MARCAS LINGDiSTICAS DE PODER E PRECONCEITO NA INTERAC;AO FACE-A-FACE. Astrid Nilsson Sgarbieri - PUCCAMP o estudo de intera~oes face-a-face nao pode ater-se apenas as descri~oes dos enunciados produzidos pelos parceiros e de suas estruturas, de forma abstrata. Tocnase necessario repensa-Ias nurn contexto social, influenciado por urn complexo de diferentes variaveis. Pensando, pois, a lingua nurn contexto social, ressaltamosos trabalhos de Gurnperz ( 1982a,b) que se caracterizam pela enfase dada ao aspecto cultural na comunica~ao e ao sistema de valores e de interpreta~ao que determina 0 funcionamento da intera~ao verbal. Neste trabalho, ao pensarmos a lingua como urn dos meios pelos quais os individuos se localizam nurn espa~o social, pensamos tambem que a diferen~a de genero (constru~ao social fundamentada no sexo) na linguagem nao existe no vacuo, mas sim como parte de urn complexo de diferentes variaveis sociais. Desta forma a intera~ao face-a-face e vista como 0 espa~o privilegiado para constru~ao de identidades sociais em contextos reais, sendo tambem urna das formas mais eficientes de controle social imediato. A analise de intera~oes verbais sofreu decisiva influencia dos trabalhos de Goffman (1974,1979 e 1981) especialmente quanta a importancia do social na representa~ao do "eu" em tais intera~oes. Para 0 autor, as no~oes de auto-estima e tambem de representa~ao de papeis sociais, que sao negociados de forma dinamica, estao em jogo constante nurna intera~ao face-a-face. Face e vista por Goffman (1955,1959) como urn fenomeno social que entra em a~ao quando duas pessoas interagem. Neste trabalho, ao analisarmos conversas homemlmulher basear-nos-emos nos trabalhos de van Dijk (1984,1985,1989, 1990,1992a,b) que propOem a liga~ao entre 1316 linguagem e sociedade mediada pela cogniyao social. Para "0 0 autor cogniyao social e sistema de estrategias e estruturas mentais partilhadas pelos membros de um grupo e, em particular, por aqueles que estao envolvidos na compreensao, produyao ou representayao de "objetos sociais", tais como situayoes, interayoes, grupos e institui'roes" (tradu'rao nossa). Desta forma, as representayoes sociais arquivadas em nossas mentes (conhecimentos socialmente partilhados, cren'ras, atitudes e ideologias) representam a interface necessaria entre 0 micronivel das illterayoes individuais (neste trabalho as conversas homemlmulher) e as macroestruturas da sociedade. Esta proposta permite estudar as diferentes formas como a lingua e usada e cuja reproduyao 0 discurso viabiliza para manifestar ou legitimar 0 poder individual e social. Na analise dos dados que compoem 0 corpus deste trabalho, ao enfocarmos a linguagem na interayao homemlmulher estaremos atenta as marcas de deten'rao do poder, lembrando 0 trabalho de van Dijk(1987) que ressalta poderem as relayoes de poder manifestar-se nas relayoes interpessoais, em atos discursivos dos mais diversos tipos. A detenyao do poder pode ser observada algumas vezes de forma explicita e outras de modo implicito, pois 0 discurso niio serve apenas para mostrar ou exercer 0 poder, mas tambem para dissimula-Io. Seguindo a proposta de van Dijk (1988), vemos, neste trabalho, 0 preconceito como uma construyao social; vemos tambem a reproduyao do poder na sociedade como uma construyao, em termos de cogni'riio social, feita pelos grupos dominantes e ligada a uma ideologia que se manifesta atraves da linguagem. nivel dessa construyao que 0 preconceito, 0 E, portanto, no micro- poder e as ideologias que os mantem silo ativados, manifestos, legitimados e reproduzidos de urn lado, e, de outro lado, experimentados e interpretados. Lembramos que nas sociedades modemas, 0 poder - quer de forma explicita, quer de forma velada - pode ser visto como urn mecanismo de 1317 domina~ao que seus detentores buscam preservar. Lembramos, tambem, que a intera~ao face-a-face representa 0 "COrpUS"ideal para se observar e analisar suas manifesta~oes, os mecanismos usados para encobri-lo e tambem as formas de negocia~ao. As diferen~as na deten~ao do poder em intera~oes homemlmulher e suas manifesta~oes na linguagem tern sido objeto de estudo, especialmente durante a ultima decada, por pequisadoras feministas. Com extensa bibliografia comentada e apresentando conclusoes interessantes citamos os trabalhos compilados por Thome e Henley (1975) e Thome, Kramarae e Henley (1983). E importante, tambem, ressaltar os trabalhos mais recentes de West e Zimmerman (1985) sobre 0 poder na intera~ao homemlmulher e que se manifesta na linguagem. Pretendemos, com este traballho, apontar algumas marcas lingiiisticas de manifesta~oes de deten~ao do poder e de preconceito em intera~oes face-a-face . Para tal, utilizaremos alguns trechos de uma das grava~oes feitas de conversas entre homens e mulheres em do bairros da cidade de Campinas a) na periferia e b) num bairro de classe media. As grava~oes foram feitas em audio e com 0 consentimento dos informantes. Durante as visitas feitas nas residencias, atraves de conversa informal, pedimos aos casais que opiniassem sobre 0 fato da mulher trabalhar fora de casa. A anillise das intera~oes feitas nos dois bairros, usadas para este trabalho, apontou para uma postura contrliria do homem em rela~ao ao trabalho da mulher fora de casa, 0 que podemos considerar como sendo umapostura preconceituosa. Durante a coversa 0 homem expressa sua opiniao sobre 0 trabalho da mulher fora de casa da seguinte forma "... eu acho que nao e born nao nunca...". 0 mesmo informante em outro momento da conversa, para passar uma imagem positiva de si mesmo diz "... eu nao sou machista..." depois, porem, ao continuar 0 pensamento afirma "... ~ sou contra...". Entendemos que 0 homem ao fazer a afinna~io geral de nilo ser machista, que e uma postura em consonancia com 0 pensamento geral aprovado pelo grupo, tenta preservar sua face positiva. Entretanto logo a seguir ao usar 0 operador "mas" deixa claro que sua postura pessoal diverge do pensamento e de sua pr6pria afrrma~io feitos anteriormente. Alem do operador "mas", encontramos em outras grava~oes, tanto na periferia como no bairro de classe media, justificativas para a do concordancia da mulher trabalhar. fora expressoes como "no momenta do C oportuno". e " se a situacio mudar". e tambem " principalmente se nio tiver crianea dai ate pode". Ressaltamos que na periferia havia a possibilidade de enviar as crian~as para uma creche, que estava localizada pr6ximo da residencia e no outro bairro as farnilias tinham empregadas. Nos trechos analisados 0 homem,em nenhum momenta sugere sua participa~io no trabalho do lar ou na educa~io dos filhos. Outro aspecto analisado nas intera~oes foi 0 da modaliza~io usada pelo homem ao condicionar que " se nilo tiver preocupacio pode ate trabalhar ", deixando claro que a "decisio", ou mesmo "permissio" para a mulher trabalhar fora est! a vontade do homem. Fica claro que 0 modelo geral e de que a mulher pode e nilo deve trabalhar fora. 0 homem podefll abrir uma excessio a regra geral condicionada nio do grupo, permitindo que ela trabalhe, mas isto sob condi~oes ou mesmo justificativas especificas. Os modelos cognitivos de preconceito expressos pelo homem nos parecem um reflexo do pensamento do grupo, 0 que nos leva a acreditar que tais modelos preconceituosos silo introjetados socialmente. A manifesta~llo de poder, dentre outras formas, pode ser observada quando, ao usar os modalizadores " pode e deve " ( " mulher num deve trabalhar fora" ou entio :: pede ate trabalhar" ) 0 homem est! decidindo ou mesmo permitindo que a mulher tome determinada atitude. Citamos tambem 0 exemplo do homem que afrrma em outro trecho "nilo concordo mesmo com 0 trabalho da mulher fora de cas&.nunca". 1319 E interessante notar que no bairro de classe media 0 homem utiliza diferente tecnicas para preservar a face, atraves de urn discurso evasivo que permite encobrir sua postura machista, 0 que nao pudemos observar na periferia. Para ilustrar citamos 0 seguinte trecho "... existem problemas. a casa que nao esta atendida. ... atividades do lar. ai realmente fica dificil porque alguem tern que fazer ... entao neste caso nao tern outro jeito. porque 0 procurar acomodar as coisas de modo a nao criar ai nenhurn conflito ... fica assim fkana fazer mando. assim meio complicado 0 trabalho do lar, 0 no caso eu. vai trabalhar ela trabalhar". fora .... entlio a mulher de Embora impersonalizando quem iri homem deixa claro que e obrigayao da mulher, urna vez que ele tern que trabalhar fora. Ressaltamos que os dados aqui utilizados sao apenas urn recorte de urn projeto que esta sendo realizado pela pesquisadora para sua tese de doutorado. CONVERSA<;:AO-PODER-PRECONCEITO-COGNI<;:AO SOCIAL BIBLIOGRAFIA Goffinan, E. 1955. On Interaction. Psychiatry. Goffinan, E. 1959. Face-work: An Analysis of Ritual Elements in Social 18. pp.213-23 I. The Presentation of Self in Evel)'day Life. Garden City.N.Y. Doubleday. Goffman, E. 1974. Frame Analysis. New York. Harper and Row. Goffinan, E. 1979. Footing. Semiotica. 25: pp. 1-29. Goffinan, e. 1981. Forms of Talk. Philadelphia University of Pensyl vania Press. Gumperz,1. 1982a. Discourse Strategies. Cambridge: Cambridge University Press. Gumperz, 1. e Gumperz, 1.A. 1982b. Language and Social Identity. in Gurnperz,1. (ed.) Language and Social Identitv. Cambridge: Cambridge Univ.Press.pp.I-2. Thorne, B. e Henley,N. 1975. Difference and Dominance: an Overview of Language Gender and Society. in Thorne, B. e Henley, N. (eds.) 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