Associação Rio-Grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER/RS
Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural – ASCAR
DIRETORIA EXECUTIVA DA EMATER/RS E SUPERINTENDÊNCIA DA ASCAR
LINO DE DAVID
Presidente da EMATER/RS
Superintendente Geral da ASCAR
GERVÁSIO PAULUS
Diretor Técnico da EMATER/RS
Superintendente Técnico da ASCAR
SILVANA DALMÁS
Diretora Administrativa da EMATER/RS
Superintendente Administrativa da ASCAR
DIRETORIA SOCIAL DA ASCAR
IVAR PAVAN
Presidente
RUI POLIDORO PINTO
Vice-presidente
ELTON ROBERTO WEBER
Vice-presidente
© 2013 Emater/RS-Ascar
Parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da Emater/RS-Ascar
G393
Gestão de cooperativivas: [recurso eletrônico] produção acadêmica
da Ascar / organizado [por] Décio Souza Cotrim. - Porto Alegre,
RS: Emater/RS-Ascar, 2013.
694 p. – (Coleção Desenvolvimento Rural, v. 2).
Modo de acesso: World Wide Web:
http://www.emater.tche.br/site/arquivos_pdf/teses/E_Book2.pdf
E-book produzido a partir de evento realizado pela Gerência de
Recursos Humanos da Emater/RS-Ascar.
ISBN 978-85-98842-10-3
1. Produção acadêmica. 2. Produção intelectual. 3. Extensão rural.
4. Cooperativismo. 5. Rio Grande do Sul. I. Cotrim, Décio Souza. II.
Série.
CDU 63.001.8”2013”(063)
REFERÊNCIA
COTRIM, Décio Souza (Org.). Gestão de cooperativas: produção acadêmica da Ascar . Porto Alegre, RS:
Emater/RS-Ascar, 2013. 694 p. (Coleção Desenvolvimento Rural, v. 2). Disponível em:
<http://www.emater.tche.br/site/arquivos_pdf/teses/E_Book2.pdf>.
Realização:
Gerência de Recursos Humanos da Emater/RS-Ascar
Catalogação Internacional na Publicação:
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Felipe Chagas Tedesco, CRB 10/2157
Design Gráfico:
Felipe Chagas Tedesco, CRB 10/2157
Roseana Caeneghem Kriedt
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
8
CAPÍTULOS
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
Fábio André Eickhoff
22
Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do
Leite em Busca de Desenvolvimento para seus Associados na Região Noroeste
Colonial - Rio Grande do Sul: o caso da COOPEQ
João Vitor Buratti
44
Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
Gilberto Bortolini
61
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O Caso dos Agricultores Familiares de São José
do Inhacorá/RS
José Adelar Naressi
77
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
Luciana Muszinski
101
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
Silvana Ávila de Mattos
121
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
Isabel Vanessa Robaert de Souza
141
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e
o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas
Rurais
Marcelo Souza Cotrim
160
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
Antonio Carlos Sperb Paganelli
182
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de
Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva
orientada pelos atores?
Volnei Wruch Leitzke
199
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
Roberta Beiersdorf Medina
214
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Sonia Desimon
235
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
Karin Peglow
265
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense
de Artesanato: possibilidades e limitações
Elbia Barreto Marquês
289
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
Vilmar Wruch Leitzke
316
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
Ezio José Gomes
331
Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das
famílias associadas à cooperativa extremo norte
Adriana Fátima Memlak
354
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
Olívio Pedro Faccin
371
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
Adriana Ribeiro Leal
397
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
Daniele Marzari Possatti
416
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma
ferramenta para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
Dinanci Otávio Dalto Maia
435
Capítulo XXII - Certificação de Produtos Orgânicos por SPG - Sistema Participativo de
Garantia, Envolvendo Pequenas Cooperativas do Ramo Agropecuário, na
Região dos Coredes do Médio Alto Uruguai e Rio da Várzea/RS
Carlos Roberto Olczevski
456
Capítulo XXIII - Análise da Entrega de Produtos da Horticultura Produzidos pela Cooperativa
Santiaguense da Agricultura Familiar para Atender ao PNAE no Ano de 2012
Dairton Ramos Lewandowski
475
Capítulo XXIV - Cooperativa Agropecuária de Arroio do Padre (Coopap): estratégias para a
comercialização de hortifrutigranjeiros
Edson Reis do Nascimento
499
Capítulo XXV - Tudo Junto e Separado! Observação Referente à Interação dos Integrantes de
uma Cooperativa
Érico Soares
526
Capítulo XXVI - Competitividade e Desafios da Central de Cooperativas da Serra Gaúcha na
Consolidação de uma Unidade Produtora de Suco e Concentrado de Uvas
Thompsson Benhur Didone
542
Capítulo XXVII - As Cooperativas de Pescadores Profissionais Artesanais no Litoral Norte do
Rio Grande do Sul
Gustavo Chaves Alves
559
Capítulo XXVIII - As Redes Interorganizacionais como Instrumento de Desenvolvimento
Regional: o estudo de caso da região central do Estado do Rio Grande do Sul
Aliel Freitas Correia
578
Capítulo XXIX - O Marketing como Estratégia de Crescimento na Cooperativa Agropecuária de
Sertão Santana
Maria Inês Borges da Fonseca
600
Capítulo XXX - O Desenvolvimento Socioeconômico Através da Energia Elétrica: o caso da
Coprel
Alice Cristina Schwade
651
Capítulo XXXI - A Cooperativa Mista de Pequenos Agricultores da Região Sul (COOPAR) e o
Fortalecimento da Rede Produtiva do Feijão: diálogo entre saberes
Márcia Cristina de Lima Cabral
672
APRESENTAÇÃO
O produto desse livro pode ser entendido com o resultado da interface entre a
reflexão teórica exercitada na academia e as ponderações críticas do processo de
intervenção social realizada pelos profissionais. Ou seja, um exercício de diálogo
dos alunos/profissionais sobre o saber acadêmico da Escola Superior de
Cooperativismo e seu trabalho conjunto com cooperativas da agricultura familiar.
Esse processo rompe com a ideia de que os extensionistas, que aqui
desenvolveram o papel de alunos, são apenas uma correia de transmissão dos
conhecimentos entre a pesquisa/universidade e os agricultores. Na verdade,
representam um caminho original onde existe a reflexão da prática profissional
vivida, tendo com aporte um conjunto teórico desenvolvido na academia. É um
processo de construção coletiva de um novo conhecimento, sistematizado na lógica
científica, mas dialogado com os agricultores e um conjunto de outros atores sociais.
Um conhecimento embebido nas relações sociais e no cotidiano das organizações
cooperativas.
O ápice do processo educacional se materializou no 2º Seminário de
Produção Acadêmica dos Empregados da Ascar que ocorreu em Porto Alegre entre
os dias 23 e 24 de outubro de 2013 e teve como foco a apresentação de 32 artigos
desenvolvidos pelos extensionistas da Emater/RS, como trabalhos de finalização do
curso de especialização em Gestão de Cooperativas oferecido pela Escola Superior
de Cooperativismo (Escoop), entidade mantida pelo sistema Sescoop-Ocergs. Esse
conjunto de produtos acadêmicos é parte do esforço de formação continuada do
programa de pós-graduação existente dentro da instituição Emater/RS-Ascar.
A sistematização dos trabalhos foi exposta em blocos que contemplaram uma
homogeneidade territorial, temática ou de referencial teórico. Esse agrupamento
permitiu cotejar diversas dimensões do cooperativismo ligado à agricultura familiar.
Enfim, um exercício analítico qualificado executado por profissionais que vivem
cotidianamente os problemas e as felicidades das cooperativas.
O bloco inicial do seminário, formado por quatro artigos, foi recortado
territorialmente na região noroeste do Rio Grande do Sul.
O primeiro trabalho do seminário, “A Organização de Base nas Cooperativas:
O Exemplo da Cooperyucumã”, foi apresentado por Fábio André Eickhoff que
8
mostrou a organização de base nas cooperativas como catalisadoras da
participação. Trata-se de um estudo de caso da COOPERYUCUMÃ localizada no
noroeste do Rio Grande do Sul, no município de Derrubadas. O artigo engloba 95
entrevistas com os associados sobre os temas organização, participação e
cooperativismo. Finalizando, foi demonstrado como a organização da cooperativa
em núcleos de agricultores contribui para a participação e para o fortalecimento da
organização, melhorando a qualidade de vida dos associados e suas comunidades.
O segundo artigo, “Desafios enfrentados por cooperativas que trabalham com
o processamento do leite em busca de desenvolvimento para seus associados na
região noroeste colonial Rio Grande do Sul: o caso da COOPEQ”, foi conduzido por
João Vitor Buratti e objetivou a análise e discussão sobre a Cooperativa dos
Pequenos Produtores de Leite da Linha Gramado, em Panambi/RS, analisando as
causas que levaram a organização, em certos momentos, a obter sucesso no
processamento do leite e como, na atualidade, esta prática não tem mais êxito. Os
dados e informações foram obtidos através de entrevistas semiestruturadas, sendo
abordados o histórico da cooperativa, a agroindústria, o resfriamento de leite e a
comercialização do leite. Como umas das conclusões entendeu-se que a formação
da cooperativa ocorreu através de um plano de governo do poder público municipal,
sendo um fator negativo, pois faltou um maior envolvimento comunitário. A
cooperativa exerce um papel social importante para seus associados da agricultura
familiar, mas ainda assim enfrenta dificuldades no âmbito financeiro, organizacional
e no processo de agroindustrialização. Conclui-se que as cooperativas que são
administradas com o objetivo de somente criar condições de melhorias de preço e
entrar na lógica de competição correm riscos econômicos e sociais.
O terceiro trabalho do seminário, “Capital social na formação de uma
cooperativa agrícola”, foi desenvolvido por Gilberto Bortolini e buscou analisar a
presença de capital social e identificar a motivação principal que move as pessoas a
se associarem a uma cooperativa. Foi realizado um estudo de caso na Cooperativa
Agropecuária e Industrial São Valério do Sul (COOPERVALÉRIO) para a verificação
da tomada de decisão dos pequenos produtores de leite em ingressar na
cooperativa. Verificou-se que a cooperativa foi formada para resolver um problema
econômico, suprimindo as fases de formação, onde a capacitação e a educação
cooperativa são muito importantes. Os resultados evidenciam que os agricultores
são explorados pelo capitalismo e necessitam se fortalecer coletivamente formando
9
laços de confiança e ajuda mútua, e o cooperativismo é a forma encontrada para
promover a equidade social.
O quarto trabalho deste bloco se intitula “Formar ou não uma cooperativa? O
caso dos agricultores familiares de São José do Inhacorá/RS” e foi produzido pelo
José Adelar Naressi. Este artigo tratou da discussão acerca da formação ou não de
uma cooperativa, exclusivamente de agricultores familiares, no município de São
José do Inhacorá. Para elucidação do caso foram entrevistados, paritariamente,
lideranças e agricultores do município, com a finalidade de identificar quais os
setores da agricultura familiar encontram-se desamparados e carentes de
organização. Buscou-se também perceber o interesse das lideranças municipais e,
principalmente, dos agricultores familiares em formar, fazer parte e participar das
tomadas de decisões da organização em prol da coletividade. Os dados obtidos
revelam que tanto lideranças quanto agricultores reconhecem existir a necessidade
de formar uma nova organização como maneira de organizar os setores e suprir as
carências. O estudo evidenciou também a falta de credibilidade por parte dos
agricultores em relação ao modelo de cooperativismo atual. Identificou ainda a
inexistência de espírito cooperativo nos agricultores que, apesar de admitirem
fazerem parte do quadro social, não demonstram interesse em participar das
decisões da nova organização.
O segundo bloco de apresentações do seminário, formado por três trabalhos,
foi recortado pelas ações de educação cooperativa em diversos espaços empíricos.
O quinto artigo, “O principio da gestão democrática: o processo de educação
cooperativa como estratégia para a participação dos associados”, foi realizado por
Luciana Muszinski. Este trabalho tem como objeto de estudo a participação dos
associados nos processos de gestão da Cooperativa Agropecuária Centro Sul Ltda.
(COOPACS) do município de Dom Feliciano/RS no sentido de descobrir as razões
pelas quais não há participação dos associados nos processos de gestão
democrática. Para responder a essa questão se desenvolveu a hipótese de que a
cultura individualista e competitiva vivenciada pelos agricultores por algumas
décadas, perpetuada nas relações entre a empresa fumageira e os agricultores
familiares, e a falta de conhecimento sobre o significado do cooperativismo, sua
forma de organização, seus valores e princípios são as principais causas para a não
participação dos associados na gestão democrática da cooperativa. Foram
realizadas entrevistas com a diretoria e os associados da cooperativa para a
10
confirmação dessa hipótese. A educação cooperativa é proposta como uma
alternativa que pode trazer consequências positivas, aumentando a participação do
associado e estabelecendo a gestão democrática na cooperativa.
O sexto artigo intitulado “Participação, comprometimento e satisfação dos
associados: uma análise da Cooperativa Mista Vista Gaúcha (COOPERVISTA)” foi
apresentado por Silvana Ávila de Mattos. Este trabalho abordou o tema participação,
comprometimento e satisfação dos associados, estabelecendo uma relação com a
educação cooperativa, elemento fundamental para o exercício do cooperativismo.
Analisou a participação e o comprometimento dos sócios nas rotinas, atividades e
decisões da cooperativa, através de entrevistas, verificando que os cooperados
estão satisfeitos e julgam importante a participação como membros da organização.
Porém, não são ativos nas tomadas de decisões e no planejamento das ações e
preferem ser ouvintes, uma vez que muitos não se consideram qualificados para
interferir na gestão.
O sétimo artigo apresentado foi chamado de “Estudo de caso da COOPVIVA:
buscando estratégias de educação cooperativa” sendo apresentado por Isabel
Vanessa Robaert de Souza. O trabalho refletiu sobre as práticas de educação
cooperativa desenvolvidas pela Cooperativa de Produção, Comercialização e
Consumo dos Pequenos Produtores do Litoral Norte. A pesquisa teve caráter
qualitativo e se baseou em dados descritivos, resultantes do contato direto com a
situação estudada, preocupando-se em retratar a perspectiva dos participantes.
Buscou-se discutir e refletir com os associados sobre a educação cooperativa,
contribuindo assim para que esta fosse internalizada nas pequenas cooperativas,
com o objetivo de fortalecimento socioeconômico e identitário. Finalmente, a
pesquisa apontou os caminhos para que esta ação educativa permaneça em sua
prática cotidiana.
O terceiro bloco, formado por três artigos, teve como ponto central o
referencial teórico dos estudos de desenvolvimento rural através de abordagem
sistêmica e perspectiva orientada pelos atores.
O oitavo trabalho apresentado no seminário, “O Processo de “Extensão Rural
Cooperativa” no estado do Rio Grande do Sul e o enfoque sistêmico como proposta
metodológica para análise das cooperativas rurais”, foi apresentado por Marcelo
Souza Cotrim. Este estudo teve como objetivo trazer à tona a discussão do processo
da extensão rural cooperativa no estado do Rio Grande do Sul e analisar a utilização
11
do enfoque sistêmico como metodologia de trabalho neste contexto. Para alcançar
esse objetivo, contextualizou-se o processo da extensão rural realizada pela
Ascar/Emater e o atual cenário existente no âmbito das políticas públicas
implementadas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Nas conclusões do
estudo foi possível observar que o enfoque sistêmico contribuiu para o agrupamento
e a caracterização dos sistemas cooperativos rurais, principalmente na definição de
tipos prioritários para o trabalho da extensão rural cooperativa pública.
O nono artigo, “Cooperativa de agricultores familiares e processo de
recampesinização em propriedades produtoras de tabaco: o caso de Sertão
Santana”, foi apresentado por Antonio Carlos Sperb Paganelli. Este artigo descreveu
um dos principais sistemas de produção das propriedades de agricultura familiar da
região centro-sul do Rio Grande do Sul, a fumicultura. Mostrou três tipos básicos de
agricultura (camponesa, empresarial e capitalista) e caracterizou a fumicultura como
sendo uma agricultura de estilo empresarial, dentro de propriedades de agricultura
familiar que mantêm características de agricultura camponesa. Além disso, abordou
o papel de uma cooperativa de agricultores familiares na dinâmica das trajetórias de
desenvolvimento
da
agricultura
na
região
e
descreveu
o
processo
de
recampesinização como sendo uma retomada da autonomia e uma alternativa de
desenvolvimento rural para a região. Finalizando, apontou, nesse contexto, as
possibilidades das futuras trajetórias de desenvolvimento dos agricultores sócios da
Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana.
O décimo artigo exibido no seminário, “Estudo de caso: COOMAFITT –
Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três
Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada pelos atores?”, foi
apresentado por Volnei Wruch Leitzke. Este trabalho colocou foco na descrição da
organização dos agricultores em grupos de produção dentro da cooperativa e sua
dinâmica neste espaço. Dialogou os elementos do referencial teórico com as ações
empíricas dos atores e concluiu que esse aporte teórico responde, em boa parte, os
processos vividos pelos agricultores.
O quarto bloco do seminário, formado por quatro artigos, foi recortado pelo
espaço territorial da região sul do Rio Grande do Sul.
O décimo primeiro trabalho apresentado no seminário, “Cooperativa agrícola
mista Aceguá Ltda.: trajetória segundo a ótica dos associados”, foi apresentado por
Roberta Beiersdorf Medina. O artigo trouxe uma análise da Cooperativa CAMAL e
12
relatou a influência da cooperativa na vida das famílias do interior do município de
Aceguá/RS, diagnosticando as modificações sofridas pela instituição sob a ótica dos
associados, desde a década de 1960 até os dias atuais. Foram aplicadas entrevistas
semiestruturadas com associados da cooperativa, elencados pelo seu histórico de
participação. Foi realizada uma análise a partir da consulta aos agricultores sobre as
contribuições sociais da instituição para a comunidade local e região, os fatores que
interferiram nas mudanças da cooperativa, a visão dos produtores acerca do sistema
cooperativo e uma discussão sobre o futuro do cooperativismo. Na atualidade, os
cereais ocupam o primeiro lugar nas receitas da cooperativa, deixando o leite em
segundo lugar, o que caracteriza uma mudança significativa. A CAMAL representou
a viabilidade econômica para as famílias associadas, abriu um caminho para o
crescimento econômico e contribuiu muito para o desenvolvimento social das
famílias e de toda região. Proporcionou, também, o acesso a tecnologias e apoio
técnico contribuindo para o aumento da produção leiteira em toda região. A
cooperativa representa uma instituição de relevância para a economia local e
regional.
O décimo segundo artigo, “Mudança no quadro social da cooperativa de lãs
MAUÁ do estancieiro ao pecuarista familiar”, foi apresentado por Sonia Desimon. A
cooperativa de lãs MAUÁ Ltda. teve seu início na década de 50, congregando, no
momento da fundação, médios e grandes produtores de lã no intuito de
comercialização com o exterior. Devido à oscilação do mercado de lã, iniciada com a
introdução dos produtos sintéticos nos anos sessenta, o preço pago ao produtor caiu
vertiginosamente e isso foi determinante para desestruturação da cooperativa. A
partir dessa situação, houve mudanças no quadro social da cooperativa que hoje
possui pecuaristas familiares compondo mais de setenta por cento dos associados.
A partir da mudança, tornou-se imprescindível a modificação estatutária, agregando
novas atividades à cooperativa. Mesmo com a crise, a cooperativa continua atuando
e promovendo o desenvolvimento regional através do aumento do poder econômico
dos associados e da valorização social.
O décimo terceiro trabalho, “Educação e formação cooperativa: a práxis da
Cooperativa Mista dos Pequenos Agricultores da Região Sul (COOPAR)”, foi
apresentado por Karin Peglow. Esse estudo de caso analisou as ações e
metodologias dos processos de educação e formação cooperativa desenvolvidas na
COOPAR. A práxis da cooperativa nos processos educativos foi mostrada a partir da
13
caracterização de três períodos. O primeiro referiu-se à etapa pré-constituição da
cooperativa, caracterizado por atividades de formação junto a grupos informais e
associações. No segundo período, de 1992 até 2000, ocorreu a estruturação da
cooperativa com diferentes atividades de formação e educação cooperativa. O
terceiro período, de 2000 até 2013, correspondeu ao período de expansão da
cooperativa e de seu quadro de associados com ações amplas de educação
cooperativa.
Finalizando,
o
trabalho
analisou
os
processos
educativos
caracterizados pela ação e reflexão, constituindo a práxis da cooperativa, ao longo
da sua trajetória e evidenciando a importância deste tema para a cultura da
cooperação.
O décimo quarto artigo do seminário, “A educação cooperativista e sua
influência na gestão da cooperativa bageense de artesanato: possibilidades e
limitações”, foi conduzido por Elbia Barreto Marquês e encerrou este bloco. O
objetivo deste artigo foi analisar o papel da educação cooperativista na gestão e no
fortalecimento da instituição com base em um estudo de caso. Os dados foram
coletados por meio de visitas e conversas informais e de um questionário aplicado
aos gestores e associados. Ficou evidenciado nos resultados, tanto na teoria quanto
na prática, que a gestão social é o principal gargalo encontrado pela cooperativa,
mas que a organização econômica também não prescinde da educação
cooperativista e da capacitação específica para os dirigentes, tendo em vista que as
atividades são complementares e correlacionadas.
O quinto bloco, iniciando o segundo dia de seminário, teve como recorte o
tema da juventude rural na região norte do Rio Grande do Sul.
O décimo quinto trabalho, “Juventude rural e inclusão do jovem na gestão de
cooperativas da economia solidária, no nordeste do RS”, foi apresentado por Vilmar
Wruch Leitzke. Este estudo analisou os espaços de inserção dos jovens filhos de
agricultores familiares na gestão das cooperativas agropecuárias da economia
solidária, onde os pais são cooperados. Foi utilizado um questionário referente à
gestão, à profissionalização da gestão e ao enquadramento ao PRONAF, e outro
direcionado a jovens filhos de cooperados para identificar as diferentes percepções
sobre os espaços para estes nas cooperativas. Constatou-se que 92,31% dos
entrevistados entende que a cooperativa pode ser útil para a concretização do seu
projeto de vida. Entre as ações apontadas pelos jovens está a necessidade de
14
incentivos à permanência no campo, a realização de cursos, palestras e
capacitações em cooperativismo, dias de campo e atividades de lazer.
O décimo sexto trabalho, “A importância das redes cooperativas de
agroindústrias familiares para a permanência dos jovens no meio rural”, foi
apresentado por Ezio José Gomes. Este estudo verificou a importância das redes
cooperativas de agroindústrias familiares para a permanência dos jovens no meio
rural. O estudo foi realizado junto a jovens de duas redes: a Unidade Central das
Agroindústrias Familiares do Oeste de Santa Catarina (UCAF) e a Cooperativa das
Agroindústrias Familiares de Constantina e Região (COOPERAC). Concluiu-se que
a organização em rede cooperativa fortalece as unidades agroindustriais através de
serviços que melhoram a qualidade da produção, possibilitando a viabilidade
econômica e mantendo seus integrantes na condição de agricultores familiares. As
redes cooperativas são fundamentais para a permanência dos jovens no meio rural.
O décimo sétimo trabalho, “Cooperativismo e juventude: as perspectivas de
participação dos jovens das famílias associadas à Cooperativa Extremo Norte”, foi
apresentado por Adriana Fátima Memlak. Este artigo relatou as perspectivas dos
filhos de associados da cooperativa, identificando a pretensão, ou não, de
permanência na agricultura, seguindo os passos dos seus pais. Através de
entrevistas e observações de campo, verificou-se que a maioria dos jovens (60%)
pretende permanecer na atividade agrícola, desde que consigam ter uma renda
própria.
O sexto bloco do seminário foi composto de três artigos que abordaram as
temáticas da sucessão familiar das propriedades rurais, a questão da participação
feminina e a economia solidária.
O décimo oitavo trabalho, “Sucessão nas propriedades rurais familiares
integrantes de uma cooperativa agropecuária”, foi apresentado por Olívio Pedro
Faccin. Atualmente os problemas enfrentados nas propriedades rurais são muitos,
especialmente no que se refere à sucessão familiar, pois o agricultor não está mais
influenciando seus filhos a dar continuidade à atividade rural. Este estudo surgiu a
partir da observação de que alguns agricultores conseguem manter mais facilmente
seus filhos na propriedade, enquanto outros não. A problemática do trabalho
encontra-se na forma como ocorre essa sucessão nas propriedades rurais familiares
integrantes de uma cooperativa agropecuária. A pesquisa qualitativa foi aplicada
15
através de um questionário estruturado para os filhos dos cooperados da
Cooperativa Agrícola Soledade Ltda. (COAGRISOL), da cidade de Mormaço RS.
O décimo nono artigo, “A inserção das mulheres no cooperativismo: estudo de
caso COOMAFITT”, foi apresentado por Adriana Ribeiro Leal. Este estudo refletiu a
respeito da inserção das mulheres nas atividades das cooperativas de agricultores
familiares, através de um estudo sobre a COOMAFITT. Dados coletados
demonstraram que a participação das mulheres na cooperativa vem ocorrendo de
maneira muito desigual com relação à participação dos homens. O estudo refletiu
sobre questões como: quais são os possíveis motivos que estariam levando as
mulheres a não se sentirem atraídas a participar das atividades da COOMAFITT?
Porque a cooperativa em questão tem um baixo número de sócias no quadro de
associados?
As mulheres
estão
se
reconhecendo
como
membros
desta
organização? O que a cooperativa necessita fazer para atrair a participação das
mulheres?
O vigésimo artigo, “Cooperação, economia solidária e sociabilidades: estudo
de caso na 20ª feira estadual do cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)”, foi
apresentado por Daniele Marzari Possatti. Este artigo teceu reflexões teóricas e
empíricas sobre cooperativismo e economia solidária através da abordagem
qualitativa sobre feiras, cooperativismo e economia solidária. Este estudo teve sua
fase empírica durante os dias da FEICOOP em julho de 2013. Para investigar os
significados que a feira evoca nos atores sociais enquanto ocupação de espaço
coletivo, lançou-se mão da observação participante, de anotações de campo, de
entrevistas dialogadas e da análise de discurso. Os objetivos da pesquisa foram
historicizar o cooperativismo e a economia solidária, além de contextualizar e
descrever a FEICOOP, seus aspectos importantes e os significados da feira. Como
considerações, entendeu-se que a FEICOOP se constituiu enquanto espaço plural
de ação coletiva e política, onde os atores acionam sociabilidades como cooperação
e solidariedade, elementos fundamentais para a criação e atualização de laços
sociais para uma vida cooperativa.
No sétimo bloco do seminário foram trazidos artigos que trataram do estudo
dos mercados das cooperativas.
O vigésimo primeiro artigo, “A Cooperativa de produção camponesa e o
mercado institucional: uma ferramenta para o desenvolvimento econômico-social
dos agricultores familiares”, foi apresentado por Dinanci Otávio Dalto Maio. O
16
trabalho abordou o processo de inserção dos agricultores familiares reunidos em
torno da Cooperativa de Produção Camponesa (CPC) nos mercados institucionais.
A cooperativa, através da aproximação da produção e do consumo, com o
fornecimento de alimentos aos mercados institucionais, fez com que grupos de
pequenos agricultores pudessem ser incluídos no processo produtivo. A valorização
da diversidade agrícola dos alimentos produzidos pelos agricultores influenciou na
retomada e manutenção das práticas de autoconsumo da alimentação e na
ampliação da autonomia dos agricultores. O fortalecimento dos valores do
cooperativismo
perante
os
associados
atuou
como
elemento
aglutinador,
proporcionando segurança aos agricultores para a manutenção do seu modo de vida
e para o desenvolvimento rural.
O vigésimo segundo trabalho, “Certificação de produtos orgânicos por sistema
participativo de garantia (SPG), envolvendo pequenas cooperativas do ramo
agropecuário, na região dos Coredes do Médio Alto Uruguai e Rio da Várzea/RS”, foi
apresentado por Carlos Roberto Olczevski. Este artigo tratou das possibilidades
existentes na participação de seis cooperativas do ramo agropecuário para a criação
de uma organização coletiva de certificação de produtos orgânicos. Para identificar o
interesse das cooperativas em participar desta organização foram aplicados
questionários aos dirigentes das cooperativas. Identificou-se o interesse em
participar desse modelo de certificação de produtos orgânicos, as dificuldades
enfrentadas pelas cooperativas para desenvolver a produção orgânica e as ações
que poderiam ser realizadas para agilizar a certificação de produtos orgânicos na
região.
O vigésimo terceiro artigo, “Análise da entrega de produtos da horticultura
produzidos pela Cooperativa Santiaguense da Agricultura Familiar para atender ao
PNAE no ano de 2012”, foi apresentado por Dairton Ramos Lewandowski. Essa
cooperativa, em 2012, entregou 21 produtos hortícolas para o Programa Nacional de
Alimentação Escolar que foram produzidos por 26 cooperados. Na análise
quantitativa, observou-se que 13 produtos corresponderam a mais de 50% do
volume produzido por um sócio, sendo eles batata-doce, beterraba, cenoura, feijão,
laranja, mandioca e moranga. A maioria dos entrevistados citou como positiva a
participação no processo, ou seja, a garantia de entrega do plano de venda e
recebimento dos valores acima do mercado. Nos aspectos a melhorar foram
17
relacionados o maior comprometimento dos associados, o controle de entrega e
pagamento, a ampliação dos mercados e o planejamento de produção.
O vigésimo quarto trabalho, “Cooperativa agropecuária de Arroio do Padre
(COOPAP):
estratégias
para
a
comercialização
de
hortifrutigranjeiros”,
foi
apresentado por Edson Reis do Nascimento. Este artigo relatou processos da
organização da COOPAP, abordando a experiência de agricultores familiares, sua
missão e visão, características das linhas de trabalho, bem como estratégias e
ações atualmente adotadas, centrando em um foco principal que foi o atendimento
do mercado institucional local e microrregional. Conclui-se que a cooperativa realiza
ações que promovem a segurança alimentar e nutricional na comercialização de
produtos da agricultura familiar às escolas municipais e estaduais. A diversificação
dos alimentos e a melhoria da qualidade estão promovendo mudança de hábitos que
se expressam na satisfação das crianças e de toda a comunidade escolar. A
diversificação da matriz produtiva é um aspecto positivo, considerando-se o
potencial de produção de olerícolas, frutas e leite como atividades alternativas à
cultura do fumo.
O oitavo bloco foi marcado por uma multiplicidade de temas ligados às
cooperativas de pescadores artesanais e da agricultura familiar.
O vigésimo quinto artigo intitulado, “Tudo junto e separado: observação
referente à interação dos integrantes de uma cooperativa”, foi apresentado por Érico
Soares. Este artigo tratou da análise dos instrumentos de comunicação de uma
cooperativa de pescadores de Pelotas. A pesquisa foi realizada mediante um
questionário aplicado aos cooperados e ao presidente, e de entrevistas com
algumas instituições que acompanharam o processo de constituição da cooperativa.
Os resultados indicaram que a cooperativa possui um canal de comunicação interna
ineficiente em virtude dos pensamentos antagônicos entre o presidente e os demais
sócios da cooperativa. O estudo revelou um desacordo de posicionamentos e de
percepções entre as partes. Outro ponto que colabora para esse problema foi o fato
de a cooperativa ter sido criada sem um trabalho de formação em cooperativismo e
autogestão voltados para os futuros cooperados que desconheciam o funcionamento
do trabalho realizado de forma coletiva.
O vigésimo sexto trabalho, “Competitividade e desafios da central de
cooperativas da serra gaúcha na consolidação de uma unidade produtora de suco e
concentrado de uvas”, foi apresentado por Thompsson Benhur Didone. A venda dos
18
excedentes de produção, seja de uvas ou vinhos, de agricultores familiares foi o
motivo que levou à criação de vinícolas na região. O mercado de suco e
concentrado de uvas vem redirecionando o destino das uvas comuns e híbridas que
antes tinham como fim a produção de vinhos a granel, com baixo valor agregado. No
entanto, são poucas as empresas que possuem a tecnologia de concentrar a uva ou
elaborar o suco de uva. Este trabalho faz uma análise da agricultura familiar da
região e sua relação com o cooperativismo, apresentando os motivos do surgimento
da central das cooperativas vinícolas da serra gaúcha, seus objetivos e desafios, e
concentra a análise no estudo da viabilidade da instalação de uma planta industrial
para a elaboração de suco e concentrado de uvas.
O vigésimo sétimo artigo chamado “As cooperativas de pescadores
profissionais artesanais no litoral norte do Rio Grande do Sul” foi apresentado por
Gustavo Chaves Alves. Neste trabalho foi buscado o entendimento sobre o
funcionamento das cooperativas de pescadores profissionais artesanais. Para tanto
foi tomado por base o referencial teórico existente sobre as comunidades de
pescadores artesanais e analisadas suas características próprias, a partir da
realização de entrevistas com pescadores e técnicos que trabalham na extensão
pesqueira. Conclui-se que os investimentos em infraestruturas, na aquisição de
barcos e na construção de frigoríficos de pescado, para atingir mercados maiores, e
a constituição de cooperativas, baseadas no modelo produtivista das cooperativas
implantadas na agricultura familiar, não foram eficientes com pescadores
profissionais artesanais.
O vigésimo oitavo artigo, “As redes interorganizacionais como instrumento de
desenvolvimento regional: o estudo de caso da região central do estado do Rio
Grande do Sul”, foi apresentado por Aliel Freitas Correia. As cooperativas da
agricultura familiar na região central do Rio Grande do Sul têm características muito
peculiares. O estudo de caso objetivou definir o perfil dos empreendimentos
cooperativos envolvidos em fóruns regionais do cooperativismo que fomentam a
formação de redes interorganizacionais. Através de diagnóstico regional sobre a
produção, capacidade e potencial das organizações dos agricultores em ocupar
espaço nos mercados institucionais e convencionais e com uso de um instrumento
de planejamento, buscou-se identificar as vantagens logísticas de cada cenário de
intercooperação. Conclui-se que a articulação com compras institucionais está
19
formada e o potencial de expansão do mercado é significativo, o que já suscitou a
necessidade de um plano de desenvolvimento rural integrado regionalmente.
O bloco nove, que encerrou o seminário, abordou um conjunto de temas
disciplinares da economia e da administração de cooperativas.
O vigésimo nono artigo intitulado “O marketing como estratégia de
crescimento na Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana” foi apresentado por
Maria Inês Borges da Fonseca. Essa cooperativa está no segundo ano de produção
com novos impactos oriundos das demandas operacionais. O estudo teve por
objetivo repensar as possibilidades do uso do marketing centrado no ser humano
para ampliar as possibilidades de comercialização da cooperativa. Os associados
têm encontrado dificuldades que podem ser minimizadas com uso do mix de
marketing. Conclui-se que as vantagens oriundas do trabalho cooperativo podem ser
mais bem exploradas em conjunto com a responsabilidade social, fortalecendo e
diferenciando a marca. Isso pode ser comunicado aos diferentes públicos,
ressaltando o resultado do trabalho efetuado em conjunto.
O trigésimo trabalho, “O desenvolvimento socioeconômico através da energia
elétrica: o caso da COPREL”, foi apresentado por Alice Cristina Schwade. O estudo
demonstrou que o município de Selbach/RS, objeto do estudo, desenvolveu-se a
partir da instalação da COPREL, cooperativa de energia elétrica. Os resultados da
pesquisa demonstram que houve melhorias na vida dos associados e nas condições
de práticas econômicas através da utilização de equipamentos no campo e no lar.
Bem como a inserção de lazer e bem-estar às famílias rurais, igualando-se às
cidades. Conclui-se que houve desenvolvimento socioeconômico nas comunidades
onde a cooperativa de eletrificação rural COPREL está localizada.
O trigésimo primeiro artigo intitulado “A cooperativa mista de pequenos
agricultores da região sul (COOPAR) e o fortalecimento da rede produtiva do feijão:
diálogo entre saberes”, de autoria de Márcia Cristina de Lima Cabral, apresentou um
estudo de caso que analisou o método de trabalho utilizado na execução do
Programa Municipal de Desenvolvimento da cadeia produtiva do feijão do município
de São Lourenço do Sul/RS. Esse foi construído através de um processo de parceria
entre a Cooperativa Mista dos Pequenos Agricultores da Região Sul (COOPAR), a
EMATER/RS-ASCAR, a EMBRAPA Clima Temperado e agricultores cooperados,
que juntos identificaram as melhores variedades de feijão para o município, tendo
em vista adaptação ambiental, segurança alimentar e padrão qualitativo.
20
A íntegra de todos os trabalhos apresentados configura este e-book que é
apresentado como um texto analítico e inovador sobre o cooperativismo na
agricultura familiar. Esperamos que este produto sistematizado possa gerar insights
e propiciar a emergência de novidades dentro dos espaços de debates e estudos
sobre essa temática.
Décio Souza Cotrim
Gerente de Recursos Humanos
Emater/RS-Ascar
21
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
EICKHOFF, Fábio André1
COTRIM, Décio Souza2
RESUMO
O presente trabalho de conclusão do curso de Pós-graduação em Gestão de
Cooperativas tem por objetivo apresentar a organização de base nas cooperativas
como catalisadoras da participação. Trata-se de um estudo de caso da
Cooperyucumã localizada no Noroeste do Rio Grande do Sul, no município de
Derrubadas. Trata-se de uma revisão bibliográfica, pesquisas documentais e
entrevistas com os associados, sobre os temas organização, participação e
cooperativismo. Através dele demonstramos como a organização da cooperativa em
núcleos de cooperados contribui para a participação e para o fortalecimento da
organização, melhorando a qualidade de vida dos associados e suas comunidades.
Palavra-chave: Organização. Participação. Cooperativismo.
ABSTRACT
The present paper for the postgraduate course in cooperative management aims at
presenting the grassroots organization in the cooperatives as the catalyst. This is a
case study of Cooperyucumã in the state of Rio Grande do Sul, in the municipality of
Derrubadas. This is a literature review, documentary research and interviews with
members about organization, participation and cooperative. Through it we
demonstrate how the organization of the cooperative in groups of members
contributes to the participation and to strengthening the organization, improving the
quality of life of members and their communities.
Keywords: Organization. Participation. Cooperation.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão do Curso de Pós-graduação em Gestão de
Cooperativas, da Escola Superior do Cooperativismo (ESCOOP), tem como tema “A
organização de base nas cooperativas como catalisadora da participação”. Devido
ao fato dos temas organização, participação e cooperativismo serem amplos,
1
2
Engenheiro Agrônomo, aluno do curso de especialização em Gestão de Cooperativas pela
ESCOOP, Empregado da Ascar-Emater/RS.
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
22
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
delimitaremos nosso estudo no caso da Cooperyucumã, localizada no município de
Derrubadas, Noroeste do estado do Rio Grande do Sul.
No presente texto faremos uma breve leitura da conjuntura socioeconômica
do município de Derrubadas e, a partir daí, analisaremos o processo de organização
da Cooperativa Mista Yucumã (Cooperyucumã), confrontando com o referencial
teórico sobre organização, participação e cooperativismo. Trata-se de uma pesquisa
aplicada, por ter como objetivo obter informações úteis e práticas com interesses
locais, conduzida por uma abordagem metodológica, estudo de caso, que tem por
objetivo retratar a realidade de forma completa e profunda. Essa metodologia é ideal
para este estudo, por utilizar-se de uma variada fonte de informações, por procurar
representar os diferentes pontos de vista presentes em uma situação social, por
utilizar linguagem acessível entre outras formas de linguagem.
O estudo foi dividido em quatro etapas. Na primeira etapa fizemos uma
revisão bibliográfica sobre o tema estudado. Na segunda etapa, uma pesquisa
documental, onde consultamos os registros existentes na cooperativa, na
Emater/RS-Ascar e na Secretaria da Agricultura do município. Na terceira etapa,
fizemos entrevistas com os associados da Cooperyucumã, cuja amostra foi
composta por 20% dos associados, ou seja, 96 agricultores. Na quarta etapa,
fizemos a análise e tabulação das informações e procedemos a redação do texto.
A experiência apresentada ocorre em Derrubadas, município localizado no
Noroeste do Estado do RS, pertencente à Região Celeiro, distando, por via
rodoviária, 498 km da capital do estado. Seu território é de 363,40 km², incluindo a
área do Parque Estadual do Turvo com 174 km². Limita-se ao Norte, com a
República Argentina e o estado de Santa Catarina, ao Sul, com o município de
Tenente Portela, ao Leste, com os municípios de Barra do Guarita e Tenente Portela
e a Oeste, com o município de Três Passos.
A base econômica de Derrubadas é o setor primário, com destaque para as
culturas de soja (7.900 ha), trigo (2.800 ha) e milho (2.400 ha). Nos últimos anos, a
bovinocultura de leite vem crescendo. Segundo o setor de ICMS do município, no
período de 2006 a 2010, a participação do leite aumentou de 10,81% para 39,10%
da produção primária. Nesse setor, a Cooperyucumã ocupa papel de destaque, por
representar 263 famílias ou 71,08% dos produtores de leite do município.
A população residente no município é formada por alemães, italianos,
poloneses e caboclos, totalizando 3.190 habitantes, sendo que 2.205 habitantes
23
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
residem no meio rural. Dados da Cooperyucumã demonstram que 97,58% dos
associados são agricultores familiares, que possuem em média 12,8 hectares; 12
vacas leiteiras e renda bruta mensal de R$ 891,77. Destes 84,3% têm como única
fonte de renda o leite; 71,72 % dos associados possuem renda de até um salário
mínimo; 21,04% de um a dois salários mínimos e 6,90% acima de dois salários
mínimos. Suas famílias são compostas, em média, por quatro pessoas; 71,43%
residem em casa de madeira; 92,86% possuem banheiros; 90,18% possuem
saneamento básico (posso negro); 80,36% possuem água de rede comunitária. Com
relação ao nível de escolaridade, 0,89% são analfabetos; 93,72% cursaram o ensino
fundamental (86,10% com fundamental incompleto); 5,37% cursaram o ensino
médio (4,48% com médio completo) e 0,44% cursaram o ensino superior incompleto.
Em junho de 2007, ocorreu a renovação do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Rural de Derrubadas (CMDR), tarefa coordenada pela Secretaria
da Agricultura em parceria com a Emater-RS/Ascar. Na oportunidade, foram
reunidas todas as comunidades do município, escolhendo os novos conselheiros e
discorrendo sobre os “problemas da agricultura”. Utilizando-se metodologias
expositivas, o extensionista da Emater-RS/Ascar apresentou aos agricultores um
texto de Polan Lacki, com o objetivo de promover um debate e “levá-los” ao
entendimento do seu papel junto ao agronegócio e ao final da reunião, colocaram as
entidades à disposição das famílias para buscarem juntos alternativas para
superação das dificuldades.
Passado menos de um mês, agricultores das comunidades da Barra da
Bonita e Linha Concórdia desafiaram-se e buscaram o apoio na organização de
grupos informais, para venderem coletivamente o leite que produziam. Foi realizada
uma reunião em cada comunidade, para debater e entender melhor a forma como
estava
organizada
a
cadeia
do
leite no
município,
identificando-se
seis
características que apareciam isoladas ou concomitantemente, como segue:
a) Quanto à forma de venda: os agricultores vendiam o leite na forma
individual ou em pequenos grupos informais, conforme Gráfico 01.
b) Quanto ao vínculo com as empresas: os freteiros é que coordenavam a
maioria dos negócios, fixando o preço, definindo rotas, excluindo agricultores etc. A
maioria dos agricultores não sabia o nome da empresa para qual vendiam o leite,
tinham contato apenas com o freteiro, que escolhia a empresa para qual o produto
seria entregue. Agricultores cujas propriedades eram afastadas das rotas ou em
24
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
locais de difícil acesso tinham que levar o leite ao encontro dos freteiros ou não
participavam do mercado. Agricultores com baixa escala de produção também
precisavam levar o leite até os locais por onde passava a rota ou eram excluídos,
conforme Gráfico 01.
Gráfico 1 - Venda do leite antes da Cooperyucumã
EMPRESA B
EMPRESA A
EMPRESA C
FRETEIRO
VENDA
INDIVIDUAL
VENDA
COLETIVA
AGRICULTOR
Fonte: Elaborado pelo autor.
c) Formação do preço do leite: o preço do leite era definido pelo volume
comercializado. No entanto, nenhum agricultor tinha conhecimento da tabela de
preços pagos. Algumas empresas pagavam bonificação de acordo com a qualidade
do leite e os agricultores desconheciam a tabela e o resultado das análises do leite
que vendiam. Os freteiros coletavam amostra que era utilizada somente para fazer a
crioscopia do leite, para detectar a presença de água, e deixavam o produtor imaginar
que era a coleta de qualidade do leite. O preço pago para agricultores que não
exigissem nota fiscal era maior. Os agricultores, na grande maioria, não falavam o
preço que recebiam ao seu vizinho. Era comum o freteiro pagar alguns centavos a
mais, além do valor da nota, neste caso pedia-se sigilo para que outros agricultores
não exigissem o mesmo tratamento. Quando os agricultores falavam o preço
recebido, normalmente distorciam o valor. Era comum o agricultor acreditar que
estava ganhando mais que o vizinho e, na verdade, estar ganhando menos. Isso pode
ser observado no Gráfico 02 que demonstra como era estabelecido o preço do leite.
d) Quanto à emissão de nota fiscal: a grande maioria dos agricultores vendia
com nota de menor valor/litro, alguns com nota de outro município, ou ainda, sem
nota. Os grupos de agricultores existentes vendiam o leite, na maioria das vezes,
com nota em nome de um único componente. Algumas empresas tiravam notas com
25
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
valores/litragem menor (meia nota) do que pagavam aos agricultores e aos grupos.
Esse processo é representado no Gráfico 02.
e) Período de definição dos preços: o preço do leite era informado
transcorrido 10 a 15 dias do mês posterior ao da venda, raramente, ficavam sabendo
o preço com maior antecedência.
f) Escala de produção: a venda dava-se em pequena escala.
Gráfico 2 - Formação do preço do leite antes da Cooperyucumã
PREÇO D
PREÇO C
PREÇO C
SEM NOTA
PREÇO B
PREÇO A
PREÇO B
SEM NOTA
COM NOTA CORRETA
COM NOTA CORRETA
COM MEIA NOTA
VENDA COLETIVA
VENDA INDIVIDUAL
FRETEIRO
AGRICULTOR
Fonte: Elaborado pelo autor.
Essa forma de organização favorecia as indústrias e aos freteiros em
detrimento do agricultor, por não ser suficientemente transparente, por gerar dúvidas
e uma série de desinformações no mercado, tornado o agricultor desorientado e
submisso e dificultando a tomada de decisão e, consequentemente, a obtenção de
um preço justo.
Durante a reunião, a partir do entendimento dessa realidade, os agricultores
passaram a analisar individualmente as características acima, em grupos menores,
que escreviam suas opiniões em tarjetas e apresentavam ao grande grupo, expondo
em painéis para a visualização de todos. Na sequência, as opiniões similares foram
agrupadas, construindo-se a seguinte proposta: a) Vender o leite coletivamente; b)
Negociar o leite diretamente com as empresas e seus representantes legalmente
constituídos, deixando ao freteiro o papel único de recolhimento do leite; c) Realizar
26
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
a negociação do preço do leite em reunião entre os representantes da empresa e
representantes dos agricultores; d) Vender o leite mediante contrato de compra e
venda; e) Definir o preço antes do inicio do mês; f) Vender o leite para empresas que
aceitem pagar preço único, para todos os agricultores do grupo, independentemente
do volume de leite vendido; g) Aceitar o pagamento de preço diferenciado por
qualidade, somente quando houver clareza dos critérios adotados; h) Vender leite
somente com nota fiscal; i) Recolher o leite na propriedade de todos os agricultores
pertencentes ao grupo; j) Vender o leite para empresas que recolham o leite na
propriedade de todos os agricultores pertencentes ao grupo; h) Escolher um
indexador para negociar o preço do leite (CEPEA, Conseleite).
Nos gráficos 03 e 04 apresentamos uma nova sistemática de comercialização
e formação do preço do leite, estabelecida após o início do trabalho de organização
dos agricultores.
Gráfico 3 Venda do leite depois da Cooperyucumã
EMPRESA B
EMPRESA C
EMPRESA A
COOPERATIVA
AGRICULTOR
Fonte: Elaborado pelo autor.
Gráfico 4 - Formação do preço do leite depois da Cooperyucumã
PREÇO ÚNICO
COOPERATIVA
AGRICULTOR
Fonte: Elaborado pelo autor
As decisões acima reforçam o que diz Cotrim (2006) afirma sobre os processos
participativos não serem apenas um novo jeito de fazer a mesma coisa, mas uma
27
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
forma de dar à comunidade a possibilidade de ampliar sua participação na tomada de
decisão e ampliar seu empoderamento. Também, conforme LONG e PLOEG:
Os projetos dos agricultores não são simplesmente reações àqueles que
são, à primeira vista, impostos por atores externos mais poderosos. Eles
são ativamente gerenciados como respostas diferenciadas às estratégias e
circunstâncias geradas por outros, as quais eles modificam, transformam,
adotam e/ou contrapõe. (LONG; PLOEG, 1994, p. 20).
Essa nova forma de comercializar o leite mexeu com alguns interesses,
principalmente dos freteiros e das empresas compradoras de leite, o que exigiu uma
nova forma de organização social dos agricultores de modo que essas mudanças
pudessem ser consolidadas. Neste momento, dá-se a necessidade dos agricultores
organizarem-se
em
grupos
para
implementar
e
consolidar
as
mudanças
necessárias. Na mesma reunião, pactuaram as regras de funcionamento dos
grupos, conforme segue: a) Reunião uma vez ao mês no salão comunitário; b) É
admitida a entrada de novos agricultores, que para iniciar a venda de leite no grupo
deverão participar das reuniões e serem aceitos pela maioria; c) Todos os
agricultores, independentemente de volume, serão aceitos no grupo, desde que
participem das reuniões mensais; d) O agricultor que não participar da reunião
mensal deverá pagar multa de R$ 5,00 ao grupo, a menos que tenham uma
justificativa (doença na família etc.); e) O agricultor que sair do grupo só poderá
retornar se for aceito por todos e transcorridos no mínimo 90 dias; f) Escolha de um
coordenador e um subcoordenador; g) Escolha de uma equipe de negociação em
cada grupo; h) As reuniões mensais teriam como objetivo debater os problemas
enfrentados pelo grupo, debater alternativas e sugestões de melhoria na
organização, informar e certificar-se do preço pago no mês anterior bem como, as
tendências de preço para o próximo mês, apresentar assuntos técnicos e de
interesse dos agricultores e assuntos gerais.
Conforme Sen citado por Ribeiro (2005), a liberdade consiste nas
possibilidades que as pessoas têm de escolher o tipo de vida que elas valorizam.
Estas são, segundo Alvarez (apud RIBEIRO, 2005), a liberdade de participar da
economia, a liberdade de expressão e de participação política, as oportunidades
sociais, incluindo o direito à educação, aos serviços sanitários e aos mecanismos de
proteção social.
28
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
No dia 01 de agosto de 2007, os dois grupos formados iniciaram a venda
coletiva de leite com a participação de 67 famílias. A partir desse período, formou-se
uma grande parceria entre o poder público e os agricultores, que mensalmente
reuniam-se para dar continuidade no trabalho. Pouco a pouco, mais famílias
aderiram ao trabalho dando origem à Cooperyucumã, fundada em 29 de setembro
de 2008, com ação nos municípios de Derrubadas, Tenente Portela e Esperança do
Sul. Nos quadros 01 e 02 demonstramos a evolução do número de núcleos de
cooperados e do número de associados da cooperativa. Esses núcleos se reúnem a
cada bimestre para tratar de assuntos de interesse de todos, tendo como foco
principal a atividade leiteira, a produção de alimentos para a subsistência e para os
mercados institucionais (PAA, Merenda Escolar). Esses encontros respeitam os
mesmos princípios estabelecidos pelos primeiros grupos de leite e servem para
aprimorar a forma de organização, debater soluções para as dificuldades dos
agricultores, definições sobre a venda coletiva do leite, assistência técnica e troca de
experiências.
Quadro 1 - Núcleos da Cooperyucumã
Núcleos da Cooperyucumã
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
2008
2009
2010
2011
Fonte: Elaborado pelo autor.
29
2012
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
Quadro 2 - Número de associados da Cooperyucumã
Número de Associados da
Cooperyucumã
600
480
500
368
400
301
300
228
200
98
100
0
2008
2009
2010
2011
2012
Fonte: Elaborado pelo autor.
No
contexto
apresentado,
percebe-se
que
as
famílias
sócias
da
Cooperyucumã enfrentaram diversos desafios, e a cooperativa tem sido um
importante instrumento para superá-los, através das ações que desenvolve nas
áreas de organização da produção, comercialização, fomento e assistência técnica.
Nesse sentido, nosso objetivo é estudar como a organização de base da
Cooperyucumã contribuiu para ampliar a participação dos cooperados.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Primeiramente,
lançaremos
um
breve
olhar
sobre
as
teorias
do
cooperativismo e a legislação das cooperativas, em especial a teoria cooperativista
de Münster e a Lei nº 5.764, para entender melhor a base organizacional da maioria
das cooperativas que conhecemos.
De acordo com Boettcher (apud MANICA, 201, p. 13):
Os pressupostos mais importantes da teoria de Münster são os seguintes:
a) a cooperação não exclui o interesse pessoal, nem a concorrência, ao
contrário, permite que fracos se desenvolvam dentro da economia
competitiva; b) os associados buscam satisfazer seus interesses pessoais
através de cooperativas quando verificam que a ação solidária é mais
vantajosa do que a ação individual; c) a cooperativa adquire sua própria
importância econômica, independentemente das unidades econômicas dos
associados; d) os dirigentes (conselho de administração e gerentes)
atendem aos seus próprios interesses na medida em que fomentam os
interesses dos membros da cooperativa; [...]; e) entre os cooperados e a
cooperativa deve haver solidariedade ou lealdade consciente, embasada
em normas contratuais ou estatutárias (que legitimam essa lealdade) e não
solidariedade cega.
30
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
A Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, estabelece a Política Nacional de
Cooperativismo, a forma de organização, a admissão, a demissão, a eliminação e a
exclusão dos associados, suas responsabilidades e suas obrigações; os objetivos e
a classificação das cooperativas, a forma da constituição e outras diretrizes. No
artigo 42, parágrafos 2° e 4° regra como deve ser organizado o quadro social de
uma sociedade cooperativa:
Quando o número de associados, nas cooperativas singulares exceder a
3.000 (três mil), pode o estatuto estabelecer que os mesmos sejam
representados nas Assembleias Gerais por delegados que tenham a
qualidade de associados no gozo de seus direitos sociais e não exerçam
cargos eletivos na sociedade. (Redação dada pela Lei nº 6.981, de
30/03/82). No § 4º, admitir-se-á, também, a delegação definida no parágrafo
anterior nas cooperativas singulares cujo número de associados seja inferior
a 3.000 (três mil), desde que haja filiados residindo a mais de 50 km
(cinquenta quilômetros) da sede (Redação dada pela Lei nº 6.981, de
30/03/82). (BRASIL, 1971).
Na sequência de nossa inflexão e trazendo presente o estudo realizado,
podemos ver que a legislação é bastante ampla, tratando de regrar em linhas gerais
como deve ser organizada uma cooperativa de modo a dar algumas diretrizes e
apontar alguns caminhos que devem ser seguidos, o que é justificável pela
diversidade de ramos e aplicações possíveis do cooperativismo. Portanto, a
legislação permite que cada cooperativa seja organizada de acordo com suas
necessidades desde que cumpra requisitos mínimos como Assembleia Geral,
Conselho de Administração e Conselho Fiscal.
Como vimos no início do texto, a Cooperyucumã surgiu da necessidade dos
agricultores familiares que comercializavam leite em pequenos grupos informais e
teve na lei nº 5.764 a base de sua organização, uma vez que toda e qualquer
cooperativa deve respeitá-la. No entanto, manteve sua forma de organização dos
grupos comunitários, apresentando uma alternativa de organização para as
cooperativas, ou seja, a organização do quadro social em núcleos de cooperados.
No estatuto da Cooperyucumã, especialmente no artigo que trata do quadro
social, está escrito:
Todo associado da cooperativa deverá fazer parte e participar de um dos
núcleos de cooperados; O cooperado que faltar à reunião do núcleo, sem
justificar aos demais cooperados, deverá pagar multa, cujo valor será fixado
anualmente pelo conselho de administração; A partir da terceira falta do
cooperado na reunião de núcleo, sequenciais ou alternadas, dobrar-se-á o
valor da multa a cada falta, até a última reunião do ano civil, quando inicia31
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
se nova contagem; Os núcleos terão reuniões bimestrais convocadas pelo
presidente; Cada núcleo de cooperado elegerá de dois a seis
representantes para comporem o Conselho Consultivo da cooperativa e
terão, entre outras, as seguintes funções: a) servir de elo de ligação entre a
administração e o quadro social; b) auxiliar o Conselho de Administração e
o Conselho Fiscal na tomada de decisões, quando solicitados; c) explicar
aos cooperados o funcionamento da cooperativa, seus deveres e direitos; d)
auxiliar o Conselho de Administração na execução de trabalhos junto às
comunidades, quando solicitados. (COOPERYUCUMÃ, 2013).
Ao se analisar o estatuto da Cooperyucumã, percebe-se que há uma
preocupação no sentido de gerar oportunidades e estimular a participação do
associado. Segundo Verdejo (apud COTRIM, 2006), os níveis de participação
podem ser classificados, conforme apresentamos a seguir: a) Passividade: neste
estágio, os líderes fixam os objetivos e tomam as decisões, sem consultar os
membros do grupo; b) Fonte de informação: neste estágio, os líderes permitem aos
grupos ouvir e ter voz, mas não há garantias que seus pontos de vista serão
considerados. O fluxo de informação é único, e o grupo meta serve como fonte de
informação; c) Consulta: neste estágio, são criadas oportunidades para que os
grupos exponham suas opiniões, através de seus representantes, mas não há
garantias de que seus pontos de vistas serão considerados e nem é dado poder de
decisão; d) Participação à base de incentivos materiais: neste estágio, os grupos
são estimulados a participar em troca de algum benefício, mas a possibilidade de
intervir é muito limitada; e) Participação funcional: neste estágio, o grupo procura
atingir os objetivos fixados anteriormente pelo projeto. Na fase de execução participa
da tomada de decisões e se torna independente no transcurso do projeto; e)
Participação interativa: neste estágio, o grupo tem maior autonomia, participando
das fases de análise e definição do projeto, ou seja, do planejamento e execução do
projeto; f) Autoajuda: neste estágio, o grupo é totalmente autônomo, toma a
iniciativa e age por conta própria.
3 DESENVOLVIMENTO
Com o objetivo de estudar como os associados da cooperativa percebem as
oportunidades de participação, perguntamos ao associado: Você tem oportunidade
de participar nas tomadas de decisões da Cooperyucumã? As respostas estão
representadas no quadro 3, que mostra que 86,32 % dos entrevistados responderam
32
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
que sim, demonstrando que o associado da Cooperyucumã percebe as
oportunidades de participar nas tomadas de decisões da cooperativa.
As decisões nas sociedades cooperativas são tomadas em diversos espaços,
para entender melhor em qual destes espaços o associado participa perguntamos:
Como você participa das decisões da cooperativa? O quadro 4 demonstra que 72,57
% responderam que participam das decisões através das reuniões de núcleo, 17,70
% responderam que participam das tomadas de decisões nas assembleias, 7,08 %
responderam que participam das decisões através de contato com a diretoria e 2,65
% responderam outro meio. As respostas demonstram a importância dos núcleos de
cooperados para democratizar as decisões da cooperativa, uma vez que a grande
maioria dos associados os identifica como um importante espaço para participar e
auxiliar a diretoria nas tomadas de decisões.
Quadro 3 - Participação nas decisões
Participa das Decisões?
100,00
86,32
80,00
60,00
40,00
13,68
20,00
0,00
Sim
Não
Fonte: Elaborado pelo autor.
Quadro 4 - Como participa das decisões
Como participa das Decisões?
Assembléias
Reuniões de núcleos
Contato com Diretoria
Outro
72,57
80,00
60,00
40,00
20,00
17,70
7,08
2,65
0,00
Fonte: Elaborado pelo autor.
33
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
Para identificar se o agricultor acompanha os trabalhos, está informado sobre
o dia-a-dia da cooperativa e sobre seu futuro, perguntamos: Você conhece os
trabalhos realizados e os novos projetos a serem desenvolvidos para o associado da
cooperativa? As respostas estão apresentadas no quadro 5, que mostra que 50,53
% dos entrevistados responderam que sim, 45,26 % responderam que conhecem
alguns trabalhos e 4,21% responderam que não conhecem. Esses números são
altamente positivos, pois apenas 4,21% não conhecem os trabalhos e projetos para
o futuro, demonstrando que a maioria dos associados está acompanhando o dia-adia e sabem sobre os projetos futuros da cooperativa, mesmo que superficialmente.
Para entender qual é a fonte de informação que o associado busca para manterse informado a respeito de sua cooperativa, perguntamos: Como você fica sabendo dos
trabalhos e dos novos projetos? No quadro 6, pode-se observar que 67,23 %
responderam que ficam sabendo através das reuniões de núcleos, 16,81 % através das
assembleias, 10,08 % através do contato com a diretoria e 5,88 % com outros
associados. Analisando as respostas acima, percebe-se a importância dos núcleos de
cooperados como canal de comunicação entre a cooperativa e seus associados, tendo
sido apontado pela maioria dos entrevistados em detrimento dos demais canais. Isso
nos remete a seguinte pergunta: Como seria o nível de conhecimento dos associados
caso não houvesse os núcleos de cooperados? Nas cooperativas organizadas
tradicionalmente esses números seriam piores ou melhores uma vez que, ocorre
apenas uma assembleia por ano e o acesso à diretoria nem sempre é possível?
Quadro 5 - Conhece os trabalhos da cooperativa
Conhece os Trabalhos da
Cooperativa?
60,00
50,00
40,00
30,00
20,00
10,00
0,00
50,53
45,26
4,21
Sim
Não
Alguns
Fonte: Elaborado pelo autor.
34
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
Quadro 6 - Como fica sabendo sobre os trabalhos
Como fica sabendo sobre os
trabalhos?
Outro associado
Contato com diretoria
Reuniões de núcleo
Assembléia
80,00
67,23
60,00
40,00
20,00
5,88
16,81
10,08
0,00
Fonte: Elaborado pelo autor.
A maioria das cooperativas da região em que está inserida a Cooperyucumã não
está organizada em núcleos de cooperados, e para saber qual é a opinião do associado
sobre os núcleos e sua contribuição para a cooperativa, perguntamos: Na sua opinião,
a forma de organização da cooperativa em núcleos de cooperados contribui para o
desenvolvimento da cooperativa e por quê? O quadro 7 mostra que 96,84%
responderam que sim, pelos seguintes motivos: “pela transparência”; “porque todos tem
voz para colocar ideias para melhorar o seu desenvolvimento”; “porque cada produtor
pode expressar suas ideias”; “porque as decisões são tomadas por todos os
cooperados e isso se torna fundamental para as melhores decisões”; “pois através das
reuniões são discutidos os problemas e soluções para o que os associados estejam
necessitando”.
Pergunta semelhante foi feita para identificar a opinião do associado sobre a
contribuição do núcleo para o associado, por isso perguntamos: Na sua opinião, a
organização da cooperativa em núcleos de cooperados contribui para o
desenvolvimento de seus associados e por quê? No quadro 8, pode-se observar que
95,79 % responderam que sim. “pois assim a cooperativa está a par do que é melhor
para o associado”; “porque tiram as nossas dúvidas e resolvem nossos problemas
da comunidade em geral”; “porque o associado é o maior beneficiado dentro da
cooperativa”; “porque todos saímos ganhando com a boa organização”.
35
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
Quadro 7 - Contribuição dos núcleos para a cooperativa
Núcleos contribuem para
desenvolvimento da cooperativa?
120,00
100,00
96,84
80,00
60,00
40,00
20,00
3,16
0,00
Sim
Não
Fonte: Elaborado pelo autor.
Quadro 8 - Contribuição dos núcleos para os associados
Nucleos contribuem para
desenvolvimento dos associados?
120,00
100,00
95,79
80,00
60,00
40,00
20,00
4,21
0,00
Sim
Não
Fonte: Elaborado pelo autor.
Fica cada vez mais clara a importância dos núcleos de cooperados para a
cooperativa e seus cooperados, mas será que isso reflete em participação nas
reuniões? Por isso, perguntamos: Você participa das reuniões de núcleo? O quadro
9 demonstra que 96,84% participam sempre que podem e 3,16% algumas vezes,
não havendo respostas raramente e não.
36
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
Quadro 9 - Participa das reuniões
Participa nas reuniões de núcleo?
Sempre que posso
Algumas Vezes
Raramente
Não
120,00
100,00
96,84
80,00
60,00
40,00
20,00
3,16
0,00
0,00
0,00
Fonte: Elaborado pelo autor.
Quadro 10 - Concorda com nucleação
Concorda com nucleação?
120,00
100,00
96,84
80,00
60,00
40,00
20,00
3,16
0,00
Sim
Não
Fonte: Elaborado pelo autor.
As pessoas são movidas por interesses e motivações. No início deste artigo,
apresentamos a origem dos núcleos de cooperados da Cooperyucumã, bem como
os motivos que levaram os agricultores a se organizarem dessa forma. Com o
passar do tempo e a evolução do trabalho, muitos agricultores entraram na
cooperativa, em um momento diferente e, possivelmente, com motivações diferentes
dos pioneiros. Para entender qual é a motivação que leva o associado da
Cooperyucumã a participar das reuniões de núcleo perguntamos: Por que você
participa das reuniões dos núcleos de cooperados? As respostas estão
apresentadas no quadro 11, que demonstra que, 18,14% respondeu que participa
das reuniões para buscar novos conhecimentos, 17,44% para saber mais sobre a
cooperativa, 14,88% para saber o preço do leite, 11,86% para aprender assuntos
37
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
técnicos, 12,56% para resolução de problemas, 10,47% para troca de informações
com associados, 6,28% para não pagar multa, 2,56% porque é obrigatório e 0,70%
por outro motivo.
Quadro 11 - Motivo da participação
Porque é obrigatório
Porque participa das reuiniões?
Para não pagar a multa
20,00
17,44
18,00
16,00
Saber o preço do leite e tendências de
mercado
18,14
Saber mais sobre a cooperativa
(informes da cooperativa)
14,88
14,00
11,86
12,00
Para troca de informações com outros
associados
12,56
Buscar novos conhecimentos
10,47
10,00
Aprender assuntos técnicos
8,00
6,28
4,00
Para conviver com outros associados
5,12
6,00
2,56
Para resolução de problemas
2,00
0,00
0,70
0,00
Nenhuma das anteriores
Outro motivo
Fonte: Elaborado pelo autor.
Pela análise das respostas acima, percebe-se que a maior motivação dos
associados em participar das reuniões de núcleo é a busca por informações. Isso
fica muito claro se somarmos as quatro respostas mais indicadas, que juntas somam
62,32% das opiniões. Ficou claro também que os associados da Cooperyucumã não
são motivados por questões financeiras e muito menos pela obrigatoriedade imposta
pelo estatuto, uma vez que a resposta “para não pagar multa” foi apontada por
6,28% dos associados e a resposta “porque é obrigatório” foi apontada por 2,56%
dos entrevistados.
Apesar da alta participação dos associados nas reuniões de núcleo, isso não
significa que o associado concorda com a nucleação, por isso perguntamos: Você
concorda com a organização da cooperativa em núcleos de cooperados? Por quê?
No quadro 10, observa-se que 98,28% dos associados responderam que concordam
com a nucleação, pelos seguintes motivos: “porque está bem organizada”; “porque a
união faz a força”; “porque tratamos dos assuntos do nosso lugar”; “porque para
38
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
melhor crescimento e desenvolvimento são necessárias mais ideias e projetos”;
“porque tudo é esclarecido nas reuniões”; “porque confiamos no cooperado”.
Para tentar identificar algum tipo de descontentamento do associado e ainda
para aprimorar a forma de organização da cooperativa, perguntamos: Na sua
opinião, o que deveria ser mudado na organização da cooperativa? A totalidade das
opiniões dadas reafirma a importância da organização social da cooperativa,
havendo algumas sugestões no sentido de melhorar trabalhos na área operacional
da organização.
Objetivando identificar a satisfação do associado com os trabalhos realizados,
bem como com a organização da cooperativa perguntamos: Você está satisfeito com
a sua cooperativa? No quadro 11, observa-se que 15,79% estão plenamente
satisfeitos, 66,32% estão satisfeitos, 16,84% estão relativamente satisfeitos e
apenas 1,05% estão insatisfeitos. Percebe-se um altíssimo nível de aprovação do
trabalho realizado pela Cooperyucumã, possivelmente as respostas tenham relação
com a organização social da cooperativa.
Quadro 12 - Satisfação com a cooperativa
Está satisfeito com a cooperativa?
Insatisfeito
Relativamente satisfeito
Satisfeito
Plenamente satisfeito
66,32
70,00
60,00
50,00
40,00
30,00
16,84
20,00
10,00
15,79
1,05
0,00
Fonte: Elaborado pelo autor.
4 CONCLUSÃO
Ao analisarmos a experiência da Cooperyucumã de Derrubadas - RS, percebese que houve um aumento significativo do número de cooperados da Cooperyucumã
passando de 96, em dezembro de 2008, para 480, em dezembro de 2012, um
aumento de 500% (quinhentos por cento) e, ao mesmo tempo o número de núcleos
39
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
de cooperados aumentou 400% (quatrocentos por cento), passando de quatro para 16
núcleos.
Esse rápido crescimento pode ter acontecido por diversos motivos, dentre os
quais destacamos: a) as características socioeconômicas dos sócios da cooperativa,
sendo 97,58% dos associados agricultores familiares, 71,72 % dos associados com
renda de até um salário mínimo e 84,3% têm como única fonte de renda o leite; b)
As mudanças no cenário onde imperava o poder das empresas sobre os
agricultores, à medida que iam conquistando avanços no preço do leite, no
empoderamento frente aos demais elos da cadeia, no atendimento de suas
demandas mais imediatas; e) A forma de organização da cooperativa em pequenos
núcleos de cooperados, permitindo a participação dos associados e a transparência
nos trabalhos da cooperativa.
A lei nº 5764, também conhecida como lei geral das cooperativas, estabelece
no seu artigo 4º que as cooperativas “são sociedades de pessoas” e para que
possam cumprir com seus objetivos devem estar sintonizadas com as necessidades
dos seus associados. Percebe-se que a lei foi criada para garantir a participação das
classes menos favorecidas e, como vimos, alcança seus objetivos, pois todas as
cooperativas são participativas em maior ou menor grau conforme a escala de
participação de verdejo.
Nesse sentido, as cooperativas da região estão organizadas conforme exige a
legislação, uma vez que possuem assembleia geral, conselho de administração e
conselho fiscal. No entanto, a questão central é: Qual o nível de participação das
cooperativas que nos rodeiam? A participação das cooperativas que conhecemos
está entre os níveis da passividade e da consulta, onde os associados participam
mais como ouvintes do que como fontes de consulta, com “poder decisório”? Ou
encontram-se em um nível intermediário de participação, que ocorre à base de
incentivos materiais e da participação funcional, na qual os associados são
estimulados a participar das assembleias, através de sorteios de brindes, churrascos
etc.? Ou em um nível elevado de participação, entre os níveis da participação
interativa e da autoajuda, nos quais os associados participam das etapas de análise
e planejamento de ações e projetos, tomando iniciativa, vivenciando e participando
ativamente de sua cooperativa?
A forma como está organizado o quadro social da Cooperyucumã representa
um avanço em relação ao exigido pela legislação. As reuniões que ocorrem nos
40
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
núcleos de cooperados, a cada bimestre, certamente contribuem para um nível
elevado de participação dos associados da cooperativa, uma vez que permite um
aumento nas oportunidades de participação do associado em 700%, ou seja, seis
reuniões anuais do núcleo mais a assembleia, possibilitando que a participação
situe-se entre a fase funcional até a fase da autoajuda. É importante destacar ainda
que a nucleação, aos moldes da Cooperyucumã, é legítima e tem amparo legal,
sendo vedado pela legislação vigente apenas a escolha de delegados para
representar o associado nas assembleias, pois a cooperativa tem menos de 3.000
associados e não tem associados a mais de 50 km da sede.
Através deste trabalho, demonstramos que 86,32% dos associados da
Cooperyucumã se enxergam participando das decisões de sua cooperativa e
72,57% se enxergam participando através dos núcleos de cooperados, seguido de
17,70% que se enxergam participando através das assembleias. Os sócios da
Cooperyucumã valorizam os núcleos por possibilitarem a busca de novos
conhecimentos (18,14%), como fonte para obter informação sobre a cooperativa
(17,44%), para saber mais sobre o mercado do leite (14,88%), para resolução de
conflitos (12,56%), para aprender assuntos técnicos (11,86%), para troca de
informações entre os associados (10,47%).
Ao concluirmos nosso trabalho, ficam ainda sem respostas alguns
questionamentos: a) como seria a participação da cooperativa caso não houvesse
os núcleos de cooperados? Ficaria com participação de 17,70% dos associados que
se enxergam participando através da assembleia? b) Como estaria a participação da
Cooperyucumã comparativamente às demais cooperativas da região? c) Os
dispositivos do art. 42 § 2° e no § 4º da lei geral das cooperativas contribuem ou
dificultam a participação das cooperativas? e) A forma como está organizada a
Cooperyucumã é democrática?
Dentre os resultados obtidos na pesquisa o que mais impressiona é o nível de
aprovação, de 96,84%, dos cooperados que concordam com a organização da
cooperativa em núcleos, uma vez que estes exigem a participação efetiva do
associado, a disponibilidade de tempo para sair do seu lar e dirigir-se até a reunião.
Outro dado expressivo obtido na pesquisa é alto índice de satisfação com o trabalho
realizado pela cooperativa: 15,79% estão plenamente satisfeitos e 66,32% estão
satisfeitos, demonstrando a confiança e o apoio ao trabalho realizado pela
cooperativa.
41
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
Esses números reforçam a importância dos núcleos de cooperados e
apontam um caminho que poderia ser trilhado por outras cooperativas do país, por
permitir um aumento nas oportunidades de participação em 700%, possibilitando ao
associado contribuir mais na tomada de decisão, na busca de informação, na troca
de experiências, na utilização deste espaço para participar ativamente do dia-a-dia
da cooperativa, acompanhando seus projetos, acreditando e contribuindo para o
desenvolvimento da cooperativa.
REFERÊNCIAS
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<http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/embaixo.htm/>. Acesso em: 11 jun. 2012.
BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de
Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5764.htm>.
Acesso em: 10 mar. 2013.
COOPERATIVA MISTA YUCUMÃ - COOPERYUCUMÃ. Estatuto da
Cooperyucumã. Derrubadas: [s.n.], 2013.
COTRIM, D. O papel das metodologias participativas no processo de
participação popular. Porto Alegre: [s.n.], 2006.
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http://www.derrubadas-rs.com.br/. Acesso em: 08 jun. 2012.
EICKHOFF, A. F.; KIRST, R. C.; GEROLDINI, A. M. Relatório anual de atividades
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Município de
Derrubadas - RS. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/>. Acesso em:
11 jun. 2012.
LONG, N.; PLOEG J. D. Heterrogeneity, actor and structure: towards a reconstitution
of the concept of structure. In: BOOTH, D. Rethinking social development: theory,
research and practice. Tradução Daniela Garcez, Leandro Krug Wives e Rita
Pereira. Revisão Técnica Sergio Schneider. England: Longman, 1994, p. 20-90.
MANICA, A. S.; SCHMIDT, F. E. C. O confronto ideológico do cooperativismo na
economia de mercado. Revista Reflexão Cooperativista: SESCOOP/RS, Porto
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RANGEL, C. M.; EICKHOFF, A. F.; KIRST, R. C. Diagnóstico referencial técnico:
bovinocultura de leite. Derrubadas: EMATER/RS, 2010.
RIBEIRO, M. C. Desenvolvimento: uma discussão a partir da abordagem de
amartya sen. Porto Alegre: [s.n.], 2005.
42
Capítulo I - A Organização de Base nas Cooperativas: o exemplo da Cooperyucumã
APÊNDICE A – FOTOGRAFIAS DAS REUNIÕES
Figura 01 - Reunião do Núcleo da Barra da Bonita
Fonte: Elaborado pelo autor.
Figura 02 - Reunião do Núcleo do Alto Bela Vista
Fonte: Elaborado pelo autor.
43
Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do Leite
em Busca de Desenvolvimento para seus Associados na Região Noroeste Colonial - Rio
Grande do Sul: o caso da COOPEQ
Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento
do Leite em Busca de Desenvolvimento para seus Associados na Região
Noroeste Colonial - Rio Grande do Sul: o caso da COOPEQ
BURATTI, João Vítor3
COTRIM, Décio Souza4
RESUMO
As organizações cooperativas da agricultura familiar, formadas através de agricultores
que sofreram o processo de exclusão das cooperativas do modelo tradicional,
representam uma alternativa de organização da produção, agroindustrialização e
comercialização para os agricultores familiares da Região Noroeste Colonial do estado
do Rio Grande do Sul. A pecuária leiteira é uma das importantes fontes alternativas de
renda em pequenas propriedades da agricultura familiar. O objetivo deste trabalho é
analisar e discutir sobre a Cooperativa dos Pequenos Produtores de Leite da Linha
Gramado (COPEQ), analisando as causas que levaram a cooperativa, em certos
momentos, a obter sucesso no processamento do leite e como, na atualidade, esta
prática não tem mais êxito. Os dados e informações foram obtidos através de
entrevistas semiestruturadas, e o método de pesquisa aplicado foi o qualitativo, através
de um estudo de caso. As entrevistas foram realizadas de 26 de junho a 29 de julho de
2013, através de um membro da equipe de técnicos extensionistas da Unidade de
Cooperativismo de Ijuí da ASCAR/EMATER-RS, sendo abordadas as seguintes áreas:
histórico da cooperativa, agroindústria, resfriamento de leite e comercialização do leite.
A formação da associação, logo após a constituição da cooperativa, ocorreu através de
um plano de governo do poder público municipal. Na visão da administração municipal
e das entidades, o campo, comparado com o meio urbano, poderia melhorar e atingir
um desenvolvimento com as agroindústrias. A cooperativa exerce um papel social
importante para os seus associados da agricultura familiar, apesar de enfrentar
dificuldades no âmbito financeiro, organizacional e no processo de agroindustrialização.
As cooperativas que são administradas com o objetivo de somente criar condições de
melhorias de preço e entrar na lógica de competição correm riscos econômicos e
sociais.
Palavras-chave: Organização. Agroindústria. Renda.
ABSTRACT
The family agriculture cooperative organizations that were created by farmers who
suffered from the exclusion process by the traditional model cooperative
associations, serve as an alternative organization of production, agro-industry and
sales made by family farmers of the rural Northwest Region of Rio Grande
3
4
Engenheiro Agrônomo/Extensionista Rural/EMATER/RS-ASCAR.
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
44
Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do Leite
em Busca de Desenvolvimento para seus Associados na Região Noroeste Colonial - Rio
Grande do Sul: o caso da COOPEQ
do Sul State, Brazil. Dairy production is one of the most important alternative ways of
income for small farm of family agriculture. The objective of this work is to analyze
and discuss about the cooperative of small milk producers called Cooperativa dos
Pequenos Produtores de Leite da Linha Gramado (COPEQ), evaluating the causes
for this cooperative success in certain moments regarding processing milk knowing
that this practice is no longer successful nowadays. Data and information were
collected using semi-structured interviews and the research method applied was
qualitative in a case study. The interviews took place from June 26th to July 29th of
2013, applied by a member of the extension technicians’ team of the Unity of
Cooperatives of Ijuí part of the ASCAR/EMATER-RS, and the following areas were
approached: cooperative history, agro-industry, milk cooling process and
commercialization. The association was created right after the constitution of the
cooperative, through a governmental plan from the Panambi/RS city. From the point
of view of the municipal administration and of the entities, when compared to the
urban environment, the field could be improved and achieve development via agroindustries. The cooperative has an important social role to its members, despite
facing financial, organizational and agro-industry process difficulties. Cooperatives
that are managed with the objective of only create better conditions on price and then
enter the competition logic are at economic and social risks.
Keywords: Organization. Agro-industry. Income.
1 INTRODUÇÃO
As organizações cooperativas da agricultura familiar, formadas através de
agricultores que sofreram o processo de exclusão das cooperativas do modelo
tradicional,
representam
uma
alternativa
de
organização
da
produção,
industrialização e comercialização para os agricultores familiares da Região
Noroeste Colonial do estado do Rio Grande do Sul (RS). Estas organizações, na sua
maioria, são formadas por um baixo número de sócios, as propriedades são
compostas por pequenas áreas de terra, sendo necessárias fontes alternativas de
renda oriundas da agricultura e a organização da produção para a comercialização.
A pecuária leiteira é uma das importantes fontes alternativas de renda nas pequenas
propriedades.
A globalização provocou uma reestruturação no setor alimentar, modificando
as formas de comercialização do leite in natura e seus derivados. As indústrias
compradoras na região estão selecionando agricultores, ampliando a produção
individual e reduzindo o número de produtores, sem diminuir o volume de leite fluido
comprado. As grandes indústrias compradoras de leite seguem a lógica das
indústrias integradoras de aves e suínos, impondo uma nova dinâmica ao processo
45
Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do Leite
em Busca de Desenvolvimento para seus Associados na Região Noroeste Colonial - Rio
Grande do Sul: o caso da COOPEQ
produtivo, que, pelos novos padrões tecnológicos, exige um aumento na produção e
nos índices de produtividade. Este processo, apesar de consistir em uma estratégia
de crescimento de algumas propriedades familiares, fez aumentar as diferenças
socioeconômicas excluindo agricultores que não atingem os padrões impostos pela
indústria, muito próximo a conclusão de Ploeg (2008).
Nos últimos anos, as políticas públicas voltadas para a agricultura familiar
foram ampliadas, melhorando a renda e as formas de trabalho. Estas políticas
públicas vão ao encontro das mais diversas atividades que correspondem à
agricultura. São exemplos de políticas públicas direcionadas ao crédito agrícola:
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) – Pronaf
Custeio, Pronaf Mais Alimentos-Investimentos, Pronaf Agroindústria, Pronaf
Agroecologia, Pronaf Eco, Pronaf Floresta, Pronaf Semiárido, Pronaf Mulher, Pronaf
Jovem, Pronaf Custeio e Comercialização de Agroindústrias Familiares, Pronaf CotaParte e Microcrédito Rural. (BRASIL, 2013).
Também podem ser destacados como políticas públicas os programas
governamentais de cada estado e munícipio. As agroindústrias familiares e
agroindústrias formadas através de associações e cooperativas são beneficiadas por
estas políticas públicas, e têm o objetivo de agregação de valor aos produtos da
agricultura familiar tornando, assim, os agricultores independentes das grandes
indústrias. A grande maioria das políticas públicas agrícolas, a fundo perdido, são
canalizadas para associações e cooperativas de agricultores familiares. As
associações e cooperativas, em certos casos, são formadas somente para absorver
uma política pública existente, sem o consentimento de seus associados, ou seja, a
estrutura física existe, mas a estrutura social, em certos casos, é deficitária.
Desta maneira, na região Noroeste do RS, pequenos produtores de leite
estão envolvidos em experiência cooperativa, imbuídos em melhorar a participação
no mercado, buscando formas de agroindustrialização coletiva do leite, negociação e
venda coletiva de leite in natura das unidades de produção para aumentar o poder
de troca com as indústrias de laticínios. (PERONI, 2009).
O presente estudo ocorreu na Cooperativa dos Pequenos Produtores de Leite
da Linha Gramado (COPEQ), situada na Linha Gramado, interior do município de
Panambi, localizada na região Noroeste Colonial do RS. A cooperativa conta com 63
sócios atuantes, e o número de sócios é variável conforme o preço do litro de leite
46
Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do Leite
em Busca de Desenvolvimento para seus Associados na Região Noroeste Colonial - Rio
Grande do Sul: o caso da COOPEQ
praticado através da cooperativa. A sede física da cooperativa está situada às
margens da BR 285, e sua área de ação compreende os municípios de Ajuricaba,
Condor e Panambi.
Agricultores do interior de Panambi, insatisfeitos com a situação à qual
estavam submetidos no setor do leite, em que eram obrigados a vender sua
produção para empresas do ramo lácteo a preços baixos e preestabelecidos, foram
incentivados a organizar-se coletivamente, buscando formas de ingressar no
mercado de uma maneira alternativa, que não fosse diretamente através das
empresas estabelecidas.
A COPEQ tem sua origem através da formação de uma associação de
produtores, sendo que a idealização partiu da prefeitura municipal do município de
Panambi, no ano de 1996. Esta associação contou com o apoio da Fundação do
Banco do Brasil (Fundec). A Fundec conseguiu recursos para dar início às obras, e,
desta forma, foi construída parte das estruturas existentes atualmente. Em
contrapartida, a associação e a prefeitura deveriam participar com a mão de obra e o
trabalho de infraestrutura, sendo que o terreno foi doação de um dos sócios.
Com o apoio da Fundec, adquiriram estruturas e equipamentos para formar
uma pequena agroindústria de leite. A agroindústria foi complementada em 2003
com recursos do Programa Estadual da Agricultura Familiar, sendo, então,
constituída a COPEQ. A forma jurídica de organização cooperativa facilita o ato do
comércio, o que, por lei, não é permitido à associação. A cooperativa, através da
agroindústria, fabricava queijo colonial, bebida láctea e leite pasteurizado, e
comercializava para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e para
supermercados através de equipe de vendas terceirizada.
A industrialização do leite, com a produção de queijo prato, bebida láctea e
leite pasteurizado, está, atualmente, com suas atividades suspensas. Os agricultores
apontam as seguintes razões: dificuldades na comercialização, baixa escala de
produção, multas por problemas sanitários, alto custo de produção, deficiência de
controles administrativos e alto grau de descapitalização, que levaram a mesma a
paralisar suas atividades por um determinado período.
Com a paralização da agroindústria, no ano de 2012, a cooperativa ampliou o
número de equipamentos para resfriar o leite, aumentando a capacidade diária atual
para 120.000 litros. Desta forma, passa a ser prestadora de serviços de refrigeração
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Grande do Sul: o caso da COOPEQ
de leite para grandes empresas do ramo lácteo, sendo esta a principal atividade
geradora de renda desenvolvida através da cooperativa. Como a refrigeração do
leite é fortemente influenciada por fatores climáticos e também por questões
logísticas e mercadológicas das empresas que terceirizam este serviço, a
cooperativa passa a ser extremamente dependente de fatores difíceis de serem
controlados. Os fatores logísticos e mercadológicos, por exemplo, são determinados
pelas empresas para as quais a cooperativa presta serviço. Além disso, os
integrantes da administração da cooperativa e os funcionários devem ser
extremamente capacitados, com expertise para negociação e controle de qualidade,
para que prejuízos não aconteçam. Por todas estas dificuldades enfrentadas, os
membros da direção da cooperativa decidem alugar o posto de resfriamento de leite
para uma empresa do ramo de laticínios.
Ao longo de sua história, a cooperativa sempre realizou a compra do leite dos
associados para a agroindustrialização, e, em outros períodos, comercializou para
empresas de laticínios com o objetivo de buscar melhores preços para os
associados.
Neste sentido, este artigo tem como objetivo mostrar, através de um estudo
de caso, os principais desafios encontrados por uma cooperativa da agricultura
familiar que atualmente organiza a comercialização de leite in natura e também
possui estrutura para o resfriamento e agroindustrialização, e que está alugada para
uma empresa do ramo lácteo. O principal objetivo deste trabalho foi analisar e
discutir, com base em um estudo de caso, as causas que levaram a cooperativa
COPEQ a conseguir, em certos momentos, realizar o processamento do leite (queijo,
bebida láctea, etc.), e como, na atualidade, esta prática não tem mais êxito.
Este estudo se justifica pela importância que as organizações cooperativas da
agricultura familiar têm ao serem promotoras do desenvolvimento local dos atores
rurais, desde que as mesmas exerçam a sua função perante o seu quadro social e,
ao mesmo tempo, os seus sócios reconheçam que a mesma é importante.
2 METODOLOGIA
Os dados e informações foram obtidos através de entrevista semiestruturada
com pessoas que possuem ou que já tiveram ligações com a cooperativa (COPEQ),
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Grande do Sul: o caso da COOPEQ
sendo as seguintes as amostras de público: 3 (três) dirigentes da cooperativa, 3
(três) ex-dirigentes, 3 (três) associados ativos, 3 (três) associados inativos, 1
assistente técnico regional (ATR) da ASCAR/EMATER-RS de Ijuí/RS e 1
extensionista rural de cada escritório municipal da EMATER de Condor, Panambi e
Pejuçara. As entrevistas ocorreram no período de 26 de junho a 29 de julho de 2013.
O método de pesquisa aplicado na entrevista semiestruturada foi o qualitativo,
através de um estudo de caso, segundo Gerhardt e Silveira (2009), em que não
existe uma preocupação com representatividade numérica, mas, sim, com o
aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização. Os
dados coletados foram descritos através de exposições de determinadas situações,
levando em consideração a diversidade de opiniões do público entrevistado
relacionado à cooperativa.
A partir das entrevistas, realizou-se uma coleta de dados através das
amostras de público escolhidas pelo pesquisador, com o objetivo de esclarecer os
principais problemas e as condições que os geram, a fim de elaborar os meios e as
estratégias para resolvê-los. As entrevistas aprofundaram o contato com o
pesquisador e o entrevistado, e com o assunto que estava sendo pesquisado,
através dos trabalhos de campo.
As entrevistas abordaram as seguintes áreas: histórico da cooperativa,
agroindústria, resfriamento de leite e comercialização do leite dos associados. As
perguntas foram formuladas de acordo com o contexto da agricultura familiar. Em
contato com os entrevistados, foi marcado o local e a data para a entrevista, sendo
explicada a forma da realização da mesma. As entrevistas foram gravadas e
transcritas, e após foi realizada a análise dos resultados.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
Segundo Favareto (2006), a interrogação fundamental a ser enfrentada por
qualquer trabalho que se pretenda ilustrar e que envolva a ideia de desenvolvimento
é saber se é possível decantar o que há de científico e o que há de normativo, de
ideológico, de meramente discursivo por detrás dela. Mas embora a questão pareça
simples, é preciso reconhecer de partida que poucas ideias têm sido objeto de
tamanhas controvérsias como a ideia de desenvolvimento. Atualmente, várias visões
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Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do Leite
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Grande do Sul: o caso da COOPEQ
distintas coexistem e disputam os significados da ideia de desenvolvimento. A
primeira é a mais usual, e pode ser encontrada em qualquer bom manual de
economia: nela desenvolvimento é tomado como sinônimo de crescimento ou, numa
pequena variação, o desenvolvimento é resultado do crescimento. (ROSTOW, 1960;
JONES, 2000 apud FAVARETO, 2006, p. 33).
A segunda, mais sofisticada, toma o desenvolvimento como mito. Mas não
necessariamente em sua acepção enganosa, e sim em algo mais próximo do que se
poderia chamar por poder mobilizador e organizador do mito. (FURTADO, 1974
apud FAVARETTO, 2006, p. 33). Uma terceira vertente, por sua vez, não vê
qualquer validade teórica ou prática na ideia de desenvolvimento, apenas ilusão ou
argumento ideológico falseador das reais intenções das políticas cunhadas a este
título. (RIST, 2001; RIVERO, 2002 apud FAVARETTO, 2006 p. 33). Isto sem falar
nas inúmeras adjetivações que surgiram à luz da crítica aos rumos do
desenvolvimento no capitalismo contemporâneo e que deram origem a teorias
inovadoras, como a do desenvolvimento como liberdade (SEN, 2000 apud
FAVARETTO, 2006, p. 33), ou a utopias de grande valor ético e social, como a
retórica do desenvolvimento sustentável. (COMISSÃO BRUNDTLAND, 1985 apud
FAVARETTO, 2006, p. 33).
Para Kayser (apud FAVARETTO, 2006, p. 33), a chave do desenvolvimento
das áreas rurais está no fator populacional e nos efeitos de enriquecimento da
sociedade em geral. Para Basile e Cecchi (1997 apud FAVARETTO, 2006, p. 115), a
questão está na diferenciação produtiva, na mudança da composição setorial da
economia das áreas rurais até a emergência das atividades não agrícolas:
diferenciação traz novos atores, novas formas de uso dos recursos naturais, novas
relações entre atores e entre setores, além de novos modos de integração do rural
ao sistema econômico. De acordo com Favaretto (2006), estes estudos, e tantos
outros que poderiam aqui ser citados, não respondem o que é justamente porque
estes efeitos não são generalizáveis para o conjunto de áreas rurais. E isto, pelo
simples fato de que não era esta a pergunta que está na base de seus esforços.
Mas há, desde os anos 70, diferentes programas de pesquisa tentando encontrar
estas respostas: os estudos dedicados à compreensão dos fenômenos de
desenvolvimento rural, propriamente ditos, aqueles consagrados à análise dos
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Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do Leite
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Grande do Sul: o caso da COOPEQ
fenômenos de industrialização difusa, e aqueles destinados a compreender os
fatores de êxito e fracasso das tentativas de indução ao desenvolvimento.
Segundo Ploeg (2008), no mundo criado e estruturado pelos impérios
alimentares, tudo perde sua identidade. Os produtos alimentícios já não são
produzidos num determinado lugar, por determinadas pessoas, num determinado
momento e depois levados através de circuitos mais ou menos conhecidos, ou pelo
menos que se pode conhecer, até os consumidores.
O mesmo autor destaca que o efeito da artificialização do processo agrícola
de produção, o modo empresarial de fazer agricultura é caracterizado por um grau
elevado de modernização. Ou seja, as várias subtarefas de um processo de
produção e de trabalho anteriormente integral são transferidas para instituições
externas e agentes mercantis e controladas por eles. A partir desse momento, são
criadas novas relações de dependência entre essas instituições e agentes e as
unidades agrícolas envolvidas. Essas relações de dependência são de natureza
dupla: elas incluem novas relações mercantis, bem como relações técnicoadministrativas através das quais o processo de trabalho na unidade é prescrito,
condicionado e controlado.
Ploeg (2008) faz uma relação do modo camponês e empresarial de agir no
mercado. No modo camponês (que se fundamenta num distanciamento e autonomia
relativa), o mercado é, essencialmente, uma saída – o lugar onde os produtos são
vendidos quer isso seja vantajoso ou não. No modo empresarial, o mercado é,
acima de tudo, um princípio orientador. Devido ao grau elevado de integração e
dependência dos mercados, a unidade de produção empresarial tem de seguir a
“lógica de mercado”.
Segundo Samborski e Peroni (2008), para os agricultores familiares/
camponeses da região, o leite foi durante o final dos anos 90 e o início desse século
a principal alternativa produtiva para a geração de renda. A importância do leite não
está apenas na garantia de um ingresso financeiro mensal que permite o pagamento
das despesas e movimenta a economia, mas sim na sua presença em milhares de
pequenas propriedades que formam a estrutura agrária da região.
As cooperativas tritícolas que detinham grande parte do mercado do leite
optaram por concentrar suas atividades na cadeia de grãos e acabaram vendendo
sua participação do leite no setor. De acordo com Samborski e Peroni (2008), na
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Grande do Sul: o caso da COOPEQ
região Noroeste Colonial, a saída das cooperativas do ramo leiteiro foi variada, mas
invariavelmente significou perda de espaço e atenção dedicada aos pequenos
produtores. Descobrir novas formas de resistir e permanecer enquanto produtores
de leite nessa situação, levou-os à constituição de grupos e cooperativas para a
comercialização e/ou agroindustrialização conjunta.
4 RESULTADOS
O município de Panambi é conhecido por ser um município industrial. A
formação da associação, logo após a constituição da COPEQ, foi formalizada
através de um plano de governo do poder público municipal da época, uma vez que
o meio urbano de Panambi é formado por indústrias que são o carro chefe gerador
de renda e desenvolvimento para o município, o campo também deveria ser
industrializado, através do associativismo. Na visão da administração municipal e
das entidades, o campo, comparado com o meio urbano, poderia melhorar e atingir
um desenvolvimento com as agroindústrias. Ploeg (2008) destaca que, desta forma,
os agricultores estariam buscando uma autonomia em um contexto caracterizado
por condições de dependência, marginalização e privações, permitindo ao homem
interagir com o mercado.
O plano de governo foi concretizado, foram criadas associações que
trabalhavam com máquinas e equipamentos para prestação de serviços, abatedouro
de frangos, agroindústria de geleias e conservas, criação de suínos e agroindústrias
de laticínios. Atualmente a COPEQ é o único empreendimento que trabalha de
forma associativa ou cooperada, os demais paralisaram as atividades ou se
tornaram empresas.
Pode ser afirmado que a COPEQ foi criada por políticas públicas
direcionadas, de cima para baixo, ou seja, baixa participação efetiva e interesse dos
associados. Os recursos para a implantação da associação foram financiados
através do Banco do Brasil, com baixos juros. A cooperativa obteve apoio do poder
público municipal e entidades ligadas à agricultura, para a implantação, e os grupos
interessados cederam terrenos para a construção. Surge, então, a dúvida se, talvez,
o associado não deveria ter participado mais, ter conhecimento de que a associação
e, por conseguinte, a cooperativa que ele estava construindo era de sua propriedade
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Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do Leite
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Grande do Sul: o caso da COOPEQ
e, também, dos associados que viriam a se associar, uma vez que esta foi criada
sob a forma jurídica de cooperativa para possibilitar a realização do ato do comércio,
o que não é permitido à associação.
O crescimento do quadro social voltou-se exclusivamente para o preço e a
forma de recolhimento do leite, que era realmente uma necessidade da época. O
preço praticado através da cooperativa na época era atrativo em relação ao mercado
comprador de leite, ocasionando desconforto para a concorrência, atraindo
associados exclusivamente por preços e não por uma consciência de que o
cooperativismo é a forma ideal de enfrentar determinadas adversidades daquele
momento e talvez de momentos futuros.
No que se refere à questão do que mudou após a formação da cooperativa
para o associado até os dias atuais, foi possível perceber que a grande maioria dos
associados não tem clareza dos benefícios e pensa na forma de comercialização do
leite que está voltada exclusivamente para a ideia de receber o melhor preço, e no
fato de que as empresas concorrentes, muitas vezes, pagam mais. Os associados
não tem clareza da diferença de uma cooperativa para uma empresa e levam esta
falta de clareza para a cooperativa.
Os entrevistados não percebem os incentivos diretos por parte da
cooperativa, como as mudanças referentes à atividade leiteira, ou seja, o incremento
da produção que se destina ao manejo de animais, pastagens, qualidade do leite,
máquinas e equipamentos. Através da implantação de grandes plantas industriais na
região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, pode-se perceber que as
mudanças estão mais voltadas para um sistema de produção que auxilia e promove
o crescimento da atividade leiteira, sendo esta ainda a principal atividade que gera
recursos para a pequena propriedade, mas que também promove a exclusão.
A forma como são criadas as associações e cooperativas se dá através de
interesses econômicos e sociais por parte de seus associados. Estes, através de um
objetivo e dificuldades enfrentadas em suas atividades, formam uma associação ou
cooperativa de acordo com seus interesses. Em certos casos, constituem-se por
entidades, como a Secretaria da Agricultura, Emater, Sindicatos, ou seja, sem a
participação dos agricultores, que são a sua base. Através das entrevistas, a
concepção por parte dos associados é de que a cooperativa foi formada porque
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Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do Leite
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Grande do Sul: o caso da COOPEQ
estavam sendo explorados pelo mercado comprador de leite. A seguinte resposta é
dada quando é realizada a pergunta: “Como foi formada a cooperativa?” (AA 04).
Uma turma de produtores se ‘reuniram’ para ganhar mais pelo preço do
leite.
O transportador de leite terceirizado também influenciou os agricultores para
que estes se associassem e comercializassem o leite na cooperativa, isto quer dizer
que, embora muitos agricultores tenham se associado por necessidade e de forma
consciente, em certos casos, isso aconteceu por influência do próprio freteiro.
Dirigentes atuais e ex-dirigentes, principalmente associados que foram presidente ou
vice-presidente da cooperativa, apresentam clareza sobre como e por que a
cooperativa foi formada e do que é participar e ser cooperativista. Os mesmos
afirmam que a cooperativa iniciou através de incentivos e do auxílio de políticas
públicas, e que entidades, como a Prefeitura do Município de Panambi, Escritório
Municipal da Emater-RS/Ascar de Panambi e UNIJUÍ-Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, auxiliaram em diversos momentos na
organização do quadro social, na administração e na agroindustrialização junto à
COPEC.
Após a formação da COPEQ eram as cooperativas tritícolas que organizavam
a coleta e a comercialização do leite para a Cooperativa Central Gaúcha Ltda.
(CCGL). Com a paralização das atividades da CCGL, os produtores, principalmente
os pequenos produtores, foram obrigados a comercializar o leite para um oligopólio,
sendo explorados por preços, foi então que a COPEQ auxiliou na organização e
comercialização do leite dos seus associados.
Após a formação da cooperativa, percebe-se que a mesma tem um
crescimento
expressivo
tanto
em
infraestrutura
como
em
associados.
A
infraestrutura composta por escritório, agroindústria, rampa de lavagem de
caminhões, caldeira, sistema de coleta de dejetos, veículo, equipamentos em geral e
sistema de inspeção é construída, em parte, através de políticas públicas. A
estrutura física para o processamento do leite da cooperativa atende às suas
necessidades e é bem localizada. A cooperativa tem o Sistema de Inspeção Federal
(SIF), que possibilita à mesma comercializar os seus produtos para todo o território
nacional, o que demonstra que uma pequena agroindústria deve seguir as mesmas
regras de uma grande agroindústria.
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Grande do Sul: o caso da COOPEQ
A concepção defendida atualmente de que a agricultura familiar pode
industrializar a sua produção é de grande relevância, sendo esta, também, uma das
formas de manter o jovem no campo. Os princípios que levaram à criação da
associação e, por conseguinte, da COPEQ, de acordo com o entrevistado ER 11
foram:
Trabalhar com associados de comunidades próximas, com uma produção
de leite mais limpa, formar uma identidade ao produto, ter satisfação do
consumidor no momento da compra. O associado estar integrado com a
cooperativa, ou seja, a cooperativa diferenciar o produto das grandes
empresas, sendo criada uma identidade ao produto.
O entendimento no momento da criação da cooperativa vai contra as formas
de produção e mercado das grandes indústrias de laticínios. De acordo com Ploeg
(2008), no mundo criado e estruturado pelos impérios alimentares, tudo perde sua
identidade. Os produtos alimentícios já não são produzidos num determinado lugar,
por determinadas pessoas, num determinado momento e depois levados através de
circuitos mais ou menos conhecidos, ou pelo menos que se pode conhecer, até os
consumidores.
Perguntou-se aos entrevistados se surgiram problemas após a formação da
cooperativa. A grande maioria respondeu que não tem informação suficiente, mas,
ao realizar as entrevistas com extensionistas da Emater e ex-dirigentes da
cooperativa ou dirigentes atuais, os mesmos apresentam clareza sobre o assunto e
respondem que a cooperativa, desde a sua formação, sofreu com problemas
administrativos, fiscais, tributários, agroindustrialização e com o quadro social, ou
seja, a cooperativa não contou com profissionais (colaboradores) que realmente
dominassem
o
assunto,
para
que
não
ocorressem
dificuldades
que
comprometessem o bom andamento da cooperativa. Isso é destacado através do
entrevistado ED 15:
O grande problema é a consciência de ser cooperativista, a concorrência
é muito forte, deve haver diferença no produto, ou seja, por quantidade ou
qualidade. Gastavam muito dinheiro para adequar e sempre faltava
alguma coisa. Colocar um administrador, faltou isso no passado, gente de
conhecimento, não contrataram profissionais na gestão e na produção.
Foi relatado através do ER 11 que, após a agroindústria estar pronta para o
funcionamento, os associados não tinham poder para tomar decisões e colocar em
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Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do Leite
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Grande do Sul: o caso da COOPEQ
funcionamento a compra do leite, a agroindústrialização e a comercialização. O
entrevistado ER 11 destaca:
A prefeitura que iniciou o funcionamento da agroindústria, a prefeitura
fazia a licitação da compra de leite dos agricultores e agroindustrializou
por um determinado tempo, todos os funcionários eram da prefeitura.
A política pública que a prefeitura estava implementando pode ser destacada
como uma tentativa de indução ao desenvolvimento, de acordo com Favaretto
(2006), os estudos dedicados à compreensão dos fenômenos de desenvolvimento
rural, propriamente ditos, aqueles consagrados à análise dos fenômenos de
industrialização difusa, e aqueles destinados a compreender os fatores de êxito e
fracasso das tentativas de indução ao desenvolvimento.
Perguntou-se, também, se a agroindústria é viável, se é interessante para a
cooperativa retomar a agroindustrialização. Os entrevistados que tiveram a
oportunidade de ter uma participação junto à cooperativa respondem que sim, de
acordo com ER 10:
É interessante retomar agroindustrialização, possui viabilidade, possibilita
agregação de valor ao produto processado, o ponto de venda é excelente,
possibilidade de venda para a merenda escolar. Mas o que falta é os
associados se sentirem donos da cooperativa.
A cooperativa pode ser viável, pois o momento é favorável para
comercialização dos produtos oriundos da agricultura familiar, mas, ao mesmo
tempo, devemos levar em consideração que a mesma deve ter uma gestão que
possibilite que os associados sintam-se parte da cooperativa, uma vez que o
cooperativismo é uma forma de possibilitar autonomia às pessoas. Ploeg (2008)
destaca que a luta social deve ser vista como um esforço substancial para melhorar
os recursos disponíveis, provocando pequenas adaptações que, no seu conjunto,
contribuem para a criação de um bem-estar aumentado, de uma renda mais elevada
e de melhores perspectivas de futuro. Neste aspecto, a cooperação é
frequentemente um mecanismo-chave.
Através das dificuldades enfrentadas pela cooperativa do estudo de caso,
deve-se levar em consideração que, ao fomentar a criação de uma associação ou
cooperativa, deve-se discutir com as bases, que são formadas pelas pessoas que
vão buscar pela realização dos seus interesses e objetivos, ou seja, deve-se dar
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Capítulo II - Desafios Enfrentados por Cooperativas que Trabalham com o Processamento do Leite
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capacidade e autonomia aos associados. A extensão rural e as entidades públicas e
privadas devem estar presentes, mas a autonomia das associações e cooperativas
deve existir.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo da criação desta organização através de entidades
fomentadoras do processo era de promover o desenvolvimento do associado e,
consequentemente, da região de atuação da cooperativa. A cooperativa exerce um
papel social importante para os seus associados da agricultura familiar, apesar de
enfrentar dificuldades no âmbito financeiro, organizacional e no processo de
agroindustrialização. Os sócios produzem em baixa escala de produção e com
dificuldades para produzir leite dentro dos padrões de qualidade, sendo necessário o
apoio das organizações cooperativas para a comercialização do leite in natura e a
agroindustrialização, dentre outras atividades, ou correm o risco de estar fora do
processo de comercialização.
A outra questão observada é de que existe consenso entre empresas do ramo
lácteo de que as organizações cooperativas não são interessantes e utilizam-se de
estratégias mercadológicas que favorecem a desestruturação do associativismo,
tornando a cooperativa – neste caso, a do presente estudo –, extremamente frágil,
em um mercado globalizado e competitivo.
Através deste estudo de caso, podemos observar que ocorreram e ocorrem
investimentos consideráveis em estruturas que possibilitam a agroindustrialização e
a refrigeração do leite para a agricultura familiar, através de políticas públicas que,
em certos casos, são pré-estruturadas de fora para dentro, sendo que, muitas vezes,
é meramente o que as grandes indústrias já operacionalizam, com grande
competitividade e tornando os produtores dependentes. Ploeg (2008) destaca que
as relações de dependência são de natureza dupla: elas incluem novas relações
mercantis, bem como relações técnico-administrativas através das quais o processo
de trabalho na unidade é prescrito, condicionado e controlado através dos impérios
alimentares.
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Grande do Sul: o caso da COOPEQ
Para haver o fortalecimento e o desenvolvimento das cooperativas que
trabalham ou que pretendem trabalhar com agroindustrialização e comercialização
do leite, como o exemplo do presente estudo, é necessário:
Em primeiro lugar, realizar trabalhos de base com associados, nas cadeias
produtivas e educação cooperativa. É interessante que as cooperativas da
agricultura familiar trabalhem com seus sócios através de núcleos por aproximação
e, através destes núcleos, os associados podem receber informações das ações
realizadas pela cooperativa periodicamente. Podem ser inseridos nestes núcleos
trabalhos de fomento na produção e cursos de formação em educação cooperativa,
principalmente com crianças e jovens.
Em segundo lugar, a organização de serviços de máquinas, equipamentos e
compra de insumos para os associados. O associado, através de suas atividades na
agricultura, necessita de serviços para o bom andamento de sua propriedade. Estes
serviços podem ser realizados, muitas vezes, pelo próprio associado, através de
suas máquinas e equipamentos, o que pode, porém, gerar ociosidade e custos
desnecessários. Então, a cooperativa, de forma coletiva, pode fornecer estes
serviços aos associados. A compra coletiva de insumos auxilia na barganha de
preços. A cooperativa, através da diversificação de suas atividades, pode fidelizar o
associado, ou seja, quanto maior o número de atividades a oferecer, de forma
transparente e rentável, mais a cooperativa se fortalece junto a seu associado.
Em terceiro lugar, mostrar as funções das cooperativas para os atores sociais
e a importância que as mesmas exercem para a agricultura familiar. É interessante
que as cooperativas da agricultura familiar divulguem suas ações, suas funções e a
sua importância, para os diversos atores sociais de sua área de ação, pois estes
atores, ao conhecerem a cooperativa, poderão auxiliar e fortalecer a mesma.
Em quarto lugar, organizar a comercialização para mercados institucionais. A
cooperativa pode auxiliar na organização e comercialização para os mercados
institucionais, ou seja, a cooperativa, conhecendo o que seus associados produzem,
pode buscar mercados e fazer a comercialização destes produtos, melhorando a
renda do associado e auxiliando na viabilização da cooperativa.
Em quinto lugar, diferenciar os produtos, usar ferramentas para garantir a
qualidade e a identidade ao consumidor. Os produtos produzidos através das
agroindústrias das cooperativas e de seus associados podem ser diferenciados dos
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produtos tradicionais encontrados no mercado e que são produzidos por grandes
indústrias. Ou seja, pode-se agregar valor, por exemplo, através do queijo produzido
com leite oriundo da agricultura familiar de determinada região, produzido de forma
mais limpa. Atinge-se, assim, o objetivo central, que é diferenciar e agregar valor ao
produto da agricultura familiar.
Em sexto lugar, a intercooperação entre as cooperativas da agricultura
familiar. Através da intercooperação, as cooperativas podem suprir as necessidades
umas das outras, aumentando o poder de barganha entre as mesmas, fortalecendo
as relações econômicas e sociais, beneficiando o associado e fortalecendo o
cooperativismo.
Portanto,
pode-se
afirmar
que
estamos
realizando
processos
de
desenvolvimento rural, ou, ao contrário, estamos copiando exatamente os modelos
tradicionais praticados pelas grandes empresas. Ploeg (2008) afirma que, no modo
empresarial, o mercado é, acima de tudo, um princípio orientador. Devido ao grau
elevado de integração e dependência dos mercados, a unidade de produção
empresarial tem que seguir a “lógica de mercado”.
As cooperativas que são administradas com o objetivo de somente criar
condições de melhorias de preço e entrar na lógica de competição por preços do
leite in natura e, até mesmo, de seus subprodutos correm riscos econômicos e
sociais.
REFERÊNCIAS
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linhas de crédito do Pronaf: Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/
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noroeste do Rio Grande do Sul. 2009. Dissertação (Mestrado) Programa de Pósgraduação em Extensão Rural, UFSM, Santa Maria, RS, 2009.
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em Busca de Desenvolvimento para seus Associados na Região Noroeste Colonial - Rio
Grande do Sul: o caso da COOPEQ
PLOEG, J. D. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e
sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.
SAMBORSKI, T.; PERONI, N. O movimento das novas cooperativas da
agricultura familiar/camponesa e a diferenciação no cooperativismo
agropecuário na Região Noroeste Colonial do RS. Santo Augusto: Instituto
Federal Farroupilha; ASCAR/EMATER-RS, 2008.
ANEXO A - LISTA DE ABREVIATURAS
AA= Associados Ativos
ER= Extensionista Rural
ED= Ex-Dirigente
ER= Extensionista Rural
60
Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
BORTOLINI, Gilberto 5
SANTOS, José Zigomar Vieira dos6
RESUMO
O presente trabalho busca analisar a presença de capital social e identificar a
motivação principal que move as pessoas a se associarem numa cooperativa. Foi
realizado um estudo de caso na Cooperativa Agropecuária e Industrial São Valério
do Sul – Coopervalério, situada na região noroeste do Rio Grande do Sul, para se
verificar empiricamente a tomada de decisão dos pequenos produtores de leite em
ingressar na Cooperativa. Verificou-se que a cooperativa foi formada para resolver
um problema, suprimindo as fases de formação cooperativa onde a capacitação e a
educação cooperativa são muito importantes. Os resultados evidenciam que os
pequenos produtores são explorados pelo capitalismo e necessitam se fortalecer
coletivamente formando laços de confiança e ajuda mútua, e o cooperativismo é a
forma encontrada para promover a equidade social.
Palavras-chave: Cooperativismo. Capital social. Formação cooperativa.
ABSTRACT
This paper seeks to analyze the presence of social capital and identify the main
motivation that moves people to join a cooperative. We conducted a case study in
the Agricultural and Industrial Cooperative São Valério do Sul - Coopervalério,
located in the northwestern region of Rio Grande do Sul, to verify empirically the
decision-making of small-scale milk producers to join the cooperative. It could be
verified that the cooperative was formed to solve a problem, suppressing formation
stages of cooperative training where training and cooperative education are very
important. The results show that small producers are exploited by capitalism and
need to strengthen themselves collectively forming bonds of trust and mutual aid,
and the cooperativism is the best way to promote social equity.
Keywords: Cooperativism. Social capital. Cooperative formation.
1 INTRODUÇÃO
A concorrência, inerente ao capitalismo, produziu enormes desigualdades e
beneficiou parte dos produtores rurais, excluindo os mais fragilizados. A
competitividade descaracterizou a importância da cooperação e evidenciou a
competição. (SANTOS, 2006). O sistema de produção capitalista, cuja dinâmica de
acumulação e reprodução, tende a destruir o tecido das relações sociais.
5
6
Engenheiro Agrônomo, Extensionista Rural da Emater/RS-Ascar, e-mail: [email protected]
Mestre, Professor orientador, ESCOOP, e-mail: [email protected]
61
Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
Na opinião de Schneider (2004), as cooperativas representam uma resposta
aos problemas impostos pela globalização; um contraponto à concentração de
riquezas, buscando a concentração de forças.
A ideia de associar interesses comuns a partir de iniciativas de cooperação é
bastante antiga, embora apenas a partir de 1990 ganhasse relevância através da
concepção de sustentabilidade. As discussões ganharam consistência através da
perspectiva do desenvolvimento local e social sob novas ideias de descentralização
econômica, uma vez constatadas as consequências da globalização que contribuiu
para
as
desigualdades
no
mundo.
Ou
seja,
o
conceito
tradicional
de
desenvolvimento deu lugar ao conceito de desenvolvimento local, associado aos
adjetivos de integrado e sustentável, e a cooperação é uma forma local de gerar
riquezas e distribuí-las equitativamente. Os trabalhos de Coleman, na área da
Sociologia, e Putnam, na área das Ciências Sociais, apontaram para as
consequências positivas da sociabilidade e das relações monetárias presentes na
sociedade e replicadas nas cooperativas.
Assim
sendo,
o
associativismo
instrumentaliza
os
mecanismos que
concretizam as demandas sociais e que tornam os homens mais próximos da busca
de autonomia na promoção do desenvolvimento local. E, a cooperação, por sua vez,
passa a ser a força indutora que modifica comportamentos e abre caminhos para
incorporar novos conhecimentos. Desta forma, cria um tecido flexível mediante o
qual se enlaçam distintos atores, produzindo um todo harmônico que culmina no
estabelecimento de uma comunidade de interesses, em uma estrutura que deve ser
ajustada para refletir os padrões de comunicação, inter-relações e cooperação,
reforçando a identidade do associativismo e a dimensão humana. (CANTERLE,
2004, p. 5-6).
A vida associativa está presente em muitas áreas das atividades humanas,
mormente traduzida em condições que visam contribuir para o equilíbrio e a
estabilidade social, e, a esse respeito, Frantz (2002, p. 1) destaca: “associativismo,
com o sentido de cooperação, é um fenômeno que pode ser detectado nos mais
diferentes lugares sociais: no trabalho, na família, na escola etc. No entanto,
predominantemente, a cooperação é entendida com sentido econômico e envolve a
produção e a distribuição dos bens necessários à vida”.
Presente nesse contexto encontra-se o cooperativismo, constituindo-se em
exigência histórica para melhorar a qualidade da existência humana, ou seja, para
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Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
melhorar as condições de vida dos indivíduos de um determinado local, pois faz com
que a troca de experiência e a convivência entre as pessoas se constitua em
oportunidades de crescimento e desenvolvimento coletivo.
A criação de cooperativas é uma das estratégias na busca de melhoria da
vida do agricultor e, numa visão mais ampla, é um meio alternativo de
desenvolvimento. Um dos aspectos fundamentais da inclusão social e produtiva é o
fortalecimento e a utilização do capital social existente nas cooperativas rurais,
buscando organização e iniciativas de produção local, reduzindo a vulnerabilidade
do homem do campo às secas periódicas e à falta de recursos tecnológicos,
potencializando a capacidade de ação coletiva produtiva e de autogestão econômica
e social.
Um dos maiores avanços da organização cooperativa no Rio Grande do Sul
se concretizou na criação da Cooperativa Central Gaúcha de Leite Ltda (CCGL), em
1981. A CCGL, como resultado da união das grandes cooperativas do Estado, tinha
como objetivo agregar maior valor à produção de leite dos agricultores: “O objetivo
fundamental da CCGL é propiciar uma melhor remuneração ao agricultor produtor
de leite”. (TAMBARA apud FRANTZ, 2002).
No entanto, a experiência foi frustrada em 1996, com a venda do complexo
industrial de leite ao Grupo Avipal, por incapacidade financeira, gerada em função
dos seguidos empréstimos cedidos a cooperativas filiadas, restringindo seu capital
de giro. (FRANTZ, 2002).
Com o fracasso do grande projeto agroindustrial cooperativo, as empresas
industriais passaram a negociar a produção de leite diretamente com os produtores,
estabelecendo uma política perversa de exploração das pequenas unidades
familiares.
Os produtores, incentivados pelos movimentos sociais, pela extensão rural e
pelas políticas públicas, passaram a defender a ideia de constituir pequenas
cooperativas para a intermediação da comercialização do leite, fortalecendo os laços
de amizades e vislumbrando grandes chances de alcançar os objetivos comuns.
Com fortes críticas ao cooperativismo vigente alimentava-se a esperança de um
“novo cooperativismo”, mais solidário e participativo e que fizesse a interlocução
entre os produtores e a indústrias.
O crescimento, portanto, do número de cooperativas e, também, do número
de cooperados nas cooperativas existentes, especialmente pelos pequenos
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Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
produtores de leite, tem sido creditado a uma expectativa de participação no
mercado que pode estar vinculado à defesa de interesses econômicos.
Particularmente, com relação às cooperativas de leite da agricultura familiar,
em pouco tempo os pequenos produtores aderiram ao cooperativismo porque
conseguiram elevar em 10 e até em 20 centavos o preço recebido por litro de leite.
Pequenos produtores, que recebiam R$ 0,30 ou R$ 0,40 por litro de leite, passaram
a receber R$ 0,60 ou mais por cada litro. As cooperativas aumentaram o poder de
barganha dos pequenos produtores, e isto foi muito bom. A formação das pequenas
cooperativas para comercialização de leite iniciou, na região noroeste do Rio Grande
do Sul, a partir de 2000.
A cooperativa seria, por excelência, o tipo ideal de empreendimento solidário,
voltado à inclusão dos tradicionalmente excluídos pela economia dominante.
O empreendimento cooperativo, de acordo com Schmidt e Perius (2003), tem
como principal valor a contribuição social no sentido de colocar o trabalho acima do
capital, o homem acima da máquina e, por fim, a realização pessoal acima da
individualidade e da reprodução desenfreada do capital.
O capital social é tido como um dos mecanismos pelos quais se pode superar
o atraso e a pobreza, através do estabelecimento de laços de confiança
interpessoais e de cooperação, com vistas à produção de bens coletivos.
Putnam (2000) apresenta o capital social como um conjunto de aspectos das
organizações sociais, tais como: redes de relacionamento, normas e confiança que
permitem a ação e a cooperação para o benefício mútuo. Sendo que a confiança
mútua entre os indivíduos é um pré-requisito para a existência e a formação de
capital social.
De acordo com Putnam (2000)
[...] capital social refere-se a práticas sociais, normas e relações de
confiança que existem entre cidadãos de uma dada sociedade” e “a cultura
cívica podia atuar mais sobre as instituições e que sua ausência seria um
obstáculo ao desenvolvimento institucional.
Katz e Kahn (1974) afirmam que as organizações que se baseiam
exclusivamente no papel prescrito possuem uma estrutura extremamente frágil. Fazse necessária a participação consciente do associado, e ele deve contribuir, da
melhor maneira possível, em favor daqueles que recebem a incumbência da
administração da cooperativa.
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Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
A organização cooperativa é uma das manifestações formais do capital social.
Para sua formação, os indivíduos concluem que em conjunto podem obter
resultados econômicos melhores do que se estivessem isolados. Uma cooperativa
agropecuária, por exemplo, é criada quando um grupo de produtores rurais percebe
que pode ter ganhos de escala na aquisição de insumos, acesso a novas
tecnologias e elevação do preço de seus produtos.
A proposta deste trabalho não é quantificar o capital social, o que constitui
uma tarefa complexa, mas verificar como esse capital se manifesta no momento da
construção de uma nova organização, neste caso, uma cooperativa, tentando
identificar as necessidades dos membros, as quais fizeram com que eles aceitassem
o processo coletivo e fazem com que eles tenham maior ou menor envolvimento nas
questões de sua cooperativa. Trata-se de uma reflexão acerca das motivações que
levaram os pequenos produtores a se organizarem de forma associativa, numa
cooperativa agropecuária.
2 CONSTRUÇÃO ASSOCIATIVA
O fenômeno do cooperativismo vem se destacando como uma das formas
mais usuais de associativismo.
O princípio da adesão livre e voluntária estabelece que o cidadão tenha
liberdade para associar-se a uma cooperativa, desde que esteja apto e ciente de
seus deveres, responsabilidades e direitos dentro da organização.
O envolvimento e a participação em grupos podem ter consequências
positivas para o indivíduo e para a sociedade. Dessa forma, o engajamento dos
cidadãos, o apoio mútuo, a solidariedade e a confiança recíproca têm se
apresentado para fomentar a construção de uma identidade coletiva.
2.1 CAPITAL SOCIAL
Para Putnam (2000), o capital social é definido como: “características da
organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para
aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”. O autor
contextualiza a definição do capital social pela sua função, estando este presente
sempre que houver características de organização social e que, intencionalmente ou
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Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
não, potencializa o trabalho humano, coordenando as atividades dos agentes com
resultados positivos.
Também para Putnam (2000), este se reflete no grau de confiança existente
entre os diversos atores sociais, seu grau de associativismo e o acatamento às
normas de comportamento cívico, tais como o pagamento de impostos e os
cuidados com que são tratados os espaços públicos e os “bens comuns”. Enquanto
o capital humano é produto de ações individuais em busca de aprendizado e
aperfeiçoamento, o capital social se fundamenta nas relações entre os atores sociais
que estabelecem obrigações e expectativas mútuas, estimulam a confiabilidade nas
relações sociais e agilizam o fluxo de informações, internas e externas. Em vez de
controles e relações de dominação patrimonialistas, o capital social favorece o
funcionamento de normas e sanções consentidas, ressaltando os interesses
públicos coletivos. Enquanto as vias convencionais de formar capital humano
estimulam o individualismo, a construção de capital social repercute favoravelmente
na coesão da família, da comunidade e da sociedade.
O capital social é a cola que une a sociedade, através de valores
compartilhados e regras para a conduta social expressa nas relações pessoais, na
confiança, e num bom senso de responsabilidade cívica, que tornam a sociedade
mais do que uma coleção de indivíduos.
Sob esta ótica o conceito de capital social tem se mostrado muito relevante
para diversos tipos de aplicações, principalmente por permitir um melhor
entendimento das relações entre indivíduos ou cooperativas e seus efeitos em
termos de desempenho econômico e social.
Para o autor, capital social é erroneamente confundido com socialização,
confiança mútua ou relações pessoais de longo prazo e, na realidade, envolve um
complexo balanço entre “laços fortes” e “laços fracos”.
Segundo Putnam, foi Granovetter (1973) que contribuiu para qualificar a
natureza dos laços sociais.
[...] um laço forte entre dois indivíduos envolve uma elevada dose de tempo
e esforço dedicados à relação, feição emocional, confiança e reciprocidade.
Logo é um relacionamento que se molda e auto-reforça ao longo do tempo.
Um laço fraco é exatamente o oposto desta situação, envolvendo
transações pontuais entre agentes, onde a identidade dos indivíduos é de
menor importância e questões de confiança e reprocidade são mínimas.
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Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
Para o autor o “laço forte ou bonding social capital” tende a fortalecer, acima
de tudo, o próprio grupo e reforçar as identidades excludentes e os grupos
homogêneos, e o “laço fraco ou bridging social capital” visa fortalecer as relações
com o mundo fora do grupo e abarca pessoas de diferentes setores sociais (p. 22).
O autor aponta algumas características positivas do capital social:
a) promover trocas mutuamente benéficas com o desenvolvimento das
normas do comportamento, da confiança e da reputação cívica;
b) estabelecer um processo de tomada de decisão consultiva e coletiva que
reduza externalidades negativas e promova a produção de bens públicos, e;
c) reduzir os custos de transação que facilitam o fluxo da informação e da
inovação.
Putnam
(2000)
também
percebeu
a
existência
de
novas
formas
contemporâneas de associações, particularmente os movimentos sociais e as
organizações do terceiro setor. Segundo Putnam, “tais organizações não
providenciam nem conectividade entre membros, nem engajamento direto em uma
forma cívica do dar e receber, e certamente elas não representam democracia
participativa”.
Sua principal objeção se baseia na suposição de que os laços e obrigações
que unem os membros destes movimentos sejam mais fracos do que em
organizações tradicionais, falhando na promoção de confiança social.
As organizações e associações que Putnam considera mais preparadas para
promover o espírito comunitário são exatamente aquelas que tendem a ser mais
excludentes, a defender e preservar a ordem e os privilégios existentes e que,
muitas vezes, trabalham em prol da privatização de espaços e questões públicas.
O estudo de Putnam revela que há uma forte correlação entre modernidade
econômica e desempenho institucional, e que o desempenho institucional está
fortemente correlacionado à natureza da vida cívica.
No ambiente interno, as associações civis incutem em seus membros hábitos
de
cooperação,
solidariedade,
senso
de
responsabilidade
comum
com
empreendimentos coletivos, bem como espírito público, provocando um intenso
engajamento cívico.
O capital social é relevante para as cooperativas, a fim de que estas possam
liderar e conduzir o seu próprio desenvolvimento, condicionando-o à mobilização dos
fatores produtivos num processo de autogestão.
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Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
De acordo com Putnam (2000), o capital social capacita as pessoas a
realizarem determinados projetos que sozinhas não conseguiriam. Agir em conjunto
torna os objetivos mais palpáveis e aumenta a probabilidade de sucesso nas
atividades econômicas.
2.2 COOPERATIVISMO, MOTIVAÇÕES E FIDELIDADE
Segundo Schneider (2010),
[...] a cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem,
voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas,
sociais e culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade
coletiva e democraticamente gerida.
A organização cooperativa é uma das manifestações formais do capital social.
Para sua formação, os indivíduos concluem que em conjunto podem obter
resultados econômicos melhores do que se estivessem isolados. Uma cooperativa
agropecuária, por exemplo, é criada quando um grupo de produtores rurais percebe
que pode ter ganhos de escala na aquisição de insumos, acesso a novas
tecnologias e elevação do preço de seus produtos.
O Cooperativismo é uma filosofia composta por sete princípios básicos:
adesão voluntária e livre; gestão democrática pelos membros; participação
econômica dos membros; autonomia e independência; educação, formação e
informação; intercooperação; interesse pela comunidade. O primeiro deles trata da
liberdade que temos em nos unir a uma cooperativa, se quisermos, e a ação que
voluntariamente devemos tomar para isto. Ou seja, nenhum cooperado é obrigado a
fazer parte da cooperativa e manter-se nela. O cooperativismo une as forças de
cada um pelo bem de todos, mas se alguém não mais se sentir compromissado com
isto, poderá deixar a sociedade cooperativa.
Do mesmo modo é importante entender que, ao ingressar numa cooperativa,
você assume compromisso com os demais cooperados e com o empreendimento
em si. Sua participação será muito importante para a continuidade da cooperativa e
o fortalecimento de sua atuação. Quanto mais ativo e sólido é o empreendimento
cooperativo, mais benefícios seus associados obtêm.
O ingresso de cada associado faz a cooperativa crescer e ampliar a oferta de
benefícios a todos os cooperados. O Capital Social, obrigatório para adesão a uma
68
Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
cooperativa, é a contribuição do cooperado e símbolo de seu compromisso com ela.
Mas, quando ingressamos em uma sociedade cooperativa, raramente a deixamos,
uma vez que são muitos os benefícios que obtemos pela força de todos.
Para o perfeito funcionamento da cooperativa é extremamente importante a
sensibilização dos candidatos a cooperantes, a fim de que os mesmos estejam
psicologicamente preparados para enfrentar os problemas internos e externos e,
principalmente, para não serem convencidos a ceder às tentações do capitalismo
que preza pelo individualismo e pela dominação. É essencial que o treinamento seja
focado nas características e princípios do cooperativismo.
Para constituir uma cooperativa é fundamental que todos aqueles que
desejam integrar esta sociedade tenham os mesmos objetivos, tenham clareza dos
passos a serem dados e se identifiquem com os valores e princípios do
cooperativismo.
É importante que todos participem de todas as etapas da constituição da
cooperativa. Mais do que a legalização de uma empresa ou a organização de um
trabalho, a constituição de uma cooperativa é a construção de uma sociedade de
pessoas com objetivos comuns. Apenas a participação de todos faz com que ela
exista. É necessário que a cooperativa, por meio de seu estatuto, reflita o grupo e
cada pessoa individualmente. Por isso, antes de formar uma cooperativa, discuta
bem com o grupo e faça do processo de formação desta um exercício democrático
de construção do coletivo. Este aprendizado vai ser útil para toda a vida da
cooperativa.
Portanto, a questão central para o sucesso cooperativo é a união entre a ação
e o propósito de seus membros, associados à qualidade de seus produtos e
serviços.
A energia que propulsiona o movimento cooperativista provém da participação
dos cooperados na sociedade. No momento em que ocorrer o distanciamento do
seu maior interessado, a cooperativa perde a sua identidade, vindo, no futuro, a ter
seus objetivos questionados e sua existência ameaçada.
Um ponto importante a ressaltar é que as pessoas só participam daquilo que
lhes interessa e daquilo que elas se sentem motivadas a participar. O intercâmbio
entre cooperado e cooperativa estimula o associado a sentir mais confiança e
acreditar que é através da união e da participação dos associados que a cooperativa
avança e atinge seus objetivos, Ricciardi (1986).
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Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre os interesses da cada
membro da sociedade e os objetivos coletivos simbolizados nas necessidades da
cooperativa em permanecer ativa e dinâmica. Portanto, o desafio para as estruturas
cooperativas modernas é manter seu papel de sistema produtivo centrado no
homem e, ao mesmo tempo, desenvolver uma organização capaz de competir com
empresas de outras naturezas com orientação para o mercado, isso na visão de
Zylberstjn (1994).
Segundo Meireles (1981), a prática social do cooperativismo revela diferença
na participação efetiva dos associados nas atividades das cooperativas. A
participação nas atividades de uma cooperativa, muitas vezes, limita-se à inscrição
no quadro social e à entrega de produtos para comercialização em grupo. Porém,
observa-se que a busca de satisfação de necessidades individuais, às vezes
divergentes entre os associados, revela que a cooperação não se apresenta como
um processo consciente, resultado de ações espontâneas. Outrossim, as
satisfações buscadas são, em sua maioria, de caráter econômico, procurando obter
as vantagens da prestação de serviços, especialmente daqueles mais ligados à
produção. Muitos associados não se sentem estimulados a aumentar a sua
produção e limitam-se a participar com uma quota mínima de produtos a serem
comercializados
via
cooperativa,
alegando
desestímulo
de
preços,
não
compensadores em relação ao custo da produção. Além disso, não concebem a
cooperativa como um meio para superar as condições adversas do mercado e para
levá-los a melhores condições sociais e econômicas.
As cooperativas são empresas de propriedade coletiva, pertencente aos seus
associados, e democraticamente gerida por eles. Essa associação numa
cooperativa dá-se não por união de capitais, mas do trabalho e/ou do compromisso
de realizar as transações de forma conjunta e de participar na organização. A
principal relação a ser gerida nestas organizações é a relação da cooperativa com
os seus membros. Essa relação privilegiada com seus cooperados deveria
transformar-se na sua vantagem competitiva. Para isso, o envolvimento efetivo e o
compromisso dos seus membros passam a ser cruciais. Mas, para isso, essa
relação deve ser construída e, nesse sentido, a educação e a comunicação têm um
papel absolutamente relevante a cumprir.
A cooperativa tem, assim, uma relação quase simbiótica com os seus
associados, já que, diferentemente de outras empresas, se os agricultores a
70
Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
abandonam, ela não consegue continuar sendo uma organização dinâmica,
independentemente de qual seja o seu nível de eficiência operativa.
A participação dos associados na cooperativa não deve ser imposta, mas sim
uma adesão espontânea dos indivíduos que se origina na materialização de certos
valores que o ser adota como seus.
3 METODOLOGIA
O objetivo de realização da pesquisa junto aos associados da Cooperativa
Agropecuária e Industrial São Valério do Sul (COOPERVALÉRIO) foi conhecer as
motivações que levam o pequeno produtor a se associar na cooperativa, suas
expectativas e comportamentos enquanto associado.
Para abordar a questão proposta neste trabalho, optou-se por realizar um
estudo exploratório e descritivo, dado que a pesquisa exploratória tem por finalidade
principal desenvolver, esclarecer e modificar ideias e conceitos, de forma a tornar
mais explícito o tema ou mesmo a construir hipóteses a seu respeito. (GIL, 1999). A
pesquisa descritiva, por sua vez, tem o objetivo de traçar as características de
determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre elas,
mediante a utilização de técnica de coleta de dados padronizada.
Para este estudo, em face às características da Cooperativa Agropecuária e
Industrial São Valério do Sul (COOPERVALÉRIO), que é formada por pequenos
produtores de leite, optou-se pelo estudo de caso.
O método de estudo de caso consiste numa investigação detalhada de um ou
poucos objetivos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado.
Para a verificação das hipóteses que buscam entender a motivação que leva
um pequeno produtor de leite a associar-se numa organização cooperativa como
forma de potencializar o poder de barganha na comercialização de leite, realizou-se
uma pesquisa de campo com a utilização de um questionário semiestruturado,
aplicado pelo próprio pesquisador. O questionário é caracterizado como um
instrumento de coleta de dados primários, constituído por uma série ordenada de
perguntas respondidas com a presença do entrevistador. (MARCONI; LAKATOS,
2007).
Para efeito de estudo, utilizou-se a quantidade de associados que estavam
realizando a entrega coletiva da produção de leite organizada pela cooperativa.
71
Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
O questionário, com um total de 17 perguntas abertas e fechadas, foi utilizado
como forma de medir e clarear os aspectos relativos à organização associativa,
tentando identificar os fatores preponderantes que determinam a ação de cada
produtor ao integrar a cooperativa.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Coopervalério foi constituída em 12 de junho de 2007, contando com 77
associados fundadores. A história do associativismo entre os produtores de leite do
município de São Valério do Sul, situado na região noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul, iniciou em 2004, com a formação de uma associação. Inicialmente,
contando com 30 produtores de leite, a associação organizou a comercialização do
leite de forma coletiva, em que a coleta era realizada individualmente e a venda do
produto centralizada no nome do presidente, com emissão de nota fiscal de pessoa
física.
A formação da associação e, por conseguinte, a concretização da cooperativa
não partiram somente da vontade dos produtores de leite. Havia apoio da Emater 7,
para a organização de formas associativas de trabalho, e do Poder Público
Municipal, para resolver o problema fiscal de que as empresas compradoras de leite
não emitiam nota fiscal de compra do leite, resultando em evasão de divisas do
município.
O preço do leite pago aos pequenos produtores era substancialmente inferior
aos preços médios praticados na região, corroborando com Schneider (2004), em
que afirma que as cooperativas representam uma resposta aos problemas impostos
pela globalização. No caso, as indústrias compradoras do leite impunham restrições
para a coleta e comercialização para manter os preços os mais baixos possíveis e
acumular lucros em suas plantas industriais.
A pesquisa de campo confirmou esta ideia quando apontou que 90% dos
entrevistados informaram que o principal motivo para a formação da cooperativa foi
melhorar o preço do leite, e também que 80% dos entrevistados apontaram a
melhora do preço do leite como a maior contribuição proporcionada pela
cooperativa.
7
Emater - Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural
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Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
O associativismo, no caso, contribuiu para a cooperação com sentido
econômico, concordando com os estudos de Frantz (2002), que apontam o
cooperativismo como oportunidade de crescimento e desenvolvimento coletivo.
Outro aspecto apontado por 55% dos entrevistados é que um dos motivos
que os levaram a integrar a cooperativa é a segurança que ela proporciona aos seus
associados. Putnam (2000) refere-se ao grau de confiança construído pelo capital
social e a confiabilidade estimulada por expectativas mútuas e coesão do grupo
participante como fator decisivo ao êxito das instituições coletivas. Os associados
buscaram, na cooperativa, a certeza de receber o valor referente à entrega da
produção de leite do mês anterior, pois houve situações em que sofreram calote e
outras em que o preço recebido era injusto.
Segundo Putnam (2000), o capital social não se desgasta com o uso e não se
esgota, mas pode ser destruído ou reduzido, aumentando a vulnerabilidade dos
mais pobres. Isto foi identificado na Coopervalério, quando a cooperativa teve uma
redução no número de associados que continuam mantendo relações com a
cooperativa. De um total de 77 associados, apenas 26 comercializam leite com a
cooperativa, sendo estes com menores volumes de produção.
O autor também afirma que, quando a confiança é baixa, as pessoas se
apoiam em suas famílias, quando é alta, permite a expansão de contatos. A
combinação da pobreza e a desconfiança mútua minam a solidariedade horizontal,
contribuindo para a redução de associados fortemente engajados nas atividades da
cooperativa.
A criação da cooperativa não foi em função da ideologia, e sim em função de
uma necessidade. Conforme descreve Schneider (2010), “o aglutinador não é o
conjunto de valores, mas a segurança das necessidades de sobrevivência”. O
cooperativismo aparece como uma alternativa e estratégia de tentar sobreviver no
mercado.
Tanto dirigentes quanto associados centraram sua ação na questão do preço,
e os produtores passaram a ver a cooperativa apenas como um meio de melhorar o
preço do leite. É uma estratégia que tem seu limite e precisa ser superada com
educação e capacitação cooperativa. A questão econômica não pode ser o único
elemento a garantir a permanência do associado na cooperativa, ele precisa
compreender que a cooperativa é um meio de melhorar a sua qualidade de vida e a
73
Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
da sua comunidade, com base em um projeto de desenvolvimento que lhe permitirá
superar sua precária situação.
O estudo corroborou com Schneider, pois apontou que, para fazer parte da
cooperativa, não foi necessário realizar curso de formação. Todos os entrevistados
afirmaram não ter participado de formação, e, embora 20 % dos entrevistados
afirmassem conhecer os princípios cooperativos, nenhum associado foi capaz de
citar qualquer princípio.
Segundo Schneider (2004), os resultados favoráveis buscados por meio da
cooperação, aos que a praticam, vão se atenuando à medida que os objetivos vão
sendo alcançados. No questionário identificamos que 50% dos entrevistados
declaram-se pouco satisfeitos com a cooperativa e apontam para a necessidade da
cooperativa oferecer outros serviços e, principalmente, melhorar ainda mais o preço
do leite.
No que se refere a novos serviços, a pesquisa apontou o anseio dos
associados na ampliação da ação cooperativa com insumos necessários ao
desenvolvimento das principais atividades produtivas dos cooperados.
Quanto ao preço do leite, quando questionados sobre o valor, os
entrevistados não informaram com exatidão o preço praticado pela concorrência,
gerando incertezas, embora todos apontassem que o preço pago pela cooperativa
poderia ser melhor, ou seja, segundo eles, a cooperativa deveria procurar negociar
melhor a produção.
5 CONCLUSÃO
A Coopervalério provou, pelo seu histórico, que é capaz de se tornar uma
cooperativa forte, através da união e da valorização de todos os seus cooperados. A
cooperativa conta com uma grande experiência no setor comercial da produção de
leite e no cotidiano de uma organização cooperativa.
O cooperativismo tem mais um desafio: resgatar a cultura cooperativista que
vem sendo esquecida pelos seus membros, uma vez que a união está dando lugar
aos interesses particulares. Os cooperados estão perdendo a motivação, a
participação e o comprometimento com a cooperativa. Surge a necessidade de
capacitação cooperativa.
74
Capítulo III - Capital Social na Formação de uma Cooperativa Agrícola
O cooperativismo não pretende negar o capitalismo, mas enxergar o
fenômeno associativo da cooperação como forma de sobrevivência nesse sistema e
como mecanismo de valorização da produção e possibilidade de manutenção da
identidade.
O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre os interesses da cada
membro da sociedade e os objetivos coletivos simbolizados nas necessidades da
cooperativa em permanecer ativa e dinâmica.
A disposição dos sócios para o desenvolvimento e crescimento da
cooperativa será fundamental, desta forma, é necessária a adesão de pessoas
realmente interessadas na organização.
A formação de cooperativas não deve iniciar com um problema que pode ser
resolvido de forma coletiva.
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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
Formar ou não uma Cooperativa? O Caso dos Agricultores Familiares de São
José do Inhacorá/RS
NARESSI, Adelar José8
COTRIM, Décio Souza9
RESUMO
Este artigo trata da discussão acerca da formação ou não de uma cooperativa,
exclusivamente de agricultores familiares, no município de São José do Inhacorá, na
região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Para elucidação do caso foram
entrevistados, paritariamente, lideranças e agricultores do município, com a
finalidade de identificar quais os setores da agricultura familiar encontram-se
desamparados e carentes de organização. Buscou-se também perceber o interesse
das lideranças municipais e, principalmente, dos agricultores familiares em formar,
fazer parte, bem como participar das tomadas de decisões da organização em prol
da coletividade. Os dados obtidos revelam que tanto lideranças quanto agricultores
reconhecem existir a necessidade de formar uma nova organização, como forma de
organizar os setores e suprir as carências, em busca do desenvolvimento da
agricultura familiar local. O estudo evidenciou também a falta de credibilidade por
parte dos agricultores em relação ao modelo de cooperativismo atual. Identificou
ainda, a inexistência de espírito cooperativo nos agricultores, que apesar de
admitirem fazer parte do quadro social, não demonstram interesse em participar das
decisões da nova organização. Assim, com o entendimento de que antes de termos
direitos, temos deveres, conclui-se que este não é o momento certo de formar a
nova organização, mas sim de primeiramente entender os valores e princípios do
cooperativismo para posteriormente formar a cooperativa.
Palavras-chave: Cooperativismo. Agricultura familiar. Participação.
ABSTRACT
This paper discusses the extent to which it is worth to create a new cooperative,
formed exclusively by family farmers, in the town of São José do Inhacorá, northwest
of the state of Rio Grande do Sul. To elucidate the issue, leaders and farmers of the
town were equally interviewed, in order to identify which sectors of family farming
need help and organization. We also sought to understand the interest of the leaders
and, mainly of the family farmers, in being part, as well as in participating of the
decisions of the organization in favor of the collectivity. The obtained data showed
that both leaders and farmers recognize the need to form a new organization as a
way to organize sectors and meet needs, in search of the development of local family
8
9
Engenheiro de Produção Agroindustrial, Pós-graduando em Gestão do Cooperativismo ESCOOP,
Extensionista da EMATER/RS-ASCAR, E-mail: [email protected].
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
77
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
farming. However, the study has also revealed the lack of credibility on the part of
farmers in relation to the current cooperativism model. Besides that, it has identified
the inexistence of a cooperative spirit among farmers, which, despite admitting to be
part of a social frame, did not show any interest in participating on the decisions of a
new organization. Thus, with the understanding that, before having rights, we have
duties, we concluded that this is not the right time to form a new organization, but
firstly it is necessary to work on values and principles of cooperativism, so that, later
on, a new cooperative can be formed.
Keywords: Cooperativism. Family farming. Participation.
1 INTRODUÇÃO
As terras que atualmente constituem o município de São José do Inhacorá,
desde 1682, integravam a Província das Missões, administrada pelos Jesuítas. Essa
situação perdurou até por volta de 1750, quando foi assinado o Tratado de Madrid e
este território passou a pertencer a Portugal. Em 1757, os Jesuítas foram expulsos e
a região passou a ser governada por milicianos espanhóis.
No ano de 1801, a região foi reconquistada e integrada definitivamente à área
Rio-grandense, sendo que antes fazia parte da Colônia do Sacramento. São José do
Inhacorá pertenceu respectivamente aos seguintes municípios: Rio Pardo, até 1809,
Cachoeira do Sul, até 1819, Cruz Alta, até 1834 e Santo Ângelo, até 1954. Em 16 de
dezembro de 1954 passou a fazer parte do município de Três de Maio, do qual se
emancipou em 1992.
Os primeiros moradores enfrentaram grandes dificuldades, como o ataque de
animais selvagens e dos bandidos que fugiam de Santo Ângelo na Guerra entre
Chimangos e Maragatos. Tinham dificuldades na obtenção de sementes para o
plantio de suas roças, pequenas lavouras que abriam no meio das matas virgens.
Enfrentavam também os Índios Guaranis que fugiram da Guerra do Chaco, entre
Paraguai e Bolívia, quando aproximadamente 250 famílias indígenas acamparam na
região, durante três meses.
Os primeiros moradores, na grande maioria de origem alemã, começaram a
chegar a São José do Inhacorá por volta de 1923, ocupando áreas próximas dos rios
Inhacorá e Buricá e dos Lajeados Restinga, Itu, Caramuru, Jundiá, Mato Queimado,
Barra Seca, Ilha e Tonguinha. As famílias eram muito dadas às lidas caseiras e
tinham por costumes a troca de favores e serviços e a visita aos vizinhos nos finais
de semana. (SÃO JOSÉ DO INHACORÁ, 2013).
78
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
O município de São José do Inhacorá localiza-se na região Noroeste do
estado do Rio Grande do Sul. Apresenta uma população de 2.200 habitantes, com
62,18% da população residindo no meio rural. (SÃO JOSÉ DO INHACORÁ, 2013). A
extensão territorial é de 77,81 km², representando uma densidade demográfica de
28 habitantes por quilômetro quadrado. O interior do município está dividido em 23
localidades, onde se encontram as 477 famílias de produtores rurais, sendo 100%
de regime familiar.
A economia do município baseia-se principalmente no setor primário. A
principal atividade é a agrícola, com cultivo de soja, milho, trigo, mandioca e canade-açúcar, seguida da pecuária, com criação de bovinos de leite, suínos, ovinos,
peixes e aves. No setor secundário, destaca-se o crescimento de algumas indústrias
(metalúrgicas, moveleiras, têxteis, artefatos de cimento, fábrica de palitos) que
absorvem a mão-de-obra da população da zona urbana. Os estabelecimentos
comerciais são de pequeno porte e operam com gêneros alimentícios de primeira
necessidade, tecidos e instrumentos mais elementares na atividade agrícola.
A prestação de serviços resume-se a oficinas mecânicas, fotógrafos, salões
de beleza, bares, eletrônicas, construtoras, armazéns, açougues, costureiras,
funerária, farmácia, posto de combustível, eletricista, escritório despachante e de
contabilidade e atendimento odontológico. Além disso, o município conta com
serviços de atendimento público como Brigada Militar, cartório, Correios e
Telégrafos, banco postal, unidades sanitárias, laboratório clínico, Bansicredi,
Emater/RS-Ascar, Casa do Agricultor, hospital, escola estadual e municipal,
biblioteca pública, Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Cooperativa Agropecuária
Alto Uruguai (COTRIMAIO).
O relevo é bastante acidentado, terras dobradas, com pequenas e grandes
elevações. Apresenta também algumas partes planas e depressões. O clima
predominante é o temperado. As temperaturas máximas ocorrem nos meses de
dezembro, janeiro e fevereiro, e as temperaturas mínimas ocorrem nos meses de
junho, julho e agosto, com intensas formações de geadas. As estações do ano não
estão bem definidas, conforme temperatura.
A agropecuária, ao longo dos anos, desempenhou papel importante no
crescimento do município, como geradora de renda e mão-de-obra. Por outro lado,
as mudanças provocadas pelo processo de desenvolvimento, aliadas à revolução
tecnológica, distorceram as funções das pequenas propriedades rurais. As políticas
79
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
agrícolas, desenvolvidas durante o período compreendido como “Revolução Verde”,
impuseram aos agricultores um regime de monocultura, forçando os agricultores a
abandonarem a produção diversificada e de subsistência e partirem para o cultivo
em grande escala, visando exclusivamente ao mercado externo e ao lado comercial
da produção, sem atender à demanda do mercado local e de subsistência.
Não demorou muito para que os produtores percebessem que a monocultura
era um sistema equivocado para as propriedades de pequeno porte. O crescente
aumento no custo da produção, a dependência de máquinas e insumos externos,
aliados à oscilação dos preços dos produtos no mercado externo, tornaram a
atividade inviável, deixando as propriedades ineficientes e insustentáveis. Os
produtores, descapitalizados, foram obrigados a repensar suas atividades e a partir
em busca de alternativas e formas de produção que ofereçam condições de renda e
de qualidade de vida para suas famílias.
Frente a essa situação, a bovinocultura de leite passou a ser a principal
atividade econômica para grande número de famílias rurais, estando presente em
quase 50% das propriedades. Um diagnóstico recente, realizado pela Secretaria
Municipal do Agronegócio e Meio Ambiente, identificou que diariamente são
produzidos 31.000 litros de leite, em 216 propriedades do município.
A atividade vem recebendo diversos incentivos que visam a fomentar a
produção,
resultando
em
melhorias
significativas
e
crescentes,
tanto
na
produtividade como também na qualidade do produto. Observa-se, porém, que o
setor carece de melhor organização e gestão da produção, principalmente na
comercialização do produto.
Atualmente, 16 empresas, diariamente, circulam pelo interior do município,
recolhendo a produção. Produtores da mesma localidade recebem preços diferentes
pelo produto, variando de R$ 0,69 a R$ 0,97 por litro de leite comercializado.
Destaca-se também que, apesar de o volume de produção ser significativo e
crescente,
não
existe
nenhuma
unidade
de
recebimento,
resfriamento
e
processamento da produção no município.
Entre tantas ações de incentivo à atividade leiteira, destaca-se a prestação de
serviços de máquinas, em diversas atividades, como confecção, transporte e
compactação de silagem, fenação, transporte de adubo orgânico e serviços com
roçadeiras tratorizadas. Além desses serviços, que são prestados através dos 10
grupos de máquinas existentes, o município conta também com o Conselho de
80
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
Desenvolvimento Comunitário (FUNDEC), criado em 1993, que desde o ano de
1995 presta serviços com um trator de esteiras.
Tanto os grupos de máquinas quanto o FUNDEC vêm prestando relevantes
serviços em prol dos agricultores familiares. O que se observa é a necessidade de
melhor organizar a prestação desses serviços e também adquirir mais máquinas
para melhorar o atendimento e consequentemente as condições de desempenho
das atividades geradoras de renda.
A alternativa de geração de renda, que se encontra em pleno crescimento, é o
setor das agroindústrias, que resulta no processamento da matéria-prima produzida
nas propriedades rurais. Atualmente, estão em atividade três agroindústrias
formalizadas, sendo um abatedouro, uma agroindústria de embutidos e uma de chás
e aditivos para chimarrão. O Programa Estadual de Agroindústria Familiar do estado
do Rio Grande do Sul apresenta uma série de medidas para facilitar a implantação e
a legalização das agroindústrias familiares. Através desse programa estão
formalizadas mais quatro agroindústrias, sendo duas de derivados de cana-deaçúcar, uma de panificação e confeitaria e uma de açougue e embutidos. Além
dessas, várias famílias desenvolvem a agroindustrialização de forma artesanal e
informal, oportunizando receita extra para as propriedades.
Atualmente, a comercialização é realizada de forma direta aos consumidores
finais ou através da Central de Vendas de Produtos Coloniais, Agroindustriais e
Artesanais, existente no município. Nos últimos anos, os Programas Institucionais,
como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de
alimentação Escolar (PNAE), demonstram ser importantes alternativas de mercado
para absorver a produção resultante das agroindústrias familiares. Percebe-se que o
setor das agroindústrias demonstra enorme potencial de geração de renda e
qualidade de vida para as famílias rurais. Por outro lado, percebe-se que o setor
precisa melhorar a organização para poder enfrentar o mercado e alcançar os
objetivos esperados.
Salienta-se que, recentemente, outras atividades, como a fruticultura, a
horticultura, a apicultura, a ovinocultura e a piscicultura também passaram a ser
exploradas com maior intensidade nas pequenas propriedades rurais do município,
como alternativas de geração de renda para as famílias. Ao mesmo tempo em que
essas atividades surgem como alternativas de geração de renda, muitos entraves
são observados, como o baixo preço recebido pela produção, a interferência de
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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
intermediários e atravessadores, o alto custo dos insumos, a carência de mão-deobra e de assistência técnica e gerencial, além da fiscalização tributária e sanitária.
Esses fatores interferem diretamente no desenvolvimento das propriedades e até
mesmo na permanência das famílias no meio rural.
Outro fator determinante para provocar a busca por uma alternativa que
venha ao encontro dos anseios dos agricultores familiares e de suas atividades é a
situação na qual se encontra a Cooperativa Agropecuária Alto Uruguai Ltda.
(COTRIMAIO). A grande maioria dos produtores rurais de São José do Inhacorá está
associada a esta organização cooperativa, que está presente em 18 municípios da
região, com quase 12.000 associados e mais de 600 colaboradores.
O empreendimento, com 44 anos de atuação no comércio de recebimento de
grãos e de leite, lojas agropecuárias, supermercados e postos de combustíveis,
recentemente decretou processo de liquidação extrajudicial, com continuidade de
negócios. A medida foi tomada, em janeiro de 2013, visando a proteger o patrimônio
e buscar prazo para renegociação das dívidas. A cooperativa já perdeu causas na
justiça, movida por credores, e vem enfrentando leilões do seu patrimônio, o que
tornou a situação insustentável. Para tirar a cooperativa da crise em que se
encontra, a nova diretoria está analisando criteriosamente todos os negócios e
aqueles que não estão gerando sobras estão sendo desativados. Tal decisão pode
provocar o encerramento das atividades da unidade local.
Preocupados com essa situação, autoridades, lideranças municipais e das
comunidades, juntamente com alguns produtores, buscam encontrar uma alternativa
para organizar o setor produtivo e enfrentar essas dificuldades. Recentemente,
baseado
em
experiências
de
outras
regiões,
o
cooperativismo,
voltado
exclusivamente à agricultura familiar, passou a ser estudado como forma de
contribuir para a competitividade das pequenas propriedades rurais e suas
atividades. Dessa forma, alicerçados no espírito cooperativista, e contando com
suporte do Programa Gaúcho do Cooperativismo Rural, os produtores estão sendo
desafiados e incentivados a criar uma nova organização cooperativa de agricultores
familiares, como forma de atingir os objetivos comuns.
O presente estudo visa a observar os cenários, identificar os atores sociais do
cooperativismo e, a partir destes, indicar o caminho da constituição, ou não, de uma
nova cooperativa de agricultores familiares no município de São José do Inhacorá.
82
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
2 METODOLOGIA
Para a realização do estudo, utilizou-se a entrevista semiestruturada como
técnica de coleta de dados para obtenção das informações necessárias. Mediante a
aplicação de uma entrevista, procurou-se identificar o real interesse das autoridades
e lideranças municipais, bem como dos agricultores familiares, quanto à constituição
e participação no quadro social de uma nova cooperativa de agricultores familiares,
no município de São José do Inhacorá.
De acordo com Marconi e Lakatos (2006), a entrevista é um encontro entre
duas pessoas, no qual uma delas pode obter informações em relação a determinado
assunto, através de uma conversa de natureza profissional. Trata-se de um método
usado na investigação social, para a coleta de dados ou para auxiliar no diagnóstico
de um determinado assunto ou problema. A entrevista de forma não estruturada
permite que o entrevistado tenha a total liberdade para expressar suas opiniões e
sentimentos.
A coleta de informações para a execução da pesquisa aconteceu mediante a
aplicação de entrevistas a 22 pessoas, no período de 10 de julho a 05 de agosto de
2013. A investigação acerca das opiniões das autoridades e lideranças municipais
ligadas ao setor agropecuário do município foi executada mediante a aplicação da
entrevista para 11 pessoas, envolvendo o Executivo Municipal, Secretários,
Assessoria Jurídica, lideranças sindicais e presidentes de conselhos e associações
municipais. Para identificar a opinião dos agricultores familiares, a entrevista foi
dirigida a 11 pessoas representantes dos segmentos da bovinocultura de leite, das
agroindústrias, da Associação Central de Vendas de Produtos Coloniais, dos
hortifrutigranjeiros e a integrantes dos grupos de máquinas do município.
3 DESENVOLVIMENTO
3.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A cooperação sob a ótica social e humana, de uma forma mais ampla, como
processo de relação social, está na essência do ser humano, representada pela vida
em comunidade desde a pré-história, como meio de sobrevivência, através da
segurança ou exploração de um território em comum e da busca de necessidades
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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
básicas, como alimento e moradia. Entretanto, essas formas de organização,
mesmo que primitivas, nos servem como referência até os dias de hoje, quando se
busca a melhoria da qualidade de vida dos associados de cooperativas e das
comunidades. (LAGO, 2009).
Para Lago (2009), a cooperação é uma prática tão antiga quanto a própria
humanidade e, de certa forma, ajudou o homem a enfrentar as dificuldades a ele
impostas. Sem a cooperação, os seres humanos possivelmente estariam vivendo
ainda em cavernas.
Conforme Zamberlam e Froncheti (1992 apud LAGO, 2009), a cooperação é
uma forma de organização de trabalho, podendo estar presente em todas as formas
sociais: meios de produção comunal primitivo, escravista feudal, capitalista e
socialista.
Sob a ótica econômica, a cooperação pode ser considerada uma estratégia
para a geração de vantagens competitivas para as organizações. Enquanto a
sociedade ainda não estiver organizada, estando valendo a lei do mais apto, o
competidor terá melhor resultado que o cooperador, restringindo a existência da
cooperação. No entanto, no momento em que a sociedade se organiza, a
cooperação passa a gerar maiores benefícios que a competição individual. (LAGO,
2009, p. 37-38).
Segundo Wickert (2010), a cooperativa é uma associação de pessoas
comprometidas a realizar, em bases empresariais e na colaboração recíproca,
atividades econômicas de interesse grupal, com o objetivo de melhorar as condições
econômicas e sociais de seus associados. Para tanto, os objetivos comuns, de
forma participativa e democrática, devem ser colocados em primeiro lugar, acima
dos interesses particulares. Além disso, os princípios do cooperativismo devem ser
seguidos e cumpridos.
A identidade cooperativa, segundo as Deliberações de Manchester, é descrita
por Menezes (2005, p. 94-95)), assim:
I Definição de Cooperativa – Cooperativa é uma associação autônoma de
pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e
necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma
empresa de propriedade coletiva e democraticamente gerida.
II Valores do Cooperativismo – As cooperativas baseiam-se em valores de
ajuda mútua e responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e
solidariedade. Na tradição de seus fundadores, os membros das
84
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
cooperativas acreditam nos valores éticos da honestidade, transparência,
responsabilidade social e preocupação pelo semelhante.
III Princípios do Cooperativismo – Os princípios cooperativos são as linhas
orientadoras através das quais as cooperativas levam os seus valores à
prática:
Adesão voluntária e livre – As cooperativas são organizações voluntárias,
abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e a assumir as
responsabilidades como membros, sem discriminações de sexo, sociais,
raciais, políticas e religiosas.
Gestão democrática pelos membros – As cooperativas são organizações
democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente
na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as
mulheres, eleitos como representantes dos demais membros, são
responsáveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau os membros
têm igual direito de voto (um membro, um voto); as cooperativas de grau
superior são também organizadas de maneira democrática.
Participação econômica dos membros – Os membros contribuem
equitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no
democraticamente. Parte desse capital é, normalmente, propriedade comum
da cooperativa. Os membros recebem, habitualmente, se houver, uma
remuneração limitada ao capital integralizado, como condição de sua
adesão. Os membros destinam os excedentes a uma ou mais das seguintes
finalidades:
— desenvolvimento de suas cooperativas, eventualmente através da
criação de reservas, parte das quais, pelo menos será indivisível;
— benefício aos membros na proporção das suas transações com a
cooperativa;
— apoio a outras atividades aprovadas pelos membros.
d) Autonomia e independência – As cooperativas são organizações
autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Se firmarem
acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas, ou
recorrem a capital externo, devem fazê-lo em condições que assegurem o
controle democrático pelos seus membros e mantenham a autonomia da
cooperativa.
e) Educação, formação e informação – As cooperativas promovem a
educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos dos
trabalhadores, de forma que estes possam contribuir eficazmente para o
desenvolvimento das suas cooperativas. Informam o público em geral,
particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as
vantagens da cooperação.
f) Intercooperação – Trabalhando em conjunto através das estruturas locais,
regionais e internacionais, as cooperativas servem de forma mais eficaz aos
seus membros e dão força ao Movimento Cooperativista.
g) Interesse pela comunidade – As cooperativas trabalham para o
desenvolvimento sustentado das suas comunidades através de políticas
aprovadas por seus membros.
De acordo com Cotrim (2009), a cooperativa apresenta-se como uma das
alternativas de organização social, representando a possibilidade de superação das
dificuldades ao redor das necessidades e objetivos comuns a uma determinada
classe social. A cooperativa exige uma mudança de postura dos atores sociais
envolvidos, tornando-se empreendedores de sua própria organização coletiva. Além
disso, segundo o mesmo autor, as organizações cooperativas têm seus objetivos
principais centrados na melhoria das condições de trabalho ou de consumo dos
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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
atores
sociais
envolvidos,
na
melhoria
da
renda
e
na
ampliação
do
autodesenvolvimento de seus membros.
Conforme descreve Wickert (2010), uma cooperativa é constituída de dois
elementos fundamentais: o social, que é a reunião de pessoas, e o econômico, que
é a prestação de serviços. Para alcançar os resultados esperados, esses elementos
precisam estar equilibrados, motivando a participação e ao mesmo tempo
desenvolvendo o projeto econômico dos associados. Segundo a lei nº 5.764/71,
”celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se
obrigam a contribuir com bens e serviços para o exercício de uma atividade
econômica de proveito comum, sem objetivo de lucro. São sociedades de pessoas,
com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência,
constituídas para prestar serviços aos associados”. A cooperativa tem por finalidade
construir a melhoria das condições socioeconômicas de seus membros, buscando a
sua autonomia política e financeira através da autoajuda e ajuda mútua de seus
associados.
A agricultura familiar, para Wanderley (apud TEDESCO, 1999), é uma
categoria social recente, que no Brasil assume ares de novidade e renovação. É um
conceito genérico, que incorpora uma diversidade de situações específicas e
particulares. Atualmente, a agricultura familiar sente-se obrigada a modificar sua
vida social tradicional para adaptar-se ao novo contexto socioeconômico. Essas
transformações do agricultor familiar moderno não produzem uma ruptura total e
definitiva com as formas anteriores, gestando, antes, um agricultor portador de uma
tradição camponesa, o que lhe permite, com precisão, adaptar-se às novas
exigências da sociedade.
O Ministério do Desenvolvimento Social define agricultura familiar, como:
A agricultura familiar é uma forma de produção onde predomina a interação
entre gestão e trabalho; são os agricultores familiares que dirigem o
processo produtivo, dando ênfase na diversificação e utilizando o trabalho
familiar, eventualmente complementado pelo trabalho assalariado. (BRASIL,
2013).
A participação do ser humano em uma organização, bem como na sociedade,
varia de acordo com a sua motivação. Para Abrantes (2004), a motivação do ser
humano é um dos grandes segredos para o sucesso de qualquer negócio. Uma
pessoa ou um grupo desmotivado pode levar ao fracasso qualquer iniciativa ou
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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
tentativa de negócio, por melhor que tenha sido o planejamento. Se, por um lado é
difícil motivar uma pessoa, por outro lado é muito fácil desmotivá-la. O que promove
a motivação é um bom ambiente, onde as pessoas se sentem úteis, respeitadas e
com liberdade de expressão, de sentimentos e de ideias.
No que se refere à participação dos associados, Schneider (2003) acredita
que existem alguns fatores importantes que dificultam o desenvolvimento de
processos educativos na cooperação, no seio das cooperativas brasileiras.
Primeiramente, a não participação dos associados na gestão de suas cooperativas,
por não se sentirem donos. Ao contrário, sentem-se alijados da tomada de decisões,
não participando efetivamente das reuniões e assembleias, abrem mão do direito de
participação. Repassam aos gestores as rédeas institucionais, considerando não
dominarem, eles próprios, os saberes necessários à gestão. Sendo assim, o
crescimento das cooperativas determina a profissionalização institucional, afastando,
ainda mais, os associados da gestão participativa e causando isolamento de espaço,
de conhecimento e, também, cultural, dentro da instituição.
O sócio é imediatista, é sôfrego em buscar o resultado, é oportunista nos
negócios, é antes de tudo o indivíduo e não a sociedade. Enquanto a
sociedade caminha lenta, gradual e sistematicamente, visando à segurança
do presente e enraizando bases sólidas para o futuro, o sócio só percebe o
presente e se aninha no passado. (BENATO, 1994, p. 7 apud SCHNEIDER,
2003, p. 48).
Para Ricciardi (2000), considerando que a cooperativa é uma sociedade de
pessoas, que usam seu capital e unem seus esforços para atingir objetivos comuns,
com uma gestão democrática, a atitude dos cooperados é extremamente importante.
O cooperado, além de ser a força de trabalho é, e deve comportar-se como, dono e
usuário da cooperativa. Além disso, é preciso que ele se interesse pelo que é seu,
seguindo o estatuto social e acompanhando o andamento de sua empresa. O
associado deve refletir que se ele aderiu à cooperativa para atender principalmente
a suas próprias necessidades, optou pela ação em grupo. A empresa cooperativa só
tende a crescer se os cooperados participarem plenamente de todos os seus
momentos e atividades.
87
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
3.2 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O debate sobre a constituição de uma cooperativa exclusivamente de
agricultores familiares no município de São José do Inhacorá/RS surgiu tendo em
vista as necessidades e carências de alguns segmentos, como a produção de leite,
as agroindústrias, a central de vendas de produtos coloniais, o setor de
hortifrutigranjeiros, a assistência técnica, os grupos de máquinas, o FUNDEC e os
programas institucionais PAA e PNAE.
A discussão sobre a constituição da nova cooperativa tem se intensificado
nos últimos anos, tendo em vista o crescimento de alguns segmentos como a
bovinocultura de leite, as agroindústrias e o setor de hortifrutigranjeiros. Outro fator
relevante é que o modelo de cooperativismo atual, não atende as necessidades dos
agricultores familiares e não está preparado para acompanhar o crescimento desses
segmentos. É o caso da Cooperativa Agropecuária Alto Uruguai Ltda. (COTRIMAIO),
que recentemente decretou processo de liquidação extrajudicial, com possibilidade,
inclusive, de encerrar as atividades da unidade local.
De acordo com o que já vem sendo discutido por lideranças e conselhos
municipais, a nova cooperativa surgiria com o propósito de organizar, dar suporte
técnico e gerencial, tanto na produção quanto na comercialização dos produtos,
promovendo o desenvolvimento social, econômico e ambiental dos segmentos
envolvidos, bem como do quadro de associados da nova organização.
Este estudo tem por objetivo identificar a real necessidade, bem como
descobrir quais os segmentos que se encontram desamparados e demonstram
interesse em formar e fazer parte de uma nova organização cooperativa. Buscou-se
também perceber o interesse das lideranças municipais e, principalmente, o
interesse e a motivação dos agricultores em formar, fazer parte do quadro social,
bem como em participar das tomadas de decisões de uma nova cooperativa de
agricultores familiares.
Para elucidação dessas dúvidas, usou-se a técnica da entrevista como forma
de obtenção das informações necessárias para se chegar a uma conclusão a
respeito do problema em questão. A aplicação da entrevista foi realizada de forma
que os entrevistados tiveram a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. Foi
elaborado um conjunto de questões previamente definidas, mas a aplicação ocorreu
de forma semelhante a uma conversa informal entre duas pessoas, o entrevistador e
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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
o entrevistado, ambos com pleno conhecimento sobre o caso abordado. Durante a
aplicação das entrevistas, servimo-nos também da experiência de extensionista rural
para identificar o que o entrevistado estava sentindo ou pensando, mas que não
manifestou para não contrariar ou comprometer a relação de trabalho e de amizade
existente entre extensionistas e assistidos.
Procurou-se identificar a opinião dos entrevistados mediante a aplicação de
quatro questionamentos. O primeiro tinha por objetivo perceber se os entrevistados
acreditam que o modelo de cooperativismo existente atualmente no município
atende as necessidades dos agricultores familiares. O segundo questionamento
procurou identificar quais os segmentos da agricultura familiar estão desamparados
pelo modelo atual de cooperativismo. O terceiro questionamento foi em relação à
credibilidade dos entrevistados quanto à formação de uma nova organização
cooperativa, exclusivamente de agricultores familiares, se esta atenderia às
expectativas e necessidades dos associados, nos diversos segmentos envolvidos. O
quarto e último questionamento buscou ouvir a opinião dos entrevistados, de forma
direta e objetiva, em relação à formação ou não, e quais os segmentos que devem
fazer parte da cooperativa de agricultores familiares no município de São José do
Inhacorá.
3.2.1 Posicionamento das Lideranças Municipais
Entre as lideranças foi possível perceber forte preocupação em relação à
carência de organização de diversos segmentos e, por consequência, a necessidade
imediata de encontrar uma forma de organizar e fortalecer esses setores, a fim de
torná-los competitivos.
Os entrevistados, de um modo geral, relataram que acreditam que, através do
cooperativismo, as carências serão supridas e que, através desse sistema de
organização,
a
agricultura
familiar
encontrará
o
caminho
para
o
pleno
desenvolvimento.
Em relação ao primeiro questionamento, diversas foram as opiniões, mas
todos os entrevistados opinaram que o modelo atual de cooperativismo existente
atualmente em São José do Inhacorá atende parcialmente as necessidades e as
expectativas dos agricultores familiares, deixando alguns setores desamparados.
89
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
A cooperativa de crédito parcialmente atende as expectativas, no sentido
do seu envolvimento com a sociedade, porém o associado não vê a cor
do dinheiro das sobras da cooperativa, apesar da propalada
integralização na cota capital que nunca cresce. A cooperativa de
produção em muitos momentos fez e ainda faz a sua função de
cooperativa como balizadora de preços de insumos, sementes e demais
mercadorias, assim como das mercadorias comercializadas pelos
associados. Os problemas são sucessivas más gestões, que
descapitalizaram a cooperativa, perdendo poder aquisitivo e
consequentemente competitividade no fornecimento de insumos e a
credibilidade na compra dos produtos dos associados. (LIDER 2).
Na visão do líder sindical, o modelo atual de cooperativismo existente está
ainda muito distante da real necessidade dos agricultores familiares.
As cooperativas atualmente atendem somente em parte as necessidades
dos agricultores familiares. As cooperativas tomaram outro rumo,
procurando atingir metas de faturamento e resultado, sem observar se o
seu associado está tendo o resultado esperado ou se está sendo
atendido. De um modo geral, o sistema atual de cooperativismo de
produção está falido. (LÍDER 10).
Em relação ao atendimento aos associados por parte da cooperativa de
produção COTRIMAIO, da qual a grande maioria dos agricultores familiares de São
José do Inhacorá faz parte, as manifestações não foram favoráveis à situação atual.
A COTRIMAIO, quando na sua fundação, atendeu bem a seus associados,
mas com o passar dos anos ela se envolveu em uma região muito extensa
e com isso deixou de ser uma organização voltada para seus associados e
isso fez com que entrasse em crise financeira. (LÍDER 11).
No que se refere aos segmentos da agricultura familiar que se encontram
desamparados no momento e que devem fazer parte da nova organização, todos os
segmentos abordados na entrevista foram citados pelas lideranças. Por outro lado,
ficou evidente certa desconfiança em relação à participação da bovinocultura de leite
e dos grupos de máquinas. Todos se manifestaram dizendo que há a necessidade
desses segmentos integrarem a nova organização, mas alertaram para o descrédito
desses setores em relação ao associativismo, devido a diversas experiências
malsucedidas.
Vários setores e segmentos eram atendidos no período da criação da
COTRIMAIO,
desde
bovinocultura
de
leite,
suinocultura,
hortifrutigranjeiros, assistência técnica e as culturas regionais. Com o
passar dos anos ela se voltou demais para as médias e grandes
90
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
propriedades, o que fez com que São José do Inhacorá ficasse
desamparado. (LÍDER 11).
Quanto aos Programas Institucionais, o Programa de Aquisição de Alimentos
do Governo Federal (PAA) ainda não está sendo executado no município. No que se
refere ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) existe ainda grande
dificuldade na obtenção dos produtos. A cada compra, recai sobre a EMATER/RSASCAR
e
a
Secretaria
Municipal
do
Agronegócio
e
Meio
Ambiente
a
responsabilidade de organizar os produtores para realizarem o fornecimento de seus
produtos. Os responsáveis pela aplicação do Programa no município manifestaramse da seguinte forma:
Falta organização na comercialização dos produtos. Por São José do
Inhacorá ser um município pequeno, com vocação agrícola, os
agricultores deveriam estar melhor amparados pela cooperativa. Quase
não dá para acreditar que com quase quinhentas famílias de agricultores
familiares, ainda temos dificuldades em conseguir os produtos da
agricultura familiar para atender à meta do Programa Nacional de
Alimentação Escolar. (LÍDER 6).
Entre as lideranças, houve unanimidade em relação à credibilidade na
formação da nova organização cooperativa. Embora com algumas ressalvas, todos
os entrevistados acreditam que a formação de uma cooperativa, exclusivamente
voltada à agricultura familiar, atenderia às necessidades e expectativas dos
associados.
Acredito que a constituição de uma nova cooperativa atenderia às
necessidades dos associados, desde que realmente seja formada por
pequenos agricultores, de abrangência somente do nosso município ou
de no máximo cinco municípios da região. Com isso o associado
conseguiria acompanhar o planejamento e as atitudes da diretoria da
cooperativa. (LÍDER 11).
Ainda em relação à credibilidade quanto à constituição da nova organização
cooperativista,
outra
liderança,
representando
o
Conselho
Municipal
de
Desenvolvimento do Agronegócio, manifestou-se da seguinte forma:
Acredito na nova cooperativa. No momento em que for criada uma
organização e gerenciada por um grupo de pessoas as quais tenham
conhecimento em gestão cooperativista, tenho certeza que uma nova
cooperativa de agricultores familiares daria certo. (LÍDER 9).
91
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
O representante da administração municipal, quando entrevistado em relação
à formação da cooperativa, expressou a opinião mais pessimista entre os líderes
entrevistados, principalmente no que se refere à aceitação e participação dos
associados, dizendo o seguinte:
Acredito que a nova cooperativa poderá atender às necessidades dos
associados. Apesar de acreditar, fico na dúvida, porque não consigo
medir o grau de aceitação dos agricultores familiares nessa alternativa. A
perspectiva da permanência ou a sobrevivência da agricultura familiar nos
deixa na dúvida, pois anualmente ocorre uma diminuição considerável
das famílias no meio rural, e isto vem sendo cada vez mais preocupante,
pois cada vez mais os jovens estão procurando alternativas de emprego
na cidade, abandonando assim a propriedade. (LÍDER 1).
Outras lideranças manifestaram-se de forma mais positiva em relação à
formação da cooperativa, destacando a importância do cooperativismo e da
participação do quadro social nas decisões, em busca de alternativas que viabilizem
o crescimento socioeconômico da agricultura familiar.
Em nível de lideranças da comunidade está bem madura a decisão e a
importância da criação da cooperativa da agricultura familiar, ao mesmo
tempo em que em nível dos produtores há certa frieza em relação ao
tema, porém há necessidade de reunir um número de vinte lideranças e
traçar metas, objetivos e prioridades para então envolver a sociedade
como um todo e com o passar dos anos ter-se uma cooperativa forte e
envolvida nos diferentes aspectos da sociedade. A cooperativa também é
importante no sentido de representar a coletividade da agricultura familiar,
tanto em defender os interesses da classe bem como buscar novas
alternativas de renda e principalmente novas formas de comercialização,
tanto para o mercado institucional bem como para a participação em
feiras. (LIDER 2).
Para outro entrevistado:
[...] Se houver um grupo de agricultores interessado em formar uma nova
cooperativa, estou em pleno acordo. Porém todas as entidades ligadas à
agricultura devem promover e incentivar a participação dos agricultores
familiares e auxiliá-los na busca do sucesso da nova organização. (LÍDER
9).
Ainda, quando questionado sobre formação da nova organização cooperativa,
outro entrevistado afirma que:
Venho trabalhando a ideia de formar essa cooperativa há bastante tempo,
junto aos conselhos, quando fiz parte das diretorias. Mas para dar certo,
deve haver a participação e o apoio do poder público, sindicato,
92
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
associações, conselhos, igrejas e também da ACI. Com isso a agricultura
familiar conseguiria se organizar e planejar melhor suas propriedades e
atividades, tendo assim maior viabilidade econômica, social e ambiental.
(LÍDER 11).
Ainda em relação à formação ou não da nova cooperativa, a opinião
manifestada pela assessoria jurídica do município refere-se ao cooperativismo como
forma de dar legalidade às atividades que serão desenvolvidas através dessa forma
de organização.
Entendo que uma cooperativa viria ao encontro do que é legal. Assim
como estão as coisas, os objetivos não são atendidos. Legalizá-la é o
caminho correto para o sucesso da mesma. É necessário haver leis que
regulem o que os associados pretendem executar. Uma cooperativa,
antes mesmo de nascer, já vem regulamentada. Isso dá um “status” novo
e o sócio se sente protegido. Com amparo legal e as coisas funcionando
bem, mais cidadãos vão aderir à nova cooperativa. (LÍDER 8).
3.2.2 Posicionamento dos Agricultores Familiares
Sabemos que o sucesso de uma organização cooperativista só acontece se
houver a participação efetiva dos associados, tanto no quadro social, como nas
tomadas de decisões dos atos cooperativos a serem desempenhados ao longo da
sua existência. De acordo com Lago (2009), existe, atualmente, um entendimento
entre os agricultores de que o cooperativismo apresenta-se como uma forma de
organizar a produção e a coordenação dos sistemas agroindustriais, na busca de
melhor eficiência e maior competitividade frente aos mercados cada vez mais
dinâmicos e exigentes. Para os autores, os associados buscam no cooperativismo
participar de um mercado competitivo, através da união de suas unidades produtivas
em torno de uma cooperativa.
Para Wickert (2010), a participação e a cooperação entre os associados são
características importantes para o desenvolvimento e essenciais na vida da
cooperativa. Nela, os objetivos e interesses econômicos dos sócios estão
diretamente envolvidos.
O objetivo central do presente estudo é justamente identificar se os
agricultores entrevistados estão dispostos a fazer parte do quadro social e ao
mesmo tempo participar das tomadas de decisões da nova cooperativa de
agricultores familiares do municio de São José do Inhacorá. Mediante o
93
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
posicionamento dos agricultores, saberemos se este é o momento certo de formar a
nova organização cooperativa.
Entre os agricultores entrevistados ficou claro que estes conhecem as
carências enfrentadas pelos segmentos a que pertencem. Sabem também que uma
organização cooperativa oportuniza meios legais de conduzir e promover o
desenvolvimento, mediante organização dos setores, tanto na produção quanto na
comercialização dos produtos da agricultura familiar. A maioria dos agricultores
reconhece a cooperativa como uma organização reguladora do mercado e como
oportunidade de agregação de valor aos produtos, visando a garantir o
desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a sustentabilidade de seus associados.
Se de um lado, a importância do cooperativismo como forma de melhorar o
resultado das atividades e promover o desenvolvimento local está clara, de outro
lado, contrariando as lideranças e também os autores consultados, existe forte
desconfiança e também grande insegurança entre os agricultores em relação ao
sucesso e ao futuro desse modelo de organização.
Quanto ao questionamento sobre o modelo atual de cooperativismo, ou seja,
quanto à atuação da COTRIMAIO, em relação a seus associados e suas atividades,
houve unanimidade entre os entrevistados de que essa cooperativa não é o modelo
ideal esperado pelos produtores. A maioria dos agricultores relata que a cooperativa,
ao longo de sua existência, prestou relevantes serviços em prol de seus associados.
Porém, atualmente, devido à crise financeira na qual se encontra, as necessidades
estão sendo atendidas apenas de forma parcial. Alguns produtores entrevistados
chegaram a afirmar que as suas necessidades não estão sendo atendidas pela
cooperativa.
A cooperativa não atende as minhas necessidades, como deveria. [...]
Quando estava bem até que atendia, mas de uns tempos para cá, não
atende mais. (AGRICULTOR 5).
Para outro entrevistado:
Entendo que as minhas necessidades e expectativas de associada não
são atendidas totalmente. Poderia melhorar os preços dos insumos
agrícolas e deveria comprar os produtos dos agricultores para vender nas
lojas e supermercados. Os produtos dos associados precisam ser mais
valorizados em relação aos produtos industrializados vindos de fora. Os
produtos da agricultura familiar deveriam ser os primeiros a serem
colocados nas prateleiras. (AGRICULTOR 3).
94
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
Quanto ao questionamento em relação aos segmentos que se encontram
atualmente desamparados ou desorganizados, cada entrevistado fez questão de
evidenciar a carência dos segmentos aos quais pertencem.
Os produtores de leite entendem que esta é a atividade que necessita de
maior atenção.
Como produtor de leite, sou suspeito em falar isso, mas a produção de
leite precisa funcionar de forma mais organizada. A COTRIMAIO não
oferece nada a mais do que as outras empresas. Já faz uns quatro anos
que vendemos o leite pra nossa associação, pro nosso grupo, e não
posso me queixar. Então, eu acho que se for uma cooperativa que vai
trabalhar honestamente, tem tudo para dar certo. Só não pode ficar muito
grande, pra não perder o controle dos negócios. (AGRICULTOR 7).
Os integrantes da central de vendas de produtos coloniais, agroindustriais e
artesanais manifestaram que este segmento precisa de mais atenção para ampliar
seus negócios ou até mesmo para permanecer na atividade.
A central de vendas precisa de mais atenção. Não adianta abrir mais um
ponto de vendas se a associação de produtores não estiver organizada. À
medida que tiver uma organização legalizada e forte, vários setores poderão
fazer parte e serem beneficiados, como as agroindústrias, os hortigranjeiros
e a merenda escolar. A cooperativa também vai ter que se preocupar em dar
assistência técnica para estes setores. (AGRICULTOR 6).
Com base nesse relato, percebemos a real necessidade de organização
desse setor. Esse segmento precisa estar organizado e legalizado nos três eixos,
fiscal, sanitário e ambiental, para ser competitivo e atingir novos mercados,
principalmente os mercados institucionais, como o PNAE e PAA.
Em relação ao atendimento às propriedades com serviços de máquinas, os
entrevistados manifestaram-se dizendo que os serviços hoje prestados são muito
importantes. Relataram ainda que, para o município desenvolver o setor
agropecuário, esse tipo de incentivo é fundamental e precisa ser ampliado ainda
mais, mediante aumento nos subsídios e também incluindo outras atividades que
ainda não são desenvolvidas.
No relato de um dos entrevistados, ficou evidente a preocupação dos
produtores em relação à prestação desses serviços, através de uma cooperativa.
Os serviços de máquinas da prefeitura, do FUNDEC e também dos
grupos são muito importantes para os produtores. É uma forma de
incentivar a produção. Se não podemos contar com esses serviços
95
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
subsidiados, temos que pagar máquinas particulares. Além de não existir
máquinas suficientes para atender a todos, aumenta muito o nosso custo
de produção. Precisa se achar uma forma de manter os serviços e
adquirir mais máquinas, para prestar os serviços que ainda não são
realizados. É muito importante que estes serviços continuem sendo
prestados, só não sei isso vai ser possível através de uma cooperativa.
Hoje os grupos têm de 20 a 30 produtores e às vezes não funciona
direito, principalmente quando dois ou mais produtores precisam do
serviço ao mesmo tempo. Precisa ser criada uma nova forma de
organização, porque quanto maior o grupo, mais difícil de atender.
(AGRICULTOR 8).
Outro entrevistado acredita na cooperativa como forma de organizar os
atendimentos em serviços de máquinas, manifestando inclusive seu desejo de
ajudar a decidir os rumos da cooperativa. No entanto, também evidenciou certa
desconfiança quanto à funcionalidade da organização.
Acredito que através de uma cooperativa o atendimento poderá funcionar
melhor. Hoje, nos grupos, quem tem trator é mais beneficiado que os
outros, e o prestador de serviços escolhe quem vai atender primeiro, não
segue um roteiro pré-definido. Mas não basta criar a cooperativa, tem que
fazer andar de forma organizada e bem administrada. Diferente dos
grupos, na cooperativa os sócios devem ajudar a decidir os rumos da
cooperativa. Me coloco à disposição para ajudar a cooperativa a dar
certo. O problema é que muitos não participam e depois são os primeiros
a reclamar. (AGRICULTOR 9).
No que se refere à credibilidade dos agricultores em relação à constituição de
uma nova cooperativa, exclusivamente de agricultores familiares, as manifestações
foram praticamente unânimes. Todos os entrevistados se manifestaram dizendo que
acreditam que a nova organização atenderia às expectativas e às necessidades dos
associados. Por outro lado, ficaram evidentes, em todas as manifestações, tanto de
forma verbal quanto na fisionomia dos entrevistados, as dúvidas e inseguranças
quanto ao funcionamento e ao sucesso da nova organização. Este entrevistado
relata que:
Acredito que uma nova cooperativa pode atender às necessidades dos
associados. Seria, talvez, uma forma de organizar as atividades que não
são atendidas pela COTRIMAIO. Mas, tenho dúvidas de como isso vai
funcionar. Ultimamente só se houve falar que as cooperativas estão todas
falindo. (AGRICULTOR 3).
Outro agricultor entrevistado manifestou uma posição ainda mais pessimista:
96
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
Acredito, mas me sinto inseguro em participar de mais uma cooperativa.
Já sou sócio de três e não sei se tenho algum benefício com isso. Pelo
que escuto por aí, as outras cooperativas, em outras regiões, também não
oferecem vantagens para seus sócios. A maioria delas estão falidas. [...]
Preciso pensar melhor sobre o assunto, quem sabe conhecer alguma
cooperativa que está dando certo. Se é que existe! Quem sabe se eu
conhecer alguma cooperativa onde os associados estão satisfeitos eu
comece a mudar a minha opinião e acreditar mais no cooperativismo.
(AGRICULTOR 5).
No questionamento que se refere à formação ou não da nova cooperativa, as
manifestações foram unânimes em favor da formação da nova organização
cooperativa. Porém, percebemos que alguns dos entrevistados levaram em
consideração a relação de trabalho existente entre extensionista e assistido.
Constatamos que alguns dos entrevistados se posicionaram de forma favorável à
formação da cooperativa mais para agradar aos extensionistas com quem trabalham
do que propriamente pensando em benefício próprio.
A entrevista foi finalizada com um questionamento, considerado a chave para
chegar a uma conclusão acerca deste estudo. Assim, procuramos identificar o
posicionamento dos entrevistados, quanto à expectativa em fazer parte do quadro
social e também das tomadas de decisões da nova organização.
Com uma visão participativa e demonstrando um espírito cooperativista,
somente um dos entrevistados se mostrou motivado e com disposição de participar
da nova cooperativa, em busca de melhorias em favor da coletividade.
A cooperativa precisa ser formada para termos uma entidade só nossa,
da agricultura familiar. Através dela poderemos buscar investimentos,
atender aos setores que hoje não estão sendo atendidos. Para termos
uma agricultura familiar bem-sucedida, precisamos buscar novas
parcerias, novos mercados, melhorar os preços dos insumos adquiridos e
também dos produtos vendidos. Estou disposto a participar. Alguém
precisa começar. Precisamos nos organizar se quisermos ver nossos
direitos atendidos. (AGRICULTOR 10).
Todos os demais agricultores, quando questionados quanto à formação da
nova organização, posicionaram-se de forma favorável. Por outro lado, evidenciaram
grande descrédito em relação ao funcionamento e ao sucesso da organização.
Relataram também, não ter interesse em participar das tomadas de decisões da
cooperativa.
As manifestações apresentadas a seguir, sintetizam as opiniões da maioria
dos agricultores entrevistados.
97
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
Na opinião de um dos entrevistados:
A cooperativa pode ser formada, desde que não aconteça o mesmo que a
maioria das outras cooperativas, que são mal administradas. Posso até
me associar, mas não pretendo me envolver muito. (AGRICULTOR 3).
Da mesma forma se manifestou outro entrevistado:
Pode ser formada, mas quem for administrar tem que trabalhar
honestamente e prestar contas para os associados. Também acho que
não deve crescer demais para não perder o controle, como no caso da
COTRIMAIO. Os beneficiados devem ser os sócios e não os dirigentes.
(AGRICULTOR 6).
Com base nesses depoimentos, percebemos que a posição dos agricultores
familiares, na atualidade, difere em muito da época em que as famílias chegaram a
esta região, por volta de 1920, quando as famílias buscavam na união e na troca de
favores, uma forma de enfrentar as dificuldades. O posicionamento dos agricultores
difere, também, da literatura estudada, na qual os autores afirmam que a
cooperação e a participação entre os associados são essenciais para a vida das
cooperativas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste estudo permitiu esclarecer uma série de dúvidas em
relação à agricultura familiar e suas formas de organização, que nos permitiu chegar
à conclusão acerca do tema formar ou não a cooperativa de agricultores familiares
no município de São José do Inhacorá/RS.
No que se refere aos setores ou segmentos da agricultura familiar que se
encontram desamparados e carentes de organização, houve um consenso de ideias.
Tanto as lideranças municipais quanto os agricultores manifestaram que os
principais setores que necessitam de melhor organização na estrutura de produção
e funcionamento são: a bovinocultura de leite, as agroindústrias, a central de vendas
de produtos coloniais, agroindustriais e artesanais e o acesso aos Programas
Institucionais (PAA e PNAE). A eficácia dos serviços de assistência técnica e
assessoramento desses setores também precisam ser melhorados.
Em relação ao modelo atual de cooperativismo, ficou evidenciado que as
necessidades dos agricultores familiares, no momento, não estão sendo atendidas
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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
plenamente pelas cooperativas. A crise financeira enfrentada pela COTRIMAIO, que
levou à decretação de processo de liquidação extrajudicial, tem comprometido o
atendimento a seus associados. Alguns setores, que se encontram em crescimento,
não são atendidos, como os hortifrutigranjeiros, as agroindústrias e os Programas
Institucionais (PAA e PNAE).
As divergências de opiniões começaram a surgir quando do questionamento
em relação à credibilidade quanto à formação da nova organização cooperativa,
exclusivamente, por agricultores familiares. Entre as lideranças municipais, todos
acreditam que a cooperativa será o caminho para legalizar, regrar, assessorar e
organizar a produção resultante da agricultura familiar. Entre os produtores, mesmo
manifestando certa credibilidade, ficaram evidenciadas as dúvida e inseguranças
quanto ao funcionamento e ao futuro da nova organização.
No que diz respeito a formar ou não uma cooperativa de agricultores
familiares, houve unanimidade entre as lideranças em favor da formação imediata da
nova organização. Os agricultores também foram unânimes em favor da formação
da cooperativa. Porém, a falta de motivação foi evidenciada pela maioria dos
agricultores.
Entende-se que a participação efetiva dos associados em todos os negócios
da cooperativa, aliados aos atos administrativos, desempenhados com envolvimento
e responsabilidade de todos, são fundamentais para o sucesso de uma organização
cooperativa. O ponto chave para a conclusão deste estudo foi, justamente, a falta de
interesse e motivação demonstrada por parte dos agricultores familiares em
participar dos negócios e das tomadas de decisões em uma nova cooperativa.
Assim, o estudo permitiu concluir que este não é, ainda, o momento certo de
constituir a nova organização. O cenário está identificado e a arena está sendo
preparada.
Falta
a
confiança
e
o
entrosamento
entre
os
atores
para
desempenharem o papel de idealizadores de uma organização capaz de promover o
crescimento econômico e social da agricultura familiar do município de São José do
Inhacorá/RS.
Evidencia-se, porém, a necessidade das lideranças municipais somarem
esforços para que a ideia da constituição da cooperativa não caia no esquecimento.
Com o pensamento de que é mais importante formar cooperados do que formar
cooperativas, precisam-se promover meios de estimular a participação e a educação
cooperativa. Os gestores, colaboradores e associados devem estar igualmente
99
Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de
São José do Inhacorá/RS
capacitados, conscientes e comprometidos, para que cada ator possa desempenhar
o seu papel dentro da organização. Os gestores e colaboradores precisam gerir e
trabalhar com responsabilidade e eficiência, enquanto os associados precisam
assumir a posição de verdadeiros donos da cooperativa.
Por fim, entende-se que para a uma organização cooperativa alcançar o
sucesso esperado, como propulsora do desenvolvimento local, os valores e os
princípios do cooperativismo devem ser entendidos e cumpridos, cada um em seu
tempo certo, ou seja, primeiro o cooperativismo, depois a cooperativa.
REFERÊNCIAS
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empreendimentos pode gerar emprego e renda no Brasil. Rio de Janeiro:
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WICKERT, S. Associativismo e cooperativismo para produtores rurais. 2. ed.
Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR, 2010.
100
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa
como estratégia para a participação dos associados
MUSZINSKI, Luciana10
COTRIM, Décio Souza11
RESUMO
Este artigo tem como objeto de estudo a participação dos associados nos processos
de gestão da Cooperativa Agropecuária Centro Sul LTDA (COOPACS) do município
de Dom Feliciano/RS. O presente trabalho se propõe a descobrir as razões pelas
quais não há participação dos associados nos processos de gestão democrática da
COOPACS, sendo que este é um princípio essencial à organização de uma
cooperativa. Para responder a essa questão, este artigo desenvolve a hipótese de
que a cultura individualista e competitiva vivenciada pelos agricultores por algumas
décadas, que perpetuada nas relações entre a empresa fumageira e os agricultores
familiares, e a falta de conhecimento sobre o significado do cooperativismo, sua
forma de organização, seus valores e princípios são as principais causas para a não
participação dos associados na gestão democrática da cooperativa. Foram
realizadas entrevistas, com questionário semiestruturado, com a diretoria e os
associados da cooperativa para a confirmação dessa hipótese. A educação
cooperativa é proposta como uma alternativa que pode trazer consequências
positivas, aumentando a participação do associado e estabelecendo a gestão
democrática na cooperativa.
Palavras-chaves: Gestão democrática. Participação. Educação cooperativa.
ABSTRACT
This article has as its object of study the participation of associates in the
management processes of the Cooperativa Agropecuária Centro Sul LTDA
(COOPACS) of Dom Feliciano/RS. The present study aims at discovering the
reasons why there is no participation of the associates in the democratic
management processes of COOPACS, being this an essential principle to the
organization of a cooperative. To answer this question, this article develops the
hypothesis that competitive and individualistic culture experienced by farmers for
decades, which perpetuated by the relationship between the tobacco company and
the family farmers, and the lack of knowledge about the meaning of cooperativism, its
organization form, its values and principles are the main causes for the nonparticipation of the associates in the cooperative's democratic management.
Interviews were conducted, using a semi-structured questionnaire, with the board
10
11
Bacharel e Mestre em Ciências Socias pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel (2007 - 2010)
e extensionista da ASCAR/EMATER-RS, e-mail: [email protected].
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
101
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
and associates of the cooperative to confirm this hypothesis. The cooperativism
education is proposed as an alternative that can bring positive consequences,
increasing the participation of the associates and establishing democratic
management in the cooperative.
Key words: Democratic management. Participation. Cooperativism education.
1 INTRODUÇÃO
O tema do cooperativismo vem se tornando cada vez mais objeto de análise
de muitos pesquisadores devido, principalmente, as suas características peculiares.
A forma de organização e funcionamento de uma cooperativa difere muito de uma
empresa comum. Isso ocorre, principalmente, porque o cooperativismo é uma forma
de organização que tem como objetivo final o desenvolvimento, não somente
econômico, mas também social dos associados, de suas famílias e da comunidade
como um todo. Nesse sentido, há um conjunto de princípios cooperativistas, os
quais são universais, que servem como uma espécie de guia para o funcionamento
das cooperativas no mundo. Um desses princípios é o da “gestão democrática pelos
associados”. Este é de extrema importância, pois assegura a participação de todos
os associados nos processos de gestão das cooperativas.
Atualmente, o setor cooperativista no Rio Grande do Sul tem crescido muito
através da formação de novas cooperativas no estado. Esse crescimento pode ser
observado em relação às cooperativas da agricultura familiar, o que ocorre,
principalmente, devido aos incentivos locais, estaduais e nacionais para desenvolver
políticas públicas de abastecimento e acesso a alimentos, como o Programa de
Aquisição de alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE). Estes são os chamados mercados institucionais para os quais os
agricultores
familiares,
enquanto
sócios
de
associações
e
cooperativas,
comercializam diretamente seus produtos12.
Esses mercados têm sido incentivadores também da diversificação de cultivos
pelos agricultores familiares em áreas do estado do RS em que há a predominância
da produção de monoculturas. Esse é o caso da região Centro Sul, que tem como
uma de suas características a produção da monocultura do fumo. Esta região,
12
Para obter mais informações sobre PAA e PNAE acesse o site do Ministério do Desenvolvimento
Agrário.
102
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
representada pelo COREDE Centro Sul13, tem uma população total de 254.524
habitantes (2011) em uma área de 10.300 km². O município de Camaquã é
considerado o polo deste COREDE, sendo um dos 24 Conselhos Regionais de
Desenvolvimento do RS, que também abrange os municípios de Arambaré, Arroio
dos Ratos, Barão do Triunfo, Barra do Ribeiro, Butiá, Cerro Grande do Sul,
Charqueadas, Chuvisca, Cristal, Dom Feliciano, Mariana Pimentel, Minas do Leão,
São Jerônimo, Sentinela do Sul, Sertão Santana e Tapes14.
Um dos municípios que tem como característica a predominância do cultivo
do fumo é Dom Feliciano que, localizado em uma área de 1.260,2 km², teve sua
municipalização no dia 09 de dezembro de 1963, anexando áreas dos municípios de
São Jerônimo e Camaquã. Sua população total é de 14.440 (2011) habitantes 15.
Possui um total de 4.642 domicílios, sendo que destes 1.138 são urbanos e 3.504
são domicílios rurais. (IBGE, 2009). Ou seja, a maioria da população do município
vive no meio rural.
A Cooperativa Agropecuária Centro Sul Ltda (COOPACS) foi formada em
2005, no município de Dom Feliciano, com o objetivo de ser um instrumento para a
comercialização da produção dos associados como forma de diversificação da
produção do fumo, considerado uma das principais monoculturas da região.
A cooperativa foi iniciada pelos próprios agricultores, com o apoio da
EMATER16 municipal e regional. A EMATER é a principal empresa que presta
serviços nas áreas de assistência técnica e extensão rural junto aos agricultores
familiares e suas propriedades no RS. A EMATER está presente em 492 dos 497
municípios do estado. Cada um desses municípios possui uma equipe de técnicos e
extensionistas de acordo com o número de domicílios rurais.
Sendo Dom Feliciano um município caracterizado pela monocultura do fumo,
o cooperativismo se torna um desafio enquanto forma de organização e gestão
democrática pelos associados. Isso acontece porque a empresa fumageira
estabelece uma relação de dominação com os agricultores, em que esta define a
13
Os COREDEs (Conselho Regional de Desenvolvimento) são unidades geográficas que tem como
objetivo “a promoção do desenvolvimento regional, harmônico e sustentável, através da integração
dos recursos e das ações de governo na região, visando à melhoria da qualidade de vida da
população, à distribuição equitativa da riqueza produzida, ao estímulo à permanência do homem
em sua região e à preservação e recuperação do meio ambiente”. FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E
ESTATÍSTICA SIEGFRIED EMANUEL HEUSER (FEE) (2013).
14
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED EMANUEL HEUSER (FEE) (2013).
15
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED EMANUEL HEUSER (FEE) (2013).
16
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
103
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
produção do produto e o processo de compra e venda, o que traz consequências ao
modo de trabalho e de vida dos agricultores familiares, pois as famílias produzem e
comercializam seus produtos de forma individualizada e competitivamente. Essas
formas de trabalho dificultam a vivência prática de valores e princípios
universalmente essenciais ao funcionamento das cooperativas, como, por exemplo,
a gestão da organização pelos próprios agricultores associados, o que implica sua
participação na cooperativa.
Observou-se através de visitas de campo, realizadas pela autora, e de
conversas, com os técnicos e extensionistas do escritório municipal da EMATER de
Dom Feliciano e com a diretoria da cooperativa, a constante falta de participação
dos associados em reuniões e assembleias, assim como nas tomadas das principais
decisões da COOPACS. Dessa forma, o problema de pesquisa deste trabalho se
consolida em quais são as razões pelas quais não há participação dos associados
nos processos de gestão democrática da COOPACS, sendo este um princípio
essencial à organização da cooperativa.
Uma das hipóteses para responder a este problema é de que a monocultura
do fumo, através de sua forma de produção individualista e das relações entre
produtor e empresa fumageira, trouxe consequências ao modo de vida dos
agricultores familiares de Dom Feliciano, perpetuando a individualidade, a
competição e a dependência, características consequentes dessa relação. Outra
hipótese levantada é de que a falta de conhecimento, por parte dos agricultores
associados, sobre a forma de organização e funcionamento e sobre os valores e
princípios cooperativistas é uma das causas para a não participação na gestão da
cooperativa.
Este trabalho pretende ir além de responder a problemática aqui levantada,
indicando um conjunto de processos para o grupo de associados da COOPACS e as
comunidades do município. Essas ações têm a finalidade de gerar o entendimento
do fato de que os agricultores são protagonistas na organização e no funcionamento
da cooperativa, que é um instrumento para o desenvolvimento econômico e social
de suas famílias e da comunidade.
O objetivo geral do presente trabalho é analisar as razões pelas quais os
associados da COOPACS não participam ativamente nos processos de gestão da
cooperativa. Para alcançar esse objetivo geral, existe a necessidade de desenvolver
os seguintes objetivos específicos: a) compreender o significado do conceito de
104
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
participação em seus diferentes níveis e graus; b) identificar as formas e espaços
para a participação dos associados na cooperativa; c) analisar a contextualização
histórica dos agricultores familiares de Dom Feliciano; d) analisar a compreensão
dos agricultores familiares sobre suas responsabilidades, direitos e deveres
enquanto associados da cooperativa; e) identificar estratégias para desenvolver a
participação dos associados nos processos de gestão da cooperativa.
O presente trabalho se justifica pela necessidade de se compreender as
causas da falta de participação dos associados nos espaços de tomadas de
decisões da cooperativa, considerando-se que a gestão democrática é um princípio
básico para a organização e o funcionamento do setor. É partir dessas respostas
que será possível desenvolver estratégias para que os associados compreendam
seu papel de protagonistas na gestão da cooperativa.
Uma das metodologias a ser utilizada para desenvolver este artigo é a
Análise Bibliográfica em torno do conceito de participação, pois este é essencial
para a compreensão de seus diferentes níveis em relação aos associados da
COOPACS nas assembleias e tomadas de decisões da cooperativa.
Também foi analisado um dos documentos essenciais para compreender a
formação da COOPACS: o Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) realizado em
2001 junto aos agricultores familiares do município de Dom Feliciano. Nesse
diagnóstico, os agricultores, representados por suas comunidades rurais, indicaram
como algumas de suas prioridades a formação de associações e cooperativas no
município.
Foi realizada ainda uma pesquisa de campo em que foi aplicada uma
entrevista com questionário semiestruturado (BECKER, 1999) aos membros da
diretoria e associados da cooperativa. O questionário foi aplicado com a finalidade
de compreender as causas da não participação dos associados na gestão da
organização, além de identificar o grau de compreensão desses associados sobre
suas responsabilidades, direitos e deveres na cooperativa.
Para desenvolver este artigo, no primeiro capítulo, o conceito de participação
é analisado em seus diferentes níveis e graus, identificando assim o grau de
participação dos associados da COPACS em sua gestão. Nesse mesmo capítulo, é
apresentando o conceito de cooperativa, como forma de organização, além do
conceito de assembleia, como espaço para o desenvolvimento da gestão
democrática. No segundo capítulo, é analisada a contextualização histórica do
105
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
município de Dom Feliciano, assim como o processo de formação da COOPACS.
São apresentados ainda os resultados da pesquisa de campo realizada,
respondendo assim a questão central deste trabalho e confirmando as hipóteses
levantadas no início do artigo. Desta forma, na última seção são apresentadas as
principais conclusões da autora sobre a pesquisa realizada.
2 A EDUCAÇÃO COOPERATIVA E SEU PAPEL NA PARTICIPAÇÃO DOS
ASSOCIADOS NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA COOPERATIVA
Para compreender as razões da não participação dos associados nos
processos de gestão da COOPACS, torna-se necessário, primeiramente, analisar o
significado do conceito de participação e seus diferentes níveis. De acordo com o
Dicionário de Política (BOBBIO et al., 2002) existem quatro tipos de participação:
das massas, eleitoral, operária e política. O conceito de participação política é o que
será utilizado neste trabalho, pois tem seu significado vinculado à conquista dos
direitos de cidadania.
Assim, Sani (apud BOBBIO, 2002) define três níveis de participação política.
O primeiro nível de participação é definido pelo termo presença, sendo que este se
caracteriza
pelas
formas
menos
intensas
de
participação,
pois
engloba
comportamentos passivos, como a simples presença em reuniões. O segundo nível
de participação é definido pelo termo ativação e está relacionado a atividades
desenvolvidas pelo indivíduo voluntariamente dentro ou fora de uma organização
política como, por exemplo, a participação em manifestações públicas. O terceiro
nível de participação política pode ser representado pelo termo decisão, sendo que
neste nível o indivíduo contribui direta ou indiretamente para uma decisão política
como, por exemplo, elegendo um representante político.
Em organizações cooperativas, as assembleias gerais são consideradas os
órgãos supremos, pois é o espaço para a participação em todos os níveis dos
associados na cooperativa. Além disso, são essenciais para a gestão democrática,
sendo o principal espaço de tomadas de decisões pelo grupo de associados.
(BRASIL, 1971).
Segundo Geilfus (1997), a maioria dos projetos de desenvolvimento tem seu
fracasso relacionado ao grau de participação de seus próprios beneficiários. Quanto
maior o grau de participação dos beneficiários em todas as etapas dos projetos,
106
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
menores as chances de fracasso. Segundo este autor, a participação “es un proceso
mediante el cual la gente puede ganar más o menos grados de participación en el
proceso de desarrollo”. (GEILFUS, 1997, p. 1). Por isso, o autor apresenta o que
denomina de escalera de la participación, pela qual se observa que o indivíduo pode
passar, no processo de participação, de um estado de quase uma passividade
completa
ao
controle
do
próprio
processo,
tornando-se
assim
autor
do
autodesenvolvimento. Ainda de acordo com este autor, o grau de participação que
as pessoas têm está relacionado ao grau de decisão que elas têm em um processo.
De acordo com Geilfus (1997, p. 3), são os seguintes os graus na escalera
de la participación:
Pasividad: las personas participan cuando se les informa; no tienen ninguna
incidencia en las decisiones y la implementación del proyecto.
Suministro de información: las personas participantes respondiendo a
escuestas; no tiene posibilidad de influir ni siquiera en el uso que se va a
dar de la información.
Participación por consulta: las personas son consultadas por agentes
externos que escuchan su punto de vista; esto sin tener incidencia sobre las
decisiones que se tomarán a raíz de dichas consultas.
Participación por incentivos: las personas participan proveyendo
principalmente trabajos u otros recursos (tierra para ensayos) a cambio de
ciertos incentivos (materiales, sociales, capacitación); el proyecto requiere
su participación, sin embargo no tienen incidencia directa en las decisiones.
Participación funcional: las personas participan formando grupos de trabajo
para responder a objetivos predeterminados por el proyecto. No tienen
incidencia sobre la formulación, pero se los toma en cuenta en el monitoreo
y el ajuste de actividades.
Participación interactiva: los grupos locales organizados participan en la
formulación, implementación y evaluación del proyecto; esto implica
procesos de enseñanza-aprendizaje sistemáticos y estructurados, y la toma
de control en forma progresiva del proyecto.
Auto-desarrollo: los grupos locales organizados toman iniciativas sin esperar
intervenciones externas; las intervenciones se hacen en forma de asesoría y
como socios.
Através da escala de participação apresentada, pode-se perceber que
Geilfus (1997) utiliza o conceito participação relacionado ao grau de decisão do
indivíduo, o que, segundo Sani (apud BOBBIO, 2002), é apenas um dos níveis de
participação. Ou seja, Geilfus apresenta graus de participação dentro do nível
apresentado por Sani denominado decisão. Este trabalho é desenvolvido analisando
o nível de participação dos associados nas assembleias, considerando a
participação nos níveis presença, ativação e decisão e, além disso, propõe
estratégias para desenvolver graus de participação no nível decisão, através da
participação dos associados nos processos de gestão da cooperativa.
107
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
Outro autor que também trabalha com a escala de participação é Verdejo
(2006), que aprofunda sua análise sobre o desenvolvimento do denominado
Diagnóstico Rural Participativo (DRP). Esse processo tem como objetivo a
participação interativa, ou seja, “a participação dos beneficiários em todas as fases
de um projeto”. (VERDEJO, 2006, p. 11). Essa análise se torna essencial no
presente trabalho, pois a formação da cooperativa aqui analisada está intimamente
ligada ao DRP realizado em 2000, no município de Dom Feliciano, como veremos no
capítulo seguinte.
Para compreender a necessidade da participação dos associados na gestão
da cooperativa, torna-se necessário apresentar também o conceito de cooperativa.
Segundo a Aliança Cooperativa Internacional no Congresso de Manchester, em
199517:Cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para
satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma
empresa de propriedade coletiva e democraticamente gerida.
Ou seja, além de a cooperativa ser uma organização que não objetiva
somente as necessidades econômicas, mas também as sociais, deve ser ainda
democraticamente gerida, sendo este último, inclusive, um dos princípios
cooperativistas. Dessa forma, o nível e o grau de participação dos associados define
a forma de gestão da cooperativa.
São três os principais órgãos em uma cooperativa: a assembleia, o conselho
administrativo e o conselho fiscal. A assembleia tem como função ser o espaço para
a tomada das principais decisões da cooperativa, através da participação do grupo
de associados. O conselho administrativo é formado, basicamente, pela diretoria da
cooperativa e tem como função principal gerir a organização. O conselho fiscal tem a
função de fiscalizar os atos do conselho administrativo e os documentos e contas da
cooperativa. Dentre os três, a assembleia é o órgão supremo, pois é o espaço
principal para participação de todos. Nenhum órgão tem o poder de mudar o que é
decidido em assembleia pela maioria dos associados. (BRASIL, 1971).
A Lei n° 5.764 de 1971 estabelece quórum mínimo para instalação das
assembleias gerais em cooperativas singulares, sendo este de no mínimo 2/3 (dois
terços) do número de associados, em primeira convocação; metade mais 1 (um) dos
associados em segunda convocação e mínimo de 10 (dez) associados na terceira
17
Citado pela SISTEMA E ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL (OCERGS) (2013).
108
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
convocação. Através do quórum, pode-se observar que a participação denominada
presença dos associados apresenta um nível muito baixo na COOPACS.
A educação cooperativa é uma estratégia para desenvolver a participação
dos associados em seus três níveis,
presença, ativação e decisão, e,
consequentemente, a gestão democrática da cooperativa. A intenção é aumentar a
chamada identidade cooperativista, auxiliando os associados a compreender os
valores e projetos de sociedades e economias cooperativistas e obter uma visão
diferente sobre sua dignidade e sobre os princípios e normas da cooperativa.
(SCHNEIDER, 2010, p. 19).
De acordo com Schneider (2010, p. 30-31), a educação cooperativista18 é:
Um conjunto de ensinamentos que não só proporcionam maior aporte
cultural aos seus envolvidos, mas trabalham valores, princípios e normas, e,
neste caso, os do cooperativismo, ou seja, uma educação voltada ao
desenvolvimento da pessoa humana, plenamente consciente de seu papel e
de sua responsabilidade na cooperativa e consequentemente na sociedade,
uma pessoa solidária e altruísta, comprometida por laços de
reconhecimento com sua comunidade.
A educação cooperativista se baseia em valores e princípios orientadores
das ações dos associados através da cooperativa, o que os leva a perceber seus
direitos e deveres enquanto sócios e as diferenças entre empresas comuns e
cooperativas. Esses valores e princípios motivam o associado a agir de acordo com
o interesse coletivo e não somente pessoal. (SCHNEIDER, 2010, p. 98).
Esse processo conscientiza o associado sobre sua responsabilidade na
cooperativa e consequentemente no desenvolvimento econômico e social de sua
comunidade. Schneider (2010, p. 32-33) salienta ainda que é objetivo da educação
cooperativista a formação de pessoas solidárias, democráticas e capazes de se
autoajudar, na base da entreajuda, e que o interesse dos associados pelo grupo
deve estar, pelo menos, no mesmo nível de importância dos interesses individuais e
familiares. Em uma análise macrossocial, a educação cooperativista deve
encaminhar a promoção de uma sociedade mais participativa, com maior igualdade
econômica e social. Nesse sentido, é essencial a compreensão do associado sobre
a importância de sua participação na cooperativa e sua prática em todos os níveis.
No processo de educação cooperativista, os educadores devem estimular e
motivar
18
os
associados
a
assimilarem
valores
como
Os termos educação cooperativa e educação cooperativista são sinônimos.
109
justiça,
liberdade,
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
autodeterminação, participação, solidariedade, criatividade, persistência no trabalho e
ênfase no “ser mais” sem esquecer-se do “ter mais”. Em relação à participação, cada
associado é responsável pelo bem-estar de sua comunidade e corresponsável pela
organização cooperativa. O associado é protagonista na construção do bem-estar
individual e coletivo. Na medida em que participar é fazer parte de, este sentido deve
ser tomado em relação à tomada de decisões e execução destas. Essa participação
não deve ser esporádica, mas constante. (SCHNEIDER, 2010, p. 34-35).
A educação é a base para a reeducação de valores, o que se faz necessário
devido ao contexto neoliberal, competitivo e individualista atual. Nesse sentido,
valores como participação e democracia necessitam de aprendizagem para serem
absorvidos pelo ser humano. (SCHNEIDER, 2010, p. 48). Isso pode ser percebido
na interação com os agricultores de Dom Feliciano, que têm fortemente enraizadas
as características de um modo de produção competitivo e individualista,
consequência das relações de comercialização da monocultura do fumo.
Outra dificuldade ao alicerçamento dos princípios cooperativistas junto aos
associados é o fato de que inúmeras cooperativas foram formadas devido à
necessidade econômica comum dos associados envolvidos e não por causa da
ideologia cooperativista. (SCHNEIDER, 2010, p. 74). Esse problema é uma das
hipóteses levantadas por este trabalho para a questão da não participação dos
associados em todos os níveis na cooperativa analisada, pois sua formação ocorreu
sem o conhecimento e a interiorização dos valores e princípios cooperativistas.
É importante ressaltar que a aprendizagem em torno dos valores e princípios
cooperativistas não é instantânea, mas um processo contínuo de educação, em que
os próprios agricultores são protagonistas. A interiorização desses valores e
princípios é um processo que ocorre através da vivência cotidiana e prática.
Segundo Schneider (2010, p. 80):
A vida cotidiana é fruto das interações entre os vários agentes que trocam
informações, saberes sobre coisas, processos e fenômenos e, neste caso, a
cooperativa também o é. Desta forma a educação não se daria
exclusivamente através de processos formais, mas também informais no
cotidiano.
Schneider (2010, p. 90) explica a necessidade de apresentar aos associados
cursos em educação cooperativista que sejam atrativos, que promovam um
encantamento pela ideologia cooperativista. Outra necessidade é a realização de
110
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
cursos periódicos específicos para jovens e mulheres, promovendo uma renovação
nas ideias e no quadro social.
A interiorização e prática dos valores e princípios cooperativistas é um
processo de transformação através de um contínuo processo de “discussão, reforço
e vivência dos valores e princípios que constituem a doutrina do cooperativismo”.
Por isso, o processo de educação deve incorporar o habitus19 cooperativo, sendo
que os associados passam a orientar suas ações de acordo com um conjunto de
valores e princípios cooperativistas. (SCHNEIDER, 2010, p. 97).
É preciso criar espaços, através da educação, para que o associado
expresse suas opiniões em relação ao futuro da cooperativa. Deste modo, com o
tempo, o associado passa a perceber que é dono da cooperativa, responsabilizandose por ela. (SCHNEIDER, 2010, p. 112).
Esses espaços devem colocar o associado como protagonista no processo.
Por
esse
motivo,
metodologias
participativas
(GEILFUS,
1997)
são
aqui
consideradas ferramentas que podem contribuir para a interiorização dos valores e
princípios cooperativistas nos associados, por trabalharem a partir de seus próprios
desafios e perspectivas. Dessa maneira, a educação pode ser entendida como um
espaço de diálogo e comunicação entre os que fazem parte do quadro social da
cooperativa, ou seja, é um canal de comunicação, que tem papel essencial para a
participação dos associados nos processos de gestão da cooperativa.
3 A FORMAÇÃO DA COOPACS NO CONTEXTO HISTÓRICO DE DOM FELICIANO
E SEUS DESAFIOS NO PROCESSO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA
De acordo com o “Plano Municipal de Desenvolvimento do Município”,
desenvolvido em 2001, podem-se dividir os ciclos históricos de Dom Feliciano em
quatro períodos. O primeiro período é denominado Imigração (1872-1924). Neste
período chegaram à região cerca de 200 imigrantes franceses, que desmataram a
região para lavrar e cultivar batata-inglesa, feijão e milho. Havia pouco comércio e
mais trocas. Ainda neste período, chegaram 3.500 poloneses, iniciando assim o
processo de povoamento e desenvolvimento de infraestrutura, o aumento da
população e o início da agricultura.
19
Habitus é um conceito Bourdiano que significa um conjunto de disposições duradouras que geram
específicas práticas. (BOURDIEU, 2007).
111
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
O período seguinte é o da Colonização (1925-1970). Neste período, houve
um aumento do comércio com cidades vizinhas, do uso de carroças e caminhões e
do desmatamento para cultivo de trigo, aveia, erva-mate, fumo, batata-inglesa, feijão
linhaça, café e cevada. Havia ainda a criação de gado de corte e de suínos. Este
período teve como reflexo o crescimento econômico, a chegada de pessoas de fora,
o início da agroindustrialização e o aumento da população.
O terceiro período é chamado de Desenvolvimento (1971-1992). Esta época
foi marcada pelo início das lavouras de fumo; pelo aumento da erosão, do
desmatamento e do uso intensivo de insumos modernos; pela rápida expansão da
cultura do fumo; e pela drástica redução da presença de outras culturas. O quarto e
último período é o chamado de Estagnação (1993-2001). Este é marcado pela
compra de produtos externos, pela pouca diversificação na produção e pela erosão.
Os dois últimos períodos trouxeram muitas consequências para a população
do município, sendo uma das principais a predominância da monocultura do fumo no
período do desenvolvimento. Isso ocorreu devido à maior rentabilidade em um
menor período de tempo, o que levou à degradação do meio-ambiente e ao êxodo
rural.
De acordo a EMATER de Dom Feliciano, foi realizado em 2000 um
“Diagnóstico Rural Participativo” no município, com o objetivo de levantar as
prioridades a serem trabalhadas. Essas prioridades foram indicadas pela própria
população das comunidades rurais. Esse trabalho teve como resultado o “Plano de
Desenvolvimento Anos 2001 a 2004”.
Para realizar o diagnóstico, o município de Dom Feliciano foi dividido em
quatro regiões homogêneas, como segue (EMATER, 2001):
 Região 1 - Gaspar Simões: Capivari, Gaspar Simões, parte do Erval,
Costa do Ladrão, Furnas, Cerro do Capitão, Cerro Grande;
 Região 2 - Faxinal: Parte do Erval, Faxinal, Colônia Nova, Linha Federal,
Linha Amaral Ferrador, Linha Datinha, Arroio Cambará;
 Região 3 - Tigre: Sede, Correia Neto, Linha Felipe Noronha, Linha Júlio
de Castilhos, Silvestre Correia, Costa da Luciana, Tigre, Tomás Flores,
Laurentina, Remanso, Parte da Caneleira, Linha Assis Brasil, Margarida,
Lopes Neto, Sútil, Vila Fátima;
 Região 4 - Cavadeira: Arroio Grande, Arroio da Várzea, Cavadeira,
Santa Rita, Cerro do Alípio, Passo do Pinheiro, Aroeiras.
Para desenvolver esse trabalho de diagnóstico, foram realizadas doze
reuniões distribuídas nas localidades citadas, com a participação de um público de
112
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
297 agricultores. As questões referentes à diversificação do fumo e ao
associativismo e cooperativismo foram indicadas em quase todas as reuniões
realizadas como prioridades de desenvolvimento em Dom Feliciano. (EMATER,
2001).
Em 16 de março de 2001, foi realizado em Dom Feliciano o Fórum Municipal
de Desenvolvimento. Nesse fórum foi validado o resgate histórico do município e sua
divisão, proposta pela leitura de paisagem, em quatro regiões homogêneas. Além
disso, foram apresentadas as prioridades levantadas durante as reuniões do
Diagnóstico Rural Participativo no interior. Dentre essas prioridades foram
escolhidas as três principais a serem trabalhadas no município: diversificação de
culturas, associativismo e cooperativismo e agroindústria regionalizada. (EMATER,
2001).
De acordo com a EMATER, como resultado do diagnóstico, formaram-se no
município 22 associações ligadas às comunidades rurais existentes no município. As
associações foram formadas pelos próprios agricultores e tinham como objetivo
facilitar a produção e a comercialização do fumo.
Com o passar dos anos, os representantes das associações decidiram
formar então uma cooperativa no município, com o objetivo de possibilitar a
diversificação da cultura do fumo. Assim, a COOPACS foi fundada em 2005. Desde
então, as forças políticas do município têm tentado recuperar a cultura polonesa, no
sentido do trabalho de forma unida e comunitária. Dessa forma, a cooperativa é,
além de um instrumento para o resgate dessa cultura, um meio para a
comercialização de alimentos na diversificação da monocultura do fumo.
Observa-se que a demanda pela formação da COOPACS no município de
Dom Feliciano surgiu com a realização do Diagnóstico Rural Participativo (DRP),
realizado pela equipe municipal da EMATER em 2000. Esse trabalho contou com a
participação interativa dos agricultores familiares. Ocorre que, a partir da formação
da cooperativa, de acordo com o discurso da diretoria, os associados estão em um
estado de passividade, não compreendendo suas responsabilidades, direitos e
deveres, enquanto associados, na gestão da cooperativa. Além disso, continuam
trabalhando pela lógica da competição e de forma individualista, características
intrínsecas ao modo de trabalho desenvolvido pela relação dos agricultores com as
grandes empresas fumageiras. Segundo a COOPACS, os associados definem a
113
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
diretoria como “donos” da cooperativa, não sendo assim necessário o seu
envolvimento nos processos de gestão.
Entre os principais produtos comercializados através da cooperativa estão a
uva, a olericultura, o leite, as hortícolas, a batata-doce, a mandioca e o milho verde.
Os associados comercializam, através da cooperativa, para o mercado local e
institucional (PNAE e PAA).
Atualmente, a cooperativa conta com mais de 300 agricultores associados e,
de acordo com o trabalho de campo realizado pela autora, não há a participação
desses associados nos espaço de tomada de decisões da cooperativa. A gestão é
realizada pela diretoria e sem uma participação considerável dos associados. Dessa
maneira, buscar as causas para essa falta de participação dos associados na gestão
da cooperativa é o objetivo principal deste trabalho.
A empresa fumageira define o tipo de produto, como será o desenvolvimento
da produção, o preço e a relação comercial com o agricultor. Isso gera uma grande
dependência dos produtores de fumo em relação a essas empresas, situação que os
agricultores do município têm vivenciado há décadas. Este trabalho desenvolve-se
com base na hipótese de que essa relação influencia o modo de desenvolvimento do
trabalho dos agricultores familiares de Dom Feliciano. Além disso, acredita-se que a
falta de informação e conhecimento por parte dos associados sobre a doutrina
cooperativista e a forma de organização de uma cooperativa desencadeiam a
passividade dos associados em relação a sua participação na COOPACS.
Para confirmar essas hipóteses, foram realizadas entrevistas com
questionário semiestruturado com dirigentes e associados da COOPACS. As
entrevistas com os associados foram realizadas juntamente com suas respectivas
famílias, pois o associado é considerado representante de sua família na
cooperativa. Aqui cabe destacar que, de acordo com a Lei Federal n° 5.765, as
organizações cooperativas são sociedades de pessoas e não de capital, ou seja, os
associados não podem ser representados por outras pessoas. (BRASIL, 1971). Em
contraponto, segundo a Lei Federal n° 11.326, uma das características do “agricultor
familiar” é que o estabelecimento seja dirigido com a família. (BRASIL, 2006). Ou
seja, a lógica da agricultura familiar se baseia no grupo familiar. Nesse sentido, os
agricultores e agricultoras associados se consideram representantes de todo o grupo
familiar ao associar-se à cooperativa.
114
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
De acordo com a cooperativa analisada, o quórum de participação em
número de associados das duas últimas assembleias ordinárias realizadas (20122013) foi o mínimo para a abertura das assembleias, ou seja, estas foram realizadas
em terceira chamada, considerando no mínimo 10 (dez) associados, não alcançando
a metade do número total. Dessa forma, podemos perceber que a cooperativa
funciona com um número mínimo de associados em relação à participação no nível
presença na cooperativa.
A participação no nível presença é a forma mais simples entre os três níveis
de participação, sendo que os níveis ativação e decisão necessitam do primeiro para
se desenvolverem. Isso significa que, se o nível de participação denominado
presença na COOPACS é considerado baixo, os outros níveis de participação
também deixam a desejar na gestão da cooperativa pelos associados.
Foi indicada a falta de participação, não somente presencial nas
assembleias e reuniões, mas também na busca de informações sobre a cooperativa,
na participação ativa e nas tomadas de decisões pelos associados na gestão da
cooperativa. Segundo o grupo, isso ocorre por vários motivos, sendo o mais indicado
a herança do modo de trabalho individualista, característica consequente da relação
entre os agricultores e a empresa fumageira. De acordo com o atual presidente da
cooperativa, “não tem participação dos associados e não tem quem assuma tarefas
da cooperativa, porque o povo tá acostumado a trabalhar individual por causa do
fumo”. Segundo a diretoria, a empresa fumageira estabelece uma relação de
dominação com o agricultor, definindo o produto e seu modo de produção. Isso
desencadeia uma concorrência entre as famílias produtoras de fumo, pois cada uma
produz em sua propriedade e vende individualmente para a empresa fumageira. Na
visão da diretoria, essa cultura difundida e vivenciada por décadas no município é o
principal motivo para que os associados não participem na cooperativa.
O segundo motivo apontado pela diretoria é a falta de conhecimento sobre o
significado do cooperativismo, tanto em relação a valores e princípios quanto a sua
organização e forma de gestão. Os agricultores associaram-se à cooperativa com a
finalidade de vender seus produtos. Não há o esclarecimento de que a cooperativa é
uma extensão de suas propriedades, mas sim de que é uma empresa que compra
seus produtos. Não há a compreensão de que a cooperativa pertence aos próprios
associados e de que seu funcionamento depende destes, o que é essencial para
que uma cooperativa opere de modo democrático.
115
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
O terceiro motivo citado foi a falta de interesse e/ou tempo para comparecer
às reuniões ou se informar sobre a cooperativa. No entanto, segundo a diretoria,
esse motivo é citado por muitos associados como desculpa para não participar, não
sendo um motivo real.
A diretoria concorda que um trabalho de educação cooperativa pode trazer
resultados positivos à cooperativa, em relação ao aumento da participação dos
associados na cooperativa nos níveis presença, ativação e decisão. Além disso, o
processo de educação cooperativa, com trabalhos periódicos, pode aumentar o grau
de participação dos associados nas tomadas de decisão da cooperativa em longo
prazo.
Em relação à COOPACS, pode-se perceber que a cooperativa foi formada
com o objetivo de comercializar a produção dos alimentos conjuntamente, mas não
havia, e ainda não há, a compreensão do grupo de associados sobre o significado
de se associar a uma cooperativa em relação às responsabilidades, direitos e
deveres de cada associado. Dessa forma, o trabalho de educação cooperativa tornase essencial para que ocorra o aumento, nos diferentes níveis, de participação dos
associados, não somente presencialmente nas assembleias, mas também
ativamente e na gestão da cooperativa.
Em relação aos associados da COOPACS que não fazem parte da diretoria,
foram entrevistadas seis famílias. Dessas seis famílias, apenas uma compareceu a
uma das duas últimas assembleias realizadas em 2012 e 2013. As cinco famílias
que não participaram afirmaram que têm o costume de participar das reuniões e
assembleias e se não o fazem é devido à falta de comunicação por parte da diretoria
sobre a realização das reuniões. Ocorre também que muitas vezes as famílias são
informadas com pouca antecedência, não tendo o devido tempo para organizar suas
tarefas na propriedade e garantir sua presença.
Todos os associados entrevistados afirmaram ser importante a participação
nas reuniões e assembleias, pois são tratados assuntos que são de seu interesse. É
importante ressaltar que esses assuntos seriam, basicamente, os trâmites
comerciais da cooperativa. Os associados explicam que precisam participar das
assembleias, porque vendem seus produtos para a cooperativa e é interesse do
associado estar informado sobre as comercializações da cooperativa. De acordo
com um agricultor associado, é preciso participar “pois vendo o produto pra
cooperativa, então a gente precisa saber dos trâmites comerciais, porque muitas
116
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
vezes ‘eles’ não podem comprar por falta de agilidade nossa”. Pode-se perceber,
através das entrevistas, que os associados utilizam certo distanciamento em seus
discursos em relação à cooperativa, pois se denotam a esta como “eles”. Ou seja, os
associados acreditam que a cooperativa é composta pelos membros diretoria, que
são seus donos.
Existe ainda a crença de que a diretoria da cooperativa compra e vende
seus produtos, não havendo a compreensão de que os associados entregam seus
produtos à cooperativa para comercializar conjuntamente para os mercados. A
cooperativa é compreendida como uma empresa comum que compra os produtos
das famílias individualmente, isso confirma a hipótese de que a falta de participação
dos associados na cooperativa ocorre devido à cultura individualista e competitiva
herdada da relação entre empresa fumageira e agricultor.
Todos os associados enxergam a cooperativa como sua própria empresa,
não no sentido de participar ativamente e ajudar em sua gestão, mas em relação à
tomada de decisões que deve estar de acordo com os interesses dos associados.
Segundo um agricultor associado, “a cooperativa tem que funcionar de acordo com o
que os associados querem”. Aqui cabe destacar que os associados enxergam o
grupo de agricultores e a cooperativa como organizações separadas, em que os
associados precisam estar informados sobre a cooperativa para garantir o preço
justo dos produtos. Essa visão é muito semelhante à visão do grupo de empregados
ou funcionários de uma empresa comum ao exigir o seu salário justo.
Confirma-se também a hipótese de que existe a necessidade de desenvolver
a educação cooperativa, pois a visão de que a cooperativa é uma empresa comum,
que compra os produtos dos associados, ocorre devido à falta de informação e
compreensão sobre o significado da cooperativa e do seu modo de organização.
Nenhuma das famílias entrevistadas tem conhecimento sobre, nem ao menos ouviu
falar em
valores
e princípios
cooperativistas.
Ou
seja,
os entrevistados
desconhecem o princípio cooperativista da gestão democrática pelos próprios
associados, não no sentido de exigir da cooperativa o preço justo dos produtos, mas
no sentido de participar ativamente nas tomadas de decisão, organizando e
contribuindo para a gestão da cooperativa.
Assim como a diretoria, a opinião dos associados é de que entre as
principais causas para a falta de participação dos associados nas assembleias e no
processo de gestão da cooperativa está, em primeiro lugar, a forma de trabalho
117
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
individualista e competitiva, devido à relação de trabalho herdada pela produção e
comercialização do fumo. Os próprios associados reconhecem que as famílias estão
acostumadas a trabalhar de forma individualista, cada um em sua propriedade. De
acordo com um dos associados:
As pessoas não tem união, só pensam neles, falta união do povo, não
adianta só alguns trabalhar, fazer a cooperativa funcionar [...] o povo
trabalha muito individual, cada um trabalha na sua casa, na sua
propriedade, não tem tempo por causa do fumo que exige muito do
agricultor, não consegue participar. Acho que falta é união e entender o
que acontece na cooperativa, trabalhar junto porque é interesse nosso.
A segunda causa para esse problema, segundo os associados, seria a falta
de conhecimento sobre o significado da cooperativa e suas responsabilidades
enquanto associados. Por último, foi citada a falta de interesse e tempo do
associado, pois as famílias despendem muito tempo de trabalho na propriedade.
Novamente confirma-se com os associados a necessidade de desenvolver
um
processo
de
educação
cooperativa,
que
esclareça
o
significado
do
cooperativismo, os direitos, deveres e responsabilidades dos associados e saliente a
importância da sua participação em todos os níveis para o bom funcionamento e
organização da cooperativa de forma democrática.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O período do desenvolvimento trouxe muitas consequências para a
população de Dom Feliciano que perpetuam ainda no atual contexto. Foi a partir
desse período que teve início a produção da monocultura do fumo na região,
diminuindo drasticamente a diversificação de culturas e aumentando os processos
de erosão e êxodo rural. Além disso, as formas de trabalho individual e competitivo e
a dependência, características desenvolvidas pela relação entre os agricultores e as
empresas fumageiras, influenciam ainda hoje a forma de trabalho dos agricultores
familiares e suas relações sociais. Nesse contexto, a cooperativa, enquanto
prioridade levantada pelos próprios agricultores, surge como um instrumento para a
diversificação da cultura do fumo e para o resgate da cultura polonesa do trabalho
coletivo.
Em relação à formação da COOPACS, houve a participação interativa dos
atores envolvidos, ou seja, os próprios agricultores familiares. Ocorre que, a partir da
118
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
estratégia para a participação dos associados
formação da cooperativa, os associados passaram para um estado de passividade,
não tendo participação na gestão da cooperativa, nos níveis presencial e ativo nem
tão pouco nas tomadas de decisões.
O presente trabalho obteve a confirmação das hipóteses aqui levantadas de
que
a
cultura
individualista
e
competitiva,
consequente
do
período
de
desenvolvimento do tabaco na região, além da falta de conhecimento por parte dos
agricultores sobre suas responsabilidades, direitos e deveres na gestão da
cooperativa são as principais causas para a falta de participação dos associados nos
processos de gestão da cooperativa.
Dessa forma, o processo de educação cooperativa é uma estratégia que, se
trabalhada periodicamente e de forma participativa junto aos associados, tem
importante contribuição na reeducação dos valores dos agricultores associados e na
compreensão destes sobre a importância de sua participação em seus diferentes
níveis na organização e gestão democrática da cooperativa. O princípio
cooperativista da gestão democrática deve ser trabalhado junto aos seus associados
através de um processo participativo em que estes sejam protagonistas de seu
desenvolvimento,
respondendo
e
solucionando
suas angústias,
dúvidas
e
perspectivas em relação à cooperativa, através de sua própria realidade social.
A gestão democrática é essencial nas cooperativas enquanto organizações
que buscam o desenvolvimento econômico e social de seus associados e da
comunidade. Nesse sentido, a participação dos associados é determinante na
legitimação da gestão democrática da cooperativa.
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119
Capítulo V - O Princípio da Gestão Democrática: o processo de educação cooperativa como
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VERDEJO, M. E. Diagnóstico rural participativo: um guia prático. Brasília:
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120
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
MATTOS, Silvana Avila de20
SANTOS, José Zigomar Vieira dos21
RESUMO
Este trabalho aborda o tema participação, comprometimento e satisfação dos
associados, estabelecendo uma relação com a Educação Cooperativa, elemento
fundamental para o exercício do cooperativismo. O Cooperativismo é um modelo de
organização que tem como objetivo principal o desenvolvimento econômico e social
de seus associados, tendo em seus princípios as linhas orientadoras, através das
quais as cooperativas levam os seus valores à prática. Analisa a participação e o
comprometimento dos sócios nas rotinas, nas atividades e decisões da Cooperativa
Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA. Com relação à metodologia, utilizou-se como
técnica de pesquisa entrevistas, com questionário estruturado e semiestruturado,
junto aos associados da cooperativa. Como resultado, verificou-se que os
cooperados estão satisfeitos e pensam ser importante participar como membros da
organização, fazem-se presentes nas reuniões e assembleias realizadas, porém não
são ativos nas tomadas de decisões e no planejamento das ações, preferem ser
ouvintes, uma vez que muitos não se consideram qualificados para interferir na
gestão da cooperativa.
Palavras-chave: Cooperativismo. Participação. Satisfação.
ABSTRACT
This work approaches the subject participation, commitment and satisfaction of
members by establishing a relationship with Cooperative Education, a key element
for the exercise of the cooperative. The Cooperativism is an organization model that
has the main objective of economic and social development of the associates, in its
principles the guidelines by which cooperatives put their values into practice.
Examines the participation and commitment of the partners in the routines, activities
and decisions of the Vista Gaúcha Cooperative - COOPERVISTA. Regarding
methodology, it was used as a research technique interviews, using a structured and
semistructured questionnaire, that was applied to the members of the cooperative.
As a result, it was found that the cooperative members are satisfied and think they
are important members of the organization, they are present in the meetings and
assemblies, but are not active in decision-making and in the action planning, they
prefer to be listeners, once many of them do not feel qualified to interfere in the
management of the cooperative.
Keywords: Cooperativism. Participation. Satisfaction.
20
Bacharel
em
Administração,
Extensionista
Rural
da
Emater-RS/Ascar.
[email protected].
21
Mestre, Professor Orientador, ESCOOP - email: [email protected]
121
Email:
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
1 INTRODUÇÃO
O tema das relações entre as pessoas é um assunto que pode parecer
demagógico, enquanto discurso para resolução de conflitos, mas não é
ultrapassado, pois as inter-relações entre os associados podem tanto contribuir
como atrapalhar o processo de gestão. Neste sentido, o modelo de gestão utilizado
pelas cooperativas aparece como uma solução, pois a responsabilidade de cada
pessoa e a mobilização realizada em grupo trazem excelentes resultados.
As organizações cooperativas representam um percentual importante no setor
econômico, pois são organizações que podem preencher todas as exigências, em
termos de eficiência e eficácia, para competir no mercado, desde que se adaptem ao
momento atual de mudanças causado pela abertura de mercado, trazendo
exigências de revisão de estruturação das empresas, criando alternativas
competitivas e que vêm se fortalecendo, com o passar do tempo. Além de buscar a
relação positiva entre as pessoas e as diferentes ferramentas gerenciais utilizadas,
as organizações cooperativas também se utilizam da mobilização dos seus
cooperados e de sua responsabilidade social para com estes. O ponto positivo do
cooperativismo é o fato de que as cooperativas, além de trazerem benefícios para
seus sócios também contribuem para o desenvolvimento econômico e social de sua
localidade.
De acordo com José Roberto Ricken, superintendente da Organização das
Cooperativas do Estado do Paraná (OCEPAR), as cooperativas representam
atualmente 16,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado. Conforme reportagem
publicada na Revista Brasileira de Administração, a transformação positiva que
ocorre devido ao cooperativismo traz benefícios econômicos e sociais para os
municípios onde este setor está atuando, sendo que todo o modelo cooperativista se
desenvolve no interior do país de forma consideravelmente satisfatória. Ou seja, o
retorno financeiro através da cooperativa se concentra, geralmente, em sua
localidade de origem, ou município, pois cada relação de troca ou de
comercialização, consequentemente gera outra, e assim por diante. Desta forma, o
investimento na cooperativa e seus retornos permanecem no local. (RICKEN apud
ANDRICH,
2013).
Contudo,
as
cooperativas
precisam
se
reformular
e,
principalmente, comprometerem seus cooperados em relação aos seus direitos e
obrigações para com sua organização. Desta forma, compreende-se a importância
122
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
dos sócios dentro da organização, sendo que a atuação ativa destes contribui no
fortalecimento da cooperativa perante o mercado.
Como proposta para manter ou aumentar o nível de participação e
engajamento dos associados com a cooperativa, há um processo que vem sendo
discutido mais recentemente pela academia e que se denomina como “Educação
Cooperativista”, também apresentado enquanto um dos princípios cooperativistas:
educação, formação e informação, e que propõe que as cooperativas devem
proporcionar educação e treinamento para os sócios de modo a contribuir
efetivamente para o seu desenvolvimento. A partir deste processo, há a informação
e a comunicação com o público em geral, particularmente os jovens e os líderes
formadores de opinião, sobre a natureza e os benefícios da cooperação.
A principal tarefa da educação cooperativista é promover a integração social e a
participação dos cooperados. Fazer com que estes se insiram de forma crítica na
gestão do empreendimento e desfrutem dos produtos e serviços econômicos e
assistênciais oferecidos pela mesma. Segundo Nascimento (2000), a maioria dos
problemas enfrentados pelas cooperativas, inclusive financeiros e gerenciais, pode ser
resolvida pelo maior nível de participação dos associados, o que é possível através do
processo de educação cooperativa desenvolvido com os membros da organização.
2 A EDUCAÇÃO E SEU PAPEL NA PRÁTICA DOS VALORES E PRINCÍPIOS
COOPERATIVISTAS
2.1 ORIGEM DO COOPERATIVISMO
Segundo Singer (1988), o movimento cooperativista teve seu início através do
líder Robert Owen, que propunha formar comunidades onde as pessoas pudessem
se agrupar em aldeias exercendo uma atividade em comum, produzindo o que fosse
possível e dividindo igualitariamente tudo o que fosse ganho entre eles. Deste
processo teriam surgido as cooperativas de produção e de trabalho no século XIX,
mais efetivamente, com o advento do trabalho industrial e o movimento operário. O
cooperativismo surgiu como forma de amenizar os problemas provocados pela
Revolução Industrial, como o desemprego, devido à emigração dos camponeses
para as cidades, na Grã-Bretanha, em busca de melhores condições de vida.
Durante décadas, vários grupos se organizaram com características cooperativistas.
123
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
Em 1844 é datado o histórico do surgimento e da formação consciente das
cooperativas no mundo, com o surgimento da “Rochdale Society of Equitable
Pioneers”, em Rochdale, distrito de Lancashire, na Inglaterra, uma cooperativa de
consumo, inicialmente formada por 28 tecelões, denominados Pioneiros de
Rochdale. Esta cooperativa se expandiu rapidamente e, em 1850, criou uma
cooperativa de produção industrial, um moinho e, em 1854, uma tecelagem e fiação.
No Brasil, uma das principais experiências históricas do cooperativismo foi no
Rio Grande do Sul (PINHO, 2003), com a criação da primeira cooperativa de crédito,
através de colonos alemães, representados pelo padre Theodor Amstad, no ano de
1902, em Linha Imperial, atual município de Nova Petrópolis.
2.2 CONCEITO DE COOPERATIVA
As organizações cooperativas se caracterizam enquanto sociedade de
pessoas com o mesmo ramo de atuação e objetivos em comum. Estas tem caráter
econômico, mas não objetivam o lucro. Devem ser constituídas e dirigidas pelos
próprios associados, onde todos têm os mesmos direitos e deveres e buscam o
desenvolvimento social, cultural e econômico para todos, privilegiando a ajuda
mútua. As sociedades cooperativas têm como valores essenciais ao seu
funcionamento a ajuda mútua, responsabilidade, democracia, igualdade, equidade,
solidariedade, honestidade, transparência e responsabilidade social.
De acordo com a Lei n° 5764, “as cooperativas são sociedades de pessoas,
com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência,
constituídas para prestar serviços aos associados”. (BRASIL, 1971). Uma
cooperativa é considerada uma sociedade de pessoas porque os seus membros
constituem a própria organização, não havendo nenhuma distinção entre estes.
Como as cooperativas não são empresas mercantis, estas não podem falir, mas sim,
entrar em dissolução.
2.3 DESAFIOS DO COOPERATIVISMO
Singer (2002) afirma que a autogestão está presente, principalmente, na
economia solidária. Trata-se de uma gestão democrática em que os sócios têm que
trabalhar de forma coletiva em todas as etapas do processo produtivo. Para o autor,
124
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
o associado é dono de seu empreendimento, e, por isso, cabe a ele tomar decisões
em conjunto. De acordo com Albuquerque (2003) e Singer (2002), a participação dos
associados é fundamental, no sentido de que o processo participativo impulsiona a
criatividade dos membros, aumenta a produtividade, cria uma identidade de grupo,
corrige falhas gerenciais e direciona novos rumos para a organização. Todavia,
quando todos participam do gerenciamento, é comum a falta de coordenação das
atividades, de regras e de sanções. Portanto, a teoria de Friedberg (1995) é bem
aplicada a esta situação. Segundo este autor, as relações de poder têm que ser
estruturadas. Para o autor, a autogestão se apresenta, muitas vezes, como
problema, em vez de solução, sendo um desafio nos empreendimentos associativos.
Como diz Albuquerque (2003), a autogestão não significa necessariamente
cooperação entre aqueles que produzem. Por isto, a ação coletiva fica prejudicada,
pois a cooperação, muitas vezes, não se efetiva. Outras situações dificultam a ação
coletiva, como a falta de transparência no gerenciamento.
Dois aspectos importantes devem caminhar concomitantemente: a gestão
transparente e democrática e a participação ativa dos associados nas decisões da
cooperativa. O simples fato de o cooperado entregar sua produção para a
cooperativa não constitui cooperação, ela só se constitui quando este – o sócio –
exerce suas obrigações de dono da cooperativa, também se envolvendo nas
decisões da sua organização, por exemplo, se informando do que acontece no dia a
dia da cooperativa. Há a necessidade de gestores comprometidos e preparados
para o gerenciamento da cooperativa, mas não cabe somente a estes tomar todas
as decisões sobre o planejamento da organização, pois a cooperativa deve ser
gerida democraticamente pelos associados, ou seja, quem deve decidir o futuro da
cooperativa é o cooperado, municiado de informações precisas e fundamentadas,
fornecidas pelos gestores, para que a assembleia, órgão máximo de uma
cooperativa, possa decidir que rumos a cooperativa pode tomar a curto, médio e
longo prazo.
2.4 PARTICIPAÇÃO
Para Bordenave (1994, p. 22), a palavra participação vem da palavra parte.
“Participação é fazer parte, tomar parte e ter parte [...]”. Estas três expressões não
têm o mesmo significado, pois um indivíduo pode fazer parte de um grupo (por
125
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
exemplo, uma associação de moradores), sem tomar parte das reuniões, ou ainda
pode fazer parte da população de um país, sem tomar parte nas grandes decisões,
ou, enfim, fazer parte de uma empresa sem ter parte alguma na sociedade
(BORDENAVE, 1994). Isso indica, segundo Bordenave (1994, p. 22), que é possível
fazer parte sem tomar parte e que “a segunda expressão representa um nível mais
intenso de participação”. Disso deriva a diferenciação entre participação ativa e
participação passiva. Conforme o autor, existe ainda mais um tipo de participação,
denominada voluntária, em que o grupo é criado pelos próprios participantes que
definem sua forma de organização, objetivos e métodos. O autor cita enquanto
exemplo os sindicatos livres, as associações de moradores, as cooperativas e os
partidos políticos. Acrescenta, ainda, que, ao se avaliar a participação num grupo ou
organização, duas perguntas são fundamentais: “qual é o grau de controle dos
membros sobre as decisões?” e “quão importantes são as decisões de que se pode
participar?”. Como resposta a estas duas perguntas o autor apresenta uma escala
que vai da participação à informação, cujos membros de um grupo são apenas
informados sobre algo, passando pela consulta, a recomendação, a cogestão, a
delegação, chegando até ao estágio máximo de participação, que é a autogestão.
Para o autor, o poder decisório da população envolvida está relacionado tanto com a
capacitação como com a experiência.
2.5 VALORES COOPERATIVISTAS
Precedendo aos princípios, os valores posicionam-se acima destes na
determinação hierárquica da Doutrina Cooperativista. Segundo Irion (1997, p. 49),
"valores são experiências morais, de caráter permanente que se constituem no
arcabouço do pensamento e da conduta dos cooperativistas". A interação dos
valores e dos princípios com as ideias gerais constitui a base doutrinária que
embasa e legitima o cooperativismo. De acordo com Irion (1997, p. 47), "os valores
são permanentes e os princípios, ao interpretar os valores, podem ser adaptados às
circunstâncias relativas ao local e ao tempo em que é posta em prática a doutrina
cooperativista".
A existência de valores básicos do cooperativismo permite que a sociedade
cooperativa construa pilares essenciais, que visam promover melhorias nas pessoas
cooperadas, refletindo positivamente nas suas atividades e ações desenvolvidas na
126
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
organização, proporcionando benefícios à sociedade como um todo. Os valores
básicos que foram utilizados na confecção dos princípios cooperativistas são:
A Solidariedade − A solidariedade é um valor essencial que deve estar
presente nas diversas instâncias de uma cooperativa, é um fator primordial para a
existência e o fortalecimento da cooperação entre os associados da cooperativa.
A Liberdade − O valor cooperativista da liberdade permite aos associados da
cooperativa retirar-se do empreendimento no momento que lhe for conveniente e
também aos pretendentes de tornarem-se cooperados por livre e espontânea
vontade. A liberdade é relativa dentro da organização, limitada por regras de
conduta impostas pelo próprio grupo.
A Democracia − A democracia não tem seu sentido aqui entendido apenas na
forma de participação e organização política dentro das cooperativas, mas sim, na
participação de todos os associados nas reuniões, do direito de opinião, da
oportunidade do exercício das funções diretivas, entre outros. A aplicação do valor
de democracia inibe a distinção entre pessoas, bem como o surgimento de grupos
de interesse ou figuras de poder.
A Justiça Social − Com a promoção da Justiça Social, é adquirida a evolução
pessoal dos indivíduos, que se concretiza através da promoção das pessoas,
através da educação, cultura, qualidade de vida oportunidade de trabalho e de
realização pessoal.
A Equidade − A equidade garante o tratamento igual, de acordo com o grau
de participação nas relações humanas e de contribuição para os associados.
Através da equidade, as cooperativas põem em prática um direito igual para todos
os associados de participarem da organização, partilhando igualmente os benefícios
resultantes.
Segundo Irion (1997, p. 49-50), a equidade pode ser examinada por três
vertentes:
a) associativa – que estabelece direitos e deveres iguais para todos os
sócios;
b) econômica – que garante a distribuição dos resultados proporcional à
participação do associado nos negócios, e
c) social – que obriga a cooperativa a assistir aos associados sem
discriminação.
127
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
A Participação − A participação ativa de todos os cooperados nos diversos
estágios de desenvolvimento organizacional de uma cooperativa determina até que
ponto os objetivos traçados pelo empreendimento serão alcançados de forma eficaz.
A participação deve ser entendida, ao mesmo tempo, como um direito e um
dever dos cooperados, pois, do mesmo jeito que são donos do empreendimento e
podem participar livremente da gestão e da tomada de decisões, são obrigados a
participar para contribuir com o coletivo.
A Universalidade − Através do valor da universalidade as pessoas e os
grupos associados descobrem o seu maior valor e enriquecimento, não em ações
individuais, mas no trabalho coletivo em prol de objetivos de interesse universal. A
cooperação universal auxilia na inexistência de qualquer distinção de classe, raça,
cor ou religião, estabelecendo a união entre todos, em razão de interesses que
atendam às necessidades da coletividade.
A Honestidade − A honestidade é um aspecto componente da formação do
caráter do ser humano, cada vez mais desprezado na sociedade. Com a intenção de
promover uma reforma moral das pessoas, os pioneiros do cooperativismo
buscavam sempre alertar para as atitudes e o comportamento dos indivíduos na
sociedade. Através da honestidade, a cooperativa é capaz de estender cada vez
mais sua influência com o ambiente externo, haja vista que, devido às suas ações a
sociedade acreditará cada vez mais no sistema cooperativista.
2.6 PRINCÍPIOS DO COOPERATIVISMO
Os princípios cooperativistas foram elaborados inicialmente em 1844, quando
os Pioneiros de Rochdale criaram normas para a sua cooperativa. Em 1995, os
princípios cooperativistas foram reformulados pela Aliança Cooperativa Internacional
(ACI) como linhas orientadoras através das quais as cooperativas levam à prática os
seus valores. São os Princípios:
a) adesão livre e voluntária − Cooperativas são organizações voluntárias
abertas a todas as pessoas aptas a usar seus serviços e dispostas a
aceitar as responsabilidades de sócios, sem discriminação social, racial,
política ou religiosa e de gênero;
b) controle democrático pelos sócios − As cooperativas são organizações
democráticas controladas por seus sócios os quais participam ativamente
128
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
no estabelecimento de suas políticas e na tomada de decisões. Homens e
mulheres, eleitos como representantes através da Assembleia Geral, órgão
máximo da organização, a quem cabe as decisões mais importantes e o
planejamento das ações da entidade. Os eleitos são responsáveis para
com os demais sócios de prestar contas de suas ações. Nas cooperativas
singulares, os sócios têm igualdade na votação (um sócio um voto)
independente da sua participação financeira (quota parte); as cooperativas
de outros graus são também organizadas de maneira democrática;
c) participação econômica dos sócios − Os sócios contribuem de forma
equitativa e controlam democraticamente o capital de suas cooperativas.
Parte desse capital é propriedade comum das cooperativas. Usualmente
os sócios recebem juros limitados (se houver algum) sobre o capital, como
condição de sociedade. Os sócios destinam as sobras aos seguintes
propósitos: desenvolvimento das cooperativas, possibilitando a formação
de reservas, parte dessas podendo ser indivisíveis; retorno aos sócios na
proporção de suas transações com as cooperativas, e apoio a outras
atividades que forem aprovadas pelo sócio;
d) autonomia e independência − As cooperativas são organizações
autônomas para ajuda mútua, controladas por seus membros. Entretanto,
em acordo operacional com outras entidades, inclusive governamentais, ou
recebendo capital de origem externa, elas devem fazê-lo em termos que
preservem o seu controle democrático pelos sócios e mantenham sua
autonomia;
e) educação,
treinamento
e
informação
−
As
cooperativas
devem
proporcionar educação e treinamento para os sócios de modo a contribuir
efetivamente para o seu desenvolvimento. Elas deverão informar o público
em geral, particularmente os jovens e os líderes formadores de opinião,
sobre a natureza e os benefícios da cooperação. Este princípio é de
fundamental importância, uma vez que o cooperativismo constitui doutrina
própria, com princípios específicos, formas de atuação definidas e não
pode ser confundido com outros tipos de associação comuns em qualquer
sociedade. É necessário que a cooperativa, assim como as federações,
confederações e demais entidades que congregam estas empresas
peculiares, invistam na educação de seus membros e da comunidade em
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Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
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geral, como forma de esclarecimento a respeito do pensamento
cooperativo e incentivo às novas iniciativas de associação de indivíduos,
segundo o modelo proposto por esta doutrina. Para a maior efetivação
deste princípio, a Lei 5.764/71, art. 28, inciso II, determina às cooperativas,
a obrigatoriedade da constituição de um Fundo de Assistência Técnica,
Educacional e Social, com o recolhimento de, no mínimo, 5% das sobras
líquidas do exercício;
f) cooperação entre cooperativas − As cooperativas atendem seus sócios
mais efetivamente e fortalecem o movimento cooperativo trabalhando
juntas, através de estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais;
g) preocupação com a comunidade − As cooperativas trabalham pelo
desenvolvimento sustentável de suas comunidades, através de políticas
aprovadas por seus membros.
2.7 EDUCAÇÃO COOPERATIVISTA
Ferreira e Amodeo (2008), em seu trabalho no V Encontro de Pesquisadores
Latino-Americanos de Cooperativismo, mencionam a educação cooperativa como
um dos pilares fundamentais de sustentação do movimento cooperativista de
produção. Defendem que a educação cooperativa não somente capacita
tecnicamente pessoas, mas também deve avançar no sentido de congregar e
aproximar
os
indivíduos
para
o
movimento
cooperativista,
produzindo
e
proporcionando a efetiva participação democrática. Um de seus objetivos é focar na
construção do “saber ser” cooperante.
A pessoa só se compromete e interage com aquilo que é de seu interesse,
apenas através de sua participação passiva em reuniões por obrigação ou porque
sua presença está condicionada ao pagamento de taxa, não significa que ela está
envolvida com a organização da qual faz parte.
Frantz (2001) coloca a educação cooperativa como instrumento de libertação
humana e comprometimento. Defende ele que a educação cooperativa tem papel
insubstituível na proposição e instrumentalização de novos sujeitos sociais, em
decorrência de que, também, o fenômeno educativo é a expressão de interesses
sociais em conflito na sociedade.
130
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
A
Educação
Cooperativista
é
fundamental
no
desenvolvimento
da
Democracia Cooperativista, uma vez que é através da educação que se difundem a
doutrina e os princípios do cooperativismo. Os valores em que se baseia a
sociedade cooperativa são a identidade de propósitos e interesses das pessoas que
a compõem, ajuda mútua, ação em conjunto, busca de um resultado útil e comum a
todos, responsabilidade, igualdade, solidariedade, democracia e participação. Podese dizer que a solução dos problemas e a satisfação do interesse coletivo são
alcançadas com base na troca de ideias e nas discussões entre as pessoas, e que a
educação cooperativa consiste na aquisição do hábito de ver, pensar e julgar de
acordo com os princípios e ideais cooperativos.
Schneider (2003, p. 13) afirma que a educação e a capacitação são
indispensáveis em qualquer instituição, mas nas cooperativas elas são questão de
sobrevivência. Sem essas atividades, as cooperativas são desvirtuadas ou até
absorvidas pelo sistema socioeconômico e pelo processo social dominante que é a
concorrência e o conflito.
Ao falarmos em educação, devemos destacar que esta visa explorar as
potencialidades e habilidades do indivíduo, fazendo com que o ser humano pense,
reflita, discuta e aja. Sabe-se que a educação cooperativa deve ser um ato
constante dentro das organizações cooperativas. O conceito de Educação
Cooperativista ainda é bastante embrionário dentro do movimento, não possui um
consenso normativo quanto à sua finalidade e objetivo. O desafio futuro, para a
Educação Cooperativista, será o de direcionar em tempo, em conteúdo e em custo
adequados o conhecimento básico para uso e aplicação por parte dos agentes em
busca de benefícios mútuos.
Existem
vários
níveis
de
aprofundamento
para
se
transmitir
esse
conhecimento, de modo que não se perca por falta de direcionamento adequado e
pela falta de um meio – veículo de comunicação – eficiente de seu fornecimento. A
educação aumenta o conhecimento e o treinamento aumenta a habilidade, assim o
foco da estrutura de Ensino em Cooperativismo deverá estar centrado em facilitar as
comunicações de conceitos, termos e técnicas, e estimular uma maior “durabilidade”
à capacitação dos agentes integrantes das cooperativas. Os fundos determinados
por lei para investimentos no “ser humano”, principalmente em conhecimentos
institucionais, técnicos e científicos, devem receber receitas – compondo reservas
especiais – independentes do encerramento das atividades do ano fiscal das
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Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
cooperativas, quando lançam mão de parte das sobras líquidas para tais fins. As
mesmas terão que possuir outro modo adicional de captação de recursos financeiros
para investimentos centrados na Educação Cooperativista, que poderão vir dos
contratos com tomadores de serviços cooperativos.
O que vem a ser realmente a Educação Cooperativista? A educação
cooperativista consiste na preparação do cooperado para a participação efetiva na
cooperativa, abrange a consciência de grupo gerando a participação dos membros,
capacita os cooperados para o desenvolvimento da cooperativa como empresa, leva
os cooperados a entender a importância de seu papel como dono e usuário da
cooperativa. O trabalho de educação nas cooperativas é tão importante que, sem
ela, a cooperativa não se desenvolve plenamente. Para se concretizar este trabalho,
as cooperativas têm por obrigação destinar, no mínimo, 5% de suas sobras líquidas
para o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES). Este fundo é
destinado a financiamentos de projetos que visem à preparação das pessoas que
fazem parte da cooperativa. Os trabalhos de educação podem ser realizados através
de cursos, seminários, reuniões, etc. Além disso, muitas cooperativas têm comitês
educativos, uma das alternativas para a concretização de planos desta natureza.
A experiência ensina e a vida educa. A cooperação educa quando formula
exigências a seus participantes que são capazes de adquirir novos conhecimentos e
adotar novas formas de comportamento. A educação é um princípio, é indispensável
porque é essencial para a existência das cooperativas.
A cooperação não pode confiar na educação inconsciente ou ao acaso, mas
deve empregar formas e métodos adequados de educação, como instrumentos para
alcançar seus fins. O indivíduo precisa apreender a ser cooperativista, da mesma
forma que desde a infância somos estimulados e educados a colaborar e ajudar os
outros seres humanos. Já que a educação cooperativa não envolve somente
conhecimentos, mas também prática, para alcançar seus objetivos, deve então ter
uma significação ampla, que seja equivalente à soma dos atos e experiências que
promovem o crescimento moral e mental dos cooperadores e o desenvolvimento de
sua capacidade para trabalhar com outros, segundo os valores e os princípios
cooperativos. A educação deve ser considerada como uma experiência para toda a
vida, aprender para si não significa aprender só por si, é necessária a colaboração
de outros para que a educação seja permanente, e deve, ainda, ser direcionada a
conseguir também o aperfeiçoamento dos associados. Portanto, não basta preparar
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Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
os futuros sócios por meio da difusão da doutrina cooperativa, é preciso capacitar
tecnicamente e em diferentes níveis os que vão ser os responsáveis pelo fator
empresarial.
Uma das formas de educação cooperativa é a informação geral sobre os
princípios e os objetivos do sistema. É condição essencial deste trabalho informativo
que os princípios sejam explicados com clareza, porém é desaconselhável falar com
exagero sobre as vantagens e enfatizar os privilégios do sistema cooperativo, pois
se corre o risco de os indivíduos se entusiasmarem demais, por outro lado, com a
exposição clara e transparente é bem provável que alguns se afastem. Por esta
razão, muitas organizações cooperativas preferem não promover grupos de
educação cooperativa com receio de perda de associados, pois a clareza do que é
ser cooperativista pode afastar alguns membros.
Contudo, isso não deveria ser a causa para a não aplicabilidade deste
princípio cooperativo que é a educação cooperativa, sendo que um dos valores do
cooperativismo é a participação, onde designa que a participação deve ser
entendida ao mesmo tempo como um direito e um dever dos cooperados, pois,
assim como são donos do empreendimento e podem participar livremente da gestão
e da tomada de decisões, devem participar de forma ativa para contribuir com o
coletivo, logo, para a cooperativa seria mais interessante manter somente aqueles
membros que realmente entendam quem são e quais são suas obrigações dentro da
organização cooperativa.
Os principais responsáveis pela educação cooperativista são especialmente
os dirigentes eleitos e os encarregados da formação e capacitação. Porém, um
desafio, hoje, é o esclarecimento a estes dirigentes do que é educação cooperativa
e sua importância para os associados, porque o que se encontra na prática é o valor
do fundo FATES reservado no Balanço Patrimonial, porque é lei, mas muitas vezes
não utilizado pela administração da cooperativa.
As oportunidades informais, como visitas e interações dos associados com
sua cooperativa, são, também, meios adequados para a educação, pois estas
podem e devem ser importantes momentos de formação e capacitação dos
cooperados. Dentre outros recursos formais de educação há a propaganda oral,
conferências, palestras de especialistas, cartazes, folhetos, jornais, revistas, etc.
Outra oportunidade de educação e de capacitação são as assembleias gerais,
mas por terem um caráter muito formal e protocolar e por contarem com a presença
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Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
de um grande número de pessoas, onde as autoridades usam uma linguagem
técnica e muito difícil para a maioria dos associados, estes tendem a ficar inibidos e
não participar. Sendo assim, é muito importante informalizar as assembleias gerais e
simplificar mais a linguagem das demonstrações contábeis e financeiras, para que
todos os sócios possam participar e colaborar dando sua opinião.
A educação cooperativa sempre esteve em destaque e é a mola mestra, o
pré-requisito para que a cooperativa cumpra com as suas funções sociais. A
educação cooperativista só é exaltada com grande importância na teoria, visto que
na prática pouco se faz a favor da mesma. As cooperativas que se ocupam do tema
são alguns casos isolados, que pouco ou nada refletem no todo do movimento.
Não se nasce cooperador num ambiente onde o que prevalece é a
competitividade e a individualidade. Não se pode mudar um comportamento sem
mudar a mentalidade das pessoas, e uma mentalidade diferente só se adquire por
meio de uma educação continuada e persistente, motivada em prol de ideias e
valores, princípios e atitudes que apelem à solidariedade e à ajuda mútua.
É normal que o candidato a associado entre numa cooperativa visando só os
benefícios individuais, contudo, não é normal que a cooperativa deixe que ele
permaneça com esta atitude durante anos, por isso cabe à associação a educação
de seus sócios, motivando-os em prol da aquisição de uma autêntica cultura
cooperativista, de solidariedade e de ajuda mútua.
O princípio da educação cooperativa é a base do cooperativismo, é a sua
regra de ouro, e é condição indispensável para o bom funcionamento dos demais
princípios. Não só os momentos de educação explícita – de cursos e de formação –
devem ser considerados como atividade educativa, mas todo e qualquer contato do
associado com a cooperativa será um momento propício para o processo educativo.
Sendo a educação cooperativista o caminho para o fortalecimento da
democracia, fica claro que essa iniciativa teve êxito e continuará tendo na medida
em que cada cooperado entender que sua participação é fundamental para o
desenvolvimento de sua cooperativa.
As cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus
membros, que devem participar ativamente na formulação das suas políticas e na
tomada de decisões. Os eleitos como representantes dos demais membros são
responsáveis perante estes. Aqui vale ressaltar a importância de fomentar a
participação das mulheres e dos jovens nos conselhos da cooperativa, visando
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Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
sempre o fortalecimento e o incentivo à participação dos associados. Todos os
associados em uma empresa cooperativa devem ter os mesmos direitos e deveres,
entre eles está o direito/dever de participar das decisões, do planejamento, do
trabalho, da distribuição das sobras. Cada experiência de cooperação deve definir os
espaços (instâncias) e as formas que permitam, organizadamente, a participação de
todos. Quem tem a função de dirigir, o faz em nome de todos. Quem é coordenador
de um setor de trabalho ou de um núcleo de base deve saber coordenar de forma
participativa, para que todos se sintam bem e aprendam com isso.
Tudo que envolve a vida da cooperativa deve estar vinculado à vida de cada
sócio e à democracia interna. É preciso distribuir as responsabilidades para que haja
participação integral de todos os sócios. A pessoa só se interessa plenamente por
aquilo que lhe diz respeito diretamente, logo, é necessário um chamamento
constante do associado para dentro da cooperativa. Por outro lado, a democracia
significa também participação econômica, tanto no pagamento das quotas partes
como na distribuição das sobras.
3 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO ESTUDADO
Para a elaboração da presente pesquisa foi escolhida a Cooperativa Mista
Vista Gaúcha, COOPERVISTA, em virtude da sua localização, mais adequada para
a pesquisadora. A cooperativa tem sede no município de Vista Gaúcha-RS, tendo
sido constituída em 21 de maio de 2007. Seu início está ligado à expansão da
atividade leiteira na mesorregião noroeste. Consta, de acordo com depoimentos, que
os produtores rurais de leite, por sugestão de um professor universitário, foram
incentivados a comercializar o seu produto de uma forma associativa, pois
comercializando o leite em conjunto teriam maior volume, logo, poderiam negociar o
seu produto por preço melhor. A cooperativa iniciou com o número de 48 associados
e, desde então, vem aumentando o seu quadro social, que hoje conta com 105
associados, sendo 101 ativos.
A negociação em conjunto do leite pelos associados da cooperativa, desde os
seus primeiros tempos, acrescentou valor ao produto, em comparação ao leite
comercializado individualmente – em um primeiro momento, o acréscimo foi de R$ 0,10
por litro. Entretanto, o volume comercializado de leite ainda é considerado pequeno.
Comercializa-se em torno de 384.000 litros de leite ao mês. A quase totalidade dos
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Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
agricultores é caracterizada como produtores de pequeno porte, uma vez que apenas
dois associados comercializam mais do que 15.000 litros de leite ao mês.
Quanto às suas atividades econômicas, a COOPERVISTA, que atualmente
comercializa leite in natura com empresas de laticínios da região, projeta
futuramente a expansão do seu quadro social e o aumento da produção de leite,
seja pela captação de novos associados, seja pelo aumento da produção nas
unidades de produção já existentes. Além do regramento que consta no seu Estatuto
Social, criou uma regra para a participação dos sócios em reuniões e assembleias,
sendo que o não comparecimento dos associados aos encontros sem uma
justificativa legal gera a cobrança de uma taxa Esta regra foi aprovada em
assembleia e o valor é revisto anualmente na assembleia geral ordinária.
4 RESULTADOS
A presente pesquisa foi realizada no mês de julho de 2013, quando foram
visitados, em suas propriedades rurais, 34 cooperados do quadro social da
cooperativa. Destes, 04 associados não estavam em casa no momento da visita.
Para a elaboração da pesquisa foi desenvolvido um questionário semiestruturado,
composto de 11 questões abertas e fechadas.
Neste tópico, apresenta-se os resultados e as análises, desenvolvidos através
da pesquisa realizada junto aos associados da cooperativa.
Em relação ao tempo em que estão associados na cooperativa, 73% dos
sócios são fundadores e 27% dos sócios se associaram à cooperativa entre 4 a 5
anos.
Sobre o objetivo de trabalhar de modo cooperativo, 80% disseram que o
objetivo é o trabalho em conjunto e 20% não responderam, pela falta de
compreensão da questão.
Quanto à participação em capacitações sobre cooperativismo, 60% dos
associados responderam terem participado de uma capacitação inicial e 40% nunca
participaram de nenhuma capacitação. Quando questionados sobre a possibilidade
de participação em capacitações em torno do tema do cooperativismo, 80% dos
associados responderam achar importante e que participariam.
Sobre o motivo pelo qual se associaram na cooperativa, 100% dos
associados foram motivados pelo aumento do preço do leite, porém, destes, 80%
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Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
acreditam que a união de um grupo de pessoas com o mesmo objetivo os torna mais
fortes perante a negociação com o mercado comprador, e que, com a cooperativa,
os preços pagos pelas empresas são constantes e não oscilam mês a mês como
quando negociavam individualmente, 20% dos entrevistados manifestaram que
entraram na cooperativa unicamente porque o preço pago era maior.
Quanto à importância de ser sócio da cooperativa, 100% acham importante
fazer parte de uma cooperativa, sendo que 70% acham que sem a cooperativa
estariam desprotegidos, pois, individualmente, estariam expostos às empresas
compradoras de leite que exploram os produtores. Outra vantagem seria a garantia
do preço a ser pago pelas compradoras, pois a cooperativa baliza o preço do
mercado local. Os 30% restantes ressaltam a importância de trabalhar em conjunto
destacando a força da união.
Com relação à participação em assembleia, 90% responderam que participam
sempre, porém nem sempre é o associado quem vai e sim um representante do
núcleo familiar, a esposa ou um dos filhos, e 10% responderam que às vezes
participam.
Quanto a atender o convite para uma reunião, todas as repostas foram
positivas, então foi questionado se o atendimento ao chamado estava condicionado
à cobrança da taxa de presença e 60% responderam que vão à reunião
independentemente da cobrança, argumentaram que seria para saber o que está
acontecendo na cooperativa, 20% vão à reunião em detrimento da cobrança da
tarifa, 10% responderam positivamente, mas que o número de reuniões deveria ser
maior durante o ano, 10% manifestaram que às vezes comparecem às reuniões.
Durante as reuniões e assembleias você se manifesta, dá sua opinião? Com
relação a esta pergunta, 50% responderam que fazem algum questionamento e 50%
responderam que não, que vão apenas para ouvir, justificando que os assuntos
duvidosos já são tratados independente da sua manifestação.
Neste item está clara a dependência dos associados quanto à tomada de
decisão pela direção da cooperativa, necessitando um processo de educação
participativa a fim de despertar neles o interesse e o comprometimento com os
assuntos decisórios.
Quando questionados se gostariam de fazer parte dos Conselhos de
Administração ou Fiscal, 50% responderam positivamente, 40% disseram que não,
mas a principal justificativa seria a de que são sozinhos ou que contam apenas com
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Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
a ajuda da esposa nas lidas da propriedade, não tendo disponibilidade de tempo
para se dedicar à cooperativa, e 10% somente fariam parte se fossem indicados.
Na pergunta: “você está insatisfeito, relativamente satisfeito, satisfeito ou
plenamente satisfeito com a cooperativa”, a totalidade respondeu que está satisfeito.
Quando se fez uma última pergunta aberta, se teria alguma sugestão para
melhoria da organização da cooperativa, 100% disseram que está bom como está,
porém, surgiram algumas ressalvas quanto aos tópicos: maior transparência nas
ações e comunicação com o associado, e 90% destes sugeriram que a cooperativa
deveria articular a compra em conjunto de insumos, como adubo, ureia, sementes e
ração para as vacas.
De uma maneira informal foi perguntado se os sócios tinham uma cópia do
Estatuto Social da Cooperativa, e todos os entrevistados responderam que não o
receberam.
5 CONCLUSÃO
A COOPERVISTA foi criada com o objetivo de negociar o leite produzido
pelos seus associados, e, desta maneira, resolver alguns problemas enfrentados por
eles na negociação do seu produto o “leite in natura”. Conforme relatos dos
associados, estes eram explorados pelas empresas compradoras de leite, quando
negociavam individualmente. As empresas pagavam o preço que queriam aos
produtores e, nesta forma de negociação, o preço pago mensalmente pelo produto
oscilava muito e as empresas acabavam por não cumprir os preços acordados com
os produtores no mês anterior, e, como o volume do produto individualmente é
pequeno, o preço negociado também é baixo. Muitos citaram o termo “explorado”
para qualificar a relação do produtor com as empresas compradoras de leite.
A formação da cooperativa seria, para eles, uma força conjunta para se
relacionar com as grandes empresas. No conjunto, o volume de leite aumentou,
logo, conseguem um melhor preço durante a negociação. Por estarem negociando
através de uma instituição, as empresas têm um pouco mais de respeito e
normalmente cumprem com os valores acordados. E, por consequência, não só os
associados da COOPERVISTA recebem mais pelo seu produto, pois a cooperativa
acaba por balizar o preço do leite no mercado local, mas há, também, a melhora
para os produtores maiores que vendem individualmente.
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Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
Os
associados
reconhecem
a
importância
da
cooperativa
para
a
comercialização da sua produção, mas, de uma maneira geral, não são
comprometidos na gestão, nas decisões da COOPERVISTA, estão sempre
presentes na vida da cooperativa, mas não interferem, preferem esperar que a
direção tome as decisões.
Para um maior fortalecimento da cooperativa seria necessario uma inserção
de forma crítica dos associados na gestão e isto só é possivel através da Educação
Cooperativa,
trabalhando
de
forma
continuada
os
valores
e
princípios
cooperativistas, a fim de despertar e manter sempre ativo em cada membro o
sentido de posse e comprometimento com a sua cooperativa. Com uma cooperativa
forte e coesa ganham os cooperados e a comunidade onde estão inseridos.
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139
Capítulo VI - Participação, Comprometimento e Satisfação dos Associados: uma análise da
Cooperativa Mista Vista Gaúcha - COOPERVISTA
SINGER, P. A Recente ressurreição da economia solidária no Brasil. In: SANTOS, B.
de S. (Org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 2002. p. 81-129.
SINGER, P. A. Uma utopia militante: repensando o socialismo. Petrópolis: Vozes,
1998.
140
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
SOUZA, Isabel Vanessa Robaert de22
COTRIM, Décio Souza23
RESUMO
O presente artigo pretende refletir sobre as práticas de educação cooperativa
desenvolvidas pela Cooperativa de Produção, Comercialização e Consumo dos
Pequenos Produtores do Litoral Norte (Coopviva) em seu cotidiano. A pesquisa é
qualitativa, baseada em dados descritivos, resultantes do contato direto com a situação
estudada, preocupando-se em retratar a perspectiva dos participantes. O trabalho
desenvolvido tem como abordagem metodológica o estudo de caso, pois enfatiza a
interpretação do contexto da Cooperativa Coopviva, buscando retratar a realidade de
forma profunda e completa. Procura alcançar a descoberta, mesmo partindo de um
pressuposto teórico inicial, será possível sua modificação, pois utiliza diferentes fontes
de informação. Busca-se discutir e refletir entre os associados a educação cooperativa,
contribuindo assim para que esta seja internalizada nas pequenas cooperativas, como a
Coopviva, almejando o fortalecimento socioeconômico e identitário. Finalmente, a
pesquisa aponta os caminhos, principalmente abordados nas entrevistas
semiestruturadas, para que esta ação educativa permaneça em sua prática cotidiana,
sendo aperfeiçoada e contribuindo para o fortalecimento socioeconômico e identitário.
Palavras-chave: Cooperativismo. Agricultura familiar. Educação. Identidade.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre las prácticas de la educación
cooperativa desarrollados por la Cooperativa de Produção, Comercialização e
Consumo dos Pequenos Produtores do Litoral Norte (Coopviva) en sus prácticas
diarias. La investigación es de carácter cualitativo, basado en los datos descriptivos,
como resultado del contacto directo con la situación estudiada, la preocupación por
retratar la perspectiva de los participantes. El trabajo es el enfoque metodológico del
estudio de caso, ya que hace hincapié en la interpretación del contexto de la
Coopviva Cooperativa, tratando de retratar la realidad de una profunda y completa.
Trata de lograr un avance, aun en el supuesto teórico inicial, puede cambiar su
progreso en esto, el uso de diferentes fuentes de información. Trata de discutir y
reflexionar entre los asociados a la educación cooperativa, ayudando así a ser
internalizado en pequeñas cooperativas, como Coopviva, con el objetivo de
fortalecer la identidad social y económica. Por último, la investigación muestra los
caminos, en su mayoría cubiertas de entrevistas semi-estructuradas, para esta
22
23
Licenciada em Geografia, Extensionista Rural da Emater/RS – Ascar, Acadêmica do curso de
Especialização em Gestão de Cooperativas, Escola Superior de Cooperativismo. E-mail:
[email protected]
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
141
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
actividad educativa permanecer en su práctica diaria y refinada y contribuir a su
empoderamiento y la identidad socio-económico.
Palabras clave: Cooperativa. Agricultura familiar. Educación. Identidad.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo inicia em seu primeiro capítulo abordando o cooperativismo de
forma geral, mostrando os benefícios que este traz à sociedade como um [...]
“instrumento para a promoção do desenvolvimento econômico e social, ao gerar e
distribuir renda, e promover o capital social nas comunidades que o praticam”.
(MENDES, 2010). O cooperativismo apresenta-se como conceito de correlação às
definições dos capitais: humano, social e empresarial, fatores fundamentais para a
promoção do desenvolvimento local.
Nos dias atuais, o surgimento dessa forma de associativismo constitui-se em
uma busca pela melhoria da qualidade vida do agricultor e, em uma visão mais
ampla, coloca-se como meio alternativo de desenvolvimento local, visto que
apresenta uma relação de afinidade com o conceito de capital empresarial. Isto é,
em sua essência, o cooperativismo caracteriza-se por uma forma de produção e
distribuição de riquezas baseada em princípios como a ajuda mútua, a igualdade, a
democracia e a equidade. (RIBEIRO et al., 2013).
Também faz um breve resgate da agricultura familiar, principalmente como se
apresenta na região de estudo. O cooperativismo no Litoral Norte gaúcho não possui
expressão e tradição como ocorre em outras regiões do estado. Ocorreram algumas
experiências mal sucedidas nas décadas de 80 e 90, levando-o ao descrédito por
parte dos agricultores. Alia-se a isso o fato de que o período de veraneio nesta
região proporciona renda relevante para os agricultores, com a comercialização dos
hortifrutigranjeiros e a prestação de serviços.
Dessa forma, parece que o cooperativismo não é atrativo, exige muito esforço
e traz pouco resultado. No entanto, com a possibilidade de comercialização direta
para os mercados institucionais do Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), essa realidade começa a ser
modificada, tornando-se uma alternativa segura de comercialização de seus
produtos, principalmente para os agricultores que têm poucas condições de
escoamento da produção, estando localizados nas regiões mais longínquas, de
142
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
encosta, e que em sua maioria dependem de um intermediário para vender seus
produtos.
A seguir, passa a discutir o papel da educação cooperativa, enquanto
princípio, tendo em vista que para alguns autores, a educação cooperativa é voltada
ao desenvolvimento da pessoa humana, plenamente consciente do seu papel e de
sua responsabilidade na cooperativa e consequentemente na sociedade, o objetivo
é
formar
pessoas
altruístas
e
solidárias,
comprometidas
por
laços
de
reconhecimento com sua comunidade. A educação prepara as pessoas para um
estilo de vida, de convivência e de trabalho diferente, marcado pela autoajuda e
reforçado pela ajuda mútua, gerando situações de solidariedade e processos de
sinergia na cooperativa, na comunidade e na sociedade mais ampla. (SCHNEIDER,
2003).
Busca-se chegar ao estudo de caso de uma pequena cooperativa de
agricultores familiares, localizada no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, a Coopviva,
que, ainda em seus primeiros anos de existência, é uma aposta das famílias para a
geração de renda e melhoria de qualidade de vida.
Neste momento político favorável às cooperativas, sendo que no ano de 2012
a ONU declarou o “ano internacional das cooperativas”, o cooperativismo na
agricultura familiar é uma linha de investimento do Governo do Estado do Rio
Grande do Sul, através de convênio com a Associação Riograndense de
Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul –
Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Emater/RS–Ascar), formando
unidades de cooperativismo em diversas regiões do estado. Essas unidades são
compostas por equipes de profissionais diversificados que trabalham exclusivamente
com cooperativas da agricultura familiar, entre elas a Coopviva.
Neste estudo, foram elencadas as principais necessidades da Coopviva,
sendo que a principal apontada pelos associados foi a educação cooperativa.
Ocorreu o entendimento de que a educação cooperativa, em suas práticas, teria o
papel de auxiliar no processo de substituição da diretoria, pois neste ano, segundo o
estatuto da cooperativa, deve ocorrer sua troca; isso, para os sócios, é de extrema
importância, pois garante a continuidade da cooperativa.
Esta pesquisa busca refletir sobre a prática de educação cooperativa, a partir
da perspectiva dos associados, observar sua contribuição de acordo com a revisão
bibliográfica e verificando se a prática se encontra com a teoria ou não. Pretende
143
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
analisar como ocorre a educação cooperativa e como os associados entendem que
deve ocorrer. Será que os associados da Coopviva estão enxergando esta ação
como algo que irá contribuir para o fortalecimento da cooperativa, colaborando para
a construção de sua identidade? Essa ação deve ser pontual ou deve ser contínua?
Qual a visão dos cooperados? A reflexão vai ocorrer embasada nesses
questionamentos, procurando investigar e apontar caminhos de educação
cooperativista de acordo com a realidade local.
Para isso, primeiramente, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre a
temática em estudo, sendo apresentada em seguida a metodologia, os resultados e
uma reflexão sobre a educação cooperativa.
2 A IMPORTÂNCIA DO COOPERATIVISMO
O cooperativismo está presente desde os primórdios da humanidade, quando,
através da coletividade, eram resolvidos problemas essenciais como subsistência e
sobrevivência. Os primeiros relatos de formalização ocorrem através de um pequeno
grupo de 28 pioneiros, os tecelões de Rochdale, em 1844, na Inglaterra. Nessa
ocasião se procurou resolver, através do conjunto de indivíduos, um problema de
ordem econômica e social, neste caso, a exploração excessiva da mão-de-obra dos
trabalhadores e a pobreza generalizada da população daquele lugar. Na época, os
movimentos sociais começavam a se articular, o que deu força ao movimento
cooperativo. (LAGO, 201224).
Schneider, J. (2010, p. 20) enfatiza que “é certo que a cooperação deve
produzir riqueza, como todos os protagonistas do mercado, porém não em busca do
lucro e da concentração, mas sim em busca mais qualificada da satisfação das
necessidades das pessoas”.
Nesse sentido, vale ressaltar que o cooperativismo veio se fortalecendo ao
longo dos anos como uma alternativa mais humanizada para a atividade econômica
e social, pois "[...] as cooperativas são sociedades de pessoas que reciprocamente
se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade
econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”. (SCHNEIDER, J., 2010, p.
20). A cooperação, para Schneider (2003), pode ser entendida como um comum
24
Educação Cooperativa: a experiência do programa do SICREDI “União Faz a Vida”. Apresentação
oral realizada por Adriano Lago no XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Administração,
Economia e Sociologia Rural, em Porto Alegre/RS, 2008.
144
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
acordo entre indivíduos, através de um formato jurídico coletivo, em busca da
solução para os seus problemas. Afirmando a importância da cooperação, diz Frantz
(apud LÉVY, 1999, p. 44), que [...] a riqueza das nações depende hoje da
capacidade de pesquisa, de inovação, de aprendizado rápido e de cooperação ética
de suas populações.
As cooperativas diferem das demais sociedades comerciais por possuírem os
seguintes princípios: 1) adesão voluntária e livre; 2) controle democrático pelos
associados;
3)
participação
econômica
dos
associados;
4)
autonomia
e
independência; 5) educação, formação e informação; 6) Intercooperação; 7)
compromisso com a comunidade. Esses princípios são assegurados através da
organização da Aliança Cooperativa Internacional, criada em 1895, e atualmente
sediada em Genebra. "Por sua forma igualitária e social, o cooperativismo é aceito
por todos os governos e reconhecido como fórmula democrática para a solução de
problemas socioeconômicos". (OCERGS, 2012).
No Brasil, as origens cooperativistas são reconhecidas nas primeiras
reduções jesuíticas em 1610, sendo que o primeiro registro conhecido de uma
cooperativa foi em 1889, a Sociedade Cooperativa dos Funcionários Públicos de
Ouro Preto, em Minas Gerais. No Rio Grande do Sul, o padre Theodor Amstadt
motivou os agricultores de origem alemã em 1902 a fundarem a cooperativa de
crédito rural em Nova Petrópolis, atual banco Sicredi. (BASSO et al., 2012).
Atualmente, o cooperativismo movimenta 42,5 milhões de reais (OCERGS,
2012) na economia gaúcha e está presente fisicamente, através de todos os
segmentos cooperativos, em todo o estado do Rio Grande do Sul. Segundo a
Ocergs (2012), o estado gaúcho é o que mais possui cooperativas em todo o Brasil,
com 1026 cooperativas e o segundo em número de associados: 2,1 milhão de
pessoas. [...] “Considerando que as famílias são constituídas por três pessoas, em
média, 59,7% da população está ligada ao cooperativismo no estado”. (OCERGS,
2012). O ramo agropecuário é o que mais se destaca, com 166 cooperativas, esse
movimento resiste ao tempo e continua crescendo. No Litoral Norte, tendo em seu
passado lembranças de fracasso, as cooperativas reaparecem como alternativa
socioeconômica, principalmente para os agricultores familiares da região que tem
dificuldade na comercialização de seus produtos.
A Cooperativa de Produção e Comercialização de Pequenos agricultores do
Litoral Norte (COOPVIVA), criada em 2009, tem sua sede no município de
145
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
Osório/RS e busca na modalidade de venda direta aos mercados institucionais do
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) a possibilidade concreta de comercialização direta de sua produção
hortifrutigranjeira. Através de práticas educativas externas e internas à sua atividade
rotineira, reflete sobre a manutenção da cooperativa enquanto entidade, frente à
realidade vivida de competição exacerbada de indivíduos e mercados que
caracterizam esta época. Para Schneider (2003, p. 14):
A educação doutrinária é fundamental, pois é ela que, por meio de seus
valores e princípios, dá sentido a todo processo, que incentiva e direciona
todas as atividades e práticas cooperativistas em prol de maior bem-estar e
dignidade das pessoas que compõem a cooperativa. É o trabalho sobre os
valores e os princípios que cria entre os agentes da cooperação a afinidade
mental e afetiva que os motiva a cooperar e continuar cooperando.
Parece que o autor citado concorda com o que COADY (2008) já dizia no
início do século XX, quando em sua experiência no Canadá, como diretor de
extensão da Universidade de São Francisco Xavier de Antigonish, descreveu o
trabalho de educação cooperativa de adultos naquele lugar. Afirma:
Reconstruir um mundo é tão importante quanto cavar uma mina, pescar ou
semear; se eles mesmos não se preocupam com esta reconstrução,
ninguém o fará. Em um sistema ditatorial, toda energia diretriz vem de cima.
Na democracia é privilégio do povo trabalhar um tempo para seu próprio
bem, para a criação de uma sociedade onde todos sejam livres. (COADY,
2008, p. 23).
E com essas premissas se insere a educação cooperativista: faz-se
necessário “gastar um tempo” para investir no futuro da cooperativa, pois não
havendo relações de ajuda mútua e reciprocidade entre seus associados,
construídas também através da educação, dificilmente persistirá uma empresa em
que todos os associados são os próprios donos do negócio, pois a cooperativa nada
mais é que o reflexo de seus membros, de seu comprometimento e valorização da
atividade cooperativa.
3 A AGRICULTURA FAMILIAR NO LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO SUL
A região do Litoral Norte do estado do Rio Grande do Sul é composta por 20
municípios com área de 5.136,723 km² e população de 284.046 habitantes. (IBGE,
2010). Segundo Kern (1991), “a primeira ocupação humana no território [...] teve a
146
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
presença dos índios caçadores e coletores, no período de 3000 a 2000 AP”. O final
desse período é dado na região pelo início do fluxo dos primeiros europeus,
poloneses, que circulavam pelo litoral e foram alocados na Barra do Ouro, atual
município de Maquiné. A imigração mais significativa na região foi de alemães em
1826. (COTRIM et al., 2007). Além destes, a população atual tem origem na
colonização açoriana, portuguesa, africana, italiana e japonesa.
A formação social da região está intimamente ligada à cultura dos povos que
ali se instalaram e que foram paulatinamente transformando o espaço que os
circundava através de suas ações com os meios disponíveis. Estimulados ou
obrigados pelo poder político de então, propiciaram a primeira característica desse
espaço social: a atividade agropecuária realizada em pequenas, médias e grandes
propriedades. Essa atividade era de base alimentar e ocorria em precárias
condições de produção no contexto da economia regional. (AGUIAR, 2007). A partir
do século XX, diferentes fatores, como a potencialidade turística e a sazonalidade,
deram impulso ao crescimento econômico e demográfico da região.
Entre os municípios ocorre uma clara divisão. Os municípios da orla marítima
são caracterizados por uma forte influência do turismo, construção civil, pesca
artesanal e prestação de serviços na geração de renda das famílias. Já os
municípios da encosta, também conhecidos como "falso litoral”, apresentam na
agricultura uma importante atividade. A agricultura familiar é predominante na
região, sendo as principais culturas: hortaliças (alface, repolho, couve-flor, beterraba,
cenoura, tomate, pimentão), frutas (banana, abacaxi, citros), aipim, feijão, milho e
milho verde. (EMATER, 2001).
Nesse sentido, buscando caracterizar os indivíduos que compõem a
Coopviva, objeto desta reflexão, nos reportamos à COTRIM, tendo em vista sua
sistematização dos grupos sociais da região de Porto Alegre. Essa sistematização
engloba os lugares de estudo, explicitando de forma objetiva a tipologia dos
agricultores familiares domiciliados na região do Litoral Norte do Rio Grande do Sul.
A cooperativa possui em seu quadro social um grupo de agricultores familiares que
se caracterizam por estar:
[...] localizados principalmente nos vales dos rios na Planície Costeira e
também nas escarpas da Serra Geral [...]. Os principais cultivos escolhidos
são as olerícolas (folhosas...) e as frutíferas, nos quais se utiliza
mecanização, adubação [...] venenos e variedades modernas. Existe uma
dependência de crédito rural ligada ao Pronaf para viabilização da produção
147
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
e a comercialização feita através de atravessadores ou diretamente em
centrais como o Ceasa ou em feiras. (COTRIM, 2007, p. 14).
E mesclados a esses se encontra outro grupo de agricultores familiares,
identificados
também
por
Cotrim
(2007)
como
ecologistas,
que
buscam,
principalmente nas feiras locais, a comercialização de seus produtos, que também
são produzidos em unidades familiares com forte tendência à pluriatividade.
(SCHNEIDER, S., 2003).
A formação do grupo tinha como foco principal a busca pela diminuição da
comercialização de alimentos através de atravessadores, gerando maiores rendas e
autonomia aos agricultores; maior qualidade aos produtos oferecidos; e, obviamente,
maior aproximação entre produtores e consumidores.
4 FORTALECIMENTO SOCIOECONÔMICO E IDENTITÁRIO E O PAPEL DA
EDUCAÇÃO COOPERATIVA
Amartya Sen, (1989), juntamente com o paquistanês Mahbub ul Haq, elabora
o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para a Organização das Nações Unidas
(ONU). Esse índice revolucionou a forma de avaliar as nações, pois não observa
somente o crescimento econômico, mas também a qualidade de vida de sua
população. Eles apresentaram os desafios de nossa sociedade em formular políticas
que permitam, além do crescimento econômico, a distribuição equitativa da renda e
o pleno exercício da democracia. Ribeiro (2005), ao escrever sobre as ideias de
Amartya Sen, apresenta o desenvolvimento como o processo de ampliação da
capacidade dos seres humanos de fazer escolhas. Através da cooperação e da
solidariedade entre os membros da sociedade, poderá ser alcançada uma
modificação na dinâmica de competição exacerbada, que destrói relações sociais,
para dar lugar a um processo de formação de capital social.
Para Stein25 (2012, informação verbal), os fundamentos éticos e doutrinários
dos princípios do cooperativismo, apresentam três unidades de “mal-estar”
presentes em nossa sociedade: individualismo, crença da razão instrumental (a
busca de soluções apenas tecnológicas) e perda da liberdade para o indivíduo e os
grupos, pois o mercado e o estado colocam o indivíduo em segundo lugar.
25
Informações verbais fornecidas pelo pós-doutor Ernildo Stein, em palestra proferida no dia 29 de
novembro de 2012, no salão de atos da PUC-RS, em Porto Alegre, durante o XV Seminário
Gaúcho de Cooperativismo.
148
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
Stein26 (2012, informação verbal), declara que “pela vida moralmente
sustentável” é preciso não perder os horizontes e estes, para ele, são a ideologia, a
fé e a crença em Deus. Ele afirma também que o cooperativismo transpõe o
mercado e o estado e supera as três unidades de mal-estar, contribuindo na luta
contra o enfraquecimento dos horizontes morais da humanidade.
O papel da educação neste processo, como prática social, possibilita a
transformação da realidade de vida de um indivíduo, levando-o a enxergar seu
próprio meio de forma diferenciada. Ela prepara o ser humano para participar, estar
inserido como cidadão em sua comunidade, bem como para sua liberdade de
pensamento, promovendo seres autônomos.
Essa educação está embasada em princípios que foram sendo construídos ao longo
da história, por educadores como Piaget e Paulo Freire, por exemplo. Faz-se
necessário trazer este olhar para a educação informal preconizada pela assistência
técnica e extensão rural (ater):
[...] o sentido da autonomia que aqui nos interessa, para compreender
melhor como realizar as pedagogias e metodologias participativas numa
educação em extensão rural que busca o empoderamento e a justiça social,
pressupõe o fato de que hoje uma das formas fundamentais de exercício da
opressão é a divisão social do trabalho entre dirigentes e executantes: uns
poucos detêm o saber, o poder de decisão e o controle, enquanto todos os
demais simplesmente executam tarefas, cujo sentido lhes escapa quase
inteiramente. (BRASIL, 2010).
Piaget (apud BRASIL, 2010) apresenta o homem como um projeto em
construção permanente, o conhecimento deste é promovido através de sua
interação com o meio, com destaque para suas relações sociais. O construtivismo é
uma teoria referendada pela Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Rural (Pnater), entendida como base de formação para os extensionistas que atuam
diretamente no campo e todos os trabalhadores da ater.
Freire (1987) teve a coragem de escrever sobre a amorosidade, tão
necessária e imprescindível à prática educativa, destacando o respeito ao saber das
comunidades tradicionais, bem como de todo cidadão, afirmando que a educação
não pode ser neutra, pois contém a visão de mundo de quem a professa, devendo
ser uma ação conjunta, onde todos os envolvidos aprendem e educam. O
26
Informações verbais fornecidas pelo pós-doutor Ernildo Stein, em palestra proferida no dia 29 de
novembro de 2012, no salão de atos da PUC-RS, em Porto Alegre, durante o XV Seminário
Gaúcho de Cooperativismo.
149
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
conhecimento sobre as concepções de Freire está muito difundido na academia
brasileira e em todo o sistema educacional, mas é necessário questionar se
realmente é colocado em prática.
A extensão cooperativa27, através de sua prática educativa informal, e também
porque cada extensionista, antes de qualquer outro papel, é um educador, pode
trazer às cooperativas gaúchas, especialmente as de pequenos agricultores, ou
agricultores familiares, a discussão sobre esses princípios entre seus associados,
contribuindo assim para que sejam internalizados nas pequenas cooperativas, como
a Coopviva.
5 MÉTODO DA PESQUISA, ATORES ENVOLVIDOS, RESULTADOS
A pesquisa é qualitativa, estando embasada em dados descritivos, resultantes
do contato direto com a situação estudada, preocupando-se em retratar a
perspectiva dos participantes, ou seja, como o objeto de estudo é a Coopviva, os
informantes foram os seus associados. A autora também se denomina participante,
pois são idas e vindas ao campo, conhecendo, dialogando, refletindo e
sistematizando os dados.
A abordagem metodológica desenvolvida é o estudo de caso, pois enfatiza a
interpretação do contexto da cooperativa, buscando retratar a realidade de forma
profunda e completa. Procura alcançar a descoberta, mesmo partindo de um
pressuposto teórico inicial, em muitos momentos ocorreu sua modificação no
andamento do estudo, pois foram sendo utilizadas diferentes fontes de informação.
A seguir será relatada a observação das atividades de educação cooperativa
realizadas pela Unidade de Cooperativismo (UCP) da Emater/RS - Ascar, seguido
da exposição reflexiva das entrevistas semiestruturadas, sendo em seu total cinco
entrevistas, com associados que participaram das referidas atividades. Os
informantes foram escolhidos seguindo os seguintes critérios: participação nas
ações de educação cooperativa, sócios ativos, membros da diretoria e associados
dos municípios de Osório e de Maquiné, pois apresentam o maior número de sócios
por município.
27
Extensão cooperativa é um conceito utilizado pela autora para designar um grupo de profissionais,
extensionistas rurais que atuam em forma de assessoria, neste caso através da Ascar, junto às
pequenas cooperativas da agricultura familiar no Rio Grande do Sul.
150
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
Cabe aqui apresentar principalmente os dados coletados a campo, onde foi
possível acompanhar passo-a-passo a execução da atividade de educação
cooperativa desenvolvida pela UCP da Emater/RS – Ascar da região de Porto
Alegre, composta por uma equipe multidisciplinar com os seguintes profissionais:
engenheiro agrônomo, economista, administrador, sociólogo e contador. Coube ao
profissional sociólogo o trabalho de educação cooperativa, priorizado pela Coopviva.
Subdividindo os sócios em dois grupos, por proximidade, na sede da
cooperativa (Osório-RS) e na localidade de Praínha, município de Maquiné. Neste
momento foi inicialmente discutido, através de ferramentas participativas 28, o
conceito de cooperativismo na visão dos associados. Para tanto, os participantes
fizeram apontamentos, que foram formando o conceito de que a Coopviva é uma
família e também uma empresa, na qual devem estar presentes a união,
participação e respeito, honestidade, sendo que a soma de todos estes conceitos
forma a cooperativa. O grupo da tarde apontou semelhanças: é uma família, na qual
deve ocorrer união, persistência, meta, fortalecimento, trabalho, participação,
confiança, honestidade, respeito, responsabilidade, cobrança e comprometimento,
“tem que vestir a camisa da cooperativa”. Este grupo apontou que a cooperativa está
em um momento de reflexão sobre seus associados, percebendo que alguns, por
possuírem características individualistas e ambiciosas ao extremo, acabam
prejudicando o grupo e que a falta de “cultura cooperativa” e o insucesso de
cooperativas em outras épocas prejudica a maneira como a sociedade enxerga a
Coopviva.
A sistematização desses dados29 mostra claramente que os conceitos
formados por eles estão de acordo com os princípios cooperativos, ou seja, em seus
discursos, os associados estão concordando e validando a teoria aqui apresentada.
Isto é, a educação é de fundamental importância para o desempenho da cooperativa
e o desenvolvimento do cooperativismo. A compreensão da relação desses
conceitos, educação e cooperação possibilitam o aperfeiçoamento organizacional e
28
29
As ferramentas participativas consistem no uso de tarjetas que possibilitam a visualização das
ideias apresentadas por todos os participantes. Cada grupo recebe tarjetas para definir em poucas
palavras sua ideia sobre determinado assunto. Depois estas são apresentadas ao grupo pelo
moderador da atividade, sendo discutidas e ratificadas pelo grupo. É uma metodologia amplamente
utilizada pela Emater/RS - Ascar na região de Porto Alegre.
A metodologia de ATER possibilita a adaptação de linguagem para um formato simplificado, que
pode ser compreendido por qualquer pessoa, independente do grau de escolaridade.
151
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
institucional das práticas cooperativas, que hoje tanto se busca na luta pela
competitividade. (MENDES apud FRANTZ; SCHÖNARDIE, 2010).
O segundo encontro, com o grupo de associados da Coopviva, proporcionou
a discussão sobre os valores e princípios cooperativistas, assim como o
esclarecimento da função da assembleia, conselho administrativo e fiscal, ações que
integram o Plano de Educação Cooperativista. Nesse encontro, participaram cerca
de 50% dos associados ativos.
Através do trabalho participativo com tarjetas, foi solicitado ao grupo que se
dividisse em três subgrupos e que os integrantes conversassem entre si e
escolhessem, no mínimo, três palavras que definissem a cooperativa. Esse trabalho
já havia sido realizado no primeiro encontro, mas devido ao número inexpressivo de
associados presentes, essa ação foi retomada para identificar o nível de
compreensão do grupo sobre seus deveres e direitos como associados e o
funcionamento da cooperativa. Cada grupo apresentou as seguintes palavras:
“produção”, “gestão” “união”, “honestidade”, “compromisso”, “grupo”, “participação”,
“transparência”, “ética”.
Houve uma discussão entre os associados sobre a importância de cada uma
dessas palavras, sendo intensificado o debate no conceito de “participação”, quando
os associados apontaram a falta desta em reuniões. Comentaram ainda que muitos
associados não compareçam à reunião, não participam e depois reclamam das
decisões tomadas em assembleia, não respeitando a opinião da maioria. Essas
construções do grupo de associados nos remetem a Schneider (2007), pois ele
afirma que “os valores de cooperação devem ser mais trabalhados entre os
associados, dirigente e público em geral, pois são eles que dão sentido, motivação e
razão de ser para a ação cooperativa”. Segundo o autor, só assim se consegue a
lealdade dos cooperados e o fortalecimento da cooperativa.
No último encontro com o grupo de associados da Coopviva foi discutida
novamente a função da assembleia, conselho administrativo e fiscal da cooperativa.
Nesse encontro houve uma participação bem menor, em torno de 10 associados.
Nesse caso, questiona-se porque participaram tão poucos associados, se o trabalho
estava sendo bem desenvolvido, com metodologia adequada e com ampla
participação dos presentes? Será que todos foram devidamente informados sobre a
atividade? Ou será que não estavam interessados em continuar aprendendo,
152
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
construindo as bases de sua cooperativa? Qual o motivo? Essas questões foram
abordadas nas entrevistas semiestruturadas.
Deu-se continuidade ao trabalho participativo com tarjetas, sendo solicitado
ao grupo que se dividisse em três subgrupos, ficando encarregados de apontar três
características e/ou funções da assembleia, do conselho administrativo e do
conselho fiscal. Houve muita confusão sobre as decisões que devem ser tomadas
em cada tipo de assembleia, demonstrando que os associados já não mais
lembravam o que havia sido discutido na última reunião. Dessa forma os associados
requisitaram a UCP uma cartilha com tudo o que foi discutido resumidamente.
Houve confusão também sobre as funções dos conselhos, principalmente o fiscal. A
reunião demonstrou que os associados esquecem facilmente o conteúdo trabalhado,
sendo assim necessário realizar um trabalho contínuo de educação cooperativa,
com reuniões periódicas e em cada uma delas diferentes assuntos a serem tratados.
No entanto, fica reforçada à ideia de que a atividade não foi valorizada pelos
associados. Embora se tenha tentado adequar o horário, a ação não se tornou
atrativa o suficiente para que deixassem seus afazeres no lar e se deslocassem até
a cooperativa, buscando a capacitação. Refletimos que a educação não formal exige
grande habilidade para quem a conduz, pois como não há relação que obrigue a
presença das pessoas, ela permite uma liberdade que se confunde muito facilmente
com falta de comprometimento, e deixa seu “condutor” refém do grupo, exigindo-lhe
uma dedicação ímpar para que alcance seus objetivos. Além disso, embora os
“conteúdos” trabalhados fossem básicos e imprescindíveis à prática cooperativa, não
foram “assimilados” pela maioria dos presentes, o que foi confirmado pelas
entrevistas, demonstrando a falta de interesse ou dificuldade de compreensão/
aprendizagem por parte dos associados.
Após o acompanhamento a essas atividades, foram realizadas cinco
entrevistas semiestruturadas, com sócios dos municípios de Osório e Maquiné, pois
são os municípios com número mais expressivo de associados. Também foram
escolhidos a presidente atual e membros da diretoria, tendo em vista maior
participação na cooperativa. Uma entrevista foi direcionada para um novo associado,
com o objetivo de verificar se o entendimento deste é diferenciado dos demais, que
são associados há mais tempo na cooperativa.
Como resultado dessas entrevistas, pode-se observar algumas questões de
relevância, como por exemplo, entre os entrevistados, apenas a presidente da
153
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
cooperativa soube responder com precisão o número total de associados e o
número de municípios e participantes por município na cooperativa. Isso evidencia a
falta de conhecimento dos sócios.
Sobre a participação nos encontros de educação cooperativa, também
variaram as respostas sobre o número de participantes, evidenciando também o
desconhecimento. Quando foi questionado o motivo que levaria os demais sócios a
não participarem da atividade proposta, a totalidade dos entrevistados respondeu
que houve falta de interesse, aliada à existência de outros compromissos. As
atividades de educação cooperativa foram avaliadas positivamente. Sendo
apresentadas cinco opções de avaliação: “Essencial” – “boa” – “razoável” –
“desnecessária” – “não sei”. Quatro apontaram como “boa” e um entrevistado
apontou como “essencial”.
Nesse sentido, as atividades de educação cooperativa não foram, para a
maioria dos entrevistados, consideradas imprescindíveis à cooperativa, mas apenas
“boas”. É interessante observar que uma atividade interna da Coopviva, mencionada
aleatoriamente por dois entrevistados, foi considerada como o método apropriado de
educação cooperativa não formal, em que a teoria apresentada se encontra com a
prática, ou seja, confirma as possibilidades apresentadas pelos autores estudados
de que a [...] “educação cooperativa é essencial, questão de sobrevivência da
cooperativa”. (SCHNEIDER, 2003).
Cabe então explicar que ação é essa, como ocorre. Para isso, será feito um
breve histórico da cooperativa, assim explicitando como se originou esta ação e
porque é tão valorizada por estes associados.
Atualmente a cooperativa compreende, principalmente, agricultores dos municípios
de Osório (28 sócios) e Maquiné (27 sócios), entre os 57 associados ativos e 62 em
seu total. Trinta e oito sócios originários de uma associação decidiram, em 2009,
formar a Coopviva com o objetivo de ampliar o acesso ao mercado institucional.
A instalação da sede no município de Osório, resultado de uma parceria com
a prefeitura de Osório, possibilitou a ampliação das entregas com a conquista de
projetos para vários municípios (Palmares do Sul, Tramandaí, Osório, Capão da
Canoa, Arroio do Sal, Mostardas, Balneário Pinhal, Cidreira e Capivari).
Na sede da cooperativa passou a ser realizado o serviço de expedição,
consistindo na classificação dos produtos e preparo das caixas com os pedidos de
cada ponto de entrega. Atualmente esse serviço é realizado sempre aos domingos,
154
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
por equipes de cinco sócios, em forma de escala, organizando a participação de
cada associado duas vezes por semestre. No caso de impossibilidade de participar,
o sócio paga um valor, o qual atualmente equivale a cinquenta reais, assim a
cooperativa remunera alguém que o substitua.
Os sócios lembram que foi realizada uma tentativa com relação à experiência
de “ficar livre” a participação no trabalho, mas com a presença de muitos sócios o
trabalho não rendia, um dos sócios lembra: “muita gente atrapalha, um sai para
fumar, outro fica conversando, e assim vai... dispersa, tem que ser grupos de cinco”.
Entretanto, no início eram poucos que tinham responsabilidade e assumiam esta
função, pois não era obrigatória a participação e isso fazia com que muitos não
participassem. Segundo uma sócia, “aqueles que mais atuavam como entregadores
eram os que menos apareciam para fazer a carga no domingo”. Ou seja, aqueles
que mais se beneficiavam economicamente menos cooperavam no serviço prático
na cooperativa.
Fica clara a dificuldade de compreensão do processo educativo por parte dos
associados, muitos enxergam a cooperativa unicamente como uma forma de
comercialização de produtos e isso a fragiliza diante do cenário de competição entre
os mercados. Não acontece verdadeiramente, nestes casos, o comprometimento
deste associado com a cooperativa, pois ele “não quer se educar” não quer
cooperar, só quer “tirar vantagem”. E esse processo de mudança comportamental,
que Stein (2013) abordou com propriedade, é um longo e árduo caminho. Depende
muita da postura da cooperativa de não abrir mão dos princípios e isso nem sempre
ocorre, pois as necessidades econômicas falam mais alto.
A participação nas equipes fortalece a relação entre os sócios, uma vez que
no trabalho se conhecem melhor e compreendem as dificuldades envolvidas na
entrega de produtos adequados e acabam por discutir os problemas envolvidos na
produção. Para a presidente, essa atividade é essencial para a manutenção da
cooperativa, pois a convivência para o trabalho aproxima os associados da
cooperativa, os tornam “mais amigos”, cooperativos, de forma que confiem mais uns
nos outros, queiram “estar junto”, sendo uma estratégia de educação cooperativa.
Destaca que os associados que se fazem presentes nesses momentos são mais
ativos na cooperativa, e os que não participam são os que menos conhecem e se
aproximam.
155
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
Segundo esses associados, “fazer a carga no domingo pela manhã” foi a
atividade
educativa
não
formal
considerada
essencial,
um
momento
de
fortalecimento, “a parte boa”, quando o associado conhece de verdade sua empresa,
seus clientes, os demais sócios, enfim, se apropria do que é seu.
Embora nas entrevistas houvesse a provocação para os que mencionaram
essa atividade de que esta seria uma ação de educação cooperativa, os associados
não demonstraram nas entrevistas possuírem essa compreensão. Porém, é palpável
o bom funcionamento dessa estratégia, na forma que gera entusiasmo naqueles que
estão ativamente cooperando na ação. É uma maneira criativa e diferenciada que a
própria cooperativa encontrou, em meio à falta de recursos e de tempo, de realizar
educação cooperativa.
Nas entrevistas, percebeu-se também que a sensibilidade em realizar os
pagamentos primeiramente aos associados que possuem alguma parcela do
Pronaf30 a ser paga, entre outras pequenas ações, está contribuindo para o
fortalecimento desse grupo de indivíduos (neste caso nas relações de confiança e
solidariedade) que compõem a Coopviva.
Os encontros de educação cooperativa foram apontados como momentos
formais em que foram repassados aos associados os conceitos universais do
cooperativismo, agregando instrução e conhecimento, conforme disseram: “não
adianta nada os sócios serem unidos e não conhecerem a parte legal e conceitual
do cooperativismo”, valorizando neste sentido as atividades de educação
cooperativa. Porém, para dois sócios, esses momentos só serviram à diretoria, e um
destes complementou que foi mal escolhido o dia e horário das reuniões, que estes
deveriam ocorrer aos sábados. Um associado respondeu: “foi importante, mas eu
não me lembro do que foi tratado”.
Estes relatos das entrevistas evidenciam a falta de comprometimento dos
associados com essas ações. Também a necessidade de continuidade, sendo os
conceitos mais trabalhados, de diferentes formas, com diferentes metodologias. Um
associado deixou bem claro que a cooperativa representa muito pouco de seu
volume de negócios, portanto não é prioridade para ele (e ele avalia que muitos
30
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar: são linhas de crédito rural, com juros
baixos, voltadas ao pequeno agricultor, que permitem o custeio e o investimento de atividades na
propriedade rural.
156
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
estão em situação igual a sua) o conhecimento sobre o cooperativismo, visto não ter
importância econômica, que em sua visão é prioritária.
Embora os autores afirmem categoricamente que sem educação cooperativa
não existe cooperativa, a prática mostra que quase sempre a necessidade
econômica vem em primeiro lugar, principalmente para os associados. Não
demonstram interesse em conhecer algo que representa apenas um pequeno
complemento em sua renda familiar, consideram que quem tem que ter
conhecimento sobre isso são os dirigentes. Ou seja, se perpetuam as relações de
dependência do agricultor com o intermediário, ele não se apropria de sua empresa,
continua realizando a mesma tarefa de “entregar produtos” e receber o valor
econômico de seu produto. Mas a educação é um ato de amor (Freire, 1987). Diz o
ditado: “Quem ama, educa”. Assim, mesmo que sejam poucos os que acreditam na
educação, ela irá acontecer e fazer a diferença onde estiver. Por isso, exige de
quem a professar muito esforço, muita coragem, persistência e qualificação. São
sementes lançadas muitas vezes em terra não apropriada, mas que podem sim ser
cultivadas e futuramente produzir excelentes frutos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação cooperativa se mostrou um grande desafio, ainda, a ser
trabalhado dentro da Coopviva. A qualificação proporcionada pela unidade de
cooperativismo da Emater/RS – Ascar foi bem avaliada pelos entrevistados, pois
contribuiu para o entendimento dos conceitos universais do cooperativismo. A
continuidade dessa ação, envolvendo metodologia apropriada que alcance e
“conquiste” a ampla e contínua participação dos associados é um desafio. Alguns
associados reconhecem a atividade de “carga aos domingos” como uma ação de
educação cooperativa não formal promovida pela Coopviva. A diretoria considera
esta ação imprescindível estratégia de educação cooperativa, sendo o que mais
contribui para a manutenção de identidade enquanto coletividade e consequente
fortalecimento socioeconômico.
A pista está dada: faz-se necessária a construção de propostas de educação
cooperativa que promovam a interação de seus associados, possivelmente
atividades lúdicas, que permitam que estes se conheçam, desenvolvendo a
cooperação não somente como relação comercial, mas sim como “modo de vida”, o
157
Capítulo VII - Estudo de Caso da COOPVIVA: buscando estratégias de educação cooperativa
que alguns já consideram estar realizando, manifestando-se no sentido de que deve
ser assim encarado por todos os associados.
A educação cooperativa é uma escolha pela preservação da identidade
cooperativa, essencial para a garantia de sua continuidade em meio à globalização
que ocorre na atualidade. Porém, o desenvolvimento desta percepção pela
totalidade dos associados é um caminho longo, já iniciado, a ser percorrido,
principalmente porque exige esforço e tempo, comprometimento e dedicação de
todos os atores envolvidos.
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159
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul
e o Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das
Cooperativas Rurais
COTRIM, Marcelo Souza31
COTRIM, Décio Souza32
RESUMO
Este estudo tem como objetivo trazer à tona a discussão do processo da extensão
rural cooperativa no Estado do Rio Grande do Sul e analisar a utilização do enfoque
sistêmico como metodologia de trabalho neste contexto. Para alcançar este objetivo,
contextualizou-se o processo da extensão rural realizada pela Ascar/Emater no
Estado e o atual cenário existente no âmbito das políticas públicas implementadas
pelo Governo do Estado. Nas conclusões do estudo, foi possível observar que o
enfoque sistêmico contribui para auxiliar no agrupamento e caracterização dos
sistemas cooperativos rurais, principalmente na definição de “tipos” prioritários para
o trabalho da extensão rural cooperativa pública.
Palavras-chave: Extensão rural cooperativa. Enfoque sistêmico. Políticas públicas.
ABSTRACT
This study aims to bring out the discussion of the process of cooperative extension in
the state of Rio Grande do Sul and to analyze the use of Systemic Focus as a
working method in this context. In order to achieve this goal, it was contextualized the
process of rural extension conducted by Ascar/Emater in the state and the current
existing scenario in the context of public policies implemented by the State
Government. In the conclusions of the study, it was observed that the systemic
approach helps to assist in the grouping and characterization of rural cooperative
systems, especially in the definition of priority "types" to the work of the public and
rural cooperative extension service.
Key Words: Cooperative extension. Systemic approach. Public policies.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo busca aprofundar a discussão acerca do tema do cooperativismo
rural, mais precisamente sobre a questão da extensão rural cooperativa no Estado
do Rio Grande do Sul. Este tema volta a ter uma grande relevância a partir de 2011,
com a implantação, pelo Governo Estado, do Programa de Extensão Cooperativa
31
32
Engenheiro Agrônomo Formado pela UFRGS e Mestre em Desenvolvimento Rural formado pelo
PGDR/UFRGS.
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
160
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
(PEC), executado pelo Departamento de Cooperativismo da Secretaria de
Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR) e implementado pelas
Unidades de Cooperativismo (UCP) da Ascar/Emater-RS. Nesta perspectiva, o
processo de extensão rural cooperativa busca se consolidar dentro do universo da
extensão rural, procurando agregar ferramentas para o seu trabalho, como as
desenvolvidas a partir do enfoque sistêmico.
2 O PROCESSO DE EXTENSÃO RURAL E SUAS INTERFACES COM O
COOPERATIVISMO RURAL
Pode-se afirmar que a extensão rural teve início no Brasil a partir de 1948, no
Estado de Minas Gerais, onde foi iniciado um trabalho que visava à melhoria da
qualidade de vida de pequenos agricultores através do aumento da produção e
produtividade de seus cultivos e criações. A metodologia de trabalho e planejamento
das atividades foi buscada no sistema Norte Americano de extensão baseado no
método Farm and Home Administration (FHA). Este método buscava formar um
plano de “melhoramento produtivo” para a unidade de produção familiar, e implantar
este plano com a concessão de crédito supervisionado.
Seguindo este formato, emerge no Rio Grande do Sul, em 1955, a
Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (ASCAR), com a missão de
trabalhar para o “desenvolvimento da agricultura e o bem-estar das populações
rurais [...]”. Cabe salientar que a extensão rural surge no País e no Estado no
formato de associação, portanto, sem fins lucrativos, e em sua missão fundamental
está a busca pela melhoria da qualidade de vida das famílias assistidas, prevista no
Art. 2º do seu Estatuto. (EMATER, 2005).
A importância de se trazer ao texto estes dados históricos sobre a
implementação do processo de extensão rural no Estado se deve à consonância
entre os temas trabalhados que, de certa forma, fortaleceram-se em nossa
sociedade por buscarem objetivos em comum, ou seja, o fortalecimento da
agricultura familiar. Para aclarar esta afirmação, pode-se buscar alguns dados sobre
o cooperativismo rural e também sobre sua formação.
O cooperativismo no Rio Grande do Sul tem como seu marco histórico a
formação, em 1902, da primeira cooperativa de crédito, na cidade de Nova Petrópolis,
pelo Padre Amstad. A partir da formação deste modelo, começaram a nascer diversas
161
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
cooperativas agrícolas que alavancaram o processo cooperativo no Brasil e que, até a
atualidade, representam a maior parte do sistema cooperativo do País, numericamente
falando, e na sua representação na balança comercial nacional.
Segundo dados de 2010 da OCB, as cooperativas do ramo agropecuário
representam 23% do total de cooperativas no País, e nelas estão trabalhando 49%
das pessoas empregadas em cooperativas. Ainda segundo dados compilados pela
OCB e com dados do censo agropecuário do IBGE de 1996, do total de associados
em cooperativas agropecuárias, 67,3% são pequenos agricultores que possuem
propriedades de até 50 ha.
É desta forma que se pode afirmar que o público rural que participa nas
cooperativas rurais do ramo agropecuário é, em grande parte, formado pelos
agricultores assistidos pela extensão rural continuada do Estado, representada, no
RS,
pela
Ascar-Emater/RS.
Esta
estreita
relação
entre
as
cooperativas
agropecuárias e a extensão rural pública oferecida pelo estado possui diversos
momentos de ações mais integradas e outros momentos de ações não tão
integradas, e isso devido, principalmente, ao “pano de fundo” histórico/político do
desenvolvimento de nossa sociedade.
Pode-se salientar a fase do “difusionismo/produtivismo”, que ocorreu no
Brasil, dentro do conceito da “Revolução Verde”, difundida pelo modelo norteamericano, que pregou muito em seus preceitos a competição e o individualismo, o
que gerou um grande processo de exclusão no campo e uma extensão rural ligada
apenas às “novas” técnicas produtivas que precisavam ser difundidas.
Em contraponto ao cenário exposto, atualmente vive-se um momento de
estreita relação entre o cooperativismo rural e a extensão rural, principalmente,
como já relatado, com o programa de extensão cooperativa, processo este que
precisa ser incorporado pela extensão rural.
3 O (RE)INÍCIO DO PROCESSO DE EXTENSÃO RURAL COOPERATIVA NO RS:
O PROGRAMA DE EXTENSÃO COOPERATIVA E A IMPLANTAÇÃO DAS
UNIDADES DE COOPERATIVISMO DA ASCAR/EMATER
A partir do contexto trabalhado no item anterior, pode-se afirmar que nos 58
anos de extensão rural realizada pela Ascar/Emater no Estado também o tema do
associativismo e cooperativismo sempre esteve presente no seu trabalho
162
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
desenvolvido nas diversas regiões do RS. No entanto, o que se pode observar é que
grande parte do trabalho realizado pelos extensionistas neste processo estava muito
focado na organização social para formação das associações e cooperativas e na
parte da organização produtiva, muito ligada ao itinerário técnico/produtivo dos
sistemas de produção dos agricultores associados.
Entretanto, os processos internos inerentes às cooperativas, como a gestão
administrativa, contábil, logística comercial, entre outros, não eram foco do trabalho
de extensão rural. A partir do ano de 2011, com a criação do Programa de Extensão
Cooperativa (PEC) pelo governo do Estado, é que o tema dos processos internos
das cooperativas começou a ser discutido sob a ótica da extensão rural. Assim
sendo, foi formado um grupo de trabalho com representantes da Ascar/Emater e da
Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR), para a
construção de um modelo de equipe de trabalho e, também, para pensar qual
metodologia de trabalho utilizar.
Neste contexto, este grupo de trabalho da extensão cooperativa iniciou com
duas ideias centrais. A primeira, foi formar equipes multidisciplinares que suprissem
as lacunas historicamente observadas no trabalho de extensão junto às
cooperativas, ou seja, extensionistas com formação em áreas como a administração,
sociologia, contabilidade, economia, desenvolvimento rural e agronomia. A segunda,
foi utilizar a metodologia trabalhada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), chamada MAT-Gestão. Abaixo, apresentamos um box com as premissas
desta metodologia:
Quadro 13 - Box com as informações da metodologia MAT-Gestão
BOX O1 – Informações sobre a Metodologia de Assistência Técnica em Organização,
Gestão, Produção e Comercialização para empreendimentos da Agricultura Familiar –
MAT-Gestão.
- O que pretende a MAT-Gestão?
Contribuir com o preenchimento de uma lacuna persistente de conhecimento e capacidade
técnica em empreendimentos da Agricultura Familiar, nos campos da gestão administrativa e
social, da produção e da comercialização.
- O que é o projeto MAT-Gestão?
É uma iniciativa da SAF/DGRAV de dispor uma metodologia singular e com uma abordagem
multidisciplinar, que permita a identificação e resolução de problemas técnico-gerenciais e
tecnológicos, para incrementar a competitividade e promover a cultura de sustentabilidade
social e econômica nos empreendimentos da Agricultura Familiar. A MAT está vocacionada
para empreendimentos coletivos formalizados ou em processo avançado de formalização.
- Qual a sua origem?
O projeto é inspirado na metodologia PEIEX desenvolvida no âmbito do Projeto de Extensão
Industrial Exportadora do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
(MDIC), originalmente dirigida ao setor de micro e pequenas empresas urbanas, baseadas em
163
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
um só produto.
O desafio assumido pelo DGRAV foi o de adaptar as ferramentas do PEIEX, para construir
uma metodologia apropriada ao contexto de empreendimento da Agricultura Familiar,
respeitando suas particularidades e sua diversidade produtiva.
É desse desafio que resulta a Metodologia de Assistência Técnica em Organização, Gestão,
Produção e Comercialização para empreendimentos da Agricultura Familiar – MAT-Gestão.
Ela representa um esforço do DGRAV para dispor ferramentas que permitam identificar e
enfrentar com eficiência os principais problemas apresentados pelos empreendimentos da
agricultura familiar e que residem nos campos da organização social, da gestão administrativa,
da produção e da comercialização.
- Quais os seus principais objetivos?

Fortalecer o associativismo e o desenvolvimento institucional de empreendimentos da
Agricultura Familiar;

Ampliar o acesso a produtos e serviços de apoio disponíveis nas instituições de governo
e setor privado;

Introduzir melhorias técnico-gerenciais e tecnológicas nos empreendimentos;

Incrementar o desempenho dos empreendimentos;

Contribuir para a elevação dos níveis de emprego e renda;

Promover a capacitação para a inovação;

Promover o protagonismo dos empreendedores familiares na interação entre os
empreendimentos e instituição de apoio e cooperação.
- Quais são as vantagens da MAT-Gestão?
A MAT-Gestão tem a vantagem de ser uma metodologia com enfoque multidisciplinar, de
aplicação rápida e de baixo custo relativo: compreende basicamente uma equipe técnica
multidisciplinar para - e com os empreendimentos - elaborar um diagnóstico e um plano de
desenvolvimento, bem como identificar oportunidades para a implementação deste plano e
criar instrumentos para acompanhar seus resultados.
Além disso, o próprio processo de implementação da MAT compreende esforços para o
fortalecimento associativo e institucional dos empreendimentos, promovendo a difusão e o
acesso a políticas públicas de desenvolvimento rural. Isto acontece na medida em que,
durante a sua implementação, já podem ser removidos alguns empecilhos ao acesso a
programas e políticas públicas e solucionados problemas que estejam no escopo das
capacidades da equipe de técnicos e que sejam passíveis de soluções simples e pontuais.
- A MAT-Gestão passo-a-passo:
A MAT-Gestão prevê, basicamente, os seguintes passos:
a) Realização de diagnósticos, considerando diversas áreas funcionais, tais como, Administração
Organizacional, Recursos Humanos, Finanças e Custos, Vendas e Marketing, Comércio Exterior e
Produção e Manufatura. Estas áreas poderão ser consideradas parcialmente ou na sua totalidade;
b) Elaboração da Matriz de Identificação Estratégica (MIEs) – instrumento capaz de demonstrar a
situação das áreas funcionais do empreendimento, de modo a orientar a tomada de decisões e a
ação dos gestores do empreendimento;
c) Planos de Aprimoramento, com base na interpretação das MIEs e dos potenciais e/ou
oportunidades verificadas;
d) Difusão, junto aos empreendimentos, das principais políticas públicas para desenvolvimento rural,
promovidas pelo MDA;
e) Resolução de problemas pontuais detectados nos empreendimentos assistidos, e no escopo das
especializações da equipe técnica do projeto;
f) Estímulo ao associativismo e aos processos de gestão coletiva e seu aprimoramento;
g) Implantação de soluções de conjunto, orientadas pelos Planos de Desenvolvimento;
h) Monitoramento e avaliação – ação transversal a todos os demais passos, vai do planejamento à
avaliação final da implementação da MAT.
Fonte: Brasil (2013).
Com a definição de que as ferramentas que balizariam o trabalho de extensão
rural cooperativa seriam a da MAT-Gestão, passou-se para a implementação das
Unidades de Cooperativismo (UCPs) dentro da estrutura da Ascar/Emater. Assim
164
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
sendo, brevemente, será apresentada a forma de organização da Ascar/Emater no
Estado.
A partir de 2013, a Ascar/Emater passou a possuir 12 escritórios regionais no
Estado, os quais estão sediados nos municípios de Bagé, Caxias do Sul, Erechim,
Frederico Westphalen, Ijuí, Lajeado, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, Santa
Maria, Santa Rosa e Soledade. Neste contexto, para contemplar uma ação
estruturada das Unidades de Cooperativismo, foram implementadas cinco unidades
nos municípios de Erechim, Frederico Westphalen, Ijuí, Pelotas e Santa Cruz do Sul.
Posteriormente, também foram implementadas em Porto Alegre e Santa Rosa.
Nesta leitura, pode-se observar que, com a exceção de Santa Cruz do Sul, as
UCPs estão sediadas e trabalham em consonância com os escritórios regionais da
Emater. No mapa abaixo são identificadas as regionais da Emater assistidas por
cada UCP.
Figura 1 - Unidades de cooperativismo da Emater/RS - ASCAR e COREDS - RS
Fonte: ASCAR/EMATER-RS.
Como se pode observar, cada unidade cobre uma grande área territorial do
Estado, o que implica a necessidade de se ter um bom trabalho de planejamento
e logística para a execução das atividades.
165
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
Cabe salientar que o trabalho desenvolvido de extensão rural cooperativa
na Ascar/Emater não é parte somente das UCPs. Mesmo sendo elas partes
fundamentais deste processo, estruturalmente, no corpo técnico da Emater, são
fundamentais os Gerentes Regionais, os Supervisores das microrregionais, os
Assessores Técnicos Regionais, e, principalmente, os Extensionistas Rurais dos
Escritórios Municipais da Emater. A importância de se ressaltar este fato está na
relevância de se possuir um trabalho concatenado com todo o processo já
desenvolvido de extensão rural e incluso na missão da Ascar/Emater.
Retomando o que foi apresentado, observa-se que, com a implementação
das 7 UCPs e a definição da utilização das ferramentas da MAT-Gestão, foi
possível retomar, no Estado, o processo de extensão rural cooperativa, onde a
adesão das cooperativas de agricultores rurais ao Programa de Extensão
Cooperativa (PEC), do Governo do Estado, corroborou como sendo a porta de
entrada para a efetivação do trabalho neste campo junto às cooperativas.
Assim, passa-se agora ao que se pode chamar de “recorte espacial” do
campo de atuação das UCPs, no mundo cooperativista, que é o nosso foco. O
indicador que balizou este recorte inicialmente foi o fato de serem cooperativas
rurais, formadas por agricultores familiares, e que, necessariamente, deveriam
possuir DAP Jurídica 33.
Neste recorte utilizado para definir a área de atuação das UCPs, pode-se
encontrar um grande número de cooperativas rurais, ficando, assim, ainda em
aberto, a necessidade da utilização de outros indicadores que possibilitem a
visualização mais precisa do campo de atuação da extensão rural cooperativa
oferecida pelo Estado, já que esta possui um caráter público e visa atender os
agricultores familiares rurais do Estado.
Cabe salientar que a heterogeneidade de cooperativas não é negativa para
o processo cooperativista, contudo, devido à impossibilidade de atendimento a
todo este público, colocou-se como proposta a utilização do enfoque sistêmico na
definição do recorte do público assistido.
33
A DAP ou Declaração de Aptidão ao Pronaf é o documento emitido pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário aos agricultores familiares que se enquadram na Lei Nº 11.326 para ter
acesso aos benefícios concedidos pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF). Para uma cooperativa possuir uma DAP-Jurídica no mínimo 70% dos
cooperados precisa possuir a DAP física.
166
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
4 O ENFOQUE SISTÊMICO E SUAS INTERFACES COM O DESENVOLVIMENTO
RURAL E COMO PODE AUXILIAR O PROCESSO DE EXTENSÃO RURAL
COOPERATIVA
Através do que foi analisado até este ponto do estudo, foi possível
observar que o processo de implementação da extensão rural cooperativa está
intimamente ligado à criação do Programa de Extensão Cooperativa (PEC), pelo
Governo do Estado, e pela incorporação deste processo pela Ascar/Emater,
através, principalmente, da formação das Unidades de Cooperativismo (UCPs).
Também foi observado que o principal indicador utilizado para a definição
do “recorte espacial” de atuação da extensão rural cooperativa é que a
cooperativa possua DAP Jurídica.
Neste segmento serão apresentados alguns conceitos desenvolvidos a
partir do enfoque sistêmico, conceitos estes que poderão oportunizar uma visão e
compreensão mais global do processo cooperativista, e auxiliar na formação de
indicadores para a construção dos balizadores do recorte trabalhado pela
extensão rural cooperativa pública oferecida pelo Estado.
4.1 O ENFOQUE SISTÊMICO COMO MÉTODO PARA ORGANIZAÇÃO DO
PROCESSO DE EXTENSÃO COOPERATIVA
O enfoque sistêmico permite visualizar a inter-relação e o processo de
desenvolvimento de cada sistema, seja ele um estabelecimento agrícola ou uma
cooperativa rural.
167
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
Quadro - 14 Box com os conceitos da teoria sistêmica
Box 2 – Aprofundando sobre O Conceito da Teoria Sistêmica
Segundo essa teoria, analisar e explicitar um objeto complexo é, em primeiro lugar, delimitá-lo,
[...], traçar uma fronteira entre esse objeto e o resto do mundo; em particular, distingui-lo dos
outros objetos que, sendo da mesma natureza, são, ao mesmo tempo, diferentes o bastante para
serem considerados como pertencentes a uma outra espécie do mesmo objeto; é, portanto, em
última instância, classificar. Do mesmo modo, para diferenciar as múltiplas formas atuais [...] da
agricultura, é necessário delimitar a sua distribuição geográfica e, portanto, classificá-las em tantas
espécies (ou sistemas) quanto necessárias. Segundo a teoria sistêmica, analisar e explicitar um
objeto é também estudar a sua dinâmica de evolução através do tempo e as relações que esse
sistema mantém com o resto do mundo nos seus diferentes estágios de evolução. Para estudar a
evolução no tempo das várias formas passadas da agricultura [...] é preciso classificá-las em
etapas e espécies (ou sistemas) [...].
É assim que a classificação das espécies dos seres vivos (Linné) e a teoria da evolução
(Darwin) pertencem ao método sistêmico. A teoria da pedogênesis e da diferenciação climática e
zonal dos diferentes tipos de solos (Dokoutchaev, Duchaufour) e a teoria da formação e da
diferenciação dos climas são também teorias sistêmicas. Por exemplo, a anatomia de um ser vivo
superior é concebida como um sistema composto de subsistemas complementares: os sistemas
ósseo, muscular, circulatório, respiratório, etc. Cada sistema se decompõe em órgãos, cada órgão
em tecidos, cada tecido em células, etc.
Enfim, considerar o funcionamento de um objeto como um todo é pensá-lo como uma
combinação de funções complementares que asseguram a circulação interna de todos os fluxos
(de matéria, de energia, de valor, etc.) e, no caso de um sistema aberto, é imaginá-lo como um
conjunto de intercâmbios com o exterior. Por exemplo, o funcionamento de um ser vivo superior se
decompõe em funções que são o produto da atividade de um ou de vários subsistemas ou órgãos,
e que asseguram a renovação do organismo: funções digestivas, circulatórias, respiratórias, etc.
Os historiadores, os geógrafos, os antropólogos, os economistas e os agrônomos, em número
cada vez maior, utilizam, com sentido às vezes diferente, o termo sistema agrário. É esse o termo
que temos utilizado para designar o conceito, ou seja, a ferramenta de reflexão que queremos
construir para apreender, analisar, ordenar, classificar, compreender e explicitar a realidade
complexa das múltiplas formas evolutivas da agricultura.
Fonte: Mazoyer (1992-93).
O texto de Mazoyer (1992-93), ao seu final, remete às formas de se ordenar a
realidade agrária de um território, seja ele uma região ou um país, na ótica da
abordagem sistêmica. Entretanto, este tipo de abordagem também pode
compreender outras realidades, como as de comunidades rurais ou mesmo de
cooperativas formadas nestes territórios.
Para Dufumier (1996), a análise sistêmica baseia-se na aquisição progressiva
de conhecimento, partindo do geral para o particular. Assim, o estudo começa com
as relações que o objeto em estudo tem com o mundo, com o país onde está
localizado, até chegar a níveis mais específicos (comunidades, unidades familiares
rurais ou urbanas).
Precisa-se observar, ainda, que na análise sistêmica não se busca apenas
situar o objeto de estudo no espaço, mas também no tempo. Deve-se buscar
conhecer a relação do objeto de estudo com o passado, ou seja, sua importância
168
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
relacionada com os aspectos históricos. Com base no passado pode-se responder
e/ou compreender melhor as relações/interações ambientais, culturais, sociais e
econômicas, nos sistemas que são encontrados atualmente.
Abaixo, são apresentados itens comparativos entre a visão analítica e a
sistêmica.
Quadro 15 - Comparativo entre a abordagem sistêmica e a abordagem analítica
Abordagem Analítica
Somente o resultado conta
O objeto complexo é decomposto
em elementos que devem ser
isolados
Superioridade do especialista
(processo de transmissão do
conhecimento descendente)
O especialista acredita conhecer a
melhor e mais apropriada solução
Construção de teorias e modelos
fundamentados na matemática e
que priorizam os aspectos
quantitativos
Validação pela prova experimental
Disciplinaridade
Linearidade, Monorracionalidade,
Monocritérios para a decisão
Independência entre os meios e os
resultados
O conhecimento é a descoberta
daquilo preexistente
Afastamento das contradições para
que a realidade se aproxime do
esquema construído
Abordagem Sistêmica
O importante é o processo
Articula e relaciona os elementos
entre eles e com o todo
O especialista procura compreender
e aprender
Existem muitas soluções
satisfatórias
Construção de um modelo
sabidamente redutor
Validação pela eficácia e eficiência
na transformação da realidade
Interdisciplinaridade,
Multidisciplinaridade
Plurirracionalidade, Multicritérios
para a decisão
Inter-relação entre os meios e os
resultados
O conhecimento é uma construção
da realidade, atuação sobre a
realidade
Considera os conflitos e as
contradições
Fonte: Adaptado de Bonneviale et al. (1989, p. 40); Rosnay (1975, p. 98) (apud MIGUEL,
2009, p. 17).
Contudo, deve-se ressaltar que a abordagem sistêmica não é contraditória à
abordagem analítica, mas preza por inter-relacionar e criar campos de discussão
entre as diversas áreas disciplinares.
Portanto, com base no trabalho multidisciplinar e enfoque na abordagem
sistêmica, tem-se subsídio e balizamento para a elaboração de um diagnóstico da
área ou território de pesquisa, item que será abordado no próximo capítulo.
169
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
5 MÉTODO DE PESQUISA EMPREGADO
A seguir é apresentada a ferramenta central do enfoque sistêmico.
5.1 O DIAGNÓSTICO: UMA FERRAMENTA DE ANÁLISE
Munidos da forma de abordagem que se pretende analisar a área de estudo,
dentro de uma concepção multidisciplinar, é necessário, então, compreender a área
de estudo. Sendo assim, propõe-se a elaboração de um diagnóstico da área de
estudo. Mas o que é, e em que consiste concretamente um diagnóstico?
Um diagnóstico nos traz uma “fotografia” da realidade de um sistema, que,
segundo o recorte feito, pode ser uma cooperativa, uma comunidade ou um território
(sistema social). Para a elaboração de um diagnóstico, alguns pressupostos são
necessários.
O primeiro pressuposto ao se iniciar um diagnóstico é definir os objetivos do
trabalho. Com base nestes objetivos, deve-se definir claramente o recorte de estudo,
ou seja, o universo social e geográfico com o qual se deseja trabalhar. Pode-se
definir áreas prioritárias ou grupos prioritários, e é necessário responder se existe
algum aspecto da realidade que se deseja particularmente enfocar. Também é
preciso saber qual a delimitação da área de estudo: uma região, um município, um
distrito, uma comunidade ou uma cooperativa.
Essas definições vão depender da complexidade da realidade estudada e do
foco que se deseja utilizar para a definição das estratégias e projetos de
desenvolvimento. Por exemplo, na parte operacional, deve-se levar em conta fatores
limitantes, como o tempo disponível e o tamanho da equipe. Portanto, se há pouco
tempo ou se a equipe for muito pequena, isto acarretará em uma redução da área de
estudo e diminuição da complexidade dos objetivos da pesquisa.
Desta forma, é de suma importância levantar a seguinte questão: “Para se
definir o objeto de estudo é necessário ter conhecimento prévio do local?” A
resposta é sim, pois segundo o método baseado no enfoque sistêmico, tratado
anteriormente, deve-se ter como base as etapas sucessivas do trabalho, iniciando
pela obtenção de informações acerca da área de estudo.
170
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
Com base na proposta desta pesquisa, o recorte do universo trabalhado será
o das cooperativas de agricultores familiares assistidas pelas UCPs no Estado,
totalizando um universo de 165 cooperativas, até o meio do ano de 2013.
A seguir, são apresentadas as etapas propostas a partir do enfoque sistêmico
na elaboração de diagnósticos.
5.2 ETAPAS PROPOSTAS PARA A ELABORAÇÃO DO DIAGNÓSTICO DOS
SISTEMAS NA DIFERENCIAÇÃO DAS COOPERATIVAS
Neste item são apresentadas as etapas que são empregadas na
implementação dos conceitos elaborados a partir do enfoque sistêmico.
5.2.1 Coleta e Tratamento dos Dados Secundários e Caracterização da Área de
Estudo
A aproximação inicial que temos com a região de estudo é obtida através da
compilação e do tratamento de dados estatísticos, de mapas, de cartas topográficas
e de documentos históricos existentes. Estes dados são obtidos por meio de fontes
secundárias, ou seja, através de dados coletados e tratados por diversos órgãos ou
instituições como Emater, FEE, IBGE, bibliotecas (publicações acerca da região),
entre outras fontes.
Com estes dados, pode-se começar a visualizar, de forma geral, algumas
tendências e dinâmicas sociais, culturais, econômicas e agronômicas da região de
estudo, com a finalidade de elaborar uma caracterização da área de estudo.
5.2.2 Leitura da Paisagem
A etapa subsequente à aproximação da realidade da região é feita através da
observação da paisagem desta região. Segundo Santos (1988), “Paisagem se refere
a tudo que vemos, o que a vista alcança é a paisagem. Esta pode ser definida como
o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes,
mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc.”.
Por meio da leitura da paisagem, pode-se levantar informações sobre a
realidade local, que não se pôde obter através da restituição pelos dados
171
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
secundários, tais como: informações sobre as formas de exploração do ambiente e
sobre as práticas agrícolas. Além disso, a leitura de paisagem permite ao
pesquisador observar a distribuição dos diversos sistemas de produção pelo
território da região de estudo, e, desta forma, formular hipóteses sobre as razões
históricas da formação e distribuição destes sistemas.
5.2.3 O Resgate dos Fatos Históricos Ligados à Evolução da Sociedade, à
Agricultura e à economia da Região de Estudo
O resgate histórico da formação e ocupação da região de estudo nos possibilita
compreender as transformações que ocorreram nas diversas áreas que formam a
sociedade local como a das relações sociais, culturais, econômicas, agronômicas e
ecológicas. Estes fatos históricos também são importantes para verificar hipóteses
formuladas a partir da leitura da paisagem.
Através do resgate histórico é possível observar momentos de “crise” que
acabaram por criar uma ruptura dos sistemas produtivos da região e que mostram
pistas da conformação atual dos sistemas implementados.
5.2.4 Tipologia dos Sistemas Implementados na Área de Estudo
Através de dados obtidos pelas entrevistas com os “informantes-chave” e por
fontes
secundárias,
pode-se
observar
a
existência
de
diversos
sistemas
implementados nas regiões de estudo. Valendo-se de racionalidades sócioeconômicas-ambientais distintas, os agricultores fazem escolhas diferentes no que
se refere à implantação de seus sistemas (cultivos, criações), às técnicas, às
práticas agrícolas e econômicas que desenvolvem. É importante ressaltar que nem
todos adotam o mesmo sistema e as mesmas formas de utilização do ecossistema.
Convém, então, realizar uma análise mais detalhada, relacionando as
condições ambientais e socioeconômicas e a evolução de cada “tipo” de sistema
adotado. Pode-se partir do pressuposto que, apesar da diversidade de condições e
de sistemas observados em uma região, é possível reunir, em categorias e em
grupos, produtores ou cooperativas que apresentam condições socioeconômicas e
adotam estratégias semelhantes, apesar das significativas diferenças existentes
entre eles.
172
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
A hipótese desse trabalho será a definição de categorias de cooperativas de
agricultores, identificando, para cada uma delas, os indicadores dominantes. Cada
“tipo de cooperativa” definida deverá corresponder a grupos sociais relativamente
homogêneos, mas distintos dos demais grupos do ponto de vista da problemática do
desenvolvimento rural em análise.
5.2.5 Caracterização dos Principais Sistemas Implementados pelas
Cooperativas de Agricultores Familiares da Região de Estudo
Nesta etapa, são descritos os principais sistemas encontrados na região
estudada. No presente estudo, os tipos de cooperativas que estiverem dentro do
escopo da pesquisa receberão uma atenção maior neste item. Para tanto, pretendese, através de entrevistas com os coordenadores de três UCPs, obter informações
sobre as cooperativas assistidas em cada região (produtivas, econômicas,
ambientais, culturais, etc.), para a formulação de indicadores que possibilitem a
organização das cooperativas dentro de intervalos na construção de uma tipologia
de cooperativas.
A construção de uma tipologia de cooperativa, seguindo a lógica sistêmica,
pode possibilitar que sejam identificadas em cada região dinâmicas na organização
social, produtiva e econômica das cooperativas, o que pode contribuir para o
trabalho de extensão rural cooperativa.
6 UM EXERCÍCIO DE CONSTRUÇÃO DE TIPOLOGIAS EM SISTEMAS
COOPERATIVOS
Neste segmento do estudo, será realizado um esforço no intuito de definir
indicadores que possibilitem a elaboração de tipologias de cooperativas rurais,
dentro do universo assistido pela UCPs no Estado.
Como forma de organização dos conteúdos e da dinâmica do trabalho, optouse por enviar aos coordenadores das UCPs duas perguntas orientadoras, que
possibilitassem a obtenção de uma gama grande de informações acerca das
cooperativas assistidas.
173
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
As perguntas enviadas foram:
a) tendo como recorte de análise as cooperativas de agricultores familiares
assistidas pela UCP de sua região, quais são as principais características
que as diferenciam?
b) utilizando estes indicadores/características, e tendo em mente que existem
intervalos dentro de cada um destes indicadores, você acha que as
cooperativas assistidas pela UCP de sua região poderiam ser “agrupadas
em grupos”? Se for possível, quantos grupos/tipos de cooperativas existem
em sua região, e do universo trabalhado pela UCP, qual é a porcentagem
“média” de cooperativas em cada tipo?
Estas perguntas foram respondidas pelas UCPs da regional Erechim,
Frederico Westphalen e Porto Alegre. Através da análise e compilação das
respostas foi possível obter os indicadores citados a seguir.
6.1 INDICADORES LEVANTADOS
Forma de gestão – neste indicador foi possível identificar dois tipos de
gestão financeira que são realizados pelas cooperativas assistidas.
A primeira forma de estrutura de gestão é precária: o gestor é o próprio
presidente ou membro do conselho de administração; não tem sistema de
gerenciamento informatizado; os gestores, que são membros da direção, não são
preparados para assumir função de gerenciamento de pessoa jurídica; não possui
controles financeiros eficientes, e, na maior parte das vezes, não desenvolve
planejamento estratégico nem operacional eficientes.
A parte contábil é realizada por um escritório de contabilidade, que presta
serviços, na maioria dos casos, para empresas privadas, sem conhecimento da
contabilidade de cooperativas. O fluxo de repasse de documentos contábeis da
cooperativa para o escritório de contabilidade é falho. Estes contadores geralmente
não fornecem balancetes mensais, ou, se fornecem, estes são parciais.
A segunda forma de gestão identificada se aproxima mais da forma
empresarial, que possui
contador próprio, apresenta sistemas de gestão
informatizado e possui departamento financeiro com responsáveis pelos setores
administrativos, de produção e de comercialização.
174
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
Alimentos comercializados – neste indicador, foi possível identificar e
agrupar em três tipos de cooperativas em função da escala de alimentos
comercializados, assim como identificar se os alimentos passam por um processo de
agroindustrialização ou não.
O primeiro tipo comercializa, principalmente, hortifrutigranjeiros in natura para
os programas de compra institucionais, principalmente o PNAE e PAA34. O processo
de agroindustrialização ainda é inicial, e é maior no que se refere à produção de
sucos integrais (principalmente de uva), alimentos pré-higienizados (aipim
descascado e seleta de legumes) e panificação.
O segundo tipo trabalha, principalmente, com a comercialização de leite in
natura. As cooperativas ligadas à comercialização de leite in natura foram
identificadas principalmente nas UCPs de Erechim e Frederico Westphalen, onde
ainda há um grande número de agricultores familiares que desenvolvem em seus
sistemas de produção a produção leiteira.
O terceiro tipo identificado tem maior escala de produção, como leite in natura
e/ou grãos (soja, milho, trigo), loja de comercialização de insumos e supermercado.
Possui agroindustrialização (indústria de rações, laticínios, cerealistas), onde
beneficia os alimentos para comercializar.
Mercado comercial – neste indicador, foram identificados dois grupos
prioritários. O primeiro é formado por cooperativas mais novas (na sua maioria, com
menos de 7 anos de formação), e tem como mercado comercial prioritário os
programas públicos de aquisição de alimentos (PAA e PNAE), além de eventuais
mercados privados.
O segundo grupo tem relação comercial com o mercado privado de alimentos
in natura e beneficiados. São cooperativas com um tempo maior de formação, entre
10 e 20 anos de formação, e em sua estrutura de comercialização também
trabalham com supermercado e agropecuárias para venda de insumos produtivos
para associados e não associados.
34
PNAE é o Programa Nacional de Alimentação Escolar do Ministério da Educação, que traz a
obrigatoriedade da compra de pelo menos 30% do recurso passado para as escolas públicas em
alimentos produzidos pela agricultura familiar. O PAA é o Programa de Aquisição de Alimentos do
Ministério do Desenvolvimento Social, que realiza compras diretas das cooperativas de agricultores
familiares com DAP Jurídica.
175
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
Quadro - Tipologia dos Sistemas Cooperativos UCPs Porto Alegre/Frederico
Westphalen/Erechim
Indicador
Forma de
Gestão
Alimentos
comercializados
Realizada
pela própria
diretoria, não
especializada.
Auxílio de
escritório
contábil.
Hortifrutigranjeiros
in
natura,
mais
diversificado.
Processo
de
agroindustrialização
inicial (panificação,
alimentos
préhigienizados,
sucos).
Mercado
comercial
Tipo
Cooperativas
Familiares
Mercado
Institucional
Cooperativas
Familiares
de produção
de leite “in
natura”
Cooperativas
Familiares
Estrutura
Empresarial
Principal é o
mercado
institucional
formado pelas
Leis do PAA,
PNAE e
Compras
Institucionais
do Governo do
Estado.
Realizada
O principal alimento O principal é
pela própria
comercializado é o
para a indústria
diretoria, não
leite in natura, que é de laticínios e
especializada. recolhido na forma
algumas
Auxílio de
de linha de leite
possuem
escritório
para conseguir
beneficiamento
contábil.
maior volume.
de parte do
leite e faz
venda direta.
Possui equipe Laticínios,
grãos Mercado
contábil
(soja, milho, trigo),
comercial
própria,
produtos não
privado em
administração agrícolas,
geral, local e
setorizada,
(supermercado,
regional.
sistema
insumos
empresarial.
produtivos).
Fonte: Elaborado pelo autor
Região
identificada
de atuação
da UCP
Porto Alegre,
Frederico
Westphalen,
Erechim.
Frederico
Westphalen,
Erechim.
Frederico
Westphalen,
Erechim.
7 CARACTERIZAÇÃO DOS TIPOS DE COOPERATIVAS IDENTIFICADAS
Neste item, serão caracterizados os principais tipos de sistemas cooperativos
identificados nas regiões de atuação das UCPs de Porto Alegre, Frederico
Westphalen e Erechim.
7.1 TIPO 01 - COOPERATIVAS FAMILIARES MERCADO INSTITUCIONAL
Este tipo de sistema cooperativo foi encontrado nas três regiões estudadas.
São cooperativas relativamente novas, com fundação em torno de 6-7 anos, e
possuem em comum o seu foco comercial: os mercados institucionais (PAA, PNAE e
Compras Institucionais do Governo do Estado). Também comercializam com o
176
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
mercado privado, mas em menor grau, e sua forma de gestão e administração é
realizada pelos próprios agricultores que foram eleitos para a direção e conselhos.
Desta forma, observa-se uma grande dificuldade na parte gerencial neste tipo de
cooperativa. A parte contábil é realizada por um escritório contratado e que,
normalmente, possui pouco conhecimento sobre os diferenciais contábeis relativos
ao processo cooperativista, como o “ato cooperado” e as tributações. Os controles
administrativos são realizados de forma geral, não há setorização, o que também
causa dificuldades para o processo de gestão. Para atender as chamadas públicas,
as cooperativas, aos poucos, passam a diversificar a sua base produtiva, e iniciam o
processo de agroindustrialização de sua produção com a produção de sucos,
higienização e processamento de alimentos in natura e panificação. São
cooperativas com um número de cooperados que, na sua maioria, não ultrapassa os
300 associados, sendo, em geral, entre 20 e 100 cooperados. Pode-se observar que
este tipo de cooperativa assistida pelas UCPs demonstram ter uma maior resposta
em relação ao trabalho de extensão cooperativa e às ferramentas da MAT-Gestão.
7.2 TIPO 02 - COOPERATIVAS FAMILIARES DE PRODUÇÃO DE LEITE “IN
NATURA”
Este tipo de sistema cooperativo foi encontrado, principalmente, na área de
atuação das UCPs de Frederico Westphalen e Erechim. São cooperativas formadas
por agricultores familiares que possuem como base dos seus sistemas de produção
o leite. Como o sistema produtivo com base no leite é grande nestas regiões,
observa-se que estas cooperativas têm um grande intervalo na sua idade de
formação, que pode variar entre 2 anos e até mais de 20 anos. O foco principal
destas cooperativas é a comercialização da produção de leite in natura, de forma
cooperada, para alcançar maiores volumes e obter melhores preços de
comercialização. Como no tipo 01, estas cooperativas também têm a gestão
realizada pelos próprios agricultores que estão na direção e conselhos, e também
utilizam os serviços de escritórios contábeis terceirizados. O mercado comercial
principal são as indústrias de laticínios, e algumas já realizam o beneficiamento do
leite. Visto as dificuldades de gestão que a direção e os conselhos enfrentam, podese observar que estas são cooperativas que também necessitam de auxílio da
177
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
extensão rural cooperativa realizada pelas UCPs em um processo continuado, para
que possam desempenhar melhor as suas atividades.
7.3 TIPO 03 – COOPERATIVAS FAMILIARES COM ESTRUTURA EMPRESARIAL
Este tipo de sistema cooperativo foi encontrado principalmente na área de
atuação das UCPs de Frederico Westphalen e Erechim. São cooperativas
estruturadas com forma de gestão empresarial. A administração é setorizada e
possui equipe contábil própria. Trabalham com a comercialização de leite e
derivados, e de grãos em grande quantidade. Possuem, também, lojas,
supermercados e agropecuárias ligadas à cooperativa. Pode-se observar que, neste
sistema cooperativo, a aproximação com o sistema empresarial contribui para a
gestão da cooperativa, mas tem como resultado indesejado um afastamento do
agricultor cooperado na participação no processo de gestão. Observa-se, ainda, que
no processo de extensão cooperativa realizada pelas UCPs, com suas ferramentas
de gestão, estas possuem dificuldade em obter maiores resultados com este tipo de
cooperativa, principalmente dada a forma empresarial capitalista que este tipo de
gestão emprega.
8 ALGUMAS CONCLUSÕES
Neste artigo, foi possível situar e contextualizar o processo de extensão rural
cooperativa que está sendo desenvolvido no Estado através da Ascar/Emater na
atualidade. Também foi possível identificar que o processo de extensão cooperativa
e de extensão rural estão interligados, e que há um movimento de internalização da
extensão cooperativa na missão da Ascar/Emater, que pode ser evidenciada através
da formação das 7 Unidades de Cooperativismo.
Foi visualizada também a importância, neste processo, das políticas públicas
desenvolvidas pelo Governo Estadual, tendo como porta de entrada o Programa de
Extensão Cooperativa (PEC). Além disso, foi evidenciada a participação do
Ministério do Desenvolvimento Agrário/MDA neste processo, principalmente pelas
ferramentas oportunizadas pela MAT-Gestão.
Na análise dos resultados obtidos a partir da utilização dos conceitos do
enfoque sistêmico, foi possível construir, através de entrevistas com “informantes178
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
chave”, uma tipologia dos sistemas cooperativos, que são acompanhados pelas
UCPs de Erechim, Frederico Westphalen e Porto Alegre.
Neste exercício inicial, a “tipologia das cooperativas” contou com quatro
indicadores que conseguiram agrupar cooperativas através da sua forma de gestão,
do mercado comercial em que estão inseridos, alimentos que comercializam e
região onde são encontradas. Ressalta-se que a ideia central deste estudo, é a de
analisar se há contribuição do enfoque sistêmico para o processo de extensão rural
cooperativa. Nesta ótica, optou-se pela utilização dos indicadores que conseguiram
melhor desempenho no que tange ao agrupamento de cooperativas quanto à
dinâmica empregada pelas mesmas, sendo possível, em outros estudos, aprofundar
a análise e a utilização de mais indicadores.
Portanto, ao avaliar a utilização do enfoque sistêmico no processo
desenvolvido pelas UCPs, observa-se que foi possível construir uma tipologia dos
sistemas cooperativos implementados nas diversas regiões de atuação das UCPs,
e, dentro da tipologia, evidenciar grupos prioritários a serem assistidos pela
extensão cooperativa pública oferecida através da Ascar/Emater. Neste intuito, foi
positiva a utilização da tipologia como forma de “visualização” da dinâmica utilizada
pelos diferentes tipos de cooperativas, que, por sua vez, determinarão o trabalho a
ser empregado pela UCP em cada tipo de cooperativa.
A tipologia também possibilita que se possa definir tipos prioritários no
processo de extensão rural cooperativa, dado o grande número de cooperativas
rurais existentes e a capacidade das UCPs em assisti-las.
Finalizando, conclui-se que há campo para a utilização do enfoque sistêmico
no processo de extensão cooperativa desenvolvido pelas UCPs, principalmente na
definição do recorte prioritário de ação e na caracterização e análise dos tipos de
cooperativas dentro do espectro da atuação das UCPs. Este estudo inicial também
oportuniza a elaboração de mais estudos sobre o tema dos Sistemas Cooperativos e
a discussão sobre o processo de Extensão Rural Cooperativa.
179
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
Enfoque Sistêmico como Proposta Metodológica para Análise das Cooperativas Rurais
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180
Capítulo VIII - O Processo de “Extensão Rural Cooperativa” no Estado do Rio Grande do Sul e o
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181
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
PAGANELLI, Antonio Carlos Sperb 35
COTRIM, Décio Souza36
RESUMO
Este artigo descreve um dos principais sistemas de produção das propriedades de
agricultura familiar da região centro-sul do Rio Grande do Sul: a fumicultura.
Descreve três tipos básicos de agricultura existentes (camponesa, empresarial e
capitalista) e caracteriza a fumicultura, em relação a estes tipos de agricultura, como
sendo uma agricultura de estilo empresarial, dentro de propriedades de agricultura
familiar que mantêm características de agricultura camponesa. Aborda o papel de
uma cooperativa de agricultores familiares na dinâmica das trajetórias de
desenvolvimento da agricultura na região centro-sul do Rio Grande do Sul e
descreve o processo de recampesinização como sendo uma retomada de autonomia
e uma alternativa de desenvolvimento rural para a região. Por último, descreve que
futuro e qual trajetória de desenvolvimento os agricultores sócios da Cooperativa
Agropecuária de Sertão Santana esperam para ela.
Palavras-chave: Agricultura familiar.
Recampesinização. Fumicultura.
Cooperativismo.
Agroindústria
familiar.
ABSTRACT
This article describes one of the major production systems of the properties of family
farming of the south-central region of Rio Grande do Sul, which is tobacco farming.
Describes three basic types of existing agriculture (peasant, business, capitalist) and
characterizes the tobacco farming, in relation to these types of agriculture, as a
business style farming, within family farming properties that retain characteristics of
peasant agriculture. Addresses the role of a cooperative of family farmers in the
dynamics of the trajectories of development of agriculture in the south-central region
of Rio Grande do Sul and describes the process of re-peseantization as a resumption
of autonomy and an alternative of rural development for the region. Finally, we
describe future development path and what farmers partners expected of Agricultural
Cooperative of Sertão Santana.
Keywords: Family farming, Cooperatives, Family agro-industries, Re-peseantization,
Tobacco farming.
35
36
Engenheiro Agrônomo, Extensionista da EMATER/RS-ASCAR, Aluno do Curso de Especialização
em Gestão de Cooperativas da ESCOOP, e-mail: [email protected].
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
182
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
1 INTRODUÇÃO
A região centro-sul do Rio Grande do Sul é uma região com predominância de
propriedades de agricultores familiares que têm no cultivo do tabaco uma de suas
principais atividades econômicas. A fumicultura se caracteriza por ser um sistema
agrícola de estilo empresarial, dentro de propriedades de agricultura familiar que
mantêm algumas características da agricultura camponesa. É um sistema de
agricultura com estilo empresarial porque é fortemente integrado ao mercado,
altamente dependente de insumos externos e altamente especializado.
As propriedades da fumicultura mantêm características camponesas porque
têm na unidade familiar seu dimensionamento, administração e força de trabalho,
existe reciprocidade dentro da comunidade e algum grau de diversificação de
culturas. Muitas propriedades da região têm na produção do tabaco sua principal ou
até única fonte de renda, isto faz com que a produção para subsistência e
manutenção da propriedade fique em segundo plano, acarretando uma perda de
autonomia destes agricultores.
Já faz algum tempo que o cultivo do tabaco, como única fonte de renda das
propriedades da região, vem sendo questionado, já que esta é uma atividade que
cria uma dependência muito grande dos agricultores para com as empresas
fumageiras, por se tratar de um sistema integrado de produção, onde estas
empresas fornecem todo um “pacote” para a produção do fumo, além de garantir a
compra da produção, porém, com preços determinados por elas.
No sistema integrado de produção de fumo, os agricultores recebem das
indústrias fumageiras desde os insumos, tecnologia, assistência técnica, até a
garantia de comercialização da produção. Isto funciona como um entrave para a
diversificação de cultivos destes agricultores, que têm receio de entrar em atividades
onde tenham que buscar desde insumos, até formas de comercialização para novos
produtos. Esta troca de um mercado garantido, como é o do fumo, por atividades
que não vêm acompanhadas de toda a infraestrutura proporcionada pelas empresas
fumageiras, afasta os agricultores da diversificação, porém, esta é necessária e se
mostra cada vez mais urgente. Alguns dos motivos para a busca da diversificação
de culturas nas propriedades fumageiras da região são apresentados a seguir:
A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) é o primeiro tratado
internacional de saúde pública da história na Organização Mundial de Saúde e foi
183
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
adotada pela Assembleia Mundial da Saúde em maio de 2003 e entrou em vigor em
fevereiro de 2005, ano em que o Brasil aderiu à mesma. (BRASIL, 2006). O objetivo
da Convenção-Quadro é “proteger as gerações presentes e futuras das
devastadoras consequências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas geradas
pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco” (artigo 3º). Além de medidas
restritivas ao uso e publicidade do tabaco, a CQCT prevê que os governos e
entidades envolvidas busquem e ajudem a implementar alternativas econômicas
viáveis aos produtores que cultivam o tabaco para que, gradativamente, venham a
substituir este cultivo em suas propriedades.
Em 2001 foi iniciada uma discussão em âmbito regional, no território centrosul, mais precisamente, no fórum regional de desenvolvimento rural, onde foi
apontada a diversificação de culturas como diretriz para o desenvolvimento regional
frente à crise da fumicultura, devido à preocupação com o crescente combate ao
consumo do tabaco por órgãos de saúde e, mais tarde, pelo aumento da
concorrência mundial na produção de tabaco pelos países africanos. Este debate e
posicionamento pela diversificação de atividades agrícolas na região permanecem
até os dias de hoje.
Paralelamente a estes dois fatos citados anteriormente, a partir de um
Diagnóstico Rural Participativo (DRP) feito em 2000 junto às comunidades de
agricultores familiares de Sertão Santana, foram apontadas algumas demandas para
a região, dentre as quais, a necessidade de diversificação de atividades agrícolas no
município. A partir de então, foram enumeradas algumas atividades que poderiam se
tornar alternativas aos agricultores do município.
A viticultura, por ser uma atividade que teve importância na região, por se
adaptar ao clima, solo e tamanho de propriedades do município e pelo interesse
demonstrado por alguns agricultores no seu resgate, foi escolhida como prioridade a
ser trabalhada no município.
A partir da formação de um grupo de agricultores interessados na produção
de uva, a prefeitura de Sertão Santana, juntamente com o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais e a EMATER, decidiu apoiá-los com incentivos e assistência
técnica para dar início à atividade, e foi formada a Associação de produtores de uva
de Sertão Santana.
Durante dois anos o grupo produziu suco de forma artesanal e sem
certificação e conquistou visibilidade local e regional, conseguindo apoio dos demais
184
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
municípios da região que formam o Território Centro-Sul para, em 2009, pleitear
recursos junto ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), para a construção
de uma agroindústria para produção de suco de uva.
Os recursos vieram e, com a doação do terreno por um agricultor do grupo e
a contrapartida da prefeitura, a agroindústria foi construída. A forma escolhida para
administrar esta agroindústria foi a cooperativa, e, em 2011, foi formada a
Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana que, neste primeiro momento, trabalha
com a produção de suco de uva integral, com foco nos mercados institucionais e
local.
O objetivo geral deste artigo é explicar a dinâmica de duas trajetórias opostas
de desenvolvimento da agricultura, ou seja, explicar como acontecem os processos
de
industrialização,
representado
pela
fumicultura,
e
recampesinização,
representado pela diversificação de culturas e resgate de autonomia das unidades
produtivas da região. De forma mais específica, este artigo procura explicar como a
cooperativa de agricultores familiares pode interferir nestas trajetórias de
desenvolvimento escolhidas pelos agricultores.
A hipótese que norteia este trabalho é a de que esta cooperativa de
agricultores familiares pode ajudar na trajetória de recampesinização das
propriedades de seus associados e que este processo pode devolver a autonomia
perdida por estes agricultores na trajetória de industrialização da agricultura
representada aqui pela fumicultura.
Este artigo foi estruturado em quatro partes: num primeiro momento, há uma
contextualização da fumicultura na região como uma atividade empresarial inserida
em propriedades de agricultura familiar com características camponesas, e o que
esta atividade acarretou em termos de trajetória da agricultura rumo à
industrialização. A seguir, são descritas e apontadas as diferenças entre agricultura
camponesa, agricultura empresarial e agricultura capitalista, e as intersecções e a
dinâmica que ocorrem entre estes sistemas agrícolas. Num terceiro momento, é
apontada a influência que a Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana pode ter
nas trajetórias e dinâmicas destes diferentes tipos de agricultura, tendo como
hipótese a trajetória da recampesinização. Finalizando, temos a questão de como os
sócios da Cooperativa estão encarando este processo e qual o rumo que querem
dar a ela.
185
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
Para a realização deste trabalho, foi feita uma revisão bibliográfica com
autores que abordam o tema do desenvolvimento rural e da agricultura familiar e
também entrevistas com oito agricultores sócios da Cooperativa, além de outros
atores envolvidos no processo de sua formação.
2 A FUMICULTURA NA REGIÃO CENTRO-SUL DO RIO GRANDE DO SUL.
A planta do tabaco tem sua origem nos vales orientais da Bolívia e teve sua
propagação pelas Américas por migrações de seus habitantes nativos chegando ao
Brasil ainda em época anterior à colonização europeia. Esta planta se expandiu pelo
mundo através de marinheiros que já faziam seu uso durante as expedições
europeias na época da colonização das Américas.
Seu cultivo no Brasil começou na faixa litorânea dos estados da Bahia e
Pernambuco. A partir de 1751, o fumo passou a ser moeda de troca no comércio de
escravos, e seu cultivo comercial já abastecia os mercados interno e europeu,
surgindo, nesta época, as primeiras fábricas de rapé e charutos. A expansão do
cultivo de tabaco para a região sul se deu juntamente com a colonização alemã, que
tinha na pequena propriedade e no sistema de produção camponês suas
características mais marcantes.
Na segunda década do século 20, o cultivo do tabaco passa a ser realizado
no sistema integrado de produção, em que as empresas fumageiras dominam todas
as etapas de produção, desde o fornecimento de insumos, passando pelo
financiamento destes e da infraestrutura necessária ao cultivo do tabaco, como
construção de estufas para a secagem do fumo e depósitos para seu
armazenamento, até a assistência técnica para seu cultivo.
No sistema integrado, as empresas fumageiras garantem a compra da
produção do tabaco, porém, são elas mesmas que determinam o preço pago ao
produtor. Este processo tira a autonomia do produtor em relação ao que produz e
acarreta um forte vínculo deste com a empresa, principalmente quando possui
dívidas elevadas com esta, por financiamentos contraídos para infraestrutura e
custeio.
Durante entrevistas realizadas com produtores de tabaco da região, alguns
relataram que têm vontade de parar de produzir fumo, mas não o fazem por possuir
dívidas a longo prazo com as fumageiras que só conseguem pagar com a produção
186
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
de fumo. O nível de regulação do mercado pelas empresas fumageiras é tão grande
que, muitas vezes, ao acompanhar sua produção até sua entrega nas empresas, os
agricultores se veem obrigados a trazer seu produto de volta por não concordar com
o preço oferecido pela mesma, sem a menor chance de negociação.
O cultivo do tabaco na região é, então, um sistema de agricultura de estilo
empresarial, em que os agricultores têm sua produção totalmente direcionada ao
mercado, com alto nível de especialização e alto nível de dependência de insumos
externos e das indústrias fumageiras. Desta forma, este sistema vem de uma
trajetória de industrialização da agricultura, na qual o mercado prevalece sobre a
sustentabilidade das propriedades.
Na fumicultura, o agricultor é um produtor de insumos para a indústria e não
um produtor de um produto final com valor agregado, porém, esta agricultura tem
sua dimensão e formato dentro da unidade familiar, caracterizando-se como
agricultura familiar. Apesar de usar mão de obra contratada em determinados
períodos da safra, como no transplante de mudas e na colheita, o volume de
produção é determinado pela necessidade da família e sua capacidade de
administrar a lavoura, bem como pelo tamanho da propriedade desta unidade
familiar. Neste aspecto, este sistema difere um pouco da agricultura empresarial
clássica, em que os aumentos do volume e da área de produção são uma
necessidade e uma busca constante através da produção em escala.
O sistema atual de cultivo do tabaco é altamente especializado, ou seja, é
focado basicamente em um único cultivo e tem como resultado basicamente um
único tipo de produto, que, neste caso, é representado pela venda de fumo em folha,
apesar de existirem várias classes para este produto. Esta especialização, além de
fechar muito o leque de produtos ofertados ao mercado pelo produtor, muitas vezes
inviabiliza a manutenção de outros cultivos de subsistência na propriedade pelo alto
envolvimento de mão de obra que o fumo exige. Este fato ocorre principalmente
naquelas propriedades com alto grau de endividamento, que são obrigadas a
direcionar o trabalho quase que exclusivamente para a cultura do fumo para
conseguir saldar suas dívidas. Neste caso, ocorre um processo de descampinização
destas propriedades, com um distanciamento cada vez maior do modo camponês de
produzir, assunto que será tratado com mais detalhes no capítulo seguinte.
Outro problema enfrentado pelo sistema atual de produção de tabaco na
região é a ausência de sucessão nas propriedades. Isto ocorre em grande parte
187
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
porque os jovens encaram a fumicultura como uma atividade com alto grau de
penosidade. Aliado a isto, estamos vivenciando na região e no país um momento de
grande oferta de empregos no meio urbano, além de melhores condições para que
estes jovens possam estudar e seguir uma carreira na cidade, fazendo com que
percam o interesse em permanecer no meio rural. Desta forma, a sustentabilidade
destas propriedades ao longo das próximas gerações fica comprometida.
A atividade da agroindústria, nos moldes que está sendo adotada pela
Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana, pode ajudar nesta questão de
sucessão e sustentabilidade destas propriedades, já que é uma atividade com
menor grau de penosidade em relação ao fumo e que pode absorver mão de obra
feminina e dos jovens que estão fugindo do cultivo do tabaco.
3 A FUMICULTURA E A DINÂMICA DAS AGRICULTURAS.
3.1 AGRICULTURA CAMPONESA
Segundo Ploeg (2008), existem três tipos de agricultura e três trajetórias que
estas agriculturas podem seguir, e estas trajetórias caracterizam a chamada
dinâmica das agriculturas. Este capítulo torna-se importante para entendermos como
se caracteriza a agricultura praticada pelos fumicultores da região, que processos
levaram a este tipo de agricultura, e que trajetória estes produtores podem seguir a
partir da formação da Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana.
Primeiramente, cabe uma breve diferenciação entre agricultura familiar e
agricultura camponesa. Segundo Wanderley (1999, p. 34), na agricultura familiar “a
família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o
trabalho no estabelecimento produtivo”, e esta é, também, uma definição aplicável
ao campesinato. O que difere basicamente a agricultura camponesa da agricultura
familiar é o grau de integração com o mercado.
Na agricultura camponesa, os agricultores têm uma integração parcial a
mercados incompletos, segundo Abramovay (1992, p. 101) e também Ellis (1988, p.
10). Já na agricultura familiar há uma maior integração com o mercado. Segundo
Ellis (1988, p. 13), os camponeses, ao se integrarem plenamente ao mercado,
transformam-se em agricultores familiares. Isto é reforçado por Abramovay citado
por Ribeiro (2005, p. 5), quando afirma que a agricultura familiar, embora em alguns
188
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
casos possa resultar da evolução das formas camponesas, distingue-se dessa forma
social pela sua inserção em um ambiente marcadamente capitalista.
Cabe aqui deixar claro que a grande maioria das propriedades produtoras de
tabaco na região são propriedades de agricultura familiar que têm sua estrutura
baseada na agricultura camponesa, e se integram ao mercado através de uma
agricultura de estilo empresarial. Portanto, existiu uma transição chamada de
processo de descampinização, no qual a agricultura empresarial ocupou espaço da
agricultura camponesa em grau variável nas propriedades fumageiras.
A agricultura camponesa caracteriza, na sua forma de organização social, as
propriedades fumageiras da região, já que estas são, quase sempre, propriedades
familiares e utilizam mão de obra familiar ou terceirizada de pessoas da
comunidade. Nesta questão, outro fenômeno que ocorre na região é a chamada
troca de dias, em que produtores vizinhos de uma mesma comunidade fazem uma
espécie de mutirão itinerante entre as propriedades nos períodos de maior serviço,
como plantio e colheita. Assim, trocam dias de serviço entre si, economizando
gastos com mão de obra contratada. Este sistema indica um alto grau de
reciprocidade dentro da comunidade, fenômeno este característico da agricultura
camponesa.
O tamanho da propriedade familiar, ou sua área agricultável, é, muitas vezes,
o que determina a dimensão da área cultivada com fumo, ficando esta atividade
produtiva limitada à unidade familiar, assim como na agricultura camponesa. Por fim,
outro fato que identifica as propriedades de produção de fumo como de agricultura
camponesa é que a renda da fumicultura se mistura e é contabilizada junto com a
renda da família ou unidade familiar.
Uma das principais características desse tipo de agricultura é, muitas vezes,
a multifuncionalidade, sendo a mão de obra fundamentalmente familiar (ou
mobilizada dentro da comunidade rural através de relações de
reciprocidade) e pertencendo as terras e outros meios de produção
essenciais também à família. A produção é orientada para o mercado, mas
também para a reprodução da unidade agrícola e da família. (PLOEG, 2008,
p. 17).
3.2 AGRICULTURA EMPRESARIAL
A agricultura empresarial é um tipo de agricultura que teve seu grande
desenvolvimento nas décadas de 60 e 70, através da modernização da agricultura, a
189
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
chamada Revolução Verde. Nesta época, este tipo de agricultura era visto como a
solução para o desenvolvimento agrícola no Brasil e no mundo, porém, nos dias de
hoje, o paradigma da modernização está desacreditado. A agricultura empresarial é
encontrada em propriedades de agricultura familiar com alto grau de orientação para
o mercado.
Esse tipo de agricultura é, essencialmente (embora não exclusivamente),
baseado em capital financeiro e industrial (sob a forma de crédito, insumos
industriais e tecnologias), sendo sua expansão atual realizada,
basicamente, através do aumento em escala, uma de suas características
mais cruciais e necessárias. A produção é altamente especializada e
completamente orientada para o mercado. (PLOEG, 2008, p. 17).
Este
tipo
de
agricultura
tem
em
programas
governamentais
para
desenvolvimento da agricultura seus maiores incentivadores e difusores, isto porque
estes programas quase sempre possuem como objetivo um aumento da produção
agrícola através da modernização, e se utilizam de crédito rural aliado à introdução
de novas tecnologias externas como ferramentas para sua implementação. Isto leva,
via de regra, a uma dependência dos agricultores ao crédito, a insumos e a
mercados
altamente
regulados
e
globalizados.
Esta
situação
traz
certa
vulnerabilidade aos agricultores e lhes tira autonomia ao torná-los fortemente
dependentes destes mercados e insumos externos.
No caso da fumicultura, ocorreu exatamente este processo. As propriedades
que hoje cultivam tabaco têm em sua origem, mesmo que em gerações passadas,
uma agricultura diversificada com foco na autossuficiência e com ciclos produtivos
que se complementavam em harmonia com o ecossistema. Havia desde o cultivo de
alimentos para o consumo da família, para a manutenção das criações da
propriedade, até excedentes para a venda no mercado local. Nas décadas de 40 e
50, além de produzir para o autoconsumo, as propriedades familiares da região
centro-sul produziam excedentes que eram vendidos nas cidades próximas e
abasteciam os trabalhadores das grandes áreas de cultivo de arroz na planície
costeira.
Com a introdução do cultivo do tabaco, no sistema integrado, estas
propriedades foram perdendo aos poucos, em maior ou menor grau, sua autonomia,
colocando em risco até mesmo sua segurança alimentar, num processo de
industrialização da agricultura.
190
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
No caso dos sócios da Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana, pode-se
constatar que estes agricultores, mesmo antes da dedicação à produção de uva e
formação da Cooperativa, mantinham certa diversificação em suas propriedades,
mantendo também forte relação com a agricultura camponesa, apesar de praticarem
a fumicultura, uma atividade agrícola voltada ao mercado no qual o lucro é quem
manda. Hoje, com a ajuda da cooperativa, estes agricultores estão começando ou
reforçando um processo de recampesinização de suas propriedades, recuperando
sua autonomia.
3.3 AGRICULTURA CAPITALISTA
Um terceiro tipo de agricultura é a agricultura capitalista, que não se aplica
muito à região estudada nem às propriedades de agricultura familiar da região. Isto
porque, neste sistema, existe uma mercantilização de todo o processo de produção.
Tudo é mercadoria, desde a terra, insumos, até a mão de obra, que é totalmente
assalariada. Este é o tipo de agricultura praticada pelas grandes propriedades do
agronegócio voltadas à produção de commodities para o mercado externo
globalizado. É o tipo de agricultura que ajuda a formar os impérios alimentares que
provocam uma desconexão dos agricultores com os consumidores. A agricultura
empresarial, quando segue a trajetória da industrialização, tende a se transformar
em agricultura capitalista.
Quanto à dinâmica destes tipos de agricultura nas propriedades produtoras de
tabaco da região, podemos dizer que, via de regra, naquelas onde o grau de
especialização é elevado e praticamente só se planta o tabaco, ocorre maior
instabilidade econômica e maior grau de endividamento. Nestas propriedades,
existem anos em que os agricultores têm um bom lucro com o fumo por este estar
valorizado e terem uma boa safra, mas existem anos em que há uma queda no
preço internacional do fumo, acarretando problemas de preço e classificação do
produto e, então, entram em crise. Estas propriedades, que seguiram a trajetória da
industrialização e hoje se encontram vulneráveis e com pouca sustentabilidade,
podem seguir outras duas trajetórias: a da recampesinização, diversificando suas
atividades e recuperando sua autonomia através de uma agricultura mais
sustentável, ou a da desativação, que pode ocorrer quando o grau de endividamento
é tão grande que fica insustentável a manutenção da atividade, obrigando o
191
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
agricultor a desistir da agricultura. Nas propriedades dos sócios da Cooperativa, por
já terem um maior grau de diversificação e autonomia e por estarem num processo
de mudança de mentalidade quanto a mercados e forma de produzir, a trajetória da
recampesinização parece ser a mais provável e buscada.
4 COOPERATIVA E RECAMPESINIZAÇÃO
Uma das características principais do processo de recampesinização é o
resgate de autonomia, por parte dos agricultores, perdida no processo de
industrialização da agricultura. Este processo de industrialização, tratado como
responsável por esta perda de autonomia, refere-se aos grandes Complexos
Agroindustriais (CAI) que levam à mercantilização da agricultura, representados, no
caso da fumicultura, pelas indústrias fumageiras.
Ao contrário, pequenas agroindústrias familiares, como no caso desta
cooperativa, com produtos de alto valor agregado, produzidos de forma sustentável,
com a participação direta dos agricultores envolvidos e voltadas ao mercado local
através de cadeias curtas de comercialização, podem trazer esta autonomia de volta
aos agricultores familiares:
Trata-se de perseguir estratégias que possibilitem às famílias o máximo de
controle sobre os recursos necessários à sua reprodução de um lado e, de
outro, a construção de mercados que lhes possibilitem exercer a sua
agência, obter os rendimentos necessários e exercer o poder de controlálos constantemente, como são os mercados agroindustriais discutidos neste
trabalho, que na sua maioria são mercados locais de interconhecimento e
proximidade social. (GASOLLA; PELEGRINE, 2011, p. 134).
A Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana começou suas atividades há
dois anos e já processou duas safras de uva. Nesta primeira fase, o suco produzido
foi comercializado, na sua maior parte, através do PNAE¹37, para escolas da região,
através de suas prefeituras. Foi comercializado também em feiras e festas
municipais e pelos próprios sócios em suas propriedades.
Nestes mercados, fica caracterizada a opção por cadeias curtas de
comercialização, já que o caminho entre a produção e o consumo é próximo e quase
sem intermediários. Além disso, o preço conseguido nestes casos também é melhor
37
Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) - Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que
dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do programa Dinheiro Direto na Escola aos
alunos da educação básica.
192
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
que o dos mercados tradicionais. Ao optar por esta estratégia, os sócios da
Cooperativa estão conseguindo melhores mercados para colocar seu produto, e não
simplesmente mais mercados com aumento de produção em escala, mas com
preços menores.
Outro fator importante no modo camponês de produzir, buscado na
recampesinização, é a coprodução, que significa uma ruptura da dependência
exclusiva de insumos externos e da economia de escala através de uma visão
sistêmica da propriedade onde as atividades se complementam de forma
sustentável. Segundo Ploeg (2009), na coprodução o desenvolvimento da
propriedade se dá pela interação entre homem e natureza. A complementação das
atividades na propriedade, onde uma fornece insumos para outra, onde há
agregação de valor pela artesanalidade e há uma dependência menor de insumos
externos, constitui os atributos da coprodução.
Esta luta pela autonomia, que o campesinato compartilha com muitas outras
categorias sociais, articula-se no caso específico do campesinato, como
processo contínuo de construção, aperfeiçoamento, ampliação e defesa de
uma base de recursos autocontrolada, sendo a terra e a natureza viva
(cultivos, animais, luz solar, água) suas partes essenciais (Toledo,1992;
Sevilla Guzman e Molina, 1990). Com esses recursos (que não se
restringem apenas aos recursos naturais, mas que incluem um amplo leque
de recursos sociais, como, por exemplo, conhecimento local, redes sociais,
instituições específicas), os camponeses se inserem na coprodução.
(PLOEG, 2009, p. 23).
Alguns dos agricultores já estão praticando a coprodução, como exemplo,
temos a criação de ovinos que limpam o parreiral através do pastoreio ao mesmo
tempo em que fornecem a adubação necessária ao parreiral com seu esterco. Neste
caso, ocorre também que, ao vender o suco produzido na cooperativa em sua
propriedade, o agricultor vende também os seus cordeiros, uva in natura, vinho
colonial, mel e mais algum produto que tenha disponível, ou seja, um produto, além
de ajudar na produção do outro, ajuda também na sua comercialização. Em
entrevista com um dos sócios da Cooperativa, ele relata o seguinte:
Na época que tínhamos só o fumo, rodava muito dinheiro na atividade,
mas não sobrava tempo nem dinheiro para nada. Hoje com o suco e os
outros produtos como o peixe, o vinho e as ovelhas, temos tempo e
recurso até para passear de vez em quando. (Entrevista em 08 de 2013,
L.B, agricultor, sócio da Cooperativa).
193
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
Há um consenso entre os sócios da Cooperativa no rumo da diversificação
tanto em relação às suas propriedades, quanto em relação às atividades da
Cooperativa. Desta forma, pela complementaridade destas atividades e pela
utilização sustentável de recursos naturais e sociais, a Cooperativa se insere
juntamente com os agricultores na coprodução.
Os sócios da Cooperativa têm consciência de que estão apenas começando
um processo de mudança de mentalidade de produção em que, na fumicultura, há
mercado garantido, mas com alta dependência das empresas fumageiras que, além
de determinar a forma de produzir o fumo, determinam também o preço pago por
este produto, tirando a autonomia dos produtores.
Neste novo processo, terão que buscar mercado para seus produtos,
sabendo que terão de buscar melhores mercados, e não apenas mais mercados.
Sabem que terão que buscar melhores formas de aquisição de insumos ou, até
mesmo, reduzir a dependência destes através do desenvolvimento de atividades
que se complementem dentro da propriedade. Sabem que enfrentarão um ambiente
hostil numa agricultura globalizada e sob a influência de impérios alimentares.
Sabem que para enfrentar este ambiente hostil é necessário criar formas de
cooperação. (PLOEG, 2008).
Na lógica empresarial, o lucro e o mercado é que mandam, é um sistema
excludente, já no modo camponês e na moral camponesa a reprodução social e a
reciprocidade na comunidade ganham importância se sobrepondo ao lucro. Neste
quesito, a cooperativa, através de um de seus princípios, em que a valorização da
comunidade local tem grande importância, vem ao encontro desta moral e tem muito
a contribuir para o desenvolvimento desta comunidade.
Quanto ao tipo de mercadoria que a cooperativa está produzindo e virá a
produzir, há uma diferença brutal em relação ao fumo. Na fumicultura, os
agricultores são meros produtores de um insumo ou matéria-prima para a indústria,
já no caso do suco de uva integral e demais produtos a serem produzidos pela
cooperativa os agricultores passam a ser produtores de um produto final
diferenciado e com alto valor agregado.
Em essência, a recampesinização é uma expressão moderna para a luta por
autonomia e sobrevivência em um contexto de privação e dependência. (PLOEG,
2008, p. 23).
194
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
5 O FUTURO DA COOPERATIVA (TRAJETÓRIA A SEGUIR)
Nas entrevistas realizadas com os sócios da cooperativa, foi unânime a
compreensão de que a cooperativa lhes trouxe um aumento de autonomia,
principalmente pelo fato de que tiveram que aprender a buscar mercados para seu
produto e se organizar para isto, trazendo-lhes uma nova visão para um novo
sistema de produção, em que são os donos dos meios de produção, e no qual o seu
sucesso depende de seus próprios esforços. Todos os entrevistados apontam a
diversificação de produtos colocados no mercado como uma alternativa para a
Cooperativa e para suas propriedades.
A diversificação está a caminho, já que, recentemente, foram contemplados
com recursos do MDA, através de equipamentos para a produção de conservas e
doces de frutas, além de equipamentos para o processamento de mandioca
semiprocessada. A etapa seguinte para atingir esta diversificação é o aumento do
cultivo propriamente dito da matéria-prima para estes novos produtos, já que a
produção de culturas como a mandioca e o pepino, por exemplo, são basicamente
para subsistência e não têm ainda volume suficiente para atender a agroindústria.
Outro desafio é a construção ou aquisição de um prédio para abrigar estas novas
unidades com estes novos equipamentos, para, então, dar início às novas atividades
da Cooperativa.
Outro ponto em comum constatado nas entrevistas é quanto ao tamanho que
deve ter a Cooperativa em relação à abrangência e número de sócios. Os
entrevistados têm uma atuação bastante forte nas decisões e operação da
Cooperativa e têm consciência de que isto só é possível por que a Cooperativa tem
caráter regional e poucos sócios.
Eles têm consciência que um crescimento exagerado no número de sócios e
na abrangência da cooperativa pode distanciar os sócios do controle da mesma, o
que acarretaria perda de autonomia e do espírito cooperativo. Alguns manifestaram
que existem sócios que ainda enxergam a Cooperativa como uma simples
compradora de seus produtos, não tendo a sensação de pertencimento e
empoderamento sobre a mesma, isto se deve à mentalidade e à ótica mercantilista
da fumicultura e ao baixo espírito cooperativo existente na região, que não tem
tradição no cooperativismo.
195
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
A formação da Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana pode influenciar
e até determinar o rumo que a agricultura praticada por seus associados irá tomar.
De um lado, existe o processo de industrialização marcado pela especialização e
dependência do mercado, e, de outro, a recampesinização, em que o resgate de
autonomia, a formação de circuitos curtos de comercialização e a diversificação da
produção voltada à manutenção da família e necessidades da propriedade são
objetivos a serem alcançados.
Atualmente, a Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana tem um único
produto colocado no mercado e conta com 38 sócios. A partir daí, tem basicamente
duas trajetórias a seguir, opostas entre si e que serão descritas a seguir.
A Cooperativa pode seguir o caminho da especialização, ficando com um
único produto no mercado e, então, para ser competitiva e ter escala, terá que
buscar uma expansão de mercado e um aumento de produção. Para isto ocorrer,
provavelmente terá que aumentar muito o número de sócios, podendo até perder o
caráter regional. Este processo pode levar a uma perda de participação e do poder
de decisão dos associados pelo aumento demasiado do número de associados,
como ocorre normalmente nas grandes cooperativas de grãos.
Ao buscar outros mercados além do regional, é possível que o produto da
cooperativa enfrente grande concorrência de preços, o que levaria a uma menor
remuneração de seus associados. Ao optar pela especialização, através de um
único produto, além de ter sua estrutura ociosa na maior parte do ano, é provável
que os produtores fiquem mais vulneráveis às oscilações de mercado e mais
dependentes deste, o que acarretaria uma perda de autonomia, assim como na
fumicultura. Enfim, este é um caminho que não alteraria muito a condição de
dependência que tinham ou têm com a produção de fumo, ocorrendo, neste caso,
apenas uma substituição de produto num mesmo sistema.
Se a opção da Cooperativa for a de trabalhar com o mercado regional e
institucional, pode abrir seu leque de produtos para ter uma melhor utilização das
instalações da agroindústria que, atualmente, são ocupadas apenas por cerca de um
mês no ano. Além disso, não precisaria aumentar muito o seu número de sócios, o
que propicia a efetiva participação e poder de decisão destes na cooperativa.
Ao trabalhar com mercados institucionais regionais e cadeias curtas de
comercialização, a Cooperativa tem um menor custo de transporte de suas
mercadorias e melhores preços por seus produtos, podendo remunerar melhor seus
196
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
associados. A autonomia destes agricultores seria recuperada, pois teriam sua
produção diversificada, não ficando totalmente vulneráveis a oscilações de preços
de determinado produto. Além disso, suas propriedades e suas famílias poderiam ter
suas necessidades melhor satisfeitas pela produção mais diversificada, na qual os
cultivos se complementam e interagem, podendo ocorrer a coprodução.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana pode ser vista como o
coroamento de um processo participativo dos agricultores da região centro-sul, na
sua maioria produtores de fumo, que sentiram a necessidade de maior autonomia
em suas propriedades e que buscaram, através do associativismo e do resgate, por
vezes inconsciente, do modo camponês de produzir, uma nova perspectiva para
suas vidas pela conquista desta autonomia.
A Cooperativa está ajudando na mudança de projeto dos agricultores no que
diz respeito à sua maior autonomia. A crise que se anuncia no setor fumageiro exige
mudanças por parte dos fumicultores. Estas mudanças não significam uma mera
substituição do tabaco por outros cultivos que venham num sistema que cause
dependência a complexos agroindustriais, assim como em relação às empresas
fumageiras.
Estas
mudanças,
que
podem
vir
através
do
processo
de
recampesinização, são na direção de sistemas mais sustentáveis para as
propriedades da região, onde o mercado deixa de ser o único foco e a reprodução
social da família e a manutenção da propriedade ganham espaço.
A fumicultura é a principal fonte de renda da maioria das propriedades de
agricultura familiar da região. Apesar de certa instabilidade e com tendência de
redução gradativa, a atividade da fumicultura ainda garante renda a muitos
agricultores, mesmo causando dependência destes em relação às empresas
fumageiras. Estes agricultores têm certo receio de ingressar em atividades que não
possuem mercado garantido e nem o apoio técnico que recebem das fumageiras.
A diversificação de culturas e a formação da Cooperativa, não têm o papel
nem a pretensão de acabar com a fumicultura de uma hora para outra. Têm sim, o
papel de mostrar que existem alternativas viáveis para uma substituição gradual da
fumicultura por outras atividades que deem mais autonomia e sustentabilidade às
propriedades da região.
197
Capítulo IX - Cooperativa de Agricultores Familiares e Processo de Recampesinização em
Propriedades Produtoras de Tabaco: o caso de Sertão Santana
A Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana é um marco em um processo
que se iniciou pela necessidade de autonomia de um grupo de agricultores, que
buscou na produção de suco de uva uma nova atividade, que pode servir de
exemplo e prova não só de que existem alternativas para a região, além da
fumicultura, mas, também, de que existem outras formas de produzir com mais
sustentabilidade econômica, social e ambiental.
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198
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares
de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da
perspectiva orientada pelos atores?
LEITZKE, Volnei Wruch38
COTRIM, Décio Souza39
RESUMO
O presente trabalho objetiva verificar em estudo se a perspectiva orientada pelos
autores se aplica ao caso da Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas – a Coomafitt – a qual é formada exclusivamente
por agricultores familiares tendo como linha de comercialização os mercados
institucionais. Uma das características importantes desta organização é o forte
componente da participação e constante mobilização interna na busca de resolver
os problemas e buscar soluções. Nas analises realizadas pode-se afirmar que os
resultados obtidos pela cooperativa são explicáveis pela teoria explicitadas pela
POA.
Palavras-Chave: Cooperativa. Agricultura Familiar.
ABSTRACT
Este trabajo tiene como objetivo verificar si el estudio de perspectiva guiada por los
autores se aplica al caso de la Cooperativa de Agricultores Familiares Itatí tierra de
arena y tres bifurcaciones - el Coomafitt - que está formado exclusivamente por los
agricultores como de la comercialización en línea mercados institucionales. Una de
las características importantes de esta organización es el fuerte elemento de
participación y movilización interna constante para tratar de resolver los problemas y
encontrar soluciones. En los análisis realizados se puede afirmar que los resultados
obtenidos por la cooperativa son explicables por la teoría explicada por el POA.
38
39
Mestre em Agronomia; Graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Pelotas (1999);
Técnico em Agropécuaria pelo Conjunto Agrotécnico Visconde da Graça (1994). Tem experiência
na área de Agronomia, com ênfase em Ciência do Solo. Empregado da Ascar/Emater desde 2001.
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
199
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
1 INTRODUÇÃO
Em 06 de setembro de 2006 foi criada a Cooperativa Mista dos Agricultores
Familiares de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas - a Coomafitt -, com a missão de
promover o desenvolvimento, por meio da organização dos agricultores familiares e
da comercialização de produtos de qualidade com preços justos, para a melhoria da
qualidade de vida com responsabilidade social e ambiental. E tendo como visão à
organização da agricultura familiar comprometida com a melhoria da vida do
produtor (associado) e da comunidade, a partir da comercialização de produtos de
qualidade.
Para cumprir com a sua missão, e transpor, assim, sua visão de futuro, a mesma
está calcada em valores e princípios, os quais são: transparência, honestidade,
cumplicidade, parceria, participação, respeito às pessoas e ao ambiente, crítica
consequente, qualidade e gestão democrática.
Sua sede fica localizada no município de Itati/RS, tendo sob sua área de
abrangência, além deste, ainda os municípios de Terra de Areia e Três Forquilhas,
todos localizados no litoral norte do Rio Grande do Sul. Atualmente, a cooperativa
abrange 128 famílias de agricultores familiares, sendo que 57% são mulheres e dois
terços da atual diretoria são constituídos por pessoas com idade inferior a trinta
anos.
O estatuto social da cooperativa estipula que, no mínimo, 90% dos seus sócios
deverão, obrigatoriamente, estar enquadrados como beneficiários do Programa
Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf), ou seja, possuem DAP – que é a
Declaração de Aptidão ao Pronaf.
Em termos comerciais, a cooperativa coloca a produção agrícola dos associados
nos Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); nos municípios de Capão da Canoa
e Terra de Areia, e na modalidade de Doação Simultânea (DS), em Porto Alegre e
em Caxias do Sul, sendo ambos operados pela Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), mas com a intermediação dos municípios. Ainda para o
Governo do Estado do Rio Grande do Sul, comercializa para presídios localizados
nos municípios de Canoas, São Leopoldo e Encruzilhada do Sul.
200
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
No Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) atua nos municípios de
Itati, Terra de Areia, Três Forquilhas, Capão da Canoa, Imbé, Tramandaí, Caxias do
Sul, Porto Alegre, São Leopoldo, Sapiranga, Estância Velha e Montenegro,
chegando a 47.000 beneficiários em PAA’s e 175.000 beneficiários em alimentação
escolar, entregando em mais de 400 pontos distintos a cada 15 dias. Esse
movimento resultou, no ano de 2012, em um faturamento de R$ 1,4 milhão, no
conjunto de suas atividades.
Para superar os números de público atendido e o faturamento, considerando
ainda que a mesma atua somente com seis agroindústrias, as quais são de açúcar
mascavo, de melado, de aipim descascado e de panificados, existe a necessidade
do entendimento dos processos internos da cooperativa.
1.1 ESTRUTURAÇÃO DA COOPERATIVA
O processo inicial de constituição da Cooperativa remonta ao ano de 2002,
quando, por influência de um programa estatal chamado RS Rural, originou a
organização de um grupo de oito agricultores que, dedicados à produção de mel,
construíram uma unidade chamada “Casa do Mel”. O processo ali iniciado, com
muitos debates e tentativas de compreensão dos sistemas de monitoramento
sanitário levou o grupo a entender que a produção do mel, atendendo a todas as
exigências sanitárias e fiscais para aquele reduzido grupo, tornar-se-ia algo inviável,
mesmo possuindo equipamentos da mais alta tecnologia, por exemplo: uma
operculadora, que é um equipamento capaz de elaborar cera alveolada com a
precisão espacial definida pela biologia das abelhas.
Portanto, mesmo constituindo um grupo coeso, com clareza de objetivos, com a
noção de limites e dificuldades, houve a compreensão de que o mel e seus
derivados não seriam suficientes para superar a dificuldade de comercialização e a
sua inserção no mercado. Sendo assim, e considerando a característica de
produção de cada um, este grupo de pioneiros buscou a agregação com outros
grupos que produziam outros produtos, ou um conjunto de pessoas que tinham o
mesmo interesse, e que buscavam algum espaço para iniciar a comercialização.
Somam-se a esse fato dois episódios ocorridos nesta comunidade: o
asfaltamento da Rota do Sol, no final de 2004, o qual propiciou a abertura de um
201
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
grande número de “tendas de comércio” na beira da RS – Rota do Sol – e a
implementação do PAA, ainda que em fase inicial, no ano de 2005, somado ao
acesso ao Pronaf Infraestrutura, que possibilitou aumentar o prédio e a aquisição de
um veículo. Ambas as situações criaram condições para que esse grupo inicial
abrisse espaço para outros grupos se inserirem no debate, ou seja: havia um grupo
de produtores de mel que, pressionados pela legislação, tinham problemas em se
arriscar no mercado. Ao mesmo tempo em que uma política estatal beneficiava a
compra e a outra, em complementaridade, financiava a estrutura, o grupo entendeu
que deveria se abrir a outros grupos, a fim de viabilizarem seu projeto econômico.
Dessa compreensão e com o apoio da extensão rural oficial, o grupo identificou
e buscou um caminho alternativo, o qual seria a construção de processos que
adicionassem, além da produção do mel, outras formas ou sistemas de produção
locais que pudessem utilizar cada uma das potencialidades, transformando-as em
avanços do processo coletivo.
Do debate coletivo e do entendimento de que um produto em específico não
seria o encaminhamento estratégico possível, esse grupo inicial, considerando já
possuir área, prédios e algum conhecimento, se abriu a um processo mais amplo.
Ou seja, abriu a pequena associação aos demais grupos e construíram um processo
que levou à construção de uma cooperativa, considerando, assim, os diferentes
grupos e interesses possíveis existentes.
Este processo de entendimento se iniciou em 2004 e teve seu ápice no ano de
2006, com a criação da Comafitt. Portanto, quando da constituição da Cooperativa,
estavam claros e delimitados alguns espaços que se organizaram, não
necessariamente por ordem de importância ou prioridade, mas exemplificando:
Grupo 1: Mel; Grupo 2: Açúcar Mascavo; Grupo 3: Panificados; Grupo 4:
Olericultura; Grupo 5: Citros e demais frutas temperadas; Grupo 6: Banana; Grupo 7:
Frutas tropicais (abacaxi e maracujá); Grupo 8: Agroindústrias e Grupo 9: demais
atividades.
O grupo 1, do mel, por ser o grupo pioneiro, apresentava, inicialmente, mais
clareza de suas limitações, dificuldades e compreensão de como se inserir no
mercado, até porque, sob a ótica da legislação, entendia a sua inviabilidade
enquanto grupo.
O grupo 2, do açúcar mascavo, apesar de possuir uma produção tradicional da
202
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
região, não detinha o reconhecimento perante a legislação sanitária, fiscal e
ambiental para o exercício da atividade.
No grupo 3, dos panificados, havia uma série de problemas de origem do
produto, limitações fiscais e de estrutura que impossibilitavam a sua inserção no
mercado.
O grupo 4, da olericultura, por apresentar produtos de consumo in natura, como
a alface, cenoura, beterraba, milho verde, abóbora, dentre outros, não apresentava,
num primeiro momento, nenhum empecilho além da escala de produção e
quantidades.
O grupo 5, de citros e demais frutas temperadas, possuía volume, quantidade e
época definida, apresentava-se como um grupo estável.
O grupo 6, da banana, por ser um fruto climatérico e necessitar de uma série de
procedimentos anteriores ao consumo e, também, por assumir ao longo da
constituição da cooperativa um peso considerável, exploraremos em um capítulo em
separado.
O grupo 7, das frutas tropicais, como abacaxi e maracujá. Notadamente o
abacaxi, por ser produzido nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, e assim
sofrer uma forte concorrência na época do turismo de praia, bem como também ser
produzido em épocas em que as compras institucionais sofrem uma drástica
redução, sofreu ao longo dos anos da cooperativa uma relevante diminuição de sua
importância. O maracujá, por sua vez, tem sua expansão limitada à capacidade do
público beneficiário de entender sua importância.
O grupo 8, dos agroindustrializados, têm, como destaque, os produtos que se
originam da mandioca, como os farináceos e o aipim congelado, sendo que,
tradicionalmente, o litoral norte era conhecido como produtor de mandioca e farinha,
porém esse espaço foi sendo perdido ao longo dos anos. A produção avançou com o
produto descascado, congelado e licenciado pelos órgãos de saúde, mesmo que
necessitando um volume relativamente maior de mão de obra.
Em relação ao grupo 9, o mesmo engloba produtos de escala ou consumo
reduzido, porém importantes na diversificação e de grande relevância para
determinadas famílias, como a produção de temperos (salsa, cebolinha, alho, etc.),
os quais também auxiliam na diversificação de produtos oferecidos pela cooperativa,
mas de valor agregado baixo.
203
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO GERAL DO SISTEMA DE PRODUÇÃO DA BANANA, O
GRUPO SEIS
A banana é um fruto climatérico, ou seja, o fruto é colhido verde e necessita
passar por fases ou processos de amadurecimento, nos quais se submete a fruta a
gazes de aceleração da maturação em câmaras herméticas, com controle de
temperatura e volume de gás etileno – responsável pelo amadurecimento.
Este procedimento necessita, em média, de sete dias, entre a colheita, o
amadurecimento e estar pronta para a comercialização. É o fruto de maior produção
da Coomafitt. Do potencial de produção dos seus 128 membros associados, cerca
de 60% produzem essa fruta, que atinge um total de 900 mil toneladas produzidas,
sendo que a cooperativa comercializou, em 2012, algo em torno de 400 mil
toneladas.
A banana, de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação de Produtos de
Origem Vegetal, apresenta classificação de comercialização com parâmetros
definidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que, de
forma universal, define a classificação dos produtos de origem vegetal e animal para
o país todo. Porém, a cooperativa, bem como seus associados, está localizada em
área marginal, em termos de condições climáticas aos sistemas tradicionais de
produção, e, considerando os programas como o PNAE e PAA, que beneficiam
produções locais, mas que também forçaram a comercialização em unidade de peso
e não por volume. Deste modo, a cooperativa se viu obrigada a desenvolver
processos internos de classificação e normatização de sua produção. Assim como
uma logística de climatização, embalagem, classificação e distribuição da produção.
E considerando, ainda, que dentre os sócios produtores de banana, assim
como em toda a região, predominava uma disputa acirrada em relação ao mercado e
com os intermediários, principalmente em relação à classificação e ao peso das
caixas de plástico para o transporte dos produtos, uma vez que os intermediários
utilizavam como padrão as caixas de vinte quilos, sobretaxando estas em até quatro
quilos por caixa com a justificativa de que este era o valor quantitativo perdido no
próprio processo de climatização, ou seja, além de serem penalizados na
classificação, os agricultores eram também lesados no peso por unidade.
204
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
1.3 O PROCESSO PARTICULAR DE CONSTRUÇÃO DO GRUPO DA BANANA NA
COOMAFITT
Para a sequência do entendimento do processo se faz necessário outro corte
temporal. Quando da criação da cooperativa, os cooperados construíram um “ponto”
de comercialização direta ao consumidor junto à “Rota do Sol”. Este “ponto”
manteve-se em atividade de outubro de 2007 até março de 2008, porém, com
extrema dificuldade de operacionalização e funcionamento, gerando inclusive perdas
financeiras e uma série de conflitos internos advindos não só da falta de organização
interna, mas também da pressão do mercado e dos intermediários sobre os
agricultores.
Esse processo de tentativa de comercialização foi desativado na Assembleia
Ordinária de março de 2008, quando ficou claro que, ou a cooperativa buscava
outras formar de se organizar internamente dividindo os grupos por produtos com
suas diferentes limitações, ou se tornariam inviáveis frente ao mercado tradicional e
o institucional que se avizinhava.
Ainda é oportuno ressaltar aqui duas questões importantes que naquele
momento balizavam a ação da cooperativa. Primeiro, este período de março de
2008 até dezembro do mesmo ano, que foi para o grupo um grande laboratório,
porque se iniciava, neste período, efetivamente, a implantação tanto do PAA quanto
do PNAE, embora ainda em taxas reduzidas, fato que criou a necessidade de “um
tempo” para que ocorresse um processo todo de articulação interna. Segundo, existe
uma questão fundamental nestes programas institucionais de compra de alimentos,
porque na hora que um determinando grupo ou cooperativa assume um
compromisso de comercialização junto a outra entidade – Prefeituras Municipais,
Conab, Escolas Estaduais e Presídios –, estes, basicamente, além de assumir a
entrega dos mesmos, também definem uma calendarização em termos de
quantidade e qualidade para serem entregues ao longo da vigência do contrato, os
quais variam de mensais, bimensais, semestrais ou anuais. Ou seja, existe uma
pactuação entre fornecedores e compradores sobre a qualidade do produto que se
está negociando.
Além disso, ainda que os agricultores sócios consigam manter a qualidade de
seus produtos, mesmo tendo uma limitação de produção, pois estão localizados em
205
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
uma região que não se apresenta claramente como de clima tropical e/ou
temperado, essa produção não alcança – como no caso da banana – as
especificações técnicas válidas para o território nacional, ou seja, especificações
como tamanho, comprimento da fruta, cor da casca, formato, entre outros. Criou-se,
assim, via o artifício da amostra, condições de comprometimento de qualidade e
volume do produto a ser entregue.
Este artifício, somado ao “tempo” que a cooperativa possuía, levou a que os
grupos conseguissem se articular internamente e encaminhar soluções negociadas
para a superação dos problemas. No caso específico do grupo da banana, por
exemplo, foi realizada uma série de atividades, as quais tentavam entender seu
próprio sistema de produção, assim como o produto originário desta.
Dentre as atividades realizadas, pode-se citar a aplicação de ferramentas de
diagnóstico participativo, como a leitura de paisagem, a qual explicou por que a
produção de banana de Terra de Areia apresentava-se em melhores condições que
a dos outros municípios; a montagem de unidades de observação para determinar,
naquelas condições, a perda de peso e volume, em face ao processo de
climatização; a criação de um sistema coletivo próprio de classificação da banana,
ou seja, estimulados pelo processo de “amostra”, foi criado, aos moldes da
classificação oficial, um modelo que classifica a produção da cooperativa, a partir da
produção individual.
A cooperativa conseguiu obter a informação de qual volume pode comercializar
e em quais tipos de classificação, assim como a introdução de algumas tecnologias
simples, como o manejo de desbaste, a utilização de embalagens plásticas no
ensaque do cacho, melhorando o desenvolvimento da fruta, a readequação da
densidade e a introdução de outras variedades de cultivares.
Estes processos de mediação, negociação e adequação ou criação de outros
modelos, foram elaborados e construídos a partir de uma série de atividades, como
encontros, reuniões, debates, visitas técnicas e excursões. Tais processos têm sido
mantidos desde a origem até a presente data, e permitiram alterações técnicas como
a adoção de classificação, peso e preço para o mercado regional, ou seja, não mais
somente aos sócios da cooperativa, mas, sim, tornam-se referência de preços e
custos que extrapolam a ação interna da cooperativa.
Assim, além da alteração no tipo de caixa, que passou de 20 kg para 10 kg, e do
206
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
ganho financeiro, o processo também abriu caminho para que, hoje, os agricultores
possam, depois da colheita do fruto e ainda na propriedade, realizar a classificação,
colocar as frutas nas caixas e preencher o bloco do produtor. No modelo
convencional, era o intermediário que classificava, embalava e pesava o produto. Na
atualidade, os transportadores da cooperativa somente confirmam ou atestam a
conformidade do processo.
Ainda em relação ao preço da banana, este é definido coletivamente em
reuniões periódicas e de validade semestral, considerando todo o processo que vai
desde a produção até a entrega ao consumidor final. Esse debate que organiza a
produção, define as estratégias de classificação, volume, preços, logística de
entrega e comercialização, a qual apresenta um elevado grau de complexidade e a
necessidade, em vários momentos, de investimentos, como a aquisição de caixas
para o acondicionamento e o transporte da fruta, bem como de câmara de
climatização, demonstra a clareza do grupo em sua organização. Cabe lembrar que
a cooperativa se constitui via vários outros grupos de interesse por produto, os quais
também apresentam organização aproximada ao exemplo citado. Esses se
relacionam, necessariamente, entre si, a fim de que o interesse de determinado
grupo não se sobreponha ao do outro. A Coomafitt se posiciona nas relações
externas como um grupo único, sendo, na verdade, os resultados dos acordos e
embates internos que são constantemente mediados e dialogados entre os
indivíduos e seus grupos.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
As agriculturas tradicionais possuem alto grau de diversidade, tanto do ponto de
vista ecológico como biológico-evolutivo, sendo representado pela estrutura
policultural do sistema de produção, a diversidade de espécies utilizadas e a
diversidade genética de determinado lugar. (BUTTEL, 1995). Ainda segundo este
mesmo autor, existem mecanismos de configuração social dessa diversidade
através da seleção ativa e direcionada realizada pelo homem para equilibrar seus
objetivos, como segurança de produção, produção de alimentos, diminuição dos
riscos e redução da penosidade do trabalho.
Para além da agricultura, no seu estrito senso como produção de alimentos e
207
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
fibras, também existem conhecimentos e estratégias desenvolvidas entre os
agricultores, os arranjos comunitários que propiciam a organização do mercado e
das várias funções sociais, desde as religiosas, até as de gestão da coletividade.
Esse processo de coprodução se caracteriza como o encontro em curso de
interações e da transformação entre o que é sociedade e o que é natureza.
(COTRIM, 2013).
Cotrim (2013) ainda salienta que o acúmulo de conhecimento e o próprio
processo de produção do conhecimento local estão ligados aos tempos naturais e
perpassam um conjunto de regras e costumes aceitos socialmente, sendo que esses
diálogos dentro dos espaços comunitários utilizam elementos da comunicação oral e
estão cercados de regras e tradições locais.
Os sistemas biológicos têm potencialidades agrícolas que são captadas pelos
agricultores em um procedimento de observação e aprendizado, gerando
conhecimento seletivo e cultural. Nesse processo de coevolução dos sistemas
sociais e culturais, existe uma dependência estrutural entre eles, ou seja, a evolução
da cultura do homem pode ser explicada pela relação ambiente-cultura e vice-versa.
(NORGAARD, 1989).
Sendo assim, é possível a percepção de que cada agricultor é um ator que
elabora e reelabora suas experiências e as dos outros na construção de suas
práticas e de seus projetos individuais. Essa noção de agricultor se afasta da
percepção de um sujeito simples, replicador de técnicas agrícolas para a produção
de alimentos. (LONG, 2001; PLOEG, 2003).
Ainda segundo Buttel (1995), citado por Cotrim (2013), o conhecimento
construído socialmente sobre o sistema de produção é acumulado e transmitido
através do estabelecimento de procedimentos e critérios, para ajustes por meio da
experimentação e seleção. A troca entre os atores desse conhecimento é conduzida
por uma rede de confiança e de compadrio, prioritariamente por um sistema de
comunicação oral, em uma relação direta entre os agricultores nas redes
sociotécnicas dentro das comunidades. Essa transferência de saberes ocorre na
área local formada por diversos espaços comunitários, como os salões das
localidades, igrejas, casas paroquiais, entre outros, ou seja, os atores se
manifestam, trocam, debatem e se afirmam em espaços que podem ser chamados
de arenas.
208
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
Se, portanto, um indivíduo é considerado um ator e este se expressa em
diferentes espaços chamados arenas, é importante buscar melhorar a compreensão
do que é o ator e suas relações sociais. Para tanto, uma das possibilidades teóricas
que busca estudar isto é a Perspectiva Orientada pelo Autor (POA). Dentro da POA,
algumas conceituações são importantes para a sua compreensão, sendo que os
conceitos de ator e de arena – que já foram acima explicitados – são fundamentais,
porém, como se dá a manifestação deste indivíduo que enquanto ator se expressa
dentro das arenas? Isto porque se o ator é algo não passivo, como acima foi
afirmado, este tem uma capacidade de agência, ou seja, conforme Giddens (1984),
a agência atribui ao ator individual a capacidade de processar a experiência social e
de delinear formas de enfrentar a vida, mesmo sob as mais extremas formas de
coerção. Ainda seguindo o mesmo raciocínio, os atores sociais – dentro dos limites
da informação, da incerteza e de outras restrições (físicas, normativas ou políticoeconômicas) existentes – são “detentores de conhecimento” e “capazes”. Eles
procuram resolver problemas, aprender como intervir no fluxo de eventos sociais ao
seu entorno e monitorar continuamente suas próprias ações, observando como os
outros reagem ao seu comportamento e percebendo as várias circunstâncias
inesperadas (GIDDENS, 1984).
Segundo Schneider (2011), uma vantagem da abordagem centrada nos atores é
que ela parte de um interesse em explicar respostas diferenciadas a circunstâncias
estruturais similares, mesmo que as condições pareçam relativamente homogêneas.
Portanto, presume-se que os padrões diferenciais que emergem são, em parte,
criados pelos próprios atores.
Os atores sociais não são vistos meramente como categorias sociais vazias
(baseadas na classe ou em outros critérios de classificação) ou recipientes passivos
de intervenção, mas, sim, como participantes ativos que processam informações e
utilizam estratégias nas suas relações com vários atores locais, assim como com
instituições e pessoas externas. Os diferentes padrões de organização social que
emergem resultam das interações, negociações e lutas sociais que ocorrem entre os
diversos tipos de atores. Os últimos incluem não só as lutas presentes em
determinados encontros face a face, mas também as ausentes, mas que, não
obstante, influenciam a situação, afetando ações e resultados, ou seja, os atores
sociais têm capacidade de se manifestarem em arenas sociais através da sua
209
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
capacidade de atuarem enquanto agência. (LONG, 2001; PLOEG, 2003; SCHEIDER,
2011).
Em termos gerais, Giddens (1984) destaca que a agência não diz respeito às
intenções que as pessoas têm para fazer determinadas coisas – a vida social é
cheia de diferentes tipos de consequências involuntárias com ramificações variáveis
–, “mas primeiramente à sua capacidade de fazer essas coisas”... A ação depende
da capacidade do indivíduo de “causar uma mudança” em relação a um estado de
coisas ou curso de “eventos pré-existente”. Isso implica que todos os atores
(agentes) exercem um determinado tipo de poder.
Para Giddens (1985), a agência requer capacidades de organização e não é
simplesmente o resultado de certas capacidades cognitivas e poderes persuasivos.
Por conseguinte, a agência efetiva requer a geração/manipulação estratégica de
uma rede de relações sociais e a canalização de itens específicos. Clegg (1989)
coloca essa ideia da seguinte forma: para alcançar a agência estratégica é
necessário disciplinar o entendimento de outras agências.
Reconhecendo que os atores são o centro das decisões e das ações, Hindess
(1986) desenvolve ainda mais esta discussão, salientando que a tomada de
decisões implica o uso implícito ou explícito de “meios discursivos” na formulação de
objetivos e na apresentação dos argumentos para as decisões tomadas. Esses
meios ou tipos de discurso variam e não são simplesmente características inerentes
aos próprios atores: eles formam uma parte do estoque diferenciado de
conhecimento e de recursos à disposição dos atores de diferentes tipos. Uma vez
que a vida social nunca é tão uniforme ao meio em que cada ator está envolvido.
Cotrim (2013) afirma que do arcabouço teórico da perspectiva orientado pelos
autores destaca-se a noção de projetos dos atores para melhor compreensão dos
processos de desenvolvimento. Os atores, a partir das regras e costumes ligados à
cultura do grupo social, constituem em arena específica, ou seja, o espaço de
interface entre os atores, os seus projetos formados pelas articulações das práticas
sociais. Cada projeto individual é articulado com projetos, interesses e perspectivas
de outros atores dentro de um complexo de arenas interlaçadas. O projeto social é o
conjunto socialmente negociado das escolhas dos projetos individuais dos atores
gerando naturalmente uma ampla diversidade dentro do grupo. (LONG, 2001).
Assim, ainda segundo o mesmo autor, os projetos dos atores entram em luta ou
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Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
disputa, configurando a noção de articulação de projetos. Nessa ação, na interface
entre os atores, lança-se mão de estratégias, de recursos, de um repertório de
discursos e modos de argumentação, no sentido de busca de hegemonia.
3 REFERENCIAL METODOLÓGICO
A coleta de informações partiu de entrevistas semiestruturadas com os
associados, diretoria atual e ex-diretores, assim como técnicos da extensão rural
oficial, além de participação em assembleias e reuniões. Também foram analisadas
as atas, tanto das Assembleias Ordinárias e Extraordinárias como dos Conselhos de
Administração e Fiscais e dos diferentes grupos da Cooperativa. Partiu-se, também,
da análise e acompanhamento da Elaboração do Planejamento Estratégico e dos
balancetes demonstrativos anuais, assim como da experiência do autor em vivenciar
parte importante deste processo.
4 DESENVOLVIMENTO E CONCLUSÃO
Quando se compara os processos desenvolvidos pela Coomafitt ao longo dos
anos com os pressupostos da Perspectiva Orientada pelo Autor, verifica-se grande
similaridade entre estes processos, ou seja, considerando que os agricultores
familiares da mesma possuem alto grau de diversidade, tanto do ponto de vista de
produção quanto de estrutura e capacidade de produção, a qual está de acordo com
o que Butell (1995) afirma.
Da mesma forma, existem conhecimentos e estratégias desenvolvidas pelos
agricultores que visam à organização do mercado e da gestão via coletividade, o
que se aproxima das ideias de Cotrim (2013).
Ainda conforme Long (2001) e Ploeg (2003), é possível se entender claramente
a percepção dos agricultores, de que estes se comportam e se enxergam como
atores que elaboram e reelaboram suas experiências e as dos outros na construção
de suas práticas e de seus projetos individuais, fugindo completamente da noção de
ser o agricultor um sujeito simples, replicador de técnicas agrícolas para a produção
de alimentos.
Ainda analisando e comparando o grupo da banana na Coomafitt, verifica-se
que, sim, existem espaços de debate e acúmulo de experimentação, validação e
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Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
aceite de práticas que foram sendo desenvolvidas e utilizadas pelos agricultores, ou
seja, os atores agricultores se manifestam, trocam, debatem e se afirmam em
diferentes espaços, que foram sendo construídos e mantidos dentro da organização,
independente do nível – se no grupo ou entre os grupos da mesma –, através da
constituição e da manutenção de diferentes arenas.
Ao mesmo tempo em que estes atores dentro da cooperativa tiveram espaço
para o debate e a formulação, verifica-se claramente a sua capacidade de agência,
tanto dentro dos grupos quanto fora, haja vista as relações e inter-relações entre os
mesmos, mesmo com as incertezas externas. Estes agricultores conseguiram
resolver seus problemas, aprenderam a intervir no fluxo de eventos sociais ao seu
entorno e monitoraram continuamente suas próprias ações, observando como os
outros reagem ao seu comportamento e percebendo as várias circunstâncias
inesperadas, de acordo com o que Giddens (1984) defende.
Os resultados obtidos pela cooperativa demonstram claramente que os atores, a
partir das regras e costumes ligados à cultura do grupo social, constituíram-se em
arenas específicas, onde seus projetos formados pelas articulações das práticas
sociais, ou seja, pela interface entre os atores, tiveram a habilidade de, mesmo
considerando seus projetos individuais, se articular com projetos, interesses e
perspectivas de outros atores dentro de um complexo de arenas interlaçadas, bem
como defende Long (2001). Sendo assim, construíram um projeto social negociado
partir dos projetos individuais dos atores.
Portanto, mesmo que preliminarmente, em resposta ao questionamento inicial do
título do artigo em que se questionava se o caso em questão, sobre os resultados da
Coomafitt, era um acaso ou a expressão da perspectiva orientada pelos atores,
pode-se afirmar – considerando as premissas da POA – que esta alcança sólidos
resultados e que estes são explicáveis pela referida perspectiva.
REFERÊNCIAS
BUTTEL, F. Transiciones agroecológicas em el siglo XX: analises preliminar.
Agricultura y Sociedade, Madrid, n. 74, p. 9-38, 1995.
CLEGG, R. Frameworks of power. London: Sange, 1989.
COTRIM, D.S. O estudo da participação na interface dos atores na arena de
construção do conhecimento agroecológico. 244 f. 2013. Tese (Doutorado) -212
Capítulo X - Estudo de Caso: COOMAFITT – Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati,
Terra de Areia e Três Forquilhas: um acaso ou a expressão da perspectiva orientada
pelos atores?
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural - PGDR/UFRGS,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
GIDDENS, A. Central problems in social theory: action structure and contradiction
in social analysis. London: Macmillan, 1979.
HINDESS, B. Actor and social relations: In: WADDEL, M. I. FURNER, S. P. (Ed.).
Sociological theory in transition. Boston: Alien & Unwim, 1986.
LONG, N. Development sociology: actor perspectives. London: Routledge, 2001.
NORGAARD, R. B. A base Epistemológica da agroecologia. In: ALTIERI, M. A.
(Org.). Agroecologia: a base científica da agricultura alternativa. Rio de Janeiro:
PTA: FASE, 1989. p. 42-48.
PLOEG, J. D. The virtual farmer. Assen: Van Gorgum, 2003.
SCHNEIDER, S.; ESCHER, F. A contribuição de Karl Polany para a sociologia do
desenvolvimento rural. Sociologias, Porto Alegre, ano 13, n. 27, maio/ago. 2011.
SCHNEIDER, S.; GAZOLLA, M. Os atores do desenvolvimento rural: perspectivas
teóricas e práticas sociais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011.
213
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos
associados
MEDINA, Roberta Beiersdorf40
COTRIM, Décio Souza41
RESUMO
Este trabalho traz uma análise da Cooperativa Mista Aceguá Ltda (CAMAL), e visa
relatar a influência da Cooperativa na vida das famílias do interior do município de
Aceguá/RS e diagnosticar quais as modificações sofridas pela instituição sob a ótica
dos associados, desde a década de 1960 até os dias atuais. O cooperativismo já
estava intrínseco na cultura das famílias da região, e a CAMAL representou uma
forma de manutenção dos agricultores e desenvolvimento. Foram aplicadas
entrevistas semiestruturadas com associados da Cooperativa, elencados pelo
histórico de participação na mesma. Foi feita uma análise a partir da consulta aos
produtores rurais, sobre as contribuições sociais da Instituição para a comunidade
local e região, os fatores que interferiram nas mudanças da Cooperativa, a visão dos
produtores acerca do Sistema Cooperativo e uma discussão sobre o futuro do
Cooperativismo. Na atualidade, os cereais ocupam o primeiro lugar nas receitas da
Cooperativa, deixando o leite em segundo lugar, o que caracteriza uma mudança
significativa. Entretanto, a Bacia Leiteira no município de Aceguá envolve um número
significativo de produtores e representa a viabilidade econômica de muitas famílias. A
CAMAL representou a viabilidade econômica para as famílias dos produtores rurais
associados, proporcionou um caminho para o crescimento econômico e contribuiu
muito para o desenvolvimento social das famílias e de toda região. Proporcionou,
também, o acesso a tecnologias e apoio técnico para os produtores, contribuindo
assim para o aumento da produção leiteira em toda região. A Cooperativa representa
uma Instituição de relevância para a economia local e regional.
Palavras-chave: Cooperativa. Sistema Cooperativo. Desenvolvimento rural.
ABSTRACT
This research presents an analysis of Cooperativa Mista Aceguá LTDA (CAMAL),
and aims to report the influence of the Cooperative in the lives of families inside the
municipality of Aceguá / RS and diagnose the changes suffered by the institution
from the perspective of members, from the decade of 1960 to the present day.
Cooperativism was already inherent in the culture of families in the region, and
CAMAL was a way of maintenance of farmers and development. Semi-structured
interviews were held with members of the Cooperative and these members were
listed by the history of participation in it. An analysis from the consultation of farmers
was conducted and involved the contributions of the social institution for the local
40
41
Mestre em Ciências. Médica Veterinária. Extensionista Rural de Nível Superior Emater/RS-ASCAR.
E-mail: [email protected]
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
214
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
community and region, the factors that affected the change of the Cooperative, the
vision of the producers on the Cooperative System and a discussion on the future of
Cooperatives. Nowadays, cereals rank first in revenues from the Cooperative,
leaving the milk in second place, which features a significant change. However, the
milk-producing region in the municipality of Aceguá involves a significant number of
producers and represents the economic viability of many families. CAMAL has
represented the economic viability for the families of associated farmers, provided a
path to economic growth and contributed greatly to the social development of families
and the entire region. It has also increased access to technology and technical
support to farmers, thus contributing to the increase in milk production across the
region. The Cooperative is an institution of importance to the local and regional
economy.
Key words: Cooperative. Cooperative System. Rural Development.
1 INTRODUÇÃO
Desde o início da humanidade, a cooperação, como princípio de intercâmbio
vital tem tido papel relevante para a existência dos seres vivos. Os animais, por
intuição, e os seres humanos, por socialização, sempre precisaram dos seus
semelhantes para enfrentar as dificuldades impostas pelo contexto de sobrevivência.
Para Lopes (2001), a cooperação ou a ação social de ajuda mútua entre os seres
humanos é muito antiga, uma vez que estes, desde a pré-história, por motivos de
sobrevivência, faziam agrupamentos buscando suprir as necessidades básicas,
como defesa e alimentação. No começo da civilização os homens exploraram a terra
de forma coletiva, sendo os meios de trabalho e os produtos obtidos também de
caráter coletivo. O trabalho era um ato de cooperação, levando, desta maneira, à
sedentarização necessária, e conduzindo o homem da pré-história até o início do
processo civilizatório.
Para Souza (2003), o cooperativismo representa um processo de evolução de
práticas solidárias e, também, o momento histórico em que ocorreu, sofrendo
evolução e adaptação ao longo do tempo. Iniciou como uma atividade fundamentada
na liberdade humana. Sendo uma doutrina cultural, buscava desenvolver a
capacidade intelectual das pessoas e visava à melhoria em todos os aspectos
relacionados aos níveis sociais e econômicos. Surgiu como forma de reação de um
grupo de trabalhadores às condições de exploração observadas no início do século
XIX, durante o desenvolvimento do capitalismo industrial. No entanto, apesar de já
existirem cooperativas de trabalhadores e sindicatos desde o século XVIII, foi
215
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
somente em meados do século XIX que o cooperativismo tornou-se referência
significativa. O movimento tentava organizar e amenizar a situação criada pela
introdução de tecnologia nas fábricas, o que significava a redução dos postos de
trabalho em nome do aumento da produtividade e do lucro.
Inicialmente, as normas do cooperativismo vieram das práticas dos tecelões,
que seguiam estatutos e normas para agilizar e aprimorar o funcionamento de suas
cooperativas, padronizando as ações nesse sentido. Surge, então, uma expansão
do cooperativismo na Europa, passando posteriormente para todo o mundo.
(SOUZA, 2003).
A cooperativa é uma sociedade de pessoas que tem por objetivo a
organização de esforços em comum, para a consecução de determinado fim. Deve
haver um sentimento de cooperação entre os membros e valores como participação,
democracia e solidariedade. Os componentes devem seguir regras de ética,
responsabilidade social, preocupação e cuidado com o próximo e honestidade.
É uma associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente,
para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais
comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e
democraticamente gerida. (BONFIM, 2008).
Para Strieder (2013), uma cooperativa é uma sociedade de natureza civil,
formada por pessoas unidas pela cooperação e ajuda mútua, gerida de forma
democrática e participativa, com objetivos econômicos e sociais comuns e cujos
aspectos legais e doutrinários são distintos das outras sociedades. Fundamenta-se
na economia solidária e se propõe a obter um desempenho eficiente, através da
qualidade e da valoração dos serviços que presta a seus próprios associados e
usuários.
É uma instituição econômica, política e social. O objetivo principal é
melhorar a situação econômica de seus membros, formar homens
responsáveis e solidários, atingindo completa realização pessoal e, todos
juntos, social. O capital é sempre o meio, jamais o fim da empresa.
(BONFIM, 2008).
Segundo Paré (2009), são simultaneamente associações de pessoas, em sua
dimensão social, e empresa, em sua dimensão econômica. Pessoas que sentem
necessidades e carências e se unem em uma associação para criar uma empresa
que esteja prioritariamente a serviço do bem-estar e da satisfação das necessidades
216
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
dessas pessoas. Strieder (2013) afirma que nas cooperativas o trabalho apresentase acima do capital.
O cooperativismo supera a união para a defesa de interesses ou causas,
representa um sistema no qual as pessoas se associam para empreender, e esse
tipo de empreendimento coletivo se propõe a ser uma forma de pensar e agir.
Para Strieder (2013), as cooperativas fizeram da economia brasileira aquilo
que ela deve ser: um instrumento a serviço de toda uma sociedade, congregando
indivíduos e suas classes, levando todos a produzir e a trabalhar para o bem de
cada um e do país. No Brasil, as cooperativas apresentam-se como política pública
para o rural e não como movimento de oposição ao capital. Apresentam-se como
forma de organização de produtores para alcançar financiamento público. Este autor
afirma que o movimento cooperativista inglês aflorou como uma forte contestação ao
capital,
porém,
ao
difundir-se
pelo
mundo,
o
cooperativismo
adaptou-se
satisfatoriamente às necessidades do sistema capitalista.
A cooperativa é uma organização de caráter permanente, criada por um
agrupamento de indivíduos com interesse comum, visando à realização de
atividades econômicas relacionadas com o progresso econômico e o bem-estar dos
associados, que são os proprietários e usuários da organização. Baseia-se em
valores de ajuda mútua, solidariedade, democracia, participação e autonomia.
Segundo Sparemberger et al. (2013), os valores definem as motivações mais
profundas do agir cooperativo. Os princípios cooperativos tradicionais são: adesão
livre e voluntária, gestão democrática, participação econômica dos membros,
autonomia e independência, educação, formação e informação, intercooperação e
compromisso com a comunidade. Existem diferentes tipos de cooperativas e de
diferentes portes, aquelas do segmento agropecuário, de consumo, de crédito,
educacional, especial, habitacional, mineral, de produção, de serviço, trabalho,
saúde, etc.
No Brasil, conforme dados da Organização das Cooperativas Brasileiras
(OCB, dados de 2003), cerca de 2% da população participam de alguma cooperativa
e, no Rio Grande do Sul, são 11% totalizando em todo o país 5.762 milhões de
cooperados, 182.000 empregados, alcançando uma participação de 6% do PIB
nacional.
217
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
Tendo em vista o desenvolvimento econômico e social das comunidades
locais, o presente artigo vem a analisar a Cooperativa Mista Aceguá Ltda (CAMAL) e
sua influência na região.
O trabalho vai relatar a influência da CAMAL na vida das famílias do interior
do município de Aceguá/RS, e fazer o diagnóstico de quais as modificações sofridas
pela instituição sob a ótica dos associados, desde a década de 1960 até os dias
atuais.
De acordo com a cultura das famílias da região, que já traziam o
cooperativismo como prática, a CAMAL representou uma forma de manutenção dos
agricultores e desenvolvimento para a região.
O trabalho se propôs a realizar um diagnóstico da Cooperativa Agrícola Mista
Aceguá Ltda a partir do estudo de sua trajetória, e, da visão atual dos produtores
associados; descrever esta trajetória, através da ótica dos seus associados, de
diferentes faixas etárias e localidades, e, a partir das informações dos cooperados,
perceber fatores, fragilidades do sistema cooperativo e saber como estes enxergam
o cooperativismo e suas perspectivas futuras.
A metodologia utilizada foi a aplicação de cinco entrevistas semiestruturadas
com associados da Cooperativa, elencados pelo histórico de participação na mesma
desde a sua fundação com os seus antepassados. Foi efetuada, também, uma
pesquisa bibliográfica sobre a história da CAMAL.
O artigo analisa, a partir da consulta aos produtores rurais, as contribuições
sociais da Instituição para a comunidade local e região, os fatores que interferiram
nas mudanças da Cooperativa, a visão dos produtores acerca do sistema
cooperativo e uma discussão sobre o futuro do cooperativismo.
2 DESENVOLVIMENTO
A história da CAMAL faz parte da trajetória de produtores rurais que
colonizaram o Distrito de Colônia Nova em Aceguá/RS. Foi um empreendimento que
nasceu da persistência, do trabalho, fé e união de pequenos produtores
determinados em encontrar viabilidade econômica no meio rural, buscando o
desenvolvimento da comunidade e regional. Conhecer a trajetória e analisar o que
os produtores associados hoje percebem da Cooperativa nos facilita a entender a
situação da região na atualidade.
218
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
Foi realizada uma abordagem qualitativa. Os dados foram coletados através
da aplicação de entrevistas semiestruturadas com informantes-chaves no município:
cinco produtores associados, que foram indicados por um técnico da Cooperativa. A
amostra de sujeitos da pesquisa é caracterizada pelo tipo não probabilístico, uma
vez que os entrevistados foram escolhidos pelo critério da intencionalidade, tendo
em vista os objetivos da pesquisa. Foi efetuado um estudo da história da CAMAL
através de consulta bibliográfica.
De acordo com a análise qualitativa das entrevistas, foi possível constatar
diversos aspectos relevantes: a Cooperativa na atualidade, a contribuição social da
Cooperativa, os fatores que interferiram nas mudanças da Cooperativa ao longo dos
anos, a visão dos produtores sobre o sistema cooperativo e o futuro do
cooperativismo.
2.1 COOPERATIVA NA ATUALIDADE
De acordo com Ott (2009), de 1999 a 2009, com a implantação do Plano Real
e a estabilização da moeda com juros de mercado, houve a necessidade da adoção
de duas prioridades: a redução de custos e o aumento da produção. As margens da
comercialização se tornaram menores. Foram desativadas unidades deficitárias,
terceirização de serviços, parcerias dentro e fora do sistema cooperativo, para
aumentar a produção e a produtividade. Em 2001, foi feita uma parceria entre
CAMAL e COSULATI. A CAMAL participou com a planta industrial na Colônia Nova,
em Aceguá, com a coleta de leite na região e a COSULATI com os serviços de
processamento e industrialização do leite, comercialização e manutenção da planta
industrial, remunerando a CAMAL pelo faturamento do leite comercializado.
Tabela 1 - Dados da CAMAL: número de associados, funcionários, produção
de leite e grãos recebida.*
Ano
1959
1969
1979
1989
1999
2008
Associados
149
343
1225
1837
1175
1319
Funcionários
Leite (litros)
Não disponível
Não disponível
67
3.204.000
200
16.134.000
270
16.104.270
218
21.100.139
94
27.521.616
Fonte: Ott (2009).
219
Grãos
(toneladas)
Não disponível
1.920
15.592
24.385
35.515
41.617
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
De acordo com os dados apresentados na tabela 1, houve o aumento no
número de associados de 1959 até 2008, assim como na produção de leite. O que
representa o trabalho da Cooperativa voltado para incrementar a produção de leite
na região.
Um aumento significativo na produção de grãos entregue à Cooperativa
expressa o crescimento da produção de grãos na região. O número de funcionários
atingiu um pico em 1989 e depois diminuiu, devido às medidas adotadas e à
mudança de configuração da instituição.
Gráfico 1 - Cenário Atual*
Fonte: Relatório 2012 da CAMAL.
De acordo com o gráfico 1, atualmente, a maior receita da Cooperativa está
representada pelos cereais, seguidos por leite, arroz, mercadorias, ração, adubos e
fertilizantes, depois defensivos e sementes, o que caracteriza uma mudança
significativa.
No entanto, a Bacia Leiteira da Região da Campanha representa 3% da
produção leiteira do estado do Rio Grande do Sul. E, dentro da Região da
Campanha, a Bacia Leiteira da “Grande Bagé” (Bagé, Candiota, Hulha Negra e
Aceguá) representa 40,9% da produção de leite, onde o município de Aceguá
contribui com 80% desta produção, segundo dados da Emater/RS-ASCAR (2008).
A Bacia Leiteira no município de Aceguá envolve um número significativo de
produtores e representa a viabilidade econômica de muitas famílias, existindo
220
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
diversos níveis de produtores, segundo a produção de leite e níveis de tecnologia
empregados na atividade.
Tabela 2 – Produção de leite recebida pela CAMAL de 2007 a 2012 (Litros)*
Total Litros
Recebidos
Média dos
Produtores
Média Mensal
Litros/Produtor
Preço
Médio/Litro –
US$
Preço
Médio/Litro –
R$
2007
2008
2009
2010
2011
2012
26.407.724
27.521.616
28.009.124
25.058.636
21.395.593
20.075.791
404
394
393
365
294
229
5.438
5.809
5.941
5.721
6.073
7.314
0,311
0,251
0,341
0,374
0,426
0,387
0,5595
0,5956
0,5996
0,6354
0,7127
0,7536
Fonte: Relatório 2012 da CAMAL.
De acordo com a tabela 2, é possível constatar a diminuição na produção de
leite recebida de 2007 até 2012, assim como no número de produtores.
Atualmente, outra empresa recebe o leite produzido na região, o que
provocou uma diminuição no recebimento de leite pela CAMAL ao longo dos últimos
anos. Devido a um diferencial no preço recebido pelo litro de leite, os produtores têm
migrado para outra empresa. O fator da competitividade entre empresas, segundo o
preço pago pelo produto, tem sido determinante para a mudança de comportamento
dos cooperados.
2.2 CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DA COOPERATIVA
Segundo relato de Ott (2009), na década de 1949 até 1956, famílias de
imigrantes de origem germânica, oriundos do estado de Santa Catarina, instalaramse no então Distrito de Aceguá, que pertencia ao município de Bagé/RS, e
dedicaram-se à cultura do trigo, na qual já tinham tradição. Formaram uma
Cooperativa Tritícola para comercializar a produção. Em 1957, com condições
climáticas adversas e variedades de sementes sem resistência a doenças fúngicas,
as frustrações nas safras de trigo foram totais. Na época, muitas famílias emigraram
para outros estados e até para o exterior. Os remanescentes se uniram e se
organizaram, optando pela pecuária leiteira e a industrialização do leite, dentro do
221
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
sistema cooperativo. No dia 24 de outubro de 1959, em Assembleia Geral foi criada
a Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda, com o objetivo principal de industrializar
e comercializar leite e seus derivados, com 121 sócios-fundadores.
A cooperativa significou a alternativa de sobrevivência dos pequenos
produtores rurais da época, pois estes haviam sofrido diversas quebras de safras de
trigo, o que levou ao fechamento da Cooperativa Tritícola da região, e, em seguida,
à criação da CAMAL, voltada para o recebimento da produção de leite, conforme os
produtores entrevistados.
A partir dos relatos dos mesmos, a Cooperativa representou efetivamente o
sustento das famílias de pequenos produtores rurais da Colônia Nova e região.
Desde a criação da cooperativa, os produtores entregavam os produtos resultantes
do seu trabalho no meio rural na Cooperativa, que, muitas vezes, proporcionava a
compra de gêneros alimentícios e outras mercadorias sem ter o dinheiro no ato.
Outra vantagem seria a compra de insumos em grande quantidade pela cooperativa,
o que proporcionava preços mais baixos para os associados.
Segundo Manica e Schmidt (2012), a doutrina cooperativista é humanista,
atribuindo ao homem importância fundamental, bem como a seus interesses e
aspirações. No cooperativismo, o homem é o centro de tudo. A doutrina prima pela
liberdade, principalmente a econômica, e não se abstém da liberdade social e
democrática. A igualdade é princípio básico do cooperativismo, pois não existem
distinções de nenhuma espécie. No cooperativismo, todos devem ser solidários,
portanto, a sociedade está incorporada à doutrina, bem como a racionalização de
todas as ações do cooperado. Estão incluídas em suas finalidades: corrigir e
modificar o meio econômico e social, prestar serviços, eliminar a concorrência,
eliminar o assalariado, eliminar o lucro abusivo, obter o preço justo. Os associados
buscam satisfazer seus interesses pessoais através de cooperativas, quando
verificam que a ação solidária é mais vantajosa do que a ação individual. A
vantagem é obtida com a redução dos custos, pela eliminação dos intermediários e
pela compra em grande quantidade diretamente da fonte produtora. Daí a
necessidade de a cooperativa reunir um grande número de associados para
conseguir significativo capital de giro.
Segundo os produtores, a Cooperativa representou o desenvolvimento e a
evolução (econômica) das famílias da Colônia Nova, proporcionando qualidade de
222
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
vida para as mesmas. O número de associados foi aumentando e a Cooperativa
cresceu rapidamente, alcançando grande relevância na região.
Strieder
(2013)
analisou,
sob
um
olhar
antropológico,
o
sistema
cooperativista, e concluiu que é possível, através de sistemas como este, fazer uma
economia, uma sociedade um pouco mais igualitária e, assim, levar o homem a
maiores possibilidades de desenvolvimento. O sistema capitalista onera a produção
e a distribuição dos produtos por uma série de despesas parasitárias. Suprimindoas, as cooperativas economizam para o consumidor. Quando organizadas, eliminam
o lucro, os juros altos, os intermediários e atravessadores, os agentes e promotores
de vendas, as especulações e as propagandas dispendiosas, limitando os seus
clientes a pagar os custos da produção, da distribuição e do desenvolvimento de
suas instalações e serviços e de um trabalho educativo.
As cooperativas destinam-se, como quaisquer outras organizações
econômicas, a criarem mecanismos de formação de riqueza no mercado. O
diferencial do confronto ideológico é que no capitalismo a destinação do
lucro pode estar ou não sujeita ao controle estatal ou social, enquanto, no
cooperativismo a destinação do lucro (ou sobras) por obrigação legal aos
associados e às demais finalidades do cooperativismo, está sujeita às
decisões tomadas por assembleia geral, propiciando por esta razão maior
democracia e uma melhora no bem estar da sociedade. (MANICA;
SCHMIDT, 2012).
Para Milagres, Amodeo e Souza (2011), parte-se do pressuposto de que as
organizações cooperativas podem e devem ser um ator social coletivo relevante
para o desenvolvimento comunitário.
Os produtores da CAMAL acompanharam o nascimento e todo o crescimento
da Cooperativa, e alguns participaram da sua diretoria. A Cooperativa cresceu
rapidamente, segundo relato dos mesmos. Recebia toda produção agrícola dos
pequenos produtores e procurava preços melhores para os associados, na compra
de insumos e outros produtos. Procurava dar apoio aos filhos de produtores, como
por exemplo, o primeiro emprego e encaminhamentos ao trabalho.
Segundo Paré (2009), o cooperativismo representa uma forma de geração de
oportunidades de trabalho e renda, devido à participação democrática dos
associados, e uma opção de melhor distribuição destas oportunidades e do próprio
resultado deste trabalho, levando a melhores condições de desenvolvimento e de
vida dos associados e da comunidade que integra.
223
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
De acordo com os relatos, a CAMAL repassava recursos financeiros para as
instituições da comunidade, como igreja e escola, e com a redistribuição de recurso
trazia benefícios para a área social.
Segundo Milagres, Amodeo e Souza (2011), ao promover investimentos
sociais, as organizações
cooperativas contribuem com o crescimento da
comunidade em que estão inseridas, além de desenvolver a capacidade para
enfrentar mudanças. Auxiliam, assim, na transformação da realidade local. As
transformações na qualidade de vida das pessoas seriam consequência também da
própria ação dos cidadãos beneficiários, já que eles são os verdadeiros atores no
processo de desenvolvimento.
Partindo da filosofia da cooperação e da solidariedade, as cooperativas
deveriam também atuar com o objetivo de promover o desenvolvimento
sustentado das comunidades onde estão inseridas, contribuindo com os
associados no seu próprio desenvolvimento, sendo assim socializando
comunitariamente, e não só visando para a empresa individualmente.
(MILAGRES; AMODEO; SOUZA, 2008).
De acordo com o autor, a razão da existência de uma cooperativa deveria ser
o seu associado. A participação é o elemento para ação comunitária e a promoção.
Uma boa participação remete à valorização dos princípios cooperativos. A falta de
participação remete à insuficiente capacitação.
Através do seu trabalho, a Cooperativa possibilitou o acesso a tecnologias
que na época não eram encontradas na região e a apoio técnico. Exemplos disso
foram a possibilidade da confecção de silagem, melhorando as condições
alimentares do gado bovino, e o uso de inseminação artificial, que melhorou a
genética do rebanho. Medidas estas que possibilitaram um acréscimo na produção
de leite dos produtores da região. Além disso, deu apoio a Projetos de Crédito
Fundiário, como a Colônia Médici e a Colônia Pioneira. (OTT, 2009).
As contribuições e impactos das cooperativas sobre o desenvolvimento de
comunidades, municípios, regiões e estados têm sido crescentes. Estes
impactos estendem-se para o desenvolvimento socioeconômico de nível
nacional, regional e local. (SPAREMBERGER et al., 2013).
O apoio dado pela Cooperativa provocou impacto a nível local e regional:
outras comunidades e outros polos de desenvolvimento socioeconômico se
formaram, promovendo o desenvolvimento social de muitas famílias e o econômico
local e regional.
224
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
2.3 FATORES QUE INTERFERIRAM NAS MUDANÇAS DA COOPERATIVA AO
LONGO DOS ANOS
Primeiramente, a Cooperativa era tritícola, e a frustração de safras foi o fator
preponderante ao direcionamento para o leite, uma alternativa que poderia manter a
subsistência das famílias de produtores rurais da região. Na época da Cooperativa
Tritícola foram o clima e as pragas que afetaram a produção de trigo e, depois,
quando o principal produto era o leite, foi o aumento da concorrência com outras
empresas um dos fatores que interferiram.
Bonfim (2008) coloca que uma cooperativa não cresce sozinha. A
solidariedade humana e o trabalho coletivo são seus objetivos, visando à
supremacia do bem-estar da coletividade sobre o individualismo.
De acordo com os relatos, os produtores demonstraram confiança no trabalho
da instituição desde sua criação, já que a mesma fez o melhor para a comunidade
ao longo dos anos. Entretanto, os altos índices de inflação, consecutivas mudanças
de moedas e os congelamentos efetuados pelos Planos implantados pelo Governo
Federal foram fatores importantes que influenciaram de forma negativa a
Cooperativa. O congelamento dos produtos básicos e o aumento dos preços dos
insumos (adubo, diesel, sementes, ração, etc.) prejudicaram muito o valor pago pelo
litro de leite aos produtores.
Segundo os produtores consultados, a pior crise da CAMAL foi durante a
década de 1990 até o início do ano 2000. No país, houve o achatamento do preço
dos produtos. A Cooperativa tinha, na época, um número grande de funcionários, e
optou por não diminuir. Para saldar os compromissos, foi necessário fazer uma
parceria com outra cooperativa. Era uma questão de sobrevivência. As maiores
dificuldades foram a defasagem de preços e as despesas que aumentaram muito. A
Cooperativa teve um crescimento rápido, e o maior entrave foi a gestão em períodos
de dificuldades causadas pela economia do país, estado e região.
No campo, a maior parte da produção, mesmo em países “desenvolvidos”,
ainda é camponesa, familiar, onde não existe a relação patrão-empregado.
Entretanto, para as mercadorias serem colocadas em circulação é necessário
obedecer às leis de mercado. Nesse aspecto, a forma de circulação capitalista
subordina a produção, mesmo que esta não seja tipicamente capitalista. É o que
ocorre com uma cooperativa, que fica submetida às leis de circulação de
225
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
mercadorias do capitalismo mesmo que a estrutura seja horizontal (não há
hierarquia), os lucros sejam divididos entre todos, mesmo que todos participem do
trabalho e das decisões e que a produção tenha um funcionamento autogestionário.
As matérias-primas, máquinas, peças e ferramentas que uma cooperativa utiliza são
compradas no mercado e produzidas de forma capitalista. Uma cooperativa está
inserida no sistema capitalista, descrito pelo autor a seguir:
A prática capitalista está consubstanciada no funcionamento da economia
de mercado, tendo como fundamentos basilares a ideia da ordem
econômica natural para promover o bem-estar social pelo êxito do
individualismo, da propriedade privada, da exploração do trabalho
assalariado para obtenção do lucro, da produção e consumo regulados pela
lei da oferta e da procura dos bens e serviços. Pela forma individual, o
cidadão exerce sua atividade profissional como pessoa natural para
obtenção da renda ou remuneração para atender sua demanda pessoal de
sua responsabilidade de manutenção, satisfação de necessidades básicas e
sociais. O objetivo da ordem econômica capitalista é a obtenção do lucro
(mais valia, segundo Marx) para desenvolvimento do sistema e a própria
manutenção da convivência humana em sociedade organizada. (MANICA;
SCHMIDT, 2012).
As cooperativas estão subordinadas dentro do capitalismo a todas as
variações de mercado que possam ocorrer. Qualquer unidade que exista hoje faz
parte do sistema, tem que funcionar sob as leis e normas já estabelecidas pelo
mercado ou pelo Estado. Os impostos vão para o Estado, e as cooperativas
funcionam de acordo com as leis de mercado (especulação, crédito, demanda,
exploração pela força de trabalho, etc.), entrando em competição com outras
unidades econômicas.
Milagres, Amodeo e Souza (2008) avaliaram o interesse pela comunidade de
84 cooperativas da Zona da Mata de Minas Gerais e o grau de contribuição das
mesmas com a comunidade onde estavam inseridas. Concluíram que a
preocupação em obter uma gestão econômica eficaz pode diminuir ou minimizar a
importância de uma gestão social qualificada. A profissionalização da gestão seria
necessária para o desenvolvimento econômico das empresas e das cooperativas
tradicionais. Deveria haver maiores investimentos na capacitação e treinamento,
promoção de valores cooperativos da comunidade. A complementaridade entre
gestão empresarial e gestão social se obteria com uma autêntica gestão
cooperativa, mais eficiente social e economicamente e com maior impacto na
comunidade.
226
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
Para Paré (2009), a postura da cooperativa com relação ao mercado é muito
importante, uma vez que esta necessita competir, o que representa utilizar com
racionalidade os recursos e as potencialidades, garantindo uma boa prestação de
serviços aos associados, com viabilidade econômica, buscando uma administração
profissional.
As cooperativas são empresas diferenciadas das empresas de capital,
contudo devem implementar estratégias individuais que possibilitem a essas
organizações atuarem com sucesso no mercado competitivo, preservando
suas particularidades. É a eficiência econômica que determina o bom
desempenho social da cooperativa, o qual pode ser avaliado por variáveis
econômicas financeiras. O desempenho econômico e de mercado é
condição fundamental para o bom desempenho social das cooperativas.
(SPAREMBERGER et al., 2013).
Outro fator era com relação aos produtos oferecidos pela Cooperativa, que
eram de ótima qualidade e o mercado não pagava o suficiente por isso. Aqueles que
acompanharam o trabalho e a gestão afirmaram que, em determinado período, o
custo operacional da estrutura da Cooperativa era alto demais pela produção que
ela tinha.
Um fator de relevância foi que, no início, todos os produtores pertenciam a
níveis socioeconômicos semelhantes, à mesma categoria. Os produtores foram se
profissionalizando para produzir leite e a cooperativa foi crescendo. Naturalmente,
os sócios foram crescendo em proporções diferenciadas, com isso os interesses dos
mesmos foram se distanciando.
Com o tempo, a concorrência pelo produto (leite) na região passou a
representar outro entrave, o que pode ser observado na tabela 2, com a redução no
total de litros de leite recebidos pela cooperativa.
Milagres, Amodeo e Souza (2011) afirmam que as organizações cooperativas
podem se adequar às necessidades de cada município e promover o
desenvolvimento onde se encontram inseridas. Apesar das cooperativas serem
organizações que não visam lucro, elas atuam num mercado competitivo, que vem
exigindo mais qualidade nos produtos e serviços. As cooperativas devem participar
da vida econômica local, exigindo de seus cooperados mais comprometimento na
qualidade de seus produtos e serviços, pois concorrem com outras empresas de
porte maior.
227
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
2.4 VISÃO DOS PRODUTORES SOBRE O SISTEMA COOPERATIVO
Foi unanimidade entre os relatos que, para os pequenos produtores, é
essencial o sistema cooperativo. Uma cooperativa faz todo o possível pelos sócios:
torna possível a sobrevivência de pequenos produtores, enquanto uma multinacional
ou outra empresa tem outro enfoque, que não o social; facilita a compra de insumos
para os produtores, pois proporciona a busca de melhores preços, e é um sistema
eficiente, possibilitando aos associados preços melhores na compra e na venda de
produtos, quando, muitas vezes, os pequenos encontram-se marginalizados pela
exploração do poder econômico.
O produtores também afirmaram que a informatização e a globalização
favorecem o acesso a todos os produtos, o que, de certa forma, diminui a
dependência da cooperativa para ter acesso aos insumos, como ocorria em tempos
anteriores.
O que dificulta o sistema cooperativo é o individualismo existente na
atualidade. O sistema cooperativo foi considerado importante pelos produtores
entrevistados, no entanto, foi ressaltado que exige uma administração diferenciada.
E, quando a cooperativa tem certa estrutura, esta possui barganha de compra e de
venda de produtos.
O cooperativismo se baseia na união de pessoas e na soma de esforços de
cada um, com solidariedade constante e permanente, procurando melhorar
as condições econômicas e sociais dos cooperados, entre seus objetivos
está a valorização do homem e busca integrá-lo na comunidade. (NAZZARI;
REULE; LAZZAROTTO, 2013).
Decorre da estrutura de solidariedade, de sua posição de regulador da ética
na economia e na valorização do ser humano, a grande importância do movimento
cooperativista. Muitas cooperativas desvirtuam-se de seus objetivos, no entanto, o
movimento cresce alcançando importância mundial.
Holzmann
(2000)
apresenta
uma
experiência
de
gestão
inovadora,
empreendida na década de 1980, em Porto Alegre, pelos trabalhadores da
Metalúrgica Wallig, que, organizados em duas cooperativas, retomaram as
atividades da empresa após sua falência. No entanto, com o passar do tempo e a
entrada de novos funcionários que não tiveram a mesma motivação dos
empreendedores que deram origem às Cooperativas, não houve êxito. Ressalta que
228
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
a presença dos cooperados nas assembleias não significa que há participação nas
decisões. Os mesmos devem ter um envolvimento maior, assumir posições ante as
propostas em discussão.
Neste trabalho, foi possível constatar que o envolvimento dos associados, o
comprometimento de todos é fundamental para o sucesso do empreendimento
cooperativo. A vontade dos associados pôde superar as dificuldades que se
apresentaram no percurso.
2.5 FUTURO DO COOPERATIVISMO
Segundo os produtores entrevistados, a situação do cooperativismo no futuro
será semelhante à que já existe atualmente, onde o maior entrave é a concorrência.
Muitas vezes, o custo operacional de uma cooperativa é maior do que as receitas
líquidas, e este é o ponto frágil das mesmas diante da concorrência, que oferece
mais vantagens aos produtores desestabilizando as instituições cooperativas.
Os produtores consideram que o maior problema é o individualismo, o que
torna o sistema vulnerável. O cooperativismo tem futuro, desde que haja interesses
comuns entre os produtores rurais, pois é isso que dá força para uma cooperativa.
Atualmente, os produtores que continuam entregando leite para a CAMAL
ganharam um pequeno aumento no preço do produto. No entanto, a empresa
concorrente paga um preço maior pelo litro de leite, o que beneficia os produtores.
Apesar disso, muitos produtores ainda entregam o leite para a Cooperativa, pois
reconhecem a importância dela para a comunidade local.
As cooperativas envolvem um processo de autogestão da vida social e
organização do processo produtivo. Entretanto, a era da globalização, a nova divisão
internacional do trabalho, a dinâmica das transações financeiras, as novas maneiras
das mídias se inter-relacionarem e a enorme troca de informações exigem novo
posicionamento das instituições para permanência no mercado. Existe a
necessidade de uma revisão dos conceitos tradicionais que guiam o cooperativismo
internacional, a partir das mudanças impostas pelas novas tecnologias e pela
globalização, a busca de novos modelos, mais ágeis, dinâmicos e eficientes.
Para Nazzari, Reule e Lazzarotto (2013), existe uma corrente que afirma que
o cooperativismo não terá condições de sobrevivência ante o impacto da
concentração de riqueza determinada pela fusão da globalização econômica com o
229
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
liberalismo comercial. Enquanto outra corrente afirma o contrário: o cooperativismo é
o único movimento capaz de responder às grandes ameaças que a concentração
empresarial e a exclusão social representam contra a democracia e a paz.
Muitas cooperativas lutam para sobreviver, mudam, adaptam-se, modernizam
sua gestão, aliam-se a antigos concorrentes, buscam sua identidade em um cenário
mutante e instável. Cooperativas desaparecem e outras se fortalecem com ajustes
feitos por exigências do mercado, agregando importância na economia social, em
defesa daqueles que não podem se viabilizar de forma isolada. A diferença entre as
instituições está na sua capacidade de reação. E esta depende do estoque de
capital social dos cooperados, dos dirigentes e dos funcionários, buscando expandir
a confiança e fortalecendo a cooperação entre as pessoas.
Quanto maior o índice de capital social e humano dos cooperados e funcionários
de uma cooperativa, tanto maior será sua chance de desenvolvimento e sua
contribuição para reduzir as desigualdades sociais. (NAZZARI; REULE; LAZZAROTTO,
2013).
Nazzari, Reule e Lazzarotto (2013) apontam que governos democráticos, com
maior percepção da imensa contribuição do cooperativismo como capital social para
o desenvolvimento socioeconômico, devem revisar as legislações buscando
aperfeiçoar as cooperativas. Afirmam, também, a importância de incentivar
iniciativas coletivas para o fortalecimento das economias baseadas na cooperação e
na confiança, para a construção de uma comunidade cívica baseada no
desenvolvimento humano, social e sustentável.
Bonfim (2008) afirma que, atualmente, existem cerca de 800 milhões de seres
humanos, associados a 740.000 sociedades cooperativas locais, que dão forma ao
movimento cooperativo mundial. Unindo esta cifra ao fato de que cada associado a
uma cooperativa forma parte de uma família, com média de quatro a cinco pessoas,
este número aumenta para mais de 3 bilhões de pessoas ligadas ao movimento
cooperativo no mundo. Este movimento está distribuído atualmente em 93 países. O
cooperativismo rural, nos dias atuais, representa mais de 20% de todos os
agricultores do mundo, aproximadamente 60 milhões de cooperados, sendo este o
ramo que apresenta maiores índices de crescimento em diversos países.
Para o autor, o cooperativismo, enquanto ideia-força, está ganhando
amplitude através de uma perspectiva positiva, devido ao seu caráter de inclusão
social. Hoje, no país, ocorre a multiplicação de cooperativas de trabalho e de
230
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
cooperativas de produção industrial, vistas como saída possível à crise do
desemprego estrutural do capitalismo desorganizado.
Na atual crise de desemprego, a cooperativa pode ser um caminho
alternativo, embora a princípio, como disse Marx, transforme os trabalhadores
associados em seus próprios capitalistas, permitindo-lhes usarem dos meios de
produção para o emprego do próprio trabalho. Uma alternativa ao desemprego
estrutural, com aspectos positivos para o trabalhador, que geriria seu próprio
trabalho. O cooperativismo valoriza o trabalho criativo e torna o homem livre para
dirigir o seu próprio destino. (LALANE, 2006).
Hoje, segundo estatística da ICA aproximadamente 800 milhões de homens
e mulheres são associados de empresas cooperativas e o sistema
cooperativista proporciona mais de 100 milhões de empregos a pessoas.
Isto dá o significado da importância quantitativa na economia global, que por
seus associados, empregados e famílias beneficiadas por empresas
cooperativas, envolve aproximadamente três bilhões de pessoas, ou seja, a
metade da população mundial. (MANICA; SCHMIDT, 2012).
De acordo com os dados é possível perceber o potencial que o
cooperativismo possui, até mesmo para suplantar as adversidades que as atuais
relações econômico-sociais geram.
Sparemberger et al. (2013) comentam que as cooperativas representam a
possibilidade de superar dificuldades em torno de necessidades e objetivos comuns
à classe trabalhadora e de diferentes categorias profissionais e segmentos
produtivos. No entanto, não podem deixar de acompanhar as tendências de
mercado, avaliar a gestão e condições de sustentabilidade. As cooperativas devem
estimular o senso crítico dos associados e promover meios para que percebam que
cada parte é importante para o conjunto, que devem se sentir responsáveis pela
sociedade e seu crescimento. E que o resultado econômico de uma cooperativa é
obtido através do esforço comum.
Paré (2009) afirma o duplo caráter das cooperativas: enquanto sociedade de
pessoas, o que supõe a sobreposição do capital pelas pessoas (primazia do trabalho
sobre o capital), e, enquanto sociedade empresarial, considerando que as
cooperativas atuam em um mercado aberto e altamente competitivo e que, para
sobreviver,
necessitam
atender
os
requisitos
de
qualidade,
consistência,
produtividade, precisam, enfim, corresponder às expectativas de um mercado cada
vez mais exigente e tolerante. Essa dupla condição somada ao papel do associado,
231
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
enquanto cliente e proprietário ou como fornecedor e proprietário, imprime um
elevado nível de complexidade para a manutenção dos princípios e das
características fundamentais do sistema cooperativista e adaptação ao ambiente
competitivo capitalista.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história da Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda. se funde com a história
dos pequenos produtores rurais dos diversos municípios que compõem a Bacia
Leiteira da “Grande Bagé” (Bagé, Aceguá, Hulha Negra e Candiota), na Região da
Campanha no estado do Rio Grande do Sul. Contribuiu para a manutenção das
famílias e o desenvolvimento econômico e social da região. Desde sua criação,
sofreu inúmeras transformações ao longo dos anos.
Inicialmente, a Cooperativa sofreu uma transição, de Tritícola para
recebimento e industrialização de leite. Desde sua origem, até a criação da CAMAL,
representou a viabilidade econômica para as famílias dos produtores rurais
associados. Proporcionou um caminho para o crescimento econômico e contribuiu
muito para o desenvolvimento social das famílias e de toda região. Proporcionou o
acesso a tecnologias (nutrição e melhoramento genético de bovinos leiteiros) e
apoio técnico para os produtores, contribuindo assim para o aumento da produção
leiteira em toda região.
Mediante as entrevistas e a análise da história da Cooperativa segundo a
bibliografia consultada, foi possível constatar que, na década de 1990 até o ano
2000, esta passou por uma crise: Planos Econômicos lançados pelo Governo
Federal, redução de preços dos produtos, maior competição pelo mercado, foram
fatores que induziram a desativação de unidades, a terceirização de serviços e
parcerias dentro (Intercooperação) e fora do sistema cooperativo.
Atualmente, a maior receita provém dos cereais, ficando o leite em segundo
lugar, o que remete a uma série de modificações que estão acontecendo. No
entanto, a Bacia Leiteira do município de Aceguá tem importância significativa em
toda região da Campanha e em nível de estado.
A CAMAL representa uma instituição de relevância para a economia local e
regional. O sistema cooperativo é eficiente para dinamizar o trabalho e viabilizar a
232
Capítulo XI - Cooperativa Agrícola Mista Aceguá Ltda: trajetória segundo a ótica dos associados
permanência dos pequenos produtores no campo, com isso diminuindo o êxodo
rural.
É de suma importância disseminar a cultura cooperativa e conscientizar a
população acerca das vantagens associativas que esse tipo de organização traz
para suas famílias, município e região. O sistema cooperativo é um caminho para
viabilizar o desenvolvimento econômico e social dos pequenos produtores rurais.
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Disponível em: <http://www.athenaseducacional.com.br/fsp/revista/images/
primeira_edicao/o_sistema_cooperativista_em_um_olhar_antropologico.pdf>.
Acesso em. 01 jul.2013.
ANEXO A - Entrevista
Nome: _________________________________________________________
Data de nascimento/idade: _________________________________________
Localidade: _____________________________________________________
Nome do cônjuge: ________________________________________________
Data de nascimento/idade: _________________________________________
Nome dos filhos/idade: ____________________________________________
_______________________________________________________________
1) Qual a contribuição da Cooperativa na vida da sua família ao longo dos anos?
2) Quais os fatores interferiram nas mudanças da Cooperativa ao longo do tempo?
3) O que pensa sobre o Sistema Cooperativo?
4) Qual o futuro do Cooperativismo?
5) Onde pretende chegar/rumos da propriedade para os próximos anos?
234
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
DESIMON, Sonia42
NOVELLO, Ivan43
RESUMO
A Cooperativa de Lãs Mauá Ltda. teve seu início na década de 50, congregando, no
momento da fundação, médios e grandes produtores de lã no intuito de
comercializar com o exterior. Devido à oscilação do mercado de lã iniciado com a
introdução dos produtos sintéticos nos anos sessenta e culminando na década de
oitenta, o preço pago ao produtor caiu significativamente, e isto foi fator
determinante para desestruturação da cooperativa. A partir desta situação a
produção da lã caiu vertiginosamente, houve mudanças no quadro social da
cooperativa que hoje possui agricultores familiares, em especial pecuaristas
familiares, compondo mais de setenta por cento dos associados. A partir da
mudança do quadro social, tornou-se imprescindível a modificação estatutária,
agregando novas atividades à cooperativa. Apesar da crise, a cooperativa Mauá
continua atuando, necessitando de algumas adequações para fidelizar e aumentar a
participação dos associados na sua administração, além de promover o
desenvolvimento regional, aumentando tanto o poder econômico dos associados
quanto a valorização social.
Palavras-chave: Cooperativa de lãs. Pecuarista familiar. Inclusão do cooperado.
RESUMEN
La cooperativa de Lanas Mauá Ltda comenzó en los años 50, se congregan en el
momento de la fundación, medianos y grandes productores de lana para el comercio
con el mundo exterior. Debido a la fluctuación del mercado de la lana que se inició
con la introducción de productos sintéticos en los años sesenta y que culminó en los
años ochenta, el precio pago a los productores se redujo drásticamente y esto fue un
factor determinante para la reducción de la cooperativa. A partir de esta situación, la
producción de lana cayó precipitadamente, hubo cambios en la membrecía de la
cooperativa, que cuenta ahora con los productores campesinos, en particular los
ganaderos campesinos, que constituyen más del setenta por ciento de los
asociados. Desde el cambio en la composición se ha convertido en esencial la
modificación estatutaria añadiendo nuevas actividades a la cooperativa. A pesar de
la crisis la cooperativa Mauá continúa, necesitando de algunos ajustes para
mantener y aumentar la participación de los miembros en la administración de la
42
43
Médica veterinária. Extensionista rural nível superior I. Chefe da Unidade de Cooperativismo de
Pelotas. E-mail [email protected].
Formado em administração de empresas pela Faculdade São Judas Tadeu de Porto Alegre. MBA
em marketing pela Fundação Getúlio Vargas de Porto Alegre. MBA em gestão estratégica de
pessoas e negócios pela Fundação Getúlio Vargas de Porto Alegre. Gerente de Comunicação e
Marketing. E-mail: [email protected].
235
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
cooperativa y para fomentar el desarrollo regional aumentando tanto el poder
económico de los miembros como el valor social.
Palabras clave: Cooperativa de lanas. Ganaderos campesinos. Inclusión de una
Cooperativa.
1 INTRODUÇÃO
A produção laneira no Rio Grande do Sul (RS) teve seu estabelecimento
como atividade econômica no início do século XX, devido à valorização no mercado
internacional e, a partir da década de 40, com o incremento tecnológico da
produção. (VIANA; SILVEIRA, 2009). Com este cenário, muitas cooperativas de lãs
foram criadas no Estado, principalmente na região sul do RS.
A Cooperativa de Lãs Mauá foi fundada em 21 de abril de 1952, no
município de Jaguarão, no Rio Grande do Sul, congregando, na ocasião, médios e
grandes produtores de lã no intuito de comercializar com o exterior. No ano de sua
fundação, contava com mais de cem cooperados e tinha uma representação
econômica muito forte na cidade e na região. Devido à oscilação do mercado de lã
na década de oitenta, em consequência do aumento no consumo de fios sintéticos,
como o acrílico, o preço pago ao produtor caiu vertiginosamente, e isto foi fator
determinante para desestruturação da cooperativa, juntamente com o grande
número de funcionários e uma administração que encontrou muitas dificuldades para
gerir o empreendimento na conjuntura econômica que se apresentava à época.
A partir dos anos 2000, houve a tentativa de reestruturação da cooperativa
com a renegociação das dívidas que inviabilizavam a gestão. Isto feito de forma
positiva, o quadro recentemente apresentado da saúde financeira da cooperativa é
de estabilidade, com um declínio da renda bruta proveniente da comercialização de
lã e um incremento das vendas oriundas da veterinária, o que, nesta relação entre
as atividades, mantém minimamente as contas acertadas.
Ao longo de sua existência, houve uma modificação gradativa nas
características dos associados. Isto ocorreu, aparentemente, devido à migração da
exploração ovina por grandes fazendeiros para os pecuaristas familiares.
A cooperativa operou mudanças no seu estatuto para integrar o novo sócio
com características culturais e comportamento conservador como todo pecuarista da
região, mas com características especiais devido à área explorada e ao ambiente
em que se encontram.
236
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
O objetivo do estudo é identificar a mudança no quadro social da cooperativa
de Lãs Mauá ao longo de sua existência, bem como identificar a relação destes
novos cooperados com a cooperativa.
E este trabalho se justifica pela análise da evolução histórica da cooperativa,
por identificar a visão dos cooperados pecuaristas familiares em relação à
cooperativa, e por buscar alternativas para maior participação dos mesmos.
2 RELAÇÕES SOCIAIS E O COOPERATIVISMO
A busca da integração social pelo homem é uma questão de sobrevivência.
Segundo Favaretto (2006), o desenvolvimento da humanidade é anterior às
tentativas de sua definição, e a evolução biológica do homem é resultado de um
processo de longuíssima duração. E o primeiro grande salto realizado no intuito de
tentar submeter sob seu domínio os desígnios de sua condição sobre a terra é algo
que data de dez a doze mil anos atrás:
[...] é nesta época que surge a agricultura que permitiu a organização dos
crescentemente numerosos assentamentos humanos, a realização de
inúmeros progressos técnicos, desde a complexificação da ferramentaria e
de técnicas de produção até, posteriormente, o surgimento da escrita e das
chamadas grandes civilizações. (FAVARETTO, 2006, p. 35).
A partir do desenvolvimento do ser humano começam a surgir as
necessidades que o leva a associar-se a outros.
O homem é um ator social e, segundo Schneider e Gazolla (2011), pode ser
representado pelo agricultor individual, por grupos ou por coletivos sociais, que citam:
[...] ser ator não é um atributo inerente, mas uma condição social que se
conquista por meio de relações e interações sociais à medida que os
indivíduos ou grupos adquirem e/ou constroem agência, que consiste no
desenvolvimento e mobilização de recursos, capacidades e formulações
que permitem ’fazer a diferença’ em face de situações contingentes e
estruturais [...]. (SCHNEIDER; GAZOLLA, 2011).
Desta forma, organizar-se de maneira a constituir arenas como cooperativa
é uma consequência da evolução humana e de sua condição de ator que interage
socialmente e procura fazer mais.
Em um estudo realizado por Putnam (1996) foram identificados os fatores que
marcavam as disparidades no desenvolvimento do norte e do sul da Itália. Formulando
237
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
seus conceitos a partir de comunidade cívica, observando-se a associação entre
desempenho institucional-econômico e o grau de civismo, evidenciou que, quanto mais
cívica a região, mais eficaz o seu governo, que a complementação entre as ações
institucionais públicas e as ações coletivas fortalece o engajamento cívico e que a
sinergia entre o público e o privado amplia a confiança e a transparência, permitindo a
implementação de políticas públicas maximizadoras do bem-estar geral. Putnam (1996)
relaciona, ainda, o nível de engajamento cívico à natureza do associativismo e ao
desenvolvimento das comunidades.
Segundo Nazzari (2003), a variável de confiança e previsibilidade no
comportamento do outro favorece a cooperação sistêmica na convivência social. O
autor cita que “[...] uma comunidade cooperativa pode potencializar interações que
levem ao surgimento de pessoas mais críticas e fiscalizadoras dos bens públicos”.
Portanto, a participação das pessoas nas instituições cooperativas poderia
aumentar o desenvolvimento socioeconômico de uma região.
O movimento cooperativista surgiu da necessidade de criação de
associações em que cada um seria coproprietário dos instrumentos de produção e
pudesse melhorar o nível de vida por meio do auxílio mútuo. (NAZZARI, 2003).
As cooperativas são definidas como associações autônomas de pessoas
que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades
econômicas, sociais e culturais comuns.
As cooperativas utilizam como base os princípios fundamentados pela
Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, criada em 1844, que mais tarde foi chamada
de cooperativa. Estes princípios eram inicialmente oito: 1º) a sociedade seria
governada democraticamente; 2º) a sociedade seria aberta a quem dela quisesse
participar; 3º) qualquer dinheiro a mais investido na cooperativa seria remunerado
por uma taxa de juro, mas não daria qualquer direito adicional de voto; 4º) tudo que
sobrasse da receita, deduzidas todas as despesas, seria dividido entre os sócios em
proporção às compras que fizessem na cooperativa; 5º) todas as compras seriam a
vista; 6º) os produtos vendidos seriam sempre puros e de boa qualidade; 7º) a
sociedade
deveria
promover
a
educação
dos
sócios
nos
princípios
do
cooperativismo, e 8º) a sociedade seria neutra política e religiosamente. (MANICA;
SCHMIDT, 2012).
238
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Os princípios criados em Rochdale se mantiveram, sofrendo algumas
adaptações com o objetivo de se adequarem à realidade atual.
Hoje, as linhas orientadoras do cooperativismo são os princípios de adesão
voluntária e livre, gestão democrática, participação econômica dos membros,
autonomia e independência, educação, formação e informação, intercooperação e
interesse pela comunidade.
A adesão voluntária e livre refere-se à abertura das cooperativas a todas as
pessoas aptas a utilizar seus serviços e dispostas a assumir as responsabilidades
como membros, sem discriminação de sexo, condição social, raça, política e religião.
A gestão democrática significa que as cooperativas são controladas pelos seus
associados, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na
tomada de decisões. É a essência operacional do cooperativismo. A participação
econômica dos membros significa que os sócios contribuem igualmente para o
capital das cooperativas e a controlam democraticamente. Normalmente, parte deste
capital é propriedade comum da cooperativa. Habitualmente, os sócios recebem
remuneração limitada ao capital integralizado quando de sua adesão. As sobras são
destinadas a fundos de participação dos sócios. A autonomia e independência
refere-se ao fato das cooperativas serem organizações autônomas, de ajuda mútua
e controlada pelos sócios. A educação, formação e informação designa que as
cooperativas promovam a educação e a formação dos seus membros e de seus
representantes legais, para que esses possam contribuir eficazmente para o
desenvolvimento de suas cooperativas, também divulgam à comunidade em geral,
sobre a natureza e as vantagens da cooperação. Com o princípio da
intercooperação as cooperativas praticam a união, a cooperação e a solidariedade
entre elas, por isso são mais eficazes e dão mais força ao movimento cooperativo
trabalhando em conjunto com outras cooperativas locais, regionais, nacionais e
internacionais. O compromisso com a comunidade é um dos princípios mais
importantes, baseado nele as cooperativas trabalham para o desenvolvimento
sustentado de suas comunidades, e sobre toda a iniciativa prevalece o interesse da
comunidade. (MANICA; SCHMIDT, 2012).
A partir dos fundamentos do cooperativismo, que prevê a participação
coletiva, os diálogos e a capacidade de organização dos atores que compõem a
cooperativa é que se dará a sustentabilidade da organização na sua forma
239
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
fundamental, que é a confiança na relação entre os cooperados e dirigentes das
cooperativas.
Simioni (2009) procura demonstrar que a deslealdade e o oportunismo estão
presentes na organização cooperativa tanto entre os cooperados quanto entre os
dirigentes, contrariando os princípios do cooperativismo. Uma das causas desta
deslealdade seria consequência das demandas do mercado competitivo, às quais as
organizações cooperativas não conseguem responder uma vez que as relações com
as empresas modificam-se a todo instante. Outro fator que aparece neste estudo é a
dificuldade de qualificação organizacional, como a falta de capacidade de
adequação às mudanças, às novas tecnologias, e a instabilidade econômica das
últimas décadas.
3 OVINOCULTURA E PRODUÇÃO DE LÃS NO RIO GRANDE DO SUL
No Brasil, os primeiros ovinos chegaram em 1556, trazidos pelos
colonizadores, e se espalharam pelos campos brasileiros. A produção laneira no Rio
Grande do Sul teve seu estabelecimento como atividade econômica no início do século
XX, devido à valorização no mercado internacional e, a partir da década de 40, com o
incremento tecnológico da produção (VIANA et al., 2009). Com este cenário, muitas
cooperativas de lã foram criadas no Estado, principalmente, na região sul do RS.
Segundo Romero (1995), após a Segunda Guerra Mundial surgiu a fibra
sintética, de origem petroquímica. Em 1955, as fibras sintéticas começaram a ser
produzidas no Brasil pela Rhodia e, a partir da década de 60, tiveram um
crescimento constante.
As fibras químicas, primeiramente as artificiais e, em seguida, as sintéticas,
foram, progressivamente, deslocando do mercado as fibras naturais. Em âmbito
mundial, em 1993, as fibras químicas e as naturais praticamente dividiam igualmente
o mercado entre si, com pequena predominância das naturais.
No Brasil, desde sua introdução, e, principalmente, a partir da década de 60,
não só a produção, mas também o consumo das fibras artificiais e sintéticas tem sido
crescente, saindo de 8,2% sobre o consumo total de fibras em 1963, para atingir 21,7%
no começo dos anos 70 até alcançar cerca de 30% nos dias de hoje. (ROMERO, 1995).
240
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
A utilização da lã caiu drasticamente com a produção no Brasil, a partir de
1968, do acrílico, melhor substituto para a lã, por ser quente, leve, não alergênico e
de baixo custo.
No entanto, como a participação de mercado das cooperativas de lã era
voltada, exclusivamente, à classificação e venda de lã, com a perda do valor deste
produto no mercado internacional e nacional, causado pela entrada de fibras de
origem sintética, a grande maioria das cooperativas entrou em falência. Também em
consequência da desvalorização da lã, os rebanhos da região começaram a
diminuir, paulatinamente, chegando a 5,6 milhões de cabeças no ano de 2000, ou
38,5% do efetivo nacional. De lá para cá, a situação ficou ainda pior, e hoje, este
número é inferior a 3 milhões de cabeças.
No apogeu da produção de lã no RS, a ovinocultura estabelecia-se nas
grandes propriedades da região sempre conjugada com a bovinocultura de corte.
Com o estabelecimento do fordismo na década de 70, começaram a
aparecer os problemas estruturais de lucratividade no sistema produtivo do
capitalismo. Segundo Moraes e Schneider (2010), as novas configurações do
capitalismo contemporâneo resultam na crescente importância da ação dos atores e
do território na economia.
[...] Por um lado, a globalização está relacionada com a expansão da escala
de atuação das empresas, ampliando os mercados e a organização da
produção. Por outro, o local passa a ser o espaço onde as potencialidades e
os recursos são aproveitados, em conjunto com as oportunidades externas,
dentro de uma estratégia local dos atores sociais, que inclui a organização
do território e políticas de desenvolvimento local [...]. (MORAES;
SCHNEIDER, 2010).
Desta maneira, em busca de oportunidades e aproveitando os espaços
deixados pelo grande estancieiro, surgiu, na região sul, um novo perfil de produtores
de ovinos, o Pecuarista Familiar.
4 A ORIGEM DO GADO NO RIO GRANDE DO SUL
Os jesuítas foram os responsáveis pela introdução do gado no Rio Grande
do Sul, e segundo Magalhães (2002), a vocação pecuária somada à militar acabaria
por definir o perfil sociológico do Estado.
241
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
O gado veio de Assunção, Paraguai, porém sua origem provém da pecuária
paulista, que, por sua vez, era uma extensão das criações portuguesas nas ilhas do
Atlântico. (MAGALHÃES, 2002).
Segundo Magalhães (2002), “Além de bois, muitos cavalos, ovelhas e,
sobretudo mulas, via Assunção ou via Buenos Aires, penetraram nas primeiras
reduções rio-grandenses a partir de 1629”. Com o fim das reduções, este gado ficou
no Rio Grande do Sul, multiplicando-se e dando origem à posterior valorização
econômica do território.
5 PRODUÇÃO PECUÁRIA COMO ATIVIDADE HEGEMÔNICA NO SUL DO RIO
GRANDE DO SUL
A instabilidade política da região desde a sua ocupação, sendo o Sul por
vezes pertencente aos espanhóis, por vezes, aos portugueses, culminando com
inúmeras guerras e revoluções, e associada às condições climáticas e ambientais,
como o bioma Pampa, favoreciam a criação de gado, ao mesmo tempo em que
dificultavam o estabelecimento de outro tipo de exploração, as lavouras, por
exemplo. Os constantes conflitos geravam insegurança ao gaúcho habitante da
região. Segundo Ribeiro (2009), estes fatores foram importantes na formação
cultural do “gaúcho” desta região, pois reforçaram valores como o individualismo, a
desconfiança onde o sentido da defesa é permanente, a relação com o cavalo e com
a atividade extensiva de corte, sem o cultivo intenso da terra.
6 PECUÁRIA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO RURAL
Segundo a definição utilizada pela EMATER/RS baseada em Coimbra e
Cachapuz (2002), o pecuarista familiar é aquele que se caracteriza por:
a) pecuarista familiar é aquele produtor que tem como sua principal fonte de
renda a criação de bovinos de corte / ovinos ou que tenha estas atividades
ocupando a expressiva maior parte da área do seu estabelecimento rural;
b) para caracterizar-se como pecuarista familiar (beneficiário dos serviços
públicos de extensão rural) deve atender cumulativamente os seguintes
parâmetros:
- morar na propriedade rural ou em aglomerado urbano próximo;
242
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
- ter no mínimo 80% da renda gerada na atividade agropecuária;
- usar mão de obra familiar, considerando-se os critérios normalmente
adotados para caracterizar a agricultura familiar (PRONAF);
- ter renda bruta anual não superior a R$ 40.000,00;
- ser proprietário ou arrendatário de estabelecimento (área contígua ou
não) com área não superior a 300 ha.
Na metade sul, este público encontra-se em abundância, segundo
levantamentos da EMATER/RS (2004), a região Sul, correspondente ao regional
Pelotas da EMATER/RS, possui cerca de 10.500 famílias caracterizadas como
Pecuaristas Familiares. Luizelli (2001) constata que a agricultura familiar da região sul é
oriunda da subdivisão das grandes propriedades, na sua grande maioria, subdivididas
por partilha. Este agricultor "encontra-se disperso e entremeado com as fazendas e
estâncias, praticando em áreas menores a mesma atividade e nos mesmos moldes das
primeiras". Luizelli (2001) constata que o modo de produção desta agricultura familiar
reproduz o modo extensivo utilizado na grande propriedade, ou seja, na metade sul as
grandes estâncias que, desde a sua origem produziam como base a criação extensiva
de ovinos e bovinos, são reproduzidas na pequena propriedade.
O pecuarista familiar, segundo Ribeiro (2009), é tipo especial de agricultor
familiar. Sobre esta visão é fundamental compreender as premissas que se interrelacionam referentes à agricultura familiar. Segundo Ploeg (2009), a agricultura
camponesa na Europa, ou familiar, tem demonstrado uma forma de resistência e
continuidade, contrariando as expectativas, enquanto a agricultura empresarial estaria
fadada a acabar. Outro fator seria que a diferença entre os dois modos de produção
estaria relacionada à forma de produção, de distribuição e de apropriação dos valores.
Em especial o modo de produção de valor está articulado com o desenvolvimento rural.
Ploeg (2009) relata que a agricultura camponesa não pode ser vista como
atrasada e que não é um obstáculo para o desenvolvimento e a mudança, pelo
contrário, pode ser um excelente ponto de partida para o desenvolvimento.
Kageyama (2009), quando se refere a desenvolvimento rural, diz que o
mesmo deve combinar o aspecto econômico (aumento do nível de estabilidade da
renda familiar), o aspecto social (obtenção de um nível socialmente aceitável) e a
diversificação das atividades que geram renda.
243
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
7 METODOLOGIA
Para a realização deste artigo foram entrevistados 23 cooperados da
Cooperativa de Lãs Mauá, no município de Jaguarão. Esta amostra representa um
pouco mais de 10% dos 70% de agricultores familiares associados a esta cooperativa.
A escolha dos entrevistados ocorreu de modo aleatório através de sorteio, não havendo
nenhuma intervenção sobre as escolhas. Para estes associados foi realizada uma visita
à propriedade e foi aplicado um diagnóstico (Anexo A), em que foram avaliadas
questões de caracterização fundiária e uso da terra, acessibilidade, moradia, lazer,
tecnologia, avaliação institucional/capital social e de proteção social.
Também foi realizado um diagnóstico (Anexo B) com os dirigentes da
cooperativa, com questões que apresentavam similaridade às aplicadas aos
cooperados, mas com o enfoque (visão) dos dirigentes.
Foram analisados documentos da Cooperativa de Lãs Mauá, como os livros
de atas, cadastros de cooperados, bem como estatutos, uma vez que a cooperativa
sofreu duas modificações estatutárias.
8 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Cooperativa Mauá foi fundada em 21 de abril de 1952, na cidade de
Jaguarão, no Rio Grande do Sul, com o objetivo subscrito em ata conforme relato a
seguir:
[...] e como objetivo econômico de reunir os ovinocultores com sua área de
ação para promover a defesa de seus interesses ligados à produção de lãs,
pela classificação de lãs e vendas em comum das mesmas. [...]
(COOPERATIVA DE LÃS MAUÁ, 1952).
A partir da transcrição do livro Ata em que consta a fundação da cooperativa
fica claro que os objetivos estavam voltados exclusivamente para atender a
produção de lãs e estavam de acordo com a época de fundação, pois se tratava do
apogeu da produção de lãs (VIANA et al., 2009) e anterior à fabricação dos tecidos
sintéticos no Brasil, na década de 60, conforme relatado por Romero (1995).
Com a modificação do cenário da lã no Brasil surgiu a necessidade de
adequação nos objetivos da cooperativa, havendo uma reformulação estatutária, em
244
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
que os objetivos da cooperativa passaram a ser muito mais amplos que os iniciais,
conforme pode ser visto pela transcrição da ata nº 56 de 1988 a seguir:
ARTIGO 2º – A Cooperativa tem por objetivo congregar os ovinocultores e
produtores rurais de sua área de ação, proceder a mais ampla defesa de
seus interesses comuns e promover a valorização da qualidade de vida
econômica e social de seus associados. (COOPERATIVA DE LÃS MAUÁ,
1988).
É possível verificar a mudança nos objetivos, uma vez que a cooperativa
deixa de defender apenas os interesses dos ovinocultores e passa a congregar
também os demais produtores rurais, e, ainda, a defender os interesses comuns,
abre, portanto, a possibilidade de atuar, além da produção de lãs, também com
outros produtos rurais. Também é possível verificar a visão social que foi suprimida
no primeiro estatuto, cumprindo, desta forma, os princípios do cooperativismo.
Em primeiro de agosto de 2008, houve outra alteração estatutária
(COOPERATIVA DE LÃS MAUÁ, 2008), cujas adequações tiveram como objetivo a
adequação legal de alguns itens do estatuto de 1988.
Quando da fundação em 1952, conforme ata de fundação, assinaram como
fundadores 14 ovinocultores da região e mais 24 produtores interessados em
compor a cooperativa. No ano de fundação, a cooperativa contou com um quadro de
mais de 100 (cem) associados. Todos os participantes representavam grandes e
médios produtores do município. Tal situação ocorria porque, nesta ocasião, a
ovinocultura era detida por esta categoria de produtores.
Em 15 de janeiro de 2013, a cooperativa Mauá recebeu a declaração de
aptidão ao PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar),
a DAP jurídica (Declaração de Aptidão ao PRONAF), por possuir um quadro de 285
(duzentos e oitenta e cinco) associados ativos, sendo que, destes, 212 (duzentos e
doze) associados (74,12%) apresentavam reconhecimento pela Secretaria da
Agricultura Familiar (SAF) como agricultores familiares. Esta realidade comprova a
mudança no perfil do associado na cooperativa e corrobora com a tese da
necessidade de mudança nas estratégias de condução da cooperativa, baseados
nos interesses do agricultor familiar.
Quando da realização das entrevistas a campo, foi verificado que
aproximadamente 91% da amostra se dedica às atividades da bovinocultura de corte
e ovinos, e que a maioria dos cooperados da agricultura familiar (18) se dedicam à
245
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
bovinocultura de corte como primeira atividade na propriedade, seguido da
ovinocultura (14). (Tabela 1). Este resultado confirma o estudo de Torres (2001), em
Santana do Livramento, em que foi verificado que os agricultores familiares têm a
mesma lógica de reprodução social de outras regiões do estado, mas tendo a
exploração da pecuária de corte, a ovinocultura e as pequenas plantações como sua
principal fonte de subsistência. Também é possível verificar atividades transversais,
como a cultura da soja, recentemente introduzida na região, e hortigranjeiros,
mostrando uma diversificação na atividade que pode estar relacionada ao
desenvolvimento rural, conforme relaciona Kageyama (2009), o desenvolvimento
econômico e a diversificação da produção. Os produtores de soja não se classificam
como pecuaristas familiares, conforme a caracterização descrita por Coimbra e
Cachapuz (2000), mas sim como agricultores familiares. Quanto aos que declaram
produzir hortigranjeiros todos tem a bovinocultura de corte como a principal atividade,
somente um comercializa a produção e não se enquadra como pecuarista familiar, os 4
(quatro) demais tem a produção de hortigranjeiros para subsistência e se classificam
como tal. Todos os produtores que incluem a produção de hortigranjeiros manifestaram
interesse em aumentar a produção e comercializar os produtos se houvesse a
colaboração da cooperativa.
Tabela 1 - Uso da terra com classificação de ordem de importância das
atividades realizadas na propriedade.
Primeiro
Segundo
Bovinocultura de Corte
18
3
Ovinos
4
Terceiro
Quarto
Total
21
14
2
20
Soja e outras culturas
1
7
8
Hortigranjeiros
2
2
1
1
Outros
2
1
5
4
Fonte: Elaborada pela autora
Quanto ao tamanho das propriedades dos associados, foi verificado que 13
(treze) das 23 propriedades possuíam menos de 50 (cinquenta) hectares, 6 (seis)
possuíam de 51 a 150 hectares, e apenas 4 (quatro) possuíam mais de 151 hectares
(Gráfico 1). Portanto, na sua grande maioria, são propriedades bastante pequenas.
246
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Gráfico 5 - Caracterização fundiária, área explorada em hectares.
Fonte: Elaborado pela autora.
No estudo, foi verificado que 21 (vinte e um) dos 23 (vinte e três)
associados moravam em distâncias inferiores a 40 km da sede da cooperativa
(Gráfico 2), apenas 3 (três) cooperados consideravam o acesso da cidade ao seu
endereço como ruim (Gráfico 3), e 19 (dezenove) possuíam carro ou moto
(Tabela 2). Nenhum associado relatou dificuldades em deslocamento, pois,
mesmo os que não possuem veículo próprio, têm acesso a veículos públicos,
com rotas diárias em mais de um horário.
Estes dados contrariam a resposta dada pela direção da cooperativa, que
considera um dos motivos para o não comparecimento às assembleias a
dificuldade de deslocamento da residência do cooperado para o local de
realização das mesmas.
247
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Gráfico 6 - Distâncias em quilômetros da sede da cooperativa até as
propriedades.
Fonte: Elaborado pela autora.
Gráfico 7 - Condições de acesso, estado das estradas.
Fonte: Elaborado pela autora.
248
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Tabela 2 - Meio de locomoção utilizado pela família para se deslocar da
propriedade até a sede da cooperativa.
Meio de transporte
Carro
Moto
Ônibus
Carroça
Táxi
Total
14
5
4
1
1
Fonte: Elaborada pela autora.
Quanto às tecnologias de comunicação utilizadas na propriedade, os
diagnósticos demonstraram que todos os entrevistados possuíam TV, rádio e
telefone celular (Gráfico 4). O uso da internet ainda é incipiente, apenas 3
entrevistados fazem uso desta ferramenta. Os dirigentes da cooperativa informaram
que utilizam a mídia externa (rádio) para divulgar as assembleias e possibilitar aos
cooperados acesso às informações. Porém, embora todos os cooperados possuam
rádio, a maioria revelou não ouvi-lo com a mesma frequência que antigamente, e
que a televisão é utilizada de maneira mais constante. Outra maneira de divulgação
ocorre através de telefonemas para os cooperados, mas, no diagnóstico, os
entrevistados revelaram que 11 (onze) deles, representando menos de 50%
(cinquenta por cento), receberam algum telefonema da cooperativa para convite à
participação em assembleias ou reuniões, e 5 (cinco) dos entrevistados relatou que
nunca foi contatado pela cooperativa (Gráfico 5). Dois entrevistados revelaram
receber informações dos funcionários da cooperativa quando comparecem à sede
para compras de medicamentos da agropecuária.
249
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Gráfico 8 - Tecnologias de comunicação utilizadas nas propriedades.
Fonte: Elaborado pela autora.
Gráfico 9 - Modo de comunicação através do qual o cooperado recebe
informações sobre a cooperativa.
Fonte: Elaborado pela autora.
Quanto à avaliação institucional e ao capital social, todos os entrevistados
relataram conhecer o presidente, ao mesmo tempo em que apenas um diz ter
conhecimento da composição de toda a diretoria. Nenhum dos entrevistados
participou na diretoria ou dos conselhos. Estes dados confirmam a resposta da
diretoria da cooperativa de que não existe uma preocupação de representatividade
dos diferentes segmentos na formação de chapas para conselhos e nos processos
decisórios da cooperativa.
250
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Mesmo não havendo participação direta na diretoria, o cooperado ativo com
direito a voto igualitário deveria participar nas assembleias, mas, com referência aos
dados coletados, foi verificado que a maioria dos entrevistados não participa (Gráfico
6).
Gráfico 10 - Participação nas assembleias
Fonte: Elaborado pela autora.
Quando indagados se gostariam de conhecer o trabalho da diretoria da
cooperativa, 21 (vinte e um) dos 23 (vinte e três) entrevistados disseram não ter
conhecimento sobre o trabalho da diretoria e da situação financeira da cooperativa,
18 (dezoito) dos entrevistados disseram nunca ter recebido qualquer informação
sobre as ações da diretoria, seja por documento impresso ou informação direta, 4
(quatro) relataram receber alguma informação, ressaltando que as recebem quando
comparecem à sede da cooperativa e que as mesmas são repassadas pelos
funcionários, ao mesmo tempo em que 21 (vinte e um) cooperados manifestaram ter
interesse em saber mais sobre a cooperativa.
Por outro lado, o grau de satisfação na atual diretoria foi de 52%, 12 (doze)
entrevistados se sentem satisfeitos, 34% se sentem parcialmente satisfeitos, e 13%
relataram insatisfação ou desconhecimento do trabalho da diretoria (Gráfico 7).
251
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Gráfico 11 - Satisfação com o trabalho da diretoria.
Fonte: Elaborado pela autora.
O sentimento de pertencimento à cooperativa como elemento de importância
decisória é fraco entre os entrevistados. Apenas 4 (quatro) dos entrevistados se
sentem também donos da cooperativa, e, portanto, com poder de decisão sobre os
rumos da mesma (Gráfico 8). Este fato, juntamente com a baixa participação nas
assembleias, contraria o princípio da gestão democrática do cooperativismo de que,
segundo Manica e Schmidt (2012), as cooperativas são controladas pelos seus
associados, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na
tomada de decisões.
252
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Gráfico 12 - Sentimento de inclusão em relação a sentir-se dono da
cooperativa.
Fonte: Elaborado pela autora.
Vinte cooperados informaram não ter conhecimento do estatuto da
cooperativa, embora a diretoria informe que o mesmo é disponibilizado a todo
associado. Isso corrobora a necessidade de melhorar a comunicação entre
cooperativa e associado.
Embora os dirigentes da cooperativa informem haver cursos de capacitação
promovidos pela cooperativa, 21 (vinte e um) dos 23 (vinte e três) entrevistados
nunca participaram de cursos promovidos pela cooperativa. Um cooperado informou
que não sabia se o curso que havia feito sobre manejo ovino havia sido promovido
pela cooperativa ou por outra instituição. Quando indagados sobre o interesse de
participar em cursos de capacitação promovidos pela cooperativa, 15 (quinze)
declararam realizar cursos. A falta de capacitação do público Pecuarista Familiar já
havia sido constatada por Ribeiro (2009), em seu trabalho sobre este tipo especial
de agricultor familiar, que compõe a maioria dos associados da Mauá.
Quando perguntados sobre como se sentem por participar de uma
cooperativa, na tentativa de resgatar o sentimento de força que seria a
essência operacional do cooperativismo, a força do conjunto, mais de 50% dos
entrevistados afirmaram que não se sentiam diferente s ou valorizados por
pertencer a uma cooperativa (Gráfico 9). Oito por cento, 2 (dois) dos
253
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
entrevistados, achavam-se mais fracos e 42% sentiam-se mais fortes por
pertencer a uma cooperativa.
Gráfico 13 - Sentimento por ser cooperado, pertencibilidade.
Fonte: Elaborado pela autora.
Sobre este aspecto, quando consultados sobre o perfil do cooperado,
segundo uma escala de participação e visão cooperativista que classifica como “um”
o cooperado que usa a cooperativa como qualquer outra empresa, e “cinco”, quando
participa, defende e se identifica com os princípios cooperativistas, os dirigentes da
cooperativa responderam que os cooperados da Mauá estão na escala “três”, ou
seja, na média, não classificam a cooperativa como uma empresa comercial, mas
também não a veem como uma cooperativa na sua essência.
Em consequência desta baixa pertencibilidade à cooperativa, 11 (onze), ou
seja, quase 50% dos entrevistados, já comercializaram com terceiros produtos que
poderiam ser viabilizados junto à cooperativa. Vale ressaltar que a pergunta referiase a produtos que a cooperativa operacionalizava, neste caso a lã, e não aos
produtos que a cooperativa poderia operacionalizar e não o estava fazendo até o
momento, como os hortigranjeiros e produtos culturais como a soja e o milho
(Gráfico 10).
254
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
Gráfico 14 - Demonstrativo de comercialização de lãs com terceiros.
Fonte: Elaborado pela autora.
Vinte e dois cooperados responderam que nunca haviam sido consultados
sobre a sua produção, ou seja, sobre quais produtos produzem e têm potencial para
serem comercializados.
Quando
consultados
sobre
quais
benefícios
a
cooperativa
poderia
proporcionar aos associados, os entrevistados listaram uma série de benefícios
(Tabela 3) que contemplam os princípios do cooperativismo: benefícios na saúde, na
educação, no desenvolvimento regional, e facilidades aos cooperados, como a
compra coletiva de insumos e a comercialização de outros produtos produzidos na
propriedade.
Tabela 3 - Benefícios que a cooperativa poderia proporcionar as cooperados,
segundo manifestação dos entrevistados.
Benefícios
Desconto em lojas
Plano de saúde
Educação
Compra coletiva de insumos
Compra coletiva de pastagens
Número interessados
19
13
4
21
20
Comercialização de outros produtos da
propriedade além da lã
Nenhum
14
1
Fonte: Elaborada pela autora.
255
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que 74,12% dos associados da Cooperativa Mauá se
enquadram como agricultores familiares e que este público tem a exploração
pecuária baseada na bovinocultra de corte e na ovinocultura, e que a grande maioria
dos associados encontra-se em áreas reduzidas de exploração, a teoria de que a
ovinocultura está nas mãos da pequena propriedade parece se confirmar,
necessitando estudos mais aprofundados para confirmação.
A baixa participação dos cooperados em reuniões e assembleias da
Cooperativa de Lãs Mauá Ltda. parece estar ligada à falta de pertencibilidade e
compreensão do papel de cooperado entre o grupo de Pecuaristas Familiares, mas
a disposição em conhecer melhor a cooperativa demonstra abertura para que o
cooperativismo seja trabalhado no grupo.
A produção de informativos impressos a serem distribuídos aos cooperados,
com uma linguagem acessível, pode ser um instrumento eficaz para divulgar as
ações da cooperativa e seus dirigentes e, desta forma, incentivar a participação dos
cooperados.
O incentivo à representatividade na diretoria dos diversos tipos de
agricultores, em especial dos pecuaristas familiares, poderia aumentar o sentimento
de pertencibilidade e, desta forma, aumentar a participação dos cooperados em
assembleias e reuniões.
A atualização das informações cadastrais e de produtos produzidos pelos
associados e a mudança nas ações comerciais da cooperativa podem ser
excelentes pontos de partida para o desenvolvimento, aproveitando, desta forma, a
diversificação de produtos da agricultura familiar e o modo de vida camponês para o
fortalecimento da cooperativa e de seus associados.
REFERÊNCIAS
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extensão rural no Rio Grande do Sul com vistas às ações para o
desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: EMATER/RS, 2000. 43 p.
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em 21 de abril de 1952. Mauá, 1952. Livro 1.
256
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
COOPERATIVA DE LÃS MAUÁ. Ata de assembleia geral extraordinária para
mudança de estatuto, realizada em 01 de julho de 1988: ata 56. Mauá, 1988.
COOPERATIVA DE LÃS MAUÁ. Ata de assembleia geral extraordinária para
mudança de estatuto, realizada em 01 de agosto de 2008: ata 87. Mauá, 2008.
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257
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Pecuarista Familiar
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Maringá, v. 2, n. 1, p. 9-20, jan./abr. 2009.
ANEXO A- QUESTIONÁRIO DE PESQUISA COM ASSOCIADOS DE
COOPERATIVAS DE AGRICULTORES FAMILIARES
1. CARACTERÍSTICA
FUNDIÁRIA
E
USO
DA
TERRA,
ANIMAIS,
INSTALAÇÕES:
1.1.
Área terra total:..........................ha
1.1.1. Área própria:................................ha
1.1.2. Área arrendada de:.....................ha
1.1.3. Área arrendada para:..................ha
1.1.4. Área utilizável..............................ha
1.2.
Possui criação, qual:
1.3.
Listar as principais atividades da propriedade em ordem de importância:
1-
............................................................................................................
2-
............................................................................................................
3-
............................................................................................................
4-
............................................................................................................
5-
.............................................................................................................
258
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
1.4. Capacidade da produção:.....................................................................
2. TRANSPORTE
(acessibilidade),
MORADIA,
LAZER,
TECNOLOGIA,
CULTURA:
2.1.
Distância da sede da Cooperativa:...........Km
2.2.
Condições de acesso (estrada):
2.3.
Meio de transporte usado pela família:
ônibus (
2.4.
(
) Bom
(
) carro (
) Ruim
) moto (
)
(
) alvenaria
(
) madeira
) Sim
(
(
) misto
) Não
Possui na propriedade (marcar S para sim e N para não):
) telefone fixo (
2.6.
(
(
Tamanho aproximado da casa de moradia.............m²
2.4.2. Possui kit sanitário básico (banheiro)? (
(
) Regular
) outro, qual?.....................................................
2.4.1. Tipo de material:
2.5.
(
) telefone celular (
) TV (
) computador (
Embelezamento de arredores (ajardinamento): (
) internet
) bom
(
) ruim
) Não (
) Sim
) não possui
2.7.
Exerce atividade de liderança na comunidade? (
Se sim, qual?...............................................................................
2.8.
Destaque pontos fortes de sua comunidade:.................................................
2.9.
Destaque fragilidades de sua comunidade:....................................................
3.
AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL/CAPITAL SOCIAL
3.1.1. Você conhece o presidente da Cooperativa?
(
) Sim (
) Não
3.1.2. Conhece a diretoria?
(
) Sim (
) Não
3.1.3. Já participou da diretoria?
(
) Sim (
) Não
3.1.4. Já participou de conselhos?
(
) Sim (
(
) quando tem tempo
3.1.5. Você participa das assembleias?
(
(
) sempr
) Não
) não
3.1.6. Há quanto tempo é associado da Cooperativa?...........................................
3.1.7. Tem conhecimento do trabalho realizado pela diretoria da cooperativa?
(
) Sim
(
) Não
3.1.8. Percebe a necessidade de assistência técnica da cooperativa?
Sim
(
(
) Não
3.1.9. Você tem conhecimento da situação financeira da cooperativa? (
(
) Sim
) Não
3.2.
)
Você se sente, também, dono da Cooperativa?
(
) Sim
(
) Não
Por quê?...........................................................................................................
259
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
3.3.
Gostarias de conhecer mais a Cooperativa? (
) Sim (
) Não
Por quê?............................................................................................................
3.4.
Você conhece o Estatuto da Cooperativa?
3.5.
(
) Sim (
Já participou de cursos de capacitação?
(
) Não
) Sim (
) Não
Se sim, onde e que assunto?..................................................
3.6.
Que
outros
cursos
gostaria
de
realizar?.........................................................................................................
4.
PROTEÇÃO SOCIAL (confiança, segurança, satisfação).
4.1
Como se sente na Cooperativa? ( ) mais forte (
4.2
Com o trabalho da diretoria você se sente:
(
) satisfeito em partes
4.3
(
) mais fraco
(
) satisfeito
) insatisfeito
Com o atendimento na Cooperativa você se sente:
satisfeito
4.4
(
) satisfeito em partes
(
(
)
) insatisfeito
Com qual frequência recebe informações da Cooperativa (semanal,
mensal, anual)?
afirmação
4.5
(
(
) igual
(
Obs. Escrever a frequência na linha pontilhada ao lado da
) sempre (
) de vez em quando. (
) nunca
De que maneira a cooperativa se comunica com você?
) Telefone
Informativo
5.
(
(
) Rádio
) Assembleia
(
) Jornal
(
(
) Internet
(
) Mural
(
) Boletim
) Outro. Qual?....................................................
O que dificulta a sua participação ativa nas decisões da Cooperativa?
Como e quando gostaria de participar?
........................................................................................................................................
6.
Na sua visão qual o problema mais comum na Cooperativa?
........................................................................................................................................
7.
Que tipo de apoio gostaria de ter da Cooperativa?........................................
8.
A cooperativa ouve as suas perguntas e dá retorno sobre elas?
(
) Não
9.
(
) Sim (
) Às vezes
Comercializou com terceiros produtos que poderiam ser entregues à
cooperativa?
(
) Não
(
) Sim
Por quê?......................................................................................................................
10.
Quando foi a última entrega de produto que fez para a cooperativa?
......................................................................................................................................
11.
Não
A cooperativa costuma pedir informações sobre a sua produção? (
( ) Sim
260
)
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
12.
Você gostaria que a cooperativa criasse algum tipo de benefício para o
sócio?
(
) Descontos em loja
coletiva de insumo
(
(
) Plano de saúde
) Educação
) Compra de pastagem
outros produtos produzidos na propriedade.
13.
(
(
(
(
) Compra
) Comercialização de
) Outros. Quais?
Para que serve a cooperativa? ......................................................................
ANEXO B -QUESTIONÁRIO
Cooperativa:.............................
1.
Quantos cooperados assinaram a lista de presença na última Assembleia
Geral Ordinária? ............................. Qual a data?...................................
2.
No caso de ter ocorrido baixa participação dos cooperados na última
Assembleia, assinale a opção que explica essa baixa participação. Marque mais de
uma, se necessário!
(
) Dificuldade de deslocamento da residência do cooperado para o local de
realização da assembleia.
( ) Confiança do cooperado na administração da cooperativa
( ) Não realização de festividades e/ou sorteio de brindes
(
) Falta de conhecimento do cooperado a respeito da sua importância na
assembleia
( ) Falta de mobilização ou de convite dirigido
( ) Outras. Quais?..............................................................................................
3.
Que medidas são adotadas pela cooperativa com o objetivo de estimular a
participação dos cooperados nas assembleias. Marque mais de um, se
necessário!
(
) Não há ação específica
(
) Oferta de transporte por parte da cooperativa, para levar os cooperados ao
local de realização da assembleia
( ) Realização de festividades e/ou sorteio de brindes
( ) Realização de programas de educação cooperativista
( ) Realização de programas de educação financeira
( ) Outras. Quais?..............................................................................................
4.
A cooperativa realiza reuniões periódicas com seus cooperados?
( ) Se sim, qual período?..........................................................
( ) Não
5.
Com base na sua vivência dentro da cooperativa, quais os DOIS fatores que
melhor explicam a motivação dos cooperados a comparecerem às assembleias?
( ) Eleição com a existência de chapas concorrentes
( ) Realização de festividades e/ou sorteio de brindes
( ) Comunicação do rateio de perdas e/ou despesas
( ) Comunicação do rateio das sobras
261
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
(
) Aprovação das contas e destinação do FATES (Fundo obrigatório para
assistência técnica e educacional)
( ) Outros. Quais?..............................................................................................
6.
As pautas das assembleias gerais incluem os itens “Outros Assuntos”,
“Assuntos Gerais”, ou similares?
( ) Sim ( ) Não
7.
Os itens do edital de convocação das Assembleias Gerais permitem aos
cooperados a compreensão dos temas que serão tratados sem exigir pedidos de
explicação?
( ) Sim ( ) Não
8.
Há mecanismos formais que permitam aos cooperados incluírem itens nas
pautas das assembleias, previamente à sua realização?
( ) Se sim, qual?....................................................................... ( ) Não
9.
Na última assembleia geral ouve caso de inclusão de itens pelos cooperados?
( ) Sim ( ) Não
10.
Existe comitê eleitoral formalizado com independência para conduzir os
processos eletivos na cooperativa?
( ) Sim ( ) Não
11.
Qual o mecanismo de eleição utilizado na cooperativa?
A ( ) Votação realizada na pré assembleia, para ratificação posterior na assembleia
B ( ) Voto por delegação
C ( ) Votação realizada na própria assembleia
D ( ) Outro. Qual?..............................................................................................
12.
Nas decisões da assembleia ocorre contagem dos votos COM registro em ata
do resultado?
( ) Sim ( ) Não
13.
Os nomes dos candidatos a cargos eletivos são divulgados previamente a
realização da assembleia que fará a escolha?
( ) Sim ( ) Não
14.
Os membros do Conselho Fiscal são votados:
A ( ) Individualmente B ( ) Por chapa
15.
Em alguma das últimas 3 eleições para o Conselho Administrativo/Diretoria
ocorreu a candidatura de mais de uma chapa?
( ) Sim ( ) Não
16.
Quais as DUAS formas mais utilizadas pelos cooperados para expressar sua
opinião sobre a cooperativa?
A ( ) Pré-assembleias
B ( ) Caixa de sugestões na sede da cooperativa
C ( ) Espaço para sugestão no site
D ( ) Pesquisa periódica de opinião/ satisfação
E ( ) Conversas informais (não documentadas) com dirigentes
F ( ) Conversas informais com gerentes e funcionários
G ( ) Outra(s). Qual (is)?..................................................................................
17.
Na formação das chapas para os conselhos e nos processos decisórios da
cooperativa, há preocupação com a representatividade dos diferentes segmentos de
cooperados. (Marque somente uma alternativa)
A ( ) Sim, cada segmento possui um representante no Cons. Adm. ou Cons. Fiscal
B (
) Sim, cada segmento se reúne em pré-assembleias para discutir seus
interesses e eleger delegado que o representará nas assembleias gerais
262
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
C ( ) Sim, os representantes de cada segmento se reúnem periodicamente com o
CA/Diretoria para discutir e levar as reivindicações de seus grupos
D ( ) Não existe uma preocupação da representatividade dos diferentes segmentos
E ( ) Sim, outra forma:.......................................................................................
F ( ) Não se aplica
18.
Que canais são utilizados pela cooperativa para possibilitar aos cooperados
acesso às informações? Marque mais de um, se necessário!
A ( ) Mural
B ( ) Internet
C ( ) Boletim/Jornal próprio
D ( ) Pré-assembleias
E ( ) Mídia externa (jornal, revista, rádio ou TV)
F ( ) Nenhum
G ( ) Outro: Qual?....................................................................................
19.
Como você classifica o perfil do cooperado de sua cooperativa, segundo uma
escala de participação e visão cooperativista? Marque um dos números.
Usa a cooperativa como qualquer outra empresa comercial.
2
1
3
4
5
Participa, defende e se identifica com os princípios cooperativistas.
20.
A cooperativa promove programas de educação cooperativista?
( ) Sim ( ) Não
21.
A cooperativa promove programas de educação financeira?
( ) Sim ( ) Não
22.
A cooperativa tem projeto específico para formação de novas lideranças?
( ) Sim ( ) Não
23.
O cooperado quando da sua entrada na cooperativa, recebe ou tem acesso
ao estatuto social?
( ) Sim ( ) Não
24.
Quantos membros estatutários do Conselho Administrativo/Diretoria
cumprem expediente diário na cooperativa?....................................................
25.
A condução dos assuntos administrativos do dia a dia da cooperativa é
executada principalmente por: (Marque somente uma alternativa)
A ( ) Um diretor eleito com funções executivas
B ( ) Um diretor-gerente contratado
26.
A cooperativa possui regimento interno?
( ) Sim ( ) Não
27.
Que percentual (%) de tempo as seguintes atividades demandam na atuação
dos conselheiros de administração ou diretores sem função executiva? Atribua
valores de forma que o total seja igual a 100%.
A ( ) Atender cooperados
B ( ) Acompanhar atuação dos diretores executivos, ou assistentes adm.
C ( ) Definir ou analisar estratégia
D ( ) Atividades operacionais
E ( ) Realizar contatos externos
F ( ) Verificar números e operações
263
Capítulo XII - Mudança no Quadro Social da Cooperativa de Lãs Mauá do Estancieiro ao
Pecuarista Familiar
G ( ) Outras. Quais?...........................................................................................
28.
Existe limitação formal (estatuto ou regimento) para o número de reeleições
de um mesmo membro dos órgãos estatutários (Cons. Adm. e Cons. Fisc.)?
( ) Sim ( ) Não
29.
O Cons. Adm. em suas reuniões ordinárias, toma conhecimento das decisões
do Conselho Fiscal na reunião imediatamente anterior?
( ) Sim ( ) Não
30.
Existe regulamentação para a negociação comercial da cooperativa com
membros ou parentes dos membros dos conselhos ou com empresas onde estes
detenham participação relevante?
( ) Sim ( ) Não
31.
Existe processo regular de apresentação da cooperativa aos novos
membros da diretoria, contemplando tanto informações internas quanto as
descrições e responsabilidades de sua função?
( ) Sim ( ) Não
32.
Existe mecanismo formal utilizado para avaliação periódica da atuação do:
Conselho Administrativo
( ) Sim ( ) Não
Gerente contratado (Se for o caso)
( ) Sim ( ) Não
O que deve ser feito para melhorar a participação do sócio/dono na cooperativa?
264
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos
pequenos agricultores da Região Sul (COOPAR)
PEGLOW, Karin44
COTRIM, Décio Souza45
RESUMO
Estudo de caso que sistematiza e analisa as ações e metodologia dos processos de
educação e formação cooperativa, desenvolvidas pela Cooperativa Mista dos
Pequenos Agricultores da Região Sul (COOPAR), no âmbito de municípios do
Território Zona Sul. A práxis da cooperativa nos processos educativos é apresentada
a partir da caracterização de três períodos. O primeiro refere-se a etapa pré
constituição da cooperativa, caracterizado por atividades de formação junto a grupos
informais e associações, formação de lideranças abordando aspectos e princípios de
cooperação, bem como ações de cooperação “experienciadas” por estas
organizações no âmbito da comercialização direta de seus produtos. O segundo
período, do momento da fundação, em 1992 até 2000, onde ocorre a estruturação
da cooperativa, nas primeiras três gestões, com diferentes atividades de formação e
educação cooperativa, voltada para associados e não associados, jovens, conselho
administrativo e direção. O terceiro período, de 2000 até 2013, corresponde ao
período de expansão da cooperativa, tanto do ponto de vista das suas atividades e
estrutura, como do seu quadro de associados, que passa de 510 para 3008, com
ações de educação cooperativa que vão se modificando à medida que o quadro de
associados aumenta. O artigo analisa os processos educativos caracterizados pela
ação e reflexão, constituindo a práxis da COOPAR, ao longo da sua trajetória de
vinte e um anos, evidenciando a importância deste tema para sustentabilidade da
cultura da cooperação.
Palavras-chave: Educação e formação cooperativa. Processos educativos. Cultura
da cooperação. Cooperativismo.
ABSTRACT
Case study that systematizes and analyzes the actions of the methodology and
processes of education and training measures developed by the Cooperative of
Small Farmers in the South (COOPAR) within the counties of the Territory South
Zone Praxis cooperative educational processes is presented from the
characterization of three periods. The first refers to the pre establishment of the
cooperative, characterized by formation activities along with informal groups and
associations, leadership training addressing aspects and principles of cooperation as
well as cooperation actions "experienced" by these organizations within the direct
marketing of its products. The second period, from the time of foundation in 1992
until 2000, which is the structure of the cooperative, the first three terms, with
different training activities and cooperative education, focused on associated and
non-associated youth board and direction. The third period, from 2000 to 2013
44
45
Enfermeira, Extensionista Rural Social da EMATER/RS-ASCAR, Especialista em Saúde Mental
Coletiva, e-mail: [email protected].
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
265
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
corresponds to the period of expansion of the cooperative, both from the point of
view of its activities and structure, as its membership, going from 510 to 3008, with
shares of cooperative education that will changing as the associated frame
increases. The article analyzes the educational processes characterized by action
and reflection, constituting the practice of COOPAR along the trajectory of twentyone years old, highlighting the importance of this issue for sustainability culture of
cooperation.
Keywords: Education and training measures. Educational processes. Culture of
cooperation. Cooperatives.
1 INTRODUÇÃO
A educação, informação e formação, representam o quinto princípio do
cooperativismo e constituem um dos mecanismos fundamentais para atingir o
desenvolvimento econômico e social das cooperativas. Desde o início da
constituição da primeira cooperativa, a “Sociedade dos Probos Pioneiros de
Rochdale”, a prática da educação cooperativa já existia e era tida como elemento
fundamental para a mesma. Tinha a ideia de que a educação deveria ser parte
integrante da cooperativa, e os associados deveriam crescer também no âmbito do
conhecimento. (SCHNEIDER, 2010).
A Aliança Cooperativista Internacional define que “o fomento da educação
cooperativa torna possível a observância e a aplicação dos demais princípios
cooperativistas”. Por isto, a verdadeira educação cooperativista deve conter tanto a
capacitação doutrinária quanto a prática da cooperação. A promoção da educação
cooperativa é norma fundamental para a organização e o funcionamento das
organizações cooperativas. (PASSOS, 2008).
Para a efetivação deste princípio, a legislação46 determina a constituição do
Fundo de Assistência Técnica Educacional e Social (FATES), que se destina à
prestação de assistência aos associados, seus familiares e, quando previsto nos
estatutos, aos empregados da cooperativa. É constituído de no mínimo 5% (cinco
por cento) das sobras líquidas apuradas no exercício, resultante do ato cooperativo.
A educação cooperativista deve propor-se a construir e vivenciar atitudes e
valores de cooperação e cidadania, por meio de práticas de educação cooperativa.
46
Lei 5.764/71. Lei Federal que Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime
jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Em seu art. 28, inciso II trata do
Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, destinado a prestação de assistência aos
associados, seus familiares e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa,
constituído de 5% (cinco por cento), pelo menos, das sobras líquidas apuradas no exercício.
266
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
Segundo Schneider (2010), a educação cooperativa é voltada para aprofundar a
identidade cooperativa, seu projeto de sociedade e economia e constitui sua visão
sobre a dignidade da pessoa humana, seus valores, princípios e normas, seu estilo
de vida e de trabalho que pretende construir, contribuindo para a elaboração de uma
identidade comum entre os associados.
Conforme o mesmo autor, os processos educacionais são formas diferentes
de os seres humanos partirem do que são para aquilo que querem ser. Segundo ele,
na visão freireana há duas modalidades de educação: a “bancária”, que torna as
pessoas menos humanas, dominadas, onde alguém é depositário do saber e outro
recebe passivamente o saber, transmitido “de cima para baixo”. A outra modalidade,
a “libertadora”, que leva o educador a estimular os educandos a serem
protagonistas, sujeitos ativos e autônomos, solidários, fazendo com que as pessoas
deixem de ser o que são para serem conscientes mais livres e humanas.
(SCHNEIDER, 2010, p. 29). Para o autor, a educação é a compreensão ampliada de
formação, envolvendo a cultura, os valores, as ideias, crenças e representações
coletivas. Conceitua educação cooperativa como um conjunto de ensinamentos que
proporcionam não só um aporte cultural aos envolvidos, mas trabalham valores,
princípios e normas, neste caso do cooperativismo, caracterizado por uma educação
voltada ao desenvolvimento da pessoa humana, plenamente consciente do seu
papel e de sua responsabilidade na cooperativa e consequentemente na sociedade.
Já a formação é caracterizada por Schneider (2010), como um processo que
engloba o desenvolvimento pessoal e o desempenho profissional das pessoas
envolvidas, compreendendo um “processo formativo” como um sistema organizado
no qual estão envolvidos tanto os sujeitos que se preparam para ser profissionais,
quanto aqueles que já estão engajados na atividade profissional, envolvendo
processos colaborativos constituídos por estratégias que facilitem a compreensão, o
planejamento, a ação e reflexão conjunta acerca do que se pretende fazer e de que
caminhos percorrer para alcançar os objetivos pretendidos, tendo como princípio a
possibilidade de aperfeiçoamento das capacidades do indivíduo.
A relevância do tema da educação e formação cooperativa está relacionada
ao desafio da manutenção da identidade cooperativa, tendo em vista as complexas
e rápidas mudanças sócio culturais e econômicas advindas do processo de
globalização. Além disso, o cooperativismo ainda é visto por muitos como algo
mascarado, relacionado a envolvimento político, sendo que os próprios associados
267
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
não conseguem conceituar “o que é uma cooperativa”. (SCHNEIDER, 2010, p. 27).
Na região sul, Wojahn (1990) analisou diversas experiências de cooperativas que
influenciaram negativamente a visão dos agricultores pela forma como foram
constituídas e atuaram.
O presente estudo pretendeu sistematizar e analisar o processo de educação
e formação cooperativa, desenvolvido pela Cooperativa Mista dos Pequenos
Agricultores da Região Sul (COOPAR), desde o período que antecedeu e deu
origem à cooperativa, até o momento atual. Nesse sentido, pretendeu-se
sistematizar as ações e metodologia utilizadas pela cooperativa, na formação do seu
quadro de associados, nas diferentes etapas da sua trajetória, bem como identificar
a percepção de dirigentes verificando quais os processos de formação existiram,
como se modificaram e se persistiram ao longo dos 21 anos da cooperativa.
A partir da práxis da cooperativa, ou seja, a articulação da teoria e da prática
da COOPAR, procurou-se identificar e compreender a importância deste tema para
a sustentabilidade do modelo cooperativista, bem como sua replicabilidade por
outras cooperativas e instituições de apoio e assistência técnica e extensão rural.
Para identificação das ações de educação cooperativa desenvolvidas pela
COOPAR, foram realizadas entrevistas com os ex-presidentes, consultas ao livro de
Atas das Assembleias da COOPAR, jornais comemorativos, relatórios de atividades,
site Pomerano Alimentos e o vídeo institucional apresentado na Assembleia Geral
ordinária de 2013. Com base nessas atividades, estruturou-se a descrição das
mesmas em períodos, conforme apresentados na sequência.
2 A COOPERAÇÃO NO TERRITÓRIO ZONA SUL DO RS
O Território Zona Sul do Estado do RS é composto por 25 municípios:
Aceguá, Canguçu, Pinheiro Machado, Arroio do Padre, Cerrito, Pedras Altas, Herval,
Piratini, Hulha Negra, Morro Redondo, Pedro Osório, Amaral Ferrador, Arroio
Grande, Candiota, Capão do Leão, Cristal, Jaguarão, Pelotas, Rio Grande, Chuí,
Santana da Boa Vista, Santa Vitória do Palmar, São José do Norte, São Lourenço
do Sul, Turuçu. A população total do território47 é de 863.956 habitantes, dos quais
151.765 vivem na área rural, o que corresponde a 17,57% do total. Possui uma
diversidade de públicos composta por 32.160 agricultores familiares, 3.615 famílias
47
PORTAL da Cidadania (2013).
268
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
assentadas, 8.529 pescadores artesanais, 36 comunidades quilombolas. Seu IDH
médio é 0,79, conforme o Sistema de Informações Territoriais do MDA.
Dos 25 municípios, 23 caracterizam-se como municípios rurais, com
características e um modo de vida caracterizado pela ruralidade, além de sua
economia que está ligada prioritariamente à agropecuária. (CAPA, 2009).
A Zona Sul do Rio Grande do Sul possui características próprias da
população formadora da sociedade Sul-Riograndense, que remonta a meados do
século XVIII e peculiaridades quanto ao clima, solo, distribuição fundiária. As
populações que mais migraram para esta região foram os portugueses,
alemães/pomeranos, italianos e poloneses. Estas etnias formaram núcleos
geradores de riquezas e criaram-se colônias que preservam e valorizam suas
culturas e relações trazidas com seus antepassados. Conforme Reichert (2008), os
sistemas de produção presentes no Território Sul podem ser agrupados nas
seguintes categorias: sistema pastoril convencional; sistema de lavoura empresarial
e sistema de lavoura e pecuária familiar. As propriedades acima de 100 ha
correspondem a 12% do total e ocupam 77,6% da área agrícola; já as pequenas
propriedades, com área até 100 ha, equivalem a 84% do total de estabelecimentos
rurais, ocupando 22,4% da área.
Destes 25 municípios, 21 encontram-se no âmbito de atuação da Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul - Associação Sulina de
Crédito e Assistência Rural (EMATER/RS-ASCAR) através do Escritório Regional de
Pelotas. A EMATER/RS-ASCAR é a principal instituição responsável pela
elaboração e execução de políticas públicas voltadas para o meio rural do RS. Sua
atuação envolve um amplo conjunto de programas e projetos voltados para o
desenvolvimento rural, de forma integrada e sustentável, envolvendo ações voltadas
para a geração de renda, melhoria da qualidade de vida, inclusão social e produtiva
e promoção da cidadania das famílias rurais. Possui 492 escritórios municipais, dez
escritórios regionais e o escritório central, atuando na perspectiva de contribuir para
a promoção do desenvolvimento rural sustentável. Em 2011 foram constituídas
Unidades de Cooperativismo, estas unidades são estruturas compostas por equipes
técnicas de caráter multidisciplinar, especializada no atendimento às cooperativas
distribuídas no território do RS. (EMATER/RS, 2012).
As ações de Assistência Técnica e Extensão Rural desenvolvidas vêm
incentivando a cooperação em diversos aspectos, efetivando-se um número
269
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
significativo de grupos informais, associações e, mais recentemente, cooperativas.
As cooperativas constituem-se como uma importante ferramenta de organização
social para a melhoria econômica da população. As recentes demandas do
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e a ampliação do Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA), aliado às ações do Governo do Estado/RS voltadas
para as compras institucionais apontam grandes oportunidades para este público do
Território.
Porém, um grande entrave ainda existente, seja nas atuais como na
constituição de novas cooperativas, reside na compreensão e vivência cooperativa.
Na região, várias cooperativas existiram e deixaram marcas extremamente
negativas, pela sua forma de gestão e característica. Muitas faliram deixando
agricultores sem receber, bem como a experiência de cooperativas de maior porte
que acabam distanciando-se do seu associado, mantendo apenas o vínculo
comercial e não mais social e organizativo. Além disso, Wojahn (1990) aponta o
baixo nível cultural e a mentalidade individualista como fatores que contribuíram
para a visão negativa em relação ao cooperativismo.
As cooperativas existentes, datadas inicialmente da década de 30, como uma
cooperativa de bataticultores, produto de destaque na região e no município de São
Lourenço do Sul, Cooperativa Mista Lourenciana Ltda., Cooperativa de Arroz de São
Lourenço do Sul, Cooperativa Sul Riograndense de Grãos Ltda., Cooperativa Sul
Riograndense de Laticínios Ltda, tiveram históricos de problemas administrativos e
de gestão, não pagamento de produtos dos associados, bem como outros
problemas descritos por Wojahn (1990). Há inclusive um estudo referente a
influência da COOPAR e do trabalho desenvolvido junto às associações, como base
para as mudanças políticas e resultados eleitorais, alterando a referência ao
conservadorismo político. (WAGNER, 2004).
3 A COOPAR: ARTICULANDO TEORIA E PRÁTICA
No sentido de articular a teoria com a prática, insere-se a experiência da
COOPAR, localizada no interior do município de São Lourenço do Sul/RS, criada em
1992, para atender as necessidades dos agricultores familiares da região, por conta
das dificuldades e limites relacionados à comercialização dos seus produtos,
caracterizados pela diversidade na produção de alimentos. A estrutura de pequenos
270
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
comércios e intermediários não conseguia mais responder as necessidades de
mercado para produtos como milho, feijão, batata inglesa, cebola, alho e hortaliças.
A falta de perspectivas de comércio firme para estes produtos estava se tornando
um forte fator de desestímulo para sua produção, fortalecendo a expansão da
cultura do tabaco, cada vez mais vista como a única alternativa para a pequena
propriedade. (COOPAR, 2013).
Atualmente a COOPAR conta com 3008 associados, possui uma estrutura de
112 funcionários e colaboradores, oportunizando a inserção de filhos de agricultores
para estas funções, pois em torno de 60% são jovens, filhos de associados. Os
associados da cooperativa são agricultores familiares, da região sul do RS, sendo a
maioria de imigrantes da antiga Pomerânia na Alemanha. A maior parte dos sócios é
do município de São Lourenço do Sul, entretanto, existem agricultores associados
dos municípios de Pelotas, Turuçu, Cristal e Canguçu. Com o foco de seu trabalho
no município de São Lourenço do Sul, possui duas unidades de apoio aos seus
associados. A matriz, com localização em Boa Vista e uma filial com localização em
Picada Esperança, 7º distrito do município de São Lourenço do Sul. Atualmente
conta com planta agroindustrial, na localidade de Boa Vista com modernos
equipamentos para processar 35 mil litros de leite por dia, onde são produzidos
diversos tipos de queijo, ricota, doce de leite, nata, bebida láctea, leite pasteurizado.
Recentemente alugou uma unidade às margens da BR 116, visando aumentar sua
capacidade de processamento.
Como Cooperativa mista de produção, atua nas atividades agrícolas de milho,
soja, batata, feijão, programa de agroecologia principalmente na produção de batata
e feijão preto. Nas duas unidades, além de escritório e loja, possui posto de
combustíveis, unidade de secagem e armazenagem de grãos. Na sede, possui uma
estrutura chamada “Quiosque da COOPAR”, construída com recursos do programa
RS Rural, com sala para reuniões, seminários e cursos, bem como alojamento. A
finalidade inicial deste espaço foi estruturada para ações de formação e capacitação.
A marca dos produtos da COOPAR é “Pomerano Alimentos”. A denominação
Pomerano é dada àqueles que moravam na Pomerânia e falavam a língua
Pomerana e é justamente na região de São Lourenço do Sul que os imigrantes
Pomeranos formam o maior grupo étnico dessa descendência. Esses são
caracterizados por uma forte ligação com a agricultura e grande experiência para
271
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
com a terra, sendo que muitos de seus costumes ainda são preservados, como a
linguagem, os feriados religiosos e a comida. (COOPAR, 2013).
4 OS PROCESSOS DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO COOPERATIVA DA COOPAR
Os processos de educação e formação cooperativa da COOPAR tem origem
no período preliminar à constituição da cooperativa e se inserem num contexto
histórico cultural resistente à ideia do cooperativismo, apontados por Wojahn (1990)
como decorrentes de experiências de cooperativas da região que não tiveram êxito,
distanciaram-se dos associados e não cumpriram com os compromissos com os
agricultores, entrando em liquidação. Segundo ele, essas experiências influenciaram
negativamente a visão dos agricultores e da região, sobre o cooperativismo, bem
como as características da população pomerana predominante no município.
Conforme Costa (1984), a colônia de São Lourenço do Sul fundada em 1858,
é considerada a única experiência de colonização particular, sem auxílio do governo
da Província. Por conta disso, a situação de descaso das ações governamentais
perdurou por muito tempo, visualizando no administrador da colônia e seus
sucessores a “autoridade investida”, a exemplo do que viviam na Pomerânia, onde
os senhores das terras exerciam uma autoridade patrimonial. Além disso, outros
elementos como o idioma, pois durante quase meio século as aulas eram realizadas
em pomerano, devido ao descaso do governo, também contribuiu para o isolamento
e desconfiança característica entre estas populações, oriundas de sua submissão
feudal. O autor cita que “todos estes fatos e circunstâncias fizeram com que o colono
se enclausurasse em seu grupo étnico, fechando-se em sociedade própria e
exclusiva”. (COSTA, 1984, p. 70). Por outro lado, por conta desta situação, viveram
várias situações de exploração de políticos e comerciantes que conheciam o dialeto
e aproximaram-se deles para obter vantagens. Estes elementos, entre outros, são
apontados por Costa (1984) e Wojahn (1990) como influenciadores na cultura de
isolamento e individualismo, predominante no município e no conservadorismo da
região.
272
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
4.1 PERÍODO PRÉ-CONSTITUIÇÃO DA COOPERATIVA
A constituição da cooperativa é oriunda de um processo de discussão junto às
associações e grupos informais, durante no mínimo três anos, além das ações de
cooperação “experienciadas”, que foram fundamentais para sua constituição.
Conforme Wojahn (apud COOPAR, 2013) a organização preliminar de associações
e grupos informais, reunindo em torno de 200 famílias, foi trabalhada para ser a
base social da cooperativa.
Esta dinâmica de reuniões abordando temas técnicos e de fortalecimento
do associativismo e cooperativismo ocorriam mensalmente, utilizando
materiais para reflexão nos grupos. (Entrevista 4)
Esta ação foi desencadeada através do trabalho de uma organização não
governamental, o Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor. (CAPA, 2013). Além das
ações de organização e formação junto às associações e grupos, foram
desencadeadas diversas experiências de comercialização direta no âmbito regional
e estadual.
A motivação principal foi a questão da comercialização; com base no
exercício da comercialização direta em bairros em Pelotas e Porto Alegre
foi através da experiência prática que provocou a convicção e
conhecimento dos limites onde os agricultores e lideranças criaram a
convicção de que a cooperativa era o caminho. (Entrevista 1)
O método utilizado no processo de constituição da cooperativa teve três
elementos: a sensibilização e formação; a prática através de uma
experiência concreta de comercialização; a constituição da cooperativa a
partir dessa prática. (Entrevista 1)
A metodologia de trabalho tinha como propósito articular a teoria com a
prática. (Entrevista 4)
A partir dos limites e dificuldades enfrentados nas experiências concretas, o
engenheiro agrônomo do CAPA, Ellemar Wojahn (COOPAR, 2013) busca o
aprofundamento do tema a partir de curso Pós Graduação na Universidade do Vale
dos Sinos, em 1990, elaborando trabalho intitulado “Uma Experiência Cooperativa
entre Pequenos Agricultores” visando a implementação de uma cooperativa na
região sul e que mais tarde se configurou na COOPAR.
O objetivo foi procurar entender, buscar referenciais que ajudassem a
compreender os processos e a formação de cooperativas com excluídos,
273
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
visando dar segurança na condução dos processos. A partir deste estudo,
primeiro se fez a reflexão interna na equipe do CAPA e depois se levou
ao processo de discussão e formação com lideranças. (Entrevista 4)
A formação de um grupo coeso, com lideranças dos grupos e
associações, em diversas reuniões e seminários aprofundando a proposta
de constituição da cooperativa e estatutos, que levou à tomada de
decisão para partir para a prática. (Entrevista 4)
Porém, no ato de fundação da COOPAR, estiveram presentes apenas 41
pessoas, considerados sócios fundadores, entre estes ainda alguns técnicos da
equipe do CAPA. Conforme Wojahn (1990), a maioria preferiu ver para crer. Além do
forte apoio nas ações de formação e educação cooperativa desenvolvidas junto aos
agricultores do município pelo CAPA, durante os primeiros dez anos da Cooperativa
houve aporte de recursos financeiros, imóveis, e os dois primeiros mandatos de
Presidente da Cooperativa foram exercidos por técnicos integrantes da equipe do
CAPA. Somente a partir da terceira gestão os agricultores assumiram este papel.
Wojahn (1990) destaca também a importância da presença de lideranças das
associações, fluentes no idioma pomerano, desde o primeiro dia de funcionamento
da COOPAR, criando um ambiente de identidade cultural e confiança, que foram de
fundamental importância para a consolidação da proposta cooperativista.
4.2 PERÍODO DE ESTRUTURAÇÃO DA COOPERATIVA: GESTÃO 1992 A 2000
A caracterização deste período tem por base a fase inicial da estruturação da
Cooperativa, primeiros investimentos e programas, envolvendo três gestões: as
duas primeiras com Presidentes da equipe do CAPA e a terceira, iniciada em 1998,
sob a condução de um agricultor. Entre os elementos utilizados para esta
caracterização, levou-se em consideração o número de associados, o início da
expansão da cooperativa quanto ao número de associados, claramente apontado
nas entrevistas como interligado ao início das ações da COOPAR na área do leite. A
cooperativa começa com 41 associados em 1992 e ao final de 2000 está com 510
associados.
Além da fase inicial de estruturação, investimentos iniciais, programas e
serviços, a influência de planos econômicos do governo federal, a resistência na
visão dos agricultores e comerciantes no município, colocando cotidianamente em
274
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
“xeque” a viabilidade e a finalidade da cooperativa, foram apontados como
elementos que dificultaram a adesão das famílias.
Possibilidade da cooperativa como outro instrumento para construir
políticas públicas para os “pequenos agricultores”, pois, naquela época
ainda não se utilizava o termo agricultura familiar. (Entrevista 1)
Inicialmente havia uma “mistura” em torno do papel da cooperativa com o
papel do sindicato, já que o que havia (STR) não atuava fortemente.
(Entrevista 1)
Quadro 16 - Atividades de Formação e Educação Cooperativa realizadas no
período de 1992 a 2000
O Que/Como
Reuniões com as associações e grupos, com
ações voltadas para as áreas técnica e social,
base
para
estruturação
dos
primeiros
programas da cooperativa (produção semente
feijão, batata)
Seminários de jovens: durante uma semana,
com atividades como análise de conjuntura,
palestras e práticas para produção ecológica,
cultura, lazer, cooperativismo e associativismo
com visitas e vivências
Seminários de Planejamento (1997)
Objetivo: Desenvolver um processo de análise,
discussão e formação de lideranças sobre a
história e o futuro da Coopar
Temas:
1ª Etapa (8h): Quem são as lideranças da
Coopar – o que pensam, o que desejam;
Resgate da história da Coopar – articulação,
fundação,
situação
inicial,
marcos;
Cooperativismo e conjuntura
2ª etapa (8h): Cenário atual da Coopar
(associados, localidades, levantamento de
produção, caracterização); relações institucionais
(entidades, organizações com quem a Coopar se
relaciona, importância); Estrutura (gerencial,
administrativa, direção, serviços)
3ª Etapa: Expectativas dos associados,
potenciais e limitações da Coopar, definição de
prioridades, objetivos, metas e passos
Público
Agricultores associados
ou não, integrantes das
organizações existentes e
que constituíam a base
da cooperativa
Obs
Equipe técnica do
CAPA, dirigentes da
cooperativa
e
parceiros
(Emater,
Embrapa)
Jovens, filhos ou não de
associados
Promoção do CAPA,
mas articulado com a
cooperativa
Conselho
de
administração (titulares e
suplentes),
conselho
fiscal,
produtores
do
programa de produção de
batata,
Assessoria do CAPA
Oficinas Gestão e Planejamento (1996-1997)
Diretoria, Conselheiros e
jovens
filhos
de
associados
GTZ/SAA - Governo
do Estado RS
Programa de Rádio – Alô Cooperativista
(1998) 20 minutos, semanal
Município
Bonés
Para
associados
agricultores
Calendários
Para
associados,
agricultores e parceiros
Fonte: Dados coletados pela autora.
275
e
Programa
que
se
mantém até hoje
Era uma referência de
identidade
com
a
cooperativa
Com
mensagens
cooperativistas
e
destaques
da
cooperativa
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
As ações de formação e educação cooperativa, desenvolvidas através de
reuniões com os grupos e associações, com atividades de caráter técnico e
organizativo, deram continuidade às ações preliminares à formação da cooperativa
que envolvia associados e agricultores que já haviam participado das experiências
de comercialização direta, mas que não haviam aderido à cooperativa.
A continuidade do trabalho nos grupos e associações foi para fortalecer a
cooperativa e ampliar a adesão, o número de associados. (Entrevista 4)
Através dos programas voltados para produção e comercialização de grãos, as
reuniões técnicas também viabilizaram acesso a novas tecnologias como a produção
de sementes de batata e feijão, serviços de secagem e armazenagem, bem como
outros insumos, sempre no intuito de levar aos associados os serviços, bem como a
importância do associado operar com a cooperativa, fortalecendo a compreensão sobre
o papel da cooperativa. Também vinculado aos programas, são realizadas excursões
com visitas a experiências cooperativas e busca de novas tecnologias.
Outra atividade destacada pelos entrevistados foram Seminários de formação
para jovens, filhos de associados e de integrantes de grupos de jovens. No início
dos anos 90, a grande maioria dos jovens ainda abandonava os estudos sem
concluir o ensino fundamental. Essa atividade contemplava atividades teóricas e
práticas, abordando “tecnologias alternativas” voltadas para melhor aproveitamento
dos recursos existentes na propriedade, atividades de cultura e lazer, sexualidade,
associativismo e cooperativismo. As atividades práticas incluíam visitação à
cooperativa e depoimentos de associados através de visitas às propriedades de
associados. Mais tarde, a partir da demanda dos jovens, foram desenvolvidas
atividades de educação em sistema de alternância, voltadas para a conclusão do
ensino fundamental e com enfoque para a cooperação e formação de agentes de
desenvolvimento rural.
Os Seminários de jovens, através do CAPA, formaram lideranças e eram
“amarrados” à cooperativa, com formação cooperativista pois a
cooperativa era distante para os jovens.
Muitos destes jovens estão hoje à frente de organizações, inseridos na
cooperativa. (Entrevista 1)
No final da década de 90, a COOPAR começa a divulgar suas atividades em
outros espaços de circulação de grande número de agricultores. A participação na
276
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
tradicional Festa do Colono, através de um estande com divulgação da cooperativa
e seus serviços, contribui para o momento de abertura e início do processo de
expansão da cooperativa, que ocorre a partir do ano 2000.
A participação da COOPAR na Festa do Colono marca a abertura para o
município, a divulgação das ações mostrando na prática o que a
cooperativa faz, como estratégia para desmistificar as resistências à
cooperativa. (Entrevista 4)
Em 1997 teve início uma atividade voltada à construção de um planejamento
estratégico para a cooperativa, através de um processo participativo e de formação
do conselho de administração e lideranças. Conforme o projeto e relatório do
“Processo de Planejamento da COOPAR”, do mesmo ano, esse teve como objetivo
“desenvolver um processo de análise, discussão e formação de lideranças sobre a
história e o futuro da COOPAR”, sendo que foi realizado em três etapas, envolvendo
também um levantamento através de questionário, junto aos associados, sobre
produção e expectativas sobre o futuro e o papel da cooperativa. As questões
abordadas nos seminários partiram deste levantamento sobre o que as lideranças e
associados desejavam, resgate da história da cooperativa e cenário até aquele
momento, cooperação e princípios cooperativistas, programas e parcerias,
potenciais e limites, e a definição das prioridades e metas. (COOPAR, 1997).
A cooperativa enfrentava uma situação muito difícil e a decisão foi investir
na formação dos conselheiros, para ao mesmo tempo conhecerem e
compreenderem e preparar para poder enfrentar a gestão da cooperativa.
O seminário de planejamento foi para definir os rumos da cooperativa,
pois as perguntas que nós tínhamos era se valia a pena continuar, como
enfrentar, superar a crise? (Entrevista 1)
Foi um marco, pois dali em diante foram constituídos processos internos
de gestão, formalização de atos, pois até ali tudo ainda era muito informal.
(Entrevista 1)
As oficinas de gestão e planejamento (Gestão Adaptada em Organizações
para a Autopromoção) desenvolvidas através do Programa de Viabilização de
Espaços Econômicos para Pequenos Produtores Rurais no Estado do Rio Grande
do Sul, realizado através de Acordo Básico de Cooperação Técnica entre o governo
da República Federal da Alemanha e o governo da República Federativa do Brasil
dando suporte à Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado do Rio
Grande do Sul (PRORENDA-GTZ/SAA-RS), onde seis dirigentes participaram, além
277
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
de outras lideranças e filhos de associados, foram apontadas como um marco para a
qualificação da gestão da cooperativa.
A oficina do PRORENDA, sobre Gestão e Planejamento de cooperativas foi
em Veranópolis. O que vimos lá confirmou críticas que tínhamos em relação
à condução que o gerente comercial fazia na época, ficou bem claro para
nós o que era e o que não era papel da cooperativa. (Entrevista 6)
Em 1997 foi realizada uma oficina de Gestão e Planejamento de organizações
em São Lourenço do Sul, com a participação de lideranças de associações da
região sul e do município. Além de integrantes do conselho de administração da
COOPAR, participaram jovens filhos de associados. A organização escolhida para
ser analisada (estudo de caso) na oficina foi a COOPAR.
Essa oficina foi base para me decidir e sentir segurança para assumir a
direção da Cooperativa no ano seguinte, mas não foi fácil sair do cabo da
enxada e usar tarjetas. (Entrevista 5)
Conforme Cordioli (1998), o projeto PRORENDA-Agricultura Familiar-RS foi
direcionado aos agricultores familiares de baixa renda no Rio Grande do Sul. Seu
objetivo foi iniciar processos de transformação para a melhoria das condições de
vida das famílias de agricultores de baixa renda, com base na mobilização do seu
potencial de autoajuda e no apoio complementar de instituições governamentais e
não governamentais. Tendo como pressuposto de que cabe aos agricultores
familiares mobilizarem o seu potencial de autoajuda, exercerem a sua cidadania,
passando de objeto das ações dos outros a sujeito, decidindo sobre seus próprios
caminhos de desenvolvimento, o projeto incentivou a formação e o fortalecimento de
organizações de autopromoção, como caminho para o desenvolvimento sustentável
das comunidades.
Nesse sentido, nas diferentes fases do projeto, conforme Barbosa (2001), a
equipe estadual do PRORENDA proporcionou programas de capacitação para
técnicos e agricultores envolvidos no projeto em técnicas de trabalho participativo
em grupo e de moderação e visualização móvel. As oficinas de “Gestão Adaptada
em Organizações de Autopromoção”, descritas por Cordioli (1998), tinham a duração
de duas semanas, com a finalidade de discutir os principais aspectos relacionados à
gestão em uma organização. Assim, essas oficinas foram concebidas para discutir
quais os papéis e as atribuições dos grupos de agricultores e de suas organizações,
visando ao desenvolvimento de seus potenciais de autoajuda. Também junto às
278
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
instituições de apoio, discutindo como desenvolver melhor o seu papel, de forma
complementar e eficiente.
O autor descreve ainda a programação da oficina, contemplando o
intercâmbio das experiências entre os participantes; as pesquisas de campo,
durante dois dias, onde foram visitadas várias organizações e as instituições de
apoio inter-relacionadas; os trabalhos de grupo e discussões em plenárias, onde os
temas eram elaborados e aprofundados. O método tinha como base as experiências
de
cada
participante,
procurando-se
desenvolver
uma
análise
desses
conhecimentos apoiados pelo estudo de um caso real, estruturando-se um
referencial para as discussões. Desse modo, o procedimento metodológico era
orientado pelo interesse e pelas experiências dos participantes no contexto do
trabalho com as organizações.
4.3 PERÍODO DE EXPANSÃO DA COOPERATIVA: 2001 A 2013
Este período caracteriza-se pela expansão do número de associados, início
da atuação da COOPAR na área do leite e consolidação do projeto econômico da
cooperativa.
Quadro 17 - Atividades de Formação e Educação Cooperativa realizadas no
período de 2001 à 2013
O Que/Como
Formação
de
Agentes
Desenvolvimento Rural Terra Solidária (2001-2004)
de
Jornais comemorativos
Programa
de
Rádio
Alô
Cooperativista
Seminários de Planejamento com
Conselho de administração: 20012002
História do município e influência
pomerana
Histórico da COOPAR
Características culturais e sociais dos
pomeranos
Planejamento da Cooperativa
Reuniões regionalizadas e visitas aos
associados para tratar dos programas
e serviços da cooperativa
Público
Jovens filhos de
associados
Foram formadas 4
turmas,
aproximadamente
50 jovens
Associados e região
Município
Observações
COOPAR, CAPA e Fetraf-Sul*
Conselho
Administração
Cooperativa
de
da
Assessores
(psicóloga,
historiador), apoio CAPA
Associados,
nos
municípios onde a
COOPAR atua
Tema
principal:
comercialização
do
leite;
continua sendo a estratégia
onde há um novo grupo para
aderir à Cooperativa nessa
279
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
Excursões para conhecer experiências
de outras organizações na área da
produção,
beneficiamento
e
comercialização
Seminário
de
Planejamento
estratégico da COOPAR (2005)
Conselho
lideranças
Seminários de Jovens
Jovens filhos
agricultores
Visitas Técnicas
COOPAR
-
Conselho
Administrativo
Fiscal
e
e
de
visitação
à
Jovens de escolas
estaduais
e
municipais
Reuniões
preparatórias
para
Assembléia Geral Ordinária (2013)
Reuniões regionalizadas(2013)
a
Associados reunidos
em 4 regiões
Associados
área
No período de expansão,
início da atividade com leite
SESCOOP/RS*
Única atividade onde a
cooperativa utilizou recursos
do Fundo FATES
COOPAR parceira de outras
organizações do Território
Zona Sul
COOPAR recebe e apresenta
ações e a Cooperativa para
alunos de Escolas de Ensino
Fundamental e Médio
COOPAR
Apresentar ações, produtos e
serviços
da
cooperativa,
visando
retomar
a
proximidade
com
os
associados
Fonte: Dados coletados pela autora.
Nota:* FETRAF-SUL - Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul e
SESCOOP/RS - Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo do Rio Grande do Sul.
Assim como no período anterior, um destaque nas ações de formação está
direcionado aos jovens, filhos de agricultores associados, através de um curso que
faz parte do projeto Terra Solidária, desenvolvido pela Fetraf-Sul/CUT na região sul,
que incorpora a formação com enfoque cooperativista à escolarização. É um curso
na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), com qualificação
profissional em sistema de alternância, com enfoque para a educação no campo.
Formamos umas quatro turmas do Terra Solidária, para filhos de
associados, tudo sempre vinculado à cooperativa e ao cooperativismo. Eu
estava na coordenação e na presidência da COOPAR. (Entrevista 5)
Conforme Munarim (2001), o Terra Solidária caracterizou-se por um programa
de educação pedagogicamente orientado para a capacitação técnico-profissional, a
escolarização no sentido formal e para a formação política dos agricultores
familiares.
A realização de seminários de jovens se modifica, através de atividades de
menor tempo de duração e de caráter mais massivo, onde a cooperativa é parceira.
Um exemplo é a realização de seminários, em 2009 e 2011, como o Seminário de
Jovens da Agricultura Familiar da Região Sul do RS, integrando as ações
desenvolvidas no Território da Cidadania Zona Sul, onde mais de duzentos jovens
280
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
participaram e formataram um documento, a “Carta aberta dos jovens participantes
do seminário de jovens da agricultura familiar da região sul do RS à sociedade e às
autoridades”.. (CAPA, 2011).
Nos primeiros anos deste período, ainda foram estruturadas ações voltadas
para a formação dos conselheiros da cooperativa, através de seminários de
planejamento, resgatando a história do município e da cooperativa, visando
nivelamento devido a inserção de novos conselheiros.
A primeira atividade que lembro ter participado, quando entrei no
conselho, foi um seminário em Pelotas, na sede do CAPA, em 2001 ou
2002. Foram dois dias, onde foi tratado da história dos pomeranos, até
com uma psicóloga, e da história e da importância da COOPAR. Foi
importante para situar os conselheiros e preparar para a gestão da
cooperativa. (Entrevista 2)
O último evento desse tipo foi realizado em 2005, onde foi construído o
planejamento estratégico, com elaboração da missão, visão e análise da realidade
da produção e comercialização do leite, perfil dos produtores e perspectivas de
mercado para laticínios. A missão definida foi “Melhorar a qualidade de vida dos
associados e fortalecer a agricultura familiar na sua área de atuação, através da
criação de alternativas produtivas viáveis para os agricultores, da agregação de
valor aos produtos, da organização do processo de comercialização da produção
dos associados e do fortalecimento da gestão democrática da cooperativa” e a visão
“Consolidar a posição conquistada e propiciar a evolução permanente da produção
leiteira, avançar na produção de grãos e de batata inglesa e fortalecer a democracia
interna, com vista a manter a aproximando entre a direção e os associados”.
(PRETTO, 2006, p. 61). Daquele ano até o momento, mesmo com renovação do
conselho de administração e conselho fiscal, não houve mais nenhuma ação
específica de formação para este quadro, somente as reuniões ordinárias do
conselho, que ocorrem mensalmente.
O investimento na formação de lideranças, de um grupo coeso para
replicar a proposta foi a estratégia usada no início e na sequência da
cooperativa. O “ideal da formação dos pioneiros” de que os que estão à
frente tem que estar bem preparados, consolidou um grupo de
agricultores que se sentiram seguros para formar e tocar a cooperativa. O
pragmatismo do “está dando certo” levou a adesão de novos associados
e os valores foram sendo passados também meio que por “osmose” de
um grupo de lideranças para outro. (Entrevista 4)
281
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
Mas sempre permaneceu um grupo de lideranças no conselho e direção,
muito conscientes, trazendo outros (renovando), mas com a identidade do
grupo inicial. Este “elemento fundante”, da identidade, do espírito
comunitário, oriundo também da experiência comunitária religiosa, que
traz valores, no jeito de tomar as decisões, que tem sido o sustentáculo
da cooperativa. .Mas acho que isso já não é mais suficiente para este
novo público, mais jovem, com um nível de escolaridade que mudou
muito, não sustenta mais. Hoje precisa mais do que o grupo de
lideranças. (Entrevista 4)
As reuniões e visitas foram estratégias usadas para adesão dos agricultores à
comercialização do leite, quando a cooperativa iniciou a atividade de recolhimento e
entrega coletiva do leite para outra cooperativa regional que faz o processamento.
Esse foi mais um dos enfrentamentos vivenciados no município, pois a passividade
e a cultura da dependência dos agricultores em relação às tradicionais indústrias e
os “transportadores do leite”, que simbolizava também uma relação de poder gerou
muitos conflitos. Esse fato também exigia dos dirigentes e equipe técnica da
cooperativa uma grande proximidade com os associados para solucionar conflitos e
dar segurança ao associado.
A entrada da COOPAR na atividade do leite mudou o rumo da
cooperativa. A COOPAR entrou para mostrar que o agricultor é
independente, que poderia se organizar e vender seu produto para quem
quiser. Com essa firmeza que se conseguiu passar para os agricultores
se fez uma ruptura com uma linha, uma visão; a questão econômica da
cooperativa se consolida e principalmente o ganho do povo de sentir sua
independência, se valorizar, melhorar sua autoestima. (Entrevista 5)
A partir daí a cooperativa se consolida como uma referência, a relação de
confiança na questão da “empresa”, honesta e séria. (Entrevista 5)
O programa de rádio “Alô cooperativista” é a única atividade que teve início
em 1998 e não sofreu interrupção até o momento. Já esteve no ar em diferentes
emissoras, porém mantendo sempre seu caráter semanal, com duração de vinte
minutos. Seu objetivo é divulgar os programas, serviços e produtos da cooperativa,
apresentando novidades, tendências de mercado e análise de conjuntura. Possui
sempre uma dica técnica, de acordo com a época do ano. O responsável pelo
programa é o gerente geral da cooperativa.
É difícil não ter alguém para pensar e estruturar melhor o programa. Às
vezes é meio dia e nos damos conta que em seguida tem o programa.
(Entrevista 6)
282
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
Uma atividade pouco reconhecida como de formação, são visitas técnicas à
COOPAR. Entrevistados (Entrevista 1 e 4), mencionaram esta como uma atividade
com potencial, tendo em vista os resultados concretos da experiência cooperativa da
COOPAR. Ainda são poucas atividades nesse sentido, onde pode ser destacada a
parceria com escolas municipais ou estaduais da zona rural do município de São
Lourenço do Sul e região. Um exemplo disso foram as atividades realizadas através
do Projeto Jovem Protagonista (EMATER, 2009), desenvolvido pela Secretaria
Municipal de Educação, Cultura e Desporto (SMECD) e EMATER/RS-ASCAR, com
jovens dos anos finais do ensino fundamental. Esse projeto tem por objetivo
identificar e desenvolver ações, visando a inclusão social, o exercício da cidadania,
o protagonismo juvenil e a construção de perspectivas de futuro com qualidade de
vida, contribuindo para a sucessão na agricultura familiar.
As reuniões preparatórias para a assembleia geral ordinária, realizadas este
ano, tem destaque entre os entrevistados, bem como a retomada para a
reaproximação mais direta com a base social da cooperativa, através de reuniões
regionalizadas.
Estamos falando da situação atual da cooperativa, produtos e serviços,
mas também ouvindo os associados. Se não falarmos ali, ouvindo eles,
vão no boteco falar. (Entrevista 3)
Com a reforma do estatuto (2012), este ano foram realizadas quatro
reuniões preparatórias para a assembleia geral ordinária. São núcleos,
por região de maior concentração de associados. Estamos fazendo
reuniões, apresentando a cooperativa, seu papel e sua história, ouvindo o
associado. (Entrevista 1)
Abaixo se pode observar a evolução do quadro de associados da cooperativa
e sua relação com a participação nas assembleias gerais ordinárias.
283
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
Gráfico 15 - Evolução do quadro de associados da cooperativa e sua relação
com a participação nas assembleias gerais ordinárias
Fonte: COOPAR (2013).
Como pode ser observado, nos últimos anos houve até um declínio na
participação dos associados nas assembleias gerais ordinárias.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência da COOPAR parte de uma ação educativa dialógica, que tem
como referência o que Freire (1987) cita como a práxis, construída através de um
diálogo composto pela ação e reflexão.
Quando tentamos um adentramento no diálogo, como fenômeno humano,
se nos revela algo que já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra. Mas
ao encontrarmos a palavra, na análise do diálogo, como algo mais que um
meio para que ele se faça, se nos impõe buscar, também, seus elementos
constitutivos. Esta busca nos leva a surpreender nela, duas dimensões;
ação e reflexão, de tal forma solidárias, em uma interação tão radical que,
sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, a
outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí, que dizer a
palavra verdadeira seja transformar o mundo. [...] Não é no silêncio que os
homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. (FREIRE,
1987, p. 44).
A referência desse processo, seja no momento inicial como durante a
trajetória da cooperativa, revela a base da concepção das ações de formação,
através de uma práxis de cooperação. Além disso, a experiência inicial pré284
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
cooperativa, foi um passo importante rumo à “cultura da cooperação” que Wojahn e
Martinez (2008) apontam que “é preciso mexer com as pessoas, seus valores e
atitudes”, apostando em cada pessoa e nas suas potencialidades.
Em termos metodológicos, a cooperação pressupõe o exercício permanente
da participação. Oportunizar o exercício da participação e possibilitar que
cada pessoa descubra seus valores e suas potencialidades e se encoraje
colocá-los em prática. (WOJAHN; MARTINEZ, 2008, p. 10).
Outro elemento presente na construção da práxis cooperativa é a confiança.
Paulo Freire, ao referir-se à dialogicidade como essência da educação como prática
da liberdade, diz que a confiança se instaura com o diálogo, fazendo os sujeitos
dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo. Destaca ainda que
este elemento inexiste num processo educativo “bancário”.
A confiança implica no testemunho que um sujeito dá aos outros de suas
reais e concretas intenções. Não pode existir, se a palavra,
descaracterizada, não coincide com os atos. Dizer uma coisa e fazer outra
não levando a palavra a sério, não pode ser estímulo à confiança. (FREIRE,
1987, p. 46).
A práxis da COOPAR fez uma ruptura com a dinâmica de relações comerciais
e de poder existentes na zona rural de São Lourenço do Sul. Provocou
primeiramente uma mudança de pensamento com relação à própria dinâmica de
trabalho, com a vivência em torno do tema da comercialização e da formação em
cooperativismo, onde constituiu uma “formação política” de base. (WAGNER, 2004).
A autora destaca ainda que “além de uma rede de assistência provocada pela
Cooperativa em si, os agricultores puderam participar diretamente de decisões
políticas com relação a seus interesses e também mudaram seu modo de ver os
políticos, que na sua maioria, em tempos passados, eram apenas participantes das
atividades rurais através de festas religiosas, por exemplo, e que agora eram parte
da sua realidade e com eles, participantes de um novo processo democrático”.
Porém, como destaca Wojahn (apud COOPAR, 2013), “nada teria sido suficiente
se os agricultores não abraçassem a proposta cooperativista como uma ferramenta
poderosa para a melhoria de vida no meio rural”. Aí alia-se outro elemento da práxis
educativa da COOPAR, que constitui-se no desafio de despertar e viabilizar a
cooperação no plano econômico. A formação inicial, com a participação dos agricultores
na estruturação, na relação com os associados e na direção, bem como a questão do
285
Capítulo XIII - Educação e Formação Cooperativa: a práxis da cooperativa mista dos pequenos
agricultores da Região Sul (COOPAR)
idioma levantado nas entrevistas, constituiu um forte elemento de identidade com a
cooperativa.
A construção de uma nova dinâmica, baseada na cooperação e na gestão
dos agricultores sobre a comercialização, rompeu com a lógica de poder existente.
Conforme os entrevistados, isto ocorreu desde o início da cooperativa até as
experiências mais recentes. Este fato é apontado pelos entrevistados como aspecto
fundamental da práxis e do processo de educação cooperativa desenvolvido pela
COOPAR, através das ações anteriormente descritas.
A partir das ações e do modo como a COOPAR desenvolve a formação e
educação cooperativa, bem como os diversos elementos presentes na história da
cooperativa e da característica da sua base social, reforça-se a importância das
ações de formação e educação cooperativa, como um dos pré-requisitos
fundamentais para que as cooperativas cumpram sua função social e econômica,
essencial para “romper” com a preponderância da visão do “eu” para o “nós”.
Segundo Passos (2008), é o ponto de partida para o desenvolvimento e
fortalecimento do cooperativismo, através da preparação das lideranças e do
cooperado pela conscientização da sua dupla natureza enquanto sócio e,
consequentemente, dono da cooperativa.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, R. M. Monitoramento e avaliação de projetos sociais. 2001. Trabalho
de Conclusão de Curso de Especialização. (Especialização em Desenvolvimento
Rural e Agroecologia) -- Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural,
Porto Alegre, 2001. Disponível em: <http://www.emater.tche.br/site/arquivos_pdf/
teses/mono_ricardo_barbosa.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2013.
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. PRORENDA/ GTZ/ SAA/RS.
Correspondência Oficial ABC/DE-I/DAI/ 03 /ETEC-BRAS-RFA. Brasília. Disponível
em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2000/b_3/>. Acesso
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Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa
Bageense de Artesanato: possibilidades e limitações
MARQUÊS, Elbia Barreto48
SCHMIDT, Carmen Elizabeth Finkler 49
RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar o papel da educação cooperativista na gestão e no
fortalecimento da Cooperativa Bageense de Artesanato, por meio de um estudo de
caso. Com este estudo, pretende-se analisar as possibilidades e limitações da
educação cooperativista na gestão da Cooperativa Bageense de Artesanato
(COOBART), situada em Bagé, Rio Grande do Sul, e fundada na década de 80. Os
dados para o estudo foram coletados por meio de visitas e conversas informais e de
um questionário aplicado a gestores e associados. Assim foi possível compilar
informações acerca da história, doutrina e nível de educação cooperativista. O
questionário constou de perguntas abertas, perguntas fechadas e questões de
múltipla escolha e foi enviado, por correspondência, aos 26 cooperados ativos. Entre
os resultados, ficou evidenciado, tanto na teoria quanto na prática, que a gestão
social é o principal gargalo encontrado na gestão da COOBART, mas que a gestão
econômica também não prescinde da educação cooperativista e da capacitação
específica para os dirigentes, tendo em vista que as atividades são complementares
e correlacionadas. Foi possível constatar que a maioria dos cooperados não
conhece os princípios do cooperativismo e pouco participa das assembleias e
demais atividades oferecidas pela cooperativa, demonstrando baixo índice de
interesse e acentuado grau de desconhecimento sobre cooperativismo e sobre as
atividades da cooperativa. Diante dos resultados obtidos, sugerem-se investimentos
na realização de um bom e continuado trabalho de educação cooperativista, com
associados e gestores, para conduzir à solução dos problemas que permeiam a
gestão da cooperativa em estudo.
Palavras-chave: Educação cooperativista. Princípios e valores. Capacitação.
Desenvolvimento.
ABSTRACT
The objective of this paper is to examine the role of cooperative education in the
management and strengthening of Cooperativa Bageense de Artesanato, through a
case study. This study aims at analyzing the possibilities and limitations of
cooperative education in the management of Cooperativa Bageense de Artesanato
(COOBART), a handicraft cooperative located in Bagé, Rio Grande do Sul, and
founded in the decade of 1980. Data for the study was collected through visits,
48
Assistente Técnica Regional da Emater/RS-Ascar, professora, especialista em psicopedagogia pela
URCAMP – Universidade da Região da Campanha. E-mail: [email protected].
49
Carmen Elizabeth Finkler Schmidt, professora orientadora, especialista em Educação e Ciências
Sociais pela UNISINOS – Universidade do Vale dos Sinos. E-mail: [email protected].
289
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
informal discussions and aquestionnaire administered to managers and associates.
Thus it was possible to gather information about their history, doctrine and their level
of cooperative education. The questionnaire consisted of open questions, closed
questions and multiple choice questions and was sent by mail to 26 active coop
members, of which nine were returned duly completed. Analyzing the results, it was
evident, both in theory and in practice, that social management is the main bottleneck
found at COOBART. However, the economic management does not ignore the
cooperative education and specific training for managers, since these activities are
complementary and correlated. It was found that the majority of coop members does
not know the principles of cooperativism and barely participates in meetings and
other activities offered by the cooperative, demonstrating little interest and a high
degree of unfamiliarity with cooperatives and its activities. Based on these results,
one might suggest investing in good and continued cooperative education training
with associates and managers, in order to lead to the solution of problems that
permeate the management of the cooperative study.
Keywords: Cooperative education. Principles and values. Training. Development.
1. INTRODUÇÃO
A cooperativa estudada caracteriza-se por ser uma sociedade de pessoas
ligadas ao artesanato típico da região da campanha do Rio Grande do Sul, centrada
nas necessidades do grupo, que une esforços em torno de objetivos comuns e está
no mercado há mais de vinte anos. Os cooperativados produzem peças artesanais
típicas da região, em couro, madeira e chifre, dando uma ênfase maior ao uso da lã
de ovelhas. A cooperativa conta com trinta e dois (32) associados, dos quais vinte e
seis (26) são considerados ativos. Não possui sede própria, funcionando sempre em
locais cedidos pela prefeitura ou por algum sócio. A cooperativa enfrenta sérios
problemas de gestão, tanto no setor econômico-financeiro, quanto no social.
O maior desafio enfrentado pela cooperativa, objeto deste estudo, é realizar
uma administração equilibrada, pautada entre o social e o empresarial. Para que
isso seja possível, a cooperativa necessita estar bem organizada e ser
eficientemente gerida sob a lógica do cooperativismo, de modo que os dois tipos de
gestão estejam interligados e sejam igualmente trabalhados para cumprir seus
objetivos.
Segundo a Aliança Cooperativista Internacional (ACI), os princípios do
cooperativismo são norteados por valores que podem ser colocados em prática,
refletindo, dessa forma, as ideias básicas de ajuda mútua, responsabilidade,
290
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
democracia, equidade, igualdade e solidariedade. As cooperativas, em geral,
incluindo a COOBART, não investem adequada e suficientemente na educação de
seus colaboradores e na capacitação dos gestores para promoverem a
disseminação de informações e de conhecimentos básicos essenciais, o que as
torna frágeis e vulneráveis a problemas de toda ordem.
Amodeo (2006) explica que os princípios seriam os delineamentos por meio
dos quais as cooperativas praticariam seus valores. Assim, tanto os valores quanto
os princípios formariam a identidade das cooperativas e marcariam, sobretudo, a
formação de um estilo próprio de estratégia e de ação, que deve guiar esse tipo de
organização.
Ainda segundo Amodeo (2006), o corpo de associados deve estar organizado
para gerar valor para a empresa, caso contrário, acarretará em ônus que
comprometerá o resultado desta. Assim, gestão social e gestão empresarial são
complementares e imprescindíveis para uma gestão cooperativa de êxito.
Entende-se que a cooperação precisa ser praticada e que os cooperados e
dirigentes precisam aprender o que significa cooperar. Mais que isso, produzir
cooperativamente exige conhecimento sobre o fazer cooperativo e discernimento
sobre si e sobre o que se quer fazer. O cooperado deve conhecer todo o ambiente
produtivo e precisa estar capacitado para suas práticas. Ele é, ao mesmo tempo,
dono, consumidor, fornecedor e, em alguns casos, gestor, isto é, também faz parte
da administração da cooperativa.
Sabe-se que, nas cooperativas, a participação ativa e qualificada dos
cooperados é fator decisivo para o sucesso do empreendimento. Nesse contexto, a
educação cooperativista faz-se imprescindível para promover a reflexão crítica em
todas as dimensões, a fim de que a cooperativa produza cada vez mais e melhor e
esteja voltada para o desenvolvimento da comunidade onde está inserida e para o
crescimento pessoal dos cooperados.
Nos dias atuais, as cooperativas são cada vez mais desafiadas a atingir, ao
mesmo tempo, objetivos de ordem econômica e social, o que as torna, a princípio,
sociedades mais complexas e distintas de outras formas de organização
empresarial. Portanto, a educação cooperativista tem o papel de atuar,
simultaneamente, na gestão social e na gestão empresarial das cooperativas, com o
objetivo de proporcionar melhorias, tanto no que se refere à participação dos
cooperados nas atividades da cooperativa, quanto na profissionalização da gestão.
291
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
Pois também é papel do gestor disseminar conhecimentos e informações que têm
como objetivo atender à singular estrutura organizacional das cooperativas.
Este estudo propõe-se a evidenciar a influência e as limitações da educação
cooperativista na gestão da COOBART. Como estratégia para sanar os problemas
de gestão identificados no decorrer da pesquisa, sugerem-se investimentos na
formação dos gestores e a implantação de um programa de educação
cooperativista, com vistas a minimizar ou mesmo sanar os problemas identificados
neste estudo.
Sabe-se que para implantar qualquer programa educativo, seja de curto ou de
longo prazo, são necessários altos investimentos. Porém, existem alternativas que
podem minimizar esses custos, por exemplo, a formação de parcerias com as
Prefeituras, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC), o Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), as Universidades, entre outros.
Faz-se necessário, porém, que a cooperativa busque informações, se
organize e tenha um plano de educação cooperativa, para que possa buscar auxílio
junto aos órgãos acima citados.
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Analisar o processo de construção do programa de educação cooperativista
no
fortalecimento
da
Cooperativa
Bageense
de
Artesanato
(COOBART),
identificando sua influência e possíveis limitações na gestão da cooperativa.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Entre os objetivos específicos deste estudo, pode-se citar os seguintes:
a) explicitar conceitualmente a educação cooperativista, para dar base de
compreensão ao estudo em pauta;
b) conceituar e identificar a educação cooperativista na sua dimensão
filosófico-doutrinária;
c) investigar como
ocorre
a
construção do
cooperativista na cooperativa considerada;
292
processo
de educação
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
d) identificar os interesses e os gargalos incidentes na condução do processo
de educação cooperativista na cooperativa em estudo;
e) sugerir ações educativas aos gestores da cooperativa com vistas a sanar
as lacunas identificadas na gestão da cooperativa, com relação à
educação cooperativista.
3 METODOLOGIA
Como o presente estudo de caso objetiva explicitar a visão dos cooperados e
dos gestores da Cooperativa Bageense de Artesanato (COOBART) sobre a
influência
da
educação
cooperativista
na
própria
instituição,
o
método
qualiquantitativo se mostra, por ora, adequado.
As
conversas
informais
durante
as
visitas
dar-se-ão
de
forma
semiestruturada, ou seja, com uma relação de tópicos visando a manter uma linha
de controle sobre os temas abordados, prevenindo distanciamentos da pauta. Os
questionários, além das questões fechadas e de múltipla escolha, terão questões
abertas, com vistas ao entendimento dos fatos e das coisas sob a perspectiva dos
respondentes.
Ainda, considerando as possibilidades práticas de acesso a documentos da
cooperativa para análise, outra técnica possível de ser utilizada é a coleta e análise
de documentos, a fim de se comparar as práticas da gestão educacional com os
discursos dos cooperados e gestores. Evidentemente, esta técnica dependerá da
disponibilidade desses documentos por parte dos dirigentes.
Assim, pretende-se, por meio de agrupamento e análise dos dados coletados,
compreender os interesses dos cooperados e dirigentes no processo de gestão da
educação na cooperativa apreciada. O foco é a produção de uma análise
interpretativa, com base nos dados coletados, de como são conduzidas as iniciativas
educacionais na cooperativa, se houver, e compreender a interferência dessa
educação no fazer diário da cooperativa.
293
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
4 REFERENCIAL TEÓRICO
4.1 A GESTÃO COOPERATIVA E SUAS ESPECIFICIDADES
A sustentabilidade institucional de qualquer organização deve estar amparada
por sua missão, pelos princípios e pelos valores que, de alguma forma, norteiam
estrategicamente suas ações, demonstrando, dessa maneira, a sua verdadeira
razão de ser. Rego (1986) salienta que uma organização não deve apenas ter o
objetivo de gerar bens econômicos, mas também deve procurar desempenhar um
papel significativo no tecido social. Como consequência, as cooperativas criam
identidade e visibilidade peculiares, que as distinguirão das demais formas
organizativas, ou seja, “conciliando aspectos sociais e econômicos, a organização
ajusta-se ao escopo para o qual foi idealizada”. (REGO, 1986, p. 13).
Entende-se a gestão social como a que viabiliza o relacionamento da
cooperativa com o associado, promovendo e qualificando sua participação. Não se
discorda da importância de focar a gestão no empresarial, pelo contrário, ela é
fundamental para atingir os objetivos econômicos dos seus sócios. No entanto,
também é de vital importância sua complementaridade com a gestão social, a fim de
promover uma participação efetiva e eficaz dos associados na cooperativa e para
programar os princípios e valores nas rotinas e ações da organização, contemplando
o interesse dos associados e da sociedade como um todo, o que demonstra o
interesse da cooperativa pela comunidade em que está inserida.
Dessa forma, a gestão cooperativa necessita utilizar alguns instrumentos
específicos de gestão que não estão somente, ou diretamente, voltados para o
empresarial, mas que são instrumentos que reforçam a gestão social, seja por meio
da educação cooperativista, de eficientes sistemas de comunicação interna e com
os cooperados, seja por meio de uma gestão interna do poder que conduza a uma
aprendizagem conjunta e a um funcionamento democrático, como afirma Amodeo
(2006).
Inseridas em um ambiente dinâmico, em constante mudança, exige-se que as
cooperativas sejam geridas em contextos de mercado cada vez mais acirrados, mas
não necessariamente utilizando as mesmas estratégias e parâmetros das demais
formas de organização empresarial. Exige-se das cooperativas que desenvolvam
294
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
suas
próprias
estratégias
competitivas,
priorizando
as
características
e
necessidades do seu quadro social, além de seus princípios e missão.
Na cooperativa, por tratar-se de uma organização coletiva, a administração
deve elaborar ações para que as decisões a serem tomadas contemplem a
realidade, as opiniões e os objetivos individuais daqueles que compõem seu quadro
social, e não somente de quem a administra. Reside aqui a importância da
participação ativa e qualificada dos cooperados. As cooperativas devem oferecer
alternativas econômicas para seus cooperados, levando em conta as características
socioeconômicas destes, e, se necessário, promover mudanças produtivas ou de
gestão que viabilizem economicamente tanto a própria cooperativa quanto os
integrantes do seu quadro social.
O cooperativismo surgiu como contraponto à lógica capitalista, pois o homem
percebeu a necessidade de trabalhar cooperativamente para obter resultados mais
expressivos na produção de bens e serviços. Além disso, entendeu que somente
organizados dentro da lógica da união, da cooperação e da solidariedade poderiam
avançar nas conquistas de seus sonhos, onde os frutos do trabalho conjunto seriam
distribuídos de forma justa entre os participantes. (CAMPOS, 2011).
Os primeiros fundadores das cooperativas acreditavam que os valores éticos
da transparência, da justiça, da equidade e do compromisso social para com os
semelhantes deveriam nortear os rumos do cooperativismo. Foram esses valores
que deram origem aos princípios do cooperativismo e que devem estar presentes,
hoje, em toda a atividade cooperativa.
4.2 AS COOPERATIVAS E O MERCADO DE TRABALHO
A produção e o trabalho, no mundo, se desenvolvem sob uma avalanche de
mudanças permanentes e constantes, que, por sua vez, compõem um
sistema aparentemente irrefreável e que, de certa forma, tem
consequências difíceis de serem calculadas. Neste contexto, em face da
globalização, tudo se reconfigura o tempo todo, pela complexidade. Está se
falando de reestruturação produtiva, estruturada pela competição
globalizada, requerendo para si investimentos para mudanças tecnológicas,
para a requalificação de pessoas e para mudanças institucionais. (BASTOS;
LIMA apud BORGES-ANDRADE, 2006, p. 24).
O trabalho, hoje, apresenta grandes transformações em sua forma
organizativa, focando nos avanços tecnológicos e na reformulação das estruturas
que sustentam a produção e os processos sociais que surgem desse contexto.
295
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
Para Nakano (1998, p. 9):
O sonho da empresa autogestionária, e nela a destinação do lucro, começa
a se tornar realidade pelas mãos dos trabalhadores que se mostram
capazes de pensar, criar e ousar. Enfrentam o desemprego por meio de
ações que ultrapassam o campo da denúncia e da resistência,
materializando empresas que têm como figura central o próprio trabalhador.
Empresas cuja estrutura e gestão são pensadas a partir de uma
preocupação com o social; sem, no entanto, deixar de lado as questões de
viabilidade econômica e de inserção num mercado cada vez mais
globalizado.
Assim, o trabalho passa a apresentar significativas transformações em suas
formas de organização e nas estruturas de sustentação, tanto econômicas quanto
sociais. As cooperativas despontam como alternativa de organização e articulação
dos trabalhadores, promovendo novos postos de trabalho e renda, dentro de uma
dinâmica mais justa e mais humana que promove a divisão dos ganhos e a
valorização das pessoas.
Neste contexto, o sistema cooperativista, para manter-se forte e ainda ampliar
sua participação na economia mundial, terá que vencer grandes desafios internos e
externos para ajusta-se às novas regras do mercado e do relacionamento com seus
agentes. (SANTOS, 2001).
A tendência é o crescimento do cooperativismo, pois este se apresenta como
alternativa ao atual modelo econômico alicerçado em políticas neoliberais, que
promovem a exclusão dos mais fracos do mercado e que não respeitam seus
sonhos. Assim, os pequenos produtores buscam nas cooperativas uma forma de se
manterem ocupados, no exercício da democracia e da solidariedade.
Ferreira (2000), ao apresentar um histórico recente sobre a economia
solidária no Brasil, afirma que com as crises de 1980 e 1990, nas quais o país se
desindustrializou, milhões de trabalhadores perderam seus empregos, aprofundando
as mazelas sociais e a acentuada exclusão social. Verificou-se que o fenômeno fez
ressurgir a economia solidária, principalmente, das cooperativas.
Nesse contexto,
Constata-se que o movimento cooperativo traz, em sua origem, a intenção
de modificar a economia de livre mercado e alguns pensadores econômicos
o consideram como complemento ao sistema econômico mencionado.
Portanto, as cooperativas devem se posicionar no mercado como
instituições que provocarão efeitos favoráveis na economia e procurarão
amenizar os conflitos existentes entre fatores de produção, capital e
trabalho. Além disso, as cooperativas acabam por diminuir os custos sociais
296
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
que são oriundos dos monopólios reinantes na economia, disponibilizando
sua estrutura a uma ampla faixa da população que, individualmente,
provavelmente, não teria acesso, em situações de livre mercado. (SOARES;
MOREIRA NETO; BERNARDO-ROCHA, 2005, p. 489).
4.3 A EDUCAÇÃO COOPERATIVISTA E A RESPONSABILIDADE SOCIAL E
AMBIENTAL
A necessidade de se estabelecer uma relação harmônica entre homem e
natureza impulsionou a consolidação de uma nova visão de desenvolvimento que
envolve o meio ambiente natural e os aspectos socioculturais, passando a
considerar que a qualidade de vida dos seres humanos passa a ser condição para o
progresso. (DIAS, 2006). Nesse escopo, a Comissão Mundial das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento cunhou, em 1987, o conceito de
desenvolvimento sustentável, como aquele que responde às necessidades do
presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer
suas próprias necessidades. (BARRAL; PIMENTEL, 2006).
Embora o conceito de responsabilidade social seja relativamente novo para a
maioria das empresas, surgindo apenas na década de 80 com a introdução da
globalização, para as cooperativas, esse conceito advém dos próprios princípios e
valores do cooperativismo, que fazem parte da filosofia de atuação das cooperativas
desde o ano de 1844. A cooperativa que toma decisões envolvendo questões de
longo prazo, como por exemplo, evitar problemas ambientais, tem uma participação
social muito maior em comparação à empresa que tem um comportamento reativo,
isto é, reage depois do fato consumado, pagando multas por desastres ambientais
ou indenizações aos funcionários pelo descumprimento da legislação ambiental.
O comportamento proativo é aquele que busca prevenir e envolve ações que
buscam soluções aos problemas que afligem a sociedade, como ações voluntárias,
programas educativos, ajuda emergencial após desastres e, principalmente,
participação em campanhas educativas especiais. As cooperativas têm maior
facilidade para adequar-se às normas ambientais, visto que estas já estão implícitas
no bojo dos princípios cooperativistas.
É no papel de promotora da inclusão social e do desenvolvimento
econômico e cultural de seus cooperados e dirigentes, que as cooperativas
mantêm sua legitimidade, exigindo deles uma postura voltada às questões
ambientais às quais todos estão expostos. A cooperativa deve adotar
posicionamento consoante às mudanças e exigências ambientais, pois se
297
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
ficar omissa a essas questões poderá perder competitividade no mercado,
com sérias ameaças à sua sobrevivência. (INOCÊNCIO; SILVA, 2001).
Além de observarem essas exigências sociais e ambientais, as cooperativas
enfrentam outro grande desafio, que é colocar em prática os seus princípios e
valores, em uma sociedade onde o capitalismo é extremamente voraz e competitivo.
Nesse contexto, vale ressaltar a importância da educação cooperativa, para a
interiorização desses valores e princípios. Ressaltou Nascimento (2000) que,
[...] o cooperativismo é algo tão importante e singular que não se pode
aceitar a ideia de as cooperativas serem transformadas em partidos
políticos, em grêmios estudantis, em instrumentos corporativistas, em
sindicatos, em consórcios, em agências de governo ou mesmo em meras
casas comerciais, apenas para citar alguns exemplos do uso inadequado.
Essas são observações pertinentes e também se referem à responsabilidade
social, pois ao desviar-se de seus valores e princípios, imiscuindo-se em esferas como
as citadas acima, as cooperativas estarão se afastando de seus objetivos e
prerrogativas de sociedade de cunho alternativo iminentemente humanitário e
agregador.
Os princípios cooperativistas, como adesão livre, gestão democrática,
distribuição das sobras líquidas, taxa limitada de juros ao capital social,
estabelecimento de um fundo de assistência técnica, social e de educação para os
sócios e a sociedade, e, finalmente, cooperação entre as cooperativas, demonstram
claramente como as cooperativas estão voltadas para o lado social e para a gestão
democrática.
Koslovski (2006, p. 03) afirma que “as ações de responsabilidade social das
cooperativas não são esporádicas e nem têm por objetivo o marketing para alcançar
maior credibilidade, mas fazem parte do seu DNA”.
Sobre esse mesmo aspecto, afirma Souza (2006, p. 03),
[...] a responsabilidade social pode se traduzir em ações internas das
empresas em relação a seus colaboradores, ou extrapolar seus muros,
atingindo a comunidade que a cerca ou numa perspectiva mais ampla,
atender a determinados segmentos da sociedade [...].
Vê-se, claramente, que a cooperativa precisa estender seus braços à
comunidade onde está inserida, participando de forma responsável e ativa da vida
desta comunidade.
298
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
4.4 INTERFACES ENTRE COOPERATIVISMO E EDUCAÇÃO
Da educação cooperativista é exigido, teoricamente, um papel executivo de
desenvolvimento humano e social, extensivo ao seu público e a toda a coletividade,
sem a inserção de técnicas e métodos que produzam inconformidades. Além disso,
exige-se uma educação fundamentada no desenvolvimento de uma consciência
critica, a partir de práticas sociais, no intuito de promover a cooperação nos
processos produtivos. (CAMPOS, 2011).
A educação cooperativista possui papel inconfundível e insubstituível na
proposição e instrumentalização de novos sujeitos sociais. (FRANTZ, 2001). Assim,
[...] a educação e a capacitação são indispensáveis em qualquer instituição,
mas nas cooperativas elas são questão de sobrevivência. Sem essas, as
atividades cooperativas são desvirtuadas ou até absorvidas pelo sistema
socioeconômico e pelo processo social dominante que é a concorrência e o
conflito. (SCHNEIDER, 2003, p. 13).
Os membros fundadores da reconhecida Society of Equitable Pioneers
(Pioneiros de Rochdale) elegeram, por ocasião da fundação, entre os princípios
fundamentais, a “sétima regra”: “desenvolvimento da educação cooperativa dos
sócios”. (PINHO, 2003, p. 137), mantida e valorizada historicamente pela Aliança
Cooperativa Internacional (ACI), até os dias atuais:
[...] essa regra, estabelecida pela ‘Lei Primeira’ do Cooperativismo, ou
Estatuto da Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, vem sendo
mantida há mais de um século e meio. Aliás, logo no início do
funcionamento da Sociedade, quando os Pioneiros fizeram alguns acertos
estatutários, nos anos de 1845 e 1854, para adequá-los à prática –
mantiveram a regra de educação dos membros. Em seguida, esse
‘princípio’ passou as ser valorizado pela ACI (Aliança Cooperativa
Internacional), desde sua fundação em Londres, em 1895, para ‘continuar a
obra dos Pioneiros de Rochdale’. (PINHO, 2003, p. 137).
Assim,
Diz-se em Direito, que as cláusulas pétreas do Direito Constitucional não
podem ser mudadas porque representam os pilares básicos de sustentação
das garantias individuais e da própria estabilidade de uma nação. Por isso,
são convertidas em ‘pedras’ e sua imutabilidade é garantida nas
Constituições dos Estados Modernos. Metaforicamente, pode-se afirmar
que a educação dos associados, ou a educação cooperativa, é importante
‘cláusula pétrea’ do sistema cooperativo internacional. (PINHO, 2003, p.
136).
299
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
Mesmo com as alterações sofridas ao longo do tempo, os princípios
cooperativos, desde Rochdale, são valorizados e reconhecidos, e a educação aparece
como princípio fundamental. Porém, na prática, percebe-se que os programas de
educação cooperativista se apresentam descontínuos e assistemáticos, o que reflete
diretamente no desempenho das cooperativas. Existem, no entanto, iniciativas
educacionais cooperativistas em todos os níveis, desde a alfabetização de crianças,
jovens e adultos, até cursos de pós-graduação lato sensu.
Até por volta do ano de 1990, os cursos, principalmente os de curta duração,
dependiam de verbas públicas. Como a burocracia determinava o atraso no repasse
de verbas, o sistema cooperativo recebia, em geral, no final de cada exercício as
verbas pertinentes a atender os planos anuais, o que, consequentemente,
inviabilizava suas execuções. (PINHO, 2003).
Baioto (2008, p. 15) limita-se a analisar a missão da educação cooperativista
dentro da dimensão das inter-relações pessoais no seio das instituições
cooperativas, a fim de promover a organização do trabalho, considerando que, para
ele, a “educação cooperativa solidária visa a potencializar formas de construções
coletivas e interpessoais entre os trabalhadores, como forma possível de
organização do trabalho”. Salientando que:
Os valores e princípios cooperativos necessitam ser considerados como
uma das prioridades de um empreendimento que se propõe a ser
caracterizado como cooperativa. Além da efetividade econômica e do
registro legal, necessita desenvolver uma gestão voltada a conciliar a
efetividade da dimensão econômica e social. Sendo neste sentido o
investimento em educação cooperativa, tão estratégico como o investimento
em capacitação técnica. (BAIOTO, 2008, p. 46).
As cooperativas são compostas por duas dimensões concomitantes, com
demandas diversas, que os gestores precisam atender de forma a não negligenciar
nenhuma das duas: uma empresarial, de mercado, e a outra, associativa, baseada
em princípios sociais. Dentro desse contexto, Schneider (2003, p. 30) afirma que:
Todos os associados necessitam de informação, enquanto conhecimento
exato e atualizado dos fatos e acontecimentos, em relação com as tarefas
práticas ou as decisões a adotar ou pôr em prática. Necessitam igualmente
de conhecimento técnico, que os relacione com a complexidade de
funcionamento das instituições cooperativas, em especial com a
engrenagem do processo democrático.
Afirma ainda Schneider (2003, p. 237) que:
300
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
O ideal seria haver um justo equilíbrio entre os dois conceitos de
legitimidade cooperativa. Por isso, várias cooperativas exigem dos
candidatos a algum cargo de direção que não sejam apenas bons técnicos,
bons profissionais ou bons administradores, mas também que tenham tido
um período mínimo de vivência, formação e informação cooperativa, por
exemplo: participando por algum tempo de forma ativa em comitês de
educação ou em núcleos de base.
Na construção de um modelo diferenciado de convivência econômica e social,
devem ser evitadas soluções pré-fabricadas. Este deve ser um processo que os
agentes possam vivenciar juntos, de forma que a evolução do conhecimento seja
compartilhada pelo grupo no decorrer do processo, partindo da realidade concreta
do seu dia-a-dia, de maneira que todos participem, independentemente de serem
gestores, consumidores ou apenas associados. Faz-se necessário que esta
educação aconteça nos moldes da educação construtivista, evitando-se a
domesticação daquele que recebe os ensinamentos (a educação bancária da qual
fala Paulo Freire), permitindo-lhe condições de assimilar e internalizar concepções e
princípios através do esforço pessoal.
As cooperativas que investem na formação profissional, e transformam isso
em incentivo e motivação, geram qualidade e produtividade, propiciando um retorno
benéfico à administração e ao corpo associativo. Isso melhora sua imagem e resulta
em crescimento da competitividade, pois a educação é uma forma eficaz de
combater a desigualdade social e, consequentemente, promover uma melhor
distribuição de renda, o que colabora sobremaneira para o desenvolvimento da
cooperativa e sua inserção no mercado.
Assim, o educador deve colaborar no despertar de valores, crenças e
atitudes, os quais devem ser trabalhados, filtrados e por fim assimilados pelo próprio
educando. Para que este possa assumir esses valores e atitudes como próprios,
porque está convencido interiormente da importância que representam para a sua
pessoa e porque estão de acordo com a realidade que vive e enfrenta e não porque
outros lhe impuseram. Tal orientação deve levá-lo à certeza de que os valores
pessoais e comunitários são importantes e que poderá, através da vivência destes,
visualizar a construção da própria história, relacionando-a com a história dos outros,
que se unem e agregam através da cooperação. (SCHNEIDER, 1979).
301
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
5 RESULTADOS
A educação nas cooperativas visa a despertar uma cultura cooperativista e por
isso requer uma pedagogia ativa, própria e permanente. A educação cooperativista tem
como missão difundir ideias, princípios, experiências e práticas e, ao mesmo tempo,
deve proporcionar uma formação técnica. Assim, pode-se afirmar que uma cooperativa
só é autêntica quando coloca em prática a educação, a capacitação e a formação de
seus participantes, utilizando a informação de maneira a atingir todos os seus
cooperados, sejam eles apenas associados ou associados dirigentes.
Em atendimento aos objetivos deste trabalho, tornou-se oportuno saber, por
um lado, quais são os principais problemas identificados na cooperativa pelos
respondentes, e, por outro, as potencialidades ou pontos fortes para, com base
nesses dados, analisar a existência, ou não, de relações entre a efetivação de
práticas de educação cooperativista e as perspectivas de futuro da cooperativa sob
a ótica dos informantes. Pelo exposto, percebe-se claramente a importância da
educação cooperativista na organização e na sobrevivência da associação
cooperativa e sua influência na gestão, de tal modo que pode determinar se a esta
terá sucesso ou estará fadada à estagnação ou mesmo ao desaparecimento.
Foram utilizados dois instrumentos para a coleta dos dados: visitas com
conversas informais a dirigentes e cooperados e aplicação de um questionário,
composto por sete módulos, com questões direcionadas ao atingimento do objetivo
geral da pesquisa. O questionário foi divido da seguinte maneira:
a) Módulo I – Perfil dos respondentes;
b) Módulo II – Informações sobre a matéria-prima utilizada pelos cooperados;
c) Módulo III – Situação do respondente na cooperativa;
d) Módulo IV – Conhecimentos sobre cooperativismo;
e) Módulo V – Conhecimentos sobre a cooperativa e sua história;
f) Módulo VI – Conhecimentos sobre o funcionamento e a gestão da
cooperativa;
g) Módulo VII – Avaliação pessoal sobre a gestão da cooperativa
302
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
Módulo I - Perfil dos respondentes
Tabela 4 - Quanto à idade
Acima de 60 anos:
33,3%
Abaixo de 60 anos:
66,7%
Fonte: Elaborada pela autora.
Tabela 5 - Quanto ao gênero
Homens
22,2%
Mulheres
77,8%
Fonte: Elaborada pela autora.
Tabela 6 - Quanto ao estado civil
Casados
77,8%
Viúvos
11,1%
Solteiros
11,1%
Fonte: Elaborada pela autora.
Tabela 7 - Quanto à escolaridade
Até a 4ª série E.F.
22,2%
De 5ª a 8ª série E. F.
33,4%
E. Médio completo
22,2%
E. Médio incompleto
11,1%
Ensino superior
11,1%
Fonte: Elaborada pela autora.
Tabela 8 - Quanto à residência
Na cidade
66,7%
Na periferia
33,3%
Fonte: Elaborada pela autora.
303
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
Tabela 9 - Tempo como sócio da cooperativa
Mais de 20 anos
44,4%
Entre 10 e 20 anos
44,4%
Menos de 10 anos
11,2%
Fonte: Elaborada pela autora.
Tabela 10 - Quanto à participação na diretoria e/ou no conselho fiscal
Diretoria e conselho fiscal
33,3%
Somente diretoria
55,5%
Somente conselho fiscal
11,2%
Fonte: Elaborada pela autora.
Nessa questão, perguntou-se o motivo da participação do associado na
diretoria e/ou no conselho fiscal.
Os respondentes 06, 07, 08 e 09 declararam que foi para colaborar com a
cooperativa, o que evidencia seu desconhecimento sobre o significado do ato
cooperativo. Percebe-se que estes associados, 44,4% do total de respondentes, não
se veem como donos da cooperativa, mas como meros colaboradores. Os demais,
55,6%, não responderam a esse questionamento.
Módulo II - Informações sobre a matéria-prima utilizada pelos cooperados
Tabela 11 - Podendo assinalar até duas alternativas
A
B
C
D
E
F
O artesão mesmo a produz
Adquire de terceiro através de compra
Compra no comércio local
Troca matéria-prima por trabalho
A cooperativa disponibiliza a matéria-prima a seus associados
Compra por encomenda, de outros centros comerciais (regional,
estadual, nacional, internacional)
Fonte: Elaborada pela autora.
Os respondentes 02, 04, 06 e 08 (44,4%) assinalaram apenas a questão A.
Isso demonstra claramente que, apesar de residirem na cidade, ainda mantêm o
vínculo com o campo, onde criam ovelhas. Os respondentes 03 e 07 (22,2%)
assinalaram as questões A e B, verificando-se que o vínculo com o campo também
foi preservado, mesmo em menor intensidade, visto que necessitam adquirir parte
304
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
da matéria-prima de terceiros. O respondente 02 (11,1%) assinalou as questões A e
D, demonstrando que também mantém vínculo com o campo.
Esses resultados mostram que, dos nove respondentes, sete ainda
conservam algum tipo de ligação com o meio rural. Percebe-se que o artesanato
típico (principalmente o artesanato em lã de ovelhas) é uma atividade cultural, que
os mantêm ligados às suas origens.
Quanto à questão D, que se refere à troca de trabalho por matéria-prima, foi
assinalada pelos respondentes 01 e 02 (22,2%). O respondente 01 também
assinalou a questão C, que trata da compra de matéria-prima no comércio local. O
respondente 05 (11,2%) assinalou B e F, o que significa que compra toda a matériaprima que utiliza, no comércio local e em outros centros comerciais.
Módulo III - Situação do respondente na cooperativa
Tabela 12 - Podendo assinalar até duas alternativas
A
B
C
D
E
F
É sócio da cooperativa e trabalha em outra atividade
É sócio da cooperativa e está desempregado
É aposentado e sócio da cooperativa
É somente sócio da cooperativa e dela depende financeiramente
É sócio e dirigente da cooperativa
É sócio e conselheiro fiscal
Fonte: Elaborada pela autora.
Os respondentes 07 e 08 (22,2%) além de serem sócios da cooperativa, e
nela colocarem seus produtos para comercialização, desempenham outra atividade.
O respondente 08 (11,1%), além de ser aposentado, possui uma pequena oficina em
sua casa, onde produz teares, rocas e outros equipamentos que são utilizados no
artesanato típico regional; seus clientes são os próprios cooperados da COOBART e
artesãos de todo o estado. O respondente 07 (11,1%) trabalha com artesanato e é
representante comercial. Três respondentes (33,4%), 01, 04, e 09, disseram ser
aposentados e sócios da cooperativa. O respondente 03 (11,1%) é sócio da
cooperativa e está desempregado. O respondente 06 (11,1%) disse ser aposentado
e sócio dirigente da cooperativa.
305
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
Módulo IV - Conhecimentos sobre cooperativismo
Tabela 13 – Conhecimentos sobre cooperativismo
1.
2.
Sim
Não
Parcialmente
2
1
6
Sim
Não
Parcialmente
1
3
5
Sim
Não
Parcialmente
-
3
6
Sim
Não
Parcialmente
4
-
5
Você conhece os princípios do cooperativismo?
Você conhece as Leis 5.764/71 e 12.690/2012?
3.
Você saberia definir o que é uma cooperativa?
4.
Você conhece
cooperado?
seus
direitos
e
deveres
de
Fonte: Elaborada pela autora.
Módulo V - Conhecimentos sobre a COOBART
Tabela 14 - Questões fechadas
1.
Você conhece a história da sua cooperativa?
2.
O processo de adesão (ingresso na cooperativa) ocorre de
forma livre e voluntária?
3.
7.
Você participa das assembleias regularmente?
Sim
Não
7
2
Sim
Não
8
1
Sim
Não
8
1
Sim
Não
Você conhece todos os membros da diretoria?
9
11.
12.
13.
Os membros da diretoria cumprem expediente na cooperativa?
Os cooperados que não integram a diretoria também cumprem
expediente na cooperativa?
0
Sim
Não
7
2
Sim
Não
4
5
Sim
Não
1
8
A cooperativa possui empregados registrados?
Fonte: Elaborada pela autora.
306
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
Tabela 15 - Questões abertas
4.
Por quê?
5.
A cooperativa pratica uma gestão democrática, com a
participação dos sócios na criação de políticas e tomadas
de decisões?
A cooperativa incentiva a participação dos sócios em
todas as atividades, como assembleias, reuniões de
comissões, feiras etc.?
Por quê?
6.
A cooperativa proporciona atividades de educação e
formação a seus cooperados?
Quais são
esses
momentos?
02: Respondeu não e não sabe explicar quais são os
momentos oportunizados.
Observação: os demais não comentaram suas respostas.
8.
Você acha que as pessoas que dirigem a cooperativa
estão preparadas para fazê-lo?
Por quê?
05: Não, porque tem que haver a união de todos.
07: Não, porque não participam de cursos, não se
atualizam.
08: Não, pois não conhecem nem as leis do
cooperativismo.
09: Não, porque falta muita coisa, muito conhecimento.
9.
Você considera que os integrantes do conselho fiscal
estão preparados para as funções de fiscalização?
10.
Como atua?
Não
4
5
Sim
Não
9
-
Sim
Não
1
8
Sim
Não
2
7
Sim
Não
2
7
Sim
Não
3
6
02: Porque não há participação dos sócios.
04: Não, pela ausência dos sócios.
05: Sim, porque é uma cooperativa.
07: Não, porque a maioria não participa das reuniões.
09: Não, pois falta conhecimento e união.
02: Sim, mas os sócios não aparecem nas reuniões.
07: Sim, pois convida por telefone, convite escrito e avisos de
rádio.
Por quê?
Sim
07: Não, por que não comparecem à cooperativa e não se
reúnem.
09: Não, pois não são preparados, não sabem as suas
obrigações.
O conselho fiscal é atuante?
04: Não, porque é médio.
05: Não, porque atua parcialmente.
09: Não, porque atua muito pouco, pois não sabem o que
fazer.
Observação: os demais nada comentaram.
Fonte: Elaborada pela autora.
307
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
Módulo VI - Conhecimentos sobre o funcionamento da cooperativa
Tabela 16 - Questões fechadas
1.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
11.
12.
A cooperativa realiza Assembleia Ordinária todo ano, para
aprovação das contas, rateio das sobras e destinação de
verbas aos fundos?
Sim
Não
4
5
Há participação econômica regular dos associados para a
cooperativa (cotas-parte, mensalidades, destinação das
sobras para os fundos etc.)?
Sim
Não
5
4
Sim
Não
2
7
Sim
Não
-
9
Sim
Não
-
9
Sim
Não
-
9
Sim
Não
7
2
Sim
Não
2
8
Sim
Não
3
6
Sim
Não
3
6
A cooperativa proporciona
culturais, sociais e de lazer?
aos
cooperados
atividades
A cooperativa possui fundos para educação, fundo de reserva
e outros?
Os dirigentes da cooperativa são remunerados?
A cooperativa oferece capacitação aos componentes do
conselho fiscal?
O Estatuto Social é disponibilizado a todos os cooperados?
A cooperativa possui Regimento Interno ou Regulamento
Interno, que dispõe sobre atribuições e responsabilidades,
além do Estatuto Social?
Há comitê eleitoral instituído por ocasião da realização de
eleições, para conduzir o processo?
As demonstrações contábeis e os relatórios das contas são
disponibilizados a todos os cooperados?
Fonte: Elaborada pela autora.
Tabela 17 - Como é feita a escolha da diretoria e do conselho fiscal da
cooperativa? Questão aberta
A
B
C
D
Os dirigentes são escolhidos no momento da realização da
assembleia, sem inscrição prévia.
A eleição conta com chapas concorrentes, previamente inscritas e
conhecidas dos cooperados.
Ocorre sem chapas concorrentes e por aclamação.
Ocorre por chapa única, inscrita previamente e conhecida dos
cooperados.
Fonte: Elaborada pela autora.
308
2
3
1
3
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
Tabela 18 - Quais são os canais utilizados pela cooperativa para comunicar-se
com os cooperados? Marcar até 3 opções
1.
Mural na cooperativa
1
2.
Jornais
1
3.
Internet
-
4.
Boletins regulares da cooperativa
-
5.
Telefone
7
6.
Pré-assembleias
3
7.
Rádio
3
8.
Outros
-
Fonte: Elaborada pela autora.
Módulo VII - Avaliação pessoal sobre a cooperativa
Tabela 19 - Assinale os aspectos que você considera que precisam ser
melhorados na gestão da cooperativa, para que a mesma possa se manter no
mercado?
A
Capacitar os dirigentes.
8
B
Educar dirigentes e cooperados.
3
C
Instalar-se em prédio próprio.
7
D
Melhorar a gestão em geral.
1
E
Atuar com mais transparência.
1
F
Aumentar o capital.
3
G
Nenhuma das alternativas.
-
H
Todas as alternativas.
4
Fonte: Elaborada pela autora.
Questões abertas.
Tabela 20 - Você avalia a COOBART como um empreendimento de sucesso?
Sim
Por quê?
Não
1
Disse não saber explicar.
8
05: Não tem sucesso porque falta união dos sócios.
06: Porque os sócios não colocam toda a produção na cooperativa.
Por quê?
07: Falta mais união, mais conhecimento e mais sócios dispostos a atender na
cooperativa, pois não tem funcionário contratado.
08: Por falta de mais conhecimento.
09: Porque não progride. Está diminuindo, em vez de aumentar.
Fonte: Elaborada pela autora.
309
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
Tabela 21 - Você considera importante que a COOBART proporcione aos
cooperados educação cooperativista e capacitação?
9
Sim
03: Quando todos entenderem o que é uma cooperativa, vão participar mais.
06: Os cooperados da COOBART não trabalham como cooperativa.
07: Porque através de uma educação cooperativa, os sócios terão mais
Por quê?
conhecimentos sobre o que é uma cooperativa.
09: Para ter mais união, entrar na realidade, saber o que é e como funciona uma
cooperativa.
Fonte: Elaborada pela autora.
Para você, qual o principal problema enfrentado pela COOBART?
Respondente 01: Verba para capital e acesso a crédito, alguém que possa
auxiliar, pois não temos auxílio de ninguém.
Respondente 02: Não respondeu.
Respondente 03: Falta de educação cooperativa para os sócios.
Respondente 04: A desunião dos sócios.
Respondente 05: Falta de conhecimento de cooperativismo.
Respondente 06: Falta de uma sede própria.
Respondente 07: A total falta de interesse e participação por parte dos sócios,
no tocante às assembleias, reuniões e outras atividades.
Respondente 08: Falta de cooperação dos associados.
Respondente 09: Falta de união.
Quando questionados acerca do principal problema enfrentado pela
Cooperativa Bageense de Artesanato, 34,1% dos respondentes apontaram que a
falta de união e cooperação são os principais obstáculos para o bom funcionamento
da cooperativa. Já 22,1% responderam que a insuficiente prática da educação
cooperativista e a falta de profissionalização da gestão e do quadro social foram os
principais limitantes no desenvolvimento do empreendimento. O respondente 01
(11,1%) aponta as dificuldades financeiras e de acesso a capital de giro, o que
chamou de ajuda externa, como o principal problema encontrado na cooperativa. O
respondente 06 (11,1%) diz ser a falta de uma sede própria, o que afeta o
desenvolvimento e a autonomia da cooperativa. Para o respondente 07 (11,1%),
seria a total falta de interesse e de participação dos sócios o grande entrave ao
310
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
desenvolvimento da cooperativa. O respondente 02 (11,1%) não respondeu à
questão.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei 5.764/71 estabelece, no artigo 28, inciso II, que as cooperativas são
obrigadas a constituir um “Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social
(FATES) destinado à prestação de assistência aos associados, seus familiares e,
quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa, constituído de 5%
(cinco por cento), pelo menos, das sobras líquidas apuradas no exercício”.
Este artigo é, sem dúvida, um dos mais importantes da lei geral das
cooperativas, pois implica a valorização do homem e desmitifica a ideia do homemmáquina no processo produtivo, tornando-o pessoa capaz de usufruir em proveito
próprio do efetivo resultado do trabalho cooperativo. Assim, para vários
especialistas, o princípio da educação cooperativista não é somente a base do
cooperativismo, mas sua regra de ouro. Pode-se afirmar que a educação
cooperativista constitui não só requisito prévio como ainda condição permanente de
qualquer cooperativa.
A Aliança Cooperativista Internacional define que “o fomento da educação
cooperativa torna possível a observância e a aplicação dos demais princípios
cooperativistas”. A legislação cooperativista brasileira previu, sabiamente, que
muitas cooperativas, principalmente as pequenas, não poderiam sozinhas executar
tal objetivo. Assim, estabeleceu que elas pudessem fazer convênios com entidades
públicas e privadas, já existem diversas entidades que promovem cursos de
cooperativismo, como UNISINOS, Escoop Porto Alegre, Senar, Universidade
Federal de Santa Maria, entre muitas outras.
Porém, algumas circunstâncias dificultam a priorização da educação nas
cooperativas, tais como a indiferença de alguns dirigentes; a falta de perseverança e
continuidade nas atividades educativas e de capacitação; o desvio das finalidades
dos recursos previstos para a educação para outras finalidades (capital de giro etc.);
a falta de pessoas motivadas e preparadas para oferecerem, na própria cooperativa,
as atividades educativas; entre outras.
Assim, fica clara a necessidade de os dirigentes das cooperativas e seus
associados entenderem que através da observância do 5º princípio poderão adquirir
311
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
os conhecimentos gerais e as experiências que favorecem um desenvolvimento
mais adequado das entidades cooperativas, podendo então usufruir com maior
plenitude de todos os benefícios decorrentes dessa prática. Faz-se necessário o
esclarecimento de que falamos aqui em educação cooperativista, uma educação
que possibilite ao cooperado adquirir hábitos de pensar, sentir, julgar e agir
conforme os princípios cooperativistas.
7 CONCLUSÃO
No decorrer do estudo realizado na COOBART, vimos que a educação
cooperativista é de extrema importância e que, sem ela, a cooperativa não se
desenvolve plenamente. Durante as visitas e mesmo através do questionário, ficou
evidente que muitos sabem pouco sobre o movimento cooperativista e que nunca
tiveram qualquer tipo de educação cooperativista, nem mesmo para conhecimento
dos fundamentos mais elementares.
Os participantes do estudo comentaram nas conversas informais que há
pouco tempo começaram a ouvir algo sobre a importância das cooperativas e sobre
suas peculiaridades de organização. Oito deles comentaram que as primeiras
informações recebidas sobre os princípios cooperativistas foi através de uma
palestra sobre cooperativismo realizada pela Emater/RS-Ascar, em 2012, na sede
da cooperativa.
Segundo eles, em razão da escassez de recursos e por desconhecimento,
não
administraram
a
cooperativa
da
maneira
técnica
mais
adequada,
desconsiderando o planejamento e outras fases da administração, em várias
dimensões.
Consequentemente,
também
segundo
eles,
não
observaram
criteriosamente a educação como ferramenta ou recurso importante para o
desenvolvimento da ação cooperativa, pois desconheciam sua importância.
Em todas as conversas, os participantes demonstraram preocupação em
promover mudanças no que se refere à educação cooperativista. Frisaram
insistentemente que desejam organizar, na gestão da cooperativa, um projeto de
educação de forma continuada, capaz de atingir a todos os cooperados e gestores.
Foi possível perceber, durante a coleta de dados, que os discursos não estão muito
afinados, mas que a maioria deseja adquirir conhecimentos. As respostas obtidas no
312
Capítulo XIV - A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de
Artesanato: possibilidades e limitações
questionário não alteraram significativamente o quadro observado durante as
entrevistas.
Ficou evidente, nas entrevistas, o interesse em obter mais conhecimentos,
tanto pelos cooperados, quanto pelos dirigentes. Também foi possível perceber a
preocupação dos gestores com as questões legais da cooperativa, que se
encontram rigorosamente em dia. Outro ponto positivo anotado refere-se à alta
qualidade do artesanato produzido e às potencialidades do grupo quanto ao
aumento da produção de peças confeccionadas, visto que dominam totalmente as
técnicas artesanais empregadas por eles.
É possível registrar a conclusão de que os cooperados iniciaram um negócio
no segmento da cooperação, sem conhecer o movimento cooperativista. Fundaram
uma cooperativa, sem saber o que era uma cooperativa, ou quais os princípios ou
fundamentos que a estruturavam. Os motivos não foram declarados abertamente,
mas insinuados como sendo a união de poucos recursos individuais dispostos de
forma coletiva, que favoreceram o empreendimento a partir do momento em que
novos membros com novos recursos se agregavam ao negócio. Logo, não fundaram
uma cooperativa com objetivos cooperativistas, com sabedoria das questões e
fatores envolvidos.
Os cooperativados salientaram, contudo, que desejam adotar, a partir de
agora,
uma
série de
iniciativas educacionais para
organizar métodos e
procedimentos, com interesses de aplicação técnica para execução das atividades
exigidas pelo mercado. Estas deverão estar voltadas para a integração dos
cooperados nas atividades da cooperativa e para o desenvolvimento de um plano de
educação cooperativista, do ponto de vista social e técnico.
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Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
LEITZKE, Vilmar Wruch50
SANTOS, José Zigomar Vieira dos51
RESUMO
Este trabalho objetiva analisar os espaços de inserção dos jovens filhos de
agricultores familiares na gestão das cooperativas agropecuárias da economia
solidária, onde os pais são cooperados. Essas cooperativas atuam na
comercialização de leite in natura, conservas de fruta e legumes, no recebimento
de grãos e recebimento e resfriamento de leite e em um cooper mercado. Foi
aplicado um questionário para gestores, referente à gestão, à profissionalização
da gestão e ao enquadramento ao PRONAF, e outro direcionado a jovens filhos
de cooperados para identificar as diferentes percepções sobre os espaços para
estes nas cooperativas. Um jovem participa do conselho fiscal de uma
cooperativa, sendo que 69,23% dos jovens entrevistados sentem-se
contemplados pelas ações da cooperativa, embora 61,54% não identifiquem
ações especificas para jovens. No entanto, 92,31% dos entrevistados entende
que a cooperativa pode ser útil para a concretização do seu projeto de vida. Entre
as ações apontadas pelos jovens estão a necessidade de incentivos à
permanência no campo, a realização de cursos, palestras e capacitações em
cooperativismo, dias de campo e atividades de lazer (jogos).
Palavras-chave: Sucessão rural. Cooperativismo. Inclusão.
ABSTRACT
This paper aims at analyzing the areas of insertion of the children of family farmers in
the management of agricultural cooperatives of solidarity economy, in which their
parents are members. These cooperatives operate in the commercialization of milk in
natura, canned fruit and vegetables, grain receiving, milk receiving and cooling, and
a cooper market. A questionnaire was applied to managers in regards to
management, professionalization of management, and suitability to PRONAF with
the purpose of typifying the cooperative. Another questionnaire was directed at the
children of cooperative members to identify their perceptions about the spaces
available to them in these cooperatives. A young man sits on the board of a fiscal
council of a cooperative. 69.23% of the young respondents feel contemplated by the
actions of the cooperative, while 61.54% did not identify specific actions for young
people. However, 92.31% of the respondents recognize that the cooperative can be
50
Eng. Agr. Extensionista Rural, ASCAR-EMATER/RS, aluno especialização em Gestão de
Cooperativas, ESCOOP/SESCOOP - RS. E-mail: [email protected].
51
Especialista, Professor Orientador, ESCOOP/SESCOOP - RS. E-mail:
[email protected].
316
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
useful to them in the achievement of their life projects. Among the actions identified
by the young people are: the need of incentives to help them stay in the field; the
offering of courses, lectures, and training in cooperativism; field days; and leisure
activities (games).
Keywords: Rural succession. Cooperativism. Inclusion.
1 INTRODUÇÃO
São recorrentes, no meio acadêmico, nas esferas públicas e, mais
recentemente, nos meios de comunicação, as temáticas da migração e saída dos
jovens, filhos de agricultores do meio rural, em direção aos meios urbanos. Essa
migração tem sido apontada como uma busca de melhores condições de vida ou
de alternativas econômicas, em substituição à encontrada ou construída pelos
pais ao longo de suas vidas. Essa saída tem contribuído para o esvaziamento e
masculinização do meio rural, com uma crescente dificuldade de encontra r jovens
dispostos a continuar como agricultores.
Segundo estimativas do IBGE, existem, no Rio Grande do Sul,
aproximadamente quarenta e duas mil propriedades rurais sem um sucessor, em
função dessa saída de jovens, que tem como consequências o esvaziamento e
envelhecimento do campo, além do enfraquecimento das organizações da
agricultura familiar, como sindicatos, cooperativas e associações.
Este artigo aborda as questões relativas à sucessão dentro das
cooperativas da economia solidária, com a finalidade de identificar a inserção e
formação de novos gestores ainda na fase de juventude. Além disso, pretende -se
entender como os jovens e os gestores percebem a atual fase de discussão
dessa temática, partindo do pressuposto que as cooperativas são extensões da s
propriedades rurais familiares. Para este estudo, foi utilizado questionário
semiestruturado aplicado a gestores e jovens filhos de agricultores cooperados
em três cooperativas do Conselho Regional de Desenvolvimento da Região
Nordeste do Rio Grande do Sul (COREDE Nordeste). Na primeira parte do artigo,
são discutidos conceitos relativos ao cooperativismo, à juventude rural, à
sucessão rural, às inter-relações na gestão e à sucessão nas propriedades rurais.
317
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
2 O COOPERATIVISMO ENQUANTO SISTEMA
O cooperativismo, enquanto modelo, surgiu na Inglaterra, em 1844, e foi
introduzido na região Sul do Brasil em 1902 pelo padre jesuíta Theodor Amistad, que
se inspirou no modelo alemão e visava a atender às necessidades dos recémchegados colonizadores de origem europeia.
As cooperativas são organizações econômicas, com valores mútuos, com
responsabilidade social e preocupação com o semelhante, cabendo a estas
promover a educação e a formação de seus membros. Além disso, as cooperativas
têm um compromisso com a comunidade local de buscar o bem-estar e o
desenvolvimento sustentável, através de políticas aprovadas pelos seus membros,
com base na democracia. As cooperativas podem ainda exercer pressão coletiva,
pois possuem capacidade de organizar as demandas e de barganhar apoios. Devem
ainda facilitar a incorporação de jovens, mulheres e idosos, desde que estes estejam
aptos a assumir responsabilidades, sem discriminação de raça, classe social, sexo e
opção política ou religiosa. (RECH, 1995).
As cooperativas e as diversas modalidades de cooperação surgidas na
década de 1990, no Brasil, têm sido vistas como fenômenos sociais importantes
para o desenvolvimento da economia, na geração de emprego e renda. As
cooperativas tem o poder de difundir possibilidades de criação de mecanismos
institucionais que possibilitem aos trabalhadores se apropriarem dos instrumentos de
produção e de gestão das cooperativas. De forma autônoma, podem ser instancias
como mediadoras entre sociedade e cooperados e podem contribuir para o
desenvolvimento
econômico
e
social
dos
cooperados,
diferentemente
do
cooperativismo tradicional que tem finalidades puramente econômicas. (CONCRAB,
1999; ESTEVES, 2000; SATO, 1999; SATO; SATO, 2011).
Essas cooperativas surgem de movimentos articulados, constituídos fora dos
padrões do cooperativismo tradicional em função do forte apelo social incorporado.
Dessa forma, há uma dupla natureza, uma social e outra econômica, administradas
e controladas pela comunidade para atender aos associados em serviços que não
conseguem realizar individualmente. (RECH, 2000).
O emprego do termo solidário emerge dentro do próprio cooperativismo
brasileiro, como campo político próprio. O termo está relacionado à busca da
manutenção do controle social e ao atendimento dos segmentos mais frágeis da
318
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
sociedade, com vistas à irradiação de sua ação para todo um setor, pois tem papel
importante para o controle da pobreza e das desigualdades, gerando emprego e
distribuição de renda.
Essas
cooperativas
também
buscam
o
respeito
pela
pluralidade
organizacional e pelas diferentes formas de gestão democrática interna, com vistas
à efetiva participação dos atores sociais e locais na gestão dos empreendimentos.
Procura-se também abrir espaço para adaptações às especificações locais, além de
representar um movimento de renovação do cooperativismo brasileiro e buscar o
acesso aos mercados, entendidos como construções sociais a serem construídas.
(BIALOSKORSKI, 2002; PANSUTTI, 2001).
Esse modelo de cooperativismo busca a descentralização e a autonomia
coletiva e aumenta a capacidade de seus cooperados de resolver seus problemas e
conquistar sua emancipação, através da educação cooperativista. A prioridade está
no acesso à informação e à educação de seus cooperados, como forma de
estabelecer uma relação entre as necessidades econômicas e sociais, através de
processos de mobilização e articulação para alcançar seus objetivos. (ARRUDA,
2000; DAVID, 2009; MANCE, 2000).
As cooperativas da economia solidária tem como foco a autonomia, a
descentralização e a autogestão, onde seus cooperados assumem cargos e
respondem pelos rumos e decisões tomadas na cooperativa. Além disso, têm o
controle da base social, com perspectivas de inclusão e trabalho com os setores
mais marginalizados da sociedade, em busca de mercados alternativos, éticos e
responsáveis. Além de incluir práticas de produção e consumo, com participação
democrática e com construção e circulação do conhecimento, o que permite
potencializar cada cooperado com consequente recuperação da autoestima, do
autosustento e da preservação ambiental. Isso, consequentemente, melhoraria a
vida dos cooperados e da coletividade em seu entorno. (DAVID, 2009; MANCE,
2000; SINGER, 2002).
Apesar dos problemas enfrentados e das dificuldades de sobrevivência
econômica, a maioria dos cooperados acredita na ideia da cooperação e tem
disposição para debater os problemas que enfrentam, mesmo que o grau de
disposição seja diferenciado. (CONCRAB, 1997; SCOPINHO; MARTINS, 2002).
O envolvimento do associado deve ir além da utilização dos serviços
ofertados pela cooperativa e da frequência em reuniões e assembleias. O associado
319
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
deve participar de seminários e eventos para compreender melhor o funcionamento
da cooperativa, com vistas a visualizar as formas e espaços de participação dos
cooperados. Além de buscar a contínua capacitação para o trabalho, estes devem
estar preparados para assumir, em determinados períodos, a posição de dirigentes
ou membros em comissões ou conselhos. O cooperado deve ser ativo e deve
manter contato direto e pessoal com outros associados para discutir as informações
do cooperativismo e da cooperativa, além de buscar acompanhar a situação da
economia e do mercado de sua região, com vistas a enxergar as melhores
oportunidades. (IRION, 1997).
3 JUVENTUDE RURAL
O estudo da juventude exige uma dupla compreensão da dinâmica social de
onde a cooperativa está inserida: uma que analisa as relações de vizinhança e outra
que diz respeito às ações presentes. Esse estudo, balizado na educação, no
trabalho e na sociabilidade local, terá repercussão no futuro e será expresso nas
escolhas profissionais, estratégias temporárias ou definitivas de migração, nas
opções matrimoniais e nas práticas de herança e sucessão.
As relações sociais são construídas no presente, fortemente influenciadas
pelas tradições familiares e locais, que são completadas pelas relações com o
urbano mais próximo, onde esses jovens buscam bens e serviços, educação, e
lazer. Essa aproximação com o urbano, por vezes, é o estímulo derradeiro que leva
à migração, não necessariamente como forma de realização de um sonho, mas
como forma de escapar das restrições da vida local e familiar.
Esses jovens rurais estão inseridos no mundo atual, integrados à sociedade
mais ampla, sendo a migração uma tradução das tensões e contradições da
sociedade brasileira. Essas tensões são traduzidas pelas carências da vida local, da
falta de alternativas profissionais, da insuficiência de terra, da penosidade do
trabalho e da falta de estímulos para a produção. Tudo isso acaba por servir de
desestímulo a muitos jovens a permanecer no meio rural como agricultores.
(CARNEIRO, 2007).
O conceito de juventude também pode ser interpretado como uma fase da
vida caracterizada pela transição da infância (a partir dos 15 anos) até a vida adulta
(a partir dos 24 anos), ou ainda com a coincidência do período de transição entre a
320
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
puberdade e a saída de casa para constituir uma nova unidade familiar.
(WANDERLEY, 2007).
4 SUCESSÃO RURAL FAMILIAR
O êxodo rural e a migração dos jovens do meio rural têm gerando dificuldades
à reprodução social da agricultura e ao desenvolvimento pleno do meio rural como um
todo. As consequências são o envelhecimento e também a masculinização da
população rural, com consequentes dificuldades de sucessão de muitas propriedades
rurais. (ABRAMOVAY, 1998; SILVESTRO et al., 2001; SPANEVELLO, 2008).
Essa sucessão pode ser reconhecida como o repasse do patrimônio e do
poder entre as gerações, com repasse gradual da gestão da propriedade aos jovens
filhos, com vistas à continuidade do estabelecimento e à formação de um novo
agricultor. Essa transição tem apresentado dificuldade de encontrar sucessores em
virtude da relativa visão negativa da atividade, muitas vezes construída pelos
próprios pais. A transferência dos estabelecimentos agrícolas à nova geração é
dificultada pela ausência de recursos socialmente valorizados e pela baixa
autonomia financeira, embora em muitos casos exista a predisposição do jovem de
permanecer no meio rural. (STRAPAZOLA, 2011; WEISCHEIMER, 2009).
Entretanto, outras dificuldades surgem e afetam a viabilidade do
estabelecimento, dentre as quais estão a desconfiança dos pais em relação aos
jovens, a atribuída imaturidade para assumir a direção do estabelecimento, a falta de
responsabilidade por parte do jovem e a má gestão financeira. Tudo isso, associado
à elevação dos custos e ao desequilíbrio entre receita, trabalho e poder, restringe as
liberdades e impede que os jovens possam construir seu futuro a partir de suas
escolhas. (SEN, 2002).
Aspectos como capitalização das propriedades rurais, geração de renda
satisfatória e condições de trabalho favoráveis podem contribuir para facilitar o
processo de sucessão. Além disso, a maior facilidade de acesso à terra, à
educação, ao lazer, à autonomia, ao crédito e às políticas públicas e o apoio de
instituições de fomento e extensão rural favorecem a sucessão. (SPANEVELLO,
2003).
321
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
5 INTERFACE ENTRE COOPERATIVISMO, JUVENTUDE RURAL E SUCESSÃO
RURAL FAMILIAR
Segundo Spanevello (2011), as cooperativas têm forte influência nas
propriedades familiares e podem ser consideradas como uma extensão da
propriedade rural familiar, em função das interações, da formação e da informação
que ocorre entre cooperados, assistência técnica e gestores. Sendo assim, as
cooperativas podem auxiliar na formação de sucessores na propriedade, uma vez
que pode atender tanto as necessidades econômicas como sociais do jovem. A
dificuldade de sucessão geracional poderá ter reflexos no corpo de cooperados e,
em última instância, de novos gestores para as cooperativas. Assim, essa também é
uma temática presente, pois as cooperativas também têm responsabilidade na
sucessão das propriedades de seus associados, pois são organizações com
responsabilidade social e representam uma importante ferramenta para promover o
desenvolvimento rural.
Nesse sentido, as cooperativas têm um papel relevante como agentes de
desenvolvimento econômico e social, com valores que enaltecem a condição
humana da igualdade, da equidade e da cidadania. As cooperativas devem
contribuir para a inclusao de setores marginalizados, explorando as relações de
confiança, reciprocidade, participação, democracia, cooperação e interação social,
que, em última análise, devem capacitar e potencializar as especificidades locais
para melhorar as condições de vida dos envolvidos. (BUARQUE, 1998; PUTMAN,
1996; SANTOS, 2002).
Para que essas melhorias de qualidade de vida ocorram, as cooperativas
deverão investir na educação, formação e informação de seus associados para que
possa ocorrer crescimento e desenvolviemtno tanto da cooperativa, como de seus
cooperados. A cooperativa deve ter
uma preocupação com o bem estar da
sociedade, devendo trabalhar para a comunidade onde está inserida, com
compromisso educativo, social e econômico, uma vez que a cooperação importa em
uma combinação de ajuda mútua. É papel da cooperativa orientar no sentido da
constituição de valores humanos universais e gerar mecanismos capazes de
atuarem sobre a identidade cultural e a inserção social de seus cooperados.
(BOGARDUS, 1964; CARVALHO, 2006; SCHNEIDER, 1994; SILVA et al., 2006).
322
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
Dentre esses mecanismos estão a coesão do grupo de cooperados,
capacidade de reflexão e construção do conhecimento, troca de experiências,
combate ao isolamento técnico e social e a possibilidade de exploração dos
potenciais locais, com melhoria da renda e da qualidade de vida dos cooperados.
Acredita-se ainda o esforço coletivo pode auxiliar na criação de solucões para as
gerações mais novas, diminuindo a exclusão daqueles menos favorecidos. (SILVA et
al., 2006).
Em estudo realizado com oito cooperativas do Norte do Rio Grande do Sul,
Spanevello e Lago (2011) identificaram ações com foco na família; na formação
técnica/profissional; na valorização do meio rural, da ocupação de agricultor e das
pequenas propriedades rurais; no fomento à diversificação produtiva; em atividades
organizativas e educacionais; no lazer; na integração; e na qualidade de vida dos
cooperados como forma de estimular os jovens a dedicarem-se à permanência na
condição de agricultores. Nesse mesmo estudo os dirigentes dessas cooperativas
indicam dificuldade de trabalhar com jovens em função da heterogeneidade e da
percepção de mundo desse grupo enquanto ator social e também da forma como
lidam com seus interesses, caracterizando-os como dinâmicos, dispersos ou até
mesmo desinteressados pelos assuntos da cooperativa e deslocados da realidade
de suas famílias. Esses dirigentes assumem em parte a “culpa” por esse
desinteresse, pois os espaços até então existentes eram somente para os titulares
da cooperativa e não para os membros da família.
Outras iniciativas como a preferência na seleção de estagiários filhos de
agricultores, ou a concessão de bolsas de estudos em instituições de ensino técnico
e superior em áreas afins das ciências agrárias e da administração têm sido
utilizadas como ferramenta de estímulo à permanência do jovem no meio rural. A
expectativa é que o jovem estude e retorne à propriedade (especificamente em uma
cooperativa, a concessão da bolsa está condicionada à permanência do jovem por
um ano após a conclusão do curso na propriedade) com conhecimentos que
poderão ser úteis para a melhoria da gestão e da produção da propriedade e para a
continuidade das atividades realizadas pela família. Segundo o mesmo estudo,
essas ações têm contribuído para aumentar o número de jovens entre os
cooperados da cooperativa.
Por outro lado, alguns gestores argumentam que não seria responsabilidade
da cooperativa a discussão da sucessão rural nas propriedades e que também não
323
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
estariam
preparadados e
desconhecem metodologias
para trabalhar essa
problemática entre os cooperados. (SPANEVELLO, 2011).
6 METODOLOGIA
Embora a Lei 5.764, de 1971, apresente princípios universais para o
cooperativismo, na atualidade são aceitos dois modelos de cooperativas
agropecuárias. Um deles vinculado ao agronegócio, com gestão profissional e com
marcas e linhas de produtos consolidados nos mercados tradicionais; e um segundo
viés conhecido como cooperativas da economia solidária. Nessas cooperativas, a
gestão não é profissional, as estruturas são menores ou ausentes, as marcas são
locais e têm pouca inserção nos mercados tradicionais. Além disso, têm forte
comprometimento com a promoção socioeconômica e com a inclusão mediante
políticas de desenvolvimento na agricultura familiar. (RIOS, 2007).
Para a tipificação das cooperativas e obtenção dos resultados, foram
empregados dois questionários semiestruturados. O primeiro questionário, destinado
a gestores de cooperativas (conselho administrativo e conselho fiscal), foi dividido
em duas partes: a primeira utilizada para tipificação da cooperativa e a segunda com
questões sobre a inserção do jovem na gestão dessas cooperativas. O segundo
questionário foi empregado com treze jovens filhos de cooperados, vislumbrando a
percepção da inserção desses jovens na gestão das respectivas cooperativas.
7 RESULTADOS
Entre os quesitos de tipificação da cooperativa foram levados em
consideração a área de abrangência da cooperativa, o enquadramento da
cooperativa nas normas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF) e a profissionalização da gestão (autonomia e autogestão).
As três cooperativas atuam nos municípios de São João da Urtiga, Carlos
Gomes, Sananduva, Paim Filho, Cacique Double, Tupanci do Sul, Santo Expedito do
Sul, São José do Ouro e Lagoa Vermelha, todos pertencentes ao COREDE
Nordeste, do Rio Grande do Sul.
Segundo as normas do PRONAF, as três cooperativas atendem aos critérios
de enquadramento, tendo 90, 95 e 100% (de 47, 21 e 628 associados) dos
324
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
cooperados tipificados como agricultores familiares, de acordo com a Lei Federal nº
11.326/06, embora somente duas delas tenham esse documento emitido.
Em termos de profissionalização da gestão, duas cooperativas não contam
com profissionais da área administrativa (administrador ou contador) e nem das
ciências agrárias (agrônomo ou veterinário), enquanto que somente uma delas tem
profissionais entre seus colaboradores. Entretanto, as duas cooperativas contratam
o serviço de contabilidade através da prestação de serviços de escritórios de
contabilidade, que basicamente fazem a escrituração contábil.
Entre as atividades exploradas estão a comercialização de leite in natura
(uma cooperativa), o processamento de frutas (geleias), legumes (conservas) e
cogumelos (uma cooperativa), enquanto que a terceira atua no recebimento de leite
in natura, grãos (soja, milho e trigo) e na venda de insumos para agropecuárias e
mantimentos através de um Cooper mercado.
Em função da autogestão, ou gestão realizada pelos próprios associados, e
pela
percentagem
de
associados
caracterizados
como
familiares,
essas
cooperativas podem ser tipificadas com o que David (2009) e Arruda (2000)
caracterizam como cooperativas da economia solidária, pois não existem
profissionais da área de administração ou de mercados entre seus colaboradores, a
comercialização é realizada através da construção contínua dos mercados
compradores e a maior parte da produção não se trata de commodities agrícolas.
Em relação à participação dos jovens (considerando se a faixa etária dos 15
aos 24 anos) na cooperativa, tem-se 7,69% de jovens na gestão da cooperativa.
Segundo os gestores entrevistados, essa situação pode contribuir para o
desinteresse do jovem pela cooperativa e por consequência causar o desestímulo
desse jovem para ocupar futuramente espaços diretivos, pois não foi preparado para
esse fim. Isso reproduz as dificuldades apontadas por Spanevello (2011) como
possíveis causas da falta de sucessão da unidade de produção familiar. Porém,
92,31% dos jovens entendem que a cooperativa pode contribuir para o
desenvolvimento do seu projeto de vida (Gráfico 01), sendo que 69,23% dos
entrevistados sente-se contemplado com ações voltadas ao jovem rural (Gráfico 02).
325
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
Gráfico 16 - Participação jovens na gestão da cooperativa e potencial de
colaboração da cooperativa para o jovem rural, COREDE Nordeste do RS, 2013
Fonte: Elaborado pelo autor.
No entanto, 61,54% desses jovens desconhecem ou não reconhecem a
existência de atividades específicas para jovens rurais (Gráfico 2), valor próximo ao
manisfetado por gestores (66,66%). Porém, esses mesmos gestores apontam
atividades pontuais e específicas para esse público, contrariando o que Carvalho
(2006), Bogardus (1964) e Silva et al. (2006) apontam como estratégias para
melhoria da qualidade de vida de seus cooperados, como por exemplo a
necessidade de investimento em educação, formação e informação orientados na
constituição de mecanismos capazes de inserir seus cooperados efetivamente na
cooperativa e na sociedade.
Nesse mesmo sentido, as cooperativas estudadas não estão contribuindo
para o que Sen (2002) chama de promoção das liberdades e capacidades dos
jovens filhos dos cooperados, ao impedir ou não estimular a participação desses
jovens na gestão dessas organizações. Porém, não basta trazer os jovens para a
cooperativa, mas é importante compreender o que Spanevello (2011) aponta como
imperativo: entender como esses jovens percebem a cooperativa e de que forma
esta poderá efetivamente tornar se uma extensão das propriedades rurais de seus
cooperados. Entretanto, o funcionamento de uma cooperativa é dependente do nível
de participação de seus associados, sendo importante avaliar o que Palhares & Vilas
Boas (2004) caracterizam como processo de educação e consciencitazação sobre
os beneficios de participar de uma organização como uma cooperativa.
326
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
Gráfico 17 - Percepção dos entrevistados em relação a ações contemplativas e
reconhecimento de ações focadas para o jovem rural, COREDE Nordeste do
RS, 2013
Fonte: Elaborado pelo autor.
Entre as atividades apontadas pelos entrevistados como ações estratégicas
para a inclusão estão formas de incentivo para a união das famílias, como forma de
incentivo para que os jovens possam permanecer no meio rural, e também a
realização de palestras, cursos, dias de campo, excursões, capacitações em
cooperativismo, visando a maior participação dos jovens na cooperativa, além de
atividades de jogos e lazer. O estímulo à participação na gestão da cooperativa
poderia ser potencializado atravás da participação dos jovens nas reuniões e na vida
da cooperativa, além da intensificação de treinamentos e capacitações em diversas
áreas.
O grupo de entrevistados indica que a cooperativa tem papel importante
para o crescimento econômico e social de seus cooperados (Gráfico 1) em função
dos serviços prestados, como assistência técnica e estímulo para a produção, com
auxilio na comercialização. Isso contribui para a viabilização e diversificação das
unidades de produção familiar, atuando como importante instrumento para a
produção e comercialização e por consequência estimula a permanencia do jovem
no meio rural. Essas ideia estão de acordo com o que Spanevello (2011) aponta
como aspectos importantes para a promoção do desenvolvimento rural.
Essa pouca inserção dos jovens pode ser justificada pela centralidade de
ações no associado titular ou em função da não percepção das consequências e
327
Capítulo XV - Juventude Rural e Inclusão do Jovem na Gestão de Cooperativas da Economia
Solidária, no Nordeste do RS
reflexos da dificuldade de sucessão das propriedades, que poderão atingir a
sucessão da própria cooperativa.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em parte as coopertivas atendem as expectativas de vida dos jovens, filhos
de cooperados. Porém, nesse momento, não foi possivel identificar ações
afirmativas massivas para a inclusão desses jovens, de maneira geral e de forma
mais específica nos espaços de formação e educação cooperativista e na gestão
dessa, contrariando os princípios cooperativistas universais e a legislação atual.
Porém, não serão somente ações de formação e educação em cooperativismo que
irão enfrentar a problemática da sucessão rural, outras ações tornam se imperativas,
principalmente, no que tange a passagem do ator social jovem rural de invisível para
visível. Existe ainda a necessidade de ampliar os debates em torno da inserção
desses atores de uma maneira mais ampla, e as cooperativas podem se constiruir
em um importante espaço para essa discussão.
Por outro lado, as cooperativas da economia solidária ainda não
incorporaram no seu dia-a-dia o debate em torno da sucessão rural familiar e da
gestão dessa organização. Aqui fica evidente a invisibildiade desse grupo social
(jovens) dentro dessas organizações, que são consideradas como uma extensão
das propriedades rurais familiares.
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330
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
GOMES, Ezio José52
SCHMIDT, Carmen Elizabeth Finkler 53
RESUMO
Este estudo foi realizado no intuito de verificar a importância das redes cooperativas
de agroindústrias familiares para a permanência dos jovens no meio rural. Diante do
esvaziamento populacional do campo causado pela modernização da agricultura,
existe a necessidade de se encontrar alternativas que estimulem a permanência dos
jovens no campo. Nesse contexto, as agroindústrias familiares, além de aumentarem
a renda das famílias, oportunizam a inserção dos jovens em atividades produtivas,
em especial as jovens. A organização em rede cooperativa fortalece as unidades
agroindustriais através de serviços que melhoram a qualidade da produção,
possibilitando a viabilidade econômica desses empreendimentos e mantendo seus
integrantes na condição de agricultores familiares. O estudo foi realizado junto a
jovens de duas redes de cooperativas de agroindústrias familiares: a Unidade
Central das Agroindústrias Familiares do Oeste de Santa Catarina (UCAF) e a
Cooperativa das Agroindústrias Familiares de Constantina e Região (COOPERAC).
Neste estudo, percebeu-se que a existência de agroindústrias familiares organizadas
em redes cooperativas foi importante ou fundamental para a permanência dos
jovens no meio rural.
Palavras-chave: Juventude rural. Agroindústria familiar. Redes cooperativas de
agroindústria familiares.
ABSTRACT
This study was conducted in order to verify the importance of cooperative networks
of family agribusinesses to the permanence of the rural youth. Before the
depopulation of the countryside caused by the modernization of agriculture, there is
the need to find alternatives that encourage young people to remain in the
countryside. In this context, the family agribusinesses, in addition to increasing
household income, nurture the inclusion of youth in productive activities. The network
organization strengthens the cooperative agro-industrial units through services that
enhance the quality of production, enabling the economic viability of these projects
and keeping its members on the condition of farmers. The study was conducted with
young people from two cooperative networks of family agribusinesses: Unidade
Central das Agroindústrias Familiares do Oeste de Santa Catarina (UCAF) and
52
53
Eng. Agrônomo, acadêmico do Curso de Gestão em Cooperativismo pela Faculdade de Tecnologia
do Cooperativismo (ESCOOP) - Escola Superior do Cooperativismo.
Professora Orientadora, Especialista em Educação e Ciências Sociais pela Unisinos —
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - RS.
331
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
Cooperativa das Agroindústrias Familiares de Constantina e Região (COOPERAC).
In this study, it was found out that the existence of organized family agribusiness
cooperative networks was important or critical to the persistence of rural youth.
Keywords: Rural youth. Agribusiness family. Cooperative networks of agro family.
1 INTRODUÇÃO
Diante do intenso processo de esvaziamento populacional do meio rural
ocorrido nas últimas décadas, existe a necessidade de se buscar alternativas de
renda, que estimulem a permanência das pessoas no campo, em especial os jovens,
que são os primeiros a irem para os centros urbanos em busca de melhores
condições de vida. Para isso, se faz necessária a ampliação do leque de
possibilidades de renda no meio rural, indo além da produção de matéria-prima para
as indústrias ou produtos in-natura para o mercado.
Nesse contexto, a agregação de valor à produção, através da industrialização
familiar, surge como uma alternativa interessante de melhoria de renda e geração de
novos postos de trabalho no campo. Além disso, cabe salientar que, organizadas em
redes, as agroindústrias resolvem problemas difíceis de serem resolvidos
individualmente, tais como: a legalização do empreendimento, o acesso a novos
mercados, o marketing dos produtos, dentre outros.
Nesse sentido, este artigo tem como objetivo verificar a importância das redes
cooperativas de agroindústrias familiares para a permanência dos jovens no meio
rural. O estudo foi realizado junto a jovens de duas redes de cooperativas de
agroindústrias familiares: a Unidade Central das Agroindústrias Familiares do Oeste
de Santa Catarina (UCAF) e a Cooperativa das Agroindústrias Familiares de
Constantina e Região (COOPERAC).
O trabalho está dividido em nove capítulos. No primeiro é feita uma reflexão
sobre o modelo de desenvolvimento rural em curso no Brasil, suas vantagens e
consequências,
pois
esse
conteúdo
é
de
fundamental
importância
para
compreensão do tema em debate. Posteriormente, discorre-se sobre o êxodo rural
dos jovens rurais, levando-se em consideração os principais fatores que
desestimulam a permanência destes no campo. Logo a seguir, é desenvolvido o
tema das agroindústrias familiares como alternativas de renda no meio rural e,
também, a importância da organização de agroindústrias em redes cooperativas
para o fortalecimento desses empreendimentos frente ao mercado. Na sequência, é
332
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
feito um resgate de algumas referências bibliográficas bastante esclarecedoras a
cerca do tema abordado. Posteriormente, é descrita a metodologia do estudo, as
conclusões e as considerações finais sobre o trabalho realizado.
2 O DESENVOLVIMENTO RURAL, AVANÇOS E CONSEQUÊNCIAS
O meio rural brasileiro vem passando por um intenso processo de
modernização. Os maquinários e equipamentos são cada vez mais sofisticados; as
sementes melhoradas e transgênicas; o uso intensivo de fertilizantes e o controle
químico de pragas, doenças e ervas são cada vez mais utilizados. Essas inovações
tecnológicas
vêm
promovendo
consideráveis
aumentos
na
produtividade
agropecuária e uma inegável redução na penosidade do trabalho, por outro lado,
vem promovendo sérios problemas ambientais e sociais.
O aumento da produtividade agrícola pode ser comprovado através de dados
divulgados pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), nos quais se
observa que nas últimas 30 safras brasileiras de grãos, a produção passou de 47,6
milhões de toneladas para 184,2 milhões de toneladas, apresentando um aumento
de 387%, enquanto a área cultivada aumentou apenas 23,6% neste período. A
produtividade no mesmo período passou de 1.280 kg/ha para 3.477 kg/ha, conforme
é demonstrado no gráfico nº 1, abaixo.
Gráfico 18 - Produção brasileira de grãos
Fonte: Elaborado pelo autor
Esse modelo de desenvolvimento promove graves agressões ambientais,
como a erosão do solo, a contaminação do meio ambiente, a intoxicação de
333
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
agricultores, peixes, animais e pássaros devido ao uso excessivo de agrotóxicos,
além de resultar em grandes quantidades de alimentos contaminados. Isso é
confirmado nos dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), que
demostram que um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros
está contaminado por agrotóxicos e, também, que a quantidade de agrotóxicos
jogada nas lavouras equivale a, cerca de, 5,2 litros por habitante ao ano. Além disso,
o Brasil é atualmente o maior consumidor mundial de agrotóxicos, utilizando 19% do
total produzido no planeta.
Esse processo de transformação da agricultura brasileira teve início após a
Segunda Guerra Mundial, intensificando-se nos anos 60, quando o Governo Federal
assumiu o pacote tecnológico da “Revolução Verde” como política pública,
direcionando o ensino agrícola, a assistência técnica, a pesquisa agropecuária e o
crédito bancário para a difusão dessas tecnologias aos agricultores. Nas décadas
posteriores, os agricultores foram ficando cada vez mais dependentes dessas
tecnologias e integrados aos complexos agroindustriais, tornando-se consumidores
de maquinários e insumos e fornecedores de matéria-prima à indústria, reduzindo a
autonomia de produção e a renda familiar.
Outro grande problema, que vem ocorrendo devido a esse modelo de
desenvolvimento, é o esvaziamento populacional do meio rural causado pela
substituição da força de trabalho por máquinas, equipamentos e modernas
tecnologias de produção. Um trabalhador com um trator ou uma colheitadeira
substitui muitos trabalhadores rurais. Com isso, ocorreu a exclusão de milhares de
trabalhadores, que migraram para os centros urbanos em busca de trabalho para o
sustento de suas famílias.
Isso é demonstrado através dos dados do Censo Populacional do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde consta que até o início da década
de 60 a população rural era maior que a urbana. A partir da metade dessa década,
as populações (urbana e rural) se igualaram e, daí em diante, a população urbana
passou a crescer aceleradamente, enquanto a população rural foi diminuindo,
chegando em 2010 com uma população urbana de 84,4% do total, restando no meio
rural apenas 15,6% da população brasileira, conforme gráfico nº 2, abaixo.
334
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
Gráfico 19 - Evolução percentual da população (urbana e rural) brasileira
Fonte: Elaborado pelo autor
3 O ÊXODO DE JOVENS RURAIS
No processo de esvaziamento populacional do meio rural, percebe-se que os
jovens são os primeiros a irem para a cidade, em busca de estudo, emprego e
melhores condições de vida, comprometendo o processo de sucessão hereditária
nas propriedades rurais. O Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, tem
aproximadamente 10,7 milhões de habitantes. Desses, 2,6 milhões são jovens de 15
a 29 anos de idade, sendo que 87,3% vivem nas cidades e apenas 12,7% estão no
meio rural. Levando-se em consideração que existem 378 mil estabelecimentos de
agricultores familiares e somente 336 mil jovens no meio rural gaúcho, chega-se à
conclusão de que estão faltando 42 mil jovens para que cada estabelecimento da
agricultura familiar tenha, pelo menos, um jovem. (IBGE, 2006; IBGE, 2010).
A maioria dos jovens que resta no meio rural não quer permanecer nas
atividades agropecuárias, principalmente as jovens, que são incentivadas pelos pais
a irem para a cidade em busca de estudo, emprego e melhores condições de vida.
Essa realidade é identificada na pesquisa realizada pelas professoras Anita Brumer
e Rosani Spanevello na Região Sul do Brasil no ano de 2007, que constatou que
54% dos rapazes e 74% das moças entrevistadas declararam que não pretendem
continuar na atividade agrícola.
As filhas mulheres ocupam a posição mais baixa na hierarquia familiar, visto
que não exercem nenhuma atividade sob sua responsabilidade exclusiva. A
força de trabalho das jovens é absorvida nas tarefas domésticas sob
orientação das mães. Considerando a divisão do trabalho como indicador
das posições ocupadas na hierarquia familiar, percebe-se que jovens
335
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
mulheres se encontram duplamente subordinadas. Estas questões estão na
raiz do viés de gênero dos projetos de ruptura com o trabalho agrícola.
(WEISHEIMER, 2007, p. 244-245).
Analisando-se os motivos pelos quais os jovens deixam o campo, percebe-se
que a falta de oportunidade de trabalho, as dificuldades de acesso à posse da terra
e falta de renda digna são fatores muito importantes. Porém, existe, também, uma
complexa e diversificada gama de outros motivos a serem considerados. Iniciando
pelo trabalho cansativo, principalmente nas pequenas propriedades familiares onde
o emprego da força de trabalho braçal é predominante e as jornadas de trabalho são
extensas, desgastantes e mal remuneradas. Além disso, o trabalho aos finais de
semana é muito comum, principalmente no trato dos animais. Esses trabalhos,
quando efetuados pelos jovens, dificultam o lazer e o convívio social com outros
jovens.
O ensino é outro aspecto importante a ser considerado no processo de
abandono do campo. Com o fechamento da maioria das escolas rurais, as crianças
são obrigadas a se deslocar até as cidades para estudar, enfrentando jornadas
bastante desgastantes, devido aos longos períodos que passam no transporte
escolar. Além disso, o ensino, na maioria das escolas, é voltado para valorizar as
coisas do mundo urbano. Os currículos escolares, via de regra, não preparam o
jovem para valorizar a agricultura e a permanência no meio rural. As filhas mulheres,
ainda muito jovens, incentivadas pelos pais, vão para a cidade estudar, hospedandose em casas de parentes, amigos ou em casas de família, e trabalhando como
babás ou empregadas domésticas. Estas, normalmente, não retornam para o meio
rural, por mais precárias que sejam as condições de vida encontradas nas cidades.
O incentivo dos pais à escolarização das filhas tem a função de direcionálas para outra atividade, privilegiando os filhos homens como sucessores
dos pais na agricultura. Conforme Wanderley, ‘uma unidade familiar de
produção tende, pela sua própria natureza, a propiciar a saída de um certo
número de filhos que não podem ser mantidos no interior do
estabelecimento familiar’. (WANDERLEY, 2003, p. 10). Neste caso,
percebe-se que os filhos que ficarão na agricultura são construídos
socialmente, assim como os que devem sair. O que chama a atenção é que
estes últimos são, via de regra, as filhas mulheres. (WEISHEIMER, 2007, p.
247).
A infraestrutura deficitária e o isolamento social também são fatores que
devem ser levados em consideração nessa análise. As estradas são de difícil
trafegabilidade e a energia elétrica é insuficiente até mesmo para manter as
336
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
atividades rurais, o que desestimula a permanência dos jovens no meio rural. Além
disso, grande parte dos estabelecimentos rurais está fora da área de cobertura das
operadoras de telefonia celular e para que os jovens possam acessar as redes
sociais através da internet, em muitos casos, é necessário se deslocar até um centro
urbano.
O sistema patriarcal, no qual os pais controlam com austeridade a gestão
financeira do estabelecimento agrícola, é muito citado pelos jovens como um fator
de desestímulo para a permanência no meio rural. Em muitos casos, os pais não
dão oportunidade aos jovens de auxiliarem na gestão da propriedade e nem de
desenvolver seus próprios projetos produtivos. Os jovens querem ter autonomia
financeira e não ter de pedir dinheiro aos pais até mesmo para ir a uma festa, um
baile ou a um jogo de futebol, por exemplo.
Os jovens da área rural são submetidos a uma estrutura de hierarquia que
limita profundamente o acesso e o controle sobre recursos financeiros.
Embora haja maior democratização dos espaços de participação nas
relações familiares, os jovens têm pouco poder de decisão e pouca
autonomia na gestão do dinheiro. Assim como na pesquisa sobre a
sucessão hereditária, coordenada por Abramovay (2003), a grande maioria
dos jovens, independente da idade que tenham e do trabalho que exerçam
na propriedade, precisa pedir dinheiro aos pais para todas as suas
necessidades. (MAGALHÃES, 2009, p. 5).
A baixa autoestema dos agricultores, também, influencia na ida dos jovens
para a cidade. Não é raro encontrar agricultores reclamando de suas condições de
vida. Isso influencia os filhos, que passam a não querer para si o mesmo destino de
seus pais. Também é importante considerar que o meio rural, normalmente, é
considerado um lugar atrasado, ligado ao desconforto e à falta de perspectivas;
enquanto o meio urbano é tido como lugar de muitas oportunidades de emprego,
renda e vida digna (mesmo que, para muitos brasileiros, isso não se confirme).
Logo, por uma série de motivos, os jovens estão indo para as cidades e a
grande maioria não retorna ao campo, principalmente as jovens mulheres que não
conseguem visualizar um bom futuro no meio rural. Desse modo, o campo fica, cada
vez mais, envelhecido e masculinizado, comprometendo o processo de sucessão
hereditária dos estabelecimentos rurais.
337
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA
FAMILIAR
A necessidade de políticas públicas voltadas para a permanência dos jovens
no campo torna-se uma importante questão colocada no centro do debate sobre o
desenvolvimento rural. É necessário possibilitar a renovação dos contingentes
populacionais no campo para garantir a produção de alimentos saudáveis. O
esvaziamento populacional do meio rural promove a concentração fundiária, os
monocultivos e a utilização de processos produtivos agressivos ao meio ambiente.
Por isso, as políticas públicas precisam tratar o meio rural para além dos negócios,
como sendo um ambiente onde as pessoas possam viver em boas condições e
sintam vontade de permanecer, produzir e criar seus filhos.
Nos últimos anos, os governos vêm despertando para esse problema. Em
meados dos anos 1990, foi criado o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF), que foi sendo ampliado a cada ano, até os dias de
hoje. Esse programa possui um conjunto de linhas de crédito subsidiados, voltados
para o custeio e investimento de uma gama de atividades rurais voltadas para a
agricultura familiar. Dentre essas linhas de crédito, existe o PRONAF Jovem que é
voltado para oportunizar a permanência dos jovens no meio rural, porém, ainda é um
recurso de difícil acesso devido às exigências bancárias.
As políticas de compras governamentais, também, podem ser citadas como
estimuladoras à permanência das famílias de agricultores no meio rural. Em 2003, o
Governo Federal criou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por meio do
qual são adquiridos produtos diretamente dos agricultores. Esses produtos são
repassados às famílias cadastradas no programa Bolsa Família ou são utilizados
para formação de estoques.
Em 2009, o Governo Federal alterou a lei do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), determinando que, no mínimo 30% da
alimentação escolar, seja oriunda da agricultura familiar e do empreendedor familiar
rural ou de suas organizações, priorizando os assentamentos de reforma agrária, as
comunidades tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas.
O Governo do Estado do Rio Grande do Sul, a partir de 2011, iniciou uma
série de políticas voltadas para a revitalização do meio rural gaúcho. Tendo criado a
Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR), passou a
338
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
investir no fortalecimento das cadeias produtivas de leite, frutas e verduras, além da
pesca e aquicultura, com políticas de incentivo à produção, industrialização,
comercialização e ao abastecimento. Para isso, ampliou a assistência técnica, os
cursos de formação e o crédito subsidiado aos agricultores e pecuaristas familiares,
pescadores artesanais, comunidades quilombolas e indígenas. O apoio ao
cooperativismo; a agricultura de base ecológica; a estruturação básica e produtiva
das comunidades rurais e dos assentamentos da reforma agrária; e o combate à
pobreza no meio rural também podem ser citados como importantes políticas de
incentivo à permanência das famílias no meio rural.
Como política voltada especificamente aos jovens, pode ser citada a Bolsa
Juventude, lançada no Plano Safra RS 2012/13, com objetivo de fornecer bolsas de
manutenção a jovens urbanos e rurais. Aos jovens rurais, a bolsa está vinculada a
um projeto produtivo, que deve ser desenvolvido nos estabelecimentos familiares
desses jovens.
5 AS AGROINDÚSTRIAS FAMILIARES COMO ALTERNATIVAS DE GERAÇÃO
DE RENDA
A implantação de pequenas agroindústrias familiares no meio rural vem
caracterizando-se, cada vez mais, como uma importante alternativa de geração de
renda no campo, abrindo novos postos de trabalho e motivando os jovens a
permanecerem em suas propriedades, reduzindo parcialmente o quadro de êxodo
rural e, em alguns casos, oportunizando o retorno de jovens ao meio rural.
O processamento de produtos agropecuários faz parte da trajetória histórica
dos agricultores familiares que, por muitas gerações, vem industrializando parte de
sua produção, seja para consumo próprio, seja para comercialização, utilizando
tecnologias artesanais passadas de pai para filho. Porém, a grande maioria desses
empreendimentos encontra-se na informalidade. São muitos os motivos para isso,
mas podem ser citados os seguintes: instalações e equipamentos inadequados e
problemas de legalização ambiental, sanitária e fiscal.
As agroindústrias familiares são unidades de pequeno porte destinadas à
industrialização da produção agropecuária e extrativista dos agricultores familiares,
utilizando mão-de-obra familiar e produzindo produtos com maior valor agregado.
Nesse tipo de empreendimento, os agricultores são os protagonistas do processo de
339
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
produção, pois atuam em todas as fases da cadeia produtiva até a colocação dos
produtos no mercado.
Os produtos das agroindústrias familiares encontram enorme aceitação no
mercado, por serem mais puros e saudáveis, sem a sobrecarga de aditivos
químicos. Além disso, por utilizarem matéria-prima própria e mão-de-obra familiar, as
agroindústrias familiares reduzem os custos de produção, necessitando de menos
capital de giro para tocarem o negócio e podendo, assim, resistir por mais tempo às
oscilações de mercado.
6 ORGANIZAÇÃO DAS AGROINDÚSTRIAS FAMILIARES EM REDES
COOPERATIVAS
No Brasil, as cooperativas de produtores rurais historicamente assumiram
características empresariais, encontrando-se fortemente integradas ao complexo
agroindustrial. Nas últimas décadas, os agricultores familiares passaram a criar
cooperativas pautadas em novos conceitos de gestão econômica, incluindo a
solidariedade, a ética e a justiça social como elementos condicionantes. As
pequenas cooperativas locais ou regionais articuladas em redes constituem-se em
novas formas de cooperação, resgatando os princípios do cooperativismo,
produzindo, industrializando e comercializando seus produtos e, consequentemente,
melhorando as condições de vida das famílias de agricultores.
A organização em rede cooperativa de agroindústrias de pequeno porte
representa um diferencial importante na viabilização econômica das agroindústrias
familiares, pois aumenta seu poder de intervenção e permanência no mercado. Além
disso, a legalização das agroindústrias no formato de cooperativas se torna
recomendável, em vez da organização empresarial. Desse modo, além de produzir a
matéria-prima, as cooperativas passam a controlar outros elos da cadeia produtiva,
como a industrialização dos produtos e sua comercialização, sem, com isso, se
descaracterizarem como agricultores familiares, podendo ter acesso aos subsídios
oferecidos em programas governamentais, e sem correr o risco de perder a
condição de segurados especiais da previdência social.
Uma rede de agroindústrias familiares pode ser organizada de diversas
formas. Pode ser com uma ou várias cooperativas, com uma ou várias cadeias
produtivas, em âmbito municipal ou regional. O mais importante é a democratização
340
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
e a transparência nas tomadas de decisão, a partir da criação de espaços
descentralizados de gestão. Essa gestão deve incluir os jovens em idade de
trabalho, sem prejuízo de seus estudos, e a participação efetiva das mulheres nas
tomadas de decisão, em igualdade de condições, em relação aos homens.
As redes cooperativas de agroindústrias familiares podem atuar em diversas
frentes, dentre elas, podem ser citadas as seguintes: realizar compra conjunta de
embalagens, equipamentos e insumos; fazer o marketing dos produtos, apoiar na
confecção de rótulos, tabela nutricional e código de barras; fornecer marca coletiva
aos produtos das agroindústrias que participam da rede; coordenar a participação
das agroindústrias em feiras e eventos; realizar o transporte conjunto dos produtos
para comercialização em mercados mais distantes; apoiar as novas agroindústrias
fornecendo projetos técnicos e arquitetônicos; auxiliar na legalização ambiental,
sanitária e tributária; apoiar a gestão das agroindústrias; auxiliar as agroindústrias na
aquisição de financiamento; e realizar negociações com órgãos públicos para
melhoria de infraestrutura das agroindústrias: estradas, energia elétrica, água,
telefone etc.
7 REFERENCIAL TEÓRICO
A industrialização da produção em pequenas agroindústrias familiares
promove a descentralização regional da produção ao aproximar as agroindústrias da
produção da matéria-prima, reduzir os custos com transporte, aumentar a
remuneração da mão-de-obra e promover o aproveitamento adequado de dejetos e
resíduos, além da diminuir as migrações desordenadas. Ocorre uma valorização do
meio rural, com melhor utilização do espaço territorial e busca de recuperação e
preservação dos recursos ambientais. (PREZOTTO, 2005, p. 34).
A agroindústria familiar rural é uma forma de organização na qual a família
rural produz, processa e/ou transforma parte de sua produção agrícola e/ou
pecuária, objetivando a produção de valor de troca ocorrente na comercialização.
Alguns aspectos caracterizam a agroindústrias familiares, como a localização no
meio rural, a disponibilidade de máquinas e equipamentos em escalas menores, a
matéria-prima geralmente própria ou de vizinhos, além disso, os produtores dispõem
de processos artesanais próprios, bem como de mão-de-obra familiar. A
341
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
organização do empreendimento poderá ser associativa, interligando uma ou várias
famílias, aparentadas ou não. (MIOR, 2003, p. 315).
Os agricultores passam a atuar na agroindústria como donos da unidade e da
matéria-prima, podendo decidir o que e quanto produzir para a industrialização. O
processo de gestão pode ser individual ou, em geral, de um pequeno grupo de
agricultores, o que favorece a otimização da estrutura disponível nas propriedades e
a racionalização dos recursos investidos na implantação da unidade industrial. Mas
para ocorrer uma boa gestão é necessário contar com a assessoria de técnicos, que
façam uma programação bem articulada e racional de capacitação. (PREZOTTO,
2005, p. 36).
A esfera da produção da agroindústria familiar também reserva um lugar
extremamente importante para as mulheres agricultoras. A estratégia de agregação
de
valor
frequentemente
vem
associada
à
transformação
de
atividades
anteriormente confinadas à cozinha da família rural. Desse território, demarcado
pela presença das mulheres agricultoras, emergem fontes de renda que passam a
ser fundamentais para a agricultura familiar. Essa redivisão interna de trabalho da
família rural se transforma em um dos principais trunfos para o sucesso da
agroindústria familiar. (MIOR, 2007, p. 8).
Para Pettan (2004, p. 105), a organização de redes de agroindústrias
familiares aumenta as capacidades de gerar valor agregado; alcançar economias de
escala e de escopo; e aumentar a diferenciação de produtos e serviços. Além disso,
é possível garantir a produção de produtos padronizados; possibilitar o alcance de
objetivos que não seriam alcançados através da iniciativa individual; e aumentar as
possibilidades de negociação e a competitividade, trazendo vantagens para as
relações com outros constituintes do sistema, como compradores, fornecedores,
instituições governamentais e financeiras. As cooperativas também auxiliam na
implantação de treinamentos conjuntos, no financiamento de pesquisas, no
marketing e propaganda, na distribuição etc., além de obter maior representação
política ou mesmo outras formas de poder que possam beneficiar o grupo.
Por outro lado, Wilkinson (2002, p. 147) pondera que as organizações
cooperativas da agricultura familiar encontram dificuldades de se distinguir das
tradicionais, pois se veem diante da necessidade de produzir e comercializar com
base nos preços médios definidos pelo mercado. Necessitam também acumular e,
por isso, nem sempre o preço pago aos agricultores associados é melhor do que as
342
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
grandes empresas multinacionais pagam. Embora possibilitem maiores ganhos a
uma parcela dos agricultores, podem também, algumas vezes, contribuir com a
acumulação das grandes indústrias, atacadistas e varejistas, como é o caso dos
produtos com certificados de origem (orgânicos, ecológicos, de agricultura familiar,
produtos regionais), pois podem garantir uma taxa de lucro maior do que os
produtos de consumo em massa e padronizados.
8 METODOLOGIA
Este estudo foi realizado com base em fontes de dados secundários (em
livros, artigos, materiais disponibilizados na internet) e, também, em fontes de dados
primários, com a aplicação de entrevistas a jovens rurais de duas redes de
agroindústrias familiares: a Central das Agroindústrias Familiares do Oeste de Santa
Catarina (UCAF), que possui a marca coletiva “Sabor Colonial” e a Cooperativa das
Agroindústrias Familiares de Constantina e Região (Cooperac), com a marca
coletiva “Vita Colônia”.
A rede UCAF reúne aproximadamente 117 agroindústrias familiares com
aproximadamente 500 famílias de agricultores, que comercializam mais de 700 itens
de produtos e estão organizadas em rede com 12 cooperativas na região do oeste
de Santa Catarina. A rede foi criada em novembro de 1999, sendo uma entidade civil
sem fins lucrativos, com prazo de duração indeterminado. Presta serviços às
agroindústrias nas áreas de contabilidade, produção, gestão, controle de qualidade,
marketing e comercialização. Desse modo, contribui para a oferta de produtos de
qualidade e procedência. A marca coletiva “Sabor Colonial” é disponibilizada às
agroindústrias associadas, mediante um rol de critérios a serem atendidos.
Figura 2 - Rótulo de um dos produtos “Sabor Colonial”
Fonte: Registrada pelo autor
343
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
A rede COOPERAC atua na região do Médio-Alto Uruguai, no Rio Grande do
Sul, abrangendo 13 agroindústrias e apresentando uma diversificada gama de
produtos à população, como salame, copa, queijo, farinha de milho, melado, pães,
bolachas, biscoitos, vinho, rapadura, frango caipira, polvilho, açúcar mascavo,
verdura minimamente processada, massa, mandioca embalada a vácuo, farinha de
milho, suco de uva dentre outros. Essa rede é organizada com apenas uma
cooperativa, sendo que cada agroindústria se constitui em uma filial, e os
componentes das agroindústrias são sócios da cooperativa. Esta rede possui a
marca coletiva “Vita Colônia”.
Figura 3 - Rótulo de um dos produtos “Vita Colônia”
Fonte: Registrada pelo autor
Foram aplicadas dezoito entrevistas. Treze foram aplicadas a jovens de
quinze a trinta anos de idade e cinco a pessoas com idade superior a trinta anos.
Dentre os jovens foram entrevistados sete do sexo feminino e seis do sexo
masculino. Quanto ao tipo de agroindústria das famílias dos entrevistados: são três
de derivados de cana de açúcar, três de derivados de mandioca, uma de derivados
do leite, seis de embutidos de suínos, uma de mel, uma de ovos e três de
panificados.
Com um roteiro de dez perguntas, os entrevistados foram questionados sobre
os motivos que levam os jovens a abandonarem o campo; o que precisa melhorar
para os jovens permanecerem no meio rural; as principais atividades exercidas na
propriedade; a importância da renda da agroindústria na renda da propriedade; o
percentual de tempo destinado às diversas atividades; a importância da
agroindústria familiar na decisão de permanecer no campo; se teria permanecido na
propriedade rural, caso não houvesse agroindústria; se pretende permanecer e
344
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
substituir os pais na propriedade; se as jovens permanecem no meio rural quando
tem uma agroindústria familiar; e se a organização das agroindústrias em redes
cooperativas têm sido importante para permanência dos jovens no meio rural.
9 RESULTADOS
9.1 MOTIVOS QUE LEVAM OS JOVENS A ABANDONAR O MEIO RURAL
Quando questionados sobre os motivos pelos quais os jovens abandonam o
meio rural, indo para as cidades em busca de melhores condições de vida, as
respostas foram diversas, destacando-se as seguintes:
a) falta de incentivo dos pais;
b) falta de oportunidade de renda no campo;
c) falta de incentivos governamentais direcionados aos jovens;
d) falta de formação profissional (cursos, palestra, etc.);
e) falta de tecnologia de produção que diminua o esforço físico nas atividades
rurais;
f) falta de técnicos capacitados em áreas diversas para incentivar a
diversificação produtiva nas propriedades rurais;
g) desvalorização das atividades agrícolas pela população;
h) falta de valorização das raízes e tradições do meio rural;
i) falta de renda fixa nas atividades da propriedade rural;
j) falta de autonomia financeira dos jovens no meio rural;
k) busca por melhor educação e melhores empregos;
l) influência dos meios de comunicação;
m) busca por maior integração com a sociedade;
n) falta de valorização do potencial das propriedades rurais pelos jovens, que
preferem trabalhar como empregados na cidade a ficar no campo.
345
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
9.2 O QUE PRECISA MELHORAR PARA OS JOVENS PERMANECEREM NO
MEIO RURAL?
Os jovens também deram sugestões sobre as melhorias que precisam ser
implementadas para motivar a permanência no meio rural. Dentre as respostas,
destacam-se as seguintes:
a) educação voltada para valorização das atividades rurais;
b) mais cursos de formação profissional;
c) assistência técnica qualificada para diversificação e produção de alimentos
saudáveis;
d) permissão, por parte os pais, para que os filhos influenciem nas decisões
sobre os investimentos na propriedade;
e) ampliação das opções de trabalho e renda no campo;
f) orientação e apoio à criação de agroindústrias para aumentar a renda e
melhorar as perspectivas dos jovens;
g) mais incentivos governamentais direcionados aos jovens;
h) monitoramento, por parte das famílias, da permanência dos jovens no
campo;
i) mais ofertas de crédito e dinheiro a fundo perdido para os jovens iniciarem
atividades e permanecerem no campo;
j) oferta de projetos de diversificação na propriedade para serem
desenvolvidos pelos jovens;
k) valorização, por parte da sociedade e dos meios de comunicação, do meio
rural, na mesma proporção do meio urbano.
9.3 DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO NAS ATIVIDADES RURAIS
A média de tempo que os entrevistados dedicam aos diversos tipos de
trabalho rural está distribuída da seguinte forma: 27% do tempo é utilizado para o
trabalho agropecuário (incluindo a produção de matéria-prima para a agroindústria);
39% do tempo é dedicado para a industrialização da produção; 14% é utilizado para
gestão da agroindústria; e 20% para a comercialização dos produtos, conforme
gráfico abaixo.
346
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
Gráfico 20 - Distribuição média do tempo dedicado ao trabalho rural
Fonte: Elaborado pelo autor
Verificando mais detalhadamente as entrevistas, observa-se uma participação
maior do pai e dos filhos homens na produção agropecuária. A mãe e as filhas
dedicam mais tempo aos afazeres domésticos e às atividades da agroindústria,
principalmente nas de panificados, massas, doces e conservas.
Embora haja um predomínio dos pais na gestão e na comercialização da
produção, observa-se um aumento da participação dos jovens. Isso é muito
importante para a emancipação e autonomia dos jovens rurais. Na gestão da
agroindústria, os jovens adquirem conhecimentos administrativos importantes para
assumirem, futuramente, o negócio. Percebem o que gera lucro ou prejuízo e
passam a se sentir mais seguros para propor melhorias necessárias ao sucesso
dessa atividade econômica.
Na comercialização dos produtos, passam a perceber as demandas do
público consumidor, podendo propor melhorias na qualidade e na apresentação dos
produtos, na formação do preço, nos tipos de mercados mais receptivos, na forma
de abordar o cliente, dentre outros aspectos. E no exercício da negociação com os
clientes, o jovem exercita o raciocínio, melhora a oratória, as relações sociais e a
autoestima.
Enfim, com a prática da gestão e da comercialização, os jovens passam a
participar do controle financeiro do estabelecimento familiar, o que nos
347
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
estabelecimentos tradicionais da agricultura familiar, normalmente, é exercido pelo
chefe de família.
9.4 A IMPORTÂNCIA DA RENDA DA AGROINDÚSTRIA NO ESTABELECIMENTO
RURAL
Em relação à importância da renda da agroindústria na renda do
estabelecimento rural, percebe-se que, na média, a renda da agroindústria significa
46% do total das receitas da família, enquanto 54% é proveniente de outras
atividades, conforme gráfico abaixo.
Gráfico 21 - Importância da renda da agroindústria na renda do
estabelecimento rural
Fonte: Elaborado pelo autor
Isso demonstra a importância econômica da agregação de valor à produção
agropecuária nos estabelecimentos familiares. Ao implantar uma agroindústria, o
agricultor deixa de ser um fornecedor de matéria-prima para o setor industrial. Ao
produzir a própria matéria-prima, industrializar e comercializar seus produtos passa a
dominar três importantes elos da cadeia produtiva e abre novos postos de trabalho
aos filhos. A atividade econômica mais desenvolvida, além da agroindústria, é a
produção de leite, que, mesmo não sendo industrializada no estabelecimento rural, é
considerada uma atividade que gera renda razoável e regular.
348
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
9.5 A IMPORTÂNCIA DA AGROINDÚSTRIA FAMILIAR PARA A PERMANÊNCIA
DOS JOVENS NO MEIO RURAL
Quando questionados sobre a importância da agroindústria familiar para a
permanência no campo, 61% dos jovens responderam que foi fundamental e 39%
dos entrevistados considerou importante para sua permanência no campo. Nenhum
dos
entrevistados
considerou
a
agroindústria
como
indiferente
para
sua
permanência, conforme gráfico abaixo.
Gráfico 22 - Importância da agroindústria familiar na decisão de permanecer no
campo
Fonte: Elaborado pelo autor
Isso ocorre devido a uma gama de fatores já discutidos neste artigo.
Considerando que a industrialização familiar agrega valor à produção, melhora a
renda das famílias e abre postos de trabalho no campo, ocorre uma motivação para
permanência dos jovens no meio rural. Além disso, nos estabelecimentos que
possuem agroindústria, ocorre uma alteração na divisão familiar do trabalho e os
jovens participam com maior intensidade de atividades econômicas, como
industrialização, gestão da agroindústria e comercialização dos produtos.
A importância da agroindústria familiar para a permanência dos jovens no
campo também foi comprovada em outra pergunta, na qual os entrevistados foram
questionados sobre sua permanência no campo caso não houvesse uma
349
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
agroindústria familiar no estabelecimento rural. Assim como na questão anterior,
61% dos entrevistados responderam que não permaneceriam no campo e apenas
39% ficariam mesmo não havendo a agroindústria, conforme gráfico abaixo.
Gráfico 23 - Teria permanecido no campo se não tivesse uma agroindústria no
estabelecimento rural?
Fonte: Elaborado pelo autor
9.6 A PERMANÊNCIA NO CAMPO E A SUCESSÃO FAMILIAR
Quando questionados sobre se pretendem permanecer no campo e substituir
seus pais na propriedade, todos os entrevistados responderam que sim, querem
ficar e fazer a sucessão na propriedade rural. Nem todos responderam
afirmativamente devido à agroindústria, mas pelo menos 69% deles não teriam
permanecido se não fosse a existência da agroindústria. Deve ser considerado,
também, que cinco entrevistados têm mais de trinta anos de idade, são chefes de
família e, portanto, já são os sucessores nos estabelecimentos rurais onde vivem.
Com a implantação de uma agroindústria familiar os jovens passam a ter uma
perspectiva real de obter melhoria de renda no estabelecimento rural. As jovens
mulheres, também, passam a visualizar a possibilidade de ficar e substituir seus
pais, desenvolvendo um projeto econômico vinculado a um projeto de vida, no qual a
agregação de valor à produção passa a ter um papel fundamental para a viabilidade
do estabelecimento rural e para sua permanência.
350
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
Em alguns casos, com a implantação da agroindústria, vem ocorrendo o
retorno de jovens ou adultos ao campo, pois abre novos postos de trabalho
remunerados, possibilitando a inclusão de outros membros da família nas atividades
da agroindústria. Podendo, dessa forma, deixar a condição de empregado na cidade
e passar à condição de proprietário, com maior autonomia na obtenção da renda
para seu sustento.
9.7 A PERMANÊNCIA DAS JOVENS NO MEIO RURAL QUANDO A FAMÍLIA
POSSUI UMA AGROINDÚSTRIA
Quando perguntados sobre se as jovens permanecem no meio rural, quando
a família possui uma agroindústria, apenas um participante respondeu que não. Os
dezessete restantes disseram que sim, as jovens permanecem no campo quando a
família possui uma agroindústria.
Observa-se que, com a implantação de uma agroindústria no estabelecimento
rural, ocorre uma reorganização na divisão sócia do trabalho familiar. As jovens, que
tradicionalmente se ocupam dos afazeres domésticos, passam a ter outras opções,
diversificando suas atividades e sua importância na unidade familiar.
9.8 A IMPORTÂNCIA DA REDE COOPERATIVA DE AGROINDÚSTRIAS
FAMILIARES PARA PERMANÊNCIA DOS JOVENS NO MEIO RURAL
Quando questionados sobre a importância das redes cooperativas de
agroindústria para permanência dos jovens no meio rural, todos afirmaram que as
cooperativas têm uma grande importância. Isso porque as redes de agroindústria
auxiliam na implantação e consolidação das agroindústrias familiares no mercado
formal, auxiliando na resolução de problemas que individualmente seriam muito
difíceis de solucionar, como a legalização da agroindústria; a aquisição de
embalagens e insumos; o acesso a mercados (principalmente o mercado
institucional, feiras regionais estaduais e nacionais); o controle de qualidade; e o
marketing (rótulo, código de barras, tabela nutricional).
Além disso, quando os agricultores têm as suas agroindústrias organizadas
em redes cooperativas não se transformam em empresários, permanecendo na
351
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
condição de agricultores familiares e, também, não perdem a possibilidade de se
aposentarem como segurados especiais.
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No processo de esvaziamento do meio rural, os jovens são os primeiros a
irem para a cidade em busca de estudos, emprego e melhores condições de vida,
principalmente as meninas, que, ainda, muito jovens, são incentivadas pelos pais a
irem para a cidade e dificilmente retornam para viver no meio rural. Por isso, o meio
rural está cada vez mais masculinizado e envelhecido.
Para a permanência dos jovens no campo, faz-se necessário que ele
vislumbre perspectivas de melhores condições de vida. Os jovens precisam ser
incentivados
pelos
pais
e
pelo
governo
(municipal,
estadual, federal)
a
permanecerem no campo. Para isso, precisam, com maior intensidade, de projetos
produtivos autônomos, assistência técnica, cursos de qualificação, crédito
subsidiado e mercado com preços compensadores aos seus produtos.
Nesse contexto, a implantação de agroindústrias familiares abre perspectivas
aos jovens para desenvolver atividades produtivas e melhorar a renda familiar, tanto
na
industrialização
dos alimentos,
quanto
na
gestão da agroindústria e
comercialização dos produtos. Mas não basta a existência de agroindústrias
familiares nos estabelecimentos rurais para que os jovens permaneçam no campo, é
necessário que haja mudança na postura patriarcal existente em muitas unidades
familiares rurais, permitindo que os jovens tenham autonomia financeira e participem
das decisões sobre os destinos do estabelecimento familiar.
As jovens, que normalmente são condicionadas aos afazeres domésticos,
precisam vislumbrar perspectivas de permanência no campo, com boas condições
de vida e, também, terem oportunidades de desenvolver atividades produtivas. Elas
precisam sentir que seus pais querem sua permanência no meio rural e que podem
fazer a sucessão na propriedade, do mesmo modo que seus irmãos.
352
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
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353
Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das
famílias associadas à cooperativa extremo norte
MEMLAK, Adriana Fátima54
DEWES, Fernando55
RESUMO
Este artigo relata as perspectivas dos filhos de associados da Cooperativa Mista de
Produção Extremo Norte. A região de abrangência da Cooperativa é essencialmente
de agricultura familiar. Identificar se os jovens pretendem ou não permanecer na
agricultura, seguindo os passos dos seus pais, é importante para projetar o futuro da
Cooperativa e definir estratégias de ação. Através de entrevistas e observações de
campo, verificou-se que a maioria dos jovens (60%) pretende permanecer na
atividade agrícola. Sugestões para atrair novos associados, especialmente os
jovens, e incentivar a maior participação dos atuais associados nos destinos da
Cooperativa também foram fornecidas. Conclui-se que os jovens têm interesse em
continuar na agricultura quando conseguem uma renda que valha a pena e que,
quando eles conseguem se organizar e ter uma renda própria, sentem-se
valorizados e motivados a continuar na atividade agrícola.
Palavras-chave: Cooperativismo. Juventude. Participação. Sucessão na Agricultura
Familiar.
ABSTRACT
This article reports on the prospects of the children of members of the Cooperativa
Mista de Produção do Extremo Norte. The region covered by the Cooperative is
essentially of family farms. Identify whether or not young people want to stay in
agriculture, following in the footsteps of their parents, it is important to design the
future of Cooperative and define strategies. Through interviews and field
observations, it was found that most young people (60%) plan to stay in farming.
Suggestions for attracting new members, especially young people, and encourage
greater participation of current members in the Cooperative destinations were also
provided. It is concluded that young people have an interest to continue in agriculture
when they get an income worth and that, when they are able to organize and have an
income of their own, they feel valued and motivated to continue in agriculture.
Keywords: Cooperativism. Young. Participation. Succession in family farming.
54
55
Acadêmica do Curso de Especialização em Gestão de Cooperativas.
Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1975),
mestrado em Psicologia pela Universidade de Brasília (1981), doutorado em Psicologia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2004) e pós-doutorado pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (2011) - CEPAN, professor da Universidade de Caxias do Sul - UCS,
das Faculdades Integradas de Taquara - Faccat e da Escola Superior em Cooperativismo ESCOOP, RS.
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
1 INTRODUÇÃO
Desde os tempos remotos da história da humanidade, em todas as partes do
mundo, a cooperação e a ajuda mútua foram formas de organização social muito
utilizadas pelos diferentes coletivos. No Brasil, as comunidades indígenas antigas já
viviam de forma organizada, onde a ajuda mútua era princípio primordial para a
sobrevivência do grupo. Com o passar do tempo, começaram a se consolidar em
todo o mundo as cooperativas.
Na atualidade, uma das principais formas de promover o desenvolvimento
econômico e social ao gerar e distribuir renda, e também promover o capital social
nas comunidades onde é praticado, é o cooperativismo. (BIALOSKORSKI NETO,
2002). A cooperativa também resgata a cidadania por meio da participação, do
exercício da democracia e da liberdade e autonomia, podendo ser considerada uma
das mais avançadas formas de organização da sociedade civil. (MORATO; COSTA,
2001).
Dentre os vários legados das cooperativas, um deles é o de contribuir para a
permanência do homem no campo, principalmente as do setor agropecuário, que
geram uma melhor distribuição de renda e trazem bem-estar às comunidades que
ganham importância social e econômica.
Mesmo com toda esta importância, as cooperativas têm dificuldades de se
desenvolver nas comunidades em que atuam. Muitas são as causas para estas
dificuldades: problemas de má gestão, limites na sua atuação em função dos seus
princípios e falta de capitalização, são algumas delas.
Este trabalho foi realizado com o intuito de identificar e entender a
participação dos agricultores associados na Cooperativa Extremo Norte, nas
atividades que ela desenvolve, e, também, verificar se a família, principalmente os
filhos, participam e são sócios da mesma. Enfoca-se a importância do envolvimento
de todos os familiares nas atividades desenvolvidas e nas decisões tomadas pela
diretoria da cooperativa. Ressaltamos que o envolvimento dos filhos é de suma
importância, pois assim eles tomam conhecimento do funcionamento da cooperativa
e das oportunidades oferecidas, e poderão futuramente assumir a gestão da
propriedade. Eles darão continuidade ou não ao processo iniciado pelos seus pais.
Como os jovens se inserem no trabalho das propriedades? Pensam em
continuar o trabalho dos pais? Quais as ações que a Cooperativa e sua diretoria
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
estão fazendo a respeito disso? Existem iniciativas de auxílio à permanência das
famílias no campo? Existe, por parte da Cooperativa, alguma política voltada à
inserção de jovens na propriedade e até mesmo na própria cooperativa?
A sucessão familiar é um tema de extrema importância e deve ser discutida e
avaliada constantemente, pois se não houver sucessão nas propriedades, não
haverá nas cooperativas. A principal tarefa da educação cooperativista é a de
promover a integração social e a participação dos cooperados, fazendo com que
eles se insiram de forma crítica na gestão do empreendimento e desfrutem dos
produtos e serviços econômicos e assistenciais oferecidos pela mesma. Segundo
Nascimento (2000), a maioria dos problemas enfrentados pelas cooperativas,
inclusive os financeiros e gerenciais, pode ser resolvida com a maior participação de
todos os envolvidos, e isto passa pela formação cooperativista, adquirida através da
educação baseada nos seus princípios.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 HISTÓRIA DO COOPERATIVISMO MUNDIAL
A primeira cooperativa do mundo moderno surgiu em 1844, em Rochdale na
Inglaterra, conhecida como a “Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale”, com
seus próprios estatutos e princípios doutrinários e filosóficos. Começou com um
grupo de 28 tecelões, os quais deram origem ao cooperativismo no mundo, após
terem passado por algumas adequações. Inicialmente, pelos próprios pioneiros, para
atender suas necessidades práticas, e, ao longo do tempo, pela Aliança Cooperativa
Internacional (ACI), desde sua fundação em 1895, para “continuar a obra dos
Pioneiros de Rochdale”. (PINHO, 2003).
O
movimento
operário
da
época
estava
sendo
pressionado
pelas
transformações sociais que produziam instabilidade social, rompendo as estruturas
hierárquicas, aumentando a miséria, a exploração e a dominação da mão de obra, e,
também, os conflitos de classes. Foi assim que, a partir destas desigualdades,
emergiu o cooperativismo. (SEIBEL, 2003).
Na visão destes operários, a forma de comprar e vender em conjunto seria
uma maneira de contornar os efeitos nocivos do capitalismo sobre a classe
assalariada em condições inferiores. Eles, então, alugaram um armazém onde
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
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estocavam produtos adquiridos em grande quantidade, que, assim, poderiam ser
repassados a preços menores. Isto tudo teve início com a quantidade ínfima de uma
libra.
Essa experiência dos trabalhadores se difundiu da Inglaterra para outros
países, influenciando a organização de cooperativas de trabalho na França e as de
crédito na Alemanha. Mais tarde, essas experiências foram difundidas pelo mundo
inteiro, e, atualmente, as cooperativas são reconhecidas legalmente como uma
forma de organização no Brasil. (PINHO, 1988).
2.2 HISTÓRIA DO COOPERATIVISMO NO BRASIL
No Brasil, o cooperativismo surgiu oficialmente em 1847, por intermédio do
médico Francês Jean Maurice Faivre. O mesmo fundou a colônia Santa Tereza
Cristina no Sertão do Paraná, que teve pouco tempo de duração, mas foi muito
importante para o florescimento do ideal cooperativista.
A colônia não era uma cooperativa, e sim uma organização comunitária que
funcionava de acordo com os ideais cooperativistas. Ainda tivemos outros exemplos
de organizações, como as sociedades de Socorro Mútuo, que surgiram a partir de
1850 e que também não eram cooperativas, mas deram grande impulso ao
movimento. E, assim, começaram as associações cooperativistas no Brasil.
No Estado do Rio Grande do Sul, a experiência cooperativista foi trazida pelo
Pe. Theodor Amstad, em 1902. O Padre jesuíta trouxe para o Estado o modelo
alemão de cooperativismo, introduzindo no país as primeiras cooperativas de crédito
e agrícola, aplicado às pequenas comunidades rurais, com base na honestidade dos
cooperados.
1.3 PRINCÍPIOS COOPERATIVISTAS
Os sete princípios do cooperativismo foram instituídos na Inglaterra, em 1844,
pelos pioneiros de Rochdale, que com a aplicação dos mesmos tiveram um
crescimento considerável atingindo um número imenso de sócios. Os ideais destes
princípios são mantidos até hoje, sendo, apenas, adaptados à modernidade. Isso
porque estes princípios serviram de base para a doutrina cooperativista, por sua
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
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preocupação na relação entre sócios e pela estrutura de poder formal, que faz com
que as cooperativas se diferenciem das empresas tradicionais.
A seguir, os sete princípios do cooperativismo:
1º Princípio: Adesão Livre e Voluntária
As cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas
aptas a utilizarem seus serviços e assumir responsabilidades como associados, sem
discriminação social, racial, política, religiosa e de sexo. O princípio da porta aberta,
todavia, não deve ser tomado com um sentido absoluto.
2º Princípio: Gestão Democrática pelos Cooperados
As cooperativas são organizações democráticas, controladas por seus
associados, que participam ativamente na formulação de suas políticas e na tomada
de decisões. A gestão democrática é a essência operacional do cooperativismo.
3º Princípio: Participação Econômica dos Cooperados
Os cooperados contribuem equitativamente para o capital de suas
cooperativas e o controlam democraticamente. Pelo menos parte deste capital é,
normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os associados recebem,
habitualmente, uma limitada remuneração – se houver – ao capital subscrito. Os
excedentes são destinados a um ou mais dos seguintes objetivos:
a) desenvolvimento de suas cooperativas, eventualmente por intermédio da
criação de reservas, parte das quais, pelo menos, será indivisível.
b) benefício dos associados, na proporção de suas transações com a
cooperativa.
c) apoio a outras atividades aprovadas pelos associados.
4º Princípio: Autonomia e Independência
As cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, geridas pelos
seus membros. Se firmarem acordos com outras organizações – incluindo
instituições públicas – ou recorrerem a capital externo, devem fazê-lo em condições
que assegurem o controle democrático pelos seus associados e se mantenha a
autonomia das cooperativas.
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
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5º Princípio: Educação, Formação e Informação
As cooperativas promovem a educação e a formação dos seus associados
eficazmente, para o desenvolvimento das suas cooperativas. Informam o público em
geral, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as
vantagens da cooperação.
6º Princípio: Intercooperação
As cooperativas servem de forma mais eficaz a seus membros e dão mais
força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, por intermédio das
estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.
7º Princípio: Interesse pela Comunidade
As cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentado de suas
comunidades, por meio de políticas aprovadas pelos seus associados.
Estes princípios são as linhas orientadoras que até hoje são seguidos pelas
cooperativas e por meio dos quais as mesmas colocam em prática seus valores, e é
isso o que difere as cooperativas. Isso faz com que o associado se sinta parte da
mesma, trabalhando com ela e por ela.
1.4 EDUCAÇÃO COOPERATIVISTA
Para a cooperativa apresentar um bom desempenho, a educação tem
importância fundamental. A compreensão da relação dos conceitos de educação e
cooperação é indispensável para o aperfeiçoamento organizacional das práticas
cooperativas.
Ferreira e Amodeo (2008), em trabalho apresentado no V Encontro de
Pesquisadores Latino-americanos de Cooperativismo, referem-se à educação
cooperativa como um dos pilares fundamentais de sustentação do movimento
cooperativista de produção. Eles argumentam que a educação cooperativa é
essencial, não só para capacitar tecnicamente as pessoas, mas, também, deve
avançar no sentido de congregar e aproximar os indivíduos ao movimento. Essa
educação deve produzir e proporcionar a efetiva participação democrática e focar na
construção do “saber ser” cooperante, e, simultaneamente, preparar cooperados,
colaboradores, parceiros e comunidade, também no sentido técnico, com a
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
construção de competências, a fim de melhorar permanentemente os níveis de
competitividade das cooperativas.
Schneider (2003) afirma que a educação e a capacitação são indispensáveis
em qualquer instituição, mas nas cooperativas elas são questões de sobrevivência.
Sem essas atividades, as cooperativas são desvirtuadas ou até absorvidas pelo
sistema socioeconômico e pelo processo social dominante, que é a livre
concorrência e o conflito.
Neste mesmo sentido, Ferreira e Amodeo (2008) promulgam que a educação
cooperativista tem como principal objetivo contribuir para que os associados
aprendam a cooperar, participar e gerir a cooperativa da qual são donos,
compreendendo, deste modo, qual o seu papel na organização. Para isso, é
necessário que entendam o que é uma cooperativa, o que a diferencia de outros
tipos de empresas, como se dá o seu funcionamento, como se estrutura, atentando,
ao mesmo tempo, para os valores e princípios que norteiam o cooperativismo e que
determinam diretamente sua identidade e a sua cultura organizacional.
Para autores como Frantz e Schönardie (2007), ainda não se aplicou no
cooperativismo todo o potencial social a favor do desenvolvimento, pois foca-se
muito o econômico, sendo ele dominante, e a mudança deste modelo só acontecerá
através da educação. Na visão destes autores, “é preciso construir estruturas
coletivas, de pensamento e de comportamento, que possam abrigar a liberdade dos
indivíduos e, inclusive, a liberdade econômica de seus interesses. Porém, sem ferir a
convivência ética dos seres humanos”. (FRANTZ; SCHÖNARDIE, 2007, p. 6).
Após se comprovar a importância que a educação cooperativista tem para
estas organizações, podemos falar também sobre a participação como um aspecto
fundamental para o desenvolvimento das mesmas. A participação dos sócios é tão
importante que é enfocada em dois dos princípios cooperativistas: um deles, o
“Controle democrático dos sócios” e o outro é a “Participação econômica dos
sócios”. O primeiro encarrega os associados pela organização, pela tomada de
decisão e destaca o poder de participação ao estabelecer a relação “um homem, um
voto”. O outro menciona a questão do capital, em que todos são donos e têm o
direito de participar das sobras e das decisões sobre o destino das mesmas.
Entende-se que a participação é essencial ao cooperativismo e imprescindível para
o seu desenvolvimento e sucesso.
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
A participação é o que diferencia uma cooperativa de uma empresa normal.
Nas cooperativas, os associados devem participar das atividades e das decisões,
intervindo sempre que necessário. Isso torna mais fácil a administração dos
conflitos.
1.5 SUCESSÃO FAMILIAR
Dentro desta questão da educação temos, ainda, que abordar a sucessão.
Assunto este de relevante importância, pois quem serão os cooperados do futuro?
Quem assumirá as propriedades e as cooperativas quando os sócios de hoje já não
estiverem mais em idade hábil para exercer suas funções? Esta discussão traz à
tona uma preocupação que figura entre as muitas categorias que atuam com a
classe agricultora.
Partindo da perspectiva do cooperativismo como promotor de melhores
condições de vida para seus associados, pode-se atribuir a ele um importante aporte
no processo sucessório dos estabelecimentos familiares cooperativamente atuantes:
quanto maior a capacidade da cooperativa de atender as necessidades dos
sucessores enquanto produtores e jovens rurais, maior a possibilidade de
concretização da sucessão. (SPANEVELLO; LAGO, 2007).
Segundo Ferreira e Braga (2004), em algumas regiões as cooperativas
representam para os produtores o único canal de comercialização e de aquisição
dos insumos agrícolas. Ademais, podem também representar um setor gerador de
empregos. Estes aspectos reforçam o papel das cooperativas no desenvolvimento
regional.
2 MÉTODO, RESULTADOS E DISCUSSÃO
2.1 UNIVERSO
A Cooperativa Mista de Produção Agroindustrial Familiar de Alpestre –
Extremo Norte – foi fundada oficialmente no dia 08 de maio de 2007. Iniciativa de um
grupo de jovens estudantes do curso de Agrozootecnia da Universidade Regional
Integrada e das Missões (URI) – Frederico Westphalen. A ideia era viabilizar
algumas estruturas de agroindústrias desativadas no município e também fazer uma
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corrente de atendimento aos produtores rurais, com a produção, agroindustrialização
e comercialização de seus produtos. Para isso teriam assessoria, desde o
atendimento técnico, até o fim da cadeia de comercialização. No princípio, eram 20
jovens, ao final de 2011, contavam com 52 associados.
Uma das demandas a ser atendida pela cooperativa também é a assistência
técnica, uma vez que, devido à grande extensão do município, as entidades já
existentes, como a Secretaria da Agricultura e a EMATER, não conseguem atender
a todas as famílias de produtores rurais. A cooperativa já tem o seu trabalho dividido
em departamentos, que são os seguintes: Departamento de Citros, Departamento
de Videira, Departamento de Bovino de Leite, Departamento de Aquacultura,
Departamento
de
Agroindústria,
Departamento
da
Educação
do
Campo,
Departamento da Extensão Rural e Departamento da Biotecnologia.
2.2 AMOSTRA, INSTRUMENTOS E RESULTADOS
Segundo informações de um dos técnicos que faz o atendimento em campo,
a cooperativa está constituída por 56 sócios. Deste total, 6 deles, mesmo ainda
estando com o seu nome na mesma, não fazem mais parte dela, e a maioria nem
mesmo no município reside. Do restante, 13 deles participam muito pouco das
atividades. Ainda existem 15 sócios que apresentam um percentual médio de
envolvimento com a cooperativa. Os outros 22 associados são os que realmente se
envolvem na cooperativa, participando das propostas na tomada de decisões, na
entrega dos produtos e em outras atividades desenvolvidas pela cooperativa.
Para a coleta dos dados, foram realizadas entrevistas com 20% dos
cooperados. A entrevista constituía-se de algumas perguntas diretas e outras
discursivas (Anexo A). Durante o processo de entrevistas, também aconteceram
visitas a propriedades dos mesmos, para a realização de observações, e também na
sede da cooperativa, onde foram mantidas conversas com os técnicos de campo e
diretores.
No
questionário,
quando
se
perguntou
se
a
cooperativa
prestava
esclarecimentos sobre o que é cooperativismo, seus objetivos e princípios, 100%
dos entrevistados responderam que sim, que a mesma presta estes esclarecimentos
para os seus associados.
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
Cinquenta por cento dos entrevistados responderam que participam da
tomada de decisões da cooperativa e os outros 50% responderam que não
participam. Surge, então, uma dúvida, pois quando se perguntou se eles participam
das reuniões, todos eles respondem que sim, que participam das reuniões e
assembleias promovidas pela mesma. Então, se eles participam das reuniões e não
das decisões, como são decididos os assuntos de interesse coletivo da cooperativa?
E temos ainda colocações sobre o porquê da participação deles nas reuniões e
assembleias. Seguem algumas delas:
a) para acompanhar o andamento da mesma e dar minha opinião;
b) para me manter informado sobre o que acontece na cooperativa e me
capacitar;
c) sou associado e tenho meus direitos e deveres com a mesma.
Estas são algumas colocações dos produtores associados. O que mostra que
eles têm interesse em participar. Quando perguntamos se eles têm benefícios sendo
sócios da cooperativa, um dos associados respondeu que não. Mas quando
questionamos se eles já participaram de cursos promovidos pela mesma, os quais
visam o crescimento profissional deles, este mesmo associado respondeu que não,
que nunca participou. Os outros responderam que a cooperativa traz benefícios para
eles e já participaram de, pelo menos, um curso oferecido pela mesma.
Na questão em que se indaga se a cooperativa se preocupa em envolver a
família dos cooperados em atividades, seja de lazer, assistência social ou educação,
70% responderam que sim e 30% que não. Ainda no questionário para os
associados sobre os seus filhos e a relação deles com a cooperativa, conseguimos
observar a importância de se inserir um trabalho de sucessão para os mesmos.
Dentre todos os entrevistados, não identificamos nenhum que o filho já seja sócio da
cooperativa. Quarenta por cento dos entrevistados alegaram que os filhos são “de
menor”, então não têm idade suficiente para isso. Outros, porque nem pensaram no
assunto, outro, ainda, porque o pai é sócio e dois deixam claro que não pensam
nisso, pois não querem continuar na agricultura.
Na questão de relevante importância que é: – “Quais são os planos dos filhos
em relação ao futuro?”, obtivemos um resultado interessante, pois 60% dos pais
afirmou que seus filhos querem continuar na agricultura, produzindo frutas e
hortaliças, exercendo as atividades da propriedade, progredindo financeiramente.
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
Dois informaram que os filhos querem trabalhar na cidade, e outros dois, que ainda
não decidiram.
Sobre a participação dos filhos nas atividades da cooperativa 70% afirmaram
que seus filhos participam pouco e os 30% restantes participam mais ou menos, e a
explicação é porque ainda não são sócios, não têm interesse, ou, também, porque
não têm idade para participar. Um dos entrevistados disse: – “eu participo para que
ele participe quando crescer”.
A grande maioria (70%) julga que a cooperativa deveria incentivar mais o
quadro social, com tentativas de melhorar a organização e o preço dos produtos,
para, assim, aumentar a renda das famílias associadas. Também sugerem promover
mais capacitações para estes jovens, para despertar o interesse e a importância da
continuidade deles na sucessão da propriedade.
Nas entrevistas com os filhos dos associados, tivemos um resultado que
mostra a preocupação que devemos ter com a sucessão, tanto das propriedades
rurais como da cooperativa, pois, se não tivermos perpetuação nestas atividades,
nosso município, que tem como base a agricultura familiar, terá muitos problemas no
futuro. E a cooperativa sofrerá as perdas juntamente, pois, se não tivermos
produtores, não teremos sócios para a mesma.
Dos jovens que responderam o questionário, apenas 60% asseguram que
continuarão exercendo a atividade agrícola. Os outros 40% não pretendem continuar
na propriedade. Destes jovens, nenhum deles é associado da cooperativa, como
eles mesmos afirmam, e o que é muito positivo é que os mesmos 60% que
pretendem continuar exercendo a atividade agrícola também mostram a intenção de
associar-se na cooperativa.
Fizemos um questionário para os jovens perguntando sobre como gostariam
que a cooperativa os incentivasse para que se tornassem sócios. A seguir, algumas
respostas:
a) fizesse algum projeto que desse certo e boa assistência técnica no campo;
b) dando bons exemplos de administrar. Trazendo novos incentivos e apoio e
incentivando a fazer novos cursos;
c) não botar as coisas só no papel e sim pôr elas em prática.
Ainda temos uma questão que é sobre o apoio da família para a permanência
dos jovens na propriedade. Um deles afirma que a família não incentiva a
permanência dele na propriedade, pois isso não dará resultados lucrativos. Entre os
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
outros jovens, 30% relata que a família incentiva e gostaria que eles
permanecessem na propriedade, mas isso não é o que eles querem, pois não vão
continuar o trabalho dos pais. Um total de 60% das famílias incentiva os filhos a ficar
na agricultura e ainda “auxilia no desenvolvimento de projetos para melhorar o
manuseio na agricultura”, incentivando, ainda, a “implantar novas culturas, dando
condições de renda mensal, ou quinzenal, tentando melhorar cada vez mais na
propriedade”.
Quanto ao apoio para se associarem na cooperativa, se a família acha
importante ou não, 20% acha que não é importante ser sócio e coloca que “não é
interessante, não ajuda muita coisa, só fala o que a gente já sabe”.
Os outros 80% têm o apoio da família, que acha importante ser associado de
uma entidade que represente o interesse deles. Sendo que alguns relatam: “é
importante trabalhar no sistema cooperado”; “sim, a cooperativa é uma grande saída
para que os agricultores possam fazer o enfrentamento com as grandes empresas
de alimentos”; “apesar das falhas, temos uma cooperativa”.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o questionamento e estudo realizados em torno da
Cooperativa Mista de Produção Extremo Norte, podemos observar que, quando nos
deparamos com a problemática da sucessão familiar, a permanência do jovem no
campo não é um assunto discutido por todos. Analisando as ações realizadas pela
Cooperativa observa-se que elas são diretamente ligadas às famílias, de acordo
com o que os próprios associados colocam quando respondem os questionários,
mas nenhuma delas abrange diretamente os sucessores que residem na
propriedade. Apesar da Cooperativa Extremo Norte estar diretamente ligada à Casa
Familiar Rural, existem apenas oito jovens frequentando a mesma. Isso mostra que
é preciso organizar uma forma de incentivar os jovens a aproveitar a oportunidade
de estudar naquela instituição.
No questionamento que envolve a participação dos associados em
treinamentos, temos um percentual de 30% que não participou de nenhum
treinamento. Qual seria a razão da não participação? Será falta de interesse ou
deveriam ser feitas capacitações com mais motivações? Para os 70% que
participam destes momentos, a oportunidade poderia ser aproveitada para trabalhar
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Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
com os associados o assunto sucessão familiar na propriedade. Começando com
um chamamento para que os filhos, apesar de serem menores de idade, comecem a
participar e discutir os assuntos junto com os associados, para que se integrem à
Cooperativa e, assim, corroborem para um fortalecimento dos laços entre os
associados, os sucessores e a cooperativa.
Do total de entrevistados, 60% querem permanecer na propriedade rural, mas
todos fazem ressalvas. Deste percentual, a maioria, tanto os associados como os
filhos, ressalta que poderia ser mais incentivada pela Cooperativa, seja através de
projetos que viabilizem a permanência deles no campo, seja pelo atendimento
técnico que alegam estar um pouco deficiente. Chegam a colocar que existem
alguns planos bons, mas que não são colocados em prática.
Um dos aspectos a ser considerado é que, dos 40% que não têm interesse de
permanecer no campo, todos são do sexo feminino. Aí mais uma vez se confirma e
levanta a discussão da masculinização do campo. O que pode ser feito para
incentivar as meninas a ficarem no campo? De que forma podemos trabalhar esta
questão na Cooperativa, ou o que se pode realizar para que elas permaneçam no
campo?
O que podemos concluir é que os jovens têm interesse em continuar na
agricultura quando conseguem uma renda que valha a pena. Quando eles
conseguem se organizar e ter uma renda própria, sentem-se valorizados e
motivados a continuar.
Desta forma, a Cooperativa deveria, necessariamente, adotar uma política de
inclusão dos jovens na mesma para também dar-lhes a oportunidade de mercado, e,
assim, prepará-los para uma possível sucessão nas propriedades. Pois se estes
jovens não permanecerem no campo, quem serão os associados do futuro? Os
sócios de hoje estão em uma faixa de idade entre 40 e 60 anos e, portanto, já é hora
de começar a preparar seus sucessores.
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367
Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
ANEXO A – ROTEIRO DA ENTREVISTA
QUESTIONÁRIO:
Prezado(a) Senhor(a),
Este questionário destina-se à investigação e análise sobre "A Cooperativa Mista de
Produção Extremo Norte." Visa atender a um dos requisitos para conclusão do
Curso de Especialização de Gestão em Cooperativas, ministrado pela ESCOOP.
Tem fins especificamente acadêmicos e as informações aqui coletadas serão
mantidas em sigilo.
Você não precisa se identificar.
1. Idade: ......anos
2. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
3. Seu nível de escolaridade é:
( ) ensino fundamental (1A A 4ª série)
( ) ensino médio (2° grau)
( ) nível superior (faculdade)
( ) outros
4. A Cooperativa da qual você faz parte, presta esclarecimentos sobre o que é
cooperativismo, seus objetivos e princípios? ( ) Sim ( ) Não
5. Você participa da tomada de decisões da Cooperativa da qual você faz parte? ( )
sim ( ) não
6. Em sua opinião ser sócio da cooperativa traz benefícios pra você? Você tem
vantagens?
( ) sim ( ) não
7. O seu grau de satisfação como sócio da cooperativa pode ser considerado como:
( ) ótimo ( ) bom ( ) regular ( ) péssimo
8. Você participa das reuniões, assembleias promovidas pela cooperativa?
( ) sim ( ) não
Porque?_____________________________________________________________
___________________________________________________________________
9. Já participou de treinamentos ou cursos promovidos pela Cooperativa, visando
seu crescimento profissional?
( ) sim ( ) não
10. Em caso positivo, quantos?
( ) 01 ( ) 02 ( ) 03 a 05 ( ) 05 a 07 ( ) mais de 07
368
Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
11. A cooperativa se preocupa em envolver a família dos cooperados em atividades
de lazer, assistência social ou educação?
( ) sim ( ) não
Os tópicos-guia para os ASSOCIADOS são:
1.
Seu filho é sócio da Cooperativa? Porque razão ele é (ou não) sócio?
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
Quais são os planos de seu filho com relação ao trabalho no futuro?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
O quanto o senhor acha que seu filho participa das atividades da Cooperativa?
( ) muito
2.
( ) mais ou menos( ) pouco
Como é a participação de seu filho nas atividades da Cooperativa?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
3.
O que faz com que o seu filho participe muito, mais ou menos ou pouco das
atividades da Cooperativa?
___________________________________________________________________
__________________________________________________________________
4.
O que faz ou poderia fazer com que o seu filho participasse mais das
atividades da Cooperativa?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Os tópicos-guia para os filhos dos associados são:
1. Você como jovem, filho de agricultores associados na Extremo Norte, gostaria de
permanecer no meio rural como agricultor?
( ) sim ( ) não
2. Você já é associado desta cooperativa?
( ) sim ( ) não
3. Se você ainda não é associado, gostaria de associar-se à cooperativa?
( ) sim ( ) não
4. O que você gostaria que a cooperativa fizesse como incentivo para que você se
associasse à mesma?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
369
Capítulo XVII - Cooperativismo e Juventude: as perspectivas de participação dos jovens das famílias
associadas à cooperativa extremo norte
5. Como você avalia o apoio da sua família para que você permaneça na
propriedade?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
6. Se você permanecer na propriedade sua família apoia você para que se associe
da cooperativa? Ou não acha importante que participe da mesma. Por quê?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Obrigada por sua colaboração.
Adriana Fátima Memlak
370
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
FACCIN, Olívio Pedro56
SCHMIDT, Carmem Elizabete Finkler57
RESUMO
Os problemas enfrentados nas propriedades rurais, atualmente, são muitos,
especialmente no que se refere à sucessão familiar, pois o agricultor não está mais
influenciando seus filhos para dar continuidade à atividade rural. Com isso, acentuase o chamado êxodo rural, além de aumentar os problemas que afetam as cidades
devido aos constantes processos de migrações, como a marginalização, a
prostituição e o aumento de favelas, entre outros. Este estudo surgiu a partir da
observação de que alguns agricultores conseguem manter mais facilmente seus
filhos na propriedade, enquanto outras não. Isso pode ser justificado pela pesquisa
sobre o modo como, em determinadas propriedades rurais, os filhos sucedem os
pais na condução das atividades agropecuárias. A problemática do trabalho
encontra-se na forma como ocorre essa sucessão nas propriedades rurais familiares
integrantes de uma cooperativa agropecuária. Sob essa perspectiva, o objetivo geral
do presente estudo é descrever como ocorre a sucessão nesse tipo de propriedade
rural familiar. Ainda, o autor definiu os seguintes objetivos específicos: investigar
quais são os fatores que estimulam a permanência dos filhos nas propriedades
rurais dos cooperados, bem como identificar o nível de satisfação dos filhos dos
cooperados com a atividade agropecuária. Em relação à abordagem metodológica, a
pesquisa é caracterizada, quanto aos objetivos, como descritiva e, em relação aos
procedimentos técnicos, como bibliográfica, utilizando uma pesquisa qualitativa. A
pesquisa qualitativa será aplicada através de um questionário estruturado com
perguntas abertas e fechadas. A população e a amostra serão constituídas pelos
filhos dos cooperados da Cooperativa Agrícola Soledade LTDA. (COAGRISOL), da
cidade de Mormaço, estudantes da 8ª série do ensino fundamental ao 3º ano do
ensino médio.
Palavras-chave: Educação cooperativista. Sucessão. Propriedades rurais.
ABSTRACT
Many are the problems faced in the rural properties with respect to family succession;
the farmers are not able anymore to influence their children to continue with the rural
activity, which causes the so called rural exodus. This migration is causing many
problems in the cities, such as marginalization, prostitution, increase of slums etc.
Therefore, this study is justified for the fact that some farmers get to maintain their
children in the rural property, while others do not. The problem of the present
56
57
Aluno do curso de Pós-Graduação em Gestão de Cooperativas na Faculdade de Tecnologia do
Cooperativismo (ESCOOP – Escola Superior de Cooperativismo).
Professora Orientadora, Especialista em Educação e Ciências Sociais pala UNISINOS –
Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
371
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
research is in the following: how does the succession happen in familiar rural
properties that are part of an agricultural cooperative? Under that perspective, the
general objective of the present study is to describe how the succession happens in
this kind of rural property. Still, the author defined the following specific objectives:
investigate which are the factors that stimulate the farmer’s children to stay in the
rural properties and research the level of the children’s satisfaction with the
agricultural activity. In relation to the methodological approach, the research is
characterized, as for the objectives, as descriptive and, in relation to the technical
procedures, as bibliographical, using a qualitative research. The qualitative research
will be applied through a structured questionnaire with open and closed questions.
The population and sample will be constituted by the children of those farmer that are
part of the Agricultural Cooperative Soledade Ltda. (COAGRISOL), in the city of
Mormaço, students from the last year of the elementary school to the last year of
high school.
Key Words: Cooperatives Education. succession. Rural properties.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, muitos são os problemas enfrentados nas propriedades rurais no
que tange a sucessão familiar e a educação cooperativista; o agricultor não está
mais conseguindo influenciar seus filhos para a continuidade da atividade rural, com
isso ocorre o chamado êxodo rural. Isso gera diversos outros problemas para as
cidades, como a marginalização, a prostituição, o aumento de favelas etc.
Os jovens que migram para as cidades são atraídos pelas ofertas de trabalho,
estudo e tudo o que as cidades oferecem, assim, partem em busca de uma melhor
condição de vida e deixam de se preparar para dar continuidade às atividades da
propriedade rural. Quando percebem a realidade, acabam retornando para a
propriedade dos pais, muitas vezes já com uma família constituída e em uma
situação pior do que aquela que tinham quando saíram. Esses fatos são ainda mais
relevantes nos pequenos municípios que têm sua base econômica centrada na
agropecuária, pois os jovens são atraídos para os municípios maiores em busca de
melhores oportunidades de trabalho, ocasionando a diminuição da população e a
perda de mão-de-obra qualificada.
Este estudo justifica-se pelo fato de que alguns agricultores conseguem
manter seus filhos nas propriedades rurais, enquanto outros pais não conseguem
fazer com que os filhos os sucedam na condução das atividades agropecuárias. A
busca pela compreensão dessa diferença é o que impulsionou a pesquisa. A
372
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
problemática da presente pesquisa encontra-se no seguinte: como ocorre a
sucessão nas propriedades familiares integrantes de uma cooperativa agropecuária?
Sob essa perspectiva, o objetivo geral deste estudo é descrever como ocorre a
sucessão nesse tipo de propriedade. Os objetivos específicos consistem em
investigar quais são os fatores que estimulam a permanência dos filhos nas
propriedades rurais dos cooperados, bem como identificar o nível de satisfação dos
filhos dos cooperados com a atividade agropecuária.
Em relação à abordagem metodológica, a pesquisa é caracterizada, quanto
aos objetivos, como descritiva e, em relação aos procedimentos, como bibliográfica,
utilizando uma pesquisa qualitativa. A pesquisa qualitativa foi aplicada através de um
questionário estruturado com perguntas abertas e fechadas. A população e a
amostra foram constituídas pelos filhos dos cooperados da Cooperativa Agrícola
Soledade Ltda. (COAGRISOL), na cidade de Mormaço.
2 SUCESSÃO NAS PROPRIEDADES RURAIS FAMILIARES
A agricultura familiar contrapõe-se à agricultura patronal, caracterizada pelas
grandes propriedades e pelo emprego da mão-de-obra assalariada ou volante. Esse
fato é confirmado com o maior desenvolvimento verificado nos municípios onde a
agricultura familiar é bem desenvolvida, pois o potencial de manter postos de
trabalho já existentes ou gerar novos postos de trabalho é muito maior na agricultura
familiar do que na patronal. (EHLERS, 1999, p. 38). Segundo Tedesco (2006, p. 65),
os agricultores familiares produzem mais do que o dobro de riqueza por unidade de
área do que o agricultor patronal.
De acordo com Silva Neto (2006, p. 69), a manutenção da população no
campo, a ampliação da renda dos agricultores e uma melhor distribuição dessa
renda podem ser elementos importantes de uma política de estímulo a atividades
não agrícolas no meio rural. Sugere que a promoção de uma maior equidade social
e de sistemas de produção que permitam uma maior agregação de valor, em que a
agricultura familiar desempenharia um papel essencial, poderia ser uma estratégia
eficaz de desenvolvimento rural para o Rio Grande do Sul.
As empresas familiares, dentre as quais estão incluídas a maioria das
propriedades rurais familiares, têm grande importância para a economia nacional,
sendo sua continuidade fundamental para o desenvolvimento do país. As razões
373
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
para que a sucessão na empresa familiar ganhe importância no momento atual
parecem claras quando as relacionamos com as possibilidades da sua contribuição
ao processo de transformação do país. No campo político, deverá haver uma
participação mais intensa do empresário através das associações de classe e outros
mecanismos de pressão inerentes aos sistemas democráticos. Na perspectiva
social, a empresa familiar representa uma das maiores geradoras de emprego, com
a correspondente descentralização dos polos regionais de desenvolvimento. O
aspecto econômico também recebe dela uma fundamental contribuição, uma vez
que se produz um aumento do mercado consumidor e uma melhora da distribuição
de renda. (BERNHOEFT, 1993, p. 24).
Atualmente, as discussões sobre a fidelização dos cooperados têm ganhado
força. Além disso, a sobrevivência das cooperativas depende da sucessão dos
associados pelos seus filhos, o que nem sempre ocorre de maneira tranquila.
Segundo Lodi (1987, p. 67), uma centena de estudos sustenta a tese de que
as sementes da destruição das empresas familiares restam dentro do próprio
fundador e da família, ou que a sobrevivência da empresa está na capacidade da
família de administrar suas relações com a empresa e evitar as forças centrífugas
nas fases da sucessão. Os problemas na sucessão também podem estar ligados à
falta de preparo dos sucessores para lidar com a nova situação social, confundindo
a sucessão da empresa familiar, entre as quais se incluem as propriedades rurais,
com herança.
Segundo Leite (2002, p. 22), no Brasil, o velho ditado “pai rico, filho nobre e
neto pobre ou neto sem empresa” é o que ainda hoje prevalece sobre o bom senso
dos empreendedores. Os empresários sabem construir um império, mas não sabem
planejar sua sucessão. De acordo com Silvestro et al. (2001, p. 69), essa dificuldade
de planejar a sucessão também ocorre nas propriedades rurais do oeste catarinense
onde, embora as famílias, hoje, já tenham um razoável nível de diálogo sobre o
destino dos filhos e mesmo sobre a organização da propriedade, os temas de
natureza sucessória acabam sendo raramente abordados.
No município de Mormaço, nas conversas do dia-a-dia com os agricultores
verifica-se que a maioria dos pais sócios da Cooperativa COAGRISOL, não
incentivam os filhos a permanecer nas propriedades, pelo contrário, estimulam os
filhos a estudarem não com o intuito de melhor desempenharem as atividades
familiares, mas sim visando à melhoria das condições de vida do jovem através da
374
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
busca de um emprego na cidade. Além disso, os produtores têm uma visão negativa
das atividades agropecuárias, sendo comum os filhos, desde pequenos, ouvirem os
pais reclamando de suas atividades e culpando o clima, o governo ou o mercado
pelo mau desempenho de seus negócios. Crescendo nesse ambiente, dificilmente
os filhos terão motivação para suceder os pais nas propriedades.
Segundo Gassen (2013), na Europa assim como nos Estados Unidos da
América, na Austrália e nos países de maior importância econômica, a idade média
do agricultor aumenta quase um ano a cada ano, isto é, a atividade está sendo
executada por pessoas mais idosas, e os jovens não fazem a sucessão. O autor
ressalta ainda que, na Europa, os custos elevados da mão-de-obra na agricultura,
alternativas de ocupação com maior rentabilidade em atividades urbanas e a baixa
estima da profissão de agricultor levam à falta de interesse dos jovens em
permanecer na atividade rural. Há nos EUA uma grande dificuldade para envolver e
motivar jovens na agricultura e raramente o agricultor faz o sucessor familiar.
Conforme Lodi (1987, p. 87), a sucessão em uma empresa familiar começa
muitos anos antes, quando os filhos ainda são pequenos, ou seja, a sucessão deve
ser conduzida com muita habilidade pelo patriarca enquanto ainda detém o poder e
está em plena saúde mental e física. Essa transferência gradual da gestão da
propriedade também foi constatada por Silvestro et al. (2001, p. 74), nas
propriedades rurais do oeste de Santa Catarina onde verificou que a transferência
do controle da propriedade não ocorre exatamente a partir da retirada dos pais por
ocasião da aposentadoria. A passagem das responsabilidades sobre a gestão da
propriedade se dá em um processo de transição em que os pais gradativamente vão
passando aos filhos as tarefas de gestão da propriedade, como a abertura de conta
bancária própria, bloco de produtor, responsabilidade de gerir os negócios até a
passagem completa do gerenciamento da propriedade.
3 MATERIAL E MÉTODOS
Segundo Ferrari (1974, p. 24), método é a forma de proceder ao longo de um
caminho. Na ciência, os métodos constituem os instrumentos básicos que, de início,
ordenam o pensamento em sistemas e traçam, de modo ordenado, a forma de
proceder do cientista ao longo de um percurso para alcançar um objetivo. De acordo
com Barros e Lehfeld (2003, p. 34), a pesquisa descritiva consiste na descrição do
375
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
objeto por meio da observação e do levantamento de dados ou ainda pela pesquisa
bibliográfica e documental.
Neste trabalho utilizou-se o método científico e a pesquisa descritiva, visto
que o autor elaborou um questionário com perguntas abertas e fechadas. Os
questionários foram aplicados nos dias 30 e 31 de maio de 2013, nas escolas
estaduais e municipais do município de Mormaço, com alunos das séries finais,
oitava série do ensino fundamental e ensino médio, a saber, as seguintes escolas:
Escola Estadual de Ensino Médio Joaquim Gonçalves Ledo, na sede do município;
Escola de Ensino Fundamental José Rodrigues Cardoso, interior, localidade de
Água Branca; e Escola de Ensino Fundamental Antonio de Godoy Bueno, situada na
localidade de Posse Godoy. Essas escolas concentram a totalidade dos alunos da
oitava série e do ensino médio do município de Mormaço.
Para calcular a amostra, foi utilizada a fórmula de amostragem sistemática
descrita por Barbetta (1994, p. 45), considerando-se um erro amostral de 10%. Além
disso, o autor deste estudo optou por uma amostra aleatória e por conveniência. A
referida amostra foi composta por 91 alunos da oitava série e do ensino médio, filhos
de agricultores sócios da cooperativa COAGRISOL. Os entrevistados foram
informados da finalidade a que se destinavam os dados e da importância de
responderem às perguntas com a maior sinceridade possível para permitir que os
resultados obtidos fossem os mais próximos possíveis da realidade. O autor
acompanhou os respondentes, no sentido de permitir que estes esclarecessem
eventuais dúvidas durante a coleta das respostas.
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Depois de concluída a pesquisa, os resultados foram analisados e assim
expressos: mostrar-se-á, através de gráficos, as respostas das entrevistas com os
filhos de agricultores sócios da Cooperativa Agrícola Soledade Ltda. COAGRISOL,
Posto do Município de Mormaço - RS. Destaca-se o fato de que 57% dos
entrevistados correspondem ao sexo feminino e 43% ao sexo masculino.
Quanto à extensão da área das propriedades, 76% das propriedades dos
respondentes têm até 18 hectares, pode-se afirmar que são propriedades que têm
até um módulo rural (área mínima considerada pelo Ministério do Desenvolvimento
Agrário para que uma família consiga meios de sobrevivência na região hora em
376
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
estudo). Das demais, 93% têm área inferior a 72 hectares, podendo ser
enquadradas, por esse critério, dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF), como propriedades de agricultores familiares; e
apenas 7% dos jovens estudados possuem área familiar superior a quatro módulos
rurais, não sendo considerados agricultores familiares.
No gráfico abaixo, verifica-se que 89% dos respondentes afirmam que a
família possui terra própria e 11% afirmam que a família planta exclusivamente em
terra arrendada. Verifica-se ainda que 16% das famílias, apesar de possuir terra
própria, arrendam terra de terceiros para exercer suas atividades, o que demonstra
que a terra própria não é suficiente para as atividades agrícolas dessas famílias.
Quanto à ocupação, 40% dos respondentes afirmam que no mínimo um dos pais
exerce atividades fora da propriedade, enquanto 60% exercem as atividades
exclusivamente na propriedade.
Gráfico 24 - Quanto a posse da terra e ocupação, sua família possui:
Fonte: Elaborado pelo autor.
No gráfico "Quais as atividades desenvolvidas na sua propriedade?", pode-se
observar que 43% dos entrevistados responderam que trabalham com a produção
de grãos, 21% com culturas de subsistência para consumo da família e venda de
alguns excedentes, 19% com produção de grãos e leite, 12% com grãos, leite e
fruticultura e 5% dos respondentes afirmam possuir outras atividades.
Verifica-se, no município, uma grande dependência dos grãos como matriz
produtiva, sendo que 43% das propriedades dependem somente da produção de
grãos e no mínimo 74% das propriedades dos respondentes possuem os grãos
como uma atividade econômica importante. Segundo Froelich (2006, p. 182), a
produção agrícola ancorada exclusivamente em uma commodity, como é o caso dos
grãos, pode até ser eficiente e gerar riquezas, entretanto, não diversifica a economia
377
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
local de modo a absorver a força de trabalho. Essa dinâmica baseada na
monocultura, além de criar paisagens monótonas, como já se verifica em algumas
localidades do município de Mormaço, também impede a expansão de serviços que
reduziriam a emigração de jovens.
Constata-se que 31% dos respondentes citam a produção de leite como uma
atividade econômica importante em suas propriedades. Por agregar mais valor e
possibilitar maior emprego de mão-de-obra por unidade de área do que a produção de
grãos, essa é uma atividade que pode contribuir para manter o jovem no meio rural.
Verifica-se que 21% dos respondentes citam a produção de subsistência
como principal atividade da propriedade. Embora não tenha sido objeto deste
estudo, essas propriedades devem servir para produzir alimentos para o consumo
da família e a maior parte da renda deve ser obtida através da prestação de serviços
assalariados ou da aposentadoria de algum membro da família.
Gráfico 25 - Quais as atividades desenvolvidas na sua propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
Quanto à satisfação com a distribuição de responsabilidade entre os jovens e
seus pais, 56% dos respondentes afirmam estar satisfeitos, 21% responderam que
estão extremamente satisfeitos, 18% responderam que não estão nem satisfeitos e
nem insatisfeitos, 3% responderam que estão insatisfeitos e apenas 2% dos
pesquisados disseram estar extremamente insatisfeitos com a distribuição de
responsabilidade entre eles e seus pais. Portanto, no município de Mormaço, a
distribuição de responsabilidade entre pais e filhos não é considerada um problema pela
maioria dos jovens agricultores, sócios ou futuros associados da cooperativa
COAGRISOL, pois se verifica que 77% dos pesquisados estão satisfeitos e apenas 5%
não estão satisfeitos com a distribuição de responsabilidade na propriedade rural.
378
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
No gráfico "Você está satisfeito com sua autonomia na tomada de decisões
na propriedade?", observa-se que 52% responderam estar satisfeitos, 17%
responderam estar extremamente satisfeitos, 24% responderam não estar nem
satisfeitos nem insatisfeitos, 6% responderam estar insatisfeitos e 1% afirma estar
extremamente insatisfeito.
Embora os dados permitam afirmar que, no município de Mormaço, 69% dos
jovens filhos de agricultores sócios da COAGRISOL estejam satisfeitos com sua
autonomia na tomada de decisões na propriedade, este é um tema que merece
maior atenção, pois se verifica que 28% a 31% dos respondentes não consideram
seu grau de autonomia adequado, e o pesquisador tem a percepção de que, no diaa-dia, a falta de autonomia é um dos fatores que tem levado os jovens a sair da
propriedade dos pais.
Gráfico 26 - Você esta satisfeito com a sua autonomia na tomada de decisões na
propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
No gráfico abaixo, verifica-se que 66% dos pesquisados responderam estar
satisfeitos com a clareza das funções a serem desempenhadas na propriedade, 16%
responderam estar extremamente satisfeitos, 14% responderam estar nem
satisfeitos nem insatisfeitos, 1% respondeu estar insatisfeito e 3% responderam
estar extremamente insatisfeitos. A análise dos dados permite verificar que, para
82% dos jovens pesquisados, estão bem claras quais as funções que devem ser
desempenhadas por eles e pelos seus pais dentro da propriedade, enquanto que,
para 18% dos respondentes, essas funções não estão suficientemente claras e
precisam ser mais bem definidas.
379
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
Gráfico 27 - Você estas satisfeito com a clareza das funções a serem
desempenhadas por você e seus país na gestão da propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
Quanto ao rendimento econômico obtido na propriedade, 55% dos respondentes
disseram estar satisfeitos, 18% disseram estar extremamente satisfeitos, 12% disseram
estar nem satisfeitos nem insatisfeitos, 11% disseram estar insatisfeitos e somente 4%
disseram estar extremamente insatisfeitos com os rendimentos econômicos obtidos nas
propriedades. Pode-se constatar que 73% dos pesquisados estão satisfeitos com a
renda obtida na sua propriedade, enquanto 15% estão insatisfeitos. Por outro lado, o
fato de 12% dos respondentes não estarem nem satisfeitos e nem insatisfeitos com a
renda obtida na propriedade é preocupante, pois o fato de a situação estar "mais ou
menos" leva os indivíduos ao comodismo. Isso significa que os jovens pode até
permanecer na propriedade, mas sem realizar grandes investimentos nas atividades
agrícolas, porque na sua visão a situação não está tão ruim a ponto de valer a pena
arriscar-se fora da propriedade e nem tão boa para investir esperando o retorno a médio
ou longo prazo. Na prática, isso ocorre com um número considerável de propriedades
no município de Mormaço, onde os produtores ficam “marcando passo”.
Quanto aos incentivos que seus pais lhes dão para permanecer na
propriedade, 50% dos respondentes disseram estar satisfeitos, 16% disseram estar
extremamente satisfeitos, 21% disseram estar nem satisfeitos e nem insatisfeitos,
8% disseram estar insatisfeitos e somente 5% disseram estar extremamente
insatisfeitos. Analisando as respostas, é possível verificar que, no município de
Mormaço, 66% dos jovens filhos de agricultores sócios da COAGRISOL estão
satisfeitos com os incentivos que os pais lhes dão para permanecer na propriedade,
enquanto apenas 13% estão insatisfeitos com os incentivos recebidos de seus pais.
Esses resultados refutam a ideia existente no município de que a maioria dos pais
380
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
em vez de incentivar os filhos a permanecerem na propriedade os estaria
incentivando a arranjar um emprego na cidade.
Gráfico 28 - Você estas satisfeito com os incentivos que seus pais lhe dão para
permanecer na propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
No gráfico "Em relação ao relacionamento com seus pais, você consegue
expor suas opiniões e ser ouvido?", 46% dos pesquisados responderam estar
satisfeitos, 23% disseram estar extremamente satisfeitos, 19% disseram não estar
nem satisfeitos nem insatisfeitos, 10% disseram estar insatisfeitos e 2% afirmaram
estar extremamente insatisfeitos. Verifica-se que, no município de Mormaço, 69%,
ou seja, a maioria dos jovens filhos de agricultores sócios da COAGRISOL está
satisfeita com o nível de relacionamento que conseguem manter com seus pais,
enquanto 12% estão insatisfeitos por não conseguirem expor suas opiniões e serem
ouvidos pelos pais. Essa capacidade de diálogo também foi constatada em
propriedades do oeste catarinense por Silvestro (2001), que constatou estar
havendo maior incorporação dos jovens nos espaços de decisão da família e nas
discussões sobre as questões ligadas ao gerenciamento da propriedade.
Gráfico 29 - Em relação ao relacionamento com seus pais você consegue
expor seus opiniões e ser ouvido?
Fonte: Elaborado pelo autor
381
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
No gráfico abaixo, verifica-se o grau de satisfação dos filhos de agricultores
pesquisados ao serem chamados de agricultores por outros jovens, uma vez que
existe uma ideia pré-concebida no município de Mormaço de que os jovens não se
assumem como agricultores. Dessa forma, 43% dos jovens respondentes afirmaram
sentirem-se satisfeitos ao serem chamados de agricultores, 13% disseram sentiremse extremamente satisfeitos, 26% disseram sentir nem satisfeitos nem insatisfeitos,
9% disseram sentir-se insatisfeitos e 9% dos jovens pesquisados afirmaram sentir-se
extremamente insatisfeitos ao serem chamados de agricultores por outros jovens.
Assim, é possível afirmar que, no município de Mormaço, 56% dos jovens filhos de
agricultores sócios da COAGRISOL não possuem problemas em assumirem-se
como agricultores, enquanto 44% não se assumem como agricultores.
Gráfico 30 - Sente-se bem ao ser chamado de agricultor por outros jovens?
Fonte: Elaborado pelo autor.
Quanto à satisfação com o trabalho que desempenham na execução das
atividades agropecuárias, 66% dos respondentes afirmam estar satisfeitos com a
execução das atividades agropecuárias da propriedade, 10% afirmam estar
extremamente satisfeitos, 20% afirmam estar nem satisfeitos nem insatisfeitos, 2%
afirmam estar insatisfeitos e 2% afirmam estar extremamente insatisfeitos. Portanto,
no município de Mormaço, 76% dos jovens filhos de agricultores associados da
COAGRISOL, estão satisfeitos com as tarefas que executam nas atividades
agropecuárias da propriedade e apenas 4% estão insatisfeitos com a execução
dessas tarefas. Esse dado é importante porque dificilmente alguém permanecerá em
uma atividade se não gostar de trabalhar nela. Assim, pode-se supor que, ao
contrário do que foi verificado em Santa Catarina onde Silvestro (2001) citou a
penosidade do trabalho associado às atividades agropecuárias como uma das
causas da pouca atração das moças pelo trabalho na agricultura, no município de
382
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
Mormaço, a execução das atividades agropecuárias não é um empecilho para a
permanência do jovem na propriedade rural.
No gráfico "O que mais limita a diversificação da sua propriedade?", 55% dos
respondentes afirmou que os fatores limitantes estavam ligados ao capital, destes
32% afirmaram que fator mais limitante era a pouca quantidade de terra e 23%
responderam que o fator mais limitante era a falta de dinheiro; 20% responderam
que os fatores limitantes não estavam ligados nem ao capital e nem aos recursos
humanos, dando a entender que essas propriedades já estavam diversificadas ou
que os pesquisados não viam necessidade de aumentar o número de atividades
agropecuárias em suas propriedades. Finalmente, 25% dos respondentes afirmaram
que os fatores limitantes à diversificação da propriedade estavam ligados ao fator
humano, destes 13% afirmaram que o fator limitante é a pouca mão-de-obra e 12%
disseram que o fator limitante é o pouco conhecimento.
Com base nas respostas dos filhos de agricultores sócios da cooperativa
COAGRISOL, podemos constatar que, no município de Mormaço, qualquer política
por parte da cooperativa ou pelo poder público visando à diversificação das
propriedades, além de levar em conta as limitações de terra e mão-de-obra, deverá
priorizar as limitações mais fáceis de serem alteradas: pouco dinheiro e pouco
conhecimento. Portanto, deverá ser disponibilizado crédito com prazo de pagamento
adequado ao tipo de investimento e cursos ou visitas técnicas às propriedades.
Gráfico 31 - O que mais limita a diversificação da sua propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
No gráfico "O que mais limita o aumento de produção em sua propriedade?",
59% dos respondentes afirmou que os fatores limitantes estavam ligados ao capital,
destes 39% afirmaram que pouca terra era o fator mais limitante e 20%
responderam que o fator mais limitante era o pouco dinheiro; 13% responderam que
383
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
os fatores limitantes ao aumento de produção de suas propriedades não estavam
ligados nem ao capital e nem aos recursos humanos; e 28% afirmaram que os
fatores limitantes ao aumento de produção em suas propriedades estavam ligados
ao fator humano, destes 16% responderam que o fator limitante é a pouca mão-deobra e 12% que o fator limitante é pouco conhecimento.
Com base nas respostas dos filhos de agricultores sócios da cooperativa
COAGRISOL, podemos constatar que, no município de Mormaço, o fator limitante
mais citado foi a pouca terra, porém esse fator dificilmente pode ser alterado. Logo,
as políticas por parte da cooperativa COAGRISOL ou do poder público, visando a
aumentar a produção das propriedades, deverão levar em conta as limitações que,
embora menos citadas, pouco dinheiro e pouco conhecimento, são mais fáceis de
serem alteradas. Para tanto, deve haver disponibilização de crédito e treinamentos
ou visitas técnicas aos interessados.
Gráfico 32 - O que mais limita o aumento de produção em sua propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
No gráfico "O que mais limita a renda na sua propriedade?", 44% dos
entrevistados responderam que os fatores limitantes estavam ligados ao capital,
destes 28% afirmaram ser a pouca terra o fator mais limitante e 16% responderam
que o fator mais limitante era a falta de dinheiro; 19% responderam que os fatores
limitantes não estavam ligados nem ao capital e nem aos recursos humanos, dando
a entender que essas propriedades, na opinião dos pesquisados, possuem uma
renda adequada às suas necessidades. Finalmente, 37% afirmaram que os fatores
limitantes à renda da propriedade estavam ligados ao fator humano, destes 20%
responderam que o fator limitante era a pouca mão-de-obra e 17% disseram que o
fator limitante era o pouco conhecimento.
384
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
Podemos constatar que, na opinião dos pesquisados, os fatores mais limitantes
ao aumento de renda nas propriedades são a pouca terra, a pouca mão- de-obra e o
pouco conhecimento, sendo que dois desses fatores dificilmente podem ser alterados.
Já o fato de o conhecimento ser citado por 17% dos respondentes como um fator
limitante à renda das propriedades mostra a necessidade de que os pais e a assistência
técnica dediquem mais atenção à formação técnica dos jovens no município.
Gráfico 33 - O que mais limita a renda na sua propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
No gráfico "O que mais limita a substituição de máquinas e equipamentos
(atualização tecnológica) em sua propriedade?", 65% dos entrevistados informaram
que os fatores limitantes estão ligados ao capital, destes 55% responderam que o
pouco dinheiro é o fator mais limitante e 10% responderam que a pouca terra é o
fator mais limitante; 22% informaram que nem capital nem fator humano estavam
limitando a aquisição de máquinas e equipamentos nas propriedades; e apenas 13%
informaram que as limitações estão ligadas a fatores humanos, sendo que destes
7% responderam que o fator limitante é pouca mão-de-obra e 6% responderam que
o pouco conhecimento é o fator limitante para a aquisição de máquinas e
equipamentos. Portanto, para a maioria dos pesquisados, 55%, a disponibilidade
financeira é o fator mais limitante à atualização tecnológica e para 22% dos
informantes não há limitações nem de capital nem de recursos humanos para
aquisição de equipamentos em suas propriedades.
385
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
Gráfico 34 - O que mais limita a substituição de máquinas e equipamentos
(atualização tecnológica) em sua propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
No gráfico "O que limita a permanência do jovem na propriedade?", 31%
responderam que nem capital, nem fator humano limitam a permanência dos jovens
na propriedade, 29% responderam que o pouco conhecimento é o fator limitante,
18% responderam que o pouco dinheiro é o fator limitante. Os determinantes pouca
terra e mão-de-obra empataram como fatores limitantes à permanência dos jovens
na propriedade, sendo cada um desses fatores citados por 11% dos respondentes.
Dentre os pesquisados, 69% apontam existir limitações para sua permanência na
propriedade e, segundo eles, o pouco conhecimento e o pouco dinheiro são os
principais fatores que limitam a permanência do jovem no meio rural. Esses fatores
devem, portanto, ser atacados conjuntamente, por meio da elaboração de políticas
públicas que visem a favorecer a permanência do jovem na propriedade rural.
Gráfico 35 - O que mais limita sua permanência na propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
386
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
No gráfico "O que limita o número de horas que cada membro da família
trabalha diariamente?", 34% dos pesquisados responderam que nem capital nem
fator humano limitam o número de horas trabalhadas diariamente pelos membros da
família, esses respondentes consideram que não é necessário aumentar o número
de horas trabalhadas diariamente em suas propriedades. Todavia, 66% dos
respondentes apontaram existir, em suas propriedades, alguma limitação ao número
de horas trabalhadas pelos membros da família. Destes, 34% responderam que o
excesso de mão-de-obra é o fator limitante. Assim, 14% apontaram a pouca terra
como fator limitante, 12% apontaram o conhecimento como fator limitante e apenas
6% dos respondentes apontaram o pouco dinheiro como fator limitante ao número
de horas trabalhadas por cada membro da família.
Para resolver o problema do excesso de mão-de-obra apontado por 34% dos
respondentes, é necessário incentivar atividades agropecuárias que exijam o
emprego intensivo de mão-de-obra. Já a questão da pouca terra, citada como um
fator limitante por 14% dos jovens, pode ser minimizada utilizando-se culturas que
exijam menores áreas de terra. A falta de conhecimento deve receber maior atenção
dos gestores públicos, pois através dele os jovens podem obter as informações
necessárias para melhor utilizar sua força de trabalho e permanecer na propriedade.
Gráfico 36 - O que limita o número de horas que cada membro da família
trabalha diariamente?
Fonte: Elaborado pelo autor.
No gráfico "O que limita o acesso ao crédito agrícola?", 25% responderam
que nem capital, nem fator humano está limitando o acesso ao crédito, enquanto
75% dos respondentes afirmaram existir alguma limitação em suas propriedades
para acessar o crédito. Destes, 31% responderam que o fator limitante para acessar
387
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
o crédito é o pouco conhecimento, 24% responderam que o fator limitante é o pouco
dinheiro, 17% afirmaram que o fator limitante é a pouca terra e 3% responderam que
o fator limitante para obter financiamento é a pouca mão-de-obra. O fator mais
citado como limitante ao crédito pelos jovens no município de Mormaço é o pouco
conhecimento. Para resolver esse problema, é necessária uma maior integração
entre os agentes financeiros e a assistência técnica para divulgar as linhas de
crédito existentes no momento em que estejam disponíveis. Cabe ressalvar que
normalmente os agentes financeiros não têm interesse em divulgar a disponibilidade
de recursos para os pequenos agricultores, direcionando-os para os produtores mais
capitalizados.
Os outros dois fatores citados como limitantes foram o pouco dinheiro e a
pouca terra. O pouco dinheiro está diretamente ligado à capacidade de pagamento e
a terra está ligada às garantias que o produtor pode oferecer ao agente financeiro,
quem não tem capacidade de pagamento e garantias não tem acesso ao crédito.
Para
minimizar
esse
problema,
principalmente
entre
os
produtores
mais
descapitalizados, o poder público deve viabilizar um fundo de aval para facilitar o
acesso ao crédito junto aos agentes financeiros. Deve-se citar ainda que muitos
produtores no município de Mormaço não possuem a documentação das áreas,
assim uma campanha de regularização fundiária resolveria em grande parte o
problema da terra como fator restritivo de acesso ao crédito.
Gráfico 37 - O que limita o acesso ao crédito agrícola?
Fonte: Elaborado pelo autor.
No gráfico "O que limita o emprego de novas tecnologias em sua
propriedade?", 70% dos respondentes afirmaram existir limitações ligadas ao capital,
sendo que destes, 53% responderam que o fator que limita o emprego de novas
388
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
tecnologias é pouco dinheiro e 17% responderam que o fator limitante é a pouca
terra. Somente 1% dos pesquisados responderam que nem capital nem fator
humano limitam o acesso à tecnologia em suas propriedades. Isso significa que,
segundo os respondentes, 99% das propriedades possuem alguma limitação ao
acesso a novas tecnologias. Destes, 28% afirmaram existir limitações ligadas a
fatores humanos, sendo que 24% responderam que o fator limitante é o pouco
conhecimento e os outros 4% indicam a pouca mão-de-obra como fator de limitação
ao emprego de novas tecnologias.
Verifica-se que, no município de Mormaço, o principal fator que limita o
emprego de novas tecnologias é a descapitalização dos produtores apontada por
53% dos respondentes. Para resolver esse problema, seria necessária uma política
de crédito voltada para investimentos produtivos nas propriedades, adaptados às
condições locais e com prazos compatíveis com os investimentos.
O pouco conhecimento é o segundo fator mais limitante ao emprego de novas
tecnologias nas propriedades, é necessário que os jovens participem mais de
cursos, palestras e viagens técnicas, com assistência técnica direcionando sua ação
para esse tipo de público. Inclusive, as próprias escolas poderiam oferecer cursos
em centros de treinamento ou excursões técnicas para os filhos de agricultores.
Essas atividades poderiam ser inseridas nos currículos a partir da sexta série do
ensino fundamental.
A pouca quantidade de terra é o terceiro fator mais limitante ao emprego de
novas tecnologias, apontada por 17% dos respondentes. No entanto, a pouca
disponibilidade de terras no município, bem como seu alto custo, é um fator que em
curto prazo não oferece possibilidades de mudanças. Políticas públicas podem
trabalhar a questão da regularização fundiária de algumas áreas e tentar formar
grupos de jovens para aquisição conjunta de propriedades que não tenham
sucessores.
389
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
Gráfico 38 - O que limita o emprego de novas tecnologias em sua propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
Quanto ao modo como o jovem vê à agricultura como meio de sustento seu e
de sua família, 24% dos jovens responderam ser excelente, 40% responderam ser
bom, 10% responderam ser regular e 26% responderam ser insuficiente. Com base
nas respostas, pode-se afirmar que 64% consideram a agricultura um bom meio de
sustento para si e sua família, enquanto 36% consideram a atividade insatisfatória
para prover o seu sustento e de sua família. Assim, pode-se afirmar que é
necessário
buscar
novas
alternativas
econômicas
para
viabilizar
essas
propriedades, tornando-as atrativas para a permanência dos jovens no meio rural.
Quanto ao número de dias por semana que os jovens trabalham na
propriedade, 35% dos jovens responderam nenhum, 16% responderam um, 13%
responderam dois, 7% responderam três, 9% responderam quatro e 20%
responderam que trabalham, no mínimo, cinco dias por semana na propriedade dos
pais. Com base nas respostas, podemos afirmar que 45% dos jovens pesquisados
trabalham esporadicamente na propriedade dos pais, enquanto 35% não exercem
qualquer atividade ligada à produção agropecuária. Esse dado é preocupante, uma
vez que o gosto pelas atividades agrícolas se adquire nas atividades diárias,
portanto, se o jovem não tem contato com a agricultura durante sua infância e
adolescência, dificilmente virá a gostar da atividade na vida adulta.
No gráfico "Como você paga suas despesas pessoais?", 58% dos jovens
responderam que pedem dinheiro para os pais, 25% que trabalha fora da
propriedade, 8% disseram que recebem uma percentagem da propriedade, 6%
recebem um valor fixo mensal dos pais e 3% responderam que possuem uma
atividade só sua na propriedade.
390
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
Verifica-se que somente 17% dos jovens possuem renda dentro da
propriedade, os outros 83% necessitam pedir dinheiro para os pais ou obter recursos
fora da propriedade. Essa falta de perspectiva de obtenção de renda própria na
propriedade é um dos principais fatores que tem levado os jovens a buscar sua
independência financeira longe das atividades agropecuárias. Portanto, para que os
filhos permaneçam na propriedade, é necessário que os pais estimulem os filhos a
terem o quanto antes uma renda própria oriunda da propriedade. Dessa forma,
evitaremos o que vem ocorrendo no município de Mormaço, onde os filhos de
agricultores concluem o ensino médio e vão trabalhar na cidade. Após alguns anos,
muitos desses jovens retornam com uma família em condições financeiras piores do
que estavam ao deixarem a propriedade.
No gráfico "Você participa das atividades agropecuárias da propriedade?",
48% dos respondentes disseram que não trabalham em atividades agropecuárias da
propriedade, 38% trabalham apenas em algumas atividades agropecuárias da
propriedade, 13% trabalham em todas as atividades agropecuárias da propriedade e
apenas 1% respondeu que, além de trabalhar na propriedade, financiou e/ou plantou
uma área para si próprio.
Verifica-se que quase a metade dos filhos de agricultores não trabalha nas
atividades agropecuárias. Esse dado é relevante porque a agricultura é uma
atividade na qual grande parte do conhecimento é transmitida de pai para filho,
desde a mais tenra idade, e quem não tem contato com a atividade dificilmente
trabalhará na idade adulta com agricultura. Constata-se também que é insignificante
a participação dos jovens pesquisados no gerenciamento da propriedade; apenas
1% financia ou planta uma área cuja renda será gerida por eles, ou seja, na quase
totalidade das propriedades dos respondentes, a decisão sobre gerenciamento das
atividades é responsabilidade dos pais, e a renda obtida vai para o caixa único da
família. Essa falta de autonomia gerencial e financeira é um dos fatores que tem
estimulado os jovens a buscar um emprego fora da propriedade.
391
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
Gráfico 39 - Como você paga suas despesas pessoais (festas, saraus, bailes,
etc…)?
Fonte: Elaborado pelo autor.
Gráfico 40 - Você participa de atividades agropecuárias da propriedade?
Fonte: Elaborado pelo autor.
Quanto ao número de filhos que moram na propriedade, 30% dos jovens
responderam que apenas um filho mora na propriedade, 37% responderam dois,
14% responderam três, 10% responderam quatro e 9% dos jovens responderam
cinco ou mais. Constata-se que em 67% das propriedades dos pesquisados vivem
até dois filhos e em 81% delas vivem até três filhos. Sendo assim, pode-se afirmar
que o perfil demográfico das propriedades rurais do município de Mormaço não
difere muito das residências urbanas. Esses dados devem ser levados em
consideração ao se traçar políticas agrícolas intensivas em uso de mão-de-obra.
Deve ser dada maior atenção à sucessão familiar, visto que quanto menor o número
de filhos, menor a probabilidade de que ao menos um deles permaneça na
propriedade rural.
A pergunta "Você pretende continuar trabalhando com agricultura?" foi feita a
todos os jovens e 51% responderam não pretender trabalhar na agricultura; 20%
392
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
responderam que a agricultura será a sua principal fonte de renda, que trabalharão
fora da propriedade apenas para aumentar o rendimento; 14% responderam sim,
trabalharão somente nessa atividade por gostar dela; 10% responderam sim, tendo
a agricultura apenas como complemento de uma renda obtida fora da propriedade; e
5% responderam sim, após demonstrar que não possuem outra opção.
Observa-se que mais da metade dos jovens pesquisados não pretende
trabalhar na agricultura. Os questionários foram analisados cruzando-se as
respostas dos que não pretendem continuar trabalhando na agricultura com o
número de filhos que permanecerão na propriedade. Concluiu-se que, dos filhos que
não pretendem permanecer na propriedade, doze são filhos únicos e um indicou que
os irmãos também não pretendem ficar na propriedade. Portanto, verifica-se que, no
mínimo, 14% das propriedades dos pesquisados não deverão ter sucessores. Dos
demais respondentes que afirmaram que não pretendem trabalhar com agricultura,
37% possuem mais de um irmão, e a saída de muitos desses jovens da atividade
pode ser uma estratégia de sobrevivência da propriedade familiar que não
sobreviveria economicamente caso fosse muito subdividida, assim, permanecem na
atividade aqueles que possuem maior afinidade com a agricultura. Verifica-se ainda
que dos jovens filhos de agricultores pesquisados 35% permanecerão na agricultura,
mas não trabalharão exclusivamente com essa atividade, enquanto apenas 14%
afirmam que trabalharão exclusivamente na agricultura. Portanto, no município de
Mormaço, a maioria dos jovens que sucederão os pais, além de trabalhar nas
propriedades,
exercerá
outras
atividades
não
necessariamente
agrícolas,
concordando com Schineider (1999, p. 186), que afirma que:
O espaço rural deixará de ter como função exclusiva a produção agrícola,
passando a ser um espaço polissêmico em que coexistem atividades
econômicas de natureza diversa como a própria agricultura, o comércio, o
turismo rural, o ambientalismo, o lazer, entre outras.
Em pergunta aberta, os jovens foram questionados sobre se os pais
incentivam mais os filhos ou as filhas a permanecerem na propriedade, ou se o
incentivo é igual independente do sexo. Para essa pergunta, 28% responderam que
o incentivo é igual para filhos e filhas; 42% responderam que os pais incentivam
mais os filhos a permanecer na propriedade; e 30% deram outras respostas. Devese ressaltar que ninguém informou que os pais incentivassem mais as filhas do que
393
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
os filhos a permanecer na propriedade, o suficiente para definir uma preferência de
gênero no incentivo à permanência dos jovens no meio rural.
5 CONCLUSÃO
Em relação à posse da terra e ocupação familiar, 89% dos respondentes
afirmam que a família possui terra própria e 60% dos pais trabalham exclusivamente
na agricultura, enquanto que 40% dos respondentes possuem ao menos um dos
pais que trabalha fora da propriedade.
Verifica-se uma grande dependência dos grãos, sendo que 74% dos
respondentes possuem os grãos como atividade econômica importante. O leite está
presente em 31% das propriedades e 21% dos respondentes afirmam que a
propriedade cultiva produtos de subsistência, devendo complementar sua renda com
trabalho assalariado ou aposentadoria rural de algum membro da família.
Quanto ao grau de satisfação dos jovens filhos de agricultores familiares
sócios da cooperativa COAGRISOL, verifica-se que a maioria está satisfeito quanto
à distribuição de responsabilidade entre eles e seus pais; a sua autonomia na
tomada
de
decisões
na
propriedade;
à
clareza
das
funções
a
serem
desempenhadas por eles e seus pais na gestão da propriedade; ao rendimento
econômico obtido pelas propriedades; aos incentivos que seus pais lhes dão para
permanecer na propriedade; ao relacionamento com os pais; à possibilidade de
expor suas ideias e serem ouvidos; e ao trabalho que desempenham na execução
das atividades agropecuárias. No entanto, 44% dos jovens pesquisados não se
sentem satisfeitos ao serem chamados de agricultores por outros jovens.
Quanto aos fatores limitantes ao desenvolvimento das atividades, os fatores
ligados ao capital, pouca terra e pouco dinheiro, na opinião dos respondentes, são
os fatores que mais limitam a diversificação, o aumento de produção e a substituição
de máquinas e equipamentos nas propriedades. A terra é o fator mais limitante à
renda nas propriedades; e o excesso de mão-de-obra, na opinião dos pesquisados,
é o fator que mais limita o número de horas que cada membro da família trabalha
diariamente. O pouco conhecimento é citado como o fator mais limitante à
permanência do jovem na propriedade, ao acesso ao crédito e ao emprego de novas
tecnologias nas propriedades, devendo-se dar atenção à capacitação dos jovens.
Entretanto, 64% dos jovens pesquisados consideram a agricultura um bom meio de
394
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
sustento familiar. Entre os pesquisados, 45% dos jovens trabalham esporadicamente
nas propriedades dos pais e 35% não trabalham nenhum dia por semana. Somente
17% dos jovens pesquisados possuem renda dentro da propriedade, os outros 83%
tem de pedir dinheiro para pais ou obter recursos fora da propriedade. Quase
metade dos jovens pesquisados, 48%, não trabalha nas atividades agropecuárias da
propriedade.
Em 81% das propriedades dos respondentes vivem até três filhos, devendo
esse dado ser levado em consideração ao se traçar políticas públicas intensivas em
mão-de-obra. Além disso, 51% dos jovens pesquisados não pretendem trabalhar na
agricultura e em, no mínimo, 14% das propriedades não deverá haver sucessores.
Dos jovens pesquisados no município de Mormaço que permanecerão na
agricultura, 71% deles não pretendem trabalhar exclusivamente com essa atividade,
ou seja, no espaço rural, terão cada vez mais importância as atividades não
agrícolas. Por fim, na opinião dos jovens pesquisados, os pais incentivam mais os
filhos do sexo masculino a permanecerem nas propriedades.
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395
Capítulo XVIII - Sucessão nas Propriedades Rurais Familiares Integrantes de uma Cooperativa
Agropecuária
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396
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
LEAL, Adriana Ribeiro58
COTRIM, Décio Souza59
RESUMO
Este estudo pretende refletir a respeito da inserção das mulheres nas atividades das
cooperativas de agricultores familiares, através de um estudo de caso de como
estão ocorrendo essas relações na Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de
Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas (COOMAFITT). Dados previamente coletados
demonstram que a participação das mulheres na COOMAFITT vem ocorrendo de
maneira muito desigual com relação à participação dos homens. Diversos são os
fatores que os estudiosos apontam para explicar as diferenças que são percebidas,
com relação aos comportamentos de homens e mulheres, e que balizam as relações
entre os gêneros. O cooperativismo, como estratégia de desenvolvimento rural, pode
ser um aliado na inserção das mulheres nos espaços de decisão e poder, por ser
uma doutrina que tem como valores a ajuda mútua, a responsabilidade, a
democracia, a igualdade, a equidade e a solidariedade. Neste estudo, pretende-se
refletir sobre questões como: Quais são os possíveis motivos que estariam levando
as mulheres a não se sentirem atraídas a participar das atividades da COOMAFITT?
Porque a cooperativa em questão tem um baixo número de sócias no quadro de
associados? As mulheres estão se reconhecendo como membros desta
organização? O que a cooperativa necessita fazer para atrair a participação das
mulheres?
Palavras-chave: Cooperativismo. Gênero. Inserção. Agricultura familiar.
ABSTRACT
This study intends to mull on the inclusion of women in the activities of cooperatives
of family farmers, through a case study of how these relationships are occurring in
the Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três
Forquilhas (COOMAFITT). Previously collected data show that women's participation
in COOMAFITT has occurred very unevenly compared to the participation of men.
Several factors are pointed by scholars to explain the differences that are noted on
the behavior of women and men, and that outline the relationships between genders.
The cooperative, as a rural development strategy, can be an ally to the inclusion of
women in decision-making and power, as a doctrine with values of mutual help,
responsibility, democracy, equality, equity and solidarity. This study aims at reflecting
on questions such as: What are the possible reasons that would be leading women
not to feel attracted to participate in the activities of COOMAFITT? Why the
58
59
Licenciada em Educação Física pela UFSM e Especialista em Saúde Pública pelo IBEPEX,
Extensionista Rural da Emater/RS – Ascar, Acadêmica do curso de especialização em Gestão de
Cooperativas, Escola Superior de Cooperativismo. E-mail: [email protected].
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
397
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
cooperative in question has a low number of women as members? Do women feel
recognized as members of this organization? What does the cooperative need to do
to attract the participation of women?
Keywords: Cooperative. Genre. Insertion. Family farming.
1 INTRODUÇÃO
O cooperativismo é uma doutrina que surgiu como forma de organização
social para a solução de problemas econômicos. O movimento cooperativista surge
em 1844 em Manchester, Inglaterra, com os pioneiros de Rochdale, onde 28
operários (27 homens e uma mulher), na sua maioria tecelões, fundaram a primeira
cooperativa moderna (Sociedade dos Probos de Rochdale) que forneceu a base do
cooperativismo, pelo modelo que adotaram.
Nota-se, a partir da formação deste modelo de Rochdale, que desde seus
primórdios o cooperativismo vislumbrava um horizonte que ultrapassava o
econômico, pois relatos reforçam que algumas das principais preocupações dos
participantes giravam em torno do bem estar dos homens, da redenção social e das
condições que eram impostas aos trabalhadores.
Nesse modelo foram definidos os sete princípios básicos do cooperativismo,
que são: adesão voluntária e livre, gestão democrática, participação econômica dos
membros, autonomia e independência, educação, formação e informação,
intercooperação e Interesse pela comunidade. Somados aos princípios básicos, são
valores do cooperativismo: a ajuda mútua, responsabilidade, democracia, igualdade,
equidade e solidariedade.
Esses princípios e valores demonstram que, desde seus primórdios, o
cooperativismo surgiu como uma doutrina que buscava alcançar elevados padrões
de desenvolvimento e justiça social, em uma época que se vivia uma crise
socioeconômica de grandes proporções, no auge da Revolução Industrial.
Paralelo ao surgimento do cooperativismo, iniciou-se mundialmente um
movimento, por ocasião da Revolução Industrial, que gerou mudanças nas opções
tradicionais de trabalho e por consequência disso outros atores foram inseridos no
mercado de trabalho, inclusive as mulheres. A participação feminina no mercado de
trabalho ocorreu de forma gradual e progressiva, até chegarmos aos dias de hoje,
onde a mulher tem uma importante participação em vários ramos da economia.
398
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
Mas essa participação não ocorre de maneira igualitária, pois existe,
concomitante à inserção das mulheres, uma tradicional divisão sexual do trabalho,
trazida como herança cultural, na qual o trabalho feminino viria a ser apenas um
complemento
da
renda
familiar,
apesar
de
a
mulher
atualmente
estar
desempenhando, em muitos setores, funções e tarefas que tradicionalmente
pertenciam ao homem e ocupando cargos de chefia e de comando.
Por consequência dessa herança cultural, ao mesmo tempo em que
ocorreram importantes inserções do trabalho das mulheres, há setores da economia
em que esta divisão ainda se apresenta marcante, ficando a maioria das mulheres
distante dos espaços de decisão e de poder. Referimo-nos, em especial, para fins
deste estudo, ao trabalho na economia rural, que, segundo Butto (2011), é um
espaço onde a divisão sexual do trabalho ainda é vigente.
A economia rural sempre esteve marcada pela divisão sexual do trabalho.
Os homens estão associados a atividades econômicas que geram emprego,
ocupação e renda, enquanto as mulheres concentram-se em atividades
voltadas para o autoconsumo familiar, com baixo grau de obtenção de
renda e assalariamento. (BUTTO, 2011, p. 12).
Além disso, segundo Woortmann e Woortmann (1997), o processo de
trabalho possui dimensões simbólicas que o fazem construir não apenas espaços
agrícolas, mas também espaços sociais de gênero. O trabalho do homem é
considerado
mais
importante
porque
envolve
a
responsabilidade
com
a
administração do estabelecimento. A dificuldade em perceber o trabalho total da
mulher do campo também é revelada nas fontes estatísticas oficiais, nas quais as
mulheres não são cadastradas como agricultoras, tornando invisível o papel delas
no desenvolvimento da agricultura familiar.
Ao mesmo tempo em que se percebe essa realidade, na qual a mulher não
tem seu trabalho valorizado e muitas vezes nem mesmo percebido, talvez por razão
da cultura ainda vigente, as mulheres são importantes agentes de desenvolvimento
social e econômico, pois segundo Marcone (2009a, p. 26):
As mulheres constituem também a maioria da força de trabalho utilizada na
agricultura, produzindo a maioria dos recursos alimentares consumidos nos
países em desenvolvimento e nas economias de transição, e representam
os principais agentes da segurança alimentar, do bem-estar familiar e das
comunidades locais. No entanto, possuem menos de 2% das terras
cultiváveis, recebem somente 1/3 da renda mundial e dificilmente são
consideradas pelas estatísticas oficiais nacionais. Elas têm também menos
399
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
acesso à instrução e, portanto, às posições de trabalho de alto perfil em
relação a homens.
Segundo as informações levantadas, além da promoção da igualdade entre
os sexos, a valorização do papel das mulheres, é um fator estratégico de
desenvolvimento social, pelos vários papéis que elas assumem na manutenção do
bem estar das famílias e das comunidades.
Com relação ao cooperativismo, esforços têm sido feitos no sentido de
promover a inserção das mulheres. Prova está que, em 1995, a Aliança Cooperativa
Internacional, que representa o cooperativismo mundialmente, criou o Programa de
Ação Regional para as Mulheres da América Latina e do Caribe. A partir daí, a
Aliança Cooperativa Internacional tem enfatizado a importância da participação das
mulheres no cooperativismo. Isso pode ser verificado na fala de Rodrigues (apud
DALLER, 2010) que, em 1997, ao assumir presidência da Aliança Cooperativa
Internacional, declarou no seu discurso que: “A Aliança Cooperativa Internacional,
consciente da importância do papel da mulher nas atividades cooperativas, está
agora empenhada em ampliar sua participação em todas as categorias de
cooperativas e no sistema cooperativista mundial”.
Seguindo as diretrizes da Aliança Cooperativa Internacional, a Coopergênero
é lançada, em 2004, no Brasil, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento,
com
o
objetivo
de
contribuir
para
a
construção
da
equidade/equilíbrio de gênero no âmbito do cooperativismo e associativismo
brasileiro. O surgimento dessas iniciativas reforça a ideia da necessidade de
criarmos estratégias para que as mulheres venham a ter uma participação mais
igualitária nas atividades relacionadas ao cooperativismo.
Para fins deste estudo, iremos focar o caso da COOMAFITT, que foi fundada em
2006 e tem feito muitos avanços no sentido de mudar paradigmas referentes às
relações de solidariedade e ajuda mútua. Importantes resultados têm sido
alcançados na medida em que a cooperativa tem praticamente dobrado seu
faturamento todos os anos, com vendas principalmente para o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) e para o Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE), para municípios vizinhos e grandes centros como Porto Alegre e Caxias do
Sul, fortalecendo a agricultura familiar daquela região. A COOMAFITT hoje conta
com 134 sócios(as), e tem ponto de comercialização próprio, localizado às margens
da RS 486 — Rota do Sol, em Itati, proporcionado, através de um projeto do
400
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que viabilizou a aquisição de um
caminhão, a construção do prédio além de equipamentos para o funcionamento de
um ponto de vendas.
Apesar dessas conquistas e avanços, é verificado o baixo percentual de
mulheres sócias da COOMAFITT, conforme dados fornecidos por funcionários da
cooperativa apenas 12% dos sócios são mulheres. Também foi observado que o
número de mulheres nas assembleias gerais é muito reduzido, em comparação ao
número de homens, ou seja, as esposas dos sócios também não têm uma
participação efetiva nas reuniões oficiais da cooperativa (dados levantados em listas
de presenças de Assembleias Ordinárias da COOMAFITT). Além disso, na diretoria
da COOMAFITT não temos nenhuma representação do sexo feminino.
Este estudo pretende refletir a respeito do motivo que faz com que a
participação das mulheres não esteja ocorrendo de maneira mais equilibrada, em
relação à participação dos homens na COOMAFITT. O que estaria levando as
mulheres a não se sentirem atraídas a participar das assembleias, reuniões e outras
atividades da COOMAFITT? Porque temos um baixo número de sócias no quadro
da cooperativa? Apesar de o convite para as atividades da cooperativa ser extensivo
aos familiares, as mulheres estão se reconhecendo como membros dessa
organização? O que a cooperativa necessita fazer para atrair a participação das
mulheres?
2. GÊNERO E AGRICULTURA FAMILIAR
2.1. O QUE É GÊNERO?
Muitas pessoas acreditam que a palavra gênero pode ser usada como um
substituto de mulheres, porém, essas palavras, para a maioria dos estudiosos do
tema, não são sinônimas. Segundo Scoot (1995), o termo gênero sugere que a
informação a respeito das mulheres é necessariamente informação sobre os
homens, que um implica no estudo do outro. Ou seja, os estudos de gênero tem um
caráter correlacional: o masculino e o feminino são construídos na relação de um
com o outro.
Segundo Scoot (1995, p. 21), “O gênero é um elemento construtivo de
relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é
401
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
uma forma primeira de significar as relações de poder”. Em outras palavras, é
importante focarmos as questões de gênero, a fim de que se tenha uma visão mais
clara das relações sociais, as quais criam estruturas hierárquicas baseadas em
compreensões generalizadas da relação pretensamente natural entre o masculino e
o feminino. (SCOOT, 1995).
Essas
estruturas
foram
historicamente
criadas
através
de
diversas
perspectivas, tais como a biológica, religiosa, psicológica, econômica, as quais se
valiam de argumentos para justificar o determinismo criado para o papel da mulher
na sociedade. Apesar dos inúmeros avanços conquistados até os dias de hoje, essa
cultura que “define” os papéis de um e de outro ainda persiste.
O movimento feminista, que teve forte ascensão a partir do século XX,
mostrou-se um importante instrumento de divulgação sobre a intolerância à
diversidade e à separação entre os seres humanos, iniciando um processo que
focava na visualização das diferenças entre os sexos. (BURG, 2005).
A utilização da categoria gênero caracteriza um avanço sobre as discussões
anteriores que se baseavam nas diferenças entre os sexos, pois, a partir de então,
não era suficiente constatar as diferenças entre os sexos, mas era imprescindível
considerar como elas foram construídas social e culturalmente. (BURG, 2005).
2.1.1. Relações de Trabalho e Gênero na Agricultura Familiar
Resultante das estruturas sociais construídas ao longo do tempo, a questão
do poder pode ser refletida sobre diferentes aspectos. Segundo Carrasco (2012), o
feminismo contestou a antiga dicotomia público/privado, proposta pela patriarcal
ideologia liberal, segundo a qual a sociedade está dividida em duas esferas
separadas em princípios antagônicos: uma atribuída aos homens e outra às
mulheres. Nessa proposta, há uma ambiguidade entre as definições de público e
privado que faz com que o privado seja confundido com pessoal e que o público se
contraponha ao privado e ao doméstico.
Ou seja, a existência de um princípio público (masculino), ligado ao social, ao
político e ao econômico, com base em critérios de êxito, poder e direitos de
liberdade. E outro princípio privado ou doméstico (feminino), ligado ao lar, com base
nos laços afetivos e sentimentos, sem qualquer ideia de participação social, política
402
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
ou produtiva e relacionado diretamente com as necessidades subjetivas das
pessoas.
A maneira como o sistema social foi se estruturando reforçou a exclusão das
mulheres da vida pública e colocou como ideal seu lugar no meio doméstico, como
destino normal e natural, apoiado na questão biológica de mães que deviam zelar
pelos filhos, marido, parentes e obedecer ao homem. Esta natureza/função seria
incompatível com atividades como a política, por exemplo. (BURG, 2005).
Afirma Burg (2005) que o espaço privado, onde as mulheres vivem a maioria
das experiências femininas, em que são confinadas e submetidas a relações de
dominação e impedimento, é também lugar de elaboração e poder, no que se refere
aos filhos, a casa e a família. Poderíamos dizer que a mulher, que ocupa o espaço
privado, tem poder no ambiente doméstico, pois nesse âmbito pode decidir a
respeito de diversas questões, inclusive a respeito da forma como educar seus
filhos, o que é de fundamental importância, inclusive para a reprodução social.
Apesar das constantes transformações que vem ocorrendo no mundo, que
tem trazido mudanças na dinâmica dos papéis sociais, há espaços, e entre eles o
rural, onde as condições das mulheres ainda expressam grandes desvantagens em
relação aos homens, com desigualdades de gênero, naturalizadas e estruturadas
sobre a condição de relações de poder e submissão para as mulheres nas bases
sociais e econômicas. (REIS, 2010).
Metade da população rural é composta por mulheres, muitas delas sem
acesso a direitos básicos como saúde e educação e a maioria delas não conta com
o devido reconhecimento de sua condição de agricultora familiar e camponesa.
Apesar dessa realidade, assumem de forma crescente a responsabilidade total pelo
grupo familiar que integram. Está ocorrendo um aumento paulatino da chefia
feminina nas famílias brasileiras, fenômeno iniciado nos anos noventa. Em 1993, na
agropecuária, 11,4% dos lares eram chefiados por mulheres e em 2006 esse índice
subiu para 16,2%. (BUTTO, 2010).
Ao mesmo tempo, a divisão sexual do trabalho sempre esteve presente na
economia rural. As atividades econômicas que geram emprego, renda e ocupação
estão associadas aos homens, enquanto as mulheres, com baixo grau de
assalariamento e renda, concentram-se em atividades voltadas ao autoconsumo
familiar. Seu trabalho é visto como uma ajuda, uma mera extensão dos cuidados dos
filhos e demais membros da família. Em decorrência disso, o trabalho feminino
403
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
adquire uma invisibilidade que fica evidente nas estatísticas oficiais, sobre a duração
da jornada de trabalho, que mostram dados que as mulheres na agropecuária
trabalhariam somente a metade da jornada dos homens. (BUTTO, 2010).
Isso se trata de uma distorção na produção das estatísticas oficiais, que não
media a população nos chamados afazeres domésticos, sendo este um trabalho
necessário para a reprodução econômica da sociedade, embora realizado no âmbito
privado. A partir do momento que esse tempo passa a ser medido, são fornecidos
elementos em torno da divisão desse trabalho entre homens e mulheres, pois
mostra uma parte da desigualdade sobre a qual se estruturam, cotidianamente, as
relações sociais. (CARRASCO, 2012). Atualmente, se sabe que as mulheres rurais
sempre acumularam extensas jornadas de trabalho, desempenhando importantes
papéis junto a suas famílias, inclusive na sua manutenção, sendo que este trabalho
é a base da estrutura e preservação de toda unidade familiar.
Segundo Burg (2005), as mulheres exercem uma gama de atividades muito
diversificada, na propriedade rural.
De um modo geral, as mulheres estão presentes tanto nos trabalhos ligados
à esfera da reprodução, quanto nos relativos à produção. Além das
atividades que desempenham em todas as etapas do processo produtivo
agrícola, elas atuam de maneira equivalente no manejo dos animais,
incluindo a ordenha e o processamento do leite e a criação de pequenos
animais. Somam-se a esses os afazeres domésticos, que se estendem ao
quintal, além dos cuidados com a horta e o pomar. (BURG, 2005, p. 36).
Conforme Burg e Lovato (2007), a soma do trabalho dos membros da família
e o trabalho produtivo realizado pela mulher constitui uma gama de funções que
favorecem a unidade de produção familiar. Acrescenta que grande parte da
agricultura contemporânea se apoia na união entre negócio e família, que o local de
trabalho se confunde com o local de residência. Também acrescenta que:
Nesta unidade indissolúvel de geração de renda que é a agricultura familiar,
os filhos e filhas integram-se aos processos de trabalho desde muito cedo, e
aos poucos, vão assumindo as atribuições de maior importância, eles
chegam à adolescência dominando não só as técnicas, mas também os
principais aspectos da gestão do estabelecimento. Há uma naturalização da
divisão do trabalho, baseada no ciclo produtivo e orientada pelo chefe da
família, na qual filhos e esposa não tem autoridade para contestar ordens.
Sendo a família o elemento básico da gestão da produção e do trabalho, a
produção e a reprodução do patrimônio e das pessoas integram-se em um
processo único. (BURG; LOVATO, 2007, p. 1524).
404
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
Segundo a autora, a agricultura familiar necessita de todos os membros da
família para reproduzir-se e, desde cedo, essa divisão do trabalho é imposta aos
membros da família, pelo chefe da família, baseada em uma naturalidade aparente.
Porém, não é sem conflito que essa dinâmica ocorre.
A esse respeito destacamos o que fala Buarque (2005, p. 86):
[...] existe um conflito entre as mulheres rurais e o mundo rural
contemporâneo que tem um rebate significativo no conjunto dos indivíduos,
mesmo que não se funde nas relações de classe, mas na opressão de
sexo. Pode-se compreender que a dimensão de gênero, seja no aspecto
das desigualdades, seja no da resistência a essas desigualdades, é
estruturante das relações sociais. A estratégia de promoção da equidade de
gênero não pode ser resumida à articulação de forças capazes de promover
apenas as transformações socioeconômicas na vida das mulheres, mas
deve também envolver definitivamente a desconstrução da dominação
masculina nos campos material e subjetivo, inclusive para as gerações.
Há indícios de que em famílias onde a relação entre os membros ocorre de
forma horizontal, ou seja, as opiniões são compartilhadas e discutidas e existe um
clima de ajuda e respeito mútuo, a tendência dos filhos em permanecerem no meio
rural é maior. Além da equidade de gênero, se questiona se as questões
relacionadas ao poder não deveriam ser revistas, já que a crescente masculinização
no campo pode ser visualizada em dados oficiais, nos últimos anos, trazendo
também a evasão de muitos jovens, do meio rural e um crescente envelhecimento
dessa população. (CAMARANO; ABRAMOVAY, 1999).
O cuidado em inserir as mulheres nas organizações da agricultura familiar,
partindo do pressuposto que esta é uma ação que irá auxiliar no empoderamento
das mulheres, pode contribuir para a melhoria de diversos problemas ocasionados
por relações desiguais entre os sexos. Essa desigualdade, possivelmente, também é
a causa do alto índice de violência doméstica, em relação às mulheres. Dados
mundiais mostram que 30% das mulheres sofreram, pelo menos uma vez durante
sua vida, violências domésticas ou sexuais. (MARCONE, 2009b).
Visando a superar distorções relativas à subordinação e invisibilidade da
mulher rural, os movimentos sociais de mulheres ganharam força no final dos anos
80, lutando pela afirmação das mulheres rurais como agricultoras e como sujeitos
políticos que questionam as relações de poder existentes no meio rural, incluindo aí
as organizações autônomas de mulheres, sindicais e sem terra, que reivindicam
direitos econômicos e sociais. Em conformidade com uma tendência mundial e
405
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
possivelmente por força de pressão social, esclarece Butto (2010) que apenas
poucos anos atrás, o Estado brasileiro iniciou de maneira muito limitada algumas
iniciativas em prol da igualdade de gênero.
As políticas de desenvolvimento rural até a década passada não
reconheciam o trabalho das mulheres e o caracterizavam como mera ajuda
aos homens. Esta concepção contribuía para a naturalização das
desigualdades de gênero e consequente dependência das mulheres ao
universo masculino. (BUTTO, 2010, p. 17).
Como exemplo de política pública de gênero, pode-se relatar iniciativas como
a do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) que, em 2001, criou o Programa
de Ações Afirmativas, que, nesse período, restringiram-se à edição de portarias
voltadas à ampliação da concessão do crédito às mulheres e à promoção de
estudos, que não chegaram a se efetivar. Além de não serem políticas que se
efetivaram, essas ações não buscaram alterar a divisão sexual do trabalho e
promover as condições para uma maior autonomia econômica das mulheres rurais.
(BUTTO, 2010).
A partir de 2003, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) elabora uma
política pública de promoção de igualdade de gênero, incluindo agenda dos direitos
econômicos e políticos das trabalhadoras rurais, com designação de recursos para
promover políticas de igualdade através de ações finalísticas, como a criação de
uma linha de crédito específica para as mulheres, dentro do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), e medidas para transversalizar as
relações de gênero nas políticas de desenvolvimento rural. (BUTTO, 2010). Informanos Butto (2010) que várias outras formas de promoção da autonomia e da
igualdade das mulheres rurais foram implementadas, permanecendo até os dias de
hoje, melhorando dados de evolução da renda e da diminuição do trabalho não
remunerado nesse segmento.
Porém essas medidas ainda não são suficientes, pois as desigualdades entre
homens e mulheres na agricultura familiar estão enraizadas nas estruturas do
próprio modelo, que permanece sem maiores questionamentos. (BURG, 2005). As
questões sociais precisam ser amplamente consideradas e debatidas no momento
da formulação de políticas públicas que visem a promover o desenvolvimento rural.
406
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
3. A VISÃO DA PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA COOMAFITT
Este estudo abrange os municípios de Itati (sede da COOMAFITT), Terra de
Areia e Três Forquilhas onde residem os(as) agricultores(as) familiares sócios da
COOMAFITT, todos situados no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Essa região foi
habitada por índios, tropeiros, negros e açorianos (COTRIM, 2007) e recebeu uma
grande colonização de imigrantes alemães, que trouxeram para a região
características diferentes dos povos que habitavam anteriormente esse espaço,
pois, segundo Cotrim (2007, p. 11), “[...] possuíam a lógica de uma produção
agrícola, familiar e com organização comunitária [...]”.
Provavelmente,
os
estabelecimentos
de
agricultura
familiar
sejam
predominantes nesses municípios em razão dessa colonização. A COOMAFITT
surge como uma estratégia de garantir a reprodução desses espaços da agricultura
familiar, em um ambiente fortemente competitivo (TOZZI, 2010), que está instalado
na atualidade. Podemos considerar que grandes avanços têm sido alcançados na
medida em que a COOMAFITT tem aumentado constantemente o número de
sócios, o volume de comercialização e o próprio patrimônio da cooperativa. Dessa
forma podemos afirmar que o cooperativismo, proposto pela COOMAFITT, pelo seu
papel de promoção de desenvolvimento econômico e social vem a ter um importante
potencial para a promoção do desenvolvimento rural nessa região.
Para fins deste estudo, foram entrevistadas pessoas com diferentes tipos de
participação na COOMAFITT, desde uma pessoa da diretoria, funcionários(as),
sócios(as) e a esposa de um dos sócios. Além disso, foram utilizados os dados de
participação levantados nas listas de presenças das Assembleias Gerais da
COOMAFITT, Ordinárias e Extraordinárias, realizadas nos anos de 2011 e 2012.
Ao analisar os dados levantados nas entrevistas, percebe-se que todos os
entrevistados, sem exceção, consideram a participação das mulheres na
COOMAFITT importante. Porém quando questionados sobre se essa participação
tem ocorrido efetivamente, a maioria dos entrevistados relata que há uma pequena
participação das mulheres nas reuniões e assembleias. Também foi relatado estar
havendo um aumento na participação das mulheres, inclusive com algumas se
associando, em vez dos maridos. No entanto, na hora de participar de reuniões
oficiais (Assembleias Ordinárias) quem participa normalmente é o marido, em vez da
sócia.
407
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
As Assembleias Ordinárias e Extraordinárias analisadas contaram, nas listas
de presenças, com um percentual muito baixo de presença de mulheres, com
relação às presenças de homens, com um percentual médio nas últimas
assembleias gerais de 9,28% de mulheres e 90,71% de homens, conforme quadro
abaixo.
Quadro 1 - Dados de participação de homens e mulheres nas assembleias da
COOMAFITT, nos anos de 2011 e 2012
100,00%
90,00%
80,00%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Homens
Mulheres
Dados de
Participação
Fonte: COOMAFITT (jun. 2012).
Nota-se que esse espaço público, que são as assembleias, tem uma pobre
ocupação por parte das mulheres. Mesmo assim, com referência a quais atividades
as mulheres participam, na cooperativa, foi relatado pelos participantes da pesquisa
a presença de algumas delas nas assembleias. Também foi relatado que algumas
ligam para a cooperativa a fim de se informarem dos preços e prazos dos
pagamentos, quando os maridos são sócios. Algumas também vêm receber, no
lugar dos maridos, o que pode estar ocorrendo pelo fato de a funcionária que faz os
pagamentos ser uma mulher.
Nas reuniões de planejamento que a cooperativa realiza nas comunidades há
uma participação maior de mulheres, do que nas assembleias, sendo citada a boa
qualidade das ideias dadas pelas mulheres nesses espaços. Também foi relatado
que, na propriedade, no preparo dos produtos a serem entregues na COOMAFITT,
“as mulheres participam 100%, porque estão sempre junto com os maridos, ajudam
e fazem todo o trabalho”.
Nesses relatos, aparece a questão do trabalho da mulher na propriedade.
Podemos perceber que, conforme o relato, as mulheres estão presentes em todas
408
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
as fases do processo produtivo, porém, seu trabalho é considerado como ajuda,
quando se trata de atividades ligadas à produção. Percebe-se também que a
participação feminina nos espaços da COOMAFITT vem aumentando e que quando
isso acontece, a participação é positiva.
A respeito do motivo para as mulheres não participarem das atividades da
cooperativa, foi relatado pelos(as) entrevistados(as) que acreditam que as mulheres
não participam porque são os homens que participam; que isso faz parte da cultura;
que as mulheres não se envolvem nos negócios dos maridos; porque elas devem ter
os compromissos delas; porque se um vai não precisa ir o outro; porque as mulheres
tem que ficar em casa; por causa dos filhos; porque a cooperativa não trabalha com
um ramo que é mais das mulheres, como o artesanato.
Quando analisamos as respostas obtidas, podemos perceber a forte presença
na cultura local de uma separação com relação ao papel da mulher, em detrimento
da possibilidade das mulheres participarem das atividades ditas econômicas e por
consequência da cooperativa.
Ao perguntarmos sobre o que poderia ser feito para atrair a participação das
mulheres nas atividades da COOMAFITT, tivemos as seguintes respostas: criar um
espaço para as crianças nas reuniões, para as mães poderem participar; pensar em
uma mudança no estatuto da cooperativa, para que a mulher (esposa do sócio
tivesse direito ao voto); uma capacitação em cooperativismo; eventos familiares
(como jantares, bingo), onde o homem fosse com a família; criação de um grupo de
mulheres voltado ao artesanato ou algo que venha a atraí-las; montar um grupo de
mulheres com algum fim lucrativo para elas; convidar as mulheres, para a
cooperativa ficar mais forte; focar alguma atividade que elas pudessem exercer com
mais facilidade, como artesanato e flores.
No item em que um dos entrevistados fala em propor uma mudança no
estatuto da cooperativa, para que a mulher possa votar, ele se refere à lei 5.764, de
16 de dezembro de 1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui
o regime jurídico das sociedades cooperativas, essa lei diz que apenas tem direito
ao voto o(a) sócio(a) ou seu representante legal. Essa poderia ser uma das causas
das mulheres não participarem mais ativamente das assembleias, onde as decisões
são votadas. Porém, foi relatado por um dos entrevistados que nem em situações
onde a mulher teria direito ao voto, sendo sócia, elas não se fazem presentes.
409
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
A respeito da importância da COOMAFITT para os(as) sócios(as), todos os
entrevistados responderam que esta é muito importante para os(as) associados(as).
O motivo mais citado diz respeito à garantia do pagamento de um preço mais justo
ao produto que o(a) agricultor(a) produz. Porém, outros motivos foram citados, como
um caminho novo que estão tendo, mesmo que vendam pouca quantidade é
importante para as famílias; a cooperativa já abriu e vai abrir muitas portas não só
financeiramente, mas no jeito de pensar e agir no cooperativismo.
Considera-se interessante destacar um dos depoimentos coletados a esse
respeito, pela maturidade do interlocutor no que se refere ao papel do
cooperativismo e da importância da participação dos(as) sócios(as).
Não tem palavras para explicar. É fundamental! Se o pequeno não estiver
unido, em associação ou cooperativa, entrega seu produto em um valor
bem abaixo. Também é importante para andar junto, se socializar. Muitas
vezes ficam só na propriedade e não veem o vizinho. É uma forma de
ensinar a pessoa a viver em grupo, pelo menos tentar. Quando se reúne
em grupo conhecido todo mundo conversa e quando tem gente estranha
só dois ou três falam com medo de falar besteira. É importante falar e
ocupar os espaços que estão abertos para a gente na sociedade. A gente
tem que conhecer o que tá falando para saber o que falar. Tem que
conhecer a COOMAFITT para falar mal ou falar bem. É importante saber
os projetos, os valores, para poder falar. (Entrevistado n. 1).
O cooperativismo e a participação das pessoas envolvidas na COOMAFITT
aparecem
nessa
fala
como
algo
de
fundamental
importância
não
só
economicamente, mas como um fator de socialização e desenvolvimento da
cidadania. Pela postura adotada nessa fala e por outras falas dos entrevistados,
percebe-se aqui um clima favorável à participação das mulheres nas atividades da
cooperativa, principalmente no que diz respeito à diretoria e funcionários da
COOMAFITT, porém, com muita dificuldade em efetivar essa participação.
4. CONSIDERAÇÔES FINAIS
A COOMAFITT tem trazido aos seus sócios, a grande maioria agricultores(as)
familiares da região que abrange os municípios de Itati, Terra de Areia e Três
Forquilhas, uma nova gama de possibilidades, seja para a comercialização de seus
produtos, seja para a criação de novas formas de relação entre as pessoas, em um
410
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
ambiente onde a gestão é compartilhada e as decisões mais importantes para a
organização são tomadas em conjunto.
Nesse caso, a participação das mulheres nos ambientes onde se decide
essas questões seria fundamental, pois além da promoção da igualdade de gêneros,
na participação feminina são trazidos dados importantes do ambiente rural (e da
propriedade), nos quais os homens dificilmente transitam, ambientes estes
desvalorizados historicamente, mas do qual esse segmento depende para sua
reprodução.
Pelos resultados obtidos nas entrevistas, apesar da COOMAFITT estender o
convite para as reuniões e assembleias a toda a família, as mulheres apenas
participam em uma pequena proporção, em relação à participação dos homens.
Também cabe registrar que a COOMAFITT, desde a sua criação, nunca teve uma
representante do sexo feminino na diretoria.
Baseados nos referenciais teóricos referidos neste estudo e nas entrevistas
realizadas, um dos motivos que faz com que as mulheres não se sintam atraídas a
participar nas atividades da cooperativa, pode ser a herança cultural dessa
comunidade rural, que aparentemente ainda traz a divisão sexual do trabalho e dos
espaços (visão patriarcal). Talvez, por esse mesmo motivo, o número de sócias seja
muito baixo.
O cooperativismo, como organização, pode contribuir como auxiliar na
inserção das mulheres, pois tem, entre outros, objetivos sociais e participativos.
Conforme MARCONE (2009b, p. 26), “promover a igualdade de gênero nas
cooperativas é — e deve ser cada vez mais — uma estratégia do mesmo
desenvolvimento cooperativo”.
Entende-se que a COOMAFITT pode e deve concentrar esforços para
promover o processo de inserção e valorização das mulheres, na medida em que
preconizou nos valores da entidade, construídos a partir da fala dos sócios, “a
melhoria da qualidade de vida com responsabilidade social e ambiental”. A isso se
somam fatores como o aumento do número de mulheres chefes de família no meio
rural, justificando mais uma vez a necessidade de criar mecanismos para inserir as
mulheres.
Visto que todos os entrevistados consideraram importante a participação das
mulheres, cabe saber como fazer essa inserção. Foram sugeridas pelos
entrevistados algumas ideias como a criação de um espaço para as crianças nas
411
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
reuniões, para as mães poderem participar; pensar em uma mudança no estatuto da
cooperativa, para que a mulher (esposa do sócio tivesse direito ao voto); uma
capacitação em cooperativismo; eventos familiares (como jantares, bingo), onde o
homem fosse com a família; criação de um grupo de mulheres voltado ao
artesanato, ou outra atividade (com algum fim lucrativo ou não); convidar as
mulheres para as reuniões.
A essas sugestões, citam-se as seguintes orientações contidas no documento
publicado pelo MAPA (2012), a respeito de como garantir igual participação de
mulheres e homens no cooperativismo:
a) eliminação das relações que geram desigualdades;
b) construção de novas relações, buscando a igualdade de oportunidades, o
respeito e a solidariedade;
c) ações conscientes e constantes definidas nos espaços de tomada de
decisões;
d) participação nas assembleias das cooperativas e aprovação de ações para
a equidade/igualdade de gênero;
e) mudança de condutas e valores relativos à participação da mulher,
permitindo sua maior atuação.
Paralelo à inserção na cooperativa e suas atividades, considera-se importante
que as mulheres tenham acesso às políticas públicas de forma mais igualitária, para
que possam desenvolver sua atividade de agricultoras familiares, pois é na
afirmação desta atividade que a COOMAFITT se estrutura.
É uma proposta bastante desafiadora, na medida em que o trabalho da
mulher na propriedade rural é social e economicamente desvalorizado. Frente a
esse quadro, se faz necessária uma avaliação do processo de democratização nas
famílias de agricultores familiares e nas entidades que trabalham com as famílias da
agricultura familiar, como a COOMAFITT. Afinal de contas, em um processo social
que busca a emancipação e a humanização, alcançar a equidade de gênero não é
apenas um problema das mulheres; é responsabilidade da sociedade inteira.
412
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
REFERÊNCIAS
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414
Capítulo XIX - A Inserção das Mulheres no Cooperativismo: estudo de caso COOMAFITT
ANEXO A - Roteiro da Entrevista Semiestruturada
Instruções:
 A entrevista deverá ser feita permitindo que o entrevistado fale livremente sobre o
assunto. O pesquisador irá gravar a entrevista e transcrevê-la depois.
 Caso a gravação perturbe o entrevistado, o pesquisador deverá fazer o possível
para memorizar as respostas, transcrevendo-as o mais literalmente possível, logo
ao término da entrevista, a partir de apontamentos.
 O pesquisador deverá se certificar de que todas as questões abaixo relacionadas
foram respondidas.
No ato da entrevista, caso o pesquisador perceba a importância de algum fato não
apontado no roteiro, deverá incluir a questão.
População e amostra:
As perguntas foram direcionadas a seis pessoas (diretoria, esposa de sócio, sócio,
sócia, um funcionário e uma funcionária).
Questões básicas a serem respondidas:
1- Você considera importante a participação das mulheres nas atividades da
COOMAFITT?
2- Em sua opinião, as mulheres participam das atividades da cooperativa?
3- Se participam, em quais atividades?
4- Se não participam, você poderia explicar por qual(is) motivo(s)?
5- O que poderia ser feito para atrair a participação das mulheres nas atividades da
cooperativa?
6- Para você qual é a importância da COOMAFITT para os(as) sócios(as)?
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Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
POSSATTI, Daniele Marzari 60
DEWES, Fernando61
RESUMO
Este artigo é fruto do curso de especialização em Gestão de Cooperativas e tece
reflexões teóricas e empíricas sobre cooperativismo e economia solidária. Através
da abordagem qualitativa, fez-se revisão de literatura e discussões sobre feiras,
cooperativismo e economia solidária, e estudo de caso durante os dias da Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria/FEICOOP, em julho de 2013. Para
investigar os significados que a feira evoca nos atores sociais enquanto ocupação
do espaço coletivo, lançou-se mão da observação participante, anotações de
campo, entrevistas dialogadas e análise de discurso. Os objetivos da pesquisa foram
historicizar o cooperativismo e a economia solidária; contextualizar e descrever a
FEICOOP e seus aspectos importantes, e analisar os significados da feira. Como
considerações, entendemos que a FEICOOP se constitui enquanto espaço plural de
ação coletiva e política, onde os atores acionam sociabilidades como cooperação e
solidariedade, elementos fundamentais para a criação e atualização de laços sociais
para uma vida cooperativa.
Palavras-chave: Cooperativismo. Economia Solidária. Feiras.
RESUMEN
Este trabajo es el resultado del curso de especialización en Gestión de Cooperativas
y reflejan la investigación teórica y empírica sobre la cooperación y la economía
solidaria. A través de un enfoque cualitativo, se revisó la literatura y las discusiones
sobre las ferias, la cooperación y la economía solidaria y un estudio de caso en los
días de la Feira Estadual de lo Cooperativismo de Santa Maria/ FEICOOP en julio de
2013. Para investigar el significado de la feria para los actores, se empleó la
observación participante, notas de campo, entrevistas dialogaron y análisis del
discurso. Los objetivos de la investigación fueron historizar la economía solidaria y
cooperativismo; contextualizar el FEICOOP, describir y identificar sus aspectos
fundamentales y analizar los significados de la feria. Como consideraciones,
creemos que FEICOOP se constituye como acción plural colectiva y política, donde
60
Extensionista Rural Social – Socióloga, Bacharela em Ciências Sociais e Licenciada em Sociologia
UFSM. Especialista em Atenção Psicossocial UFPel. Mestre em Desenvolvimento Rural UFRGS.
E-mail: [email protected].
61
Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1975),
mestrado em Psicologia pela Universidade de Brasília (1981), doutorado em Psicologia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2004) e pós-doutorado pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (2011) - CEPAN, professor da Universidade de Caxias do Sul - UCS,
das Faculdades Integradas de Taquara - Faccat e da Escola Superior em Cooperativismo ESCOOP, RS.
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Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
los actores desencadenan la sociabilidad, la cooperación y la solidaridad, elementos
clave para la creación y el mantenimiento de los lazos sociales de una cooperativa.
Palabras-clave: Economía Solidaria. Cooperativismo. Ferias
1 INTRODUÇÃO
Ao situarmos o sistema capitalista em que vivemos como modo de produção
de relações sociais de exploração e dominação, historicamente os grupos,
coletividades e sociedades vêm acionando e organizando suas capacidades de
reação frente às consequências perversas e excludentes desses tipos de relações.
Neste sentido, o presente trabalho é fruto do curso de especialização em Gestão de
Cooperativas e apresenta a temática do cooperativismo e da economia solidária
enquanto contrapontos à lógica e ao funcionamento capitalista, em que a
cooperação e a ajuda mútua sintetizam o eixo central.
Podemos destacar, como consequência das organizações sociais e populares
e das cooperativas de economia solidária, a criação e ativação de feiras, redes e
circuitos locais. Neste contexto, que construímos como problema de pesquisa, a
seguinte questão: que significados as feiras de economia solidária evocam como
espaço de ocupação coletiva dos atores sociais e organizações? Para tanto, esta é
uma pesquisa qualitativa, na qual realizamos revisão e discussão de literatura e
elegemos a Feira Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP) para o
estudo de caso realizado no mês de julho de 2013. Como técnica de coleta de
dados, lançamos mão da observação participante, anotações de campo, entrevistas
dialogadas e análise de conteúdo de documentos, sites e materiais de divulgação.
Os objetivos da pesquisa foram historicizar o cooperativismo e a economia solidária;
contextualizar a FEICOOP; identificar seus aspectos fundamentais e analisar os
significados da feira para os atores sociais envolvidos.
Para contribuir com os objetivos e com a questão problema, iniciamos com a
contextualização do tema da pesquisa: cooperação e ajuda mútua. Como forma de
delimitação, trazemos os desdobramentos da institucionalização e discussão sobre
cooperativas, história do cooperativismo e a perspectiva de cooperativismo ampliado
e engajado. Na segunda seção, apresentamos referências conceituais sobre a
economia solidária e popular, onde situamos o importante papel que assume a
economia solidária enquanto prática e teoria, sobretudo no final dos anos 80 e início
417
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
dos anos 90. Na seção seguinte, destacamos as redes e feiras de economia
solidária e popular como forma de ocupação de espaços coletivos e de criação e
recriação de laços sociais. A discussão conceitual e teórica é que embasará o
estudo de caso sobre a FEICOOP na quarta seção.
Por fim, as análises e as considerações finais encerram a discussão iniciada
na primeira seção e desenvolvida nas demais, com a análise do estudo de caso e
diálogo interpretativo. Dentre diversos significados atribuídos para a FEICOOP,
destacamos que esta constitui um espaço plural de ação coletiva e política, onde a
feira é arena de reconhecimento econômico, político e social da produção, consumo
e apropriação de valor. Existem as circulações do fruto do trabalho e as circulações
de bens simbólicos desses atores e suas organizações, em que acionam
sociabilidades como cooperação, reciprocidade e trabalho voluntário, elementos
fundamentais para a criação e atualização de laços sociais para uma vida
cooperativa.
A justificativa para a escolha do tema de pesquisa é a de dar visibilidade às
práticas de ajuda mútua e de cooperação entre os atores através da organização de
feiras de cooperativismo e economia solidária. Nas sociedades contemporâneas é
urgente a necessidade de mapearmos e proliferarmos as experiências entendidas
como contra-hegemônicas, como a FEICOOP referida no estudo de caso, para
cristalizarmos que existem outras formas de relações sociais estabelecidas que não
exigem e não consideram natural a exploração e a dominação entre seres da
mesma espécie.
2 COOPERATIVAS E COOPERATIVISMO: REFLEXÕES, HISTÓRIAS E
CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS
Iniciamos de modo muito simples: o que entendemos por cooperativa?
Compreendemos por cooperativa uma forma institucionalizada de organização
coletiva, com objetivos compartilhados entre as pessoas que a compõem. Neste
ponto de vista, a cooperativa pode ser vista como um dispositivo coletivo de ação
econômica e social utilizado pelas pessoas e por grupos, capaz de impulsionar,
potencializar e catalisar distintas necessidades, urgências, desejos e projetos.
Por exemplo, para um grupo de agricultores familiares, que dependem da
renda da atividade leiteira como meio de reprodução econômica e social das
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Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
unidades de produção familiares, é evidente que a cooperativa cumpre a
necessidade de acesso aos mercados, pois de modo individual, às vezes, isso se
torna inalcançável. Ainda assim, melhorar a renda é o interesse compartilhado para
que as famílias se tornem cooperadas.
Entretanto, que outros objetivos compartilhados agregam pessoas e grupos
em uma cooperativa? Ou ainda, que horizontes vislumbram as cooperadas e os
cooperados em cooperativas, que com outras tantas cooperativas, conformam o
que, muitas vezes, indiscriminadamente, denominamos de cooperativismo? Surge,
então, um convite para a reflexão.
É com os questionamentos acima que damos início à discussão sobre
cooperativismo e economia solidária. Este trabalho aposta na perspectiva do
cooperativismo que é transformado pela realidade e, ao mesmo tempo, assume um
forte caráter transformador da realidade, no sentido de, enquanto dispositivo
coletivo, não só catalisar o engajamento ampliado dos agentes para a superação
das assimetrias econômicas, mas também das assimetrias sociais, políticas e
culturais. Em última instância, um cooperativismo que repouse sua concepção e
aguce suas práticas, comprometido com a ruptura de relações de exploração,
dominação e racismo.
Mas o que queremos dizer com cooperativismo engajado, nesta perspectiva?
Para nos situar, em nossa sociedade, destacamos que as relações de
exploração estão baseadas na apropriação do fruto do trabalho por corporações,
empresas, grupos, oligopólios e pelo Estado. Onde a dominação de gênero é
nitidamente constatada não apenas na vida privada, mas, também, na esfera da vida
pública, pois as mulheres no Brasil ainda são minoria, quando se coloca em questão
as tomadas de decisão nos postos de trabalho, nas instituições, organizações,
associações e cooperativas. Onde as minorias étnicas e raciais sofrem com a
discriminação, num país em que, apesar da Constituição Federal de 1988 dispor
pretensamente que indígenas e afro-brasileiros sejam incorporados ao processo
civilizatório nacional, ainda se percebe a cultura da discriminação e exclusão,
contratualizada em estatutos sociais de cooperativas que estabelecem critérios
etnocêntricos para a adesão de novos cooperados.
O cooperativismo, na perspectiva ampliada adotada aqui, não é apenas uma
forma de distribuir as riquezas monetárias, fruto do trabalho dos indivíduos. É
movimento, dinâmica e luta cotidiana de agentes que são históricos e compreendem
419
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
a plenitude de tomar partido diante do mundo que ocupam. É buscar a ruptura do
cenário descrito anteriormente, contribuir para o processo de emancipação
econômica, política e social das mulheres, junto com as mulheres. É exercitar e
potencializar que a democracia pode ser encarada como modo de vida dentro e fora
da cooperativa pelos agentes, diferente, por exemplo, da visão limitada e eleitoreira
de democracia que a dispõe como o direito a um voto por cooperado nas
assembleias anuais. Em última instância, isto significa uma ameaça latente e
manifesta ao status quo.
O que parece utopia encontra forte inspiração no trabalho de Rech (2012),
que na apresentação de seu livro, inicia:
Compreender e praticar o cooperativismo significa, antes de tudo, conhecer
o tema (a partir da prática e do resgate histórico) e estabelecer o
compromisso de lutar por justiça social, por transformação da realidade.
O mesmo autor admite que as cooperativas foram apropriadas pelo sistema
capitalista e que a luta é imensa para retomar a iniciativa social e apropriada pelos
povos mais vulneráveis. Eis o que Rech (2012) define como cooperativismo
solidário: aquele “[...] comprometido com a Justiça Social, contribuindo com o
exercício da democracia e cidadania para todos e todas e a transformação da
realidade brasileira.”. Uma perspectiva ampliada e engajada de cooperativismo. É
neste sentido que o cooperativismo possui uma missão frente ao mundo capitalista
que vivemos, como movimento social que venha a contribuir na formulação de
alternativas e formas econômicas concretas e emancipatórias para a construção de
um mundo justo e solidário. (RECH, 2012, p. 17).
As raízes históricas do cooperativismo acompanham a própria história da
humanidade, pois a cooperação e a ajuda mútua foram fatores fundamentais para a
evolução da espécie humana. Ao longo de milhares de anos, nossos ancestrais
resistiram a incalculáveis dificuldades e crises para estarmos aqui hoje. A evolução
da espécie humana só foi possível por meio da cooperação como fator fundamental
para a sobrevivência. Na edição de 1914 do livro Ajuda Mútua: um fator de evolução,
em plena guerra que assolava parte da Europa, o autor Piotr Kropotkin expõe que “a
luta pela vida e a sobrevivência dos mais aptos” foi o argumento de muitos para
justificar os horrores de uma guerra a partir de distorções da teoria de Charles
Darwin, sobretudo após a obra A Origem das Espécies, no século XIX. Entretanto,
420
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
no mesmo contexto histórico, havia uma obra inglesa que interpretava o progresso
biológico e social, não como resultado do exercício da força bruta e da astúcia, mas
da cooperação interespécies e intra-espécies. (KROPOTKIN, 2009, p. 8). Para
esclarecer:
A ideia de que a ajuda mútua representa na evolução um importante
elemento progressista – começa a ser reconhecida pelos biólogos. A
maioria das obras publicadas na Europa nos últimos tempos que tratam da
evolução já diz que é preciso fazer uma distinção entre dois aspectos
diferentes da luta pela vida: a guerra exterior das espécies contra condições
naturais adversas e as espécies rivais, e a guerra interna pelos meios de
subsistência dentro das espécies. Também se reconhece que tanto a
extensão desse segundo aspecto quanto sua importância para a evolução
tem sido exagerada – para grande consternação do próprio Darwin –,
enquanto a importância da sociabilidade e do instinto social nos animais,
tendo em vista o bem-estar da espécie foi subestimada, ao contrário dos
ensinamentos deste grande naturalista. Mas, se a importância da ajuda e do
apoio mútuo entre os animais começa a ser reconhecida entre os
pensadores modernos, ainda não se pode dizer que isso está acontecendo
em relação à segunda parte de minha tese: a importância desses dois
fatores na história do homem, tendo em vista o crescimento de suas
instituições sociais progressistas. (KROPOTKIN, 2009, p. 8-9).
Dentro das formas de cooperação, encontram-se registros no Antigo Egito
através de grêmios, na Grécia com as orglonas, em Roma com os colégios, os
ágapes entre os primeiros cristãos e na América os ayllus nos incas e os calpulli dos
astecas. (RECH, 2012, p. 17). O que tinham em comum era a “ação conjunta, a
busca coletiva da superação dos problemas das pessoas e a integração a um
empreendimento que pudesse trazer benefícios a toda a comunidade”. (RECH,
2012, p. 17).
É importante destacar que, no Brasil e no Rio Grande do Sul, antes mesmo
da invasão colonial, o cooperativismo já existia entre os povos ameríndios
originários, com as ações coletivas integradas como modo de vivenciar as
necessidades biológicas e culturais dessas populações. (RECH, 2012, p. 27):
[...] após a chegada dos colonizadores portugueses e espanhóis, que
conhecemos a primeira experiência de cooperação mútua, estabelecida a
partir de 1610, foi a fundação das Reduções Jesuíticas no sul do Brasil, com
a tentativa de construção de um estado cooperativo em bases integrais. [...]
a atuação das comunidades indígenas deu exemplo de sociedade solidária,
fundamentada no trabalho coletivo, no princípio do auxílio mútuo, onde o
bem-estar das pessoas e da família se sobrepunha à acumulação
econômica da produção. A experiência das reduções foi destruída pelos
interesses dos estados colonizadores do Brasil. (RECH, 2012, p. 27).
421
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
O cooperativismo moderno ocidental se constituiu, no século XVIII e XIX, fruto
de uma Europa em ebulição devido ao desenvolvimento do capitalismo e suas
amargas implicações sociais, econômicas e nas relações de trabalho. Com o intuito
de distribuir riquezas, a cooperativa se tornou a forma institucionalizada de
organização da produção e consumo. O grupo dos “Pioneiros de Rochdale” e o
modelo de cooperativismo europeu teve forte influência no Brasil, sobretudo no Rio
Grande do Sul, trazido pelos imigrantes colonizadores.
Como explica Rech (2012), a influência do cooperativismo conservador
europeu trouxe-nos, entre tantas heranças, a criação de cooperativas com
centralidade no aspecto utilitarista e monetarista, distante do sentido engajado e
amplo de cooperativismo. Neste sentido, no século XIX e XX, a principal
preocupação associativa e de incentivos do Estado para com as cooperativas era
torná-las uma alternativa econômica e marcar a abertura e a inserção positiva do
Brasil na modernidade liberal. Em grande medida, esta postura fez das cooperativas
um suplemento ao processo de expansão capitalista, em especial no campo
agropecuário, e, como instituição não imaculada no capitalismo, favoreceu a
concentração de riqueza para os dirigentes e relegou à marginalidade os menos
capitalizados.
Para
delimitarmos
no
contexto
contemporâneo,
a
formalidade
do
cooperativismo se encontra na esteira de uma legislação específica, retrógrada e
conservadora, datada nos Anos de Chumbo da ditadura militar. A lei nº 5.764, de
1971, foi a materialidade de uma intervenção autoritária sobre organizações
cooperativas. Importante, como ressalta Rech (2012), embora tecnicamente seja a
legislação específica que opera no Brasil, a abertura e a luta democrática que
culminaram com a Constituição Federal de 1988, que trouxeram novo vigor ao
cooperativismo.
Como é própria de uma visão dialética do mundo, a realidade tupiniquim
tropical e subtropical do Brasil provocou um cooperativismo repleto de diferenças e
matizes, fruto de mudanças históricas, culturais e econômicas vivenciadas pela
América Latina e pelo Brasil. As implicações desses processos contribuíram para o
debate sobre um novo marco regulatório para as cooperativas e, também, sobre um
novo modo de fazer cooperativismo. É a partir dos anos 80 que começa a tomar
corpo, e, com maior expressão, a partir dos anos 90, a construção do chamado novo
cooperativismo como contraponto ao modelo de cooperativismo tradicional. Ao
422
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
mesmo tempo, a Economia Solidária começa a se desenhar com maior força e
urgência em uma realidade brasileira onde crescia o desemprego e a exclusão social
(RECH, 2012, p. 30). Para registro, cabe salientar uma das formas de organização
do novo cooperativismo através da constituição da União Nacional das Cooperativas
da Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES), no ano de 2005, que
mobiliza cooperativas em todo o país, de produção e comercialização em diferentes
ramos, como crédito, trabalho, assistência técnica, habitação, produção e
comercialização. (ESCHER, 2011, p. 8).
3 ECONOMIA SOLIDÁRIA E POPULAR
No bojo do conceito e da prática da economia solidária, encontra-se uma
diversidade de perspectivas e ideologias embutidas, em que a diferença colabora
para o debate e para as propostas. Importante atribuição de Singer (2005), que
converge com o cooperativismo ampliado para economia solidária, como uma
função ampliada no âmbito de uma nova sociabilidade e qualidade de vida, e não
meramente uma resposta econômica para integrar ao capitalismo grupos que, de
outro modo, não ingressariam no mercado da produção e do consumo (SINGER,
2005, p. 11). A caracterização de economia solidária e o potencial transformador, em
termos de fundamentação teórica e empírica, têm sido sistematicamente
trabalhados. (GAIGER, 2003):
Sob o prisma das relações que cultivam entre si e com os demais agentes
econômicos, as iniciativas solidárias vivem um momento de ebulição, ao
mesmo tempo, que de debilidade. A todo instante, surgem novas
organizações de crédito, troca e consumo solidário, além de notícias de
avanços nas que já existiam, 'gerando um ambiente pródigo em encontros e
projetos de cooperativas de crédito, bancos populares, moedas sociais,
redes de troca, etc. Entretanto, salvo poucas iniciativas de maior porte ou
relativa maturidade, esses mecanismos são experimentais: valem por seu
significado intrínseco, não pelo seu impacto. Para assegurar sua
reprodução, os empreendimentos solidários precisam lidar adaptativamente
com as externalidades capitalistas. As tentativas de romper o círculo, por
meio de contatos, trazem reforço moral e político, mas carecem por hora de
práticas efetivas de intercâmbio econômico, tanto mais quando envolvem
segmentos e atores sociais diferentes. (GAIGER, 2003, p. 206).
No ambiente onde as relações de mercado são consideradas hostis,
característico do sistema capitalista em que vivemos e da configuração de impérios
alimentares, analisa Ploeg (2008), que as relações com empresas e cooperativas
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Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
altamente mercantilizadas, no caso do estudo deste autor sobre a cadeia produtiva
do leite, demonstram o ambiente espoliante onde operam as cooperativas. Sem
regras de mercado muito nítidas, os impérios alimentares dominantes possuem
interferências locais que tendem a desmobilizar a organização social, produtiva e de
comercialização de muitos agricultores e gestores de cooperativas, ludibriados pelas
vantagens oferecidas pelos complexos agroindustriais, incentivando o descrédito na
delicada relação de confiança entre a cooperativa e os cooperados.
Ao mesmo tempo, temos a noção de que existem circuitos demagógicos na
esfera do local, com as mais variadas justificativas e formas, que têm feito uso do
termo economia solidária. Embora não exponhamos de modo mais sistemático, cabe
a reflexão embasada em Rech (2012), quando argumenta que a concorrência e a
competitividade, pilares que retroalimentam as relações sociais capitalistas entre
agentes e organizações, distanciam as cooperativas da constituição de redes e
criam disputas comerciais e de mercado, justificada equivocadamente pela ‘própria
sobrevivência’ ao invés de se praticar a solidariedade. Outro fator que pauta
desafios a serem pensados pelos agentes da economia solidária é a política de
autopromoção de lideranças e dirigentes, forjada à custa de lutas populares e do
movimento cooperativista, resultando em concentração de poder e complicações
para a democracia cooperativista. (RECH, 2012, p. 25).
Apesar dessa tendência desestruturadora, é possível notar que sociabilidades
e formas de organização social são produzidas e reproduzidas nas formas de
cooperação e ajuda mútua na economia solidária. De modo comum é notável a
existência de uma polifonia de organizações institucionalizadas, tais quais as
cooperativas e as associações, e, também, organizações não institucionalizadas. A
problematização sobre a Economia Solidária e Popular vem contribuir para a
compreensão do estudo de caso deste trabalho, enquanto teoria e prática contra
hegemônica que agencia sociabilidades alternativas e legítimas.
Para Mance (2000), o conceito de economia solidária abriga muitos métodos
econômicos associados a práticas de consumo, comercialização, produção e
serviços, em que se fomenta a participação coletiva, autogestão, democracia,
cooperação, autossustentação, a promoção do desenvolvimento humano e o
equilíbrio dos ecossistemas. Mesmo que muitas práticas de economia solidária, que
se pretendem transformadoras, ainda estejam em convergência com o paradigma
que reproduz relações capitalistas, como expõe o autor, o significado da economia
424
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
solidária tem a ver com a reinvenção de relações sociais, nas quais as noções e
práticas de rede, fluxos e relações de realimentação assumem papel de fundamental
importância. As práticas de economia solidária, consumo e labor solidários,
permitem que os valores econômicos gerados pelo trabalho possam realimentar o
processo de produção e consumo, para promover a reprodução das coletividades e
a redução das privações.
Retomamos a contribuição de Kropotkin (1914), quando trabalhou a crise
gerada pela guerra e seus efeitos sobre a vida cotidiana da população afetada e sua
análise sobre as possibilidades que emergiram dessas pessoas.
Os líderes do pensamento contemporâneo ainda tendem a afirmar que as
massas têm pouco interesse pela evolução das instituições sociais do
homem e que todo progresso feito nessa direção se deveu a líderes
intelectuais, políticos e militares das massas inertes. [...] Vai mostrar o
quanto o espírito criativo e construtivo da massa do povo é necessário
sempre que uma nação tem de passar por um momento difícil de sua
história. (KROPOTKIN, 2009, p. 9).
É neste sentido que as pessoas consideradas “comuns” ou as “massas”, que
sofrem os efeitos de uma guerra por poder, de um sistema desigual, da invisibilidade
de muitos grupos marginalizados, têm papel basilar em construir processos coletivos
e afirmar o espírito criativo e as forças construtivas dos seres humanos em ações,
como forma de superar as imposições e dificuldades vividas por sua época, como
nos coloca o autor. Se pensarmos a Economia Solidária e Popular junto com
Kropotkin (2009), poderemos problematizar que a guerra suscitou a solidariedade
entre os humanos, aonde mesmo do extermínio das populações de modo imposto,
foram observadas e registradas as manifestações de ajuda mútua, dedicação aos
empreendimentos e ao trabalho voluntário, a ponto de serem consideradas as
“sementes de novas formas de vida”. (KROPOTKIN, 2009, p. 10).
4 AS REDES E FEIRAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA E POPULAR: CRIAÇÃO,
OCUPAÇÃO E INTERAÇÃO EM ESPAÇOS COLETIVOS
De concretas necessidades e urgências para a sobrevivência de pessoas,
grupos e culturas marginalizadas em múltiplas dimensões, criam-se vivências e
emergem sociabilidades contra hegemônicas a partir de novas formas de ocupação
de espaços coletivos e públicos. A constante e dinâmica reinvenção das formas de
425
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
vida coletiva através do engajamento de atores em diversas arenas contribuem para
a constituição de novas formas de instituições, organizações, circuitos, redes e
feiras. Muito mais que meros espaços de compra e venda, tais arenas arranjam e
demonstram a esperança na criatividade histórica e cooperativa como fator de
superação e possibilitam ao cooperativismo e à economia solidária um sopro de vida
e de ressignificação.
É a partir dos anos 90 que as práticas de economia solidária são proliferadas,
em especial com a organização de redes e feiras para promover os valores e
organizações relacionadas ao processo de mudança de paradigma. (MANCE, 2000,
p. 3). Não apenas no Brasil, mas na América Latina e nos demais países, ditos na
época do “terceiro mundo” ou principais alvos do sistema capitalista mundial,
compõem-se movimentos em redes de contraponto ao modelo hegemônico de
dominação e exploração. Como resultados qualitativos e quantitativos, têm uma
nova formação social emergente em busca da superação da lógica capitalista de
concentração de riquezas e exclusão social, destruição da sociobiodiversidade e
exploração dos seres humanos pelos próprios semelhantes.
Para Mance (2000), a noção de rede, como potencialidade e prática
transformadora, coloca em evidência as relações entre diversidades e simetrias, com
fluxos de elementos que circulam nessas relações, nos laços que alavancam a
sinergia coletiva, na preocupação da reprodução de cada pessoa, grupos, povos e
culturas. Como exemplos bem sucedidos de redes de colaboração solidária, Mance
(2000) apresenta os Sistemas Locais de Emprego e Comércio, os Sistemas
Comunitários de Intercâmbio, a Rede Global de Trocas, a Economia de Comunhão,
a Autogestão de Empresas pelos Trabalhadores, os Bancos dos Povos, a Agricultura
Ecológica, o Consumo Crítico, o Consumo Solidário, os Softwares livres e as Redes
e Feiras Livres de economia solidária. Em muitos casos, as iniciativas são
fomentadas por organizações, instituições e atores não estatais, com ampliação de
novos campos de ações solidárias, estrategicamente articulados em redes de
cooperação com o objetivo de estabelecer uma nova compreensão de sociedade,
com capacidade de expandir novas relações sociais de produção e consumo e
promover as liberdades públicas e privadas. (MANCE, 2000, p. 4).
Desse modo, uma das formas de dar vazão às ações e ideologias da
economia solidária são as feiras. O conceito de sociabilidade é importante para
426
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
analisar dinâmicas e processos provocados pela inserção dos atores e organizações
disposta nas feiras:
[...] na perspectiva da construção de relações internas coletivas,
participativas, autogeridas, no âmbito das relações sociais mais
elementares, quais sejam, as sociabilidades, entendidas como arranjos
interativos (e, portanto, organizacionais) e representações de coletividades.
(TOMASI; BRANCALEONE, 2012, p. 16).
5 ESTUDO DE CASO: 20ª FEIRA ESTADUAL DO COOPERATIVISMO “UMA
EXPERIÊNCIA APRENDENTE E ENSINANTE”
De modo a estabelecer pontos de interpelação com as perspectivas e
discussões apresentadas até o momento é que foi realizado o estudo de caso na 20ª
Feira do Cooperativismo e Economia Solidária (FEICOOP), no município de Santa
Maria. O estudo de caso qualitativo se estruturou com base no trabalho de campo
durante os dias da feira para coleta de dados e lançou mão da observação
participante, anotações de campo, entrevistas dialogadas e análise de conteúdo em
materiais digitais e de divulgação. Ressaltamos que, devido aos limites deste artigo,
descreveremos de modo muito sintético aspectos relevantes para relacionar com a
pesquisa, que mereceriam, sem dúvida, adensamentos, dada a história, a
multiplicidade de tramas, atores, organizações, acontecimentos e agendas da
FEICOOP, e que, quiçá, serão desenvolvidos em outra oportunidade.
A Feira Estadual do Cooperativismo/FEICOOP teve sua 20ª edição no ano de
2013, e ocorreu do dia 11 ao dia 14 de julho, na cidade de Santa Maria. Nesta
edição, somaram-se à feira o 2º Fórum Social e a 2ª Feira Mundial de Economia
Solidária, tendo como local agregador o Centro de Referência em Economia
Solidária Dom Ivo Lorscheiter, a Escola Irmão José Otão e o pavilhão do Feirão
Colonial, no Bairro Medianeira. A FEICOOP é uma feira que tem como responsáveis
pela coordenação e organização os atores do Projeto Esperança/Cooesperança, no
qual a referência e a articulação é impulsionada historicamente pela coordenadora
do Projeto e também da FEICOOP, a Irmã Lourdes Dill, com forte relação com a
Arquidiocese de Santa Maria e apoio da Cáritas, além do Fórum Brasileiro de
Economia Solidária/FBES, Empreendimentos Solidários e entidades parceiras.
Cerca de 200.000 pessoas circularam nos quatro dias de feira como
visitantes, consumidores, expositores, grupos, organizações, movimentos sociais,
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Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
associações, entre outros, totalizando atores de 27 países, a maioria países da
América Latina. Do Brasil, todos os estados estiveram presentes, com 530
municípios e aproximadamente 1.000 organizações e empreendimentos de
Economia Solidária.
Em uma diversidade de temáticas e ações, podemos elencar mostras de
filmes, shows, teatros, mesas, oficinas, fóruns de discussão e troca de experiências,
plenárias, acampamento da juventude, avaliações, marchas e a comercialização
direta de artesanato e alimentos de agroindústrias em quase 10.000 víveres, fruto do
trabalho dos atores e suas organizações.
As instâncias estatais e esferas de ação coletiva institucionalizadas também
compõem e ativam a FEICOOP, com as comemorações de projetos efetivados,
como os 10 anos do Fórum Brasileiro de Economia Solidária/FBES; 18 anos da
Rede Internacional de Promoção de Economia Social e Solidária do Caribe e LatinoAmericano/RIPESS; 10 anos da Secretaria Nacional de Economia Solidária/
SENAES; 20 anos da FEICOOP; 30 anos de Economia Solidária/Cáritas Brasileira;
25 anos do Projeto Esperança/Cooesperança.
As atividades autogestionárias pelos atores do Movimento de Economia
Solidária conformavam o denominado Território Solidário, com discursos e práticas
que posicionavam o cooperativismo e a economia solidária como desenvolvimento
sustentável, popular e coletivo, com o objetivo de constituir os espaços da feira como
territórios de interação social e publicização de formas de organização política,
cultural, econômica e social.
Destacamos a presença do Levante Popular da Juventude com frequentes
intervenções musicais, debates, proposições, marchas, gritos, bandeiras de lutas,
músicas de protesto no acampamento da juventude e, também, em todos os
espaços da feira, a fim de sensibilizar e afirmar as pautas organizadas aos
transeuntes na feira.
A presença ativa da diversidade cultural e das minorias historicamente
marginalizadas é uma das marcas da FEICOOP, entre as quais evidenciamos as
presenças e articulações de mulheres sem terra, agricultores camponeses,
quilombolas, indígenas, catadores, mobilizações de rua, através da comercialização
direta de sua produção, organizações e em fóruns de discussão.
428
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
6 ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para iniciarmos nossas análises e as considerações finais desta pesquisa a
partir do estudo de caso, trazemos o lema da 20ª FEICOOP, “Uma experiência
Aprendente e Ensinante”, e, ainda, o lema da 2ª Feira Mundial de Economia
Solidária, “Outro mundo é possível. Outra Economia já acontece”. Logo,
consideramos que esta é uma feira que constantemente questiona o status quo atual
ao mesmo tempo em que brinda com a demonstração dos empreendimentos e
organizações de economia solidária de que outra economia já acontece. Uma
economia não baseada na relação de exploração, mas sim na possibilidade de
produção,
circulação,
geração
e
apropriação
de
valor
como
forma
de
desenvolvimento humano e social. Deste modo, apresenta-nos a atitude afirmativa e
contundente deste acontecimento, fruto de construções coletivas de atores e
organizações pautadas e angariadas em rede ao longo dos 20 anos.
O lema da 20ª FEICOOP aciona o potencial do aprendizado coletivo e de
sociabilidade provocado pela feira, onde todos os envolvidos são vistos como
aprendentes e, ao mesmo tempo, ensinantes, na perspectiva das trocas
econômicas, simbólicas, culturais, cooperativas e de afetos, durante os dias da feira.
Isto aponta para o posicionamento construído como uma forma de ruptura ao
modelo hierarquizado e dominante de sociedade, onde algumas pessoas e grupos
detêm o saber e o conhecimento, e uma grande maioria com seus saberes é
deslegitimada e excluída da esfera de ação pública e coletiva. Vale destacar o
profundo estudo de Vargas (2012) acerca dos slogans da FEICOOP, através da
análise de cartazes das edições da feira, onde é possível notar nos seus conteúdos
no decurso de sua história, a mudança dos significados, resultado de superações de
assimetrias econômicas e sociais.
Dentre os diversos significados atribuídos para a FEICOOP, destacamos que
se constitui enquanto espaço plural de ação coletiva e política, arena provocativa de
práticas, valores, discursos e projetos de economia solidária, ao mesmo tempo em
que a economia solidária lhe confere a identidade síntese. Discussões e
encaminhamentos são realizados no campo da economia solidária enquanto esfera
de ação coletiva e política que ordena e reordena o funcionamento das
organizações, grupos, cooperativas e empreendimentos que, com mais ou menos
intensidade, têm relação com a economia solidária e popular.
429
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
Também significa reconhecimento econômico, político e social da produção,
consumo e apropriação de valor. Existem as circulações do fruto do trabalho e as
circulações de bens simbólicos desses atores e suas organizações. A categoria
trabalho, por sua vez, assume importante papel, seja enquanto trabalho voluntário,
seja enquanto oportunidade dos agentes de serem reconhecidos e visibilizados
como pessoas e pelo fruto do seu trabalho pela sociedade local, através do contato
direto entre “produtores e consumidores”. O entusiasmo, a comercialização direta, a
oportunidade de acordos comerciais futuros, o reconhecimento e as interações
sociais, fazem com que o trabalho assuma outro sentido, distante da realidade
penosa do labor cotidiano, do desgaste físico, psíquico e social. A organização e a
participação na FEICOOP para os promotores, apoiadores ou organizadores é um
grande desafio, especialmente para aqueles grupos, cooperativas ou famílias que se
deslocam do seu raio de atuação cotidiana e se inserem em um espaço de
circulação pública, onde diversas pessoas, grupos, lideranças políticos, instituições e
imprensa compõem o espaço.
No trabalho de Lourenço (2012) podemos verificar que, na análise de
cooperativas de economia solidária, o direito, a fala e a voz de cada cooperado são
provocados. A cooperativa não é um lugar de rejeição de opiniões, manifestações,
ideias e críticas. De modo semelhante ao encontrado na feira, os atores, de modo
muito ativo, oscilam suas expressões e falas entre si e diretamente aos promotores e
organizadores, expressando valorizações, críticas e propostas. As pessoas que
estão engajadas na feira aproveitam o evento para praticar e expor suas virtudes
solidárias, de reciprocidade, de apoio mútuo, de democratização do espaço, de
modo a beneficiar o coletivo e também promover o modo pelo qual norteiam suas
práticas e interesses. As subjetividades dos atores são expressas em opiniões,
alegrias, conquistas, desafios, amizades, abraços coletivos e alguns conflitos e
tensões inerentes a qualquer espaço de interlocução. Ainda que sem muita noção
sobre conceituações acerca da economia solidária, a ajuda mútua e a cooperação
na organização dos estandes, revezamento de escalas e a torcida para que “dê tudo
certo”, são evidências das possibilidades evocadas.
Historicamente, a FEICOOP tem se constituído com impulsos e iniciativas de
várias organizações, com destaque do papel desempenhado pela Cáritas Brasileira
e seus atores, na composição de um espaço plural de inclusão das minorias e
grupos
marginalizados.
Entretanto,
dada
430
essa
estruturação
da
FEICOOP,
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
analisamos que a feira é preenchida pela agência dos atores, onde o espaço
coletivo é apropriado e significado pela multiplicidade de pessoas, organizações não
estatais, redes, coletivos, cooperativas e associações. Na maturação de sua
vigésima edição, o que podemos afirmar é que existe uma polifonia de vozes, em
que as práticas e os significados das relações estabelecidas são instituídos pelos
atores e visualizados pela sociedade local, sejam quilombolas, agricultores
familiares, mulheres e homens sem terra, kaingangs, guaranis, trabalhadores
autônomos, catadores e recicladores, jovens, entre tantos outros.
Sendo assim, a partir do trabalho de campo, nota-se que muito aquém ou
além da exposição e comercialização da produção dos feirantes, a FEICOOP
apresenta as diversidades de produção dos grupos e organizações e as
diversidades de mundos e sentidos em interlocução. Torna-se espaço de interação
social, de criação e atualização de laços de solidariedade e ajuda mútua, de convívio
entre as diferenças. Neste sentido, essa pluralidade aviva a experiência da
alteridade, pois significa o encontro com o “outro”, com grupos e culturas “diferentes”
entre si e que, através das sociabilidades emergentes, distanciam-se da
individualização e apontam para uma lógica de interrelação e compreensão entre
pessoas, coletivos e mundos. Conhecer e interagir com outras culturas faz
reconhecer que “somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única.”.
(LAPLANTINE, 2000, p. 21).
Pesquisas com movimentos sociais contemporâneos têm problematizado e
animado o potencial desses na ativação da esfera pública e na democratização da
relação Estado-Sociedade no que há de “gérmen ou potencial criativo para
instituição de novos mundos possíveis”. (TOMASI; BRANCALEONE, 2012, p. 16). É
neste sentido, que a presença de organizações, associações e movimentos sociais
nos espaços coletivos da FEICOOP fazem operar contestações, pautas,
reivindicações, onde se afirmam formas de ação através de diálogos, articulações,
marchas, contatos, fóruns e intervenções para a produção de outra economia.
Criam-se e recriam-se relações sociais de coletivos e se instiga o sentimento de
pertença a movimentos sociais que cristalizam no cotidiano a necessidade de
transformação e instituição de mundos e relações sociais mais horizontais.
Entendemos que a arena da feira expõe dramas sociais e também evidencia
processos econômicos e sociais dispostos a traduzir modalidades de criação de
laços e vínculos sociais baseados em princípios e práticas cooperativas, entre os
431
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
quais a reciprocidade, a solidariedade, o apoio mútuo, a confraternização e a
apropriação do valor de uso e do valor do coletivo. Distancia-se e discrimina lógicas
hegemônicas pautadas na acumulação do lucro, mercantilização e capitalização das
relações sociais.
Não somente faz a história das pessoas, grupos, organizações, como produz
a memória da coletividade. Oportunamente, consideramos a feira como espetáculo
participante e ritual, onde os participantes se tornam cúmplices desse acontecimento
e vivenciam o que Turner (1974) denominou como princípio de communitas. Ao
estudar os processos rituais de comunidades não ocidentais, esse autor identificou
um momento do processo que definiu de liminaridade, em que as hierarquias se
anulavam e se instalava uma nova relação de interação horizontal entre os
participantes. Chamou esse estado de communitas, em que se institui um
sentimento de fraternidade, partilha e integração entre os membros. Após o
processo ritual dos participantes e do encerramento da feira, a projeção é de que o
communitas compartilhado, a experiência comunitária e a memória coletiva,
provocarão efeitos na vida cotidiana pós-feira na emergência de novas experiências.
Os compromissos e acordos assumidos durante a feira são exemplos concretos
desse efeito, tais quais os convites e a articulação para participação em feiras
futuras, viagens, excursões, fóruns de discussão, acampamentos, apresentação de
relatos de experiências em outras regiões do RS e do Brasil, papéis em redes ou
organizações.
O processo de produção do significado da FEICOOP para os atores passa
pela experiência vivida por pessoas, grupos, culturas, coletivos e organizações
envolvidas, através das quais afetam e são afetados individual e coletivamente. As
práticas e ações de cooperação e ajuda mútua são alimentadas e retroalimentadas
nos discursos, saberes, experiências e sentidos sobre cooperativismo e economia
solidária, durante os dias da FEICOOP. Notamos que os discursos e práticas, por
vezes, se conciliam e convergem, e, por vezes, se contundem e contradizem.
Entendemos que a existência desses conflitos e incongruências também constitui a
feira e estes são vitais para o cooperativismo e a economia solidária enquanto
processo histórico em curso, que agencia contradições, superações e horizontes.
Substancialmente, para os atores que a compõem e as redes que organizam,
entendemos que as sociabilidades emergentes pulverizaram a padronização e o
controle, e exercitam relações sociais, culturais e econômicas mais simétricas:
432
Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
Estadual do Cooperativismo de Santa Maria (FEICOOP)
Nesta perspectiva, concebemos como sociabilidades emergentes um
conjunto de práticas sociais e representações do social orientadas por
elementos como a horizontalidade, a liberdade, o respeito à diferença, a
solidariedade, a livre criação, a apropriação social de valor de uso e a
inclusão como fundamentos do estabelecimento de laços sociais e da
constituição de coletividades autodeterminadas. [...] Apesar de sua aparente
invisibilidade, constatamos uma insinuante multiplicação das sociabilidades
no interior de processos, organizações e incluso instituições estabelecidas,
ou seja, articuladas em diversas configurações no interior ou em relação
marginal com o Estado e o mercado como os conhecemos. E cremos que
sua presença fragmentária pode ser o sintoma de dinâmicas configuradoras
de novos sujeitos e arenas sociais, no caminho da emancipação humana.
(TOMASI; BRANCALEONE, 2012, p. 17).
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Capítulo XX - Cooperação, Economia Solidária e Sociabilidades: estudo de caso na 20ª Feira
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434
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma
ferramenta para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores
familiares
MAIA, Dinanci Otavio Dalto62
COTRIM, Décio Souza63
RESUMO
O presente artigo aborda o processo de inserção dos agricultores familiares reunidos
em torno da Cooperativa de Produção Camponesa (CPC) nos mercados
institucionais, motivados e influenciados através das políticas públicas de compras
de alimentos da agricultura familiar, implementadas no âmbito do estado do Rio
Grande do Sul, identificando a influência dessas políticas públicas na produção de
alimentos e na qualidade de vida dos agricultores, dentro da lógica de
funcionamento da unidade familiar. Observa-se que o volume de recursos aplicados
nas políticas públicas de abastecimento vem crescendo ano a ano, valorizando a
produção e a cultura local, demonstrando que a intervenção estatal pode ser capaz
de interferir positivamente na dinâmica produtiva das famílias rurais, proporcionando
geração de renda, manutenção das práticas agrícolas e dos cultivos tradicionais,
possibilitando, desta forma, a abertura de novas perspectivas para reprodução social
no campo da agricultura familiar. A cooperativa, através da aproximação da
produção e do consumo, com o fornecimento de alimentos aos mercados
institucionais, fez com que grupos de pequenos agricultores, muitas vezes,
marginalizados, pudessem ser incluídos no processo produtivo, e a organização
social da produção, via cooperativa, foi favorecida em diversos aspectos. A
valorização da diversidade agrícola dos produtos dos agricultores influenciou na
retomada e manutenção das práticas de autoconsumo entre os beneficiários, antes
abandonadas, com repercussões sobre a autoestima, a qualidade da alimentação da
família e na autonomia dos agricultores. Não menos importante, o fortalecimento dos
valores do cooperativismo perante os associados atuou como elemento aglutinador,
unindo esforços por um objetivo claro e comum, proporcionando segurança aos
agricultores para a manutenção do seu modo de vida e para o desenvolvimento rural
como um todo.
Palavras-chave: Agricultura familiar. Políticas públicas. Desenvolvimento rural.
Cooperativa.
ABSTRACT
This article discusses the process of inclusion of family farmers gathered around the
Peasant Production Cooperative (Cooperativa de Produção Camponesa - CPC) in
institutional markets, motivated and influenced through public policies for the
purchase of food from family farm, implemented in the state of Rio Grande do Sul,
identifying the influence of these public policies on food production and on the quality
of life of farmers, within the logic of functioning of the family unit. It is observed that
62
63
Engenheiro Agrônomo, Extensionista Rural da Emater-AscarRS. ([email protected])
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
435
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
the volume of funds invested in public policies supply has been growing year by year,
valuing the production and local culture, demonstrating that state intervention may be
able to positively affect the productive dynamics of rural families, providing income
generation, maintenance of agricultural practices and traditional crops, thus allowing
the opening of new perspectives for social reproduction in the field of family farming.
The cooperative, through the approximation of production and consumption, with the
supply of food to institutional markets, meant that groups of small farmers, often
marginalized, could be included in the production process, and the social
organization of production, via cooperative, was favored by many respects. The
appreciation of the diversity of agricultural products of farmers influenced on the
recovery and maintenance of self-consumption practices among the beneficiaries,
before abandoned, and affected the self-esteem, the quality of food for the family and
the autonomy of farmers. Not least, the strengthening of the values of the
cooperative before the associated acted as a uniting factor, joining forces for a clear
and common goal, providing security for farmers to maintain their livelihoods and
rural development as a whole.
Key-words: Family farming. Public policies. Rural development. Cooperative.
1 INTRODUÇÃO
A agricultura familiar responde por grande parte da produção de alimentos no
Brasil, constitui 85,5% dos 4.859.864 estabelecimentos rurais, ocupando 30% da
área (107 milhões de ha), a produção familiar responde, hoje, com 37,9% do valor
bruto da produção agropecuária nacional e ocupa 77% da mão de obra do campo.
(DIEESE, 2006).
O reconhecimento da agricultura familiar como categoria social pelas políticas
públicas iniciou com a criação do Programa Nacional da Agricultura Familiar
(PRONAF) em 1996 e, posteriormente, com a Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006,
que define a agricultura familiar através de critérios objetivos. Este processo teve
como saldo importante a construção do conceito de agricultura familiar. A crescente
projeção social, política e econômica da agricultura familiar no Rio grande do Sul e
no Brasil pode ser compreendida como expressão do seu reconhecimento e
legitimação, e abriu caminho para a conquista de várias outras políticas e programas
de apoio ao público que produz a maior parcela de alimentos que vai à mesa dos
brasileiros. De acordo com Abramovay (1992), a agricultura familiar não somente
supõe a garantia do abastecimento alimentar do país, mas, também, esta escolha
representa uma opção estratégica em favor do desenvolvimento equitativo da
sociedade. A agricultura familiar seria um espaço onde convergem desenvolvimento
e equidade.
436
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
Na formulação das políticas públicas de desenvolvimento rural considera-se a
agricultura familiar um setor a ser estrategicamente dinamizado. Na grande maioria
das vezes, os agricultores familiares têm muita dificuldade no acesso individual às
redes convencionais constituídas de comercialização dos produtos agrícolas, sendo
fundamental a criação de alternativas que vinculem os agricultores e suas
organizações cooperativas a outras de formas de comercialização. A demanda
institucional por gêneros alimentícios constitui-se, hoje, em um dos elementos que
devem ser utilizados de forma coordenada com outras ações, com programas de
desenvolvimento rural e políticas públicas, a fim de garantir o acesso aos mercados
institucionais para as cooperativas da agricultura familiar.
Na constituição histórica das cooperativas da agricultura familiar, o tema da
comercialização aparece como instrumento estratégico para a multiplicação social,
para a geração de renda aos associados e para o sucesso econômico. Valorizar as
cadeias de proximidade (ABRAMOVAY, 2004), eliminando os atravessadores,
agregando valor aos produtos e permitindo a diversificação produtiva nas
propriedades, torna-se fundamental. Dentro deste contexto, existem no Brasil
políticas públicas que garantem e efetivam possibilidades de comercialização de
produtos da agricultura camponesa, para atender os mercados institucionais, dentro
da lógica de assegurar o direito humano à alimentação adequada. Segundo Norder,
o universo da produção nos leva a focalizar em estratégias sociais e produtivas
voltadas para a construção e fortalecimento da autonomia e sua particular interação
com o processo de mercantilização e externalização da produção, sobretudo porque
estas estratégias podem levar, entre outros resultados, a um aumento na absorção
de trabalho, na rentabilidade das atividades agrícolas e no fortalecimento da
produção diversificada.
Grandes foram os avanços conquistados pela agricultura familiar nos últimos
anos. Abriu-se um caminho para a conquista de várias políticas e programas de
apoio à agricultura camponesa. Após a consolidação de linhas de crédito a juro
subsidiado, seguiram-se, também, as conquistas do seguro agrícola, habitação rural,
ampliação da assistência técnica, políticas de garantia de preço, entre outras.
Porém, apesar do acesso às várias políticas, a comercialização dos produtos
continua sendo um grande entrave para a melhoria da renda nas pequenas
propriedades rurais. Por dedicar quase que exclusivamente o tempo para a
produção, poucos agricultores conseguem se aperfeiçoar para uma melhor
437
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
comercialização dos produtos, e acabam por entregar a produção para
atravessadores ou ficam reféns de grandes empresas concentradoras do mercado
de commodities. Assim sendo, o governo disponibiliza uma série de políticas de
apoio e incentivo à produção de alimentos, objetivando como resultado a geração de
valor econômico nas propriedades.
Na tentativa de construir alternativas para a agricultura familiar na etapa final
da cadeia produtiva, governo e organizações sociais e representativas da agricultura
familiar convergem para uma estratégia em que uma parcela do mercado
institucional de alimentos está sendo direcionada, exclusivamente, para os
agricultores familiares e suas organizações.
Segundo Wilkinson (2008), é possível identificar, ao menos, quatro formas de
acesso aos mercados: I) acesso direto, sobretudo no caso do mercado local
(informal), II) intermediação via atravessador, III) integração com agroindústrias, IV)
compras por parte do poder público. Para fins deste trabalho, as análises focaram o
último item, que corresponde ao acesso a mercados institucionais.
A cooperativa penetra nos mercados institucionais através de uma rede de
articulação, informação e planejamento de ações, conseguindo inserção na rede
escolar de ensino municipal e estadual de municípios da grande Porto Alegre,
também opera projetos via Conab na execução do Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA), e, recentemente, no ano de 2013, inicia a comercialização de
alimentos para órgãos públicos. Neste contexto, a cooperativa escoa a produção dos
associados, garantindo mercado e preços dos produtos, gera uma fonte de renda
segura, proporciona o resgate e o fortalecimento de práticas agrícolas, valorizando
os produtos tradicionais, inseridos na vocação e na lógica cultural local, e, além
disso, proporciona possibilidades de permanência dos jovens no campo, com a
geração de renda, proporcionando um ambiente de desenvolvimento local.
A agricultura familiar contribui significativamente para o abastecimento do
mercado doméstico e tem uma participação relevante também no valor das
exportações. (WILKINSON, 2008).
2 METODOLOGIA
O ponto de partida de uma investigação científica deve basear-se em um
levantamento de dados. Para esse levantamento, é necessário, num primeiro
438
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
momento, que se faça uma pesquisa bibliográfica. Num segundo momento, o
pesquisador deve realizar uma observação dos fatos ou fenômenos para que ele
obtenha maiores informações, e, em um terceiro momento da pesquisa, o objetivo
do pesquisador é conseguir informações ou coletar dados que não seriam possíveis
somente através da pesquisa bibliográfica e da observação. A entrevista é uma das
técnicas mais utilizadas por pesquisadores para a coleta de dados, neste terceiro
momento. (BRITTO JÚNIOR; FERES JÚNIOR, 2011).
O termo entrevista é construído a partir de duas palavras, entre e vista.
Vista refere-se ao ato de ver, ter preocupação com algo. Entre indica a
relação de lugar ou estado no espaço que separa duas pessoas ou coisas.
Portanto, o termo entrevista refere-se ao ato de perceber realizado entre
duas pessoas. (RICHARDSON, 1999, p. 207).
A abordagem metodológica empregada neste estudo pertence ao campo da
Pesquisa Qualitativa, dela faz parte a obtenção de dados descritivos mediante
contato direto e interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo. Nas
pesquisas qualitativas, é frequente que o pesquisador procure entender os
fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada, e, a partir
daí, situe sua interpretação dos fenômenos estudados. O trabalho de descrição tem
caráter fundamental em um estudo qualitativo, pois é por meio dele que os dados
são coletados. (GODOY, 1995, p. 46).
O uso da técnica de entrevistas focalizadas permitiu a obtenção dos dados na
fonte. Foram realizadas entrevistas ao longo de um período de 2 meses (fevereiro e
março de 2013) a diversos dirigentes da Cooperativa de Produção Camponesa e
entrevistas com representantes de algumas entidades beneficiárias, na sede de
logística, localizada no município de Canoas.
Foram realizadas entrevistas focalizadas, evidenciando um tema bem
específico, quando, ao entrevistado, é permitido falar livremente sobre o assunto,
mas com o esforço do entrevistador para retomar o mesmo foco quando ele começa
a desviar-se.
Ribeiro (2008) aponta como vantagens da utilização da técnica da entrevista:
a flexibilidade na aplicação, a facilidade de adaptação de protocolo, viabilização da
comprovação e esclarecimento de respostas, a taxa de resposta elevada e o fato de
poder ser aplicada a pessoas não aptas à leitura.
Os métodos qualitativos são apropriados quando o fenômeno em estudo é
complexo, de natureza social. Normalmente, são usados quando o entendimento do
contexto social e cultural é um elemento importante para a pesquisa. Para aprender
439
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
métodos qualitativos é preciso aprender a observar, registrar e analisar interações
reais entre pessoas, e entre pessoas e sistemas.
O problema do estudo de caso é que os mecanismos institucionais de
compras de alimentos da agricultura familiar funcionam como ferramentas indutoras
de possibilidades para o desenvolvimento rural e melhoria nas condições de vida
dos agricultores familiares associados à Cooperativa de Produção Camponesa
(CPC).
3 O MERCADO INSTITUCIONAL
Com o propósito de construir alternativas de comercialização direta dos
produtos da agricultura familiar, o poder público e as organizações sociais e
representativas64 da agricultura familiar, no âmbito do Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), convergem para uma estratégia em
que uma parcela do mercado institucional de alimentos deve ser direcionada
exclusivamente para os pequenos agricultores. O processo traz, como um de seus
objetivos fundamentais, o apoio ao desenvolvimento local através das compras
públicas de gêneros alimentícios diretamente das pequenas unidades agrícolas
familiares.
Nesse contexto, o mercado institucional, composto de um conjunto de
políticas públicas de âmbito estadual e nacional, implementa ações que garantem a
reprodução social da agricultura familiar, respeitando a diversidade cultural, o
conhecimento endógeno65 dos agricultores, e promove o desenvolvimento local. O
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003 através da Lei
Federal nº 10.696, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), criado a
partir da Lei Federal nº 11.947 de 2009 e a Lei Estadual nº 13.922, de janeiro de
2012, que estabelece a Política Estadual da Compra Coletiva RS, possibilitam q u e
os órgãos públicos e as escolas realizem a aquisição de gêneros alimentícios da
agricultura familiar dispensando-se o processo licitatório. O governo central, ao
garantir parte dos recursos estaduais e federais à aquisição obrigatória dos
agricultores familiares e suas organizações, amplia os mecanismos sociopolíticos
64
65
A expressão refere-se ao conjunto de organizações, tais como: Federações Sindicais e
Cooperativas, Movimentos Sociais do campo, ONGs, etc.
Conceito referente ao conhecimento adquirido, passado de pai para filho, forjado ao longo do
tempo através de vivências e experimentações.
440
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
para privilegiar os pequenos agricultores nacionais, indo no sentido de criar
garantias institucionais para fortalecer estratégias de segurança e soberania
alimentar, criando meios de proporcionar garantias de mercado e renda para os
agricultores familiares.
O documento que possibilita que os agricultores familiares e suas
organizações participem do mercado institucional é a Declaração de Aptidão ao
PRONAF-DAP. Esta é utilizada como instrumento de identificação por excelência do
agricultor familiar para acessar políticas públicas, tais como: o crédito rural, o seguro
agrícola e mercados institucionais de alimentos. Os portadores de DAP podem ser
tanto agricultores familiares individuais (DAP física) quanto de cooperativas e
associações de agricultores familiares (DAP jurídica).
3.1 PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR – PNAE
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), coordenado pelo
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), está disponível nos
5.564 municípios brasileiros, caracterizando-se como uma das políticas públicas
federais de maior abrangência e alcance no território nacional, com recursos anuais
para o Rio Grande do Sul, no ano de 2012, na ordem de 150 milhões de reais para
aquisição de alimentos para a rede escolar estadual e municípal. Nesse contexto,
em 2009 foi promulgada a Lei nº 11.947, e, na sequência, a Resolução do CD/FNDE
nº 38/2009, regulamentando as compras da agricultura familiar para o PNAE. Um
dos avanços da nova legislação está no Artigo 14 da Lei:
Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do
PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição
de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do
empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os
assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e
comunidades quilombolas.
§ 1º A aquisição de que trata este artigo poderá ser realizada dispensandose o procedimento licitatório, desde que os preços sejam compatíveis com
os vigentes no mercado local, observando-se os princípios inscritos no art.
37 da Constituição, e que os alimentos atendam às exigências do controle
de qualidade estabelecidas pelas normas que regulamentam a matéria [...].
Sua regulamentação também simplifica as formas de aquisição dos alimentos
com utilização de recursos públicos, substituindo o processo licitatório por
441
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
procedimentos mais simplificados, através de chamadas públicas66, privilegiando a
cooperação entre agricultores e suas organizações, a diversificação da produção
agrícola, bem como o desenvolvimento local. Esta nova e importante demanda tem
encontrado gestores públicos municipais e estaduais, além das organizações da
agricultura familiar, em diferentes situações e níveis de fragilidade administrativa,
organizacional, de disponibilidade de informações e de infraestrutura. Tais condições
têm, como consequência, diversas dificuldades para o cumprimento da lei,
resultando em grande desafio intersetorial e interinstitucional. Temas como (1) a
socialização detalhada dos regulamentos de aquisição, para os atores sociais
envolvidos (gestores públicos, organizações de agricultores e controle social); (2) a
formação de grupos de trabalho interinstitucionais no estado e municípios para
efetivação planejada da aquisição e troca de experiências (exitosas e mal
sucedidas); (3) a formalização dos grupos de agricultores (criação de cooperativas)
e a organização documental dos agricultores familiares para a comercialização, são
desafios que têm inicialmente limitado o potencial socioeconômico desta política
pública. Paralelamente, o tema da (4) transversalidade na implementação de
políticas socioeconômicas complementares ao tema da aquisição de alimentos da
agricultura familiar para alimentação escolar tem se mostrado, ao mesmo tempo
fundamental, de construção extremamente complexa, visto as especializações e
especificidades nas ações dos diferentes atores e públicos envolvidos. Para o
envolvimento crescente da agricultura familiar junto ao PNAE, a transversalidade
das ações nos parece o maior desafio a ser enfrentado e construído.
3.2 PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS – PAA
O PAA foi criado como uma das ações estruturantes do programa Fome Zero,
tendo sido acompanhado ao longo de sua formulação e implementação pelo
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e por diferentes
organizações da sociedade civil. Sua operacionalização envolve diferentes
mecanismos de aquisição de produtos da agricultura familiar pelo governo federal,
sendo alguns deles executados pela Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB) e outros implementados pelo Ministério de Desenvolvimento Social e
66
Chamada publica é um tipo de edital que tem por finalidade assegurar o princípio da ampla
publicidade dos atos de administração e deve sempre visar o interesse público.
442
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
Combate à Fome (MDS) com os governos estaduais e municipais. Em termos de
seu formato institucional, o programa conta com o acompanhamento de um grupo
gestor de caráter interministerial coordenado pelo MDS.
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi instituído pelo artigo 19 da
Lei nº 10.696, de 2 de junho de 2003, atualizado pela Lei nº 12.512, de 14 de
outubro de 2011, com regulamentação via Decreto nº 7.776, de 04/07/2012. Dentre
seus objetivos destacam-se a geração de renda e sustentação de preços aos
agricultores familiares, o fortalecimento do associativismo e cooperativismo, e o
acesso a uma alimentação diversificada para uma população em situação de
insegurança alimentar e nutricional. O Programa valoriza a produção e a cultura
alimentar das populações, dinamizando a economia local, a melhoria da qualidade
dos produtos da agricultura familiar, o incentivo ao manejo agroecológico dos
sistemas produtivos e o resgate e preservação da biodiversidade.
Atualmente o PAA opera através de cinco modalidades:
a) Compra da Agricultura Familiar com Doação Simultânea – CPR Doação ou Doação Simultânea;
b) Compra Direta da Agricultura Familiar - CDAF;
c) Formação de Estoque pela Agricultura Familiar - CPR-Estoque;
d) Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite - PAA Leite, e
e) Compra Institucional.
3.2.1 Compra da Agricultura Familiar com Doação Simultânea – CPR-Doação
Nas operações através da CONAB, esta modalidade geralmente é
denominada “CPR-Doação”, e nas operações através de governos estaduais e
municipais é chamada “Doação Simultânea”. Nas duas formas, esta modalidade
visa atender as populações em situação de insegurança alimentar e nutricional,
por meio de doação de alimentos através de entidades socioassistenciais,
adquiridos diretamente de agricultoresfamiliares e/ou através de cooperativas e
associações, enquadradas no PRONAF.
443
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
3.2.2 Compra Direta da Agricultura Familiar – CDAF
Modalidade voltada à aquisição da produção da agricultura familiar quando
o preço dos produtos estiver abaixo do preço de referência67 ou em função da
necessidade de atender a demandas de alimentos de populações em situação de
insegurança alimentar.
3.2.3 Formação de Estoque pela Agricultura Familiar – CPR Estoque
Esta modalidade é operada pela CONAB, por meio de organizações da
agricultura familiar, disponibiliza recursos para que a organização adquira a
produção de agricultores familiares e forme estoque de produtos para posterior
comercialização.
3.2.4 Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite – PAA Leite
O PAA Leite foi criado para contribuir com o aumento do consumo de leite
pelas famílias que se encontram em situação de insegurança alimentar e nutricional,
e é operacionalizado apenas no nordeste e norte de Minas Gerais.
3.2.5 Compra Institucional
A Compra Institucional é a mais recente modalidade do PAA, criada através
do Decreto nº 7.775/2012 e regulamentada pela Resolução nº 50/2012 do GGPAA.
Sua finalidade é possibilitar aos órgãos públicos da União, governos estaduais,
municipais e do Distrito Federal a aquisição de alimentos da agricultura familiar para
atendimento às demandas regulares de consumo. O processo de aquisição
dispensa a licitação.
O órgão p úblico comprador, com base no seu recurso financeiro próprio,
publica uma Chamada Pública, através da qual manifesta a intenção de adquirir
determinados produtos da agricultura familiar.
67
O “preço de referência” é uma estimativa do Governo Federal como preço mínimo a ser pago aos
agricultores para os seus produtos, como parte do Programa de Garantia de Preços para a
Agricultura Familiar (PGPAF).
444
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
Gráfico 1 - Evolução dos recursos (R$) aplicados nos anos de 2003 a 2012
R$
700.000.000
600.000.000
500.000.000
400.000.000
300.000.000
200.000.000
100.000.000
2003
0
2004
2005
2006
2007
TOTAL 81.541.207 107.185.826 112.791.660
2008
200.667.394
2009
2010
228.652.963 272.490.388 363.381.941
2011
2012
379.735.466 451.036.204 586.567.131
Fonte: CONAB/GECAF (2012).
O gráfico acima demonstra o aumento de recursos para a execução do PAA
no Brasil, em grande parte devido à demanda latente de uma política pública de
comercialização e combate à fome.
O PAA está contribuindo para o aumento gradual dos recursos acessados
por família. Podemos destacar cinco pontos fundamentais que contribuem para este
incremento: a disseminação
do
programa em novos municípios, maiores
informações dos agricultores, o estabelecimento de uma relação de confiança junto
à Conab, o aumento gradual dos limites/DAP/ano, a elevação da capacidade
produtiva motivada pela garantia da aquisição e a agregação de valor à produção,
ou seja, a venda sem atravessadores.
3.3 POLÍTICA ESTADUAL DE COMPRAS DA AGRICULTURA FAMILIAR –
COMPRA COLETIVA RS
A Lei nº 13.922, de 17 de janeiro de 2012, estabelece a Política Estadual para
Compras Governamentais da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares
Rurais e da Economia Popular e Solidária. Esta lei estabelece os conceitos,
princípios e instrumentos destinados à instituição da política de compras
445
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
governamentais, e objetiva a utilização do poder de compras do estado como
elemento propulsor do desenvolvimento rural.
A Compra Coletiva poderá reservar um percentual de, no mínimo 30% nas
compras da Administração Direta e Indireta do estado para aquisição da agricultura
familiar. Produtos agroecológicos ou orgânicos, definidos pela Lei Federal nº 10.831,
de 23 de dezembro de 2003, poderão ter um acréscimo de 30% em relação aos
preços estabelecidos para produtos convencionais. A política estadual da Compra
Coletiva RS possui um Comitê Gestor composto por representantes de organizações
da sociedade civil e do poder público estadual. O limite anual de aquisição de
alimentos por agricultor familiar, por DAP – Declaração de Aptidão ao Pronaf –, é de
R$ 10.000 anuais.
Figura 1 - Articulação e fluxos possíveis entre os mercados dos produtos da
Agricultura Familiar.
Regionalização do Abastecimento
Centrais
• Agroindústrias
PAA
(diversas
modalidades)
PNAE
(municipal
e
estadual)
Mercado
Convencional
(rede de
supermercados, feiras)
Compra
Coletiva RS
(órgãos
estaduais)
• Associações
Regionais
Articulação
Comercialização
• Cooperativas
• Agricultores
informais
Logística
Fonte: Elaborado pelo autor.
4 A COOPERATIVA – CPC
A Cooperativa Mista de Produção e Comercialização Camponesa do Rio
Grande do Sul Ltda. (CPC) foi fundada em 07 de janeiro de 2005, em Santa Cruz do
Sul, com abrangência em todo território do Rio Grande do Sul, tem hoje sede no
446
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
município de Vera Cruz-RS e possui o escritório de negócios, a central de logística,
distribuição e armazenamento da produção dos agricultores no município de
Canoas. Os agricultores familiares estão organizados no entorno do MPA
(Movimento dos Pequenos Agricultores), uma base territorial representativa em 50
municípios do estado. A Cooperativa trabalha atualmente com os mercados
institucionais da região metropolitana de Porto Alegre, especificamente o PAA (CPRCompra com Doação Simultânea e Compra Institucional), o PNAE e a Compra
Coletiva RS (Secretaria de Segurança-RS, através da Superintendência de Serviços
Penitenciários (Susepe), e opera onde existe a maior concentração demográfica do
estado, onde estão os maiores mercados de alimentos e o maior número de
entidades socioassistenciais, alvo de políticas públicas de abastecimento e de
programas de combate à fome, com o maior número de famílias em situação de
insegurança alimentar e nutricional e um grande número de escolas da rede
estadual e municipal e orgãos públicos que demandam grandes volumes de gêneros
alimentícios. Essencialmente, os objetivos da cooperativa visam estimular a
cooperação entre os associados, suscitar os valores cooperativos entre os
associados, melhorar a articulação entre os agricultores e os mercados e preservar
a cultura camponesa. Segundo Ploeg (2008), a cooperativização reduz os custos de
transações associados aos atuais programas públicos rurais e agrícolas e, ao
mesmo tempo, aumenta seu âmbito, impacto e eficácia, as cooperativas podem ser
um complemento perfeito para as políticas públicas.
A cooperativa tem a sua base social composta de 2.865 agricultores
familiares que produzem e entregam para a cooperativa uma grande diversidade de
produtos. Os produtos são oriundos de várias regiões do estado: o arroz vem dos
agricultores familiares de Agudo, a farinha de trigo branca e integral, farinha de milho
e canjica são elaboradas através da prestação de serviços de um moinho em
Sanadúva, que elabora as farinhas com o trigo proveniente dos agricultores do
município de Ibiraiaras, sendo esses alimentos rotulados e identificados com a
marca e o símbolo da cooperativa. Utiliza-se a marca denominada “Do Campesinato”
nos produtos processados, como farinha de trigo e canjica de milho. A carne
vermelha provém do município de Encruzilhada do Sul, as FLV (folhosas, legumes e
verduras) são provenientes dos agricultores do cinturão agrícola da região da grande
Porto Alegre e de outros municípios próximos. As entregas são realizadas nas
escolas, nas segundas, terças e quintas-feiras, e para o PAA durante os dois últimos
447
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
dias úteis da semana, normalmente. Os pedidos semanais das escolas são feitos
por email para a secretária da central de logística da cooperativa, que prepara os
pedidos para as entregas na semana. A logística de distribuição dos produtos é
realizada pela cooperativa.
Figura 2 - Símbolo e marca utilizados nos produtos da CPC
Fonte: Cooperativa Mista de Produção e Comercialização Camponesa (2013).
5 A INSERÇÃO NOS MERCADOS INSTITUCIONAIS
Inicialmente, após a fundação da cooperativa, em 2006, a cooperativa
começa a acessar o mercado através do PAA, na modalidade Compra Direta da
agricultura familiar, beneficiando 640 agricultores familiares do Vale do Rio Pardo.
Ainda em 2006, inicia a comercialização na modalidade Compra Doação Simultânea
com projetos via Conab nos municípios de Ronda Alta, Sapucaia do Sul e Canoas e,
também, na modalidade Formação de Estoque, com a comercialização de feijão
preto de 400 agricultores de 9 municípios.
No período de 2007 a 2008, a cooperativa operou com 14 projetos de PAA
Doação Simultânea nos municípios de Ronda Alta, Tunas, Arroio do Tigre, Vera
Cruz, Camaquã, Encruzilhada do Sul, São Leopoldo, Sapiranga, Novo Hamburgo e
Porto Alegre.
Gradualmente, a cooperativa foi conquistando espaços, e com o objetivo de
diminuir custos e facilitar a logística de distribuição dos produtos, a cooperativa se
transfere para perto de onde estão as maiores demandas de alimentos e o maior
448
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
número de pessoas em insegurança alimentar, a região metropolitana de Porto
Alegre.
Instala-se em Canoas, no ano de 2008, em uma estrutura de ótima
localização, monta um escritório e utiliza o espaço para armazenamento da
produção, para uma câmara fria e uma sala de desossa. O local permite que as
entidades beneficiadas possam buscar os alimentos e a cooperativa realize a
logística de recebimento e entrega dos alimentos.
Segundo Wilkinson (2009), a identificação do potencial dos mercados locais
serve, ao mesmo tempo, para estimular as políticas públicas locais, mobilizando a
demanda, como acontece no PAA, e para criar condições para acessar novos
espaços para comercialização (alimentação escolar, presídios, forças armadas etc.).
Os procedimentos de acesso às políticas públicas de abastecimento e
comercialização, as compras governamentais de gêneros alimentícios, exigem a
elaboração de um projeto de venda que tenha como proponente uma organização
social capaz de executar, organizar a produção, pensar os fluxos e a logística dos
produtos
estimulando,
com
isso,
diversas
formas
de
cooperação,
consequentemente, levando a organização dos agricultores familiares para o
entorno da cooperativa. Essa relação do estado com as organizações locais traz
vantagens para ambos os lados, pois facilita o funcionamento e a reprodução dos
dispositivos coletivos. (SABOURIN, 2009). Percebe-se que esses novos canais de
comercialização
articulam-se
com
o
desenvolvimento
local,
resgatam
a
agrobiodiversidade, fortalecem as cadeias curtas de produção, dinamizam as
potencialidades locais e regionais e ampliam o grau de autonomia e empoderamento
dos agricultores. Neste contexto, Ploeg (2008, p. 42) ressalta:
É na produção agrícola e através dela que o progresso pode ser alcançado.
Melhorando lentamente a qualidade e a produtividade dos recursos
essenciais, terras, animais, culturas, instalações, infraestruturas de
irrigação, conhecimentos, etc., aprimorando meticulosamente o processo de
produção e reestruturando as relações com o mundo exterior, os
camponeses lutam e por fim alcançam os meios para aumentar sua
autonomia e melhorar a base de recursos de suas unidades agrícolas.
Neste sentido, de acordo com Wilkinson (2008), percebemos a dinâmica da
agricultura familiar como sistemas produtivos que combinam diversos tipos de
atividades agrícolas, em que podemos ter atividades tipicamente de autoconsumo
que são, ao mesmo tempo, objeto de troca entre vizinhos ou venda em feiras e, por
449
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
outro lado, outros produtos que podem ser incorporados em circuitos formais de
comercialização, combinando autoconsumo e mercantilismo.
A inserção dos agricultores nos mercados institucionais avançou no sentido
da transversalidade de ações e interação entre vários níveis de governo e
instituições. Do ponto de vista dos produtores familiares, permitiu a elevação da
renda dessas famílias e ganhos na organização técnica e gerencial nos aspectos da
produção familiar. Os agricultores, nas últimas décadas, foram induzidos à
especialização em uma única linha de produção, com a consequente perda da
diversidade de cultivos, enfraquecendo a estratégia de reprodução social. A
cooperativa, através dos canais de comercialização, trabalha com outra lógica,
estimula a diversificação e fomenta a exploração da vocação local e cultural das
pessoas e da região. Pelos relatos coletados foi possível identificar que muitos
agricultores possuem a renda focada nesses mercados institucionais, pois são
capazes de absorver a diversidade de produtos e de se ajustar, pelo menos em
certa medida, às variações sazonais.
A CPC, no ano de 2013, conseguiu fazer uma aproximação com órgãos
governamentais, primeiramente com a Superintendência de Serviços Penitenciários
(Susepe) e com o Grupo Hospitalar Conceição (GHC), formado pelos hospitais
Cristo Redentor, Conceição, Criança Conceição e Fêmina, ambos consomem
diariamente uma quantidade significativa de alimentos adquiridos de grandes
atacadistas. Realizou, também, a primeira Chamada Pública para aquisição de
gêneros alimentícios da agricultura familiar, em que a cooperativa apresentou
propostas e conseguiu colocar alguns produtos, rompendo com décadas de um
vazio de compras da agricultura familiar.
Neste contexto, Wilkinson (2008, p. 17) ressalta:
[...] o desafio que perpassa todos os novos mercados é a capacidade de
transformar processos e produtos locais que criam mercados como
extensões e desdobramentos de redes sociais em produtos e processos
com capacidade de viajar e manter as suas características específicas
mesmo frente a consumidores desconhecidos.
Em relação ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a
cooperativa tem uma grande inserção, conseguindo atender a demanda das escolas
estaduais e municipais dos municípios de Canoas, Esteio, Encruzilhada do Sul e
Nova Santa Rita. Existe uma relação estreita entre a cooperativa e os gestores, há
450
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
um diálogo entre “compradores” e “vendedores” para superar os obstáculos. O
compartilhamento de responsabilidades foi um dos caminhos para vencer as
dificuldades de logística e de compreensão da nova legislação. A cooperativa
conseguiu, através dos produtos fornecidos, manter um padrão de qualidade e
periodicidade que estabeleceu uma relação de confiança com os gestores da
Alimentação Escolar. Os agricultores da base, que fornecem a produção, sabem do
destino final dos produtos, a rede escolar, e, por isso, procuram obter uma produção
de qualidade.
A execução do PAA e do PNAE serviu de aprendizado para qualificar o
processo de compra e venda de gêneros alimentícios para o consumo nos órgãos
estaduais, entre gestores públicos e a cooperativa.
5 COMPONENTES DA CONDIÇÃO AGRICULTORES FAMILIARES
5.1 AUTONOMIA
Em face à nova realidade pela qual passa a agricultura familiar – a abertura
de possibilidades mercantis –, surge um aspecto de suma relevância, relacionado
com a lógica e o modo de fazer agricultura: a tomada de decisões dentro da unidade
agrícola. Os agricultores formulam e reformulam os processos de produção agrícola,
sendo estes processos dinâmicos que se desenvolvem ao longo do tempo. Deste
modo, os produtos para autoconsumo são fundamentais para as unidades familiares
porque propiciam alternatividade entre consumo e venda e permitem ao agricultor
um maior domínio e autonomia, frente à mercantilização do processo produtivo e do
próprio consumo de alimentos.
Wilkinson (2008) afirma que a agricultura familiar é reconhecida pela
polivalência das suas formas produtivas, por um lado uma agricultura para
abastecimento familiar, tipicamente de autoconsumo, e, de outro lado, uma
produção incorporada a circuitos formais de comercialização.
5.2 PADRÕES DE COOPERAÇÃO
A cooperação é um mecanismo chave para criar um ambiente de bem-estar,
de segurança e potencialização de melhores perspectivas para o futuro. Existe um
451
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
compromisso da cooperativa e do cooperado – neste caso, os agricultores
familiares, que têm a cooperativa como parte do seu negócio –, não existe mais a
figura do intermediário, há uma integração, os resultados voltam para os sócios, as
decisões são compartilhadas, democráticas.
A cooperativa CPC tem um fluxo de informações e uma forma de trabalho em
que o planejamento é realizado nos grupos, a produção é pensada, articulada no
sentido de respeitar e valorizar a vocação local, a cultura e os saberes dos
agricultores, e onde existe uma demanda em volume e em diversidade de produtos.
Nesse aspecto, a cooperação é, frequentemente, um mecanismo chave. Através da
cooperação é que os interesses e as aspirações individuais são defendidos. Diante
de um ambiente hostil, quase sempre é necessário criar formas de cooperação.
(PLOEG, 2008).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um cenário de especialização produtiva, marcada pela perda de
autonomia e pelas reduzidas alternativas de desenvolvimento rural, os agricultores
familiares da Cooperativa de Produção e Comercialização Camponesa contam com
políticas públicas que servem como instrumentos de enfrentamento perante essa
realidade. Observou-se, neste trabalho, que as políticas públicas de compras
institucionais têm desempenhado um papel importante do Estado na intervenção no
processo produtivo e comercial dos produtos da agricultura familiar. Podemos
comprovar, assim, a importância assumida pelos mercados institucionais, em
promover alterações na autoestima dos agricultores e suas famílias, os quais se
sentem estimulados a produzir, o que, por conseguinte, se expressa positivamente
também na mudança da matriz de consumo destas famílias e dos públicos
beneficiáros. Os valores cooperativos são reforçados pelo fato de a cooperativa
exercer um papel de articuladora entre a produção e o consumo, assumindo riscos e
trazendo vantagens competitivas e segurança para os associados.
Dessa forma, a aquisição dos produtos da agricultura familiar pelo mercado
institucional torna-se uma importante ferramenta para o dinamismo da economia
local, possibilitando uma melhora na qualidade de vida das famílias rurais.
A ampliação do mercado, para os agricultores familiares, representa uma
alternativa para viabilizar e proporcionar as condições para a reproução social da
452
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
agricultura familiar, promovendo ações estratégicas de desenvolvimento rural,
voltadas à valorização do conhecimento local e à produção de alimentos em
sistemas de produção sustentáveis, a partir de uma renda garantida através da
cooperativa, incentivando outros canais de comercialização, valorizando o modo de
vida dos agricultores e o fortalecimento do “savoir faire paysan”68.
REFERÊNCIAS
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sociais. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 35–
64, 2004.
ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo:
HucitecANPOCSUNICAMP, 1992.
BRASIL. Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003. Dispõe sobre a repactuação e o
alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
2003/L10.696.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
______. Lei nº 12.512, de 12 de outubro de 2011. Institui o Programa de Apoio à
Conservação Ambiental e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais;
altera as Leis nº 10.696, de 2 de julho de 2003, 10.836, de 9 de janeiro de 3004, e
de 11.326, de 24 de julho de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12512.htm>. Acesso em: 21 set. 2012
BRITTO JÚNIOR, A. F. B.; FERES JÚNIOR, N. A utilização da entrevista em
trabalhos científicos. Revista Evidência, [S. l], v. 7, n. 7, 2011. Disponível em:
<http://www.uniaraxa.edu.br/ojs/index.php/evidencia/article/view/200/186>. Acesso
em: 24 set. 2013.
DIEESE. Estatísticas do meio rural. São Paulo: Dieese, 2006.
GODOY, Arilda S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista
de Administração de Empresas, São Paulo, v. 35, n. 2, mar./abr. 1995, p. 57-63.
MALUF, R. S. Mercados agroalimentares e a agricultura familiar no Brasil:
agregação de valor, cadeias integradas e circuitos regionais. Ensaios FEE, Porto
Alegre, v. 25, n. 1, p. 299-322, abr. 2004
PLOEG, J.D. Camponeses e impérios alimentares. Porto Alegre: UFRGS, 2008.
RIBEIRO, E. A. A perspectiva da entrevista na investigação qualitativa. Evidência:
olhares e pesquisa em saberes educacionais, Araxá, n. 04, p. 129-148, maio
2008.
68
PLOEG (2008, p. 137), termo “saber fazer camponês”, relacionado com o conhecimento dos
agricultores.
453
Capítulo XXI - A Cooperativa de Produção Camponesa e o Mercado Institucional: uma ferramenta
para o desenvolvimento econômico-social dos agricultores familiares
RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas,
1999.
SABOURIN, E. Camponeses do Brasil: entre a troca mercantil e a reciprocidade.
Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
SILVA, J. G. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: Unicamp,
1998.
WAQUIL, P. D; MIELE, M.; SCHULTZ, G. Mercados e comercialização de
produtos agrícolas. Porto Alegre: UFRGS, 2010.
WILKINSON, J. Mercados, redes e valores. Porto Alegre: UFRGS, 2008.
ANEXO A - DADOS DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR EM 2011 PARA OS
MUNICÍPIOS DE CANOAS, ESTEIO E NOVA SANTA RITA:
Creches e escolas infantis
32
Escolas de ensino médio
36
Produtos entregues em 2011
148.898 kg
Alimentos entregues para as escolas: Frutas, legumes e verduras, carnes,
panificados, farinhas de milho e trigo, canjica, geleia de frutas, feijão, macarrão e
arroz.
PAA – PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS 2012 – MODALIDADE
DOAÇÃO SIMULTÂNEA – CONAB
N° de projetos
12
Entidades beneficiadas
58
Famílias beneficiadas
Creches/
crianças
instituições
5.154
de
amparo
Lares de idosos
a
19
7
Crianças e adolescentes beneficiados
Pessoas atendidas em todos os projetos
Agricultores organizados
2.830
26.271
5.765
Produtos mensais entregues 2011
1.310.877
kg
Produtos mensais entregues 2012
1.324.995
kg
Produtos entregues em 2011/2012
2.635.872
kg
454
ANEXO B - PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS – PAA
Modalidade
Modalidades de operacionalização com base na Lei 12.512/11 e Decreto nº 7.775 de 04 de julho de 2012
Limite de venda por
Limite de venda por agricultor
Objetivo/Função
organização - DAP
familiar - DAP Física/ano
Jurídica/ano
Orgão operador
Fonte do
recurso
Compra com
Doação Simultânea
Atendimento direto às demandas de alimentação dos
programas sociais e o desenvolvimento da economia
local. Os produtos abastecem os equipamentos
públicos de alimentação e nutrição, e as ações
empreendidas por entidades da rede socioassistencial
local.
Até RS 5.500,00¹ e na venda via
cooperativa R$ 6.500,00**. Para
projetos com mais de 50% de
cooperados de baixa renda, produtos
orgânicos ou da sociobiodiversidade,
o limite é de R$ 8.000,00.
Até o limite por agricultor
familiar associado
fornecedor
CONAB,
Governos
Estaduais,
Distrito federal e
Prefeituras
MDS
Compra Direta
Permitir a aquisição de alimentos para distribuição ou
para formação de estoques públicos.
Até R$ 8.000,00¹
Até o limite por agricultor
familiar associado
fornecedor
CONAB
MDS
Incentivo à
Produção e ao
Consumo de Leite PAA Leite
Contribuir com o aumento do consumo de leite pelas
famílias que se enconttram em situação de
insegurança alimentar e também incentivar a produção
de agricultores familiares.
Até R$ 4.000,00¹ por semestre
Até o limite por agricultor
familiar associado
fornecedor
CONAB,
Governos
Estaduais e
Prefeituras
MDS
Apoio à Formação
de Estoques
Propiciar as organizações econômicas da agricultura
familiar, instrumentos de apoio à comercialização de
seus produtos, sustentação de preços e agregação de
valor. A liquidação pode ser financeira ou em produto.
Serve como capital de giro às organizações
econômicas.
Até R$ 8.000,00²
(encargos de 3% ao ano)
Até R$ 1.500.000,00,
respeitado o limite por
agricultor familiar
associado fornecedor
CONAB
MDS e MDA
Compra Institucional
Atendimento de demandas regulares de consumo de
gêneros alimentícios por parte da união, Estados,
Distrito Federal e Municípios.
Até R$ 8.000,00³
Até o limite por agricultor
familiar associado
fornecedor
Compra Coletiva/RS
Atendimento de demandas regulares de alimentos nos
órgãos públicos estaduais
Até R$ 10.000,00³
Até o limite por agricultor
familiar associado
fornecedor
¹ O beneficiário fornecedor poderá participar destas modalidades, desde que o valor não ultrapasse R$
8.000,00 por ano.
² Não cumulativa às demais modalidades quando envolve liquidação financeira. A operação é destinada somente à organizações econômicas da agricultura familiar.
³ Não cumulativo com as demais modalidades
Orgãos públicos
da União,
Distrito Federal,
Estados e
Municípios
CELIC e Órgãos
Públicos
Estaduais
Orçamento
próprio de
cada órgão
Orçamento
próprio de
cada órgão
Capítulo XXII - Certificação de Produtos Orgânicos por SPG - Sistema Participativo de Garantia,
Envolvendo Pequenas Cooperativas do Ramo Agropecuário, na Região dos Coredes
do Médio Alto Uruguai e Rio da Várzea/RS
Certificação de Produtos Orgânicos por SPG - Sistema Participativo de
Garantia, Envolvendo Pequenas Cooperativas do Ramo Agropecuário, na
Região dos Coredes do Médio Alto Uruguai e Rio da Várzea/RS
OLCZEVSKI, Carlos Roberto69
COTRIN, Décio70
RESUMO
Este artigo trata das possibilidades existentes da participação de seis cooperativas
do ramo agropecuário da região de Frederico Westphalen-RS, na criação de uma
organização coletiva de certificação de produtos orgânicos, através de um Sistema
Participativo de Garantia (SPG), uma das três modalidades de certificação de
orgânicos no Brasil. Este sistema entrou em vigor através da regulamentação da Lei
de Certificação de Produtos Orgânicos (Lei 10.831 de 23/12/2003).Para identificar o
interesse destas cooperativas em participar desta organização social participativa de
certificação foram aplicados questionários diretamente aos dirigentes destas
cooperativas, momento em que se identificou, por parte da maioria dos
entrevistados, o interesse em participar deste modelo de certificação de produtos
orgânicos, as dificuldades enfrentadas pelas cooperativas para desenvolver a
produção orgânica e as possíveis ações que poderiam ser realizadas para agilizar a
certificação de produtos orgânicos nesta região. Para que se desenvolva esta
tecnologia e modelo de produção agrícola, os entrevistados sugerem, entre outras
ações, incentivos do Estado, considerando que os fornecedores de insumos
químicos e genéticos privados não têm este interesse.
Palavras-chave: Certificação de produtos orgânicos. Sistema Participativo de
Garantia. Cooperativas agropecuárias.
ABSTRACT
This article deals with the existing possibilities of involvement of six cooperatives of
the agricultural branch of the region of Frederico Westphalen-RS in the creation of a
collective organization to certification of organic products, through a system called
Sistema Participativo de Garantia (SPG), Participatory Guarantee System (PGS),
one of the three forms to certification of organics in Brazil. This system entered into
force through the regulation of the law of certification of organic products (Law
69
70
Mestrando na área de Integração Regional e Desenvolvimento Local Sustentável, na Universidade
Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul - UNIJUI. Pós-graduado em Marketing pela
Universidade Regional Integrada das Missões e Alto Uruguai - URI. Pós-graduado em
Planejamento e Gestão pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões Campus de Erechim. Graduado em agronomia pela Universidade Federal de Pelotas – UFPel.
Engenheiro agrônomo na ASCAR/EMATER – ESREG em Frederico Westphalen. E-mail:
[email protected].
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR-UFRGS, Gerente de Recursos
Humanos da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: [email protected]
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Capítulo XXII - Certificação de Produtos Orgânicos por SPG - Sistema Participativo de Garantia,
Envolvendo Pequenas Cooperativas do Ramo Agropecuário, na Região dos Coredes
do Médio Alto Uruguai e Rio da Várzea/RS
10.831 of 23/12/2013). In order to identify the interest of these cooperatives in
participating in these participatory organization of certification it were administered
questionnaires directly to the leaders of these cooperatives, moment in which were
identified, through the majority of the respondents, the interest in participating in this
model to certification of organics products, and the difficulties faced by the
cooperatives for developing the organic production in this region. To the development
of this technology and model of agricultural production, the respondents suggest,
among other actions, state incentives, considering that the private suppliers of
chemical and genetic inputs, do not have this interest.
Key-words: Certification of Organic Products; Participatory Guarantee System;
Agricultural Cooperatives.
1 INTRODUÇÃO
A agricultura moderna, iniciada na década de 50, vem introduzindo
tecnologias industriais na agricultura ininterruptamente, desde o seu início. O
aumento da produção e da produtividade de alimentos é uma realidade, que, no
entanto, também promove efeitos negativos, pois compromete os ecossistemas
naturais, contamina as águas, elimina a biodiversidade e produz alimentos com
resíduos químicos, os quais são consumidos pela população, comprometendo a
segurança alimentar.
A importância e as justificativas para a produção orgânica de alimento são
várias, principalmente quanto aos aspectos de utilização intensa de agrotóxicos nos
sistemas agrícolas brasileiros. Nos últimos a
Download

E-book v.2 - Gestão de Cooperativas