http://
www.insa.pt
_’consumo de água
de nascentes naturais
Um problema de saúde pública.
_DSA
Departamento de Saúde Ambiental
2010
_Nascentes Naturais
01
_Introdução
A convicção, ainda hoje frequente na população, de
que algumas nascentes naturais possuem propriedades
terapêuticas, acrescida da sua falta de confiança na
água da rede de abastecimento público e razões
económicas, têm conduzido ao consumo regular
destas águas, o que constitui uma preocupação das
entidades com responsabilidade na protecção da
saúde pública.
02
Um estudo desenvolvido na Unidade de Água e Solo
do Departamento de Saúde Ambiental do Instituto
Nacional de Saúde, Dr. Ricardo Jorge, entre Fevereiro
de 2006 e Abril de 2007, envolvendo a avaliação da
qualidade da água de 41 fontanários situados no
concelho de Sintra, revelou que o consumo destas
águas se reveste de um elevado risco para a saúde
devido, fundamentalmente, a contaminação
microbiológica.
_Enquadramento Legal
Actualmente, a rede de abastecimento pública abrange
quase a totalidade da população portuguesa, estando
a sua exploração e funcionamento regulamentada pelo
Decreto-Lei nº 306/2007, de 27 de Agosto.
Este diploma define ainda os requisitos de qualidade
a que a água para consumo humano deve obedecer
para garantir a protecção da saúde pública.
Contudo, limita-se a definir competências no que se
refere à monitorização da sua qualidade, atribuindo
às entidades gestoras a competência do controlo da
qualidade da água de fontanários não ligados à rede
pública de distribuição que sejam origem única de
água para consumo humano. Continuam por definir
competências em matéria de gestão e preservação
destes recursos hídricos.
O referido Decreto-Lei entrou em vigor em Janeiro de
2008, substituindo o Decreto-lei nº 243/2001 de 5 de
Setembro, e é o primeiro normativo a fazer referência
à água de fontanários.
03
_Riscos para a Saúde
_Microbiológicos, Químicos e Físicos
Risco para a saúde pode ser definido como a
probabilidade de ocorrência de efeitos adversos
devido a uma exposição a uma substância, um processo
ou um produto e a consequência dos efeitos. O risco
exprime-se estatisticamente em termos de probabilidade,
determinando as suas consequências: morte, doença,
incapacidade ou deterioração da qualidade de vida.
As alterações no estado de saúde dos indivíduos e das
populações são determinadas por interacções complexas
entre as características individuais, os factores sócio-
económicos e o ambiente. Assim sendo, a avaliação
metódica do risco para a saúde resultante da água
de consumo humano exige uma abordagem
integrada do problema ambiental e do perfil
epidemiológico das populações em questão.
Contudo, a informação epidemiológica, pelas
dificuldades inerentes à recolha e tratamento de
dados, é muitas vezes limitada, o que restringe
largamente a sua utilização na avaliação de riscos
para a saúde. Por este motivo, a análise de risco
baseia-se, na maior parte das vezes, apenas na
vertente ambiental, ou seja na informação relativa à
qualidade da água.
_Riscos microbiológicos
As doenças infecciosas podem ser causadas por
bactérias, vírus, protozoários ou parasitas e constituem,
pelas suas características agudas e generalizadas,
o principal risco para a saúde associado à
contaminação da água.
Numerosas experiências revelaram que, em geral,
é necessária a ingestão de um grande número de
microorganismos para que a doença se manifeste.
No entanto, é impossível estabelecer com rigor a
dose mínima infectante, uma vez que esta varia de
indivíduo para indivíduo, dentro do mesmo grupo
etário e entre grupos etários diferentes.
Os microorganismos mais resistentes fora do
hospedeiro e com forte poder infectante são os mais
susceptíveis de serem transmitidos pela água.
Os microorganismos patogénicos, mais comuns
no nosso país, veiculados pela água, são os seguintes:
_Bactérias: Salmonella spp., Shigella spp., Escherichia coli
patogénica, Yersínia enterocolitica, Campylobacter jejuni,
Campylobacter coli;
_Vírus: Adenovirus, Enterovirus, Vírus da hepatite A, Rotavirus;
_Protozoários: Giardia spp., Cryptosporidium spp.,
Entamoeba histolytica.
Ao contrário da água distribuída para consumo
humano, através de sistemas públicos de abastecimento,
o perigo de infecção por microorganismos patogénicos
através da água de nascentes naturais é considerável,
uma vez que esta água é consumida sem tratamento
(desinfecção). Estes microorganismos, são
responsáveis fundamentalmente por gastroenterites
mas também por infecções do aparelho respiratório,
conjuntivites ou simplesmente quadros febris atípicos.
Existem outros microorganismos, ditos oportunistas
por apenas revelarem patogenicidade em indivíduos
cujos mecanismos de defesa são deficientes
(imunodeprimidos, lactentes, crianças, idosos), que
se encontram largamente difundidos no ambiente,
podendo também ser encontrados na água
(Por ex. Pseudomona aeruginosa, Acinetobacter spp.,
Klebsiella spp., Serratioa spp., e Aeromona spp).
Dada a dificuldade de, a nível laboratorial, se
pesquisarem todos os microorganismos patogénicos
eventualmente presentes numa água, a sua pesquisa
incide na determinação de microorganismos
indicadores. Estes microorganismos vivem
normalmente e exclusivamente no intestino do ser
humano e de outros animais de sangue quente e
possuem características de persistência semelhantes
aos principais agentes patogénicos transmitidos pela
água. A sua presença na água é indicadora de
contaminação directa ou indirecta por matérias fecais
e, consequentemente, é indicadora de risco de
contaminação dessa água por microorganismos
patogénicos intestinais.
_Riscos químicos
Ao contrário das contaminações por microorganismos
patogénicos, a contaminação da água para consumo
humano por elementos ou compostos químicos está
sobretudo associada a toxicidade a longo prazo,
resultante de processos de bioacumulação de
compostos não assimilados pelo organismo.
Exceptuam-se as situações acidentais de
contaminação massiva duma origem de água
por constituintes químicos.
Os elementos ou substâncias com propriedades
tóxicas, presentes numa água, são numerosos e
incluem, habitualmente, constituintes inorgânicos
como os metais pesados ou os nitratos e
orgânicos como os pesticidas. Os efeitos na
saúde são diversos, podendo incluir efeitos
carcinogénicos, mutagénicos e teratogénicos.
_Riscos Físicos
A água pode ser também contaminada por
radionuclídeos provenientes de fontes naturais
ou antropogénicas. Contudo, o contributo da água
para a exposição total humana, a este tipo de
agentes, é baixo. Os principais efeitos na saúde
da exposição a radionuclídeos relacionam-se com
o risco acrescido de cancro e de distúrbios genéticos.
genéticos. Nalguns locais a água é também
fonte de radão. Embora a via inalatória seja
tradicionalmente considerada como sendo a mais
04
importante, a ingestão tem também uma importância
semelhante. O cancro do estômago constitui o
principal risco de exposição ao radão.
_Estudo prospectivo no concelho de Sintra
_Metodologia
Amostragem
O estudo desenvolvido envolveu a avaliação da
qualidade da água dos 41 fontanários situados no
concelho de Sintra considerados mais susceptíveis
de serem procurados para consumo humano pela
sua localização, acessibilidade e tradição histórica.
Ensaios efectuados
Os parâmetros analisados foram os constantes da
legislação em vigor relativa à qualidade da água.
A periodicidade das colheitas, foi definida de
acordo com o tipo de parâmetro e a natureza
do risco para a saúde:
1. Mensal: colheitas para análise bacteriológica;
2. Bimensal: colheitas para análise das
características físico-químicas;
3. Semestral ou anual: colheitas para
determinação de contaminantes, respectivamente,
metais e pesticidas e hidrocarbonetos
aromáticos policíclicos.
_Avaliação do Risco
O princípio, seguido neste trabalho, para a
avaliação do risco para a saúde devido ao
consumo de água de fontanários baseou-se na
definição do perfil de qualidade das águas
analisadas de modo a que o risco inerente ao
seu consumo fosse considerado mínimo.
Pretendeu-se, assim, distinguir riscos para a
saúde com carácter agudo e riscos com carácter
crónico. Neste sentido, foi dada particular
atenção à presença de indicadores de
contaminação fecal, uma vez que a contaminação
microbiológica da água para consumo humano
constitui o principal risco de efeitos agudos.
Os compostos químicos com comprovado risco
para a saúde apenas foram valorizados em
nascentes que apresentaram resultados superiores
ao valor paramétrico em pelo menos metade
das amostras analisadas.
Para cada nascente foi efectuada a avaliação
da conformidade dos resultados analíticos, obtidos
ao longo do período de duração do estudo,
relativamente aos requisitos de qualidade definidos
na legislação em vigor. As nascentes foram depois
classificadas da seguinte forma:
Alto Risco:
presença de indicadores de contaminação fecal
em pelo menos uma das amostras analisadas;
Médio Risco:
ausência de indicadores de contaminação fecal
em todas as amostras analisadas e presença
de contaminantes químicos com comprovado
risco para a saúde em concentrações
superiores ao valor paramétrico, em pelo menos
metade das amostras analisadas.
05
Baixo Risco:
ausência de indicadores de contaminação fecal
em todas as amostras analisadas e ausência
de compostos químicos com comprovado risco
para a saúde em concentrações superiores ao
valor paramétrico em mais de metade das
amostras analisadas.
_Resultados
Dos resultados obtidos ressalta a má qualidade da
água observada em quase todos os fontanários
estudados devido, particularmente, a alterações
bacteriológicas.
Os coliformes totais aparecem alterados em
87,8% das análises efectuadas; seguem-se a
Escherichia coli (59,4%), os enterococos (57,3%)
e o Clostridium perfringens (14,1%).
Na análise físico-química, são os nitratos e a
turvação que não cumprem os requisitos de
qualidade estabelecidos na legislação em vigor,
em maior número de amostras: 36,6% das
amostras analisadas possuíam um teor de nitratos
superior a 50mg/L e 10,6% possuíam um valor
de turvação superior a 4 UNT. A percentagem de
amostras que apresentaram alterações de cor,
oxidabilidade, ferro e amónia foi inferior a 10%.
A nível dos restantes parâmetros físico-químicos
analisados não se registaram alterações.
No que se refere à análise de metais registaram-se
uma amostra com teor de manganês superior ao
valor paramétrico, oito amostras com teor de
níquel superior ao valor paramétrico e uma
amostra com teor de chumbo superior ao valor
paramétrico.
De uma forma geral, as águas analisadas podem
ser classificadas como águas de regular
mineralização, medianamente duras e com teores
moderados de cloretos, sulfatos e sódio. Não
foram encontradas águas impróprias para
consumo humano por excesso de mineralização.
De acordo com o critério definido, das 41
nascentes estudadas, apenas duas foram
classificadas de “Baixo Risco” e uma de “Médio
Risco”. As restantes 38 foram classificadas de
“Alto Risco.
06
_Conclusão
Conclui-se com este estudo que o consumo de
água dos fontanários existentes no concelho de
Sintra reveste-se de um elevado risco para a
saúde, podendo desencadear doenças infecciosas
devido à possibilidade de contaminação por
microrganismos patogénicos. O risco de
intoxicação crónica devido à presença de
contaminantes químicos considera-se de menor
importância devido ao carácter irregular que
normalmente está associado ao consumo destas
águas. Contudo, sublinha-se que em muitas
das nascentes estudadas se somam o risco de
efeitos agudos e efeitos crónicos, uma vez que,
para além da presença de indicadores de
contaminação fecal nas suas águas, algumas
nascentes apresentaram também níquel e nitratos
em concentrações superiores ao valor
paramétrico em mais de metade das amostras
analisadas, critério que esteve na base da
classificação das nascentes de “Médio Risco”.
07
A monitorização da qualidade da água efectuada
neste estudo identifica e caracteriza um problema
real de Saúde Pública que requer a atenção das
Autoridades de Saúde, das Autarquias locais e da
população em geral.
As principais recomendações resultantes deste
trabalho prendem-se fundamentalmente com
quatro aspectos:
1. Identificação dos fontanários classificados de
"Alto Risco" com a indicação "Água imprópria
para consumo";
2. Comunicação do risco através, por exemplo,
da elaboração e divulgação de folhetos
informativos;
3. Intervenções de limpeza e reabilitação de
minas e estruturas de condução da água com
vista a controlar possíveis contaminações;
4. Eventual encerramento das nascentes
classificadas de "Alto Risco".
_Considerações Finais
A falta de regulamentação relativa à definição de
competências em matéria de gestão e preservação
da água de nascentes naturais constitui a principal
responsável pela má qualidade destes recursos
hídricos. Esta indefinição tem certamente
contribuído para protelar a implementação de
medidas adequadas de gestão e preservação
destes recursos por parte dos seus proprietários,
normalmente autarquias locais, como por exemplo
a implementação de perímetros de protecção,
limpeza e manutenção das minas e condutas de
água até ao ponto de consumo e monitorização
da qualidade destas águas. Considera-se,
portanto, de fundamental importância legislar
sobre esta matéria.
Face aos resultados obtidos neste estudo
prospectivo efectuado no concelho de Sintra,
apesar da amostragem efectuada não ser
representativa do país, parece legítimo pensar
que a grande maioria das bicas e fontanários
existentes em Portugal não possui água de
qualidade adequada para consumo humano
constituindo, assim, um risco para a saúde das
populações que, por variadas razões, continuam
a procurar estes recursos hídricos.
08
_Definições e Siglas
_Definições
Indicadores de contaminação fecal - E. Coli,
enterococos e/ou Clostridium perfrigens
_Siglas
Contaminantes químicos com comprovado risco
para a saúde - hidrocarbonetos aromáticos
policíclicos, pesticidas, compostos clorados,
metais, nitratos.
UNT - Unidades Nefetométricas de Turvação
OMS- Organização Mundial de Saúde.
Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge
DSA - Departamento de Saúde Ambiental
Av. Padre Cruz, 1649-016 Lisboa, Portugal
Tel.: (+351) 217 519 200
Fax: (+351) 217 526 400
E-mail: [email protected]
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O consumo de água de nascentes naturais