GESTÃO DO TERRITÓRIO E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: A LUTA DA
COMUNIDADE CAMBOA DOS FRADES
Fernanda Cunha de Carvalho ([email protected] – PosGeo/UnB; GEDMMA/UFMA)
Ana Lourdes Ribeiro ([email protected] – GEDMMA/UFMA)
1INTRODUÇÃO
A gestão do território mesmo considerada como relação de poder de qualquer ator social
acaba tendo sua maior correspondência no exercício da classe hegemônica agregando um conjunto
de ações voltadas ao controle e organização do espaço, contribuindo para a difusão da diferenciação
de áreas e de classes, podendo ocasionar problemas sociais.
Considerando que a temática ambiental tem ganhado cada vez mais força nos debates em
âmbito global e, mesmo que certos termos tenham sido consagrados como possibilidades em se
aliar o desenvolvimento econômico e a preservação da natureza, os conflitos sociais e ambientais
tem se apresentado com maior frequência no mundo contemporâneo.
O surgimento de conflitos não é um fato novo, nem estudado particularmente por um
determinado campo do conhecimento e geralmente mudam de conotação dependendo do contexto
histórico que se analisa. No entanto, a palavra conflito tem sido usualmente usada para se referir a
algo negativo, a um tipo de choque ou embate que ocorre entre dois ou mais agentes, que
apresentam racionalidades e interesses divergentes.
Nesse sentido, este estudo objetiva compreender como a gestão do território tem sido fator
causal no surgimento e/ou agravamento dos conflitos socioambientais, tratando especificamente do
caso da implantação da Termelétrica Porto do Itaqui localizada em São Luís (MA) e da comunidade
Camboa dos Frades, diretamente atingida pela implementação projeto.
Metodologicamente as análises partiram de observações diretas durante todo o transcorrer
do processo, considerando a participação nas audiências públicas e tendo ainda o auxílio de
entrevistas com alguns moradores da comunidade. As entrevistas têm a finalidade de, através da
história oral, ajudar na compreensão dos reflexos que a comunidade sente a partir da implementação
da usina termelétrica.
Nesse sentido o trabalho está dividido em aspectos conceituais sobre gestão do território e
conflitos socioambientais na tentativa de demonstrar seu inter-relacionamento, para posteriormente
tratar empiricamente o caso do conflito sobre a implantação da Usina Termelétrica Porto do Itaqui,
apresentado assim seus principais elementos.
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2
GESTÃO
DO
TERRITÓRIO
E
CONFLITOS
SOCIOAMBIENTAIS:
ESTABELECIMENTO DE UMA RELAÇÃO DIRETA
Para que seja iniciada uma discussão sobre gestão do território é importante que se esclareça
a sua definição, que nesta pesquisa está pautada nos estudos efetuados por Roberto Lobato Corrêa.
Para ele, gestão do território é “o conjunto de ações que têm como objetivo, no plano imediato, a
criação e o controle do espaço” (CORRÊA, 1996, p. 23). A gestão do território é um meio para
tornar viável a existência e a reprodução do conjunto da sociedade, fator que se dá através da
organização do espaço.
Os geógrafos dão grande ênfase à gestão do território nas áreas urbanas, sobretudo nos
centros, considerando a atuação das grandes corporações com suas múltiplas localizações e
atividades associadas. Entretanto, é importante destacar que há práticas espaciais diversas que
exercem influência na configuração territorial para além dos chamados centros de gestão do
território.
Considerando a gestão do território como prática do poder, ela teria por finalidade, nas
sociedades de classes, manter e ampliar as diferenças (diferenciação de natureza social e espacial).
No capitalismo, essa gestão do território visa garantir a diferenciação de áreas (condições de
produção e reprodução no espaço) e assegurar uma reprodução dos diferentes grupos sociais
(CORRÊA, 1996).
Spósito (1998) relaciona assim a gestão do território às empresas industriais que definem
suas estratégias de localização considerando as áreas de maior densidade “técnico-científicoinformacional”, bem como a priorização sobre a disposição de áreas com potencialidade de mão-deobra qualificada e estabelecimento de redes de cooperação e sinergia, e, ainda, a consideração sobre
a proximidade e localização estratégica de grande s mercados consumidores. Mas como a gestão do
território não se faz específica a empresas, também se destacam os interesses e combinações de
novos valores fundiários e as condições criadas pelo poder público para que os interesses privados
possam se efetivar.
A autora ainda aborda outros aspectos, como: a não justaposição entre a escala de decisões e
aquela das implantações e ações; o fato das decisões sobre políticas de localização territorial, que
interferem em dinâmicas de estruturação urbana de cidades, serem tomadas à distância destas; a
contribuição do poder público para a territorialidade que se impõe; a pouca consideração sobre a
escala da cidade onde se encontram o controle sobre a ocupação e o uso do território, por parte das
decisões dos poderes público e privado; e , as repercussões que as localizações estratégicas dos
equipamentos comerciais e de serviços trazem para as atividades econômicas desses centros
urbanos.
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Com alguns estudos sobre a gestão territorial de empresas, tais como a Sousa Cruz, Corrêa
(1992) demonstra algumas práticas espaciais que caracterizam a gestão do território, que seriam:
seletividade espacial, fragmentação/remembramento espacial, antecipação espacial, marginalização
espacial e reprodução da região produtora. Tais aspectos evidenciam a dimensão espacial do
processo, bem como a necessidade de conhecimento sobre os agentes sociais e as práticas espaciais
(historicidade) que devem compor a análise da gestão do território.
A gestão do território é, portanto, parte do processo de planejamento que se evidencia como
o exercício do poder no espaço. Então, considerando que ela acaba por refletir as condicionantes do
sistema hegemônico e que há práticas socioespaciais ligadas a uma abordagem de planejamento
local, há uma evidente existência de conflitos envolvendo uma variedade de atores sociais e seus
interesses.
Em uma abordagem da sociedade contemporânea, devido a cada vez maior expansão da
temática ambiental, vem crescendo os estudos dos conflitos socioambientais, com explicações
versando sobre conceitos; características socioeconômicas; problemas ambientais; desigualdades
regionais; atores envolvidos nos processos, revelando-se como um campo de abordagem amplo e
complexo, o que o atribui a capacidade de proporcionar a apreensão da totalidade de um fato,
acontecer ou fenômeno, desde que abordado de forma conjunta, ou seja, sem uma fragmentação e
confusão conceitual e/ou de abordagem.
Em uma visão mais marxista pode-se falar que é necessário que se busque a fonte dos
conflitos nas relações socioeconômicas, diretamente ligado ao sistema capitalista. Entretanto através
da visão funcionalista, os conflitos estão associados à natureza humana, a resolução dos mesmos
então estaria nas mudanças das relações humanas. Para o sociólogo Simmel (1969) os conflitos são
formas de interação social capazes de modificar grupos de interesse, unidades e organizações.
Nesse sentido é interessante lembrar que o surgimento de conflitos não é uma novidade da
contemporaneidade, bem como não é estudado somente por um determinado campo do
conhecimento e apresentam variações analíticas dependendo do contexto histórico. Usualmente usase a palavra conflito para se referir a algo negativo, a um tipo de choque ou embate que ocorre entre
dois ou mais agentes, que apresentam racionalidades e interesses divergentes.
Em sistemas de governança, onde é necessário decidir como os recursos serão alocados,
alguns conflitos relacionados às políticas, regras e administração, são bastante susceptíveis de
ocorrerem. Sistemas que ignoram essa possibilidade de conflito aumentam a possibilidade de
ocorrência e isto pode eventualmente resultar em problemas maiores.
“O estabelecimento de sistemas hierárquicos rígidos pode aumentar a velocidade das
decisões, mas, ao mesmo tempo, pode ignorar os interesses de alguns dos participantes do processo
e colocar em risco o próprio sistema” (NASCIMENTO; BURSZTYN, 2010, p.67). Na sociedade
868
moderna, os conflitos são tendencialmente internos, assim a própria sociedade cria e recria espaços
institucionalizados de decisão e resolução de conflitos.
Um destaque importante deve ser dado a não confusão sobre o conflito, isto significa afirmar
que a noção de conflito não pode ser confundida com um simples problema. De forma bem
simplificada a diferença básica entre conflitos sociais e socioambientais (ou ambientais) estaria no
fato do meio natural se portar ou não como parte integrante das disputas.
Os conflitos sociais não veem no ambiente natural a causa dos seus confrontos, sua base está
pautada no questionamento dos problemas sociais. Um exemplo poderia ser dado pela problemática
da distribuição irregular de terras, em que a possível resolução estaria na regularização fundiária,
assumindo o caráter social da questão.
Já os conflitos socioambientais são originados quando grupos sociais apontam os fatores
ambientais como objeto e que expressam as relações de tensão entre interesses coletivos versus
interesses privados. Um exemplo estaria no problema do deslocamento de uma população com base
extrativista, apontando uma solução na implantação de uma Reserva Extrativista, demonstrando o
caráter ambiental no contexto da luta.
Para Paul Little os conflitos socioambientais acontecem “quando o cerne do conflito gira em
torno das interações ecológicas. Essa definição remete à presença de múltiplos grupos sociais em
interação entre si e em interação com seu meio biofísico” (LITTLE, 2004, p. 1). É importante
destacar que o conceito socioambiental engloba três dimensões básicas: “o mundo biofísico e seus
múltiplos ciclos naturais, o mundo humano e suas estruturas sociais, e o relacionamento dinâmico e
interdependente entre esses dois mundos” (LITTLE, 2001, p. 107).
Segundo Zhouri e Laschefski (2010), há três modalidades de conflitos socioambientais: (a)
os distributivos, derivados das desigualdades sociais no acesso e na utilização dos recursos naturais;
(b) os espaciais, engendrados pelos efeitos ou impactos ambientais que ultrapassam os limites entre
os territórios de diversos agentes ou grupos sociais; (c) e os territoriais, relacionados à apropriação
capitalista da base territorial de grupos sociais.
Tais modalidades não se excluem e podem até não servir como o “modelo ideal” nas
análises sobre os conflitos, entretanto ajudam a compreender as suas derivações. Alguns podem se
enquadrar em apenas uma modalidade, entretanto é bem comum a ocorrência do conflito que
conjugue todas as modalidades, sobretudo quando o conflito ocorre entre atores que representam
territorialidades modernas versus territorialidades tradicionais.
Os conflitos socioambientais estão cada vez mais presentes em lugares em que a
desigualdade se faz como consequência dos processos de dinâmicas sociais e econômicas atuantes
sobre os territórios e seus recursos naturais, bem como por uma ausência de políticas estatais
efetivas. As diferentes práticas e racionalidades apresentadas na apropriação e uso da natureza
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gerando sua transformação são geradoras dos conflitos, por defesa de seus territórios, de suas
identidades, de seus recursos.
O atual contexto leva a entender a existência dos conflitos socioambientais por uma visão de
desenvolvimento economicista, em que os critérios deste estão atrelados ao produtivismo e ao
consumismo. Nesse sentido há intensas apropriações de recursos naturais, bem como de espaços
públicos que acabam por serem apropriados para fins específicos produzindo a reação de grupos
sociais que se sentem atingidos (territorialmente, ambientalmente, culturalmente, socialmente).
Então, os conflitos podem estar associados a diversas atividades e setores, envolvendo
variados atores sociais, com distintas cotas de poder e diferenciados interesses e racionalidades, e,
também podem ser encontrados em diversas ordens de escala. Tais fatos levam a uma necessária e
inevitável análise sobre seu contexto histórico para que se tenha uma real compreensão sobre os
mesmos.
A economia determina o processo de produção do território, o jogo político o regula. Então
as constantes mudanças na estrutura econômica mundial, distribuem e/ou redistribuem
espacialmente as atividades, gerando, nesse contexto, a resistência de populações à manipulação
dos seus territórios, agregando movimentos sociais organizados em base territorial contra a falta ou
pouca capacidade do Estado em atender seus interesses. Nessa linha de argumentação é que se
percebe o caso da implantação da Usina Termelétrica do Itaqui e suas consequências diretas sobre a
comunidade Camboa dos Frades.
3 CAMBOA DOS FRADES: A LUTA PELA MANUTENÇÃO DO MODO DE VIDA
3.1 O empreendimento
A implantação da Usina Termelétrica Porto do Itaqui, que teve suas obras iniciadas no ano
de 2010, foi grande beneficiária da alteração da lei de zoneamento, uso e ocupação do solo, que
converteu parte da zona rural de São Luís para zona industrial. É importante destacar que apesar da
empresa ser privada, o projeto assume um caráter público, sobretudo por estar enquadrado no
Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal. Para sua implantação, a empresa tem
recebido incentivos e isenções fiscais do governo, bem como financiamentos do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento) e do BNB (Banco do Nordeste do Brasil).
O empreendimento contará com investimentos de R$ 1,6 bilhões e capacidade inicial de 360
MW em sua primeira fase, tendo uma segunda fase que duplicará tal capacidade, embora sua vida
útil esteja contabilizada em aproximadamente 25 ou 30 anos. É um projeto privado, pertencente à
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empresa MPX, a mesma empresa que possui a área responsável pela comercialização do carvão na
Colômbia, carvão este que alimentará o projeto.
O empreendimento está localizado às margens da BR-135, no local onde era situada a
comunidade da zona rural, Vila Madureira, ou seja, no perímetro em frente à comunidade Camboa
dos Frades (Figura 02). Tal localização deu-se devido à proximidade ao Porto do Itaqui, por uma
análise da relação custo-benefício de trocas comerciais.
Figura 02: Localização da tremoelátrica Porto do Itaqui
Fonte: DIFERENCIAL ENERGIA EMPRENDIMENTOS E PARTICIPAÇÃO LTDA, 2008.
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3.2 A Comunidade
A comunidade de Camboa dos Frades localiza-se à região noroeste da Ilha do Maranhão
com as respectivas coordenadas: 57,15’,75” S e 97,39’,22,2” W, está voltada para a baía de São
Marcos, no Golfão Maranhense (PEREIRA, 2008) e está inserida na zona de retroporto do Porto do
Itaqui (Figura 01).
Figura 01: Localização do povoado Camboa dos Frades.
Fonte: PEREIRA, 2008.
Registros indicam que Camboa dos Frades existe desde 1698 e é fruto de doação do então
rei de Portugal aos Frades Capuchinhos, conforme consta em documento do arquivo público do
estado, presente no livro de registros da Freguesia de São Joaquim do Bacanga (1855 a 1857, sob o
número 62 e folha 59). Esta documentação compõe a Carta de Sesmaria do Arquivo Histórico
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Ultramariano. Mais tarde as terras foram repassadas pelos religiosos portugueses aos moradores
locais que nelas residem até hoje.
Tal fato recebeu confirmações recentes de um arqueólogo do IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que ao visitar a área afirmou a importante existência de
registros desta época da história do Brasil.
Entretanto devido suas características naturais, a localidade passa a ser atrativo para algumas
pessoas que necessitam da natureza para garantir sua sobrevivência. O que faz Pereira (2008)
afirmar:
No início do séc. XX, mais precisamente no ano de 1920, o povoado de Camboa dos Frades
começou a ser habitado por famílias de pescadores oriundos do interior do estado, atraídos
devido a sua localização e a rica biodiversidade do ambiente estuarino preservado, propício
à pesca, a criação de animais e extração vegetal.
Conforme nos conta o Seu Leandro Euzébio, hoje com mais de 90 anos, chegou ao povoado
aos oito anos de idade. Dona Ana Célia Serra Soares que tem hoje 60 anos, diz ter chegado com dez
anos de idade. Estes relatos nos fazem acreditar que a comunidade realmente existe há mais de 50
anos e que foi sendo ocupada por pessoas oriundas do interior do estado que vinham em busca de
maiores oportunidades e qualidade de vida.
Atualmente cerca de 30 famílias moram na área e apresentam uma situação diferente.
Devido à implantação de indústrias ao entorno que lançam seus dejetos, poluindo os igarapés que
mantém a alimentação da comunidade, a situação de manutenção através do ambiente natural tem
ficado cada vez mais difícil. Tal fator é relatado pela fala de um morador: “A gente vê o material
deles descendo do Igarapé” (JORNAL DO SINTRAJUF, maio de 2009).
Além do pescado, que segundo os moradores antes era em quantidade maior, vivem ainda
do aproveitamento da palmeira do babaçu. As mulheres, no período das férias escolares das
crianças, mandam as mesmas para casa de familiares nos bairros do entorno (Anjo da Guarda, Vila
Embratel), onde os mesmos têm parentes, para dedicarem-se a quebra do coco babaçu, para
extraírem o óleo e vender na feira do Anjo da Guarda. Os homens pescam, catam caranguejo e
vendem o excedente, assim, como vivem de pequenos serviços de capina e venda da palha do coco
babaçu.
A maioria dos moradores da comunidade é analfabeta e não conseguiria, segundo eles, viver
fora da região, já que é dela que tiram o alimento do dia-a-dia, apesar de atualmente estar bastante
escasso, já que, além das empresas que poluentes, ainda há a vinda de pescadores de municípios
próximos, como São José de Ribamar e Icatu. Estes pescam por vezes de forma predatória e acabam
proibindo a pesca por outras pessoas.
873
3.3 O processo de resistência
Vila Madureira e Camboa dos Frades possuíam, inicialmente, uma única Associação de
Moradores, representada pelo Sr. Zacarias Passos, presidente da então Associação dos Moradores
da Vila Madureira, que teve o papel preponderante de mediador entre os povoados e a MPX
(empresa do Grupo EBX). Entretanto, para a implantação da empresa, as duas comunidades não
obtiveram a mesma atenção.
O interesse era deslocar a Vila Madureira, por estar localizada na área de instalação do
projeto e de manter a permanência dos habitantes de Camboa dos Frades, já que, apesar de estar
localizada atrás do projeto e ser diretamente atingida, ela não faz parte do perímetro de
sobreposição das instalações. Tais fatores levaram a uma quebra da Associação de Moradores,
fazendo com que dona Maria Ramos rompesse com o presidente da Associação da Vila Madureira e
tomasse frente da Associação de Camboa dos Frades, como presidente eleita.
O início das obras de terraplanagem, com a Vila Madureira já remanejada, demonstrou que a
comunidade Camboa dos Frades estava tendo seu único acesso à terra firme destruído e que ela
ficaria sem possibilidades de se deslocar, o que a isolaria entre o empreendimento e a Baía de São
Marcos, configurando este fator como uma forte característica que fez com que as reclamações
sobre a instalação do projeto se tornassem um processo de resistência, considerando o medo dos
habitantes do povoado em ter que sair de suas terras à força e sem nenhuma indenização.
Mas as posições da população não se fazem unanimes, assumindo a configuração de dois
grupos distintos: a) os que querem sair da área devidamente indenizados; e, b) os que não querem
sair, representando o surgimento dos conflitos socioambientais, por desejarem a manutenção do seu
modo de vida que é estabelecido através da ligação direta com o ambiente e utilização de seus
recursos.
A população que resiste passa a protestar buscando apoio na mídia, nos grupos de cunho
socioambientalista (Fórum Carajás), na academia e no Ministério Público. Depois de muitas
reivindicações, a empresa foi obrigada a assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e,
consequentemente, construir uma nova estrada para a comunidade.
Considerando que ela ainda permanece no local, mas com receio permanente de ser retirada
a qualquer momento, a mesma ainda tem lutado a partir de demandas levadas ao poder público,
levantando como pontos de discussão o fato de ser uma comunidade antiga, possuidora de um modo
de vida especificamente ligado ao ambiente natural, bem como por possuir registros importantes à
história do Maranhão e do Brasil.
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3.4 O conflito
Para compreender o conflito em um contexto totalizante, ele será descrito apresentando sua
natureza, indicando o objeto de disputa, apontando o campo do conflito, seus atores e demonstrando
sua dinâmica. Tal como segue o quadro com uma síntese analítica que será posteriormente
destrinchada.
ELEMENTOS DO CONFLITO DE CAMBOA DOS FRADES
Socioambiental: relacionamento entre o mundo biofísico e o mundo
Natureza
humano, tentativa da manutenção de uma relação equilibrada.
Posse territorial: território de comunidade X território de indústria.
Objeto de disputa
Antiga Zona Rural de São Luís convertida para Zona Industrial, área
Campo do conflito
habitada pela comunidade Camboa dos Frades.
População da comunidade Camboa dos Frades, Empresa MPX, Estado,
Atores
IBAMA, Ministério Público, Movimentos Sociais, Universidades
Estadual e Federal.
A instalação da Usina Termelétrica Porto do Itaqui, da empresa MPX,
Dinâmica do conflito
levou a comunidade Camboa dos Frades a ficar isolada atrás da
construção do projeto, configurando um conflito socioambiental por parte
da população que deseja continuar habitando o local.
A natureza do conflito é apresentada como socioambiental considerando que o centro das
disputas gira em torno de questões ecológicas, ou seja, a comunidade Camboa dos Frades,
caracterizada por obter base agroextrativista, tem uma relação de equilíbrio com o ambiente.
Logicamente há os que podem até considerar que tal relação se dá devido os recursos naturais
servirem para sua subsistência e comercialização, mas o fator principal da abordagem consiste no
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fato de que a população consegue aliar seu modo de vida à preservação do ambiente natural. Assim,
a implantação da termelétrica altera seu habitus e consequentemente impactará o meio.
É exatamente nesse contexto que se apresenta como objeto em estudo o território. O fato da
comunidade não obter título das terras que habitam e de estar situada em uma área considerada
anteriormente como rural e que passou rapidamente a ser uma zona industrial, por modificações
legislativas, torna aquele espaço como objeto de disputa entre a população atualmente habitante
(que demonstra através de registros sua moradia ancestral) e empresas que ambicionam instalar-se
na área dada, sobretudo, a proximidade com o Porto do Itaqui.
Então o campo de atuação do projeto não está restrito somente à comunidade Camboa dos
Frades, embora o campo de conflito sim. O território antes conhecido como Vila Madureira não
pode ser configurado como área em disputa por já ter sido apropriado pelo projeto (atualmente ele
abriga as instalações físicas do empreendimento) e por não ter apresentado processo de resistência
quando se falou sobre seu remanejamento. A comunidade de Camboa dos Frades não foi deslocada,
mas se vê isolada atrás da usina, correndo risco de ter que sair de sua moradia sem até mesmo ser
indenizada.
Além dos atores já citados, comunidade de Camboa dos Frades e empresa MPX, que estão
no cerne do conflito, podem-se identificar outros que também estão envolvidos no processo. O
Estado (poder público) é um forte ator, no âmbito municipal, ele possibilitou a conversão de zona
rural para zona industrial; no âmbito estadual forneceu incentivos para a implantação do projeto; e,
no âmbito federal dota a empresa de recursos através do Programa de Aceleração do Crescimento
do governo.
O IBAMA, enquanto órgão competente para realizar o licenciamento ambiental do projeto,
permitiu a implantação do empreendimento, autorizando o início das obras de terraplanagem.
Entretanto, para tal impôs 102 condicionantes que devem ser cumpridas para que seu
funcionamento seja liberado. Só resta saber se depois da instalação física concluída, o órgão
realmente exigirá o cumprimento de tais pontos.
O Ministério Público também tem tido importante atuação. Foi através dele que a empresa
MPX teve que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por romper a passagem que a
população de Camboa dos Frades tinha até a BR-135 assim se responsabilizando por construir uma
nova via para a comunidade.
Houve participação de movimentos sociais. O Reage São Luís é um deles e pode ser
classificado como:
Um projeto sociopolítico antagônico às elites políticas dirigentes no Maranhão. O
movimento argumenta que o estado necessita de um novo modelo de desenvolvimento
876
mediante o esgotamento da concepção pautada exclusivamente na siderurgia (LIMA, 2009,
p. 226).
O Reage São Luís ganha destaque ao atuar junto às comunidades contestatórias no
momento das audiências públicas voltadas à viabilização de instalação do projeto. Para tal passou a
orientar a comunidade sobre uma diversidade de aspectos formais do processo de implantação de
indústrias, sobretudo através do fornecimento e esclarecimento de informações técnicas.
Outro movimento que atuou no processo, através do acompanhamento dos fatos e no
fortalecimento da resistência ao não deslocamento compulsório da comunidade, foi o Fórum
Carajás. Este se auto-reconhece como uma teia de entidades do Maranhão, Pará e Tocantins que
acompanha as políticas de projetos para a Região do Carajás, promovendo atividades de
sensibilização da opinião pública, formação de lideranças, realizando estudos no sentido do
fortalecimento do movimento popular para uma intervenção mais qualificada nas políticas públicas
e consequentemente maior democratização na distribuição dos recursos.
A Universidades Estadual e Federal na figura de alguns de seus funcionários e estudantes
podem ser vistos por duas vertentes. A primeira estaria na figura de alguns professores de tais
instituições que foram contratados para fazer o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de
Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do projeto a ser executado. A segunda vertente estaria na figura de
um grupo de estudo denominado GEDMMA (Grupo de Estudo: Desenvolvimento, Modernidade e
Meio Ambiente) da Universidade Federal do Maranhão, que busca atuar fornecendo à comunidade
análises pautadas em conhecimentos científicos e nos estudos que efetuam, sob vários olhares,
sobre a realidade que se passa no povoado.
A dinâmica do conflito pode ser conhecida com base geral do processo, assim
compreendido. Os conflitos tiveram origem desde o momento em que se falou sobre a instalação de
um polo siderúrgico em São Luís, envolvendo doze comunidades, entre elas a Camboa dos Frades.
Entretanto ganha a atual abordagem quando a usina termelétrica se instala, fazendo-os sentirem-se
“despercebidos” e isolados.
A comunidade começa a protestar ganhando certa visualização e certos ganhos (caso da
construção da via de deslocamento). Mas é importante destacar que o conflito não se fez por
encerrado, pois a população ainda tem se sentido ameaçada, fator que a tem impulsionado a buscar
ajuda com diversos políticos locais para que recebam os títulos de suas propriedades. Alguns
representantes do poder público têm colocado a temática em debate nos momentos de discussão
política, apoiando-se em denúncias e pedidos feitos pela comunidade na busca dos seus direitos.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo que a temática ambiental ainda não tenha enormes avanços é importante considerar
que sua discussão vem ganhando muito espaço, o que faz com que os conflitos a ela referentes
sejam cada vez mais visualizados em âmbito global. No bojo dos conflitos estão as relações que o
homem desenvolve com o ambiente, fazendo com que o território seja, geralmente, grande fator de
disputa.
Os conflitos podem estar associados a diversas atividades e setores, envolvendo variados
atores sociais, com distintas cotas de poder e diferenciados interesses e racionalidades, e, também
podem ser encontrados em diversas ordens de escala. Tais fatos levam a uma necessária e inevitável
análise sobre seu contexto histórico para que se tenha uma real compreensão sobre os mesmos.
Os atores podem situar-se em diferentes escalas e são caracterizados por possuir diferentes
racionalidades (diferença de valores, interesses e percepções), sendo que são estas as orientadoras
de suas ações. Nesse sentido, identificar os atores e suas relações faz-se de extrema importância
para se perceber o cerne do conflito.
É, também, essencial compreender que os territórios podem assumir diversos usos, aspectos,
atribuições, funções, funcionalidades e enquadrar-se em inúmeros contextos, mas que os estudos
sobre os mesmo devem ultrapassar a visão que se tem de fixidez, baseados em traçados e passar a
(re)conhecer a existência dos territórios produzidos por atores que lhes determinam suas
atribuições. O trabalho demonstra que a percepção deve considerar os aspectos simbólicos que
ligam os sujeitos a seus territórios e que lhes fazem afirmar a sua posse sobre os mesmos.
Os conflitos (re)surgem constantemente, desde as primeiras implantações dos grandes
projetos em São Luís, por tais comunidades da zona rural habitarem áreas que são conhecidas por
sua “vocação” econômica, dados fatores como sua localização geográfica e sua infraestrutura
logística. Tal fato traz à tona a importância em se reconhecer não só os aspectos econômicos, mas
também os relacionados ao ambiente e à cultura para que não se cometam injustiças ambientais e
sociais.
A gestão do território deve, portanto, na figura do seu maior representante de poder (o
Estado) encontrar formas de não contrariar o planejamento dos outros atores em escala local,
fornecendo políticas públicas que ultrapassem somente os interesses das classes hegemônicas, os
grandes representantes das formas capitalistas de produção.
Os instrumentos de planejamento devem passar pela condição de que as linhas espaciais
ideais traçadas para demarcar fronteiras no uso e ocupação do solo, têm que respeitar todas as
diferenças existentes no modo de viver dos sujeitos sociais. Isto é, se não forem discutidos a partir
de uma perspectiva plural dos sujeitos sociais envolvidos no processo, esses traçados podem ser “o
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barril de pólvora” para intensificar os conflitos entre grupos que possuem modus vivendi e modus
operandi diferenciados dos agentes sociais dominantes.
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Fernanda Ana Lourdes Gestao de Territorio