conteúdo pra mim é aquilo que vou trabalhar com a criança, por exemplo, dentro do futebol de salão, vou ensinar a chutar, conduzir uma bola, no vôlei vou ensinar eles a atacar, a manchete... (CIN/ M – 55 anos – P. E5) É interessante destacar que alguns referenciais teóricos arquitetados pelo Município de Cuiabá elencam habilidades ou competências ao invés de conteúdos de ensino. Neste sentido, gestores e professores tendem a acreditar que habilidades e competências sejam diferentes de conteúdos, quando na realidade são elementos constitutivos dos conteúdos (LIBÂNEO, 1994). Vejamos a resposta do professor AND quando indagado se acreditava que ―habilidades‖ poderiam configurar também como um conteúdo. Não, entra como habilidade. Os projetos nossos hoje é focado como habilidade, então na hora que eu for montar meu projeto... ah, meu projeto o tema vai ser o que? Ah... ginástica pra alguma coisa...o meu corpo fazendo ginástica, vamos supor, aí eu tenho que elencar as habilidades que eu tenho que desenvolver nos meu alunos, aí entra as habilidades, entra a questão da saúde, tem que entrar... (AND/M – 32 anos – P. E6) Para completar, perguntei aos professores se conheciam as três dimensões do conteúdo (conceitual, atitudinal e procedimental). Apenas dois professores responderam afirmativamente, porém quando discorrem sobre o tema demonstram não ter clareza sobre o tema. Vejamos algumas destas respostas: Eu não conheço, porque nos PCNs não tem. (ROS/F – 39 anos – P. E1) De cabeça não... (RON/M – 31 anos – P. E3) Todos que eu trabalho? Conheço. Tem que desenvolver a dança, desenvolver os jogos, a ludicidade que falam né?, e a criatividade da criança. (ROB/ M – 31 anos – P. E4) Não. Já ouvi falar. Conheço, conheço. De vez quando a gente usa. Sempre tem debate sobre os PCNs, trabalhar com os temas transversais. A gente procura também trabalhar a parte de sexualidade que ta aflorada, eu ouço cada coisa de arrepiar o cabelo. (SOL/ F – 50 anos – P. E6) Mesmo os professores alegando não conhecer as dimensões do conteúdo, a análise dos planejamentos demonstrou que os conteúdos são oferecidos aos alunos nas três dimensões. Os professores podem não conhecer o conceito sobre as dimensões do conteúdo, porém sabem que precisam ser trabalhados. Isto se evidencia, por exemplo, na fala do professor ROB 146 quando diz conhecer as dimensões do conteúdo, porém na sua explicação os conceitos não se equivalem, e na sua prática docente realmente ele utiliza os conceitos, atitudes e procedimentos. 4.2.2 Os conteúdos da Educação Física Nesta sessão, apresentarei as respostas dos professores à questão ―quais são os conteúdos da Educação Física?‖. Esta pergunta aflorou respostas indicativas sobre os conteúdos trabalhados pelos professores em suas escolas. É fácil identificar na fala dos professores que o esporte ainda reina como conteúdo quase exclusivo da Educação Física escolar, como identifiquei nos depoimentos a seguir. Tem as turmas de alunos mais... é que é por ciclos... o ciclo mais perto da finalização, que a gente dá a atividade que é esporte, da secretaria mesmo já vem uma grade que a gente tenta seguir, aí tem que dar esporte, fundamentos, regras, o básico, só o básico pra eles ter apenas uma noção, que eles vão conseguir conduzir, aplicar a atividade, pra eles pelo menos saber manusear, saber...a praticar o esporte (RON/ M – 31 anos – P. E3) Eu começo trabalhando com a coordenação, primeiro começo trabalhando coordenação, porque se a criança não tiver coordenação... por exemplo, uma brincadeira que trabalho com eles é a amarelinha, coordenação pra amarelinha, o jogo de 7 Marias, eu faço as pedras... muita criança você não tem material pra fazer, então dentro daquilo que vai trabalhar com o futebol de salão, no vôlei, as meninas gostam do handebol não sei até porque os meninos é mais o handebol do que o futebol, então tem porque você vai trabalhar, vai pondo pra eles trabalhar, aí você vai colocando a atividade. Eu só trabalho com o esporte (CIN/M – 55 anos – P. E5) O professor RON não disponibilizou seu planejamento para a pesquisa, então não é possível averiguar se sua fala confere com o que planeja. Já a fala do professor CIN, deixa claro que apesar de trabalhar com outros conteúdos, no caso a ―coordenação motora‖, esta é apenas um atalho para chegar aos conteúdos esportivos. Tanto que ele enfatiza ―eu só trabalho com o esporte‖. Essa afirmação é confirmada pelo seu planejamento anual, em que identifica os conteúdos apenas para o segundo ciclo (4º, 5º e 6º anos), e são eles: Basquetebol ― passe alto, baixo e peito, drible e arremesso; Futsal ― passe, chute, drible e condução. O esporte é conteúdo exclusivo de muitas aulas de Educação Física na escola. Porém, dependendo das condições materiais e físicas da mesma, a opção por apenas um conteúdo também se faz presente, como é o caso da professora CID. Em sua escola, não existe quadra e a orientação da gestão da escola é que as aulas de Educação Física sejam desenvolvidas em sala de aula. Neste caso, o conteúdo exclusivo das aulas de Educação Física, segundo seu 147 depoimento, são os ―jogos de salão‖. Estes conteúdos estão explícitos também em seu planejamento, conforme foi apresentado anteriormente na análise dos documentos. Primeiro: dama, xadrez, bozó, porque o bozó ajuda a trabalhar, e eu não via dessa maneira, aprendi com eles pra você ver que a gente aprende também né? Não só ensina, aprende a todo instante, a trabalhar a matemática, porque os pequenos muitos não sabem a tabuada, mas sabem jogar bozó, como que você aprendeu a jogar o bozó? E... ludo, este bimestre agora, dama, dominó, bozó, memória e as datas comemorativas. (...) Entra a memória, o bozó segue o ano inteiro, aí vem o xadrez, lembrando sempre de trabalhar com o relaxamento, jogos de atenção também (CID/ F – 52 anos – P. E2). Essa preferência dos professores de Educação Física por apenas um conteúdo exclusivo é muito contestada pelos teóricos da própria área e, principalmente, pelos profissionais que trabalham com esse professor e tem oportunidade de observar essa prática pedagógica repetitiva, como ficou evidente na análise das falas dos gestores no capítulo anterior. Na fala da professora ROS, os conteúdos em destaque são os da Psicomotricidade. Vejamos sua fala: Os conteúdos que eu trabalho com meus alunos são todos aqueles que envolvem a coordenação motora grossa, coordenação motora fina, percepção visual, auditiva, tátil, óculo-manual, pedal, são os conteúdos que eu trabalho com meus alunos nas aulas de Educação Física. (ROS/ F – 39 anos – P. E1). Estes conteúdos aparecerem com destaque também em seu planejamento, sendo que os objetivos elencados para a maioria de suas aulas contemplavam com recorrência a ―coordenação motora‖. Alguns professores de Educação Física acreditam que a função de sua disciplina é ajudar as demais. Os professores ROB e GIL, quando indagados sobre os conteúdos da Educação Física trabalhados em suas aulas, relatam sobre o trabalho conjunto com o professor pedagogo regente da sala: (...) Bom, relacionado, principalmente, que eu amarro muito na questão do outro profissional que é o professor da sala de aula. (...) Você vai lá, vê com a professora, principalmente da Educação Infantil, são crianças que estão assim em pré-formação mesmo, então a gente tá querendo trabalhar de acordo com o que a turma ou a professora está trabalhando dentro da sala de aula, pra haver também esta continuidade (ROB/ M – 31 anos – P. E4). (...) É... eu pergunto pra ela (professora da sala), ―o que você tá trabalhando?‖ ―Tô trabalhando tal coisa..‖ aí eu vou trabalhar, assim, eu divido, 20% da minha aula eu vou trabalhar em cima da sala de aula e o restante, 80% eu trabalho em cima da minha aula. Isso, como um apoio (GIL/ M – 52 anos – P. E6) 148 Tanto o professor ROB como o GIL tem em suas escolas gestoras que comungam com esta concepção de Educação Física como auxiliar as demais disciplinas, sugerindo que estas orientações recebidas das gestoras são realmente colocadas em prática. Porém, é mais comum com as turmas de 1º ciclo, como disse o professor ROB destacando a Educação Infantil. A psicomotricidade e o construtivismo norteiam a concepção de conteúdos específicos da Educação Física, presentes nas falas de dois professores entrevistados — ANE e ADE. A professora ANE deixa bem claro que os conteúdos da Educação Física seriam os jogos e brincadeiras e depois complementa que os gestores pedem-lhe que trabalhe conteúdos da psicomotricidade. Conteúdo seria os jogos né?, brincadeiras, é... o movimento, a coordenação motora que é o que eles pedem muito é você trabalhar a coordenação motora com o aluno do 1º ciclo, porque ele tem muita dificuldade de movimento, principalmente na mão, coordenação motora fina, então eles utilizam muito, é... pedem muito, então trabalho muito lateralidade, trabalho a coordenação motora, que seria esse o conteúdo, movimento frente, atrás, então seria...dentro, fora, seria esse o conteúdo que eu trabalho (ANE/ F – 32 anos – P. E3). O professor ADE pondera sobre os conteúdos da Educação Física que trabalha, fazendo uma miscelânea entre os oriundos da psicomotricidade (equilíbrio, força, destreza, desenvolvimento psicomotor) e faz menção também ao trabalho com a manipulação de objetos para a criança descobrir suas cores e formas, o que é específico da tendência construtivista. Os conteúdos que eu trabalho na área de Educação Física os conteúdos que geralmente nós trabalhamos são: desenvolvimento psicomotor da criança, equilíbrio, a força, destreza, como a criança atacar, se defender, jogar, arremessar, conhecer as formas e objetos, principalmente na primeira idade a manipulação de objetos, pra que a criança descubra a forma, o peso, sentido de lateralidade, direita, esquerda, você acompanha aí todo o horizonte que você tem no planejamento o horizonte que você quer formar. Os conteúdos então são de acordo com a faixa etária da criança, das etapas (ADE/ M – 52 anos – P. E5). Na fala da professora JOS a seguir, é possível notar a influência da tendência desenvolvimentista sobre os conteúdos da Educação Física que ela conhece ou trabalha. Estes conteúdos servem de base para seu trabalho e afirma só utilizar os jogos de mesa como conteúdos quando precisa ficar em sala de aula devido as condições climáticas. Cita os jogos pré-desportivos como conteúdos da Educação Física também, mas como uma oposição ao uso do esporte nas aulas. Habilidades de deslocamento, então as corridas, estafetas, o que envolver o deslocamento. Habilidades de estabilização: o equilíbrio, dinâmicas, de todas as formas. Habilidades de manipulação: tudo que envolver o contato com mão, bolas diferentes e tudo mais, e... Que mais? (...) Grupos de atividades... é que tem mais um 149 ainda. Movimentos combinados, que trabalha com tudo daí. É como uma divisão. Tem várias tá. Aí vêm as atividades de recreação, as atividades de dança, jogos de mesa, porque quando Deus não permite não tem como, então tem que ir pras aulas de mesa, e também com alguns jogos pré-desportivos, dificilmente eu trabalho com esporte, nem com noção, nem com fundamentos, mais assim pré-desportivo básico, então aí depois cada um vai fazer o que quer, mas no momento é pré-desportivo. (JOS/ F – 38 anos – P. E4) Os conteúdos citados pelos professores de Educação Física correspondem aos propostos em seus planejamentos. É possível destacar que os conteúdos referentes à abordagem psicomotora e desenvolvimentista são selecionados pelos professores para o 1º ciclo do ensino fundamental e, os conteúdos ligados aos esportes, para o 2º ciclo. A opção pelo trabalho interdisciplinar com o professor da sala de aula, mesmo que de certa forma fazendo-se de apoio ao ensino dos conteúdos de outras disciplinas, demonstra a dificuldade dos professores em trabalhar com crianças menores de 9 anos, correspondentes a Educação Infantil e 1º ciclo. 4.2.3 A sistematização de conteúdos na voz dos professores Quando solicitados a responder sobre a organização e distribuição dos conteúdos para cada ciclo ou etapa, seis professores levam em conta a faixa etária dos alunos, suas necessidades e o grau de dificuldade dos conteúdos ou atividades oferecidas. Vejamos os depoimentos: É porque que nem no primeiro ciclo, são os menores, então eu não posso trabalhar a mesma coisa que eu trabalho com os maiores. Eu trabalho com os pequenininhos umas coisas totalmente diferentes do que eu trabalho com os 3ª e 4ª. (SOL/F – 50 anos – P. E6) Bom, de acordo com a faixa etária, primeiro lugar, a faixa etária dos alunos, e no caso já começo a trabalhar a Psicomotricidade, os movimentos básicos, correr, andar, saltar, rastejar e, depois das faixas etárias, eu trabalho em cima da necessidade dos alunos, o que eu acho que tá precisando trabalhar, o equilíbrio, a atenção, concentração. (...) muitas são sequências, por exemplo, se eu vou dar iniciação, aprendizado de pular corda, no primeiro ano, consequentemente eu vou trabalhar os passos preliminares. Já no ano seguinte que ele vai tá no segundo ano já, já vou tá dando um grau diferente, mais dificuldade, ele já vai tá pulando a corda assim, e vai indo, então varia, e algumas coisas são iguais. (ROS/F – 39 anos – P. E1) A professora SOL quando diz que não pode trabalhar a mesma coisa do 1º ciclo com o 2º, indica que a faixa etária é determinante para a distinção dos conteúdos para cada ciclo. O mesmo ocorre com a professora ROS, que deixa claro em seu depoimento e através do exemplo explicitado, em que o grau de dificuldade é determinante para a escolha do conteúdo 150 para cada ano de ensino. Esta fala confirma a divisão dos conteúdos por agrupamentos de anos (5º e 6º anos – mesmo conteúdo) em seu planejamento. Percebe-se que a noção de graus de dificuldade está diretamente ligada a faixa etária em que o conteúdo se aplica. Nas falas das professoras JOS e ANE o grau de dificuldade é enfatizado, seguido por exemplos com diferentes faixas etárias. Só o grau de dificuldade. Porque eu coloco estabilização e pronto, aí a criança tem e o que ela não tem, repertório motor, então os movimentos de coordenação motora, esquema corporal essas coisas, vem da educação infantil, então se elas conseguem trabalhar, fazer, executar na Educação Física, daí eu continuo. Então se eu tô pedindo pra correr e a criança vai com o bracinho aqui, eu preciso trabalhar mais com ela, com atividades que busquem trazer a naturalidade dentro desse movimento. Então é o grau de dificuldade que vai avançando na atividade. (JOS/F – 38 anos – P. E4) Eu organizo assim...eu coloco dificuldades, às vezes eu posso fazer, por exemplo,essa semana que eu vou trabalhar com jogos de letras, então com o 1º ciclo, eu vou usar assim palavras...eles vão colocar...eu vou colocar assim várias letras e eles vão ter que formar palavras, então eles vão formar palavras de menos é...com dificuldade menor, um sílaba, duas sílabas e no 2º ciclo não, eles teriam que tá formando palavras mais complexas, formando frases, então a complexidade, a dificuldade da atividade que muda, pode até ser a mesma atividade, mas a complexidade que muda. (ANE/ F – 32 anos – P. E3) É perceptível nas duas falas anteriores que a complexidade se refere não só aos conteúdos, mas também às atividades programadas. Neste sentido, perguntei a professora ANE se o conteúdo poderia ser o mesmo para as diferentes etapas do ensino fundamental, diferenciando-se apenas as atividades e respondeu: Também. Não, mas não é sempre, daí vai ser de acordo com o que a professora tá trabalhando, por exemplo, essa semana nós estamos comemorando a semana do índio, então com um eu tô confeccionando as petecas, com outro eu já to só jogando, entendeu? Então eu tô vendo o jogo, as regras do jogo, entendeu? (ANE/ F – 32 anos – P. E3). A professora ANE deixa claro que pode acontecer do conteúdo trabalhado ser o mesmo e com atividades diferentes para cada ano, mas os conteúdos também podem se diferenciar entre os anos do ensino fundamental. Cita o exemplo da peteca que, como vimos em seu planejamento, estava ligado ao conteúdo de brincadeiras populares, em que sugere uma sistematização deste conteúdo quando afirma que com algumas turmas ―está confeccionando‖ o brinquedo e, com outras turmas, ―vendo o jogo‖ e ―as regras‖. Assim, o conteúdo não é o mesmo para cada ano de ensino. O professor AND/M (32 anos – P. E6) diz que ―utilizo o mesmo plano pra todos essas faixas etárias. O que... o meu diferencial é como é que eu vou aplicar isso... graus de 151 dificuldade, eu trabalho com graus de dificuldade‖. Percebe-se que ele elabora o mesmo plano de aula para todos os ciclos, diferenciando no modo de aplicação destes conteúdos, ou seja, os métodos, procedimentos ou atividades. Esta fala se concretiza em seu planejamento, em que se pode averiguar que o professor tem o mesmo plano de aula para todos os ciclos, porém a partir do 3º bimestre começa a distinguir os conteúdos para as diferentes etapas de ensino, propondo a sistematização dos conteúdos da ginástica, dança e esportes. O professor RON pondera também sobre a sistematização, porém acaba falando mais sobre a organização das aulas e problemas que tem enfrentado em sua prática cotidiana, do que sobre a organização de conteúdos para 1º e 2º ciclos. Vejamos seu depoimento: Sim, até por horário. Às vezes é a mesma turma, mas com horários diferentes, às vezes a gente tenta passar a mesma coisa, mas é difícil dá certo, entendeu? Sempre a gente tem que ter algo na manga, porque às vezes a gente faz o planejamento pras duas turmas, por ser a mesma faixa etária de idade, mas por ser turmas diferentes, de outros professores, difícil dar certo, às vezes pra de manhã dá certo e a tarde não dá certo. (RON/M – 31 anos – P. E3) A professora ANE também se baseia nas datas comemorativas para organizar os conteúdos da Educação Física em seu planejamento, ou seja, como distribuir os conteúdos ao longo do ano letivo, em que momento oferecer este e não aquele conteúdo. Eu fiz um planejamento bimestral e aí através desse planejamento eu busco as atividades e também busco nas datas comemorativas, aí por exemplo, na semana de Cuiabá nós é...danças...trabalhamos com danças, danças típicas da região e assim... (ANE/F – 32 anos – P. E3). Os professores AND, ANE e ROS discorrem também sobre as orientações que recebem dos gestores das suas escolas em relação à sistematização de conteúdos, e consequentemente, em que se baseiam para selecionar os conteúdos para as diferentes fases do ensino fundamental. As falas explicitam exatamente o que os gestores ponderaram em seus depoimentos: trabalho com projetos, dossiês, trabalho interdisciplinar, projeto Sarã e PCNs. A professora ANE/F (32 anos – P. E3) diz: ―Eu vou muito pelo projeto Sarã, pelo livro da Sarã, que é o livro que foi formado por Cuiabá, pela prefeitura‖. Sobre a distribuição dos conteúdos para cada etapa do ensino fundamental, a professora ANE diz que ―tem no PCN, no PCN nós temos‖. A professora ROS/F (39 anos – P. E1) também expõe que utiliza o projeto Sarã e os PCNs para escolher e organizar os conteúdos da Educação Física. Vejamos sua fala: (...) como eu trabalho na prefeitura de Cuiabá, baseado no projeto Sarã, que é justamente nos PCNs, então os conteúdos são tirados de lá, porque lá já vem falando a faixa etária correspondente, e as atividades ficam a seu critério, criatividade. 152 A partir do projeto Sarã, os professores ROS e AND trazem os conceitos de interdisciplinaridade e trabalho com projetos para sua prática pedagógica, como referência para a distribuição dos conteúdos para 1º e 2º ciclos do ensino fundamental. Vejamos o que eles dizem primeiro sobre o trabalho com projetos. O projeto é livre. Tem o período do bimestre pra entregar relatório, o dossiê do aluno, mas é livre, eu posso montar um projeto qualidade de vida e trabalharia o ano todo. Mas eu tenho que tá avaliando, a coordenadora pede pra tá avaliando, voltar nos pontos que você não atingiu. Se atingiu-se tudo, não tem porque continuar nele. (AND/M – 32 anos – P. E6) (...) é escolhido um tema, por exemplo, agora no 2º bimestre tamo trabalhando meio ambiente, cada bimestre é um tema, 1º bimestre trabalhamos sobre Cuiabá, agora meio ambiente, e assim vai indo. Por exemplo, no meio ambiente, cada professor fica com um tema específico, lixo, água, rio Cuiabá, natureza... eu, por exemplo, tô com o tema ―lixo, que lixo?‖, e tamo também trabalhando com os alunos maiores a importância, o que estas mudanças climáticas que vem acontecendo estão trazendo as aulas de Educação Física, como a respiração, quando a umidade do ar baixa porque a gente praticamente não pode correr, então tudo em forma de pesquisa com eles. Também a reciclagem, que é um projeto de criação, cada aluno... eles estão fazendo já, confeccionando, já tô com muitos feitos comigo lá no meu armário, eles estão confeccionando brinquedos a partir de material do lixo, pasta de dente, caixa de fósforo, garrafa, e cada um vai ta criando um brinquedo, mostrando que a gente pode reciclar o lixo. (ROS/F – 39 anos – P. E1) A professora ROS explica o trabalho com projetos através de exemplos do que ela está realizando com seus alunos naquele bimestre. Seu exemplo se refere ao projeto com o tema meio ambiente, confirmando os dados contidos em seu planejamento, reforçando que é um trabalho que garante a especificidade da Educação Física. Outra constatação importante é que os depoimentos referentes ao trabalho com projetos e interdisciplinar, confirmam as orientações passadas dos gestores aos professores de suas escolas. A seguir, a fala do professor AND sobre a interdisciplinaridade em sua escola: Com os professores, ou seja, eles querem que nós, é... trabalhemos o projeto dos professores. A interdisciplinaridade que eu entendo que eles passam pra gente é isso. O professor de Educação Física, artes e línguas entrar no projeto do professor. Não, não é um reforço. Até eu bato muito em cima disso, fica maçante pro aluno. Por isso que quando nós elaboramos nosso projeto da Educação Física, um dos pontos tá lá, que o professor de Educação Física tem a liberdade de trabalhar seu conteúdo independente da interdisciplinaridade com os professores. Mas nós somos cobrados bastante pra trabalhar o conteúdo do professor. Eu posso fazer meu projeto, a coordenadora vai olhar e falar onde é que tá inserido aqui o projeto dos professores da sala... tanto é que esse ano ficou um projetão só pra todo mundo por causa disso. Tinha que fazer um planejamento...uma professora trabalhava com água, a outra trabalhava com lixo, a outra trabalhava com saúde...nós ficamos perdidão. Perdido, ou seja, como é que você vai montar uma aula interdisciplinar com tudo isso. Isso aí só dá pra você trabalhar verbalmente. Por isso que eu falo, vai perdendo aquela especificidade da Educação Física, trabalhar o corpo. (AND/M – 32 anos – P. E6) 153 O discurso do professor AND traduz sua insatisfação e dificuldade em aceitar o conceito de interdisciplinaridade concebido pelas gestoras de sua escola, no caso, da coordenadora que, como vimos no capítulo de análise dos depoimentos dos gestores, insiste que a Educação Física sirva como um apoio ao professor da sala de aula (pedagogo). A coordenadora alegou que os professores de sua escola não concordavam com esta concepção, o que ficou evidente no depoimento do professor AND, dizendo que ―não é um reforço‖, senão ―vai perdendo aquela especificidade da Educação Física‖. Os dossiês também aparecem como orientação dos gestores para nortear a seleção dos conteúdos para cada ano de ensino, como indica a professora ANE: Através do plano bimestral e nas competências e habilidades que eu tenho que fazer meu planejamento, então através desse conteúdo que eu tenho que são as competências e habilidades que traz o dossiê, em cima deles que eu faço meu planejamento. No primeiro ciclo o que que ele traz, no 1º ciclo ele apresenta movimento de destreza, jogos, dança, ele vem num conteúdo só pra você trabalhar com jogos, danças...então você que tem que distribuir o que você vai trabalhar naquele bimestre, entendeu? Assim que é feito... aí no 2º ciclo ele já vai trabalhar com regras, vai colocando regras, nos jogos. (ANE/F – 32 anos – P. E3) Este depoimento da professora ANE confirma as orientações descritas pelas gestoras de sua escola no terceiro capítulo, bem como os dados coletados do planejamento que entregou, dados estes discutidos no início deste capítulo. 4.2.3.1 Os conteúdos para o 1º ciclo Sobre a sistematização de conteúdos, todos os professores responderam que há diferenças entre os ciclos e as faixas etárias, sendo necessário propor conteúdos, estratégias e atividades diferentes para cada ciclo ou etapa do ensino fundamental. Neste momento, serão apresentados os conteúdos que os professores disseram propor para o 1º ciclo. Vejamos os depoimentos: (...) Educação Infantil, 1º ano, até o 2º ano, que é 1ª série né?, eu gosto de trabalhar espaço-temporal, lateralidade, então envolve uma série de atividades essas atividades. E neles eu posso trabalhar igual, por exemplo, atividades que desenvolva direita, esquerda, em cima, embaixo, alto, baixo, essas atividades. (ROS/F – 39 anos – P. E1) Assim, essas turmas mais infantil, a gente sempre pega mais na linha de coordenação motora, grossa, fina, porque é a maior dificuldade deles. Manuseio de bola com a mão, pra poder diferenciar, não só saber manusear a bola, mas saber diferenciar pressão da bola, peso da bola, tamanho da bola, neste sentido. (RON/M – 31 anos – P. E3) 154 Eu sinceramente acho que na Educação Infantil nós tínhamos que trabalhar todo o esquema corporal, lateralidade, a gente começa vendo lá e vai ver sempre, porque quando chegar nos movimentos de estabilização, ali entra muito a questão da lateralidade, então eu acho que se a gente trabalhar bem essa questão na Educação Infantil, 1º e 2º ciclo, a partir do 3º eles já estão prontos pra fazer uma outra camada de atividades, e daí não cai na mesmice de todo ano vira isso, todo ano vira aquilo.(JOS/F – 38 anos – P. E4) Na Educação Infantil, no 3º bimestre, nós vamos trabalhar assim com a percepção tátil, equilíbrio e as habilidades naturais, o foco é esse. Então, o balão, já trabalhando uma atividade de manipulação, passe, porque a criança brinca, BRINCA (...) (JOS/F – 38 anos – P. E4) Às vezes, os maiores têm a mesma dificuldade que os menores, principalmente lateralidade que você vai trabalhar esquerda, direita, pula pra direita, pula pra esquerda, eles não tem noção... quadrado, retângulo que você vai trabalhar no chão. (...) Fazer roda, é... pega-pega, o que mais gosta os menores é pega-pega, essas brincadeiras infantis mesmo. (SOL/F – 50 anos – P. E6) (...) porque no 2º ano em diante a gente trabalha mais com a formação deles, ou seja, a orientação é diferente, por exemplo, você vai trabalhar futebol que na Educação Infantil você não trabalha, dominó e dama que na Educação Infantil você já trabalha, essas coisas... já ao contrário, na Educação Infantil você trabalha lateralidade, postura, coordenação motora... já na 3ª e 4ª série não trabalha esse lado. (GIL/M – 52 anos – P. E6) Percebe-se que a maioria dos professores fala de conteúdos da Educação Infantil juntamente com os de 1º, 2º e até 3º anos e justificam esta opção dizendo que ―neles eu posso trabalhar tudo igual‖, como disse a professora ROS. Os conteúdos citados pelos professores referem-se basicamente a lateralidade, percepção tátil, equilíbrio, coordenação motora fina e grossa, manipulação de bola (pressão, peso, tamanho da bola, passe), noções de figuras geométricas (quadrado, retângulo), brincadeiras (roda, pega-pega), movimentos de estabilização e habilidades naturais. Estes conteúdos correspondem àqueles propostos nos planejamentos dos professores, confirmando que eles ―verbalizam‖ aquilo que ―pensaram‖ (planejaram). O professor GIL faz uma comparação dos conteúdos que devem ser oferecidos até o 2º ano, que no caso ele se refere ao 3º do ensino fundamental, e para 3ª e 4ª série, ou seja, 2º ciclo. Mesmo o professor GIL não tendo entregue seu planejamento, sua fala confirma a tendência em propor conteúdos ligados a psicomotricidade (lateralidade, postura e coordenação motora) para Educação Infantil e 1º ciclo, e futebol, dominó e dama para o 2º ciclo. Já o professor CIN confirma em seu depoimento os dados coletados em seu planejamento anual e é coerente com sua concepção de conteúdos específicos da Educação Física. Vejamos sua fala: 155 Os meninos de 5 anos, eu trabalho o esporte generalizado, eles vão chutar, correr com a bola, então ponho eles ―você tem que ir pra frente, o gol seu é lá‖, então seu gol é lá, lá na frente que você tem que fazer o gol, porque eles correm com a bola e fazem gol no gol deles mesmo. Então, você põe, é pra frente que você tem ir, chuta a bola pra frente, e chuta daqui pra lá e pra lá. A bola, põe aqui na lateral, então você delimita a quadra, aqui é fora e o resto você deixa eles aprender, então eles vão correr, chutar. Isso no futebol de salão, porque nestas séries você não vai trabalhar o vôlei, não vai trabalhar o handebol, só trabalha o futebol de salão. A queimada pra esse também. (CIN/M – 55 anos – P. E5) O esporte se constitui como conteúdo principal das aulas do professor CIN: o voleibol e handebol a partir do 2º ciclo; para o 1º ciclo, oferece apenas a modalidade de futebol de salão, com adaptações e a queimada. Em seu planejamento isso ficou bem claro, pois propõe conteúdos psicomotores que finalizam com a prática esportiva, o futebol. O professor ROB/M (31 anos – P. E5) diz ―envolver o mesmo conteúdo, mas em nível de recreação, em nível de conversa, vai daqui pra ali, porque tem muitas crianças que não lêem ainda, mas entendem‖. Esse ―mesmo conteúdo‖ corresponde aos conteúdos ligados às atividades físicas e saúde oferecidas ao 2º ciclo e que será apresentado no próximo subitem referente aos conteúdos do 2º ciclo. Percebem-se em sua fala que os conteúdos para 1º e 2º ciclo são os mesmos, porém são tratados de maneira diferente: para 1º ciclo a estratégia é a recreação; para o 2º ciclo as aulas teóricas estão mais presentes. Assim, os conteúdos que os professores ―dizem‖ trabalhar com o 1º ciclo correspondem e confirmam os apresentados em seus planejamentos. 4.2.3.1 Os conteúdos para o 2º ciclo Este item é o último a analisar os depoimentos dos professores de Educação Física, sendo aqui explicitados os conteúdos que verbalizam para o 2º ciclo. É perceptível na fala de quatro professores (ROS, RON, GIL e CIN) que no 2º ciclo os conteúdos devem ser diferentes do ciclo anterior, já que os alunos já adquiriram determinadas habilidades que não são mais necessárias trabalhar. Vejamos duas destas respostas: Já no 4º ano, por exemplo, eu não preciso mais trabalhar, eu já trabalhei (conteúdos da psicomotricidade), então vou trabalhar com jogo de raciocínio, raciocínio lógico, uma atividade pra desenvolver mais a capacidade respiratória, as habilidades motoras, mais ou menos isso. (ROS/F – 39 anos – P. E1) A turminha maior já tem um pouco mais de coordenação, aí já dá pra brincar, liberar um pouco mais, fazer atividades mais de contato físico, de correr... (você faz parte teórica com as crianças?) Com o infantil não, só com os maiores, com os alunos do 3º ciclo. Porque aí já uma atividade mais... esporte no caso. Aí gente tenta explicar, dar a teoria do esporte, os fundamentos, regras, como é aplicada e vai pra prática. (RON/M – 31 anos – P. E3) 156 A professora ROS e o professor RON consideram as experiências anteriores dos alunos que estão no 2º ciclo, não sendo necessário oferecer conteúdos aplicados a psicomotricidade, os quais foram apresentados e apreendidos pelos alunos no 1º ciclo. Este dado é importante, pois confirma a opção dos professores de Educação Física em selecionar os conteúdos ligados a psicomotricidade apenas para o 1º ciclo, como vimos em seus planejamentos. A professora ROS afirma trabalhar com jogos de raciocínio e capacidade respiratória dos alunos. O professor RON indica o trabalho com atividades com maior contato físico, porém as aulas teóricas sobre o esporte, suas regras, fundamentos, etc. são destinadas ao 3º ciclo. Todavia, os professores mostraram em seus planejamentos que estes conteúdos do esporte são oferecidos aos alunos de 2º ciclo sim, sendo que o professor RON não entregou o planejamento, então não se pode conferir se sua fala é compatível com o seu planejar, o que talvez se confirme na análise das observações de suas aulas. A fala do professor GIL/M (52 anos – P. E6) também indica que os conteúdos da psicomotricidade são exclusivos do 1º ciclo. Segue seu depoimento descrito na forma de diálogo, já que suas respostas se deram a partir de questionamentos efetuados por mim. GIL: (...) já na 3ª e 4ª série não trabalha esse lado (lateralidade, postura e coordenação motora). EU: É mais voltado para o esporte? GIL: Isso, isso. EU: E você divide os conteúdos de que forma? Por bimestre, cada bimestre você trabalha uma coisa? GIL: É também... também... os conteúdos da Educação Física pra terceira, segunda e quarta série são acoplados com a sala de aula do professor também, por exemplo, semana passada, sexta-feira, eu tive aqui olimpíadas de matemática, então aí eu pego além da Educação Física, bola ao cesto, futsal, dominó, dama e também incluí mais a competição de matemática. O professor GIL ratifica o trabalho com o conteúdo esporte no 2º ciclo e também reafirma que estes conteúdos têm ligação com o que o professor da sala está ensinando, colocando em risco a especificidade da área. Outro professor que confirma o trabalho com o esporte é o professor CIN, declarando também que nesta faixa etária os alunos já têm ―coordenação motora‖. Vejamos seu depoimento: O vôlei só pros grandinhos, de 9 a 10 anos, aí você vai trabalhar com eles o basquete, eles já tem coordenação... Primeiro eu começo a trabalhar com o manuseio de bola, a ter contato com a bola, a bola, pra dar um tapa na bola, o problema que a gente tem é que não temos material, por exemplo, eu trago uma bola minha, aí você tem 25 crianças, até cada um dar um quique na bola, briga, já empurrou, é a dificuldade, não tem como você fazer uma bola de papel, ―ah, faz uma bola de meia‖, não tem, você tem que ter contato com a bola. (CIN/M – 55 anos – P. E5) 157 O professor CIN oferece o basquetebol a partir do 2º ciclo, o que está de acordo com o proposto em seu planejamento. Complementando este dado, vale ressaltar que em depoimento sobre os conteúdos do 1º ciclo, o professor CIN enfatiza que o handebol e voleibol só devem aparecer a partir do 2º ciclo, sendo apenas o futsal declarado para ambos os ciclos. A professora CID só trabalha com o 2º ciclo, já que sua escola só oferece 2º e 3º ciclos. Assim, ela discorre sobre os conteúdos trabalhados nestes anos: Tem diferença (entre as turmas). Com os pequenos a gente monte um ludo com uma sala, mostro primeiro um jogo pronto e aí a gente vai montar, ―se cair aqui o que é que vai fazer?‖, então eles dão as regras e a gente monta um. Com os maiores, 6ª pra cima, aí eles vão pesquisar a origem, como surgiu, ludo, dama, bozó eu ainda não consegui, xadrez... aí eles vão fazer a pesquisa. Trabalho com 4º ao 9º ano. Não tem turmas menores que 4º ano. (CID/F – 52 anos – P. E2) Para o 2º ciclo, a professora diz trabalhar com os jogos de salão, em que os alunos propõem as regras e constroem os jogos. Diz ainda que somente a partir do 3º ciclo que os alunos trabalharão com pesquisas sobre a origem destes jogos. Estes dados estão claros em seu planejamento também. A professora JOS/F (38 anos – P. E4) não descreve os conteúdos do 2º ciclo, apenas diz ―não trabalho com o esporte, mas eles pedem muito‖. Discorre ainda sobre o ―combinado‖ que faz com seus alunos do 2ª ciclo, em que ―duas vezes por mês eles jogam futebol‖. Isso ela diz não colocar em seu planejamento, sendo ―um dia livre, quem quer jogar futebol, joga futebol, quem não que jogar futebol, vai fazendo outra atividade que eles querem fazer porque eu não me incluo, é um dia livre‖. Da mesma forma, a professora JOS faz este combinado com as turmas de 1º ciclo que, no caso, não jogam futebol, mas brincam livremente. O professor ROB confirma em seu discurso o trabalho com o tema Saúde: (...) a partir do 2º ciclo eu já trabalho mais na área da saúde, prevenção, doenças degenerativas, volume de peso, essas coisas todas que envolvem cálculo. Teórica também. Agora, é diferente do pessoal do 2º ciclo, já sabe copiar, já sabe resolver algumas operações, então a partir dali a gente vai incrementando também esses conteúdos de acordo com o que eles estão sabendo realizar em sala de aula. No meu planejamento anual, ele entrou como ―doenças preventivas‖, são todas elas, diabetes, hipertensão, todas. Isso para o 2º ciclo. Dentro do planejamento anual foi feito um para 1º e um para 2º ciclo, bem dividido a questão do conteúdo. Ele é dividido também, porque tem a mídia que fala muito sobre a questão da caminhada, da atividade física, então eu uso também esse detalhe pra gente colocar em sala de aula. (ROB/M – 31 anos – P. E4) Esta fala é coerente com os conteúdos propostos em seu planejamento, inclusive as aulas teóricas, ou conteúdos conceituais, que aparecem a partir do 2º ciclo, por entender que 158 nesta fase as crianças já sabem/conseguem copiar e compreender as discussões sobre Saúde, atividade física, mídia, etc. Já o professor ADE/M (52 anos – P. E5) disse que ―é muito difícil definir um conteúdo‖, alegando que trabalha ―com crianças de várias faixas etárias‖, entre outros problemas. Sugere que ―os conteúdos tem que ser bastante flexíveis porque você trabalha com diferentes faixas etárias (...)‖, alegando que a Educação Física depende de vários fatores, já que ―fomos preparados para trabalhar com crianças bem definidas‖. Neste sentido, percebese que o professor ADE não respondeu ao que lhe foi perguntado, ou seja, sobre a sistematização de conteúdos, sobre quais conteúdos ensina no 1º e 2º ciclo. Por isso, seu depoimento não aparece entre as respostas das análises sobre a sistematização, o que corrobora também com a não entrega de seu planejamento, sugerindo a não organização dos conteúdos para as diferentes fases de ensino. Assim, pode-se verificar nos depoimentos dos professores de Educação Física que eles não sabem dizer exatamente os conteúdos que ensinam em suas aulas, justificando a não especificação dos conteúdos em seus planejamentos. Porém, ao ler nas entrelinhas dos planejamentos, percebe-se que ―o que se ensina‖ nas aulas corresponde ao que verbalizam nas entrevistas. 4.3 A prática docente: o fazer pedagógico do professor de Educação Física Neste tópico serão apresentados e analisados os dados coletados em observação das aulas dos professores de Educação Física pesquisados. Esta análise é relevante para identificar se a prática pedagógica dos professores pesquisados é condizente com os saberes expressos em seus planejamentos e depoimentos. Assim, apresentarei ―o que faz cada professor em suas aulas‖, seguindo a ordem das escolas pesquisadas (de E1 a E6). 4.3.1 As aulas de Educação Física na escola E1 Começando pela escola E1, no início de cada aula a professora ROS/F (39 anos – P. E1) indica o trabalho com os seguintes conteúdos(aulas duplas – 26/08/2008 e 02/09/2008): jogos; futsal recreativo; jogos de raciocínio e brincadeiras cantadas. Os conteúdos correspondem exatamente aos descritos em seu planejamento, confirmando que a prática pedagógica da professora ROS é pensada, planejada para cada semana de aula. 159 Os jogos de raciocínio são oferecidos sempre dentro da sala de aula e no início da aula, pois existe o problema do recreio tomar os quinze primeiros minutos desta aula de Educação Física, ou seja, todas as aulas que se iniciam às 9 horas da manhã, são interrompidas pelo recreio, independente da disciplina curricular. O conteúdo de jogos se apresenta como forma de ―jogos reproduzidos‖, proporcionando o alerta queimada, corre cotia, eu vou à Lua, e uma variação da brincadeira ―Sol e Lua‖. A brincadeira cantada oferecida foi ―escravos de Jó‖, sem utilização de objetos, apenas com o emprego do próprio corpo (em pé). Vejamos as figuras 12 e 13 que ilustram as aulas de Educação Física da professora ROS: Figura 12: Alerta queimada 160 Figura 13: Escravos de Jó O futsal recreativo é um momento livre da aula, em que os alunos jogam, divididos por sexo: primeiro os meninos; depois, as meninas. Os alunos que ficam fora do jogo, esperando sua vez, se distraem com jogos educativos como dama e ludo. O futsal recreativo aparece em seu planejamento para todos os anos do ensino fundamental. 4.3.2 As aulas de Educação Física na E2 Na escola E2, os conteúdos que a professora CID/F (52 anos – P. E2) trabalhou (aulas duplas – 21/08/2008 e 01/09/2008) foram: ―brincadeiras; brincadeiras livres e semana da pátria‖. O conteúdo ―brincadeiras‖ não aparece em seu planejamento anual em nenhum momento, apenas indica as ―brincadeiras de roda‖ para o 4º bimestre — as aulas observadas aconteceram no 3º bimestre. As datas comemorativas aparecem em seu planejamento em todos os bimestres, mas não há detalhes sobre o assunto. O seu planejamento semanal só foi elaborado até o 2º bimestre devido a uma lesão no braço que a impossibilitou de escrever, porém, percebi que as aulas não eram planejadas, pois era evidente o improviso e repentina mudança de atividades, sem que houvesse qualquer ligação entre as atividades oferecidas. Vejamos uma observação realizada na segunda aula: 161 Relato 4 (01/09/2008): Vamos copiar agora! A aula foi toda dentro da sala. A professora começou a aula explicando sobre os símbolos do Brasil (bandeira, cores da bandeira, escritos como Ordem e Progresso) enquanto falava sobre a Semana da Pátria. De repente, ela parou de falar e saiu da sala. Quando voltou, começou com a brincadeira ―careca – cabeludo‖, sem falar nada aos alunos, e enquanto isso a moça da limpeza jogou um balde de água dentro da sala de aula para refrescar. Disse ainda que todos deviam ficar sentados para não escorregar na água. De repente, a professora pede o caderno aos alunos. A maioria disse que não tinha, ou ―qual caderno?‖. Ela responde: ―qualquer caderno‖. Ela resolve passar na lousa a letra da música ―Super herói‖ que as crianças haviam cantado na entrada da escola (uma música sobre Jesus) e que as crianças deviam copiar, pois na próxima semana ela traria o som e o CD para cantarem. Percebe-se, com este relato ,que a professora não planeja suas aulas e fica o tempo todo improvisando, preenchendo o tempo da aula. Em outra aula, a professora foi com as crianças ao pátio para realizar brincadeiras, mas o que fez foi oferecer materiais como bambolês e cordas para que brincassem livremente (Figura 14). Assim, o conteúdo ―brincadeiras‖ mencionado pela professora CID, trata-se de atividades sem objetivo algum, ou ainda, sem conteúdo a ser ensinado. Figura 14: Brincadeiras Livres A figura 15 ilustra uma aula de Educação Física dentro da sala de aula, com as crianças sentadas em suas carteiras, com brincadeiras dirigidas pela professora. 162 Figura 15: Aula de Educação Física na sala de aula 4.3.3 As aulas de Educação Física na E3 Nesta escola, temos dois professores participantes da pesquisa, porém as aulas da professora ANE/F (32 anos – P. E3) não foram observadas, pois ela deixou suas aulas a partir do 3º bimestre para assumir a coordenação do projeto da escola integral. Assim, o professor RON/M (31 anos – P. E3) assumiu suas aulas a partir do 3º bimestre, sendo observadas apenas as aulas deste professor. A professora ANE declarou ter auxiliado o professor RON no início, apresentando seu planejamento para que desse continuidade ao seu trabalho. O professor RON não entregou seu planejamento para análise, porém em observação às suas aulas percebi que ele não deu continuidade ao proposto pela professora ANE, talvez pela dificuldade em dominar a turma e por ser recém-formado. Os conteúdos propostos pelo professor RON (aulas duplas – 30/09/2008 e 02/10/2008)foram: campo minado, voleibol, futsal, condução de bola e coordenação motora. Em seu depoimento, o professor ROB diz oferecer o esporte a partir do 3º ciclo, porém em sua prática ele trabalha conteúdos esportivos, como voleibol, futsal e condução de bola. A condução de bola a que o professor se refere, na prática, são atividades de arremesso e não de condução. Na figura 16 é possível observar o momento em que o professor tenta ensinar a 163 ―condução de bola‖, e um aluno entra na quadra com uma bicicleta, mas mesmo assim ele continua sua aula. Observa-se também a pouca participação dos alunos. Figura 16: Aula de ―condução de bola‖ Outra incoerência com seu discurso é a coordenação motora, pois alega que no 2º ciclo as crianças ―já têm um pouco mais de coordenação, aí já dá pra brincar‖, ou seja, segundo sua fala não seria necessário propor este conteúdo para esta faixa etária. O campo minado foi uma atividade realizada dentro da sala de aula, que o professor teve muita dificuldade em executar devido à inquietação e ansiedade das crianças para sair da sala, e também por ser uma atividade que apenas uma criança realiza por vez, ficando as demais muito tempo parado. Porém, o professor conseguiu levar a atividade até o fim. A figura 17 mostra o ―campo minado‖, em que o aluno de camiseta laranja e azul realiza a atividade. 164 Figura 17: ―Campo minado‖ na sala de aula O futsal e o voleibol não são sistematizados, sendo oferecidos de forma livre às crianças. Como as aulas do professor são duplas, na primeira ele fica dentro da sala e na segunda na quadra, com atividades livres, como futsal para os meninos, voleibol, casinha, corda, stop, etc. Neste sentido, o discurso do professor não é coerente com sua prática. 4.3.4 As aulas de Educação Física na E4 Na escola E4, os dois professores de Educação Física contribuíram com a pesquisa em todas as fases, inclusive na observação de suas aulas. O professor ROB/M (31 anos – P. E4) disse que o conteúdo a ser trabalhado durante todo o bimestre seria o voleibol. As três aulas observadas foram sobre este conteúdo e o professor informou que já havia iniciado na semana anterior com uma aula teórica. Uma das alunas me informou que na aula anterior foi ―sobre o homem que inventou o voleibol‖ (T., 8 anos), ou seja, sobre a origem do voleibol, conforme mencionou o professor ROB. Um dado interessante foi o episódio da ―aula de física‖, descrito a seguir: 165 Relato 5 (06/08/2008): A aula de ―física‖ Outra aluna disse ―costumamos dizer que dentro da sala o professor é física e fora da sala é de Educação Física‖ (K., 9 anos). Este episódio é muito interessante. Na quarta-feira contei ao professor ROB o que a aluna havia dito sobre a aula de ―física‖ e ele comentou que, quando chegou a esta escola, as crianças só chamavam a aula de ―física‖. Então ele tentou mudar este conceito e fazer as crianças falarem Educação Física. Assim, as crianças associaram ―física‖ às aulas teóricas e ―Educação Física‖ à prática. Conversei novamente com a aluna K. e perguntei o que ela queria dizer com aquilo sobre as aulas de física... Ela respondeu: ―sabe tia, é que quando o professor dá aula dentro da sala, ele enche a lousa de coisas, então todo mundo fica zangado com ele, então a aula é de Física. E a aula de Educação Física é quando fazemos exercícios, brincamos‖. Ou seja, ela associou o ―Física‖ a algo chato, rígido, sem movimento. E Educação Física é a parte legal, é a brincadeira, a alegria, euforia... Este relato confirma que realmente o professor ROB ministra aulas teóricas aos seus alunos, mesmo que para eles este seja um momento ―chato‖. Ao contrário, as aulas práticas que observei são extremamente divertidas, pois é perceptível a alegria e o prazer que as crianças têm em participar. Durante as aulas observadas (04, 06 e 11/08/2008), o professor ROB propôs jogos prédesportivos do voleibol, como rede humana, jogos com balão (um ou dois), jogos utilizando sacos (cooperativos) e jogos 6X6. Havia sempre a preocupação do professor em explicar os jogos que seriam realizados, e também sobre o posicionamento dos jogadores e estratégias de cada equipe. A figura 18 representa um destes jogos com balões: Figura 18: Jogo de voleibol com balões 166 Os conteúdos propostos pelo professor ROB correspondem aos indicados em seu planejamento, onde estão descritos com detalhes cada atividade proposta para suas aulas. Durante as aulas observadas, o conteúdo foi apenas voleibol, mas obedecendo a uma sequência de aprendizagem dos conteúdos estabelecida pelo professor. A professora do período vespertino (JOS/F – 38 anos – P. E4) comentou logo no início da primeira aula observada que o conteúdo proposto para aquele bimestre seria ―manipulação de bola‖ — que realmente consta em seu planejamento — mas, devido ao clima seco, as aulas estavam acontecendo dentro da sala de aula. Em cada aula a professora JOS propôs um conteúdo diferente, todos estavam presentes no seu planejamento bimestral. Na primeira aula (04/08/2008) o conteúdo foi ―atividades rítmicas – dança para a terceira idade‖, iniciando a aula com conceitos sobre as atividades indicadas aos idosos, como a dança sênior, e depois ensinou quatro coreografias diferentes, uma delas ilustrada na figura 19. Figura 19: Dança sênior O conteúdo da segunda aula observada (06/08/2008) foi a ―percepção espaçotemporal‖. Uma das atividades foi o maestro (similar ao ―siga o mestre‖), em que a professora explicou que era preciso ―prestar atenção, observar o que o maestro está conduzindo‖. As 167 crianças participam efetivamente das aulas com muita alegria e a professora demonstra ter grande domínio da turma. Na última aula observada (11/08/2008), o conteúdo mencionado pela professora foi a ―cooperação‖, alegando que é um item do dossiê e que trabalharia através da dança da cadeira. Afirmou ainda que ―vai e volta nos conteúdos‖. Ficou claro nas observações das aulas dos dois professores da E4 que os conteúdos planejados por eles, correspondiam aos aplicados nas aulas de Educação Física. 4.3.5 As aulas de Educação Física na E5 Na escola E5, havia quatro professores de Educação Física, sendo dois para a Educação Infantil e dois para o Ensino Fundamental. Os professores CIN e ADE, do ensino fundamental, participaram da pesquisa, porém as aulas do professor CIN não puderam ser observadas, já que ficou de licença durante o 2º semestre todo. Assim, observei apenas as aulas do professor ADE, lembrando que ele não havia entregado planejamento algum. No primeiro dia de observação (29/09/2008), o que mais me chamou atenção foi o professor ADE/M (52 anos – P. E5) chegar atrasado 20 minutos e não saber para qual turma iria dar aula. Nesta aula, ele indicou que o conteúdo seria ―jogos de equipe‖, com o objetivo de desenvolver o espírito de equipe, trabalho em grupo, força, flexibilidade e reflexo. Iniciou a aula explicando as atividades aos alunos, sendo ―coordenação motora‖ trabalhando com bambolês e cordas. A turma reclamou muito e ele disse que seria então voleibol e handebol, mas continuaram a reclamar, pois queriam jogar futebol. Já na quadra, o professor deixou as crianças sozinhas para buscar o material para a aula; enquanto isso, as crianças sobiam nas árvores, corriam e brincavam de futebol. O professor ADE iniciou então um ―handebol gigante‖, sem número certo de jogadores, com duração de 10 minutos. Em seguida, realizou um ―futebol gigante‖, com todas as crianças que participaram da atividade anterior, já que muitos ficaram de fora. Percebe-se que o professor não planejou a aula e teve muita dificuldade em realizar as atividades com alunos, dando a impressão de que em suas aulas as crianças apenas jogam futebol ou fazem o que querem. Na segunda aula observada (09/10/2008), o conteúdo indicado pelo professor ADE foi a ―recreação‖, sendo que a aula teria ―vôlei, corda (escalada), futebol e handebol‖. Esta aula teve um caráter recreacionista (DARIDO; RANGEL, 2005), ou seja, o professor ofereceu os espaços e materiais, e os alunos se organizaram e escolheram o que queriam fazer. 168 Na terceira aula (13/10/2008), os conteúdos mencionados pelo professor foram ―comportamento na escola e interdisciplinaridade – atitudes‖, sendo utilizados como estratégia de ensino os jogos recreativos e pequenos jogos. Segue a descrição da parte inicial desta aula: Relato 6 (13/10/2008): Oposição dos alunos O professor ADE organiza uma fila na quadra, com as crianças dando espaço entre um do outro. Pergunta por que tem algumas crianças que não estão na fila e a aluna J. responde: ―eles não querem, não são obrigados a participar‖. O professor manda as crianças correrem de uma linha até a outra da quadra como forma aquecimento, relando a mão na linha. Depois do aquecimento, ele dá um handebol gigante meninos x meninas. As linhas da quadra são tortas e a linha dos 7m do handebol é muito longe do gol, parece a área do basquete. A aluna J. diz: ―ah professor, você não sabe jogar handebol!‖, e ele responde: ―isso não é handebol, é uma brincadeira‖. A bola era grande e leve (tamanho da de basquete). Depois de 5 minutos, ele troca por uma bola de futsal, mas continuam jogando handebol. O professor foi atrás de 3 meninos que saíram sem pedir para beber água, deixando assim a turma sozinha. O jogo acabou parando. Quando ele voltou, perguntou: ―por que pararam?‖, e a aluna J. responde: ―porque você não tá olhando‖. Após a tentativa do jogo de handebol (figura 20), o professor ADE resolve oferecer o ―futebol gigante‖. O discurso do professor indica sempre um conteúdo diferente em cada aula, porém as aulas são sempre iguais, com os esportes (voleibol, handebol e futsal) sempre presentes, seja como conteúdo, seja como atividade (estratégia) para desenvolver outros conteúdos. Figura 20: Jogo de handebol gigante 169 4.3.6 As aulas de Educação Física na E6 Na escola E6, os três professores de Educação Física do ensino fundamental participaram da pesquisa, porém as aulas da professora SOL/F (50 anos – P. E6) não foram observadas devido à mesma não ministrar aulas para turmas de 4º ano — tem turmas apenas de 1º ciclo. Durante as aulas observadas do professor GIL, foi possível conhecer um pouco da prática pedagógica da professora SOL, pois algumas aulas destes professores acontecem no mesmo horário (choque de horário) e acabam dividindo o mesmo espaço (a quadra). As duas aulas em que presenciei a divisão de quadra entre os professores, a professora SOL estava com alunos da Educação Infantil, momento em que os deixava livres pela quadra, atrapalhando as atividades do professor GIL. Quando conseguiram dividir a quadra, a professora SOL organizou um jogo de futebol com alguns de seus alunos que tinham entre 4 e 5 anos. Em determinado momento pediu ao professor GIL para que ―olhasse‖ seus alunos, enquanto estava conversando com outra professora. Em todas estas aulas — e em outros momentos que a encontrei na escola — a professora SOL estava usando calça jeans e sandálias. A figura 21 ilustra uma destas aulas (03/09/2008) em que o professor GIL ministrava aula para os alunos do 4º ano (na quadra) e a professora SOL observava seus alunos da Educação Infantil espalhadas pela quadra — detalhe de algumas crianças em cima do palco e da professora, de costas, vestindo calça e sandália. Figura 21: Aula da professora SOL para a Educação Infantil 170 Percebe-se que a professora SOL não organiza suas aulas e seu discurso é incoerente com sua prática. O professor de Educação Física deve ser um exemplo para seus alunos a começar por sua vestimenta, pois não se pode exigir dos alunos que trajem roupas adequadas às aulas de Educação Física se o próprio professor se veste inadequadamente. Darido e Rangel (2005, p. 112) sugerem que para a participação efetivas das aulas de Educação Física, ―indica-se uma vestimenta adequada, como calças e bermudas de tecidos flexíveis e arejados, camisetas e tênis, para que os alunos possam vivenciar efetivamente a aula, minimizando os riscos de lesões‖. As aulas do professor GIL/M (52 anos – P. E6) são duplas e, neste caso, eu observaria apenas dois dias de aula, o que totalizaria quatro aulas (para a pesquisa, estabeleci a observação de três aulas consecutivas). Porém, foi necessário observar três dias de aula, já que no segundo dia de observação (27/08/2008), a professora da sala não liberou os alunos para a aula de Educação Física, alegando que a maioria não havia feito a tarefa pedida por ela. Apenas 7 alunos, que fizeram a tarefa, foram liberados para a aula de Educação Física. O professor GIL concordou com a atitude da professora afirmando ser necessário para que ela conseguisse manter o controle da sala. Devido ao número de alunos, o professor deixou que as crianças brincassem livremente, com bambolês, colchonetes ou correndo. O professor GIL afirmou que era possível trabalhar com poucos alunos na aula, mas era complicado ainda mais por estar com o pé machucado — realmente ele estava com o pé enfaixado e de chinelos. Esta aula teve características essencialmente recreacionistas, sem conteúdos ou objetivos definidos. A atitude do professor em aceitar que a professora da sala não libere os alunos para a aula de Educação Física é reflexo da sua aposentadoria que, segundo ele, sairia no início do próximo ano. Porém, não deve ser uma prática aceitável pelos professores de Educação Física, pois a disciplina fica com características de um ―prêmio‖, em que os alunos terão o direito se cumprirem determinadas tarefas, causando prejuízo aos alunos e garantindo a falta de legitimidade da área. A primeira aula observada (13/08/2008), os conteúdos mencionados pelo professor GIL foram: basquetebol, futsal e coordenação motora com bambolê. A aula se constituiu basicamente na divisão da quadra entre meninos e meninas, sendo que os meninos jogaram futsal e as meninas basquetebol. Como a aula é dupla, na segunda aula o professor realizou a inversão dos grupos, explicando aos mesmos como jogar, ou seja, futsal para as meninas e basquetebol para os meninos. Os demais alunos que não quiseram participar destas atividades brincaram com cordas, bambolês e jogos de tabuleiro ao redor da quadra. 171 O professor ficou o tempo sentado assistindo a aula, o que me causou muita dificuldade em realizar minhas observações, pois ele queria conversar comigo sobre os problemas da Educação Física em sua escola. Dentre os problemas, destacou a falta de materiais devido a um roubo que acontecera na escola na semana anterior e o problema de divisão de quadra com os outros professores de Educação Física. O professor GIL é um autêntico professor ―rola bola‖. Na segunda aula, dia 03/09/2008, os conteúdos descritos pelo professor GIL foram a queimada, mini-basquetebol e futsal. Num primeiro momento, realizou uma queimada entre meninos x meninas, em que elas ficaram no centro da quadra e os meninos ao redor tentando queimá-las. Depois, os papéis foram invertidos, sendo que ―queimou saiu‖, nas palavras do professor GIL. A segunda atividade foi um jogo de mini-basquete, novamente meninos x meninas, com o objetivo de fazer gol com a bola de basquetebol. No segundo momento da aula, a quadra foi dividida em duas, sendo metade destinada ao basquetebol e a outra metade ao futsal, como na aula anterior. Segundo Darido e Rangel (2005), por muito tempo a Educação Física escolar separou os meninos das meninas, e, baseado num estudo de Gaspari e colaboradores (2003, apud DARIDO, RANGEL, 2005), as autoras descrevem que muitos professores defendem a separação das turmas por sexo utilizando-se de argumentos que valorizam a performance, competição, rendimento e treinamento, constituindo uma prática incoerente com as propostas pedagógicas atuais. A figura 22 retrata a divisão da quadra entre meninos e meninas realizadas nas aulas de Educação Física do professor GIL. Figura 22: Separação por sexo nas aulas de Educação Física 172 Enfim, observei que as aulas do professor GIL não são planejadas, dando a impressão da improvisação de atividades adequadas para cada momento. As aulas são muito parecidas, sem uma sistematização aparente dos conteúdos. Contudo, a prática pedagógica do professor é coerente com seu discurso, pois na entrevista ele alega que no 2º ciclo trabalha com o esporte e, quando indagado sobre os conteúdos da Educação Física que trabalhava, discorreu sobre os materiais que oferecia aos alunos: ―material são: trabalho com bola, cone, arco, colchão pra rolamento, essa coisa aí toda. Eu tenho jogos lúdicos: dominó, dama...‖ (GIL/M – 52 anos – P. E6), confirmando sua tendência recreacionista. Para finalizar as observações da escola E6, o professor AND/M (32 anos – P. E6) estava trabalhando com o conteúdo ―Ginástica Olímpica‖, especificamente ―sequência ginástica‖. Confesso que fiquei encantada com a aula do professor AND, inclusive pela sistematização do conteúdo ginástica que ele organizou, oferecendo aos alunos elementos diferentes da ginástica para cada ano de ensino. A primeira e segunda aula (16/10/2008 e 21/10/2008) aconteceram dentro da sala de vídeo (com espelhos nas paredes da sala) e, a terceira aula (23/10/2008), na quadra coberta. O conteúdo foi o mesmo nas três aulas, já que a cada dia os alunos foram aprendendo um pouco da sequência ginástica, tendo como objetivo final uma apresentação no ―festival de ginástica‖ da escola. A sequência ginástica estava disponível na lousa para que os alunos copiassem, sendo apresentado no quadro 19 abaixo: Quadro 19: Sequência ginástica Educação Infantil Rolamento para frente Vela Avião Meio giro Rolamento para trás Pose em V 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano (meninas) Avião Rolamento para Rolamento para Giro meia ponta Rolamento para frente trás Rolamento para frente Vela Avião trás Estrelinha Rolamento Salto grupado Avião Meio giro lateral Meio giro Giro 360º Salto estrela Puxada Rolamento para Salto grupado Rolamento para Rolamento trás frente Passo e vira trás Avião Vela Dois Pose ajoelhada Salto grupado Rolamento rolamentos para Meio giro lateral frente Estrela Puxada Salto estrela Pose Rolamento para Ponte frente Rolamento 360º lateral e puxada Estrelinha Pose Pose 4º ano (meninos) Estrelinha Rolamento para trás Avião Giro 360º Salto grupado Dois rolamentos Salto esticado Vela Rolamento lateral Puxada Pose 173 Os alunos realizavam a sequência ginástica em duplas, enquanto o professor anotava, corrigia e avaliava o movimento executado pelos alunos. Vejamos a figura 23 que ilustra uma destas aulas: Figura 23: Aula de ginástica olímpica A prática pedagógica do professor AND é coerente com seu discurso e todo o conteúdo apresentado é previamente programado em seu planejamento semanal, sendo comprovado pela apresentação do plano de aula a cada início da aula observada. Para finalizar, segue a foto (figura 24) que ilustra o festival de ginástica — fechamento do 3º bimestre na escola E6: 174 Figura 24: Festival de Ginástica Assim, o capítulo de análise dos dados coletados sobre os conteúdos da Educação Física e sua sistematização, na visão dos professores de Educação Física das seis escolas pesquisadas, encerra-se aqui, com o quadro 20 que é um resumo e comparação do que os professores ―planejam, dizem e fazem‖ em suas aulas de Educação Física. Quadro 20: Resumo das análises dos dados dos professores de Educação Física ESCOLA Professores de Educação Física E1 E2 E3 E3 E4 E4 E5 E5 E6 E6 E6 ROS CID ANE RON JOS ROB CIN ADE SOL GIL AND ―O planejar‖: Entregou seu planejamento? ―O dizer‖: O depoimento é coerente com o planejamento? ―O fazer‖: A prática é condizente com o planejamento e/ou depoimento? SIM SIM SIM NÃO SIM SIM SIM NÃO NÃO NÃO SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM NÃO NÃO SIM SIM NÃO NÃO SIM SIM 175 Capítulo 5 A VISÃO DOS ALUNOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Neste capítulo serão analisadas as entrevistas concedidas pelos alunos de 4º anos do Ensino Fundamental, dos professores de Educação Física sujeitos desta pesquisa. Foram realizadas entrevistas com 24 alunos, sendo três de cada professor, porém os alunos dos professores ANE, SOL e CIN não participaram porque não assisti às aulas dos mesmos. A questão central da entrevista refere-se aos conteúdos aprendidos pelos alunos durante o ano letivo, bem como os aprendidos durante a aula que antecedeu a entrevista e o que gostariam de aprender. Todos os alunos foram indicados pelos professores pesquisados, seguindo as características de ―mais bagunceiro‖, ―mais participa‖ e ―menos participa‖ das aulas. Em minhas observações, percebi que todos os alunos indicados participam da aula de alguma forma, seja participando apenas das atividades que gostam, seja atrapalhando o andamento da aula, seja ajudando o professor, ou ainda, participando de atividades paralelas proporcionadas pelo próprio professor. Todos os alunos pesquisados responderam que gostavam das aulas de Educação Física e justificaram suas respostas, pelos mais distintos motivos, como podemos ver nas falas a seguir: (...) Futebol, assim, é sem graça, eles não passam a bola pra gente, aí sem graça. O restante da aula eu gosto. (VIT/M – E1 – ROS) Gosto. Ah, porque a professora é legal, ela inventa cada brincadeira legal, quando ela vem. (JES/F – E2 – CID) Gosto. Porque às vezes tem umas atividades novas e algumas antigas. (ERI/M – E2 – CID) Sim, porque é muito legal, eu gosto de brincar de corda, ―voler‖, todas brincadeiras. (...) Porque eu brinco de casinha às vezes. A gente pede pra ele e ele deixa. (IRU/F – E2 – RON) Gosto. Porque é... o professor fica brincando cum nóis, ele dá atenção pra nóis, ele fica jogando vôlei cum nóis. (TAU/F – E3 – RON) Gosto, porque ele ensina a gente bastante sobre o corpo humano, sobre o futsal, saque, sobre essas coisas. (LIL/F – E4 – ROB) Gosto, porque ele é legal com a gente. (JUL/F – E4 – ROB) Gosto. Porque ajuda a melhorar o comportamento. (GIS/F – E4 – JOS) Gosto. Ah, porque lá a gente aprende muitas coisas, a gente joga futebol, e a gente nem sabia joga handebol. Aí o professor ensinou a gente jogar handebol direito. (LAR/F – E5 – ADE) Não muito... Mas, gosto! Por causa que é muito boa, exercita meu corpo, é bom pra nossa saúde e é muito bom pra gente se divertir também. (ICA/M – E6 – AND) 176 Muito, porque às vezes é brincadeira, às vezes é estratégia, às vezes é muita diversão e às vezes também é ginástica, e eu gosto de fazer ginástica, de fazer exercício. (ANA/F – E6 – AND) Percebe-se na fala das crianças que apenas dois alunos hesitam em dizer que gostam da aula num primeiro momento, mas depois confirmam gostar. O VIT, aluno da professora ROS, diz não gostar do futebol, alegando que os colegas não passam a bola para ele. Nesta fala, ele se refere ao ―futebol recreativo‖ proporcionado pela professora todo final de aula, o que demonstra ser um momento livre, mas que beneficia aqueles que têm certa habilidade no futsal, pois os que apresentam alguma dificuldade se sentem excluídos. A maioria das justificativas está atrelada ao brincar, à diversão, à alegria, à brincadeiras proporcionadas pelas aulas de Educação Física. Assim, Kawashima, Gomes e Gomes (2009, p.12) dizem: Neste sentido, Château (1987) observa que ―perguntar por que a criança brinca, é perguntar por que é criança‖ (p. 14). Para a criança, quase toda atividade é jogo (brincadeira) e é através dele que ela adivinha e antecipa suas condutas superiores. Ou seja, por mais que os professores de Educação Física proponham jogos pedagógicos em suas aulas, com o objetivo de ensinar algum conteúdo aos seus alunos, para as crianças, se houver diversão, será sempre brincadeira. Alguns alunos justificam gostar das aulas de Educação Física devido ao professor ser ―legal‖ e ao que ele ensina, ou seja, os conteúdos que aprendem nas aulas de Educação Física. Os alunos do professor RON, por exemplo, atribuem gostar das aulas de Educação Física devido a sua participação nas atividades propostas e por deixá-los brincar do que quiserem. Estas afirmações corroboram as observações das aulas do professor RON, quando ele distribui os materiais para os alunos brincarem livremente, além de organizar jogos de voleibol e deixar as meninas brincarem de casinha. Neste sentido, o professor é ―legal‖, pois deixa as crianças fazerem o que quiserem durante a aula, inclusive jogar futebol. 5.1 Os conteúdos da Educação Física aprendidos pelos alunos Sobre os conteúdos, os alunos foram indagados sobre ―o que aprendem nas aulas de Educação Física‖, inclusive sobre ―o que aprenderam na aula de hoje‖ (dia da entrevista) e suas respostas serão apresentadas em blocos correspondentes a cada escola pesquisada. Na escola E1, os alunos responderam que: Joga bola, joga basquete, aprende a pular corda. Corre cotia. (RAF/F – E1 – ROS) 177 O ano todo o que eu aprendi que a gente... assim... pra poder correr atrás da bola tem ser rápido, fazer aquela brincadeira lá, tem que fazer exercícios assim...capoeira. Tô fazendo. Capoeira eu fico brincando de capoeira ali naquele negócio que tem lá, ali em cima, aquele pedaço que é grande atrás do palco, eu treino um pouco. Ano passado que eu aprendi uma brincadeira muito legal, que a gente fica enfileirado assim, aí a gente corre, é de duas equipes, a primeira e a segunda, aí a primeira pega e segunda vai correndo, aí assim tem um colchãozinho assim na onde tem que ir virar uma cambalhota e aqui, a primeira equipe que passar por aqui e segunda fica aqui naquele negócio lá, depois voltar pro lugar. O vencedor é o que chega na frente. Não pode pular nenhum degrau. (VIT/M – E1 – ROS) Educação, joga bola, um monte de coisa. Aprendi joga bola, brinca de pega-pega, de...sei lá...atacante, vôlei, pular corda, um monte de coisa. Tem do ―Jó‖ que acabamos de brincar ali também. (...) daquele ―escravos de Jó, jogavam caxangá‖, e o outro aí de passar a bola, tipo queimada...tipo batata quente. Ahhhh... e da caixinha, aquela aqui da sala. (MAT/M – E1 – ROS) Na fala dos alunos da professora ROS, os conteúdos citados pelos alunos se referem ao futebol, voleibol, basquetebol, pular corda, brincadeiras de roda (Escravos de Jó) e outras brincadeiras, sendo que estes conteúdos correspondem aos propostos pela professora durante o ano letivo. A fala do aluno VIT (mais bagunceiro) demonstra que ele não participa da aula, tanto é que no dia da entrevista ele estava de castigo desde o início do período por ter desobedecido à professora da sala. Assim ele se desculpou: ―eu respondi a professora, a professora da classe. Não foi hoje, foi mês passado, parece‖. Além disso, percebe-se que pouco participa da aula, mas gosta da capoeira, oferecida noutro turno da escola e não nas aulas de Educação Física. Sobre o que aprende nas aulas, falou ainda de uma atividade aprendida no ano anterior e não naquele ano letivo. Na escola E2, os alunos da professora CID falam das brincadeiras que aprendem dentro e fora da sala, conforme também se observou durante as aulas que presenciei: Ah, eu aprendo muita brincadeira, música. Não, porque é assim, esse ano eu entrei agora, porque eu não estudava aqui. Aprendi com a professora tem que respeitar os idosos, tem que respeitar os mais velhos, quando a minha mãe tiver brigando a gente não pode xingar porque ela é que tá certa e muita coisa, e...por isso que eu gosto dela. (...) aprendi a musiquinha que ela inventou agora. Ela canta junto cum nóis, aí nós aprendemos. Ela passou no quadro a musiquinha. (JES/F – E2 – CID) Esse ano? Num lembro... Nós aprendemos sobre brincar, muitas coisas. Na aula passada nós aprendemos ―careca-cabeludo‖, morto vivo junto, e fomos do lado de fora brincar. Corrida, corrida de saco... (a profa faz com vocês? Tem saco?) Não. Tava querendo que ela faz. Eu aprendi com esse hino que teve aí, a ―estrada‖... (ERI/M – E2 – CID) Ah...muitas coisas. Ela ensina música...ah, tem um monte de coisas assim. Ah, brincadeiras, novas brincadeiras. Ah, ela faz brincadeira com a gente assim. Tem vez que ela faz dentro da sala, tem vez que leva a gente aqui pra fora. Pular corda, joga bola. Mas agora não joga mais, porque o povo de manhã furou a bola. Agora só pula corda e brinca. Prefiro aqui fora. (PED/M – E2 – CID) 178 Percebe-se que a aluna JES discorre sobre valores (respeito aos mais velhos) que aprendeu nas aulas de Educação Física, além das brincadeiras e músicas. Os conteúdos atitudinais estão presentes no planejamento da professora CID, porém são poucos os descritos por ela, sendo que o ―respeito aos mais velhos‖ não aparece no planejamento. Neste sentido, é possível compreender que os conteúdos atitudinais são trabalhados nas aulas de Educação Física, mas ainda fazem parte do currículo oculto da escola. O aluno PED complementa que ―na aula de hoje? Eu num fiz nada não. Não quero. Porque não gosto da aula de hoje, hoje eu não tô bem (...). Eu tava prestando atenção né?, mas eu fiquei mesmo desenhando‖. Na aula observada a que o aluno se refere (01/09/2008), realmente ele e a maioria dos alunos da sala dispersaram-se, até que a professora resolveu disponibilizar brinquedos, jogos de tabuleiro e outros jogos pedagógicos para as crianças escolherem e brincarem livremente. Vejamos agora o que dizem os alunos do professor RON, da escola E3: Ah, bastante coisa... joga bola, joga vôlei. Já aprendi jogar vôlei, pular corda e jogar bola. Participo das aulas. A gente brinca de Stop, Amarelinha... a gente pede um giz pro professor. (e na aula de hoje?) Eu aprendi... nada. Hoje eu não aprendi nada. Porque sim, porque hoje eu tava brincando STOP. Eu tava fazendo STOP e agora vou brincar de amarelinha. (ELE/F – E3 – RON) Ainda nada. Não, nada. Porque eu fico participando de outras brincadeiras. Ele ensina vôlei, futebol, mas eu não gosto de brincar. (e hoje?) A brincar de jogar bola no bambolê. Só isso. (IRU/F – E3 – RON) Aprendo a jogar vôlei, basquete, futebol, um monte de coisa. Eu não lembro. Basquete. Só isso mesmo. (TAU/F – E3 – RON) É recorrente no discurso das crianças a aprendizagem dos esportes e das brincadeiras, reforçando a ideia de ―aulas livres‖ quando a aluna ELE afirma que ―pede um giz pro professor‖. Neste caso, as aulas observadas confirmam esta prática, em que o professor monta a rede de voleibol, dá a bola de futsal para os meninos e o restante brinca do que quiser. Isso se evidencia ainda mais na fala da aluna IRU, cotada como a que ―mais participa‖ das aulas pelo professor RON, quando diz que ainda não aprendeu nada durante este ano letivo, ou seja, nada de novo, nada direcionado a aprendizagem dos alunos. Na aula referente ao dia da entrevista, a aluna TAU não participou, e justificou: ―Eu não fui pra Educação Física. É que o Erick tava batendo na minha cabeça aí a MAR foi e chamou nóis. Eu fiquei copiando. Achei ruim, porque eu queria tá lá brincando‖. Esta fala demonstra mais uma vez a importância que a aula de Educação Física tem para as escolas, tornando-se um prêmio para o bom aluno, comportado, que participa e faz tudo nas demais aulas. E, quando o aluno transgride alguma regra da escola, sua punição é 179 ficar sem assistir a aula de Educação Física. Isso é responsabilidade do próprio professor de Educação Física da escola, como é o caso do professor RON, que ao assumir a postura de professor ―rola bola‖, não tem condições de defender o papel da Educação Física, transformando sua aula num momento de diversão que somente os ―comportados‖ podem desfrutar. Na escola E4, os alunos do professor ROB e JOS discorrem sobre o que aprenderam nas aulas de Educação Física: Hummm... basquete, vôlei, dança, alimentação...acho que é só. (GAB/M – E4 – ROB) Eu aprendi sobre o corpo humano bastante, sobre o coração, sobre o idoso, sobre prática do futsal, um monte de coisas, porque Educação Física não é só brincar é também fazer atividades. (...) hoje eu aprendi um pouco mais sobre o saque do voleibol (LIL/F – E4 – ROB) Eu aprendi a jogar vôlei, brincar de alerta cor, brincar de jogar bola. (JUL/F – E4 – ROB) Muitas brincadeiras. É... ginástica. Ah... ela deu música. Aprendi a dançar. Um monte de coisa. Ensina a brincar. (GEA/M – E4 – JOS) Eu aprendo as brincadeiras. (GIS/F – E4 – JOS) As brincadeiras. De queimada, pega-pega, barra manteiga, maestro... Dança dos idosos. (...) Brincar de maestro e aquele de brincar. De maestro que tem que prestar atenção. (REN/F – E4 – JOS) Os alunos do professor ROB têm clareza do que aprendem nas aulas de Educação Física, destacando os conteúdos esportivos, dança e brincadeiras, mas também apontam conteúdos ligados ao tema Saúde, como alimentação e funcionamento do corpo humano. Em outro trecho da entrevista, a aluna LIL comenta algumas atividades desenvolvidas em aula, fazendo referência ao projeto ―Saúde‖ desenvolvido pelo professor. Ele manda a gente fazer trabalho e eu consigo. Aí um dia minha mãe, é agente comunitária de saúde, ela traz um monte de papel sobre o corpo humano, sobre bastante, aí ela tava falando sobre obesidade, aí eu peguei o livrinho dela, copiei tudo, ele passou pra sala inteirinha. Fiz o trabalho na folha aí ele passou pra todo mundo. Eu fiz vários trabalhos que fala sobre o peso da família, escolher 10 pessoas da família pra poder falar sobre o peso, sobre a obesidade (LIL/F – E4 – ROB) A mesma aluna LIL ainda relata sobre as aulas teóricas, no qual as crianças têm caderno para anotar o que o professor ensina: ―Ele fala também se alguém puder ter um caderno, senão pega o caderno de sala porque a professora é muito legal e ela deixa‖. Os alunos da professora JOS falam de conteúdos como brincadeiras, ginástica e a dança, em destaque, a dança dos idosos. Estes conteúdos são coerentes com a prática pedagógica da professora. 180 Os alunos da escola E5 têm discursos coerentes e que ratificam a opção do professor ADE por aulas recreacionistas, mas que, às vezes, tem sua intervenção nas atividades proporcionadas durante as aulas. A gente aprende...ah, jogar vôlei, a gente também gosta que o professor chama a gente, aí tem vez que tem gente que não obedece, aí o professor fala ―vamo logo‖, aí tem vez que a gente fica com fome. Ah, a gente também aprende a jogar futebol direito, joga handebol também, porque a gente brinca de bastante coisa lá. Tem uma corda lá que o professor amarra na árvore aí a gente pega e tenta pulá ela pra...a gente finge que tá cheio de jacaré lá e o professor fica brincando com a gente, e no balanço também. Tem vez que é diferente. Antes ele só dava futebol pra gente, aí ele trocou e arrumou uma corda, agora ele já tem balanço, entendeu? Ele arruma a rede pra gente jogar vôlei. (LAR/F – E5 – ADE) Ah, a jogá bola, jogá vôlei, nada. Não, é que ele dá só mais pra menina. Pras meninas ele dá handebol. Handebol não, ele dá futsal pra nóis. (e hoje?) tava jogando futsal. (DAN/M – E5 – ADE) Muitas coisas com o professor. Ele ensina nóis jogar futebol, handebol, tudo que a gente erra ele pega e ensina. Ele ensinou a gente a jogar handebol direito, porque a gente jogava tudo misturado e ele falou que era assim, assim e assim. De hoje? A jogar aquele... como é o nome mesmo? Vôlei. (MAP/F – E5 – ADE) A aluna LAR faz um relato preciso de como acontecem as aulas de Educação Física do professor ADE, em que antes era só futebol, agora tem handebol, voleibol e corda que é utilizada como balanço ou para escalada, atividades estas que também presenciei nas aulas . Outra situação levantada pela aluna LAR é ―tem vez que a gente fica com fome‖, isso se deve ao recreio de outras turmas acontecer no momento das aulas de Educação Física desta turma de 4º ano, sendo que alguns crianças saem da aula para comer, mesmo não sendo seu horário de recreio. No discurso do aluno DAN fica claro também que o futebol é oferecido para os meninos — mesmo tendo algumas alunas que participam, como a LAR — e o voleibol para as meninas. As aulas que observei demonstraram que o handebol era o único momento de integração entre meninos e meninas. Vejamos agora o que os alunos dos professores AND e GIL dizem aprender nas aulas de Educação Física, na escola E6: Aprendo a fazer exercícios, aprendo também a fazer coisas que eu nunca fiz, tipo, é assim mais ou menos assim, tipo fazer muitos exercícios e competir com outras pessoas. Eu já aprendi a fazer negócio pra trás, giro pra trás mais ou menos, e também é aquele como se chama? É... aprendi que não pode fazer ―calhambota‖ assim, tem que fazer a posição certinha, senão machuca. Também já fiz uma competição lá na ―física‖ de beber refrigerante na gincana, foi muito legal, e também nóis tinha que fazer a coleta do lixo, teve que correr a escola inteira pra catar o lixo, e também fazer muita coisa que eu nunca fiz e agora eu tô fazendo, coisa que nunca fiz. Tipo o que? Tipo, correr na coleta de lixo pra preservar a 181 natureza, essa competição de refrigerante eu já fui já, mas também é muito legal. (ICA/M – E6 – AND) Muitas coisas. Eu faço rolamento, a gente ia assistir vídeo depois faz perguntas, faz também... gincana. (e hoje?) Rolamento. Que eu aprendi? Rolamento. Pra apresentação. (JOA/M – E6 – AND) Eu já aprendi a fazer um monte de coisas na Educação Física, já aprendi novas brincadeiras, já aprendi novas ginásticas, já aprendi a virar estrelinha, já aprendi a virar cambalhota, aprendi a fazer um monte de coisas. Lembro. Que eu nunca tinha visto? Já aprendi um monte de brincadeiras, é que às vezes eu esqueço, mas às vezes eu não lembro. Uma brincadeira que ninguém sabia, na época assim ninguém sabia, porque o professor falou assim ―vamos brincar de nada‖, ―ah professor, como é que brinca?‖, foi no primeiro dia e a gente não sabia como é que brinca, aí o professor falou assim, vamos brincar de batata quente! Eu não sabia como é que brincava, aí ―como é que é professor?‖, ―ah é assim‖. Aí fica lá, tampa o olho e fica falando até a bolinha parar de cantar a música, aí tem que parar, tem queimada assim, é assim a brincadeira, só que eu não sabia. (...) ah, prova a gente já fez, prova de ginástica, prova de gincana, da torta na cara que fazia pergunta e a gente respondia, se errasse levava torta na cara. Já aprendi um monte de coisa que a gente até esquece, dá um branco na gente. (e hoje?) Fazer um monte de Ginástica, eu aprendi ginástica olímpica. (ANA/F – E6 – AND) Eu aprendo muitas brincadeiras, é...brincadeiras. Eu aprendi a jogar...eu não sabia jogar direito basquete e eu aprendi! Vôlei. Vôlei e...como fala? Peteca. (ele já deu aula com peteca pra vocês?) Não, ele trazia o negócio e jogava comigo. (e hoje?) ah, é... eu joguei as coisas que eu já sei mesmo. Joguei queimada, futebol, basquete. (LAU/F – E6 – GIL) Que a gente não deve não brigar, xingar, bater. (MEU/M – E6 – GIL) Eu aprendo a mexer o corpo, eu aprendo a fazer exercícios no começo da aula. Eu aprendo que não pode faltar a aula de Educação Física porque vale ponto, e também que a gente não deve faltar porque no final do ano a gente perde um monte. Aprendi rouba-bandeira que eu nunca brinquei, eu brincava de pega-pega, rouba-chinelo, andar na lata. (e hoje?) Aprendi a mesma coisa. Aprendi a jogar bola muito bem, que eu não sabia jogar muito bem. (BAR/F – E6 – GIL) Os alunos do professor AND destacam conteúdos análogos aos analisados na prática pedagógica do professor, como os conteúdos da ginástica, brincadeiras, gincanas e sobre o projeto ―Meio Ambiente‖. O aluno ICA ainda faz um relato sobre a aula do mesmo dia da entrevista, destacando a importância do professor de Educação Física para a aprendizagem dos conteúdos propostos através do incentivo a seus alunos: Na aula de hoje eu aprendi que a gente também, quando você, você pode ser qualquer coisa, mas você é capaz, você é capaz de fazer aquilo que você pode fazer, você consegue, é só querer. Eu consegui fazer aquele negócio do avião que antes eu não sabia fazer, aí eu errei um pouco, mas o professor falou ―não, você tem que fazer o contrário senão vai fazer tudo errado, não esquece disso não‖. (ICA/M – E6 – AND) Diferentemente, as brincadeiras citadas pelos alunos do professor GIL tem conotação distinta daquelas ensinadas pelo professor AND, pois para o professor AND é um conteúdo 182 da Educação Física, e nas aulas do professor GIL aparece como ―atividade livre‖, comuns a tendência recreacionista. 5.2 Os conteúdos não aprendidos e as mudanças sugeridas pelos alunos Para finalizar as análises das percepções dos alunos, verificaremos as respostas sobre ―o que gostariam de fazer nas aulas de Educação Física‖, sugerindo que verbalizassem os conteúdos que gostariam de aprender. Neste sentido, pretende-se verificar quais os conteúdos que talvez estejam deixando de ser oferecidos pelos professores de Educação Física pesquisados. Dos 24 alunos entrevistados, 11 alegaram que não gostariam de aprender mais nada, justificando que ―tá bom assim‖, ―ele não deixa mesmo‖, ―o professor acho que vai passar‖, ―agora eu não lembro‖, ou ainda, dizendo apenas ―não‖ ou ―nada‖. Três alunos gostariam de aprender natação, vejamos suas falas. Queria... tomar banho de piscina. (GAB/M – E4 – ROB) Natação. (como?) construir uma piscina no fundo. (IRU/F – E3 – RON) Aula de natação. Ah, se... eu posso falar um pouquinho de política? O prefeito de Cuiabá (...) eu queria pedir, fazer uma proposta aqui que alguém, pros professores, podiam falar com o prefeito pra ele por uma piscina nessa escola, e tem como fazer, tem espaço. Se tiver piscina na escola dá pra fazer natação. (ICA/M – E6 – AND) Dentre as respostas, há ainda quatro recorrentes sobre o futebol. Vejamos os depoimentos: Não. Ah... futebol. Queria que reformasse a quadra, por muro pra ninguém entrar. Quebrou o muro, a comunidade. (ERI/M – E2 – CID) Olimpíadas. Sobre... deixa eu ver... sobre futsal. Porque a nossa sala é conhecida como a bagunceira, a sala mais bagunceira, e ele além de ser um bom professor escolheu a gente, pra gente participar. (LIL/F – E4 – ROB) Jogar bola. Porque ela dá menos bola. Esse ano não... esse ano já. (GEA/M – E4 – JOS) A jogar futebol. Só os guri que joga. Mais os guri não deixa. Eu vou pedir pra ele me ensinar. (MAP/F – E5 – ADE) As respostas das crianças revelam a realidade de cada escola. Na escola E2, os alunos não são apresentados ao conteúdo futebol por não existir quadra na escola, já que foi depredada pela comunidade; na E4, o futebol não apareceu no planejamento do professor ROB e, a professora JOS, presenteia as turmas com o futebol duas vezes por mês, assim seu aluno questiona que gostaria de jogar mais, ou seja, a prática descontextualizada do futebol 183 não ocorre nesta escola; e, na E5, a aluna MAP reivindica o direito de jogar futebol, prática que é oferecida apenas aos meninos. Vejamos as demais respostas dos alunos: A brincadeira de rouba-bandeira. É... basquete. A gente não joga basquete. Não, só vi na televisão. A primeira vez que a gente jogou basquete não foi basquete, foi futebol americano. O pessoal não sabia jogar basquete, aí pegava a bola e segurava... (VIT/M – E1 – ROS) Joga handebol. (MAT/M – E1 – ROS) Pega- pega. Só de pega-pega. (JUL/F – E4 – ROB) Ah, eu queria que ele ensinasse direito o vôlei pra gente. Porque quando a sala nove vem jogar com a gente, a gente fica tudo misturado, aí vem os guri grandão e chuta a bola com o pé, e sempre o professor não vê. (LAR/F – E5 – ADE). Tenho! Eu tenho vontade de... falar a verdade, é sério, eu queria que ele colocasse música pra todo mundo cantar. Cantar e dançar! Eu queria também que a gente tivesse aula de dança. (ANA/F – E6 – AND) Os conteúdos que os alunos gostariam de aprender correspondem ao basquetebol, handebol, brincadeiras como rouba-bandeira e pega-pega, voleibol e dança. Sobre o basquetebol, a professora ROS afirmou que a tabela de sua escola é inadequada aos alunos de 4º ano, sendo muito alta (tamanho oficial) para a idade das crianças, por isso não oferece para o 2º ciclo. Já o fato relatado pela aluna LAR, novamente indica que o voleibol ofertado pelo professor ADE não tem objetivo algum, sendo a prática pela prática. Interessante que a aluna contrapõe o tipo de aula ministrado pelo professor, solicitando que o mesmo ensine o voleibol e não apenas os deixe jogar. A prática do professor ―rola bola‖ é contestada pela aluna em outro momento da entrevista, quando afirma: Ah, tem vez que eu falo assim ―ah professor, vamo jogá handebol, a gente tá cansado de jogá futebol, quase toda aula a gente joga futebol‖, aí as meninas começam a ficar cansadas, tem menina que ficava cansada de tanto que os guri só queria jogar futebol. Quase todo mundo participa do futebol, tem umas meninas que não gostam muito não, tem umas que tem medo de jogá, os guri mete bico assim, dói. (LAR/F – E5 – ADE) A frase ―a gente tá cansado de jogá futebol‖ corrobora com a seguinte afirmação de Vago: ―Assim, penso que uma prática pedagógica de Educação Física que não contemple o esporte é empobrecedora. Mas, em sentido inverso, considero que um projeto de Educação Física que só contemple o esporte é igualmente empobrecedor da formação cultural que ela pode oferecer a crianças, jovens e adultos.‖ (VAGO, 2009, p. 38, grifo do autor) Outros dois alunos contrapõem a prática descontextualizada da Educação Física em seus discursos: 184 É... o professor que deu aula na outra escola, ele ensinava eles a marchar, e algumas brincadeiras e aqui não tinha. Aqui ele só fica sentado olhando, a gente não aprende outras coisas, aqui a gente brincar só do que a gente gosta, tipo se a gente quiser correr no pátio ele deixa, ele não ensina outras brincadeiras. Ele deixa brincar do que quiser. Ele só dá alguns brinquedos. (BAR/F – E6 – GIL) Às vezes eu vou pra biblioteca, mas eu brinco de... aquelas coisas que te falei não sei se é na primeira ou segunda pergunta.(por que você vai pra biblioteca?) hã...é legal, eu ajudo a arrumar os livros, as coisas...porque eu quero. Não então, é que no futebol são 11 minutos para os garotos e as garotas. O futebol que eu não gosto. É... nesse momento já era pra eu ta lá na biblioteca. (VIT/M – E1 – ROS) O depoimento da aluna BAR explicita exatamente como são as aulas do professor GIL e, ainda, sua ansiedade em ter aulas diversificadas, em que o professor ensine conteúdos com algum significado e não apenas ―deixá-los brincar‖. Mesmo na escola E1, em que a professora ROS propõe o futebol recreativo apenas nos finais de suas aulas, é uma prática contestada pelo aluno VIT, sendo ainda justificativa para sua evasão das aulas de Educação Física. Neste sentido, vale à pena refletir sobre as práticas e discursos recorrentes no dia a dia de muitos professores de Educação Física atuantes em escolas, tanto públicas como privadas, que, de um modo geral, se baseiam em desculpas como falta de materiais, de lugares inadequados para a prática e falta de interesse dos alunos, para justificarem a ausência ou preferência por algum conteúdo específico da Educação Física, como relatou Carvalho (2009) em sua pesquisa sobre o conteúdo da dança na escola. Em sua pesquisa, a autora questiona quais os fatores determinantes para o ensino da dança, já que haviam afirmado anteriormente não trabalhar com o conteúdo em suas aulas, e a falta de espaço adequado, falta de preparo profissional e falta de interesse dos alunos foram respostas recorrentes. Assim, nesta pesquisa, as falas dos alunos contradizem qualquer justificativa de senso comum dos professores de Educação Física escolar, demonstrando que qualquer prática quando é demais e não é diversificada, enjoa. E, os alunos sabem dizer, melhor do que qualquer outro ator da escola, sobre sua aula de Educação Física, verbalizando aquilo que aprendem de acordo com a prática de cada professor. 185 CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegar ao final de uma investigação com a emoção de ter pesquisado sobre a minha área profissional ― Educação Física Escolar ― confesso que tive muita dificuldade em enxergar os dados da pesquisa com um olhar neutro. Um olhar de pesquisadora, sem se envolver emocionalmente e, não demonstrar indignações com a realidade observada não é tarefa fácil de fazer. Da mesma forma, não posso deixar de destacar que práticas pedagógicas me surpreenderam, através de discursos coerentes, planejamentos adequados e, principalmente, a vontade de transformar a Educação Física, de não se render ao sistema burocrático que absorve e tanto despreza a nossa área. Professores que oferecem conteúdos diversificados e, além de tudo, sistematizados, organizados, obedecendo a uma sequência de aprendizagem, sabendo o que oferecer para cada ano de ensino ou ciclo. Retomando as questões centrais postuladas para a pesquisa, o objetivo geral tratou de identificar como os professores da rede municipal de Cuiabá organizam os conteúdos da Educação Física Escolar para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, bem como as orientações recebidas pelos gestores de sua escola e, ainda, quais conteúdos seus alunos aprendem nas aulas de Educação Física. Outro objetivo relevante foi o de tentar configurar uma organização dos conteúdos para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, a partir das percepções dos gestores e professores pesquisados. Sobre as orientações dos gestores aos professores de Educação Física, percebi que os documentos oficiais (PCNs, Escola Sarã e dossiês) constituem-se como norteadores do trabalho docente, sendo, às vezes, interpretados de maneira incorreta pelos gestores e professores. Neste caso, destacam-se as orientações contidas na escola Sarã sobre o conceito de interdisciplinaridade, em que muitos gestores compreendem a Educação Física como auxiliar às demais disciplinas, sendo a portadora e executora de uma gama de jogos pedagógicos para o ensino da matemática, leitura e escrita, etc. Ficou evidente também que este conceito de interdisciplinaridade é concebido pelos professores de Educação Física, que aceitam e aplicam estas orientações. Todavia, outros professores não aceitam que a Educação Física perca sua especificidade e lutam pela proposição de conteúdos próprios. É interessante que os gestores têm essa concepção de Educação Física coerente com a prática pedagógica do professor, ou seja, verbalizam aquilo que conhecem e vivenciam em suas escolas. Assim, só há uma interpretação: de que a 186 Educação Física deve ajudar na aprendizagem dos conteúdos das demais disciplinas por parte da gestão da escola porque o professor de Educação Física reflete essa concepção em sua prática. Constatei que a proposta de conteúdos sugerida a partir das construções do diretor BER (escola E5) é o exemplo de que é possível e necessário diversificar os conteúdos específicos da Educação Física para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Se não foi possível observar uma sistematização desses conteúdos, pelo menos o ponta-pé inicial foi dado. Este saber idealizado, e que um dia foi posto em prática, demonstrou que nem tudo está perdido, que há professores e gestores conscientes e preocupados com a Educação Física escolar. Resta-nos olhar com mais vagar para as produções destes profissionais e seguir seus exemplos, buscando tornar estes saberes utópicos (mas possíveis) em conhecimentos constituídos. Sobre a análise dos planejamentos dos professores, pude identificar conteúdos específicos para algumas etapas de ensino independentemente dos ciclos, sendo propostos conteúdos idênticos para 1º e 2º anos, e outros iguais para 3º, 4º, 5º e 6º anos. Outros professores distribuem os conteúdos em três grupos: para 1º anos, outro para 2º, 3º e 4º anos e, por fim, para 5º e 6º anos. Estas divisões são incoerentes com a organização dos ciclos de aprendizagem do município de Cuiabá, pois como podemos agrupar e propor conteúdos iguais para crianças que estão em ciclos diferentes, como são agrupados 2º, 3º e 4º anos? O 2º ano é etapa do 1º ciclo e 3º e 4º anos etapas do 2º ciclo. Por mais inconfortável que seja a repetição de conteúdos nas diferentes etapas de ensino, é preferível que os conteúdos sejam propostos congruentes para todas as etapas do 1º ciclo e outros para todas as etapas do 2º ciclo, como identifiquei na proposta de alguns professores. Na configuração da proposta de sistematização dos conteúdos segundo os professores pesquisados, percebi que os conteúdos, de modo geral, atendem as três dimensões e, quando agrupados todos estes saberes produzidos pelos professores, é possível verificar uma diversificação dos conteúdos atendendo a todos os blocos propostos nesta pesquisa. Porém, como fui professora atuante nesta fase de ensino — das séries iniciais — não posso deixar de identificar e contribuir com algumas sugestões para que sejam inseridos conteúdos que não constam nesta configuração proposta pelos professores. Pensando nos conteúdos contidos no bloco de ―Jogos‖, é preciso proporcionar aos alunos experiências não apenas com a reprodução de jogos, mas também com construção e transformação dos mesmos, por exemplo, através da modificação de regras. Faz-se necessário 187 ter compreensão sobre a especificidade da nossa área para que os jogos e também as brincadeiras populares não sejam utilizadas apenas como estratégias de ensino de outros conteúdos da Educação Física e, até mesmo, de outras disciplinas. Com base na pesquisa a ginástica como conteúdo da Educação Física pode estar nas aulas por duas maneiras: através de uma perspectiva histórica, na qual podem ser abordados os movimentos ginásticos europeus (escola alemã, sueca, francesa, dentre outros); outra possibilidade é partir dos tipos de ginástica existentes hoje, como a ginástica de academia (step, hidroginástica, sistema body systems...), competitiva (artística, rítmica, acrobáticas...), demonstrativa (ginástica geral), alternativas (RPG, bioenergéticas, etc.), natural e laboral. A partir destes dois caminhos, é possível discutir sobre temas como a mídia, consumo, saúde e outros, além das atitudes como preconceitos, questões de gênero, respeito aos limites do corpo, etc. Penso também que para a proposição dos conteúdos da dança pode-se seguir a lógica de começar pelas danças tradicionais da cultura local, ou seja, de sua cidade, estado e região do país, para assim conhecer as danças das demais regiões, do Brasil e do mundo. Do mesmo modo, conhecer as danças tradicionais cuiabanas no 1º e 2º ciclo como sugerem os professores pesquisados, incluindo outros conhecimentos da cultura regional brasileira, é um indício de uma sistematização destes conteúdos nas aulas de Educação Física escolar. A capoeira e as lutas são conteúdos que precisam ser considerados nas aulas de Educação Física, já que poucos professores (ou nenhum professor, como aconteceu com as lutas) se propuseram oferecê-los a seus alunos, assim como os esportes individuais. Estas são apenas algumas considerações para inclusão de conteúdos que precisam ser inseridos nas aulas de Educação Física, necessitando de maiores discussões para a sua inclusão no currículo da disciplina. Sobre a sistematização de conteúdos, os dados demonstraram ainda que os professores de Educação Física planejam conteúdos diferentes para 1º e 2º ciclo, enfatizando os conteúdos das abordagens psicomotora, desenvolvimentista e construtivista para o 1º ciclo. O esporte é outro conteúdo que se diferencia, visto que os professores optam por apresentá-lo aos alunos, a partir do 2º ciclo. Percebe-se que os professores de Educação Física sabem da necessidade de oferecer conteúdos organizados e sistematizados para cada nível de ensino, porém práticas repetitivas, pouca diversificação dos conteúdos e práticas pedagógicas descontextualizadas também se fazem presentes nos trabalhos dos professores pesquisados. 188 Alguns problemas também são observáveis como a ideia de ―Educação Física como auxiliar das demais disciplinas‖, no qual os professores se baseiam em conteúdos oferecidos pelo professor pedagogo para selecionar e oferecer atividades nas aulas de Educação Física, o que remete à perda de especificidade da área. Pode-se perceber também que, individualmente, cada professor precisa complementar seu trabalho, oferecendo outros conteúdos não trabalhados ou outras dimensões dos conteúdos que já oferece aos seus alunos. De modo geral, ao atrelar todos os conteúdos trabalhados pelos professores pesquisados, temos como resultado um trabalho sistematizado para os anos iniciais do ensino fundamental, com conteúdos específicos para cada ciclo e diversificados. É preciso também destacar o trabalho de alguns professores de Educação Física pesquisados, que desenvolvem um trabalho organizado, planejado e com conteúdos diversificados e encadeados com temáticas de urgência social, como é o caso dos professores ROS (E1), ROB (E4), JOS (E4) e AND (E6). Ao se dar voz aos alunos dos professores pesquisados, conclui-se que eles refletem em seus depoimentos exatamente aquilo que seus professores preconizam durante as aulas. Os alunos aprendem aquilo que lhes é proposto e têm consciência quando também não aprendem nada. Os discursos denunciam que as crianças querem aprender conteúdos novos e diferentes, diversificados e que a rotina e a prática repetitiva de seus professores são atitudes reprováveis pelos mesmos. Então, os discursos de senso comum por parte dos professores que justificam sua prática descontextualizada, como aqueles referentes à falta de materiais, falta de espaços adequados ou falta de interesse dos alunos, não encontram respaldo nos gestores e alunos de suas escolas. Os dados demonstraram que esta realidade construída pelo professor de Educação Física é culpa de sua própria atuação profissional, seja por comodismo ou formação inicial insuficiente. A falta de interesse é do professor e não dos alunos ou da escola, pois a prática dos próprios colegas da área demonstra diversas possibilidades de atuação e ensino dos conteúdos específicos. A sistematização de conteúdos apresentada nesta pesquisa expõe trabalhos organizados e diversificados já consolidados na escola, mas também descortina realidades que precisam ser modificadas. E, quando se une todas essas práticas num só trabalho, verifica-se a complementaridade que os conteúdos propostos por determinado professor pode contribuir para a prática dos demais, completando-os, melhorando-os, trazendo uma identidade para a Educação Física na escola. 189 A pesquisa deixa o campo na ―esperança‖ de que cada professor, assim que tomar contato com seus resultados, possa lê-la e identificar (e se identificar) as necessidades de inserir determinados conteúdos em suas aulas que nunca antes imaginados, sabendo que um colega já trabalha com este conteúdo e, o mais importante, que dá certo! E, quem sabe, com a perspectiva de ter contribuído, o mínimo que seja, para a transformação e legitimação da Educação Física escolar. Assim, a contribuição desta pesquisa é a configuração da sistematização de conteúdos explicitada pelos professores pesquisados, sendo identificadas as contribuições dos gestores e dos alunos como expectadores da prática do professor, mostrando caminhos e olhares diferentes e complementares que só tendem a ajudar a efetivação e melhoria das aulas de Educação Física. 190 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Karina de Toledo. Os jogos sob diferentes vertentes: para além do ensino de Educação Física. Terra e Cultura, ano XX, nº 38. Londrina: Unifil, jan. a jun. de 2004, p. 25-36. Disponível em: http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/terra_cultura/38/Terra Cultura_38.pdf#page=34 BAUMAN, Z. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. ______. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. ______. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. ______. Vida para consumo: transformação das pessoas em mercadoria. 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Por quê? 3- O que você aprende nas aulas de Educação Física? 4- O que você aprendeu na aula de hoje? 5- O que você mais faz nas aulas de Educação Física? 6- Tem alguma coisa que você gostaria de aprender nas aulas de Educação Física e que ainda não teve oportunidade? Por quê? 7- Como é a sua relação com o professor? 8- Você participa, dando sugestões ao professor, sobre o que deve ser desenvolvido? 9- Você brinca na aula de Educação Física? De quê? 196