A IDEIA DE JUSTIÇA E A POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NO BRASIL:
DILEMAS E PERSPECTIVAS SEGUNDO O PENSAMENTO DE JOHN
RAWLS
VALDÊNIA GERALDA DE CARVALHO
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC/MG). Pós-Graduada em Ciências Penais pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público. Pós-Graduada em Direitos Humanos pela Fundação Movimento
Direito e Cidadania em convênio com o CES - Centro de Estudos Superiores da
Companhia de Jesus/FAJE (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia). Advogada.
Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro em parceria com a Escola Superior Dom Helder Câmara.
Ex-Coordenadora de Direitos Humanos da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
Ex-Coordenadora Geral dos cursos de Pós-Graduação da Escola Superior Dom
Helder Câmara. Pró-Reitora de Pós-Graduação da Escola Superior Dom Helder
Câmara
1
I – Apresentação
Este trabalho busca realizar uma reflexão sobre as políticas afirmativas no Brasil,
enfocando o problema das relações raciais sob a perspectiva da sociedade justa, segundo o
pensamento do Filósofo norte-americano John Rawls, falecido em 2002. Inúmeros
estudiosos de temas brasileiros, talvez consensualizam que a questão da igualdade e da
justiça racial seja um dos maiores desafios à constituição de uma sociedade
substancialmente justa e democrática no Brasil, visto o peso histórico e a capacidade de
reprodução e renovação das desigualdades raciais ao longo da história nacional. O legado
histórico da escravidão e a persistência no tempo de relações raciais desiguais geraram uma
dimensão de psicologia negativa nas populações negras, na
qual a identidade e o
sentimento de autoestima denegou os valores e características culturais e ideológicas dos
afrodescendentes brasileiros.
A partir da reflexão de Rawls sobre a Justiça e a sociedade justa, com suas ideias de
equidade, de racionalidade e de bondade, a discussão a ser feita se move em torno da tensão
entre o esclarecimento dos fins a serem buscados – a sociedade justa - e o diagnóstico
acurado das condições dadas – pertinência das políticas afirmativas na realidade brasileira
como instrumento de equidade e justiça social. Permeia também essas notas a pertinência
de se adaptar, à realidade nacional, teses e reflexões que nasceram em outras culturas e
experiências, como o próprio pensamento de Rawls, mais voltado para a história e a
política norte-americana.
De forma similar, debate-se hoje no Brasil a validade de se implementar políticas
afirmativas, particularmente as que se caracterizam pelo enfoque nas relações raciais.
Como há muito constatam sobre as relações raciais no Brasil, os negros brasileiros
acumularam desvantagens históricas em todas as dimensões da realidade social, e essas
desvantagens não se corrigiram com o processo de desenvolvimento econômico e cultural
pelo qual passou o país desde o fim do escravismo, no apagar do século 19.1
Acusam os críticos das relações raciais que o Estado e a sociedade brasileira não
elegeram, com prioridade e a premência necessárias, políticas públicas de erradicação do
1
Hasenbalg, Carlos. Discriminações e desigualdades raciais no Brasil contemporâneo. 1978.
2
racismo, mas ao contrário, o racismo se tornou perene e estrutural, espraiando-se e
contaminando as práticas sociais, vigente como dado
estrutural e natural do evolver
histórico do Brasil. Daí que a discussão sobre as políticas de reparações no campo racial,
onde a divergência se instala entre a ênfase nos paradigmas de políticas universalistas
versus as políticas de ação afirmativa. Os acalorados debates que se verificaram em
pequenos grupos, na academia e em setores da mídia se justificam porque os dados
mostram que as diferenças raciais persistem ao longo das décadas, mesmo tendo o país
passado por fases de alto crescimento econômico no século passado, mas ao mesmo tempo
constata-se a ineficiência das políticas sociais de cunho universal, as quais também não
conseguem corrigir os diferenciais existentes entre pobres e ricos. Os estudos mostram que
mesmo quando negros e brancos melhoram em algum indicador, os brancos melhoram
mais e as desigualdades entre ambos persistem.2
II – Raça e classe face às políticas de inclusão social no Brasil
Quadro 1 – Dilemas para uma política de cotas: O Conceito de Raça
Um dos problemas para as políticas afirmativas reside no próprio conceito de raça. Este é
palco de divergências e polissemias. Pesquisas científicas mostraram que não existe uma
correlação entre herança genética e os caracteres físicos observáveis nos indivíduos, e que
não há determinação de causalidade entre a cor da pele e as leis da genética que regulam a
descendência comum3. Assim, raça em termos biológicos não é um fenômeno observável e
comprovável. Isto significa que o termo raça tem sua origem e presença mais por força de
fatores sociais e políticos, e se refere a aspectos externos dos indivíduos, como a cor da
pele, a textura do cabelo, a complexão corpórea etc.
Por força da natureza do racismo no mundo ocidental, um fenômeno que assumiu
características legais e formais no decorrer do século 20, em particular nos Estados Unidos
da América e na África do Sul, experiências de políticas afirmativas foram implementadas
2
Veja-se, por exemplo, Relatório de Direitos Humanos. PNUD, 2005.
Pesquisa realizada sob a coordenação dos Professores Sérgio Danilo Pena e Flávia Parra, na Universidade
Federal de Minas Gerais.
3
3
nos Estados Unidos da América, onde se desenvolveu toda uma reflexão sobre o fenômeno
de se corrigir as desigualdades sociais através de ações públicas racialmente integrativas.
As teorias raciais dizem respeito a estruturas de poder, que têm como pressuposto a
existência de hierarquias entre os pressupostos genótipos e seus respectivos fenótipos
humanos. No Ocidente, o racismo moderno gerou uma classificação bipolarizada das
“raças” negra e branca, embora com perspectivas e fundamentos internos diferenciados. Por
exemplo, nos Estados Unidos o racismo fundou-se em fatores genótipos para criar a
bipolaridade racial entre brancos e negros, enquanto no Brasil, o racismo prendeu-se às
características fenotípicas da descendência. Como já se tornou comum nos estudos raciais,
no Brasil o racismo passou a ser interpretado como uma espécie de racismo de marca
(fenótipo) e não de origem (genótipo)4, daí derivando que o racismo brasileiro se manifesta
por um continuum de cor, atingindo mais as pessoas com um fenótipo tipificado mais como
negro, e matizando as discriminações conforme a aparência do indivíduo se aproxime do
fenótipo branco.
Ao contrário dos Estados Unidos, onde se estabeleceu uma segregação formal, no
Brasil um racismo assim estruturado seria impossível, visto que a população brasileira se
formou por uma sistemática miscigenação, que gerou uma maioria demográfica composta
por negros e seus descendentes.
O debate sobre as políticas afirmativas no campo racial no Brasil tem como tema
implícito, que se vincula com o tema da justiça, a questão da identidade racial do negro
brasileiro, especialmente a aceitação e valorização da cor e da sua cultura negra. O debate
político sobre as ações afirmativas, no plano nacional, tem enfocado, de forma restritiva,
apenas o universo educacional, mas tem produzido teses de que as políticas de
reconhecimento das identidades “raciais” colocam em risco a unidade e a identidade
nacional, e tendem a reforçar o radicalismo racial, tal qual predominou nos Estados Unidos
e na África do Sul no período do “Apartheid”. É dentro desta preocupação que vêm sendo
dirigidos argumentos contra as políticas de cotas consideradas raciais.
Desde o século
XVIII, no campo do moderno direito dos povos evoluiu-se dos direitos civis e políticos
4
NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto quanto branco: estudo de relações raciais. São Paulo, T.A. Queiroz, 1985. Nos Estados
Unidos da América, por exemplo, a regra da descendência é fundamental para identificar quem é branco e negro, e nessa
perspectiva, qualquer pessoa com uma determinada porção de descendência negra, mesmo com o fenótipo de branco, é
classificado como negro. Por suas tradições, a lei e os costumes definem quem é ou quem não é negro. Assim, há duas
4
para o conceito de direitos humanos que, além dessa primeira geração de direitos,
incorporou também os direitos sociais, culturais e difusos, cada vez mais reconhecidos e
garantidos constitucionalmente pelos governos e estados.5 No entanto, apesar de todo esse
avanço, direitos elementares como registro civil, educação, saúde e moradia são ainda
realidade distante para grande parte da população Brasileira.
Quadro 2 – Racismo à brasileira: discriminações no espaço escolar
As explicações tradicionais sobre as desigualdades raciais nos indicadores de
escolaridade tendem a apontar que, por serem mais pobres, as pessoas negras tenderiam a
apresentar dados piores que os das pessoas brancas. Esse aspecto deve ser levado em
consideração, mas cabe salientar a influência da própria dinâmica de aprendizado,
estabelecida no interior do espaço escolar.
Na escola, por vezes se reforçam estereótipos que acabam incidindo como um
estigma sobre as crianças negras. Esse reforço provém de fontes tais como práticas
pedagógicas de professores mal preparados, que tendem a reproduzir os próprios
preconceitos em sala de aula; tratamento diferenciado aos alunos brancos e negros por parte
dos diretores, professores e funcionários; ofensas raciais, travestidas de brincadeiras dos
colegas e dos próprios professores; constante uso da agressão verbal por parte de colegas
brancos contra colegas negros; e do correspondente descaso das autoridades escolares em
prevenir e punir semelhantes práticas...
O resultado dessas práticas foi mensurado pela pesquisadora Vera Figueira. No final
dos anos 80, a autora aplicou um questionário entre 442 estudantes de escolas públicas do
município do Rio de Janeiro que atendem jovens de baixa renda entre 7 e 18 anos (238
brancos, 121 pardos e 83 negros ou pretos). Na sondagem, os brancos eram associados às
seguintes qualidades: bonito (95%), inteligente (81,4%), engenheiro (85,4%) e médico
(92,2%). Já os negros ou pretos foram associados aos seguintes atributos: feio (90,3%),
burro (82,3%), faxineiro (84,4%) e cozinheira (84,4%).
Fonte: Extraído de “Relatório de Direitos Humanos no Brasil: Racismo, Pobreza e
Violência. PNUD, 2005.”
situações possíveis de classificação racial: ou branco ou negro. A regra genética tão comum nos Estados Unidos não tem
nenhum papel no Brasil. No Brasil a discriminação e o racismo baseiam-se na cor da pele e não na ascendência.
5
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Brasília, Ed. Campus, 2000; MARSHALL, T. H. Status, cidadania e
classe social. Zahar, 1987.
5
No campo educacional, as políticas universalistas desenvolvidas pelo Estado
Brasileiro também não conseguiram proceder uma igualdade de acesso ao ensino superior
entre negros e brancos. Agravando uma tendência que se verifica desde o nível fundamental
da educação brasileira, no ensino superior aprofunda-se a exclusão da população negra em
relação às expectativas de melhor escolaridade e status socioeconômicos. Os estudos
mostram que em 1960, somente 1,8% dos brancos acima de 30 anos haviam conseguido
obter o diploma de nível superior (3% dos homens e 0,49% das mulheres). Entre os negros,
o número era ainda menor: 0,13% (0,21% entre os homens e 0,04% entre as mulheres).
Quarenta anos depois, em 2000, o percentual de brancos com diploma de nível superior
havia avançado para 11,8%
(11,6% entre homens, 12% entre as mulheres) e para 2,9%
entre os negros (3,1% entre as mulheres e 2,7% entre os homens). Há que se destacar a
reversão dos diferenciais de gênero, mas também que os indicadores dos homens negros,
em 2000, equivaliam aos dos homens brancos, em 1960.6
Paradoxalmente, sociedades com predominância do
“apartheid”, as condições
socioeducacionais dos negros eram melhores do que no Brasil. Por exemplo, “entre os
adultos, a porcentagem de negros com grau universitário, observada no Brasil em 2001
(2,5%), foi atingida nos Estados Unidos em 1947 – em plena era de segregação,
intolerância e violência racial aberta, anterior ao crescimento do movimento de direitos
civis e muito antes do surgimento das políticas de ação afirmativa na educação17. A
proporção dos brancos brasileiros com nível superior, em 2001 (10,2%), foi alcançada
pelos brancos norte-americanos em meados da década de 1960.”
De outro lado, os estudos também mostram que a
presença dos negros nas
universidades brasileiras concentram-se em cursos de menor prestígio, geralmente das áreas
de ciências humanas e sociais, que têm um rendimento menor, se comparado com cursos
como medicina, direito, odontologia, computação e arquitetura, onde a presença de negros é
substancialmente menor que a dos brancos.
6
Esses dados e os que se seguem foram retirados do estudo do PNUD sobre as relações raciais no Brasil,
publicado no Relatório de Direitos Humanos, de 2005, “Racismo, Pobreza e Violência”.
7
A esse respeito ver também Andrews (1992).
6
Quadro 3 – A Longa Distância entre Vestibular e Diploma
Para a maioria dos jovens brasileiros, concluir um curso superior hoje parece ser
uma tarefa tão difícil quanto ter acesso a ele. Uma análise detalhada das chances de acesso
e de conclusão da universidade talvez revele que uma política de cotas que promova apenas
a entrada dos negros no ensino superior pode não ser tão eficaz quanto se imagina.
Em 1992, a probabilidade de um branco entrar na universidade era 124% superior à
de um negro. Em 2003, essa diferença subiu para 137,1% – portanto, o processo de
expansão de vagas universitárias, em vez de diminuir, está ampliando a distância entre
brancos e negros. Há uma diferença menor, mas importante, entre as chances de obter um
diploma: eram de 67,1% em 1992 e de 86,5% em 2003.
Com base no exposto, pode-se dizer que uma política de ação afirmativa que almeje
garantir uma diversificação racial nos portadores de diploma universitário tem de levar em
consideração não apenas o acesso à sala de aula, mas também a permanência nela.
Fonte: Extraído de RDH 2005: Racismo, Pobreza e Violência.
Conclui-se, através desse panorama das desigualdades das relações raciais no Brasil
que há um grande desafio para as políticas de justiça social no país. Daí que ganham
visibilidade as ações que buscam, justamente, corrigir e compensar desigualdades históricas
entre brancos e negros. Nesse cenário, as teses que se vinculam ao pensamento liberal, que
enfatizam a liberdade do cidadão como instrumento fundamental no desenvolvimento, têm
hoje força e galvanizam as reflexões dos gestores das políticas públicas.
No campo liberal, as teses de John Rawls, particularmente seu pensamento exposto
em seu livro clássico, “A Theory of Justice”, publicada em 1971, ganha fôlego e prestígio
entre os defensores de transferência de renda e de políticas afirmativas no Brasil.
7
3 - A TEORIA DE JUSTIÇA DE JOHN RAWLS
Quadro 4 - Breve biografia de John Rawls: John Rawls (1921- 2002) é um dos
expoentes do pensamento liberal norte-americano, que ficou mais conhecido com a
publicação do seu livro “A Theory of Justice” de 1971. Rawls dirigiu suas reflexões para o
esforço do governo norte-americano de se construir uma sociedade justa através da
implementação de políticas raciais afirmativas, que se tornaram efetivas nos Estados
Unidos a partir da década de 1960, com o Civil Rights Bill, de 1964, e o Voting Right Act,
assinado pelo governo do Presidente Lyndon Johnson (1963-69), em 1965. A legislação da
política afirmativa norte-americana assegurou direitos iguais aos afroamericanos em
relação aos brancos, além de imprimir uma política de garantia de direitos econômicos,
sociais, culturais e educacionais favoráveis aos negros, mais conhecida como política das
cotas raciais.
As teses defendidas por Rawls em seu livro “A Theory of Justice”, publicadas no
decorrer do processo de implementação das políticas raciais afirmativas, buscavam
responder o velho dilema do pensamento sócio-jurídico que remonta aos gregos: à velha
questão da sociedade boa, os termos da equação, na perspectiva liberal, nos tempos
modernos tornou-se o desafio de como conciliar liberdade individual e direitos iguais
numa sociedade desigual; como harmonizar interesses individuais, as características do
individualismo e do hedonismo presentes em grupos minoritários da sociedade moderna,
com as necessidades de se propiciar condições similares e de desenvolvimento para os
setores sociais menos favorecidos. Ou seja, como criar condições sociais nas quais os
menos favorecidos possam trilhar e galgar espaços de ascensão socioeconômica e cultural?
A arquitetura teórica de Rawls pressupõe uma situação na qual
políticas de
compensação social seriam implementadas, com o claro objetivo de criar condições
sistêmicas para que os grupos desfavorecidos – no caso, os negros norte-americanos tivessem acesso aos empregos públicos e às vagas nos cursos universitários. Trata-se, sob a
perspectiva liberal, tornar eficientes, sob o ponto de vista econômico, os membros dos
grupos socialmente excluídos, levando a uma situação sustentável de bem-estar
8
socioeconômico e cultural e de extensão de direitos de forma também ampliada e crescente.
Na visão de Rawls, um dos limites ou desafios a tal política seria a liberdade do outro, que
não poderia ver seu bem-estar e suas aspirações serem prejudicadas pela política
compensatória.
Uma abordagem das ideias de Rawls de forma exaustiva torna-se impraticável em
um “paper” dessa natureza, que tem apenas a pretensão de discutir aspectos da teoria de
Rawls sobre a justiça, e sua aplicabilidade na realidade brasileira. Portanto, sem pretensões
maiores, aqui se quer expor duas ideias constitutivas de noção de justiça, defendida por
Rawls. Nesse sentido, o esboço de dois princípios de justiça, discutidos em seu livro já
citado, destacam-se. Nas palavras do próprio autor:
“Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais
abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja
compatível com um sistema semelhante de liberdade para as
outras.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser
ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo
consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites
do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a
todos.”8
Portanto, os núcleos centrais dos argumentos enunciados por Rawls, enfatizam um
sentido coletivo para as ideias da igualdade dos direitos, da oportunidade acessível a todos
e, por fim, com o ideário da equidade, que deve ser o mais pleno possível.
No segundo princípio elencado por Rawls, vemos o autor postular uma espécie de
indexação entre desigualdades preexistentes e as políticas compensatórias, de forma que os
benefícios do ordenamento das desigualdades possam ser dirigidos, preferencialmente,
para os membros menos privilegiados da sociedade.
Trata-se, pois, de uma sociedade fundada na justiça social, ou da constituição de
uma sociedade justa, para usar um termo que Galbraith utilizou em um dos seus trabalhos.
Diz Rawls que os dois princípios derivam de uma “concepção mais geral de Justiça que
pode ser expressa como se segue:
8
Rawls, John. A Teoria da Justiça. São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 64.
9
“Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e
riqueza, e as bases sociais da auto-estima – devem ser
distribuídos igualitariamente a não ser que uma distribuição
desigual de um ou de todos esses valores traga vantagens para
todos”.9
Conclui Rawls que a injustiça seria uma consequência de uma desigualdade que não
beneficia a todos. Ainda argumenta que, amparado pelo ideário liberal, o sucesso de tal
engenharia política exige que os privilegiados da sociedade sejam convencidos de que o
bem-estar geral e sustentabilidade das suas aspirações, tanto por status e quanto por riqueza
material, depende de uma postura generosa e benevolente em aceitarem “ceder” parte dos
seus privilégios para os menos favorecidos.
Atente-se que, segundo Rawls, essa cessão ou perda de riqueza é relativa, pois não
acarreta prejuízos ou queda na qualidade de vida dos mais favorecidos, mas implica apenas
em uma redução relativa da participação dos privilegiados na apropriação do produto e das
riquezas da sociedade, e a consequente transferência dessa parcela de riqueza perdida para
os grupos socialmente excluídos. Assim, os membros dessas camadas sociais poderiam
ampliar suas aspirações e horizonte, maximizando suas expectativas e criando uma situação
sustentável de justiça social e bem-estar para todos.
A sociedade justa pensada por Rawls é ricamente inundada pelos termos e conceitos
hoje constitutivos da arena dos direitos humanos e sociais, como altruísmo, benevolência,
imparcialidade, desinteresse mútuo, desejos benevolentes, situação equitativa, bondade,
objeção de consciência etc.
Se olharmos a linhagem dos pensadores que Rawls se filia, bem como a linha
ideológica do seu pensamento, tributário do liberalismo clássico, vemos presente em seu
ideário fragmentos das preocupações e do pensamento de Platão, de Aristóteles, John
Locke, Rosseau, Kant, John Stuart Mill e demais filósofos iluministas e racionalistas dos
séculos 18, 19 e 20. É um esforço teórico para um novo contratualismo, no qual a ética e a
comunicação entre os homens determinarão a égide da racionalidade na resolução dos
dilemas sociopolíticos e racionalmente fundamentada na legitimidade do poder político.
9
Op. Cit. p. 66.
10
4 – Realidade Brasileira e a Tese da Justiça com Equidade de Rawls: as Políticas de
Cotas para os Negros nas Universidades Nacionais
Como exposto nos tópicos anteriores, as relações raciais no Brasil têm se
caracterizado por um persistente movimento de desigualdade entre brancos e negros. Face
a essa realidade histórica, é possível aplicar-se à realidade nacional as teses de justiça
preconizadas por Rawls. Inicialmente, deve-se, de forma sucinta, elencar alguns núcleos
centrais do pensamento de Rawls, como forma de se pensar a questão na realidade
brasileira, particularmente sob o dilema das políticas afirmativas voltadas para os
afrodescendentes. Como exposto, o pensamento de Rawls enfatiza o primado da justiça –
justiça com equidade -, constituindo-se como uma virtude absoluta das instituições. A Ética
e a Justiça passam a reger o todo social, regulando a vida das instituições e a cooperação
entre os grupos sociais.
Rawls também reconhece que a sociedade não é homogênea, mas diferenciada e
conflituosa, daí nascendo a necessidade da Justiça para regular a vida social. Assim, o
contratualismo de Rawls defende o estabelecimento de regras e princípios que tornem
possível a sociedade justa. E isso é possível porque há uma identidade de interesses entre as
diferentes forças sociais existentes, de forma que a equidade possa prevalecer na
distribuição dos bens socialmente produzidos. Fica implícito, pois, que Rawls idealiza um
consenso social, amparado pelo ideário da Justiça, para equacionar os dilemas enfrentados
por todos com relação às extremas desigualdades – a desigualdade ruim, se assim pode-se
dizer.
No plano político, está também presente no pensamento de Rawls o princípio da
liberdade individual, expresso pela ideia de que “cada indivíduo tem de ter o direito à
máxima igual liberdade compatível com uma liberdade do mesmo tipo para todos”. No
plano econômico e social, afirma Rawls que as diferenças sociais e econômicas têm de
estar atreladas à abertura igual para todos de empregos e posições, em condições justas de
igualdade de oportunidades – ideia exposta no segundo princípio citado no início desse
tópico - que as tais diferenças são justificadas somente se dão vantagem em uma situação
pior.
11
A análise que aqui será desenvolvida apoia-se sobre apenas um determinado
aspecto do argumento de Rawls, que aqui será confrontado com a realidade nacional.
Vale apenas reforçar essas ideias. Diz Rawls, na obra já citada, que deve reger a Justiça
os seguintes princípios: o Princípio da Liberdade Igual, no qual a sociedade assegura
a máxima liberdade para cada pessoa compatível com uma liberdade igual para todos os
outros. Esse princípio funda o ideário liberal de Rawls, pois ele é o elemento
fundamental da arquitetura teórica de Rawls, elemento que comanda os demais
princípios; outro princípio exposto por Rawls é o Princípio da Diferença, onde ele
reconhece os conflitos existentes na sociedade, e propugna que uma sociedade justa
deve promover uma distribuição igual da riqueza produzida socialmente, exceto quando
a existência de desigualdades econômicas e sociais beneficiar os menos favorecidos.
Completa esse princípio o Princípio da Oportunidade Justa, no qual as desigualdades
socioeconômicas devem estar ligadas a postos e posições acessíveis a todos em
condições de justa igualdade de oportunidades.
A ideia de justiça está presente em todos os princípios enunciados, e o liberalismo
de Rawls parece querer conciliar os pilares do liberalismo clássico – a liberdade, o
individualismo, a meritocracia - entre outros – com os anseios por igualdade social,
próprios dos movimentos de esquerda. Ocorre que, na linha de um “liberalismo social”,
Rawls justifica a desigual liberdade existente ou usufruída pelos e entre os cidadãos através
dos benefícios que os menos favorecidos terão com o igual acesso a oportunidade ou
rendimento.
Por exemplo, um “sistema de ensino pode permitir aos estudantes mais dotados o
acesso a maiores apoios se, por exemplo, as empresas em dificuldade vierem a beneficiar
mais tarde do seu contributo, aumentando os lucros e evitando despedimentos. Outro caso
permitido é o de os médicos ganharem mais do que a maioria das pessoas, desde que isso
permita aos médicos ter acesso a tecnologia e investigação de ponta que tornem mais
eficazes os tratamentos de certas doenças e desde que, claro, esses tratamentos estejam
disponíveis para os menos favorecidos.”
10
Ou, segundo o próprio Rawls, que qualifica seu segundo princípio de justiça, à luz
do princípio da diferença, pode ser interpretado da seguinte forma:
12
As desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas de
modo a serem ao mesmo tempo (a) para o maior benefício
esperado dos menos favorecidos e (b) vinculadas a cargos e
posições abertos a todos em condições de igualdade eqüitativa de
oportunidades” (Rawls, p. 88)
No cenário das relações raciais brasileiras, as críticas formuladas contra as
políticas de cotas enfatizam aspectos próprios da história nacional, que têm demonstrado
baixa consciência racial, altas trocas sexuais e miscigenação intensa, com obstáculos
culturais ao modelo de relação racial estanque ou de “raças puras”, vigentes em outros
contextos históricos, mas que jamais existiu na sociedade brasileira. As políticas raciais
afirmativas poderiam estimular o contrário que se objetiva, ou seja, favorecer o radicalismo
e o ódio racial, reacendendo no país conflitos raciais extemporâneos numa sociedade
caracterizada pela ”mistura racial”.
Na perspectiva das políticas afirmativas, a distribuição politicamente dirigida das
riquezas é um fator essencial para que membros de grupos sociais marginalizados possam
galgar escalas de status social e econômico. Por si só, a experiência histórica tem
demonstrado que as populações marginalizadas do progresso social, caracterizada por
estrutural situação de pobreza, ausência de oportunidades de trabalho, de aquisição de renda
e de acesso a oportunidades de ascensão social, como bons empregos, educação de
qualidade, crédito e fomento público, entre outros fatores, muito dificilmente terá sucesso
em seus objetivos e metas de bem-estar econômico e social.
Através do pensamento de Rawls, pode-se afirmar que um desenvolvimento justo,
ou uma sociedade justa implica a construção de uma arquitetura social na qual as
dimensões econômica e política se transformem, de fato, em instrumentos de viabilidade da
“igualdade eqüitativa de oportunidades”.(Rawls, p. 89). Essa igualdade equitativa de
oportunidade tem como corolário a convicção de que “se algumas posições não estão
abertas a todos de modo equitativo, os excluídos estariam certo em sentir-se tratados
injustamente, mesmo que se beneficiassem dos maiores esforços daqueles autorizados a
ocupá-las. (Rawls, p. 90). Completa Rawls o seu argumento dizendo que “Na justiça com
eqüidade, a sociedade é interpretada como um empreendimento cooperativo para a
vantagem de todos.”(Rawls, p. 90). Trata-se de uma sociedade amparada em “regras que
10
Faustino Vaz. A Teoria de Justiça de John Rawls. Disponível em http://criticanarede.com/termos.html.
13
definem um esquema de atividades que conduz os homens a agirem em conjunto no intuito
de produzir uma quantidade maior de benefícios e atribuindo a cada um certos direitos
reconhecidos a uma parte dos produtos. O que uma pessoa faz depende do que as regras
públicas determinam a respeito do que ela tem direito de fazer, e os direitos de uma pessoa
dependem do que ela faz.”(Rawls, p. 90).
Desses princípios deriva o pressuposto ético de que a expansão das liberdades de
homens e mulheres – liberdades aqui entendidas como possibilidades de os indivíduos e as
coletividades realizarem plenamente suas potencialidades. Isso implica não só ausência de
obstáculos institucionais à tomada de decisões e ações (instituições democráticas, direitos
humanos), mas também reais chances materiais, físicas e simbólicas para tomar decisões e
executar ações (acesso à ocupação produtiva e ao rendimento, acesso aos estudos,
condições de gozo de uma vida saudável).
Portanto, cabe indagar a mesma questão posta por Rawls, embora com os termos
adaptados à realidade brasileira. Qual é a meta a que se pode aspirar no campo das relações
raciais no Brasil? Como Rawls, pode-se afirmar que todos os grupos sociais querem uma
sociedade justa, na qual os aspectos fenotípicos das pessoas venham a
mostrar-se
socialmente irrelevantes. Também com Rawls pode-se afirmar que as oportunidades de
todo tipo que se oferecem aos indivíduos tenham o mais livre acesso para todos os grupos
sócio-raciais.
Sob o ponto de vista político, particularmente do ponto de vista da liberdade
individual, outro elemento derivado das teses de Rawls, que o individualismo e a
coletividade se alimentem mutuamente, mesmo que desigualdades possam se manifestar,
mas, com possibilidade de que todos os grupos sócio-raciais possam desfrutar da riqueza
contida nas relações e nos intercâmbios sociais. A questão do bom-senso, da cooperação e
da solidariedade aqui se coloca como fator essencial para a viabilidade das ações
afirmativas.
De outro lado, as políticas afirmativas enfrentam, na realidade brasileira, o legado
histórico-cultural advindo da ideologia da miscigenação harmoniosa e da democracia racial.
Nesse cenário, ações de transferência de renda dos privilegiados para os menos afortunados
enfrenta as objeções já colocadas anteriormente, ou seja, a ausência de um radicalismo
14
racial e a invisibilidade do racismo brasileiro, matizado pela miscigenação e pela ideologia
da democracia racial.
Nesse sentido, há que se verificar que os movimentos organizados dos negros
denunciam a mistificação dessas ideologias, que mascaram o racismo e o tornam invisível
para os autores e vítimas das práticas discriminatórias. O Brasil, ao contrário dos Estados
Unidos, há muito se tornou uma sociedade multirracial, daí que as políticas de cotas,
pensada para sociedades bipolares, talvez se encontre em situação pouco propícia para se
consolidar e se legitimar. Teriam razão os críticos das políticas de cotas na sociedade
brasileira de que tais ações só contribuem para a fragmentação da solidariedade entre os
grupos raciais brasileiros? Lembre-se que na experiência norte-americana, apesar do
sucesso das políticas afirmativas de cunho racial, persistem os ódios raciais e a bipolaridade
racial, o que quebra a harmonia e a paz entre as raças daquele país.
Quadro 5 — A Teoria da Justiça de Rawls: O Papel da Justiça - A justiça é a primeira
virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora
elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira; da
mesma forma, leis e instituições, por mais eficientes e organizadas que sejam, devem ser
reformadas ou abolidas se são injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na
justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por essa
razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior
partilhado por outros. Não permite fiquem os sacrifícios impostos a uns tenham menos
valor que o total maior das vantagens desfrutadas por muitos. Portanto, numa sociedade
justa, as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados
pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais,
sendo virtudes primeiras das atividades humanas, a verdade e a justiça são indisponíveis.”
(Rawls, John. A Teoria da Justiça, p. 4).
Na sociedade brasileira, o longo período da escravidão e, após seu fim, a ausência
de políticas sociais direcionadas aos descendentes dos descendentes de escravos, acabaram
por manter boa parte da população negra na pobreza. Teria a sociedade justa, vista por
Rawls, condições de romper com as privações das populações negras? Uma das conclusões
que se pode ter é que a implantação de regras de equidade,
acesso a todos às
oportunidades, o estímulo à colaboração e à distribuição da riqueza é algo fundamental para
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se capacitar os negros na conquista de lugares e situações dignas e cidadãs na sociedade
brasileira.
A política de cotas, por instalar uma desigual distribuição da riqueza, com
transferência de partes dos bens para os mais excluídos, pode assim, inserir-se no que
Rawls chama de oportunidades iguais a todos. A criação dessa regra implica uma
transferência de bens advinda de impostos para viabilizar o princípio mestre de
Rawls, que é a liberdade, e nesse caso, trata-se da expansão das liberdades dos
mais excluídos. Na realidade nacional, tal opção é, talvez, a mais realista,
visto relativo sucesso de políticas públicas similares, embora com enfoque
diferenciado, como é o bolsa-escola.
Quadro 6 — Dilemas das Políticas Afirmativas no Brasil: o Mito da Superação
―natural‖ das Desigualdades
Ao longo da história do pensamento econômico e social brasileiro, foi forjada uma
concepção de que, no país, as desigualdades sociais seriam superadas fundamentalmente
pela própria modernização das estruturas econômicas e sociais. Contudo, os indicadores de
concentração de renda demonstram que, em 1960, a participação dos 10% mais ricos na
renda disponível das famílias era de 39,66%. Em 40 anos, chegou a 53,36%. Já a
participação dos 40% mais pobres caiu de 11,56% para 6,36% no mesmo período. Do
mesmo modo, o índice de Gini11 do Brasil subiu de 0,50 para 0,65. [nas porcentagens,
sugiro usar apenas 1 casa decimal, para reduzir a “poluição visual”]
Este mesmo pensamento econômico e social ajudou a consolidar o hábito de
dissociar esse tema da reflexão sobre as desigualdades raciais. Diversos motivos explicam
essa postura:
I) Persistência do mito da democracia racial, que afirma inexistir o preconceito
racial ou racismo no Brasil;
11
O índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, vai de 0 (máxima igualdade) a 1 (máxima
desigualdade).
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II) Concepção de que os problemas raciais do país, sobretudo as desigualdades nas
condições de vida de brancos e negros, seriam uma herança do escravismo, cuja eliminação
viria naturalmente, ou com o tempo, ou com a modernização do Brasil, ou mesmo com uma
radical transformação do panorama social do país;
III) Concepção de que os problemas dos descendentes de escravos e escravas
poderiam ser enquadrados de forma sumária dentro dos problemas em geral dos pobres, ou
mais especificamente da classe operária;
IV) Mais recentemente, ao construir uma visão de que o problema social derivava
fundamentalmente de problemas de eficácia na destinação dos recursos públicos ou da
distribuição desigual dos ativos educacionais. Assim, com a melhora de ambos os aspectos,
a situação social dos negros se resolveria de forma quase natural.
Fonte: PNUD. RDH/2005 – Racismo, Pobreza e Violência.
VI – Considerações finais
Buscou-se, neste trabalho, analisar aspectos restritos das teses de Rawls sobre a
viabilidade e pertinência das políticas afirmativas de ordem racial na sociedade brasileira.
Apesar de se originar em contextos particulares, a sociedade norte-americana, o estudo
sugere a validade de se pensar políticas públicas de correção e compensação das
desigualdades entre brancos e negros no Brasil, apesar das elementares diferenças entre as
relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos. O pressuposto é que, a par dessas
diferenças, há também algumas similaridades, como a conhecida distância socioeconômica
entre negros e brancos, tanto no Brasil como nos Estados Unidos.
Defende-se que, inspirado em Rawls, a distância entre brancos e negros no Brasil só
tende a ser superada, em seus atuais patamares, se o estado realizar uma efetiva
redistribuição da riqueza, uma política afirmativa viabilizada por transferência de impostos,
que viabilizariam custear a política de cotas nas universidades para os negros. Ao velho
dilema de que o aumento ou a transferência de riquezas para os mais pobres tende a
enfraquecer a capacidade de investimento dos mais ricos, cuja contraface seria o fenômeno
da queda dos procedimentos e oportunidades iguais, provavelmente Rawls argumentaria
que isso é relativo, tudo dependendo do grau ou da quantidade de bens transferidos, cujo
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patamar, uma vez excedido, aí sim poderia ter repercussões negativas na liberdade e na
oportunidade equitativa a todos.
Assim, pode-se considerar, preliminarmente, que as teses de Rawls, apesar de serem
originadas em contextos históricos diferentes, têm também viabilidade e praticidade na
realidade brasileira. A criação de liberdade igual, oportunidade com equidade e regras de
procedimento justas podem possibilitar uma efetiva transferência de bens, sem que as
classes privilegiadas sejam inibidas em sua liberdade e limitação dos seus desejos
materiais. O pressuposto dos princípios rawlsianos é que, como a população negra partiu de
uma situação nitidamente menos vantajosa em termos históricos, são necessárias estratégias
de transferência e de fortalecimento dos membros dos afrodescendentes no jogo pela
distribuição da riqueza brasileira, instrumento procedimental que tende a elevar o bem-estar
e viabilizar a progressiva ascensão e equiparação das condições dos negros com a dos
brancos.
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BIBLIOGRAFIA
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Contraturalismo de Rawls. Disponível em http://www.scielo.br/ pdf/ln/n57/a04n57.pdf
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dos Sistema Jurídicos. Rio de Janeiro/São Paulo, Renovar, 2000.
BARROS, Wellington Pacheco. A Interpretação Sociológica do Direito. Porto Alegre,
Livraria do Advogado Editora, 1995.
KIRSCHBAUM, Charles. JOHN RAWLS: JUSTIÇA IMPARCIAL E SEUS LIMITES.
SÃO PAULO, 2005. Dissertação de mestrado. USP. Disponível em http://www.
teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-18062005-201639/
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo, Martins Fontes, 2000.
KOLM, Serge-Christophe. Teorias Modernas da Justiça. São Paulo, Martins Fontes,
2000.
SGARBI, Adrian. Clássico de Teoria do Direito. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris.
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MELO, Frederico Alcântara de. JOHN RAWLS: UMA NOÇÃO DE JUSTIÇA.
FDUNL N.º9 – 2001. Disponível em http://www.fd.unl.pt/web/Anexos/Downloads/
226. pdf
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A IDÉIA DE JUSTIÇA E A POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NO