UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL UNIJUÍ ANALUCIA GAVIRAGHI ALGUNS ENTENDIMENTOS DO NÚMERO RACIONAL NA REPRESENTAÇÃO FRACIONÁRIA PRODUZIDOS POR ALUNOS NO INÍCIO DO 6º ANO Ijuí 2012 ANALUCIA GAVIRAGHI ALGUNS ENTENDIMENTOS DO NÚMERO RACIONAL NA REPRESENTAÇÃO FRACIONÁRIA PRODUZIDOS POR ALUNOS NO INÍCIO DO 6º ANO Monografia apresentada ao curso de Pedagogia do Departamento de Humanidades e Educação da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul de Ijuí, como requisito parcial para obtenção do grau de Pedagogo. Orientadora: Professora mestre Isabel Koltermann Battisti Ijuí 2012 2 Analucia Gaviraghi Alguns Entendimentos do Número Racional na Representação Fracionária Produzidos por Alunos no Início do 6º Ano Monografia apresentada ao curso de Graduação em Pedagogia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul de Ijuí, como requisito parcial para obtenção do grau de Pedagogo, sob orientação da professora mestre Isabel Koltermann Battisti. Aprovada em 5 de outubro de 2012. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ Professora mestre Isabel Koltermann Battisti – Unijuí Orientadora ______________________________________________ Professora Marta Cristina Cezar Pozzobon – Unijuí 3 Dedico... ...Aos meus pais, Celestino e Sandra, que mais do que me proporcionar uma boa infância e vida acadêmica, formaram os fundamentos do meu caráter. Obrigada por serem a minha referência de tantas maneiras e estarem sempre presentes na minha vida de uma forma indispensável. ...À minha tia Rosane, que tantas vezes se preocupou comigo, pelo seu jeito carinhoso e pelas palavras de incentivo. 4 AGRADECIMENTOS A Deus... que me proporcionou saúde e paz... e conduziu os meus passos nesta longa caminhada... À família... que sempre me incentivou a dar continuidade à minha formação, À professora Isabel K. Battisti, pelo carinho, apoio e paciência durante a elaboração e realização deste trabalho... pela compreensão... por estar ao meu lado sempre que precisei... pela confiança, ajuda, disponibilidade e dedicação... por acreditar em mim... por dar sempre atenção ao orientar-me em todas as etapas... por compartilhar saberes e experiências... buscando comigo superar todos os desafios no decorrer do caminho, pelas valiosas contribuições... Meu muito obrigada a todos! 5 RESUMO O foco central da pesquisa que fundamenta a presente escrita é o entendimento do conceito de números racionais na sua representação fracionária na relação parte-todo. A referida pesquisa se faz ao investigar: Quais as significações que alunos do 6º ano de uma escola da rede municipal do interior do município de Coronel Bicaco – RS – apresentam em relação ao conceito do número racional na representação fracionária, ideia parte-todo? A pesquisa se faz numa abordagem qualitativa e se configura como um estudo de caso. Os dados empíricos são produzidos a partir da proposição de oito questões que envolveram os três modelos propostos por Walle (2009), ao considerar a representação fracionária – ideia parte-todo: modelos de área ou de região, modelo de comprimento ou medida e modelos de conjunto, e do recorte de um pequeno episódio – gravado e transcrito –, obtido no desenvolvimento das questões. As análises fazem-se a partir de diálogos estabelecidos com referenciais teóricos baseados em Vigotski (2001), Caraça (2002) e Walle (2009). Os dados coletados revelam que os alunos demonstram algumas apropriações, considerando a significação do número racional na sua representação fracionária, ideia parte-todo. Palavras-chave: Entendimentos produzidos por alunos. Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Número Racional na representação fracionária. 6 ABSTRACT The central focus of the research that underpins this writing is understanding the concept of rational numbers in its fractional representation in part-whole relationship. This research is developed to investigate: What are the meanings that students of the 6th year of a municipal school inside the city of Coronel Bicaco – RS – presents related to the concept of rational numbers in fractional representation, part-whole idea? The research is a qualitative approach and is configured as a case study. Empirical data are produced from the proposition of eight issues involving the three models proposed by Walle (2009), when considering the fractional representation – part-whole idea: models of area or region, style or length measurement and joint models, and a small episode cut – recorded and transcribed – obtained during the issues development. Analyses are made from dialogues established with theoretical based Vigotski (2001), Caraça (2002) and Walle (2009). The collected data show that students demonstrate some appropriations, considering the significance of rational number in its fractional representation, part-whole idea. Keywords: Understanding produced by students. First years of elementary school. Rational numbers in fractional representation. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9 1. REFERENCIAL TEÓRICO: ALGUNS ELEMENTOS QUE SUSTENTAM E AMPLIAM AS CONDIÇÕES DE ANÁLISE ......................................................................................... 12 1.1 Perspectiva Histórico-Cultural: Alguns Elementos ......................................................... 12 1.2 A Gênese do Número Racional ...................................................................................... 16 1.3 O Ensino do Número Racional nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Orientações Propostas pelos Documentos Oficiais ................................................................................... 17 2. OS CAMINHOS DA PESQUISA: UMA CONSTRUÇÃO .............................................. 21 2.1 Escolhas Metodológicas ................................................................................................. 21 2. 2 O Cenário da Pesquisa ................................................................................................... 24 3. ENTENDIMENTOS DO NÚMERO RACIONAL NA REPRESENTAÇÃO FRACIONÁRIA – PARTE-TODO ...................................................................................... 26 3.1 Significados Produzidos pelos Alunos ............................................................................ 29 3.2 Relações Conceituais na Produção de Significados pelos Alunos.................................... 37 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 44 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 47 ANEXOS ............................................................................................................................. 50 8 INTRODUÇÃO Atualmente vivemos em uma sociedade com inúmeros problemas sociais, marcada por consideráveis modificações tecnológicas, novos paradigmas sociais e educacionais, tornandoa cada vez mais complexa e diversificada, exigindo respostas mais flexíveis e mecanismos participativos que envolvam todos os seus membros. Neste contexto, a escola, enquanto instituição de ensino formal, deve trabalhar no sentido de desenvolver uma educação associando escola e sociedade, conhecimento e trabalho, propondo ao aluno desafios que o permita resolver problemas com atitude e responsabilidade, compromisso, crítica, satisfação e reconhecimento de seus direitos e deveres. “A escola é uma instituição privilegiada, na medida em que possibilita o contato entre atores com diferentes visões de mundo, podendo promover o seu encontro e a troca de significados e vivências” (DAUSTER, 2006, p. 70). A Matemática, componente curricular que ocupa um espaço singular na formação escolar dos alunos, tem o papel de contribuir na formação do cidadão fornecendo importantes elementos, entre os quais enfatizamos: a construção de estratégias, a comprovação e justificativa de procedimentos e conjecturas, o incentivo pessoal, o trabalho coletivo, a autonomia e a capacidade de enfrentar desafios. Nos resultados das avaliações externas brasileiras observa-se um quadro bastante preocupante em relação à proficiência matemática dos estudantes desde os Anos Iniciais da Educação Básica até o Ensino Superior, que aponta baixos índices de aprendizagem (rendimento) dos estudantes. As avaliações externas realizadas na última década pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), pela Prova Brasil, pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), pelo Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (Saers) e pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), visam a diagnosticar a situação atual do ensino escolar a partir do rendimento dos estudantes e orientar a reformulação e o monitoramento de políticas públicas voltadas à qualidade da educação. 9 Os conjuntos numéricos fazem parte do currículo escolar da Matemática em todas as etapas da Educação Básica. No Ensino Fundamental os alunos vão percebendo que os números se configuram como instrumentos eficazes na resolução de problemas. O aluno, neste grau de ensino, percebe a existência de diversos tipos de número, bem como seus diferentes significados. Neste sentido, o ensino e a aprendizagem dos números racionais vêm sendo discutidos há muito tempo por pesquisadores como Nunes e Bryant (1997), Bezerra, Maginas e Spinillo (2002), Merlini (2005), Moutinho (2005), entre outros. Para estes autores, o conceito de número racional é um importante saber matemático, pois desenvolve nas crianças habilidades como: compreensão e controle de situações do mundo real e ampliação das estruturas mentais necessárias para o desenvolvimento intelectual (BHER ET AL., 1983). Seu ensino é iniciado formalmente a partir do segundo ciclo do Ensino Fundamental, estendendo-se, pelo menos, até o final do terceiro ciclo. Mesmo assim, constata-se que, frequentemente, muitos alunos apresentam no final do Ensino Fundamental, bem como no final do Ensino Médio, um conhecimento insuficiente ou muitas dificuldades relacionadas aos conjuntos numéricos, em especial ao dos números racionais. Neste, as dificuldades são ainda mais acentuadas quando se referem à representação fracionária na ideia parte-todo. Walle (2009) afirma que as frações sempre representam um grande desafio aos estudantes, mesmo nas Séries Finais do Ensino Fundamental e apresenta uma pesquisa de Wearne e Kouba (2000), a qual mostra que os resultados dos testes do National Assessment of Educational Progress (Naep) evidenciam consistentemente que os estudos têm uma compreensão muito frágil. Argumenta, ainda, que a falta de compreensão é traduzida para múltiplas dificuldades com o cálculo de frações, os conceitos de decimal e de porcentagem, o uso de frações em medidas e os conceitos de razão e proporção (WALLE, 2009, p. 322). Segundo Behr et al. (1983), o conceito de número racional é uma das mais complexas e essenciais áreas da Matemática para os alunos, a partir das perspectivas prática, psicológica e matemática. No segundo ciclo do Ensino Fundamental o conceito de número racional na representação fracionária deve se desenvolver considerando três dimensões e ideias: a ideia de parte-todo, em que a fração indica a relação que existe entre o número de partes e o total de 10 partes; a ideia de quociente, a qual está baseada na divisão de um número natural por outro; e a ideia que implica diretamente na gênese do número racional que é a de comparação entre duas grandezas, chamada de razão. Diante dessas considerações, temos a intenção de investigar: Quais os entendimentos que alunos no início do 6º ano de uma escola da rede municipal do interior do município de Coronel Bicaco – RS –, apresentam em relação à significação do conceito do número racional na sua representação fracionária relação parte-todo? As reflexões/discussões desta investigação estruturam-se a partir de alguns aspectos/categorias tidos, neste momento, como fundamentais na busca/constituição de elementos que visam a elaborar considerações relacionadas ao objetivo norteador da investigação: significação do conceito de número racional na representação fracionária – ideia parte-todo, linguagem e relações dos conceitos por ora considerados. As unidades de análise, de certa forma, estruturam a presente Monografia, organizada em capítulos. O primeiro apresenta um aporte teórico que não condiciona, mas fundamenta e amplia as condições de análise. Faz-se a partir de alguns elementos da perspectiva histórico cultural, trazendo Vygotsky (1984) e seus seguidores, e proposições apresentadas por Caraça (2002) acerca da gênese do conceito de número racional. O segundo capítulo apresenta os caminhos construídos para a realização da pesquisa, e descreve a metodologia utilizada e o cenário em que se faz a investigação, universo no qual o estudo foi realizado, considerando uma turma do 6º ano de uma escola municipal. Já o terceiro capítulo é o ponto central deste estudo. Constitui-se nas e a partir das análises considerando o material empírico produzido e o referencial teórico. As análises fazem-se mediante dois tópicos: a significação produzida pelos alunos do conceito de número racional na representação fracionária na ideia parte-todo, linguagem e relações dos conceitos matemáticos, e relações conceituais na produção de significados pelos alunos. O último capítulo traz as considerações finais, que revelam que os alunos possuem significação em relação ao conceito de número racional, muito importante para a formação das demais ideias de conceito, o qual não acaba no 2º ciclo. 11 1. REFERENCIAL TEÓRICO: ALGUNS ELEMENTOS QUE SUSTENTAM E AMPLIAM AS CONDIÇÕES DE ANÁLISE Este capítulo apresenta discussões teóricas considerando alguns elementos da perspectiva histórico-cultural baseados nas proposições de Vigotski e seus estudiosos, aspectos relacionados à gênese do conceito de número racional a partir de Caraça e ideias acerca do número racional no contexto escolar, levando em conta, em especial, as proposições apresentadas nos documentos oficiais que orientam o ensino de Matemática no Ensino Fundamental – Anos Iniciais – com ênfase no Número Racional. Estes aspectos não estão sendo considerados como condicionadores das análises, mas os apresentamos no sentido de fundamentar e viabilizar as discussões e teorizações propostas a partir de Walle (2009). 1.1 Perspectiva Histórico-Cultural: Alguns Elementos No início do século 20, estudos sobre a teoria histórico-cultural avançam e as ideias de seu principal teórico – Vigotski – e colaboradores, contribuem para a prática pedagógica. Vigotski, em sua obra Pensamento e linguagem, afirma que: “[...] para se criar métodos eficientes para instrução das crianças em idade escolar no conhecimento sistemático, é necessário entender o desenvolvimento dos conceitos científicos na mente da criança” (VIGOTSKI, 1999, p. 103). A teoria proposta por Vigotski é importante para a reflexão sobre o dimensionamento do ensino e aprendizado do ser humano. Idéias de transformação, tão essencial ao próprio conceito de educação, ganha particular destaque numa concepção que enfatiza o interesse em compreender, no 12 curso do desenvolvimento, a emergência daquilo que é novo na trajetória do indivíduo, os “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, em vez de seus frutos (VYGOTSKY, 1984 apud OLIVEIRA, 2000, p. 13). O autor considera o desenvolvimento da aprendizagem da criança e como esta realiza o processo e não apenas o produto final da aprendizagem, ou seja, aqueles conhecimentos que se apresentam de forma embrionária no sujeito e que podem vir a se desenvolver. A concepção pedagógica sobre ensino interfere diretamente na aprendizagem do aluno, pois “a marca mais importante, no percurso de desenvolvimento são exatamente aqueles processos que já estão embrionariamente presentes no indivíduo” (OLIVEIRA, 2000, p. 13). Cabe então à escola e ao professor manifestar sua concepção de ensino, fazendo brotar o conhecimento, considerando os conceitos já apropriados pelo aluno. Conforme Vygotsky: [...] a escola tem o papel de fazer a criança avançar em sua compreensão de mundo a partir de seu desenvolvimento já consolidado e tendo como meta etapas posteriores, ainda não alcançadas. Por sua vez, o professor tem explícito papel de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente (REGO, 1999, p. 85). Segundo Vigotski (1984), o aprendizado e desenvolvimento estão interligados. Para que haja aprendizagem é preciso promover o desenvolvimento, pois o mesmo se encontra “aberto” e o aprendizado é mais do que a aquisição de capacidade para pensar; é a aquisição de muitas capacidades especializadas para pensar sobre várias coisas. Considerando que a aprendizagem estimula o desenvolvimento, a escola tem um papel fundamental na construção do ser psicológico e racional. A escola deve conduzir o ensino não para etapas alcançadas, mas sim para estágios de desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos. Assim, a escola deve ter como ponto de partida o nível de desenvolvimento real da criança (em relação aos conceitos) e como ponto de chegada os objetivos a serem alcançados. Nesse sentido, o professor tem o papel explícito de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente. Oliveira (2004), fundamentada em Vygotsky, colabora com esta ideia ao afirmar, que o professor deve “[...] dirigir o ensino não para etapas intelectuais já alcançadas, 13 mas, sim, para estágios de desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos funcionando realmente como um motor de novas conquistas psicológicas” (p. 62). Ainda pode-se observar que, segundo a teoria vigotskiana, o indivíduo se constitui humano a partir e na medida em que estabelece relações sociais mediadas por linguagens (sistema simbólico). Nesse sentido, as inter-relações com o outro se tornam necessárias para a concretização do processo de humanização. Na escola o professor, por meio de sua intervenção, exerce um papel fundamental no desenvolvimento do aluno. No contexto escolar o aprendizado é o próprio objetivo de um processo que pretende conduzir a um determinado tipo de desenvolvimento; assim, a intervenção deliberada é um processo pedagógico privilegiado. Para Vigotski, zona de desenvolvimento proximal (ZDP) é o domínio psicológico da constante transformação. É nessa ZDP que o professor exerce um papel fundamental na aprendizagem, pois, segundo Grando, Marasini e Mühl (2002), para se apropriar dos sistemas de conhecimento, necessita-se da mediação do conhecimento, caracterizado como aprendizagem. “Significa que o conhecimento como forma culturalmente construída, passa a ser internalizado à medida que ocorrem interações sociais, que podem se dar tanto entre as pessoas como entre as pessoas e os próprios objetos de conhecimento” (GRANDO; MARASINI; MÜHL, 2002, p. 5). Na concepção vigotskiana, o cognitivo humano não nasce pronto; se desenvolve a partir e na medida em que mantém interações com o meio em que vive, e este processo de desenvolvimento é mediado por instrumentos e signos. Os signos são elementos que lembram ou simbolizam algo; são formas não concretas e sim simbólicas, usadas para significar algo, construídas culturalmente (por isso podem existir diferentes significados). O instrumento, criado pelo homem, é uma ferramenta externa que modifica a natureza. Segundo Vigotski, a língua é o principal sistema de signos para o desenvolvimento cognitivo. Na concepção vigotskiana, o uso de instrumentos e a fala interferem em várias funções psicológicas. A fala é função primária para as crianças. Ela começa a perceber o mundo não somente pelos olhos, mas pela fala, que se torna parte essencial do desenvolvimento cognitivo da criança. Assim, em estágio mais avançados, a linguagem adquire a função sintetizadora, e tem como atribuição a reorganização das percepções, pois 14 relaciona o concreto com o abstrato, o real com o simbólico, possibilitando, no decorrer do desenvolvimento, generalizar situações que ocorreram no desenrolar do processo. A articulação entre estes dois elementos (instrumento e o signo) forma uma função psicológica superior a partir de processos de internalização. A reconstrução de uma operação interna a partir de uma atividade externa é chamada de internalização, sendo importante para o desenvolvimento dos processos mentais superiores. A apropriação/internalização,1 enquanto resultado de uma longa série de eventos, que ocorre ao longo do desenvolvimento, passa por processo interpessoal e se transforma em um processo intrapessoal, ou seja, primeiro em âmbito social (interpsicológica – está ligado com outras pessoas) e depois individual (intrapsicológica – se estabelece no interior da criança). Para que haja a apropriação da significação dos conceitos envolvidos num sistema conceitual, várias funções são colocadas em funcionamento, inter-relacionando-se e se influenciando mutuamente. O conceito “[...] surge quando uma série de atributos abstraídos torna a sintetizar-se, e quando a síntese abstrata assim obtida se torna forma basilar de pensamento com o qual a criança percebe e toma conhecimento da realidade que a cerca” (VIGOTSKI, 2001, p. 226). Assim, o processo de apropriação pelo aluno da significação do conceito de números racionais no contexto escolar é complexo, e envolve uma série de elementos requerendo a mobilização de outros conceitos matemáticos. Em outras palavras: cada conceito está inserido em um sistema conceitual e articulado a outros conceitos; o que significa que para um aluno se apropriar da significação de um determinado conceito, este deve estar relacionado à apropriação da significação de outros conceitos,os quais estão articulados. Dessa forma, “[...] um novo conceito, uma nova generalização não surge senão com base no conceito ou generalização anterior” (VIGOTSKI, 2001, p. 372). Assim, apropriar-se de significação do conceito de número racional na sua representação fracionária, requer considerar as diferentes ideias que o constituem, como também as relações com outros conceitos. 1 O termo apropriação refere-se a modos de tornar próprio, de tornar seu, também tornar adequado, pertinente, valores e normas socialmente estabelecidos. 15 Nesse sentido, apresentamos a seguir um pequeno item que trata da gênese do número racional, o que, de certa forma, está intrinsecamente relacionado às ideias que constituem e permeiam o referido conceito matemático. 1.2 A Gênese do Número Racional Em sua obra de referência, Caraça (2002) descreve o surgimento dos números racionais como uma necessidade que o homem tem de comparar as grandezas, pois “medir e contar são operações cuja realização a vida de todo os dias exige com maior frequência” (CARAÇA, 2002, p. 29). A construção do número racional surge a partir do problema da medida, ao determinar quantas vezes uma unidade de medida cabe em algo a ser medido, quando o padrão considerado não cabe um número exato de vezes, de um impasse em que, respeitando o conjunto dos números inteiros, não seria possível resolver. Segundo Caraça (2002), o problema da medida se distingue por três aspectos: a escolha da unidade, comparação com a unidade considerada e a expressão do resultado dessa comparação por um número. Por exemplo, como nos mostra a Figura 1: quando comparamos o segmento AB percebemos que este cabe três vezes no segmento CD , ou que a medida de CD tomando AB como unidade, é três. Figura 1 – Segmentos considerados na medida apresentada por Caraça Fonte: CARAÇA. 2002, p. 30. Considerando dois segmentos (Figura 2), sendo AB medindo 11 unidades e o segmento CD medindo 3 unidades, faz-se a pergunta: Quantas vezes o segmento CD cabe no segmento AB ? Pelo princípio da economia, essa medida é dada pela razão dos dois números 11 e 3, porém essa razão não existe em números inteiros, visto que 11 não é divisível por 3. O autor chama a atenção de que, para resolver esta dificuldade, não bastou o conjunto dos números 16 inteiros; fez-se necessária a criação de um novo campo numérico: o conjunto dos números racionais, quando compreende o conjunto dos números inteiros e os números expressos na forma fracionária a , onde a pertence ao conjunto dos números inteiros e b pertence ao b conjunto dos números inteiros diferentes de zero. Figura 2 – Segmentos considerados na medida A_._._._._._._._._._._ B C_._._ D Fonte: CARAÇA, 2002, p. 32. A busca por uma solução para esse problema, a partir de um longo processo de negação dessa impossibilidade, no qual a divisão antes era tida como impossível, passou a ser vista como um novo número, “[...] um novo conjunto numérico dos números racionais, ou campo racional – que compreende o conjunto dos números inteiros e mais o formado pelos números fraccionários, estes são, de facto, os números novos” (CARAÇA, 2002, p. 36). Assim, de acordo com Caraça, surge, a partir do problema da medida, um novo conjunto numérico, formado pelo conjunto dos números inteiros e pelos números fracionários. 1.3 O Ensino do Número Racional nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Orientações Propostas Pelos Documentos Oficiais Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – (Brasil, 1998), o estudo dos números é um tema muito importante, e ocupa um lugar de destaque nos currículos escolares do Ensino Fundamental. Como já foi dito, um dos conjuntos numéricos em que os estudantes apresentam dificuldades é o conjunto dos números racionais. Pesquisas (MERLINI, 2005; MOUTINHO, 2005; SANTOS, 2005) têm evidenciado dificuldades/fragilidades em relação a esse conceito, quer seja do ponto de vista de seu ensino, quer seja do ponto de vista de sua aprendizagem. No que se refere ao ensino, o que se tem revelado é uma ênfase exagerada em procedimentos e algoritmos e uma forte tendência para tratar deste conceito apenas utilizando 17 a exploração do significado parte-todo, a partir de sua representação a/b com a, b inteiros e b diferente de 0. Nesse sentido, Campos e Cols (1995) afirmam que o método de ensino [...] simplesmente encoraja os alunos a empregar um tipo de procedimento de contagem dupla – ou seja, contar o número total de parte e então as partes pintadas – sem entender o significado desse novo tipo de número (apud NUNES; BRYANT, 1997, p. 191). No que diz respeito à aprendizagem, os alunos podem até apresentar algumas habilidades em manipular os números racionais, sem ter uma compreensão do conceito. Nunes e Bryant argumentam que: Com as frações as aparências enganam. Às vezes as crianças parecem ter uma compreensão completa das frações e ainda não têm. Elas usam os termos fracionários certos; falam sobre as frações coerentemente, resolvem alguns problemas fracionários; mas diversos aspectos cruciais das frações ainda lhes espantam. De fato, as aparências podem ser tão enganosas que é possível que alguns alunos passem pela escola sem dominar as dificuldades das frações, e sem que ninguém perceba (1997, p. 191). A afirmação supracitada pode ser constatada quando observamos o baixo desempenho, nas avaliações externas, atingido pelos alunos brasileiros ante a situações que envolvem o conceito do número racional na sua representação fracionária. Lopes (2008) expõe que, infelizmente, o conceito de fração é ensinado do mesmo modo que aprenderam nossos bisavós, com prescrição de regras, exercícios repetitivos e mecânicos, e aplicações falsas e pobres de conexões. Diz ainda que a maioria dos professores ficam constrangidos por não saber explicar algo ou como proceder para que os alunos demonstrem interessem e/ou aprendam. O autor destaca, também, que a aplicação de fração no dia a dia está se tornando rara, mas seu uso para a formação de outros conceitos matemáticos é indispensável. A importância de seu tratamento está em consolidar o pensamento proporcional e na formação do pensamento algébrico. Os PCNs organizam as séries do Ensino Fundamental2 em ciclos. Cada ciclo contempla duas séries. Por exemplo, o 2º ciclo contempla a 3ª e a 4ª séries e propõe um currículo de Matemática para o Ensino Fundamental estruturado em conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais a partir de quatro Blocos de Conteúdos: Números e Operações (no campo da Aritmética e Álgebra), Espaço e Forma (no campo da Geometria), Grandezas e 2 Estruturado em oito séries, de 1ª a 8ª série. 18 Medidas (permite interligações entre os campos da Aritmética, da Álgebra e da Geometria) e Tratamento da Informação (permite lidar com dados estatísticos, tabelas e gráficos, e a raciocinar utilizando ideias relacionadas à probabilidade e à combinatória). O Bloco Números e Operações, que vai ser considerado com mais ênfase nesta investigação, possibilita o desenvolvimento do sentido numérico e os significados das operações. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática, é no segundo ciclo (3as e 4as séries do Ensino Fundamental de 8 anos) que: [...] são apresentadas aos alunos situações-problema cujas soluções não se encontram no campo dos números naturais, possibilitando, assim, que eles se aproximem da noção de número racional, pela compreensão de alguns de seus significados (quociente, parte todo, razão) e de suas representações, fracionária e decimal (BRASIL, 1997, p. 58). O ensino do conceito de números racionais não se esgota nestas séries, pois [...] esse ciclo não constitui um marco de terminalidade da aprendizagem desses conteúdos, o que significa que o trabalho com números naturais e racionais, operações, medidas, espaço e forma e o tratamento da informação deverá ter continuidade, para que o aluno alcance novos patamares de conhecimento (BRASIL, 1997, p. 59). Espera-se que os alunos do 2º ciclo do Ensino Fundamental, conforme apresentação dos PCNs (BRASIL, 1997), reconheçam os números naturais e racionais em diferentes contextos do cotidiano, compreendam e utilizem as regras do sistema de numeração decimal para leitura, escrita, comparação e ordenação de números naturais de qualquer ordem de grandeza; leiam e representem os números racionais na forma decimal; comparem e ordenem os números racionais na forma decimal; localizem na reta numérica os números racionais na forma decimal; leiam, escrevam, comparem e ordenem as representações fracionárias de uso frequente; reconheçam que os números racionais admitem inúmeras representações na forma fracionárias; identifiquem e produzam frações equivalentes pela observação de representações gráficas e de regularidades nas escritas numéricas; explorem os diferentes significados das frações em situações-problema: parte-todo, quociente e razão; observem que os números naturais podem ser expressos na forma fracionária; relacionem as representações fracionárias com a decimal de um mesmo número racional; e reconheçam o uso da porcentagem no contexto diário. 19 Os PCNs (BRASIL, 1997) sugerem três situações para desenvolver o ensino de frações. A primeira apresenta a prática que recorre a situações em que estão subentendidas a relação parte-todo, e em que fração indica a relação que existe entre o número de determinadas partes considerando um todo/inteiro. A segunda situação é a do quociente, baseado na ideia de divisão de um número natural por outro; é o caso em que se faz necessário “dividir dois chocolates para três pessoas” (BRASIL, 1997, p. 103). A terceira “é aquela situação em que a fração é usada como índice comparativo entre duas quantidades e uma grandeza, ou seja, quando é interpretada como razão” (BRASIL, 1997, p. 104). Sob este viés, os PCNs sugerem que no segundo ciclo do Ensino Fundamental sejam trabalhados os três significados: parte-todo, quociente e razão, e apenas no terceiro ciclo do Ensino Fundamental seja introduzido o significado de operador multiplicativo. 20 2. OS CAMINHOS DA PESQUISA: UMA CONSTRUÇÃO Este capítulo tem por objetivo apresentar os caminhos construídos na e para a realização da investigação que embasa a presente escrita. Trouxemos as escolhas metodológicas e o cenário/universo no qual se estabeleceu e se fez a pesquisa. 2.1 Escolhas Metodológicas Toda a pesquisa, independente da abordagem utilizada, requer a construção de um aporte metodológico. A metodologia projeta a investigação como um processo, a partir de etapas e atividades específicas para cada uma das fases que a constitui. As etapas ou atividades podem ser delimitadas com um cronograma, mas se fazem com e num movimento permanente de integração das partes no todo e de sucessivo recomeçar (MINAYO, 2002, p. 18). A presente Monografia se constituiu a partir de uma pesquisa qualitativa. Segundo Minayo, a pesquisa qualitativa [...] responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (1995, p. 21-22). Bogdan e Biklen (1982 apud LUDKE; ANDRÉ, 1986) tratam da pesquisa qualitativa a partir de cinco características básicas: [...] a pesquisa qualitativa tem ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento; os dados gerados foram predominantemente descritivos; a preocupação com o processo do estudo foi muito maior do que com o produto; o “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida foram focos de atenção especial do pesquisador; a análise dos dados tendeu a seguir um processo indutivo. Não houve a preocupação em buscar evidências que 21 comprovassem hipóteses definidas antes do início dos estudos. As abstrações se formaram ou se consolidaram basicamente a partir da inspeção dos dados, a qual se configura como um estudo de caso (p. 11-13). Os dados qualitativos são importantes quando se tem o interesse em verificar como um problema de pesquisa se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações do cotidiano. A presente pesquisa, de cunho qualitativo, apresenta algumas especificidades e singularidades próprias. Configura-se então como um estudo de caso, pois, “quando queremos estudar algo singular, que tenha valor em si mesmo, devemos escolher o estudo de caso” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 17). Segundo Young (apud GIL, 1999), o estudo de caso é um conjunto de dados que apresenta uma fase ou totalidade do processo social de uma unidade em suas inúmeras relações internas e nas suas fixações culturais, quer seja essa unidade uma pessoa, uma família, um profissional, uma instituição social, uma comunidade ou uma nação. Ponte corrobora com estas elaborações ao afirmar que um estudo de caso se debruça [...] deliberadamente sobre uma situação específica que se supõe ser única ou especial, pelo menos em certos aspectos, procurando descobrir a que há nela de mais essencial e característico e, desse modo, contribuir para a compreensão global de um certo fenômeno de interesse (2006, p. 2). Para que fosse possível atender aos objetivos da presente investigação, foram produzidos dados empíricos. Estes se constituíram a partir da elaboração e desenvolvimento de questões e de um pequeno episódio obtido da gravação e transcrição do desenvolvimento das questões. Foram elaboradas oito questões,3 as quais envolveram aspectos relevantes do significado do número racional, representação fracionária considerando a ideia parte-todo. As referidas questões foram elaboradas a partir dos modelos propostos por Walle (2009): modelos de área ou de região, de comprimento e de medidas e de conjunto. Envolveram representação figural e textual (linguagem natural e matemática) com ênfase para o seu simbolismo (numerador e denominador), bem como para as características que constituem e definem o referido número. 3 Adaptadas a partir de questões proposta por Walle (2009), Brasil (2007) e Breitenbach (2010). As oito questões na íntegra estão apresentadas em anexo. 22 Em função das limitações da investigação e visando a atender a intencionalidade da pesquisa, não estamos, neste momento, considerando todo o material empírico produzido, mas, esgotadas as possibilidades de olhares e análises, fizemos alguns recortes. Nesse sentido, estamos levando em conta as seguintes questões nas quais enfatizamos alguns aspectos: Na questão no 1, item a, foi solicitado aos alunos para representar, por meio de desenho e numericamente, a metade de uma maçã, envolvendo a ideia parte-todo em uma quantidade contínua. Na mesma questão, o item b envolveu a ideia parte-todo em quantidades discretas. Foi solicitado aos alunos para representar a metade de 24 bolinhas de gude. A questão no 2 envolveu situações de representações fracionárias, ideia parte-todo, considerando o modelo e região proposto por Walle (2009). Foi solicitado aos alunos que representassem em cada um dos retângulos (inteiro) frações como: ¼, 2/3 e 5/10. As questões no 3 e no 4 propostas aos alunos envolveram ideias centrais do simbolismo fracionário, instigaram os alunos a perceber o todo a partir de partes indicadas e a indicar a fração que representa uma determinada parte a partir de um inteiro considerado. 1 Questão 3, item a: o retângulo representa a terça parte ( ) de uma barra de chocolate. 3 Solicitar a representação da barra inteira. Questão 3, item b: foi representado ¾ de uma folha de caderno, o que representava 15 linhas, e solicitado aos alunos que completassem a referida folha. Questão n° 4, item a: solicita que os alunos identifiquem a fração que representa o quadrinho pequeno, considerando como inteiro o quadrado maior. O item b da questão n° 4 apresenta uma figura que representa uma quantidade maior do que um inteiro, mais especificamente duas vezes o inteiro, e solicita aos alunos que indiquem a fração que a representa. A questão no 7 investiga o conceito do número racional na sua representação fracionária, ideia parte-todo, com o objetivo de observar como os alunos compreendem a relação entre linguagem figural e linguagem numérica/fracionária. 23 A questão no 8 teve como objetivo enfatizar uma das características que constitui o número fracionário – a área das partes. A referida questão propõe aos alunos uma reflexão sobre a área e a forma que possui, a partir de dobraduras em uma folha de ofício (A3) e da representação por meio de desenho das partes formadas considerando as dobras. As questões foram desenvolvidas em uma turma no início do 6º ano, numa escola da rede municipal de Coronel Bicaco, interior do Rio Grande do Sul, em uma única etapa de duas horas/aula. Foram respondidas em duplas e, durante o desenvolvimento das mesmas, a pesquisadora em nenhum momento interviu junto aos alunos. Uma questão, após o desenvolvimento com os alunos, foi revista. Nesta, não foi deixado espaço para que os alunos completassem o inteiro conforme solicitava a questão. Considerando a forma em que a primeira foi aplicada, não será eliminada da pesquisa e servirá de comparativo. As análises se constituíram levando em conta a significação do conceito de número racional na representação fracionária ideia parte-todo apresentada pelos alunos, da linguagem e das relações conceituais. Fazem-se a partir de pressupostos teóricos apresentados por Walle (2009), Caraça (2002), por alguns elementos da teoria histórico-cultural proposta por Vigotski (1984) e seus seguidores e por proposições apresentadas nos documentos oficiais que orientam o ensino de Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998). 2.2 O Cenário da Pesquisa A pesquisa tem como finalidade analisar a apropriação do conceito do número racional na sua representação fracionária por alunos que frequentam o 6º ano, ou seja, que já frequentaram o 1º e o 2º ciclos do Ensino Fundamental. Conforme os PCNs, os alunos no final do 2º ciclo do Ensino Fundamental e, para a legislação vigente, 5º ano, já devem ter se apropriado do conceito do número racional na representação fracionária, considerando os três significados: parte-todo, quociente e razão. Por esse motivo, a produção dos dados empíricos 24 aconteceu no início (março de 2012) do primeiro ano dos Anos Finais do Ensino Fundamental, ou seja, no princípio do 6º ano.4 A produção dos dados empíricos da pesquisa aconteceu numa escola pública do município de Coronel Bicaco-RS, localizada na zona rural (escola de campo), a qual possui o Ensino Fundamental. A escola abriga em torno de 30 alunos no turno da manhã, e desse total 8 frequentam o 6ª ano do Ensino Fundamental. Escolhi essa escola porque me oportunizou o acesso para a realização dos trabalhos acadêmicos, bem como a realização da referida pesquisa. 4 Os alunos do 6º ano participantes da investigação ainda não tiveram aula de Matemática no decorrer deste ano letivo. 25 3. ENTENDIMENTOS DO NÚMERO FRACIONÁRIA – PARTE-TODO RACIONAL NA REPRESENTAÇÃO A significação de um determinado conceito é encontrada na compreensão partilhada pelos seres humanos por intermédio de uma linguagem. [...] o homem sempre procurou organizar sistematicamente uma forma particular da linguagem Matemática e então surgem os símbolos. Na Matemática podemos afirmar que o símbolo é fundamental para toda aprendizagem, dos membros de uma mesma comunidade que utilizem o mesmo código de comunicação. O quadrado, o triângulo, a circunferência e outras formas geométricas nada mais são do que símbolos, sintetizados em nossa memória. Porém essa imagem pode não ter mesmo significado para outros povos, em determinadas situações específicas. O que tem um significado para os babilônicos pode não ter o mesmo para os egípcios, os gregos etc., mas a junção do conhecimento desses e de outros povos deu origem “A Simbologia Matemática” (NUNES; MORETTI, 2012, p. 3-4). Cada conceito, como também suas representações, se faz com e sob uma linguagem específica dessa área de saber e envolve signos e instrumentos próprios. Para a significação conceitual do número racional na sua representação fracionária – parte-todo – devemos considerar ideias relevantes em se tratando da significação conceitual do referido número. Não são dois números naturais, mas sim um número que representa partes iguais ou proporções de tamanhos iguais de um todo ou unidade. Segundo Walle (2009), as partes fracionárias são denominadas para que possamos entender quantas partes precisamos para formar o todo, ou seja, se denominamos quartos, precisamos de quatro partes para formar o todo. Assim, quanto mais partes fracionárias forem utilizadas para forma um todo, menor elas serão. Esse aspecto/característica pode se configurar como um dos entraves, pois nas frações as aparências enganam. Nesse sentido, o emprego de diversos modelos pode minimizar ou sanar dúvidas que os alunos têm em relação às partes superior e inferior do número fracionário, ou seja, com relação ao simbolismo. Walle (2009) sugere três modelos distintos para que se constitua o processo de elaboração conceitual do número racional representação fracionária, ideia parte-todo: modelo de área ou de região, modelo de comprimento ou medida 26 e modelo de conjunto. O modelo de área e região é um dos mais usados e também um bom modelo para realizar tarefas de compartilhar e repartir. Walle (2009) apresenta exemplos de modelos que consideram regiões para representar frações: Figura 3 – Exemplos de modelos de regiões para representar números fracionários Fonte: WALLE, 2009, p. 325. Dentre esses modelos, o mais comum usado em livros didáticos é o disco fracionário. Além de o modelo ser uma matéria fácil de manipular, é frequentemente usado como uma pizza, e é de fácil repartição. Walle (2009) afirma, porém, que os outros modelos de região são mais flexíveis; permitem a representação de unidades e conjuntos de diferentes tamanhos. Para representar frações considerando modelos de comprimento ou de medidas, Walle apresenta os seguintes exemplos: Figura 4 – Exemplos de modelos de comprimento ou de medida para representar números fracionários 27 Fonte: WALLE, 2009, p. 325. Neste modelo, as barrinhas de cuisinaire e as tiras de papéis dobradas são aparentemente de fácil manipulação para o aluno, pois, nesse caso, ele cria situações de comparação entre as “frações”. A reta numérica já é um modelo mais complexo, pois, segundo Walle “do ponto de vista da criança, há uma diferença real entre por um número em uma reta numérica e comparar um comprimento a outro. Cada número em uma reta numérica denota a distância do ponto rotulado como zero” (2009, p. 326). A Figura 5 apresenta os exemplos que Walle usa para representar modelos considerando conjuntos. Figura 5 – Exemplos de modelos de conjuntos para representar números fracionários 28 Fonte: WALLE, 2009, p. 325. Neste modelo, Walle está considerando o modo de inteiro composto por unidades descontínuas, cujo inteiro dá a ideia de conjunto de objetos e seus subconjuntos as partes fracionárias. 3.1 Entendimentos Produzidos Pelos Alunos O conceito de número fracionário envolve vários aspectos que são relevantes em se tratando da significação conceitual pelo aluno. Estes aspectos estão relacionados a suas representações/símbolos, tanto figural quanto textual – língua materna e linguagem matemática – e aos seus significados. O símbolo se impregna de coisa representada, assim o encontro entre o signo e significante resulta de uma simbologia que passa a ser uma linguagem específica [...]. No que tange à linguagem matemática, os símbolos representam realidades concretas que foram aprendidas e contextualizadas, constituindo, dessa forma, uma linguagem matemática que possibilita o estudo dos conceitos para os símbolos representarem (NUNES, 2007, p. 4-5). “O simbolismo de fração representa uma convenção bastante complexa que é geralmente enganosa para as crianças” (WALLE, 2009, p. 327). Segundo o referido autor, é de extrema importância que o aluno entenda o número na parte superior e inferior de uma 29 fração, e que compreenda o que significa cada um de seus termos. Têm-se duas ideias centrais no simbolismo fracionário: O número da parte superior conta. O número da parte inferior diz o que está sendo contado. Walle afirma que o simbolismo da fração é importante para dizer “quanto” e “o que contar”. Smith (apud WALLE, 2009) afirma que “é importante considerar o número da parte inferior como divisor e o da parte superior como multiplicador” (p. 329), mas nesse contexto se faz necessário considerar o todo, o inteiro, e também que este é dividido em partes iguais. As questões no 3 e no 4 propostas aos alunos, envolveram ideias centrais do simbolismo fracionário, instigaram os alunos a perceber o todo a partir de partes indicadas e a mostrar a fração que representa uma determinada parte a partir de um inteiro considerado. 1 Ao indicar, na questão nº 3, item a, a terça parte ( ) de uma barra de chocolate e 3 solicitar a representação da barra inteira, percebe-se que os nove alunos fizeram as duas partes que faltavam para completar o inteiro, mas ninguém fez do mesmo tamanho da parte apresentada e nem completando a figura formando o todo, ou seja, os alunos não consideraram a noção de inteiro e a noção que envolve a ideia de região e de medida. Os alunos, em algumas situações, demostram saber que o denominador significa o número de partes em que um inteiro foi dividido, porém não representaram partes iguais; em outras, este entendimento parece estar confuso. Demonstram também entendimentos acerca do significado de numerador, destacando que este indica o número de partes consideradas do inteiro, mas na questão 3, item a, o aluno A e o aluno B não representaram o chocolate inteiro, mas as partes que o compõe. Figura 6 – Representação feita pelo Aluno A – resposta da questão nº 3, item a 30 Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Figura 7 – Representação feita pelo Aluno B – resposta da questão nº 3, item a Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Com relação às ideias centrais no simbolismo fracionário, os alunos demonstram que contaram o número total de partes em que o inteiro foi dividido e usaram este número como o denominador da fração, e contaram o número de partes pintadas na Figura, o qual foi considerado como numerador da fração. Não demonstram compreender, porém, esse novo número como não pertencente ao conjunto dos inteiros, uma vez que estão sempre contando a quantidade de partes e estas constituem o conjunto dos inteiros. Os alunos não relacionam esses dois inteiros e, a partir desse aspecto, a relação entre numerador e denominador fica perdida, não demonstrando a ideia de número fracionário. A dupla contagem usada pelos alunos mostra que houve falta de atenção às propriedades geométricas das Figuras ou partes usadas (NUNES ET AL., 2003). Percebe-se que os alunos fazem dupla contagem e/ou entendem o número racional na forma fracionária como sendo dois números naturais. Na transcrição de um pequeno episódio, apresentamos a fala de um aluno que representa este entendimento com relação ao numerador e ao denominador. Aluno A: Você pinta o número que tá em cima e divide o que está embaixo. Segundo Walle (2009), os termos numerador e denominador não são palavras comuns para as crianças; se considerados no ensino e aprendizagem, por si só podem não ter significado para os alunos. Vigotski contribui nas discussões relacionadas aos referidos termos ao afirmar que a palavra “[...] em princípio tem o papel de meio na formação de um 31 conceito e, posteriormente, torna-se seu símbolo” (VIGOTSKI, 2001, p. 161). De acordo com o referencial vigotskiano, no processo de elaboração conceitual a significação não acontece de imediato, numa forma pronta e acabada; há, no processo, sempre um devir. No momento em que a criança toma conhecimento pela primeira vez do significado de uma nova palavra, o processo de desenvolvimento dos conceitos não termina, está apenas começando. Walle (2009) corrobora com estas ideias ao destacar que as atividades relacionadas à representação fracionária do número racional são desafiadoras e podem contribuir para que aconteça a compreensão do significado de numerador e denominador, e não é apenas uma tarefa de recitar definições. Para Behr et al. (1983), a interpretação de um número racional como parte-todo está diretamente relacionada à habilidade de dividir uma quantidade contínua ou um conjunto discreto de objetos em subpartes de tamanhos iguais. Na Figura 8, ao desenvolver a questão nº 3, percebe-se que o Aluno D não tem clareza do número fracionário na representação parte-todo, pois entende o número como sendo dois números naturais, e que a representação do mesmo não tem a mesma área em cada uma das partes. Uma das principais características que constitui o conceito de número racional não foi considerada pelo referido aluno. Nesse sentido, Walle (2009) assevera que os alunos contam as partes fracionárias como se tivessem contando qualquer objeto. Figura 8 – Representação feita pelo Aluno D – resposta da questão nº 7 32 Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Na questão no 2, Figura 9, foi indicado o inteiro e solicitado aos alunos para representarem uma determinada fração. Muitos deles não repartem a região do inteiro em partes iguais. Figura 9 – Representação feita pelo Aluno C – resposta da questão nº 2, item b e c Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. As representações realizadas pelos alunos denotam que o denominador indica o número de partes em que o inteiro foi dividido, mas não são consideradas as partes fracionais, ou seja, que em se tratando de frações o inteiro deve ser dividido em partes iguais, o que é uma condição atribuída pelo conceito de número fracionário. De acordo com Walle, as crianças precisam estar cientes de dois aspectos ou componentes de partes fracionárias: (1) a quantidade de partes e (2) a igualdade das partes (em tamanho, não necessariamente em forma) (2009, p. 324). Na questão nº 3, item b, foi mostrado ¾ de uma folha de caderno, o que representava 15 linhas, e solicitado aos alunos que completassem a referida folha. Esta questão foi encaminhada duas vezes, pois, num primeiro momento, não foi deixado espaço para que os alunos completassem a representação. Levantamos a possibilidade que não o fizeram por não haver espaço em branco na folha em que foi encaminhada a questão. Ao refazerem-na, porém, com espaço no qual poderiam representar a folha de caderno inteira, isto não aconteceu. 33 Nenhum dos alunos deu continuidade na representação figural da folha de caderno; todos desenharam a parte que faltava ao lado da figura. Quatro alunos representaram as cinco linhas que faltavam para completar a folha inteira e os demais representaram quatro linhas, o que nos leva a supor que podem ter contado os traços, ao invés do espaço (superfície/região) de cada linha. O aluno C demostrou entender o que significava ¾ da folha do caderno, enumerou as linhas e percebeu que em cada parte deveria haver cinco linhas. Na escrita, todavia, afirma que dividiu por cinco para encontrar o número de linhas que havia em cada parte e não em três como representou na parte figural, como podemos ver na Figura 10. Figura 10 – Representação feita pelo Aluno E – resposta da questão nº 3, item b Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Já o Aluno D, na Figura 11, afirma que dividiu por três para encontrar uma parte da folha, mas na representação figural apresenta apenas quatro linhas. Figura 11 – Representação feita pelo Aluno D – resposta da questão 3, item b 34 Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. O Aluno A, na Figura 12, desenhou ao lado as cinco linhas que compõem uma parte, mas escreveu: Eu dividi por três para achar a metade da linha (Aluno A, Registro da questão nº 3, item b). Para este aluno, o significado de metade parece ser sinônimo de parte/quantidade de linhas que representam uma das partes do inteiro. Figura 12 – Representação feita pelo Aluno A – resposta da questão 3, item b Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Podemos olhar para estas questões a partir de Vigotski (2001) quando este afirma que cada palavra é um conceito, e que seu significado evolui. Para este aluno, a significação de metade está relacionada a outras ideias que não ao significado conceitual expresso pela palavra. Walle (2009) contribui ao afirmar que as crianças estão familiarizadas com metades, mas salienta que devem depressa aprender e descrever terços, quartos e assim por diante. 35 Haviam 15 linhas e estas representavam ¾ do todo, o que foi considerado pelo Aluno A, pois dividiu as 15 linhas por 3 obtendo o ¼ que faltava e que foi desenhado. Observamos, ainda, como os demais alunos, que este ¼ (5 linhas) não foi desenhado na sequência da folha, representando o inteiro, mas ao lado. O desenho ao lado da folha pode apontar alguns indicativos; entre eles que os alunos não consideram a folha como um todo, como um inteiro, mas as suas partes, o que, mais uma vez, pode indicar que os alunos olharam para os termos do símbolo fracionário: o numerador e o denominador, e não para o significado enquanto inteiro. A questão n° 4, item a, solicita que os alunos identifiquem a fração que representa o quadrinho pequeno, considerando como inteiro o quadrado maior. Cinco alunos responderam a partir da representação numérica, numa linguagem matemática: ¼ . Os outros 4 alunos responderam na língua materna que para formar o quadrado grande precisa de mais 3 quadrinhos, como podemos ver na Figura 13. Figura 13 – Representação feita pelo Aluno B – resposta da questão nº 4, item b Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Os alunos conseguem notar que necessitam de 4 partes para formar o todo, mas nem todos perceberam que considerar uma parte significa metade da metade, ou seja, ¼ do inteiro. O item b da questão n° 4 apresenta uma figura que representa uma quantidade maior do que um inteiro, mais especificamente duas vezes o inteiro e solicita aos alunos que indiquem a fração que a representa. Nesta questão, cinco alunos responderam, em linguagem matemática, representação numérica ½ . Entendemos que estes alunos consideraram como inteiro o retângulo maior e não o menor como indicava a questão, como podemos ver na Figura 14. Figura 14 – Representação feita pelo Aluno D – resposta da questão 4, item b 36 Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Ainda com relação a esta questão, quatro alunos afirmaram que precisava de mais um retângulo para um formar o grande. Nenhum aluno indica o retângulo menor como inteiro, como também não indicam a fração que o retângulo maior representa se considerado o retângulo menor como inteiro. Walle (2009) afirma que as perguntas que envolvem a fração maior que o inteiro são mais difíceis de serem respondidas e podem frustrar os alunos iniciantes, pois se tem uma tradição no ensino de fração de que são representações feitas sempre de modelos padrões e com fração sempre menor que a unidade, as quais não levam o aluno a pensar sobre elas, e então este não sabe ou não usa corretamente os modelos no desenvolvimento do conceito de fração (WALLE, 2009, p. 324). 3.2 Relações Conceituais na Produção de Entendimentos Pelos Alunos Na questão no 1, item a, foi solicitado aos alunos para representarem, por meio de desenho e numericamente, a metade de uma maçã. Pode-se observar que quatro alunos usaram a ideia de medida e fizeram uma analogia: um metro como o inteiro e 50 centímetros como metade/meio e representaram, mediante desenho, meia maçã. Figura 15 – Representação feita pelo Aluno F – resposta da questão nº 1 Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. 37 Por outro lado, cinco alunos usaram a ideia de porcentagem, dizendo que 50% representa meia maçã, e, ainda, representaram meia maçã com desenho, como podemos ver na figura a seguir. Figura 16 – Representação feita pelo Aluno G – resposta da questão nº 1 Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Nestas duas questões é possível perceber que a palavra metade já está significada pelos alunos, e estes a associaram a outros conceitos. Um grupo de alunos estabeleceu conexões com unidades de medidas de comprimento e outro com porcentagem. Neste momento, é possível fazer algumas considerações: os alunos trouxeram conceitos, os quais, de alguma forma, já estão internalizados – metade, um metro equivale a cem centímetros, e 50%. A ideia de metade foi representada numericamente desta forma, mas nenhum dos alunos apresentou a fração 1/2, o que nos leva a entender que a significação do número racional, neste caso, por este grupo, é parcial. A questão nº 1, item b, envolveu a relação parte-todo em quantidades discretas. Foi solicitado aos alunos para representarem a metade de 24 bolinhas de gude. Os alunos o fizeram por meio de desenhos. Quatro deles representaram numericamente com porcentagem e os outros cinco realizaram o cálculo conforme podemos ver nas Figuras a seguir. Figura 17 – Representação feita pelo Aluno G – resposta da questão nº 1, item b Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. 38 Figura 18 – Representação feita pelo Aluno D – resposta da questão nº 1, item b Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Observa-se que na Figura 17 o aluno representou por desenhos 12 bolinhas de gude, fazendo-o com a indicação em porcentagem. Já na Figura 18 o aluno desenhou as 24 bolinhas de gude e pintou 12, e a representação numérica se fez a partir da ideia de divisão, indicando outra ideia para a representação fracionária, a de divisão. Olhando para a representação deste aluno, podemos ainda fazer a suposição de que ele desenhou a metade de cada uma das 24 bolinhas de gude, pois os desenhos não estão bem-definidos. Aqui temos a ideia de conjunto de objetos proposto por Walle (2009). A quantidade é contínua quando o objeto dividido sucessivamente perde a sua característica de quando objeto inteiro. Por exemplo: a pizza, por mais que se divida, não deixará de ser pizza. É diferente de se expressar sobre as quantidades discretas, que, quando divididas, perdem a característica, como no caso de um carrinho: não posso dividi-lo ao meio pois perderá suas características. “As quantidades contínuas e descontínuas, são baseadas na mesma estrutura lógica, que é a relação parte todo: a soma das unidades é igual ao valor do todo” (NUNES ET AL., 2005, p. 121). Piaget (apud NUNES ET AL., 2005) destaca que, apesar de a lógica subjacente a quantidades contínuas e discretas ser muito semelhante, as crianças apresentam mais dificuldade nas quantidades contínuas, pois, nesse caso, as diferentes unidades que compõem a quantidade não são percebidas separadamente. As respostas apresentadas nas Figuras 15, 16, 17 e 18 nos levam a fazer algumas suposições. Os alunos apresentaram outras ideias para além da parte-todo. Ao responderem desta forma podem estar considerando indícios das proposições apresentadas por Caraça ao 39 tratar da gênese do número racional. Há probabilidades de que estão trazendo a ideia de comparação, de quociente e de medida. Na letra a, no 2, todos os alunos repartiram em 4 pedaços e pintaram 1, representando assim, a fração ¼ , porém observa-se que não tomaram cuidado com a divisão em partes iguais. Figura 19 – Representações feita pelos alunos G e H – resposta da questão nº 2, item a Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. A letra b, da questão no 2, solicitou a representação de 2/3. Observou-se, novamente, um problema na divisão de partes iguais; 4 alunos repartiram em 3 partes de tamanhos diferentes e pintaram 2. Figura 20 – Representação feita pelo aluno D e G – resposta da questão nº 2, item b Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Nessa representação feita pelos alunos, a subdivisão de áreas em partes diferentes de uma potência de dois (dois, quatro, oito, dez, etc.) exige uma divisão ímpar, o que, de acordo com Walle (2009), é difícil para a criança iniciante. A dificuldade das tarefas muda de acordo com os números envolvidos e o tipo de coisa a ser compartilhada (região como bolos de 40 chocolate e objetos discretos como gomas de mascar) e também a presença ou uso de um modelo (WALLE, 2009, p. 323). A questão no 8 envolve o modelo de região proposto por Walle (2009), e instiga os alunos a refletirem sobre a ideia de área e de forma, bem como sua representação por meio do número fracionário, além de outros conceitos matemáticos. Esta questão propõe aos alunos a realização de dobraduras em uma folha de ofício (A3) e a representação por meio de desenhos das partes formadas a partir das dobras. Partindo das dobraduras, o Aluno D fez a seguinte representação: Figura 20 – Representação feita pelo aluno D – resposta da questão nº 8, item a, b, c e d 41 Fonte: Material empírico produzido em GAVIRAGHI, 2012. Esta questão traz a ideia proposta por Walle (2009) sobre as atividades de dobradura, que são utilizadas para desenvolver a divisão com material concreto e também o modelo de região ou de área para tarefa de compartilhamento de partes. Pressupomos que o aluno D mobilizou vários conhecimentos e ideias para a realização da questão. Na questão no 8, item c, pressupõem-se que o aluno analisou os três retângulos iniciais, pois quando ele diz “são iguais e tem o mesmo tamanho”, nos leva a supor que ele tem um entendimento das partes fracionárias mesmo que elas estejam de diferentes formas, pois afirma que “a forma de dividir é diferente mas ambas têm a mesma área.” Apesar de o significado parte-todo ser apresentado frequentemente de forma rígida, centrado na cardinalidade do número de partes, o aluno D consegue atribuir relevância à necessidade de igualdade dos tamanhos das partes, considerando a conservação das áreas. 42 43 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, segundo Walle, “as crianças possuem um estrutura mental sobre os números tremendamente forte, que provoca dificuldades com o tamanho relativo à fração” (2009, p. 333). Por isso a importância de ser bem trabalhada a significação conceitual de número racional em relação à parte-todo. A partir do estudo realizado sobre a significação do conceito do número racional, na sua representação parte-todo, buscamos, primeiramente, entender como acontece a aprendizagem pelas crianças segundo a teoria de Vigotski, que argumenta que é preciso promover o desenvolvimento, pois o aprendizado é muito mais que a capacidade de pensar. Trata-se também da aquisição de muitas capacidades especializadas para pensar sobre várias coisas, e que necessariamente a criança irá lançar mão de signos, símbolos, linguagens e instrumentos para a elaboração dos conceitos. O entendimento sobre o conceito dos números racionais na ideia parte-todo, aqui fundamentada por Walle (2009) – o qual chama a atenção para o simbolismo –, além de ser complexo pode ser muito enganoso às crianças, o que leva os alunos, como vimos nos dados apresentados, a não relacionarem o significado dos números racional com sua representação, ou seja, eles fazem as representações fracionárias (a/b, sendo b diferente de 0), mas não conseguem realmente significar esse dois “números inteiros” considerando um número fracionário. O conceito de número fracionário envolve vários aspectos que são relevantes em se tratando de significação conceitual, sendo aspectos relacionados à representação/símbolos, tanto figural quanto textual. Ao longo das análises feitas podemos observar que, em algumas situações, os alunos demonstraram saber que o denominador significa o número de partes de um inteiro que foi dividido, porém não representaram partes iguais. Em outras, este 44 entendimento parece estar confuso. Demonstram também entendimentos acerca do significado de numerador, mostrando que este indica o número de partes consideradas do inteiro, mas na questão 3, item a, o aluno A e o aluno B não representaram o chocolate inteiro, mas as partes que o compõem. Com relação às ideias centrais no simbolismo fracionário, os alunos demonstram que contaram o número total de partes em que o inteiro foi dividido e usaram esse número como o denominador da fração; contaram o número de partes pintadas na figura, o qual foi considerado como numerador da fração, e/ou quando os alunos não caem na dupla contagem. Os alunos parecem saber muito bem lidar com as partes fracionárias que são menores que o todo, ou seja, nas situações que o inteiro é considerado. Na questão no 4, item b, por exemplo, os alunos afirmam que: precisava de mais um retângulo para um formar o grande. Nenhum aluno indica o retângulo menor como inteiro, como também não indicam a fração que o retângulo maior representa se considerado o retângulo menor como inteiro. Segundo Walle (2009), há uma tradição no ensino de fração de que são representações feitas sempre de modelos padrões e com fração sempre menor que a unidade, as quais não levam o aluno a pensar sobre elas, e então este não sabe ou não usa corretamente os modelos no desenvolvimento do conceito de fração (WALLE, 2009, p. 324). Também há indícios de que estão trazendo a ideia de comparação, de quociente e de medida, que está presente nas questões no 1 e nº 2, quando se pede a metade de meia maçã e a metade de 24 bolinhas de gude, nas quais os alunos apresentam um cálculo de divisão para responder à pergunta. Diante dessa resposta apresentada, podemos afirmar que, segundo a teoria vigotskiana, o processo de elaboração conceitual – a significação – não acontece de imediato, em uma forma pronta e acabada. Há, no processo, sempre um devir, porém deve se ter o cuidado de não levar as crianças a recitar definições. Essas falhas vem do “entendimento dos alunos em relação a esse conceito; devem-se à complexidade e à forma de abordagem, que muitas vezes é mecanicista, pronta e acabada” (GAVIRAGHI, 2010). Ainda vale chamar a atenção para Walle (2009), que afirma que existem conexões entre o conceito de fração e o conceito de divisão de números inteiros, porém a ideia de divisão interfere na aprendizagem inicial do conceito de fração. “Sem uma compreensão conceitual 45 sólida de fração, o cálculo de fração caminha para a memorização de regras sem compreensão” (WALLE, 2099, p. 322), além de acarretar prejuízo no desenvolvimento de outros conteúdos matemáticos. 46 REFERÊNCIAS AGUIAR, Maria Cecília Antunes de. A formação dos conceitos de fração e de proporcionalidade a partir da Teoria Piagetiana. Psicologia: Ciência e Profissão, vol. 3, n. 2, p. 87-97, 1983. 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Porto Alegre: Artmed, 2009. 49 ANEXOS 1) Leia as orientações com atenção e, a seguir, desenvolva o que está sendo solicitado: a) Represente, por meio de desenhos e numericamente, a metade de uma maçã. b) Represente, por intermédio de desenhos e numericamente, a metade de 24 bolinhas de gude. c) Represente a quinta parte de 20 lápis de cor. 2) Considere o retângulo representado um inteiro: a) Mostre um quarto ( 1 ) deste retângulo. 4 3) b) Mostre dois terços ( 2 ) deste retângulo. 3 c) Mostre cinco décimos ( 5 ) deste retângulo. 10 50 3) Atenção, agora será indicada uma determinada parte ou partes de um inteiro e você deverá representar o todo (inteiro): 1 a) Este retângulo representa a terça parte ( ) de uma barra de chocolate. Represente 3 (desenhe) a barra inteira. b) Esta figura representa três quartos ( 3 ) de uma folha de caderno. Complete a 4 figura representando a folha inteira. c) Este retângulo é o quarto terço (4/3) de um bolo de chocolate. Que retângulo poderia representar o bolo inteiro? 4) Atenção às figuras. Observe, analise e responda: a) Que fração do quadrado grande representa o quadrado pequeno? b) Que fração do retângulo menor, representa o retângulo maior? Inteiro 51 5) “Um quarto, dois quartos, três quartos, quatro quartos, cinco quartos”. Pergunta-se: – Cinco quartos, representa uma quantidade maior, menor ou igual a um inteiro? Justifique. 6) Uma família pediu dois bolos de mesmo tamanho, ambos cortados em 8 fatias iguais. Do primeiro comeram cinco fatias, e do segundo seis. Que fração corresponde ao total de bolo que foi comido? 7) Sem fazer outras divisões, identifique em quais das figuras a seguir as partes pintadas podem ser representadas por números fracionários. Justifique suas escolhas. 8) Cada aluno recebe uma folha de papel ofício (A4) e deverá seguir as seguintes orientações: Um aluno irá dobrar a folha na direção das diagonais. Traçar nas dobras obtidas. Outro aluno irá dividir a folha ao meio no sentido do comprimento e depois irá dividir uma das partes na diagonal e a outra parte ao meio no sentido da largura. Traçar nas dobras obtidas. 52 O terceiro irá dividir a folha ao meio no sentido da largura e depois irá dividir uma das partes ao meio no sentido da largura e a outra vez ao meio no sentido do comprimento. Traçar nas dobras obtidas. a) É possível afirmar que dividimos cada retângulo (folha de ofício) em quatro partes iguais? Por quê? b) É possível associar cada uma das partes a uma fração? Qual? Justifique.________________________________________________________________ __________________________________________________________________ c) Comparando as partes dos 3 retângulos, explique que relação existe entre eles?____________________________________________________________________ ______________________________________________________________ 53