Artigo Original Avaliação vocal e auto-percepção da desvantagem vocal (VHI)após laringectomia fronto-lateral Vocal evaluation and voice handicap (VHI) self-perception after frontolateral laryngectomy RESUMO Introdução: as alterações vocais decorrentes da laringectomia fronto-lateral (LFL) podem causar impacto na qualidade de vida. Objetivo: avaliar as características vocais e a auto-percepção da desvantagem vocal de pacientes submetidos à LFL com reconstrução pelo retalho do esterno-hióideo. Pacientes e método: foi realizada a avaliação prospectiva de 12 pacientes, com idade média de 66,5 anos, submetidos à LFL com reconstrução pelo retalho do esterno-hióideo. Seis pacientes (50%) foram submetidos à radioterapia pós-operatória, com dose média de 6006cGy. A avaliação da voz dos pacientes foi realizada através da avaliação perceptivo-auditiva da voz, com a escala GIRBAS. A desvantagem vocal foi mensurada através da aplicação do questionário VHI, sendo que quanto maior for a pontuação, pior a desvantagem vocal. As amostras foram apresentadas de forma cego-aleatória para três fonoaudiólogos com experiência superior a três anos com disfonias decorrentes do tratamento oncológico. Resultados: um total de 83% dos pacientes apresentou disfonia, sendo 42% de grau severo. A rugosidade estava presente em 100% dos casos. O pitch foi considerado adequado em 58% da amostra e a ressonância foi julgada como laringofaríngea em 67% dos pacientes. A autopercepção de desvantagem vocal foi referida de impacto discreto nos três domínios e, em relação à pontuação global, foi observado pior impacto no grupo de pacientes com disfonia de grau grave e moderado. Conclusão: constatamos disfonia de grau severo, porém, com impacto discreto nos domínios avaliados pelo VHI. Esses resultados reforçam a indicação de avaliações com múltiplos enfoques, onde o diagnóstico não seja apenas do clínico especialista, mas, também, do paciente. O VHI é uma ferramenta utilizada internacionalmente que viabiliza a avaliação do ponto de vista do paciente. Débora dos Santos Queija1 Alessandra Sampaio Ferreira2 Juliana Godoy Portas2 Rogério A. Dedivitis, MD3 Elio Gilberto Pfuetzenreiter Júnior4 Nataniele Patrícia Bohn5 Ana Paula Brandão Barros6 ABSTRACT Introduction: the vocal changes resulting from the frontolateral laryngectomy (FLL) can cause impact on the quality of life. Objective: to evaluate the vocal characteristics and the voice handicap (VHI) self-perception after FLL with reconstruction with sternumhyoid muscle flap. Patients and methods: we performed the prospective analysis of 12 patients, whose average age was 66.5 years-old, undergoing FLL with reconstruction with sternumhyoid muscle flap. Six patients (50%) were submitted to adjuvant radiation therapy whose average dose was 6006cGy. The vocal evaluation of the patients was done through the perceptual analysis with the GIRBAS scale, whereas the voice handicap was measured through the VHI questionnaire. The higher the score, the worse the voice handicap. The vocal samples were presented in a blind way to 3 Speech-Language Pathologists with experience longer than 3 years in dysphonia due to the oncological treatment. Results: a rate of 83% of the patients presented dysphonia, being 42% in severe grade. The roughness was observed in 100% of the cases. The pitch was considered adequate in 58% and the resonance was laryngopharyngeal in 67% of the patients. The impact of the voice handicap self-perception was considered mild in the three domains. Regarding the global score, the worst impact was observed in the group of patients with moderate to severe dysphonia. Conclusion: the dysphonia grade was severe. However, its impact on the domains evaluated by the VHI was mild. Those results indicate the evaluation under multiple enfoques. Thus, the diagnosis should not be performed exclusively by the specialist clinician, but by the patient himself, as well. The VHI is a toll internationally employed that allows performing the evaluation under the patient point of view. Key words: neoplasm of the larynx; dysphonia; quality of life. Descritores: câncer de laringe; disfonia; qualidade de vida. INTRODUÇÃO O diagnóstico precoce do câncer de laringe pode proporcionar a melhor preservação das funções laríngeas. A radioterapia e a cirurgia conservadora são opções de tratamento para pacientes com carcinomas glóticos iniciais, com boas taxas de cura1,2. A técnica de laringectomia fronto-lateral (LFL) é utilizada para o tratamento de tumores glóticos3, porém, com a retirada do tumor, há necessidade da reconstrução da região ressecada para que o resultado funcional promova adequada respiração, deglutição e voz. Com o objetivo de facilitar a vibração e/ou aproximação das estruturas remanescentes, várias técnicas de reconstrução têm sido utilizadas ao longo dos anos4, sendo opção o retalho bipediculado do músculo esterno-hióideo com pericôndrio externo da cartilagem tireóide5. A reconstrução da laringe é utilizada para a melhora vocal, prevenção da aspiração e função respiratória adequada6. Esse conjunto de fatores 1) Especialista em Voz. Fonoaudióloga do Serviço de Reabilitação de Voz, Fala e Deglutição, Hospital Heliópolis, São Paulo e do Hospital Ana Costa, Santos. Bolsista Capes do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis, São Paulo. 2) Fonoaudióloga do Serviço de Reabilitação de Voz, Fala e Deglutição, Hospital Heliópolis, São Paulo. 3) Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina; Docente do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis, São Paulo. Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa, Santos. 4) Mestrando do Curso de Pós Graduação do Hospital Heliópolis, São Paulo. 5) Acadêmica do Curso de Enfermagem da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES, Santos. 6) Doutor em Ciências pelo Curso de Pós-Graduação do Hospital do Câncer A.C. Camargo da Fundação Antônio Prudente; Chefe do Serviço de Reabilitação de Voz, Fala e Deglutição do Hospital Heliópolis, São Paulo e do Hospital Ana Costa. Instituições: Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e Serviço de Reabilitação de Voz, Fala e Deglutição do Hospital Heliópolis HOSPHEL, São Paulo; e Serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e de Fonoaudiologia do Hospital Ana Costa. Correspondência: Rua Cônego Xavier, 276 – 5º andar, 04231-030 São Paulo SP. E-mail: [email protected] Recebido em: 02/04/2007; aceito para publicação em: 14/05/2007; publicado on line em: 10/06/2007. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 36, nº 2, p. 95 - 99, abril / maio / junho 2007 95 contribui para uma produção vocal mais satisfatória à medida que o tecido remanescente seja suficiente para a emissão de uma voz com mínimo esforço e mais próxima do natural. Em estudo de 54 pacientes que foram submetidos à LFL com reconstrução com retalho monopediculado cranialmente, os resultados funcionais foram insatisfatórios devido à presença de incompetência glótica em 81% dos casos, hiperfunção das estruturas supraglóticas, vibração irregular das estruturas laríngeas, acarretando tempo máximo fonatório reduzido e qualidade vocal com características de rouquidão, soprosidade e/ou tensão7. Em outra série, observou-se a preservação da voz em 86% dos pacientes e tempo máximo fonatório variando de 4 a 8 segundos8. Foi comparada a função vocal de 27 pacientes com T1a glótico submetidos à LFL, sendo 14 com reconstrução com retalho de mucosa de falsa prega vocal e 13 sem reconstrução da prega vocal. A análise vocal foi baseada na extração do tempo máximo fonatório e na avaliação objetiva, através de medidas acústicas antes e um ano após a cirurgia. Verificou-se menor incidência de granuloma no pós-operatório e melhores resultados vocais nos pacientes que receberam reconstrução. A avaliação objetiva demonstrou melhora nas medidas de freqüência com o passar do tempo de pós-tratamento9. Na avaliação dos mecanismos fonatórios após a LFL com e sem reconstrução de mucosa de falsa prega vocal antes da cirurgia, após um ano e após dois anos de cirurgia, os resultados demonstraram que as estruturas supraglóticas participaram do fechamento laríngeo e da produção vocal em 80% dos casos, com participação da mucosa da falsa prega vocal em 54%10. Quinze pacientes com T2 de laringe submetidos à laringectomia com reconstrução de retalho miofacial de platisma foram analisados antes e após a cirurgia. A função fonatória foi analisada através de vídeo-estroboscopia e análise vocal subjetiva e objetiva. Os resultados demonstraram boa coaptação glótica e qualidade vocal aceitável no pós-operatório11. No estudo da produção vocal de 69 pacientes submetidos a laringectomias parciais (50 LFL e 19 hemilaringectomia), os resultados vocais foram melhores no grupo submetido à hemilaringectomia, pois as cirurgias maiores receberiam reconstrução de maior porte, garantindo que as estruturas remanescentes e sua respectiva reconstrução não sofram tanto o efeito da fibrose e, assim, as vozes têm características mais grave e rouca, o que justifica o melhor aceite social quando comparada às vozes mais tensas e ásperas, resultado das LFL12. Em estudo retrospectivo da função vocal de 25 pacientes submetidos a diferentes tipos de laringectomias parciais (oito LFL, nove LFL ampliadas, seis hemilaringectomias e duas subtotais), houve predomínio da fonação supraglótica. O pitch foi adequado e a qualidade vocal não apresentou relação com a fenda fonatória13. Embora a análise vocal faça parte da avaliação do resultado funcional do tratamento, a qualidade da voz engloba componentes psicossociais, físicos e emocionais que, muitas vezes, podem ficar comprometidos após a cirurgia. O impacto poderá variar de acordo com a demanda vocal, o estilo de vida e os valores pessoais de cada paciente. Em 1997, foi publicado o questionário Voice Handicap Index – VHI (Índice de Desvantagem Vocal) e sua respectiva validação americana, uma ferramenta que quantifica as conseqüências psicossociais das alterações vocais14. Esse questionário foi validado para a língua portuguesa15. O questionário foi criado com o intuito de conhecer a desvantagem vocal dos indivíduos que apresentavam distúrbios vocais. Os distúrbios de voz poderiam ter um impacto devastador no funcionamento diário e na qualidade de vida dos indivíduos e poucos instrumentos tentavam avaliar tal questão. Esse questionário permite ainda caracterizar a necessidade do uso da voz ativamente e possibilita a auto-classificação da voz como atividade de fala. A qualidade de vida (QV) de 10 pacientes submetidos à cordectomia, 11 à LFL com reconstrução de Tucker e oito à 96 cricohioidopexia (CHP) foi estudada. Os pacientes responderam aos questionários UW-QOL e o VHI, com bons resultados de QV. No questionário da UW-QOL, foram observadas melhores pontuações para as cirurgias menores, respectivamente, para cordectomia, LFL e CHP. Em relação ao VHI, foi verificada desvantagem vocal discreta para os três domínios e desvantagem moderada para o escore global nas três cirurgias16. O impacto da laringectomia na QV de 14 laringectomizados totais e 16 laringectomizados parciais (LFL com reconstrução a esterno-hióideo bipediculado) foi analisado. Os pacientes responderam ao questionário QLQ-C30 e o H&N35 da EORTC, que avaliam a QV e ao Beck Depression Inventory Questionnaire, que rastreia depressão. Os dois grupos tiveram boas pontuações em relação à QV e não foi rastreado depressão17. O objetivo desse estudo foi avaliar as características vocais e a auto-percepção da desvantagem vocal de pacientes submetidos à LFL com reconstrução pelo retalho bipediculado do esterno-hióideo CASUÍSTICA E MÉTODO Esse estudo prospectivo avaliou 12 pacientes submetidos à LFL, com reconstrução pelo retalho bipediculado do esternohióideo, tratados no Hospital Ana Costa, Santos e na Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos. O critério de inclusão para admissão no estudo foi tempo mínimo três meses do término do tratamento oncológico. Os critérios de exclusão foram: doença em atividade, outras cirurgias na região da cabeça e pescoço e história pregressa de alterações neurológicas, pela possível interferência desta na fisiologia da deglutição e da comunicação oral. Para a caracterização da voz e o índice de desvantagem vocal, os pacientes foram submetidos à avaliação perceptivo-auditiva e responderam ao questionário VHI. Para a análise perceptivoauditiva, foram registradas amostras vocais da emissão sustentada da vogal /a/ gravada na intensidade e freqüência habitual, contagem de números de 1 a 10 e trecho de fala encadeada com o paciente em pé com distância fixa de 15 cm entre a boca do falante e o microfone profissional da marca Shure®. Para a análise perceptivo-auditiva, utilizou-se a escala GIRBAS18. No momento do julgamento da rugosidade, a amostra foi também caracterizada em rugosa com predomínio de rouquidão e rugosa com predomínio de aspereza, devido às características intrínsecas do resultado vocal esperado para esse tipo de cirurgia. O pitch foi julgado como adequado, grave ou agudo e a ressonância, como equilibrada, laringofaríngica, faríngea ou hipernasal. Para a avaliação do tempo máximo fonatório, foi utilizado um cronômetro profissional da marca Cássio® e o paciente foi orientado a inspirar e emitir a vogal /a/ sustentada prolongada três vezes, sendo considerado o maior tempo. Para quantificar a desvantagem vocal, os pacientes responderam ao VHI15, questionário composto por três domínios: funcional, físico e emocional, cada domínio contendo 10 questões que variam de zero a quatro, sendo zero a melhor pontuação e quatro a pior pontuação. O valor da pontuação dos domínios é determinado pela somatória das respostas dadas pelos pacientes e a pontuação total é definida pela somatória dos três domínios, podendo variar de 0 a 120. Assim, quanto maior a pontuação, pior é a desvantagem vocal. Pontuações de 0 a 40 indicam impacto discreto ou ausência de impacto; de 41 a 60, impacto moderado; e, de 61 a 100, impacto severo19. As amostras vocais foram apresentadas para três fonoaudiólogos com experiência superior a cinco anos em disfonias decorrente de tratamento oncológico. A análise foi feita por meio de consenso após três apresentações das amostras vocais. A análise estatística consistiu de distribuição de freqüência para as variáveis categóricas e as medidas de tendência central e de variabilidade para as variáveis numéricas. Foi analisada a associação entre as diferentes formas de avaliação. Tabela 2. Características perceptivo-auditiva da voz (n=12). Variáveis RESULTADOS Participaram 12 pacientes, com idade média de 66,5 anos. O tempo decorrido do término do tratamento oncológico ao momento da investigação variou de quatro meses a 10,5 anos. Seis pacientes foram submetidos à cirurgia exclusiva como forma de tratamento e seis pacientes foram submetidos à radioterapia pós-operatória com dosagem média de 6006cGy (tabela 1). Tabela 1 – Número, porcentagens e medidas de pacientes segundo características demográficas e clínicas (n=12). Grau da disfonia Categorias Freqüência ausente 2 (17) discreta 2 (17) moderada Rugosa 3 (25) grave 5 (42) ausente 0 discreta 5 (42) com predomínio de rouquidão moderada Variável Categoria Freqüência ou medidas Gênero Masculino 10 (83) Feminino 2 (17) Mín. - máx. 43-88 Mediana 70 Média±dp 66,5±12,6 1b 8 (67) Idade T 5 (42) grave 2 (17) ausente 6 (50) Rugosa discreta 1 (8) com predomínio de aspereza moderada 3 (25) 2 4 (33) grave 2 (17) N 0 12 (100) ausente 11 (92) M 0 12 (100) Tratamento Cirurgia exclusiva 6 (50) discreta 1 (8) moderada 0 Soprosidade Cirurgia e radioterapia 6 (50) Reconstrução Bailey Dose de radioterapia (cGy) Mín.-máx. 12 (100) Mediana 6000 Média±dp 6006±1102 Tensão Mín.: mínimo; Máx.: máximo; dp: desvio padrão. A avaliação perceptivo-auditiva demonstrou disfonias de grau severo em 42% dos pacientes com predomínio de rugosidade (rouquidão e aspereza) e tensão. A ressonância foi classificada como laringofaríngea em 67% dos pacientes (tabela 2). Em relação às medidas temporais, o tempo máximo fonatório variou de 5,1 segundos a 12 segundos com média de 7,85 segundos, abaixo do esperado. O VHI indicou desvantagem vocal de grau leve ou ausência de impacto para todo o grupo. A média dos três domínios não foi maior que 14,5 pontos e o VHI global apresentou pontuação média de 25,41±14,88. A tabela 3 demonstra associação entre a percepção do clínico em relação à qualidade vocal e à auto-percepção do paciente da desvantagem vocal. Quando os fonoaudiólogos julgaram a voz como disfônica moderada e severa, o paciente referiu também pior desvantagem vocal para o domínio funcional, físico e global (tabela 3). Em relação à auto-classificação da demanda vocal, sete pacientes referiram necessitar da voz para a conversação diária e cinco referiram necessitar da voz para o exercício da profissão. Não foi observada diferença em relação à autopercepção da desvantagem vocal e às diferentes demandas vocais. Quanto à caracterização da voz para atividade de fala, dois pacientes classificaram-se como quietos, quatro como conversadores e seis como muito conversadores. Ao comparar os grupos de pacientes quieto, conversador e muito conversador, não observamos relação direta entre o perfil de auto-classificação do pacientes em relação à atividade de fala e o impacto da alteração vocal. A desvantagem vocal foi discreta em todos os domínios independente da classificação de atividade de fala (tabela 4). 0 grave 5000-7020 Pitch ausente 4 (33) discreta 3 (25) moderada 4 (33) grave 1 (8) adequado 7 (58) grave 2 (17) Agudo 3 (25) adequada 3 (25) laringofaríngea 8 (67) Ressonância Posterior 1 (8) Tabela 3 – Associação entre o grau da disfonia e a desvantagem vocal referida pelo paciente (n=12). Variáveis VHI funcional VHI físico Categorias G3 (n=5) G2 (n=3) G1 (n=2) G0 (n=2) 3-19 3-5 2-2 Mediana Mín.-máx. 6-17 10 10 4 2 Média±dp 11±4 10,6±8 4±1,41 2±0 9-25 2-14 6-9 Mín.-máx. 9-10 Mediana 19 18 8 7,5 Média±dp 18±8,4 17,3±8 8±8,4 7,5±2,1 0-8 1-2 2-2 VHI emocional Mín.-máx. 1-4 VHI global Mediana 3 4 1,5 2 Média±dp 2,8±1,3 4±4 1,5±0,7 2±0 12-52 6-21 10-13 32 13,5 11,5 Mín.-máx. 23-51 Mediana 29 Média±dp 31,8±11,3 32±20 13,5±10,6 11,5±2,1 VHI: Voice handicap index; G3: disfonia grave; G2= disfonia moderada; G1: disfonia discreta; G0: Ausência de disfonia; Mín.: mínimo; Máx.: máximo; dp: desvio padrão. 97 Tabela 4. Associação entre as pontuações do questionário VHI e a auto-classificação da voz como atividade de fala (n=12). Variáveis Categorias Quieto Conversador Muito conversador (n=4) (n=6) 3-10 2-19 7,5 8 Média±dp 10±9,8 7±3,5 8,5±6,5 VHI Mín.-máx. 9-30 2-18 6-25 físico Mediana 12,5 14 Média±dp 19,5±14,8 11,2±6,8 14,8±7,8 Mín.-máx. 0-4 1-4 1-8 2,5 2 Média±dp 2±2,8 2,5±1,2 3±2,5 VHI Mín.-máx. 12-51 6-32 10-52 global Mediana 22,5 26 20,7±10,8 26,5±15 (n=2) VHI Mín.-máx. 3-17 funcional Mediana VHI emocional Mediana 10 19,5 2 31,5 Média±dp 31,5±27,5 VHI: Voice handicap index; Mín.: mínimo; Máx.: máximo; dp: desvio padrão. DISCUSSÃO A preservação das funções básicas da laringe (respiração, proteção das vias aéreas inferiores durante a deglutição e a fonação) é o principal objetivo do tratamento oncológico após a cura. Entretanto, nem sempre é possível contemplar todos esses aspectos de forma igualitária. Nas cirurgias parciais de laringe, a reconstrução glótica, seja ela qual for, tem o objetivo de preservar e manter a estabilidade dos tecidos remanescentes e privilegiar, sempre que possível, a eficiência fonatória. Portanto, a reconstrução é um fator chave para o fechamento glótico para um melhor resultado vocal4. Em contraponto, no estudo de uma série de laringectomias parciais, a voz foi melhor quando a fonte sonora era localizada na supraglote12. As características dos resultados funcionais são fatores importantes na avaliação do sucesso da cirurgia parcial de laringe. Para avaliar os resultados funcionais de determinado tratamento, é necessário o controle de muitas variáveis, como tamanho e homogeneidade da amostra em relação ao estadiamento do tumor, extensão da cirurgia, tipo de reconstrução e combinação do tratamento (cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia). Em nosso estudo, consideramos a amostra homogênea, desde que todos os pacientes foram operados pela mesma equipe de cirurgiões e todos pacientes foram submetidos ao mesmo tipo de reconstrução. Para a análise vocal, foi realizada a avaliação perceptivoauditiva por meio da escala GIRBAS, para facilitar a identificação dos parâmetros analisados e a comparação dos resultados do estudo com o que já foi descrito na literatura. Nessa amostra, 83% das vozes eram disfônicas, com predomínio do grau severo. A qualidade vocal foi rugosa com predomínio de rouquidão em 100% dos pacientes e rugosas com predomínio de aspereza em 50% dos casos. A tensão estava presente em 67% da amostra analisada. Esses resultados são compatíveis com o que já foi descrito anteriormente, respeitando a variabilidade do ajuste e o comportamento das estruturas vibrantes7,12,17. Em nossa amostra, foi observado que, embora todas as vozes fossem classificadas como disfônicas, a desvantagem vocal percebida e referida pelo paciente foi discreta, mesmo no grupo de pacientes com alteração grave. Analisando de forma mais específica, o domínio físico (maiores pontuações quando comparado com o funcional e emocional) parece refletir de forma clara a dificuldade do ponto de vista orgânico da produção vocal. Por outro lado, a alteração vocal parece não interferir na vida do paciente do ponto de vista emocional (menores pontuações quando comparado aos domínios físico e funcional). Acreditamos que, embora a voz tenha função indiscutível no dia-a-dia das pessoas, a experiência do 98 diagnóstico do câncer modifica a percepção e, provavelmente, também as expectativas dos pacientes que sobrevivem ao câncer e esses resultados estão de acordo com outros estudos16,17. Outro fator que pudemos observar foi a concordância entre a percepção do clínico e do paciente. Quando a disfonia foi caracterizada de grau moderado ou severo, o paciente também fez maior pontuação, indicando maior perturbação em relação ao domínio avaliado. Todavia, quando avaliamos o grau de desvantagem em relação à auto-classificação da demanda vocal, os resultados ficaram embaraçados de ser interpretados, justificado pelo fato de que os pacientes que se julgaram como quietos referiram maior desvantagem do que os pacientes extremamente conversadores. Sabemos que a avaliação dos resultados funcionais é importante para a análise dos resultados do tratamento oncológico e posterior discussão de propostas de modificação do tratamento para obtenção de melhor função remanescente. Contudo, estudos recentes enfatizam a importância da avaliação da autopercepção do paciente em relação à sua disfunção e nossos resultados permitem concordar com essa afirmativa. CONCLUSÃO Constatamos disfonia de grau severo, porém, com impacto discreto nos domínios avaliados pelo VHI. As vozes são julgadas com grau de severidade pior pelo clínico do que pelo paciente e esses dados reforçam a indicação de avaliações com múltiplos enfoques, onde o diagnóstico não seja apenas do especialista, mas também do paciente. O VHI é uma ferramenta utilizada internacionalmente que viabiliza a avaliação do ponto de vista do paciente. REFERÊNCIAS 1. Mendenhall WM, Werning JW, Hinerman RW, Amdur RJ, Villaret DB. Management of T1-T2 glottic carcinomas. Cancer. 2004;100(9):178692. 2. Fein DA, Mendenhall WM, Parsons JT, Million RR. T1-T2 squamous cell carcinoma of the glottic larynx treated with radiotherapy: a multivariate analysis of variables potentially influencing local control. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1993;25(4):605-11. 3. Leroux-Robert J. Indications for radical surgery, partial surgery, radiotherapy and combined surgery and radiotherapy for cancer of the larynx and hypopharynx. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1956;65:137-53. 4. Burgess LP. 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