CONTEÚDOS MATEMÁTICOS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL: UMA
INTERSECÇÃO ENTRE TRÊS PROPOSTAS CURRICULARES
ANGELITA MINETTO ARAÚJO∗∗
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SECRETARIA MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO DE CURITIBA
RESUMO
Com o intuito de observar que conteúdos matemáticos são propostos para o
ensino fundamental propôs-se uma intersecção de três propostas curriculares de
matemática (NCTM, Normas Americanas para o Currículo e a Avaliação em Matemática
Escolar - Tradução da APM, Proposta de Matemática de Portugal para a Educação
Básica e os Parâmetros Curriculares Nacionais) para observar o que de fato aparece em
termos de conteúdos matemáticos em cada uma delas e tentar estabelecer uma relação
de modo a identificar o que é essencial ensinar de matemática.
A partir do levantamento e intersecção realizados, constata-se a universalidade
de muitos conteúdos e objetivos para o ensino da matemática, apesar de muitas vezes
os mesmos conteúdos surgirem com nomenclaturas um pouco diferenciadas. Ainda que
“universais” Pires (2000) adverte que o caminho para atingir os conteúdos e objetivos é
condicionado as circunstâncias locais, o que lhes dá vida e identidade. Como principais
conclusões, a respeito de propostas universais para o ensino da matemática , é preciso
verificar que um ensino de qualidade não se faz apenas de propostas bem “completas”,
mas sim das relações que o professor consegue estabelecer entre os diferentes
conteúdos descritos nos programas, para que estes façam sentido e tenham algum
significado para o aluno. D’AMBROSIO (2001) afirma que é ilusório pensar que um
currículo único dará conta de melhorar a educação e, o que há de mais moderno em
termos educacionais, revela que o currículo deve refletir os anseios dos alunos,
professores e da comunidade local.
Palavras-chave: conteúdos de matemática, ensino fundamental, propostas curriculares.
1 Justificativa
Parece ser aceito, naturalmente, que alunos tenham dificuldade em Matemática,
Mestre e Doutoranda em Educação, na Linha de Pesquisa em Educação Matemática, na

Universidade Federal do Paraná (UFPR). [email protected] / [email protected]

Capacitadora na área de Matemática na Secretaria Municipal da Educação de Curitiba.
1749
nos vários níveis de escolarização. Apesar de toda a literatura hoje existente, resultado
de pesquisa em Educação Matemática e do esforço de muitos professores em busca de
uma melhoria do ensino da Matemática existente no Brasil, é possível perceber que a
relação professor, aluno e saber escolar não é satisfatória, uma vez que os problemas
de não aprendizagem dos conteúdos continuam sendo os mesmos.
Um ensino centrado exclusivamente na linguagem Matemática, preocupado
apenas com o repasse de informações, ignorando o saber e a experiência dos alunos e
sem relação com outras disciplinas, tem, muitas vezes, sido responsabilizado por grande
parte do fracasso na aprendizagem de Matemática, em qualquer nível. Por outro lado, a
existência de inúmeras tentativas, muitas vezes isoladas, de implementação de
propostas para a melhoria do ensino de Matemática, não tem alterado significativamente
os indicadores de sucesso nessa disciplina.
Mas que conteúdos estariam sendo considerados pelos professores como
essenciais? Que tipo de avaliação eles estariam fazendo para mensurar o quanto o
aluno sabe ou não sabe de determinado conteúdo? Será que só os professores que não
cursaram Matemática é que tem dificuldade com o ensino desta disciplina devido sua
formação inicial?
É no contexto dessa dificuldade dos professores, com formação específica ou
não em Matemática, mas que têm como tarefa ao ensinar essa disciplina tomar decisões
sobre o que ensinar e avaliar o que é essencial, que busquei identificar numa
intersecção de propostas curriculares, que conteúdos matemáticos surgem para o
ensino fundamental. Essa intersecção surgiu da necessidade demonstrada no estudo
que realizei para o Mestrado, na linha de pesquisa em Educação Matemática, na UFPR.
2 Que conteúdos de matemática devemos ensinar?
1750
Para esse estudo, de acordo com o dicionário HOUAISS (2001) estaremos
entendendo como conteúdo aquilo que tem significação mais profunda, ou seja, o que é
relevante. O que difere do modo como os conteúdos têm sido definidos nos currículos
escolares, ou seja, como tópico, ou conjunto de tópicos, abrangido em determinado livro,
carta, documento, anúncio etc. – assunto.
Dessa forma, preocupa-me a ansiedade de muitos professores, em ter que “dar
conta” de trabalhar todos os conteúdos do programa no decorrer do ano, sem muitas
vezes, refletir sobre a finalidade e relevância dos mesmos. Parece que os professores
estão sempre em um dilema: trabalhar com todos os conteúdos, sem se importar com a
forma, para não deixar nenhum de lado ou selecionar alguns, segundo critérios
particulares, correndo o risco, de como disseram os professores entrevistados por
GUIMARÃES (1988), deixar de lado os mais importantes.
RODRIGUES (1993), fez um levantamento sobre os motivos da universalidade
desse ensino e destaca três componentes do papel que os conteúdos matemáticos têm
para o professor:
a) valor intrínseco: relativo à obtenção de pré-requisitos, técnicas, conhecimentos e
metodologias, elementos necessários à continuidade do estudo da Matemática;
b) valor utilitário: relativo à utilidade do estudo da Matemática na vida cotidiana e
profissional;
c) valor formativo: relativo às representações que o indivíduo faz, as quais estão
relacionadas com o seu desenvolvimento intelectual.
Nesse sentido, resultados de pesquisas reforçam a idéia de que é comum o
professor dedicar diferente atenção aos conteúdos conforme a importância que lhes
atribui, ou mesmo dando mais atenção aos temas por ele preferidos, sem uma reflexão
maior sobre as finalidades de suas escolhas.
1751
A tradução da finalidade dos conteúdos escolares de acordo com ROCHA e
NERY (1999), seria a de possibilitar que todos tenham acesso aos conhecimentos até
então produzidos ou acesso aos resultados das relações entre as informações da
realidade, visando sua formação global e não apenas o repasse dessas informações.
D’AMBROSIO (1998), ao se referir à relevância da manutenção da Matemática
nos currículos escolares, afirma que a mesma é respondida devido a uma quinta de
valores e se refere à necessidade de um currículo dinâmico que desenvolva: a literacia,
“...capacidade de processar informação escrita, o que inclui escrita, leitura e cálculo, na
vida cotidiana.”; a materacia, “...capacidade de interpretar e manejar sinais e códigos e
de propor e utilizar modelos na vida cotidiana.”; e a tecnoracia, “...capacidade de usar e
combinar instrumentos, simples ou complexos, avaliando suas possibilidades, limitações
e adequação a necessidades e situações.” (D’AMBROSIO, 2001, p. 63)
Já PIRES (2000) defende que o conhecimento matemático se constitui numa
rede que se constrói em várias direções e sentidos, o qual se reestrutura a todo o
momento em que algo é incorporado, passando por momentos de caos e estabilidade. A
partir dessa idéia de rede, ela defende a possibilidade de uma nova organização
curricular
para
o
ensino
de
Matemática,
na
perspectiva
de
superação
da
linearidade/acumulação do conhecimento.
Os resultados de vários estudos indicam que as concepções que os professores
possuem da Matemática têm implicações em sua prática pedagógica, assim como na
escolha dos conteúdos que consideram essenciais que sejam ensinados.
Mas, o que significa ser essencial? Segundo o dicionário HOUAISS (2001) o
termo essencial é assim definido: Essencial: 1. que é inerente a algo ou alguém; 2. que
constitui o mais básico ou o mais importante em algo - fundamental; 3. que é necessário,
indispensável; ETIM. Latim – relativo à natureza nuclear das coisas.
1752
Muitas vezes o termo essencial é associado pelos professores ao termo “básico”
que, segundo o mesmo dicionário, é definido como: Básico: 1. o que faz parte da base
– basilar; 2. o mais importante, fundamental, primordial, essencial. Dessa forma, o que é
essencial ensinar de Matemática?
OSBORNE e KASTEN (1997, p. 76), relatam resultado de pesquisa realizada
nos Estados Unidos ao final dos anos 70, com profissionais e leigos sobre o que
consideravam essencial em Matemática e o destaque foi a resolução de problemas, que
se tornou o cerne das recomendações dos Standards curriculares americanos (NCTM)
para a década de 80.
Em PIRES (2000) encontrei um levantamento de conteúdos que foram
historicamente considerados básicos em diversos países, bem como algumas reflexões
sobre as propostas curriculares de Matemática de alguns estados brasileiros. Mas, essa
autora adverte que a fixação de percursos deve ser evitada, pois, “...o caminho para
atingi-los estará sempre condicionado a circunstâncias locais e variáveis, ricas, que dão
vida e identidade aos percursos. (PIRES, 2000, p. 207)
MATOS (2002) apresenta um estudo a partir de um levantamento das provas,
de Matemática de 1950 e 2002, em Portugal. Como conclusão do estudo, o autor
menciona que os saberes hoje considerados básicos são aqueles que se deseja que:
...façam parte do patrimônio de todos os jovens portugueses, pois entendemos
que são necessários à sua vida futura enquanto pessoas, cidadãos, ou
profissionais. Contrariamente, o saber matemático exigido no exame de 1950 não
era considerado básico no sentido referido, quer porque ia muito para além dos
três anos de escolaridade obrigatória, quer porque os sete anos dos liceus se
destinavam essencialmente à preparação de alunos para a entrada na
universidade. (MATOS, 2002, p. 7)
E, são essas mudanças que determinam a evolução e a complexidade do saber
matemático, expressando as exigências da sociedade.
Com o objetivo de conhecer como propostas curriculares oficiais apresentam o
que é essencial que os professores ensinem de Matemática no ensino fundamental,
1753
optei pelo estudo dos Standards curriculares americanos (APM, 1991), pelo currículo de
Matemática do Ensino Básico de Portugal (PORTUGAL, 1999) e pelos PCNs de
Matemática – 1ª à 4ª (BRASIL, 1997) e 5ª à 8ª séries (BRASIL, 2001).
2.3 Intersecção dos conteúdos matemáticos, encontrada nos três documentos
oficiais analisados
Com a intenção de estabelecer uma relação entre os conteúdos dos três
documentos oficiais analisados fiz inicialmente um levantamento da nomenclatura
utilizada para me referir a cada bloco de conteúdos (quantidades, linguagem algébrica,
geometria e organização de dados quantitativos) e as especificações comuns desses
blocos de conteúdos.
Fazendo-se a relação entre a correspondência das séries nos documentos
temos: PCNs 1ª à 8ª série correspondente à NCTM K-0 a K-12, que é o equivalente à 1ª
à 9ª série de Portugal.
2.3.1 Quantidades
Bloco de conteúdos referente às
quantidades
Números e operações
(PCNs – 1ª à 8ª série)
Números e cálculo
(Portugal – 1ª à 9ª série)
Números; Operações e cálculos
(NCTM – 1ª à 4ª série);
Resolução de problemas (NCTM
– 1ª à 8ª série);
Números, operações e cálculo
(NCTM – 5ª à 8ª série);
Álgebra (NCTM – 5ª à 8ª série)
Especificações comuns:
significado do número;
compreensão da organização do sistema de
numeração;
significado das operações;
cálculo escrito, mental, exato e aproximado;
reconhecimento de regularidades e relações;
estratégias
de
resolução
de
problemas
(representar situações: verbal, numérica, gráfica e
simbolicamente,
bem
como
explicar
o
procedimento utilizado);
compreensão das idéias de razão, proporção e
porcentagem (cálculo e representação);
exploração
das
relações
e
diferentes
representações entre números naturais, inteiros,
inteiros relativos e racionais;
múltiplos e divisores.
1754
Observei que, nos PCNs e no currículo de Portugal, a resolução de situaçõesproblema está ligada aos blocos “números e cálculo” (Portugal), “números e operações”
(PCNs) e nos Standards curriculares americanos ela aparece em separado. Nestas, é
dada uma atenção especial à resolução de problemas, no sentido de pensá-la como
investigação e aplicação, buscando o desenvolvimento de projetos.
2.3.2 Linguagem Algébrica
Bloco de conteúdos referente à
linguagem algébrica
Álgebra e funções
(Portugal – 1ª à 9ª série)
Especificações comuns:
Identificação, análise e descrição de padrões e
regularidades;
compreensão das variáveis, expressões e equações;
Álgebra
(NCTM – 5ª à 8ª série)
exprimir relações utilizando símbolos/variáveis;
A identificação de regularidades é trabalhada nos PCNs no bloco de conteúdos
“números e operações”. E, como os PCNs estão organizados em ciclos e o 3º Ciclo
compreende a 5ª e a 6ª série, dessa forma, no bloco de conteúdos “números e
operações” surgem, ainda, conteúdos como: potenciação e propriedades; raiz quadrada
e cúbica; representações algébricas; expressões algébricas; porcentagens; volume e
compreensão da noção de variável pela interdependência da variação de grandezas.
2.3.3 Geometria
Bloco de conteúdos relacionado
ao estudo de geometria
Espaço e Forma;
Grandezas e Medidas
(PCNs – 1ª à 8ª série)
Especificações comuns
estabelecer relações entre medidas, medida real x
estimativa;
utilização de instrumentos usuais e/ou arbitrários de
medida;
visualização e sentido espacial;
1755
Geometria
(Portugal – 1ª à 9ª série)
Geometria e medição
(NCTM – 1ª à 4ª série);
Geometria; Medida; Raciocínio
(NCTM – 5ª à 8ª série)
propriedades e relações entre as figuras geométricas;
utilização da terminologia adequada (medidas e
geometria);
exploração de padrões e relações geométricas;
investigação de propriedades geométricas;
utilização da geometria na resolução de problemas
(raciocínio espacial);
representação de soluções.
Quanto ao detalhamento dos conteúdos abordados, os PCNs se sobressaem,
clarificando o que se deve trabalhar em cada um dos blocos de conteúdos. Somente os
PCNs abordam a localização e descrição de objetos e pessoas num determinado
espaço, os demais currículos mencionam o raciocínio espacial apenas ligado a
Geometria, no sentido de verificar e comparar proporcionalmente os objetos do espaço.
Ainda nos PCNs, aparecem o reconhecimento e a compreensão de outras unidades de
medida, como bytes, quilobytes, megabytes e gigabytes.
O único a mencionar o uso de outros recursos para trabalhar com a Geometria
foi o currículo de Portugal, recorrendo, além dos materiais manipuláveis, aos softwares
geométricos.
Nos Standards curriculares americanos e no currículo de Portugal, há uma
mistura da geometria com as medidas, as quais são tratadas muito sucintamente.
2.3.4 Organização de dados quantitativos
Bloco de conteúdos referente ao modo de
organização de dados quantitativos
Tratamento da Informação
(PCNs – 1ª à 8ª série)
Estatística e probabilidades
(Portugal – 1ª à 9 ª série)
Probabilidade e estatística; Regularidades
e relações (NCTM – 1ª à 4ª série);
Padrões
e
funções;
Estatística;
Probabilidades (NCTM – 5ª à 8ª série)
Especificações comuns
coleta e organização de dados;
descrição de regularidades;
leitura, interpretação, análise e construção de
tabelas e gráficos;
comunicação de resultados por meio de
tabelas e gráficos;
distinção de fenômenos aleatórios dos
previsíveis;
descrição, análise, avaliação e tomada de
decisões.
1756
O raciocínio combinatório só não foi encontrado nos Standards curriculares
americanos (5ª à 8ª série), mas, menciona: comunicação das idéias matemáticas;
conexão entre a Matemática e as demais disciplinas e suas aplicações.
Nos PCNs (BRASIL, 2001), é mencionada a compreensão do significado da
média aritmética, como possível indicador de tendência, e construção de espaço
amostral, no caso de pesquisas.
No currículo de Portugal, os padrões numéricos são estudados juntamente com
“números e cálculo”. A exploração desse tópico é feita em situações matemáticas e não
matemáticas, investigando suas relações.
Conclusão
A partir da análise dessa interseção pode-se observar que conteúdos
matemáticos usualmente fazem parte do rol listado por diferentes propostas curriculares
para o ensino fundamental, bem como, identificar os conteúdos apontados como
“universais” e que, teoricamente seriam essenciais ensinar nas respectivas séries.
No entanto, é preciso verificar que um ensino de qualidade não se faz apenas de
propostas bem “completas”, mas sim das relações que o professor consegue
estabelecer entre os diferentes conteúdos descritos nos programas, para que estes
façam sentido e tenham algum significado para o aluno.
De acordo com PIRES (2000, P. 207), “Embora possamos considerar a
universalidade de alguns objetivos (...), o caminho para atingi-los estará sempre
condicionado a circunstâncias locais e variáveis, ricas, que dão vida e identidade aos
percursos.” D’AMBROSIO (2001) afirma ainda, que é ilusório pensar que um currículo
único dará conta de melhorar a educação e, o que há de mais moderno em termos
educacionais, revela que o currículo deve refletir os anseios dos alunos, professores e
da comunidade local.
1757
Referências
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(1ª à 4ª séries): Matemática. Brasília: MEC/SEF, v. 3, 1997.
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