A MATEMÁTICA MODERNA NO ÂMBITO DA UNIVERSIDADE
Elisabete Zardo Búrigo
Instituto de Matemática /UFRGS
[email protected]
Palavras chave: história do ensino de matemática, matemática moderna, educação
matemática.
Introdução
Neste trabalho pretendemos esboçar um retrato do engajamento de professores da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no movimento da matemática moderna,
apontando algumas de suas contribuições para a configuração desse movimento no Rio
Grande do Sul e propondo uma discussão sobre as motivações desse engajamento. A
pesquisa, ainda em fase inicial, apóia-se na análise de documentos 1 produzidos nos anos 1960
e início dos anos 1970 e em entrevistas semi-estruturadas com professores que atuaram na
UFRGS ou no movimento da matemática moderna nesse período.
Primeiras iniciativas de difusão da matemática moderna
O engajamento de professores da UFRGS no movimento conhecido como
“movimento da matemática moderna” pode ser identificado em iniciativas que precederam a
criação do Grupo de Estudos em Ensino de Matemática de Porto Alegre (GEEMPA).
Antes mesmo da “matemática moderna” configurar-se como movimento no Brasil,
professores da UFRGS já participavam de iniciativas de formação de professores que tinham
como um de seus objetivos a familiarização com a Teoria dos Conjuntos. Em 1952, no
Instituto de Educação e, em 1953 e 1954, na Associação de Professores Católicos, foram
ministrados cursos para professores primários, professores de Didática da Matemática e
supervisores escolares sob a orientação da professora Joana de Oliveira Bender, da UFRGS.
Em 1961, foi realizado novamente no Instituto de Educação um curso de “Iniciação à Teoria
dos Conjuntos”, ministrado por professores da UFRGS e voltado para técnicos em Educação
do Centro de Pesquisas e Orientação Educacionais (CPOE) da Secretaria de Educação e
Cultura (SEC), professores primários, normalistas, professores alunos do curso de
Supervisores Escolares e professores de Direção de Aprendizagem em Matemática
(RIBEIRO; BENDER; PAIM, 1968).
O envolvimento de professores da UFRGS nos debates nacionais sobre o ensino da
Matemática, nos anos 50, também teve uma contribuição relevante na constituição desse
debate em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul. O II Congresso Nacional do Ensino de
Matemática foi realizado em 1957 em Porto Alegre por iniciativa da Profª Martha Blauth
Menezes, professora da disciplina de Didática Especial de Matemática da Faculdade de
Filosofia. Nesse Congresso, foram apresentados vários trabalhos de professores gaúchos,
inclusive relatos de experiências desenvolvidas no Instituto de Educação General Flores da
Cunha e no Colégio de Aplicação da UFRGS (CONGRESSO, 1959). A Profª Martha
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Menezes articulou também a presença de uma delegação gaúcha no IV Congresso Brasileiro
de Ensino da Matemática, realizado em 1962 em Belém do Pará. O entusiasmo com as
propostas da matemática moderna apresentadas pelo Grupo de Estudos em Ensino de
Matemática de São Paulo, o GEEM, teria motivado a realização de experimentos de
renovação pedagógica no Colégio de Aplicação da UFRGS (SOUZA, 2007).
Nos anos 1960, o professor Antônio Ribeiro Júnior, da Faculdade de Filosofia da
UFRGS, realizou palestras e cursos pelo interior do Estado, onde ensinava noções de Teoria
dos Conjuntos, Álgebra e Álgebra Linear (MEDEIROS, 2007). Em 1964, foi oferecido na
Escola de Engenharia um curso de introdução à Teoria dos Conjuntos, com a duração de um
ano, para professores primários e secundários. Esse curso teve o apoio do já referido CPOE.
Em 1965 foi oferecido um curso de três meses sobre o mesmo tema no Instituto de Física da
Universidade.
O envolvimento dos professores da UFRGS com o movimento da matemática
moderna aparece, portanto, muito relacionado ao papel que esses professores assumiam na
formação dos professores da educação básica, especialmente do então ginásio e do curso
científico. Deve-se registrar por outro lado o envolvimento direto de alguns desses professores
com o ensino secundário: a professora Martha Menezes atuava também no Colégio de
Aplicação e o Professor Antônio Ribeiro lecionava no tradicional Colégio Júlio de Castilhos.
A perspectiva de renovação do ensino tinha como uma de suas motivações o
“insucesso no estudo da Matemática” evidenciado pelo grande número de reprovações nas
escolas, insucesso que não podia ser atribuído apenas a métodos de ensino inadequados ou
formação insuficiente de professores. Assim como no caso do GEEM de São Paulo, era nítida
a influência do estruturalismo numa visão que propugnava a ênfase na linguagem dos
conjuntos e nas estruturas algébricas desde a educação básica:
A introdução ao estudo da Topologia e a Teoria dos Conjuntos [...] foram
colocadas, agora, em suas estruturas fundamentais, no início da
aprendizagem, por haver constatado que o sistema de seus conceitos básicos
é permanente no pensamento matemático.
[...] Propugna-se por uma dependência mútua, [...] dando desta forma ênfase
à unidade das estruturas que deverão alicerçar o ensino-aprendizagem da
matemática e manter-se ao longo de todo ele (RIBEIRO; BENDER; PAIM,
1968, p. 140-141).
O engajamento dos professores no movimento viria a se refletir na sua participação na
fundação, em 1970, do próprio GEEMPA, que teve no Instituto de Matemática da UFRGS sua
primeira sede. Também se refletiu na assessoria à elaboração das Diretrizes para Estrutura e
Funcionamento da Disciplina de Matemática no Ensino de 2º Grau, que continham uma
proposta de operacionalização dos conteúdos programáticos de Matemática (RIO GRANDE
DO SUL, 1976). De modo mais condensado, viria a se expressar em ações da própria
Universidade, especialmente no Ciclo Básico, que vigorou entre 1972 e 1973, e no curso de
formação de professores do PREMEM (Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio),
oferecido a partir de 1970.
A Matemática Moderna no Ciclo Básico da UFRGS
O Ciclo Básico da UFRGS foi instituído em 1972 no bojo da reforma universitária
deflagrada no país a partir de 1968, e oferecido durante quatro semestres. Era constituído de
um conjunto de disciplinas, que incluíam a de Introdução ao Pensamento Matemático,
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oferecidas no semestre de ingresso a todos os estudantes aprovados no Concurso Vestibular.
Ao Ciclo Básico era atribuída a função de articulação entre o ensino médio e o
superior, oferecendo uma formação considerada básica para todos os ingressantes. Mas o
Ciclo Básico também tinha uma função seletiva: metade dos estudantes aprovados no
concurso vestibular concorria às vagas nos cursos superiores segundo seu desempenho nessas
disciplinas (GARDENAL; PAIXÃO, 1982). Essa dupla atribuição tinha duas conseqüências:
de um lado, os conteúdos a serem ensinados deveriam ser justificados como relevantes para
todos os cursos, e não segundo suas aplicações para esta ou aquela área do conhecimento; de
outro lado, a função seletiva impunha a preocupação com a homogeneidade do ensino
ministrado nas várias turmas e o planejamento detalhado não apenas da avaliação, mas
também das aulas e dos materiais a serem utilizados.
A disciplina de Introdução ao Pensamento Matemático, coordenada pela professora
Martha Menezes, refletia as influências da Matemática Moderna no seu programa (SOUZA,
2007), que incluía elementos da Teoria dos Conjuntos, uma iniciação à Lógica Matemática e
noções de Probabilidade.
A disciplina constituiu-se numa experiência muito interessante do ponto de vista da
mobilização de professores que tiveram a tarefa de concebê-la, planejá-la e implementá-la:
Era uma responsabilidade muito grande nossa porque a gente tinha que
preparar o material de um dia para o outro, às vezes, porque era uma
disciplina que tinha sido inventada, não era uma disciplina.... não era
Cálculo, não era Álgebra, era Introdução ao Pensamento Matemático, com a
idéia de dar uma “passada” em várias coisas que os alunos iam precisar.
(CURY, 2007).
Foram convidados para a equipe professores recentemente formados e também
professores do ensino secundário ou técnico de reconhecido prestígio na cidade.
O planejamento dos materiais e das provas era realizado em equipe, numa relação de
cooperação que se distinguia das práticas mais comuns, até então, na Universidade, do
planejamento realizado individualmente ou numa relação hierarquizada entre os professores:
Nós tínhamos uma sala com uma mesa enorme, a sala da Matemática, então
naquela sala a gente ficava, enquanto não estava dando aula, sempre
preparando material, revisando... [...] Recém saída da faculdade, foi a
experiência que me colocou mesmo a correr, aprender a fazer as coisas bem
feitas, ligeiro, sem erro, criticado pelos colegas, [...] e se alguém criticava, na
mesma hora tu tinhas que dizer, ‘mas claro, lógico’, e corria pra mudar,
porque tinha que sair perfeito (CURY, 2007).
A produção dos materiais era influenciada pela formação que uma parcela dos
professores havia vivenciado no curso de Matemática da própria Universidade:
Eu passei por uma época na faculdade de Matemática em que as coisas eram
extremamente cuidadas em termos de linguagem. (CURY, 2007).
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As reuniões de equipe também cumpriam o papel de formação dos professores:
Os [professores] que há recém tinham saído da faculdade estavam com
aquelas idéias da matemática moderna, vamos dizer assim, na cabeça,
porque tinham acabado de trabalhar com a Dona Joana [Bender] naquelas
disciplinas de Fundamentos de Matemática. [...] Tinha alguns colegas, era
um pessoal que não estava com essas idéias prontas, então tinha que estudar.
Vinha um polígrafo, preparado pela Dona Martha, ou pela equipe, e a gente
tinha que estudar aquilo ali, porque que aquilo é assim, o que significa?
(CURY, 2007).
A análise de materiais produzidos para a disciplina permite identificar traços de uma
apropriação peculiar do ideário do movimento da Matemática Moderna por esses professores,
que considerava o estatuto de ensino universitário e o caráter de iniciação atribuído à
disciplina, como o próprio nome sugere.
Numa das primeiras provas aplicadas, em abril de 1972, é enunciado o objetivo
principal para a disciplina de desenvolvimento do “pensamento matemático” do aluno,
entendido sobretudo como “pensamento lógico”, uso preciso da linguagem matemática e da
capacidade de abstração (UFRGS. PRIMEIRO CICLO, 1972a, p. 1). Nessa prova, observa-se,
no âmbito de uma iniciação à Teoria dos Conjuntos, a ênfase no estudo das relações, definidas
por regras ou como conjuntos de pares ordenados, e de suas propriedades – reflexividade,
simetria, transitividade. Mas a prova também trata da interpretação e análise de textos – 9
questões num total de 40 -, de modo que o estudante é solicitado a verificar se determinadas
proposições podem ou não ser tomadas como conclusões a partir de um texto dado. A ênfase
no pensamento lógico não se circunscrevia, portanto, aos objetos matemáticos e ao uso da
linguagem simbólica mas visava de um modo mais geral a análise de relações entre
proposições.
Os textos utilizados na disciplina também indicam que não se buscava apenas a
compreensão dos conteúdos ou o desenvolvimento de determinadas habilidades, mas o
convencimento dos estudantes sobre a relevância da Matemática e uma compreensão mais
ampla sobre a natureza da disciplina. Podem ser citados como exemplos:
O progresso da técnica no mundo de hoje provoca, também, o surgimento de
problemas graves, de natureza desconhecida e que exigem soluções inéditas.
Surge aí, então, o papel criador do cientista em geral e do matemático em
particular. A função do matemático será importante no grupo de trabalho em
que se situar e é necessário que os participantes do grupo possam
acompanhar e aproveitar o trabalho do matemático. A linguagem do
matemático é universal e, cada vez mais, o pensamento matemático é
utilizado nos diversos ramos da atividade humana. (UFRGS. PRIMEIRO
CICLO, 1972a, p. 11).
Um outro elemento interessante a ser destacado é a discussão sobre o caráter dos
modelos matemáticos, presente num texto produzido para a disciplina:
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Para uma descrição quantitativa do fenômeno [...] inicialmente teremos que
escolher, entre as variáveis físicas que podem ser associadas ao fenômeno,
aquelas que realmente dele participam de uma forma direta. [...] A escolha
de um número restrito de variáveis que participam do fenômeno nos leva a
uma simplificação do mesmo. Evidentemente essa simplificação é
puramente mental, pois o fenômeno em si continuará tão complicado ou
simples como era antes. (UFRGS. PRIMEIRO CICLO, 1972b, p. 1).
No discurso produzido sobre a Matemática como disciplina estava presente a
preocupação com a “atualização” do ensino da matemática, como aproximação entre esse
ensino e os resultados da pesquisa:
O ensino da Matemática segue seu desenvolvimento com um atraso
considerável. Pode-se medir o defasamento entre o momento em que uma
teoria é criada e aquela em que começa a ser oficialmente ensinada se
notarmos que, na França de 1950, os alunos da instrução primária não
sabiam mais que os magos da Babilônia, um finalista de curso médio não
sabia mais que Arquimedes, um universitário saberia tanta análise como
Newton ou Leibniz, mas com certeza menos do que Euler, um licenciado em
matemática sabia menos que Weierstrass e, embora talvez não conhecesse
toda a matemática anterior a 1850, é certo que ignorava a quase totalidade da
matemática posterior a 1850 (REVUZ, apud UFRGS.PRIMEIRO CICLO,
1972a, p. 2).
O estudo das estruturas algébricas era apresentado como uma conseqüência da adoção
de um ponto de vista moderno:
A Matemática pode ser considerada a ciência das estruturas. A revisão das
noções da base da Matemática, no final do século XIX, levou os
matemáticos a se empenharem no esforço de axiomatização de seus
diferentes campos. O resultado foi um deslocamento do objeto da
Matemática.
A Matemática clássica estuda os seres (números, figuras) que são úteis, mas
sobrecarregados de particularidades [...]. A Matemática de hoje não se
interessa senão pelas estruturas despojadas de todo detalhe supérfluo (mas
que, naturalmente, corresponde, em grande parte, ao conteúdo das teorias
clássicas) (KAUNTZMAN, apud UFRGS.PRIMEIRO CICLO, 1972c, p. 1).
O sentido de “atualidade” do ensino expressava-se também nas conexões apontadas
entre os conteúdos matemáticos estudados e o funcionamento dos computadores. No estudo
das proposições, são construídas analogias entre circuitos elétricos e operações com
proposições, de modo que a cada proposição corresponderia um interruptor, ficando o
interruptor ligado quando a proposição fosse verdadeira e desligado quando falsa. Através
dessa analogia é explicado como um computador seria capaz de tomar decisões simples. A
lógica binária - em que 1 corresponde a “verdadeiro” e 0 a “falso” permitiria obter “respostas
a alta velocidade em um mundo atarefado e complexo” (UFRGS. PRIMEIRO CICLO, 1972d,
p. 2). Também era feito um estudo do sistema numérico binário, incluindo as operações e as
frações binárias.
A análise das provas aplicadas também nos dá indicações sobre o detalhamento ou a
profundidade em que eram abordados os conteúdos. Na segunda prova do primeiro semestre
de 1972 aparecem questões sobre operações com conjuntos, uso de quantificadores lógicos e
6
operações com proposições, as propriedades das operações em conjuntos numéricos, o uso de
gráficos cartesianos na representação de funções. Essa prova é um interessante testemunho da
época. De um lado, as questões relativas às operações com conjuntos e com proposições
indicam que esses temas eram estudados sistematicamente na disciplina, pois os estudantes
eram solicitados a analisar enunciados como “(p ∧ q) → ∼r é falsa” ou “B ⊂ ( A ∪ B), ∀ A,
B ∈ ℘ (X)”. De outro lado, algumas das questões relativas a gráficos cartesianos de funções
eram bastante elementares, sugerindo que o tema era pouco tratado no ensino médio. Na
prova de recuperação do mesmo semestre, foi solicitado aos estudantes que identificassem,
entre cinco esboços de gráficos, o correspondente à função tal que f (x) = x, definida no
conjunto dos reais e tendo como imagem o mesmo conjunto.
A prova de recuperação também indica que a disciplina incluía uma introdução às
estruturas algébricas, especialmente grupos, às matrizes e ao cálculo de probabilidades.
Em 1973, a disciplina foi reestruturada. A introdução às operações com conjuntos,
produto cartesiano, relações e funções passa a ser considerada como pré-requisito da
disciplina e é oferecido atendimento individual ou aulas de revisão conforme as necessidades
dos alunos relativa a esses conteúdos. O tema da Probabilidade cresce em importância: a
primeira prova do primeiro semestre de 1973 é inteiramente dedicada a questões de
probabilidade e de estatística. O estudo das relações e de suas propriedades permanece, mas
há uma mudança de ênfase em relação aos semestres anteriores, quando eram freqüentes as
referências a temas do cotidiano como “um automóvel bater em outro” ou “...é pai de...”.
Predominam agora referências a objetos matemáticos, como números e figuras geométricas.
Também cresce o peso atribuído ao estudo das matrizes. Um documento da coordenação
anuncia a inclusão de noções básicas de cálculo diferencial e integral (UFRGS. PRIMEIRO
CICLO, 1973a), porém não há confirmação, nas provas, de que o tema teria sido de fato
abordado.
A experiência do Ciclo Básico foi interrompida no final de 1973. Seria interessante
investigar como a disciplina de Introdução ao Pensamento Matemático foi interpretada e
apropriada pelos estudantes. É certo, todavia, que cumpriu um papel importante na difusão de
um ideário e de elementos de uma linguagem matemática “moderna” entre um amplo
contingente de universitários, além de se constituir em experiência relevante para os
professores envolvidos.
A formação de professores para o PREMEM
O Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio (PREMEM), criado no final
dos anos 1960 com apoio de agências financiadoras norte-americanas, tinha como objetivo
anunciado a constituição de ginásios polivalentes, onde cursos industriais, de um lado, e
estritamente propedêuticos, de outro, dariam lugar ao “ginásio orientado para o trabalho”
(CUNHA, 1971), antecipando a orientação que seria estabelecida mais tarde pela Lei
5.692/71.
A formação de professores para o Programa ensejou a criação de Licenciaturas de
Curta Duração. Em 1971, estavam alocados na Faculdade de Educação da UFRGS seis dessas
Licenciaturas, com duração de 1.600 horas: Artes Industriais, Técnicas Comerciais, Técnicas
Agrícolas, Educação para o Lar, Matemática e Ciências. A primeira edição do curso de
Licenciatura de Curta Duração em Matemática teve início em setembro de 1970, com final
previsto para junho de 1971. O curso era realizado em regime intensivo de 40 horas semanais,
sendo exigida dos alunos dedicação exclusiva (BOLETIM PREMEM, 1971).
Segundo depoimento do professor Telmo Mota (2008), havia uma orientação nacional
para a adoção, nos cursos de Matemática, da coleção Matemática Moderna de Papy (1968).
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Essa orientação foi decisiva para que a coordenação do curso da UFRGS fosse assumida, na
sua primeira edição, pela professora Joana Bender, que havia estagiado com o Grupo Papy na
Bélgica e que participava regularmente de eventos internacionais dedicados ao ensino da
matemática. A mesma orientação foi mantida na segunda edição do curso, já sob a
coordenação da professora Zilá Paim. Foi alterada na terceira edição do curso, quando foi
adotado como texto básico o livro “Elementos de Álgebra” de Jacy Monteiro, sob a
coordenação da professora Matilde Gus.
A coleção Papy seguia uma lógica própria de construção dos conceitos:
Ele tem toda uma estrutura interna, por exemplo... Primeiro ele entra com
Teoria dos Conjuntos e Lógica. E com aplicações [...] quase charadas, que
eram resolvidas com o auxílio dos diagramas de Venn. [...] Aí ele começa
logo com translações, que é na verdade o início da Geometria Afim, e com
as translações ele chega na construção do número real, no final do primeiro
livro. [...] Com esquadro sem numeração e régua, eles iam fazendo as
divisões. [...] A partir daí chegava no princípio dos intervalos encaixantes, e
como todos os intervalos na intersecção tinham um único número, esse
número é o número real. E aí ele trabalhava com notação binária, 0,1,0,1...
[...] Depois ele vai desenvolvendo geometrias, simetrias, e tal... mas tudo em
cima da Geometria Afim. Aí no quinto [volume] é que ele chega em
Euclides (MOTA, 2008).
Atuavam no curso do PREMEM professores recentemente egressos do curso de
Licenciatura, que tinham sua formação já influenciada pelos cursos de Álgebra Moderna, por
discussões sobre a fundamentação axiomática das Geometrias e pela busca do rigor:
Nós estávamos nos movendo dentro de conceitos conhecidos por nós,
mesmo os mais velhos (MOTA, 2008).
Mas a adoção de uma lógica nova para o ensino exigia a discussão do planejamento
entre os professores:
Os conteúdos eram o livro do Papy, aquilo que estava no livro [...] quase que
rigidamente aquilo ali. Então havia seminários semanais com todos os
professores de Matemática mais a Gelsa [Knijnik, professora de Didática da
Matemática] era uma outra linha, um outro roteiro de ensino [...] e também
não era a fórmula pronta. (MOTA, 2008).
As dificuldades eram enfrentadas com o recurso a diferentes técnicas pedagógicas e
com a dedicação dos alunos:
Eles tinham oito horas de aula por dia, e então aí variavam as técnicas, eles
trabalhavam muito em grupo, com hidrocor, porque o Papy é muito visual,
então eles faziam tudo isso, eles iam resolver os problemas em grupo,
porque não tem como a pessoa ficar ouvindo. [...] Tinha uma guilhotina na
cabeça deles, não podiam ter C, porque seriam excluídos (MOTA, 2008).
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É interessante considerar que a formação dos professores do PREMEM, embora
realizada num prazo reduzido e voltada para os conteúdos que seriam ensinados no ginásio, se
fez com o rigor lógico da coleção Papy e, mais tarde, com o apoio no texto de Jacy Monteiro.
A busca da preservação do rigor pode ser entendida, de um lado, como um componente da
cultura constituída no curso de Licenciatura da UFRGS. De outro lado, era partilhada a crença
da eficácia da matemática moderna, no que se refere à aprendizagem. Um tema que mereceria
ser estudado é a apropriação dessa matemática moderna pelos alunos do curso, professores
dos Ginásios Polivalentes.
Considerações finais
Os professores da Faculdade de Filosofia e, posteriormente, do Instituto de
Matemática da UFRGS assumiram um papel importante na divulgação do ideário da
matemática moderna em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul. Organizaram e participaram de
cursos de formação de professores, organizaram experimentos pedagógicos em escolas,
assessoraram a elaboração de novos programas para o ensino de primeiro e segundo grau.
O engajamento desses professores no movimento da matemática moderna foi
influenciado pela mobilização do GEEM, a partir de São Paulo, e contou com o apoio de
órgãos oficiais e de direções de escolas. Mas a sua iniciativa na produção de materiais, na
organização de cursos e de programas mostra que construíram, com referências diversas, sua
própria elaboração ou apropriação da matemática moderna. Seu engajamento explica-se,
sobretudo, como conseqüência de seu envolvimento anterior com a educação básica e,
também, como expressão de uma convicção de que a matemática moderna poderia superar o
que era considerado o “insucesso” do ensino.
1
Os documentos citados do Ciclo Básico da UFRGS foram acessados através do arquivo pessoal das
professoras Helena Noronha Cury e Maria Luiza Azambuja de Souza, a quem agradecemos.
Referências bibliográficas
CONGRESSO NACIONAL DE ENSINO DA MATEMÁTICA, 2, 1957, Porto Alegre.
Anais... Porto Alegre: Universidade do Rio Grande do Sul, 1959.
CURY, Helena Noronha. Entrevista concedida a Elisabete Búrigo. Porto Alegre: dezembro
de 2007. Não publicada.
GARDENAL, Lilia; PAIXÃO, Antônio L. Ciclo básico na universidade brasileira: temas e
problemas principais. Universidades, México, v. 22, n. 89, jul./set. 1982.
MEDEIROS, Nubem Airton Cabral. Entrevista concedida a Elisabete Zardo Búrigo,
Maria Cecilia Bueno Fischer e Monica Bertoni Santos. Porto Alegre: janeiro de 2007. Não
publicada.
MOTA, Telmo Pires. Entrevista concedida a Elisabete Búrigo. Porto Alegre: janeiro de
2008. Não publicada.
PAPY. Matematica moderna. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires, 1968.
RIBEIRO, Antonio; BENDER, Joana; PAIM, Zilá G. Construção de classes experimentais e
de contrôle. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENSINO DA MATEMÁTICA, 5, São José
dos Campos, 1966. Anais... [São Paulo]: 1968.
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Educação e Cultura. Currículo de 2º Grau no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: SEC, 1972.
9
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Educação e Cultura. Diretrizes curriculares: ensino
de 2º grau. Porto Alegre: SEC, 1976. 2 v.
SOUZA, Maria Luiza Azambuja de. Entrevista concedida a Elisabete Zardo Búrigo,
Maria Cecilia Bueno Fischer e Monica Bertoni Santos. Porto Alegre: agosto de 2007. Não
publicada.
UFRGS. PRIMEIRO CICLO. Introdução ao Pensamento Matemático: primeira verificação.
Porto Alegre: 9 de abril de 1972a. Mimeo.
______ . A idéia de modelo matemático. Porto Alegre: 1972b. Mimeo.
______ . Estruturas matemáticas.
______ . Lógica: Álgebra de Boole, circuitos interruptores e circuitos lógicos. Porto Alegre:
1972d. Mimeo.
______ . Introdução ao Pensamento Matemático. Porto Alegre: 1973. Mimeo.
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