VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 CANDIDO E COUTINHO: NOTÓRIAS CONTRIBUIÇÕES PARA A CRÍTICA E A HISTORIOGRAFIA NACIONAL Alessandro da Silva (G - UENP / Jac.) [email protected] Luciana Brito (Orientadora – UENP / Jac) O intuito deste artigo é analisar os traços peculiares dos prefácios de dois cânones da literatura brasileira, da década de 60, pertencentes, respectivamente, aos críticos Antônio Candido e Afrânio Coutinho. E, em seguida, discutir as contribuições desses autores à formação da literatura nacional, a construção do espaço da crítica literária brasileira e o revigoramento do cânone. Antes de começar as reflexões sobre o cânone nacional, a crítica literária nacional, a história literária brasileira e discutir a participação dos dois críticos citados acima em momentos decisivos da formação da literatura brasileira, é necessário um estudo do desenvolvimento do termo semântico “Literatura”. A literatura encontra sua definição ao longo do processo histórico. O que se compreende como literatura hoje não é a mesma compreensão que se tinha dessa em séculos anteriores. No século XV, a literatura era vista como erudição, não se fazia literatura, mas se tinha literatura, ou seja, nesse momento a literatura era vista como um saber enciclopédico, quanto maior o conhecimento e capacidade de interpretação do indivíduo, maior seria sua Literatura. Em fins do século XVIII, a literatura passa a ser entendida como produção artística, representando o “gosto literário”, o que lhe conferirá um caráter distinto das outras manifestações humanas. . Em conseqüência disso, no século XIX, a literatura passa a ser cientificista, buscando expressar o contexto histórico-social do momento, transformando-se na “cópia do real”. Isso será representado 1 VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 pela crítica sociológica, que colaborará com a formação de importantes histórias da literatura. Para entender as definições de literatura faz-se necessário também um estudo das abordagens da crítica literária. A crítica literária surge com os gregos, passa a ser uma ciência a partir do século XIX, e chega até os dias de hoje. Desde sempre a crítica se dividira em várias vertentes, cada uma preconizando temas e abordagens diferentes. Desse modo, a crítica literária tornou-se um produto originário da visão que os críticos literários têm em relação ao momento artístico vivido, e a definição de literatura de seu tempo. Citando algumas dessas vertentes da crítica literária, podemos destacar a Crítica Histórica, que relacionava a obra com os fatos históricos, fundada na análise dos documentos; a Crítica Impressionista, que analisava as impressões do leitor; a Crítica Humanística, na qual deveria se observar na obra a capacidade de análise e erudição; a Crítica Biográfica que se preocupava com o perfil do autor e sua impressão de mundo retratada na obra; a Crítica Formalista, o Formalismo Russo, o New Criticism, o Estruturalismo e o Pós- Estruturalismo, que rejeitavam os fatores extrínsecos ou extra-literários da obra, procurando estudá-la por sua forma e matéria própria; a Crítica Sociológica, através da qual se buscava na literatura uma arte que fosse uma “cópia do real”; a Estética da Recepção; a Crítica Psicanalítica, que por meio das idéias do psicanalítico Sigmund Freud procurava na obra a representação do inconsciente do sujeito; a Crítica Gramatical, que se reduzia ao estudo da gramática da obra; a Crítica Feminista; e a Crítica Genética, que se preocupava com os momentos de criação da obra, o seu “nascimento”. Entendido o processo de transformação da literatura ao longo do processo histórico e as apropriações da crítica literária, é necessária a compreensão de como foram confeccionadas as histórias da literatura e seus respectivos cânones. A confecção da história da literatura brasileira, por muito tempo, foi alvo de conflitos entre os críticos. Refletia se muito sobre a 2 VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 utilização de teorias históricas ou sociais para explicar a literatura. O fato de se utilizar de outros métodos e teorias científicas para explicar a manifestações humanas, negava a identidade autônoma da literatura como uma ciência que além de explicar o homem, o formava. Um exemplo claro dessa posição dos críticos brasileiros evidencia-se quando Silvio Romero publica sua história literária. Este é criticado por fazer uma história literária que seria mais uma análise social do que um percurso da literatura nacional. Junto às histórias literárias estavam os cânones, formados por obras postas em um patamar superior e intocável, devido suas qualidades e devido aos interesses do crítico e da teoria literária que o formava. Desse modo, cada crítico analisaria as obras pelo critério que defendesse, cabendo a esse ser um juiz das obras para que cada uma tivesse seu devido lugar na história da literatura. [...] a legitimação pelo cânone vai interessar mais ao crítico, ao estudioso da literatura, do que ao escritor, na medida em que este, visto como agente desestabilizador da norma, busca constantemente a inovação, o rompimento com a tradição, o avesso, pois, afinal, como afirma Eduardo Portella, o grande escritor” não é o que preserva o cânone ou protege o cânone. É o que implode”(1997,p.5).Outro dado importante é o fato de todo cânone ser o cânone da exclusão, na medida em que é resultado de uma escolha por autoridades críticas inseridas em contextos ideológicos diferentes, ou seja, as consideração sobre o cânones jamais serão consensuais”( BRITO,2005, p. 03) Durante muito tempo pensou-se no cânone como algo imutável e intocável. Entretanto, a partir da década de 80, a crítica passou a considerar que o cânone está sujeito a mudanças, não podendo ser homogêneo porque é resultado de um ideia de um indivíduo imerso em um contexto político, cultural e ideológico distinto. Sendo assim, cada cânone é produto do olhar que lhe dá forma. A ideia de um cânone único e oficial foi abandonada, e substituída pela noção de uma estrutura aberta, suficientemente flexível de modo a incluir um espectro de possibilidades, que variam de 3 VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 acordo com circunstâncias históricas diferentes. (COUTINHO, 2003) Estudar e compreender a crítica literária nacional é algo complexo, pois a crítica literária brasileira não dispõe de um arcabouço teórico amplo e ainda enfrenta abalos em suas estruturas. Dessa forma, o cânone nacional oficial brasileiro estabelecido por Varnhagen, em 1850, o Florilégio da poesia brasileira, financiado e direcionado pelo projeto nacionalista do IHGB, é resultado dos ideais naturalistas, realistas e românticos que buscavam uma formação da nação brasileira e também a valorização da literatura nacional. Em 1888, Silvio Romero estabelece a primeira História da Literatura Brasileira, utilizando como método crítico o sociológico e abarcando todas as manifestações e expressões humanas como literatura, o que irá lhe conferir o título de autor de uma obra monumental, o que na visão de alguns críticos será muito mais uma análise social e cultural do que uma história literária. A História da Literatura Brasileira de Sílvio Romero, é o resultado de um processo de tentativas anteriores implementadas principalmente pelos críticos românticos. O fato de ter sido uma tarefa dos críticos românticos importou na elaboração de um paradigma que reflete toda a discussão em torno do nacionalismo literário - nacionalismo este que não foi uma preocupação apenas dos críticos brasileiros, mas um ponto característico da crítica literária do século XIX, de um modo geral (CAIRO, 1995, p.44) Em fins do século XIX e começo do XX, a influência da crítica cientificista que buscava o reflexo do social, foi representada no Brasil por Silvio Romero, Araripe Júnior e de certa forma José Veríssimo. Em 1912, é a primeira vez que, no Brasil, se prioriza dentro da crítica cientificista, a estética da obra, pelo projeto concluído de Veríssimo, que por alguns foi chamado de segunda história da literatura 4 VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 brasileira, a qual, devido à definição do padrão estético da literatura, promoverá uma diminuição da obra de Romero. José Veríssimo afirma que: Somente o escrito com o propósito ou a intuição dessa arte, isto é, com os artifícios de invenção e de composição que a constituem, é, a meu ver, a literatura. Assim pensando, quiçá erradamente, pois não me presumo de inafalível, sistematicamente excluo da história da literatura brasileira quanto a esta luz se não deva considerar literatura. Esta é neste livro sinônimo de boas ou belas – letras, conforme a vernácula noção clássica. Nem se me dá da pseudonovidade germânica que no vocábulo literatura compreende tudo o que se escreve num país, poesia lírica e economia política, romance e direito público, teatro e artigos de jornal e até o que se não escreve, discursos parlamentares, cantigas e histórias populares, enfim autores e obras de todos os gêneros. (VERÍSSIMO, 1969, p.10) Já em meados de 1950, os modelos de crítica até então praticados transformam-se e propõem análises mais solidificadas. Pode-se verificar essa nova postura crítica em Antônio Candido, com a Formação da Literatura brasileira (1956), e Afrânio Coutinho, com A Literatura no Brasil (1959). Nos anos 60, a crítica literária brasileira ganha mais uma experiência de análise com o critério estético de Haroldo de Campos.E por fim, a partir dos anos 80, a crítica nacional vai da dicotomia estético/ nacionalista que se encontrava até este momento: [...] para a expressão das vozes que ficaram à margem do cânone da literatura brasileira. É o momento marcado pelo multiculturalismo nas reflexões da crítica e história literária brasileira que busca revitalizar o cânone, através da inclusão de textos que expressavam as vozes dos porventura deixados à margem em função da etnia, gênero, sanção ideológica, e consequentemente exclusão daqueles que não mais respondem ao horizonte de expectativa do presente (CAIRO, 2002, p.16) Após o entendimento de todo o percurso da crítica literária brasileira, pode-se partir para a análise específica dos prefácios de dois cânones importantes da literatura brasileiro: o de Candido e o de Coutinho. Para isso, utilizamos os métodos de literatura comparada, tendo sempre em mente que um bom comparativismo é aquele cujas 5 VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 comparações são neutras, imparciais, dando um critério mais científico e justo à análise. A análise do prefácio de A Literatura no Brasil apresenta o ponto de vista de Afrânio Coutinho em relação à História Literária brasileira, ao conceito de literatura, a valorização da estética da obra, a nova crítica, o dever da crítica, a periodização literária. O crítico discute ainda o início e a formação da literatura nacional. Segundo Coutinho, a literatura não poderia mais depender da História para ser explicada, ou ainda de outras ciências sociais para que não se corresse o risco de uma História Literária versar mais sobre o tempo histórico e o social vivido do que as próprias estruturas da obra. Para ele, a monumental obra de Silvio Romero não era literatura e sim uma enciclopédia sociológica de interpretação e conhecimentos da sociedade brasileira. Segundo o autor, a crítica deve possuir seus métodos e o crítico deve fazer bom uso destes, se quiser fazer uma história da literária verdadeira. A crítica não deve partir da alma do crítico, resumindo-se nas suas impressões. A sua origem não é o sujeito, mas o objeto, isto é, a obra. Nesta é que se deve situar para, analisando-lhe os padrões arquiteturais e estilísticos, fazer um pronunciamento acêrca de seu mérito. O mais é achismo irresponsável, impressionista, leviano, ocasional. Pode-se chamar de tudo, menos crítica. E quem o fizer é tudo, menos crítico. (COUTINHO, 1968, p.LII) Afrânio Coutinho enfatiza que a literatura do século XIX deveria ser repensada, e a obra de Romero seria uma “história da literatura e não da cultura brasileira” (COUTINHO, 1968, p.XIII). Sua crítica se preocupou com os elementos intrínsecos da obra, com a estética. Em momento algum, os fatores extra-literários seriam esquecidos, mas haveria uma exaltação do estético da obra e uma dissimulação quanto a outros aspectos externos de cada obra. 6 VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 Ao naturalismo, positivismo, determinismo geográfico, radical e sociológico, fazia-se mister opor uma concepção pròpriamente estético-literária, isto é, uma teoria da literatura segundo a qual o fato literário fôsse visto, não como um “documento” da sociedade ou da personalidade, porém como um “momumento” estético com qualidades e finalidades próprias, retiradas de sua própria constituição íntima, e analisáveis por uma crítica pròpriamente literária, específica nos seus atributos e métodos.(COUTINHO, 1968, p.XIII) Essa postura de Coutinho será questionada por muitos críticos que alegam que este, valoriza apenas o estético da obra esquecendo-se dos fatores extrínsecos. Coutinho diz não excluir os fatores extrínsecos, mas privilegiar os fatores intrínsecos e mostrar que através destes fatores os extrínsecos orbitam, pois, afinal, também são importantes para a análise literária da obra. [...] ao reivindicar a autonomia e especificidade da arte não pretendem os formalistas, isto é, os que advogam uma concepção formal, estética, e não conteúdista da arte, negar suas ligações, o seu substrato, as suas infra-estruturas ( COUTINHO, 1968, p. LVI) Para Afrânio, a Nova Crítica do século XX teria a função de dar à história da literatura o espaço que lhe foi roubado, pois até então os historiadores literários haviam se preocupado com a História sem notar que a literatura por si só se explicaria. O estético provocando a autonomia da obra poderia explicitar seus fatores intrínsecos. A verdadeira história literária, que se alia crítica, não vê a literatura sempre condicionada a história, e acredita na possibilidade de um desenvolvimento imanente da literatura, em formas estilos, gêneros, o qual suscitaria as transformações estéticas independentes de desenvolvimentos extraliterários. Ao atirar-se a literatura, o historiador pode fazê-lo com o intuito legítimo, para êle, de recolher material de documentação histórica. Mas, assim fazendo, êle se engaja como historiador, não como crítico literário, nem mesmo como historiador literário (COUTINHO, 1968, p. XXII ,XXIII) Quanto à origem da literatura brasileira e a sua formação, Coutinho considera que a “[...] formação da literatura brasileira, está naquele período, isto é, nos séculos XVI e XVII, sob a égide do estilo barroco...” (COUTINHO, 1968, p. LXI). 7 VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 Em seguida, ao analisar o prefácio da Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido, notamos que, para este, a crítica deveria levar em conta a definição de literatura como sistema, ou seja, o crítico deveria fazer uma análise extrínseca da obra, buscando os fatores extra-literários. Essa literatura como sistema era definida da seguinte maneira: autor-obra-público. Segundo o crítico, era necessário analisar estes três quesitos de uma obra. Tais considerações o levam a dizer que a origem da literatura brasileira não seria com o Barroco, como afirma Coutinho, e sim com o Romantismo. Para Antônio Candido, a literatura produzida pelo Barroco era totalmente subordinada à literatura de Portugal, segundo ele um prolongamento da literatura da metrópole. Candido afirmava que a literatura brasileira era pobre, fraca, pois sempre esteve dependente da européia. Dessa forma, considerar o Romantismo como sendo a própria manifestação literária brasileira, colaboraria com a formação da consciência nacional que estava se solidificando. A posição crítica de Candido pode ser evidenciada nesse fragmento: Nela procurei mostrar a inviabilidade da crítica determinista em geral, e mesmo da sociológica, em particular quando se erige em método exclusivo ou predominante; e procurei, ainda, mostrar até que ponto a consideração dos fatores externos (legitima e conforme o caso, indispensável) só vale quando submetida ao princípio básico de que a obra é uma identidade autônoma no que tem de especificamente seu. Esta precedência do estético, mesmo em estudos literários de orientação ou natureza histórica, leva a jamais considerar a obra como produto; mas permite analisar a sua função nos processos culturais. É um esforço (falível como os outros) para fazer justiça aos vários fatores atuantes no mundo da literatura. (CANDIDO, 1964, p.16) Os dois autores em análise encaram o texto literário a partir de suas questões estéticas, mas por caminhos diferentes. Candido por uma visão mais social, unindo os fatores extraliterários aos intrínsecos da obra analisada. E a outra visão – a de Coutinho – argumenta que os fatores intrínsecos da obra devem se sobrepor aos extrínsecos. Os dois 8 VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 críticos literários apresentam também uma visão antagônica a respeito da origem da literatura brasileira, pois Candido aponta o Romantismo como o início e Coutinho aponta o Barroco como foi apresentado neste artigo. Essas duas obras analisadas foram de grande importância para a constituição do espaço da crítica literária brasileira, fundamentada em momentos decisivos da literatura. Enfim, buscou-se com este artigo explicitar as contribuições desses dois críticos à formação da literatura nacional, bem como esclarecer algumas informações a respeito das metamorfoses da crítica literária, e da literatura. Lembrar também que dessa forma a crítica teria a função de conscientizar a sociedade de que o cânone não é algo fixo, ou pronto, ele pode e deve mudar. Esse trabalho se faz necessário para que a cada vez mais a literatura se torne compreensível e tenha o seu devido valor na sociedade, uma vez que é clara sua função na sociedade humanizando o homem e ressignificando sua existência, pois como diz Candido (1972), a literatura é algo que explica o homem e depois o forma. REFERÊNCIAS BARBOSA, João Alexandre. Literatura nunca é apenas literatura. São Paulo: FDE, 1994. BRITO, Luciana. O cânone literário brasileiro. Anais do II Seminário de Iniciação Científica- Soletras, Jacarezinho-PR, 2005. BRITO,Luciana. Desenvolvimento histórico semântico do termo literatura. Anais do III Seminário de Iniciação Científica- SóLetras, Jacarezinho-PR,2006. CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira: Momentos decisivos. 4ª ed. São Paulo:Martins Fontes, 1987. 9 VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Texto recebido para publicação em 8/8/1972. São Paulo. COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. 2ª Ed.Rio de Janeiro: Sul Americana,1968. ELIOT, T. S. Tradição e talento individual. São Paulo: Art Editora, 1989. SANTIAGO, Silviano. Uma Literatura nos Trópicos. São Paulo: Perspectiva, 1978 10