http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 O REORDENAMENTO TERRITORIAL NOS TERRITÓRIOS DO PETRÓLEO Juliana Higa Bellini Geógrafa. Mestranda do departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa – UFV/MG [email protected] Ítalo Itamar Caixeiro Stephan Arquiteto e urbanista. Professor doutor do departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa – UFV/MG [email protected] INTRODUÇÃO No Brasil, a gestão da produção de petróleo e gás não ocorre nos espaços onde se dá a exploração mineral. Por ser um produto estratégico para o crescimento e desenvolvimento do país (PIQUET, 2007), a gestão ocorre nas esferas estadual, federal e internacional, de modo que a escala subnacional, sobretudo a municipal, fica subordinada. Por estarem ligados a atividades-chave da economia do país, seus administradores [responsáveis pela gestão da produção de petróleo e gás] reportam-se diretamente à instância federal, deslocando o plano subalterno as institucionais locais, que tendem a perder o controle político e administrativo. (PIQUET, 2007, p.21) A gestão do petróleo e gás também tem como característica sua dependência de capitais internacionais, sobretudo a partir da década de 1990, quando foi implantado um conjunto de reformas neoliberais que tiveram, dentre outras demandas, a abertura comercial e a diminuição do papel do Estado no planejamento e regulamentação (CANO, 2011). No contexto da produção de petróleo e gás, essa reforma se materializou com a Lei Federal 9.478/97 - conhecida como Lei do Petróleo – que abriu o mercado interno para a aplicação de capitais internacionais, retirando o monopólio da Petrobrás sobre a exploração 4745 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 mineral. O petróleo, como uma commodity se tornou, assim, um dos mecanismos para a inserção dos país nos modernos circuitos produtivos globalizados. Estas características, se por um lado produzem um vultoso crescimento econômico, por outro proporcionam uma condição de vulnerabilidade econômica para os municípios produtores de petróleo e gás no Brasil, denominados territórios do petróleo, pois fortalecem práticas de competitividade intermunicipal, de especialização funcional, de urbanização corporativa e o desmantelamento das perspectivas de cooperação intermunicipal e inter-regional, sobretudo aquelas que poderiam motivar e fortalecer vocações econômicas pensadas para a era pós-petróleo, em detrimento do desenvolvimento e transformação social nesses territórios. Na região Norte Fluminense, localizada no Estado do Rio de Janeiro e principal região produtora de petróleo e gás do país, a presença dessas características de vulnerabilidade e subordinação são esclarecedoras, principalmente quando se verifica que, embora a região seja formada por um conjunto de municípios com os maiores Produto Interno Bruto - PIB do Brasil se mantém níveis de pobreza e baixo desenvolvimento econômico. ESPAÇOS DERIVADOS Em 1978, Milton Santos expôs o conceito de espaços derivados, caracterizando-os como espaços com autonomia relativa, com forma e função definidos extralocalmente. Pereira (2010) explica que a formação e as transformações do território nacional estão relacionadas com a inserção do país na divisão internacional do trabalho e que esta condição sempre inseriu o país a um situação subordinada na economia e, portanto, configurando os espaços derivados. Moraes (2005) ensina que a formação dos espaços derivados no Brasil existe desde o período colonial com a produção agrícola e a exploração de minério, primeiramente para a metrópole portuguesa e depois para o mercado externo. Com a conjuntura neoliberal esses espaços foram atualizados sob um novo arranjo do sistema econômico internacional a explorar o mundo subdesenvolvido. Para que haja tal conformação subordinada e, portanto, os espaços derivados no país, a participação do Estado é fundamental, na medida em que sua atuação “(...) se faz, 4746 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 fundamentalmente e em última análise, visando criar condições de realização e reprodução da sociedade capitalista.” (CORRÊA,1993, p.26). Nesse sentido, essa participação se dá não para diminuir as desigualdades sociais, mas para administrar o conflito de classes e dar suporte ao desenvolvimento capitalista. Esse papel do Estado permite que os espaços produtivos sejam moldados pela eficácia da produtividade, onde os investimentos e as políticas públicas, bem como a organização do território, estão direcionados às melhores condições produtivas para a acumulação de capital e não necessariamente para o desenvolvimento social e local. Harvey (2005) explica que mesmo quando são realizadas políticas públicas em prol de melhorias sociais, elas somente cumprem a função de criar as condições mínimas para reprodução da força de trabalho e suprir a necessidade de mão-de-obra para o desenvolvimento capitalista. Nos territórios do petróleo, dada a elevada capacidade financeira pública de realizar melhorias sociais proporcionada pelos royalties1 - Figura 1, os municípios são denominados “cidade sem crítica” (PIQUET, 2011), pois as melhorias realizadas, seu volume e alcance, mascaram o uso predatório e a privatização dos recursos públicos, tendo em vista o descompasso entre a capacidade financeira e a realidade dos investimentos (SERRA, 2007). 1 Royalties são compensações financeiras pagas pelas concessionárias que exploração petróleo e gás aos municípios afetados pela atividade. Aos municípios produtores de petróleo e gás ainda são pagas as Participações Especiais que representam um valor adicional pela produção extraordinária de mineral. Este último repasse é um importante recurso na diferenciação das capacidades financeiras entre os territórios do petróleo. 4747 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Figura 1: Gráfico do crescimento dos royalties para os municípios produtores de Petróleo e Gás Fonte: UCAM - Info Royalties, 2013. Elaboração: Bellini, 2014. Nota: os dados de 2013 registram os royalties recebidos até outubro de 2013. Pereira (2011) ressalta que nem mesmo a modernização e o desenvolvimento das forças produtivas, como a modernização industrial e os produtos de alta tecnologia, que inseriram o país nos modernos circuitos produtivos globalizados, puderam melhorar significativamente as condições de vida da maior parte da população. Isso ocorre fundamentalmente pela participação do Estado subordinado às necessidades produtivas e porque as empresas que operam na base da modernização e no desenvolvimento das forças produtivas atuam de modo globalizado, organizadas por intresses extralocais. Assim, no caso da indústria de petróleo e gás, Piquet (2007, p.23) pode afirmar que os empreendimentos do setor “Não são, portanto, empreendimentos voltados a promover o desenvolvimento regional”. Porém, contraditoriamente, a implementação da modernização e o desenvolvimento das forças produtivas são vistos como meios de assegurar o progresso e a superação das desigualdades regionais. Tal inserção subordinada pode ser verificada nos territórios do petróleo do Norte Fluminense que, ao se inserirem nos modernos circuitos produtivos globalizados através da exploração mineral, passam a conformar os espaços derivados e que, embora 4748 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 seja um recurso valioso e um setor onde o Brasil apresenta um posição de destaque mundial pelo know-how acumulado, não tem repercutido em melhores condições de vida para a maior parte da população. ESPAÇOS DERIVADOS NOS TERRITÓRIOS DO PETRÓLEO DO NORTE FLUMINENSE E BAIXADAS LITORÂNEAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS ESPACIAIS, SOCIAIS E AMBIENTAIS O início da exploração de petróleo e gás no Norte Fluminense trouxe uma nova dinâmica econômica e uma nova reorganização territorial para a região, que inclui também a região Baixadas Litorâneas por ser composta por municípios produtores de petróleo e gás. Figura 2: Mapa dos municípios petro-rentistas das regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas do Estado do Rio de Janeiro Fonte: IBGE. Elaboração: Bellini, 2014. Antes estagnadas, essas regiões apresentavam queda nos índices de produtividade, desemprego e estavam em processo de pauperização (PIQUET, 2003). Assim, o início da exploração mineral foi para essas regiões uma salvação do ponto de vista econômico, colocando esses territórios do petróleo entre os municípios com os maiores PIBs do país. Entre os 100 municípios com maiores PIBs do país estão os municípios de Quissamã (9º), São João da Barra (17º), Carapebus (33º), Rio das Ostras (71º), Campos dos 4749 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Goytacazes (74º), Macaé (76º) e Casimiro de Abreu (99º) (IBGE, 2010). Entretanto, como verificaram algumas pesquisas (PACHECO, 2005; PIQUET, 2007; GIVISIEZ E OLIVEIRA, 2007, 2008; COSTA, 2008; MIGLIEVICH e SALES, 2011; CALAZANS, 2013), o crescimento econômico não repercutiu em amplas melhorias e distribuição econômica e social das riquezas produzidas. Destaca-se a pesquisa de Givisiez e Oliveira (2007) que identificou a relação inversamente proporcional entre os municípios produtores de petróleo do Brasil com os maiores PIBs e os maiores índices de pobreza, inclusive quando comparado à municípios que não recebiam os royalties do petróleo. Do ponto de vista espacial, o exploração de petróleo e gás trouxe a formação de um novo arranjo territorial com os municípios produtores das regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas, concentrando o crescimento econômico e os royalties e consolidando a Organização dos Municípios Produtores de Petróleo – OMPETRO, tendo como objetivo defender os interesses desses municípios e, principalmente, garantir a continuidade do repasse de royalties. Esse novo arranjo territorial provoca profundas disparidades econômicas entre os municípios das regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas, se desdobrando sobre a capacidade financeira que cada município tem para produzir melhorias sociais e econômicas. Devido sobretudo a desigual distribuição dos royalties os municípios das regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas se dividem entre produtores e não-produtores, isto é, os municípios que pertencem à zona de produção principal e hangariam os maiores repasses de royalties e, a zona de produção secundária, composta pelos municípios Cachoeiras de Macabu e Silva Jardim, e zona limítrofe, composta pelos municípios Araruama, Cardoso Moreira, Conceição de Macabu, Iguaba Grande, Rio Bonito, São Francisco de Itabapoana, São Fidélis, São Pedro da Aldeia e Saquarema, que recebem menos royalties e não recebem as participações especiais. A disparidade ocorre também entre os municípios produtores. Embora Piquet (2007) revele que o comportamento locacional dos empreendimentos do setor de petróleo e gás seja orientado pela presença da matéria-prima, os municípios das regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas se esforçam para concentrar fatores locacionais atrativos para o setor petrolífero. (...) estabelece-se um verdadeiro certame de localização, em uma interminável contenda por estabelecer a posição máxima na gradação de ofertas tributárias, de terras e infraestruturas. O receptor das benesses (a grande empresa) é quem 4750 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 determina o final do torneio e define o vitorioso da guerra entre lugares. (BRANDÃO, 20032 apud PIQUET, 2007, p.27). Ressalta-se, contudo, que essa estratégia da atratividade não costuma gerar um desenvolvimento permanente e estável (PIQUET, 2007). Nos espaços urbanos dos territórios do petróleo das regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas essa busca por atratividade se materializa em duas principais conformações: dos espaços corporativou ou urbanização corporativa e na especialização funcional. A produção de espaços corporativos ou urbanização corporativa se dá quando a configuração espacial e política de investimentos do espaço urbano se direciona para atender aos interesses privados, mascarados sob a justificativa de trazer desenvolvimento econômico. Santos e Silveira (2006, p. 291-293) explicam que: Essas grandes empresas (...) influenciam fortemente o comportamento do poder público, da União, dos Estados e dos municípios, indicando-lhes formas de ação subordinada (...). A presença numa localidade de uma grande empresa global incide sobre a equação do emprego, a estrutura do consumo e do consumo produtivo, o uso das infraestruturas materiais e sociais, a composição dos orçamentos públicos, a estrutura do gasto público e o comportamento das outras empresas, sem falar na própria imagem do lugar e no impacto sobre os comportamentos individuais e coletivos, isto é, sobre a ética. Produz-se assim um esforço pela especialização funcional, onde cada município busca diferenciações que sejam atrativas fazendo com que os empreendimentos se estabeleçam ali e não em outro lugar. Exemplos da especialização funcional são os municípios de Macaé, Campos dos Goytacazes e Rio das Ostras. Macaé, por receber a sede da Petrobrás, uma das principais empresas do setor de petróleo e gás nacional, é atrativa para as empresas que prestam serviço para a Petrobrás ou exercem funções no setor para-petrolífero 3 e que, por isso, buscam um localização próxima ao principal parque industrial. Não é sem razão que foi denominada a capital do petróleo. 2 BRANDÃO, Carlos Antônio. A dimensão especial do subdesenvolvimento: uma agenda para os estudos urbanos e regionais (Tese de livre docência). Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. 199p. 3 Empresas para-petrolíferas produzem uma séria de componentes destinado a indústria petrolífera. Se caracteriza por ser um setor produtivo bastante diversificado, que produz desde componentes que envolve alta tecnologia até equipamentos mais simples. 4751 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Já Campos dos Goyatacazes buscou sua especialização no setor educacional ao abrigar diversas instituições de ensino direcionadas para a formação de mão-de-obra qualificada para o exigente mercado de trabalho do setor de petróleo e gás, muito embora, como envidenciam as pesquisas de Serrão (2011), Seixas e Renk (2011) e Medeiros Júnior (2013), o setor produza poucas vagas de emprego quando comparado a seu poder atrativo populacional e as oportunidades muitas vezes são preenchidas por pessoas de fora da região, quiça do exterior. Além disso, Miglievich e Sales (2011) criticam a concentração dos investimentos educacionais para o desenvolvimento tecnológico na área de petróleo e gás em detrimento de outras áreas que poderiam pensar novas fontes energéticas, renováveis e menos poluentes do que o petróleo. E, Rio das Ostras que, desde o início das explorações de petróleo e gás na Bacia de Campos exerceu o papel de receber os trabalhadores atraídos pelo desenvolvimento econômico, e que passou a procurar uma nova funcionalidade com a criação de uma área na fronteira com Macaé como atrativo locacional para os empreendimentos do setor, denominada Zona Especial de Negócios. Desse modo, verifica-se nessa nova organização territorial das regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas características da formação de espaços corporativos, de especialização funcional e da competitividade intermunicipal que, embora tragam crescimento econômico, não repercutem em transformação social e desenvolvimento local, muito embora os recursos financeiros sejam abundantes e estejam disponíveis a um tempo suficiente, como afirmam Givisiez e Oliveira (2007), para promovê-las. Assim como as políticas de investimentos são afetadas por seu direcionamento aos interesses privados em detrimento do atendimento das necessidades sociais e ambientais, o desenvolvimento local perece por não permitir que novas vocações econômicas sejam incentivadas. Além do setor de petróleo e gás proporcionar a perspectiva equivocada de um crescimento econômico crescente e contínuo, os royalties pioram essa situação pela falsa ideia de inesgotabilidade do recurso (MIGLIEVICH E SALES, 2011). Nesse sentido, novas vocações econômicas deveriam ser incentivadas, sobretudo quando constata-se que as boas condições financeiras atingidas desde o início das explorações são dependentes de um recurso finito. Pensar e investir na era pós-petróleo também não é uma questão limitada à 4752 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 gestão municipal, mas depende da capacidade de articulação e cooperação com outras escalas de governo, mas que são minadas pela competitividade nas diversas escalas. Por isso, Pires (2006) e Silveira (2008) salientam a importância do desenvolvimento de especificidades no lugar de especialidades, na medida em que a primeira trata do desenvolvimento de condições locais únicas, independentes da especialização funcional ou da mobilidade dos agentes econômicos. A questão primária do desenvolvimento local deixa de ser uma relação oferta-demanda e passa a ser o relacionamento entre o conjunto de capacidades e recursos que se constituem como ativos ou fatores de desenvolvimento. (SILVEIRA, 2008, p.62) Por fim, do ponto de vista ambiental, a incessante busca pela inserção no circuito produtivo do petróleo e gás e as condições descritas de espaços derivados e espaços corporativos, competitividade e especialização funcional provocam uma série de problemas ambientais nos territórios do petróleo das regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas. O mapa “Conflitos Ambientais envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil” – figura 2, desenvolvido pela parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ e Solidariedade e Educação – FASE, apresenta esses territórios do petróleo associados a diferentes riscos e impactos ambientais, como a alteração no ciclo reprodutivo da fauna, queimadas e desmatamentos, ausência e irregularidades nos licenciamentos ambientais, invasão a áreas protegidas, variadas formas de poluição e crescimento urbano desordenado, de modo que a FIOCRUZ/FASE afirmam que todos eles estão vinculados à indústria de petróleo e gás. 4753 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Figura 3 – Mapa dos registros de conflitos ambientais nas regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas no Mapa de Conflitos ambientais envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil Legenda: 1) Conflitos relacionados a licenciamentos ambientais; 2) Ameaça à subsistência da população; 3) Ameaça à subsistência de pescadores; 4) Conflitos relacionados a terras quilombolas e especulação imobiliária e; 5) Conflitos relacionados à titulação de terras quilombolas. Fonte: FIOCRUZ/FASE. Destaque especial deve ser dado a questão dos licenciamentos ambientais, que tem recebido denúncias de irregularidades nas mais diversas etapas do processo de licenciamento. A Rede Brasileira por Justiça Ambiental (2009) elaborou uma lista de inconformidades, como a negligência na definição de quem são os atingidos, a desconsideração do princípio da precaução4, a dificuldade no acesso à informação e a não contemplação da possibilidade de não implantação do empreendimento. Serrão (2011, p.97) também explica que o licenciamento significa que um determinado grupo social - representado por técnicos governamentais - aceita os riscos ambientais que serão assumidos por outros grupos sociais, os que de fato serão afetados pelos empreendimentos. “O Estado quando assume uma determinada postura diante de um problema ou conflito ambiental, define como se distribuirão os custos e os benefícios decorrentes daquele processo decisório” (QUINTAS, 20095 apud SERRÃO, 2011, p.102). 4 O princípio da precaução leva em consideração a falta de dados e a imprevisibilidade que os impactos possam causar em cadeia, tenho em vista o desconhecimento humano sobre as consequências das atividades produtivas. 5 QUINTAS, J. S. Educação no processo de gestão pública: a construção do ato pedagógico. In: LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S. de (Orgs.). Repensar a educação ambiental: um olhar crítico. Cortez: São Paulo, 4754 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Por isso, não é surpreendente que para as entidades ambientalistas fluminenses a indústria de petróleo e gás é a principal adversária na luta pela preservação dos ecossistemas marinhos e dos direitos coletivos, e que 11,78% dos conflitos ambientais brasileiros são causados pela indústria química e de petróleo e gás (FIOCRUZ/FASE). Outras pesquisas também encontraram a associação da indústria de petróleo e gás e os impactos ambientais nas regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas, principalmente relacionados à ocupação de áreas ambientalmente sensíveis como manguezais e terrenos inundáveis causando degradação de ecossistemas, e aos impactos causados pela própria atividade industrial ao retirar recursos naturais e dispor os resíduos irregularmente (TERRA E RESSIGUIER, 2011). A FIOCRUZ/FASE ainda relacionam esses impactos à perda de identidade cultural, aumento dos índices de violência e criminalidade, aumento do custo de vida, desigualdade social6 e risco de vida. A verificação desses impactos segue de encontro às políticas ambientais e ao discurso da sustentabilidade e percebe-se, pelo exemplo da exploração de petróleo e gás, as contradições entre o discurso ambiental e as práticas produtivas, na medida em que a legitimação e continuidade de um setor como o petrolífero, com elevado potencial poluidor e mantenedor de uma fonte enérgética poluente e não-renovável, é sustentada pelo crescimento econômico e não pelo desenvolvimento social e preservação ambiental. Isso ocorre, como explica Machado (2000) porque os impactos ambientais causados são vistos como externalidades inerente ao processo de progresso. Embora seja elaborado um discurso bem intencionado a respeito do uso social da natureza, a prática surge descolada do discurso da sustentabilidade, permitindo a reprodução de práticas insustentáveis como a exploração de petróleo e gás. Não é sem razão, então, os amplos esforços da Petrobrás em criar uma imagem de responsabilidade socioambiental, a ponto de da ANP (2003) constatar que poucas empresas no Brasil investem tanto em propaganda e autoimagem como a Petrobrás. Por outro lado, essas são práticas singelas perto do porte da empresa. Herculano (2011) demonstra que, embora a Petrobrás tenha investido R$ 150 milhões em projetos entre 2003 e 2008, esse valor tem pouca representatividade quando comparado 2009. p. 33-80. 6 A pesquisa em desenvolvimento de Bellini e Stephan (2014) busca justamente evidenciar e mensurar a desigualdade ambiental nos territórios do petróleo, sobretudo no município de Rio das Ostras, que tem apresentado elevados índices de crescimento populacional e urbanização em descompasso com as melhorias sociais e ambientais. 4755 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 aos ganhos totais, representando 1/3 da produção de um dia da empresa. Assim, as transformações sociais, econômicas e ambientais verificadas nos territórios do petróleo do Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas apresentam condições distante da sustentabilidade. CONSIDERAÇÕES O novo reordenamento territorial provocado pelo início da exploração de petróleo e gás nas regiões Norte Fluminense e Baixadas Litorâneas, culminou na construção dos territórios do petróleo. Caracterizados por um contínuo e crescente crescimento econômico e elevada capacidade de realização pública proporcionada pelos royalties, esses territórios tem sua conformação física orientada segundo os espaços derivados que proporcionam condições de disparidade intermunicipais, da especialização funcional e da competitividade em diversas escalas. O desenvolvimento dessas características e conformações, como visto, não intentam para a transformação social e para o desenvolvimento local, unicamente para a reprodução do capital, muito embora existam condições financeiras suficientes para a promoção social e do desenvolvimento local. A mesma relação se reproduz nas questões ambientais dos territórios do petróleo, que sustentam saudáveis economias públicas pela exploração de um recursos finito e altamente poluidor, desde sua etapa extrativa até o consumo, na medida em que o crescimento econômico se sobrepõe as necessidades sociais e ambientais. Desse modo, constata-se que nos territórios do petróleo crescimento econômico não significa necessariamente melhores e amplas condições sociais, econômicas e ambientais e que, por isso, embora haja crescimento econômico ele não repercute em condições de sustentabilidade. REFERÊNCIAS AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. Impactos sociais do desenvolvimento da atividade de exploração e produção de petróleo nas regiões das Baixadas Litorâneas e do Norte Fluminense. Projeto CTPETRO – Tendências Tecnológicas. 2003. 32p. (Nota técnica 13/2003). BRASIL. Lei Federal n. 9.478, de 6 de agosto de 1997. Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do 4756 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 Petróleo e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478. htm.>. Acesso em 11 de janeiro de 2014. CALAZANS, Marcelo. Leilão da Petrobrás “o governo tem uma agenda econômica inflexível e, outra social, frágil e compensatória”: entrevista. [ 25 de março de 2013]. São Leopoldo, RS: Entrevistas. Entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/52043 1>. Acesso em 13 dez. de 2013. CANO, Wilson. Novas determinações sobre a questão regional e urbana após 1980. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Rio de Janeiro, v.13, n. 2, p. 27-53. Nov. 2011. CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço urbano. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1993. COSTA, Aline Couto da. Sustentabilidade e o processo de planejamento e gestão urbana. Uma reflexão sobre o caso de Rio das Ostras (RJ). 2008. 166p. Dissertação (mestrado em Arquitetura e urbanismo) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008. FIOCRUZ/FASE. Mapa de Conflitos ambientais envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil. Disponível em: < http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/in dex.php>. Acesso em nov. 2013. HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. Tradução de Carlos Szlak. 1º ed. São Paulo: Annablume, 2005. 252p. HERCULANO, Selene. Desenvolvimento local, responsabilidade socioambiental e royalties: a Petrobrás em Macaé. In: HERCULANO, Selene (Org.). Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé. Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. p.19-46. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Base de dados Produto Interno Bruno dos Municípios. 2010. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/econ omia/pibmunicipios/2010/default_pdf.shtm>. Acesso em out. 2013. UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES – UCAM. Base de dados Info Royalties. Disponível em: < http://inforoyalties.ucam-campos.br/>. Acesso em out. 2013. GIVISIEZ, Gustavo Henrique Naves; OLIVEIRA, Elzira Lúcia de. A Pobreza e a riqueza nas cidades do petróleo. In: PIQUET, Rosélia; SERRA, Rodrigo (Orgs.). Petróleo e Região no Brasil: o desafio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. p. 139-168. GIVISIEZ, Gustavo Henrique Naves; OLIVEIRA, Elzira Lúcia de. Royalties do petróleo e educação: análise da eficiência da alocação. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16, 2008, Caxambu, Anais... Caxambu – MG, out. 2008, p. 1-13. MACHADO, Maria Helena Ferreira. Urbanização e sustentabilidade ambiental: Questões de território. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Rio de Janeiro, n.3, p. 81-95, out. 2000. MEDEIROS JUNIOR, Hélcio de. Desconcentração econômica e atratividade regional no Estado do Rio de Janeiro entre 2000 e 2010. Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, Rio de Janeiro, n.1, p. 1-29, fev. 2013. MIGLIEVICH, Adélia; SALES, Valter de. Darcy Ribeiro, universidade e desenvolvimento: apontamentos a partir do caso do petróleo na UENF. In: HERCULANO, Selene. (Org.). Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé. Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. p. 392-414. MORAES, Antonio Carlos ambiente e ciências 4757 Robert de. Meio humanas. 4ª ed. http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 ampliada. São Paulo: Annablume, 2005. 162p. PACHECO, Carlos Augusto Góes. O impacto dos royalties do petróleo no desenvolvimento econômico dos municípios da região Norte Fluminense. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE P&D EM PETRÓLEO E GÁS, 3, 2005, Salvador, Anais... Salvador: Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás – IBP, 2 a 5 de outubro, 2005, p. 1-6. PEREIRA, Mirlei Fachini Vicente. A inserção subordinada do Brasil na divisão internacional do trabalho: consequências territoriais e perspectivas em tempos de globalização. Sociedade & Natureza, Uberlândia, v.22, n.2, p. 347-355, ago. 2010. PIQUET, Rosélia. Mudança econômica e novo recorte regional no Norte Fluminense. In: Encontro Nacional da ANPUR, 10, 2003, Belo Horizonte, Anais... Belo Horizonte, 2003, p. 1-6. PIQUET, Rosélia. Indústria do petróleo e dinâmica regional: reflexões teórico-metodológicas. In: PIQUET, Rosélia; SERRA, Rodrigo. (Orgs). Petróleo e região no Brasil: o desafio da abundância. 1ª ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. 351p. p. 15-33. PIQUET, Rosélia. Impactos da indústria do petróleo no Norte Fluminense. In: HERCULANO, Selene (Org.). Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé. Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. p.11-18. PIRES, Elson Luciano Silva. Mutações econômicas e dinâmicas territoriais locais: delineamento preliminar dos aspectos conceituais e morfológicos. In: SPOSITO, Eliseu Savério; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; SOBARZO, Oscar. (Org.). Cidades médias: Produção do espaço urbano e regional. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 376p. p. 48-70. REDE BRASILEIRA POR JUSTIÇA AMBIENTAL. Pelo rigor nas avaliações de projetos de grande impacto sócio-ambiental. Boletim Justiça Ambiental. Edição Especial, n.4, Rio de Janeiro, nov. 2009. 8p. SANTOS, Milton. [1978]. O Trabalho do Geógrafo no Terceiro Mundo. 5ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. 136p. SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 9ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. 473p. SEIXAS, Sônia Regina de Cal; RENK, Michelle. Projetos do setor de petróleo e gás no sudeste brasileiro: algumas considerações sobre o desafio desenvolvimento x preservação ambiental. In: HERCULANO, Selene (Org.). Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé. Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. p.443-456. SERRA, Rodrigo. Concentração espacial das rendas petrolíferas e sobrefinanciamento das esferas de governos locais. In: PIQUET, Rosélia; SERRA, Rodrigo (Org.). Petróleo e região no Brasil: o desafio da abundância. Rio de Janeiro, Garamond, 2007. p. 77-108. SERRÃO, Mônica Armond. Os impactos socioambientais e as medidas mitigadoras/compensatórias no âmbito do licenciamento ambiental federal das atividades marítimas de exploração e produção de petróleo no Brasil. In: HERCULANO, Selene (Org.). Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé. Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. p. 97-112. SILVEIRA, Caio. Desenvolvimento local e novos arranjos socioinstitucionais: algumas referências para a questão da governança. In: DOWBOR, Ladislau. (Org.). Políticas para o desenvolvimento local. 1ª ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2008. 400p. p. 41-65. 4758 http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 TERRA, Denise Cunha Tavares; RESSIGUIER, José Henrique. Mudanças no espaço urbano de Macaé: 1970-2010. In: HERCULANO, Selene (Org.). Impactos sociais, ambientais e 4759 urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé. Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. p. 149-168. http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 O REORDENAMENTO TERRITORIAL NOS TERRITÓRIOS DO PETRÓLEO EIXO 5 – Meio ambiente, recurso e ordenamento territorial RESUMO Por ser uma commodity, a exploração, distribuição e comercialização do petróleo e gás ocorrem na escala nacional e internacional, estando a escala local subordinada às políticas estatais e ao regime do capital internacional. Nesse cenário, a gestão dos espaços produtivos do petróleo e gás, isto é, os territórios do petróleo, está subordinada a forças políticas e econômicas exógenas, configurando os Espaços Derivados definido por Milton Santos (1978). Na região Norte Fluminense, localizada no Estado do Rio de Janeiro e a principal região produtora de petróleo e gás do país, o início da exploração mineral na década de 1970 irrompeu em um novo reordenamento territorial, que alterou os cursos do desenvolvimento local e as perspectivas de sustentabilidade. Nesse sentido, este trabalho objetiva apresentar aspectos desse novo reordenamento territorial do Norte Fluminense ao abordar a influência da indústria do petróleo e gás na materialização e gestão do espaço local e as consequências para a sustentabilidade dos territórios do petróleo. A metodologia foi baseada em uma abordagem qualitativa fundamentada em uma revisão bibliográfica, permitindo uma análise estruturalista da condição em que se inserem os territórios do petróleo. Os resultados analíticos apresentaram o deslocamento do foco do desenvolvimento local para a inserção na indústria de petróleo e gás. Para tanto, se fortaleceu nesses territórios práticas de competitividade intra-regional, de especialização funcional, de urbanização corporativa e o desmantelamento das perspectivas de cooperação intermunicipal que poderiam apoiar iniciativas de desenvolvimento local, sobretudo aquelas que poderiam motivar e fortalecer vocações econômicas pensadas para a era pós-petróleo. Esse novo reordenamento territorial do Norte Fluminense também se fundamenta em novos padrões de relação com a natureza e com os recursos naturais que, embora incluam o discurso do desenvolvimento sustentável, consistem em medidas que promovem a aceitação desse discurso sem, contudo, implementá-lo. Palavras-chave: petróleo e gás; territórios do petróleo; espaços derivados. 4760