Gragoatá
n. 30
1o semestre 2011
Política Editorial
A Revista Gragoatá tem como objetivo a divulgação nacional e internacional
de ensaios inéditos, de traduções de ensaios e resenhas de obras que representem
contribuições relevantes tanto para reflexão teórica mais ampla quanto para a
análise de questões, procedimentos e métodos específicos nas áreas de Língua e
Literatura.
ISSN 1413-9073
Gragoatá
Niterói
n. 30
p. 1-256
1. sem. 2011
© 2010 by
Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense
Direitos desta edição reservados à– Editora da UFF – Rua Miguel de Frias, 9 – anexo – sobreloja – Icaraí – Niterói – RJ – CEP 24220-900 – Tel.: (21) 2629-5287 – Telefax: (21)2629-5288
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­ ditora.
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Semestral
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Editora
filiada à
G737
Gragoatá. Publicação dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras da
Universidade Federal Fluminense.— n. 1 (1996) - . — Niterói : EdUFF, 2010 –
26 cm; il.
Organização: Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
Semestral
ISSN 1413-9073
1. Literatura. 2. Linguística.I. Universidade Federal Fluminense. Programas de
Pós-Graduação em Estudos de Linguagem e Estudos de Literatura.
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Gragoatá
n. 30
1o Semestre 2011
Sumário
Apresentação .................................................................................
Jussara Abraçado
Eduardo Kenedy
5
ABERTURA
Aquisição da linguagem: palavras iniciais ............................. 13
Jussara Abraçado
Eduardo Kenedy
ARTIGOS
Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal... 39
Christina Abreu Gomes
Márcia Cristina Vieira Pontes
Miriam Cristina Severino Almeida
Ana Cristina Baptista de Abreu
Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem
integrada sob a ótica minimalista ............................................. 55
Letícia Maria Sicuro Corrêa
Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da
prosódia na aquisição lexical ..................................................... 77
Maria Cristina Name
A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem ... 89
Mercedes Marcilese
Marina Rosa Ana Augusto
Letícia Maria Sicuro Corrêa
Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico
Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável
em Português Brasileiro .............................................................. 103
José Ferrari-Neto
Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos
na aquisição do Português Brasileiro ....................................... 135
Luciana Teixeira
Relexification scope and the limits of Full Transfer Full
Access Hypothesis in Second Language Acquisition .......... 155
Paulo Antonio Pinheiro Correa
La adquisición de la escisión en el español peninsular ...... 169
Carlos Felipe da Conceição Pinto
Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial
em PB: Traços semânticos de modalidade na aquisição de
primeira língua ............................................................................ 189
Vivian Meira
Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de
dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues
(Hunsrückisch-Português) ......................................................... 201
Sabrina Gewehr-Borella
Márcia Cristina Zimmer
Ubiratã Kickhöfel Alves
Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos
e cognitivos ................................................................................... 221
Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi
RESENHA
Linguística de Corpus: Possibilidades para o Ensino
de Línguas e Tradução ............................................................... 241
Danielle de Almeida Menezes
COLABORADORES DESTE NÚMERO ................................... 247
NORMAS DE APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS ............. 253
Apresentação
O número 30 da Gragoatá, dedicado ao fenômeno da aquisição da linguagem, inaugura uma nova fase desse periódico que,
a partir de então, abordará, alternadamente, temas referentes a
estudos de linguagem e a estudos de literatura. Fruto primeiro
dessa “nova fase”, este volume apresenta outra característica inovadora: há um texto escrito pelos organizadores, “Aquisição da
linguagem: primeiras palavras”, que introduz o tema e convida
o leitor a refletir a respeito da tensão existente entre diferentes
abordagens teóricas acerca do fenômeno em tela. O texto tem o
objetivo de articular os trabalhos reunidos nesta obra e propiciar
ao leitor ambiência teórica que favoreça a leitura e o entendimento das questões levantadas e discutidas nos trabalhos referidos.
O primeiro artigo deste volume, “Variação e aquisição da
flexão nominal e da flexão verbal”, é de autoria de Christina
Abreu Gomes, Márcia Cristina Vieira Pontes, Miriam Cristina
Severino Almeida e Ana Cristina Baptista de Abreu. Com base
em análise de dados de aquisição da flexão variável em nominais
e em verbos extraídos de amostras de produção espontânea de
crianças em faixas etárias entre 1;11 e 5;0, as autoras apresentam resultados que: (i) no que se refere à flexão verbal, revelam
que os condicionamentos observados na fala da comunidade
adulta são adquiridos gradualmente pelas crianças; (ii) no que
diz respeito à flexão nominal, apontam para uma situação diferente da relatada em (i). As autoras discutem as implicações dos
resultados encontrados, abordando a questão da relação entre
conhecimento linguístico, variação e aquisição.
No artigo seguinte, “Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista”, de
Letícia Maria Sicuro Corrêa, a aquisição de uma língua é vista
como um problema de aprendibilidade que requer um tratamento conjunto por parte de teorias linguística e psicolinguística.
Nesse viés, é proposta uma abordagem integrada em que se
articula a hipótese do bootstrapping fonológico com uma concepção minimalista de língua. A distinção entre classes abertas e
fechadas do léxico na análise do sinal da fala ao fim do primeiro
ano de vida é tida como fundamental para a inicialização de um
sistema computacional universal. O desenvolvimento linguístico
é apresentado, no artigo, como a progressiva especificação dos
traços formais de categorias funcionais via o processamento
nas interfaces.
Em “Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical”, Maria Cristina Name,
Niterói, n. 30, p. 5-9, 1. sem. 2011
5
tendo como foco elementos da categoria lexical ADJ(etivo), discute o papel da informação prosódica na aquisição lexical por
crianças em fase de aquisição do português do Brasil (PB). Com
base no pressuposto de que a fala se organiza em constituintes
prosódicos hierarquicamente dispostos, parcialmente sensíveis
à estrutura sintática, e defendendo as hipóteses de que adultos
e crianças usam pistas prosódicas para o reconhecimento da
posição do adjetivo no DP (Experimento 1), identificam pseudopalavras como novos adjetivos (Experimento 2), e atribuem
valor subjetivo ao realce prosódico do adjetivo anteposto a N
(Experimento 3), a autora apresenta e discute resultados obtidos
à luz de modelos de processamento psicolinguístico comprometidos com a aquisição de linguagem.
Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia
Sicuro Corrêa, autoras de “A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem”, abordam questões relativas à aquisição dos
numerais, apoiando-se em diferentes perspectivas que procuram
dar conta do mapeamento entre as ‘quantidades’ percebidas pela
criança e os itens correspondentes na sequência dos numerais.
Um experimento de compreensão, com crianças de 3 e 4 anos de
idade, visando a avaliar o tipo de interpretação preferida para
os numerais é reportado. Os resultados são compatíveis com
a ideia de que, mesmo que, em certos contextos, os numerais
possam receber leituras escalares ou aproximadas, em geral, são
associados desde cedo pela criança a quantidades exatas, sendo
essa informação crucial para explicar o processo de aquisição
desses elementos.
José Ferrari-Neto, em “Investigando as Habilidades de
Processamento Linguístico Infantil: a Aquisição da Distinção
Massivo/Contável em Português Brasileiro”, discorre sobre o
papel das informações sintáticas e semânticas presentes no input
linguístico no processo de aquisição da distinção entre nomes
massivos e contáveis em PB, em especial as informações relativas
à expressão do número gramatical, com os seguintes objetivos
de (i) verificar se a criança toma a presença do morfema de
número como indicativa de leitura contável e (ii) verificar como
a criança procede na interpretação de DPs ambíguos. Usando
o paradigma metodológico da Seleção de Imagens, o autor testou dois grupos de crianças (um na faixa de 36 meses de idade
média, e outro na faixa de 60 meses) e um grupo de adultos.
Os resultados encontrados demonstram que tanto informação
morfossintática quanto informação semântico-contextual são
relevantes na aquisição de nomes massivos e contáveis em PB.
No texto intitulado “Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro”, de
Luciana Teixeira, apresenta-se um estudo experimental cujo foco
é a delimitação da categoria adjetivo por crianças em aquisição
do PB como língua materna. Adotando uma perspectiva psico6
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linguística de aquisição da linguagem, aliada a uma concepção
minimalista de língua (CHOMSKY, 1995-2007), assume-se que a
criança é sensível às propriedades fônicas de elementos de classes
fechadas, como determinantes e afixos, conforme a hipótese do
bootstrapping fonológico. Com base na hipótese do bootstrapping
sintático, postula-se que a análise de adjetivos no contexto sintático de DPs ou de small clauses, aliada ao pressuposto de que DPs
fazem referência a objetos/entidades, possibilita a representação
de adjetivos como categoria que apresenta uma propriedade ou
atributo de um referente. Avalia-se, ainda, o papel da ordem
canônica, na distinção entre adjetivos e nomes. Apresentam-se
dois experimentos com crianças, usando-se a técnica de seleção
de objetos com pseudopalavras, sendo o primeiro conduzido com
crianças de 18-22 meses, e o segundo, com crianças de 2-3 anos
e 4-5 anos. Os resultados dos experimentos relatados são compatíveis com a hipótese de que a criança faz uso de informação
sintática e morfológica na delimitação de adjetivos, e revelam que,
já aos dois anos de idade, propriedades semânticas de sufixos
formadores de adjetivos são representadas pela criança.
Paulo Antonio Pinheiro Correa analisa o caso de quedar(se),
pseudo-cópula típica da interlíngua de brasileiros falantes de
espanhol não-nativo, em o “Escopo da relexificação e os limites
da hipótese Full Transfer”. O autor busca demonstrar que (i) essa
entrada lexical combina propriedades sintáticas e semânticas
do seu elemento correspondente em PB a L1 dos falantes e a
representação fonológica da suposta contraparte do Espanhol;
(ii) esse elemento mantém-se na interlíngua até o seu estágio
estável como um caso de relexificação, um processo universal
presente em várias situações de contato linguístico, entre elas,
a aquisição de segunda língua.
O artigo intitulado “A aquisição da clivagem no espanhol
europeu”, de Carlos Felipe da Conceição Pinto, propõe-se a averiguar como as crianças espanholas adquirem as construções
clivadas, indagando se tais crianças produzem inicialmente
as construções inexistentes na variedade europeia adulta e em
seguida as perdem, ou se as crianças de fato nunca produzem
essas construções. Foram analisados dados extraídos da fala de
18 crianças, entre 2 e 10 anos de idade (2 crianças de cada faixa
etária) que compõem o corpus CHILDES. Os dados mostraram
que as crianças produzem construções inexistentes na gramática
adulta, sendo que uma delas só aparece na criança de 3 anos e
outra permanece em todas as faixas etárias. A interpretação dos
dados é a de que não há, em princípio, um problema de aquisição
da linguagem, mas de variação do espanhol europeu, já que as
construções consideradas inexistentes em diversos estudos são
encontradas na fala dos adultos na interação com as crianças.
Vivian Meira, em seu artigo “Estudo sobre a aquisição
de complementação sentencial em PB: traços semânticos de
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modalidade na aquisição de primeira língua”, apresenta resultados parciais sobre os padrões de complementação sentencial,
em relação às completivas finitas (indicativo e subjuntivo) e
não-finitas (especificamente o infinitivo), na aquisição do PB.
Tomando como base a teoria chomskiana de Princípios e Parâmetros e defendendo a hipótese de que a oposição Realis/
Irrealis é marcada por distintos padrões de complementação
– o infinitivo e o indicativo –, a autora busca demonstrar que o
marcador morfológico de infinitivo assume o traço [- realis] (que
será posteriormente assumido pelo subjuntivo) e o indicativo,
em orações finitas, expressa o traço [+ realis]. Para tanto, toma
como sustento a Hipótese da Oposição Semântica, segundo a
qual há uma hierarquia semântica no que se refere aos modos
verbais no período da aquisição. Foram analisados dados de
três crianças, duas pertencentes ao CEALL, do Rio Grande do
Sul, com idade entre 1;08 e 3;07 e uma pertencente ao CEDAE,
da UNICAMP, com idade entre 1;0 e 3;02.
No texto “Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma
análise de dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português)”, Sabrina Gewehr-Borella,
Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alves relatam os
resultados de um estudo sobre a troca de grafemas que representam fonemas oclusivos surdos por grafemas representando
fonemas sonoros (e vice-versa) e os padrões de VOT de alunos
monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português).
Os participantes foram divididos em três grupos: alunos monolíngues sem contato com bilíngues (MR), monolíngues que
possuem contato com bilíngues (MP) e bilíngues (B). Na pesquisa, foram analisados, primeiramente, o número de trocas
dos grafemas <p,b>, <t,d> e <c,g> da escrita de 183 alunos dos
três grupos. Em um segundo momento, foram analisados os
dados escritos de 30 alunos (10 de cada grupo) dos 183 analisados anteriormente. Com relação aos VOTs, foram analisados,
primeiramente, os padrões da fala em PB dos 30 participantes.
Posteriormente, foram medidos os VOTs do Hunsrückisch
dos 10 alunos bilíngues. Quanto aos resultados, verificou-se
a ocorrência de mais trocas grafêmicas nos participantes do
grupo B, seguidos dos do grupo MP e, por fim, dos do grupo
MR. Quanto aos padrões de VOT, nos segmentos surdos foram
encontrados VOTs menores no grupo MR do que no grupo B
e, nos segmentos sonoros, foram apurados valores mais elevados de pré-vozeamento no grupo MR do que no grupo B. Com
base nos resultados obtidos, os autores concluem que parte dos
participantes apresentam uma correlação positiva entre a taxa
de trocas dos grafemas e a produção de fala, o que sugere uma
possível relação entre os processos de produção escrita e oral
Estudando a “Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos”, Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi
8
Niterói, n. 30, p. 5-9, 1. sem. 2011
investiga possíveis correlações entre tendências subjacentes aos
usos dos mecanismos de junção em textos de sujeitos em fase
de aquisição de escrita e tendências sobre desenvolvimento de
juntores na história da língua. O propósito de seu trabalho é
trazer novas luzes para a discussão do paralelo entre ontogenia
e filogenia, nos moldes de Kortmann (1997), que sustenta, para a
aquisição de esquemas de junção e para a mudança dos juntores
ao longo do tempo, direções que sinalizam uma complexidade
crescente, verificável tanto de um ponto de vista morfossintático,
como semântico-cognitivo.
Fechando este volume, vem a resenha de Danielle de
Almeida Menezes sobre a obra “Corpora no Ensino de Línguas Estrangeiras, editada por Vander Viana e Stella Tagnin”, e publicada
pela HUB Editorial em janeiro de 2011. Segundo a resenhista,
apesar da clara relevância da obra, algumas críticas talvez lhe
caibam. Em primeiro lugar, alguns estudos tornam-se repetitivos
ao apontarem justificativas e propostas pedagógicas muito semelhantes. Além do mais, embora a obra se destine a professores
com diferentes níveis de conhecimento de Linguística de Corpus,
alguns capítulos demandam grande esforço cognitivo por parte
de leitores pouco familiarizados com a área. Contudo, de acordo
com Danielle de Almeida Menezes, essas questões menores não
diminuem a qualidade do livro e nem de longe ofuscam um
dos maiores méritos da obra, que é o de mostrar ao professor de
língua que ele não depende dos materiais didáticos disponíveis
no mercado brasileiro e, por isso mesmo, ele deve estimular
a autonomia de seus alunos no tocante à aquisição da língua
escrita e a investigações linguísticas de uma maneira geral.
Os organizadores.
Niterói, n. 30, p. 5-9, 1. sem. 2011
9
Abertura
Aquisição da linguagem:
palavras iniciais
Jussara Abraçado (UFF)
Eduardo Kenedy (UFF)
O século XXI avança pela sua segunda década e, nestes anos,
as ciências cognitivas vêm tornando-se cada vez mais maduras
e fecundas. É no contexto do desenvolvimento científico desses
novos tempos que as pesquisas sobre a natureza, a aquisição e o
uso da linguagem como parte e, ao mesmo tempo, instrumento
da cognição humana despontam no seio da linguística – essa que
foi considerada ciência-piloto nas humanidades e manteve, nos
estudos sobre mente e cérebro, sua vocação para a liderança. Com
efeito, a linguística vem atravessando, desde a sua refundação
como ciência cognitiva, ainda nos primeiros anos da revolução
cognitivista da década de 60, um contínuo movimento de transformações dialéticas em seus fundamentos epistemológicos e
em suas diretrizes programáticas. Por exemplo, nesse pouco
mais de meio século, assistimos (1) à derrocada do behaviorismo
radical e à ascensão e hegemonia do formalismo chomskiano, (2)
à dissociação entre o estudo abstrato da competência linguística
e a pesquisa empírica sobre o comportamento linguístico, (3) à
profusão de análises funcionais sobre o binômio “linguagem e
uso”, (4) ao amadurecimento da abordagem sociocognitivista, (5) à
formação dos paradigmas conexionistas e, mais recentemente, (6)
à reaproximação entre os estudos da competência e da performance
linguísticas. O pano de fundo desses embates conceituais tem sido
a tensão entre, de um lado, a necessidade de formular um modelo
teórico que represente a natureza da linguagem no conjunto dos
sistemas cognitivos humanos e, de outro lado, a importância de,
na formulação de tal modelo, ter atenção e cuidado à suntuosa
diversidade e complexidade dos dados empíricos da experiência
humana, tanto aqueles relativos à aquisição do conhecimento
linguístico pela criança quanto os concernentes ao uso desse
conhecimento pelo indivíduo já maduro.
Na abertura deste número da Gragoatá, especialmente
dedicado ao fenômeno da aquisição da linguagem, gostaríamos
de convidar o leitor para algumas reflexões a respeito dessa tensão
entre teorização abstrata e pesquisa empírica. São muitas as vezes
em que essa problemática subjaz aos distintos artigos que compõem o presente volume. O que desejamos fazer neste momento é
trazê-la para o primeiro plano das discussões, considerando-a de
maneira franca e aberta. O plano de nossa exposição é o seguinte.
Nas seções 1 e suas subseções, apresentaremos um breve histórico
da união, do divórcio e do recasamento entre teoria linguística e
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011
Gragoatá
Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
psicolinguística. Analisaremos como essas duas ciências desenvolveram-se, durante décadas, de maneira independente e, mesmo,
radicalmente separadas, até que uma reaproximação tornou-se
possível e profícua com os redirecionamentos do Programa Minimalista propostos por Chomsky nos últimos anos (1995-2007 e
posteriores). Argumentaremos que se, por um lado, a oposição
entre “saber” e “fazer” linguísticos – a dicotomia “conhecimento”
vs. “uso do conhecimento” – ainda hoje segrega duas realidades
ontológicas distintas, por outro, a busca pela compreensão do
“saber” a partir do “fazer”, isto é, a busca por uma generalização
teórica com base em exaustivas pesquisas empíricas, é uma das
agendas de pesquisa mais interessantes da linguística do novo
século. Na seção 2 e suas subseções, falaremos sobre as abordagens essencialmente baseadas no uso, observando que, sob tal
perspectiva, “uso”, “experiência”, “função” e “interação” sequer
deixaram alguma vez de estar intrinsecamente vinculados à
“cognição linguística” e é justamente em função desse recorte
epistemológico, oposto à tradição gerativista, que os estudos que
se caracterizam por priorizar a “língua em uso” apresentam uma
caracterização do nicho da linguagem na mente humana diferente
daquela cara a psicolinguistas e gerativistas. Quais são os pontos
de convergência entre essas diferentes abordagens é o tópico da
seção 3, que encerra nossa discussão.
1. A virada chomskiana
Com a revolução chomskiana dos anos 50/60, o foco de
estudo da moderna ciência da linguagem passava a ser a dimensão
mental do fenômeno linguístico. Chomsky, já em suas primeiras
publicações, denunciava as limitações do modelo behavioristaestruturalista então dominante na psicologia e na linguística
norte-americana. Behavioristas influentes como Bloomfield (1933)
e Skinner (1957) propunham que a linguagem deveria ser interpretada exclusiva ou essencialmente como um sistema de hábitos
formado pelo ambiente, através da associação entre cadeias de
estímulos e certos comportamentos – uma mera instância do que
era conhecido como reflexo condicionado (cf. GARDNER, 1985).
Chomsky (1957, 1959) contra-argumentava dizendo que o aspecto
criativo da linguagem tornava a interpretação de uma língua
natural como apenas uma espécie de comportamento condicionado pelo ambiente não somente insuficiente, mas, sobretudo,
incorreta. Com o termo criatividade, Chomsky referia-se ao caráter
gerativo da linguagem, entendido como a capacidade linguística
humana de criar enunciados completamente novos e originais
em forma e conteúdo de maneira recursiva e potencialmente
infinita. As conclusões de Chomsky indicavam que a principal
tarefa da linguística era compreender o que é e como funciona
esse aspecto criativo. Para o linguista, a nova agenda nos estudos
da linguagem conduzia para o interior da mente humana – e não
14
Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011
Aquisição da linguagem: palavras iniciais
para os fatores condicionantes do ambiente externo ao indivíduo.
Na mente humana, os mecanismos gerativos da linguagem eram,
para Chomsky, a chave para a descoberta da natureza cognitiva
das línguas naturais.
Como se vê, a virada Chomskiana nos estudos da linguagem
compreende, de fato, duas vertentes relacionadas, mas relativamente independentes. Por um lado, há o denso debate epistemológico acerca da natureza mental da linguagem humana, que
justifica o abandono do behaviorismo e inscreve a linguística entre
as ciências da cognição. Por outro lado, há a agenda para a caracterização técnica do aspecto gerativo da linguagem. A primeira
vertente do gerativismo pode ser chamada de gerativismo epistemológico. Ela é essencialmente a mesma desde 1955 até o presente e
é assumida, pelo menos parcialmente, pela maioria dos linguistas
e cientistas da cognição modernos. A segunda vertente pode ser
denominada de gerativismo metodológico. Tal vertente vem sofrendo
diversas e profundas reformulações desde os anos 60 até o presente, com as diversas interpretações do Programa Minimalista. É
nessa segunda vertente que são formuladas as teses controversas
do gerativismo, como a centralidade e a independência da sintaxe
no conjunto da gramática, as particularidades na caracterização
de derivações de sentenças etc. O que faz da linguística chomskiana um divisor de águas na história dos estudos da linguagem
é justamente o gerativismo epistemológico. As particularidades
do gerativismo metodológico são, por seu turno, a grande causa
das tensões entre linguística teórica e psicolinguística, entre gerativistas e não-gerativistas.
1.2. O casamento entre linguística
e psicolinguística (teoria = uso)
Ao ser fundada, a linguística gerativa foi recebida com entusiasmo entre os psicólogos cognitivos. Com efeito, o tratamento
da linguagem como fenômeno cognitivo já constava na agenda da
psicologia desde, pelo menos, a Sprachpsicologie, de Wundt, no
início do século XX, e, na verdade, já havia sido anunciado muito
antes, desde a Gramática de Port-Royal e as meditações de Descartes, no século XVII, e as hipóteses de Humboldt, nos séculos
XVIII/XIX. Entretanto, foi somente com o gerativismo que a
psicologia pôde finalmente tratar o fenômeno da linguagem de
maneira prática e não apenas pela argumentação filosófica. As
propostas de Chomsky constituíam não somente um retorno aos
estudos de linguagem e mente, após os mais de 50 anos do hiato
behaviorista, mas, sobretudo, formulavam hipóteses claras acerca
do funcionamento de uma língua natural na mente humana, as
quais poderiam ser testadas nos laboratórios da psicologia cognitiva. Foi com especial atenção a tal possibilidade que diversos
psicólogos, com destaque para Miller e associados (cf. MILLER,
Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011
15
Gragoatá
Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
1962; MILLER & CHOMSKY, 1963), realizaram estudos sobre o
comportamento linguístico humano. Nessas pesquisas, foi possível evidenciar empiricamente, por meio de diferentes paradigmas experimentais, que estruturas sintáticas possuem realidade
psicológica, caracterizando-se como representações mentais que
os humanos manipulam inconscientemente enquanto processam
o sinal da fala. Na esteira dessas descobertas, muitos estudiosos
procuravam validar empiricamente, em estudos de laboratório,
os modelos transformacionais que então eram formulados pelos
primeiros gerativistas. McMahon (1963), por exemplo, reportou
sua pesquisa experimental que indicava ser mais complexo,
para os indivíduos por ele testados, emitir juízos de valor de
verdade sobre orações negativas, por oposição a orações afirmativas, ou sobre orações passivas, por oposição a orações ativas.
Tais evidências pareciam sustentar empiricamente as hipóteses
abstratas da gramática transformacional de então, considerandose que o histórico de derivação de determinada sentença deveria
repercutir na maior ou menor facilidade de processamento dessa
sentença na mente humana, ou seja, se, na descrição linguística,
uma oração negativa é mais complexa derivacionalmente do que
uma oração afirmativa e se uma oração passiva é mais complexa
que uma oração ativa, então orações negativas e passivas devem
demandar maior custo computacional na mente humana, o que
poderá ser captado nos testes experimentais clássicos da psicologia
cognitiva, como os de tempo de reação.
Conforme se vê, para gerativistas e psicólogos cognitivos
as transformações sintáticas formalizadas pelos chomskianos não
seriam meras ferramentas descritivas cunhadas pelo linguista,
mas seriam, principalmente, genuínas operações psicológicas,
levadas a cabo em tempo real pela mente das pessoas enquanto
produzem ou compreendem a linguagem. Tal hipótese ficou
conhecida como Teoria da Complexidade Derivacional (DTC). A
DTC previa, portanto, uma relação direta e transparente entre
a derivação sintática de uma sentença e a sua complexidade de
processamento mental, o que significa dizer que se tratava de uma
teoria em que o modelo abstrato da linguística gerativa deveria
encontrar-se em plena harmonia com os dados concretos do uso
da linguagem, observáveis no desempenho linguístico.
1.3. A separação entre competência
e desempenho (teoria ≠ uso)
Ocorre que, já nos anos 60 e, de maneira conclusiva, no início dos anos 70, a DTC revelou-se empiricamente insustentável
(cf., dentre outros, BEVER, FODOR, GARRETT e MEHLER, 1966;
FODOR, BEVER e GARRETT, 1974). Em síntese, pode-se dizer
que as pesquisas experimentais não conseguiam encontrar no
comportamento linguístico humano evidências que sustentassem
16
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Aquisição da linguagem: palavras iniciais
empiricamente os modelos transformacionais formulados pelos
gerativistas. Nos estudos de laboratório, os tempos de reação
dos sujeitos testados não eram maiores ou menores conforme a
complexidade derivacional do estímulo linguístico a que eram
apresentados, muito ao contrário do que previa a DTC. De fato,
os tempos de processamento mental de, por exemplo, uma oração
passiva, capturados em dados de produção ou de compreensão da
linguagem, não se demonstraram superiores aos tempos despendidos com orações ativas, fato que parecia desabonar a hipótese
de que, nas operações mentais que de fato levamos a cabo quando
usamos uma língua natural, uma estrutura fosse transformada
a partir da outra. Se a transformação passiva, nosso exemplo em
tela, parecia adequada descritivamente para a gramática transformacional, não havia, no entanto, evidência de que ela fosse
psicologicamente real, algo de fato vivo na mente durante o uso
da linguagem.
O fracasso da DTC precipitou um dos momentos mais infelizes na história das ciências cognitivas modernas: a separação
radical entre modelo teórico e estudo do comportamento linguístico. A resposta de chomskianos à falência da DTC sustentava-se
no já clássico Aspects, de Chomsky (1965). Nesse verdadeiro programa para o desenvolvimento do gerativismo, Chomsky separava claramente o estudo da competência linguística, objeto da teoria
linguística, e o estudo do desempenho linguístico, ou performance,
objeto de estudo das ciências comportamentalista. A DTC teria
falhado, portanto, em razão de uma confusão entre os conceitos
de competência e de desempenho. Os construtos abstratos dos
gerativistas diziam respeito à competência linguística, essa capacidade abstrata que governa a faculdade humana de produzir e
compreender sentenças. Como tais, esses construtos não poderiam
ser diretamente observados nos dados da experiência, tal como
em vão tentaram fazer os psicólogos cognitivos. No que pese a
clareza e a coerência epistemológica do argumento, a justificativa
chomskiana dava aos gerativistas licença para formular teorias
linguísticas que sequer pudessem ser testadas empiricamente.
Ainda que de maneira teoricamente aceitável, o argumento competência vs. desempenho cindia dolorosamente teoria e uso e abria
caminho para o formalismo sem limites, conduzindo o gerativismo das décadas subsequentes para o extremo da abstração. O
gerativismo metodológico viria limitar-se à busca de um modelo
formal de competência linguística que se justificasse a si mesmo
e fosse validado somente pelos critérios de coerência intrateórica e
elegância matemático-formal, com mínimas ou nulas considerações empíricas. O recurso ao famigerado falante ouvinte ideal,
que conhece a sua língua perfeitamente e vive numa comunidade
linguística completamente homogênea (nos termos de Chomsky,
1965, p. 84) é o emblema do isolacionismo gerativista que por anos
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17
Gragoatá
Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
separou formalistas do restante das ciências da cognição e do
restante da linguística.
Durante os anos 70 e parte da década 80, as referências feitas
por um gerativista típico aos dados da experiência linguística
eram bastante limitadas e, não poucas vezes, muito pobres do
ponto de vista metodológico e científico. Praticamente, o único
vínculo dos altamente técnicos e complexos modelos gerativistas
com a realidade do uso linguístico eram os julgamentos de gramaticalidade. Como anotado por Coward (1997, p. 10-13), esses
julgamentos quase sempre eram emitidos pelo próprio linguista
que formulava sua teoria, quase sempre desconsideravam a diversidade de fatores que podem provocar a sensação subjetiva de
agramaticalidade e nunca apresentavam qualquer consideração
estatística com a variabilidade de aceitação ou negação de determinada estrutura linguística. O desleixo com o método de pesquisa
e a velada aversão aos dados do desempenho impediam que o
gerativismo metodológico desses anos estivesse plenamente de
acordo com o fazer científico normal do restante das ciências
cognitivas. Como sugerem Sprouse & Almeida (2011), o grosseiro
erro metodológico de gerativistas clássicos peca mais pelo que
com ele se deixa de fazer e de descobrir, em função das severas
limitações que as próprias intuições informais sobre frases têm
de enfrentar, do que propriamente pelo pouco que com ele se
pode fazer.
Com efeito, o solipsismo da linguística gerativa mainstream
cultivou abismos entre psicólogos cognitivos e gerativistas, tornou
incompreensíveis as relações entre o gerativismo epistemológico
e o gerativismo metodológico e, por fim, gerou crises internas no
próprio movimento gerativo, dando origem à cisão da semântica
gerativa, que mais tarde daria à luz as abordagens funcionais e
o sociocognitivismo. Não obstante, o grande poder político e o
enorme prestígio acadêmico pessoal de Chomsky permitiram
que a escola gerativa sobrevivesse muito bem e, mais do que isso,
ganhasse força ao longo desses anos de isolamento teórico. Por
sua vez, as pesquisas sobre o comportamento linguístico nunca
deixaram de ser assombradas pelo estigma de segunda classe,
reservado aos estudos de desempenho. Não poucas vezes, psicolinguistas eram ou são confundidos com behavioristas, por cultivarem métodos que envolvem emissão de estímulos e medição de
respostas. O fato é que, conforme pontuou Corrêa (2006, p. 107-8),
a psicolinguística viria a assumir, durante muitos anos, uma prática autônoma, no seio da psicologia cognitiva, sem preocupações
importantes com a formulação de modelos cognitivos de língua.
1.4. Uma reaproximação (dados → generalização)
Nos anos 80 e 90, uma luz foi lançada sobre as tensões entre
teoria e uso que se mantinham por anos na linguística gerativa: a
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Aquisição da linguagem: palavras iniciais
teoria de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981). Na verdade,
por si só, a própria postulação de princípios comuns a todas
as línguas naturais e de parâmetros variáveis binariamente de
língua a língua pode ser interpretada como uma generalização
empírica, com grande poder descritivo e com capacidade explicativa bastante coerente. Por exemplo, o fato de línguas como o
japonês apresentarem núcleo final (posterior linearmente a seus
argumentos) e línguas como o português apresentarem núcleo
inicial pode apresentar-se, a princípio, como apenas uma constatação empírica, porém caracterizar Núcleo como uma espécie de
parâmetro, a ser marcado [+ final] ou [- final] durante o processo
de aquisição da linguagem pela criança, permite uma série de
previsões que podem ser testadas empiricamente, já que línguas com núcleo [- final] apresentarão padrões de movimento e
encaixamento de constituintes que não ocorrem em línguas cujo
parâmetro do núcleo é [+ final]. A teoria de Princípios e Parâmetros abria, dessa forma, um leque de possibilidades de diálogo
entre teoria linguística, estudos translinguísticos e pesquisas
sobre aquisição da linguagem, acenando com a possibilidade de
reconciliação entre teorização e pesquisa empírica. Esse momento
do gerativismo representa um importante avanço em relação aos
modelos anteriores, em que as transformações gramaticais diziam
respeito a línguas específicas ou a construções específicas dentro
de uma língua e eram justificadas quase exclusivamente pelos
julgamentos de gramaticalidade informais do linguista. O espaço
para a interlocução com estudos empíricos estava reaberto.
Particularmente, a síntese mais interessante para a antítese
teoria e uso da linguagem foi levada a cabo, nos anos 80 e 90, por
uma solução brasileira: a sociolinguística paramétrica. Trabalhos
como, dentre outros, os de Tarallo (1983), Galves (1989) e Cyrino
(1990) apresentavam uma original articulação entre variacionismo
e teoria da gramática. Na pesquisa socioparamétrica, buscavase caracterizar certos parâmetros de uma dada língua, como,
por exemplo, o português brasileiro (PB), a partir de pesquisas
empíricas, quase sempre sustentadas em dados de corpora. O PB
apresenta-se, nesse sentido, como uma língua rica para esse tipo de
estudo porque nela são fortes os indícios de mudança linguística
– no caso, uma mudança paramétrica – desde a sua ramificação
do português europeu, no século XVI. Diversas pesquisas acerca
de sujeitos/objetos nulos e preenchidos, orações relativas e interrogativas, topicalizações, clivadas, concordância verbo-nominal
etc. permitiram não apenas identificar princípios e parâmetros
linguísticos a partir de observações empíricas, no uso linguístico real, mas, sobretudo, facultaram o refinamento da noção de
parâmetro, atribuindo-lhe, inclusive, um caráter gradiente, e não
discreto, como na proposta original de Chomsky.
Numa visão cognitivista, a socioparamétrica apresentava a
desvantagem de pautar-se quase exclusivamente em dados sacaNiterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011
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Gragoatá
Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
dos do produto da atividade linguística, registrado em corpora,
numa diversidade de gêneros textuais e de fatores sociolinguísticos condicionantes que muitas vezes não eram suficientemente
controlados ou considerados pelo linguista. É importante ressaltar
que, na abordagem das ciências cognitivas, o uso da linguagem
não é compreendido como o produto da atividade verbal na
interação linguística. Ele não se confunde com a própria interlocução comunicativa face a face, como parece ser a interpretação
aproximada do termo uso para a sociolinguística, para as abordagens funcionalistas e para o sociocognitivismo. Nas ciências da
mente, usar a linguagem é pôr em ação os mecanismos mentais
(como memória, atenção, conhecimento linguístico etc.) que, sem
que tenhamos consciência, são recrutados para que possamos
produzir e compreender sentenças e discursos. Segundo essa
acepção, o uso da linguagem é também um fenômeno cognitivo
escondido na caixa preta da mente humana. Dessa forma, o estudo
do comportamento linguístico numa perspectiva cognitiva é
conduzido, preferencialmente, em situações laboratoriais controladas, que permitam a manipulação e a observação de variáveis
psicológicas, que raramente estão sob controle em situações mais
ou menos livres, como aquelas que geram os registros de corpora.
É nesse sentido que as pesquisas sobre a aquisição e mudança
de parâmetros, conduzidas no método da socioparamétrica ou
pela observação longitudinal de crianças, apenas indicavam a
possível reconciliação entre teoria linguística e estudo do uso da
linguagem.
1.5. O diálogo reaberto: minimalismos
e psicolinguística (teoria ↔ uso)
O Programa Minimalista é o estágio presente da agenda
de pesquisa da teoria de Princípios e Parâmetros de orientação
chomskiana (cf. CHOMSKY, 1995-2007 e posteriores). É muito
comum pensar no minimalismo no singular, como se houvesse
apenas um programa dessa natureza, bem como é frequente que o
minimalismo seja apresentado como mais um momento no desenvolvimento das teorias chomskianas, tal como se vê nos textos
de Borges Neto (2004) e Silva & Costa (2004), em que o programa
sucede linearmente a última teoria da sequência teoria padrão >
teoria padrão ampliada > teoria padrão ampliada e revista > teoria da
regência e da ligação. Embora o minimalismo seja cronologicamente
posterior a todas essas teorias, ele na verdade apresenta uma ruptura com a interpretação da natureza da Faculdade da Linguagem
assumida por Chomsky e o mainstream gerativista até a década de
1990, de modo que sua comparação com os momentos anteriores
do gerativismo deve assumir, como ocorre nos textos citados, um
aspecto puramente descritivo e histórico. Devemos ser cuidadosos com o minimalismo e conferir-lhe o caráter especial que ele
20
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Aquisição da linguagem: palavras iniciais
demanda. Em primeiro lugar, como já alertava o próprio Chomsky
(2001, p. 05), o minimalismo não é uma teoria sobre o aspecto
gerativo da linguagem – portanto, não faz sentido compará-lo
com uma teoria tal ou qual. Como seu próprio nome anuncia, o
minimalismo é um programa. Em segundo lugar, conforme advertia Hornstein (2001, p. 83), o minimalismo não é um refinamento
técnico das teorias chomskianas que o precederam – portanto, não
faz sentido interpretá-lo como apenas um novo formalismo. Com
efeito, o minimalismo é, ao mesmo tempo, uma nova concepção
ontológica sobre a Faculdade da Linguagem e uma nova diretriz
para a descrição técnica das línguas naturais. Para a discussão do
presente artigo, é a nova concepção de Faculdade da Linguagem,
aquilo que chamamos de minimalismo ontológico, que importa para
caracterizarmos a reaproximação programática entre teoria linguística e psicologia cognitiva, entre teoria e uso da linguagem.
Com a interpretação minimalista, Chomsky vem propondo
que a Faculdade da Linguagem seja interpretada como um subsistema cognitivo acoplado nos sistemas de performance, aos quais
deve servir e em função dos quais veio a existir, de um ponto de
vista evolutivo, na mente humana. Isto é, com o Programa Minimalista, passa-se a interpretar que a Faculdade da Linguagem seja
um componente embutido em dois sistemas cognitivos superiores,
que são os sistemas sensório-motores (ou articulatório-perceptuais),
responsáveis pelas informações que levarão à produção e percepção dos símbolos físicos que veiculam informação linguística, e os
sistemas de pensamento (ou conceitual-intencionais), responsáveis
pela manipulação dos significados carreados pelas expressões
linguísticas. Como se assume que Faculdade da Linguagem seja
um subsistema cognitivo, cuja função é prover as interfaces (os
sistemas superiores) de objetos linguísticos, tem-se como consequência que a natureza e o funcionamento da Faculdade da Linguagem sejam fortemente influenciados (senão determinados) pelas
necessidades de tais interfaces. Isto significa que a Faculdade da
Linguagem não deve possuir uma essência idiossincrática, uma
natureza intrínseca de per si. Muito pelo contrario, ela deve ter
uma feição moldada pelas características dos sistemas superiores,
aos quais deve servir funcionalmente. A Faculdade da Linguagem
existe e funciona sob a condição de gerar objetos linguísticos que
possam ser acessados e usados pelos sistemas de performance, e
dessa forma faz um trabalho sob medida, orientado por/para as
interfaces. Para ilustrar esse caráter derivado que Chomsky vem
conferindo à natureza da Faculdade da Linguagem ultimamente,
veja-se como o linguista hipotetiza sobre o surgimento do órgão da
linguagem na história da evolução humana, a partir daquilo que
ele chamou de fábula evolucionária.
Imagine um primata com a arquitetura mental humana e com
o aparato sensório-motor adequado, mas sem um órgão da
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Gragoatá
Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
linguagem. Esse primata teria nossos modos de organização
perceptual, nossas atitudes proposicionais (crenças, desejos,
esperanças, medos...) na medida em que essas não são mediadas pela linguagem, talvez uma “linguagem do pensamento”,
no sentido de Jerry Fodor, mas nenhuma maneira de expressar
os seus pensamentos por meio de expressões linguísticas,
de tal forma que esses permanecem quase completamente
inacessíveis para si próprio e para os outros. Suponha que
algum acontecimento reorganize o cérebro desse primata de
modo que FL possa emergir. Para poder ser usado, esse novo
órgão deve obedecer a certas ‘condições de legibilidade’.1
(CHOMSKY, 2001, p. 6-7)
Todas as traduções
das citações presentes
neste artigo são de responsabilidade dos autores.
1
22
Essa hipótese de um surgimento tardio de Faculdade da
Linguagem na mente e de seu caráter determinado por outros
sistemas cognitivos rompe com a longa tradição no pensamento
chomskiano em se considerar a linguagem como um órgão mental isolado, autossuficiente, governado por suas próprias leis e
princípios, independente do uso que dele se faça e do restante da
cognição humana (cf. CHOMSKY, 1975: p. 04; 1980: p. 44; 1986).
Inclusive, muitos críticos não-gerativistas veem nos textos mais
atuais de Chomsky uma forma de retratação com o que consideram uma posição isolacionista radical adotada no passado (cf.
GOLDBERG, 2003). Para a teoria linguística, o mais importante da
virada do Programa Minimalista é que teorizar sobre Faculdade
da Linguagem é descobrir como esse subsistema cognitivo é capaz
de gerar objetos linguísticos de acordo com as especificações de
suas interfaces, o que, na prática, significa abandonar a abordagem essencialista clássica do gerativismo, que procurava explicar
a Faculdade da Linguagem por meio de propriedades gramaticais arbitrárias atribuídas às línguas específicas e à Gramática
Universal como organismo autônomo. Em resumo, o Programa
Minimalista propõe que a natureza da competência linguística
(uma instância da Faculdade da Linguagem) tenha sido criada
evolutivamente a partir da natureza dos sistemas cognitivos
responsáveis pelo desempenho linguístico (os sistemas de performance). Ora, essa interpretação abre a possibilidade de que os
estudos sobre o comportamento linguístico sejam utilizados como
ferramenta crucial para o desenvolvimento de teorias abstratas
sobre a natureza da linguagem humana.
Em suas diversas vertentes, o Programa Minimalismo
assume que o design da Faculdade de Linguagem compreende
um Sistema Computacional, comum a todos os humanos, e um
Léxico formado arbitrariamente ao longo da experiência de um
indivíduo em particular, o qual se compõe de unidades mínimas,
providas de informações fonológicas, semânticas e sintáticas. Os
procedimentos gerativos da gramática mental dos indivíduos são
interpretados como o funcionamento do Sistema Computacional
quando este gera representações sintáticas a partir das informações retiradas do Léxico. Uma vez formadas, tais representações
Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011
Aquisição da linguagem: palavras iniciais
devem ser acessadas e usadas pelos sistemas cognitivos de performance que mantêm interfaces com a Faculdade da Linguagem
(mais diretamente com os subsistemas Forma Fonética (PF) e
Forma Lógica (LF)), tal como se ilustra na figura a seguir.
Fig.1: Arquitetura da Faculdade da Linguagem
no Programa Minimalista.
Nessa arquitetura minimalista, o Léxico é componente
cognitivo que mais se relaciona com as abordagens socioculturais
do fenômeno linguístico. É no Léxico que estão codificadas as
formas arbitrárias manipuladas pela linguagem na formação de
expressões complexas, e lá que estão registradas as regularidades
e convenções de uso memorizadas pelos falantes e, por fim, é no
Léxico que se encontram os parâmetros da linguagem que devem
ser adquiridos no curso dos anos de aquisição de uma língua
pela criança. Tal arquitetura reserva, naturalmente, espaço para
o formalismo chomskiano. No caso, a formalização ocupa-se da
natureza das operações computacionais que formam representações, de maneira derivacional, sobre o conjunto de informações
retiradas do Léxico (a Numeração que alimenta uma Derivação).
Trata-se de um formalismo de fato bastante enxuto, como é a
diretriz do minimalismo metodológico do Programa Minimalista, nas
palavras de Uriagereka (1999). O Sistema Computacional possui,
na verdade, um número mínimo de operações: Select, que seleciona da Numeração os itens ou traços lexicais que comporão uma
Derivação e Merge, que combina dois objetos sintáticos presentes
na Derivação a fim de criar um terceiro, recursivamente (o que
pode gerar o epifenômeno Move). Os princípios a serem considerados pelo formalista na postulação das derivações sintáticas do
Sistema Computacional são a Interpretação Plena (legibilidade nas
interfaces) e as Condições de Economia (do próprio Sistema Computacional e dos sistemas de desempenho), formulados por Chomsky
em 1995 e ainda fundamentais para a teorização gerativista. Finalmente, a arquitetura minimalista da linguagem humana abriga
amplo espaço para a pesquisa experimental em psicolinguística e
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Gragoatá
“Hey Sally” é uma
forma jocosa de apontar
a pobreza metodológica
grosseiramente inaceitável dos julgamentos de
gramaticalidade obtidos
de maneira informal,
sem cuidado no controle
do estímulo linguístico e
sem tratamento estatístico de resultados, como
o linguista que abre a
porta do seu gabinete,
chama o primeiro transeunte e lhe diz “Hey,
Sally, diga lá se considera
esta frase boa”.
2
24
Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
em neurociência da linguagem acerca da aquisição, do uso e dos
distúrbios da linguagem. Neurocientistas e psicólogos cognitivos
podem, dentre outras possibilidades, investigar (1) a aquisição
dos traços lexicais que orientam a formação de representações
sintáticas pelo sistema computacional, (2) o acesso em tempo
real aos traços do léxico usados na produção e na compreensão
de enunciados, (3) o processamento de estruturas sintáticas em
tempo real, tanto pelo parser como pelo formulador sintático, (4)
a aquisição anormal da linguagem, (5) os déficits e afasias linguísticas, tudo isso tendo sempre em foco a noção minimalista
de língua, isto é, a noção da linguagem como um subsistema
cognitivo (Léxico, Sistema Computacional, Interfaces) acoplado
nos sistemas de performance.
Com a interpretação minimalista sobre o nicho ecológico
da linguagem no conjunto da cognição humana, parece correto
assumir que, ao fazer teoria linguística, o gerativista precisará
ter em vista as demandas que os sistemas de interface impõem
sobre o sistema computacional, de modo a descobrir como ele as
satisfaz. Isto quer dizer que caracterizar a natureza dos sistemas
de interface pode ser crucial para chegarmos a caracterizar adequadamente a natureza do Sistema Computacional e seu funcionamento a partir do Léxico. Se esse raciocínio for legítimo, então
gerativistas e psicolinguistas deverão ser parceiros de trabalho,
como parece estar acontecendo em diversos centros de pesquisa
experimental no mundo. Por outro lado, os estudos sobre o
comportamento linguístico não devem limitar-se a meramente
descrever fatos sobre a performance. Podem e, talvez, devem eles
indicar como o tratamento da informação linguística ocorre na
aquisição e no processamento da linguagem, de tal forma que
modelos integrados de representação, aquisição e uso do conhecimento linguístico possam ser formulados, a exemplo do que
propõe Corrêa (neste volume), dentre outros. Aqui, mais uma
vez, estão juntos gerativistas e psicolinguísticas, teóricos e estudiosos do uso. Tal trabalho integrado não deve ser interpretado
como um delírio ingênuo daqueles que desejam a paz após um
longo histórico de conflitos. Trata-se de um esforço de trabalho
que visa tornar o fazer da linguística teórica coerente com o ideal
das ciências cognitivas. Resultados da articulação entre teoria
abstrata e realidade do uso linguístico podem ser ilustrados com
os manuais e os cursos de sintaxe experimental que estão cada
vez mais acessíveis aos sintaticistas gerativistas (cf. COWART,
1997; SPROUSE, 2009; SPROUSE e ALMEIDA, 2011). Hoje em dia,
é apenas por desinformação que gerativistas limitam a dimensão empírica de seu trabalho aos informais e pobres juízos de
gramaticalidade emitidos pelo próprio pesquisador, ou colhidos
com outrem, com metodologia inadequada (o método HeySally)2.
Por fim, a necessária correlação entre teoria e uso, entre
gerativismo e psicolinguística, torna necessária uma discussão e
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Aquisição da linguagem: palavras iniciais
talvez uma ressignificação da dicotomia competência vs. desempenho. De fato, a distinção entre “saber” e “fazer”, “representação”
e “acesso”, “teoria” e “uso” parece indicar diferentes grandezas
ontológicas, das quais herdaríamos inapelavelmente a realidade
teórica da linguística formal e a realidade psicológica da psicolinguística, que devem, no máximo, ser coerentemente articuladas, mas
jamais poderão ser de fato integradas – tal como a física teórica não
se reduz à física experimental. Nesse cenário, tal como sugere a
agenda do Programa Minimalista, a dicotomia mantém-se, mas
a realidade da competência linguística não deverá ser construída
ex nihilo, como foi e perigosamente pode ainda ser a tradição
formalista chomskiana. Se a interpretação correta do Programa
Minimalista for levada a sério pelos teóricos da linguagem, então
é a partir do que aprendermos sobre o desempenho que formularemos nossa descrição sobre a competência linguística humana.
2. Abordagens baseadas no uso
Na seção anterior, o termo “uso” foi bastante empregado
e, nesta seção, não será diferente, como o próprio título sugere.
Entretanto, como o leitor perceberá nas linhas que se seguem,
a palavra “uso” a partir de agora assumirá um valor diferente.
Enquanto, até então, a discussão voltou-se para a distinção entre
“saber” e “fazer”, “representação” e “acesso”, “teoria” e “uso”, num
viés que culmina por demonstrar a importância do desempenho
(do uso) na formulação e descrição da competência linguística,
na perspectiva adotada daqui em diante, a famosa dicotomia
chomskiana “competência /desempenho” não é validada nem
considerada, uma vez que, conforme enunciado na introdução
deste texto, “uso” “experiência”, “função” e “interação” sequer
deixaram alguma vez de estar intrinsecamente vinculados à
“cognição linguística”.
No que se refere à aquisição da linguagem, tema que abarca
muitos fenômenos e questões como, por exemplo, aquisição e/
ou aprendizado, universalidade e variação, cognição linguística
e não-linguística, o papel do input e da interação, bilinguismo,
plurilinguismo etc., destacamos um aspecto que tem intrigado
muitos estudiosos: a observação de que as capacidades mentais de
uma criança, em seus primeiros anos de vida, parecem bastante
limitadas. Entretanto, é justamente nessa fase de sua vida que,
normalmente, as crianças adquirem com muito mais facilidade
do que os adultos uma ou mais línguas.
Os avanços alcançados por pesquisas recentes no campo da
Neurociência, aliados aos achados da Linguística Cognitiva,
da Pragmática, do Funcionalismo Linguístico etc., têm contribuído
bastante para o preenchimento de lacunas e para solução de
questões cruciais, como a descrita acima, permitindo-nos visualizar com maior clareza o processo de aquisição da linguagem.
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Gragoatá
Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
Em relação à questão levantada, há muito vem sendo discutido o
postulado chomskiano acerca da existência, na espécie humana,
de um dispositivo inato, um dote genético específico para a aquisição da linguagem. Tal postulado constituiu-se uma espécie de
marco divisório, que começa a se desfazer, entre os estudos que
nele se apoiaram ou se apoiam e aqueles que sempre o refutaram.
Nosso propósito nesta seção é apresentar de forma breve
e abrangente a perspectiva dos estudos que se opuseram ao
postulado em questão. Começamos por ressaltar que a evidente
recorrência de termos como “uso”, “experiência”, “cognição”,
“função”, e “interação” denunciam a existência de muitos pontos
de convergência em pesquisas que, apesar de desenvolvidas sob
diferentes perspectivas teóricas, compartilham pressupostos
mais gerais, como os seguintes: (i) as crianças adquirem a língua
materna equipadas com habilidades cognitivas evoluídas na
espécie humana para outras funções mais gerais; (ii) a aquisição
da língua pela criança se dá via interação.
Muito provavelmente, em função da convergência referida,
o rótulo “abordagens baseadas no uso” cada vez mais sirva de
ancoragem para estudos que, na explicação dos fenômenos em
investigação, consideram, além dos fatores inerentes ao processo
de aquisição, aspectos relacionados ao input e ao contexto (situacional e sociocultural).
2.1 A ênfase na experiência e no significado
De acordo com Armstrong, Strokoe & Wilcox (1995, p.143),
Estudos de aquisição da linguagem mostram que a linguagem
(...) emerge somente da interação social, mas interação social,
dentro de limites restritos. Nós não saberíamos o que significa uma palavra se não tivéssemos ouvido ou visto a palavra
sendo usada por outra pessoa em um contexto que fizesse a
relação razoavelmente inequívoca entre palavra e significado.
Conforme explicam os autores, uma vez adquirida a língua
materna a um nível suficiente, o indivíduo torna-se capaz de usar
a língua (contando com a ajuda que a própria língua fornece) para
determinar, por inferência, a partir do contexto, o significado de
uma palavra até então desconhecida. Porém, sem a introdução de
palavras e das ideias seminais que as palavras simbolizam – isto
é, sem o processo de aquisição inicial, que é social – não haveria
nenhum equipamento que possibilitasse ao indivíduo fazer inferências linguísticas; ou seja, a associação de uma palavra com um
significado torna possível a conversa e o pensamento verbal, mas
o pensamento verbal precisa de linguagem, e a linguagem precisa
da interação de, pelo menos, dois seres humanos. (ABRAÇADO
2011).
Salomão (2009), ao discorrer sobre o desenvolvimento da
perspectiva sociocognitivista dos z da linguagem, toca em dois
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Aquisição da linguagem: palavras iniciais
aspectos da linguística chomskiana que incomodaram muitos
estudiosos, abrindo espaço para o surgimento das abordagens
baseadas no uso:
A relutância de Chomsky em abordar a questão do sentido com
a mesma energia e audácia que devotara à questão da sintaxe
e (...) a intratabilidade, no interior do paradigma gerativo, de
uma característica indescartável das línguas humanas como
produção histórica – sua idiomaticidade. Em ambos os casos,
ameaçando a elegância das soluções formais, avultava a feia
cabeça do uso linguístico, que se tentara escantear para a não-área da performance. (SALOMÃO, 2009, p.21)
A autora reconhece que "a virada cognitivista" dos estudos
da linguagem se deve ao trabalho de Chomsky e seus seguidores,
ao fazer referência ao caráter mentalista atribuído por Chomsky
à linguística. Contudo,
A dimensão da significação, identificada, à época, como
estrutura profunda da derivação (ou como interpretação da
estrutura profunda), acabou trazendo ao procênio do debate
a incompatibilidade básica entre o mentalismo, concebido
a Chomsky e Fodor, e o pragmatismo constitutivo de toda
reflexão semântica contemporaneamente relevante: tentou-se, sem êxito, distinguir dicionário e enciclopédia; tentou-se,
sem êxito, reduzir a “estrutura semântica” linguística à forma
lógica. Mas o que fazer com as pressuposições, as implicaturas,
o valor ilocucionário dos atos de fala, os processos dêiticos de
referenciação? (Salomão, 2009, p.21).
Apesar de a abordagem da cognição linguística ter ostentando até recentemente um caráter não evolucionário,
negligenciando a relação da linguagem seja com os demais
sistemas animais de comunicação, seja com os estágios pré-linguísticos do desenvolvimento humano – a não ser numa
perspectiva dissociacionista. (...) –, nos últimos anos, (...) a
crescente expressividade do legado darwinista levou a um
rearranjo nos estudos cognitivos, de tal modo que pensadores
de persuasão tão diversa quanto Bickerton, Pinker, Jackendoff
e Fauconnier passaram a tematizar a questão da origem da
linguagem, com óbvio impacto nas suas hipóteses sobre a
natureza da gramática e das categorias linguísticas. (SALOMÃO, 2009, p.23)
Nessa direção, Armstrong, Strokoe & Wilcox (1995), objetivando realçar o papel dos gestos no desenvolvimento da linguagem humana, destacam a importância do aspecto social no
processo, uma vez que, conforme demonstram estudos de base
evolucionista, possuir um cérebro que tenha evoluído até a capacidade de ter uma consciência primária não garantiria à espécie
o desenvolvimento da linguagem. Segundo explicam os autores,
indivíduos de uma espécie com consciência primária podem até
ser bem sucedidos na luta para sobreviver, garantindo, assim, a
sobrevivência de sua espécie. Tais indivíduos devem ter redes
Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011
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Gragoatá
Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
neurais extensivas, complexas e bem ajustadas ao seu habitat e
estilo de vida como, por exemplo, os chipanzés, que têm meios
de comunicação razoavelmente sofisticados que não se desenvolveram em linguagem.
Também criaturas proximamente relacionadas aos chipanzés, os primeiros hominídeos, teriam cérebros complexos. Não
obstante, diferentemente dos primeiros, a vida social diferenciada
dos hominídeos teria ocasionado um tipo de linguagem meio
comportamental e a consciência de ordem superior necessária
para desenvolvê-la, uma vez que
(...) é a vida do grupo, e não vidas de indivíduos sozinhos, que
adapta uma espécie social ao seu meio ambiente; ou, de outro
ponto de vista, para o indivíduo, o grupo é (a porção mais
significativa do) meio ambiente. (Armstrong, Strokoe
& Wilcox 1995, p. 144)
Apoiados em Kendon (1991), Armstrong, Strokoe & Wilcox
(1995) apresentam evidências de como a diferença substancial
entre os chimpanzés e os hominídeos, no que concerne à estrutura social, pode ter levado os gestos visíveis e vocais utilizados
pelos hominídeos, do tipo usado também pelos chimpanzés, a se
tornarem verdadeiros símbolos da linguagem. Fato é que, para
Kendon (1991),
os chimpanzés pareciam estar em vias de desenvolver uma
linguagem, entretanto, isso não aconteceu. Depois de se
perguntar o que teria faltado para tal, Kendon conclui que
os chipanzés não desenvolveram um sistema de linguagem,
simplesmente porque não precisaram de um, já que, na vida
social dos chimpanzés, é praticamente inexistente a cooperação, envolvendo uma relação de complementaridade entre o
comportamento de dois ou mais indivíduos. Ainda segundo
Kendon, no que se refere aos hominídeos, a vida social teria
começado com o surgimento de uma diferenciação entre os sexos. Teria havido também um prolongamento da dependência
infantil e o desenvolvimento sustentado de relações consorte,
estando associada a isto a contínua receptividade sexual feminina. No desenrolar desse processo evolutivo descrito por
Kendon, a linguagem teria emergido. (Abraçado, 2011)
Armstrong, Stokoe & Wilcox (1995) explicam que, durante
os milhões de anos de evolução dos hominídeos, a cooperação,
envolvendo uma relação de complementaridade seria determinante no desenvolvimento da linguagem. A diferenciação dos
papeis (os machos atuando como caçadores e as fêmeas, como
coletoras) teria ocasionado separações e reencontros. Acrescentam
os autores que
Tal estilo de vida faria útil, mesmo vital, a capacidade de usar
signos referindo-se a coisas e eventos não presentes, mas em
outros tempos, em outros lugares, ou presentes para um, mas
não para o outro. A Emergência desses signos não só reforçaria a estrutura social existente, como também permitiria
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Aquisição da linguagem: palavras iniciais
diversificá-la ainda mais, com o consequente alargamento do
cérebro e de seu sistema de signos, agora possuindo características fundamentais da linguagem. (Armstrong, Strokoe
& Wilcox 1995, p. 145)
2.2 A emergência da gramática
Nos anos de 1970, trabalhos de linguistas como Paul
Hopper, Sandra Thompson e Talmy Givón ganharam notoriedade, assinalando a ascensão de uma forte tendência nos estudos
linguísticos, identificada com a reivindicação de uma linguística
baseada no uso:
O texto que é considerado o pioneiro no desenvolvimento das
ideias da escola funcionalista norte-americana foi The origins of
syntax in discourse: a case study of Tok Pisin relatives, publicado
por Gillian Sankoff e Penelope Brown em 1976. Neste trabalho,
as autoras fornecem evidências das motivações discursivas
geradoras das estruturas sintáticas de relativização do Tok
Pisin, língua de origem pidgin de Papua- Nova Guiné, ilha ao
Norte da Austrália. (KENEDY & MARTELOTTA, 2003, p.22).
Nos trabalhos desses e de outros autores é possível se observar que a concepção funcionalista de gramática está relacionada
com sua emergência nas línguas naturais, uma vez que a gramática é entendida como um conjunto de regularidades decorrentes
de pressões de usos linguísticos que, por sua vez, relacionam-se
a aspectos de natureza cognitiva e discursivo-pragmática.
No que se refere à aquisição da língua materna, os achados
de pesquisas na Linguística Cognitiva, como as de Goldberg
(1995, 2006), sugerem que também a aquisição das estruturas
linguísticas emerge do uso. Goldberg (1995), que figura entre
os responsáveis pelo alçamento da categoria da Construção à
posição central do escopo da Linguística Cognitiva, com base em
pesquisas anteriores de Clark (1978), Slobin (1985) e Bowerman
(1989), defende a hipótese de que
Construções simples estão diretamente associadas a estruturas
semânticas que refletem cenas básicas da experiência humana. Em particular, as construções que envolvem a estrutura
argumental básica são mostradas como estando associadas a
cenas dinâmicas: gestalts experimentalmente fundamentadas,
tal como alguém volitivamente transferindo alguma coisa para
alguém, alguém fazendo algo se mover ou mudar de estado,
alguém vivenciando algo, algo se movendo, e assim por diante. Propõe-se que os tipos básicos de cláusula de uma língua
formem uma rede interrelacionada, com estruturas semânticas
emparelhadas a formas particulares de uma maneira tão geral
quanto possível. (Goldberg 1995, p.5)
A autora apresenta alguns exemplos de estruturas argumentais em construções do inglês, relacionadas a cenas dinâmicas
vivenciadas:
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Gragoatá
Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
1. Bitransitiva (X causa Y para receber Z): Subj V Obj Obj2:
Pat faxed Bill the letter.
2. Movimento causado (X causa Y para mover Z): Subj V
Obj Obl: Pat sneezed the napkin off the table.
3. Resultativa (X causa Y para tornar-se Z): Subj V Obj
Xcomp: She kissed him unconscious.
4. Intransitiva de movimento (X move Y): Subj V Obl: The
fly buzzed into the room.
5. Conativa (X dirige a ação a Y): Subj V Obl at: Sam Kicked
at Bill.
Na explanação e defesa de sua hipótese, Goldberg (1995)
discute o trabalho de Landau & Gleitman (1985), segundo o
qual a criança adquiriria os significados de verbos de forma surpreendentemente fácil, por fazerem uso de conjuntos de frames
sintáticos:
Por exemplo, eles observam que seu informante cego congênito
aprendeu o significado de look e see sem grandes dificuldades,
apesar do fato de esses significados não serem físicos e, para
essa criança, não serem diretamente baseados na experiência.
(...) Alguns trabalhos experimentais de outros pesquisadores,
substanciam a ideia de que frames sintáticos auxiliam na aquisição do significado das palavras. (Goldberg 1995, p. 19)
Para Landau & Gleitman (1985), o uso de um verbo num
frame sintático indica que o verbo tem um componente particular
de significado associado ao respectivo frame. Pinker (1989), no
entanto, faz críticas à proposta dos autores, alegando que a aquisição baseada unicamente em frames sintáticos incorreria em erros.
A este respeito, Goldberg (1995, p. 19) faz a seguinte observação:
Este é de fato um problema geral para a formulação de Landau
& Gleitman. A ocorrência de kick em construção bitransitiva
(ex., Joe kicked Mary a ball) não pode ser tomada como evidência
de que o significado de kick tem um componente de transferência, como a alegação deles parece implicar. (...) Kick pode
ocorrer em oito padrões sintáticos diferentes, a maioria dos
quais não envolve transferência.
Goldberg, então, reinterpreta o postulado de Landau &
Gleitman (1985). Para a autora, a criança, ao ouvir um verbo em
uma construção particular previamente adquirida, não depreenderia que o verbo por si só tem o componente do significado
associado à construção, mas sim que o verbo ocorreria em um
dos grupos verbais convencionalmente associados à construção.
Indo além, autora destaca a importância da informação contextual
e da experiência no processo:
(...) a aquisição de uma língua não ocorre num vácuo. É geralmente aceito que a primeira compreensão das crianças de
um significado lexical está ligada a situações em que uma
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Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011
Aquisição da linguagem: palavras iniciais
palavra ouvida é utilizada. Uma vez já sendo reconhecidas
as construções, a ideia de que um verbo ouvido em um frame
sintático pode ajudar na determinação do seu significado
torna-se coerente. No entanto, dessa forma, pressupõe-se que
a criança já sabe que certas classes de verbos são convencionalmente associadas a certas construções, isto é, pressupõe-se que um número razoável de verbos já foi adquirido, e por
isso não constituiria uma operação se iniciando do zero. As
Construções ajudariam na aquisição de novos significados de
verbos, uma vez que um grande número de verbos já teria sido
apreendido, mas não seriam úteis na aquisição dos significados
dos primeiros verbos (...). (Goldberg 1995, p. 20)
Goldberg (1995) busca ancoragem para suas alegações em
trabalho de Fisher et al. (1991: 2):
Fisher et al. (1991) enunciam esta ideia sucintamente:”/ touch
/ é mapeado para 'tocar', porque (a) a criança pode representar
cenas observadas como ´cenas de tocar` e (b) a forma de onda
/touch / é provavelmente ouvida quando a ação de tocar está
acontecendo. Que isto tem que ser pelo menos uma parte da
verdade sobre a palavra aprendizagem é tão óbvio o quanto
é aceito por todos os teóricos, apesar de suas diferenças em
todos outros aspectos (ver, por exemplo, Locke 1690 e Chomsky
1965 _ e todos os outros que comentaram o tema). Você não
pode aprender uma língua simplesmente ouvindo o rádio”.
(Goldberg 1995, p. 230)
Tomasello (2000) também se utiliza do conceito de
Construção para postular que a maturidade da competência
linguística deve ser entendida como um inventário estruturado
de construções, algumas das quais sendo semelhantes a muitas
outras, residindo em um ou mais de um núcleo central, e outras se
conectando a outras poucas construções (e de modos diferentes),
residindo mais na periferia. Sob esse viés, a proposta é a de
que, inicialmente, a criança aprenda o individual, nos itens de
construções linguísticas básicas (por exemplo, construções verbais
isoladas), e, havendo parceiros para possibilitar a distinção entre os
diferentes itens das construções básicas do modo adulto, a criança
possa fazer abstrações, criando-se, assim, hierarquias relacionadas
às construções (ABRAÇADO & AMORIM, 2010).
De acordo com Tomasello (2000, p. 237), nessa visão de
língua e de aquisição da linguagem, não haveria continuidade
de estruturas – os adultos controlam um jogo mais diverso e abstrato de construções do que as crianças – mas haveria continuidade
de processo, no sentido de que os processos de aprendizagem e de
abstração são os mesmos sempre e onde quer que eles se apliquem.
Essa aproximação geral baseia-se no uso, no sentido de que todo
conhecimento linguístico, por mais abstrato que seja, deriva,
em primeiro lugar, da compreensão e produção de enunciados
específicos em ocasiões específicas de uso.
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Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy
Tomasello (2000, 238) ressalta ainda que, com essa redefinição quanto à aquisição da linguagem de construções linguísticas
de variados graus de complexidade e abstração sistemática, tornase mais fácil observar como as crianças aprendem, especialmente
levando em conta outras recentes propostas sobre as habilidades
das crianças em aprender, culturalmente, a fazer analogias e
combinar estruturas na aquisição da linguagem. (ABRAÇADO
& AMORIM, 2010, p.27)
Questionando a alegação de que a criança teria a mesma
competência sintática do adulto, Tomasello afirma que, em geral, a
linguagem inicial das crianças é “gramatical” do ponto de vista do
adulto, mas que, entretanto, existem, pelo menos, duas explicações
muito diferentes para o fato. A primeira é a de que as crianças
operam desde o princípio com categorias e esquemas do modo
adulto. A segunda é a de que as crianças aprendem a usar os
itens linguísticos específicos e estruturas do modo que os adultos
os usam. Em outras palavras, as crianças usariam a língua como
um adulto, porque elas têm a mesma competência linguística ou
porque elas imitam o que aprendem deles.
Com base nessa questão, o autor realizou estudos experimentais e pautados em observações. Dos estudos observacionais
de dados intensivos (os dados são diários e contínuos), Tomasello
(2000, p. 213) apresenta como resultado a “Hipótese de Ilha Verbal”
segundo a qual a linguagem inicial das crianças seria organizada
e estruturada totalmente ao redor de verbos individuais e outros
termos predicativos, isto é, a competência sintática da criança de
dois anos seria composta de construções de verbos específicos
com aberturas nominais encaixadas.
Para respaldar os seus achados, o autor faz referência a
vários estudos sistemáticos com crianças que adquiriram línguas
diferentes do inglês e que encontraram resultados semelhantes,
denunciando um padrão: (i) as produções linguísticas iniciais
de crianças giram ao redor de estruturas e itens concretos, não
havendo nenhuma evidência de esquemas e categorias sintáticas
abstratas; (ii) cada um desses itens e estruturas, presumivelmente
devido à experiência linguística individual das crianças e a outros
fatores afetos ao processo de aprendizagem, submete-se a um
desenvolvimento próprio, com relativa independência, no que
se refere a outros itens e estruturas; (iii) o padrão em questão, na
maioria dos casos, perdura até os três anos de idade, pelo menos
para estruturas maiores como enunciados SVO e outras construções de verbo-argumento.
No que se refere aos dados experimentais,
Tomasello (2000, p. 215) declara que “não existem dúvidas de
que as crianças aprendem e usam com surpreendente facilidade as estruturas e os itens linguísticos aos quais elas estão
expostas”. O autor investigou a habilidade das crianças de
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Aquisição da linguagem: palavras iniciais
língua inglesa em produzir orações transitivas simples (na
ordem SVO) com verbos que elas não ouviram sendo usados
nessa construção, focalizando principalmente crianças abaixo
das idades apresentadas em estudos anteriores (isto é, abaixo
dos dois anos). (ABRAÇADO & AMORIM, 2010, p.26)
Tendo como suporte os resultados encontrados nos estudos
observacionais e experimentais, Tomasello (2000, p. 222) conclui
que as crianças são produtivas apenas de modo limitado em sua
linguagem inicial. Tal conclusão advém da análise de seus dados,
em que se verificou: (1) que, antes dos três anos de idade, somente
algumas crianças de língua inglesa conseguem produzir enunciados transitivos canônicos com verbos que elas ainda não tinham
ouvido sendo usados dessa maneira. (2) haver evidências de que,
após os três anos, muitas crianças já possuem uma construção
transitiva abstrata e podem assimilar livremente verbos recentemente aprendidos3. Resumindo, constatou-se uma progressão
gradual e contínua de desenvolvimento que mostra uma crescente
abstração da construção transitiva.
3. Para concluir
Este número 30 da revista Gragoatá apresenta diversos artigos dedicados a variados matizes do fenômeno da aquisição da
linguagem. Todas essas abordagens buscam a síntese moderna
entre teorização linguística e pesquisa empírica, num esforço
voltado não apenas para a descrição adequada acerca da natureza
da linguagem humana, sua aquisição e uso, mas também para a
explicação do lugar das línguas naturais no complexo ecossistema
cognitivo humano. Tal como aqui procuramos indicar, o esforço
interdisciplinar das diversas áreas da linguística e das ciências
cognitivas e sociais é crucial na tarefa de compreender como e
por que uma língua natural emerge no indivíduo humano, no
curso de seus primeiros anos de vida física e socialmente saudável, e como a linguagem pôde ter surgido na espécie humana,
no contexto de sua longa história evolucionária. Nossa herança
evolutiva, nossas predisposições mentais, nossa vida sociocultural, nossas práticas e usos linguísticos, nada pode ser omitido se
assumimos seriamente o compromisso de compreender como de
fato é a linguagem humana na objetividade do mundo biossocial.
Referências
Observou-se que isso
pode também ocorrer
com algumas crianças
com idade inferior.
3
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um mundo real, e nos comunicarmos exclusivamente no âmbito
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Artigos
Variação e aquisição da flexão
nominal e da flexão verbal
Christina Abreu Gomes (UFRJ)
Márcia Cristina Vieira Pontes (mestre em Lingüística/UFRJ)
Miriam Cristina Severino Almeida (mestranda em Lingüística/UFRJ)
Ana Cristina Baptista de Abreu (mestranda em Lingüística/UFRJ)
Recebido 20, jan. 2011 / Aprovado, 7 mar. 2011
Resumo
Dados de produção espontânea de crianças entre
1;11 e 5;0 foram coletados da amostra AQUIVAR-PEUL/UFRJ e analisados em função do seu
caráter de variável sociolinguística e de processo
desenvolvimental. Neste artigo abordamos a
questão da relação entre conhecimento linguístico, variação e aquisição com base em dados de
aquisição da flexão variável em nominais e em
verbos. Os resultados de flexão verbal revelaram
que os condicionamentos observados para a comunidade adulta se manifestaram gradualmente
indicando uma aquisição gradual dos mesmos. A
mesma situação não foi observada para os dados
de flexão nominal. São discutidas as implicações
desses resultados.
Palavras-chave: variação, aquisição, flexão nominal, flexão verbal.
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu
Introdução
Estudos sobre aquisição da variação sociolinguística não
são muito numerosos. Há diversas razões para isso. De um lado,
a aquisição tem sido abordada em quadros teóricos que excluem
a variação do escopo da gramática. De outro, mesmo dentro dos
estudos variacionistas a aquisição não teve lugar de destaque.
Roberts (2002, p. 333-334) aponta algumas das razões para que os
estudos variacionistas não tenham focalizado a fala das crianças.
Um deles é o próprio fato de ser um campo recente de investigação, tendo como origem a dialetologia, que tem um enfoque em
dados de adultos. Além disso, as crianças são vistas como as que
adquirem o dialeto e não as responsáveis por sua manutenção e
mudança.
Embora alguns estudos sociolinguísticos tenham focalizado a fala de crianças, e discutido a importância das crianças
no processo de mudança, esses estudos foram esparsos nas duas
primeiras décadas de trabalho variacionista (FISCHER, 1958;
ROMAINE, 1978; REID, 1978; KOVAC e ADAMSON, 1981, para
citar alguns). Mais recentemente a variação sociolinguística e a
importância de sua aquisição mereceram maior destaque na discussão da natureza do conhecimento linguístico. Diversos estudos,
desenvolvidos principalmente a partir do final da década de 90,
têm demonstrado a importância de crianças e adolescentes na
transmissão de padrões sociolinguísticos tanto em comunidades
de fala estáveis (ECKERT, 1988; KERSWILL, 1996; BRITAIN, 1997)
como na formação de novos dialetos (KERSWILL & WILLIAMS,
2000). Roberts (1996, 2002). Docherty et al. (2006) e Foulkes et al.
(2005) demonstraram que as crianças refletem o condicionamento
observado para os adultos já aos 2 anos de idade.
Propostas teóricas recentes têm defendido a proposição
inicial de Labov de que a gramática é dotada de heterogeneidade sistemática refletida no desempenho variável dos falantes
(WEINREICH, LABOV, HERZOG, 1968). Bod, Hay e Jannedy
(2003, p. 2-3) explicitamente defendem que o conhecimento
da variação deve ser entendido como parte da competência
do falante uma vez que os falantes utilizam as variantes para
codificar informação linguística e extralinguística. Assim, o
conhecimento sobre a variação indexada não deve ser colocada
aparte dos outros tipos de conhecimento linguístico. Docherty e
Foulkes (2000, p. 110-111), por exemplo, apontam para o fato de
que não há como diferenciar, no período aquisitivo, aquisição de
conhecimento fonológico que envolve oposição distintiva daquele
relacionado a aspectos da identidade sociolinguística do falante e
que o resultado da aquisição implica que o falante adquiriu também uma identidade (sócio)dialetal juntamente com os aspectos
estruturais. Guy e Boyd (1990) mostraram que a aquisição dos
condicionamentos da realização variável de -t,-d (-t,-d deletion)
40
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal
está associada à aquisição de aspectos da gramática. Observando
dados de falantes entre 4 e 65 anos, os autores concluíram que a
aquisição do condicionamento da realização variável de –t e –d
em verbos irregulares, como slept, é um longo processo em que as
crianças mais novas demonstram não ter sequer esta consoante
representada, uma vez que a ausência é categórica, e que crianças
mais velhas e alguns adultos parecem analisar estas formas como
os itens em que as oclusivas dentais não têm status morfológico,
como em cent. Portanto, a aquisição do condicionamento variável
que envolver o status morfológico de t-,d- depende também da
aquisição de formas verbais irregulares enquanto uma categoria
abstrata.
Neste artigo1 abordamos a questão da relação entre conhecimento linguístico, variação e aquisição com base em dados de
aquisição da flexão variável em nominais e em verbos.
1. Aquisição de flexão nominal e flexão verbal
Esse trabalho é
pa r te do proje to de
pesquisa com o apoio
do C N Pq, p r o c e s s o
n o 3 0 4 0 5 6/2 0 0 7- 3 –
Bolsa de Produtividade
em Pesquisa, e apoio
d a FA P E R J , B o l s a
CNE, processo
no -26/102.405/2009
1
Há diversos aspectos a serem considerados na aquisição
da flexão. De um lado a aquisição da morfossintaxe de plural
envolve a distinção conceptual de “um” versus “mais de um”.
Estudos sobre desenvolvimento cognitivo mostram que a distinção conceptual subjacente às representações linguísticas relacionadas a múltiplos indivíduos (nomes no plural, além dos quantificadores) pode estar ausente em crianças na fase prelinguística.
Barner et al. (2007), investigando a relação entre a aquisição da
morfossintaxe singular-plural e as representações das crianças de
distinções entre singular e plural, observaram que crianças de 18
meses adquirindo inglês se comportaram como as de 14 em tarefa
para distinguir 1 versus 4 indivíduos, indicando que elas eram
capazes de distinguir 3 objetos de 1, mas falharam ao representar
quatro objetos como plural ou “mais de um”. A mesma situação foi
observada para crianças de 20 meses, mesmo quando receberam
pistas morfossintáticas explícitas. Somente as crianças de 22 a 24
meses foram bem sucedidas na tarefa com ou sem pista verbal.
Dados anotados de relatórios dos pais mostram que muitas das
crianças de 24 meses e poucas das crianças com 22 meses produziam formas nominais no plural. Os autores discutem, então,
se a aquisição linguística tem algum papel na implementação da
distinção conceptual de singular-plural, embora não apresentem
uma posição definitiva sobre o assunto.
Outro fator importante envolve a relação entre as marcas
flexionais e outros aspectos da gramática. Ferenz e Prasada (2002)
investigaram os fatores que governam o uso de formas de singular e formas de plural dos nomes contáveis em inglês, através de
2 experimentos, aplicados a crianças entre 1;8 e 5;6. Os resultados
sugerem que desde o início as crianças parecem usar tanto infor-
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
41
Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu
Nos estudos de aquisição, as amostras tanto
podem ser longitudinais, acompan hando
o desenvolvimento de
uma ou mais crianças
ao longo do tempo, e/ou
transversais, constituídas de várias crianças
de di ferentes idades
analisadas em determinado ponto do tempo.
Amostras transversais
permitem que se observe o comportamento de
um número maior de
crianças, com consequências na quantidade
de dados obtidos, o que
constitui um aspecto
importante na observação de dados de variação sociolinguística
2
42
mação morfossintática, semântica ou referencial dos enunciados,
na tarefa de aquisição do plural, ao invés de usar apenas uma delas.
Há ainda que se considerar o papel do input a que as
crianças estão submetidas. Miller e Smith (2010) mostram que
a variabilidade do input pode afetar a compreensão e a produção de formas de plural. Crianças falantes do espanhol chileno
diferiram de crianças falantes do espanhol mexicano em tarefas
de compreensão e produção devido a diferenças no input a que
estão submetidas. No espanhol mexicano a marcação de plural é
categórica ao passo que a marcação no espanhol chileno é variável.
Outro aspecto importante diz respeito ao status das formas
flexionadas na gramática. Há posições divergentes na literatura
sobre a representação e o processamento de formas flexionadas
regulares e irregulares (não previstas fonologicamente), que
podem ser sumarizadas em duas posições: o modelo único, que
engloba o modelo conexionista (PLUNKETT & MARCHMAN
MARCHMANN, 1991 e MACWHINNEY & LEINBACH, 1991)
e o modelo de redes (BYBEE, 1988), e o modelo dual (MARCUS
1996, PRASADA & PINKER, 1993, CLAHSEN et al. 1992 entre
outros). Para o modelo único, o processamento e a representação
das formas regulares e irregulares estão relacionados a um único
mecanismo associativo, isto é, todas as formas estão igualmente
representadas no léxico, não havendo o estabelecimento de uma
regra subjacente default que dê conta da flexão regular. As propriedades morfológicas das palavras, como paradigmas e padrões
morfológicos, são emergentes das associações estabelecidas entre
as palavras relacionadas na representação lexical, uma vez que
se postula que o léxico se organiza em redes de conexão lexical e
não numa lista não estruturada. A aplicação de uma forma a itens
novos e a existência de regularizações são resultantes da inferência
do tipo morfológico mais frequente a partir do armazenamento
das palavras em redes de conexões lexicais por semelhança sonora
e semântica.
Para o modelo dual, as formas flexionais regulares são
o resultado de uma regra default e as formas irregulares estão
representadas no léxico. A regra default é aplicada quando não é
encontrada uma forma representada no léxico (MARCUS, 2000,
p. 155). No processo aquisitivo essa postulação é utilizada para
explicar regularizações (overgeneralizations) produzidas pelas
crianças. Isto é, as regularizações são o resultado da ausência de
forma irregular representada no léxico, ativando a aplicação da
regra default.
2. Flexão Nominal e Flexão verbal variável na aquisição
Os dados discutidos neste artigo foram coletados da Amostra AQUIVAR-PEUL/UFRJ. Trata-se de uma amostra transversal2
(crianças de diferentes idades) de fala espontânea de 36 crianças de
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal
grupos sociais diferentes, definidos em função da renda familiar
(até 5 salários mínimos e acima de 20 salários mínimos), nascidas
na cidade do Rio de Janeiro, com idades entre 1;9 e 5;0. Dados
desta natureza permitem detectar em que medida a produção
variável pode estar relacionada a aspectos da variabilidade do
input e a aspectos da variabilidade desenvolvimental. Assumimos
que a manifestação variável da criança reflete a aquisição de um
aspecto da gramática que não é categórico, portanto, é variável,
cujo comportamento pode ser explicado pela competição de
efeitos/condicionamentos internos da gramática. A aquisição
dessas categorias abstratas é gradual. Na medida do possível, os
dados de produção subsidiarão a discussão em torno do status
da flexão na gramática e do papel do input na aquisição.
Considerando-se que a variabilidade do input, no que diz
respeito ao uso variável de formas de plural nominais e verbais,
se encontra bastante documentada em diversos trabalhos sobre
a comunidade de fala do Rio de Janeiro (NARO, 1981; SCHERRE,
1978, 1988, 1993; NARO & SCHERRE, 1991, 1993; SCHERRE e
NARO, 1997, 1998, 2006), será feita uma breve exposição da variabilidade observada para esta comunidade.
A flexão variável de número/pessoa dos verbos está relacionada com o grau de diferença entre a forma do singular e a
forma de plural. Essa diferença é entendida como grau de saliência
fônica. Quanto à configuração sintagmática da sentença, esta é
entendida em função da posição e da distância do sujeito em relação ao verbo. Além disso, foram analisados conjuntamente fatores
extralinguísticos como escolaridade e sexo dos falantes. O efeito
observado para estas variáveis é o seguinte: maiores índices de
flexão com formas de maior grau de saliência fônica, com sujeitos
próximos imediatamente à esquerda do verbo, e com mulheres e
falantes com nível de escolaridade mais alto (SCHERRE e NARO,
1997, p. 95-110). Ainda, a presença variável de marcas flexionais
nos verbos está relacionada à presença de formas marcadas no
contexto anterior, ou seja, há um paralelismo formal tanto no nível
da sentença quanto no nível do discurso (SCHERRE e NARO,
1993, p.7-10) e do traço [+humano] do sujeito (SCHERRE e NARO,
1998, p. 48).
Formas flexionadas variáveis de nominais também são
influenciadas pelo grau de saliência fônica, pela configuração
sintagmática do sintagma nominal, determinando a posição do
elemento flexionado no sintagma, pelo paralelismo linguístico
(repetição da mesma variante no discurso) nos planos discursivo,
oracional e sintagmático e pela escolaridade e sexo dos falantes. Há
maior tendência à realização da forma de plural quanto maior a
diferença entre forma de singular e plural. Além disso, elementos
nominais não-nucleares à esquerda do núcleo tendem a vir marcados, e os núcleos que ocupam a primeira posição do sintagma
nominal. Também mulheres e falantes com nível de escolaridade
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
43
Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu
mais alto utilizam mais formas de plural (SCHERRE e NARO,
1997, p. 99-110). Quanto ao efeito do paralelismo lingüístico, a
presença de marcas precedentes nos três planos considerados
(discursivo, oracional e sintagmático) leva à realização de formas
flexionadas (SCHERRE, 1993, p. 34-38).
2.1. Flexão Nominal
Programa Varbrul,
versão Pintzuk 1988.
3
44
Para o estudo sobre a flexão de número em nominais, foram
analisadas as falas de 13 crianças com idades entre 1;11 e 4;11. Foram levantadas 138 ocorrências de nominais com ausência ou presença da marca flexional de plural. Os dados foram submetidos à
análise estatística pelo Programa Varbrul3. Em função do número
de dados, foram realizadas duas rodadas, cada uma, respectivamente, somente com variáveis linguísticas ou variáveis sociais. As
variáveis independentes testadas foram: saliência fônica, posição
dos elementos no sintagma nominal, presença de forma no plural
na fala imediatamente precedente do entrevistador/adulto, sexo
e faixa etária. A aplicação foi a ocorrência da marca de plural,
uma vez que se trata de processo aquisitivo. Somente a variável
faixa etária foi considerada relevante do ponto de vista estatístico
(selecionada pelo Varbrul). No entanto, comentaremos também
os resultados para as variáveis linguísticas para comparação com
os resultados encontrados na comunidade adulta.
Em relação à posição dos elementos no sintagma nominal, as
marcas flexionais ocorreram uniformemente tanto em elementos
à esquerda quanto à direta do verbo (88% e 87%, respectivamente)
sendo o núcleo menos marcado (39%). A grande maioria das estruturas consistiu de sintagmas nominais com elementos à esquerda
do núcleo ou somente com o núcleo (As minhas colegas brincam
na escola – 3;0; Esses dois hominhos deu uma flor para ela- 3;0),
com somente 8 ocorrências de elementos depois do núcleo (Meninos, meninas juntos e felizes – 2;1). A emergência de um padrão
flexional em função da estrutura e do grau de complexidade
do sintagma nominal depende da possibilidade de estruturas
maiores e mais complexas serem produzidas, o que não ocorreu
nas produções das crianças entre 1;11 e 4;11.
Em relação à saliência fônica, os dados foram classificados
somente em 3 níveis de saliência fônica, diferentemente dos 8
níveis dos estudos com adultos (SCHERRE e NARO, 1997, p.100),
devido ao fato de que em fase aquisitiva não foi possível observar
a ocorrência de todas as possibilidades flexionais do português.
A Tabela 1 a seguir apresenta os resultados para saliência fônica.
Pode-se observar que a grande maioria dos itens encontrados na fala das crianças corresponde a formas com plural regular,
o que mostra que o plural irregular, isto é, as formas flexionais
de maior saliência fônica têm baixa ocorrência na amostra.
Isso pode ser uma característica do processo aquisitivo, o que
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal
poderia significar que o domínio de formas irregulares de plural
nominal ocorreria mais tarde no período aquisitivo. No entanto,
seria necessária a coleta de mais dados em um número maior
de crianças para melhor verificar a situação dos itens com plural
irregular. Os dados de plural irregular foram basicamente os itens
flor (produzido por uma criança de 1;11), flores (duas ocorrências
em crianças de 3;0) , 1 ocorrência de poderes (4;0), pincel (uma
ocorrência com criança de 1;11 e uma de 2;01), pincéis (2;11) e sinal
(1;11). Todas as ocorrências de itens que terminam em –S foram
flexionadas: felizes (2;01), vezes (2;10, 3;0, 4;5). Como se trata de
aquisição, focalizando crianças de diferentes idades, uma hipótese
plausível é a de que o efeito do grau de saliência refletirá o da
comunidade de fala no final do período aquisitivo. No entanto,
este efeito não pode ser plenamente observado com a quantidade
de dados coletados em situação de produção espontânea. Essa
questão será retomada na seção 4.
Tabela 1 – Presença de marca de plural em função
do grau de saliência fônica
Ocorrências/
Total
%
Peso Relativo
106/132
81%
.52
Nomes terminados em –L ortográfico
1/ 4
25%
.08
Nomes terminados em -R
3/4
75%
.43
Nomes terminados em –S
4/4
100%
-
Plural Regular
Quanto à presença de forma flexionada na fala precedente
do adulto, a diferença não foi significativa do ponto de vista estatístico entre as produções espontâneas (79%) e as ancoradas na
fala precedente (85%).
A Tabela 2 apresenta os resultados para faixa etária,
excluídos os dados de flexão categórica (itens terminados em –S),
e basicamente mapeia a distribuição dos dados de flexão regular.
As crianças foram agrupadas em 3 faixas etárias em função do
percentual de formas de plural apresentadas:
Tabela 2 – Presença de marca de plural em função da faixa etária
Faixa Etária
Ocorrências/Total
%
Peso Relativo
1;11 – 2;01
12/20
60%
.21
2;06 – 3;0
37/54
69%
.27
3;05 – 4;11
61/64
95%
.78
Considerando que a maioria dos dados corresponde a ocorrências de flexão regular (132 em 138), a tabela acima captura, na
verdade, a gradualidade na aquisição da flexão regular.
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
45
Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu
A seguir são apresentados os resultados obtidos para os
dados de flexão verbal e na seção seguinte são apresentados
os comentários sobre os resultados obtidos nos dois estudos.
2.2. Flexão Verbal
Os resultados referentes à flexão verbal de 3ª pessoa do plural são oriundos do trabalho de Vieira (2006). No estudo de Vieira
foi realizado o levantamento das ocorrências de formas verbais de
todas as pessoas do discurso e realizadas as respectivas análises.
Neste artigo, serão comentados somente os resultados relativos à
3ª pessoa do plural. Os dados foram retirados de 17 crianças da
AMOSTRA AQUIVAR-PEUL/UFRJ. Os dados também foram
quantificados pelo Programa Varbrul.
Foram obtidas 252 ocorrências de 3ª pessoa do plural, que foram analisadas em função das seguintes variáveis independentes:
posição do sujeito, saliência fônica, traço humano do núcleo do
sujeito, tempo verbal, efeito gatilho (presença de forma no plural
na fala imediatamente precedente do entrevistador/adulto), marcas do sujeito no nível oracional (paralelismo oracional) e faixa
etária. O programa selecionou, na seguinte ordem, as variáveis:
efeito gatilho, posição do sujeito, saliência fônica e idade.
Assim como no estudo sobre a flexão nominal, o “efeito
gatilho” foi definido no trabalho de Vieira (2006) como a presença
de uma forma de plural na fala do adulto direcionada à criança,
que precede a fala da criança como em:
a) Presença de plural na fala do adulto
E: “e onde que eles vivem?”
Cr15: “eles vivem num sítio.”
b) Ausência de plural na fala do adulto
E: “Não sei, você, é, o que vai contar pra mim? Conta”
Cr17: “O cavalo e o cachorro (es)tavam lá na floresta
escura, aí um passarinho (...)”
Os resultados revelaram que a maioria dos dados com
forma de 3ª pessoa do plural estava ancorada na fala precedente
do adulto 66 ocorrências em 67, (99% de flexão neste contexto), e
menor ocorrência de formas de plural quando não havia forma de
plural precedente, 76 ocorrências em 185 casos, correspondendo
a 41% e pesos relativos de .99 e .16, respectivamente.
O efeito observado para as variáveis linguísticas selecionadas
corresponde ao mesmo efeito observado para os dados dos adultos da comunidade de fala. Com relação à distância entre sujeito
e verbo (Tabela 3), sujeitos imediatamente à esquerda do verbo
favoreceram a presença de formas de plural ao passo que sujeitos
distantes ou à esquerda do verbo desfavoreceram. Observa-se
assim o mesmo efeito observado para a comunidade de fala adulta.
46
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal
Já as formas verbais classificadas em função do grau de
saliência fônica também revelaram o mesmo condicionamento
observado para os adultos, conforme pode ser observado na
Tabela 4.
Tabela 3 - Marcas explícitas de plural nos verbos em função da
variável presença, posição e distância do sujeito em relação ao verbo
Faixa Etária
Ocorrências/Total
%
Peso Relativo
0 sílaba
62/81
77
.76
1 – 4 sílabas
18/29
62
.46
+5 de sílabas
¼
25
.17
Posposto
2/11
18
.19
Zero Próximo
7/10
70
.63
Zero Distante
25/117
44
.35
Tabela 4: Marcas explícitas de plural nos verbos
em função da variável saliência fônica
Saliência Fônica
Ocorrências/Total
%
Peso Relativo
1a. sem mudança na vogal
(conhece/conhecem)
3/12
25
.31
1b. com mudança na vogal
(ganha/ganham)
36
84
.34
1c. acréscimo de segmentos
(diz/dizem)
1/5
20
.38
2a. mudança da vogal
(tá/tão)
41/56
73
.77
2b. acréscimo sem mudança na vogal
(bateu/bateram)
45/69
65
.64
2c. acréscimos, mudanças e formas
supletivas (veio/vieram; é/são)
16/26
62
.18
Nível 1 [– saliente]
Oposição não acentuada
Nível 2 [+saliente]
Oposição acentuada
Outras inversões desta natureza são observadas provavelmente
devido à quantidade de
dados e sua distribuição
em função de todas as
variáveis consideradas.
4
Naqueles verbos em que a diferença entre a forma de singular e plural é menor, há a tendência à ausência de marca flexional,
e nos outros casos em que a diferença é maior, há uma tendência
mais acentuada à presença. Pelo fato de as posições mais salientes
serem mais perceptíveis, a concordância se fará mais evidente nos
três últimos níveis em relação à freqüência da presença da marca.
Vale destacar que o nível mais alto da saliência aparece com
o peso relativo .18, um peso relativo baixo quando comparado
com os outros níveis e invertido em relação ao valor percentual
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
47
Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu
correspondente4. Esse valor não pode ser entendido como desfavorecimento, mas como uma inversão resultante do cruzamento
desta variável com outras, procedimento do programa estatístico.
Tal fato ocorreu no momento em que o programa cruzou este
grupo com o efeito gatilho, revelando, então, que a maioria dos
verbos com efeito gatilho não pertencem a tal nível de saliência.
Embora não refletindo o efeito da escala de saliência observada para a comunidade de fala, já que ainda não há uma escala
crescente, e sim uma polarização entre os níveis + e – salientes,
esses resultados revelam a importância da variável no controle da
concordância verbal, uma vez que mostram uma etapa do processo aquisitivo, na qual os verbos que apresentam mais marcas
de concordância na fala adulta, os quais se enquadram nos níveis
mais altos de saliência, são os que mais apresentam percentual
de concordância entre as crianças.
Finalmente, a Tabela 5 a seguir apresenta a distribuição das
ocorrências em função da faixa etária. Observa-se que a presença
de formas de plural aumenta gradativamente em função da faixa
etária. As crianças foram agrupadas em faixas etárias:
Tabela 5 - Marcas explícitas de plural nos verbos
em função da variável faixa etária
Faixa Etária
Ocorrências/Total
%
Peso Relativo
1;11-2;01
26/60
43
.29
2;10-3;0
6/12
50
.30
4;0-4;04
81/124
65
.55
4;11-5;0
29/44
66
.72
Considerando a possibilidade de as formas flexionadas
ancoradas na presença de uma forma de plural na fala precedente
do adulto, apresentamos a tabela 6 a seguir que correlaciona as
ocorrências classificadas em função do efeito gatilho e faixa etária5.
Tabela 6 - Efeito gatilho em função da faixa etária
1;11-2;01
N
Esse grupo de fatores
também foi selecionado
na rodada do Programa
Varbrul.
5
48
%
2;10-3;0
N
2/8 25 .30
42/85 49 .60
25/39 64
.70
4/4 100
39/39 100 -
4/5
.84
7/41 17
.21
Com gatilho
19/19 100
-
P.R.
-
N
%
4;11-5;0
P.R.
Sem gatilho
%
4;0-4;04
P.R.
N
%
80
P.R.
O efeito gatilho procurou capturar o fato de que as crianças tendem a ancorar ou repetir as formas linguísticas da fala
imediatamente precedente do adulto. A ocorrência categórica
da concordância verbal nas faixas iniciais (1;11-2;01 e 2;10-3;0)
contrasta com sua baixa ocorrência nas situações em que o verbo
não apareceu na fala do adulto. Nesse caso a ocorrência da preNiterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal
sença da marca de 3ª pessoa do plural não pode ser atribuída a
um domínio da flexão. Nas faixas etárias com as crianças mais
velhas da amostra (4;0-4;04, 4;11-5;0) o efeito da presença de um
verbo flexionado na fala do entrevistador se assemelha ao observado para as faixas anteriores. No entanto, observa-se, naqueles
contextos não ancorados na fala do adulto, um aumento gradual
na ocorrência de formas marcadas de 3ª. do plural, com índices
mais próximos aos encontrados para a comunidade de fala para
as crianças mais velhas.
Conforme foi observado na Tabela 6, a presença da forma
flexionada de 3ª pessoa do plural na fala do entrevistador tende a
ser repetida pela criança (efeito gatilho). Assim foi realizada uma
rodada somente com as formas de plural produzidas espontaneamente, sem estarem ancoradas na fala do adulto. Foi observado
o mesmo efeito apresentado na Tabela 2, com exceção dos verbos
do nível mais alto de saliência (2/12, 17%, .10). Esses resultados
confirmam o efeito da saliência fônica, naquele contexto em que
pode ser verificado, fora da repetição da fala do entrevistador,
exceto em relação ao nível mais alto de saliência. A análise qualitativa dos dados revelou que são todas ocorrências do verbo ser,
como nos exemplos abaixo:
c)Cr31: “é aqueles maus que estava.....”
Cr31: “Meus padrinhos é o primo das minhas ma­drinhas”
3. Discussão
Os dois estudos revelaram em comum a diferença em termos
etários da realização de formas de plural tanto para nominais
quanto para verbos. No entanto, não foi possível observar com a
mesma clareza o mesmo efeito de variáveis linguísticas nos estudos. Com relação à aquisição de formas de plural de verbos, os
resultados apresentados neste artigo apontam para os seguintes
aspectos: a) a variação presente nas crianças reflete a natureza
variável encontrada na gramática estabilizada dos adultos; b)
os condicionamentos da variável são adquiridos gradualmente.
Consideramos ainda o fato de nem todos os condicionamentos
observados para os adultos terem se mostrado relevantes do ponto
de vista estatístico nos dados das crianças, nos dois estudos, como
sendo indicativa de que alguns condicionamentos são adquiridos
antes de outros.
Como explicar, no entanto, as diferenças observadas em
termos aquisitivos para os dados de flexão nominal e os dados de
flexão verbal? Isto é, qual a razão para os dados de flexão verbal
exibirem efeitos claros de variáveis linguísticas enquanto a mesma
situação não foi observada para os dados de flexão nominal? A
princípio, essas diferenças poderiam ser atribuídas à quantidade
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
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Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu
de dados obtidos em cada um dos dois levantamentos e a consequente distribuição dos dados nas diversas células resultantes da
composição dos diversos fatores de cada variável independente.
No entanto, há que se considerar a possibilidade de haver diferença na frequência de ocorrência dos itens nominais de determinado tipo flexional e de formas verbais não só em função da
especificidade da amostra, mas também em relação à frequência
de ocorrência desses itens na língua. É possível que as formas de
flexão irregular de nomes, além de constituírem tipos morfológicos menos frequentes, sejam itens lexicais cuja frequência de
ocorrência não é alta, ao passo que as formas verbais podem estar
mais disponíveis em termos de ocorrência no input. Além disso,
os dados coletados relativos à flexão nominal ocorreram em sintagmas nominais de baixo grau de complexidade, o que poderia
significar que a observação/aquisição de condicionamentos como
posição do item no sintagma nominal dependa da aquisição de
outros aspectos da gramática que possibilitem a produção de
estruturas sintáticas mais complexas. Sendo assim, a aquisição
de formas verbais flexionadas e os condicionamentos relacionados ao seu uso variável poderiam ser adquiridos antes daqueles
relacionados ao uso variável das formas nominais.
Outro aspecto importante diz respeito ao status da variação
observada. Trata-se de um processo que se aplica variavelmente
a uma forma básica ou da aquisição, representação e realização
variável de formas sonoras diferentes de itens lexicais cuja natureza morfológica será revelada ou estabelecida através de um
mecanismo associativo de armazenamento do léxico, conforme
mencionado na seção 2? Dados de produção espontânea não
constituem evidência direta para nenhuma das duas hipóteses.
Essas questão foi abordada em Gomes e Gonçalves (2010), utilizando dados experimentais de produção de formas nominais de
plural de palavras reais em situação de teste – itens com flexão
regular em –s e itens com plural em –is e metafônicos e em pseudopalavras, procurando observar a alternância na produção
de formas de plural (chapeús ~ chapeis, animais ~animaus). O
foco era a alternância do morfema de plural e não a presença ou
ausência da marca de plural. Os resultados obtidos para as pseudopalavras indicaram, tanto em crianças quanto em adultos, que
não há uma regra default, do tipo “acrescente –s”, sendo aplicada
toda vez que não existe uma forma irregular representada no
léxico. Se assim fosse, na ausência de um padrão esperado para
as pseudopalavras, deveria ter havido a predominância da flexão
regular, o que não ocorreu para itens terminados nos ditongos
decrescentes –éu e –au, realizados majoritariamente com -is.
Huback (2010), em trabalho focalizando a alternância na
flexão dos nomes terminados em –ão do português, observou
uma tendência de uso de –ões e que este direcionamento está
associado a uma interação entre tipo morfológico e frequência
50
Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal
de ocorrência da forma de plural. Huback interpreta que o efeito
de frequência do item é uma evidência de que as palavras são
estocadas inteiras no léxico.
Dentro desta perspectiva, a variável saliência fônica poderia ser interpretada como relacionada a padrões morfológicos
diferentes e, portanto, o efeito observado para a saliência corresponderia ao efeito da freqüência de tipo morfológico, que poderia
também sofrer influência da frequência de ocorrência dos itens
lexicais. No entanto, é necessária ainda a obtenção de mais evidências experimentais conjugadas a mais dados coletados em
situação de produção espontânea para melhor responder a essa
questão, que se reveste de uma importância
muito grande, uma vez que remete ao status da variação na gramática (processual
ou representacional?).
Abstract
Data of spontaneous production from children between 1;11 and 5;0 were collected from
AQUIVAR-PEUL/UFRJ Sample and analyzed
in face of their character of sociolinguistic variable
and as a developmental process. In this paper we
discuss the relationship between linguistic knowledge and acquisition, according to some data
of acquisition of variable inflexion of nouns and
verbs. The results for verb inflexion revealed that
the constraints observed for the adult community manifested gradually indicating the gradual
acquisition of them. The same situation wasn’t
observed for data of noun inflexion. The implications of these results are
discussed.
Keywords: noun inflexion; verb inflexion; variation; acquisition.
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Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011
Aquisição e processamento
da linguagem: uma abordagem
integrada sob a ótica minimalista
Letícia Maria Sicuro Corrêa (PUC-Rio, LAPAL)
Recebido 15, fev. 2011 / Aprovado, 7 mar. 2011
Resumo
A aquisição de uma língua é vista como um
problema de aprendibilidade que requer um tratamento conjunto por parte de teorias linguística
e psicolinguística. Dificuldades no relacionamento
entre esses campos são apontadas, as quais têm impedido sua efetiva integração no tratamento desse
problema. Uma abordagem integrada é proposta
em que se articula a hipótese do bootstrapping
fonológico com uma concepção minimalista de língua. A distinção entre classes abertas e fechadas do
léxico na análise do sinal da fala ao fim do primeiro
ano de vida é tida como fundamental para a inicialização de um sistema computacional universal. O
desenvolvimento linguístico é apresentado como
a progressiva especificação dos traços formais de
categorias funcionais via o processamento nas
interfaces fônica e semântica. Direcionamentos
para a pesquisa em aquisição da linguagem a
partir dessa abordagem são apontados.
Palavras-chave: aquisição da linguagem;
aprendibilidade; aprendizagem guiada por fatores
inatos; desencadeamento (bootstrapping); minimalismo; interface fônica; interface semântica;
traços formais.
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011
Gragoatá
Letícia Maria Sicuro Corrêa
Introdução
A Mesa-Redonda Linguagem e Cognição: Teoria, Métodos e Práticas foi
compartilhada com os
professores Margarida
Salomão (UFJF) e Francisco Ordonez (SUNY)
e mediada pelo Prof.
Eduardo Kenedy (UFF),
no Campus de Gragoatá,
em 20 de outubro de
2010.
2
O evento acima e a
preparação deste artigo
ocorreram durante a
vigência de bolsa de
produtividade CNPq
304159/2008-5.
3
Abordagem que
caracteriza o direcionamento da pesquisa
conduzida pelo GPPAL
(Grupo de Pesquisa Processamento e Aquisição
da Linguagem-CNPq)
no LAPAL (Laboratório
de Psicolinguística e
Aquisição da Linguagem – PUC-Rio).
1
56
Este artigo foi desenvolvido a partir da palestra proferida na
Mesa-Redonda Linguagem e Cognição: Teorias, métodos e práticas, por
ocasião da 1ª Jornada do Programa de Pós-Graduação em Estudos
da Linguagem da UFF1 e é, em grande parte, uma re-edição do
conteúdo apresentado em Corrêa (2009a; 2009b)2. Os objetivos
daquela palestra foram: (i) introduzir o problema que a aquisição
de uma língua apresenta; (ii) chamar atenção para a necessidade
de um diálogo mais estreito entre teorias linguística e psicolinguística no tratamento desse problema; (iii) apresentar o que
denominamos uma abordagem integrada,3 em que se considera
a aquisição da linguagem a partir do processamento do material
linguístico pela criança, à luz de uma concepção de minimalista
de língua; (iv) ilustrar a metodologia utilizada nessa abordagem.
Neste artigo, esses objetivos se mantêm, exceto o último, dado
que informação pertinente a este pode ser obtida em muitas das
referências citadas.
A perspectiva teórica aqui apresentada define um programa
de pesquisa que nos parece promissor, tendo em vista que dá origem a estudos pontuais de aquisição da linguagem, com tópicos
específicos (gênero, número, aspecto gramatical, por exemplo),
ao estudo das possíveis relações entre a língua e os sistemas
cognitivos com os quais interage no curso do desenvolvimento
línguistico/cognitivo, assim como possibilita a formulação de
hipóteses acerca de problemas pertinentes ao desenvolvimento
linguístico, tal como o Déficit Específico da Linguagem (DEL) (cf.
Corrêa & Augusto, 2011).
Diante disso, na primeira seção, desenvolvemos considerações relativas a (i) e (ii) acima, na segunda seção, focamos a
abordagem integrada que orienta nossa pesquisa (iii) e, por fim,
concluímos, apontando para o que nos parecem ser indícios de
um melhor entendimento da natureza da linguagem e do que
viabiliza a aquisição da língua materna de forma natural.
1. Aquisição da linguagem: problema de aprendibilidade
A aquisição da linguagem tem despertado o interesse
daqueles preocupados com o desenvolvimento humano, desde
o século XVIII, dando origem a registros diários da produção da
linguagem pela criança no curso do desenvolvimento linguístico, os quais serviram de base para as primeiras especulações
acerca da natureza desse processo (cf. BLUMENTHAL, 1970,
para histórico). Foi, contudo, apenas há cerca de meio século que
a aquisição da linguagem foi apresentada como um problema de
aprendibilidade – o que torna uma língua passível de ser adquirida
de forma natural, sem esforço ou treinamento específico, dado que,
em princípio, há mais de uma gramática compatível com os dados
linguísticos a que a criança tem acesso? Diante desse problema, a
Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011
Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista
teoria linguística buscaria explicitar as propriedades que uma língua deve ter para que sua aquisição seja viável (CHOMSKY, 1965).
Teorias psicolinguísticas, por sua vez, buscariam caracterizar de que maneira esse processo transcorre, ou que propriedades do processo de aquisição o tornam factível (cf. SLOBIN,
1973; MacWhinney, 1987). Certamente, uma teoria do processo de aquisição da linguagem pressupõe uma concepção ou
modelo de língua que uma teoria linguística preocupada com a
questão da aprendibilidade poderia fornecer. Uma efetiva articulação entre teorias linguística e psicolinguística tem sido, contudo,
difícil de ser estabelecida. Discutiremos a seguir possíveis razões
para essa dificuldade.
O problema da aquisição da linguagem, concebido abstratamente, consiste na identificação da gramática da língua a partir
de sentenças (unidades sintáticas cujos elementos se relacionam
de forma hierárquica) que se apresentam como sequências de elementos do léxico (ou seja, sem que as relações hierárquicas entre
estes se apresentem de forma transparente). Essa formulação do
problema, ainda que deixe clara a questão de aprendibilidade
que se apresenta, abstrai-se do fato de que a criança processa
o material linguistico a que é exposta muito antes de ser capaz
de nele reconhecer uma sequência de elementos do léxico. Os
enunciados linguísticos se apresentam à criança no fluxo da fala, o
qual tem se ser segmentado em unidades passíveis de análise (ou
seja, passíveis de serem mantidas, por limitado período de tempo,
em um sistema de memória de trabalho) até que sequências de
unidades do léxico possam ser tomadas como tal. A delimitação
de unidades lexicais é, portanto, por si só, um problema para a
criança, uma vez que esta não dispõe de um léxico constituído.
Assim, o próprio reconhecimento de unidades lexicais pode
requerer informação pertinente à gramática a ser identificada.
A caracterização do modo como enunciados linguísticos são
percebidos e representados inicialmente, pela criança, pode, portanto, contribuir para o encaminhamento de uma solução para o
problema de aprendibilidade que a aquisição da linguagem apresenta. A teoria linguística, abstraindo-se do modo como a criança
percebe os enunciados linguísticos que a ela se apresentam, buscou identificar as propriedades formais que tornam uma língua
passível de ser adquirida de forma independente de considerações
relativas ao processamento linguístico. Esse encaminhamento
veio a requerer sucessivas revisões até que expressões linguísticas
passassem a ser caracterizadas como níveis de interface língua/
sistemas de desempenho, o que impõe restrições às propriedades
formais que línguas naturais apresentam (Chomsky, 1995). A
seguir, recapitularemos brevemente, esse percurso.
Em uma primeira formulação do problema da aquisição
da linguagem, a criança teria de identificar as regras específicas da
gramática da língua por meio das quais sentenças seriam geradas
Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011
57
Gragoatá
Letícia Maria Sicuro Corrêa
(Chomsky, 1965). Para que tal tarefa fosse factível, foi concebido
um estado inicial rico de informação pertinente à forma das
gramáticas de línguas naturais, denominado Gramática Universal
(GU). Este restringiria as gramáticas passíveis de serem identificadas a partir de um subconjunto das sentenças geradas por
uma gramática em particular. Ou seja, a criança não identificaria
gramáticas com propriedades que não se aplicam as gramáticas
de línguas naturais (embora pudessem se aplicar a gramáticas de
uma linguagem formal, como, por exemplo, uma linguagem de
computação). O programa de pesquisa da linguística gerativista
foi então direcionado de modo a caracterizar esse estado inicial
(GU), a partir da formalização da gramática de uma ou de várias
línguas naturais. Como resultado de cerca de duas décadas de
pesquisa, a formulação do problema da aquisição da linguagem
foi alterada (Chomsky, 1981). Diante do que passou a ser concebido como GU, não haveria regras específicas de uma gramática
a serem identificadas. Princípios universais determinariam a
forma com que gramáticas de línguas naturais se apresentam e
parâmetros universais, com possíveis valores pré-determinados, a
serem ajustados a partir da experiência linguística, dariam conta
da variabilidade das línguas humanas. Pouca clareza havia, no
entanto, quanto ao que seriam os princípios e ao que poderia ser
tomado como parâmetros de variação (cf. Meisel, 1997), o que
propulsionou a pesquisa linguística nos anos 80. Note-se que,
nesse momento, questões acerca da natureza dos princípios e dos
parâmetros de GU não seriam explicitamente formuladas.
Paralelamente à pesquisa linguística teórica, propriamente
dita, estudos de aquisição da linguagem linguisticamente orientados contribuiriam para o desenvolvimento de uma teoria acerca de
GU, na medida em que validariam hipóteses ou trariam hipóteses
acerca desse estado inicial e das restrições que este imporia, com
base em dados da produção espontânea da fala de crianças ou de
julgamento de gramaticalidade por crianças já inseridas na gramática da língua (cf. TAVAKOLIAN, 1981; GUASTI, 2004). Hipóteses
acerca do processo de aquisição também viriam a ser formuladas
em termos estritamente formais, a partir da concepção abstrata
do problema de aprendibilidade trazido pela teoria linguística (cf.
Pinker, 1987; Gibson & Wexler, 1994). Questões pertinentes
ao processamento do material linguístico pela criança não seriam,
contudo, consideradas nesse modo de abordagem.
A pesquisa psicolinguística em aquisição da linguagem tem
como foco a extração de informação gramaticalmente relevante
nos dados da fala e não aderiu unânime ou uniformemente
à hipótese de um estado inicial rico de informação específica
do domínio da língua. Estudos de orientação mais empirista
rejeitariam esse estado inicial (Bates & McWhinney, 1987;
McWhinney,1987; Rumelhart & McClelland, 1987).
Aqueles de orientação menos empirista tenderiam a buscar res58
Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011
Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista
Em Chomsky (2005),
tem-se que as idéias
subjacentes à guinada
teórica dos anos 90 estariam presentes desde
o in ício da proposta
gerativista (pelo menos
desde 1977). Estas só não
teriam vindo a público
porque, no contexto da
época, opor-se à idéia
de que línguas podem
variar entre si de forma
imprevisível mostrava-se mais premente do
que enfatizar o papel
de fatores não especificamente linguísticos na
forma das gramáticas.
Diante disso, as considerações que aqui apresentamos podem ser vistas
como decorrentes da
apreciação do que veio
a público, ou de como
isto foi percebido no
contexto da pesquisa em
aquisição da linguagem
até a década de 90.
4
trições de ordem cognitiva para a forma das línguas que minimizassem o que seria atribuído a GU (Bever, 1970), ou a assumir
a idéia de aprendizagem guiada por fatores inatos (innate guided
learning), oriunda de estudos etológicos (Gould & Marler,
1987; Marler, 1991), compatível com uma idéia de GU, embora
sem um comprometimento explícito com a concepção de estado
inicial então veiculada na teoria linguística (Jusczyk & Bertoncini, 1988).
Uma vertente da pesquisa psicolinguística em aquisição da
linguagem voltada para o processamento do sinal da fala pela
criança viria questionar o pressuposto de que o input do processo
de aquisição pode ser concebido em termos de sequências de
elementos do léxico (cf. Morgan & Demuth, 1996). Segundo
a hipótese do bootstrapping (desencadeamento, inicialização)
fonológico, contornos prosódicos seriam informativos acerca de
possíveis fronteiras oracionais e sintagmáticas, sendo que tais
fronteiras seriam, elas próprias, informativas acerca de fronteiras lexicais. Assim sendo, propriedades rítmicas, alongamento
de vogais, acento tônico poderiam ser tomados como pistas na
análise do material linguístico de modo a torná-lo acessível a um
processador sintático. Propriedades fonotáticas e padrões distribucionais em geral poderiam, por sua vez, ser informativos quanto
ao modo como unidades lexicais e sintáticas são constituídas
(Morgan & Demuth, 1996). Uma análise distribucional, de
natureza estatística, poderia, assim, fazer uso de recursos cognitivos comuns entre domínios, uma vez direcionada por fatores
inatos, ou mais especificamente, por um estado inicial, passível
de ser concebido em termos de uma GU em que se prevê uma
interface fonologia/sintaxe (NESPOR & VOGEL, 1986; SELKIRK,
1986; TRUCKENDRODT, 1999). Não haveria, portanto, uma incompatibilidade necessária entre a proposta gerativista e abordagens
psicolinguisticas para a aquisição da linguagem em que se considera que a análise do sinal acústico da fala (ou de qualquer meio
físico em a língua se apresente) é conduzida de forma a otimizar
ou viabilizar a aquisição de uma língua.
A pesquisa linguística voltada para GU viria constatar que
o tratamento do problema da aquisição da linguagem, abstraindo-se questões pertinentes ao processamento linguístico, seria
inviável.4 A necessidade de se incorporarem, na formalização
da gramática de línguas naturais, representações de interface
(língua/sistemas de desempenho), assumindo-se uma faculdade
de linguagem em sentido amplo, em que a relação entre a língua e outros sistemas cognitivos é explicitamente prevista, veio,
então, a ser enfatizada no Programa Minimalista (doravante PM)
(Chomsky, 1995-2007).
Este programa se caracteriza por uma revisão metodológica,
reduzindo-se ao mínimo os construtos teóricos requeridos na formalização de uma gramática e, particularmente, na caracterização
Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011
59
Gragoatá
Letícia Maria Sicuro Corrêa
de GU. O que é, contudo, mais relevante na proposta minimalista,
do ponto de vista de um diálogo com a Psicolinguística, é sua
preocupação ontológica. O PM pretende ir além da adequação
explanatória do modelo de língua (cf. Chomsky, 1965), buscando
fundamentos para os princípios de GU (principled explanations) (seja
no aparato processador humano tal como se apresenta ou na própria evolução da espécie). Essa busca leva à redução dos princípios
de GU ao princípio da Intepretabilidade Plena nas interfaces aliado
a condições gerais de economia. Ou seja, uma expressão linguística, gerada por uma gramática, tem de se apresentar de forma
tal que seja passível de ser percebida e articulada pelo aparato
processador humano, assim como de ser semanticamente interpretada, nos termos das relações conceptuais/intencionais com
que a mente humana é capaz de lidar. Nesse sentido, a seguinte
citação é ilustrativa:
“We can regard an explanation of some property of language
as principled, (…), insofar as it can be reduced to the [principles
of structural architecture and developmental constraints that
are not specific to the organ5 under investigation, and may be
organism independent] and to conditions that language must
meet to be usable at all – specifically, conditions coded in UG
that are imposed by organism-internal systems with which
FL [faculty of language] interacts. Insofar as properties of I-languages can be given a principled explanation, in this sense,
we move to a deeper level of explanation, beyond explanatory
adequacy.” (Chomsky, 2005, p.2)
Diante disso, passamos a entender GU como restrições
(decorrentes do modo como o aparato processador humano
se constituiu) à forma das línguas que venham a ser espontaneamente criadas e adquiridas naturalmente, dada uma faculdade
de linguagem que prevê interação entre sistemas cognitivos e um
mecanismo formador de estruturas, cuja especificidade linguística
é uma questão empírica (cf. Chomksy, 2005).
2. Uma abordagem integrada
Esta seção vem explicitar de que modo a relação entre língua e cognição pode ser pensada a partir da concepção de língua
veiculada na proposta do PM e apresentar a abordagem integrada
que vimos desenvolvendo com vistas a contribuir para uma teoria
da aquisição da linguagem que explicite o modo como o processo
transcorre.
2.1. A língua na concepção minimalista
O “órgão” sob investigação é a língua.
5
60
A língua, na concepção minimalista, é um sistema gerativo
que opera de modo a gerar expressões linguísticas que servem
de interface entre este domínio da cognição e os demais sistemas
recrutados para que o desempenho linguístico se realize. Cada
expressão linguística é vista como um par constituído de uma
Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011
Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista
6
Símbolo é, nesse
contexto, utilizado no
sentido originário de
computação simbólica, ou
seja, um caractere, desprovido de sentido. Desse modo, a computação
sintática transcorre de
forma autônoma, sendo
possível que se gerem
sentenças gramaticais,
semanticamente interpretáveis, ai nda que
desprovidas de sentido
(fora de um contexto
específico), como O quadrado redondo voou na
água.
forma fonética e uma forma lógica, que servem de interface com
os sistemas sensório-motor (para percepção e articulação da fala)
e conceptuais/intencionais (o que possibilita à língua veicular
informação de ordem conceptual pertinente a entidades e eventos
do mundo). A língua consiste de dois componentes – um sistema
computacional universal (conjunto mínimo de operações formais
que constroem objetos sintáticos a partir de elementos do léxico
de forma recursiva) e um léxico constituído de elementos compostos por traços semânticos, fonológicos e formais. Os primeiros
relacionam a língua com sistemas conceptuais e intencionais,
os segundos definem a forma fônica dos elementos do léxico,
permitindo que estes se tornem acessíveis ao sistema sensóriomotor que atua na articulação e na percepção de enunciados
linguísticos, e os últimos, os traços formais, tornam os elementos
do léxico acessíveis, como símbolos,6 ao sistema computacional
(sistema que tem símbolos como input e os transforma em outros
que representam aqueles, em função de um algoritmo) para que
sejam combinados em uma estrutura sintática.
O sistema computacional universal atua exclusivamente
sobre traços formais dos elementos do léxico que constituem o
ponto de partida de uma derivação linguística. Os traços formais
se apresentam como interpretáveis e não interpretáveis e assumem diferentes valores. Os valores assumidos pelos primeiros
representam distinções de ordem conceptual/intencional (gênero,
número, pessoa, tempo, aspecto etc) tomadas como gramaticalmente relevantes. Os segundos servem estritamente à computação
sintática e são valorados como resultado de seu pareamento com
os primeiros no curso da derivação linguística. O resultado dessa
operação de concordância (Agree) pode repercutir na morfologia
flexional, tornando-se, portanto, visível nas interfaces. Outros
traços formais, ainda que não diretamente vinculados a distinções conceptuais (como caso e um traço pertinente à ordenação
linear de constituintes) permitem que a sintaxe veicule relações
semânticas que se apresentam de forma sistemática nas interfaces.
Observa-se, então, que toda a informação gramaticamente
relevante se faz legível nas interfaces. As línguas, ao se constituírem, incorporam distinções conceituais/intencionais aos traços
formais do léxico (processo de gramaticalização). Diante das possibilidades que se apresentam à cognição humana, há considerável
variabilidade entre as gramáticas de línguas naturais no que
concerne às distinções conceptuais/intencionais tomadas como
gramaticalmente relevantes. Por outro lado, diante das limitações
da cognição humana e do modo como o ser humano se insere no
meio exterior a ele, há considerável compartilhamento no que é
tomado como gramaticalmente relevante pelas línguas humanas.
De forma análoga, dadas as possibilidades do sistema físico que
atua na articulação/percepção fala, há espaço para grande variabilidade na constituição de sistemas fonológicos e de padrões
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morfofonológicos que expressem distinções gramaticais. Por
outro lado, dado que o sistema sensório-motor é compartilhado
pela espécie humana, há restrições que limitam a variabilidade
possível na constituição desses sistemas e padrões.
2.2. O que cabe à criança adquirir
O termo fônica nos
parece preferível, quando se considera o processamento, por remeter mais facilmente a
propriedades suprasegmentais, cruciais para
a percepção do sinal
acústico da fala.
7
62
Diante dessa concepção de língua, cabe à criança, provida
de um sistema computacional universal, constituir um léxico,
identificar o que a língua toma como traços formais, que valores
lhes são atribuídos e que propriedades estes têm, processando
a informação que se faz legível nas interfaces da língua com os
sistemas envolvidos no desempenho linguistico.
O estado inicial das gramáticas das línguas humanas é, no
PM, como em momentos anteriores da teoria linguística, concebido
em termos de princípios e parâmetros (Chomsky, 1981; 1986). No
entanto, diferentemente do que era antes enfatizado, os princípios
são fundados em imposições das interfaces. Logo, o modo como a
informação gramaticalmente relevante se apresenta nas interfaces
é compatível com os recursos de que a criança dispõe para processar o material linguístico que pode perceber. Assim, para que
a aquisição de uma língua se torne viável, a criança tem de partir
do pressuposto de que pistas prosódicas e padrões recorrentes na
interface fônica7 sinalizam informação a ser tomada como gramaticalmente relevante, assim com tem de assumir que enunciados
linguísticos fazem referência a entidades, eventos e estados. Tais
condições, à luz do PM, são garantidas por uma faculdade de
linguagem em sentido amplo, a qual prevê a interação entre o
sistema da língua e demais sistemas que atuam no processamento
linguístico (Hauser, Chomsky & Fitch, 2002). Desse modo, a
proposta minimalista, em certa medida, se assemelha à idéia de
restrições cognitivas à forma das gramáticas (Bever, 1970), pode
ser compatível com a idéia de aprendizagem guiada por fatores inatos
e possibilita até um diálogo com teorias de aquisição de natureza
mais empirista, que admitem restrições de ordem arquitetônica e
decorrentes do estado do desenvolvimento neurológico no curso
do processo (cf. Elman et al., 1996).
Quanto aos parâmetros de variação, a pesquisa linguística
converge para a visão de que estes se restringem a propriedades
dos traços formais de categorias funcionais (Borer, 1984). Categorias funcionais são classes fechadas cujos elementos codificam,
particularmente, informação pertinente à referência a entidades e
eventos, assim como à força ilocucionária. Um processo de aquisição guiado por fatores inatos leva a criança a tomar aquilo que
se apresenta de forma regular e sistemática na interface fônica
como informação gramaticalmente relevante e a buscar uma
interpretação semântica para enunciados linguísticos a partir do
pressupostos de que estes remetem a entidades e eventos.
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Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista
Os valores que os parâmetros de variação podem assumir
são restringidos pelo que é cognoscível e passível de ser percebido/
articulado ou expresso fisicamente pelo ser humano. A criança,
ao ser sensível a padrões morfofonológicos deverá, por conta da
faculdade de linguagem assumida, buscar uma interpretação
semântica para estes, ao lidar com a língua em condições naturais.
Em suma, a pré-condição para a aquisição de uma língua
é que a criança tome a fala como informação de interface com a
língua (sistema cognitivo, ou língua interna).
O estudo de natureza psicolinguística da aquisição da linguagem tem revelado que o modo como o material acústico se
apresenta favorece a identificação das propriedades sintáticas da
língua em questão, de forma que, quando a criança se vê diante de
uma sequência de elementos do léxico, muito da análise necessária
para a identificação da gramática da língua já transcorreu. A
seguir trazemos um pouco do que a pesquisa psicolígústica tem
obtido a partir da hipótese do bootstrapping fonológico.
2.3. Processamento na interface fônica
e desencadeamento do processo de aquisição
O conceito de interface fonética do PM é compatível com a
concepção de aquisição da língua veiculada pela hipótese do boostrapping (desencadeamento) fonológico (Morgan & Demuth,
1996; Jusczyk, 1997; Gerken, 2001). O processamento do sinal
da fala é vinculado a um calendário de desenvolvimento, e se
realiza de forma automática desde os primeiros contatos com
a língua, ainda na fase intra-uterina (Lecanuet, 1998; Lecanuet et al., 1992). Ao fim do primeiro ano de vida, além de estar
inserida no sistema fonológico da língua, a criança está no ponto
de adquirir informação morfológica, fundamental para a identificação da gramática da língua em questão (cf. Gerken, 2001).
Uma das distinções cruciais que a análise do material acústico pode prover é entre elementos de classe fechada e aberta do
léxico. Já nos primeiros dias de vida, a criança percebe distinções
acústicas que podem ser úteis para essa diferenciação. Itens funcionais (elementos de classes fechadas), em geral, se distinguem de
elementos lexicais (elementos de classe aberta) por suas propriedades fônicas. Os primeiros tendem a apresentar um número
mínimo de sílabas (ou moras), com um núcleo simples, sendo
preferencialmente átonas, e realizam-se por meio de fonemas não
marcados ou subespecificados, de baixa amplitude (Morgan,
Shi & Allopenna, 1996; Shi, Morgan & Allopenna,
1998; Shi, Werker & Morgan 1999). Além disso, são altamente frequentes e têm distribuição característica, tornando-se
previsíveis no contexto sintático. Os segundos, por outro lado, não
obedecem a um padrão fônico característico, existem em grande
número, com frequência variável, não sendo, portanto, previsíveis
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em função do contexto sintático. As propriedades que facilitam
essa distinção são comuns a diferentes línguas, como, constatado
no inglês, mandarim e turco (Shi, Morgan & Allopenna,
1998) e bebês, desde os três dias de vida, mostram-se sensíveis
a variações de ordem fônica relevantes para a distinção dessas
classes (Shi, Werker & Morgan 1999).
Diferentes habilidades desenvolvidas ao longo do primeiro
ano de vida vêm contribuir para essa distinção, tais como o
reconhecimento de padrões fonotáticos específicos da língua
materna, aos oito meses de vida (Jusczyk, Cutler & Redanz,
1993) e localização de fronteiras de palavras, com base na integração de informação prosódica e fonotática, aos nove meses de idade
(Aslin et al.1998; Jusczyk 1997). Assim, por volta dos 10-11
meses, o bebê passa a poder distinguir, na fala na fluente, o que
deve ser representado como elementos de categorias funcionais
e lexicais do léxico em aquisição.
Evidências neurofisiológicas dão suporte às conclusões de
uma série de estudos comportamentais por meio da técnica da
escuta preferencial (cf. para a descrição da técnica, ver Name &
Correa, 2006), que apontam para a sensibilidade de crianças a
itens funcionais ao fim do primeiro ano de vida. Para verificar
a sensibilidade de bebês a distinções no estímulo fônico, que
possam ser relevantes para a identificação gramática, estes são
apresentados a enunciados linguísticos, ou passagens em fala
fluente, normais e modificados. Modificações tais como a substituição de elementos funcionais como determinantes, auxiliares e a
preposição por pseudo-itens – elementos monossilábicos não pertencentes à língua, ainda que em conformidade com seu padrão
fonológico – permitem avaliar em que medida a criança se mostra
sensível a essa classe de elementos. Crianças de 10-15 adquirindo
inglês mostraram-se sensíveis a essas alterações, ouvindo por mais
tempo passagens normais do que modificadas (SHADY, 1996), o
que pôde ser constatado em respostas eletrofisiológicas do cérebro por volta dos 11 meses de idade. A amplitude dos potenciais
evocados pelas histórias modificadas foi significativamente mais
baixa do que a dos evocados por histórias normais, sugerindo
maior demanda na atividade neuronal por parte do estímulo não
imediatamente reconhecível (SHAFER ET AL. 1998). Nessa idade,
uma análise sintática no âmbito do DP (sintagma determinante)
parece ser conduzida, como sugerem os resultados de estudo com
bebês adquirindo alemão (HÖHLE & WEISSENBORN, 2000).
Diferentes grupos de bebês foram familiarizados com sequências de determinante e nome, do tipo der Kahn [o barco]; das Tor
[o portão], e com nomes dissílabos como Vulkan e Pastor, cujas
segundas sílabas são semelhantes aos nomes da outra condição.
Se as crianças do grupo apresentado a um DP reconhecem o determinante, devem ser capazes de reconhecer os nomes em novos
DPs com outros determinantes. O mesmo não seria esperado do
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Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista
grupo apresentado aos nomes dissílabos isolados. Os resultados
sugerem que bebês de 11 meses, diferentemente de bebês de 8
meses, se comportaram como previsto, ouvindo por mais tempo a
condição em que os nomes tinham sido previamente apresentados
precedidos por determinantes.
Uma série de estudos com a técnica da escuta preferencial
conduzidos com bebês de 9 a 18 meses em aquisição do português brasileiro traz resultados compatíveis com a percepção de
determinantes na fala fluente por crianças de 14 meses (Name,
2002; Name & Corrêa, 2003)8, e com o reconhecimento do
padrão morfofonológico de afixos verbais por volta dos 10 meses
de idade (Bagetti, 2009; Bagetti & Corrêa, 2010). Evidências de processamento de ordem semântica também podem ser
obtidas, uma vez que, por volta dos 9 meses, a criança demonstra
atenção às propriedades comuns entre membros de uma classe
pelo processo de nomeação (WAXMAN, 2006).
Diante dessas evidências, observa-se que a distinção fundamental entre as grandes classes ou categorias do léxico (funcionais
e lexicais) se estabelece com base em distinções passíveis de serem
captadas na interface fônica.
2.4. A inicialização do sistema computacional
Crianças mais novas
não foram testadas.
8
Ainda que os resultados da pesquisa orientada pela hipótese
do bootstrapping fonológico convirjam para a distinção entre classes
de elementos funcionais e lexicais ao fim do primeiro ano de
vida, não fica suficientemente claro como seria feita a passagem
da percepção de elementos de classe fechada e aberta para a
representação das grandes classes do léxico (funcional e lexical).
O que há de mais distintivo na faculdade de linguagem
humana é a possibilidade de um sistema computacional ter acesso,
via traços formais, a elementos de um léxico que (diferentemente
de elementos do léxico de linguagens formais), se relacionam com
sistemas conceituais/intencionais e sensório-motor, por conta de
suas propriedades semânticas e fonológicas. Essa possibilidade
deve-se ao fato de padrões ou regularidades presentes na interface
fônica sinalizarem propriedades formais e serem reconhecidos
como indicativos das mesmas. É, portanto, a relação entre o que
há de sistemático na língua e propriedades formais o que permite explicar a passagem de uma análise do sinal da fala para o
domínio da sintaxe.
A distinção entre elementos de classe fechada e aberta por
volta dos 10 meses de vida, juntamente com o reconhecimento
de padrões pertinentes a ordem, que toma por base distinções
rítmicas percebidas em tenra idade (Nespor, Guasti e Christophe,1996; Christophe et al., 2003; Gout & Christophe, 2006), daria origem a um léxico mínimo, em que se
distinguem formalmente categorias funcionais (classes fechadas),
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e lexicais (classes abertas), assim como informação pertinente a
ordem, vinculada a estas. Os elementos desse léxico mínimo
estariam, portanto, subspecificados, pois cabe à criança identificar
as distinções de natureza conceptual/intencional tomadas como
gramaticalmente relevantes na língua, assim como refinar padrões
de ordem à medida em que categorias funcionais e lexicais são
progressivamente delimitadas. Padrões morfofonológicos, uma
vez identificados em elementos de classes fechadas (determinantes
e afixos, por exemplo), têm de ser representados como informação
morfológica, semanticamente interpretável. Padrões de ordem ou
a morfologia de caso vinculada a elementos lexicais, por sua vez,
têm de ser tomados como pertinentes à codificação gramatical de
relações semânticas de natureza proposicional. A interpretação
semântica do que se apresenta como padrões morfofonológicos
assim como a identificação da informação sintática que morfemas
de caso ou padrões de ordem apresentam são, portanto, requisitos para a completa especificação das propriedades dos traços
formais de categorias funcionais, no curso do desenvolvimento
linguístico. Assim, é por conta do processamento na interface
fônica, assim como do processamento na interface semântica,
impulsionado pelo pressuposto de que enunciados linguísticos
remetem a entidades e eventos, que a aquisição de uma língua
procede, a partir do segundo ano de vida da criança.
2.5 A gradual especificação de traços formais
e interação entre domínios
A gradual especificação dos traços formais dos elementos
funcionais (de classe fechada) do léxico irá depender da identificação de padrões morfofonológicos variados no interior de
sub-classes fechadas do léxico (determinantes, auxiliares e afixos
verbais, por exemplo). Variações nos padrões morfofonológicos são
indicativas do número de valores passíveis de serem assumidos
por um traço formal. No português brasileiro (PB), por exemplo,
teríamos variação entre elementos morfologicamente não-marcados e marcados quanto a gênero (masculino/feminino), número
(singular/plural) e pessoa (3ª/1ª) no âmbito de determinantes;
variação morfofonológica pertinente a tempo (presente/passado/
futuro), aspecto (perfeito/imperfeito), modo (realis/irrealis) no
âmbito dos afixos verbais. Crianças de 18-27 meses, adquirindo o
português, revelam, por exemplo, sensibilidade a alterações entre
a expressão morfofonológica do aspecto perfeito/imperfeito, ainda
que sua interpretação semântica seja tardia (Lima-Rodrigues,
2007). É, portanto, via o processamento na interface semântica
que a criança acabará por representar as distinções conceituais/
intencionais que padrões morfofonológicos sinalizam.
O pressuposto de que enunciados linguísticos remetem a
entidades e eventos mostra-se relevante para essa progressiva
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Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista
especificação de traços. Um DP, uma vez delimitado, pode ser
tomado como uma expressão referencial. A informação semântica obtida a partir da referência pode contribuir, por exemplo,
para a interpretação da marcação morfológica de número no PB
em termos de pluralidade. Constamos que crianças de 22 meses
tendem a tomar como referente de um DP plural que contém um
pseudo-nome (os dabos, por exemplo) figuras com vários elementos de um mesmo tipo (objetos inventados). Constatamos ainda
que a informação relativa a número gramatical é extraída do
determinante visto que crianças adquirindo o PB tratam de forma
indiferenciada DPs como os dabos e os dabo (dada a co-existência de
variantes da língua) e que crianças adquirindo o PE (Português
europeu) (em que não há tal coexistência de variantes) ainda que
dêem mais respostas indicativas de interpretação do DP como
plural para a forma os dabos, dão mais respostas desse tipo para
a forma os dabo do que para a alternativa o dabos, tratada, predominantemente, como DP singular (tal como o lápis, por exemplo)
(Correa, Augusto & Ferrari-Neto, 2005; Castro et al.,
2009). O processo de especificação de traços formais não deixa de
pressupor, contudo, concordância no âmbito do DP. Isso fica claro
no caso do gênero gramatical em português. Diante de DPs como
o daba e a dabo, por exemplo, a tendência manifesta por crianças
de cerca de 22 meses é tomar a informação de gênero expressa
no determinante como indicativa do gênero a ser atribuído a
um nome novo, seja este inanimado (CORRÊA & NAME, 2003)
ou animado, tanto em PB quanto em PE (CORREA, AUGUSTO
& CASTRO, 2010). Essa atribuição requer que o DP tenha sido
analisado como tal e o morfema de gênero seja tomado como
indicativo de concordância (CORREA, 2001; NAME, 2002; CORREA & NAME, 2003).
Em suma, o pressuposto da concordância entre traços formais interpretáveis/não interpretáveis parece ser necessário para
que padrões morfofonológicos sejam tomados como indicativos
dos valores assumidos por traços formais, e o pressuposto de
que DPs atuam como expressões referenciais é necessário para
que esses valores sejam semanticamente interpretados. Ambos
os pressupostos podem ser vistos como um modo de aprendizagem guiado por fatores inatos, sendo que o uso da concordância
como instrumento de aquisição pode ser visto como um recurso
especificamente linguístico.
A identificação de padrões morfofonológicos e sua interpretação semântica (não necessariamente correspondente à do
adulto) não garante, contudo, a codificação morfofonológica na
produção da fala pela criança. Este processo mostra-se particularmente custoso, o que acarreta um desbalanceamento entre o que
a criança percebe e e representa e o que produz. No que concerne
à produção da fala, a criança minimiza custos de processamento
atendo-se ao que há de mais informativo – os traços semânticos
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de elementos de categorias lexicais. Logo, elementos funcionais
tendem a ser omitidos. Além disso, elementos funcionais relacionam-se mais diretamente aos sistemas intencionais, dado seu
papel na referência (CORREA, 2008). A habilidade de estabelecer
referência por meios linguísticos envolve relações entre o domínio
da língua e domínios da cognição mais ampla com a qual a língua
interage. No caso específico da referência definida/indefinita,
por exemplo, seu estabelecimento envolve questões pertinentes
à Teoria da Mente (capacidade de atribuir ao outro conhecimento
e estados mentais, crenças e intenções, diferentes dos seus), uma
vez que a seleção do valor de um dado traço na produção da fala
requer que se leve em conta a informação acessível ao interlocutor
no discurso. O estabelecimento desse contraste também envolve
operações de quantificação, uma vez que um artigo definido pode
implicar unicidade na referência (João pegou a maçã – implica que
só há uma maçã no universo de discurso) e o artigo indefinido, no
português, por exemplo, pode ser tomado como numeral. Logo,
espera-se que a produção e a interpretação semântica do traço de
definitude do determinante envolva um custoso processo de desenvolvimento, como pode ser constatado (CORREA, AUGUSTO &
ANDRADE-SILVA, 2008). A adequação da referência ao contexto
pode ainda pressupor o desenvolvimento de uma teoria cognitiva
pragmática da relevância (WILSON & SPERBER, 2001), o que irá
permitir ao falante selecionar a informação de ordem intencional
a ser ostensivamente expressa gramaticalmente, possibilitando
assim, ao ouvinte, identificá-la de forma inequívoca (Longchamps, em prep.).
É importante ressaltar, de todo modo, que distinções conceptuais/intencionais básicas podem levar à criança a buscar recursos formais de expressão antes de identificar como a língua as
apresenta. É o que parece acontecer com o modo gramatical, que
veicula distinções conceptuais/intencionais entre realis/irrealis, as
quais são expressas desde cedo, com parcos recursos linguísticos
(oposição entre finito/não finito, por exemplo) e cuja aquisição
completa passa por um longo processo dependente de habilidades
de processamento não disponíveis em tenra idade, como o processamento de estruturas complexas (cf. Longchamps, 2009).
Em suma, de acordo com a proposta teórica com que vimos
trabalhando, a inicialização do sistema computacional se dá a partir da distinção de classes fechadas (funcionais) e abertas (lexicais),
aliada à informação relativa a ordem, representadas no léxico
por um mínimo de traços formais. Essa inicialização possibilita
que uma análise sintática (parsing) seja conduzida, a partir da
qual categorias funcionais e lexicais são progressivamente diferenciadas. Variações entre padrões morfofonológicos sinalizam
distinção de valores de um dado traço formal. O pressuposto de
que enunciados linguísticos remetem a entidades e eventos impulsiona o processamento na interface semântica, por meio do qual
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Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista
as distinções conceptuais/intencionais expressas na morfologia
vêm a ser interpretadas. O processamento na interface semântica
e a total especificação dos traços formais de categorias funcionais
é, contudo, um processo custoso que pode depender da interação
entre a língua e outros sistemas cognitivos. E uma vez que estes
interagem, a língua pode ter um papel no desenvolvimento de
aspectos da cognição mais ampla, como tem sido aventado e
discutido com relação ao papel da complementação sintática no
desenvolvimento dos estágios mais avançados da Teoria da Mente
(de Villiers, 2004; AUGUSTO & CORREA, 2009; VILLARINHO
& MARCILESE, 2009) e pode ser constatado no desenvolvimento
de habilidades numéricas (Marcilese, 2011).
Assim sendo, uma abordagem psicolinguística para aquisição da linguagem aliada a uma concepção minimalista de língua
fornece um quadro teórico que focaliza diretamente o problema
de aprendibilidade que a aquisição de uma língua materna
apresenta, e possibilita a exploração de diferentes aspectos do
desenvolvimento linguístico.
3. Para concluir
Este artigo teve como principal propósito demonstrar
como o problema da aprendibilidade que a aquisição da linguagem apresenta requer a articulação linguística/psicolinguística.
Esboçamos, então, um procedimento de aquisição da linguagem
que caracteriza a passagem de uma análise de base prosódica e
distribucional do material da fala no primeiro ano de vida para a
análise sintática de enunciados linguísticos, assim como a progressiva especificação de traços formais de categorias funcionais. Para
isso, conciliou-se a hipótese do bootstrapping fonológico com uma
concepção minimalista de língua e de faculdade de linguagem.
O pressuposto da concordância, guiando a análise de relações
locais entre segmentos identificados como membros de classes
abertas e fechadas foi enfatizado, assim como o foi o pressuposto
da referência a entidades, estados e eventos como desencadeador
do processamento na interface semântica. Esse último apresentase mais complexo por envolver possíveis relações entre a língua
e outros sistemas cognitivos ou por requerer habilidades de processamento mais avançadas (como o processamento de sentenças
complexas). Consideramos, assim, que o estabelecimento de um
diálogo entre teoria linguística, a partir da proposta minimalista,
e uma abordagem procedimental para a aquisição da linguagem
pode ser produtivo.
A proposta minimalista favorece a convergência de abordagens formalistas e funcionalistas, uma vez que traços formais
podem ser vistos como decorrentes de gramaticalização, na constituição das línguas humanas. Favorece também a convergência
de abordagens para a aquisição da linguagem que partem de
diferentes perspectivas epistemológicas, uma vez que restrições
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à forma das gramáticas são tidas como decorrentes de imposições
das interfaces entre a língua e sistemas que atuam no desempenho
linguístico. Entendemos essas convergências como indicativas de
amadurecimento teórico. Assim, a nosso ver, o estado-da-arte que
hoje se apresenta, ainda que longe de ser amplamente reconhecido,
dá indícios de que nos aproximamos de um melhor entendimento
da natureza da linguagem e do processo de aquisição de uma
língua. Um melhor entendimento desse processo mostra-se fundamental quando se consideram problemas de desenvolvimento
linguistico e de habilidades a este vinculadas.
Abstract
The learnability problem of language acquisition
is viewed as requiring a both linguistic and
psycholinguistic treatment. Difficulties for an
effective joint approach to this problem are identified. An integrated approach is proposed which
reconciles the phonological bootstrapping hypothesis with a minimalist conception of language.
The early distinction between closed and open
lexical classes is considered to be fundamental
to the initialization of a universal computational
system. Linguistic development is characterized
as the progressive specification of the formal features of the functional categories, as processing
at the phonetic and semantic interfaces proceeds.
Directions for future research on language acquisition in the light of this approach are suggested.
Keywords: language acquisition; learnability;
innately guided learning; bootstrapping; minimalism; phonetic interface; semantic interface;
formal features.
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Descobrindo novas palavras no fluxo
da fala: o impacto da prosódia
na aquisição lexical
Maria Cristina Name (UFJF)
Recebido 15, jan. 2011 / Aprovado, 7 mar. 2011
Resumo
Discute-se o papel da informação prosódica na
aquisição lexical por crianças adquirindo o português do Brasil, tendo por foco elementos da
categoria lexical ADJ(etivo). Assume-se que a
fala se organiza em constituintes prosódicos hierarquicamente dispostos, parcialmente sensíveis
à estrutura sintática, e defende-se que adultos e
crianças usam pistas prosódicas para o reconhecimento da posição do adjetivo no DP (Experimento
1), identificam pseudopalavras como novos adjetivos (Experimento 2) e atribuem valor subjetivo
ao realce prosódico do adjetivo anteposto a N (Experimento 3). Discutem-se os resultados obtidos à
luz de modelos de processamento comprometidos
com a aquisição de linguagem.
Palavras-chave: aquisição lexical, prosódia,
adjetivo, bootstrapping fonológico, DP.
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011
Gragoatá
Maria Cristina Name
Introdução
Compreender o rápido processo de aquisição de uma língua
pela criança é, ainda, um desafio para as ciências. No que se refere
especificamente à aquisição do léxico, busca-se entender como o
bebê/a criança segmenta o fluxo da fala em elementos menores e
os extrai, para que possa então mapear essas unidades linguísticas
com entidades semânticas ligadas a referentes do mundo (FRIEDERICI & THIERRY, 2008; SNEDEKER & GLEITMAN, 2004). Para
dar conta das etapas iniciais do processo, anteriores à apreensão
de significado, o modelo de Bootstrapping Fonológico (MORGAN
& DEMUTH, 1996; CHRISTOPHE ET AL., 1997) defende que
habilidades perceptuais permitem ao bebê processar informação
fonológica dos enunciados, levando à identificação de unidades
sintáticas. Tais habilidades também seriam usadas no processamento de falantes que já adquiriram uma lingual (ou mais). Para
esse modelo, o envelope prosódico da fala, sensível à sua estrutura
sintática (cf. NESPOR & VOGEL, 1986; SELKIRK, 1984), tem um
papel fundamental, delimitando unidades linguísticas menores,
facilitando sua segmentação e sinalizando, dessa forma, elementos
distintos que poderiam ser adquiridos (no processo de aquisição de uma língua) ou reconhecidos (no processamento adulto)
como membros de diferentes categorias lexicais e relacionados a
conteúdo semântico.
Neste artigo, ilustraremos o papel da informação prosódica
na aquisição de vocabulário por crianças adquirindo o português
do Brasil (doravante, PB), focalizando elementos da categoria
lexical ADJ(etivo). A partir da análise acústica da fala dirigida
à criança, mostraremos que o envelope prosódico de sintagmas
em que nomes e adjetivos se inserem se distingue em função da
posição desses últimos em relação aos primeiros, permitindo que
adultos reconheçam a posição de tais itens a partir da prosódia do
DP. Em seguida, apresentaremos resultados de atividades experimentais sugerindo que crianças de três anos são guiadas por
informação de natureza prosódica para identificar pseudopalavras
como adjetivos e que tal informação também é usada por crianças mais velhas, de seis anos, sinalizando a mudança da ordem
canônica do adjetivo em relação ao nome e delimitando o tipo de
informação veiculada pelo adjetivo antesposto – qualificadora,
subjetiva e não classificadora, objetiva.
1. Algumas considerações sobre prosódia
e aquisição de adjetivos
A pesquisa experimental em aquisição da linguagem, nas
últimas décadas, apresenta evidência de sensibilidade a propriedades prosódicas do estímulo linguístico que são usadas
precocemente pelo bebê nas etapas iniciais da aquisição lexical
(JUSCZYK, CUTLER, & REDANZ, 1993; TURK, JUSCZYK, &
78
Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011
Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical
GERKEN, 1995). Bebês adquirindo inglês ou alemão começam
a segmentar palavras no fluxo contínuo da fala a partir dos seis
meses de idade (JUSCZYK & ASLIN, 1995 para o inglês; HÖHLE
& WEISSENBORN, 2003 para o alemão). O início desse processo
parece se dar um pouco mais tarde para bebês expostos ao holandês (HOUSTON ET AL., 2000; KUIJPERS ET AL., 1998 apud
NAZZI ET AL., 2006) ou ao francês (NAZZI ET AL., 2006).
Pistas relativas a fronteiras de constituintes prosódicos
são particularmente robustas, facilitando a segmentação lexical.
Christophe e colaboradores (2003) observaram que bebês de 13
meses habituados a extrair determinada palavra alvo eram mais
eficientes na tarefa quando essa palavra constituía de fato uma
palavra (ex.: paper) do que em sentenças nas quais a palavra se
posicionava em fronteira fonológica (ex.: pay performs), o que
sugere o uso de fronteiras de sintagma fonológico na extração de
palavras por bebês. Tais propriedades podem ser fontes privilegiadas de informação sintática, pois ainda que não haja isomorfia
total entre a estrutura prosódica e a estrutura sintática (NESPOR
& VOGEL, 1986), fronteiras de alguns constituintes prosódicos
podem delimitar estruturas sintáticas e lexicais.
A Fonologia Prosódica de Nespor e Vogel (1986) estabelece
que a fala se organiza em níveis prosódicos hierarquicamente
dispostos, com um constituinte se formando a partir do(s)
constituinte(s) de nível imediatamente mais baixo em um total
de sete domínios. O menor constituinte é a sílaba e o maior, o
enunciado fonológico. Assumindo-se que a criança penetra na
sintaxe de sua língua a partir da interface fonética/fonológica (cf.
Modelo de Bootstrapping Fonológico: MORGAN & DEMUTH, 1996;
CHRISTOPHE ET AL., 1997), consideramos que propriedades
da fala que sinalizam a estrutura sintática subjacente podem ser
facilitadoras da identificação dos elementos lexicais. Além disso,
consideramos também que especificidades do input ao qual a
criança tem acesso – especificamente a fala dirigida à criança
(FDC) – podem mediar esse processo, embora não constituam
elementos essenciais para o desencadeamento da aquisição de
uma língua.
Escolhemos tratar do aspecto prosódico na aquisição de
adjetivos pelas seguintes razões: (a) de modo geral, as pesquisas
relativas à identificação de adjetivos (e nomes) por crianças em
processo de aquisição de primeira língua costumam focalizar
processos semânticos e morfossintáticos (para revisão, ver WAXMAN, 2004), deixando de lado etapas anteriores de segmentação
e identificação desses itens no enunciado linguístico. Como a
maioria dos estudos é conduzida em inglês, cuja ordem dos elementos no sintagma determinante (DP) é rígida (Det-Adj-N), o
problema de reconhecimento lexical parece ser menos complexo
para a criança; (b) a relativa flutuação do adjetivo face ao nome
no português poderia dificultar sua identificação, necessitando
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Gragoatá
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de informação semântica robusta, a menos que outra fonte de
informação esteja disponível para a criança.
No português, o adjetivo aparece antes ou depois de N, com
preferência pela posposição, podendo haver implicações semânticas na escolha (adjetivo anteposto tendo valor mais subjetivo,
ligado à intenção do falante). A questão é se essas diferentes configurações sintáticas têm repercussões na estrutura prosódica do
DP complexo, de modo que pudessem ser exploradas pelo bebê
na segmentação desses elementos e posterior reconhecimento e
atribuição de traços categoriais como N e ADJ. Para investigar esse
ponto, analisaremos acusticamente DPs com adjetivos antepostos
e pospostos presentes na fala dirigida à criança brasileira.
2. Propriedades acústicas do DP em função
da posição do adjetivo na FDC
Matsuoka e Name (2011) analisaram os parâmetros de duração, intensidade e pitch de nomes e adjetivos em DPs seguindo
tanto a ordem canônica quanto a não canônica do português (por
meio do PRAAT: BOWERSMA & WEENINK, 2001). Os dados
foram obtidos de gravações de contação de história para a criança.
Era pedido ao adulto (mãe ou professora) que inventasse uma
historia a partir das imagens de um livro, sendo que algumas
gravuras apresentavam pequenas passagens, textos cuja inserção
na historia era obrigatoria. Foi usado esse artifício para garantir a
produção de DPs pelos diferentes contadores de historia. Também
foram apresentadas imagens com frases distratoras, de modo que
os participantes não percebiam o objetivo da atividade. A análise
da duração revelou que a tônica de ADJ é sempre mais longa do
que a de N na mesma posição, com diferenças significativas tanto
na primeira quanto na segunda posição (t(32)= 4,220; p=<0.0001,
e t(30)=2,383; p<0.03, respectivamente).
Fig. 1. Curva de duração do DP pleno (ms)
No que se refere à intensidade, as curvas de N e ADJ também
apresentam comportamentos distintos. Quando se encontra em
primeira posição no DP, ADJ é evidenciado com uma elevação
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Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical
da intensidade na tônica, o que não ocorre em N nessa posição,
mesmo sendo todos os itens paroxítonos (Fig. 2).
Fig. 2. Curva de Intensidade do DP pleno
em situação espontânea (dB)
A análise do pitch também apontou para um realce de ADJ
no DP: em anteposição, o adjetivo é claramente evidenciado na
FDC. Comparados às analises de fala de adulto no PB (Serra, 2005),
os dados da FDC se mostram ampliados, com um realce acústico
do adjetivo em anteposição.
A posição estrutural dos nomes e adjetivos no DP parece,
portanto, ter implicações na estrutura prosódica da FDC, o que
poderia ser usado pela criança para a identificação da estrutura
sintática. Em breve, avaliaremos a sensibilidade do bebê a essas
variações do contorno prosódico no DP; nossa previsão é que são
variações robustas o suficiente para permitir a discriminação
entre DPs com adjetivo posposto e anteposto. No momento, temos
resultados parciais do uso de pistas prosódicas na identificação
da posição de ADJ no DP por adultos brasileiros.
3. Identificação da ordem dos constituintes no DP
por adultos a partir de pistas prosódicas
Se propriedades acústicas do enunciado linguístico são
passíveis de serem captadas por adultos tanto quanto por bebês,
os diferentes contornos prosódicos do DP pleno deveriam permitir
ao falante/ouvinte adulto brasileiro identificar a posição do adjetivo no sintagma. Para investigar tais habilidades, apresentamos
a dez participantes adultos imagens retratando cenas de mães
interagindo com suas crianças na tela de um laptop, simultaneamente a frases acusticamente manipuladas. A manipulação dos
DPs, feita através do Praat (BOWERSMA & WEENINK, 2001),
buscou eliminar a informação segmental, preservando a informação prosódica. Para cada imagem teste foi elaborada uma frase
contendo um DP pleno do tipo DET-N-ADJ/ADJ-N, sendo que os
adjetivos escolhidos podiam ocupar a posição anteposta ou posposta a N (p.ex., bonita historia / historia bonita). Distratoras foram
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igualmente camufladas, mas sem utilização de DPs. No total, cada
participante viu onze imagens (uma de treinamento, quatro testes
e seis distratoras). Em uma folha, as palavras camufladas no áudio
eram apresentadas desordenadamente e o participante, após ouvir
a frase, deveria anotar a ordem percebida das palavras.
No total, 75% das respostas foram congruentes com o
contorno prosódico apresentado na condição N-ADJ e 70% na
condição ADJ-N. Assim, apesar da força da ordem canônica N-ADJ
no PB, os participantes escolheram preferencialmente a ordem
inversa na condição ADJ-N, sugerindo que o envelope prosódico
do DP sinalizou a posição do adjetivo, já que não havia outra
informação disponível. Ainda que parciais, os resultados apontam
para uma sensibilidade do adulto falante do PB às propriedades
prosódicas do DP complexo no que se refere à posição do adjetivo.
Vimos, até o momento, que diferentes configurações sintáticas do DP têm repercussões na sua estrutura prosódica, e que
adultos são capazes de reconhecer tais configurações a partir da
prosódia. Buscamos, ainda, verificar se, no percurso de aquisição
de vocabulário, a criança faz uso de informação prosódica para
identificar novos adjetivos e se relaciona o realce prosódico às
implicações semântico-pragmáticas do adjetivo anteposto.
4. O uso de pistas prosódicas na aquisição lexical
O reconhecimento de novos adjetivos por crianças pequenas parece se apoiar no Nome. Mintz e Gleitman (2004) testaram crianças americanas de dois e três anos apresentando-lhes
objetos conhecidos (carro, flor etc.) com texturas insólitas que
foram nomeadas por pseudoadjetivos. Os objetos podiam ser
apresentados pelos seus nomes conhecidos ou por nomes vagos
(think), sempre acompanhados dos novos adjetivos (stoof). Em
seguida, novos objetos eram apresentados mostrando a mesma
textura que os anteriores ou não, e pedia-se à criança para apontar
aquele que fosse stoof. Crianças de ambas as idades não tiveram
problema em mapear o novo adjetivo à propriedade quando este
foi apresentado junto ao nome do objeto (a stoof car), mas tiveram
dificuldade quando acompanhado de nome vago (a stoof think).
Azevedo (2008; AZEVEDO & NAME, 2008) replicou o experimento com crianças brasileiras e obteve os mesmos resultados.
Em seguida, reformulou a atividade, adicionando um sufixo aos
adjetivos (maposa, bivado). Crianças de dois e três anos facilmente
relacionaram o novo adjetivo à textura, apontando para o alvo
congruente à familiarização. Tais resultados sugerem que informação morfofonológica auxilia a aquisição de novos adjetivos
por crianças a partir de dois anos, mesmo na ausência do nome
conhecido.
E quanto à informação prosodica? Matsuoka e Name
(2011) partiram dos resultados de Azevedo (2008) e fizeram um
piloto com oito crianças da mesma faixa etária adquirindo o PB.
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Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical
A intenção é investigar se o adjetivo prosodicamente realçado
facilitaria seu mapeamento à propriedade desconhecida, mesmo
na condição de apresentação do objeto por nome vago. Foram
três as condições: (1) nome concreto (carro) associado a adjetivo
sem realce prosódico (betujo); (2) nome vago (negócio) associado
a adjetivo sem realce prosódico (betujo); e (3) nome vago (negócio)
associado a adjetivo com realce prosódico (BETUJO). Diferentes
objetos, texturas, nomes e pseudoadjetivos foram usados, controlando-se o gênero do nome.
Quando realçado prosodicamente, as crianças identificaram
sem dificuldade o novo adjetivo, mesmo diante de nome vago. Na
ausência de marcação prosódica, a taxa de acerto (i.e., de reconhecimento do adjetivo) foi menor, fosse na presença de nome concreto
ou vago. Dado o número limitado de crianças, não é possível fazer
uma análise estatística, mas é nítida a diferença da taxa de acertos
entre a condição 3 – adjetivo com realce prosódico – e as demais,
como podemos ver no quadro a seguir.
Condição
N conc + ADJ -P
N vago + ADJ -P
N vago + ADJ +P
Taxa de acertos
(%)
75
50
91,6
Fig. 3: Taxa de mapeamento consistente
de pseudoadjetivo à propriedade (%)
A ênfase prosódica do adjetivo parece ter facilitado seu
mapeamento à nova propriedade, neutralizando a dificuldade
encontrada pelas crianças diante do nome vago. Esses resultados
parciais apontam, portanto, para o uso de informação prosódica
pela criança no processo de aquisição lexical, para a identificação de novas palavras como pertencentes à categoria ADJ e seu
mapeamento à informação semântica de propriedade de objeto.
A etapa seguinte de nossa pesquisa foi avaliar se crianças
já adiantadas no processo de aquisição de vocabulário atribuem
algum valor semântico à relação entre realce prosódico e posição
do adjetivo no DP. Uma análise meramente acústica do enunciado
permitiria identificar diferentes categorias lexicais no DP. Vimos
que o adjetivo é sempre prosodicamente mais marcado do que o
nome, independentemente de sua posição. Assim sendo, a criança
pode generalizar, assumindo que o elemento prosodicamente
realçado será sempre um adjetivo, sendo sua posição no sintagma
flutuante. Porém, o realce prosódico do adjetivo anteposto advém,
justamente, da carga semântico-pragmática que ele carrega com
seu deslocamento, podendo acarretar alteração de sentido (homem
pobre / pobre homem) ou sublinhar a intenção avaliativa do
falante, e não se adequa a todos os adjetivos, mas àqueles considerados subjetivos ou qualificadores (NEVES, 2000). Até que ponto
a criança adquirindo o PB é capaz de perceber tais nuances?
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Lanini (em prep.) buscou avaliar o conhecimento de crianças
brasileiras, no que se refere à relação prosódia-sintaxe-semântica.
Mais especificamente, investigou se crianças de seis anos relacionam o realce prosódico do adjetivo anteposto com o tipo de
informação veiculada – qualificadora, subjetiva ou classificadora,
objetiva.
Em uma variante da tarefa de julgamento de gramaticalidade, as crianças deveriam ajudar um boneco extraterrestre que
estava aprendendo o PB, corrigindo-o quando necessário. Diante
de imagens conhecidas, o ET produzia frases contendo adjetivos
antepostos a nomes, variando na sua natureza (qualificador ou
classificador) e no realce prosódico (presente ou ausente). Em meio
a frases distratoras, foram produzidos enunciados das condições
(a) adjetivo congruente à posição, prosodicamente marcado (Con
+P: que LINDO carro); (b) adjetivo congruente, prosodicamente
não-marcado (Con -P: que lindo carro); (c) adjetivo incongruente,
prosodicamente marcado (Inc +P: que SUJO carro); (d) adjetivo
incongruente, prosodicamente não-marcado (Inc -P: que sujo carro).
Participaram onze crianças com idade media de seis anos. Se as
crianças nessa idade já têm domínio do valor intencional do realce
prosódico dado pelo falante no adjetivo anteposto, prevê-se maior
aceitação da fala do ET na condição (a), que apresenta adjetivo
subjetivo realçado, assim como maior rejeição na condição (c),
cujo adjetivo prosodicamente marcado é de natureza objetiva,
não avaliativa. Nas condições de prosódia não marcada ((b) e (d)),
estimam-se taxas baixas de correção, maiores que a condição (a)
e menores que a condição (c).
Como esperado, a taxa de correção para a condição Con +P
(condição (a)) foi muito baixa, inferior a 10% do total de enunciados.
A condição (c), Inc +P, recebeu maior taxa de correção (54,5%), ao
passo que as condições com prosódia não realçada tiveram taxas
menores que (c) e maiores que (a), conforme previsto (ambas 31,8%).
Comparando-se o tipo de adjetivo com prosódia realçada ((a) vs.
(c)), a diferença entre as medias foi estatisticamente significativa
(t(10)=3.61, p=.005), o mesmo se dando entre adjetivos incongruentes realçados ou não ((c) vs. (d): t(10)=2.25, p<.05).
Os adjetivos inadequadamente antepostos (classificadores),
sem realce prosódico, tiveram baixo índice de rejeição (condição
(d), 31,8%), mas quando realçados prosodicamente, foram mais
rejeitados (condição (c), 54,5%). A ênfase prosódica parece realçar
a natureza semântica do adjetivo, licenciando qualificadores
(condição (a), 9,1%), mas rejeitando classificadores nessa posição
(condição (c). De acordo com tais resultados, podemos concluir
que crianças brasileiras, aos seis anos, dominam a relação que se
estabelece entre prosódia, sintaxe e semântica, no que se refere
ao adjetivo no DP.
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Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical
Fig. 4: Taxa de correção da fala (%)
Conclusão
Neste artigo, investigamos o impacto da prosódia na aquisição lexical por crianças adquirindo o PB, focalizando elementos da
categoria lexical ADJ. Os resultados apresentados apontam para a
exploração das pistas oferecidas pelo envelope prosódico tanto por
crianças como por falantes adultos. No experimento com adultos,
verificamos que a informação prosódica se sobrepôs ao viés da
ordem canônica, de modo que os DPs do tipo ADJ-N tiveram taxa
de acerto próxima à dos DPs N-ADJ. Esses resultados são inéditos
e, ainda que parciais, apontam para o uso do contorno prosódico
do DP na identificação da posição dos elementos N e ADJ, que
pode variar. Nos experimentos com crianças, verificamos que o
uso da ênfase prosódica no ADJ facilitou a identificação da nova
palavra como adjetivo, mesmo na ausência de marca morfofonológica e diante de nome vago. Ainda, o realce prosódico salientou a
natureza semântica do adjetivo anteposto, licenciando qualificadores mas rejeitando classificadores nessa posição. Mais uma vez,
trata-se de evidência de que propriedades prosódicas presentes
na FDC podem auxiliar a criança no processo de constituição do
léxico, sinalizando informação categorial e semântico-pragmática
através do realce prosódico.
Defendemos assim que (i) essas pistas prosódicas são robustas no que tange à distinção da posição do adjetivo dentro do DP
e permitem a distinção das categorias lexicais N e ADJ na FDC
brasileira; (ii) crianças e adultos podem fazer uso dessas pistas
no processo de aquisição lexical (e sintática) e no processamento
linguístico.
Os resultados apresentados vão ao encontro de um modelo
de aquisição da linguagem e de processamento adulto que considera relevante informação de natureza prosódica (cf. Bootstrapping Fonológico), assim como um modelo mais afinado com a
teoria gerativa (cf. Modelo Integrado da Competência Linguística,
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MICL). O primeiro (Morgan e Demuth, 1996; Christophe et al.,
1997) pressupõe que o ouvinte capta os enunciados linguísticos
organizados a partir de suas propriedades prosódicas, e busca
dar conta tanto do processo de aquisição de uma língua por
bebês, quanto do processamento adulto. Quanto ao MICL (Corrêa
e Augusto, 2007), a árvore sintática vai se formando enquanto o
processamento está em curso, e o falante atribui à estrutura sintática o envelope prosódico compatível, enquanto que o ouvinte,
a partir da prosódia, vai derivando sintaticamente uma dada
estrutura arbórea.
Abstract
We discuss the role of prosodic information on
lexical acquisition by Brazilian children, focusing
on nouns and adjectives. We assume that fluent speech is organized in prosodic constituents
hierarchically arranged, partially sensitive to
the syntactic structure. Based on experimental
results, we claim that children and adults use
prosodic cues to identify the adjective order in a
DP ((Experiment 1), recognize non-words as new
adjectives (Experiment 2) and relate the prosodic
emphasis of the pronominal adjective to its subjective value (Experiment 3). We discuss these
results in light of language acquisition models.
Keywords: lexical acquisition, prosody, adjectives, phonological bootstrapping, DP
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A interpretação dos numerais
na aquisição da linguagem
Mercedes Marcilese (PUC-RJ)
Marina Rosa Ana Augusto (UERJ e PUC-RJ)
Letícia Maria Sicuro Corrêa (PUC-RJ / LAPAL)
Recebido 15, jan. 2011 / Aprovado 7, fev. 2011
Resumo
Este artigo aborda questões relativas à aquisição
dos numerais. Diferentes perspectivas para dar
conta do mapeamento entre as quantidades percebidas pela criança e os itens correspondêntes
na sequência dos numerais são apresentadas.
Um experimento de compreesão com crianças de
3 e 4 anos de idade, visando a avaliar o tipo de
interpretação preferida para os numerias, é reportado. Os resultados são compatíveis com a ideia
de que, mesmo que em certos contextos numerais
possam receber leituras escalares ou aproximadas,
esses itens são associados desde cedo pela criança
a quantidades exatas. Essa infomação pode ser
crucial para explicar o processo de aquisição desses
elementos.
Palavras-chave: aquisição – numerais – interpretações exatas vs aproximadas
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011
Gragoatá
Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Maria Sicuro Corrêa
Introdução
1
Numerosidade é
definida como a
p r op r ie d ade de u m
estímulo definida pelo
número de elementos
discrimináveis que um
determinado conjunto
contém.
2
A literatura apresenta
relatos de culturas que
parecem não fazer uso
da contagem e cujas
línguas aparentemente
não contêm termos
específicos para
quant idade (Everet t,
2005, 2007; Frank et al
2008). Contudo, mesmo
nesses casos, considerase que a capacidade
inata de desenvolver
uma cognição numérica
mais sofisticada estaria
pre s e nte, a i nda que
latente.
90
Os seres humanos, assim como outras espécies, estão dotados do chamado senso numérico (Dehaene, 1997); isto é, um tipo
de intuição sobre o número e suas propriedades. O senso numérico diz respeito à capacidade de reconhecer a diferença entre um
único objeto e conjuntos formados por dois, três ou mais objetos.
A representação da numerosidade1 exata e a capacidade de lidar
com operações aritméticas dependem em boa parte desse senso
numérico.
Nas culturas nas quais habilidades de contagem são manifestas, a linguagem é utilizada para fazer referência a numerosidades
e operações matemáticas com números2. Nesse sentido, pode-se
dizer que nosso conhecimento numérico é, em boa parte, linguisticamente representado. Quantificadores e numerais de um modo
geral podem ser definidos como “expressões de quantidade”, uma
vez que, semanticamente, são elementos que estabelecem uma
predicação sobre conjuntos de indivíduos (BARWISE & COOPER,
1981). Assim sendo, consideraremos aqui que a diferença crucial
entre quantificadores e numerais se relaciona com o fato de que
as quantidades codificadas em cada caso são mais ou menos exatas. Entretanto, a idéia de que numerais estejam necessariamente
vinculados à representação de quantidades exatas é um tópico
controverso na literatura linguística. Na perspectiva neo-griceana
(Horn, 1972, 1989; Gadzar, 1979; Levinson, 1983), numerais
apresentam uma semântica de limites fracos da mesma forma que
os termos escalares. Esses termos são definidos como conjuntos
de itens lexicais que podem ser organizados numa relação ordinal
(i.e. uma escala) de acordo com o peso da informação que eles
carregam. Horn (1989) fornece os seguintes exemplos:
(1)
<all, most, many, some>
<none, few, not all>
<always, usually, often, sometimes>
Palavras como algum e um pouco, não teriam um limite lexicalmente codificado sendo assim semanticamente compatíveis
com termos fortes como todo. Nessa perspectiva, os numerais são
caracterizados seguindo a mesma lógica: cinco significaria pelo
menos cinco, mas possivelmente mais. Assim, numerais receberiam
interpretações exatas apenas via a regra de implicatura escalar.
Na direção oposta, há quem defenda uma semântica exata
para os numerais (Koening, 1991; Breheny, 2005; dentre
outros). Interpretações escalares dos numerais são produzidas,
Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011
A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem
segundo essa abordagem, por restrições contextuais ou por referência a subconjuntos e não por uma semântica pouco delimitada.
Por último, uma terceira proposta considera que o significado +exato para os numerais seria aprendido via ensino formal, mas não naturalmente adquirido (Levinson, 2000). Cabe
salientar que a semântica dos numerais é um tópico de relevância
para a compreensão de pelo menos duas questões principais: (i)
a natureza e o desenvolvimento do conceito de número e (ii) a
distinção entre significado e interpretação.
Diante do quadro anteriormente traçado, o estudo da
interpretação dos numerais por parte de crianças que ainda
não passaram por ensino formal constitui uma fonte de dados
particularmente informativa, tendo em vista que: (i) crianças
apresentam um desempenho caracteristicamente fraco no que
diz respeito ao cálculo de implicaturas escalares (assim como das
implicaturas em geral); (ii) considera-se que a partir do estudo
da aquisição dos números/numerais é possível examinar de que
forma a interpretação se vê afetada pelo aprendizado do seguinte
item na sequência de contagem; (iii) a investigação com crianças
pequenas pode ser informativa a respeito da interpretação das
palavras para números antes de qualquer contato com a matemática formal (Huang et al, 2004).
Do ponto de vista da aquisição, o fato de ambos os elementos, numerais e quantificadores, compartilharem propriedades
semelhantes pode eventualmente vir a dificultar a identificação,
por parte da criança, dos numerais como itens que veiculam crucialmente informação relativa a quantidades exatas. Em Marcilese
et al. (2009), a interpretação dada por crianças na faixa etária dos 2
anos de idade a quantificadores (um, alguns, uns e todos) e numerais
(de 1 a 4) foi examinada experimentalmente. A possibilidade de
associar numerais e quantidades exatas foi observada, nessa faixa
etária, no que concerne aos numerais um e dois. Foi registrado um
comportamento distinto em relação ao termo um, apresentado
como numeral ou como quantificador que sugeriu um tratamento
diferenciado para quantificadores e numerais, sendo a leitura
[+exata] privilegiada para os últimos. Essa investigação é agora
ampliada a partir da aplicação de um experimento de compreensão realizado com crianças mais velhas, de 3 e 4 anos, cujo objetivo
é avaliar o tipo de interpretação semântica preferencial para os
numerais por parte dessas crianças, que já dominam uma escala
mais ampla da sequência de contagem.
O artigo está estruturado da seguinte forma: na próxima
seção apresentamos brevemente diferentes perspectivas para dar
conta da aquisição dos numerais. Em seguida, são reportados os
resultados do experimento de compreensão conduzido. Finalmente, algumas conclusões são apresentadas.
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Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Maria Sicuro Corrêa
1. Aquisição de expressões de quantidade:
o caso dos numerais
Os numerais parecem diferir de outras formas de expressão
de quantidade, como por exemplo, os quantificadores, em vários
aspectos dentre os quais: a codificação de quantidades caracterizada pela precisão/exatidão, a sistematicidade do sistema
numérico no qual se inserem, a organização hierárquica, o fato de
fazerem parte de uma progressão infinita e de serem não-referenciais. Esses elementos apresentam a particularidade de estarem
inseridos numa sequência cujos itens aparecem não apenas em
contextos envolvendo quantificação, mas podem indicar tanto cardinalidade/numerosidade ou ordinalidade quanto propriedades
nominais de objetos empíricos (três copos, o quinto livro, o ônibus #2).
Bloom & Wynn (1997) chamam a atenção para o fato de que
a palavra quatro em uma frase como (2) não descreve um indivíduo
no mundo nem se refere a uma propriedade de alguma entidade.
(2) Quatro maçãs verdes
O numeral difere do nome maçã que faz referência a uma
entidade e do adjetivo verde que descreve uma propriedade atribuída a uma certa entidade, no caso, cada uma das maçãs. Quatro
é um predicado que se aplica ao conjunto de maçãs.
Resultados experimentais (Wynn, 1990; 1992) revelam
que durante um longo período, no qual já demonstra ser capaz
de distinguir conjuntos de dois e três elementos, a criança falha
na hora de mapear a numerosidade percebida com o numeral
correspondente. As evidências sugerem que, nessa fase, as crianças compreendem que dois e três são numerais (i.e. que referem à
numerosidade de conjuntos), mas não sabem exatamente o que
essas palavras significam. Se assumirmos – com base em dados
que sugerem habilidades precoces de discriminação e representação de quantidades pequenas (XU, 2003; dentre outros) – que
as crianças discriminam conjuntos formados por um, dois e três
elementos desde cedo, então a tarefa de adquirir os numerais
relativos a essas quantidades implicaria mapear esses termos com
conceitos já presentes na cognição. Mas como esse mapeamento
acontece?
Numa perspectiva empiricista tradicional (Mill, 1843/1973
apud Bloom & Wynn, 1997) o processo de aquisição dos
numerais ocorreria da seguinte forma. A criança percebe a
numerosidade de um dado conjunto (por exemplo, =3), escuta
a palavra utilizada para fazer referência a ele (três) e após uma
série de pareamentos similares aprende o significado do numeral (pareamento entre a numerosidade percebida e o numeral
utilizado). Essa explicação é, no entanto, limitada já que se aplica
somente à aquisição de números pequenos e, inclusive nesses
casos, não consegue explicar o lento padrão de desenvolvimento
antes mencionado.
92
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A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem
Uma segunda teoria para a aquisição dos numerais está
diretamente vinculada à capacidade de contagem. Num trabalho
clássico, Gelman (1972) afirmou que crianças na faixa dos três anos
possuem conhecimento de um conjunto de princípios que caracterizam o processo de contagem legítimo, embora careçam das
condições necessárias para articular ou explicitar tais princípios.
Cinco princípios foram definidos, cujo conhecimento implícito
forneceria as bases para a caracterização da capacidade de contar
(Gelman & Gallistel, 1978): o princípio da correspondência
um-a-um, o princípio de ordem estável, o princípio de cardinalidade, o princípio de abstração e o princípio da irrelevância da
ordem. Os três primeiros definiriam os procedimentos básicos da
contagem. O princípio um-a-um determina que cada elemento de
um conjunto seja associado a um rótulo, ou seja, os itens de um
dado arranjo são designados com sinais distintivos de forma que
uma e apenas uma marca seja utilizada para cada item. O segundo
princípio estabelece que a ordem dos rótulos deve ser sempre a
mesma e o terceiro diz respeito ao fato de que o último rótulo
utilizado na sequência de contagem indica o número total de
elementos no conjunto. Os restantes princípios teriam um caráter
complementar. No modelo para aquisição dos numerais proposto
pelos autores (Counting Model), a linguagem não é considerada
como um pré-requisito para a contagem e, nesse sentido, são
distinguidos os numerlogs (palavras de contagem convencionais)
dos numerons (rótulos que obedeçam aos princípios do contar, mas
que não precisam ser verbais ou sequer perceptíveis no comportamento do sujeito). Nesta perspectiva, as crianças adquiririam
o significado dos numerais com base na forma como estes são
utilizados na sequência de contagem, em particular a ordem de
cada elemento na sequência seria um ponto relevante.
Entretanto, há evidências contrárias a essa perspectiva. As
crianças parecem dominar a idéia de que numerais fazem referência a numerosidade – mesmo sem saber ainda o significado
de cada numeral – antes de compreenderem que a contagem
permite determinar a numerosidade de um conjunto; isto é antes
de compreenderem que a rotina de contagem tem alguma coisa
a ver com os números (Fuson, 1988; Wynn, 1990).
Há evidências de que a compreensão da rotina de contagem
se desenvolve em estágios (Wynn, 1990). Inicialmente, a criança
compreende que um se refere a “um objeto”. Nessa fase, quando se
lhe apresenta uma figura com um único peixe e outra com três e
lhe é solicitado mostrar um peixe ela apontará corretamente para a
figura individual. Quando se solicita à criança contar brinquedos
e entregar para o experimentador um a criança entrega exatamente um objeto. A criança também já compreende que todos os
outros nomes para números se aplicam a conjuntos com mais de
um objeto. Nessa etapa, ela nunca escolhe uma imagem com um
único objeto quando se solicita que mostre dois ou cinco. Ao mesmo
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Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Maria Sicuro Corrêa
tempo, a criança possui um entendimento limitado do significado
das outras palavras na rotina de contagem. Quando apresentadas
duas figuras (uma com dois e outra com três peixes) e se solicita
que aponte para os dois peixes, a criança responde aleatoriamente.
Até então “um” parece se referir a “um indivíduo” enquanto que os
restantes números fariam referência a “alguns indivíduos” (“mais
do que um”). Após aproximadamente 9 meses de experiência de
contagem, as crianças demonstram compreender o significado da
palavra “dois”. Nesse estágio, as crianças respondem consistentemente quando solicitadas a entregar dois objetos e produzem
arranjos com mais de dois elementos quando interrogadas sobre
números maiores. Três meses depois, as crianças mostram domínio da palavra “três”. Finalmente, elas exibem a compreensão de
todas as palavras na sua rotina de contagem.
Wynn (1990) considera que a aquisição da capacidade de
contar não seria guiada pelos princípios anteriormente apresentados, mas que a criança realmente aprende como contar. Para
Wynn, haveria um conhecimento de número do tipo “um”, “dois”
e “três” (oneness, twoness, threeness) independente da contagem e
as crianças apreenderiam o significado dos nomes de números
ao associá-los com numerosidades calculadas via subitizing (i.e. o
procedimento que permite avaliar de forma confiável a numerosidade de conjuntos formados por pequenas quantidades).
Wynn, em trabalho conjunto (BLOOM & WYNN, 1997),
parte de uma perspectiva diferente para dar conta do processo
de aquisição dos numerais. Os autores consideram que haveria
um conjunto de pistas linguísticas, presentes no input da criança,
que teria um papel importante na aquisição do significado dos
numerais. Tais pistas se associam a propriedades específicas
dos numerais, quais sejam:
- Numerais só podem ser utilizados com N contáveis, mas
não com N massivos;
- Numerais não podem aparecer com modificadores (*the
very five salamanders);
- Numerais precedem o Adj dentro do NP e não podem
aparecer pospostos a este (*brown three dogs); e
- Numerais, assim como alguns quantificadores, podem
ocorrer em construções partitivas (two of the dogs).
Com base na análise de dados longitudinais, os autores
consideram que tanto o input quanto a própria fala das crianças
pesquisadas apresentam evidência compatível com o fato de que
numerais se aplicam sobre indivíduos, denotam valores discretos,
não permitem modificação e quantificam conjuntos.
Em síntese, os numerais parecem diferir de outras formas de
codificação de quantidade, como por exemplo, os quantificadores,
94
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A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem
em vários aspectos. Particularmente, a aquisição dos numerais
estaria atrelada ao processo de aprendizado da sequência de
contagem. Antes mesmo de compreender esta relação, as crianças
parecem ser sensíveis ao fato de que os numerais se aplicam a
quantidades precisas e que variam se a numerosidade do conjunto
é alterada.
2. Experimento: interpretação de numerais na aquisição
Estudos prévios conduzidos no inglês sugerem que crianças
entre os 2-3 anos de idade aceitam interpretações aproximadas ou
escalares para quantificadores como some ou all, mas não para os
numerais um e dois (HUREWITZ et al, 2006; Huang et al, 2005).
No entanto, evidência compatível com interpretações aproximadas
para numerais também são encontradas na literatura. Resultados
de duas pesquisas com crianças adquirindo o português brasileiro
apontam nessa direção. França (2004) reporta que crianças na faixa
dos 3-6 anos de idade parecem aceitar interpretações escalares
para os numerais numa tarefa de julgamento de aceitabilidade.
Carvalho et al (2010), por sua vez, relatam que crianças de 4 e 6
anos produziram sentenças que indicam um uso aproximado dos
numerais durante uma tarefa de produção (sentenças do tipo: O
caminhão carrega três caixas, frente a uma imagem de um caminhão
carregando mais de três caixas).
Diante desses resultados conflitantes, o experimento que
reportamos a seguir visou a investigar se numerais favorecem
interpretações exatas em adultos escolarizados e crianças em
idade pré-escolar (3 e 4 anos de idade).
Os objetivos do experimento foram: (i) verificar se a interpretação exata dos numerais fica restrita àqueles itens cuja cardinalidade a criança já adquiriu e (ii) verificar se instruções verbais que
fornecem contextos diferentes para a interpretação (favorecendo
interpretações exatas ou aproximadas) afetam o tipo de leituras
preferenciais para os numerais.
As predições foram as seguintes:
• Adultos devem apresentar uma preferência default
por interpretações exatas;
• As leituras exatas no grupo de crianças mais novas
(3 anos) deve ficar restrita aos numerais um e
possivelmente dois (i.e. aqueles cujo significado já foi
adquirido);
• Crianças mais velhas (4 anos) devem interpretar
como sendo preferencialmente exatos os numerais
um, dois e três.
Foi utilizada uma tarefa de identificação de imagens e dois
tipos de instruções verbais: uma que favorece a leitura exata Numa
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caixa tem n X. Qual é a caixa? Mostra para mim; e outra que não a
favorece Numa caixa tem n X. Me mostra onde tem n X.
Na primeira condição, o uso de um DP definido na pergunta
(Qual é a caixa?) favorece a escolha de apenas uma das opções
apresentadas, o que pode direcionar para uma interpretação
exata (podendo ser considerado pragmaticamente inadequado).
Na segunda condição, a ausência de qualquer D definido deixa
em aberto a possibilidade de haver mais de uma interpretação
possível para o numeral (tanto a exata quanto a aproximada). O
experimento foi inicialmente conduzido com a instrução 1. Foi
observado, no entanto, que tal instrução poderia acarretar um
bias para a leitura exata, ainda que não fosse esperado que a interpretação do traço definitude influenciasse o comportamento de
crianças dessa faixa etária (Correa et al, 2008; Rubinstein et
al, 2009). Por essa razão, o estudo foi ampliado com outro grupo
de crianças para quem foi dada uma instrução que deixasse a
interpretação aberta.3 Assim sendo, tipo de instrução foi tomado
como variável independente.
Desta forma, as variáveis independentes foram: idade (3
e 4 anos e adultos), tipo de instrução recebida (favorecendo uma
interpretação única ou aberta) e numeral (um, dois, três, quatro
e cinco). As duas primeiras variáveis foram fatores grupais e a
terceira um fator intra-sujeitos. Na tarefa experimental era apresentada uma imagem com três possíveis conjuntos: um com o
número exato de objetos indicado na instrução verbal, um com
um elemento a mais e outro com o número exato, mas de outro
tipo de objetos. A variável dependente foi o número de respostas
indicando pareamento um-a-um entre o numeral apresentado na
instrução verbal e o número de elementos na imagem selecionada
(pareamento numeral-número de objetos).
2.1. Método
Participantes
Deve-se, ainda, salientar que se fez uso
de sentenças contendo
existenciais que, de forma geral, não admitem
leitura definida (*Há as
duas maças aqui), uma
vez que essa (as duas
maças vs. duas maças)
poderia levar a uma tendência da leitura exata.
(cf. VIOTTI, 2002, para
uma discussão sobre o
efeito de definitude das
construções existenciais
para o PB.)
3
96
Participaram do experimento: 26 crianças na faixa dos 3
anos de idade (média 3;6 / intervalo 3;5-4;1), das quais 11 meninas, 26 criança na faixa dos 4 anos de idade (média 4;7 / intervalo
4;2-5;2), das quais 13 meninas e 26 adultos no grupo controle.
As crianças foram testadas em 4 escolas/creches particulares do Estado do Rio de Janeiro às quais frequentavam.
Materiais
Foram utilizados 15 frases experimentais e um mesmo
número de pranchas. Foram utilizados ainda 3 pares de frases/
pranchas na fase de pré-teste. Os estímulos foram apresentados
Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011
A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem
no formato Power Point na tela de um computador Sony Vaio de
15’’. Abaixo oferecemos um exemplo do material utilizado.
Instrução 1: Num vaso tem cinco flores. Qual é o vaso?
Mostra para mim
Instrução 2: Mostra para mim onde tem cinco flores
Procedimento
Os estímulos foram apresentados no contexto da narração
de pequenas histórias. Na fase de pré-teste os participantes eram
solicitados a procurar determinados objetos nas imagens apresentadas, mas numerais não eram utilizados nas instruções, apenas
o mesmo tipo de estrutura linguística e de arranjo visual (Ex.
Numa caixa tem balas. Qual é a caixa? Mostra para mim / Me mostra
onde tem balas). O objetivo do pré-teste era verificar se os participantes compreendiam a dinâmica da tarefa além de, no caso das
crianças, servir como um momento de familiarização entre os
participantes e o experimentador.
Na fase de teste o procedimento foi o mesmo. A seguir
apresentamos um exemplo:
Experimentador: Essa é a Laurinha. Ela gosta de se fantasiar
de fada e ela vai fazer uma mágica para a gente. Mas para isso,
você vai ter que encontrar alguns objetos de que ela precisa e que
estão nesta lista. Eu vou te dizer e você vai procurar. No final a
gente vai ver se a mágica acontece. Numa caixa/Me mostra onde
tem...
No total foram apresentadas três pequenas histórias com 5
estímulos experimentais além de outra história na fase de préteste. Cada sessão experimental durou em média 10 minutos.
2.2. Resultados e discussão
Os dados foram submetidos a uma ANOVA (2X3X5 – idade
X tipo de instrução X numeral). Os resultados revelaram um efeito
significativo de idade com progressivamente mais respostas exatas
em função dessa variável (F(2,72) = 41.1 p<.000001).
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Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Maria Sicuro Corrêa
Foi registrado um efeito significativo de numeral com mais
respostas indicando uma leitura exata para um, dois e três do que
para quatro e cinco (F(4,288) = 25.5 p<.000001). O gráfico abaixo
apresenta as médias de respostas das crianças.
Registrou-se ainda um efeito da interação entre idade e numeral (F(8,288) =7.05 p<.000001). no grupo de crianças mais novas
as respostas exatas se concentraram principalmente no numeral
um, enquanto que no grupo de crianças mais velhas esse tipo de
resposta foi a preferencial para um, dois e três. Já os adultos preferiram a interpretação exata para todos os numerais.
Não houve efeito significativo do tipo de instrução nem
interação desta com as restantes variáveis (F(1,72) = 0.172 p<.69).
Isto é, em ambos os estímulos linguísticos fornecidos as crianças
preferiram a interpretação exata.
98
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A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem
Tomados em conjunto, os resultados são compatíveis com
a idéia de que numerais favorecem interpretações exatas tanto
por parte de adultos escolarizados quanto de crianças em idade
pré-escolar. Esse tipo de interpretação parece depender por um
lado, da capacidade de a criança, assim como o adulto, relacionar
cada numeral a um valor cardinal particular e, por outro, do fato
de ambos utilizarem a contagem como estratégia na resolução da
tarefa, particularmente para quantidades superiores a três.
As respostas das crianças revelaram um tratamento diferenciado dos numerais um, dois e três, de um lado, e quatro e cinco,
de outro. Esse padrão de comportamento é compatível com a
ideia de que quantidades até três são processadas pelos humanos
(crianças e adultos) assim como por outras espécies, via subtizing
(i.e. o julgamento rápido e acurado da numerosidade de conjuntos
pequenos de elementos). Quantidades acima desse limite requerem verdadeira contagem. A literatura oferece um conjunto de
evidências para esse fenômeno (cf. Dehaene, 1997). O tempo
requerido por adultos normais numa tarefa de nomeação de
números aumenta drasticamente além desse limite e a precisão na
execução da tarefa diminui na mesma medida. Outra evidência
provém de pacientes com lesões cerebrais que perderam a habilidade de contagem mas preservaram a de enumerar conjuntos
de um, dois e três elementos. Ao que tudo indica, o nosso processamento de quantidades maiores do que três requer o uso de
contagem.
Algumas das crianças testadas eram capazes de utilizar a
contagem, tal como demonstram as suas respostas exatas para
os numerais quatro e cinco. Contudo, como as crianças não foram
induzidas a utilizar a contagem como uma ferramenta para
resolver a tarefa, apenas aquelas que o fizeram espontaneamente
apresentaram um padrão de respostas equivalente ao dos adultos. De um modo geral, as crianças de 4 anos demonstraram um
bom domínio da sequência de contagem, pelo menos no que diz
respeito às quantidades avaliadas neste teste. Já as crianças mais
novas ainda se encontravam na fase de aquisição do significado de
cada numeral. Sendo assim, o grupo de crianças de 3 anos tinha
maiores dificuldades para fazer uso da contagem na resolução
da tarefa.
Em suma, embora leituras escalares para os numerais sejam
certamente possíveis, esses elementos parecem favorecer interpretações preferencialmente exatas, mesmo no caso das crianças
de 3 anos.
3. Considerações finais
Numerais parecem ser associados desde cedo a quantidades
exatas, mesmo na fase em que a criança ainda não aprendeu o
significado de cada um dos itens da sequência, isto é, o valor
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cardinal associado a cada elemento (Marcilese et al, 2009).
Essa característica distinguiria crucialmente numerais de outras
expressões de quantidade. Os resultados experimentais aqui
reportados sugerem que, embora leituras aproximadas associadas aos numerais sejam possíveis, crianças e adultos interpretam
esses elementos como veiculando informação preferencialmente
exata. Isso se verifica ainda em contextos abertos, que poderiam
favorecer leituras escalares.
A aquisição dos numerais é um processo complexo diretamente vinculado ao desenvolvimento das habilidades de contagem. Nesse sentido, novas pesquisas neste âmbito podem vir a
iluminar relações entre a língua e outros domínios da cognição.
Abstract
This study investigates numerals acquisition. Different approaches to the
problem of how perceived quantities are
mapped onto lexical items in the numeral
sequence are discussed. A comprehension
experiment with 3 and 4-year-olds is
reported. The results are compatible with
the idea that, even when scalar or approximate interpretations are possible in some
contexts, numerals are early identified as
preferentially carrying information about
exact quantities. This information seems
to be crucial in order to understand the
acquisition pattern of these elements.
Keywords: acquisition – numerals –
exact vs. scalar interpretations
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Investigando as Habilidades
de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/
Contável em Português Brasileiro
José Ferrari-Neto (UFPB)
Recebido 22, fev. 2011 / Aprovado, 7 mar. 2011
Resumo
Este trabalho investiga o papel das informações
sintáticas e semânticas presentes no input linguístico no processo de aquisição da distinção
entre nomes massivos e contáveis em português
brasileiro (PB), em especial as informações relativas à expressão do número gramatical. Para o
reconhecimento da distinção mass/count em PB, é
importante a manifestação morfológica relativa a
número que se manifesta nos elementos do Determiner Phrase (DP). Pode-se assumir a hipótese de
que uma criança seja capaz de perceber a presença/
ausência do morfema de número, tomando esta
oposição como indicativa de expressão massiva
ou contável. Por outro lado, a presença de nomes
nus em posições argumentais no PB torna o input
ambíguo no que se refere a mass e count nouns. Tal
situação constitui um problema para a criança que
adquire o PB. Nesse caso, assumiu-se a hipótese
de que a criança usa informação não morfológica,
mas sim semântica (contextual), na interpretação
de DP´s ambíguos. Portanto, os objetivos deste
estudo são a) verificar se a criança toma a presença
do morfema de número como indicativa de leitura
contável; e b) verificar como a criança procede
na interpretação de DP´s ambíguos. Usando o
paradigma metodológico da Seleção de Imagens,
testaram-se dois grupos de crianças (um na faixa
de 36 meses de idade média, e outro na faixa de
60 meses) e um grupo de adultos, com os resultados sustentando a idéia de que tanto informação
morfossintática quanto informação semânticoGragoatá
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
Gragoatá
José Ferrari-Neto
-contextual são relevantes na aquisição de
nomes massivos e contáveis em PB.
Palavras-chave: aquisição, contável,
massivo.
Introdução
A expressão linguística da distinção mass e count é observada em muitas línguas modernas. O inglês e o português são
casos típicos de línguas em que esta distinção se apresenta. Temse associado a divisão entre mass e count nouns à distinção entre
nomes de substâncias e nomes de objetos, sendo estes últimos
constantes da classe dos count nouns, e os primeiros à classe dos
mass nouns. Um exame rápido desta classificação, contudo, revela
a sua precariedade: palavras como furniture, embora designe um
conjunto de objetos, classifica-se como mass noun; outras, como
beer, que claramente se refere a uma substância em frases como
there is beer all over the floor, aparece flexionado em uma sentença
como we ordered three beers, propriedade atribuída a count nouns.
Uma outra associação feita foi a que relacionava mass e count nouns
às categorias contável e incontável, colocando-se os mass nouns no
grupo dos substantivos incontáveis e os count nouns no grupo dos
substantivos contáveis. Todavia, uma vez mais se encontraram
casos em que associação falhou: açúcar em português comportase como quase sempre como incontável, mas, em sentenças como
no intestino digerem-se açúcares e ácidos graxos, seu comportamento
é de contável. Outros exemplos como este também podem ser
observados em inglês em outras línguas.
No que diz respeito à aquisição da linguagem, a distinção
entre mass e count nouns acarreta problemas bastante interessantes,
principalmente para uma teoria de aquisição focada no modo
como criança processa material linguístico à sua volta. As questões
fundamentais que se colocam são o que a criança tem de adquirir
no tocante a essa distinção, que habilidades/conhecimentos ela já
tem de possuir para que esta aquisição ocorra naturalmente e que
tipo de informação constante nos dados linguísticos primários a
que ela tem acesso se faz relevante para este processo. Portanto,
o presente trabalho investiga o papel das informações morfossintáticas e semânticas presentes no input linguístico no processo
de aquisição da distinção entre nomes massivos e contáveis em
português brasileiro (PB), explorando, por outro lado, as habilidades de compreensão e distinção perceptuais apresentadas pela
criança em fase de aquisição, consideradas como fundamentais no
processo de aquisição da linguagem, na medida em que permitem
a ela reconhecer as informações relevantes para a aquisição de
sua língua.
104
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Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro
O estudo aqui apresentado tem a seguinte organização. A
seção 2 apresenta um resumo das principais correntes teóricas
sobre a questão em tela, de modo a poder situar o framework
teórico no qual este trabalho se situa, além de mostrar alguns
estudos experimentais realizados anteriormente, com vistas a
melhor ilustrar a problemática que envolve a aquisição de nomes
massivos e contáveis. A seção 3 traz uma caracterização do modo
como as categorias massivo e contável se realizam em português,
permitindo assim uma visão do que deve ser adquirido por uma
criança aprendendo o PB. A seção 4 detalha as questões aqui
enfrentadas, além de descrever o procedimento experimental utilizado com vistas a prover evidências empíricas sobre a questão dos
massivos e contáveis. A seção 5 mostra os resultados e os discute.
1. Posições Teóricas sobre os Mass e Count Nouns:
As posições teóricas sobre a distinção massivo/contável
apresentam uma multiplicidade de visões. Segundo Joosten (2003),
uma das razões para esta variação é que os linguistas e os filósofos
que têm se dedicado ao estudo de mass e count nouns apresentam
dificuldades em definir claramente os seus critérios, o que acarreta a convergência de diferentes níveis de análise linguística no
tratamento da questão. Joosten propõe então que o problema da
distinção entre nomes contáveis e massivos seja estudado sob
quatro pontos de vista diferentes, tomados separadamente.
O primeiro ponto de vista adotado por Joosten seria o gramatical, de acordo como qual a oposição mass/count apresenta reflexos
gramaticais bastante visíveis. A existência de casos como os relatados na Introdução levou os linguistas a não mais associarem
mass e count nouns às categorias substância/objeto e incontável/
contável, ou a qualquer outra categoria de base semântica. Antes,
eles passaram a preferir apontar as características e propriedades
puramente gramaticais relacionadas a ambas as classes em questão. Assim, uma série de características morfológicas e sintáticas
foi associada a mass e count nouns. Entretanto, ainda que se possam
determinar com relativa clareza e segurança as diferenças entre
mass nouns e count nouns, no tocante a suas propriedades morfossintáticas, não são poucas as questões decorrentes da existência
de tal separação. Em realidade, duas objeções são apontadas por
Joosten com relação ao ponto de vista gramatical. A primeira é
que parece improvável que nomes massivos como água, ouro e
fumaça ou contáveis como flor, carro e cachorro assim o sejam apenas
por coincidência – ao contrário, eles parecem indicar que há uma
tendência geral para nomes massivos se referirem a substâncias
e nomes contáveis se referirem a objetos e seres animados. A
segunda é que o ponto de vista gramatical parece pressupor
uma correlação um-para-um entre forma gramatical e significação, o que nem sempre acontece. Barner & Snedeker (2005), em
um estudo experimental sobre a aquisição de mass e count nouns,
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Gragoatá
José Ferrari-Neto
apontam o fato de que nomes com sintaxe típica de mass fazerem
também referência a indivíduos, além de substâncias.
Estudos sobre mass e count nouns costumam adotar igualmente um ponto de vista ontológico em suas teorizações. Sob esta
visão, a distinção massivo/contável decorre de distinções operadas
entre entidades reais do mundo, ou seja, entre referentes extralinguísticos. Quine (1960) afirma que mass nouns têm “referência
cumulativa”, isto é, qualquer soma de uma entidade X é um X, fato
que não ocorre com os count nouns. Cheng (1973) postula que mass
nouns apresentam “referência distributiva”: qualquer parte de um
todo de um objeto massivo que é X é um X. Por fim, Ter Meulen
(1981) propõe que mass nouns possuem “referência homogênea”,
isto é, partes de uma entidade X apresentam as mesmas propriedades de X, podendo ser referidas como X. Para estas três propriedades, cumulatividade, distributividade e homogeneidade, o
mundo real é a base de classificação, portanto, são as propriedades
físicas dos objetos e dos seres referidos que determinam se um
nome deve ser classificado como massivo ou contável. Esta forma
de teorização apresenta, entretanto, alguns problemas. Se são
as propriedades das entidades do mundo extralinguístico que
determinam a classificação de um nome, então é lícito prever
que diferentes línguas apresentarão a mesma classificação para
as mesmas entidades. Todavia, não é isso que se observa em um
exame da distribuição dos nomes entre classes de nomes massivos e contáveis nas diferentes línguas. Translinguisticamente,
aponta-se uma variação da categorização dos nomes em classes
de mass e count nouns (CHIERCHIA, 2003). Um outro problema
decorrente da adoção do ponto de vista ontológico é o fato de que
os conceitos de cumulatividade, distributividade e homogeneidade
são difíceis de serem aplicados a substantivos abstratos tais como
crise, qualidade ou tristeza. O ponto de vista ontológico pode ser aplicado com maior sucesso a substantivos concretos, que designam
objetos tangíveis ou perceptíveis, mas falha quando aplicado a
nomes abstratos, embora também estes possam ser classificados
em contáveis e massivos. Por fim, o ponto de vista ontológico não
dá conta de explicar como um nome que se refere a uma mesma
entidade do mundo real pode ser usado tanto como mass quanto
como count, em uma mesma língua.
A existência de pares como os acima listados evidencia que
os nomes são classificados em uma ou outra classe conforme o
modo como são conceptualizados pelos falantes de uma dada língua, refletindo, portanto, a visão de mundo característica do povo
usuário da língua. Tal afirmação constitui a base do terceiro ponto
de vista proposto por Joosten, o ponto de vista semântico/conceptual, segundo o qual as distinções gramaticais entre massivos e
contáveis não se baseiam diretamente na realidade extralinguística, mas no modo como esta realidade é conceptualizada pelos
usuários de uma língua. Algumas abordagens sobre a separação
106
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Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro
entre mass e count nouns sugerem que tal distinção é um reflexo,
na linguagem, do modo como o mundo é conceptualizado e
organizado pelos falantes de uma dada língua. As propriedades
morfossintáticas sumarizadas acima seriam, de acordo com esta
visão, as manifestações linguísticas das propriedades semânticas extralinguísticas das coisas às quais os nomes se referem,
conforme o modo como os falantes de uma dada língua as conceptualizam. Dentre os trabalhos relevantes desta linha, pode-se citar
o de Macnamara (1982), o qual sugere que count nouns se referem
a coisas que possuem contornos (shapes) característicos, ao passo
que mass nouns se referem a coisas que se aglutinam (coalesce). O
problema com esta proposta é que ela não dá conta de explicar
por que nomes que não possuem contornos característicos como
puddles e clouds são count nouns e nomes como crowd são mass nouns.
A maior parte dos trabalhos sobre aquisição de mass e count
nouns que seguem uma orientação semântico-conceptual tendem
a tratar a aquisição de nomes massivos e contáveis atreladamente
ao desenvolvimento da cognição em geral. Eles sustentam que há
uma interação entre o modo como a criança desenvolve categorias
semânticas gerais, a partir de sua experiência com a realidade, e
identifica os membros destas categorias na linguagem. Assumese questão as propriedades de referência dos nomes que guiam
a criança na identificação de categorias. Middleton et al. (2004),
em tarefas experimentais com adultos, fornecerem evidências
favoráveis à hipótese da cognição individuada, afirmando que
os falantes adultos conceptualizam os referentes de count nouns
como entidades individuais, ao passo que conceptualizavam os
referentes dos mass nouns como entidades não-individuais. Um
outro estudo nesta mesma linha é o de Bloom (1994) sobre aquisição de nominais por falantes de inglês. Ele postula que a criança
mapeia as categorias como mass noun e count noun de categorias
semânticas abstratas, e este mapeamento atua como restrição às
inferências que podem ser feitas sobre o significado das palavras.
Portanto, de acordo com a abordagem semântica-conceptual, a
aquisição de mass e count nouns baseia-se não em uma análise
distribucional por parte da criança adquirindo uma língua, mas
na compreensão que esta criança tem do sentido dos nomes.
Um ponto convergente em todos os trabalhos que assumem
uma visão semântica da distinção mass/count é que eles parecem
assumir algum tipo de conhecimento inato relativo à capacidade
de a criança proceder a tal classificação. Deste modo, a criança
disporia de um conhecimento inato que a tornaria capaz de categorizar nomes que denotam espécies de indivíduos como contáveis
e nomes que designam substâncias como massivos. A crítica que
se pode fazer a esta abordagem é que, na realidade, a criança não
aprende a classificar um nome como mass ou como count: o que
de fato a criança procede é a menos uma classificação e mais um
aprendizado do modo como um nome pode ser usado, se seguido
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de marcadores gramaticais específicos ou não, e os sentidos que se
podem atribuir a um e a outro usos. De acordo com Nicolas (1996),
uma criança não classifica erroneamente um nome como mass ou
como count, já que não há classificação propriamente dita: o que
ocorre é um uso inadequado de marcadores gramaticais de um
ou outro tipo, devido ao fato de que a criança ainda não percebeu
exatamente a referência destes nomes ou destas estruturas.
A grande objeção que se pode apontar para uma teorização sobre mass e count nouns baseada em conceptualização é que
tal ponto de vista torna complicada a explicação para diferentes
conceptualizações para objetos e seres bastante semelhantes.
Um exemplo seria o da palavra ervilha, que é classificada como
contável em português (uma ervilha, duas ervilhas), o mesmo não
ocorrendo como a palavra arroz, que em português insere-se entre
os massivos (*um arroz, *dois arrozes). Ademais, o ponto de vista
semântico-conceptual, semelhantemente à visão ontológica, não
permite explicar como um nome referente a uma mesma entidade
do mundo real pode ser usado tanto como mass quanto como count,
por falantes de uma mesma língua.
O último dos pontos de vista sugeridos por Joosten seria o
contextual, conforme o qual não é uma propriedade dos nomes
de per se serem massivos ou contáveis, mas sim das expressões
referenciais das quais eles fazem parte, ou seja, dos NP’s ou DP’s.
Assim, um nome não deve ser classificado como mass ou como
count, antes a distinção entre estas duas categorias é determinada
pelos quantificadores e determinantes que são utilizados por cada
tipo de nome, ou ainda pelos operadores semânticos que atuam
sobre os NP’s e DP’s determinando leituras contáveis ou não para
estas expressões. Percebe-se uma aproximação entre esta visão
e o ponto de vista gramatical, exposto acima. O ponto fraco da
visão contextual é o fato de ela não explicitar as razões pelas quais
determinados contextos favorecem a ocorrência de nomes massivos, ao passo que outros contextos favorecem o aparecimento
de nomes contáveis, como, por exemplo, o fato de substantivos
coletivos ou abstratos favorecerem leitura massiva, e substantivos concretos privilegiarem interpretação contável. No tocante
à aquisição de mass/count nouns, o que os estudos experimentais
nesta linha sugerem é uma sensibilidade da criança à forma fônica
dos determinantes específicos dos nomes de massa e dos nomes
contáveis (notadamente em inglês), sem que se possa afirmar, a
partir daí, que a criança esteja procedendo a uma distribuição dos
nomes em classes distintas. Além do mais, uma análise distribucional de per si não seria suficiente para se estabelecer a distinção
massivo contável, já que nomes com sintaxe massiva podem ter
referência contável, conforme apontam Chierchia (1998) e Barner & Snedeker (2005), sem mencionar o fato de não ficar claro
que capacidades perceptuais e procedimentais a criança tem de
possuir para reconhecer os diferentes determinantes. Por fim,
108
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro
se se postular que diferentes determinantes projetam diferentes
estruturas sintáticas para mass e para count nouns, será preciso
conceber um mecanismo de análise sintática inato, tipo parser,
responsável por processar enunciados e atribuir uma estrutura
sintática a eles, o que eliminaria o ponto central da abordagem
distribucional, em favor da abordagem inatista.
O problema da aquisição da linguagem, no que toca à distinção mass/count não pode ser considerado exclusivamente em
termos semânticos ou distribucionais. Como bem aponta Chierchia (2003) tal questão não é de cunho exclusivamente semântico
(e nem conceptual, poder-se-ia acrescentar), nem de natureza
estritamente linguística, já que as crianças não adquirem mass e
count nouns considerando unicamente a informação semânticoconceptual; tampouco o fazem apenas observando comportamentos sintáticos e propriedades de distribuição. Uma teoria baseada
na interação sintaxe-semântica se faz necessária.
A despeito de a proposta de Joosten sugerir que o estudo da
distinção massivo/contável deva ser feito considerando-se quatro
pontos de vista, tomados isoladamente, acredita-se ser possível
conferir a este tópico um tratamento unificado. Uma tal unificação de abordagens permitiria melhores considerações acerca da
definição do que vem a ser a oposição mass/count, bem como acerca
do modo como esta distinção é adquirida pelos falantes de uma
língua. Assim, pode-se prever que, na aquisição de massivos e
contáveis em PB, traços semânticos do nome podem influenciar
a interpretação do DP. Por outro lado, se a distinção massivo/
contável se apresenta apenas em certos ambientes, então a criança
adquirindo essa distinção tem de perceber esses ambientes,
extraindo deles informação relevante nesse sentido. Assumindose que a informação morfológica relativa a número possui papel
relevante no estabelecimento de distinções relativas a mass e count
nouns, uma vez que ela pode conferir leitura massiva ou contável
dos DPs, tem-se que a percepção do morfema de plural é crucial
na identificação da oposição massivo/contável no PB. Assim,
informação fônica, correspondente ao morfema de número, e
informação semântica, advinda dos traços semânticos da raiz,
seriam usadas pela criança ao adquirir uma língua, podendo
ser utilizadas em situações e momentos distintos do processo de
aquisição, em especial no caso de DPs ambíguos quanto a mass/
count. Os experimentos aqui relatados visam justamente a investigar essa possibilidade.
2. A Expressão da Distinção Mass/Count em PB
Os estudos descritivos sobre a expressão da distinção entre
nomes massivos e contáveis em PB apresentam em seu bojo uma
controvérsia, a qual diz respeito ao fato de se considerar se há ou
não manifestação lexical da oposição mass/count. Dito de outro
modo, trata-se de decidir se existem ou não nominais contáveis
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109
Gragoatá
José Ferrari-Neto
ou massivos em PB. Estudos como o de Simões (1992), Camacho
e Pezatti (1996), Neves (2000) e Paraguassu (2005) defendem a
idéia de que há distinção lexical, ao passo que trabalhos como o
de Bluhdorn & Favaretto (2000), Muller (2002) e Bluhdorn, Simões
e Schmaltz (2007) apresentam a visão de que nomes massivos e
contáveis não se distinguem em PB. Bluhdorn & Favaretto (2000)
argumentam a favor da inexistência de nomes contáveis no PB.
Usando como evidência a distribuição dos totalizadores nominais
cada e todo e dos quantificadores de contagem e de medição, os
autores chegaram à conclusão de que o PB possui apenas substantivos não-contáveis e neutros em relação à contabilidade, numa
proposta semelhante a de Barner & Snedecker (2005 a,b) para o
inglês. Nomes massivos combinam-se com o totalizador todo e
com quantificadores de medição, mas não com quantificadores de
contagem nem com o totalizador distributivo cada. Nomes neutros
são combináveis com qualquer totalizador e quantificador. Assim,
para esses autores, o PB não possui substantivos contáveis. O traço
[+contável] só existe em nível do DP, como contribuição semântica
do morfema de plural ou de um quantificador distributivo ou de
contagem.
Uma idéia semelhante encontra-se em Muller (2002), a qual
também propõe que não haja substantivos contáveis em PB.
Segundo Muller, a denotação básica dos nomes comuns em PB
é de massa. A argumentação centra-se no comportamento dos
genéricos singulares de tipo bare, como em Lagartixa sempre perde
seu rabo e Jorge sempre lê revista depois do jantar. Para Muller, além
de não terem marcas de número, tais construções têm comportamento semelhante a expressões com denotações não-discretas.
Muller sustenta que, no primeiro exemplo, o possessivo anafórico
seu herda de seu antecedente a ausência de marcas de número. No
segundo, além de não haver marca de número, fica evidente que
Jorge poderá ler qualquer quantidade do material de leitura revista;
pode ser o caso de que ele leia duas revistas ou até mesmo apenas
algumas páginas de uma revista. Além disso, Muller demonstra
que os singulares bare não oferecem contextos adequados para
elementos que exigem individuação, como o emprego de recíprocos – *Brasileiro detesta um ao outro – ou de quantificadores
distributivos – *Cada aluno leu livro. Para Muller, será necessária
a presença de um operador de singularidade ou de pluralidade
para que o DP tenha a propriedade de atomicidade necessária a
uma interpretação como contável.
Bluhdorn, Simões e Schmaltz (2007) discutem a classificação
dos nomes e DP´s massivos e no alemão e no PB, propondo um
modelo de estrutura, aplicável em princípio a ambas as línguas,
em que a leitura contável é construída composicionalmente em
nível do DP, mediante a combinação dos traços [±individuado],
[±incrementado] e [±delimitado]. O valor do primeiro traço é fixado
pelo quantificador, o do segundo, pelo número e o do terceiro,
110
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro
pelo substantivo. Na língua alemã, os três traços contribuem para
a constituição da leitura massiva, ao passo que em PB apenas os
dois primeiros mostram-se produtivos, enquanto o terceiro é irrelevante. Isso corresponde a dizer que não se distinguem nomes
contáveis e massivos no léxico do PB.
Numa visão oposta, o trabalho de Simões (1992) apresenta
a distinção entre nomes massivos e contáveis em termos de classificação semântica, em detrimento de uma oposição de natureza
morfossintática. Simões procurou demonstrar que todos os nomes
do PB podem combinar-se tanto com indicadores de leitura contável quanto de leitura massiva, havendo apenas algumas restrições
lexicais, o que conduz à proposta de que a distinção opera num
nível chamado semântico formal, sendo implementada por meio
da presença de pluralização e de certos tipos de quantificadores e
determinantes dentro do DP. Num nível mais próximo ao léxico,
denominado referencial, certos nomes (como triângulo) apresentariam traços de contabilidade, enquanto outros nomes não o fazem,
o que explica a estranheza de certas combinações (tais como muito
triângulo). Desse modo, ainda que sinalize para a ausência de uma
oposição distribucional sistemática, Simões manteve a hipótese
de que os nomes apresentem marcas de contabilidade em PB.
Por sua vez, Camacho & Pezatti (1996) investigaram a
natureza do traço [±contável] de acordo com as possibilidades de
combinação dos nomes do PB com determinantes e quantificadores em DP´s referenciais e não-referenciais. O trabalho registrou
semelhanças entre o PB e as chamadas línguas classificadoras,
por se valer de substantivos secundários na expressão de noções
de dimensão (individuação, conjunto ou massa) junto a nomes
massivos em construções tais como um fio de cabelo. Entretanto,
Camacho & Pezatti também mantiveram a distinção entre nomes
massivos e contáveis em PB.
Neves (2000) aborda a expressão da distinção mass/count em
PB sob a ótica da referenciação, ou seja, como questão pragmática.
Neves afirma que, embora as categorias massivo e contável possam ser explicadas em termos de uma propriedade lexical (com os
nomes marcados no léxico com os traços [- contável] e [-contável]),
a ativação dessa propriedade só se faz na função de referenciação.
Mantendo, portanto, a distinção entre nomes massivos e contáveis
como propriedade lexical, Neves descreve como as combinações
de nomes com determinantes, quantificadores e morfemas de
número podem levar à “flutuação” entre as duas categorias. A
descrição de Neves (2000) aparece sumarizada a seguir:
I – São nomes contáveis (em PB): a) substantivo plural que
identifique mais de uma unidade discreta; b) substantivo
plural que permita uma oposição com um singular; c)
substantivos determinados por quantificador não numerador que opera acréscimo de uma grandeza (ex.: outro);
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Gragoatá
José Ferrari-Neto
d) substantivos determinados por quantificador não
numerador que opera distribuição (ex.: todo e qualquer);
e) substantivos determinados por quantificador não
numerador do tipo de muito e pouco, quando o significado
é plural; f) ) substantivos determinados por quantificador
numerador cardinal; g) substantivos determinados por
determinante indefinidor (artigo indefinido ou pronome
indefinido).
II – São nomes massivos (em PB): a) Substantivos que indiquem massa ou substância; b) substantivos abstratos
(desde que não indiquem nomes do resultado ação ou
do processo); c) substantivos no plural (quando a forma
singular não se opõe com a forma plural); d) substantivos
pluralia tantum; e) substantivos determinados por quantificador não numerador do tipo muito/pouco/mais/menos.
Neves (2000) destaca a grande flutuação de categorias, com
nomes passando frequentemente uma categoria à outra, como é
o caso dos nomes que a operação de pluralização converteu de
massivos para contáveis (preparamos as carnes) ou que a perda
da pluralização converteu de contável para massivo. Segundo
Paraguassu (2005), o PB, assim como o chinês, é uma língua que
apresenta distinção lexical entre nomes massivos e contáveis, o
que equivale a dizer que no PB existe uma distinção entre nomes
que possuem e nomes que não possuem partes mínimas em sua
denotação (cf. DOETJES, 1997). De acordo com essa mesma autora,
a distinção massivo/contável não se manifesta no nível do nome,
sendo visível apenas em ambientes marcados para contabilidade.
Em PB, tal marcação se dá por meio da morfologia de número.
Segundo Muller (2002), a morfologia de número no PB funciona
como um operador sobre a denotação do sintagma nominal, definindo-o para número. Há, para Muller, dois operadores de número
no PB: SG (singular) e PL (plural), os quais conferem interpretação
contável sobre os nomes sobre os quais atuam. Paraguassu (2005)
aponta como operadores de singularidade o quantificador cada e
os determinantes o(a), um(a) (ex.: Eu vendi cada anel/*anéis que eu
ganhei); e como operadores de pluralidade o quantificador vários
e os determinantes os(as), um(ns), bem como o morfema de plural.
Casos em PB em que os nomes massivos apresentam morfologia
de número não indicam mudança de categoria lexical, mas sim
mudança de significado - nomes massivos sob escopo de um operador de plural ou singular recebem ou interpretação de maneira
taxionômica ou a unidade é estabelecida contextualmente, como
nos exemplos abaixo (cf. PARAGUASSU, 2005):
João comprou dois vinhos.
a. João comprou dois tipos de vinho.
b. João comprou duas garrafas/taças... de vinho.
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Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro
Eu ganhei um vinho muito bom.
a. Eu ganhei um tipo de vinho muito bom.’
b. Eu ganhei uma garrafa/taça... de vinho muito boa.’
Assumindo-se, de acordo com Simões (1992), Camacho e
Pezatti (1996), Neves (2000) e Paraguassu (2005), a existência da distinção mass/count em nível lexical em PB, sendo que essa distinção
só se torna visível na interface mediante determinados ambientes
sintáticos, decorre que a criança, ao adquirir a distinção mass/
count em PB, possivelmente tem de levar em conta não somente as
informações contidas na interface fônica (como a presença de morfemas de número), mas também os traços semânticos da raiz dos
nomes, principalmente no caso de DPs ambíguos, como DPs nus
singulares. Desta forma, espera-se que, na aquisição da oposição
massivo/contável em PB, as crianças reconheçam a informação
relativa a número, interpretando-a como indicativa de leitura
contável, e que os traços semânticos da raiz nominal interfiram
nessa interpretação, notadamente no caso de DPs ambíguos.
3. Experimento sobre Percepção da Distinção
Massivos e Contáveis em PB
O experimento aqui mostrado investiga o papel das informações sintáticas e semânticas veiculadas no DP no processo
de aquisição da distinção entre nomes massivos e contáveis em
português brasileiro (PB), em especial as informações relativas à
expressão do número gramatical. Com base no que se apresentou
anteriormente, assume-se que, para o reconhecimento da distinção mass/count em PB, é importante a manifestação morfológica
relativa a número que se manifesta nos elementos do DP. Desta
forma, apresenta-se a hipótese de que uma criança, uma vez
que seja capaz de perceber a presença/ausência do morfema de
número, pode tomar a presença do morfema de número como
indicativa de um DP contável. No que se refere à referência massiva, outros deverão ser levados em conta, considerando-se as
particularidades do PB. Em PB, tem-se a presença de nomes nus
singulares em posições argumentais, o que torna o input ambíguo
no que se refere a mass e count nouns, isto é, a presença da flexão de
número plural é indicativa de leitura contável, enquanto a forma
singular é ambígua no que diz respeito à distinção mass/count.
Além disso, diferentemente do inglês, em que a oposição entre
os quantificadores many e much; é indicativa da distinção mass/
count (many > count; much > mass) tal oposição inexiste no PB,
língua em que o quantificador muito pode receber leitura massiva
ou contável (cf. NEVES, 2002). Para dirimir essas ambiguidades,
pode-se assumir que a criança usa não apenas informação morfológica, mas sim semântica e/ou contextual, na interpretação
de DPs ambíguos. Estas ambiguidades do estímulo ficariam
mais evidentes no caso de nomes novos, constituindo-se em um
problema para a criança que adquire o PB. Assumindo-se que o
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Gragoatá
José Ferrari-Neto
PB é uma língua que apresenta distinção lexical entre massivos e
contáveis, mas que essa distinção é visível apenas em ambientes
marcados para contabilidade (cf. PARAGUASSU, 2005), pode-se
imaginar que os traços semânticos da raiz dos nomes influenciam
a criança na interpretação mass ou count de um DP em determinados contextos. Daí o experimento ora descrito valer-se de nomes
inventados e de nomes conhecidos, estes últimos variando com
relação a traços semânticos da raiz como mais favoráveis a leituras
massivo ou contável, nos estímulos experimentais, justamente com
vistas verificar uma possível influência de traços semânticos da
raiz dos nomes na interpretação do DP.
Assim, os objetivos principais deste experimento foram i)
verificar se a criança toma a presença do morfema de número
como indicativa de leitura contável, ii) verificar se a presença do
quantificador muito afeta a interpretação massiva ou contável de
um DP, e iii) verificar uma possível influência dos traços semânticos da raiz lexical na interpretação massiva ou contável de um DP.
Design Experimental
O experimento foi concebido de modo a possibilitar duas
análises. Na primeira, nomes inventados e nomes reais foram
utilizados e estes últimos foram contrabalançados com relação à
leitura preferencial sugerida por sua raiz. Assim, os nomes carro,
bola, flor, botão, bife, bala, biscoito e batata foram considerados como
sugestivos de leitura contável, enquanto que os nomes água, leite,
café, feijão, manteiga, pão, doce e bolo, foram tomados como sugestivos de leitura massiva. Na segunda, apenas nomes reais foram
utilizados e tipo de raiz passou a ser uma variável independente.
Para análise 1, as variáveis independentes foram:
Número: (singular) / (plural)
Tipo de DP: quantificado / não quantificado
Tipo de nome: real / inventado (Fator grupal)
Idade: 3 anos, 5 anos e adultos (Fator grupal)
Obteve-se, assim, um design fatorial 2 (número) x 2 (tipo de
DP) x 2 (tipo de nome) x 3 (idade) – os dois primeiros fatores são
medidas repetidas (variáveis intra-sujeito) e os outros dois são
fatores grupais (variáveis inter-sujeitos).
Para análise 2, as variáveis independentes foram:
Número: (singular) / (plural)
Tipo de DP: quantificado / não quantificado
Tipo de raiz: em função da leitura preferencial em PB: massivo / contável)
Idade: 3 anos, 5 anos e adultos (Fator grupal)
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Tem-se assim um design fatorial: 2 (número) x 2 (tipo de DP)
x 2 (tipo de raiz) x 3 (idade), no qual os três primeiros fatores são
medidas repetidas. Apresenta-se abaixo um exemplo de cada
condição experimental:
Grupo Real
1. Singular quantificado: O Tito comeu muito pão/biscoito..
2. Singular não quantificado: O Tito comeu pão/biscoito.
5. Plural quantificado: O Tito comeu muitos pães/biscoitos
4. Plural não quantificado. O Tito comeu pães/biscoitos:
Grupo Inventado
1. Singular quantificado: O Tito comeu muito dube.
2. Singular não quantificado: O Tito comeu dube.
5. Plural quantificado: O Tito comeu muitos dubes.
4. Plural não quantificado: O Tito comeu dubes.
Foram apresentados quatro estímulos por condição experimental em cada grupo. A variável dependente foi o número
de respostas correspondentes à indicação da imagem com mais de
um elemento crítico (correspondente ao nome do DP em questão),
doravante, respostas contáveis.
Método
Participantes: Dois grupos de crianças, o primeiro formado
por 16 crianças (10 do sexo masculino e 6 do sexo feminino), de 20
a 36 meses de idade, com idade média de 32 meses, e o segundo
formado por 16 crianças (8 do sexo masculino e 8 do sexo feminino), de 42 a 60 meses de idade, com idade média de 57 meses. As
crianças de ambos os grupos eram todas filhas de pais escolarizados e regularmente matriculadas na rede particular de educação
infantil, residentes na cidade de Petrópolis/RJ. Testaram-se, de
igual modo, dois grupos formados por 16 adultos, com idades
entre 17 e 39 anos (média de idade 37 anos), ambos constituídos de
alunos de graduação matriculados em cursos noturnos da Universidade Católica de Petrópolis (UCP) e da Faculdade de Medicina
de Petrópolis (FMP), que se apresentaram voluntariamente para
participar do experimento .
Material
O material linguístico (estímulos) foi constituído de 16 frases,
4 por condição experimental, como exemplificado acima. O material visual foi criado a partir de fotografias de dois personagens
(o Tito e a Duda), representados por dois jovens adultos, um do
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Gragoatá
José Ferrari-Neto
sexo masculino e outro feminino, ambos alunos da graduação
em Letras da UCP. Fotos semelhantes desses personagens foram
combinadas com desenhos de objetos a serem tomados como
referentes dos DPs das frases-teste. Para cada frase foram apresentadas duas imagens com o mesmo personagem e diferentes
quantidades de um mesmo tipo de objeto – um único exemplar
e vários, sendo que o único exemplar foi sempre maior do que os
vários apresentados. As fotografias foram apresentadas na tela
de um laptop Compaq Presario V6210BR, com processador AMD
Sempron 667 Mhz, memória RAM de 1 GB e HD de 60 GB.
Procedimento
Adotou-se o paradigma metodológico da Tarefa de Seleção
de Imagens (Picture Identification Task) com nomes/objetos reais e
inventados. O experimento foi precedido pela apresentação das
fotos dos personagens em questão e familiarização com a tarefa.
O experimento consistiu da apresentação concomitante das duas
imagens correspondentes à condição em questão, seguida da
apresentação do estímulo-teste por parte do experimentador,
eliciando a escolha de uma das imagens, como resposta, por
meio da diretiva do tipo, “Mostra pra mim o que o Tito/a Duda
comeu”. As imagens foram exibidas na tela de um computador
portátil e as respostas anotadas, pelo experimentador, em uma
ficha avaliação. O procedimento com crianças foi conduzido,
individualmente, numa sala da escola/creche, com a presença
da professora por perto. Este durou cerca de 15 minutos. O procedimento com adultos foi conduzido numa sala vazia da UCP e
durou cerca de 10 minutos.
Resultados
Análise 1: As respostas contáveis obtidas foram submetidas
a uma análise da variância (ANOVA) com design fatorial 2 (tipo
de DP) x 2(número) x 2 (tipo de nome) x 3(idade), onde tipo de nome
e idade foram fatores grupais, e os demais medidas repetidas. Os
efeitos principais dos seguintes fatores foram significativos: idade
(F(2,90) = 3.12 p < .05), número (F(1,90) = 179.55 p<.0001), nome (F(1,90)
= 5.28 p =.02), e tipo de DP (F(1,90) = 50.23 p<.0001). Os gráficos 1
a 4 apresentam as médias obtidas.
Gráfico 1
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O efeito de idade, como ilustrado pelo gráfico acima, atingiu
o nível de significância (p<.05), com um aumento no número de
respostas contáveis na idade de 5 anos, retornando, nos adultos,
ao nível verificado na faixa de 3 anos. Cabe verificar, diante desses
resultados, que fatores explicam a alteração de comportamento
das crianças na faixa etária de 5 anos. Provavelmente, crianças
nessa idade se valem de outro tipo de informação na atribuição
de leitura mass ou count ao DP.
Gráfico 2
Médias de Respostas Contáveis por Idade
(max score = 4)
4
3.5
3
2.48
2.26
2.5
2.23
3anos
2
5 anos
Adultos
1.5
1
0.5
0
Do gráfico acima se depreende que, conforme o esperado,
a presença do morfema de número induz leitura contável, já que
se observou um maior número de respostas contáveis diante
de um DP plural. Assim, pode-se afirmar que a criança toma a
informação morfológica relativa a número como indicativa de
leitura contável.
Gráfico 3
Médias de Respostas Contáveis em Função do Tipo de Nome
(max score = 4)
4
3.5
3
2.5
2
1.5
2.2
2.43
Real
Inventado
1
0.5
0
No que concerne à variável tipo de nome, constatou-se que
os nomes inventados recebem maior quantidade de respostas
contáveis do que os nomes reais. Uma possível explicação para
tal fato é que, nos nomes inventados, não há influência dos traços
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Gragoatá
José Ferrari-Neto
semânticos da raiz, visto tratar-se de um nome desconhecido
para crianças e adultos. Dessa forma, a informação morfológica
se afigura como a informação mais relevante na interpretação
massiva ou contável dos DPs. Isso sugere que, possivelmente, há
uma influência dos traços semânticos da raiz na leitura do DP.
Gráfico 4
Médias de Respostas Contáveis em Função de Tipo de DP
(max score = 4)
4
3.5
3
2.69
2.5
2.02
Não quantificado
2
Quantificado
1.5
1
0.5
0
O gráfico 4 mostra uma diferença entre o número de respostas contáveis nas condições quantificado e não-quantificado.
Isso permite a conclusão de que a presença do quantificador muito
induz uma leitura contável do DP, apesar de poder receber, em
alguns contextos, interpretação massiva Interações: Houve interação significativa entre as seguintes variáveis: número e idade (F(2,90)
= 10.93 p=.0001), número e nome (F(1,90) = 11.83 p=.001), tipo de DP e
nome (F(1.90) = 15.61 p < .001), e número e tipo de DP (F(1.90) = 7.03
p <.01). A interação entre número, tipo de DP e idade se aproximou
do nível de significância (F(2.90) = 2.84 p = .06). Os gráficos 5 a 9
a seguir mostram as médias:
Gráfico 5
Médias de Respostas Contáveis em Função de
Núm ero e Idade (m ax score = 4)
4
3.44
3.5
3.19
2.97
3
2.5
2
Singular
2
1.5
Plural
1.33
0.97
1
0.5
0
3 anos
5 anos
Adultos
O gráfico 5 demonstra que o número de respostas contáveis
na condição plural decresce aos 5 anos, tornando a subir nos
adultos. Já o número de respostas contáveis na condição singular
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aumenta aos cinco anos e diminui nos adultos. Esses resultados
evidenciam que os adultos parecem fazer uso mais consistente
da informação morfológica de número, conferindo interpretação
contável preferencialmente aos DPs marcados para plural, dando
poucas respostas contáveis para DPs com nome no singular. Essa
leitura pode ser devida à possibilidade de nomes nus singulares
com interpretação plural em PB. O grupo de 3 anos apresenta um
comportamento próximo ao dos adultos, sugerindo que crianças
nesta faixa etária também fazem uso preferencial da informação
morfológica de número. O grupo de crianças de 5 anos, por outro
lado, faz menor uso da marcação de número, tendendo a interpretar nomes nus singulares como contáveis.
Gráfico 6
Médias de Respostas Contáveis em Função de
Núm ero e Nom e (m ax score = 4)
4
3.31
3.5
3.08
3
2.5
Singular
1.77
2
1.5
Plural
1.09
1
0.5
0
Real
Inventado
O gráfico 6 acima mostra que há um número maior de
respostas contáveis na condição nome real plural, decaindo na
condição nome inventado plural. No caso de nomes singulares
reais, verifica-se que o número de respostas contáveis aumenta na
condição singular inventado. Esses resultados evidenciam que o
fato de os sujeitos conhecerem os nomes interfere na interpretação
dada aos DPs, corroborando, assim, a influência dos traços semânticos da raiz evidenciada na análise da variável tipo de nome.
Gráfico 7
Média de Respostas Contáveis em Função de
Nom e e Tipo de DP (m ax score = 4)
4
3.5
2.89
3
2.5
2.33
2.08
1.97
2
Sem Qunat
Com Quant
1.5
1
0.5
0
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
Real
Inventado
119
Gragoatá
José Ferrari-Neto
O efeito significativo registrado na interação entre nome e
tipo de DP se explica pelo fato de a média de respostas contáveis
na condição nome inventado com quantificador ser maior do
que a da condição nome real com quantificador, com o inverso
sendo verificado no cotejo entre o nome real não-quantificado e
no nome real quantificado, em que se nota um decréscimo. Mais
uma vez, nota-se uma influencia dos traços semânticos da raiz,
que parecem ser levados em conta preferencialmente à presença
do quantificador.
Gráfico 8
Média de Respostas Contáveis em Função de Número e Tipo
de DP (max score = 4)
4.00
3.39
3.50
3.01
3.00
2.50
1.83
2.00
1.50
1.00
Singular
Plural
1.03
0.50
0.00
Sem Quant
Com Quant
O número de respostas contáveis na condição com quantificador aumenta em relação à condição sem quantificador. Nos
DPs singulares, o número de respostas contáveis na condição com
quantificador sobe em relação ao apresentado na condição sem
quantificador. A interação entre número e tipo de DP aponta que,
quando há a presença do morfema de número, esta parece ser a
informação preferencial. Na ausência do morfema de número,
a presença do quantificador torna-se relevante, induzindo uma
interpretação contável aos DPs quantificados. Esses resultados
evidenciam que DPs singulares quantificados são mais facilmente
interpretados como contáveis do que seu correlato não-quantificado, corroborando assim a afirmação de que, em PB, o quantificador muito recebe preferencialmente leitura contável.
O gráfico a seguir demonstra que a leitura contável na condição plural quantificado aumenta ligeiramente de acordo com a
idade, constituindo assim uma tendência relativamente estável
através das faixas etárias pesquisadas. Já o número de respostas
contáveis na condição singular quantificado aumenta na faixa
etária de 5 anos, decaindo nos adultos. A condição plural sem
quantificador, ao contrário, cai aos 5 anos, subindo novamente nos
adultos, com a condição singular sem quantificador aumentando
aos 5 anos e sofrendo uma queda acentuada nos adultos. Assim,
120
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro
a sensibilidade à presença do morfema de número é maior aos 3
anos e nos adultos do aos 5 anos, com a sensibilidade à presença
do quantificador maior aos 5 anos do que aos 3 anos e nos adultos.
Os resultados fornecem evidências de que a quantificação induz
leitura contável, e que a presença da informação relativa a número
é crucial na interpretação massiva ou contável do DP.
Gráfico 9
Média de Respostas Contáveis em Função do Número, Tipo
de DP e Idade (max score = 4)
4
3
2.38
2.5
2
1.5
1
1.63
3.53
3.34
3.38
3.25
3.13
3.5
2.56
Sem Quant
1.63
Com Quant
1.5
1.03
0.44
0.5
0
Singular
3 anos
Plural
Singular
Plural
Singular
5 anos
Plural
Adultos
Discussão:
Concluindo, o que a análise 1 mostra é que a informação do
morfema de número é fundamental para interpretação massiva ou
contável, e que a presença do quantificador de fato é indicativa de
leitura contável, ainda que possa haver contextos em que o quantificador muito sugere leitura massiva (cf. Neves, 2002). Entretanto,
os resultados indicam, como antecipado, uma possível influência
dos traços semânticos da raiz. A fim de verificar o quanto essa
influência se faz presente, foi realizada a análise 2.
Análise 2: Apenas os dados do grupo Nome conhecido foram
analisados por meio de uma análise da variância (ANOVA) com
design fatorial 2 (tipo de DP) x 2 (número) x 2 (tipo de raiz) x 3
(idade), onde idade é um fator grupal e os demais medidas repetidas. Os efeitos principais dos seguintes fatores foram significativos: número (F(1,45) = 105,62 p<.00001) tipo de DP (F (1,45) = 17,52
p<..0001) e tipo de raiz (F(2,45) = 4,28 p< .000001). O efeito de idade
aproximou-se do nível de significância (F(2,45) = 2,82 p< .06). Os
gráficos 10 a 12 apresentam as médias obtidas.
Como pode ser observado no gráfico 10, como seria esperado,
a presença do morfema de número induz à leitura contável, visto
houve mais respostas contáveis diante de um DP plural.
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
121
Gragoatá
José Ferrari-Neto
Gráfico 10
Média de Respostas Contáveis em Função de Número
(max score = 2)
2,00
1,64
1,50
1,00
singular
plural
0,54
0,50
0,00
1
Observa-se no gráfico 11 que a presença do quantificador
muito induz uma leitura contável do DP, o que torna um DP quantificado, de uma forma geral, menos ambíguo em relação a massividade/contabilidade do que um DP singular não quantificado.
A possibilidade de nomes nus singulares no PB favorece, assim,
a leitura de um DP do tipo comeu muito biscoito como contável.
Gráfico 11
Média de Respostas Contáveis em Função do Tipo de
DP (max score = 2)
1,20
1,10
1,17
1,10
sem quantificador
com quantificador
1,00
1
O fato de tipo de raiz apresentar resultado significativo
sugere que adultos e crianças em fase de aquisição do PB são
sensíveis aos traços semânticos da raiz, e certamente usam essas
informações semânticas na interpretação de DPs ambíguos.
Aqueles nomes considerados como favorecedores de uma leitura
contável realmente induziam mais respostas contáveis do que os
nomes inicialmente categorizados como massivos.
122
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro
Gráfico 12
Média de Respostas Contáveis em Função do Tipo de
Raiz (max score = 2)
2,00
1,29
1,50
contável
massivo
0,90
1,00
0,50
0,00
1
O efeito de idade, como demonstra o gráfico 13, aproximouse do nível de significância. O número de respostas contáveis é
menor no grupo de adultos, possivelmente decorrente de leitura
massiva. O grupo de 3 anos produz um número um pouco maior
de respostas contáveis, embora não seja claro, por esse resultado, se
a estratégia de interpretação do DP é semelhante entre este grupo
e o de adultos. O efeito significativo da interação entre Número e
idade poderá clarificar este resultado.
Gráfico 13
Média de Respostas Contáveis em Função de Idade
(max score = 2)
2,00
1,50
1,00
1,05
1,20
0,50
1,03
tres
cinco
adultos
0,00
1
Interações: Houve interação significativa entre as seguintes
variáveis: número e idade (F(2,45) = 7,99 p< .001), tipo de DP e idade
(F(2,45) = 5,05 p <.01), número e tipo de DP (F(1,45) = 5,32 p = .02),
idade e tipo de raiz (F(2,45) = 4,01 p =.03) e idade, tipo de raiz e número
(F(2,45) = 4,28 p =.02). A interação entre número e raiz aproximou-se
do nível de significância (F(1,45) = 3.07 p=.08). Os gráficos 14 a 18
a seguir mostram as médias:
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
123
Gragoatá
José Ferrari-Neto
Gráfico 14
Média de Respostas Contáveis em Função de Número e
Idade
(max score = 2)
2,00
1,59
1,50
1,00
0,50
1,84
1,48
0,91
0,50
0,22
Singular
Plural
0,00
Tres
Cinco
Adultos
O gráfico 14 demonstra que enquanto o número de respostas
contáveis na condição plural diminui ligeiramente no grupo de
5 anos, este cresce no grupo de adultos. O número de respostas
contáveis na condição singular, por outro lado, cresce aos cinco
anos e decresce consideravelmente no grupo de adultos. Observa-se que no grupo de 5 anos, a diferença entre o número de
respostas contáveis na condição singular e plural é menor do que
esta diferença no grupo de 5 anos e bem menor do que a mesma
no grupo de adultos. Esses resultados evidenciam que os adultos
parecem fazer uso mais consistente da informação morfológica
de número, conferindo interpretação contável preferencialmente
aos DPs marcados para plural, dando poucas respostas contáveis
para DPs com nome no singular. Essa leitura pode ser devida à
possibilidade de nomes nus singulares com interpretação plural
em PB. O grupo de 3 anos apresenta um comportamento próximo
ao dos adultos, sugerindo que crianças nesta faixa etária também
fazem uso preferencial da informação morfológica de número.
O grupo de crianças de 5 anos, por outro lado, faz menor uso da
marcação de número, tendendo a interpretar nomes nus singulares como contáveis.
Gráfico 15
Média de Respostas Contáveis em Função do Tipo de
DP e Idade
(max score = 2)
2,00
1,50
1,00
1,05 1,05
1,05
1,34
0,94
1,13
0,50
sem quantificador
com quantificador
0,00
tres
124
cinco
adultos
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro
Os resultados acima indicam que o número de respostas
contáveis para DPs sem quantificador permanece estável nas
três faixas etárias pesquisadas. O número de respostas contáveis
em DPs quantificados, contudo, aumenta aos cinco anos e decai
consideravelmente nos adultos. Esses resultados revelam que as
crianças de 3 anos não levam em conta a presença do quantificador, ao passo que as crianças de 5 anos parecem tomar a presença
do quantificador como relevante para a leitura massiva/contável.
Os adultos parecem conferir menor relevância a esse fator, na
interpretação dos DPs.
Gráfico 16
Média de Respostas Contáveis em Função de Número e
Tipo de DP (max score = 2)
2,00
1,68
1,60
1,50
1,00
0,50
singular
plural
0,67
0,42
0,00
sem quantificador
com quantificador
O número de respostas contáveis na condição com quantificador é próximo ao da condição sem quantificador. Já nos DPs
singulares, o número de respostas contáveis na condição com
quantificador é maior do que o apresentado na condição sem
quantificador. A interação entre número e tipo de DP mostra que,
quando há a presença do morfema de número, esta parece ser a
informação preferencial. Quando não há a presença do morfema
de número, a presença do quantificador torna-se relevante, induzindo uma interpretação contável aos DPs quantificados. Esses
resultados evidenciam que DPs singulares quantificados são mais
facilmente interpretados como contáveis do que seu correlato
não-quantificado, corroborando assim a afirmação de que, em PB,
o quantificador muito recebe preferencialmente leitura contável.
Gráfico 17
Média de Respostas Contáveis em Função de Idade e
Tipo de Raiz (max score = 2)
2,0
1,5
1,0
1,5
1,3
0,8
0,9
1,1
0,9
0,5
contável
massivo
0,0
tres
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
cinco
adultos
125
Gragoatá
José Ferrari-Neto
O número de respostas contáveis para raízes massivas permaneceu constante nas três faixas etárias pesquisadas; nas raízes
contáveis, no entanto, observou-se um aumento na faixa etária
de 5 anos, decaindo nos adultos. A influência da raiz contável,
por conseguinte, parece ser maior aos 5 anos, o que conduz à
conclusão de que as crianças nesta idade conferem maior relevância à informação semântica da raiz. Os resultados mostrados
pelo gráfico 22, os quais mostraram que crianças de 5 anos fazem
menor uso da marcação de número, podem ser explicados pelos
resultados da interação entre idade e tipo de raiz, na medida em
que se evidenciou uma preferência da criança de 5 anos pela
informação semântica, em detrimento da informação morfológica.
Gráfico 18
Média de respostas contáveis em função de núm ero, tipo
de raiz e idade
2.50
1.81
2.00
1.38
1.50
1.00
0.50
1.34
1.94
1.75
1.63
1.34
sing cont
sing mass
plural cont
0.69
0.31
0.47
0.31
0.13
plural mass
0.00
tres
cinco
adulto
No que se refere à interação entre idade, tipo de raiz e número,
observa-se que o comportamento do grupo de três anos e do de
adultos apresenta um padrão semelhante, ainda que o número
de respostas contáveis para DPs plural seja maior no grupo de
adultos. O padrão de comportamento do grupo de 5 anos, contudo,
é distinto, uma vez que há um número consideravelmente grande
de respostas contáveis para DPs singulares de raiz contável.
Crianças de 5 anos parecem, portanto, ser mais afetadas pelos
traços semânticos da raiz, o que sugere ser essa informação a
preferida diante da possibilidade de nomes singulares nus com
leitura plural no PB.
Discussão:
Os resultados da análise 2 evidenciam que há uma influência dos traços semânticos da raiz na interpretação massiva ou
contável do DP. Essa influência é mais nítida no caso de DPs
nus singulares, que são ambíguos para mass/count. No caso de
DPs marcados morfologicamente para número, é a informação
expressa pelo morfema que parece ser a preferencial, sendo
126
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro
indicativa de leitura contável do DP. A interferência dos traços
massivo/contável da raiz nominal pode ocorrer na interpretação
de nomes nus ou precedidos por muito em DPs objetos, indicando
mass ou count, como ilustram os exemplos João comeu bolo/muito bolo
(admite leitura massiva ou contável) e João leu livro/muito livro e viu
filme/muito filme (que parece só admitir leitura count). A preferência
pelas informações semânticas parece ser maior aos cinco anos,
ao passo que crianças de 3 anos e adultos fazem uso preferencial
de informação advinda da morfologia.
4. Conclusões:
Quanto aos objetivos estabelecidos para este experimento, os
resultados por ele obtidos permitem afirmar que a criança toma
a presença do morfema de número como indicativa de leitura
contável, o que faz da informação relativa a número um fator
importante na interpretação massiva ou contável de um DP. No
que concerne ao quantificador muito, ainda que ele possa receber
leitura massiva ou contável em PB (cf. NEVES, 2002), é essa última
que se faz preferencialmente, em especial para crianças em fase
inicial de aquisição (até 3 anos). A afirmação de que a informação morfo-fonológica relativa a número é crucial na aquisição de
mass/count nouns se aproximaria da visão defendida pelas linhas
gramatical e contextual no estudo da aquisição da distinção mass/
count, conforme aqui mostrado e discutido. Entretanto, os resultados mostram que informações de natureza gramatical não são
as únicas a serem levadas em conta – uma vez que o experimento
registrou uma influência dos traços semânticos da raiz, pode-se
concluir que a criança se utiliza de informação de natureza semântico-conceptual. Assim, pode-se conceber a aquisição da distinção
mass/count de uma forma unificada, na qual a criança usaria, em
uma fase inicial de aquisição preferencialmente informação de
ordem gramatical (morfema de número), sendo, no entanto, sensível aos traços semânticos da raiz nominal. Essa sensibilidade
torna-se acentuada aos 5 anos de idade, quando a criança busca
outras fontes de informação diante de DPs ambíguos quanto à
distinção mass/count, particularmente os DPs singulares, Esta
informação adicional pode ser extraída tanto da raiz nominal
quanto do quantificador muito que, nessa faixa etária, é preferencialmente interpretado como indicativo de leitura contável.
Para o PB, pode-se esboçar a expressão de mass/count nouns
com base no seguinte: nomes nus singulares em posição de objeto
recebem interpretação genérica ou massiva (como em “João comprou batata”), com os nomes precedidos pelo quantificador muito
na mesma posição (“João comprou muita batata”) recebendo preferencialmente leitura contável. Uma vez que se achem flexionados
em número, com a presença do morfema de plural, nomes nus,
determinantes e quantificadores sempre receberão interpretação
contável (“João comprou batatas/as batatas/umas batatas/muitas bataNiterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
127
Gragoatá
José Ferrari-Neto
tas”). Os resultados do experimento permitem sustentar a hipótese
de que uma criança, ao adquirir a distinção mass/count em PB
seja capaz de, em primeiro lugar, perceber a presença/ausência
do morfema de número nos nomes, tomando esta oposição como
indicativa de expressão contável. Tem-se, assim, em um primeiro
momento, um processo de aquisição de base gramatical-contextual, sendo que, em um outro momento, a criança lançaria mão
de informação de natureza semântica, notadamente em casos em
que o material linguístico apresenta-se de modo ambíguo.
A criança que adquire o PB tem de diferenciar um DP plural
verdadeiramente count (ou seja, um DP que contenha um nome
que possua partes mínimas em sua denotação) de um DP plural
sob o escopo de um operador de contabilidade (ou seja, um DP
que contenha um nome que não possua partes mínimas em sua
denotação, mas que esteja sendo usado como um nome count).
Exemplificando, é como se a criança adquirindo a distinção mass/
count tenha de perceber a diferença entre João comprou os carros
da loja e João desviou as águas do rio. Uma outra questão é a interpretação mass ou count de DPs como João comeu bolo/muito bolo
(admite leitura massiva ou contável) e João leu livro/muito livro e viu
filme/muito filme (que parece só admitir leitura count). Conforme
se percebe, tanto nomes singulares quanto morfologia de plural
podem apresentar ruídos durante a aquisição da distinção mass/
count em PB. A ambiguidade do input pode tornar o processo de
aquisição não tão óbvio, exigindo que a criança lance mão de
outro tipo de informação que não a morfológica. Os resultados
aqui relatados sugerem que esta informação acessória pode ser
semântica, proveniente dos traços semânticos da raiz nominal, à
qual a criança recorreria nos casos em que o estímulo apresentasse
ruídos ou ambiguidades.
O processo de aquisição da distinção massivo/contável é um
processo que se dá seguindo dois caminhos. Um, que consiste na
fixação da denotação dos nomes, e que concerne ao modo como a
realidade extralinguística é conceptualizada na língua, estando,
portanto, sob a alçada de uma teoria do desenvolvimento cognitivo; e outro, que consiste na percepção, por parte da criança, da
maneira como a distinção mass/count se faz visível nas interfaces
fônica e semântica, dizendo assim respeito ao modo como unidades linguisticamente relevantes são processadas e interpretadas;
estando, por conseguinte, sob o escopo de uma teoria de aquisição
de linguagem calcada em informação linguística.
Portanto, o processo de aquisição da distinção entre nomes
massivos e contáveis pode ser tratado tanto do ponto de vista de
uma teoria de aquisição baseada em informação de ordem gramatical, quanto do ponto de vista de uma teoria de aquisição da
língua mais diretamente vinculada ao desenvolvimento cognitivo
(a qual se voltaria para o modo como determinadas informações
são conceptualizadas). Nesse sentido, o estudo da aquisição da
128
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil:
A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro
distinção entre nomes massivos e contáveis, na forma como
aqui apresentada, ilustra a possibilidade de elaboração de uma
teoria de aquisição da linguagem que articule teoria linguística,
teoria psicolinguística e teorias do desenvolvimento cognitivo,
mostrando de que o modo como a criança processa informação
relevante presente nas interfaces e as associa com informações
advindas de outros domínios da cognição.
Abstract
This study investigates the role of syntactic
and semantic information present in the
linguistic input in the acquisition of the
distinction between count and mass nouns
in Brazilian Portuguese (BP), specially
the information expressed by grammatical
number. It is assumed that, for the recognition of the distinction mass / count in PB,
the grammatical number morphologic manifestation expressed in the elements of the
Determiner Phrase (DP) is crucial. It can be
assumed the hypothesis that the child is able
to sense the presence / absence of number
morpheme, and she takes this opposition
as an indicator of mass or count noun.
Moreover, the presence of bare nouns in
argument positions in PB makes the input
ambiguous with regard to mass and count
nouns. This situation constitutes a problem
for the child who acquires the PB. In this
case, it is assumed the hypothesis that the
child uses no morphological information,
but semantic (contextual), the DP’s interpretation of ambiguous. The objectives of
this study are a) whether the child takes the
presence of the morpheme as indicative of
the count noun reading, and b) to see how
the child proceeds to the interpretation of
ambiguous DP’s. Using the Picture Identification Task methodological paradigm, two
groups of children (in a range of average age
36 months, and another in the range of 60
months) and a group of adults was tested.
The results supports the idea that both
morphosyntactic and semantic-contextual
information are relevant in the acquisition
of mass and count nouns in PB.
Keywords: acquisition, countable, mass
distinction.
Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011
129
Gragoatá
José Ferrari-Neto
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Gragoatá
José Ferrari-Neto
CORRÊA, L. M. S. ; Name, M.C.L. ; FERRARI NETO, J. . Explorando
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133
Pistas lexicais e sintáticas
para a delimitação de adjetivos
na aquisição do Português Brasileiro
Luciana Teixeira (UFJF)
Recebido 17 fev. 2011 / Aprovado 7, mar. 2011
Resumo
Este artigo apresenta um estudo experimental
cujo foco é a delimitação da categoria adjetivo por
crianças adquirindo o Português Brasileiro (PB)
como língua materna. Adota-se uma perspectiva psicolinguística de aquisição da linguagem,
aliada a uma concepção minimalista de língua
(CHOMSKY, 1995-2001). Assume-se que a
criança é sensível às propriedades fônicas de elementos de classes fechadas, como determinantes e
afixos, conforme a hipótese do bootstrapping fonológico (MORGAN & DEMUTH, 1996; CHRISTOPHE et al., 1997). Com base na hipótese do
bootstrapping sintático (GLEITMAN, 1990),
assume-se que a análise de adjetivos no contexto
sintático de DPs ou de small clauses, aliada ao
pressuposto de que DPs fazem referência a objetos/
entidades, possibilita a representação de adjetivos
como categoria que apresenta uma propriedade ou
atributo de um referente. Avalia-se, ainda, o papel
da ordem canônica, na distinção entre adjetivos
e nomes. Apresentam-se dois experimentos com
crianças, usando-se a técnica de seleção de objetos
com pseudopalavras: o primeiro foi conduzido com
crianças de 18-22 meses; o segundo, com crianças
de 2-3 anos e 4-5 anos. Os resultados dos experimentos aqui relatados são compatíveis com a
hipótese de que a criança faz uso de informação
sintática e morfológica na delimitação de adjetivos,
e revelam que já aos dois anos de idade propriedades semânticas de sufixos formadores de adjetivos
são representadas pela criança.
Palavras-chave: aquisição da linguagem; adjetivo; bootstrapping; categorias funcionais; afixos
derivacionais
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011
Gragoatá
Luciana Teixeira
Introdução
Estudos em aquisição da linguagem vinculados à teoria
linguística têm sido conduzidos, de maneira geral, independentemente daqueles voltados para os procedimentos de aquisição.
Neste caso, a formulação do problema da aquisição da linguagem
não abarca o modo como a criança identifica as propriedades da
língua presentes no fluxo da fala à sua volta. Por outro lado, notase, em muitos estudos sobre aquisição da linguagem, a ausência
de um modelo teórico de língua que explicite o que deve ser
adquirido pela criança e o que pode ser atribuído a um programa
biológico.
Buscando caracterizar o tipo de informação que poderia
alavancar o processo de aquisição, e considerando que toda informação gramaticalmente relevante para a criança tem de ser legível
nas interfaces do sistema da língua com sistemas de desempenho,
a perspectiva teórica assumida neste trabalho é a de se considerar, de forma integrada, uma teoria linguística que contemple o
problema da aquisição da linguagem – particularmente a teoria
de Princípios e Parâmetros, nos termos do Programa Minimalista (CHOMSKY, 1995; 1999 e obras posteriores) – e abordagens
psicolinguísticas que considerem, como meios de desencadear
a aquisição de uma língua: (i) o tratamento do sinal acústico
da fala (bootstrapping fonológico: MORGAN & DEMUTH, 1996;
CHRISTOPHE et al., 1997); (ii) a análise do material linguístico pela
criança na aquisição de significado lexical (bootstrapping sintático:
GLEITMAN, 1990), como proposto em Corrêa (2006).
Uma das tarefas que se apresentam à criança na aquisição
de sua língua materna é a de descobrir de que maneira propriedades ou atributos são apresentados lexicalmente na língua: se
por elementos de uma categoria lexical (como a dos adjetivos),
como na maior parte das línguas conhecidas, se por meio de
morfemas livres ou presos, como em Haússa (língua afro-asiática
falada na Nigéria), ou no Chinês (Cf. ROSA, 2000). Além disso, no
que concerne à sintaxe da língua, a criança deverá fixar o valor
de parâmetros de ordem que determinam a posição do adjetivo
no DP.
Seguindo essa perspectiva, o problema de como se dá o
desencadeamento da aquisição da categoria adjetivo (em qualquer
língua na qual ele se realize como elemento de classe aberta ou
de classe fechada, sob a forma de afixos) pode ser formulado em
termos de um processo que compreende: (i) a segmentação, pela
criança, do input linguístico que lhe é oferecido; (ii) o estabelecimento de uma relação entre aquilo que se mostra acessível à
criança em termos de padrões regulares que se apresentam na
interface fônica e o que se constitui como informação acessível ao
sistema computacional, responsável pelo tratamento linguístico
dessa informação; (iii) a capacidade por parte da criança de tomar
136
Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011
Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro
1
Pe l a pr op o st a m inimalista, a distinção
formal ent re nome e
adjetivo resulta, respectivamente, da combinação [+N, -V], [+N, +V], no
que pode ser assumido
como traços categoriais,
quando do mapeamento
de enunciados linguísticos a objetos/entidades e a propriedades,
respect ivamente (Cf.
CHOMSKY, 1995). Em
sentido estrito, a identificação da gramática
é vista como identificação das propriedades
dos traços formais de
categorias funcionais.
No entanto, uma vez
que o adjetivo pode ser
realizado de diferentes
formas na morfologia
das línguas, considera-se que sua delimitação
também seja crucial à
identificação de uma
gramática.
2
Do ponto de v i st a
da teoria linguística,
os elementos do léxico
distinguem-se em duas
grandes categorias: lexicais e funcionais. Das
categorias lexicais fazem parte elementos das
denominadas “classes
abertas” (como Nomes,
Adjetivos, Verbos); já as
categorias funcionais
caracterizam-se como
sendo classes fechadas,
de que fazem parte Determinantes (D), Tempo
(verbal) (I), Complementizador (C), importantes
para referência a entidades, situação do evento
e força ilocucionária,
respectivamente. Para
mais informações a respeito dessa distinção,
ver Chomsky (1995).
o produto do processamento do sinal da fala como interface fônica
para a sintaxe da língua, vinculando a esta uma interface de natureza semântica/intencional (Cf. CORRÊA , 2006). Tal assunção
é relevante no que se refere à identificação de propriedades de
traços formais1 (entre os quais se encontram N e V), uma vez que
sobre eles opera o sistema computacional na aquisição do léxico.
Mais especificamente, no caso da aquisição de adjetivos
em línguas como o PB, pela hipótese do bootstrapping fonológico,
pressupõe-se que a criança seja sensível às propriedades fônicas
de elementos de classes fechadas, como determinantes e afixos
(dentre os quais se destacam os sufixos derivacionais). A representação da categoria funcional D, nos termos da teoria linguística
(ainda que subespecificada), é tida como necessária para que a
criança venha a identificar o Nome enquanto categoria lexical e,
a partir deste, o Adjetivo. Considera-se, ainda, que o DP possa ser
tomado como expressão referencial pela criança para a definição
das propriedades semânticas do adjetivo no uso da língua, no que
diz respeito à referência específica ou avaliativa. Pela hipótese
do bootstrapping sintático, assume-se que a criança, por meio da
análise sintática a qual já é apta a conduzir, seja capaz de perceber
que o traço categorial que define adjetivos diz respeito à atribuição
de propriedades a entidades e eventos, dado o pressuposto de
que enunciados linguísticos se referem a estes. Considera-se que,
com base nessa análise, uma dada forma gramatical seria identificada pela criança como adjetivo, quando do processamento de
enunciados linguísticos que incluam essa categoria lexical como
adjuntos e/ou predicativos.
Portanto, questões relativas à ordenação linear de constituintes e morfemas e à identificação no input de elementos funcionais2 e afixos (neste caso, os sufixos derivacionais formadores
de adjetivos) são exploradas neste estudo, enquanto informação
que a criança leva em conta na aquisição de adjetivos. No que
concerne aos afixos derivacionais semanticamente não-vazios
(como -oso e -ento), verifica-se seu papel na atribuição do traço
categorial ao adjetivo, assim como o modo pelo qual crianças os
interpretam. Assim, do ponto de vista da aquisição de adjetivos
no PB, a criança deverá captar o fato de que os adjetivos admitem
diferentes posições no enunciado em função da estrutura sintática
em que se inserem. Ela deverá ser capaz também de perceber
que a interpretação do adjetivo é dependente do processamento
da relação sintática estabelecida com o nome e da representação
conceptual de atributos.
1. Aquisição de nomes e adjetivos
Pesquisas em aquisição da linguagem vêm investigando o
modo como categorias lexicais são delimitadas. Estudos conduzidos com crianças adquirindo o inglês (WAXMAN, 1999) sugerem que, aos 13 meses, a criança é capaz de relacionar uma nova
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Gragoatá
Luciana Teixeira
palavra a uma determinada categoria (Nome, Adjetivo) em função
do modo como essa palavra lhe é apresentada (com propriedades
morfofonológicas distintas). Em experimentos posteriores, Waxman & Booth (2001) obtiveram resultados ainda mais expressivos,
compatíveis com a hipótese de que a apresentação de objetos
por nomeação (This is a blicket) ou por meio de uma construção
com adjetivo (This one is blickish) guia a atenção da criança para
a identificação de categoria (nome) ou de propriedade (adjetivo).
A relevância da percepção de informação morfológica relativa a
afixos derivacionais (como em “blickish”), para a delimitação de
nomes versus adjetivos, se explica pela especificidade dessas formas presas no que diz respeito à distinção de categorias lexicais.
Em outro estudo conduzido com crianças adquirindo o
inglês, Mintz & Gleitman (2002) encontraram resultados convergentes com a hipótese de que as crianças estendem sistematicamente os adjetivos a propriedades de objetos. Foram realizados
experimentos em que novos adjetivos foram apresentados precedendo um nome (the stoof horse), pronome (the stoof one) ou “nome
genérico” (the stoof thing). Crianças de 24 a 36 meses revelaram
mais facilidade em mapear um novo adjetivo como propriedade
de um objeto na condição nome, o que sugere ser necessária a
identificação desta categoria para a atribuição de propriedade ao
objeto, quando não há informação proveniente de afixos derivacionais relativos a adjetivos. Desse modo, o estabelecimento de um
vínculo entre a forma gramatical adjetivo e seu significado representa uma etapa subsequente no desenvolvimento, construída a
partir da relação nome/categoria de objeto, sendo modelada pelas
propriedades semânticas e sintáticas dos adjetivos na língua em
aquisição.
Com base nas evidências experimentais relatadas, temos
que, de um lado, a marca morfofonológica característica de adjetivo (-ish, em inglês) parece facilitar a identificação de elementos
dessa categoria (cf. resultados de WAXMAN & BOOTH, 2001); por
outro lado, a presença do nome modificado pelo adjetivo parece
ser requerida quando este não apresenta marca morfofonológica
(Cf. resultados de MINTZ & GLEITMAN, 2002), indicando sensibilidade da criança a informação de natureza distribucional;
portanto, à ordem dos elementos da língua em aquisição.
No que se refere à identificação de nomes e adjetivos no
processo de aquisição do Português Brasileiro (PB), os estudos
são ainda incipientes. Evidências experimentais de uma pesquisa
inicial realizada por Name (2005) e, na sequência, por Almeida
(2007) com crianças brasileiras em torno dos três anos de idade
apontam para o uso de informação referente à ordem estrutural
de constituintes como forma de identificação de nomes e adjetivos
desconhecidos.
138
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Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro
Para a formação dos
pseudoadjetivos, empregados nas sentenças
durante a realização
das tarefas experimentais, foram escolhidos
os sufixos -oso e -ento a
partir da aplicação dos
Inventários MacArthur
(questionários de compreensão e produção
de vocabulário). Neste
trabalho, foi utilizada
apenas a pa rte referente a “Qualidades e
Atributos” do protocolo
Palavras e Sentenças
(para crianças de 16 a
30 meses), tendo em
vista o tema focalizado
neste estudo e a idade média das crianças
participantes dos dois
experimentos. Para o
preenchimento da referida seção do questionário, contou-se com a
colaboração dos pais das
crianças, residentes na
cidade de Juiz de Fora,
onde se realizaram as
tarefas experimentais.
Para um estudo mais
detalhado a respeito dos
Inventários MacArthur,
ver Teixeira (2000).
3
Em Almeida (2007), as crianças, divididas em dois grupos
em função da faixa etária (Grupo A - crianças abaixo de 3 anos;
Grupo B - crianças acima de 3 anos) participaram de uma tarefa
de seleção de imagens de objetos inventados, com propriedades
desconhecidas (formas inventadas, por ex.). A apresentação das
imagens foi feita por meio de pseudopalavras (“Olha quantos
mabos bipos!”), de modo a nomear a categoria (pseudonome) e
uma propriedade da categoria (pseudoadjetivo). De acordo com os
resultados, as crianças abaixo de 3 anos (Grupo A) identificaram
a primeira pseudopalavra do DP como categoria, e a segunda,
como propriedade, sugerindo que a posição estrutural canônica
do português referente a nomes e adjetivos (Determinante + Nome
+ Adjetivo) parece guiar o mapeamento das pseudopalavras. Por
outro lado, os resultados referentes ao Grupo B sinalizam que
crianças acima de 3 anos mapeiam, com frequência maior do que
as mais novas, a primeira pseudopalavra como propriedade, e a
segunda como categoria, sugerindo que a identificação de elementos em ordem não-característica do português (Determinante +
Adjetivo + Nome) toma a ordenação canônica como referência
para a anteposição do adjetivo.
Neste artigo, reportam-se os resultados de dois experimentos conduzidos com crianças adquirindo o PB, em que se
busca investigar a sensibilidade de crianças entre 18 e 22 meses
à informação de natureza morfológica proveniente de afixos
derivacionais, aliada à informação sintática no que diz respeito à
posição do adjetivo adjunto, modificador do nome (à direita ou à
esquerda). Por ex., “Este é um dabo miposo” ou “Este é um miposo
dabo”. Investiga-se, ainda, se crianças de duas faixas etárias (2-3
anos e 4-5 anos) interpretam os afixos -oso e -ento3 de pseudoadjetivos na interface semântica.
2. Experimentos
2.1. Experimento 1 - Sensibilidade à posição estrutural
do adjetivo adjunto e a afixos derivacionais
Objetivos:
(i) verificar se crianças de 18-22 meses adquirindo o PB
são sensíveis à ordem canônica NP + Adjetivo no DP,
ao inferir a classe e o significado de palavras novas a
partir de pseudopalavras;
(ii) aferir o peso relativo da informação concernente à ordem
nome/adjetivo e adjetivo/nome diante da informação
proveniente de afixos derivacionais (por sua especificidade no que diz respeito à distinção de categorias
lexicais).
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Gragoatá
Luciana Teixeira
Variáveis independentes (compondo um design 2 X 2):
a) posição estrutural (adjetivo à direita/à esquerda do
nome);
b) presença de afixo derivacional (presença ou ausência)
→ -oso/-ento
Variável dependente: o número de escolhas referentes ao
novo objeto inventado com a propriedade-alvo. Por exemplo:
objeto com bolinhas roxas, ou triângulos verdes, ou quadrados
laranja, ou cruzes vermelhas (ver Fig. 1 adiante).
Condições experimentais:
Condição 1 - Adjetivo à direita do Nome (Det + N + Adj)
/ Com Afixo
• Familiarização: Este é um dabo miposo. Este aqui
também é um dabo miposo. Este outro aqui é um dabo
miposo também.
• Contraste: Ih! Este não é um dabo miposo. Este aqui
também não é um dabo miposo. Este outro aqui também
não é um dabo miposo.
• Teste: Pega o (que é) miposo pra mim.
Condição 2- Adjetivo à direita do Nome (Det + N + Adj)
/ Sem Afixo
• Familiarização: Este é um dabo mipe. Este aqui
também é um dabo mipe. Este outro aqui é um dabo
mipe também.
• Contraste: Ih! Este não é um dabo mipe. Este aqui
também não é um dabo mipe. Este outro aqui também
não é um dabo mipe.
• Teste: Pega o (que é) mipe pra mim.
Condição 3- Adjetivo à esquerda do Nome (Det + Adj +
Nome) / Com Afixo
• Familiarização: Este é um miposo dabo. Este aqui
também é um miposo dabo. Este outro é um miposo
dabo também.
• Contraste: Ih! Este não é um miposo dabo. Este aqui
também não é um miposo dabo. Este outro também
não é um miposo dabo.
• Teste: Pega o (que é) miposo pra mim.
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Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro
Condição 4- Adjetivo à esquerda do Nome (Det + Adj +
Nome) / Sem Afixo
• Familiarização: Este é um mipe dabo. Este aqui também
é um mipe dabo. Este outro é um mipe dabo também.
• Contraste: Ih! Este não é um mipe dabo. Este aqui
também não é um mipe dabo. Este outro também não
é um mipe dabo.
• Teste: Pega o (que é) mipe pra mim.
Hipótese:
A criança é sensível à informação relativa à ordem linear
com que unidades do léxico se apresentam e informação pertinente a elementos de classes fechadas, como afixos derivacionais,
importantes na distinção de categorias lexicais.
Método:
Participantes: 16 crianças, com idade média de 20 meses
(7 do sexo feminino; 9 do sexo masculino), de uma creche-escola
de Juiz de Fora participaram do experimento. Todas elas foram
testadas individualmente, com a presença da professora ou
ajudante de confiança. As crianças foram submetidas a 2 trials
de cada condição experimental, de modo que, ao fim da tarefa,
cada criança realizou 8 testes. Os resultados foram anotados para
análise posterior.
Material: Para a realização das tarefas, utilizaram-se 32 objetos manufaturados (Fig. 1 abaixo), selecionados de modo a formar
4 grupos diferentes de 9 objetos cada (para se ter um exemplo, ver
quadro 1 adiante). Em cada condição experimental, durante a fase
de familiarização, as crianças viram 3 objetos inventados iguais na
forma, com cores diferentes e com a mesma propriedade (ex. bolinhas roxas ou triângulos verdes ou quadrados laranja). Na etapa
do contraste, cada criança viu: 2 objetos conhecidos da criança
(ex. banana e bola ou lua e flor); 1 objeto inventado semelhante
ao da familiarização, sem a propriedade-alvo e 1 objeto inventado
diferente ao da familiarização, sem a propriedade-alvo. Na fase
teste, foi apresentado um par de objetos inventados: 1 igual ao
da familiarização, de outra cor e com uma nova propriedade (ex.
cruzes vermelhas) e 1 igual ao do contraste, de outra cor e com a
propriedade-alvo (ex. bolinhas roxas).
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Gragoatá
Luciana Teixeira
Objetos conhecidos
Objetos inventados
Fig. 1 - Objetos manufaturados
Previsões:
(a) Espera-se um efeito principal da presença de afixo, com
mais respostas concernentes à propriedade dos objetos,
caso a criança reconheça os sufixos derivacionais;
(b) espera-se, ainda, um possível efeito principal da posição
estrutural, com mais respostas relativas à propriedade
dos objetos, se a criança identificar a primeira pseudopalavra apresentada como Nome, e a segunda, como
Adjetivo, mapeando o objeto ou a propriedade do objeto.
Procedimento:
Foi usado o paradigma da seleção de objetos em situação
de aprendizagem de palavras novas/conceitos novos, segundo o
qual a criança teve como tarefa mostrar à pesquisadora o que foi
pedido, a partir de objetos manufaturados. Os brinquedos foram
inventados a fim de evitar qualquer interferência decorrente de
conhecimento prévio da criança, quando do mapeamento entre a
pseudopalavra e o objeto inventado ou entre a pseudopalavra e a
propriedade do objeto inventado. Após chegar à creche-escola, a
experimentadora iniciou a familiarização com a tarefa de manipulação de brinquedos, a partir de objetos conhecidos, apresentando-os aos pares e nomeando-os: carrinho barulhento/silencioso.
Em seguida, teve início a apresentação dos objetos inventados. O
procedimento incluiu três fases distintas: familiarização, contraste
e teste (Cf. apresentado nas Condições Experimentais). Para se ter
um exemplo, ver quadro 1 abaixo:
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Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro
FAMILIARIZAÇÃO
CONTRASTE
TESTE
Distratores
a) 2 objetos conhecidos s/
propriedade-alvo (ex. bola e flor);
a Objeto inventado igual ao da
Familiarização, de outra cor,
com outra propriedade (ex. com
3 objetos inventados de cores diferentes, b) 1 objeto inventado semelhante quadrados laranja)
com a mesma forma e com a mesma ao da fase de Familiarização, sem a
X
propriedade
propriedade-alvo;
Objeto inventado igual ao do
Contraste, de outra cor, com
(ex. triângulos verdes)
c) 1 objeto inventado diferente do a propriedade-alvo (ex. com
da fase de Familiarização, sem a triângulos verdes)
propriedade-alvo;
Alvo
Objeto inventado com a propriedadealvo (ex. com triângulos verdes)
Quadro 1 - Conjunto 1 de objetos
Resultados e discussão:
Os dados deste experimento foram analisados considerando-se o número de escolhas referentes aos objetos inventados que
apresentavam a propriedade-alvo, ou seja, a mesma propriedade
dos objetos da fase de familiarização. O gráfico abaixo apresenta
a distribuição de respostas-alvo em função da posição estrutural
do adjetivo e da presença/ausência de sufixo.
Gráfico 1
Por meio da análise da variância (two-way ANOVA), temse que os resultados indicam um efeito principal da ordem
nome/adjetivo, com mais respostas concernentes à propriedadealvo dos objetos nas condições experimentais em que o adjetivo
aparece à direita do nome do que naquelas em que ele aparece
à esquerda do nome: F(1, 15) = 36.15, p<.00001. No que tange à
presença/ausência de afixos, os resultados também apontam
Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011
143
Gragoatá
Luciana Teixeira
um efeito principal da presença de afixo, com mais respostas
relativas a propriedades dos objetos nas condições com afixos
derivacionais: F(1,15) = 10.38, p<.01. Houve interação significativa
entre as variáveis: F(1,15) = 24.77, p<.001.
Portanto, o efeito principal das variáveis independentes e
o da interação entre as variáveis manipuladas sugerem que as
crianças fixam, desde muito cedo, os valores dos parâmetros relativos à ordem das palavras (p. ex. Det + N + Adj), percebendo na
fala à sua volta determinados “padrões recorrentes” de natureza
sintática (como o fato de que algumas palavras tendem a ser precedidas, com frequência, por outras de classes fechadas (p. ex. Det
+ Nome) e de natureza morfológica (como a presença de afixos
derivacionais após as raízes lexicais, no caso deste experimento).
Na presença do sufixo derivacional, a informação morfofonológica
é prevalente para o estabelecimento pela criança da correspondência entre a pseudopalavra com sufixo e a propriedade (=adjetivo),
principalmente nas condições experimentais em que o adjetivo
aparece à esquerda do nome, ou seja, na posição não-canônica (Det
+ Adj + N). Tais informações são levadas em conta pela criança
na delimitação da categoria lexical correspondente a adjetivos,
distinguindo-os de nomes. Os resultados indicam que adjunção
de adjetivos no DP contribui para a interpretação da referência
específica, chamando a atenção da criança para uma propriedade
do elemento referido.
Contudo, o que não está bem claro é em que medida os traços
semânticos dos afixos formadores de adjetivos são representados
pela criança, isto é, em que medida ela é capaz de interpretar esses
traços na interface semântica. A seguir, apresenta-se um segundo
experimento com crianças, em que se focaliza sua capacidade
em atribuir significado às propriedades expressas por pseudoadjetivos, tomando como pista os afixos derivacionais -oso e -ento
associados às raízes lexicais dessas pseudopalavras.
2.2. Experimento 2 – Sensibilidade por parte de crianças
à informação semântica dos afixos derivacionais -oso e -ento,
formadores de adjetivos denominais
Na confecção dos materiais ut ilizados no
pré-teste, procurou-se
estabelecer a seguinte
associação: aos objetos com florezinhas ou
coraçõezinhos deveria
corresponder uma propriedade positiva; aos
objetos com farrapos e
buracos deveria corresponder uma propriedade negativa. Para se ter
exemplos, ver Fig. 2.
4
144
2.2.1 Pré-teste
Para a realização do Experimento 2, foi elaborado, em
primeiro lugar, um pré-teste com vistas a verificar se, diante de
dois objetos, um com uma propriedade supostamente positiva e
outro com propriedade supostamente negativa4, a criança tinha
preferência por um ou por outro. O pré-teste foi conduzido com
12 crianças (6 de cada grupo etário), contrabalançadas em dois
grupos em função da idade e do tipo de objeto a que foram apresentadas - com o traço [+animado] ou [-animado]:
Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011
Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro
a) grupo I (Inanimado): 3 crianças entre 2-3 anos; 3 crianças
entre 4-5 anos;
b) grupo A (Animado): 3 crianças entre 2-3 anos; 3 crianças entre 4-5 anos.
Os dados do grupo Inanimado e os do grupo Animado,
em ambas as faixas etárias, foram inicialmente comparados e,
dada a semelhança das médias obtidas, não houve indício de que
animacidade e idade pudessem ser variáveis relevantes nas escolhas das crianças. Assim sendo, por meio de um Teste Binomial,
procurou-se verificar se houve preferência por um dos objetos
apresentados, em função do tipo de propriedade contrastada. Os
resultados indicaram uma tendência para a escolha do objeto com
propriedade de valor positivo, ainda que a preferência por este
não tenha alcançado o nível de significância: z (2 tailed) = 1.88;
p =.06. Isso sugere que as crianças avaliam os objetos de forma
semelhante à pretendida na caracterização das propriedades dos
mesmos, embora essa avaliação não as leve a rejeitar os objetos
com propriedades tidas como negativas em suas escolhas. Diante
disso, considerou-se que a escolha de objetos com propriedades
consideradas positivas ou negativas no pré-teste poderia ocorrer
em função da interpretação semântica dos afixos. Isso posto,
apresenta-se a seguir o experimento propriamente dito, em que
se ampliou o número de participantes por faixa etária, com vistas a verificar o efeito do tipo de afixo diante da tendência acima
referida.
2.2.2. Experimento 2
Objetivos:
(i) obter evidências sobre o conhecimento de crianças
brasileiras de 2-3 anos e 4-5 anos, relativo à informação
de natureza semântica dos sufixos derivacionais -oso e
-ento, formadores de adjetivos;
(ii) verificar se os fatores “idade” e “animacidade” interferem na interpretação semântica do afixo por parte das
crianças.
Variáveis Independentes (compondo um design 2X2):
a) Congruência entre o significado atribuído ao afixo
(-oso/-ento) e à propriedade do objeto (supostamente
positiva ou negativa):
(i) congruente: a propriedade física do objeto (com florezinhas/ coraçõezinhos ou furos/farrapos) corresponde
ao valor (positivo ou negativo) associado ao sufixo;
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145
Gragoatá
Luciana Teixeira
(ii) incongruente: a propriedade física do objeto (com florezinhas/ coraçõezinhos ou furos/farrapos) não corresponde ao valor (positivo ou negativo) associado ao
sufixo.
b) Animacidade: animado / inanimado (fator grupal);
c) Idade (fator grupal).
Variável dependente: número de escolhas compatíveis com
o significado do sufixo empregado na familiarização.
Hipótese:
A criança interpreta os sufixos -oso/-ento como indicativos
de propriedades positivas/negativas, respectivamente.
Condições experimentais:
Condição 1: congruente c/ -oso
Condição 2: congruente c/ -ento
Condição 3: incogruente c/ -oso
Condição 4: incogruente c/ -ento
Previsões:
Se a criança for sensível à informação semântica dos afixos
derivacionais formadores de adjetivos com -oso/-ento, associando
valor positivo/negativo, respectivamente, às propriedades dos
nomes modificados por esses pseudoadjetivos, então:
(i) o afixo -oso favorece avaliação positiva. Espera-se um
efeito de tipo de afixo com maior número de respostas
para o pseudoadjetivo interpretado como indicativo de
uma avaliação positiva na “condição -oso”;
(ii) o afixo -ento favorece avaliação negativa. Espera-se um
efeito de tipo de afixo, com maior número de respostas
para o pseudoadjetivo interpretado como indicativo de
uma avaliação negativa na “condição -ento”.
Preparação dos estímulos:
Foram elaboradas 8 listas em que a ordem das condições
experimentais foi aleatorizada, de modo a garantir que uma
mesma condição não se repetisse sucessivamente. Um mesmo
pseudoradical foi empregado, uma única vez, em cada condição
experimental. Por exemplo: (i) mip {-oso} congruente; (ii) mip
{-ento} congruente; (iii) mip {-oso} incongruente; (iv) mip {-ento}
incogruente. Cada criança foi apresentada a um radical uma vez.
Os pseudoadjetivos utilizados nas sentenças durante a realização
das tarefas foram os seguintes: lufoso/lufento; daboso/dabento;
146
Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011
Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro
tafoso/tafento; riboso/ribento; maboso/mabento; toboso/tobento.
Para uma melhor compreensão acerca da condução deste experimento, ver a subseção referente ao procedimento adotado.
Método:
Participantes: As tarefas experimentais foram aplicadas
inicialmente a 46 crianças de duas escolas, ambas em Juiz de Fora,
mas realizadas em todas as instâncias por 38: 18 de 2-3 anos (8 do
sexo masculino e 10 do feminino) e 20 de 4-5 anos (igualmente
divididas entre os dois sexos). Cada grupo etário foi dividido da
seguinte forma:
a) Grupo 1 (Animado): 10 crianças de 2-3 anos e outras 10
de 4-5 anos;
b) Grupo 2 (Inanimado): 8 crianças de 2-3 anos e outras 10
de 4-5 anos.
Materiais:
Foram utilizados os objetos manufaturados do pré-teste
(ver Fig. 2 a seguir) e estes foram divididos em dois grupos: um
primeiro grupo de objetos com o traço [-animado], e um segundo
grupo de objetos com o traço [+animado], ambos contendo as
mesmas propriedades, a saber: com florezinhas ou coraçõezinhos
(propriedades supostamente positivas), com farrapos ou furos
(propriedades supostamente negativas). Objetos sem propriedade
saliente (lisos) foram considerados neutros.
Fig. 2 - Objetos manufaturados
Procedimento:
A criança teve como tarefa selecionar um dentre dois objetos,
contendo uma propriedade determinada, à qual o pseudoadjetivo,
dependendo da condição experimental, deveria se referir. Cada
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147
Gragoatá
Luciana Teixeira
criança foi submetida a quatro condições experimentais duas
vezes, sendo que a ordem de apresentação das condições por
criança foi aleatorizada. O procedimento incluiu familiarização,
contraste e teste, sendo que as escolhas dos participantes foram
anotadas para análise posterior. Exemplos de sentenças com pseudoadjetivos, distribuídos em função da condição experimental em
cada fase, estão transcritos a seguir:
Condição 1: congruente c/ -oso
Familiarização (Congruente): “objetos -oso” → com florezinhas
"Este aqui é miposo. Este aqui também é miposo. E este outro
aqui é miposo também”.
Contraste: outro objeto da mesma categoria com propriedade pejorativa (com farrapos) e um objeto diferente
sem propriedade (neutro).
“Ih, este aqui não é miposo!”. “Este outro aqui também não
é miposo “.
Teste: objeto da mesma categoria do da fase de familiarização com propriedade pejorativa (com farrapos) X um
objeto diferente com a mesma propriedade dos objetos
da familiarização com o afixo -oso (com florezinhas).
“Pega o miposo pra mim.”
Condição 2: congruente c/ - ento
Familiarização (Congruente): objetos -ento → com furos
"Este aqui é lufento. Este aqui também é lufento. E este outro
aqui é lufento também”.
Contraste: outro objeto da mesma categoria com propriedade positiva (com corações) e um objeto diferente sem
propriedade (neutro).
“Ih, este aqui não é lufento!”. “Este outro aqui também não
é lufento “.
Teste: objeto da mesma categoria do da fase de familiarização com propriedade positiva (com corações) X um
objeto diferente com a mesma propriedade dos objetos
da familiarização com o afixo -ento (com furos).
“Pega o lufento pra mim.”
148
Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011
Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro
Condição 3: incogruente c/ -oso
Familiarização (Incongruente): objetos com propriedade
pejorativa → com furos
"Este aqui é daboso. Este aqui também é daboso. E este outro
aqui é daboso também”.
Contraste: outro objeto da mesma categoria com propriedade positiva (com florezinhas) e um objeto diferente
sem propriedade (neutro).
“Ih, este aqui não é daboso!”. “Este outro aqui também não
é daboso”.
Teste: objeto da mesma categoria do da fase de familiarização com propriedade positiva (com florezinhas) X um
objeto diferente com a mesma propriedade pejorativa
dos objetos da familiarização com o afixo -oso (-oso
incongruente= objeto com furos).
“Pega o daboso pra mim.”
Condição 4: incogruente c/ - ento
Familiarização (Incongruente): objetos com propriedade
positiva → com coração
"Este aqui é tafento. Este aqui também é tafento. E este outro
aqui é tafento também”.
Contraste: outro objeto da mesma categoria com propriedade pejorativa (com farrapos) e um objeto diferente
sem propriedade (neutro).
“Ih, este aqui não é tafento!”. “Este outro aqui também não
é tafento “.
Teste: objeto da mesma categoria do da fase de familiarização com propriedade pejorativa (com farrapos) X um
objeto diferente com a mesma propriedade positiva dos
objetos da familiarização com -ento (-ento incongruente
= com coração) → “Pega o tafento pra mim.”
Resultados e discussão:
Para o tratamento dos dados, foi considerado o número de
escolhas compatíveis com o significado do sufixo que foi associado
à propriedade-alvo dos objetos na fase de familiarização.
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Gragoatá
Luciana Teixeira
Gráfico 2
Houve um efeito principal da variável idade: F (1,34) = 14,3,
p<.001, com mais respostas relativas à congruência do significado
dos afixos no grupo de crianças mais velhas, independentemente
das propriedades do objeto de escolha: se positivas ou negativas
(Médias: 2 anos= 1.93; 4 anos= 2.17). O efeito de animacidade não
foi significativo. O gráfico 3 abaixo apresenta as médias obtidas
em função de congruência e tipo de afixo nos dois grupos etários,
tomados em conjunto.
Gráfico 3
O efeito de tipo de afixo foi significativo: F (1,34)= 9,7, p<.01
(Médias: -oso = 2.21; -ento = 1.92), assim como o de congruência:
F (1,34)= 61,7, p<.001, com maior número de respostas com valor
positivo na condição congruente com o sufixo -oso e maior número
de respostas negativas na condição congruente com o sufixo -ento
(Médias: congruente= 2.92; incongruente= 1.21). Não houve interação significativa entre esses fatores assim como desses fatores com
150
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Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro
idade, o que indica que os resultados do efeito de congruência se
aplicam independentemente do tipo de afixo e da idade.
Os resultados obtidos são compatíveis com a hipótese
de que a criança é sensível à informação semântica dos afixos
derivacionais -oso/-ento, formadores de adjetivos denominais,
associando valor positivo/negativo, respectivamente, às propriedades dos nomes modificados pelos adjetivos com tais afixos.
Essa sensibilidade pode ser captada desde muito cedo (2-3 anos).
Nota-se, contudo, pelo efeito principal de idade, que o número
de respostas compatível com o adjetivo como atribuidor de propriedade, independentemente de seu valor positivo/negativo,
aumenta entre as crianças mais velhas. Cumpre ressaltar que, se
as crianças distinguem entre palavras novas apresentadas como
nomes contáveis vs propriedades, e esta distinção é recrutada no
aprendizado de palavras, isso implicará padrões de comportamento distintos nas condições congruente e incongruente. Ou
seja, na condição incongruente, a criança parece optar pelo objeto
familiar, mesmo que ele se mostre com uma nova propriedade. Já
na condição congruente, a criança parece optar pelo objeto que
traz a propriedade já familiar, mesmo que esta seja apresentada
em um novo objeto.
Considerações finais
Partindo do pressuposto de que aquilo que é sistemático
na língua é tomado pela criança como índice de informação
gramaticalmente relevante para dar início ao processamento de
enunciados linguísticos, o primeiro experimento buscou investigar o papel dos elementos de classe fechada (mais especificamente,
determinantes e sufixos derivacionais), assumindo-se a sua sistematicidade como desencadeadores dessa análise. No que se refere
à interpretação semântica dos sufixos, as evidências experimentais
indicam que a criança parece ser capaz de mapear diferentes propriedades (intuitivamente positivas ou negativas, por ex., tendo em
vista os sufixos -oso e -ento, respectivamente), atribuindo-as a uma
determinada categoria, e estendendo-as a uma outra. No caso do
Experimento 2, os resultados indicam que já por volta do segundo
ano de vida, as crianças são capazes de identificar os sufixos na
interface fônica e interpretá-los na interface semântica (ainda
que essa habilidade aumente dos 4 para os 5 anos). As crianças
delimitam uma forma gramatical (enquanto elemento do léxico
que atribui propriedades a um elemento nomeado) identificada
como adjetivo, dado o pressuposto de que enunciados linguísticos
se referem a entidades e eventos. Com este estudo, procurou-se
contribuir para uma teoria da aquisição da linguagem fundada
no processamento de informação das interfaces da língua com
sistemas perceptuais e conceptuais, na qual se enfatiza o papel de
categorias funcionais e de elementos de classe fechada, tais como
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151
Gragoatá
Luciana Teixeira
os sufixos derivacionais, na identificação do que há de específico
na língua.
Abstract
This paper presents an experimental study
of the delimitation of adjectives as a lexical
category in the acquisition of Brazilian
Portuguese. It reconciles a psycholinguistic approach to language acquisition
with a minimalist conception of language
(CHOMSKY, 1995-2001). According
to the phonological bootstrapping hypothesis (MORGAN & DEMUTH, 1996;
CHRISTOPHE et al., 1997), it is assumed
that infants are sensitive to closed class
elements (as determiners and affixes) in
the processing of the phonetic interface.
According to the syntactic bootstrapping
hypothesis (GLEITMAN, 1990), it is assumed that the parsing of adjectives in DP
and small clause contexts, together with
the assumption that DPs refer to objects/
entities, allow the representation of the
adjectives as words that present a property
or an attribute of a given referent. And the
role of the canonical word order in the distinction between nouns and adjectives is
evaluated. Two experiments are presented:
both of them were conducted with children,
making use of the object selection with
pseudo-words paradigm. The first experiment was conducted with 18-22 month
old children, and the second one, with
2-3 and 4-5 year olds. The results of the
experiments reported here are compatible
with the hypothesis that children make use
of syntactic and morphological information in the delimitation of adjectives as a
lexical category. They also reveal that the
semantic properties of derivation affixes
forming adjectives are already available
by the age of two.
Keywords: language acquisition; adjective; bootstrapping; lexical categories;
functional categories; derivational affixes
152
Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011
Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro
Referências
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CHRISTOPHE, A. et al. Reflections on Phonological Bootstrapping:
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Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011
153
Relexification scope and the limits of
Full Transfer Full Access Hypothesis
in Second Language Acquisition
Paulo Antonio Pinheiro Correa (UFF)
Recebido 15, jan. 2011 / Aprovado 7, fev. 2011
Abstract
This paper on Second Language Acquisition analyzes the case of quedar(se), a pseudo-copular verb
typical of the interlanguage system of Brazilians
nonnative speakers of Spanish. It combines syntactic and semantic properties from its corresponding
element in Brazilian Portuguese, the speakers L1,
and phonological features from the Spanish supposed counterpart. This element maintains itself
in interlanguage until its steady state and it is
analyzed here as a case of relexification (Lefebvre, 1997), a universal process present in many
language contact situations, among them, Second
Language Acquisition.
Keywords: Second Language Acquisition, Language contact, Spanish. Relexification.
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
Gragoatá
Paulo Antonio Pinheiro Correa
Introduction
This paper discusses a case of relexification (MUYSKEN,
1981; LEFEBVRE, 1997) in nonnative Spanish spoken by Brazilians, concentrating on the expression of punctual change of state
(henceforth COS) in this system.
L2 Spanish speaking Brazilians tend to Express COS in
their interlanguage using adjectival passives, while in the target
language COS is mainly expressed by verbal constructions, as in
the examples below:
(1) Spanish: Ana se enojó con Juan por el retraso.
‘Ana got angry at Juan for his delay.’
(2) Interlanguage: Ana se quedó enojada con Juan por el
retraso
“Ana got angry at John for his delay.”
Besides that, interlanguage exhibits another property that
differentiates it further from the goal language: when using
predicative constructions (adjectival passives) for expressing COS
and change of property Brazilians tend to use a sole wild-card
pseudo-copular verb (quedar(se) as in example [2]) instead of using one of the several case-specific options available in the goal
language. This paper will address specifically the expression of
COS in this interlanguage, regarding the use of quedar(se) as a
case of relexification.
The study, based on Full Transfer Full Access Hypothesis
(SCHWARTZ & SPROUSE, 1994) shows that relexification, differently from Schwartz and Sprouse’s hypothesis’ predictions, applies until the individuals’ interlanguages reach their steady state,
revealing a permanent failure in the acquisition process of these
constructions by Brazilians with a formal instruction in Spanish.
This leads to consider the existence of circumstances where the
predictions of that hypothesis on SLA do not apply. The situation
analyzed here, involving typologically related languages such as
Portuguese and Spanish, may be one of those.
The paper is divided as follows: the first section presents the
theoretical underpinnings of this research. Next section discusses
COS in the framework of lexical semantics and how this notion
is expressed in Spanish. The last one presents interlanguage COS
constructions and the discussion of the results.
1. Theoretical underpinnings
1.1. Full Transfer Full Access and SLA
Schwartz and Sprouse’s (1994) Full Transfer Full Access Hypothesis (henceforth, FTFA) on interlanguage genesis and development, states that the way adult learners acquire a second language
156
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition
is a two-step process, full transfer, when interlanguage exhibits the
properties of the learners’ L1 and full access, when interlanguage
gradually reset its parameters towards a convergence with the
target language.
According to it, in the first step, full transfer the whole grammar (its parameters/formal features together with the corresponding values1 but the phonological matrices) is transferred to the
individual’s cognition thus forming the initial state interlanguage
which combines these features with the L2 phonology features,
forming a device that allows the individuals to begin to access
and process the L2 input they are exposed to.
Nevertheless this is the first moment of the process, according to FTFA hypothesis. Some changes will eventually happen
in this system as the amount of exposure to L2 data increases.
Across interlanguage development it is expected that there will be
plenty of moments where its properties will not be able to process
L2 input data. These situations are the adequate triggers for IL
restructuring. Whenever it happens, interlanguage parameters
can – ideally – be reset, towards an ideal convergence with the
target language, a process mediated by Universal Grammar. According to this, what allows the growth of the interlanguage are
the mismatches between IL parameters/features/feature values/
feature deployment and the L2 input. The absence of such mismatches, tough, could have an inverse effect, not allowing the
learner’s system to grow.
1.2. Relexification
According to modern
research on SLA, based
on the Minimalist Program, besides parameters, other elements featured in the architecture
of g rammar, such as
features, feature values
or feature deployment
could be transferred
and conform the properties of initial state interlanguage. Whenever
we say ‘parameters’ in
this paper we mean all
these properties.
1
Lefebvre (1997), based on Muysken’s (1981) definition of
relexification defines it as a mental process creating lexical entries
by copying lexical entries from a preexisting lexicon changing
its phonological representations for ones derived from the other
language. It is a generative, UG-based concept for explaining
properties of creole languages and it is a semantic-driven process.
According to this, as Couto (2002) observes, in a creole language
resulting from a language contact situation exhibiting this process,
some of its lexical entries will have semantic and syntactic properties of the substrate language (L1) and a phonological representation derived from the lexifier language, the L2, due to a partially
shared semantics. Lefebvre (2008) represents schematically this
idea as follows:
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
157
Gragoatá
Paulo Antonio Pinheiro Correa
Figure 1: relexification process adapted from Muysken (1981)
in Lefebvre (2008).
She exemplifies this process with the case of the lexical item
HC-/ansansinen/ from her analysis of Haitian Creole. This lexical
entry has the semantic properties of /hù/ from Fon, the substrate
language, meaning in this language “to murder” and “to mutilate” and combines them with the phonological representation
close to that of the element which is perceived to share (though
partially) some semantics, Fr- /asasine/, in this language meaning
“to murder”, but not “to mutilate”. The new lexical entry resulting
from this process is HC-/ansansinen/ meaning “to murder” and “to
mutilate”. Relexification took place in a situation of insufficient
access to L2 input “to perceive/learn the properties (categorical/
subcategorization etc.) of the target lexical entries” (Lefebvre 2008).
Sprouse (2006) says that the first phase depicted in the FTFA
hypothesis (full transfer) fits exactly in what Lefebvre (1997) defines as a relexification process, saying it is at the core of second
language instinct, we can say, just as the search for morphological cues for parameters are in the core of first language instinct.
He says:
Full Transfer can be restated in terms of Relexification’ and that
‘Relexification is at the core of the second language instinct, accounting both for the L2 initial state and for the frequent failure of
failure-driven revision to effect convergence on the target language.
(Sprouse 2006:170).
This observation has two consequences: it broadens the
scope of the notion of relexification, assigning it a more universal scope and reduces the gap between the studies on language
contact and second language acquisition by emphasizing the
processes common to both linguistic situations.
In the case adressed this paper, nevertheless, relexification,
which, according to Sprouse (2006) and the FTFA hypothesis
would be a transitional phase in the acquisition process, does not
progress towards convergence with the target language, since
in most of the subjects tested, IL representation of COS does not
158
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition
suffer any change along the development of IL (interlanguage
does not seem to grow in this aspect) keeping the same from the
initial levels up to its steady state.
This suggests that the predictions of the FTFA hypothesis for
some reasons may not apply in some contexts. The context being
analyzed here may be one of these. Portuguese and Spanish are
typologically related languages and this could be a problem for
interlanguage growth in some areas of grammar.
2. Change of state constructions
Spanish constructions may be predicative (adjectival passives) or verbal unaccusatives. A study from Correa (2007), based
on the online Corpus de Referencia del Español Actual (CREA/RAE)
shows that 89% of the data (2026 tokens from written data) were
verbal unaccusatives such as in (3) below and 11% were predicative, as in example (4) below:
(3) Ana se asusta con los pájaros.
‘Ana is scared at the birds.’
(4) Al saberlo me quedé fría.
‘When I knew it I got amazed.’
These results confirm the empirical observation that in Spanish systems, in general, these constructions are less frequent and
marked, serving to well-defined purposes. According to Miguel
and Fernández Lagunilla (2000), work, based on Pustejovsky
(1991) semantic decomposition of complex predicates, COS events
are understood as complex accomplishments (VENDLER, 1967).
Under these assumptions every complex event is conceived in
the cognition as a succession of simple events. Accordingly, COS
events consist of three phases or sub-events aligned in temporal
succession. The initial sub-event where the entity is about to
undergo a transition but is associated to the anterior state; the
middle one where the transition itself takes place and the final
one where the entity is already associated to the resulting state of
the change it suffered. And, according to Miguel and Fernández
Lagunilla (2000) in a statement, “the speaker can decide to focus
in the initial, the middle or the final phase”. This could be a simple
way of accounting for the differences between adjectival passives
and verbal constructions. While verbal constructions focus the
change itself, adjectival passives focuses the resulting event.
In the expression of COS by adjectival passives, Spanish
present a variety of pseudo-copular verbs each one entailing a
different semantic aspect to the construction. According to Porroche Ballesteros (1988), for expressing COS Spanish exhibits
ponerse (momentous change) and quedar(se) (it assigns a duration
component to the resulting state), as in the examples below (from
Porroche Ballesteros 1998, 128):
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
159
Gragoatá
Paulo Antonio Pinheiro Correa
(5) ponerse: El cielo se ha puesto negro por un minuto.
‘The sky turned black for one minute.’
(6) quedar(se): Después de la tormenta, el cielo se ha quedado
azul toda la tarde. ‘After the storm the sky kept blue for
the whole afternoon’.
For change of quality Spanish exhibits volverse (punctual
change) and hacerse (gradual change), as below:
(7) hacerse: En septiembre la situación se hizo ya difícilmente sostenible.
‘By September the situation was already almost untenable.’
(8) volverse: Uno se vuelve, no voy a decir tímido o cobarde
frente a ellos, pero sí, precavido.
‘One becomes, I will not say timid or cowardly in front
of them, but, wary.’
In a semantic-centered approach such as Levin & Rappaport Hovav (1995) lexical semantic templates, Spanish specifies
the possible semantic notions featured in the semantic primitive
BECOME and specifies them associating each feature to a different
lexical item. As Porroche Ballesteros (1988, p.127) states:
In Spanish there is not a verb corresponding exactly to French
devenir, to Italian diventare, to German warden or to English
become. Nevertheless Spanish, as most of languages, has a
number of procedures (lexical, morphological and syntactic)
to express the notion of change2.
Some of the resources referred by Porroche are the several
pseudo-copular verbs used in Spanish. When it comes to COS
predicative constructions, what distinguishes quedar(se) and ponerse is the grammatical aspect associated to each of them. Ponerse
constructions do not allow a duration complement:
From the original in Spanish: “En
español no existe
un verbo que corresponda de un modo
e x ac to a l d e ve nir
francés, al diventare
italiano, al werden
alemán o al become
inglés. Sin embargo, el español, como
la mayor parte de
l a s le ng u a s, d i s pone de distintos
procedimientos léxicos, morfológicos
y sintácticos) para
expresar la noción
de cambio.”
2
160
(9) Ana se puso enferma los tres días que se siguieron a la
junta.
‘Ana got sick for three days after the reunion.’
This construction is agrammatical for a permansive reading. It is acceptable only with an iterative reading, since it is
interpreted as a punctual COS. Ponerse only shows compatibility
with inchoative aspect (next three examples are from BYBEE &
EDDINGTON, 2006):
(10) De repente se pone furiosa porque he mirado dos veces
a una persona.
‘All of a sudden she gets furious because I looked at
someone twice.’
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition
Quedar(se), in turn, shows compatibility with a permansive
reading:
(11) Se quedó soltera por falta de padre o de hermano.
‘She became a spinster for lack of father or brother.’
And allows also an inchoative reading (although there
is always a durative aspect that may not be textually
expressed):
(12) Al voltearlo con la puntera de la bota para alumbrarle la cara, el capitán se
quedó perplejo.
“Upon turning him over with the tip of his boot in order to shine some light on his face the captain became
perplexed.”
Accordingly, ponerse is specified for a inchoative reading
(alternating with the verbal unaccusative, with the difference that
while the former focuses on the resulting state, the latter focuses
on the event of change) and quedar(se) carries the feature [+permansive], assigning it to the resulting state in the construction.
3. Analysis and discussion of interlanguage data
The results of a study of COS constructions in the interlanguage of Brazilians nonnative speakers of Spanish (CORREA,
2007) show two characteristics of this system: Differently from
Spanish COS constructions are predominantly predicative and
b) these predicative constructions exhibit a sole pseudo-copular
verb, IL-quedar(se) accounting for the meanings of both quedar(se)
and ponerse from Spanish.
In a production test, a psycholinguistic questionnaire,
subjects (n=17) had to fill the gaps with the appropriate Spanish
version for a Portuguese sentence exhibited to the group in the
Data Show. From a total of 24 sentences, 8 were experimental. The
results were that 64% of the subjects filled the forms with predicative quedar(se) constructions, when it was expected that 100% of
the experimental questions were answered as verbal.
This tendency was further corroborated in a recognition test,
the experimental group, consisting of another group of Brazilians
non-native speakers of Spanish (n=17) should perform a scalar
grammaticality judgment, ranging from (-2) (completely unacceptable) to (+2) (totally acceptable). There were 48 sentences and 16
of them were experimental. The result was that most individuals
judged as acceptable/totally acceptable sentences that were judged
as unacceptable by the ones of the control group, consisting of 9
native speakers of Spanish, from Buenos Aires, Argentina.
Examples below show constructions rejected by the control
group and accepted by the experimental group:
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
161
Gragoatá
Paulo Antonio Pinheiro Correa
(13)Es muy celosa. Siempre que el móvil de su marido está
sin servicio se queda desesperada.
“She is very jealous. She gets desperate whenever her
husband’s cell phone of out of service.’
(14)Cuando empieza el ruido, la jefa se queda con dolor de
cabeza.
“When the noise begins the boss gets a headache.”
(15)Cuando hay reunión, Sergio se queda preocupado con
todos los asuntos que se discuten.
“When there is a reunion Sergio gets worried about all
the subjects discussed.”
These constructions were rejected by the control group
for not being verbal. Nonetheless their acceptance by Brazilians
show that the interlanguage pseudo-copular verb quedar(se) has
divergent properties from its Spanish counterpart.
An analysis of the properties and distribution of L1 ficar in
Brazilian Portuguese, L1 system of the subjects, shows that this
pseudo-copular verb has a wide range, acting as a wild-card verb,
since it is compatible in meaning with three out of four Spanish
pseudo-copular discussed above (which are not interchangeable
between them):
Pseudo-copular verb
Punctual
chamge of state
B portuguese : Ficar
�
Spanish: Quedar(se)
Spanish: Ponerse
Permansive
chamge of state
Punctual chamge Gradual chamge
of property
of property
�
�
�
�
�
Spanish: Hacerse
Spanish: Volverse
�
Table 1: comparison of properties of pseudo-copular verbs
in Brazilian Portuguese and Spanish
For expressing gradual change of quality
Brazilian Portuguese
e x h i b it s “v i r a r ”, a s
well as for some cases
of punctual change of
property.
3
162
As in the table above, while in Spanish, each of the four
pseudo-copular verbs fits in a specific situation, in Brazilian
Portuguese the pseudo-copular verb ficar is used to express the
same meanings associated to three of their Spanish counterparts,
namely, quedar(se), ponerse (change of state) and some cases of
volverse (change of property)3. In a study comparing the uses of
pseudo-copular verbs in Brazilian Portuguese and Spanish, Andrade (2002) analyzed a translation of Colombian writer Gabriel
García Márquez novel Cien Años de Soledad into Brazilian Portuguese (here indicated as BP). He found correspondences for ficar
for each of the four Spanish pseudo-copular verbs discussed, as
in the examples below, taken from that study:
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition
(16)SP.: Cuando despertaron con el sol ya alto, quedaron
pasmados de fascinación.
BP: Quando acordaram, já com o sol alto, ficaram pasmos
de fascinação.
“When they woke up, the sun high in the sky they got
amazed of fascination.”
(17) SP.: La vegetación fue cada vez más insidiosa y se hicieron cada vez más lejanos los gritos de los pájaros y la
bullaranga de los monos, y el mundo se volvió triste
para siempre.
BP: A vegetação se fez cada vez mais insidiosa e ficaram
cada vez mais longínquos os gritos dos pássaros e a
algazarra dos macacos, e o mundo ficou triste para
sempre.
“The vegetation became increasingly insidious and the
cries of birds and the uproar of the monkeys were far,
and the world was sad forever.”
(18) Sp: Don Apolinar Moscote se puso pálido.
BP: O senhor Apolinar Moscote ficou pálido.
Observe that we are
not talking about the
lexical expression of
this semantic primitive
in cases of change of
property.
4
“Mr. Apolinar Moscote became pale.”
Examples show that besides quedar(se), ponerse and volverse
(the later in some cases), Andrade (2002) found a case where even
hacerse (not easily corresponding to ficar) could be translated to
this pseudo-copular verb in Brazilian Portuguese.
Turning back to interlanguage, IL-quedar(se) exhibits properties common to Brazilian Portuguese ficar. Because of this, is not to
be confused with L2 Spanish quedarse, the reason is that although
they have some features in common, IL-quedarse constructions
seem to reproduce the aspectual properties and syntactic distribution of BP ficar adjectival passives. It is a hybrid element, corresponding to a merge of semantico-syntactic features from the
unique pseudo-copular verb of the receding language/L1 (in this
case, BP) for expressing COS, and the phonological representation of the pseudo-copular verb bearing the widest distribution
in Spanish, quedar(se).
In terms of lexical semantics, it could be said that apparently in vernacular Brazilian Portuguese the semantic primitive
BECOME for expressing COS4 has a sole corresponding lexical
output, ficar and, differently from Spanish, it is underspecified
for the different aspectual notions the different pseudo-copular
verbs entail in that language.
So, at first sight, this case could fit in the prediction of FTFA
which states that at the first stages of interlanguage it corresponds
to a transfer of properties from the speaker’s L1. But what if in-
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
163
Gragoatá
Paulo Antonio Pinheiro Correa
terlanguage doesn’t grow? Could we still be talking about FTFA?
If it is systematic in several other aspects of this interlanguage
grammar this is a more precise situation than the argument of
“insufficient input” can account.
We argue that this case can be better understood as a case
of relexification. Since data are from steady state interlanguage,
they do not show a progress through a full transfer phase towards
a full access phase. Instead, they show that the use of a unique
wild-card pseudo-copular verb for expressing notions that in
Spanish are expressed by two different elements did not change
along interlanguage development and the way speakers build
COS constructions keeps the same until steady state.
Further evidence comes from other domains of ficar in
the L1 that are also domains of IL-quedarse in the interlanguage
system. In Spanish, as it was shown, non gradual change of
property is often expressed by volverse, another pseudo-copular
verb, in this case opposed to hacerse (entailing a gradual change).
Even in this case, IL speakers use IL-quedar(se), since this kind of
change is also expressed by ficar in the speakers’ L1.
Gonçalves (2005) shows that ambiguous input lead to an
(unconscious) false feeling that L2 input may be successfully
processed by the L1 rules and features – corresponding to IL
initial state – in the learner’s cognition. The context of typological
proximity between L1 ad L2 as in the case of Brazilian Portuguese
and Spanish is plenty of ambiguous input due to the apparent
similarity between the two systems. The false feeling of being
adequately accounting Spanish input could be a real obstacle to
a possible reset of interlanguage properties. Instead, the picture
could be another one: a relexification process in its own right,
where the Spanish lexical item quedarse supplies only its phonological representation to the lexical entry, since the latter exhibits the
distribution and selectional properties and the various meanings
associated to the supposed corresponding element from the L1.
Since there is a permanent false sensation of accounting the L2
input, there is no reason for a parameter/feature value resetting
and this becomes a permanent feature of this interlanguage.
4. Conclusions
Despite having been exposed to Spanish input for several
years, the steady state interlanguage of Spanish speaking Brazilians differs from the target language in several points. Several
researchers in Brazil have shown some of these discrepancies,
namely: this interlanguage is plenty of null objects (GONZÁLEZ,
1994), there is a preference for participle passives instead of
pronominal ones (ARAÚJO JR., 2007) and the means to express
change of state differs radically from the target language (COR-
164
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition
Some Bra zi lia n s
non-n at ive spea kers
of Spanish do show a
capability of using adequately the variety of
pseudo-copular verbs
in Spanish (mostly in
written texts, but not
only), what apparently
seems a convergence
with the target language
in this aspect. A closer
examination, though,
suggests that the ways
it is obtained are different from native speakers, since it is obtained
th rough a con scious
effort and as apparent
high processing load.
These observations are
reflected in the quality
of the data, showing
characteristics of a incomplete or inconsistent
acquisition, such as optionality, indecisions
and self-corrections,
among others.
6
From the original in
Spanish: “El problema
de interpretación que
se nos presenta a los
nativos es el de no saber
exactamente cuál es la
fase subeventiva que
enfoca el hablante de
portugués brasileño. El
tema crucial, según mi
opinión, es que el uso
excluyente de quedar(se)
en contextos de transición y cambio, nos lleva
a interpretarlo con su
valor de ‘permanencia
en un estado’, de ahí su
falta de aceptabilidad en
español.”
5
REA, 2007). These observations lead to a stable characterization
of this interlanguage as a particular system.
The observation that Spanish interlanguage of Brazilians
present several syntactic characteristics not attested in the target
language allows it to be regarded as an autonomous means of communication and the permanence of these characteristics leads to
questioning the reach of FTFA. This paper studies a case where the
way a content is expressed tends to be always the same, clearly not
progressing to surpass the full transfer phase. This may suggest
that in some contexts, e.g. typologically close languages such as
Portuguese and Spanish some mechanism blocks the possibility
of a real acquisition.
Learners seem not to be able to recognize that the several
aspectual notions associated to the semantic primitive BECOME
should be lexically implemented because there are not previous
places for it. Alternatively, this kind of implementation could not
be available in adult second language acquisition5.
This could be the case, since most of these nonnative speakers – besides preferring to use a predicative construction where
it was supposed to be verbal, thus focusing a different sub-event
from the one focused in the target language – blur the aspectual
subtleties of the events referred, by using a unique relexified
pseudo-copular verb in their utterances. This leads to many
misunderstandings, as Lieberman (2006) shows, commenting the
construction “mi hijo se va a quedar enojado” from a Brazilian
student of Spanish in Buenos Aires. She says:
The interpretive problem for us native speakers is that we
don’t know exactly which sub-eventive phase the Brazilian
Portuguese speaker is focusing. In my opinion it is crucial
that the exclusive use of quedarse in contexts of transition and
change leads us to assign a value of “permanence in a state”
to the construction, from which derives its unacceptability in
Spanish.6
When using IL-quedar(se) (that are understood as marked
constructions in the target language), Brazilians inadvertently
assign their sentences an extra aspectual element, producing misunderstandings or even unintelligible utterances because lexical
entry is a completely new element to Spanish system.
Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011
Resumo
Este artigo analisa o caso de quedar(se),
pseudo-cópula típica da interlíngua de
brasileiros falantes de espanhol nãonativo. Essa entrada lexical combina propriedades sintáticas e semânticas do seu
elemento correspondente em Português
Brasileiro, a L1 dos falantes, e a represen165
Gragoatá
Paulo Antonio Pinheiro Correa
tação fonológica da suposta contraparte
do Espanhol. Este elemento mantém-se
na interlíngua até o seu estágio estável e
é analisado aqui como um caso de relexificação (LEFEBVRE 1997), um processo
universal presente em várias situações de
contato lingüístico, entre elas, Aquisição
de Segunda Língua.
Palavras-Chave: Aquisição de Segunda
língua; Contato Lingüístico; Espanhol,
Relexificação.
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167
La adquisición de la escisión
en el español peninsular
Carlos Felipe da Conceição Pinto (Doctorando UNICAMP)
Recebido 15, jan. 2011 / Aprovado 7, fev. 2011
Resumen
Teniendo en cuenta la variación de la escisión en
el español actual, este trabajo pretende investigar
cómo los niños españoles adquieren esas construcciones. La pregunta principal del texto es
si los niños españoles producen inicialmente las
construcciones inexistentes en la variedad europea
adulta y enseguida las pierden o si esos niños nunca producen esas construcciones. Se analizaron 18
niños entre 2 y 10 años de edad (2 niños para cada
franja de edad) a partir del corpus CHILDES. Los
dados mostraron que los niños producen construcciones inexistentes en la gramática adulta, siendo
que una de esas construcciones sólo aparece en el
niño de 3 años y la otra permanece en todas las
edades. La interpretación de los datos es la de que
no hay, en principio, un problema de adquisición
del lenguaje, pero variación en el español ya que
se encuentran las construcciones consideradas
inexistentes en diversos estudios en el habla de los
adultos en la interacción con los niños.
Palabras-clave: Escisión; variación del español;
sintaxis del español europeo.
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
Gragoatá
Carlos Felipe da Conceição Pinto
Introducción1
Agradezco muchísimo a Ruth Lopes, a
Mary Kato y a Sergio
Menuzzi por los co mentaintentado hacer
todas las correcciones
que me han sugerido.
Sin embargo, todos los
errores y problemas que
persistan son de mi total
responsabilidad.
2
El español de España
también presenta ese
tipo de construcción.
3
El texto de Pagotto
(1998) discute el cambio
en la norma culta brasileña en el siglo XIX a
partir del cambio por el
que pasó el portugués
europeo en este período.
Sin embargo, se puede
llevar la idea central de
Pagotto (1998) a casos
de otras lenguas, principalmente al caso del
espa ñol, u na leng ua
ta n semejante y cercana geográficamente,
con historia parecida y
con centro legislador (la
RAE) muy fuerte.
4
Di Tullio (1999, p. 6),
al analizar las hendidas
dice:
La
sanción que ha recaído sobre esta forma a
partir de Bello (“crudo
galicismo, con que se
saborean algunos escritores sur-americanos”,
párrafo 812) desconoce
su extensión panrománica, así como sus antecedentes estrictamente
h ispá n icos. Lejos de
toda intención de polemizar en el terreno de
la normativa, podemos
explicar su aparición y
extensión, sin apelar al
préstamo -retomando la
interesante observación
de Ped ro Hen r íquez
Ureña de que su uso no
aparecer restringido a
sectores que mantenían
un contacto asiduo con
el francés.
A
partir de ese fragmento, se puede imaginar
que ya en el siglo XIX
estas con st rucciones
sonaban raras al patrón
lingüístico europeo, lo
que sugiere que el cambio ocurrió entre los
siglos XVII y XVIII.
1
170
Diversos estudios recientes vienen mostrando que la escisión
no se presenta uniformemente en todo el mundo hispánico. Por
ejemplo, Moreno Cabrera (1999), Di Tullio (2005) y Pinto (2008)
muestran que el español peninsular sólo presenta las llamadas
construcciones seudo-hendidas (wh-cleft) como se ilustra en (2).
Por otro lado, algunas variedades del español americano presentan, además de las seudo-hendidas, las hendidas (it-clef) como se
ilustra en (3) y las seudo-hendidas reducidas como en (4).
Oración neutra
(1)
Todos hablan de María.
(no-marcada)
De quien todos hablan es DE MARÍA
Seudo-hendida
Básica (SB)
b.
DE MARÍA es de quien todos
hablan.
Seudo-hendida
Inversa (SI)
c.
Es DE MARÍA de quien todos
hablan.
Seudo-hendida
Extrapuesta (SE)
Hendida Básica
(HB)
(2) a.
(3) a. Es DE MARÍA que todos hablan.
(4)
b. DE MARÍA es que todos hablan.
Hendida Inversa
(HI)
c.
DE MARÍA que todos hablan2.
Hendida sin cópula (HSC)
Todos hablan es
DE MARÍA.
Seudo-hendida
Reducida (SR)
En este trabajo, pretendo mostrar cómo los niños adquieren
las construcciones de escisión en el español europeo. Teniendo en
cuenta que el español peninsular es la variedad que presenta menos construcciones de escisión y el hecho de que diversos estudios
sobre la adquisición del lenguaje muestran que los niños producen
construcciones inexistentes en las gramáticas de las generaciones
adultas, la pregunta que hago es si los niños europeos producen
las construcciones de escisión ilustradas en (3) y enseguida las
pierden o si nunca adquieren tales construcciones.
Moreno Cabrera (1999) señala, a partir de ejemplos de
Lope de Vega, que las construcciones en (3) eran posibles en el
español de los Siglos de Oro (siglos XVI y XVII). Siguiendo la
línea de pensamiento de Pagotto (1998)3, de que la norma culta
también puede provocar innovaciones (al contrario de lo que
se piensa siempre, que es la norma popular la que innova), se
puede suponer que el español peninsular culto sufrió cambios
lingüísticos4 mientras que la norma popular (que no está descrita
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
La adquisición de la escisión en el español peninsular
adecuadamente) conserva características de tiempos pasados5 y,
por esa razón, los niños podrían presentar tales construcciones
que no aparecen en el español europeo adulto culto, ya que la
norma popular es la que les sirve de input a esos niños.
1. La escisión
1.1. Definición
Modesto (2001, p. 21) define la escisión como:
(5)
As construções clivadas são sentenças especificacionais em
que um movimento A-barra dispara leituras características
de contraste, exclusividade e exaustividade.
De esta manera, una oración como la de (6) tendrá dos lecturas semánticas posibles, como se ilustra en (7) y (8):
(6)
La que ha venido ha sido mi mujer. (MORENO CABRERA,
1999, p. 4291)
(7)
Lectura especificacional: Mi mujer ha venido.
(8)
Lectura predicacional: La mujer que ha venido ya no es mi
mujer.
Sólo las construcciones que tengan la lectura del ejemplo (7)
pueden considerarse construcciones de escisión, teniendo
en cuenta que el valor de verdad de una construcción de
escisión debe ser equivalente al valor de verdad de una
oración no-marcada, como ilustrado en los ejemplos (1-4).
partir de la definición en (5), Modesto (2001) hace una
redefinición de lo que son construcciones de escisión. Por
ejemplo, al considerar oraciones como
(9) A Suzanita é quem quer casar. (MODESTO, 2001, p. 21)
(10) A conta pago eu. (MODESTO, 2001, p. 22)
En este sentido, una
posibilidad es la de que
la variedad innovadora
no sea el español caribeño, por ejemplo, pero
propio el español europeo. Por otro lado, se
puede suponer que las
construcciones de escisión del español caribeño
de hoy sean posibles por
motivos diferentes de
las construcciones del
español europeo de los
Siglos de Oro.
6
Para Modesto (2001),
la interpretación de (9)
es “A Suzanita é a casadoira”.
5
Modesto (2001) saca (9) del grupo de las construcciones de
escisión porque no tiene la lectura característica6 aunque superficialmente se parece a una hendida e incluye (10) en el grupo de
las construcciones de escisión porque, aunque no tiene la estructura con SER X QUE, dispara un movimiento A-Barra y tiene
la interpretación característica de la escisión. Sin embargo, sólo
considero como construcción de escisión aquellas construcciones
que tengan, a la vez, una estructura sintáctica y una interpretación
semántica específica de escisión. Por lo tanto, ni (9) ni (10), en mi
análisis, son construcciones de escisión.
Un segundo punto que hay que poner de relieve es la distinción que Modesto (2001) hace entre hendidas y seudo-hendidas,
que, en su opinión, no presentan la misma estructura aunque
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
171
Gragoatá
Carlos Felipe da Conceição Pinto
tengan lecturas semánticas idénticas. Las construcciones hendidas
se constituyen de dos oraciones bipartidas cada cual con su verbo;
por otro lado, las construcciones seudo-hendidas se constituyen de
una oración copulativa en la que una oración relativa libre ocupa
la posición de predicado, que selecciona un sujeto que satisface
el valor de la variable de la relativa libre.
En ambas construcciones se propone la siguiente estructura:
(11)
La diferencia entre las dos, en otras palabras, es que, en la
hendida, el VP selecciona una oración completa e independiente
(CP); ya en la seudo-hendida, el VP selecciona una oración pequeña, que sólo se constituye oración si contiene la cópula.
1.2. Los usos discursivos
Aunque las oraciones en (12a) y (12b) a continuación tengan
la misma estructura sintáctica y semántica, la diferencia entre
ellas estriba en lo que el hablante asume como información nueva
e información conocida en el discurso:
(12) a. Hoy por la mañana él se levantó tarde.
b. Él se levantó tarde hoy por la mañana.
Zubizarreta (1998) define la noción de foco a partir de la
noción de presuposición: el foco es la parte no-presupuesta y
la presuposición es la información compartida por el hablante y
el oyente en el momento en que se emite un discurso dado.
En relación con el tipo semántico del foco, Zubizarreta (1998,
1999) propone una distinción entre foco informativo por un lado y
foco contrastivo y enfático por otro. El foco informativo es el elemento que atribuye un valor a una variable a través como en (13):
(13) A: ¿Quién comió el pastel?
B: El pastel, lo comió Juan.
Por otro lado, el foco contrastivo va a negar una aserción
previa y hace una nueva aserción; y el foco enfático va a confirmar una aserción previa. Zubizarreta (1998, 1999) considera el
foco contrastivo y el foco enfático estructuralmente idénticos. El
ejemplo (14a) indica un foco contrastivo y el ejemplo (14b) ilustra
el foco enfático.
(14) a.
b.
172
Hablante 1: ¿Quieres este libro?
Hablante 2: No... Quiero EL OTRO.
Hablante 1: ¿Quieres este libro?
Hablante 2: Sí... Quiero ESE MISMO.
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
La adquisición de la escisión en el español peninsular
Hernanz y Brucart
(1987) y Zubizar reta
(1998) asumen que el
orden básico de palabras en español es SVO.
Así, una oración como
“Juan comió la manzana” responde a una
pregunta “¿Qué comió
Juan?” o “¿Qué pasó?”.
En el primer caso, el
sintagma “la manzana”
está en la posición más
encajada y puede recibir
el acento nuclear neutro.
En el segundo caso, toda
la oración “Juan comió
la manzana” expresa
el foco informativo. Por
otro lado, la oración en
discusión no puede responder (en la mayoría
de las variedades del
español actual) a una
pregunta como “¿Quién
comió la manzana?”.
En este caso, como el
foco es el sujeto, que
ocupa genera l mente
una posición preverbal,
el español tiene que realizar un movimiento
motivado prosodicamente (p-movement) a fin
de que el sujeto esté en la
posición más encajada.
8
Tr a d u c c i ó n m í a
de “B o t h Eu r o p e a n
Spa n ish a nd Amer ica n Spa n ish possess
pseudoclefts, yet only
American Spanish has
real clefts, which are
unacceptable for normative grammars”.
9
Observar que Pinto
(2008) no analiza la (3c)
como una hendida. A lo
mejor, la analiza como
una construcción focal
no hendida en la que
el XP [+foco] se mueve
para SpecCP y el elemento “que” está realizado en el núcleo Cº, lo
que no plantea problemas al análisis de que
el español peninsular no
posee las verdaderas hendidas. Como adoptamos
un análisis cartográfico,
el CP incluye diversas
posiciones, entre ellas
Fo cP, pa ra donde el
elemento focalizado se
mueve. Para simplificar
la representación, sin
embargo, adoptamos CP
como sinónimo de FocP..
7
Zubizarreta (1998, 1999) dice que, en muchas lenguas, la
prominencia prosódica juega un papel fundamental en la identificación del foco y distingue dos tipos de acentos nucleares: el
acento nuclear neutro y el acento nuclear enfático o contrastivo y
dice que, en español, el acento nuclear neutro se pone en la palabra
o constituyente más encajado del grupo melódico:
(15) El gato se comió un ratón. (ZUBIZARRETA, 1999, p. 4229)
Sin embargo, si se pone el acento nuclear en otra posición,
que no la última palabra o constituyente del grupo melódico, se
tendrá una interpretación enfática o contrastiva:
(16) El gato comió un ratón. (ZUBIZARRETA, 1999, p. 4229)
Así, como el español requiere que el acento nuclear neutro, el
que identifica el foco informativo, esté en la posición más encajada,
conforme las reglas prosódicas propuestas por Zubizarreta (1998),
la prosodia implicará alteraciones sintácticas con la finalidad de
satisfacer dicho requerimiento, cuando se quiera responder a una
pregunta como “¿Quién comió el pastel?”7.
1.3. La variación de la escisión en el español actual
Como comenté en la introducción, la distribución de las
construcciones de escisión no es uniforme en todo el mundo hispánico. Moreno Cabrera (1999) y Di Tullio (2005) dicen que (3a)
y (3b) son exclusivas del español americano. Di Tullio (2005, p.
5) dice que “[a]mbos, el español europeo y el español americano
poseen las seudo-hendidas. Hasta el momento, sólo el español
americano tiene las reales hendidas, que son rechazadas por los
gramáticos normativos”8. Respecto de (4) los autores muestran
que son específicas del español del Caribe.
En Pinto (2008) estudié las estrategias de focalización en
cuatro variedades del español (México, Argentina, España y Cuba)
y muestra que: a) las hendidas, como ilustradas en (3) son posibles
en Argentina y Cuba; b) no registra casos de SR, como en (4) en el
corpus que analizó; c) (3c) es posible en México y España9.
Por otro lado, en Pinto (2008, 2010) analizo ambas construcciones en (2c) y (3a) como hendidas básicas, con la misma estructura. Propongo que haya alguna diferencia en los rasgos de foco
del CP subordinado entre el español europeo y algunas variedades del español de América. La propuesta general es la de que
hay un rasgo [± concordancia] entre el especificador y el núcleo de
CP, en el sentido de Rizzi (1991), que es lo que distingue las lenguas
humanas en lo tocante a la variación entre las hendidas básicas
y las seudo-hendidas extrapuestas. Así, cuando el XP[+foco] se
mueve de su posición inicial dentro de IP para SpecCP puede
desencadenar o no concordancia con el núcleo Cº. Cuando hay
concordancia, se deriva una seudo-hendida extrapuesta; cuando
no hay concordancia, se deriva una hendida básica.
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
173
Gragoatá
Carlos Felipe da Conceição Pinto
Si hay evidencias para analizar (2c) como una verdadera
hendida, cuya estructura es idéntica a (3a), tal análisis pone un
problema a la hipótesis de que el español peninsular no tiene las
verdaderas hendidas si se consideran las hendidas inversas como
en (3b)10. Sin embargo, si considera el trabajo de Kato y Ribeiro
(2009), quienes proponen que la hendida inversa no deriva de la
hendida básica. Es decir, aunque se analice la construcción en (2c)
como una verdadera hendida con concordancia dinámica en el
núcleo Cº, el problema de que el español europeo tenga ese tipo
de construcción pero no tenga construcciones como (3b) queda
resuelto porque (2c) y (3b), aunque hendidas, no tienen la misma
derivación. Además, en (3b), el CP subordinado tiene el rasgo
[-foco], por ende, la discusión del rasgo [± concordancia] no se
aplica a dicha construcción, ya que tal rasgo sólo estaría presente
en un CP[+foco]. El punto central, no seria la diferencia estructural
entre (2c) y (3a), sino alguna variación en los rasgos de concordancia en el núcleo Cº. En síntesis, el problema teórico es explicar por
qué el español europeo sólo tiene las hendidas con concordancia.
En términos discursivos, en Pinto (2008) mostré que las
únicas construcciones que pueden ser utilizadas en un contexto
de foco informativo son las SB. Camacho (2006) dice que las SR
también son posibles en el caso de foco informativo. Las demás
construcciones sólo son posibles en caso de foco contrastivo o
enfático. Esa restricción se debe a la regla fonológica identificada
por Zubizarreta (1998), como comenté anteriormente.
Sin embargo, en el español del Caribe, es posible utilizar
una hendida básica (con concordancia)11 como ilustra el ejemplo
(17) a continuación:
(17) C.E.: ¿Y hubo alguna Institución que te apoyaba en este tipo
de….?
La diferencia entre
la hendida básica y la
hendida inversa seria la
posición donde el foco
termina la derivación:
en la hendida básica, el
foco estaria en la posición del especificador del
CP subordinado y en la
hendida inversa, el foco
estaría en el especificador del CP matriz.
11
Ese hecho puede estar relacionado a otras
propiedades del español
caribeño: pérdida del
pro-drop, pérdida de
la inversión VS en las
interrogativas etc. conforme comenta Toribio
(2000).
10
174
C.M.: Si, fue la Fundación Naumann, [...] la que financió mi
viaje y la que ayudó a las distintas instituciones liberales
de cada uno de estos países a que a su vez organizaran la
recepción y la logística del movimiento por cada uno de
estos países. (PINTO, 2008, p. 87)
En síntesis, considerando exclusivamente el español europeo, se encuentran las siguientes construcciones de escisión
en esa variedad: las seudo-hendidas (excepto la seudo-hendida
reducida), la hendida básica con concordancia, la hendida sin
cópula y la hendida inversa con marcador focal sí. La hendida
básica sin concordancia y la hendida inversa con cópula no se
encuentran en el español europeo.
2. La adquisición de la escisión
La finalidad de este artículo es presentar empíricamente
cómo los niños hablantes de español europeo adquieren la esciNiterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
La adquisición de la escisión en el español peninsular
Analicé 17 trascripciones de BecaCESNo.
Sin embargo, como este
conjunto de trascripciones solo tenia 1 trascripción de niño de 2 años,
añadí 1 trascripción del
conjunto de Aguirre,
quien analiza a un solo
niño longitudinalmente.
13
En Pinto (2008, p.
104-105) muestro que el
promedio de las const rucciones de focalización es un 30% para
cada estrategia (escisión, focalización in-situ y
alteración del orden), lo
que muestra que la escisión no es una estrategia
preterida. Pero entre las
estrategias de escisión,
un 50% está representada por la seudo-hendida
básica. Los demás 50% se
dividen entre las otras 7
estrategias de escisión
estudiadas.
12
sión. En términos generales, me gustaría saber cuáles construcciones son las que aparecen primero. En términos específicos,
en conexión con mis trabajos anteriores (PINTO, 2008; 2010), me
interesa saber cuál construcción hendida básica adquieren los
niños: la hendida con concordancia o la hendida sin concordancia.
No pretendo, por lo tanto, entablar una discusión teórica respecto de los procesos de adquisición del lenguaje. Por el contrario:
pretendo buscar evidencias y base en los datos de los niños para
el análisis que vengo proponiendo para los hechos lingüísticos
de los adultos.
Para esta investigación, se analizaron entrevistas disponibles
en el corpus CHILDES (http://childes.psy.cmu.edu/) con niños
aprendices de español peninsular entre 2 y 10 años de edad.
Se analizaron transcripciones de dos archivos/investigadores
(Aguirre y BecaCESNo). Se analizó un total de 18 transcripciones12,
siendo 02 trascripciones para cada edad de niños diferentes. Las
grabaciones se realizaron entre 1992 y 1995.
En Pinto (2008) registré baja productividad de construcciones de escisión en el corpus analizado13. Por lo cual, se puede
esperar que los datos de los niños también presentarán baja
productividad. Como los documentos analizados son transcripciones de grabaciones de charla espontánea con los niños, no
será sorprendiente que la escisión sea poco favorecida debido a
la máxima de cuantidad “di lo justo”, lo que evita que se repita la
presuposición. Eso fue lo que se constató: pese a la diversidad de
transcripciones analizadas, en pocas se registraron construcciones
de escisión. Por otro lado, ello no significa que los niños no puedan interpretarla. Testes de compresión se hacen necesarios para
averiguar el momento en que los niños comienzan a procesar
tales construcciones.
2.1. Niños de 2 años
A los 2 años, ninguno de los dos niños presentó algún tipo
de construcción de escisión. Sin embargo, un niño presentó otros
tipos de construcciones de focalización:
(18) a.
b.
MAG (Magín - 2años y 10meses)
MOT: qué quieres?
MAG: un tenedor .
MAG: yo quiero un tenedor .
MAG: mira lo que ha pintado .
MAG: ha pintado un [*] corazón .
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
175
Gragoatá
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c.
MOT: éstas están todas escritas xxx de papá y
mamá.
FAM: toma una de aquí de Raúl .
MAG: no .
MAG: no quiero .
FAM: de ésas no, Magín .
MAG: ésta sí .
FAM: de ésas no, Magín .
MAG: ésta, ésta sí .
MAG: ésa sí quiero .
En los ejemplos (18a) y (18b), el niño produce una focalización in-situ. Obsérvese que se tiene un foco informativo y, como
el objeto directo es el elemento naturalmente más a la derecha,
puede recibir el acento nuclear neutro en su posición de acuerdo
con las reglas de la gramática adulta. En (18c), el niño hace una
inversión del orden, poniendo a la izquierda el elemento focalizado con el marcador focal “sí” realizado. Teniendo en cuenta que
el orden canónico del español es SVO (HERNANZ y BRUCART,
1987; ZUBIZARRETA, 1999), se puede suponer que a los 2 años y
10 meses, el niño ya haya adquirido la periferia izquierda de la
oración considerando ese dato en (18c).
2.2. Niños de 3 años14
A los 3 años, por su vez, aparecen varios tipos de construcción de escisión:
(19) a.
SER (Sergio - 3años y 4meses)
TER: y eso los reyes te los han traido ?
SER: no .
TER: no ?
SER: es una señora .
TER: una señora te los ha traido ?
SER: si .
b.
SER:
TER:
PAD:
SER:
quién está cantando por ahí ?
tu padre será .
Sergio !
es Tonti # que está cantando, estó [*] aquí !
c.
CAR: quién te ha traido a ti los [/] los regalos ?
SER: ese # es # eh # me ha dicho Sonia que es un
guey [*] .
CAR: si es un rey .
SER: es este # el que lleva lo [*] guegalos [*] .
Todos los niños sig ue n ut i l i z a ndo l a s
otras construcciones de
focalización y explicativas con “es que”.
14
176
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
La adquisición de la escisión en el español peninsular
La hendida truncada
es una construcción de
escisión en la que se
borra la presuposición
y se realiza únicamente
la copula focalizadora y
el elemento focalizado.
16
La posibilidad de
inserir una oración parentética y otros tipos de
elementos entre el foco
y el complementador
lleva a Ribeiro (2009) a
postular que la relación
entre foco y complementador no es una relación
Spec-Head. Para Ribeiro
(2009) el complementador estaría en una
posición más baja, como
FinP.
15
d.
TER:
SER:
CAR:
SER:
SER:
no la has visto ?
si .
te gusta ?
si .
es [/] es lo que más me usta [*] # juntalo [*].
e.
CLA (Clara - 3años y 7meses)
CRI: esto qué es ?
CLA: la carrosa [*] .
CRI: la carroza ?
CRI: pero esto no está montado, o sí ?
CRI: ah !
CRI: que aquí va el caballo, así ?
CLA: sí # lo que pasa es que está pega(d)o .
En (19a), la entrevistadora le pregunta al niño si fueron los
reyes magos los que le dieron el cinturón. El niño niega y dice que
se lo dio una señora. El tipo de construcción que utiliza es una
hendida truncada15, que tiene la misma estructura que la hendida
básica cuya parte presupuesta está apagada. Ese hecho puede ser
comprobado por el mismo niño de tres años cuando produce en
(19b) una hendida básica.
En (19b), se registra el caso de una construcción hendida sin
concordancia, construcción que es agramatical en la gramática
adulta del español europeo de acuerdo com Moreno Cabrera
(1999), por ejemplo. La pausa que aparece entre el foco y el complementizador no niega que sea una hendida básica sin concordancia
porque es perfectamente posible inserir una oración parentética
en ese ambiente; por ejemplo, “es Tonti, según María, quien está
cantando”16.
En el ejemplo (19c), pasa lo mismo que en el ejemplo (19b) a
diferencia de que el niño produce una hendida con concordancia.
En (19d), el niño produce una construcción anómala, en la
que pone el foco a la derecha de la oración. Sin embargo, vale
la pena observar la falta de concordancia temporal en la cópula
especialmente en el ejemplo (19a). En todos los tres ejemplos, la
cópula permanece en el tiempo presente, que es considerado el
tiempo no marcado por defecto.
En (19e), la niña produce una seudo-hendida básica para
responder a una pregunta sobre el estado de la carroza.
2.3. Niños de 4 años
Los niños de 4 años presentaron dos tipos de construcción
de escisión, la seudo-hendida truncada, ilustrada en (20a), y la
seudo-hendida básica, ilustrada en (20b):
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(20) a.
JOR (Jorge - 4años y 4meses)
JUA: ala # que asco, con mostaza !
DAV: te da asco la mostaza ?
JUA: a mi no me gusta .
JOR: a mi me apesta ## espero que no tenga
lechuga .
DAV: mira que sois guarros # macho .
JOR: es Juan .
b.
GAB (Gabriel - 4años y 4meses)
DAV: que yo no la he visto .
GAB: eh ?
DAV: yo no he visto la película ?
GAB: pues # mira # lo que ha pasa(d)o # <es
que> [/] es que hay xxx .
2.4. Niños de 5 años
A los 5 años, los niños producen algunas construcciones
de escisión:
178
(21) a.
CAR (Carmen - 5años y 7meses)
EST: si # cuentame el cuento .
CAR: cual ?
CAR: de aladino o +//.
EST: el de Aladino # es que yo no he visto la
película .
CAR: es así como muy varia # ados [?] largo .
EST: es muy largo ?
CAR: y todas las cosas y Aladino no me las sé
pero # las repaso # lo que sí me sé es media
canción .
b.
PAT (Patrícia - 5años y 8meses)
AUN: y eso(s) carrito(s) habia que paga(r) a que
sí para montar ?
PAT: no, no había que pagar .
AUN: no ?
PAT: lo que pasa (es) que habia una cola # y
mira hemos montado en un tren que corría muchísimo muchísimo muchísimo...
c.
PAT: (cantando la canción)
AUN: esta muy bien !
PAT: asi es como me la ha enseña(d)o una amiga mia pero dice Reme(dios) que es así +”/.
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
La adquisición de la escisión en el español peninsular
En (21a) y (21b), ellas producen una seudo-hendida básica.
También se encuentra un ejemplo de seudo-hendida invertida,
como ilustrado en (21c).
2.5. Niños de 6 años
Una niña de 6 años produjo algunas construcciones de
escisión17:
(22) a. SAN (Sandra - 6años y 6meses)
SAN: además que una niña # sería su padre el
que repartía los premios #
porque ella se salió del dibujo y encima le dan un
premio .
b.
SAN: ay # no lo pongas ahí # que es donde tengo
que echar esto !
c.
SAN: yo le digo a mi madre que él sí que se tiene
que cortar el pelo .
d.
RAQ:
SAN:
RAQ:
SAN:
y no te gusta Emilio Aragón ?
sí .
también # y Lidia ?
mi madre sí que la ha visto .
En (22a), la niña produce una hendida básica con concordancia o seudo-hendida extrapuesta. En (22b), la niña produce
una seudo-hendida invertida, cuyo elemento focalizado es un
pronombre relativo. En (22c) y (22d), la niña produce una hendida
invertida con la partícula “sí” en el lugar de la cópula.
Es interesante observar la ocurrencia de hendidas invertidas, aunque no sean las verdaderas hendidas con la cópula, ya
que Moreno Cabrera (1999) y Pinto (2008) no las registran en el
español europeo adulto.
2.6. Niños de 7 años
Sólo encontré dos construcciones de escisión en las niñas de
7 años, una seudo-hendida invertida (23a) y una seudo-hendida
básica (23b):
(23) a.
En la transcripción
de MAI (9 años) participa de la charla su
hermano de 6 años. Y
ese chico produce las
mismas construcciones
que las presentadas por
los niños de 6 años bajo
análisis.
17
PAU (Paula - 7años y 5meses)
INV: es el malo de la película ?
PAU: si .
INV: y éste ?
PAU: su padre # el padre de Yasmin .
INV: es bueno ?
PAU: si .
PAU: esto ya es lo que te decía .
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
179
Gragoatá
Carlos Felipe da Conceição Pinto
b.
PAU: y lo que me daba más miedo lo de las <gadriografías> [*] era que
Me pinchaban en la cabeza .
2.7. Niños de 8 años18
La niñas de 8 años produjeron construcciones seudo-hendidas
básicas (24a) y (24g); seudo-hendidas invertidas (24a) y (24d); hendidas básicas con concordancia (24c) y (24f); hendida invertida (24e).
(24) a.
Las niñas de 8 años
son las que más producen construcciones de
escisión.
18
180
ANA (Ana - 8años y 2meses)
ANA: muchas veces se lo digo que se lo voy a
decir y lo que hago es decir se
lo explico muy bien y entonces ella no lo
puede hacer # es la mayoría .
b.
ANA:
éste es el que he hecho que todavía no se ha
secado [= ! señalando] .
c.
ANA: sí # yo soy profesora de las demás # mira
# como somos cinco pués yo
soy una y sé escalar # y a otro que tiene
miedo de las alturas le he
conseguido que escalara # mira # está por
ahí [= ! señalando] # hay
unas tierras y por allí al fondo # y escalamos por ahí .
ANA: primero soy yo la que me meto y digo #
por aquí se puede andar y
por aquí no se puede andar # y si no se
puede andar me invento modos
para andar.
d.
VIR (Virginia - 8años y 9meses)
VIR: eso es lo que más me gusta .
e.
MAR: pero hace mucho que no sacan ningún
disco # no # Mecano ?
VIR:
yo es que ahora los veo muy poco, tengo una
camiseta de Mecano .
MAR: es que no se les ve, nada [/] nada .
VIR: yo ej [*] que ahora les veo más poco +//.
(ej = es)
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
La adquisición de la escisión en el español peninsular
f.
VIR: por ejemplo # estamos jugando y a lo mejor soy yo la que empiezo .
g.
VIR: ento (nce) s a mi ya no voy a ir a volver
nunca más a esa piscina .
VIR: porque luego la que está bien es la del
Burgo .
VIR, la niña de 8 años, también produce una hendida invertida
(24e), construcción que no se registra en la producción de los adultos.
2.8. Niños de 9 años
Las niñas de 9 años, siguen produciendo las seudo-hendidas básicas (25a) y (25b). En estos ejemplos, las niñas producen
seudo-hendidas más complejas: (25a) ilustra una seudo-hendida
de una perífrasis verbal (tener que + verbo) y (25) representa una
seudo-hendida con un tiempo compuesto (en general, sólo se
encontraron seudo-hendidas con la cópula en el tiempo presente).
En (25d), se encuentra un ejemplo de seudo-hendida invertida con
pronombre relativo. En (25c) y (25e) se encuentran construcciones
hendidas invertidas con el marcador focal “si” y con la cópula
respectivamente:
(25) a.
EST (Esther - 9años y 1mes)
EST: entonces lo que tienes que hacer es que la juntas y luego la dejas secar
b.
EST: y entonces hoy lo que hemos hecho ha sido
pintarla.
c.
EST: entonces se van a la piscina y ven todo lo que
sucede y dice la
madre: tú si que serías un buen padre .
d.
MAI (Maria Del Carmen - 9años y 11meses)
MAI: y han dicho por la tele(visión) que van a quitar
# en vez de los dibujos
violentos # que es lo que tenían que quitar #
y las peli(cula)s violentas
# van a quitar los juguetes violentos # las espadas # los cuchillos # bueno
# todo eso violento # pero de juguetes # claro #
y mi hermano tiene un
montón así de ésos [= juguetes violentos] .
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
181
Gragoatá
Carlos Felipe da Conceição Pinto
e.
RAQ (Raquel - 9años y 11meses. Hermana de MAI)
RAQ: como mi hermana bien ha dicho antes # en el
colegio se burlan mucho
de las gafas y a mí eso me molesta mucho #
porque yo antes llevé gafas .
RAQ: me las quitaron por medio de una operación .
RAQ:
la operación fue que me hicieron en el ojo +//.
2.9. Niños de 10 años
Por fin, las niñas de 10 años producen seudo-hendidas
básicas, como ilustrado en los ejemplos (26a) y (26b), y hendidas
invertidas como en (26c) y (26d):
(26)
a.
CRI (Cristina - 10años y 2meses)
CRI: yo soy una niña que me llevo muy bien
con las amigas .
CRI:pero lo que pasa es que hay una que no
me cae bien y otras sí.
b.
TAM (Tâmara - 10años y 3meses)
ANA: y qué es lo que más te gustó de lo que te
regalaron ?
TAM: pues # lo que más me gustó # fue <lo de>
[/] lo del Ken porque
[//] vamos en realidad me gustó todo
pero lo que más más más del todo
era la cinta luego el Ken y luego lo demás .
c.
TAM: <es que como mi familia es tan dormilona> [//] yo es que por la noche
el dia de Reyes no puedo dormir .
d.
TAM: fuimos el día que # una oveja iba a parir y
entonces pues # .
TAM: y estuvimos ordeñando una vaca .
TAM: yo es que al principio creía que era muy
difícil , no ?
TAM: pues al poner la mano y hacer así , que
fácil !
TAM: me salió a la primera # !
2.10. Algunas consideraciones sobre los datos
Los datos mostraron que, a pesar de que no hayan producido
construcciones de escisión, los niños de dos años han adquirido ya
la periferia izquierda de la oración. La escisión comienza a aparecer
182
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
La adquisición de la escisión en el español peninsular
a partir de los 3 años de edad. Las primeras construcciones que aparecen son las tres hendidas básicas (truncada, con concordancia y
sin concordancia – reacuérdese que, por el análisis de PINTO, 2008,
2010, las tres construcciones tienen la misma estructura) y la seudohendida básica. Sin embargo, la hendida básica sin concordancia sólo
aparece en el corpus analizado en un niño de 3 años de edad. Se
observó que las seudo-hendidas aparecen desde los niños de 3 años
hasta los niños de 10 años. Los niños de 6, 8, 9 y 10 años producen
construcciones hendidas invertidas. No se registró en el corpus
ningún caso de hendida sin cópula ni de seudo-hendida reducida.
Lo interesante es observar que, aunque una serie de estudios
sobre la escisión en el español europeo (MORENO CABRERA, 1999;
DI TULLIO, 2005; PINTO, 2008) muestra que las hendidas no forman
parte de esa variedad lingüística, se encontraron diversas ocurrencias de hendidas inversas (la hendida básica sin concordancia sólo
aparece en el niño de 3 años), inclusive en el habla de los adultos,
como muestran los ejemplos en (27):
(27) a.
JUA: yo ya he termina(d)o .
SON: tú ya has terminado ?
SON: qué rapidez # tú es que tienes una boca muy
pequeña me parece a mí,
eh Jorge ?
b.
JUA: Pues anda # que me como unos bocadillos así .
JOR: yo así .
SON:
sí ?
JUA: ala # yo treinta barras # entonces al día !
SON: y tú ?
JOR: yo ?
JOR: ochocientas mil .
JUA:pero tú es que lo haces en ochocientos años .
c.
CAR: sí # una señora # tendiendo a los niños del pie
# para que se sequen .
NAT: para que se sequen ?
CAR: porque no se ponen el abrigo # y se mojan #
con la lluvia .
NAT: claro # como tú te pones el abrigo +/.
CAR: como son niños pequeños no lo entienden .
CAR: y lo que nunca <han sido a mamas> [?] #
<xxx en tonterías>[= ! riendo]
NAT: tú es que ya lo entiendes .
CAR: claro # ya lo entiendo .
En (27), los participantes (el niño – JOR, su hermano - JUA
y la investigara - SON) están merendando y el hermano de Jorge
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
183
Gragoatá
Carlos Felipe da Conceição Pinto
termina de comer su hamburguesa. La investigadora le dice a Jorge
que él tiene la boca muy pequeña. Según muestra el contexto, la
investigadora quiere decir que no fue Juan quien comió demasiado
rápido, pero Jorge es el que tiene la boca pequeña, y por eso todavía
no había terminado. Eso deja claro que hay un foco contrastivo
en el “tú” de la frase destacada en el ejemplo (27a). Sucede más
o menos lo mismo en la continuación del diálogo en (27b); pero
es el niño hermano de Jorge quien la dice. No se computó, sin
embargo el dato en (27b) entre la producción infantil porque no
hay informaciones sobre la edad de Juan.
En (27c), la niña (CAR – Carmen) de 5 años está diciendo que
sus compañeros de clase no entienden que tienen que ponerse el
abrigo para salir a la lluvia. El contraste aparece porque, aunque
Carmen tenga la misma edad de los chicos, ella sí ya entiende que
debe ponerse el abrigo para salir a la lluvia.
El que aparezcan hendidas inversas en el habla adulta
espontánea indica que: a) como señaló Di Tullio (1999), parece que
actúa algún factor normativo ya que no se registran en el patrón
europeo, pero se registran en el habla espontánea; b) puede haber
algún tipo de variación dialectal en el español europeo mismo
ya que no hay especificación en las transcripciones de dónde se
grabaron las charlas con los niños.
3. Consideraciones finales
El problema que levanté se refería a la tipología de la escisión adquirida por los niños españoles. Teniendo en cuenta que
la adquisición del lenguaje (de sintaxis, por lo menos) puede ser
entendida como la fijación de parámetros a partir de la relación
entre los principios de la facultad del lenguaje y el input que el
niño recibe, como ilustrado en (28),
(28) input Lengua X ------> facultad del lenguaje -----> fijación de
parámetros Lengua X
Sérg io Menuzzi
comenta que seria importante explicar por
que los niños probarían
más construcciones de
lo que escuchan en el
input. En este momento,
sin embargo, no tengo
ninguna respuesta para
esta cuestión.
19
184
fue posible cuestionar, a partir de lo que se sabe sobre la
historia y variación de la escisión en el español, si los niños adquirían más tipos de construcciones y luego los perdían llegando
a la gramática adulta o sólo adquirían los tipos de la gramática
adulta19.
Los datos mostraron que (a) parece que la escisión en el
español peninsular no se comporta como dicen los textos sobre
el tema y que (b) los niños producen más tipos de construcciones
de escisión que la gramática adulta según las referencias indicadas
a lo largo del texto.
Las seudo-hendidas no pusieron ningún problema para
el estudio del tema ya que se presentan de la misma manera
tanto en la gramática adulta como en la gramática infantil. Ya las
construcciones hendidas, principalmente las hendidas básicas, sí
imponen un problema para el tema.
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
La adquisición de la escisión en el español peninsular
Sobre la diferencia estructural entre las hendidas básicas e
invertidas, Kato y Ribeiro (2009) proponen que sean las construcciones presentativas las que dan origen a las hendidas inversas y
no las hendidas básicas:
(29) a. O meu pé é que dói. (hendida inversa)
b. É que o meu pé dói. (presentativa) (KATO y RIBEIRO,
2009, p. 137)
La propuesta es que ambas construcciones en (29) tengan
un complementizador Cº como los que completan verbos como
“decir” y “pensar”. Como este CP no tiene rasgos de foco, la derivación converge de dos maneras posibles: en el caso de la presentativa, ambos sintagma nominal “o meu pé” y complementizador
“que” tienen el rasgo [-foco] y movimientos adicionales no se
hacen necesarios: el sintagma nominal permanece dentro del IP
subordinado al complementizador “que”. En el caso de la hendida
inversa, el sintagma nominal con el rasgo [+foco] se desplaza de
su posición en la oración subordinada para el CP matriz ya que el
CP subordinado no tiene los rasgos compatibles. Por otro lado, a
diferencia de las presentativas o hendidas inversas, las hendidas
básicas tendrían un CP subordinado con rasgos [+foco].
Respecto de las hendidas básicas, como sólo un niño de
3 años produjo la construcción sin concordancia (la que no se
registra en la gramática adulta), se puede suponer que, de hecho,
es excluida por un proceso natural de fijación de parámetros.
Es decir, los niños comienzan su proceso de adquisición con las
dos posibilidades, como una gramática como la del portugués
de Brasil, y, en algún momento, aprende que tiene que hacer la
concordancia en el CP subordinado en vez de emplear el “que”
sin concordancia por defecto. Sornicola (1988), Prince (1979) entre
otros, estudian las diferencias sintácticas y discursivas de las hendidas (it-clefts) y seudo-hendidas (wh-clefts) y, en estos trabajos,
ambas construcciones“It is John that sings” y “It is John who sings”
(“Es Juan que canta” y “Es Juan quien canta” respectivamente) son
analizadas como it-clefts. Sornicola (1988) estudia la escisión en
diversas lenguas y dice que las lenguas semíticas (árabe y hebreo,
por ejemplo) no tienen las it-clefts. Sin embargo, si ambos tipos
de hendidas tienen la misma estructura y los mismos pasos en la
derivación, ¿por qué sólo una es gramatical en el español adulto?
Todavía no tengo una respuesta para esa cuestión.
El problema de las hendidas invertidas, por otro lado, puede
ser explicado a partir del desajuste entre normativa y vernáculo:
como la mayoría de los estudios del español se basan en datos de la
norma culta, que sufre mucha presión del patrón (sobre este tema,
ver a PINTO, 2009), tales estudios no registran tales construcciones
ya que las condena la normativa española20.
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
185
Gragoatá
Tanto el estudio de
Pinto (2008) como el
presente estudio estuvieron basados en datos
de corpus. Posiblemente,
Pinto (2008) no encontró hendidas invertidas
debido al hecho de que
su corpus fue de lengua
escrita y controlada (los
guiones). Por otro lado,
el corpus utilizado en la
presente investigación
es de lengua espontánea
y hablada con niños,
donde no se espera que
haya mucha presión de
la normativa.
21
Como mencioné antes, parece que en España hay variación en
la escisión. Registré en diversas ocasiones en
Barcelona casos de hendidas básicas sin concordancia:
¡Ah!, ya sé qué pasa…
Eso fue Andréa que lo
rompió.
Es algo así que te digo
yo.
Parece que tú seas
serio y a partir del próximo mes es contigo que
yo hablo.
Los ejemplos (i) y
(ii) fueron producidos
por hablantes diferentes y en contextos diferen
tes. El ejemplo
(iii) es un habla de la
película “Una casa de
locos” (cuyo título en
portugués es “Albergue español”) que está
grabada en Barcelona.
El ejemplo se refiere al
habla de un catalán.
22
Este hecho será así
si no se comprueba que
los niños de diferentes
clases sociales no están
expuestos de hecho a
gramáticas diferentes.
Por ejemplo, en el caso
del portugués de Brasil,
aunque haya marcas
fonéticas, prosódicas,
semá nt icas y léxicas
que distinguen clases
sociales, hay muchos
aspectos sintácticos condenados por la normativa que son compartidos
por hablantes escolarizados y no escolarizados. Para mencionar
solamente algunos, se
puede indicar la próclisis categórica y el uso de
formas nominativas en
el lugar de sus equivalentes acusativas.
20
186
Carlos Felipe da Conceição Pinto
Lo que dice Di Tullio (1999, p. 6) sobre la normativa y las
hendidas (cf la nota 5) queda evidente cuando se considera lo que
dice Gómez Torrego (2002, p. 277):
En las estructuras u oraciones ecuacionales, cuando el componente que no es la oración de relativo lleva preposición, ésta
debe mantenerse en el componente u oración de relativo, al
menos según la norma culta del español de España. Ejemplo:
*Fue por Juan que me enteré de lo sucedido (se dice: fue por
Juan por el que (quien) me enteré...).
Tampoco se consideran correctas las oraciones ecuacionales
formadas con adverbios interrogativos y un relativo que. Sin
embargo, son relativamente frecuentes en Hispanoamérica.
Ejemplos:
*¿Cuándo fue que viniste? (en España se dice: ¿cuándo viniste?)
*¿Cómo fue que lo hiciste? (en España se dice: ¿cómo lo hiciste?)
Tampoco pertenecen a la norma culta del español de España
las estructuras ecuacionales en que aparece un que en vez de
un adverbio. Ejemplo:
*Ayer fue que vino (en España se dice: ayer fue cuando vino).
Frente a esos hechos, hay explicar, en trabajos futuros, lo que,
de hecho, pasa con las hendidas básicas en el español europeo: si
su ausencia se debe, de hecho, a una cuestión de adquisición de
primera lengua o a una cuestión de escolarización21. En el caso
de que el problema sea de escolarización, una investigación sociolingüística aclararía la cuestión: si se analizan diversos niveles
sociales (escolarizados X no escolarizados; rurales X urbanos etc)
y se detecta variación respecto del fenómeno (por ejemplo, si los
adultos escolarizados sólo usan la variante quien y los no escolarizados utilizan ambas variantes que y quien que aparecen en la
adquisición), la cuestión puede ser de escolarización22. Por otro
lado, si las hendidas canónicas sin concordancia no aparecen, de
hecho, en la edad adulta en todos los niveles socio-educacionales
(guardadas, obviamente, las observaciones de que es posible la
existencia de diversas gramáticas en el mismo español europeo),
se deberá “contar alguna historia” para explicar por qué las cosas
son así.
Resumo
Considerando a variação da clivagem no
espanhol atual, este trabalho pretende
averiguar como as crianças espanholas
adquirem essas construções tendo como
pergunta central se as crianças espanholas
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
La adquisición de la escisión en el español peninsular
produzem inicialmente as construções
inexistentes na variedade européia adulta
e em seguida as perdem ou se as crianças
nunca produzem essas construções. O
estudo analisou 18 crianças, entre 2 e 10
anos de idade (2 crianças de cada faixa
etária) a partir do corpus CHILDES. Os
dados mostraram que as crianças produzem construções inexistentes na gramática
adulta, sendo que uma delas só aparece na
criança de 3 anos e outra permanece em
todas as faixas etárias. A interpretação dos
dados é a de que não há, em princípio, um
problema de aquisição da linguagem, mas
de variação do espanhol europeu já que as
construções consideradas inexistentes em
diversos estudos são encontradas na fala
dos adultos na interação com as crianças.
Palavras-chave: Clivagem; variação do
espanhol; sintaxe do espanhol europeu.
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188
Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011
Estudo sobre a aquisição
de complementação sentencial em PB1:
Traços semânticos de modalidade
na aquisição de primeira língua
Vivian Meira (UNEB – Doutoranda UNICAMP)
Recebido 11, jan. 2011 / Aprovado 7, mar. 2011
Resumo
Este artigo apresenta resultados parciais sobre
os padrões de complementação sentencial, tanto
as completivas finitas (indicativo e subjuntivo)
quanto as não finitas (especificamente o infinitivo),
na aquisição do Português Brasileiro. Tomamos
como base a Teoria de Princípios e Parâmetros
(Cf. CHOMSKY, 1981) e partimos da hipótese
de que a oposição Realis/Irrealis é marcada por
distintos padrões de complementação, ou seja,
o infinitivo e o indicativo, por serem adquiridos
antes do subjuntivo, tendem a expressar os traços
[+- realis]. Nesse sentido, o marcador morfológico
de infinitivo assume o traço [- realis] (que será
posteriormente assumido pelo subjuntivo) e o
indicativo, em orações finitas, expressa o traço [+
realis]. Para tanto, tomamos como base a Hipótese
da Oposição Semântica, segundo a qual há uma
hierarquia semântica no que se refere aos modos
verbais no período da aquisição. Foram analisados dados de três crianças, duas pertencentes ao
CEALL, do Rio Grande do Sul, com idade entre
1;08 e 3;07 e uma pertencente ao CEDAE, da
UNICAMP, com idade entre 1;0 e 3;02.
Palavras-chave: Complementação Sentencial;
Oposição Realis/Irrealis; Português Brasileiro.
Agradeço à Prof.ª Dr.ª
Ruth Lopes pela leitura cuidadosa do texto,
pelos comentários e sugestões. Os problemas
remanescentes são de
minha inteira responsabilidade.
1
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
Gragoatá
Vivian Meira
Introdução
A hipótese geral que guia este artigo é a de que os universais
do desenvolvimento da linguagem podem estar relacionados a
níveis de interface entre a semântica e a morfossintaxe. Acredita-se
que traços formais e semânticos estão envolvidos na aquisição de
primeira língua. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa sobre
a aquisição de complementação sentencial, concentrando-se em
Português Brasileiro (PB), com a hipótese de que a aquisição de
tal fenômeno na língua vincula-se à aquisição da modalidade.
Segundo Deen e Hyams (2006), as línguas apresentam formas
específicas como indicadores de irrealidade, ou seja, a oposição
semântica realis/irrealis se manifesta na morfossintaxe das línguas
através de formas distintas, a depender de a língua ser uma língua
de sujeito nulo, de infinitivo raiz, sem infinitivo, dentre outros.
De modo geral, pesquisas revelam (Cf. DEEN e HYAMS, 2006;
SALUSTRI e HYAMS, 2003; STEPHANY, 1997) que a oposição
entre modo realis e irrealis é gramaticalmente expressa pela oposição entre morfossintaxe finita e não finita, revelando uma relação
entre a morfossintaxe e a semântica das línguas. Diante disso,
buscamos verificar a manifestação dessa oposição semântica e
formal na aquisição de PB, além de verificar as formas que estão
no período inicial de aquisição dessa língua, expressando modalidade. De início, partimos da hipótese de que em PB a oposição
realis/irrealis é expressa num estágio inicial, respectivamente, pela
complementação indicativa e infinitiva e, quando a morfologia
de subjuntivo é adquirida e aumenta o seu uso, acreditamos que
há uma diminuição das ocorrências de infinitivos nos contextos
de irrealidade.
A análise dos dados da produção espontânea foi feita tendo
como base o modelo de Princípios e Parâmetros. O artigo estrutura-se da seguinte forma: Na primeira seção, discutiremos o envolvimento de traços semânticos e formais na aquisição de primeira
língua e de que forma a modalidade pode apresentar evidências
para a hipótese de que há um princípio universal que reside na
interface entre semântica e morfossintaxe no desenvolvimento
da gramática inicial. Na segunda seção, serão apresentados os
resultados da literatura em aquisição de complementação sentencial, para discutirmos esse fenômeno em PB. Na última seção
,apresentamos as considerações parciais sobre os resultados até
então encontrados.
1. O envolvimento de traços semânticos
e de traços formais na aquisição de primeira língua
Deen e Hyams (2006) argumentam que os universais do
desenvolvimento da linguagem residem nos níveis de interface
entre a estrutura semântica e a morfossintática e defende que a
oposição semântica dos modos é manifestada na morfossintaxe
190
Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB:
Traços semânticos de modalidade na aquisição de primeira língua
das línguas na morfologia finita e não finita, o que os leva a acreditar que há uma relação entre semântica e sintaxe no período
de aquisição.
Eles partem do fato de que, em algumas línguas, como a
Swahili (língua banto), grego, holandês, italiano, Tempo e Modo
não formam uma categoria unitária. Assim, a expressão de modo
irrealis na gramática inicial de línguas como a Swahili exclui a
especificação de tempo. Assumem, além disso, que o morfema de
infinitivo tem um traço irreal que provavelmente deve licenciar
a projeção de Modo, assim como o traço de tempo licencia a projeção de Tempo. Em verdade, o modelo de gramática assumido é
aquele em que traços flexionais (morfológicos ou lexicais) podem
licenciar a estrutura sintática. Para tanto, partem da Hipótese
da Oposição Semântica (Cf. HYAMS, 2001), do inglês, Semantic
Opposition Hypothesis – SOH, que busca explicar determinados
fenômenos ocorridos na interface entre semântica e morfossintaxe. Giorgi e Pianesi (1997) discutem também a questão de traços
flexionais licenciarem categorias sintáticas, fazendo referência a
Tempo e Aspecto.
Discutir se traços semânticos estão ou não envolvidos na
aquisição de primeira língua ou se são apenas interpretáveis
na interface constitui uma questão que ainda necessita ser melhor debatida, já que ainda não se chegou a ilações a esse respeito.
Evidências empíricas devem ainda ser analisadas para se chegar
a conclusões mais gerais sobre essa questão.
A seguir serão apresentadas discussões na literatura a respeito da oposição semântica realis/irrealis em algumas línguas e
de que modo essa distinção apresenta correlação com a complementação sentencial.
2. A aquisição de complementação sentencial:
2.1 Considerações sobre a expressão de irrealidade
na gramática inicial do italiano, holandês, grego e Swahili
Há línguas de infinitivo, como o italiano, o português e
há línguas sem infinitivo como o grego, mas todas as línguas
apresentam uma forma finita e uma forma não finita e há uma
oposição semântica entre o modo realis e o modo irrealis.
A literatura em aquisição de linguagem demonstra que
a distinção semântica entre modo realis e irrealis tem distintas
expressões na morfossintaxe de diferentes línguas e essa oposição
semântica frequentemente apresenta relação com as formas finitas e não finitas. De modo geral, a forma finita expressa o modo
indicativo e a não finita é utilizada em contextos de irrealidade.
Deen e Hyams (2006) sustentam que há um princípio universal que rege a interface entre a semântica e a morfossintaxe na
gramática inicial e partem da Hipótese da Oposição Semântica
Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
191
Gragoatá
“The expression of
irrealis mood in the early grammar excludes
a tense specification”
(Tradução nossa)
2
192
Vivian Meira
para explicar tanto a oposição semântica universal entre realis
e irrealis quanto a sua realização na morfossintaxe das línguas,
conforme já se apontou acima. De modo geral, essa hipótese supõe
que “a expressão de modo irrealis na gramática inicial exclui a
especificação de tempo”2 (DEEN e HYAMS, 2006, p. 69), já que a
expressão morfossintática de Tempo e Modo estão em distribuição complementar nos estágios iniciais do desenvolvimento da
gramática. (cf. DEEN e HYAMS, 2006).
Na gramática inicial do grego (Cf. HYAMS, 2002), crianças
produzem formas sem marcas de tempo, chamadas bare perfective,
com referência modal e agramatical na língua adulta, mas estas
formas apresentam propriedades temporais parecidas com o
infinitivo raiz (do inglês, root infinitive - RI) holandês. São formas
não finitas que expressam modo irrealis e, de acordo com Deen
e Hyams (2006), é um típico efeito de RI em uma língua sem
infinitivo. À medida que aumenta o uso de modais, diminui a
proporção de bare perfective. O mesmo ocorre na aquisição do
holandês, as propriedades semânticas do RI apresentam, nessa
língua, significado essencialmente modal ou irreal, expressando
desejo e intenção das crianças (Cf. BLOM, 2003; HOEKSTRA e
HYAMS, 1998) e o uso do RI diminui quando a proporção de uso
de modais aumenta. Kalestinova (2007) defende que a produção
de RI na aquisição está relacionada a questões morfossintáticas da
língua alvo, a do falante adulto, apresentando semelhanças entre
dados do russo e do holandês. Hoekstra e Hyams (1998) chamam
de Efeito de Referência Modal (do inglês, Modal Reference Effect –
MRE) a grande quantidade de RI expressando significado irreal
ou modal nas gramáticas iniciais no período de aquisição.
Dentre as línguas românicas, há dados do italiano, no qual
o imperativo funciona como um análogo do RI, pois expressa as
propriedades deste, sendo marcado com um traço “irreal” (Cf.
SALUSTRI e HYAMS, 2003). Salustri e Hyams (2003) mostraram
que o imperativo ocorre numa proporção maior na gramática
das crianças do que na dos adultos e com uma frequência maior
em línguas de sujeito nulo do que em línguas de infinitivo raiz,
já que tanto o imperativo quanto o RI expressam modo irrealis;
assim, em línguas de RI, como o holandês, o RI funciona como
um imperativo no italiano (Cf. SALUSTRI e HYAMS, 2003).
Em Swahili, Deen e Hyams (2006) observaram que o marcador de irrealidade na gramática inicial é a vogal final de subjuntivo
(análogo ao RI holandês) e, quando esta vogal é usada, o marcador
de tempo fica ausente, o que demonstra que Modo e Tempo são
núcleos distintos com traços também distintos. Nessa língua, na
gramática dos adultos, por outro lado, Tempo e Modo formam
uma categoria unitária. De forma geral, a morfologia de modo
se desenvolve paralelamente à morfologia de tempo e a ausência de especificação de tempo em algumas línguas (Cf. DEEN e
Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB:
Traços semânticos de modalidade na aquisição de primeira língua
HYAMS, 2006) é necessária, mas não uma condição suficiente
para a expressão de modo irreal.
Deen e Hyams (2006) concluem que o modo é instanciado
de diferentes formas nas línguas, ou seja, há evidências de que
a oposição realis/irrealis é realizada na morfossintaxe das línguas
através de formas distintas. Assim, o modo irrealis é expresso, na
gramática inicial do italiano, pelo imperativo; do grego, pelo bare
perfective (forma vazia de tempo), já que se trata de uma língua
sem infinitivos; no holandês, pelo infinitivo raiz e, em Swahili,
pelo subjuntivo e pela ausência de marcador de tempo neste.
Todas essas formas estão numa relação de complementaridade e
de oposição com as formas finitas que expressam contextos realis,
pelo menos num determinado momento da aquisição. Nessas
línguas, o modo irrealis é instanciado por formas não finitas, sem
especificação de tempo. Isso constitui evidência de uma cisão entre
Modo e Tempo, de forma que estes não configurem uma categoria unitária, já que formas não finitas e, portanto, sem marcas de
tempo, expressam modalidade irreal e, à proporção em que o uso
de tempo e de modo aumenta, as formas não finitas diminuem.
Esse dado comprova que a Hipótese da Oposição Semântica pode
fornecer explicações para a relação entre semântica e sintaxe na
aquisição das línguas.
Blom (2003) argumenta a favor de uma cisão modal (modal
shift) na referência temporal de RI. Defende o desenvolvimento de
04 estágios na produção de RI na aquisição do holandês. Nos dois
primeiros estágios, o RI apresenta diferentes referências temporais
e, nos dois últimos, o RI é usado com referência modal. Kalestinova (2007) afirma que o fenômeno do RI não é uma propriedade
universal da linguagem da criança, mas depende de propriedades
morfossintáticas da língua alvo.
As questões que surgem diante desses resultados são: Por
que formas não finitas instanciam o modo irrealis na gramática
inicial da criança em algumas línguas? (Cf. DEEN e HYAMS,
2006). Há alguma relação entre Modo e Tempo? Elas constituem
categoria unitária no PB ou são acionadas independentemente?
Essas questões ainda necessitam de uma resposta adequada e esta
apenas será possível quando mais pesquisas forem desenvolvidas
nesse sentido.
Ce nt r o de Do c ument ação Cu lt u ra l
Alexandre Eulálio, do
Instituto de Estudos da
Linguagem – IEL, da
UNICAMP.
4
Centro de Estudos sobre a Aquisição e Aprendizagem da Linguagem
- PUCRS.
3
2.2 A aquisição de complementação sentencial em PB:
Resultados parciais
Os exemplos discutidos neste artigo foram retirados do
banco de dados do CEDAE3 e do CEALL4, nos dados de produção
de três crianças (AC, G e R), entre as idades de 1;5 anos e 3;7 anos.
A pesquisa teve como meta destacar apenas as complementações
sentenciais, subjuntiva e indicativa produzidas pelas crianças.
Além disso, observamos apenas os dados infantis e deixamos de
Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
193
Gragoatá
Vivian Meira
lado os dados dos investigadores. Descartamos também orações
finais, temporais, concessivas, dentre outras que também trazem
marcas morfológicas de subjuntivo. Não foi de nosso interesse
nesse artigo discutir complementação gerundiva ou de particípios
e não foram computadas também respostas de interrogativas sim/
não, como em (1):
(1)
C:
a tua filha quer falar?
A:
quer. AC, 2;08)
Selecionamos apenas ocorrências de formas finitas (indicativo e subjuntivo) e de formas não finitas (infinitivos) em complementação de sentenças. Encontramos evidências para afirmar
que a entrada de infinitivos nos dados infantis do PB ocorre
relativamente cedo, por volta de 1;08 anos, conforme o exemplo
(2) de futuro perifrástico5ou nos exemplos (3) e (4)6. O infinitivo
como complementação de sentenças (Cf. ex. (5) e (6)) e em adjuntos
(cf. ex. (7)) ocorreram por volta de 2;01 anos. No entanto, o escopo
desse estudo é apenas analisar as complementações sentenciais,
por isso evitaremos desenvolver qualquer discussão sobre exemplos que não fazem parte desse objeto.
Uma vez que a perífrase formada pelo verbo ir + infinitivo pode
denotar futuro, preferimos não computá-la
para análise.
6
Foi registrado o uso
de infinitivo, como té
(R, 1;03 – quer); “patá”
(R, 1;06 -tampar); fassá
(R, 1;06 -fechar); tapa (R,
1;06 –tampar) em idade
anterior ao uso do futuro perifrástico citado
nos exemplos (2) e (3); a
maioria das ocorrências
de infinitivo ocorreu em
contextos de volição,
contextos de irrealidade.
No entanto, mesmo que
essas formas pareçam
estar expressando modo
irrealis, não faz parte do
escopo dessa pesquisa
analisá-los, já que nos
incumbimos apenas de
apresentar nesse artigo
uma a nálise sobre a
expressão de modo na
complementação sentencial na aquisição de
PB. Dados sobre infinitivo (raiz) e sua relação
com a modalidade na
aquisição de PB será
tema para uma pesquisa
futura.
5
194
(2) vai jubi (vai subir) (AC, 1;08)
(3) vamos ver
(G, 1;10)
(4) (AC, 1;10)
a mamãe foi trabalhar
(5) pode pega(r)
(G, 2;01)
(6) tu tem que sentar aqui
(AC, 2;03)
(7)
(G, 2;01)
p(r)a botar café?
Nos dados de aquisição do PB, registramos que a complementação infinitiva com verbos volitivos, conforme exemplo (8),
causativos, como no exemplo (9), ocorrem num estágio inicial
de aquisição, por volta dos 2;01 anos, sendo vasta a produção
principalmente de verbos volitivos que apresentam relação com
a modalidade irreal.
(8) eu quero desenhar
(AC, 2;01)
(9) deixa eu arrumar isso aqui (G, 2;03)
A produção de subjuntivo ocorre tardiamente em relação à
complementação de infinitivo, por volta dos 2;08, como nos exemplos (10), (11) e (12), sendo escassa na faixa etária dos 2;0 anos a sua
produção. Na maior parte das vezes, a morfologia do subjuntivo foi
registrada em contextos de complementação de verbos volitivos.
(10) eu quero que tu tire a tampa (AC, 2;08)
(11) ela quer que eu segure
(G, 3;0)
Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB:
Traços semânticos de modalidade na aquisição de primeira língua
(12) quando o pai do príncipe do Egito era pequeno, ele mandou
que ele seja matado (AC, 3;07)
Em alguns casos o indicativo ocorreu em contextos de subjuntivo, conforme exemplos (13) e (14). Acreditamos que a morfologia de subjuntivo, mais utilizada a partir dos 3 anos da criança,
começa, nessa faixa etária, a assumir contextos de irrealidade,
antes expressos apenas pela complementação infinitiva que, por
sua vez, começa a diminuir por volta dos 3;06 anos. Na verdade, à
medida que aumenta o uso de subjuntivo, decresce o de infinitivo.
(13) quer que eu pego?
(R, 3;02)
(14) ah@i xxx eu quero que você conta,, né?
(R, 3;02) 7
Os infinitivos nas sentenças encaixadas, por volta dos 3;0
anos, ocorrem também em contextos em que o sujeito da matriz
não é o mesmo sujeito da encaixada, como no exemplo (15):
(15) mas eu não deixo ela [/] ela [/] ela para(r) (AC, 3;0)
Conforme a nossa hipótese, em estágio inicial de aquisição
em PB, a criança faz uso da complementação sentencial infinitiva
em contextos de irrealidade e a indicativa, na expressão do modo
realis. Em um determinado momento, com a aquisição da morfologia de subjuntivo, por volta dos 2;08 anos da criança, a morfologia
desse modo passa a expressar o contexto irrealis, ocorrendo assim
um decréscimo no uso da complementação infinitiva. A Fig. 1
apresenta o percentual por faixa etária analisado em três crianças.
Figura 1: Média percentual de infinitivo, subjuntivo e indicativo em
complementação sentencial por faixa etária em três crianças
Tomando como base
esse uso do indicativo
num contexto de subjuntivo na gramática de
R, podemos pensar na
possibilidade de haver
traços distintivos nas
gramáticas de AC e G
vs. R.
7
De certo modo, a morfologia de subjuntivo parece estar
sendo adquirida na medida em que ela é associada ao contexto
irrealis, antes expresso apenas pela complementação infinitiva. O
indicativo continua no decorrer das faixas etárias de forma estável,
Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
195
Gragoatá
Vivian Meira
se comparado com o aumento de complementação infinitiva no
decorrer dos 2;0 anos da criança e uma diminuição em seu uso
por volta dos 3;07. Apresentamos a seguir na Fig. 2, o percentual
de ocorrências de infinitivos e de subjuntivo na faixa etária de
3;0 anos da criança.8
Figura 2: Média percentual de infinitivo e subjuntivo
em complementação sentencial por faixa etária em três crianças
Numa etapa futura
dessa pesquisa, pretendemos analisar a projeção de TP e MoodP na
aquisição de PB, de forma a verificar se ambas
constituem categorias
independentes ou se
são acionadas no mesmo
período da aquisição,
já que, na g ramática
adulta, elas constituem
uma categoria unitária.
Para Kato (1995), num
estágio inicial, a criança
apresenta um T com
núcleo default Presente
e uma forma flexional
pa ra t e mp o qu a ndo
apresenta o cont raste temporal (presente
e passado). Conceição
(2006) demonstrou que
no PB a gramática infantil apresenta a categoria funcional TP
com núcleo [Presente]
e [Passado] por volta
dos 1;10 anos. Assim,
nessa fase, há contraste
temporal. Com relação
à modalidade, até então verificamos que a
complementação infinitiva com referência
modal aparece também
por volta dos 2;0 anos
na gramática infantil
e expressa contexto de
irrealidade. No entanto, acreditamos que o
contraste modal entre
o realis e o irrealis ocorre
num período anterior
aos 1;10 anos através do
infinitivo. Os resultados
sobre essa questão serão
apresentados em um
trabalho posterior.
8
196
Na gramática infantil, a partir dos 3 anos, os dados indicam
que há um decréscimo de uso da complementação infinitiva em
contextos de irrealidade que são assumidos pela morfologia de
subjuntivo, que, por sua vez, teve um leve acréscimo de uso, como
demonstrado na Fig. 2. A co-ocorrência de sentenças finitas e infinitivas no PB no período anterior aos 24 meses parece não acionar
a categoria Tempo com seus traços de presente e passado (Cf.
CONCEIÇÃO, 2006), mas será que os traços realis e irrealis de Modo
são acionados independentemente dos de Tempo? Observamos
que a morfologia de subjuntivo é adquirida a partir do período
de 24 meses na gramática infantil e passa a assumir contextos de
irrealidade. Acreditamos que TP e MoodP estão em uso na gramática infantil por volta do período de 24 meses da criança e, no
início desse período, tanto a complementação infinitiva quanto a
de subjuntivo expressam o irrealis, mas à medida que aumenta o
uso do subjuntivo, diminui o de infinitivo. Antes da aquisição da
morfologia de subjuntivo, a criança faz uso de formas não finitas
para expressar Modo em contraste com a complementação finita
do indicativo, o que nos leva a supor que Tempo e Modo são
categorias independentes no período inicial da aquisição, apesar
de constituir uma categoria unitária na gramática adulta do PB.
Além disso, suponho também, diante desses resultados que traços
semânticos pareçam estar envolvidos na aquisição de PB, já que
a oposição semântica realis/irrealis foi representada na morfologia
primeiramente pela forma de infinitivo e, em seguida, pela morNiterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB:
Traços semânticos de modalidade na aquisição de primeira língua
fologia de subjuntivo. No entanto, uma pesquisa mais detalhada
precisa ser feita a fim de chegar a ilações mais consistentes9.
De qualquer forma, acreditamos que as sentenças finitas
e infinitivas num período anterior a 24 meses não apresentam a
mesma estrutura nem o mesmo comportamento semântico. Em
um trabalho posterior, apresentaremos resultados mais concretos
sobre a categoria MoodP em PB, em que momento ela tende a ser
acionada, sua relação com TP e se há algum valor default envolvido
na aquisição de Modo em PB, assim como há na aquisição de TP
(Cf. KATO, 1995). Neste artigo, apresentamos apenas resultados
parciais e por isso não podemos chegar a conclusões mais gerais
sobre esse fenômeno na aquisição do Português Brasileiro.
3. Considerações finais
Neste artigo, apresentamos resultados parciais sobre os
padrões de complementação sentencial na aquisição de PB. Num
estagio inicial da aquisição, a partir dos 2;0 anos da criança,
observamos que os traços semânticos realis/irrealis são expressos,
respectivamente, pelo indicativo e infinitivo em complementação
sentencial. Quando a criança adquire o subjuntivo, por volta
dos 2;08 anos, o marcador morfológico deste passa a assumir
a expressão de irrealidade. A categoria Tempo, acionada por
volta dos 24 meses, parece manter relação com a categoria Modo,
mas não podemos afirmar se formam categoria unitária, já que
acreditamos que os valores de Modo estão relacionados com as
sentenças finitas e infinitivas no período anterior aos 24 meses.
Pretendemos em um trabalho posterior apresentar considerações
mais gerais sobre esse fenômeno, além de investigar as restrições
que dizem respeito ao efeito de referência disjunta e sua relação
com a complementação sentencial no período da aquisição, já
que a referência disjunta é uma propriedade tradicionalmente
associada ao subjuntivo.
Abstract
Pretendo apresentar
em breve resultados a
respeito dessas questões.
9
Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
This paper presents partial results about
standards of sentential complementation,
not only the finite completives (indicative
and subjunctive mood) but also the not-finite (specifically the infinitive), in the
acquisition of the Brazilian Portuguese.
Based on the Theory of Principles and
Parameters (cf. Chomsky, 1981) and on
the hypothesis of the Realis/Irrealis opposition is marked by distinct standards
of complementation, i.e., the infinitive
and the indicative, for being acquired before the subjunctive mood, tend to express
the traces [+- realis]. In this direction, the
197
Gragoatá
Vivian Meira
morphologic marker of infinitive assumes
the trace [- realis] (that will be assumed
later by the subjunctive mood) and the
indicative, in finite clauses, expresses
the [+ realis] trace. In this way, we base
our analysis on the Semantic Opposition
Hypothesis, according to which there is
a semantic hierarchy as for the verbal
ways in the period of acquisition. There
has been analyzed data of three children,
two pertaining the CEALL, of the Rio
Grande do Sul, with age ranging from 1;08
and 3;07 and one belonging to CEDAE,
UNICAMP, with age ranging from 1;0
and 3;02.
Keywords: Sentential Complementation,
Realis/Irrealis Opposition; Brazilian Portuguese.
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198
Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB:
Traços semânticos de modalidade na aquisição de primeira língua
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Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011
199
Transferências grafo-fônicofonológicas: uma análise de dados
de crianças monolíngues (Português)
e bilíngues (Hunsrückisch-Português)
Sabrina Gewehr-Borella (Doutoranda/UFRGS),
Márcia Cristina Zimmer (UCPEL)
Ubiratã Kickhöfel Alves (UFRGS)
Recebido 12, fev. 2011 / Aprovado 8, mar. 2011
Resumo
Neste artigo, relatamos os resultados de um estudo
sobre a troca de grafemas que representam fonemas
oclusivos surdos por grafemas representando fonemas sonoros (e vice-versa) e os padrões de VOT
de alunos monolíngues (Português) e bilíngues
(Hunsrückisch-Português). Os participantes foram
divididos em três grupos: alunos monolíngues sem
contato com bilíngues (MR), monolíngues que
possuem contato com bilíngues (MP) e bilíngues
(B). Na pesquisa, foram analisados, primeiramente,
o número de trocas dos grafemas <p,b>, <t,d> e
<c,g> da escrita de 183 alunos dos três grupos. Em
um segundo momento, foram analisados os dados
escritos de 30 alunos (10 de cada grupo) dos 183
analisados anteriormente. Com relação aos VOTs,
foram analisados, primeiramente, os padrões da fala
em PB dos 30 participantes. Posteriormente, foram
medidos os VOTs do Hunsrückisch dos 10 alunos
bilíngues. Quanto aos resultados, encontramos a
ocorrência de mais trocas grafêmicas nos participantes do grupo B, seguidos dos do grupo MP e,
por fim, dos do grupo MR. Quanto aos padrões de
VOT, nos segmentos surdos foram encontrados
VOTs menores no grupo MR do que no grupo B
e nos segmentos sonoros, foram apurados valores
mais elevados de pré-vozeamento no grupo MR do
que no grupo B. Verificamos, nos resultados, valores gradientes nas transferências fonético-fonológicas encontradas. Concluímos que parte de nossos
participantes apresentam uma correlação positiva
entre a taxa de trocas dos grafemas e a produção
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
Gragoatá
Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu
de fala, o que sugere uma possível relação
entre os processos de produção escrita e oral.
Palavras-chave: bilinguismo; transferência grafo-fônico-fonológica; transferência
fonético-fonológica.
Introdução
A troca de grafemas que representam fonemas oclusivos
sonoros por grafemas representantes de segmentos surdos, e vice-versa, é bem frequente em regiões habitadas por descendentes de
alemães. Como exemplo deste fenômeno, apresentamos as palavras <madeira>, <garrafa> e <pomada>, escritas por participantes
de nossa pesquisa como <mateira>, <carafa> e <bomada>, respectivamente. Tais trocas, denominadas grafo-fônico-fonólogicas,
constituem parte de nosso objeto de estudo. Elas são analisadas,
na atual pesquisa, tanto com falantes bilíngues (Hunsrückisch-Português), da cidade gaúcha de Picada Café, formada por descendentes alemães (grupo B), como por falantes monolíngues
(Português) da mesma cidade (grupo MR) e de outro município
(grupo MP), Rio Grande-RS, onde os participantes não possuem
contato com falantes de alemão.
Além das transferências interlinguísticas encontradas na
escrita, a presente pesquisa busca analisar a fala desses participantes monolíngues e bilíngues, em Português e em Hunsrückisch,
para a verificação também de transferências fonético-fonológicas,
manifestadas através da utilização de padrões de vozeamento
típicos da L1 na produção da fala da L2, fato igualmente bastante
presente em ambientes bilíngues e multilíngues.
A partir do exposto, elaboramos três objetivos específicos
para o estudo: 1º) investigar a relação existente entre bilinguismo
e uma maior incidência de trocas grafêmicas, a partir da contabilização das trocas entre os alunos participantes; 2º) analisar os
padrões de VOT das oclusivas em início de palavra do PB dos 3
grupos participantes (monolíngues de Rio Grande - MR, monolíngues de Picada Café - MP - e bilíngues de Picada Café - B); e
3º) averiguar e discutir os padrões de VOT das oclusivas em início
de palavra da língua de imigração Hunsrückisch, nas produções
das crianças bilíngues.
1 Referencial teórico
1.1 Bilinguismo: Hunsrückisch Riograndense (Hrs)
e Português Brasileiro (PB)
Trabalhamos, na presente pesquisa, com duas línguas: o
Português Brasileiro e a língua de imigração Hunsrückisch. Proveniente de uma região montanhosa da Alemanha, próxima das
202
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados
de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português)
fronteiras da França e de Luxemburgo, a língua Hunsrückisch foi
introduzida no Brasil pelos pioneiros da imigração alemã a partir
do início do século XIX, com a chegada dos imigrantes alemães na
chamada província de São Pedro do Rio Grande (MÜLLER, 1999).
Os sistemas fonético-fonológicos destas duas línguas serão apresentados na sequência. Antes, porém, discorreremos brevemente
sobre modelos fonológicos dinâmicos, nos quais nos baseamos
teoricamente em nossa pesquisa.
1.2 Modelos Fonológicos de orientação dinâmica
Não é feita aqui a
distinção entre “aquisição” e “aprendizagem”,
propugnada por Krashen (1982), nem entre os
termos “língua estrangeira” e “L2”, já que o
referencial teórico aqui
adotado não parte de
dicotomias como competência e desempenho,
típicas do cognitivismo.
Portanto, os termos L2,
segunda língua e língua estrangeira serão
usados intercambiavelmente ao longo deste
trabalho.
1
Diferentemente das teorias de aquisição de linguagem que
consideram a aquisição, tanto da primeira língua quanto das
demais línguas, como um processo que segue um desenvolvimento linear, a Teoria dos Sistemas Dinâmicos (TSD) vai buscar
no comportamento não linear, muitas vezes imprevisível, o desenvolvimento da linguagem, através da observação de aspectos
cognitivos e sociais. O desenvolvimento, portanto, é visto como
um sistema em contínua mudança (ELMAN, 1998). Podemos associar a constante modificação do sistema à aprendizagem de uma
segunda língua, por exemplo (DE BOT et al., 2007). A aquisição1
da linguagem, tanto da língua materna como de uma segunda
língua (L2), é vista como emergente de uma interação dinâmica
(BEST, TYLER, 2007).
Os modelos de Fonologia Articulatória (FAR) (BROWMAN;
GOLDSTEIN, 1992; GOLDSTEIN et al., 2006) e Acústico-Articulatória (FAAR) (ALBANO, 2001) estão enquadrados dentro de
uma perspectiva dinâmica, em que os padrões criados dentro
de um sistema estão em constante modificação. Nesses modelos,
a informação linguística é codificada por padrões presentes na
orquestração rítmica de eventos no fluxo da fala (KELLO, 2003),
ou seja, nas regularidades observadas nas quantidades de tempo
real que ocorrem na intrincada dinâmica dos eventos de fala, que
podem ser sequenciais, parcialmente sequenciais (coarticulação),
levando a uma sobreposição distribuída na informação temporal.
A FAR e FAAR partem da premissa de que a fala pode ser decomponível em unidades de ação do trato vocal, os gestos. Essas
unidades de contraste, ou fonológicas, são isomórficas às unidades
contínuas, ou fonéticas. Nessa abordagem, os gestos articulatórios
constituem, simultaneamente, unidades de ação (codificando os
movimentos articulatórios para a formação de constrições no
trato vocal) e de informação (codificando contraste). Como essas
unidades informacionais e de ação incorporam o simbólico e
o concreto, não há necessidade de tradução entre unidades de
representação e sua execução como tarefas de fala (GOLDSTEIN
et al., 2006). Assim, de acordo com esses modelos, as manobras
articulatórias, os chamados gestos, produzidos no trato vocal,
e as manobras acústicas, que geram atributos perceptuais rele-
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
203
Gragoatá
Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu
vantes para a diferenciação dos contrastes dos sons ocorridos na
linguagem, são observadas através de um contínuo físico durante
a realização de um determinado som da fala.
Em oposição à visão binária da fonologia clássica, os novos
modelos de fonologia (FAR- FAAR) primam pelo destaque conferido à gradiência na produção dos segmentos (ALBANO, 2001),
gradiência essa observada em nossos dados, como veremos mais
adiante. Vejamos, agora, uma pequena descrição dos sistemas
fonético-fonológicos das línguas estudadas.
1.3 Os sistemas fonético-fonológicos
do Português Brasileiro, do Alemão Padrão
e do Hunsrückisch Riograndense: algumas considerações
Fortis: “(consoante)
articulada, ou com tendência a ser articulada,
com tensão muscular
acentuada. Termo tradicionalmente usado
para consoantes surdas em oposição a
con soa nte s sonora s.
Do Latim “fortis” ‘forte’” (Oxford, 1997, p.
134). Como “Halb” em
alemão significa ‘meio’,
poderíamos dizer que
o termo significa uma
oclusiva gradiente, às
vezes manifestando-se
como surda e, às vezes, como sonora.
3
Lenização ou lenição:
qualquer processo através do qual um som é
concebido como sendo
“enfraquecido”. Ex. Na
história do Espanhol,
a oclusiva sonora [b]
[d] [g] tornou-se uma
fricativa entre vogais,
a partir da redução do
esforço da articulação
(Oxford, 1997, p 202).
Maiores detalhes sobre
esse processo, consultar
ALTENHOFEN (1996).
2
204
Diferentes modos de articulação são utilizados durante a
produção dos sons. Um desses modos é a oclusão. Para que ela
ocorra, é necessário um bloqueio completo na corrente de ar, seguido de uma soltura/explosão.
O Português Brasileiro (PB) apresenta seis fonemas oclusivos, caracterizados pela soltura/explosão do ar, sendo eles: a) três
surdos, ou seja, que não apresentam a vibração das cordas vocais:
/p/, /t/ e /k/ e b) três sonoros, isto é, com a vibração das cordas
vocais: /b/, /d/ e /g/ (CRISTÓFARO-SILVA, 2008).
O Alemão Padrão (AP) possui os mesmos seis fonemas
oclusivos do PB (KOHLER, 1999). O que diferencia os sistemas do
PB e do AP, em relação às oclusivas, é o padrão de vozeamento,
que será explicado no próximo item deste artigo.
O Hunsrückisch Riograndense, por nós pesquisado, é descrito na literatura existente por dois autores, que apresentam diferentes quadros fonético-fonológicos. O primeiro (WIESEMANN,
2008) apresenta em seu quadro de fonemas apenas as oclusivas
surdas: /p/, /t/ e /k/. Já o segundo (ALTENHOFEN, 1996) considera como fonemas as oclusivas surdas aspiradas: /pH/, /tH/, /
kH/, além das oclusivas /b¥/, /d¥/ e /g¥/, chamadas Halbfortes2,
ou seja, oclusivas com ensurdecimento, que pode ser completo
ou não. Tais fonemas ocorrem em posição tônica e pré-tônica. De
acordo com tal proposta, o que acontece é um processo de dessonorização do Alemão Padrão, e às vezes do PB, para a língua de
imigração. Já em posição pós-tônica, ocorre a sonorização, num
processo de lenização3.
Vistos os sistemas, passamos agora para a observação dos
padrões de vozeamento das oclusivas das línguas aqui estudadas.
1.4 Os padrões de vozeamento das oclusivas do Português Brasileiro,
do Alemão Padrão e do Hunsrückisch Riograndense
De acordo com Lisker e Abramson (1964), o Voice Onset Time
(VOT) é o período de surdez entre a soltura/explosão da consoante
e o início da peridiocidade de vozeamento do segmento seguinte.
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados
de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português)
A partir da figura, a seguir, poderemos compreender melhor tal
explicação:
Figura 1: Três tipos de VOT4
Figura adaptada de
COHEN (2004, p.13).
4
Conforme representado na Fig. 1, os padrões de vozeamento
tendem a ser caracterizados a partir de três categorias de VOT: 1ª)
negativa, que apresenta um pré-vozeamento, ou seja, uma vibração das cordas vocais antes da soltura da oclusiva, em média de
-100ms; 2ª) zero, que apresenta um período de surdez pequeno, em
que o início de vozeamento e a soltura ocorrem em um período
bastante próximo, em torno de + 10ms; 3ª) positiva, apresentando
um período de surdez mais longo, isto é, um retardo no início da
vibração das pregas vocais, em torno de + 75ms (LISKER, ABRAMSON, 1964). Nesta categoria ocorre a aspiração.
Como os índices de VOT sofrem variações influenciadas por
características como idade, velocidade da fala, dentre outras, não
há consenso entre os pesquisadores a respeito dos seus valores
médios para cada consoante. Contudo, alguns estudiosos apresentam algumas classificações. De acordo com a literatura (LISKER,
ABRAMSON, 1964), o fonema /b/ do Alemão Padrão apresenta
média de 16ms, enquadrando-se, portanto, na categoria zero (2ª
categoria da classificação do VOT). Já o fonema /p/, com média de
51ms, fica classificado na categoria positiva (3ª categoria da classificação do VOT), por apresentar aspiração. As outras oclusivas
estudadas, /t,k,d,g/ seguem a mesma lógica, sendo as sonoras /d,
g/ enquadradas na segunda categoria, enquanto as surdas /t,k/
ficam na terceira categoria. A única diferença entre estas oclusivas
é um pequeno aumento no VOT, relativo ao lugar de articulação,
sendo menor para as bilabiais, seguido das dentais/alveolares e
das velares.
O fonema /b/ do PB possui pré-vozeamento antes da explosão da oclusiva, sendo classificado, portanto, na primeira categoria.
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
205
Gragoatá
Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu
Já o /p/, que possui média de 12ms, é enquadrado na segunda
categoria. As outras oclusivas seguem a mesma lógica. De acordo
com Istre (1983), o /t/ do PB tem média de 18ms, enquanto o /k/
apresenta um valor de VOT em torno de 38ms.
Quanto aos padrões de vozeamento das línguas de imigração alemãs, nas quais se inclui o Hunsrückisch, Braun (1996)
relata que a grande maioria
apresenta um período de surdez longo nas oclusivas /p/, /t/
e /k/, interpretadas como aspiradas, e um curto período de
surdez nas oclusivas /b/, /d/ e /g/, concebidas como surdas
não-aspiradas (BRAUN, 1996, p. 30).
Braun apresenta valores de VOT, em milisegundos, de /p,t,k/
do Hunsrückisch europeu falado em Koblenz (/p/= 32, /t/=37,
/k/=67) e no Moselfrk (/p/= 38, /t/=51.5, /k/=68.5) (BRAUN, 1996).
Jessen e Ringen (2002) acrescentam que o VOT negativo, ou seja, o
pré-vozeamento, é bastante raro nas línguas de imigração alemãs.
Em suma, a partir do exposto, podemos verificar que o
PB apresenta padrões de vozeamento negativo e zero (Cf. Fig. 1)
enquanto que o Hunsrückisch possui os padrões zero e positivo.
Tais padrões de vozeamento são, muitas vezes, transferidos de
uma língua para a outra, como veremos a seguir.
1.5 As transferências fonético-fonológica e a grafo-fônico-fonológica
Ocorrida na fala, a transferência fonético-fonológica caracteriza-se pela utilização, durante a produção da L2, dos padrões
já estabelecidos na L1 do aprendiz. Tal processo ocorre devido à
dificuldade de percepção das diferenças acústico-articulatórias
entre as duas línguas (FLEGE, 2002; BEST, TYLER, 2007). Dessa
forma, quanto mais próximos os sons dos dois sistemas linguísticos envolvidos, mais difícil torna-se a percepção das diferenças e,
por conseguinte, a sua produção. Como exemplo, podemos citar
a produção da palavra inglesa <Thank> por falantes iniciantes
brasileiros. Como no inventário fonológico do PB não existe o
fonema /T/, presente na palavra <Thank> [TQNk], os aprendizes
acabam utilizando outro fonema para a realização da palavra. O
fonema acessado na memória é aquele que mais se aproxima da
percepção de cada aprendiz e geralmente resulta da transferência
grafo-fônico-fonológica. Em geral, para a produção desta palavra
na interlíngua de diferentes aprendizes do inglês, são utilizados
os fones [t,s,f].
Casos alofônicos como os da aspiração do inglês das oclusivas /p/, /t/, /k/ constituem ambientes propensos para esse tipo de
transferência. Neste caso, falantes de línguas cujas oclusivas não
são aspiradas, como os do Português, tendem a realizá-las sem
esta característica. Dentro deste patamar enquadra-se o sotaque
do aprendiz que tende a aplicar padrões acústico-articulatórios
de sua L1 na fala da L2.
206
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados
de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português)
Tal aplicação pode vir a resultar, ainda, em uma transferência grafo-fônico-fonológica. Esse tipo de transferência ocorre
quando o bilíngue confere aos grafemas que compõem as palavras
da L2 a mesma ativação fonético-fonológica que tais grafemas
ocasionariam durante a produção oral na L1 (ZIMMER, 2004).
Um exemplo dessa transferência ocorre com frequência com a
palavra inglesa <mother>- [:mÃD«r]. No Português Brasileiro, o
grafema <o> ocorre foneticamente ou como [o] ou como [ ]. Por
essa razão, ao ver escrita a palavra <mother>, o falante brasileiro,
muitas vezes, acaba por pronunciar a palavra como [:mÃD«r], não
realizando a pronúncia padrão da palavra.
A maioria dos estudos sobre transferências L1-L2 analisa
as transferências ocorridas da escrita para a fala (ZIMMER,
SILVEIRA, ALVES, 2009), enquanto as que serão analisadas em
nosso trabalho ocorrem da fala para a escrita. Podemos dizer
que a transferência analisada aqui é motivada pela transferência
fonético-fonológica. Por utilizar os padrões de sua L1 na ativação
de sua L2, o aprendiz irá modificar a sua fala. Mais tarde, tenderá
a refletir, na escrita, a transferência por ele já gerada na fala. Isso
expande o conceito original de transferência grafo-fônico-fonológica, pois abarca a relação entre o processamento do sistema
fonético-fonológico e do sistema de lecto-escrita nos dois sentidos:
da escrita para a fala e da fala para a escrita.
No caso de bilíngues que entraram em contato com a L2
após terem sido alfabetizados na L1, a transferência grafo-fônico-fonológica ocorre da escrita para a fala, por diversas razões.
Contudo, no caso dos bilíngues que entraram em contato com a
L2 desde bem cedo, tendo sido alfabetizados na L2, como é o caso
da maioria dos falantes brasileiros de línguas de imigração como
o Pomerano, o Vêneto, o Hunsrückisch, entre outras, a transferência grafo-fônico-fonológica ocorre da fala (L1) para a escrita.
Diferentemente, então, do exemplo apresentado no início desta
seção, em que a escrita da palavra <mother> influenciava a fala
dessa palavra, nossa pesquisa investiga o quanto uma fala de
imigração, distinta dos padrões estabelecidos pelo PB, poderá
ser percebida na escrita do aprendiz. Aprendizes, portanto, que
falam [:polu] (<bolo>), poderão vir a escrever <POLU>, mostrando,
na língua escrita, traços de sua fala na língua materna.
2 Método
Nossa pesquisa foi dividida em duas fases: a) Coleta de dados escritos e b) Coleta de dados de fala. Participaram do trabalho
alunos da pré-escola à 5ª série do Ensino Fundamental, divididos
em três grupos: “Grupo MR”- monolíngues (PB) que não possuem
contato com falantes bilíngues, moradores da cidade de Rio Grande/RS; “Grupo MP”- monolíngues (PB) que possuem contato com
falantes bilíngues (Hrs-PB), residentes da cidade de Picada Café/
RS; e “Grupo B” - bilíngues (Hrs-PB) da cidade de Picada Café.
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
207
Gragoatá
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2.1 Fase A- Coleta dos dados escritos
A partir de uma adaptação do IAFAC, Instrumento de Avaliação de Fala para Análise Acústica da Criança (BERTI, 2009),
criamos um bingo, a ser utilizado com as crianças dos 3 grupos
de nossa pesquisa. Para os alunos, o objetivo do jogo consistia no
preenchimento de uma cartela por participante, o que para nós
contabilizava 18 palavras escritas por aluno.
Cada cartela do bingo continha 18 figuras de substantivos
iniciados pelos grafemas <p,b,t,d,c,g> (3 de cada). Abaixo de cada
figura havia uma linha, na qual os alunos tinham que escrever o
substantivo referente, logo após o seu sorteio. O bingo foi aplicado
em dois dias distintos para que pudéssemos ter um total de 36
palavras coletadas por aluno. Vejamos, a seguir, parte do design
de uma cartela:
Figura 2: Exemplo de parte da cartela do bingo
As palavras escolhidas para os bingos podem ser verificadas
no Anexo 1. Feitas as coletas dos dados escritos, selecionamos 30
alunos, 10 de cada grupo, para participarem da fase B, isto é, da
coleta dos dados de fala.
2.2 Fase B- Coleta dos dados de fala
2.2.1 Coleta da fala em Português Brasileiro
5
208
Participaram desta etapa 30 alunos, sendo eles 10 de cada
grupo (MR, MP e B). A gravação de áudio foi feita em um computador (laptop), no programa computacional Audacity5, com o
auxílio de um microfone estilo headset.
Optamos por escolher apenas palavras dissilábicas com
estrutura fonética CV-CV que apresentassem, após cada oclusiva,
as vogais /a/, /i/, / / e u/. As palavras selecionadas podem ser
conferidas no Anexo 2. Para tais palavras, escolhemos gravuras
que representavam cada uma das 22 escolhas. Tais figuras foram
apresentadas para os participantes em slides de Power Point. Cada
figura foi apresentada, randomicamente, 4 vezes. Durante a gra-
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados
de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português)
vação, instruíamos os participantes a falar a palavra-alvo dentro
da seguinte frase veículo: “Fale (palavra-alvo) de novo”.
2.2.2 Coleta da fala em Hunsrückisch
Participaram desta etapa apenas os 10 alunos bilíngues.
Como a língua de imigração Hunsrückisch não apresenta uma
escrita oficial, nos apoiamos nas palavras do Alemão Padrão,
iguais ou muito semelhantes na língua Hunsrückisch, para
elaborarmos nosso instrumento. Para a escolha das palavras,
amparamo-nos não na grafia das palavras do Alemão Padrão, e
sim em como estas palavras eram produzidas foneticamente na
língua de imigração Hunsrückisch. As palavras escolhidas podem
ser conferidas no Anexo 3.
Os participantes foram instruídos a falar a palavra-alvo
dentro da seguinte frase veículo: “[s ‘palavra-alvo’kanns Se:n]” (Cf. Alemão Padrão: “Sag (palavra-alvo) ganz schön”, isto é, “Fale
(palavra-alvo) bem bonito”).
3 Análise dos resultados
3.1 Análise dos dados escritos
Apesar de não incluirmos o grupo MP,
em várias de nossas hipóteses, pelo fato de não
termos uma ideia mais
concreta sobre o que iria
ocorrer com este grupo,
o incluímos em nossa
análise, juntamente com
os outros dois grupos,
para que pudéssemos
verificar como tal grupo
se comporta frente aos
testes propostos.
6
A análise dos dados escritos foi dividida em duas etapas: a)
Análise Geral e b) Análise Parcial. Para a análise geral, contabilizamos os resultados de todos os 183 participantes da pesquisa.
Já para a análise parcial, contamos apenas com o resultado de 30
dos 183 participantes analisados anteriormente, sendo 10 de cada
um dos grupos do estudo.
Para cada um dos três objetivos específicos de nosso estudo, criamos uma hipótese para ser testada em nossa análise.
Apresentamos as hipóteses a seguir, juntamente com as análises
referentes às mesmas. Como primeira hipótese (referente ao objetivo 1), acreditávamos que os alunos bilíngues fariam um número significativamente maior de trocas dos grafemas <p,b>, <t,d> e <c, g> do que
os alunos monolíngues de Rio Grande6.
Vejamos os resultados:
Como podemos verificar na Tab. 1 (análise geral), os grupos
apresentaram médias de 0,37 (MR), 0,87 (MP) e 2,42 (B) trocas por
participante. Podemos verificar que houve diferença significativa
entre o número de trocas (assinaladas em negrito) feitas pelos
grupos MR e B (p=<0,0001) e entre os grupos MP e B (p= 0,0442).
Através dos valores de p, podemos perceber que os grupos MR
e B são mais distintos do que os grupos MP e B, provavelmente
em razão do não contato do grupo MR com a língua de imigração
Hunsrückisch.
Tabela 1: Resultado do número de trocas- 1ª hipótese
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
209
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*
*
Análise
geral
(183 alunos)
MR
média (dp)
MP
média (dp)
B
média (dp)
Valor de p
Número de trocas7
0,37 (0,98)
0,87(1,74)
2,42(4,25)
0,0001*
Análise
parcial
(30 alunos)
MR
média (dp)
MP
média (dp)
B
média (dp)
Valor de p
Número de trocas
0,70 (0,82)
1,80 (2,49)
3,10 (5,30)
0,6547*ns
Estatística do teste Kruskal-Wallis apontou diferença significativa no nível de 5%.
ns- Estatística do teste Kruskal-Wallis não apontou diferença significativa no nível de 5%.
Como podemos verificar na Tab. 1 (análise parcial), os grupos apresentaram médias de 0,70 (MR), 1,80 (MP) e 3,10 (MR).
Como conseguimos observar, ainda há diferença entre os grupos
participantes.
A partir do apresentado, podemos dizer que nossa primeira hipótese foi confirmada totalmente, na análise geral, por
apresentar diferenças significativas no número de trocas entre os
alunos do grupo MR e do grupo B e, em parte, na análise parcial,
por não apresentar diferenças significativas, provavelmente pela
diminuição do número de participantes.
3.2 Análise dos dados de fala
A seguir, apresentamos a análise das gravações de áudio.
Para tais análises, foi utilizado o programa computacional Praat
(BOERSMA, WEENINK, 2008 - versão 5.0.3.28). Esta fase foi dividida em duas etapas: 1ª) Análise da fala em Português Brasileiro
e 2ª) Análise da fala em Hunsrückisch.
3.2.1 Análise da fala em Português Brasileiro
O teste não paramétrico de Kruskal-Wallis,
aplicado aqui, quando
significativo, indica que
há pelo menos um par
de grupos que difere
significativamente. Para
que pudéssemos descobrir qual (is) grupo(s)
apresentavam diferença
significativa, aplicamos
também, em todos os
testes com três grupos,
o teste não paramétrico
de Wilcoxon, entre cada
um dos grupos.
8
Disponível em: http://
www.praat.org.
7
210
Participaram desta etapa os 30 alunos selecionados para
a análise parcial realizada com os dados de escrita, sendo 10 de
cada grupo.
Nossa segunda hipótese (referente ao objetivo 2) era de
que os alunos monolíngues de Rio Grande apresentariam VOTs
significativamente menores nos segmentos [p], [t] e [k] e valores de
pré-vozeamento significativamente maiores nos segmentos [b], [d]
e [g] do que os alunos bilíngues. Vejamos os resultados obtidos:
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados
de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português)
Tabela 2: Médias dos VOTs do PB dos três grupos participantes –
2ª hipótese
Grupos
MR
MP
B
tokens
Média
(dp)
Tokens
Média
(dp)
tokens
Média
(dp)
Valor p
[p]
128
22,88
(4,89)
124
28,14
(13,53)
120
23,55
(5,21)
0,6078ns
[t]
120
20,16
(3,78)
120
22,22
(8,00)
120
21,35
(1,84)
0,2804ns
[k]
144
63,90
(11,42)
140
52,43
(10,07)
132
49,66
(12,08)
0,0273*
[b]
136
-112,34
(16,40)
132
-99,08
(27,73)
136
-104,10
(19,79)
0,3594ns
[d]
100
-106,96
(20,78)
104
-95,58
(22,01)
96
-90,35
(17,04)
0,2325ns
[g]
124
-84,15
(18,63)
132
-75,50
(17,19)
124
-79,05
(19,27)
0,3884ns
Conforme podemos verificar na Tab. 2, as médias do
segmento [p] foram bastante altas em todos os grupos, quando
comparadas com a média de 12ms apresentada pela literatura
(ISTRE, 1983). Apesar de não aparecerem diferenças significativas,
a média do grupo B ainda é um pouco superior à do grupo MR.
O grupo MP, por sua vez, teve um resultado bem mais elevado.
Tal diferença pode ter sido ocasionada por alguns valores bem
diferentes produzidos por parte dos alunos em algumas de suas
produções, o que gerou um desvio-padrão bem alto.
As médias do segmento [t], nos três grupos, foram um pouco
mais elevadas do que o valor 18ms sugerido pela literatura (ISTRE,
1983). Novamente, sem diferença significativa, o grupo MR foi o
que apresentou o menor valor, seguido do B e do MP.
Quanto ao segmento [k], ficamos bastante surpresos com
os resultados encontrados, sendo eles em torno de 54ms. Este
foi o único segmento que apresentou diferença significativa, em
razão do valor elevado apresentado no grupo MR. As diferenças
significativas ocorreram entre os grupos MR e MP (p=0,0284) e
entre os grupos MR e B (p=0,0156). É bastante acentuado o índice
de aspiração realizado neste segmento pelos alunos monolíngues de Rio Grande, o que sugere que, por alguma razão ainda
não descoberta, um maior valor de VOT referente ao segmento
[k] pode ser considerado comum nos falantes da cidade de Rio
Grande. Por sua vez, os valores altos em ambos os grupos de Picada Café eram esperados, devido à influência do bilinguismo.
No entanto, mais uma vez, o grupo MP apresentou médias um
pouco maiores do que o grupo B, o que não esperávamos.
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
211
Gragoatá
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Conforme o apresentado, portanto, nos segmentos [p] e [t],
o ordenamento dos valores de VOT foi o seguinte: MR (menor),
B, MP (maior). Já no segmento [k], tivemos a seguinte ordem: B
(menor), MP, MR (maior).
No que diz respeito aos valores referentes às oclusivas que
apresentam pré-vozeamento, acreditávamos que as crianças bilíngues teriam valores menores de pré-vozeamento, pelo fato de
a língua de imigração Hunsrückisch não apresentar o padrão
de VOT negativo, o que poderia ser transferido para o PB.
Conforme podemos verificar na Tab. 2, no segmento [b],
as crianças monolíngues de Picada Café (MP) tiveram o menor
valor de pré-vozeamento, seguidas das crianças do grupo B e,
após isso, do grupo MR. Já no segmento [d], finalmente, ocorreu
o que esperávamos, isto é, as crianças do grupo B com o menor
valor de pré-vozeamento e as do grupo MR com o maior valor.
As crianças do grupo MP apresentaram valor intermediário de
pré-vozeamento. A diferença encontrada, entretanto, não foi novamente significativa.
No segmento [g], o ordenamento seguiu como no segmento
[b], sendo o grupo MP o que apresentou o menor valor de pré-vozeamento, seguido do grupo B e, posteriormente, do grupo MR.
Apesar de os resultados, tanto dos segmentos surdos como
dos segmentos sonoros, não seguirem plenamente o ordenamento
por nós hipotetizado em 5 dos 6 segmentos, verificamos que pelo
menos os índices apresentados tiveram a seguinte lógica, em 4 dos
6 segmentos: quanto maiores os valores de VOT dos segmentos
surdos, menores os valores de pré-vozeamento da contraparte
sonora (ex: [p]- ordem: MP (maior VOT), B, MR/ [b]- ordem: MR
(maior pré-vozeamento), B, MP).
A partir das considerações feitas, podemos dizer que a segunda hipótese foi parcialmente confirmada. Nos resultados dos
segmentos oclusivos surdos, ela foi confirmada em 2 dos 6 valores: MR (menor - nos segmentos [p] e [t]). Quanto aos segmentos
sonoros, nossa hipótese foi confirmada em 4 dos 6 resultados: B
(menor - no segmento [d]), MR (maior - nos segmentos [b], [d] e
[g]). Passamos, a seguir, para a análise da segunda etapa.
3.3 Análise da fala em Hunsrückisch
Participaram desta etapa os mesmos 10 alunos bilíngues
que atuaram na coleta da fala em PB.
Através do apresentado pela literatura (ALTENHOFEN,
1996; WIESEMANN, 2008) e de nosso conhecimento sobre a língua
de imigração Hunsrückisch, nossa terceira hipótese (referente ao
objetivo 3) era de que, em posição inicial de palavra, encontraría­
mos somente padrões de VOT zero e VOT positivo na língua
de imigração estudada. Na Tabela 3 encontram-se os resultados
referentes aos VOTs obtidos para cada segmento.
212
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados
de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português)
Tabela 3: Médias dos VOTs do Hunsrückisch- 3ª hipótese
Em posição medial
foram encontradas também oclusivas sonoras
e com ensurdecimento
pa rcia l, como apontado por Alten hofen
(1996). Para maiores informações consultar:
GEW EHR-BOR ELLA
(2010).
9
Tokens
Valores em ms
[pH]
120
87,18
[tH]
160
81,79
[kH]
160
91,19
[p]
152
27,36
[t]
160
23,91
[k]
160
40,85
Constatamos, através da análise acústica, algo bastante
interessante. As palavras do Alemão Padrão (AP), iniciadas
em suas escritas por grafemas que representavam oclusivas
sonoras, realizaram-se no Hunsrückisch sem pré-vozeamento
e sem aspiração, ou com uma aspiração menor do que o valor
produzido pelo seu respectivo par mínimo. Vejamos o exemplo
da realização de algumas palavras por um dos participantes.
Os segmentos iniciais das palavras do alemão padrão “bitter”
(amargo), “Dienstag” (terça-feira) e “giftig” (venenoso) tiveram
os respectivos valores de VOT: [p] (18,75ms), [t] (23ms) e [k]
(47,5ms). Por sua vez, as palavras iniciadas na grafia do Alemão
Padrão por grafemas representando oclusivas surdas foram
produzidas no Hunsrückisch com aspiração. Nosso participante
realizou, para os segmentos iniciais das palavras do Alemão
Padrão “picken” (picar), “Tiger” (tigre) e “Kissen” (travesseiro),
os respectivos valores de VOT: [pH] (94ms), [tH] (81,5ms), [kH]
(104ms).
Temos que apontar ainda a existência de pares mínimos
na língua de imigração Hunsrückisch de palavras iniciadas com
VOT zero e VOT positivo (ex: [‘pa.g«] (“Backen” do AP)- “assar”
e [‘pHa.g«] (‘Packen’ do AP)- ‘empacotar’), o que demonstra um
caráter distintivo.
Ao final do trabalho de análise acústica de mais de 950
tokens, relativos às 24 palavras escolhidas, conseguimos confirmar nossa terceira hipótese, encontrando, portanto, apenas
oclusivas surdas com e sem aspiração (sem pré-vozeamento),
em início de palavra na língua de imigração Hunsrückisch9.
Através das análises realizadas, constatamos padrões de
VOT negativo ([b8]/[b], [d8]/[d], [g¡]/[g]), zero ([p],[t],[k]) e positivo ([pH],[tH],[kH]) na língua de imigração Hunsrückisch. Ao
pensarmos nas propostas anteriormente feitas por Wiesemann
(2008) e Altenhofen (1996), acerca do inventário fonológico da
língua de imigração, poderíamos dizer que a mais condizente
com a análise por nós realizada é a de Altenhofen. Wiesemann
(2008) simplesmente descarta a possibilidade de pré-vozeamento,
enquanto Altenhofen (1996) inclui em seu inventário as oclusivas
Halbfortes, sendo consideradas em parte surdas e em parte sonoras. Julgamos necessário, ainda, um estudo mais aprofundado,
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
213
Gragoatá
Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu
com mais sujeitos, envolvendo a análise acústica das oclusivas
dos Hunsrückisch em todas as posições.
3.4 Análise das duas fases da pesquisa: dados escritos e dados de fala
Apresentamos, na Tab. 4, um resumo que mostra o número
de trocas e o número de VOTs distintos realizados por cada um dos
30 participantes selecionados para as duas fases de nossa pesquisa.
Tabela 4: Resumo das duas fases
MR13
Trocas
na
escrita
*
MR18
*
Partic.
VOT
distinto
Partic.
1
MP14
Trocas
na
escrita
2
*
MP15
3
VOT
distinto
Partic.
5
B36
Trocas
na
escrita
2
5
B48
*
VOT
distinto
5
*
MR19
*
*
MP17
1
3
B50
*
*
MR21
2
15
MP18
3
11
B61
*
*
MR38
*
*
MP32
1
*
B64
1
13
MR40
2
*
MP33
8
18
B71
2
5
MR46
1
3
MP51
*
*
B72
14
25
MR47
1
*
MP56
*
2
B88
12
9
MR50
1
21
MP77
*
*
B91
*
*
MR51
*
*
MP83
*
*
B96
*
*
Total
7
40
Total
18
44
Total
31
57
Como podemos visualizar na Tab. 4, os participantes MP33
e B72 obtiveram, em seus grupos, o maior número de trocas na
escrita, assim como o maior número de padrões distintos de fala
(sinalizados em negrito). Vários outros participantes também
apresentaram uma correlação positiva entre as duas fases da
pesquisa, o que nos leva a crer que existe uma correlação positiva
entre os dados de escrita e de fala.
4 Conclusão
Pudemos observar, no decorrer do trabalho, os dois tipos
de transferências citadas em nosso referencial teórico, sendo
elas: 1º) As transferências grafo-fônico-fonológicas (ZIMMER,
2004); e 2º) As transferências fonético-fonológicas (FLEGE, 2002;
BEST, TYLER, 2007). As transferências grafo-fônico-fonológicas,
encontradas em várias de nossas análises, ocorreram da fala para
a escrita. Através das comparações dos dados escritos e das produções orais, pudemos constatá-las, como, por exemplo, na fala
de [Èp .tSi] para a palavra “bote” e na escrita da palavra <pola>
para a palavra “bola”. As transferências fonético-fonológicas,
por sua vez, ligadas a uma dinamicidade entre o fone físico e o
fonema (ALBANO, 2001, 2007), e geradas devido à dificuldade de
percepção das diferenças acústico-articulatórias entre a L1 e a L2,
puderam ser observadas em parte dos dados de fala. Pelo fato de
não perceberem alguns fones da forma considerada padrão, os
214
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados
de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português)
aprendizes acabaram transferindo os padrões distintos de VOT
percebidos para suas falas. Tal modificação de padrões gestuais
ocorre com frequência com indivíduos que convivem em ambientes bilíngues e multilíngues, em razão de estes participantes
estarem em contato com padrões acústico-articulatórios diversos,
o que faz com que os padrões criados dentro de um sistema se modifiquem constantemente. Com este exemplo, podemos verificar
que a aquisição da linguagem emerge através de uma interação
dinâmica, dentro de um contexto social (BEST, TYLER, 2007).
Em suma, puderam ser observadas em nossos dados, “regularidades sutis, encobertas, ou insuspeitas, do conhecimento
fônico” (ALBANO, 2007, p. 149). Amparados em uma visão dinâmica da fala, pudemos encontrar, a partir do trabalho de análise
realizado, manobras acústicas gradientes em todas as oclusivas
analisadas. É importante que mais estudos sobre a gradiência da
produção de fala e sua relação com trocas grafêmicas na escrita
sejam feitos, principalmente com métodos que permitam a observação dessas sutilezas da fala e da escrita bilíngue.
Abstract
In this article we report the results of a
study on the relationship between the
change of graphemes representing voiced
plosive phonemes by graphemes representing voiceless phonemes (and vice versa),
and the VOT patterns of monolingual
(Portuguese) and bilingual (Hunsrückisch-Portuguese) students. Students from
three different groups participated in this
study: monolinguals without contact with
bilinguals (MR), monolinguals who are in
contact with bilinguals (MP) and bilinguals (B). Were analyzed in the research,
firstly, the number of writing changes
of the graphemes <p,b>, <t,d> e <c,g>
by 183 students from the three groups.
Secondly, were analyzed the written data
of 30 students (10 from each group) from
the 183 participants analyzed previously.
In relation to the VOTs, were analyzed,
firstly, the speech patterns in Portuguese
by the 30 participants. After that, were
measured the Hunsrückisch VOTs by the
30 bilingual students. With regard to the
results obtained, we found more graphemic changes in students from group B,
followed by the students from group MP
and then from MR. Concerning the VOT
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
215
Gragoatá
Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu
patterns, in the voiceless segments the
MR group exhibited a shorter VOT than
the bilingual group, whereas in the voiced
segments the MR group exhibited a longer pre-voicing value than the bilingual
group. We found in the results gradient
values in the phonetic-phonological transfers analyzed. We therefore conclude that
some of our participants show a positive
correlation rate between the grapheme
and speech production changes, which
suggests a possible relation between the
processes of writing and oral production.
Keywords: bilingualism; grapho-phonic-phonological transfer; phonetic-phonological transfer
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Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados
de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português)
Anexos
<p>
<b>
<t>
<d>
<c>
<g>
pato
bola
trenó
diamante
campainha
garrafa
porta
bandeja
tema
data
Casa
galinha
pasta
banco
tamanduá
detergente
caderno
goteira
ponteiro
barco
telha
dançarina
Caroço
gola
palito
batedeira
tomate
desenho
Carro
gato
pomada
bermuda
terra
dedo
Cotonete
gorila
Anexo 1: Palavras utilizadas nos bingos
/p/
/b/
/t/
/d/
/k/
/g/
/a/
pala
bala
tata
Data
Calo
galo
/I/
pico
bico
*
*
Quilo
guizo
/u/
puma
burro
tubo
Duna
Cubo
guri
//
pote
bote
toca
Doca
Cola
gola
10
Anexo 2 : Palavras utilizadas no teste de produção oral.
Vogais-alvo
Oclusiva /p/ do
AP
Fonética do Hrs.
Oclusiva /b/ do
AP
Fonética do Hrs.
Oclusiva
/t/ do AP
/a/
Papa (pai)
[‘pa]
backen (assar)
[‘pa]
Tante (tia)
Fonética do Hrs.
Oclusiva /d/ do
AP
[‘tHan]
deutsch(alemão)
Fonética do Hrs.
[‘taitS]
Oclusiva /k/ do
AP
Kaffee(café)
Fonética do Hrs.
Oclusiva /g/ do AP
Fonética do Hrs.
//
Pater (padre)
[‘pH :]
baden
(tomar banho)
/u/
/i/
Puder (pó)
picken (picar)
[‘pHu:]
[‘pHi]
bitter (amargo)
Butter (manteiga)
[‘p ]
[‘pu]
[‘pi]
Torte (torta)
tunken (molhar o
biscoito)
Tiger (tigre)
[‘tH ]
[‘tHun]
Dutzend(dúzia)
[‘tHi:]
Dienstag
(terça-feira)
[‘tu]
[‘tinS]
Kuchen(cuca)
Kissen
(travesseiro)
Darm(intestino)
[‘t ]
kurzchen(curtinho)
[‘kHa]
[‘kH ts]
[‘kHu:]
[‘kHi]
Gabel (garfo)
Garten
(horta /jardim)
Gurken(pepinos)
giftig(venenoso)
[‘ka]
[‘k :]
[‘kum]
[‘kif]
Anexo 3: Palavras escolhidas do Hunsrückisch a partir do Alemão Padrão.
Não utilizamos palavras com as oclusivas
/t/ e /d/ seguidas da
vogal /i/ em razão da
palatalização ocorrida.
10
Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011
219
Junção e(m) aquisição:
aspectos morfossintáticos e cognitivos
Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi (UNESP1)
Recebido 16, jan. 2011 / Aprovado 7, mar. 2011
Resumo
Neste trabalho, investigo possíveis correlações
entre tendências subjacentes aos usos dos mecanismos de junção em textos de sujeitos em fase de
aquisição de escrita e tendências sobre desenvolvimento de juntores na história da língua. Trata-se,
de certa maneira, de trazer novas luzes acerca do
paralelo entre ontogenia e filogenia, nos moldes de
Kortmann (1997), que sustenta, para a aquisição
de esquemas de junção e para a mudança dos juntores ao longo do tempo, direções que sinalizam
uma complexidade crescente, verificável tanto de
um ponto de vista morfossintático, como de um
ponto de vista semântico-cognitivo.
Palavras-chave: aquisição; junção; cognição;
história
1
UNESP, Instituto de
Biociências, Let ras e
Ciências Exatas, Departamento de Estudos Linguísticos e Literários,
São José do Rio Preto/
SP, 15.054-000. Endereço
eletrônico: thomazi@
ibilce.unesp.br
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
Gragoatá
Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi
Introdução
2
Este trabalho é parte do
resultado da pesquisa
de pós-doutoramento
que realizei na Universidade de Tübi ngen,
sob orientação do Prof.
Dr. Johannes Kabatek
(CNPq: 302670/2008-4/
Fapesp: 09/53614-0).
3
Nos moldes de Coseriu,
o sistema compreende
um conjunto de possibilidades técnicas do falar,
em que somente parte
é realizada. A norma,
por sua vez, restringe
as possibilidades do
sistema. Compreende
a escolha usual entre as
opções oferecidas pelo
sistema.
222
Neste trabalho, investigo aspectos morfossintáticos e
cognitivos da junção em uma amostra longitudinal de textos
produzidos por duas crianças, nos primeiros anos de aquisição
de escrita institucionalizada. Para isso, lanço mão de um modelo
de junção de orientação funcionalista (HALLIDAY, 1985), que
contempla as opções de arquitetura sintática pareadas com as
relações semânticas, aliado a pressupostos da mudança linguística por gramaticalização. A questão central é verificar em que
medida tendências filogenéticas, que apontam para o aumento
de informação gramatical e de complexidade cognitiva, ajudam
a explicar os fatos de aquisição (KORTMANN, 1997).
Não se trata de insistir nas teses já tão debatidas que consistem em atribuir simplicidade à parataxe e complexidade à
hipotaxe, e em sustentar que entre elas haveria uma passagem
progressiva, da composição menos para a mais complexa, recuperável na filogênese e na ontogênese. Dessas teses derivam
generalizações de que a parataxe é a sintaxe da língua falada,
da língua das crianças e dos aprendizes, e também das línguas
históricas em suas fases pretéritas. À maneira de La Fauci (2007),
entendo que a fragilidade dessas afirmações e que o contraste que
elas alimentam entre parataxe e hipotaxe se devem, em grande
parte, à desconsideração das tradições discursivas (KABATEK,
2006) e à correlação equivocada que se estabelece entre simplicidade e oralidade.
O que proponho é verificar por quais mecanismos de junção
os sentidos são codificados nos textos infantis ao longo do período
inicial de alfabetização e investigar um possível paralelo entre
ontogenia e filogenia, sem perder de vista o contínuo processo de
aquisição de novas tradições discursivas2 (TDs, daqui em diante),
já que tudo o que se enuncia, seja na modalidade falada ou escrita, se enuncia dentro de uma TD, de um gênero ou de um modo
de dizer sócio-historicamente convencionalizado (KABATEK,
2006). Desse ponto de vista, as afirmações sobre os esquemas de
junção empregados pelas crianças só podem ser legitimadas com
a consideração das TDs.
Aproximando-me da concepção de linguagem e do modelo
de produção verbal proposto na obra de Coseriu, e refinado nos
trabalhos de Koch (1997) e de Oesterreicher (1997), assumo que,
para a produção de enunciados escritos, a criança lida simultaneamente com dois conjuntos de regras, as regras idiomáticas,
que estão no domínio da língua histórica particular (sistema e
norma3), e as regras discursivas, que estão no domínio das TDs
(que englobam atos de fala, gêneros, tipos textuais, estilos, formas
literárias), que se referem mais propriamente aos modos de dizer
tradicionais que regulam a produção e a recepção dos discursos.
Dessa perspectiva, os enunciados dos textos infantis podem ser
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos
tomados como registro do grau de envolvimento da criança tanto
com as regras do sistema como com as da tradição.
1. Pressupostos e expectativas
Com base em Kabatek (2006), parto do pressuposto de
que as TDs condicionam o uso de determinadas construções
linguísticas e também, na direção inversa, que a combinação de
certas construções constitui traço caracterizador de TDs. Kabatek
lança mão de uma metodologia estatística para identificação de
diferentes tradições e, inspirado na proposta multidimensional
de Biber (1988), que analisa traços linguísticos e situacionais para
disposição dos gêneros em um contínuo, sugere uma redução
dos parâmetros de análise e elege a junção para a distinção entre
TDs, numa abordagem que conjuga tipos de juntores, frequência
relativa e grau de complexidade. Para Kabatek, a junção é, por
excelência, o fenômeno que permite a apreensão da(s) TD(s) em
que um texto se insere.
Pressuponho também que a aquisição de TDs seja proces­
sual, como argumenta Oesterreicher (1997), que prevê para a aquisição etapas de identificação, habituação e legitimação. Segundo
ele, a conformação às regras nunca se dá de modo mecânico, mas
há sempre uma inserção gradual que passa por um ‘núcleo duro’,
que tem propriedades bastante fixadas, e por núcleos variáveis,
que se referem à face composicional das tradições. Como fiz em
trabalhos anteriores, proponho abordar o princípio da composicionalidade das TDs no âmbito específico da junção, quando
entram em jogo as escolhas que a criança faz sobre como juntar.
Essas escolhas são sempre perpassadas por alguma percepção
da criança acerca do que é fixo e do que é lacunar na tradição, e
refletem um pouco do modo cambiante como a criança se insere
nas regras idiomáticas e discursivas, para a construção de uma
escrita.
Pressuponho ainda que antes da inserção nas práticas formais de letramento a criança já circula por TDs típicas da oralidade, e essa oralidade é sempre atravessada, em maior ou menor
grau, por letramentos, a depender de sua vivência. Assim, quando
chega à escola, a criança tem um grau de letramento. A concepção de letramento que sustento excede o contexto educacional e
equivale a um processo mais amplo de natureza sócio-histórica
relacionado às práticas de leitura e de escrita. A alfabetização é,
portanto, apenas um tipo de letramento. Essa visão se compatibiliza com aquela de Street (2006), no âmbito da antropologia, em
que as práticas de letramento são modos variados e complexos
de representar os significados de ler e escrever, em diferentes
contextos sociais, em meio a relações de poder e ideologia. São,
para o autor, práticas constitutivas da identidade dos indivíduos,
associadas a papeis sociais assumidos ou recusados.
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
223
Gragoatá
Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi
No contexto desses pressupostos, defendo que o estudo
de fenômenos de aquisição deve necessariamente contemplar a
inserção dos enunciados em TDs, e buscar um entendimento de
que são indissociáveis as relações entre oral/letrado, enquanto
práticas sociais, e entre falado/escrito, enquanto práticas linguísticas e sociais. Portanto, neste trabalho, minhas expectativas são
as de: (i) que a escolha da forma de junção nos textos infantis é,
pelo menos em parte, regida pela TD; (ii) que na escrita inicial
infantil tradição letrada e tradição oral apareçam mescladas,
constituindo-se mutuamente; e, (iii) que evidências dessa constituição heterogênea possam ser recuperadas na morfossintaxe do
material escrito, especificamente quando se observa os esquemas
de junção.
2. Junção: aspectos morfossintáticos e cognitivos
Para análise da junção, adoto um modelo funcionalista
de “modificação” de orações (HALLIDAY, 1985; MARTIN et. al.,
1997), que pressupõe a não-discretude dos processos de junção e
o cruzamento entre informações sintáticas e semânticas. Nessa
proposta, os juntores são analisados a partir do encontro entre
duas dimensões: (i) o sistema de taxe, que diz respeito às relações
de interdependência entre as orações; e, (ii) o sistema semântico,
que diz respeito às relações de sentido. As opções do sistema de
taxe são parataxe e hipotaxe, cuja distinção repousa, em princípio,
no estatuto gramatical das orações envolvidas: se as orações são
de mesmo estatuto, a construção é paratática; mas se os estatutos
são desiguais, uma oração é modificadora e a outra nuclear, a
construção é hipotática. Esse modelo tem a vantagem de dar conta
do fato de que qualquer relação semântica pode se resolver em
diferentes ambientes sintáticos, com arranjos que são tipicamente
paratáticos, hipotáticos ou que estão na fronteira indecisa entre
parataxe e hipotaxe, o que coloca em questão aspectos da abordagem tradicional em termos de coordenação e subordinação.
As relações semânticas são diversas e, em razão da predisposição derivacional existente entre elas, é possível ordená-las em
função de maior ou menor complexidade, conforme proposto por
Kortmann (1997), em estudo tipológico sobre gramaticalização
de juntores adverbiais em línguas européias. Kortmann (1997)
estabelece quatro macro-sistemas semântico-cognitivos, dentro
dos quais se desdobram conjuntos de relações com elos de parentesco, que ajudam a explicar padrões de polissemia. São elas:
tempo, modo, lugar e CCCC (causa, condição, concessão, contraste).
Segundo ele, do ponto de vista histórico, a mudança semântica é
fortemente direcional, pois os caminhos são condicionados pelas
relações polissêmicas entre os sistemas semânticos, com vistas ao
aumento de complexidade, capturado pelo Esquema 1, que mostra
afinidades maiores e menores entre as relações semânticas: todas
as relações podem dar lugar a CCCC, mas não vice-versa; lugar
e modo não têm afinidades semânticas e alimentam os demais
224
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Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos
sistemas; tempo é o canal de derivação mais importante para as
relações CCCC.
LUGAR
CCCC
TEMPO
MODO
Esquema 1: Macroestrutura do universo semântico
das relações racionais (Kortmann, 1997)
Nessa perspectiva, Kortmann (1997) propõe estender da
filogênese para a ontogênese a investigação das tendências em
mudança semântica envolvendo juntores, particularmente o
desenvolvimento das relações de CCCC na linguagem infantil.
Com base nos resultados de Reilly (1986), Bloom et al. (1980)
e Bowerman (1986), Kortmann sustenta que, assim como na
filogênese as direções na mudança semântica sinalizam uma
complexidade cognitiva crescente, na ontogênese a ordem preferencial de aquisição dos esquemas de junção também segue um
gradiente cognitivo similar, com relações de derivação em que
os sentidos mais básicos alimentam os sentidos mais complexos:
“os significados aprendidos posteriormente (CCCC) incorporam
todos os significados antes aprendidos” (BOWERMAN, 1986, apud
KORTMANN, 1997).
Ainda quanto à cognição, a complexidade pode ser avaliada
à luz de uma ambiguidade que decorre da inserção dos juntores
em domínios de interpretação. Sweetser (1991) reúne evidências
de que um mesmo juntor pode estabelecer valores diversos, entre
fatos do mundo sociofísico, entre etapas de um raciocínio lógico
e entre momentos de uma argumentação. A autora defende que
há um trânsito unidirecional entre esses domínios e que esse
trânsito dá sustentação a uma importante tendência filogenética,
segundo a qual os significados abstratos derivam dos concretos
e, portanto, são historicamente mais tardios.
3. O estatuto dos dados de escrita
Vários trabalhos já destacaram a relevância de dados procedentes do processo de aquisição de escrita, argumentando em
favor do potencial desses dados para o fornecimento de pistas:
para a formulação de hipóteses explicativas sobre características da linguagem oral, na medida em que a criança, ao elaborar
hipóteses sobre a escrita, estará procurando representar uma
linguagem que até então vinha utilizando exclusivamente de
forma oral, em contextos que favorecem a manifestação de
estruturas típicas da oralidade (ABAURRE, 1990).
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
225
Gragoatá
Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi
Nesta pesquisa, a decisão pelo corpus de enunciação escrita
para explicação de fatos ontogenéticos encontra respaldo também no estatuto teórico que atribuo à relação fala/escrita. Minha
perspectiva descarta a separação discreta entre fala e escrita e se
aproxima, em parte, das propostas que abordam as diferenças
entre essas modalidades em termos de contínuo tipológico, tal
como defendido por Marcuschi (2001) e por Koch e Oesterreicher
(1994, 2007). Segundo Marcuschi, os fenômenos de fala e escrita
devem ser examinados enquanto fatos linguísticos vinculados a
saberes sociais, o que permite pensar em um contínuo de gêneros
discursivos com mais características de fala ou de escrita. Koch
e Oesterreicher também recusam postulações dicotômicas e sustentam uma distinção escalar, de fronteiras pouco claras, entre o
falado e o escrito. Para eles, essas noções são solidárias e devem ser
avaliadas a partir de dois parâmetros: o canal de realização (fônico e gráfico) e a cognição, que torna mais claro o entrelaçamento
entre o falado e o escrito. As atividades sociais pela linguagem,
afirmam Koch e Oesterreicher, circulam por diferentes tipos de
texto, numa escala cognitiva fundada na fala e na escrita ou, mais
propriamente, numa oralidade e numa escrita concepcionais.
Rejeito explicações fundadas em possíveis relações de interferência da fala na escrita e assumo que, no processo inicial de
inserção na escrita convencional, a criança já traz na “memória
comunicativa” (OESTERREICHER, 1997) esquemas textuais,
adquiridos em práticas sociais orais e letradas até então experimentadas. Por isso, a expectativa é a de que os textos das crianças
registrem a convivência entre diferentes fontes de saber, provenientes de práticas sociais orais e letradas. É essa convivência que
está subjacente à concepção de escrita heterogênea, desenvolvida
em Corrêa (2004), em que fala e escrita são modalidades de enunciação relacionadas à circulação dos sujeitos pelas práticas sociais,
havendo entre elas uma indissociabilidade que licencia a apreensão de características de enunciados falados no produto escrito.
4. As questões
(i) Se os esquemas de junção de um texto, com suas possibilidades de realização quanto à arquitetura sintática e relações
semânticas, em termos quantitativos e qualitativos, constituem um fenômeno privilegiado para a apreensão da TD na
qual o texto se insere, em que medida as formas de junção,
nos textos infantis, são reveladoras do processo gradual de
aquisição de regras idiomáticas e discursivas?
(ii) Se diacronicamente nas línguas as relações em nível epistêmico, próximas à experiência mental, derivam das relações
objetivas entre fatos do mundo, próximos à experiência sociofísica, e se as construções que refletem representações de
experiências do mundo são mais facilmente assimiladas do
226
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos
que construções que refletem etapas do raciocínio, até que
ponto os dados de aquisição de escrita são reveladores de
tendências que direcionam a uma complexidade crescente
na morfossintaxe e na cognição?
5. Material e Métodos
Utilizo parte de um banco de dados4 que reúne produções
textuais de alunos de duas escolas públicas de São José do Rio Preto/SP, localizadas em bairros de periferia. As coletas foram feitas
quase que quinzenalmente, nas aulas de língua portuguesa, ao
longo dos anos de 2001 a 2004, a partir da aplicação de propostas
que visavam obter textos de tradições discursivas diversas. Assim,
os mesmos alunos foram acompanhados durante as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Para a pesquisa, selecionei
as produções textuais de dois sujeitos, denominados E1 e E2, com
base nos critérios: (i) maior frequência na realização das propostas; e, (ii) condições iniciais de escrita próximas às convenções.
Portanto, o corpus é constituído de 102 textos:
Sujeitos
2001
2002
2003
2004
TOTAL
E1:
PHP
14
15
11
13
53
E2:
AGS
11
14
11
13
49
O banco de dados sobre aquisição de escrita
infantil foi constituído para subsidiar as
pesquisas do Grupo de
Pesquisa Estudos sobre a
linguagem (GPEL/CNPq
processo 400183/20099), coorden ado p elo
Prof. Dr. Lourenço Chacon. As propostas de
produção textual foram
elaboradoras e aplicadas
pela pesquisadora Cristiane C. Capristano, enquanto pós-graduanda
do IBILCE/UNESP.
4
Quadro 1: Número de textos produzidos pelos sujeitos
nos 4 anos do Ensino Fundamental
Quanto ao método, conjugo as abordagens quantitativa e
qualitativa e percorro duas etapas principais: (i) mapeamento
dos esquemas de junção dos textos, com a caracterização qualitativa dos juntores baseada no cruzamento entre os parâmetros
sintático e semântico já esboçados; e, (ii) submissão dos dados ao
programa estatístico TraDisc, para obtenção das frequências e dos
juntogramas que subsidiam as análises. O TraDisc é um programa
computacional para anotação de corpora em formato XML, desenvolvido inicialmente para identificar e anotar juntores em um
corpus, contudo sua utilização pode ser estendida para qualquer
outro traço linguístico que tenha uma ou duas dimensões.
6. Os esquemas de junção nos textos infantis
O mapeamento dos esquemas de junção no corpus, sistematizado no Quadro 2, mostra que os sujeitos optam preferencialmente
por determinados esquemas de junção, revelando tendências: o
juntor e tem frequência elevada, atua na codificação de quase todas
as relações de sentido, combinado ou não com advérbios juntivos;
a justaposição (representada por Ø) é um recurso também utiliza-
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
227
Gragoatá
Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi
do com frequência, sobretudo para a relação de tempo e adição5;
juntores morfologicamente complexos como perífrases conjuncionais quase não aparecem6; e, todas as relações de sentido, exceto
concessão, são mostradas nos textos, em frequência variável.
Adição
Parataxe
Ø (12,3)
e (54,0)
e também
(0,9)
e ainda (0,2)
e aí (0,2)
Hipotaxe
Alter.
Ou (4,1)
Modo
Tempo
Contraste
Causa
Condiç.
e assim (0,5)
Ø (4,8)
e (54,1)
(e) aí (4,1)
(e) depois
(5,1)
(e) então
(0,2)
e enfim (0,2)
antes (0,1)
primeiro
(1,2)
Ø (0,4)
e (1,2)
mas (5,6)
só que
(1,2)
já (0,5)
e já (0,5)
Ø (0,8)
e (6,0)
porque (7,4)
então (0,9)
aí (0,5)
e por isso
(0,2)
e agora
(0,26)
Ø (0,1)
e (0,2)
para (16,9)
como (0,7)
mais/menos
do que (1,0)
quando (5,0)
gerúndio
(5,3) hora
que (0,5)
antes/depois
de (0,7)
porque (3,2)
por causa
que (0,2)
por (0,9)
se (3,9)
Quadro 2: frequência (em 1000 palavras) dos juntores
nos textos de aquisição de escrita infantil
No Quadro 2, a comparação entre os horizontes da parataxe
e da hipotaxe faz sobressair a preponderância da parataxe, em
termos quantitativos e qualitativos. Esses dados, cruzados com
as informações do Gráfico 1, que mostra em números absolutos
os resultados para o eixo tático, em perspectiva longitudinal,
permitem uma generalização: a produção de sentido nos textos
infantis, durante todo o percurso de quatro anos, se faz por meio
de uma considerável complexidade de relações semânticas que se
resolve quase que invariavelmente por meio da parataxe.
Na adição neutra, assim em certos usos de
“aí” e “então”, e atua na
progressão discursiva,
num cont í nuo movimento de avanço pelo
acréscimo constante de
informação nova.
6
As poucas perífrases
encontradas no corpus –
“só que, por causa que,
hora que” – resultam de
processos mais recentes
de gramaticalização na
língua.
5
228
Gráfico 1: Eixo tático em perspectiva longitudinal
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos
Diante desses resultados e, tendo em vista as expectativas e
questões levantadas anteriormente, a partir daqui, a análise segue
duas vias. Em uma delas, nas seções 7.1 e 7.2, busco justificar a
prevalência da parataxe nos quatro anos. Como recuso associar
parataxe à simplicidade sintática, os argumentos são buscados na
noção de TD e nas próprias características da composição paratática, conforme La Fauci (2007). Defendo, de maneira a ser esclarecida, que a produtividade da parataxe nos enunciados escritos
reflete a produtividade da parataxe nos enunciados falados, e que
esse reflexo, longe de ser uma questão de interferência, é marca
da constituição mista entre as duas modalidades de enunciação.
Na outra via, na seção 7.3, exploro a representação cognitiva de
relações de sentido, visando avaliar o grau de complexidade.
Para tanto, opto particularmente pelo exame da representação
da condicionalidade.
6.1 A composição paratática
7
Para apresentação dos
exemplos, sigo a seguinte convenção: indico
primeiramente o escrevente (E1 e E2), depois
o número da proposta
(P1 a P55), e então o ano
de realização (A1 a A4).
8
Out ros t rabalhos já
evidenciaram a natureza multifacetada de “e”,
como é o caso de Schneuwly (1988, apud Rojo,
2007), que investigou
textos explicativo-argumentativos e constatou que: “Uma unidade,
dentre os organizadores
textuais, apresenta dificuldades particulares
quanto a sua categorização: o E. (...) O E se encontra tanto em contextos lógico-semânticos,
quanto temporo-causais. Do ponto de vista
ontogenético, o E parece
desempenhar um papel
muito particular. Todos
os autores o consideram
o primeiro conectivo,
como o “pa rad ig m a
dos relatores”, como o
“arquiconectivo”: ele
propõe um modelo de
conexão e parece ser
uma unidade a partir
da qual se diferenciam
numerosas outras.”
Nesta seção, discuto as construções paratáticas mais recorrentes no corpus, com o propósito de explicitar alguns dos
traços linguísticos desse tipo de composição nos textos infantis.
Os fragmentos de textos de (1) a (3)7 exemplificam um pouco da
polissemia8 do juntor “e”, para o qual estabeleci uma tipologia de
valores baseada em traços da construção que ele ajuda a formar.
Em (1), “e” organiza as orações numa sequência temporal que reflete a ordem dos eventos no mundo. Em (2), a sucessão temporal
veiculada pelas orações implica uma leitura de causa e efeito. Em
(3), o que vem antes e o que vem depois no tempo se traduzem,
respectivamente, em causa e efeito que, por sua vez, implicam
condição. Em todo corpus, as polissemias são frequentes, principalmente as de trânsito entre Tempo e Causa, revelando relações
de parentesco semântico e recapitulando assim tendências em
gramaticalização de juntores (KORTMANN, 1997). O critério para
classificação dos casos ambíguos foi sempre o nível mais alto,
conforme Esquema 2, elaborado para o Texto 3.
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Texto (1): [E1/P11:A1]
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Gragoatá
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Texto (2): [E1/P24:A2]
Texto (3):[E1/P8:A1]
3. Se você ajuda, não pega (condição)
2. Porque você ajuda, não pega (causa/efeito)
1. Quando você ajuda, não pega ( tempo)
Aumento de
complexidade
cognitiva
Esquema 02: Parentesco entre as relações semânticas
(KORTMANN, 1997)
A opção pela parataxe com e, e o uso desse juntor repetidamente em várias fronteiras oracionais são traços muito recorrentes
nos textos infantis, e as amostras em (4) e (5), a seguir, são outros
bons exemplares. A recorrência de e pode ser interpretada como
indício dos rituais das tradições da oralidade, sobretudo de uma
oralidade informal, que recupera gêneros primários, como o diálogo cotidiano familiar. Nesses termos, a morfossintaxe dos textos
infantis traz marcas da encenação dos diálogos pelos quais se
conta uma história, se passa uma receita, se explica as etapas de
um jogo, se argumenta em favor de um ponto de vista. São rituais
que visam, entre outras coisas, entendimento e memorização.
Texto 4: [E1/P5:A01]
O rato do campo e
E o rato da cidade
Era uma vez um rato que morava
no campo. E um belo dia recebeu
um convite que era de seu primo
falando no convite para ir,
se puder, na casa lá na cidade.
E ele foi e quando chegou
ficou admirado pela mesa
com muito banquete, com
sorvete e muito queijo e etc.
E começou a conversar
E o rato baiano ele faleceu
E comem os banquetes
E ouviram um ruído e o segundo
ruído e esconderam na toca
E falou primo eu vou te dar
um convite para ir na minha [casa]
porque lá na minha casa
não tem barulho.
230
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos
Texto 5: [E2:P27:A2]
Nos casos de parataxe por justaposição, seguindo Taboada
(2009), priorizei o reconhecimento das pistas de natureza morfológica, sintática e semântica que indiciam o sentido, na ausência
de juntores. Nos dados investigados, as pistas mais comuns se
referem: à negativa explícita aliada ao paralelismo sintático para
marcação de contraste, como em (6), cuja leitura é: não deixe a
garrafa com a boca para cima Ø o certo é para baixo; à ordem
das orações para marcação de sequência temporal, como em (7),
à ordem das orações aliada ao conhecimento de mundo (de que
pessoas desempregadas não têm dinheiro), como em (9), para indicação de causa e efeito; à semântica dos verbos (passa, atravessa,
vai, entra) para o sequenciamento no tempo, como em (7); e ao
contexto prévio com juntor explícito, como em (8), cuja leitura é
se eu falo abacaxi, eu vou.
Texto (6): [E2/P8:A1]
Texto (7): [E2/P46:A4]
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Gragoatá
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Texto (8): [E2/P26:A2]
Texto (9): [E1/P31:A3]
pois:
(i) A análise das construções paratáticas sugere complexidade,
a parataxe consiste fundamentalmente em uma composição
binária em que a ordem icônica das orações, fundada em
restrições tempo-causais, é invariável, o que não se aplica
à hipotaxe, cuja liberdade relativa pode gerar diferentes
efeitos de sentido;
(ii) a parataxe comporta implícitos: como se realiza mais frequentemente por meio do polissêmio e e da justaposição,
ou seja, com o mínimo de material morfológico, a parataxe
exige mais cálculo de sentido. Seguindo La Fauci (2007),
quanto menos uma construção é evidente formal e/ou
semanticamente, mais sua determinação é difícil. Na oralidade, essa sintaxe menos explícita é compensada pela
entoação e gestos;
(iii) a parataxe consiste em uma estratégia de diálogo, uma vez
que, sendo necessária a mobilização de inferências, exige
uma colaboração mais ativa do interlocutor, propriedade que
ajuda a explicar sua recorrência em tradições da oralidade;
(iv) a parataxe consiste em uma estratégia de memorização: o
trabalho de elaboração mental, exigido por uma sintaxe
menos explícita, tende a resultar em uma maior fixação dos
232
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos
fatos na memória, propriedade que também ajuda a explicar
a recorrência na oralidade.
6.2 Correlação Junção e TD
Para explicitar a correlação entre junção e TD nos textos
infantis, selecionei três textos representativos das tradições narrativa, relato de palestra e relato de procedimento e, a partir deles,
elaborei Juntogramas, gráficos bidimensionais que trazem, no eixo
superior, as opções de articulação paratática e hipotática, que são
cruzadas, no eixo inferior, com as relações semânticas. Os juntogramas apresentam um mapeamento detalhado dos esquemas de
junção de um texto, sendo possível recuperar frequência, tipos e
distribuição dos juntores empregados.
O confronto entre os gráficos sinaliza, de modo geral, que na
narrativa e no relato de procedimento predominam os esquemas
paratáticos de temporalidade, enquanto, no relato de palestra, há
maior diversidade de relações semânticas, com frequências mais
significativas, inclusive para a hipotaxe.
Juntograma 1: [E1/P06:A1]
Juntograma 2: [E1/P:01A1]
Juntograma 3: [E1/P11:A1]
Legenda
Eixo superior:
1 = parataxe; 2 = hipotaxe
Eixo inferior:
-1 = adição; -2 = alternância;
-3 = modo; -4 tempo;
-5 = contraste; -6 = causa;
-7 = condição
O juntograma 1 resulta de um texto cuja proposta de produção consistiu na leitura da história dos três porquinhos e na
posterior elaboração de outra versão, com novas complicações e
novo desfecho. No juntograma prevalecem relações temporais, o
que sugere que a criança se insere na escrita, circulando pelo fixo
da tradição de contar, ao mostrar que sabe ordenar os eventos no
tempo, e circulando também pelo lacunar, ao eleger preferencialmente a parataxe, baseando-se assim em regras de tradições da
oralidade as quais domina.
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Explicação similar vale para o relato de procedimento. O
juntograma 3 mapeia um texto que apresenta três receitas culinárias. Os três “blocos” de juntores refletem uma das partes características da TD receita, que é o “modo do preparo”, enquanto
os espaços vazios se referem à “lista de ingredientes”, porção sem
juntores. Novamente, são as relações de tempo que estruturam
o texto e a criança vai optar por parataxe temporal. Já o texto 2
tem um propósito diferente, nele a criança deve reproduzir seu
entendimento a respeito de uma palestra. O juntograma 2 mostra
uma diversidade de junção bem maior, com construções paratáticas e hipotáticas que dão conta da codificação de várias relações
semânticas: alternância, modo, tempo, contraste, causa e condição.
A análise permite afirmar que, na produção dos primeiros
textos escritos, a criança vai lidar de modo singular com o fixo e
com o lacunar das tradições, fazendo transparecer o caráter processual da aquisição, que se revela (i) tanto na transposição que é
feita da modalidade de enunciação (falada), que ela domina, para
a modalidade em aquisição (escrita), o que corrobora a asserção de
Street (2006) de que a escrita se desenvolve no interior de um sistema oral de pensamento que permanece dominando os usos do
letramento; (ii) quanto nas decisões pelos mecanismos de junção,
em que a criança faz uma diferenciação semântica considerável
por meio de recursos morfossintáticos mínimos.
6.3 Representação cognitiva da condicionalidade
A expressão da condicionalidade em português conta
com um repertório extenso de juntores, dentre os quais, se, caso,
contanto que, desde que, uma vez que, sem que, dado que, a não
ser que, a menos que, exceto se. São na grande maioria juntores
condicionais complexos, que podem mobilizar arquiteturas
sintáticas diferenciadas, com nuanças semântico-pragmáticas
particulares. O quadro 2, apresentado anteriormente, mostra que as condicionais têm uso reduzido no corpus e que a escolha no conjunto
dos juntores é bastante restrita, sendo a hipotaxe com se – juntor
prototípico - o recurso mais empregado. Montolio (2000) reconhece
que os conectivos condicionais complexos são menos frequentes
em registros orais e espontâneos e, retomando Wing e Kofsky
(1981), argumenta que, dada a complexidade formal e a especificidade da relação condicional que esses conectivos introduzem,
estão entre as construções adquiridas pelas crianças em estágios
mais avançados, posteriormente às estruturas equivalentes a se
e às estruturas paratáticas.
As construções com se, tal como mostradas nos textos,
podem ser tomadas como índices de como as crianças flutuam
pelas regras idiomáticas, sobretudo nas correlações envolvendo
a morfologia verbal, necessárias para indicação dos diferentes
234
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos
graus de hipótese. A esse respeito (01) e (02) são ilustrativos, já
que o futuro do subjuntivo da primeira oração não encontra correspondência, segundo as regras da língua, no futuro do presente
perifrástico, empregado pela criança. Além disso, em casos como
(03), é a variação linguística que está em jogo: a conjugação do
verbo é representativa de variedades não-padrão.
(01)[E1/P25:A2] se o lula fosse presidente o Brasil vai ficar mais
com segurança.
(02)[E1/P35:A3] se eles tivessem um filho vai sair um mini
microfone.
(03)[E2/P28:A2] se você vim você será bem vinda na nossa
classe
Na articulação paratática, conforme as ocorrências (04) e
(05) já discutidas em seção prévia, a leitura condicional se
deve ao vínculo semântico de causa e efeito, que resulta da
ordem icônica das orações e dos pressupostos envolvidos.
(04)[E1/P8:A1] Dengue. Ajude e você não pega.
(05)[E2/P26:A2] Exemplo: Adielle é meu nome Ø eu falo abacaxi
eu vou.
Há também leituras condicionais que derivam de construções hipotáticas temporais com quando em que, construídas preferencialmente com verbos no presente, deixam
de implicar factualidade e codificam eventualidade. São
condicionais que expressam habitualidade, parafraseáveis
por sempre que, como em (06) a (08).
(06)[E1:P2/A1] Quando tem dor de ouvido, tem água suja
(07)[E1:P7/A1] Quando as antas vão caçar, elas trombam em
tudo
(08)[E1:P7/A1] Quando chove, o sal espalha
Para os propósitos do presente trabalho, interessa verificar a
representação cognitiva da condicionalidade, ou seja, se as relações
de condição são estabelecidas entre os conteúdos semanticamente
relacionados das orações, em que o conteúdo da segunda oração
é efeito ou consequência do conteúdo da primeira, ou se as condicionais são estabelecidas entre etapas do processo de raciocínio
do escrevente, em que um conhecimento ou suposição é condição
para o julgamento ou conclusão. A expectativa, vale reforçar, é
a de que os processos de raciocínio subjacentes às condicionais
epistêmicas envolvam maior complexidade cognitiva e por isso
sejam codificados mais tardiamente.
Na análise das ocorrências, o resultado é categórico: os
textos infantis apresentam somente condicionais de conteúdo,
estabelecidas no domínio sociofísico, a partir de uma relação de
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Gragoatá
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causa > efeito entre eventos do mundo, como exemplificam as
ocorrências de (09) a (12). A menor complexidade morfossintática
das construções condicionais e a menor complexidade cognitiva
da condicionalidade, observadas nos primeiros anos de letramento
formal, são aspectos que direcionam para a confirmação da correlação entre tendências filogenéticas e ontogenéticas. A aquisição
das relações epistêmicas é mais tardia e provavelmente depende
da aquisição de outras TDs.
(09)[E1/P26:A2] a pessoa fala cão e se a primeira letra do nome
for “c” você fala: “você vai a lua”.
(10)[E2/P22:A2] se você não parar de falar isso eu vou te dar
um tiro.
(11)[E2/P44:A4] se você não me beijar eu te mato
(12)[E1/P45:A4] se você comprar à vista você recebe um desconto
Considerações finais
Neste trabalho, investiguei aspectos do processo de aquisição da modalidade de enunciação escrita, em perspectiva longitudinal, com atenção aos mecanismos de junção. A opção pela junção
não foi gratuita, uma vez que: (i) os juntores são itens funcionais
(significação interna), da gramática da língua, que supostamente
impõem maiores dificuldades de aquisição do que os itens lexicais
(significação externa); (ii) a junção é um fenômeno que permite
explorar as faces morfossintática e semântico-cognitiva; (iii) a
junção é de importância singular para a apreensão das TDs.
As formas de junção empregadas nos textos de escrita inicial
infantil trazem marcas da experiência que as crianças tiveram até
então com tradições da oralidade. O mecanismo por excelência
é a parataxe, bastante característico de enunciações faladas, não
por se tratar de uma sintaxe simples ou menos rica, mas por ser
uma composição fundada numa forma de diálogo, com encadeamentos que favorecem a memorização. Portanto, a prevalência
da parataxe no computo geral dos dados não causa surpresa, já
que era esperado encontrar textos híbridos, com traços de uma
oralidade informal e também de uma oralidade formal, como, por
exemplo, a oralidade letrada da professora.
Também não é surpresa a codificação das relações semânticas em nível menos abstrato, em que as condicionais epistêmicas,
no âmbito do raciocínio lógico, não foram mostradas. Contudo,
quebrou expectativas o fato de que o tempo de letramento formal
pouco ou nada contribuiu, no caso das crianças investigadas,
para a ampliação no quadro da junção, para a aquisição de novas
construções morfossintáticas com nuanças semânticas várias. Isso
realmente põe em questão o papel da escola.
236
Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos
Tendências ontogenéticas puderam ser vislumbradas, já que
na escrita inicial predominaram juntores de menor complexidade
morfológica e de relativa complexidade cognitiva. Mas o trabalho
contribuiu, sobretudo, para mostrar a necessidade de considerar,
nesse tipo de investigação, o peso das TDs, a relação fala/escrita
e a importância de uma compreensão mais circunstanciada das
construções de junção. A decisão por um esquema de junção, em
dado estágio de aquisição, pode decorrer da complexidade da
construção em jogo, mas também de características funcionais
do próprio esquema de junção, que é mais ou é menos adequado
a um “modo de dizer”.
Abstract
In this work, I start out from a junction to
investigate possible correlations between
the underlying trends in the use of the
junction mechanisms in subject texts during the writing acquisition stage, as well
as trends in the development of junctures
in language history. In a certain way,
the purpose is to bring new light to the
parallel between ontogeny and phylogeny,
as proposed by Kortmann (1997), who
supports, for the acquisition of junction
schemes and for the change of junctures
over time, directions which signal a growing complexity, verifiable both through
a morphosyntactic and cognitive-semantic
point of view.
Keywords: acquisition; junction; cognition; history
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Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011
Resenha
Linguística de Corpus: Possibilidades para o ensino de Línguas e Tradução
Linguística de Corpus:
Possibilidades para o ensino
de Línguas e Tradução
Danielle de Almeida Menezes (UFTM)
Recebido 14 fev. 2011 / Aprovado 7, mar. 2011
Do inglês: post-method era.
1
Há mais de um século, o pensar sobre o ensino de línguas
estrangeiras vem sofrendo mudanças em decorrência dos avanços
científico-tecnológicos em diferentes áreas do saber. Na era dos
métodos, cada nova teoria oriunda da linguística, da psicologia
ou da sociologia, dentre outras, responsabilizava-se por embasar
um novo método que, no instante de sua criação, era concebido
como revolucionário. Hoje, parece consensual entre professores
de línguas a visão de que não há o método mágico para o ensino de idiomas. Ao contrário, na era pós-método1 (BROWN, 2002),
percebe-se que cabe a esses profissionais lançar mão do repertório
de teorias existentes e dos incrementos tecnológicos do mundo
contemporâneo, em especial aqueles provenientes da informática,
a fim de orientar melhor cada aluno ou grupo de alunos, atendendo às suas necessidades específicas de aprendizado linguístico.
Nesse sentido, a recente publicação intitulada Corpora no Ensino
de Línguas Estrangeiras, editada por Vander Viana e Stella Tagnin,
e publicada pela HUB Editorial em janeiro deste ano, é um ótimo
exemplo de como a Linguística de Corpus pode iluminar a prática
docente, tornando-se uma aliada do professor de línguas que está
constantemente interessado em aprimorar sua prática.
Os nove capítulos da obra são escritos por quinze professores-pesquisadores brasileiros que atuam em diferentes contextos
de ensino de línguas. Diferentemente do que o título do volume
possa sugerir, cada capítulo não se restringe a apontar possibilidades de utilização de ferramentas computacionais provenientes
da Linguística de Corpus na sala de aula de línguas. Em outras
palavras, Corpora no Ensino de Línguas Estrangeiras não deve ser
entendido por um manual; ao contrário, devido à experiência
acadêmica de seus colaboradores (bachareis, mestres, doutores,
professores universitários), os estudos nele contidos buscam
estimular o público alvo a realizar suas próprias investigações
de ordem empírico-linguística, a elaborar seus próprios materiais didáticos com base em corpora e a perceber o discente como
potencialmente capaz de nortear seu aprendizado por meio da
observação da língua.
Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011
241
Gragoatá
Pe s q u i s ado r q u e
cunhou o termo data-driven learning (“aprendizagem direcionada
por dados”) mais conhecido por DDL.
2
242
Danielle de Almeida Menezes
Além desse viés instrumentalizador, a obra é a pioneira
em língua portuguesa a reunir estudos acerca de diferentes
idiomas (alemão, espanhol, francês, inglês e português) sob uma
perspectiva educacional. É importante ressaltar aqui que, apesar
de a Linguística de Corpus estar presente no país desde fins da
última década do século XX, pouco da produção brasileira na
área tem explorado a “sua interface com a educação” (p.19). No
que concerne à organização, em acréscimo aos capítulos, o livro
traz um preâmbulo, escrito por Mike Scott, em homenagem a Tim
Johns2, um dos precursores ao propor a associação entre corpora
e ensino; um prefácio produzido por Vera Lúcia de Menezes
Oliveira e Paiva e a introdução redigida pelos organizadores. O
volume ainda contempla dois elementos pós-textuais que têm por
objetivo auxiliar os leitores: um glossário e uma lista de corpora
online, compilados por Stella Tagnin. Ao final, encontra-se uma
seção chamada “Sobre os autores”, em que é possível conhecer
um pouco do percurso acadêmico dos colaboradores e ter acesso
aos seus endereços eletrônicos. Uma breve análise da estrutura
da obra já evidencia a preocupação didático-pedagógica que a
alicerça.
O primeiro capítulo, intitulado “Linguística de Corpus: Conceitos, Técnicas & Análises”, de Vander Viana (Queen’s University
Belfast), oferece uma visão geral da Linguística de Corpus a fim de
preparar tanto o leitor pouco familiarizado com a área quanto o
mais experiente para os capítulos subsequentes e também para
possíveis leituras posteriores. Didaticamente, o autor inicia a discussão sobre o assunto a partir de seu conceito mais básico: corpus.
Ao mostrar que os “corpora [são coleções de textos orais e escritos
que] representam uma língua ou um recorte dela” (p. 29), Viana
fornece o insumo necessário para definir a Linguística de Corpus
como “uma forma de investigação empírica da linguagem a partir
da exploração sistemática de um corpus” (p. 34). O autor ainda
explica outros conceitos-chave, como, por exemplo, a diferença
entre “item” e “forma”, ambos os termos utilizados para se referir
a “palavra”, e a distinção entre quatro padrões de uso linguístico: a
“colocação”, a “coligação”, a “preferência semântica” e a “prosódia
semântica”. A maior parte do texto, contudo, destina-se a explorar
as técnicas utilizadas para as análises de corpora com o auxílio
do programa computacional WordSmith Tools (SCOTT, 2009), escolhido por ser empregado nos outros capítulos do livro. Assim,
Viana enfoca, em subseções diferentes, os pressupostos teóricos
e funcionais de três ferramentas analíticas, a saber: gerador de
listas de palavras, extrator de palavras-chave e concordanciador.
Cada ferramenta e suas possibilidades são discutidas minuciosamente e ilustradas por meio de referências a estudos variados, o
que demonstra conhecimento aprofundado e pesquisa por parte
do autor. Ao final dessas subseções, são apresentadas perguntas
e respostas direcionadas a professores de línguas estrangeiras.
Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011
Linguística de Corpus: Possibilidades para o ensino de Línguas e Tradução
Tais perguntas ajudam o leitor a perceber de forma mais concreta
como as ferramentas podem contribuir para o trabalho docente,
materializando a informação teórica previamente oferecida.
Do segundo ao oitavo capítulo, o foco recai sobre pesquisas
realizadas que abordam a relação entre línguas estrangeiras e
corpora. No capítulo “Working Closely with Corpus: Análise de Colocações Adverbiais em Inglês para Negócios”, de Andréa Geroldo
dos Santos, da Universidade de São Paulo, a autora busca mostrar
que “a aprendizagem de colocações (...) é importante para que um
aprendiz de língua estrangeira possa se comunicar na língua alvo”
(p. 36). A partir da constatação de que as colocações adverbiais
são pouco abordadas em livros didáticos, se comparadas a outras
colocações (como as verbais e as nominais), a pesquisadora decidiu compilar seu próprio corpus de estudo formado por jornais,
revistas e relatórios da área de negócios. Lançando mão de listas
de palavras e de linhas de concordância geradas para advérbios
que tiveram mais de 55 ocorrências em seu corpus especializado,
Santos percebeu que há necessidade de outra abordagem no ensino de colocações adverbiais na área de negócios, visto que “os
resultados apresentados, com base em dados autênticos apontaram para colocações que podem ser típicas dessa área (...) e que
precisariam ser aprendidas e praticadas pelos aprendizes” (p.133).
Seguindo a perspectiva da pesquisa anterior, voltada para
o ensino de inglês instrumental, o terceiro capítulo, “Corpora no
Ensino do Inglês Acadêmico: Padrões Léxico-Gramaticais em
Abstracts de Pós-Graduandos Brasileiros”, de Carmen Dayrell,
também da Universidade de São Paulo, investiga resumos de
artigos científicos em língua inglesa, produzidos por pós-graduandos brasileiros das áreas de Física, Ciências farmacêuticas e
computação. Seu objetivo reside em comparar as características
lexicais e gramaticais dos referidos textos com as de um corpus
de referência, compilado a partir de artigos científicos em inglês
pertencentes às áreas supracitadas. Restringindo-se à discussão
de padrões léxico-gramaticais pertencentes a três itens lexicais,
Dayrell conclui que seu estudo “aponta uma série de diferenças
relevantes entre os dois corpora” (p. 167) e, semelhante à pesquisa
realizada por Santos, mostra a importância de chamar a atenção
dos aprendizes para aspectos que distinguem sua linguagem
daquela de falantes de inglês como língua materna.
Assim como o segundo e o terceiro capítulos, “Filmes comerciais: uma perspectiva da aplicação de pesquisa em corpus na
sala de aula” reforça a importância da abordagem DDL (aprendizagem direcionada por dados). De autoria de Marcia Veirano
Pinto e Renata Condi de Souza, ambas da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, o capítulo possui alta relevância e contribuição clara para o ensino de inglês geral. Menos complexo que
os anteriores, o estudo aproxima-se do interesse e da realidade
de ensino de línguas em cursos livres e escolas regulares. Pinto
Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011
243
Gragoatá
Danielle de Almeida Menezes
e Souza compilaram um corpus formado por 72 roteiros de filmes
comerciais, todos disponíveis na rede mundial de computadores,
e analisaram todas as linhas de concordância geradas para a palavra “just”. As autoras puderam constatar que o uso de “just” em
filmes comerciais apresenta diferenças no tocante ao que materiais
de ensino enfocam. O capítulo conta ainda com uma interessante
seção em que é proposta uma sequência didática com cinco atividades. Diferentemente dos estudos anteriores, o quinto capítulo,
“Corpora e Ensino de Tradução: o Papel do Automonitoramento e
da Conscientização Cognitivo-Discursiva no Processo de Aprendizagem de Tradutores Novatos”, de Fábio Alves (Universidade
Federal de Minas Gerais) e Stella Tagnin (Universidade de São
Paulo), está direcionado a tradutores e a professores e alunos de
tradução. Partindo de pesquisas que evidenciam que “tradutores
novatos tendem a enfocar excessivamente aspectos microtextuais
do texto, concentrando esforços na solução de problemas lexicais” (p. 189), Alves e Tagnin discutem “formas de modificar as
características cognitivo-discursivas que limitam o desempenho
desses aprendizes” (p.190). Para tanto, os autores descrevem os
procedimentos necessários para a elaboração de glossários para
tradução de textos técnicos a partir da compilação de corpora especializados para o par português-inglês.
Desviando o foco da língua inglesa e direcionando-o
para outras línguas, o sexto capítulo compara, com o auxílio de
ferramentas do programa WordSmith Tools (Scott, 2009), artigos
científicos de cardiologia publicados em português e em alemão.
Partindo de um conveniente arcabouço teórico acerca da trajetória
do ensino de leitura instrumental no Brasil, Maria José Bocorny
Finatto, Leonardo Zilio e Elisandro José Migotto, todos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, contrastam as listas de
palavras mais frequentes encontradas nos subcorpora de português
e alemão do corpus bilíngue que compilaram. A fim de validar
os resultados, os mesmos foram submetidos à análise estatística.
Das constatações apresentadas por “Artigos de Cardiologia em
Português e Alemão: Contribuições da Pesquisa em Corpus para o
Ensino de Leitura Instrumental” é relevante ressaltar que o gênero
artigo de cardiologia tende a seguir um mesmo roteiro nas duas
línguas e “os colocados adjetivais (...) não são igualmente selecionados (...), de modo que o aprendiz e o professor (...) perceberão que
nem sempre o que se esperaria a partir do português se encontra
em alemão” (p.230). Apesar de os resultados se limitarem aos
idiomas investigados, a descrição dos métodos empregados e o
referencial teórico abordado no texto são úteis para todo professor
de língua estrangeira instrumental.
O representante da língua francesa no volume intitula-se
“Aplicação do Conceito de Transcategorialidade ao Ensino de Francês como Língua Estrangeira: o Caso da Marca ‘Mas’”, por Adriana
Zavaglia e Marion Celli, da Universidade de São Paulo. Partindo
244
Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011
Linguística de Corpus: Possibilidades para o ensino de Línguas e Tradução
do pressuposto de que o ensino de gramática nas aulas de francês
ainda se pauta por “concepções normativas ou tradicionais” (p.
235), Zavaglia e Celli apresentam o histórico das metodologias de
ensino de francês como língua estrangeira e definem o conceito
de transcategorialidade e sua importância para o ensino. A partir
disso, mostram, por meio da comparação de dois corpora online (um
para cada idioma), que palavras gramaticais podem apresentar
outros valores além daquele que lhes é prototípico. Para tanto, as
autoras analisam as conjunções ‘mas’ em português e ‘mais’ em
francês e constatam que, em francês, há 34 opções de tradução
para ‘mas’ em português, além de ‘mais’, vocábulo frequentemente escolhido por brasileiros devido à semelhança com a língua
portuguesa. O capítulo apresenta ainda uma série de exercícios
elaborados a partir dos achados.
O penúltimo capítulo, “Gramaticalização da Dor em Português e Espanhol: uma Abordagem Comparada com Subsídios
da Linguística de Corpus e da Linguística Sistêmico-Funcional”,
por Adriana Silvina Pagano e Giacomo Patrocínio Figueredo
(Universidade Federal de Minas Gerais), analisa como usuários
de português e espanhol abordam suas dores físicas em entrevistas, textos informativos e fóruns de discussão de livre circulação
na internet. Com o respaldo teórico da Linguística Sistêmico-Funcional, que fornece bases para a compreensão de como a
experiência é representada por meio da linguagem, os resultados
apontam semelhanças entre as duas línguas investigadas, apesar
de a ‘dor’ ser representada de maneira mais diversificada em espanhol. Como em quase todos os capítulos, Pagano e Figueredo
apontam possibilidades de aplicações pedagógicas de seu estudo.
Tony Berber Sardinha, da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo assina o nono e último capítulo do livro. Seu texto, “Como
Utilizar a Linguística de Corpus no Ensino de Língua Estrangeira.
Por uma Linguística de Corpus Educacional Brasileira”, difere-se
quanto à organização dos demais capítulos e se divide em duas
partes: uma prática e a outra de cunho mais teórico. Na primeira
e mais extensa, Sardinha oferece ao professor de línguas ideias e exemplos de como elaborar seus materiais de ensino com base
em corpus, ampliando as possibilidades pedagógicas apresentadas
em capítulos anteriores. O autor trata de atividades centradas na
concordância, de atividades centradas no texto e de atividades
multimídia/multigênero. A segunda parte destina-se a discutir
a integração entre a Linguística de Corpus e o ensino de línguas
no Brasil. Por meio de levantamento bibliográfico, o pesquisador
mostra que esta união, cada vez mais desejável, é ainda modesta
e recente no país. Contudo, a intensificação, nos últimos anos, do
número de pesquisas que abordam aspectos variados da interface
corpus-ensino demonstra que este interesse encontra-se em franca
expansão.
Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011
245
Gragoatá
Danielle de Almeida Menezes
Apesar da clara relevância da obra, algumas críticas talvez
lhe caibam. Em primeiro lugar, alguns estudos tornam-se repetitivos ao apontarem justificativas e propostas pedagógicas muito semelhantes. Além disso, apesar de a obra se destinar a professores
com diferentes níveis de conhecimento de Linguística de Corpus,
alguns capítulos demandam grande esforço cognitivo por parte de
leitores pouco familiarizados com a área e, principalmente, com
modesto ou nenhum conhecimento sobre análises estatísticas.
Contudo, essas questões menores não diminuem a qualidade do
livro e nem de longe ofuscam um dos maiores méritos da obra, que
é mostrar ao professor que ele independe dos materiais didáticos
disponíveis no mercado e que não só pode como deve estimular a
autonomia de seus alunos no tocante a investigações linguísticas.
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246
Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011
Colaboradores
deste número
CARLOS FELIPE DA CONCEIÇÃO PINTO
Graduado e mestre em Letras pela Universidade Federal da Bahia.
Atualmente, é aluno do curso de doutorado em Linguística na
Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de
Letras e Linguística, atuando principalmente em história e variação
do espanhol e sintaxe gerativa.
CHRISTINA ABREU GOMES
Graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de
Minas Gerais e doutora em Linguística pela UFRJ, com estágio de pósdoutorado na University of York, UK (2004). Atualmente é professora
associada 2 da UFRJ. Tem experiência na área de Linguística,
com ênfase em Variação e Mudança, atuando principalmente nos
seguintes temas: variação e mudança linguística e, mais recentemente,
a aquisição de língua materna, com foco na emergência de padrões
fonológicos e morfológicos variáveis do português brasileiro.
DANIELLE DE ALMEIDA MENEZES
Graduada e mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), doutora em Letras, na área de Estudos da Linguagem,
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Atualmente,
é professora da Faculdade de Educação da UFRJ. Interessa-se por
investigar o discurso de docentes, discentes e docentes em formação
sobre ensino e aprendizado de línguas e literaturas.
EDUARDO KENEDY
Licenciado em Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Doutor e Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Professor da graduação em Letras e do Programa
de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFF. Pesquisador
na área de Psicolinguística e Teoria da Gramática. Fundador e
coordenador Laboratório de Psicolinguística da UFF (LAPSI-UFF).
Atua nas áreas de processamento cognitivo da linguagem natural e
sintaxe formal.
JOSÉ FERRARI-NETO
Graduado em Letras pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP),
especializado em Língua Portuguesa pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro, mestre e doutor em Estudos da Linguagem pela
Pontifícia Universidade Católica (RJ). Tem experiência em docência
e pesquisa na área de Linguística, com ênfase em Psicolinguística
e Aquisição da Linguagem. Foi Professor Assistente de Língua
Portuguesa e Linguística Geral na UCP e Professor de Linguística na
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Atualmente
é Professor de Linguística e Língua Portuguesa na Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), atuando no LAPROL (Laboratório de
Processamento Linguístico).
Niterói, n. 30, p. 247-251, 1. sem. 2011
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JUSSARA ABRAÇADO
Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Atua, na Universidade Federal Fluminense, como Professora
Associada III de Linguística na graduação e Pós-Graduação. É
Diretora do Instituto de Letras da UFF, Coordenadora da Linha
de Pesquisa Teorias e Análise Linguística do Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagem da UFF e editora dos Cadernos
de Letras da UFF. É Líder do Grupo Interinstitucional de Estudos
de Língua(gem): usos, contatos e fronteiras. Dedica-se a estudos na
área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística e
Sociolinguística, atuando principalmente nos seguintes temas: ordem
de palavras, cognição e gramaticalização, dêixis/referenciação.
LETÍCIA MARIA SICURO CORRÊA
Obteve PhD pela University of London em 1986, com tese em
Psicolinguística, e desde então atua no Programa de Pós-Graduação
em Letras da PUC-Rio. Coordenou o GT (Grupo de Trabalho) de
Psicolinguística da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação
em Letras e Linguística), de 1988-2002, fundou e coordena o LAPAL
(Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem) e atuou
como pesquisador visitante (CNRS) na Universidade Paris-V. Sua
linha de pesquisa, Processamento e Aquisição da Linguagem,
caracteriza-se por integrar teoria linguística (na perspectiva do
Minimalismo) com o estudo psicolinguístico da produção e da
compreensão da linguagem, e da aquisição da língua materna, na
perspectiva da criança que processa a fala à sua volta. Recentemente,
essa linha de pesquisa se desdobra para o estudo do Déficit Específico
da Linguagem (DEL) dando origem a projetos de cunho mais
aplicado, voltados para a identificação da natureza dos problemas de
linguagem de crianças.
LUCIANA TEIXEIRA
Graduada em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), mestre em Letras (área de concentração: Linguística) na
mesma instituição, doutora em Letras (área de concentração Estudos da Linguagem) pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (RJ). É professora da UFJF, onde ministra disciplinas
no curso de Graduação em Letras, Especialização em Ensino de
Língua Portuguesa e no Programa de Pós-Graduação em Linguística.
Participa de projetos de pesquisa na área de processamento e aquisição
da linguagem no Núcleo de Estudos em Aquisição da Linguagem e
Psicolinguística (NEALP) da UFJF. Áreas de interesse: Aquisição da
Linguagem, Psicolinguística, Ciências Cognitivas, Linguística.
248
Niterói, n. 30, p. 247-251, 1. sem. 2011
MÁRCIA CRISTINA VIEIRA PONTES,
MIRIAM CRISTINA SEVERINO ALMEIDA
e ANA CRISTINA BAPTISTA DE ABREU
Graduadas em Letras mestrandas do Programa de Pós-Graduação
em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
MÁRCIA CRISTINA ZIMMER
Doutora e mestre em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é professor adjunto II
da Universidade Católica de Pelotas. Tem experiência na área de
Linguística, com ênfase em Psicolinguística, atuando principalmente
nos seguintes temas: Sistemas Dinâmicos e aquisição da linguagem,
Fonologia Gestual e produção oral em inglês (L2), com ênfase na
interação entre memória implícita e explícita e aspectos fonéticofonológicos do input, leitura em L2.
MARIA CRISTINA NAME
Graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-RJ). É professora da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), atuando no Programa de Pós-Graduação em
Linguística e no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Tem
experiência na área de Linguística, com ênfase em Psicolinguística,
atuando principalmente nos seguintes temas: aquisição da linguagem,
aquisição lexical, psicolinguística, categorias lexicais e funcionais.
Desenvolveu estágio pós-doutoral no Laboratoire de Recherche sur
le Langage, na Université du Québec à Montréal (UQAM, Montreal,
Canadá), com Rushen Shi (2009-2010). Atualmente, é coordenadora
do GT de Psicolinguística da ANPOLL para o biênio 2010-2012, e
coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Linguística (UFJF)
desde agosto/2010.
MARINA ROSA ANA AUGUSTO
Graduada em Letras pela Faculdade Ibero Americana de Letras e
Ciências Humanas, mestre em Linguística pela Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) e doutorado em Linguística pela Unicamp.
Atualmente é Professora Colaboradora da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro e Professora Adjunta da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Linguística,
com ênfase em Teoria e Análise Linguística. Atua principalmente nos
seguintes temas: ilha factiva, teoria gerativa.
Niterói, n. 30, p. 247-251, 1. sem. 2011
249
MERCEDES MARCILESE
Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-RJ). Mestre em Letras pela PUC-RJ. Licenciada e
bacharel em Letras pela Universidad Nacional del Litoral (Santa Fe
– Argentina). Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em
Psicolinguística e Aquisição da Linguagem.
PAULO ANTONIO PINHEIRO CORREA
Professor de Língua Espanhola da Universidade Federal Fluminense
(UFF), atuando também no Programa de Pós-Graduação em Estudos
da Linguagem. Doutor e mestre em Linguística pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Letras e
Linguística, com ênfase em Línguas Estrangeiras Modernas, atuando
principalmente nas seguintes áreas: aquisição de segundas línguas,
espanhol, interlíngua, Sintaxe, Linguística Aplicada. Avaliador
do Programa Nacional do Livro Didático de Língua Estrangeira Espanhol, para o Ensino Fundamental (2009) e o Ensino Médio (2010).
SABRINA GEWEHR-BORELLA
Graduada em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Católica de
Pelotas. Atualmente é aluna do doutorado de Linguística Aplicada
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
SANDERLÉIA ROBERTA LONGHIN-THOMAZI
Graduada em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (UNESP), mestre e doutora em Linguística
pela Universidade Estadual de Campinas. Concluiu estágio de
pós-doutoramento em Linguística na Eberhard Karls Universität
Tübingen (2010). Atualmente é professora da UNESP, campus de
São José do Rio Preto. Atua na Graduação e na Pós-Graduação, na
linha de pesquisa Variação e Mudança Linguística. Tem experiência
na área de Teoria e Análise Linguística, na linha de Variação e
Mudança Linguística, investigando principalmente os seguintes
temas: gramaticalização, junção, aquisição e história.
UBIRATÃ KICKHÖFEL ALVES
Graduado em Letras pela Universidade Federal de Pelotas, mestre
em Linguística Aplicada pela Universidade Católica de Pelotas e
doutor em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul. É professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Tem experiência na área de aquisição fonológica do
inglês por falantes do português brasileiro, atuando principalmente
nos seguintes temas: aquisição do inglês como L2, teoria fonológica
e modelos de análise, aquisição fonológica de L1 e L2 via Teoria da
Otimidade e Gramática Harmônica.
250
Niterói, n. 30, p. 247-251, 1. sem. 2011
VIVIAN MEIRA
Mestre em Linguística pela Universidade Federal da Bahia e
Doutoranda em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas.
É professora Assistente de Linguística da Universidade do Estado da
Bahia. Atua na área de Teoria e Análise Linguística, com ênfase em
Sintaxe Gerativa, Contato entre Línguas e Mudança Diacrônica.
Niterói, n. 30, p. 247-251, 1. sem. 2011
251
UNIVERSIDADE
FEDERAL FLUMINENSE
Instituto de Letras
Revista Gragoatá
Rua Professor
Marcos Waldemar
de Freitas Reis, s/nº
Campus do Gragoatá Bloco C - Sala 518
24210-201 - Niterói - RJ
e-mail: [email protected]
Telefone: 21-2629-2608
Normas de apresentação de trabalhos
1 A Revista Gragoatá, dos Programas de Pós-Graduação em Letras
da UFF, aceita originais sob forma de artigos inéditos e resenhas
de interesse para estudos de língua e literatura, em língua portuguesa, inglêsa, francesa e espanhola.
2 Os textos serão submetidos a parecer da Comissão Editorial, que
poderá sugerir ao autor modificações de estrutura ou conteúdo.
3 Os textos não deverão exceder 25 páginas, no caso dos artigos, e
8 páginas, no caso de resenhas. Devem ser apresentados em duas
cópias impressas sem identificação do autor, bem como em CD,
com título do artigo em português e em inglês, indicação do autor,
sua filiação acadêmica completa e endereço eletrônico no programa
Word for Windows 7.0, em fonte Times New Roman (corpo 12, espaço duplo), sem qualquer tipo de formatação, a não ser:
3.1 Indicação de caracteres (negrito e itálico).
3.2 Margens de 3 cm.
3.3 Recuo de 1 cm no início do parágrafo.
3.4 Recuo de 2 cm nas citações.
3.5 Uso de sublinhas ou aspas duplas (não usar CAIXA ALTA).
3.6 Uso de itálicos para termos estrangeiros e títulos de livros e
períodicos.
4 As citações bibliográficas serão indicadas no corpo do texto, entre
parênteses, com as seguintes informações: sobrenome do autor em
caixa alta; vírgula; data da publicação; abreviatura de página (p.) e
o número desta. (Ex.: SILVA, 1992, p. 3-23).
5 As notas explicativas, restritas ao mínimo indispensável, deverão
ser apresentadas no final do texto.
6 As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do
texto, obedecendo às normas a seguir:
Livro: sobrenome do autor, maiúscula inicial do(s) prenome(s), título
do livro (itálico), local de publicação, editora,data.
Ex.: SHAFF, Adan. História e verdade. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
Artigo: sobrenome do autor, maiúscula inicial do(s) prenome(s), título
do artigo, nome do periódico (itálico), volume e nº do periódico, data.
Ex.: COSTA, A.F.C. da. Estrutura da produção editorial dos periódicos
biomédicos brasileiros. Trans-in-formação, Campinas, v. 1, n.1,
p. 81-104, jan./abr. 1989.
Gragoatá
Niterói, n. 30, p. 253-256, 1. sem. 2011
7 As ilustrações deverão ter a qualidade necessária para uma boa
reprodução gráfica. Deverão ser identificadas, com título ou legenda, e designadas, no texto, de forma abreviada, como figura (Fig. 1,
Fig. 2 etc).
8Os originais serão avaliados a partir dos seguintes quesitos:
8.1 adequação ao tema;
8.2 originalidade da reflexão;
8.3 relevância para a área de estudo;
8.4 atualização bibliográfica;
8.5 objetividade e clareza;
8.6 linguagem técnico-científica.
9 A responsabilidade pelo conteúdo dos artigos publicados pela Revista Gragoatá caberá, exclusivamente, aos seus respectivos autores.
10 Os colaboradores terão direito a dois exemplares da revista. Os
originais não aprovados não serão devolvidos.
Próximos números
Número 31
Tema: Cruzamentos interculturais
Organizadores: Paula Glenadel e Angela Dias
Prazo para entrega dos originais: 15 de julho de 2011
Ementa: Tradução, mercado global e literaturas nacionais. A tarefa do tradutor. Traduzibilidade das formas contemporâneas de arte; mistura e reescritura de gêneros
narrativos; diálogos e interrelações de códigos diversos. Interseções entre o público e o privado; política e produção de subjetividades nas artes e na literatura
comtemporânea.
Número 32
Tema:
Organizadores:
Prazo para entrega dos originais:
Ementa:
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Niterói, n. 30, p. 253-256, 1. sem. 2011
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General Instructions for Submission of Papers
1. The Editorial Board will consider both articles and reviews in the
areas of language and literature studies, in Portuguese, English,
French and Spanish.
2. In considering the submitted papers, the Editorial Board may
suggest changes in their structure or content. Papers should be
submitted in CD, with the title both in Portuguese and English,
author’s identification, academic affiliation and electronic address,
together with two printed copies, without author’s identification,
typed in Word for Windows 7.0, double-spaced, Times New Roman
font 12, without any other formatting except for:
2.1 bold and italics indication;
2.1 3cm margins;
2.3 1cm indentation for paragraph beginning;
2.4 2cm indentation for long quotations;
2.5 underlining or double inverted commas (NEVER UPPERCASE)
for emphasis;
2.6 italics for foreign words and book or journal titles.
3. Papers should be no more than 25 pages in length and reviews no
more than 8 pages.
4. Authors are required to resort to as few footnotes as possible,
which are to be placed at the end of the text. As for references in
the body of the article, they should contain the author’s surname
in uppercase as well as date of publication and page number in
parentheses (eg.: JOHNSON, 1998, p. 45-47).
5. Bibliographical references should be placed at the end of the text
according to the following general format:
Book: initial’s author’s pre name(s) in uppercase, author’s surname,
title of book (italics), place of publication, publisher and date.
(eg.: ELLIS, Rod. Understanding second language acquisition. Oxford:
Oxford University Press, 1994).
Article: author’s surname, initial’s author’s pre name(s) in uppercase,
title of article, name of journal (italics), volume, number and date.
(eg.: HINKEL, Eli. Native and nonnative speakers’ pragmatic
interpretations of English texts. TESOL Quarterly, v. 28, n° 2, p. 353376, 1994).
6. Tables, graphs and figures should be identified, with a title
or legend, and referred to in the body of the work as figure, in
abbreviated form (eg.: Fig. 1, Fig. 2 etc.)
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7. Papers should contain two abstracts (a Portuguese and an English
version), no more than 5 lines in length. In addition, between 3 to 5
keywords, also in Portuguese and in English, are required.
8. Originals will be evaluated from the following items:
8.1 appropriateness to the theme;
8.2 originality of thought;
8.3 relevance for the study area;
8.4 bibliographic update;
8.5 objectivity and clarity;
8.6 technical-scientific language
9. The responsibility for the content of articles published in the
journal Gragoatá sole discretion of their respective authors.
10. Authors, whose articles are accepted for publication, will be entitled
to receive 2 copies of the journal. Originals will not be returned.
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PRIMEIRA EDITORA NEUTRA EM CARBONO DO BRASIL
Título conferido pela OSCIP PRIMA (www.prima.org.br)
após a implementação de um Programa Socioambiental
com vistas à ecoeficiência e ao plantio de árvores referentes
à neutralização das emissões dos GEE´s – Gases do Efeito Estufa.
Este livro foi composto na fonte Book antiqua.12
Impresso na Globalprint Editora e Gráfica,
em papel Pólen Soft 80g (miolo) e Cartão Supremo 250g (capa)
produzido em harmonia com o meio ambiente.
Esta edição foi impressa em outubro de 2011.
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