Trabalho realizado por:
Alexandra Cristina Lopes da Costa
Cláudia Gonçalves Ribeiro
Cláudia Sofia Cavaleiro Canoso
Elsa Inácio de Oliveira
2002/2003
Índice
Pág.
1. Introdução --------------------------------------------------------------------------------2. Tipos de problemas envolvendo Partilhas -------------------------------------------3. Métodos Contínuos
3.1. Método da divisão escolha ------------------------------------------------------------3.2. Método da divisão única --------------------------------------------------------------3.3. Método da escolha única --------------------------------------------------------------3.4. Método da última redução ------------------------------------------------------------4. Métodos Discretos
4.1. Método das licitações secretas --------------------------------------------------4.2. Método das marcas ---------------------------------------------------------------4.3. Problema das Partilhas -----------------------------------------------------------4.4. A Matemática das Partilhas -----------------------------------------------------4.4.1. Método de Hamilton ---------------------------------------------------------4.4.2. Método de Jefferson ---------------------------------------------------------4.4.3. Método de Adams ------------------------------------------------------------4.4.4. Método de Webster ----------------------------------------------------------4.4.5. Teorema da Impossibilidade de Balinsky e Young ----------------------5. Bibliografia -----------------------------------------------------------------------------
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1. Introdução
“Teoria das Partilhas Equilibradas !” À primeira vista parece ser um assunto novo, no
entanto não é. Desde sempre que as civilizações são confrontadas com problemas de partilhas
(dividir terrenos, comida, etc.).
No dia-a-dia, embora nem sempre nos apercebamos disso, são inúmeras as situações
de partilhas equilibradas. Por exemplo, uma herança para repartir pelos herdeiros ou uma série
de tarefas para distribuir pela semana.
De facto, basta que exista um conjunto de bens para ser dividido por um certo número
de elementos (pessoas, instituições, países, etc.) para se estar perante um problema de
partilhas equilibradas. Estes bens podem ser quaisquer coisas com potencial valor.
Usualmente são objectos palpáveis, tais como, caramelos, arte, joalharia ou propriedades, mas
em situações mais raras estes bens podem não ser físicos, como por exemplo direitos,
responsabilidades, dívidas, etc.
Perante situações deste género, com que todos nós já fomos confrontados, quantos de
nós ainda não se questionaram sobre a forma como é feita a divisão dos bens ao ponto de,
após possíveis desentendimentos, cada elemento receber uma parcela considerada justa.
Decerto que poucos !
Além desta questão, dado um conjunto de bens para ser repartido, duas outras questões
fulcrais se colocam:
-- “O que significa para cada elemento obter uma parte justa dos bens ?”
-- “Será possível dividir qualquer conjunto de bens de forma que cada elemento
obtenha uma parte justa em relação aos outros ? Se sim, como ?”
Estas e outras questões, que eventualmente surjam, poderão vir a ser esclarecidas neste
trabalho, realizado com o intuito de facultar aos (futuros) professores alguma informação
sobre a teoria das partilhas equilibradas (nomeadamente os modelos de resolução de
problemas - tipo), tema cada vez mais em destaque nas disciplinas ligadas à Matemática.
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2. Tipos de problemas envolvendo partilhas
Nesta primeira secção faremos uma breve referência ao tipo de problemas envolvendo
partilhas e ao surgimento de métodos para os resolver (a apresentação destes métodos será
feita posteriormente).
Antes, porém, parece-nos pertinente responder à questão:
“O que se entende por uma partilha equilibrada ?”
Teoricamente, dado um conjunto de bens para ser repartido por N elementos, uma
parcela justa será aquela que corresponderá a pelo menos 1/N do valor total dos bens.
Mas, o que verdadeiramente interessa para determinar se uma partilha é equilibrada ou
não, é o facto de cada elemento envolvido considerar a sua parte justa. A opinião dos outros
elementos acerca dessa parcela não interessa.
Além disso, cada elemento não deve questionar-se sobre o valor de outra parcela (para
além da sua), ou mesmo desejar trocar a sua parte com outro. Se isso acontecer é porque o
indivíduo não está satisfeito e a partilha não é considerada justa.
Por exemplo:
D. Rosa tem um chocolate e um livro para repartir pelos seus dois filhos: Ana e João.
No entanto não sabe o que dar a quem, por isso deixa-os escolher.
Depois de “discutirem” quem fica com o quê, a Ana ficou com o livro e o João com o
chocolate.
Terá sido justo ?
À primeira vista parece que não, pois o chocolate é menos valioso (?) e duradouro que
o livro. No entanto, se os dois irmãos estiverem satisfeitos com o que obtiveram a partilha é
considerada justa. Mesmo que o João pense que a Ana não soube escolher e que a Ana pense
que o irmão saiu prejudicado ficando com o chocolate.
“Que tipos de problemas podem existir ?”
Dependendo da natureza dos bens (objectos ou não / divisíveis ou não) um problema
de partilhas pode ser classificado segundo três tipos:
Contínuo -- se o conjunto dos bens pode ser dividido de inúmeras formas, assim como
os próprios bens. Neste tipo de problemas as parcelas podem ser suprimidas ou incrementadas
por pequenas quantidades.
Por exemplo: partilha de terrenos, tempo de antena nos comerciais, comida, etc.
Discreto – se o conjunto dos bens é formado por objectos indivisíveis e cada elemento
terá que ficar com um ou mais objectos por inteiro.
Por exemplo: partilha de carros, casas, quadros, rebuçados, ...
Dentro deste tipo ainda podemos classificar um problema em dois subtipos: quando os
objectos são todos iguais ou distintos, tendo em conta se cada elemento irá receber uma
parcela igual à dos outros ou não.
Misto – se existirem bens (a distribuir) que são indivisíveis e outros que são divisíveis.
Por exemplo: partilha de uma herança que inclui terrenos, casas e carros.
Este tipo de problemas resolve-se à custa da resolução dos outros dois tipos, isto é,
separa-se um problema misto em dois problemas: um contínuo e outro discreto.
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“Quando surgiram métodos para resolver estes problemas ?”
Na década de 40 (1940-1950), Hugo Steinhaus1 (matemático polaco) desenvolveu
vários esquemas para resolver problemas de partilhas – regras e procedimentos para dividir
um conjunto de bens por um certo número de elementos – com o objectivo de que, no final
cada elemento fique satisfeito com a sua parte.
Além disso, a simplicidade destes métodos permite que sejam usados pelos próprios
intervenientes do problema, dispensando o envolvimento de elementos exteriores, como por
exemplo juizes, advogados ou avaliadores (o que implicaria mais custos!).
Para executar estes métodos basta que alguns requisitos sejam respeitados:
1) Todos os elementos têm de agir, no caso de serem pessoas, de forma racional, isto
é, têm de avaliar os bens de forma coerente e de acordo com as leis básicas da
aritmética;
2) Cada indivíduo não deve ter conhecimento das avaliações feitas pelos outros - para
que cada um revele o menos possível sobre as suas preferências (tal como num
jogo de cartas no qual não queremos que vejam o nosso jogo);
3) Todos têm de saber respeitar as regras e acatar as consequências da divisão.
A elaboração destes métodos, relativamente recente, aplica-se sobretudo a problemas
envolvendo distribuição de objectos (divisíveis ou não), distintos uns dos outros, por parcelas
de “igual valor”. Ou seja, os elementos que irão receber os bens têm todos igual possibilidade
de obter um certo objecto. Não há elementos que mereçam uma melhor parcela em relação a
outros. Por exemplo: repartir uma herança, constituída por uma casa, um carro e uma certa
quantia em dinheiro, por três pessoas sabendo que todos têm de receber parcelas de igual
valor.
No entanto, já muito antes de Steinhaus, outros matemáticos ( e políticos) se
debruçaram sobre a resolução de problemas de partilhas.
Em 1787 em Filadélfia, delegados de treze Estados encontraram-se a fim de projectar
uma constituição para uma nova nação e criar uma nova legislatura. Os estados mais
pequenos (governados por New Jersey) queriam que todos tivessem o mesmo número de
representantes na assembleia enquanto os estados mais poderosos se “inclinavam” para
alguma forma de representação proporcional. A solução final desta disputa foi a criação de
um senado (em que todos os estados tinham dois senadores) e de uma “Casa de
Representantes” (em que todos os estados tinham um número de representantes em função da
sua população).
Enquanto a constituição é clara acerca do facto de que os lugares na “Casa de
Representantes” têm de ser distribuídos pelos Estados, baseando-se nas suas populações, esta
não diz nada acerca de como os cálculos foram feitos. Ou seja, não se aperceberam que o
Artigo1 colocava a constituição em “rota de colisão” com o “iceberg” matemático conhecido
hoje ( mas não na época) como o problema das partilhas.
Apresentaremos nas próximas secções alguns métodos, elaborados para resolver
problemas contínuos e discretos.
Os problemas mistos poderão ser resolvidos usando também estes métodos desde que,
como já referido, se faça uma prévia divisão dos bens a repartir, de modo a subdividir o
problema em dois: um discreto e um contínuo.
Por uma questão de simplicidade de exposição abordaremos primeiro os problemas
contínuos.
1
Hugo Steinhaus (1887-1972) é considerado o “pai” da teoria matemática de partilhas, desenvolvendo grande
parte desta nos anos 40, enquanto se escondia dos Nazis.
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3. Métodos Contínuos
Estes métodos aplicam-se na resolução de problemas de divisão de “objectos”
fraccionáveis, isto é, cada elemento poderá ficar com um “objecto” completo ou com uma
pequena porção de cada “objecto” envolvido.
No quotidiano são muitas as vezes que, de uma forma mais ou menos rudimentar,
aplicamos os métodos que passaremos a descrever.
3.1. Método da divisão - escolha
É talvez o mais simples de todos os métodos usados para resolver problemas de
partilhas. Pode ser aplicado em qualquer divisão de “objectos” fraccionáveis, desde que
envolva apenas dois elementos por quem efectuar a distribuição.
Se pensarmos bem, a maior parte de nós já o usou, embora inconscientemente e sem
formalidades. Vulgarmente é conhecido pelo método: “tu divides e eu escolho”.
Como se processa este método ?
Suponhamos que temos um conjunto de bens (divisíveis) para repartir por dois
indivíduos. Um dos indivíduos (sorteado entre os dois) divide a totalidade dos bens em duas
parcelas idênticas (em termos de valor, não de tamanho) e, o outro escolhe uma das duas.
Quando feito honestamente, este método garante que cada indivíduo obtenha uma
parcela que, na sua opinião, equivale a pelo menos metade do valor total. Isto porque, quando
um indivíduo “corta” os bens, como não sabe qual será a sua parte, efectua a divisão de modo
que para ele seja indiferente (e vantajoso) obter qualquer uma das duas partes e, o outro
elemento tem a possibilidade de escolher a sua preferida. Logo ficarão os dois satisfeitos!
Exemplo:
Dois amigos, Pedro e Jorge, juntaram as moedas que tinham e compraram um bolo de
baunilha e chocolate.
Enquanto o Pedro não tem preferência por algum dos sabores, Jorge prefere baunilha a
chocolate. Neste caso, na opinião de Pedro os dois sabores têm o mesmo valor mas, para
Jorge a parte de baunilha é mais valiosa.
Para ser uma partilha justa, os dois têm de ficar satisfeitos.
Aplicando o método dado, uma vez que o Pedro é imparcial, será ele o divisor.
Obviamente que irá efectuar a divisão de modo que ao ficar com a parte que o Jorge rejeitar,
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não saia prejudicado. Após efectuado o “corte”, Jorge escolherá a parte que desejar, ou seja,
aquela que contiver uma maior porção de baunilha.
No final, ambos obtêm uma parte que para eles equivale a pelo menos metade do bolo.
Importa ainda referir que, como se observa neste exemplo, não interessa se as parcelas
são exactamente iguais ou não, mas sim o que cada uma significa para quem a recebe. Ou
seja, as parcelas não necessitam de ser simétricas.
Este método pode ainda ser generalizado para o caso de existirem mais que dois
indivíduos por quem dividir os bens. Surgem então, outros métodos ( generalizações deste)
que abordaremos de seguida.
3.2. Método da divisão única
Este método pode ser usado para resolver problemas envolvendo três ou mais
elementos por quem efectuar a partilha, no entanto por uma questão de facilidade de
exposição e compreensão, iremos abordar este método para o caso de três indivíduos.
Nesta situação, um dos indivíduos (escolhido aleatoriamente) dividirá os bens e os
outros dois farão as suas escolhas.
Em que consiste este método ?
Basicamente, a sua execução estrutura-se em três passos:
1. Divisão – a pessoa escolhida para divisor, divide os bens em três partes. Mas,
como não sabe qual das partes ficará para si, irá efectuar a divisão de forma
que qualquer uma das partes lhe interesse. Isto é, em partes igualmente valiosas
(se não o fizer corre o risco de ficar com a parte menos valiosa).
2. Votação – cada um dos outros elementos declara, secretamente, quais das três
peças são, na sua opinião, justas (não só as que lhe interessam, mas todas as
que realmente considera justas).
3. Atribuição das parcelas – quem fica com qual parte?
Entre as votações pode acontecer que os dois indivíduos tenham votado nas
mesmas peças e, eventualmente, podem existir peças que não tenham sido
votadas. Sendo assim, separa-se as peças em dois grupos: o grupo das peças
votadas e o grupo das peças não votadas. Face a isto, três situações podem
ocorrer:
o Todas as peças foram votadas – neste caso, os dois indivíduos escolhem
a parte que querem e o divisor fica com a restante (em caso de
preferência comum, é mais justo sortear as peças pelos dois indivíduos
em causa e atribuir a que sobra ao divisor).
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o Existe uma só peça não votada – como para o divisor as três peças são
consideradas justas (pois foi ele que as definiu) é lhe atribuída a peça
não votada pelos outros dois. As outras duas peças distribuem-se pelos
restantes dois indivíduos, deixando-os escolher (em caso de igualdade
de opinião sorteia-se as duas peças pelos dois).
o Existem duas peças não votadas – esta é a situação mais complicada
uma vez que só uma peça é desejada pelos dois elementos. O primeiro
passo para resolver este empasse é interrogar os dois elementosescolha sobre qual das duas peças não votadas realmente não lhes
interessa. Se os dois tiverem igual opinião, então essa será a peça a ser
atribuída ao divisor. Caso contrário, sorteia-se qual das duas peças será
para o divisor. Sobram duas peças ( uma votada e outra não votada).
Para terminar de resolver a questão, juntam-se estas duas peças
(formando uma só) e aplica-se o método da divisão-escolha,
envolvendo os dois elementos que escolheram no início do processo.
Note que, este método de distribuição não impede que cada indivíduo possa pensar
que a parte de outro é melhor, por isso é perfeitamente razoável deixar que troquem entre si as
parcelas.
Exemplo:
Suponhamos que três amigos resolvem partilhar entre si um bolo. Para isso, sorteiam
entre si um divisor (D) e este divide o bolo em três partes (P¹,P²,P³). Os restantes dois (C¹ e
C²) votarão nas peças preferidas.
Pode acontecer:
a) Neste caso, todas as peças foram votadas.
P¹
P²
D 33+⅓% 33+⅓%
C¹ 0%
50%
C² 60%
5%
P³
33+⅓%
50%
35%
Como C² prefere P¹ então esta será para ele. C¹ terá de escolher uma das duas
em que votou (P² e P³), por exemplo sorteando. A restante ficará para o divisor.
a) Nesta situação,
P¹
P²
P³
D 33+⅓% 33+⅓% 33+⅓%
C¹ 35%
0%
65%
C² 65%
0%
35%
A peça P² não é pretendida por nenhum dos dois logo fica para o divisor. As outras
duas serão distribuídas por sorteio ou, mais honestamente, atribui-se P¹ a C² e P³ a C¹.
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b) Finalmente, se ocorrer
P¹
P²
D 33+⅓% 33+⅓%
C¹ 0%
10%
C² 10%
30%
P³
33+⅓%
90%
60%
P³ é a peça preferida pelos dois indivíduos que escolheram. Relativamente a P¹
e P², P¹ é a menos desejada logo ficará para o divisor. O problema termina, unindo P² a P³ e
aplicando o método da divisão-escolha, envolvendo C¹ e C².
Note que, em qualquer uma das três situações, para o divisor (D) as três peças têm
igual valor.
3.3 Método da escolha única
Também nesta secção, para simplificação, abordaremos este método para o caso de três
indivíduos. Sendo assim, teremos dois divisores e um só elemento a escolher.
“Como decorre este método?”
O processo baseia-se em três passos fundamentais:
Passo 1: “A primeira divisão”
Depois de sortear quem serão os dois divisores, estes dividem entre si a totalidade
dos bens, usando o método da divisão/escolha.
Passo 2: “Segunda divisão”
Cada um dos divisores divide a sua parcela em três partes, que na sua opinião, são
igualmente valiosas.
Passo 3: “A escolha”
Finalmente, o outro elemento (o que escolhe) seleccionará uma das três partes de
cada divisor para si. Ficando cada divisor com o resto das suas respectivas partes.
“Será esta uma partilha equilibrada?”
De facto, cada divisor acaba com 2/3 da sua parte. Por sua vez a sua parte vale metade do
valor total dos bens, assim 2/3 da sua parte equivale a 1/3 da totalidade. O indivíduo que
escolhe obtém 2/6 da totalidade dos bens. Sendo assim todos recebem uma parcela que
equivale a pelo menos 1/3 da totalidade dos bens, uma vez que todo o conjunto de bens é
dividido em seis parcelas igualmente valiosas e cada um dos elementos recebe duas dessas seis
parcelas.
Exemplo:
Três amigos, Ana, Maria e José, decidem dividir entre si um bolo de laranja/ananás que
custou 27€. Sorteando os nomes, decidiram que seria a Maria a escolher as parcelas.
Uma vez que o José não tem preferência por algum dos dois sabores, para ele o valor de
cada parcela apenas diz respeito ao seu tamanho.
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Mas para Ana a situação é diferente. Como ela detesta ananás, na sua opinião, apenas a
parte de laranja será valiosa.
Quanto a Maria, a parte de ananás é duas vezes mais valiosa que a de laranja.
Passemos agora ao método em si: uma vez que José não tem preferências será ele a
cortar o bolo. Logicamente que Ana (a outra divisora) escolherá a metade que tiver mais
laranja, uma vez que não gosta do outro sabor.
De seguida, cada um deles corta a sua parte em três parcelas que considere igualmente
valiosas (tendo em conta não só o tamanho, mas também o sabor). Mais uma vez as divisões
de Ana e José são diferentes consoante os seus gostos.
Finalmente, a Maria escolhe a sua parte, retirando uma parcela a cada um dos outros
dois.
No final da divisão cada um deles obterá uma parcela que equivalerá a pelo menos 1/3
do valor total do bolo.
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Repare que, embora as parcelas sejam de diferentes tamanhos, dando a ideia que Maria
é a mais beneficiada e José o mais prejudicado, o que interessa é o valor que cada parcela tem
para quem a recebe.
3.4 Método da última redução
Este é talvez o método mais vantajoso para efectuar partilhas por um “grande” número
de elementos (mais de três) uma vez que é mais ordenado que os até agora referidos e permite
assegurar a honestidade de cada elemento, isto é, dificilmente um elemento (menos honesto)
ficará com uma maior parcela em relação aos restantes.
“Basicamente, em que consiste este método?”
Antes de efectuar a divisão ordenam-se, aleatoriamente, todos os indivíduos numa
sequência que se manterá até ao final da divisão.
Depois, o primeiro elemento escolherá para si uma parte dos bens que, na sua opinião,
equivale a 1/N do valor total (com N o número de elementos). Os outros elementos poderão
avaliar (um a um e por ordem) se esta escolha foi “ bem feita” ou não.
Os que acharem que a parcela em causa valerá no máximo 1/N da totalidade do valor
ficarão isentos de qualquer mudança e os que acharem que a parcela representa mais que 1/N
do valor total têm permissão para a reduzir (cada um na sua vez) mas passarão eles a serem os
titulares dessa parcela.
Depois que a primeira parcela é atribuída a um elemento sem que os outros discordem, o
processo repete-se, mas agora envolvendo a partilha dos restantes bens por N-1 indivíduos.
Na penúltima ronda, restam dois indivíduos para uma parcela (que valerá 2/N da
totalidade), nesta situação será usado o método divisão - escolha.
Este método é talvez o melhor para dividir, por exemplo, terrenos por um número
considerável de indivíduos como ilustraremos no próximo exemplo.
Exemplo:
Cinco indivíduos que, genericamente, denominamos de P1, P2, …, P5 possuem um
terreno para dividir entre si.
Os cinco elementos ordenam-se aleatoriamente. Suponhamos, para facilitar a exposição,
que a ordem se mantém de acordo com a numeração, isto é, P1, P2, P3, P4 e P5.
Na primeira ronda P1 escolhe uma parte do terreno para si.
P2 avalia a parcela escolhida por P1 e considera-a com valor menor ou igual a 1/5 (20%)
da totalidade do terreno, logo P1 permanece na posse dessa parcela.
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De seguida, P3 avalia a parcela e acha que esta tem valor superior a 1/5, logo reduz um
pouco e passa a ser o titular dessa nova parcela.
É agora a vez de P4 avaliar. Uma vez que considera a parcela (que agora é de P3) com
valor superior a um 1/5, resolve retirar-lhe mais um pouco passando a ser o novo titular.
Finalmente P5 avalia a parcela resultante e concorda com a sua dimensão.
Logo P4 ficará com esta parcela.
Repete-se o processo, para dividir o resto do terreno agora apenas por P1, P2, P3 e P5,
depois por três elementos e, finalmente, por dois. A divisão pelos dois últimos elementos é
feita pelo método da divisão – escolha.
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4. Métodos discretos
Como já referido, este tipo de métodos aplica-se na resolução de problemas de partilhas
em que os objectos a dividir são indivisíveis por si só. Vejamos então alguns destes métodos.
4.1 Método das licitações secretas
Este é um dos métodos mais importantes na resolução deste tipo de problemas e, é talvez
o que mais se utiliza para dividir por exemplo heranças.
Neste método, cada indivíduo é simultaneamente comprador e vendedor (isto é, tem de
dar ou receber dinheiro consoante o valor do objecto já recebido), o que os mantém honestos
uns com os outros.
Para facilitar a exposição iremos apresentar este método com um exemplo.
Exemplo:
Uma avó pretende fazer um pequeno “jogo” com os seus netos: Barbara, Carla, Paulo e
David, acerca da divisão dos seus bens: a casa, o seu Roll-Royce e o seu quadro pintado por
Picasso.
Aplicando o método das licitações secretas traçam-se quatro passos fundamentais:
Passo 1:”licitação”
Cada um dos netos dá o seu parecer sobre o valor monetário de cada um dos bens, de
forma secreta e individual, por exemplo num envelope, já que é importante que nenhum deles
saiba a proposta do outro.
No final da “licitação”, as propostas são dadas a conhecer, como mostra a tabela
Casa
Roll Royce
Quadro
Paulo
220.000€
40.000€
280.000€
Barbara
250.000€
30.000€
240.000€
Carla
211.000€
47.000€
234.000€
David
198.000€
52.000€
190.000€
Passo 2: Atribuição dos objectos
Cada objecto é atribuído à pessoa que efectuou sobre ele uma proposta mais elevada.
Assim sendo, para este caso, a casa será para a Barbara, o carro para o David e o quadro
para o Paulo. Carla não recebe nada (por agora!). Deste modo, este parece ser um método
injusto! Mas, será de facto?
Passo 3: “Acerto de contas”
Uma vez que a Carla não recebeu nada e uns receberam prémios mais valiosos que
outros, é chegado a altura de fazer reajustes.
Em cada proposta, feita por cada indivíduo, soma-se o valor de todos os bens e divide-se
esse valor pelo número de indivíduos. O valor resultante equivalerá, na opinião de quem
“lançou” essa proposta, a uma parte justa.
Seguidamente, compara-se o valor do objecto recebido por cada indivíduo com o valor
que ele estimou equivaler a uma parte justa.
Se o valor estimado para a parcela justa for inferior ao valor do objecto obtido, o
indivíduo terá de reembolsar a “banca” (depósito de dinheiro feito à parte), caso contrário será
ele o reembolsado. Esta situação está retratada na seguinte tabela, para o caso apresentado:
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Casa
Roll Royce
Quadro
Paulo
220.000€
40.000€
280.000€
Barbara
250.000€
30.000€
240.000€
Carla
211.000€
47.000€
234.000€
David
198.000€
52.000€
190.000€
TOTAL
Parte justa
540.000€
135.000€
520.000€
130.000€
492.000€
123.000€
440.000€
110.000€
Analisemos a situação de cada indivíduo:
Paulo: Na sua opinião uma parte justa da herança terá valor de 135.000€, mas este
recebeu o quadro que, também segundo ele, vale 280.000€. Sendo assim, terá que depositar na
“banca” 145.000€ (280.000€ ─ 135.000€).
Barbara: Para ela uma parte justa terá valor de 130.000€ mas como recebeu a casa, que
segundo ela vale 250.000€, também deve depositar na “banca” 120.000€.
Carla: Na sua opinião uma parte justa terá valor de 123.000€ e, como não recebeu
nenhum objecto receberá esta quantia em dinheiro, retirado da “banca”.
David: Para ele uma parte justa deverá valer 110.000€. Mas o valor, na sua opinião, do
objecto que recebeu é inferior (52.000€) logo também ele recebera o restante valor em
dinheiro (58.000€) (retirado à “banca”).
Nesta fase, cada um dos netos recebeu uma parcela que, na opinião de quem a recebe, é
justa. Mas, sobra dinheiro na “banca”. Dinheiro este resultante dos depósitos da Barbara e do
Paulo (145.000€ – 120.000€ = 265.000€) e dos pagamentos à Carla e ao David (123.000€ +
58.000€= 181.000€). No final de contas, restam na “banca” 84.000€ (265.000€- 181.000€).
Para terminar, divide-se este montante em partes iguais (tantas quantos os netos). Isto
significa que cada neto recebe uma parcela justa e ainda 21.000€ de bónus.
Note-se que para que este método funcione têm que se estabelecer algumas condições à
partida, como por exemplo,
- Cada indivíduo tem que ter dinheiro suficiente para fazer propostas honestas aos
restantes, pois têm que estar preparado para comprar um ou mesmo todos os objectos em
causa. É claro que se o indivíduo não possuir o dinheiro necessário, vai estar em clara
desvantagem em relação aos outros;
- Cada indivíduo tem que aceitar as propostas dos outros como substituição de qualquer
um dos objectos, não podendo por isso achar que algum dos objectos é inestimável.
4.2 Método das marcas
Este método também é um esquema de divisão discreta, difere do anterior no facto de
não requerer dinheiro, isto é, o indivíduo não necessita de despender do seu dinheiro, o que
logo à partida parece ser uma vantagem deste método sobre o outro. Mas por outro lado, este
método não pode ser usado eficientemente (ao contrário do método anterior) a menos que
hajam muitos mais artigos a dividir do que indivíduos.
“Em que consiste este método?”
Inicialmente os objectos sujeitos a divisão são alinhados por ordem, que não pode ser
alterada durante o processo de divisão. Depois disso, solicita-se que cada indivíduo divida os
objectos em segmentos, de uma forma independente, ou seja, nenhum indivíduo deve ver a
maneira como o outro dividiu os objectos. Note-se que se ao todo existirem N indivíduos, o
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alinhamento dos objectos terá que ser cortado N-1 vezes, originando N segmentos, cada um
dos quais equivalendo a uma parte justa da totalidade dos objectos.
Na prática, a maneira mais fácil de efectuar os cortes é colocar marcas no lugar onde
cada indivíduo pretende dividir o alinhamento de objectos.
Pretende-se com este método que cada indivíduo fique com um dos N segmentos, isto é,
com uma secção entre duas marcas consecutivas.
Para melhor entendermos este método vamos apresentar um exemplo que ilustra bem
todos os passos a seguir.
Exemplo:
Quatro crianças, Alice, Barbara, Carla e Diana (que denotaremos por A, B, C e D)
pretendem dividir 20 guloseimas (chocolates, chupa-chupas, etc.). A sua professora oferece-se
para o fazer, mas as crianças dizem que são capazes de o fazer sozinhas usando o método das
marcas, alinhando as 20 guloseimas da forma seguinte e numerando cada guloseima de 1 a 20:
Passo 1: “A divisão”
Cada criança escreve (independentemente) num pedaço de papel onde é que ela pretende
“partir” a fila de objectos (3 locais). Tendo-se obtido os seguintes resultados
Passo 2: “A distribuição”
Começa-se por analisar o alinhamento dos objectos, que neste caso são guloseimas (da
esquerda para a direita) até encontrar a primeira marca. A primeira marca que encontramos é a
marca da Barbara, logo damos à Barbara o primeiro segmento, que vai da primeira guloseima
até a quarta (no nosso exemplo).
De seguida retiram-se as restantes marcas da Barbara. Continua-se a analisar o
alinhamento, da esquerda para a direita, até encontrar a primeira das segundas marcas, que no
nosso caso pertence a Carla.
15
Sendo assim a Carla fica com o segundo segmento que vai da sua primeira marca até à
sua segunda marca (ou seja, da guloseima sete à nove). Da mesma forma como se fez para a
Barbara, também à Carla se retira as restantes das marcas. Continuamos a analisar e
encontramos a primeira das terceiras marcas.
Isto é, um pedaço entre a Alice e a Diana (A3, D3) que podemos dividir de uma forma
justa. Depois disso, Alice ficou com o segmento que vai da guloseima doze até à dezasseis, e
finalmente Diana fica com o seu último segmento que vai da guloseima dezassete até à vinte.
Assim cada criança ficou com um dos segmentos que pretendia de início. A parte
interessante é que sobram guloseimas!
Passo 3: “Divisão dos restos”
Normalmente são poucos os objectos restantes, logo não são suficientes para voltar a
fazer o processo.
Assim sendo, a maneira mais justa de dividir as restantes guloseimas é deixar que cada
criança vá escolhendo uma guloseima de cada vez até estas se esgotarem (esta escolha é feita
de uma maneira ordenada), ou então aplicar o método anterior usando apenas estas
guloseimas.
Neste caso as guloseimas que sobram são as guloseimas cinco, seis, dez e onze. Os
indivíduos escolhem agora o que pretendem.
Carla escolhe primeiro e fica com a guloseima onze. A Diana escolhe a seguir e fica com
a guloseima cinco. Barbara e Alice recebem a guloseima seis e dez, respectivamente.
Note-se que:
- Este método pode ser generalizado para o caso de termos N indivíduos e M objectos (N
e M naturais quaisquer), sendo a sua resolução feita de uma maneira análoga à referida
anteriormente para 4 indivíduos e 20 objectos.
- Este método pode ser usado de modo justo somente em condições restritas. Em
particular, assume-se que cada indivíduo é capaz de dividir o alinhamento dos objectos em
16
segmentos, de modo que cada segmento tenha aproximadamente o mesmo valor. Isto é
usualmente possível quando os objectos são de valores baixos e homogéneos, mas quase
impossível de realizar quando alguns dos objectos envolvidos são dispendiosos. (Imagine-se,
por exemplo, o difícil que é dividir de modo justo um conjunto de bombons e uma moeda de
ouro usando o método das marcas).
4.3 Problema das partilhas
Anteriormente, os objectos eram diferentes mas cada elemento tinha direito a uma
parte igual, agora os objectos serão todos iguais mas os elementos irão ter direito a partes de
diferentes tamanhos.
O exemplo mais importante do problema das partilhas é o da representação
proporcional num corpo legislativo, exactamente o tipo de problema enfrentado em 1787.
Aqui, os objectos (indivisíveis) a serem partilhados são lugares na assembleia, e os elementos
são os Estados (ou províncias, regiões, etc. ). A ideia de representação proporcional é que
cada estado tem direito a um número de lugares que são proporcionais à sua população. A
maior parte da nossa discussão irá ter lugar neste contexto, mas é importante perceber que o
problema das partilhas ocorre também em muitos outros aspectos. Este ponto é bem ilustrado
no seguinte exemplo.
Exemplo : Capitalismo na cozinha
Uma mãe tem no total 50 caramelos indivisíveis e idênticos que irá dividir pelos seus
5 filhos. Como qualquer boa mãe irá tentar fazê-lo de maneira justa. E claro que a maneira
mais fácil de o fazer era dar a cada criança 10 caramelos, mas a mãe tem objectivos mais
elevados, ela quer ensinar a cada filho o valor do trabalho e a relação entre trabalho e
recompensa. Isto leva-a à seguinte ideia. Os caramelos irão ser partilhados pelas crianças com
base no tempo que cada criança gasta a ajudar nas tarefas semanais da cozinha.
Temos 50 objectos idênticos (os caramelos) a serem divididos por 5 elementos (as
crianças), cada um deles irá ter direito a uma parte diferente do total. Como poderemos fazer
isto?
A tabela mostra o trabalho (em minutos) feito por cada criança durante a semana.
Tabela - Trabalho em minutos feito por cada criança
Crianças
Minutos de trabalho
Ana
150
Beatriz
78
Carlos
173
Daniel
204
Elsa
295
TOTAL
900
Uma vez que os dados já estão tabelados, é tempo de dividir os caramelos. A Ana que
trabalhou 150 minutos num total de 900 minutos tem direito a 16+2/3% dos 50 caramelos [
(150/900) = 16+2/3%], ou 8+1/3 de caramelos. Aqui surge o problema: uma vez que os
caramelos são indivisíveis, é impossível para a Ana obter a parte exacta a que ela tem direito ela pode ter 8 caramelos (e ficar prejudicada) ou pode ter 9 caramelos (e outro qualquer será
prejudicado).Um problema semelhante ocorre com qualquer uma das outras crianças. A parte
exactamente justa da Beatriz deveria ser 4+1/3 de caramelos; do Carlos deveria ser 9+11/18
de caramelos; do Daniel 11+1/3 de caramelos e da Elsa 16+7/8 de caramelos. Uma vez que
estas situações não se podem realizar, uma partilha absolutamente justa dos caramelos irá ser
impossível. O que deve fazer a mãe?
Como este exemplo poderíamos ter dado muitos outros. A nossa primeira proposta é
aprender vários métodos a fim de resolver problemas deste tipo.
17
Através dos anos, estadistas, políticos e matemáticos como Alexander Hamilton,
Thomas Jefferson, John Quincy Adams, e Daniel Webster criaram vários métodos engenhosos
de partilha. A razão para isto é clara, um acidente na história - “ O Grande Compromisso” da
Constituição. Aqui temos um dos raros assuntos onde história, política e matemática intervêm.
Deste modo antes de iniciarmos uma discussão matemática detalhada acerca dos vários
métodos de partilha iremos referir um pouco da história do problema de partilhas nos Estados
Unidos.
Um pouco da história dos Estados Unidos
Logo após a Convenção Constitucional (1787) surgiu a controvérsia da partilha. A
primeira vez que a Casa dos Representantes foi dividida foi após os recenseamentos de 1790,
e o método utilizado foi decidido pelo Congresso. Dois métodos muito diferentes estavam em
consideração, um proposto por Alexander Hamilton e outro por Thomas Jefferson. Após o
considerável debate, a proposta de lei passou a usar o método de Hamilton. Esta foi
submetida ao presidente George Washington, que após considerar os prós e os contras de cada
um dos métodos, vetou a proposta de lei (primeiro veto de um presidente na história dos
Estados Unidos). Impossibilitados de passar por cima desse veto e face a um estrago político
o Congresso decide ir em frente com o presidente e adoptar o método de Jefferson.
O método de Jefferson foi usado por 5 décadas (até 1842) e depois substituído pelo
método proposto por Daniel Webster. Mas o método de Webster foi rapidamente substituído
por um equivalente ao método proposto por Hamilton em 1790, e este foi substituído
novamente pelo método de Webster que foi ainda substituído em 1941 pelo método da
partilha (chamado método de Huntington-Hill). Cada mudança de método deu origem a uma
discussão e debate de uma natureza duvidosa. Houve décadas em que não existiu nenhum
método oficial de partilha tornando a existência da Casa dos Representantes inconstitucional.
4.4 A matemática das partilhas : conceitos básicos
Exemplo : Congresso de Parador
Parador é uma nova república localizada na América Central. Esta é constituída por 6
Estados: Azucar, Bahia, Café, Diamante, Esmeralda e Felicidade (A,B,C,D,E e F). De acordo
com a nova constituição de Parador o congresso terá 250 lugares a dividir pelos 6 Estados de
acordo com as suas respectivas populações.
Um ponto de começo para a nossa aventura matemática é calcular a razão entre a
população da república e o número de lugares do Congresso.
Tabela 1.1- República de Parador (população por Estado)
Estado
A
B
População 1.646.000 6.936.000
C
154.000
D
2.091.000
E
685.000
F
988.000
Total
12.500.000
Uma vez que o total da população de Parador é 12.500.000 e o número de lugares é de
250 então o número de pessoas por lugar será 12.500.000 / 250 = 50.000. Em geral, para
qualquer problema de partilha o total de população do país é P, o número de lugares a serem
partilhados é M e a razão P/M dá o número de pessoas por lugar na legislação de uma base
nacional. Chamaremos ao número P/M o divisor standard.
18
Usando o divisor standard, podemos calcular o número total de lugares que cada
Estado poderá ter direito. A este número chamaremos a quota standard do Estado que é obtida
pela divisão entre a população de cada estado e o divisor standard.
população total
+ Divisor standard = ————————
Comment [W1]:
n.º total de lugares
população do Estado
+ Quota standard do Estado = —————————
divisor standard
A próxima tabela mostra a quota standard de cada Estado no Parador. Os números são
dados com 2 casas decimais. As quotas são então obtidas através da divisão da população de
cada Estado por 50.000. A soma de todas as quotas standard é de 250, número total de lugares
a serem divididos.
Tabela 1.2 - República de Parador (quota standard para cada Estado)
Estado
A
B
C
D
E
População 1.646.000 6.936.000 154.000 2.091.000 685.000
Quota standard 32,92
138,72
3,08
41,82
13,70
F
Total
988.000 12.500.000
19,76
250,00
Associado a cada quota standard de estado estão dois números inteiros: a quota
inferior do Estado que é a quota arredondada para baixo, e a quota superior do Estado que é a
quota arredondada para cima. Por exemplo para o Estado A (cuja quota standard é 32,92) a
sua quota inferior é 32 e a sua quota superior é 33. Isto porque:
A quota standard representa a parte justa de cada Estado dos 250 lugares. Mas
infelizmente os lugares têm de ser dados como inteiros, surgindo então a questão de como
arredondar as quotas standard em números inteiros. À primeira vista, a estratégia obvia parece
ser a tradicional aproximação por arredondamento que aprendemos na escola, aquela que
chamaremos arredondamento convencional: Arredondamos para baixo se a parte fraccionária
é menor que 0,5, arredondamos para cima caso contrário. Infelizmente esta aproximação não
é garantida na prática. Reparemos o que acontece quando usamos o arredondamento
convencional.
Tabela 1.3 - O arredondamento convencional nem sempre funciona !
Estado
A
B
C
D
E
F
TOTAL
População
1.646.000
6.936.000
154.000
2.091.000
685.000
988.000
12.500.000
Quota standard
32,92
138,72
3,08
41,82
13,70
19,76
250,00
Arredondamento
33
139
3
42
14
20
251
Pelo que a última coluna da tabela mostra, temos um problema delicado: temos 251
lugares no Congresso! Para onde vai este lugar extra?
O exemplo do Congresso de Parador ilustra o maior problema que enfrentamos com o
arredondamento convencional das quotas standard - uma ideia atractiva que nem sempre
funciona. Neste exemplo acabamos por ter mais lugares do que era suposto; em contrapartida
poderíamos acabar por ter menos lugares. Ocasionalmente por sorte os números poderiam
19
funcionar correctamente. Certamente isto não é um método de partilha com que podemos
contar!
Acima de tudo é obvio que a aproximação é o que resulta melhor. Dado isto seremos
forçados a considerar aproximações mais sofisticadas para partilhas. A nossa estratégia para o
final deste trabalho será observar alguns métodos de partilha importantes e encontrar o que é
bom e mau em cada um deles.
4.4.1 Método de Hamilton
Embora historicamente o método de Hamilton não fosse o primeiro, discutiremo-lo
primeiramente porque, matematicamente, é o mais simples.
Método de Hamilton
Passo 1: Calcular a quota standard de cada Estado.
Passo 2: Dar a cada Estado a sua quota inferior.
Por outras palavras arredondar a quota
de cada Estado para baixo.
Passo 3: Dar os restantes lugares aos Estados que
têm a parte fraccionária mais alta.
(1757-1804)
Exemplo : Método de Hamilton no Congresso de Parador
Tabela 2.1 - República de Parador: partilha baseada no método de Hamilton
Estado
População
A
1.646.000
B
6.936.000
C
154.000
D
2.091.000
E
685.000
F
988.000
TOTAL 12.500.000
Quota
standard
(passo 1)
32,92
138,72
3,08
41,82
13,70
19,76
250,00
Quota
inferior
(passo 2)
32
138
3
41
13
19
246
Parte
fraccionária
0,92
0,72
0,08
0,82
0,70
0,76
4,00
Lugares extras Partilha
(passo 3)
1 (1º)
1 (4º)
1 (2º)
1 (3º)
4
final
33
139
3
42
13
20
250
Essencialmente, o método de Hamilton descreve o seguinte: todos os Estados têm
direito pelo menos à sua quota inferior. Assim como muitos Estados têm a possibilidade de ter
a sua quota superior, têm direito à prioridade os que tiverem parte fraccionária maior.
O método de partilha de Hamilton é um procedimento justo e razoável?
Hamilton pensou que sim e quase levou o presidente Washington a seu favor. De
qualquer forma, podemos ver no exemplo alguns pontos de injustiça. Considerando o triste
destino do Estado E que seria o próximo a ter direito a um lugar e que no entanto não
consegue nenhum. Será o Estado B (com 0,72) mais merecedor de obter um lugar do que o
Estado E? A resposta não é muito clara. Se olharmos para as partes fraccionárias em termos
20
absolutos a resposta é sim pois 0,72 é maior que 0,70. No entanto quando olhamos para a
parte fraccionária como uma percentagem de toda a população do Estado, o Estado E tem
0,70 que representa uma proporção maior em relação à sua quota (13,70) do que o Estado B
com 0,72 em relação à quota (138,72). Talvez fosse mais razoável atribuir um lugar ao Estado
E do que ao Estado B.
Regra da Quota
O método de Hamilton resulta na separação dos Estados em dois grupos: “os sortudos”
que têm direito a um lugar extra obtendo assim a sua quota superior e “os azarados” que não
têm direito a lugar extra ficando com a sua quota inferior. Note-se que nenhum dos Estados
tem direito a mais do que um lugar excedente. Isto é importante para a justiça chamada regra
da quota.
Regra da quota: cada Estado tanto pode ter a sua quota inferior como a sua quota superior.
Uma vez que não podemos partilhar de uma maneira fraccionária e não podemos
arredondar sempre as quotas aos inteiros mais próximos, iremos então pelo menos arredondar
as quotas para um dos dois inteiros. Surpreendentemente, como iremos ver mais à frente,
alguns dos mais importantes métodos de partilha podem violar a regra da quota.
O método de Hamilton parece ser bastante justo, pois segue a regra da quota mas
também se vê o natural favoritismo dos Estados maiores sobre os mais pequenos.
Paradoxo de Alabama
A mais séria falha do método de Hamilton é geralmente conhecida pelo paradoxo de
Alabama. Essencialmente, o paradoxo de Alabama ocorre quando aumenta o número total de
lugares, e por si mesmo, força um Estado a perder um desses lugares. A melhor maneira para
perceber o que este processo significa é olhar cuidadosamente para o seguinte exemplo.
Exemplo:
Um país pequeno com 20.000 pessoas tem três Estados: A, B e C. As próximas tabelas
mostram a partilha usando o método de Hamilton quando temos M = 200 lugares a serem
partilhados e M = 201 lugares. O divisor standard quando M = 200 é 20.000/200=100, o
divisor standard quando M =201 é 20.000/201=99,5
Tabela 3.1- Partilha usando método de Hamilton para M = 200
Estado
População
A
B
C
TOTAL
940
9.030
10.030
20.000
Quota standard
quando M=200
9,4
90,3
100,3
200,0
Partilha usando o
método de Hamilton
10
90
100
200
Tabela 3.2- Partilha usando o método de Hamilton para M = 201
Estado
População
A
B
C
TOTAL
940
9.030
10.030
20.000
Quota standard
quando M=201
9,45
90,75
100,80
201,00
Partilha usando o
método de Hamilton
9
91
101
201
21
Usando o método de Hamilton para a partilha de lugares, podemos ver que quando
temos M=200 lugares a serem partilhados, o Estado A fica com o único lugar extra e no final
da partilha temos 10 lugares para A, 90 lugares para B e 100 lugares para C.
O que acontece quando o número de lugares a serem partilhados aumenta para
M=201? Agora temos 2 lugares extras e eles vão para B e C, então no final das partilhas dá 9
lugares para A, 91 lugares para B e 101 lugares para C.
A chocante conclusão deste exemplo é que usando o método de Hamilton é possível
para um Estado receber uma partilha mais pequena com uma legislação maior do que com
uma menor. Sem dúvida, isto é uma situação muito injusta. A primeira vez que ocorreu um
problema deste tipo foi em 1880, quando se verificou que a Casa dos Representantes tinha
299 lugares, Alabama teria 8 lugares, mas se a Casa dos Representantes tivesse 300 lugares
Alabama ficaria com 7. A isto se chama o paradoxo de Alabama.
Tabela - Método de Hamilton e o paradoxo de Alabama, 1880
Estado
Alabama
Texas
Illinois
Quota standard
com M=299
7,646
9,64
18,64
Partilha
com M=299
8
9
18
Quota standard
com M=300
7,671
9,672
18,702
Partilha
com M=300
7
10
19
Matematicamente, o paradoxo de Alabama é o resultado de alguns equívocos da
aritmética básica. Quando aumentamos o número de lugares a serem partilhados cada quota
standard sobe mas não da mesma maneira. Assim , a ordem prioritária para os lugares
excedentes usado pelo método de Hamilton torna-se desordenado com o facto de alguns
Estados que tinham prioridade deixaram de a ter e vice versa. Como resultado alguns Estados
podem perder lugares que já tinham adquirido. Foi exactamente o que aconteceu no exemplo
anterior e no fiasco de Alabama em 1880.
Mais problemas com o método de Hamilton
A descoberta do Paradoxo de Alabama em 1880 foi o “beijo de morte” para o método
de Hamilton. Ironicamente, outras duas grandes falhas do método de Hamilton foram
descobertas mais tarde, quando o método já não estava a ser utilizado. De seguida vamos
discuti-las, resumidamente, não só porque são matematicamente interessantes, mas também
porque mostra que o método de Hamilton tinha sérios problemas mesmo que o paradoxo de
Alabama não tivesse ocorrido.
O Paradoxo de População
Por volta de 1900 foi descoberto que através do método de Hamilton, o Estado X podia
perder lugares para o Estado Y mesmo que a população de X tivesse crescido a uma taxa mais
elevada que a de Y. Inútil será dizer, que isto é inteiramente injusto. O exemplo seguinte
ilustra como isto, de facto, pode acontecer.
22
Exemplo: O Congresso Intergaláctico
Estamos no ano de 2525, e todos os planetas da galáxia assinaram finalmente um
tratado de paz. Cinco dos planetas (Areia, Barro, Cal, Dinamite e Esterlina) decidiram unir
forças e formar uma Federação Intergaláctica. A Federação será governada por um Congresso
Intergaláctico formado por 50 delegados, e cada um dos cinco planetas terá direito a um
número de delegados que seja proporcional à sua população. Os dados da população de cada
planeta estão ilustrados na Tabela 4.1.
Tabela 4.1. Congresso Intergaláctico: População calculada (em biliões) em 2525
Areia
Barro
Cal
Dinamite Esterlina
Total
Planeta
150
78
173
204
295
900
População
Quantos delegados deve ter cada planeta?
A população total dos cinco planetas é de 900 biliões. Se dividirmos este número por
50, obtemos o divisor standard de 18 biliões. Usando este divisor standard podemos obter as
quotas standard (coluna 3 da Tabela 4.2) e depois seguimos os passos 2 e 3 do método de
Hamilton, como mostramos nas colunas 4 e 5, respectivamente. A partilha final é exposta na
coluna 6.
Tabela 4.2. Congresso Intergaláctico: Partilha de 2525 (Método de Hamilton)
Planeta
Areia
Barro
Cal
Dinamite
Esterlina
Total
População Quota Standard Quota Inferior Lugares Extras
(em biliões) (população / 18)
(Passo 2)
(Passo 3)
150
8,3
8
78
4,3
4
173
9,61
9
1
204
11,3
11
295
16,38
16
1
900
50,00
48
2
Partilha
Final
8
4
10
11
17
50
Passaram dez anos e é tempo para redividir em porções o Congresso Intergaláctico. A
população de Cal aumentou oito biliões e a de Esterlina um bilião. Todos os outros planetas se
mantiveram.
Tabela 4.3. Congresso Intergaláctico: População calculada (em biliões) em 2535
Areia
Barro
Cal
Dinamite Esterlina
Total
Planeta
78
181
204
296
909
População 150
Uma vez que agora a população total é de 909 biliões e o número de delegados
continua a ser 50, o nosso divisor standard é agora 909/50 = 18.18. A Tabela 4.4 mostra os
passos através do método de Hamilton baseado neste novo divisor standard.
Tabela 4.4. Congresso Intergaláctico: Partilha de 2535 (Método de Hamilton)
Planeta
Areia
Barro
Cal
Dinamite
Esterlina
Total
População
(em biliões)
150
78
181
204
296
909
Quota
Standard
8,25
4,29
9,96
11,22
16,28
50,00
Quota Inferior
8
4
9
11
16
48
Lugares Extras
1
1
2
Partilha
Final
8
5
10
11
16
50
23
Mas como podemos notar algo realmente incorrecto tomou lugar nesta partilha. O
planeta Esterlina, cuja população tinha aumentado um bilião, perdeu um delegado para o
planeta Barro, cuja população se mantinha!
Isto é, em essência, o paradoxo de população: o Estado X tem uma taxa de
crescimento de população mais alta que a de Y, e mesmo assim, quando a partilha é
recalculada baseada na nova população, o Estado X perde lugares para o Estado Y.
O Paradoxo de Novos – Estados
Em 1907, quando Oklahoma se tornou Estado, foi descoberto outro paradoxo
produzido pelo método de Hamilton. Previamente, a Casa de Representantes tinha 386
lugares. Mas baseado na sua população, Oklahoma teve direito a cinco lugares, e assim a Casa
de Representantes passou de 386 para 391 lugares. A intenção de acrescentar os cinco lugares
extra era deixar as partilhas dos outros Estados inalteradas. Contudo, quando o total da
população foi ajustado para incluir a população de Oklahoma, o número de lugares aumentou
de 386 para 391, e a partilha foi recalculada sob o método de Hamilton, e então algo
realmente bizarro aconteceu: a partilha final de Maine aumentou (de 3 para 4 lugares) e a de
New York diminuiu (de 38 para 37). Ou seja, a junção de Oklahoma forçou New York a ceder
um lugar para Maine!
O facto de que a adição de um novo Estado com uma partilha justa de lugares possa
afectar as partilhas dos outros Estados é o chamado paradoxo de novos- Estados.
O exemplo seguinte dá-nos uma ilustração simples deste paradoxo.
Exemplo: Partilha de conselheiros para duas escolas secundárias
O Distrito Escolar Central tem duas escolas secundárias: a Escola Norte com um
registo de 1045 estudantes e a Escola Sul com um registo de 8955. O Distrito Escolar está a
distribuir um corpo directivo de 100 conselheiros, que vão ser divididos entre as duas escolas
usando o método de Hamilton. Donde resultou, como está sumariado na Tabela5.1, uma
partilha de 10 conselheiros para a Escola Norte e 90 conselheiros para a Escola Sul.
Tabela 5.1. Partilha de conselheiros para as duas escolas secundárias
baseada no método de Hamilton
Escola
Registo
Norte
Sul
Total
1045
8955
10.000
Quota Standard
(divisor standard = 100)
10,45
89,55
100,00
Partilha
10
90
100
Suponhamos agora que uma nova escola secundária (Escola Nova) é acrescida no
distrito e que tem um registo de 525 estudantes. Deste modo o Distrito Escolar decidiu
“alugar” cinco novos conselheiros e cedê-los à Escola Nova, usando o mesmo divisor
standard de 100 estudantes por conselheiro. No entanto, houve um resultado surpreendente,
como mostra a Tabela 5.2, quando recalcularam a partilha (usando ainda o método de
Hamilton).
24
Tabela 5.2. Partilha de conselheiros para as três escolas secundárias baseada no
método de Hamilton
Escola
Registo
Norte
Sul
Nova
Total
1045
8955
525
10.525
Quota Standard
(divisor standard = 100,238)
10,425
89,337
5,238
105,000
Partilha
11
89
5
105
4.4.2. Método de Jefferson
Este é um método de partilha de importância histórica e matemática. Ironicamente,
vamos explicar a ideia do método de Jefferson dando mais uma olhada ao método de
Hamilton.
Recordemos que através do método de Hamilton começávamos por dividir a
população de cada Estado por um número fixo (o divisor standard) que nos dava as quotas
standard. De seguida arredondávamos para baixo as quotas standard de cada Estado (passo 2).
Notemos que até este ponto o método de Hamilton usa uma política uniforme para todos os
Estados – os Estados são todos tratados de forma exactamente igual. Se procuramos justiça,
isto é obviamente bom. Mas agora vem a parte má (passo 3). Temos alguns lugares de sobra
para distribuir, mas não são suficientes para todos os Estados. Assim, somos forçados a
escolher alguns Estados para um tratamento especial. Do ponto de vista de justiça esta é a
maior fraqueza do método de Hamilton.
Não seria óptimo se pudéssemos eliminar o passo 3 no método de Hamilton? Ou,
pondo de outra maneira, não seria agradável se pudéssemos fazer de forma a que, depois de
dividir a população de cada Estado pelo mesmo número (passo 1) e de arredondarmos as
quotas resultantes para baixo (passo 2), ficássemos sem lugares em excesso?
Como podemos nós fazer funcionar tal magia? Teoricamente, a resposta é simples.
Temos de usar um divisor (diferente do divisor standard), que nos dê novas quotas
modificadas de modo que, quando arredondadas para baixo, o seu total seja exactamente igual
ao número de lugares a serem partilhados. Este é o método de Jefferson. Antes de darmos
uma descrição detalhada deste método, vamos dar um exemplo.
Exemplo: Método de Jefferson no Congresso de Parador
Mais uma vez vamos usar o exemplo de Parador. (Recorde que o divisor standard
neste exemplo é de 50.000). A Tabela 6.1 mostra os cálculos baseados no divisor standard. Já
estamos familiarizados com estes cálculos – eles são exactamente os que usamos nos passos 1
e 2 do método de Hamilton.
25
Tabela 6.1. República de Parador: Cálculos usando o divisor standard
Estado
População
A
B
C
D
E
F
Total
1.646.000
6.936.000
154.000
2.091.000
685.000
988.000
12.500.000
Quota Standard
(População/50.000)
32,92
138,72
3,08
41,82
13,70
19,76
250,00
Quota Inferior
(Passo 2)
32
138
3
41
13
19
246
A Tabela 6.2 mostra cálculos semelhantes aos anteriores mas agora baseados no
divisor modificado D = 49.500. De momento não nos vamos preocupar por saber de onde
vem este número. O importante é que com este divisor, todas as quotas modificadas são
maiores que as quotas standard e o total destas quotas inferiores modificadas é exactamente
250. A última coluna da Tabela 6.2 mostra a partilha produzida pelo método de Jefferson.
Tabela 6.2. República de Parador: Cálculos usando o divisor modificado D = 49.500
Estado
População
A
B
C
D
E
F
Total
1.646.000
6.936.000
154.000
2.091.000
685.000
988.000
12.500.000
Quota
Standard
32,92
138,72
3,08
41,82
13,70
19,76
250,00
Quota Modificada
(população/49.500)
33,25
140,12
3,11
42,24
13,84
19,96
252,52
Quota Inferior
Modificada
33
140
3
42
13
19
250
Antes de continuarmos com o estudo do método de Jefferson, esclareceremos alguma
da terminologia que já usamos: chamamos o número D usado no passo 1 o divisor
modificado, e o resultado da divisão da população do Estado por D a quota modificada do
Estado.
Agora estamos prontos para uma descrição formal do método de Jefferson.
Método de Jefferson
Passo 1: Encontrar um número D (divisor modificado) tal
que quando a quota modificada (população do Estado dividida
por D) é arredondada para baixo (quota inferior modificada), o
seu total é exactamente o número de lugares a serem
partilhados.
Passo 2: A partilha para cada Estado é a quota inferior
modificada.
Thomas Jefferson
(1743 – 1826)
26
Agora é altura de perguntarmos: mas como encontramos esse divisor “mágico” D que
faz funcionar o método de Jefferson? Ou como encontramos D = 49.500 no exemplo anterior?
Uma maneira possível é através de tentativas-erros. Usando uma calculadora é possível fazer
boas suposições. Comecemos com o facto de que o divisor que andamos à procura tem que
ser menor que o divisor standard, uma vez que queremos as quotas modificadas maiores que
as quotas standard. Então escolhemos um número D que esperemos que funcione e levamos a
cabo todos os cálculos exigidos pelo método de Jefferson: dividir a população por D;
arredondar os resultados para baixo; somar os resultados arredondados .Se tivermos sorte, o
total é precisamente aquele que desejamos (o número de lugares a serem partilhados) e
terminamos por aqui. Caso contrário, temos que mudar a nossa suposição (tentar com um
mais pequeno se o total for muito baixo, ou com um maior se o total for muito alto) e
tentamos outra vez. Usualmente, existe mais que um que funcione.
Vejamos para o exemplo anterior. Sabemos que estamos à procura dum divisor
modificado D menor que 50.000. Vamos então começar com a suposição de 49.000.
Tabela 6.3. República de Parador: Cálculos usando o divisor D = 49.000
Estado
População
A
B
C
D
E
F
Total
1.646.000
6.936.000
154.000
2.091.000
685.000
988.000
12.500.000
Quota
Standard
32,92
138,72
3,08
41,82
13,70
19,76
250,00
Quota Modificada
(população/49.000)
33,59
141,55
3,14
42,67
13,98
20,16
255,09
Quota Inferior
Modificada
33
141
3
42
13
20
252
Este divisor não funciona, uma vez que nos dá um total de 252, o qual é muito alto.
Isto significa que o nosso divisor tem de ser um pouco maior, experimentemos então D =
49.500 (Tabela 6.2). Bingo! No entanto podíamos notar que o divisor D = 49.450 também
funciona, assim como outros.
Método de Jefferson e a regra da quota:
O método de Jefferson sofre de uma falha principal: viola a regra da quota. Se
retomarmos o exemplo anterior vimos que o Estado B tinha 140 lugares através do método de
Jefferson, e a sua quota standard era de 138,72. De acordo com a regra da quota, as únicas
partilhas justas para o Estado B são 138 ou 139 lugares. Dar ao Estado B uma sorte
inesperada de 140 lugares (1,28 lugares a mais da quota standard) vai contra o princípio de
justiça. Afinal de contas, o ganho de B está algures na perda de outro Estado.
Este tipo de violação da regra da quota, onde um Estado adquire mais que devia (em
outras palavras, tem mais que a sua quota superior), é a chamada violação da quota superior.
Uma outra possível violação da regra da quota é quando um Estado adquire menos que a sua
quota inferior, a chamada violação da quota inferior. Através do método de Jefferson apenas
são possíveis as violações das quotas superiores.
Quando o método de Jefferson foi adoptado em 1791, é duvidoso que alguém tenha
notado que este método sofria de uma falha tão grande, certamente nem Jefferson nem
Washington notaram. Mas não demorou muito tempo para o problema vir ao de cima. Na
27
partilha de 1832, New York com uma quota standard de 38,59 recebeu 40 lugares. Isto
horrorizou praticamente toda a gente excepto a delegação de New York. Daniel Webster,
entre outros, argumentou que isto era de facto inconstitucional:
“A Casa consiste em 240 sócios. Agora, a precisa porção de poder, para os quais
New York seria intitulada de acordo com a sua população, é de 38,59; quer dizer, ela teria
direito a 38 sócios, e teria ainda um resto de fracção; mas mesmo se um sócio lhe fosse dado
pela fracção, ela ainda teria 39. Mas a conta dá-lhe 40...para que lhe dão um quadragésimo
sócio? Não será pelos seus valores absolutos, e também não será por causa de aquinhoar os
seus sócios aos seus números tão próximo quanto podia ser porque 39 é uma partilha mais
próxima de sócios do que 40. Mas é determinado, dizem os defensores da conta, porque o
processo que foi adoptado (método de Jefferson) dá isso. A resposta é, não há tal processo
que seja ordenado pela Constituição.”
Foi na partilha de 1832 que a Casa de Representantes foi pela última vez dividida
usando o método de Jefferson. Estava claro que era necessário experimentar algo novo, e
encontrar um método de partilha que não violasse a regra da quota.
4.4.3. Método de Adams
Na mesma altura que o método de Jefferson “caiu” na desonra por causa das violações
da regra da quota, John Quincy Adams propôs um método que era uma imagem de espelho
disto. Este método era baseado exactamente na mesma ideia mas em vez de se basear na quota
inferior modificada era baseada na quota superior modificada.
Descrição formal do método de Adams:
Método de Adams
Passo 1: Encontrar um divisor modificado D de tal
modo que quando a quota modificada de cada Estado
(população do Estado dividida por D) é arredondada para
cima (quota superior modificada), o total é exactamente o
número de lugares a serem partilhados.
Passo 2: A partilha para cada Estado é a quota
superior modificada.
(1767 – 1848)
Certamente, Adams pensou que ao fazer isto poderia evitar as violações da quota
superior, a grande fraqueza do método de Jefferson. Mas ele estava certo apenas numa parte.
Exemplo: Método de Adams no Congresso de Parador
Vamos começar por supor um possível divisor D que esperemos que funcione.
Sabemos que D terá que ser maior que 50.000 de forma a que as quotas modificadas sejam
menores que as quotas standard e quando arredondadas para cima somarem 250. Recordando
que 49.500 funciona para o método de Jefferson, supomos que uma boa escolha possa ser D
= 50.500.
A Tabela 7.1 mostra os cálculos baseados em D = 50.500.
28
Tabela 7.1. República de Parador: Cálculos para o método de Adams baseados em D = 50.500
Estado
População
A
B
C
D
E
F
Total
1.646.000
6.936.000
154.000
2.091.000
685.000
988.000
12.500.000
Quota
Standard
32,92
138,72
3,08
41,82
13,70
19,76
250,00
Quota Modificada
(população/50.500)
32,59
137,35
3,05
41,41
13,56
19,56
24,.52
Quota Superior
Modificada
33
138
4
42
14
20
251
Uma vez que o total é muito alto, temos de baixar as quotas modificadas um pouco
mais. Tentemos então com o divisor D = 50.700.
Tabela 7.2. República de Parador: Cálculos para o método de Adams baseados em D = 50.700
Estado
População
A
B
C
D
E
F
Total
1.646.000
6.936.000
154.000
2.091.000
685.000
988.000
12.500.000
Quota
Standard
32,92
138,72
3,08
41,82
13,70
19,76
250,00
Quota Modificada
(população/50.700)
32,47
136,80
3,04
41,24
13,51
19,49
246,55
Quota Superior
Modificada
33
137
4
42
14
20
250
Existe algum problema com o método de Adams? Pode apostar! Ora vejamos: a
partilha do Estado B é de 137 lugares e a sua quota standard é de 138,72 – temos um défice de
1,72 lugares. Este é um exemplo de uma violação da quota inferior. Com o método de Adams,
todas as violações da regra da quota são deste tipo.
4.4.4. Método de Webster
É bastante claro que ambos os métodos, o de Jefferson e o de Adams, partilham da
mesma filosofia: tratar todos os Estados exactamente da mesma maneira (a única diferença é
que ao passo que o método de Jefferson arredonda as quotas para baixo, o método de Adams
arredonda para cima). Por um momento parecem ser bons métodos, mas como sabemos têm
sérios defeitos.
Em 1832, Daniel Webster propôs uma ideia bastante básica: arredondar as quotas para
o inteiro mais próximo, tal como arredondamos decimais – para baixo se a parte fraccionário
é menor que 0,5, e para cima caso contrário (Webster sempre percebeu que esta seria a única
maneira justa de arredondar números). Mas, um leitor atento apercebe-se que já tínhamos
tentamos esta ideia antes, e que não tinha funcionado! Contudo há uma ligeira diferença. Na
nossa primeira tentativa, usávamos esta noção nas quotas standard. A ideia de Webster foi
usar as quotas modificadas escolhidas especificamente de forma a que, depois de
arredondarmos da maneira convencional, o total seja exactamente o número de lugares a
partilhar.
29
Descrição formal do método de Webster:
Método de Webster
Passo 1: Encontrar um divisor modificado D tal que
quando a quota modificada de cada Estado (população do
Estado dividida por D) é arredondada na maneira
convencional (para o inteiro mais próximo) o total é o
número exacto de lugares a partilhar.
Passo 2: A partilha de cada Estado é a quota
Daniel Webster
(1782 – 1852)
Exemplo: Método de Webster no Congresso de Parador
Vamos repartir o Congresso de Parador usando o método de Webster. A nossa
primeira decisão é fazer uma suposição do divisor D. Deve este ser maior ou menor que o
divisor standard? Aqui nós ainda usamos as quotas standard como um guia para a nossa
suposição. Se arredondarmos as quotas standard para o inteiro mais próximo (como fizemos
na Tabela 1.3), obtemos um total de 251. Este número é muito alto, o qual nos diz que
devemos tentar um divisor D maior que o divisor standard. Vamos tentar D = 50.100. A
Tabela 8.1 mostra os cálculos baseados em D = 50.100. Arredondando as quotas modificadas
para o inteiro mais próximo podemos ver que este divisor D funciona! A última coluna da
Tabela 8.1 mostra a partilha final usando o método de Webster.
Tabela 8.1. República de Parador: Cálculos para o método de Webster baseados
em D = 50.100
Estado
População
A
B
C
D
E
F
Total
1.646.000
6.936.000
154.000
2.091.000
685.000
988.000
12.500.000
Quota Modificada
(população/50.100)
32,85
138,44
3,07
41,74
13,67
19,72
249,49
Arredondado
para
33
138
3
42
14
20
250
Embora o método de Webster funcione segundo o princípio de justiça tal como os
métodos de Jefferson e Adams, é um pouco mais difícil de usar na prática, visto que o divisor
modificado que procuramos pode ser maior, igual ou menor que o divisor standard. Por outro
lado, há algo de gratificante no método de Webster – valida a noção de que as quotas devem
ser arredondadas como os números ordinários. A razão de não ter funcionado quando
tentamos pela primeira vez foi o facto de termos usado esta noção para as quotas standard. O
método de Webster faz isto funcionar modificando as quotas sempre que necessário.
O método de Webster revela-se um óptimo método de partilha, mas como é usual,
existe algo menos bom – o método de Webster também viola a regra da quota. Mas
felizmente, isto vela ser um problema mais teórico que prático, visto que as violações da regra
da quota através deste método são raras e um tanto imaginadas. De um ponto de vista prático,
o método de Webster é considerado por muitos peritos o melhor de todos os métodos de
partilha disponíveis, e pode muito bem fazer um retorno como método de partilha oficial para
a Casa de Representantes, possivelmente nas nossas vidas.
30
4.4.5. O Teorema da impossibilidade de Balinsky e Young
Neste capítulo introduzimos quatro métodos de partilha. A seguinte Tabela 9.1 resume
os resultados da partilha do Congresso de Parador através de cada um dos métodos.
Tabela 9.1. Congresso de Parador: Resumo dos quatro métodos
Estado
A
B
C
D
E
F
Total
População
1.646.000
6.936.000
154.000
2.091.000
685.000
988.000
12.500.000
Quota Standard Hamilton
32,92
33
138,72
139
3,08
3
41,82
42
13,70
13
19,76
20
250,00
250
Jefferson
33
140
3
42
13
19
250
Adams
33
137
4
42
14
20
250
Webster
33
138
3
42
14
20
250
Note que cada um dos quatro métodos produz uma partilha diferente. Isto mostra
claramente que os métodos são de facto todos diferentes. No entanto, é possível que dois
métodos diferentes produzam partilhas idênticas.
Dos quatro métodos, o de Hamilton tem uma estreita ligação com as quotas standard,
ao passo que os outros três (Jefferson, Adams, e Webster) estão baseados na filosofia que as
quotas podem ser modificadas através da escolha apropriada do divisor. Apesar de alguns
métodos serem claramente melhores que outros, nenhum deles é perfeito. Cada um deles viola
a regra da quota ou então produz paradoxos.
A tabela seguinte resume as características dos quatro métodos:
Viola regra da quota
Paradoxo Alabama
Paradoxo População
Paradoxo Novos-Estados
Favoritismo para Estados
Hamilton
Não
Sim
Sim
Sim
Grandes
Jefferson
Sim
Não
Não
Não
Grandes
Adams
Sim
Não
Não
Não
Pequenos
Webster
Sim
Não
Não
Não
Pequenos
Por muitos anos, a última esperança tida pelos eruditos interessados no problema da
partilha, dentro ou fora do Congresso, era que os matemáticos viessem eventualmente com
um método de partilha ideal – um que não violasse a regra da quota nem produzisse quaisquer
paradoxos e tratasse os Estados grandes e pequenos sem favoritismo. Como o Congressista
Ernest Gibson de Vermont declarou em 1929, “A partilha de Representantes para a população
é um problema matemático. Então porque não se usa um método que aguente o teste de
justiça através de uma fórmula matemática correcta?”
E afinal, porque não? A resposta surgiu em 1980 com a surpreendente descoberta feita
por dois matemáticos - Michael L. Balinsky e H. Peyton Young – que ficou conhecida como o
teorema da impossibilidade de Balinsky e Young que afirmava:
“Não existem métodos de partilha perfeitos. Qualquer método de partilha que não
viole a regra da quota produz paradoxos, e qualquer método que não produza paradoxos vai
violar a regra da quota.”
Uma vez mais, podemos concluir que: Justiça e representação proporcional são
inerentemente incompatíveis.
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5. Bibliografia
Tannenbaum, Peter e Arnold, Robert. (2001) “Excursions in Modern Mathematics”,
4ª edição, Prentice - Hall
32
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Trabalho realizado por: Alexandra Cristina Lopes da Costa Cláudia