Gragoatá n. 30 1o semestre 2011 Política Editorial A Revista Gragoatá tem como objetivo a divulgação nacional e internacional de ensaios inéditos, de traduções de ensaios e resenhas de obras que representem contribuições relevantes tanto para reflexão teórica mais ampla quanto para a análise de questões, procedimentos e métodos específicos nas áreas de Língua e Literatura. ISSN 1413-9073 Gragoatá Niterói n. 30 p. 1-256 1. sem. 2011 © 2010 by Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense Direitos desta edição reservados à– Editora da UFF – Rua Miguel de Frias, 9 – anexo – sobreloja – Icaraí – Niterói – RJ – CEP 24220-900 – Tel.: (21) 2629-5287 – Telefax: (21)2629-5288 http://www.editora.uff.br – E-mail: [email protected] É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da E ditora. Organização: Projeto gráfico: Capa: Diagramação e supervisão gráfica: Coordenação editorial: Periodicidade: Tiragem: Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy Estilo & Design Editoração Eletrônica Ltda. ME Rogério Martins Káthia M. P. Macedo Ricardo Borges Semestral 400 exemplares Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Editora filiada à G737 Gragoatá. Publicação dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense.— n. 1 (1996) - . — Niterói : EdUFF, 2010 – 26 cm; il. Organização: Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy Semestral ISSN 1413-9073 1. Literatura. 2. Linguística.I. Universidade Federal Fluminense. Programas de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem e Estudos de Literatura. CDD 800 APOIO PROPPi/CAPES / CNPq UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitor: Vice-Reitor: Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Diretor da EdUFF: Roberto de Souza Salles Sidney Luiz de Matos Mello Antonio Claudio Lucas da Nóbrega Mauro Romero Leal Passos Conselho Editorial: Mariangela Rios de Oliveira – UFF - Presidente Maria Lúcia Wiltshire - UFF Fernando Muniz – UFF Jussara Abraçado - UFF Vanise Medeiros - UFF Maria Elizabeth Chaves - UFF Mônica Savedra - UFF Paula Glenadel - UFF Silvio Renato Jorge - UFF Xoán Lagares – UFF Arnaldo Cortina – UNESP/ARAR Dermeval da Hora – UFPB Eneida Leal Cunha - UFBA Eneida Maria de Souza - UFMG Erotilde Goreti Pezatti – UNESP/SJRP Jacqueline Penjon – Paris III- Sorbonne Nouvelle José Luiz Fiorin – USP Leila Bárbara – PUC/SP Mabel Moraña – Saint Louis University Márcia Maria Valle Arbex - UFMG Marcos Antônio Siscar - UNICAMP Marcus Maia – UFRJ Margarida Calafate Ribeiro – Univ. de Coimbra Maria Angélica Furtado da Cunha – UFRN Maria Eugênia Lamoglia Duarte - UFRJ Regina Zilberman – UFRGS Roger Chartier – Collège de France Vera Menezes – UFMG Sírio Possenti – UNICAMP Teresa Cristina Cerdeira - UFRJ Conselho Consultivo: Ana Pizarro (Univ. de Santiago do Chile) Cleonice Berardinelli (UFRJ) Célia Pedrosa (UFF) Eurídice Figueiredo (UFF) Evanildo Bechara (UERJ) Hélder Macedo (King’s College) Laura Padilha (UFF) Lourenço de Rosário (Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa) Lucia Teixeira (UFF) Malcolm Coulthard (Univ. de Birmingham) Maria Luiza Braga (UFRJ) Marlene Correia (UFRJ) Michel Laban (Univ. de Paris III) Mieke Bal (Univ. de Amsterdã) Nádia Battela Gotlib (USP) Nélson H. Vieira (Univ. de Brown) Ria Lemaire (Univ. de Poitiers) Silviano Santiago (UFF) Teun van Dijk (Univ. de Amsterdã) Vilma Arêas (Unicamp) Walter Moser (Univ. de Montreal) Site: www.uff.br/revistagragoata Gragoatá n. 30 1o Semestre 2011 Sumário Apresentação ................................................................................. Jussara Abraçado Eduardo Kenedy 5 ABERTURA Aquisição da linguagem: palavras iniciais ............................. 13 Jussara Abraçado Eduardo Kenedy ARTIGOS Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal... 39 Christina Abreu Gomes Márcia Cristina Vieira Pontes Miriam Cristina Severino Almeida Ana Cristina Baptista de Abreu Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista ............................................. 55 Letícia Maria Sicuro Corrêa Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical ..................................................... 77 Maria Cristina Name A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem ... 89 Mercedes Marcilese Marina Rosa Ana Augusto Letícia Maria Sicuro Corrêa Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro .............................................................. 103 José Ferrari-Neto Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro ....................................... 135 Luciana Teixeira Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition .......... 155 Paulo Antonio Pinheiro Correa La adquisición de la escisión en el español peninsular ...... 169 Carlos Felipe da Conceição Pinto Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB: Traços semânticos de modalidade na aquisição de primeira língua ............................................................................ 189 Vivian Meira Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português) ......................................................... 201 Sabrina Gewehr-Borella Márcia Cristina Zimmer Ubiratã Kickhöfel Alves Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos ................................................................................... 221 Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi RESENHA Linguística de Corpus: Possibilidades para o Ensino de Línguas e Tradução ............................................................... 241 Danielle de Almeida Menezes COLABORADORES DESTE NÚMERO ................................... 247 NORMAS DE APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS ............. 253 Apresentação O número 30 da Gragoatá, dedicado ao fenômeno da aquisição da linguagem, inaugura uma nova fase desse periódico que, a partir de então, abordará, alternadamente, temas referentes a estudos de linguagem e a estudos de literatura. Fruto primeiro dessa “nova fase”, este volume apresenta outra característica inovadora: há um texto escrito pelos organizadores, “Aquisição da linguagem: primeiras palavras”, que introduz o tema e convida o leitor a refletir a respeito da tensão existente entre diferentes abordagens teóricas acerca do fenômeno em tela. O texto tem o objetivo de articular os trabalhos reunidos nesta obra e propiciar ao leitor ambiência teórica que favoreça a leitura e o entendimento das questões levantadas e discutidas nos trabalhos referidos. O primeiro artigo deste volume, “Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal”, é de autoria de Christina Abreu Gomes, Márcia Cristina Vieira Pontes, Miriam Cristina Severino Almeida e Ana Cristina Baptista de Abreu. Com base em análise de dados de aquisição da flexão variável em nominais e em verbos extraídos de amostras de produção espontânea de crianças em faixas etárias entre 1;11 e 5;0, as autoras apresentam resultados que: (i) no que se refere à flexão verbal, revelam que os condicionamentos observados na fala da comunidade adulta são adquiridos gradualmente pelas crianças; (ii) no que diz respeito à flexão nominal, apontam para uma situação diferente da relatada em (i). As autoras discutem as implicações dos resultados encontrados, abordando a questão da relação entre conhecimento linguístico, variação e aquisição. No artigo seguinte, “Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista”, de Letícia Maria Sicuro Corrêa, a aquisição de uma língua é vista como um problema de aprendibilidade que requer um tratamento conjunto por parte de teorias linguística e psicolinguística. Nesse viés, é proposta uma abordagem integrada em que se articula a hipótese do bootstrapping fonológico com uma concepção minimalista de língua. A distinção entre classes abertas e fechadas do léxico na análise do sinal da fala ao fim do primeiro ano de vida é tida como fundamental para a inicialização de um sistema computacional universal. O desenvolvimento linguístico é apresentado, no artigo, como a progressiva especificação dos traços formais de categorias funcionais via o processamento nas interfaces. Em “Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical”, Maria Cristina Name, Niterói, n. 30, p. 5-9, 1. sem. 2011 5 tendo como foco elementos da categoria lexical ADJ(etivo), discute o papel da informação prosódica na aquisição lexical por crianças em fase de aquisição do português do Brasil (PB). Com base no pressuposto de que a fala se organiza em constituintes prosódicos hierarquicamente dispostos, parcialmente sensíveis à estrutura sintática, e defendendo as hipóteses de que adultos e crianças usam pistas prosódicas para o reconhecimento da posição do adjetivo no DP (Experimento 1), identificam pseudopalavras como novos adjetivos (Experimento 2), e atribuem valor subjetivo ao realce prosódico do adjetivo anteposto a N (Experimento 3), a autora apresenta e discute resultados obtidos à luz de modelos de processamento psicolinguístico comprometidos com a aquisição de linguagem. Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Sicuro Corrêa, autoras de “A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem”, abordam questões relativas à aquisição dos numerais, apoiando-se em diferentes perspectivas que procuram dar conta do mapeamento entre as ‘quantidades’ percebidas pela criança e os itens correspondentes na sequência dos numerais. Um experimento de compreensão, com crianças de 3 e 4 anos de idade, visando a avaliar o tipo de interpretação preferida para os numerais é reportado. Os resultados são compatíveis com a ideia de que, mesmo que, em certos contextos, os numerais possam receber leituras escalares ou aproximadas, em geral, são associados desde cedo pela criança a quantidades exatas, sendo essa informação crucial para explicar o processo de aquisição desses elementos. José Ferrari-Neto, em “Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: a Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro”, discorre sobre o papel das informações sintáticas e semânticas presentes no input linguístico no processo de aquisição da distinção entre nomes massivos e contáveis em PB, em especial as informações relativas à expressão do número gramatical, com os seguintes objetivos de (i) verificar se a criança toma a presença do morfema de número como indicativa de leitura contável e (ii) verificar como a criança procede na interpretação de DPs ambíguos. Usando o paradigma metodológico da Seleção de Imagens, o autor testou dois grupos de crianças (um na faixa de 36 meses de idade média, e outro na faixa de 60 meses) e um grupo de adultos. Os resultados encontrados demonstram que tanto informação morfossintática quanto informação semântico-contextual são relevantes na aquisição de nomes massivos e contáveis em PB. No texto intitulado “Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro”, de Luciana Teixeira, apresenta-se um estudo experimental cujo foco é a delimitação da categoria adjetivo por crianças em aquisição do PB como língua materna. Adotando uma perspectiva psico6 Niterói, n. 30, p. 5-9, 1. sem. 2011 linguística de aquisição da linguagem, aliada a uma concepção minimalista de língua (CHOMSKY, 1995-2007), assume-se que a criança é sensível às propriedades fônicas de elementos de classes fechadas, como determinantes e afixos, conforme a hipótese do bootstrapping fonológico. Com base na hipótese do bootstrapping sintático, postula-se que a análise de adjetivos no contexto sintático de DPs ou de small clauses, aliada ao pressuposto de que DPs fazem referência a objetos/entidades, possibilita a representação de adjetivos como categoria que apresenta uma propriedade ou atributo de um referente. Avalia-se, ainda, o papel da ordem canônica, na distinção entre adjetivos e nomes. Apresentam-se dois experimentos com crianças, usando-se a técnica de seleção de objetos com pseudopalavras, sendo o primeiro conduzido com crianças de 18-22 meses, e o segundo, com crianças de 2-3 anos e 4-5 anos. Os resultados dos experimentos relatados são compatíveis com a hipótese de que a criança faz uso de informação sintática e morfológica na delimitação de adjetivos, e revelam que, já aos dois anos de idade, propriedades semânticas de sufixos formadores de adjetivos são representadas pela criança. Paulo Antonio Pinheiro Correa analisa o caso de quedar(se), pseudo-cópula típica da interlíngua de brasileiros falantes de espanhol não-nativo, em o “Escopo da relexificação e os limites da hipótese Full Transfer”. O autor busca demonstrar que (i) essa entrada lexical combina propriedades sintáticas e semânticas do seu elemento correspondente em PB a L1 dos falantes e a representação fonológica da suposta contraparte do Espanhol; (ii) esse elemento mantém-se na interlíngua até o seu estágio estável como um caso de relexificação, um processo universal presente em várias situações de contato linguístico, entre elas, a aquisição de segunda língua. O artigo intitulado “A aquisição da clivagem no espanhol europeu”, de Carlos Felipe da Conceição Pinto, propõe-se a averiguar como as crianças espanholas adquirem as construções clivadas, indagando se tais crianças produzem inicialmente as construções inexistentes na variedade europeia adulta e em seguida as perdem, ou se as crianças de fato nunca produzem essas construções. Foram analisados dados extraídos da fala de 18 crianças, entre 2 e 10 anos de idade (2 crianças de cada faixa etária) que compõem o corpus CHILDES. Os dados mostraram que as crianças produzem construções inexistentes na gramática adulta, sendo que uma delas só aparece na criança de 3 anos e outra permanece em todas as faixas etárias. A interpretação dos dados é a de que não há, em princípio, um problema de aquisição da linguagem, mas de variação do espanhol europeu, já que as construções consideradas inexistentes em diversos estudos são encontradas na fala dos adultos na interação com as crianças. Vivian Meira, em seu artigo “Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB: traços semânticos de Niterói, n. 30, p. 5-9, 1. sem. 2011 7 modalidade na aquisição de primeira língua”, apresenta resultados parciais sobre os padrões de complementação sentencial, em relação às completivas finitas (indicativo e subjuntivo) e não-finitas (especificamente o infinitivo), na aquisição do PB. Tomando como base a teoria chomskiana de Princípios e Parâmetros e defendendo a hipótese de que a oposição Realis/ Irrealis é marcada por distintos padrões de complementação – o infinitivo e o indicativo –, a autora busca demonstrar que o marcador morfológico de infinitivo assume o traço [- realis] (que será posteriormente assumido pelo subjuntivo) e o indicativo, em orações finitas, expressa o traço [+ realis]. Para tanto, toma como sustento a Hipótese da Oposição Semântica, segundo a qual há uma hierarquia semântica no que se refere aos modos verbais no período da aquisição. Foram analisados dados de três crianças, duas pertencentes ao CEALL, do Rio Grande do Sul, com idade entre 1;08 e 3;07 e uma pertencente ao CEDAE, da UNICAMP, com idade entre 1;0 e 3;02. No texto “Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português)”, Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alves relatam os resultados de um estudo sobre a troca de grafemas que representam fonemas oclusivos surdos por grafemas representando fonemas sonoros (e vice-versa) e os padrões de VOT de alunos monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português). Os participantes foram divididos em três grupos: alunos monolíngues sem contato com bilíngues (MR), monolíngues que possuem contato com bilíngues (MP) e bilíngues (B). Na pesquisa, foram analisados, primeiramente, o número de trocas dos grafemas <p,b>, <t,d> e <c,g> da escrita de 183 alunos dos três grupos. Em um segundo momento, foram analisados os dados escritos de 30 alunos (10 de cada grupo) dos 183 analisados anteriormente. Com relação aos VOTs, foram analisados, primeiramente, os padrões da fala em PB dos 30 participantes. Posteriormente, foram medidos os VOTs do Hunsrückisch dos 10 alunos bilíngues. Quanto aos resultados, verificou-se a ocorrência de mais trocas grafêmicas nos participantes do grupo B, seguidos dos do grupo MP e, por fim, dos do grupo MR. Quanto aos padrões de VOT, nos segmentos surdos foram encontrados VOTs menores no grupo MR do que no grupo B e, nos segmentos sonoros, foram apurados valores mais elevados de pré-vozeamento no grupo MR do que no grupo B. Com base nos resultados obtidos, os autores concluem que parte dos participantes apresentam uma correlação positiva entre a taxa de trocas dos grafemas e a produção de fala, o que sugere uma possível relação entre os processos de produção escrita e oral Estudando a “Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos”, Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi 8 Niterói, n. 30, p. 5-9, 1. sem. 2011 investiga possíveis correlações entre tendências subjacentes aos usos dos mecanismos de junção em textos de sujeitos em fase de aquisição de escrita e tendências sobre desenvolvimento de juntores na história da língua. O propósito de seu trabalho é trazer novas luzes para a discussão do paralelo entre ontogenia e filogenia, nos moldes de Kortmann (1997), que sustenta, para a aquisição de esquemas de junção e para a mudança dos juntores ao longo do tempo, direções que sinalizam uma complexidade crescente, verificável tanto de um ponto de vista morfossintático, como semântico-cognitivo. Fechando este volume, vem a resenha de Danielle de Almeida Menezes sobre a obra “Corpora no Ensino de Línguas Estrangeiras, editada por Vander Viana e Stella Tagnin”, e publicada pela HUB Editorial em janeiro de 2011. Segundo a resenhista, apesar da clara relevância da obra, algumas críticas talvez lhe caibam. Em primeiro lugar, alguns estudos tornam-se repetitivos ao apontarem justificativas e propostas pedagógicas muito semelhantes. Além do mais, embora a obra se destine a professores com diferentes níveis de conhecimento de Linguística de Corpus, alguns capítulos demandam grande esforço cognitivo por parte de leitores pouco familiarizados com a área. Contudo, de acordo com Danielle de Almeida Menezes, essas questões menores não diminuem a qualidade do livro e nem de longe ofuscam um dos maiores méritos da obra, que é o de mostrar ao professor de língua que ele não depende dos materiais didáticos disponíveis no mercado brasileiro e, por isso mesmo, ele deve estimular a autonomia de seus alunos no tocante à aquisição da língua escrita e a investigações linguísticas de uma maneira geral. Os organizadores. Niterói, n. 30, p. 5-9, 1. sem. 2011 9 Abertura Aquisição da linguagem: palavras iniciais Jussara Abraçado (UFF) Eduardo Kenedy (UFF) O século XXI avança pela sua segunda década e, nestes anos, as ciências cognitivas vêm tornando-se cada vez mais maduras e fecundas. É no contexto do desenvolvimento científico desses novos tempos que as pesquisas sobre a natureza, a aquisição e o uso da linguagem como parte e, ao mesmo tempo, instrumento da cognição humana despontam no seio da linguística – essa que foi considerada ciência-piloto nas humanidades e manteve, nos estudos sobre mente e cérebro, sua vocação para a liderança. Com efeito, a linguística vem atravessando, desde a sua refundação como ciência cognitiva, ainda nos primeiros anos da revolução cognitivista da década de 60, um contínuo movimento de transformações dialéticas em seus fundamentos epistemológicos e em suas diretrizes programáticas. Por exemplo, nesse pouco mais de meio século, assistimos (1) à derrocada do behaviorismo radical e à ascensão e hegemonia do formalismo chomskiano, (2) à dissociação entre o estudo abstrato da competência linguística e a pesquisa empírica sobre o comportamento linguístico, (3) à profusão de análises funcionais sobre o binômio “linguagem e uso”, (4) ao amadurecimento da abordagem sociocognitivista, (5) à formação dos paradigmas conexionistas e, mais recentemente, (6) à reaproximação entre os estudos da competência e da performance linguísticas. O pano de fundo desses embates conceituais tem sido a tensão entre, de um lado, a necessidade de formular um modelo teórico que represente a natureza da linguagem no conjunto dos sistemas cognitivos humanos e, de outro lado, a importância de, na formulação de tal modelo, ter atenção e cuidado à suntuosa diversidade e complexidade dos dados empíricos da experiência humana, tanto aqueles relativos à aquisição do conhecimento linguístico pela criança quanto os concernentes ao uso desse conhecimento pelo indivíduo já maduro. Na abertura deste número da Gragoatá, especialmente dedicado ao fenômeno da aquisição da linguagem, gostaríamos de convidar o leitor para algumas reflexões a respeito dessa tensão entre teorização abstrata e pesquisa empírica. São muitas as vezes em que essa problemática subjaz aos distintos artigos que compõem o presente volume. O que desejamos fazer neste momento é trazê-la para o primeiro plano das discussões, considerando-a de maneira franca e aberta. O plano de nossa exposição é o seguinte. Nas seções 1 e suas subseções, apresentaremos um breve histórico da união, do divórcio e do recasamento entre teoria linguística e Gragoatá Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Gragoatá Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy psicolinguística. Analisaremos como essas duas ciências desenvolveram-se, durante décadas, de maneira independente e, mesmo, radicalmente separadas, até que uma reaproximação tornou-se possível e profícua com os redirecionamentos do Programa Minimalista propostos por Chomsky nos últimos anos (1995-2007 e posteriores). Argumentaremos que se, por um lado, a oposição entre “saber” e “fazer” linguísticos – a dicotomia “conhecimento” vs. “uso do conhecimento” – ainda hoje segrega duas realidades ontológicas distintas, por outro, a busca pela compreensão do “saber” a partir do “fazer”, isto é, a busca por uma generalização teórica com base em exaustivas pesquisas empíricas, é uma das agendas de pesquisa mais interessantes da linguística do novo século. Na seção 2 e suas subseções, falaremos sobre as abordagens essencialmente baseadas no uso, observando que, sob tal perspectiva, “uso”, “experiência”, “função” e “interação” sequer deixaram alguma vez de estar intrinsecamente vinculados à “cognição linguística” e é justamente em função desse recorte epistemológico, oposto à tradição gerativista, que os estudos que se caracterizam por priorizar a “língua em uso” apresentam uma caracterização do nicho da linguagem na mente humana diferente daquela cara a psicolinguistas e gerativistas. Quais são os pontos de convergência entre essas diferentes abordagens é o tópico da seção 3, que encerra nossa discussão. 1. A virada chomskiana Com a revolução chomskiana dos anos 50/60, o foco de estudo da moderna ciência da linguagem passava a ser a dimensão mental do fenômeno linguístico. Chomsky, já em suas primeiras publicações, denunciava as limitações do modelo behavioristaestruturalista então dominante na psicologia e na linguística norte-americana. Behavioristas influentes como Bloomfield (1933) e Skinner (1957) propunham que a linguagem deveria ser interpretada exclusiva ou essencialmente como um sistema de hábitos formado pelo ambiente, através da associação entre cadeias de estímulos e certos comportamentos – uma mera instância do que era conhecido como reflexo condicionado (cf. GARDNER, 1985). Chomsky (1957, 1959) contra-argumentava dizendo que o aspecto criativo da linguagem tornava a interpretação de uma língua natural como apenas uma espécie de comportamento condicionado pelo ambiente não somente insuficiente, mas, sobretudo, incorreta. Com o termo criatividade, Chomsky referia-se ao caráter gerativo da linguagem, entendido como a capacidade linguística humana de criar enunciados completamente novos e originais em forma e conteúdo de maneira recursiva e potencialmente infinita. As conclusões de Chomsky indicavam que a principal tarefa da linguística era compreender o que é e como funciona esse aspecto criativo. Para o linguista, a nova agenda nos estudos da linguagem conduzia para o interior da mente humana – e não 14 Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Aquisição da linguagem: palavras iniciais para os fatores condicionantes do ambiente externo ao indivíduo. Na mente humana, os mecanismos gerativos da linguagem eram, para Chomsky, a chave para a descoberta da natureza cognitiva das línguas naturais. Como se vê, a virada Chomskiana nos estudos da linguagem compreende, de fato, duas vertentes relacionadas, mas relativamente independentes. Por um lado, há o denso debate epistemológico acerca da natureza mental da linguagem humana, que justifica o abandono do behaviorismo e inscreve a linguística entre as ciências da cognição. Por outro lado, há a agenda para a caracterização técnica do aspecto gerativo da linguagem. A primeira vertente do gerativismo pode ser chamada de gerativismo epistemológico. Ela é essencialmente a mesma desde 1955 até o presente e é assumida, pelo menos parcialmente, pela maioria dos linguistas e cientistas da cognição modernos. A segunda vertente pode ser denominada de gerativismo metodológico. Tal vertente vem sofrendo diversas e profundas reformulações desde os anos 60 até o presente, com as diversas interpretações do Programa Minimalista. É nessa segunda vertente que são formuladas as teses controversas do gerativismo, como a centralidade e a independência da sintaxe no conjunto da gramática, as particularidades na caracterização de derivações de sentenças etc. O que faz da linguística chomskiana um divisor de águas na história dos estudos da linguagem é justamente o gerativismo epistemológico. As particularidades do gerativismo metodológico são, por seu turno, a grande causa das tensões entre linguística teórica e psicolinguística, entre gerativistas e não-gerativistas. 1.2. O casamento entre linguística e psicolinguística (teoria = uso) Ao ser fundada, a linguística gerativa foi recebida com entusiasmo entre os psicólogos cognitivos. Com efeito, o tratamento da linguagem como fenômeno cognitivo já constava na agenda da psicologia desde, pelo menos, a Sprachpsicologie, de Wundt, no início do século XX, e, na verdade, já havia sido anunciado muito antes, desde a Gramática de Port-Royal e as meditações de Descartes, no século XVII, e as hipóteses de Humboldt, nos séculos XVIII/XIX. Entretanto, foi somente com o gerativismo que a psicologia pôde finalmente tratar o fenômeno da linguagem de maneira prática e não apenas pela argumentação filosófica. As propostas de Chomsky constituíam não somente um retorno aos estudos de linguagem e mente, após os mais de 50 anos do hiato behaviorista, mas, sobretudo, formulavam hipóteses claras acerca do funcionamento de uma língua natural na mente humana, as quais poderiam ser testadas nos laboratórios da psicologia cognitiva. Foi com especial atenção a tal possibilidade que diversos psicólogos, com destaque para Miller e associados (cf. MILLER, Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 15 Gragoatá Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy 1962; MILLER & CHOMSKY, 1963), realizaram estudos sobre o comportamento linguístico humano. Nessas pesquisas, foi possível evidenciar empiricamente, por meio de diferentes paradigmas experimentais, que estruturas sintáticas possuem realidade psicológica, caracterizando-se como representações mentais que os humanos manipulam inconscientemente enquanto processam o sinal da fala. Na esteira dessas descobertas, muitos estudiosos procuravam validar empiricamente, em estudos de laboratório, os modelos transformacionais que então eram formulados pelos primeiros gerativistas. McMahon (1963), por exemplo, reportou sua pesquisa experimental que indicava ser mais complexo, para os indivíduos por ele testados, emitir juízos de valor de verdade sobre orações negativas, por oposição a orações afirmativas, ou sobre orações passivas, por oposição a orações ativas. Tais evidências pareciam sustentar empiricamente as hipóteses abstratas da gramática transformacional de então, considerandose que o histórico de derivação de determinada sentença deveria repercutir na maior ou menor facilidade de processamento dessa sentença na mente humana, ou seja, se, na descrição linguística, uma oração negativa é mais complexa derivacionalmente do que uma oração afirmativa e se uma oração passiva é mais complexa que uma oração ativa, então orações negativas e passivas devem demandar maior custo computacional na mente humana, o que poderá ser captado nos testes experimentais clássicos da psicologia cognitiva, como os de tempo de reação. Conforme se vê, para gerativistas e psicólogos cognitivos as transformações sintáticas formalizadas pelos chomskianos não seriam meras ferramentas descritivas cunhadas pelo linguista, mas seriam, principalmente, genuínas operações psicológicas, levadas a cabo em tempo real pela mente das pessoas enquanto produzem ou compreendem a linguagem. Tal hipótese ficou conhecida como Teoria da Complexidade Derivacional (DTC). A DTC previa, portanto, uma relação direta e transparente entre a derivação sintática de uma sentença e a sua complexidade de processamento mental, o que significa dizer que se tratava de uma teoria em que o modelo abstrato da linguística gerativa deveria encontrar-se em plena harmonia com os dados concretos do uso da linguagem, observáveis no desempenho linguístico. 1.3. A separação entre competência e desempenho (teoria ≠ uso) Ocorre que, já nos anos 60 e, de maneira conclusiva, no início dos anos 70, a DTC revelou-se empiricamente insustentável (cf., dentre outros, BEVER, FODOR, GARRETT e MEHLER, 1966; FODOR, BEVER e GARRETT, 1974). Em síntese, pode-se dizer que as pesquisas experimentais não conseguiam encontrar no comportamento linguístico humano evidências que sustentassem 16 Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Aquisição da linguagem: palavras iniciais empiricamente os modelos transformacionais formulados pelos gerativistas. Nos estudos de laboratório, os tempos de reação dos sujeitos testados não eram maiores ou menores conforme a complexidade derivacional do estímulo linguístico a que eram apresentados, muito ao contrário do que previa a DTC. De fato, os tempos de processamento mental de, por exemplo, uma oração passiva, capturados em dados de produção ou de compreensão da linguagem, não se demonstraram superiores aos tempos despendidos com orações ativas, fato que parecia desabonar a hipótese de que, nas operações mentais que de fato levamos a cabo quando usamos uma língua natural, uma estrutura fosse transformada a partir da outra. Se a transformação passiva, nosso exemplo em tela, parecia adequada descritivamente para a gramática transformacional, não havia, no entanto, evidência de que ela fosse psicologicamente real, algo de fato vivo na mente durante o uso da linguagem. O fracasso da DTC precipitou um dos momentos mais infelizes na história das ciências cognitivas modernas: a separação radical entre modelo teórico e estudo do comportamento linguístico. A resposta de chomskianos à falência da DTC sustentava-se no já clássico Aspects, de Chomsky (1965). Nesse verdadeiro programa para o desenvolvimento do gerativismo, Chomsky separava claramente o estudo da competência linguística, objeto da teoria linguística, e o estudo do desempenho linguístico, ou performance, objeto de estudo das ciências comportamentalista. A DTC teria falhado, portanto, em razão de uma confusão entre os conceitos de competência e de desempenho. Os construtos abstratos dos gerativistas diziam respeito à competência linguística, essa capacidade abstrata que governa a faculdade humana de produzir e compreender sentenças. Como tais, esses construtos não poderiam ser diretamente observados nos dados da experiência, tal como em vão tentaram fazer os psicólogos cognitivos. No que pese a clareza e a coerência epistemológica do argumento, a justificativa chomskiana dava aos gerativistas licença para formular teorias linguísticas que sequer pudessem ser testadas empiricamente. Ainda que de maneira teoricamente aceitável, o argumento competência vs. desempenho cindia dolorosamente teoria e uso e abria caminho para o formalismo sem limites, conduzindo o gerativismo das décadas subsequentes para o extremo da abstração. O gerativismo metodológico viria limitar-se à busca de um modelo formal de competência linguística que se justificasse a si mesmo e fosse validado somente pelos critérios de coerência intrateórica e elegância matemático-formal, com mínimas ou nulas considerações empíricas. O recurso ao famigerado falante ouvinte ideal, que conhece a sua língua perfeitamente e vive numa comunidade linguística completamente homogênea (nos termos de Chomsky, 1965, p. 84) é o emblema do isolacionismo gerativista que por anos Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 17 Gragoatá Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy separou formalistas do restante das ciências da cognição e do restante da linguística. Durante os anos 70 e parte da década 80, as referências feitas por um gerativista típico aos dados da experiência linguística eram bastante limitadas e, não poucas vezes, muito pobres do ponto de vista metodológico e científico. Praticamente, o único vínculo dos altamente técnicos e complexos modelos gerativistas com a realidade do uso linguístico eram os julgamentos de gramaticalidade. Como anotado por Coward (1997, p. 10-13), esses julgamentos quase sempre eram emitidos pelo próprio linguista que formulava sua teoria, quase sempre desconsideravam a diversidade de fatores que podem provocar a sensação subjetiva de agramaticalidade e nunca apresentavam qualquer consideração estatística com a variabilidade de aceitação ou negação de determinada estrutura linguística. O desleixo com o método de pesquisa e a velada aversão aos dados do desempenho impediam que o gerativismo metodológico desses anos estivesse plenamente de acordo com o fazer científico normal do restante das ciências cognitivas. Como sugerem Sprouse & Almeida (2011), o grosseiro erro metodológico de gerativistas clássicos peca mais pelo que com ele se deixa de fazer e de descobrir, em função das severas limitações que as próprias intuições informais sobre frases têm de enfrentar, do que propriamente pelo pouco que com ele se pode fazer. Com efeito, o solipsismo da linguística gerativa mainstream cultivou abismos entre psicólogos cognitivos e gerativistas, tornou incompreensíveis as relações entre o gerativismo epistemológico e o gerativismo metodológico e, por fim, gerou crises internas no próprio movimento gerativo, dando origem à cisão da semântica gerativa, que mais tarde daria à luz as abordagens funcionais e o sociocognitivismo. Não obstante, o grande poder político e o enorme prestígio acadêmico pessoal de Chomsky permitiram que a escola gerativa sobrevivesse muito bem e, mais do que isso, ganhasse força ao longo desses anos de isolamento teórico. Por sua vez, as pesquisas sobre o comportamento linguístico nunca deixaram de ser assombradas pelo estigma de segunda classe, reservado aos estudos de desempenho. Não poucas vezes, psicolinguistas eram ou são confundidos com behavioristas, por cultivarem métodos que envolvem emissão de estímulos e medição de respostas. O fato é que, conforme pontuou Corrêa (2006, p. 107-8), a psicolinguística viria a assumir, durante muitos anos, uma prática autônoma, no seio da psicologia cognitiva, sem preocupações importantes com a formulação de modelos cognitivos de língua. 1.4. Uma reaproximação (dados → generalização) Nos anos 80 e 90, uma luz foi lançada sobre as tensões entre teoria e uso que se mantinham por anos na linguística gerativa: a 18 Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Aquisição da linguagem: palavras iniciais teoria de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981). Na verdade, por si só, a própria postulação de princípios comuns a todas as línguas naturais e de parâmetros variáveis binariamente de língua a língua pode ser interpretada como uma generalização empírica, com grande poder descritivo e com capacidade explicativa bastante coerente. Por exemplo, o fato de línguas como o japonês apresentarem núcleo final (posterior linearmente a seus argumentos) e línguas como o português apresentarem núcleo inicial pode apresentar-se, a princípio, como apenas uma constatação empírica, porém caracterizar Núcleo como uma espécie de parâmetro, a ser marcado [+ final] ou [- final] durante o processo de aquisição da linguagem pela criança, permite uma série de previsões que podem ser testadas empiricamente, já que línguas com núcleo [- final] apresentarão padrões de movimento e encaixamento de constituintes que não ocorrem em línguas cujo parâmetro do núcleo é [+ final]. A teoria de Princípios e Parâmetros abria, dessa forma, um leque de possibilidades de diálogo entre teoria linguística, estudos translinguísticos e pesquisas sobre aquisição da linguagem, acenando com a possibilidade de reconciliação entre teorização e pesquisa empírica. Esse momento do gerativismo representa um importante avanço em relação aos modelos anteriores, em que as transformações gramaticais diziam respeito a línguas específicas ou a construções específicas dentro de uma língua e eram justificadas quase exclusivamente pelos julgamentos de gramaticalidade informais do linguista. O espaço para a interlocução com estudos empíricos estava reaberto. Particularmente, a síntese mais interessante para a antítese teoria e uso da linguagem foi levada a cabo, nos anos 80 e 90, por uma solução brasileira: a sociolinguística paramétrica. Trabalhos como, dentre outros, os de Tarallo (1983), Galves (1989) e Cyrino (1990) apresentavam uma original articulação entre variacionismo e teoria da gramática. Na pesquisa socioparamétrica, buscavase caracterizar certos parâmetros de uma dada língua, como, por exemplo, o português brasileiro (PB), a partir de pesquisas empíricas, quase sempre sustentadas em dados de corpora. O PB apresenta-se, nesse sentido, como uma língua rica para esse tipo de estudo porque nela são fortes os indícios de mudança linguística – no caso, uma mudança paramétrica – desde a sua ramificação do português europeu, no século XVI. Diversas pesquisas acerca de sujeitos/objetos nulos e preenchidos, orações relativas e interrogativas, topicalizações, clivadas, concordância verbo-nominal etc. permitiram não apenas identificar princípios e parâmetros linguísticos a partir de observações empíricas, no uso linguístico real, mas, sobretudo, facultaram o refinamento da noção de parâmetro, atribuindo-lhe, inclusive, um caráter gradiente, e não discreto, como na proposta original de Chomsky. Numa visão cognitivista, a socioparamétrica apresentava a desvantagem de pautar-se quase exclusivamente em dados sacaNiterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 19 Gragoatá Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy dos do produto da atividade linguística, registrado em corpora, numa diversidade de gêneros textuais e de fatores sociolinguísticos condicionantes que muitas vezes não eram suficientemente controlados ou considerados pelo linguista. É importante ressaltar que, na abordagem das ciências cognitivas, o uso da linguagem não é compreendido como o produto da atividade verbal na interação linguística. Ele não se confunde com a própria interlocução comunicativa face a face, como parece ser a interpretação aproximada do termo uso para a sociolinguística, para as abordagens funcionalistas e para o sociocognitivismo. Nas ciências da mente, usar a linguagem é pôr em ação os mecanismos mentais (como memória, atenção, conhecimento linguístico etc.) que, sem que tenhamos consciência, são recrutados para que possamos produzir e compreender sentenças e discursos. Segundo essa acepção, o uso da linguagem é também um fenômeno cognitivo escondido na caixa preta da mente humana. Dessa forma, o estudo do comportamento linguístico numa perspectiva cognitiva é conduzido, preferencialmente, em situações laboratoriais controladas, que permitam a manipulação e a observação de variáveis psicológicas, que raramente estão sob controle em situações mais ou menos livres, como aquelas que geram os registros de corpora. É nesse sentido que as pesquisas sobre a aquisição e mudança de parâmetros, conduzidas no método da socioparamétrica ou pela observação longitudinal de crianças, apenas indicavam a possível reconciliação entre teoria linguística e estudo do uso da linguagem. 1.5. O diálogo reaberto: minimalismos e psicolinguística (teoria ↔ uso) O Programa Minimalista é o estágio presente da agenda de pesquisa da teoria de Princípios e Parâmetros de orientação chomskiana (cf. CHOMSKY, 1995-2007 e posteriores). É muito comum pensar no minimalismo no singular, como se houvesse apenas um programa dessa natureza, bem como é frequente que o minimalismo seja apresentado como mais um momento no desenvolvimento das teorias chomskianas, tal como se vê nos textos de Borges Neto (2004) e Silva & Costa (2004), em que o programa sucede linearmente a última teoria da sequência teoria padrão > teoria padrão ampliada > teoria padrão ampliada e revista > teoria da regência e da ligação. Embora o minimalismo seja cronologicamente posterior a todas essas teorias, ele na verdade apresenta uma ruptura com a interpretação da natureza da Faculdade da Linguagem assumida por Chomsky e o mainstream gerativista até a década de 1990, de modo que sua comparação com os momentos anteriores do gerativismo deve assumir, como ocorre nos textos citados, um aspecto puramente descritivo e histórico. Devemos ser cuidadosos com o minimalismo e conferir-lhe o caráter especial que ele 20 Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Aquisição da linguagem: palavras iniciais demanda. Em primeiro lugar, como já alertava o próprio Chomsky (2001, p. 05), o minimalismo não é uma teoria sobre o aspecto gerativo da linguagem – portanto, não faz sentido compará-lo com uma teoria tal ou qual. Como seu próprio nome anuncia, o minimalismo é um programa. Em segundo lugar, conforme advertia Hornstein (2001, p. 83), o minimalismo não é um refinamento técnico das teorias chomskianas que o precederam – portanto, não faz sentido interpretá-lo como apenas um novo formalismo. Com efeito, o minimalismo é, ao mesmo tempo, uma nova concepção ontológica sobre a Faculdade da Linguagem e uma nova diretriz para a descrição técnica das línguas naturais. Para a discussão do presente artigo, é a nova concepção de Faculdade da Linguagem, aquilo que chamamos de minimalismo ontológico, que importa para caracterizarmos a reaproximação programática entre teoria linguística e psicologia cognitiva, entre teoria e uso da linguagem. Com a interpretação minimalista, Chomsky vem propondo que a Faculdade da Linguagem seja interpretada como um subsistema cognitivo acoplado nos sistemas de performance, aos quais deve servir e em função dos quais veio a existir, de um ponto de vista evolutivo, na mente humana. Isto é, com o Programa Minimalista, passa-se a interpretar que a Faculdade da Linguagem seja um componente embutido em dois sistemas cognitivos superiores, que são os sistemas sensório-motores (ou articulatório-perceptuais), responsáveis pelas informações que levarão à produção e percepção dos símbolos físicos que veiculam informação linguística, e os sistemas de pensamento (ou conceitual-intencionais), responsáveis pela manipulação dos significados carreados pelas expressões linguísticas. Como se assume que Faculdade da Linguagem seja um subsistema cognitivo, cuja função é prover as interfaces (os sistemas superiores) de objetos linguísticos, tem-se como consequência que a natureza e o funcionamento da Faculdade da Linguagem sejam fortemente influenciados (senão determinados) pelas necessidades de tais interfaces. Isto significa que a Faculdade da Linguagem não deve possuir uma essência idiossincrática, uma natureza intrínseca de per si. Muito pelo contrario, ela deve ter uma feição moldada pelas características dos sistemas superiores, aos quais deve servir funcionalmente. A Faculdade da Linguagem existe e funciona sob a condição de gerar objetos linguísticos que possam ser acessados e usados pelos sistemas de performance, e dessa forma faz um trabalho sob medida, orientado por/para as interfaces. Para ilustrar esse caráter derivado que Chomsky vem conferindo à natureza da Faculdade da Linguagem ultimamente, veja-se como o linguista hipotetiza sobre o surgimento do órgão da linguagem na história da evolução humana, a partir daquilo que ele chamou de fábula evolucionária. Imagine um primata com a arquitetura mental humana e com o aparato sensório-motor adequado, mas sem um órgão da Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 21 Gragoatá Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy linguagem. Esse primata teria nossos modos de organização perceptual, nossas atitudes proposicionais (crenças, desejos, esperanças, medos...) na medida em que essas não são mediadas pela linguagem, talvez uma “linguagem do pensamento”, no sentido de Jerry Fodor, mas nenhuma maneira de expressar os seus pensamentos por meio de expressões linguísticas, de tal forma que esses permanecem quase completamente inacessíveis para si próprio e para os outros. Suponha que algum acontecimento reorganize o cérebro desse primata de modo que FL possa emergir. Para poder ser usado, esse novo órgão deve obedecer a certas ‘condições de legibilidade’.1 (CHOMSKY, 2001, p. 6-7) Todas as traduções das citações presentes neste artigo são de responsabilidade dos autores. 1 22 Essa hipótese de um surgimento tardio de Faculdade da Linguagem na mente e de seu caráter determinado por outros sistemas cognitivos rompe com a longa tradição no pensamento chomskiano em se considerar a linguagem como um órgão mental isolado, autossuficiente, governado por suas próprias leis e princípios, independente do uso que dele se faça e do restante da cognição humana (cf. CHOMSKY, 1975: p. 04; 1980: p. 44; 1986). Inclusive, muitos críticos não-gerativistas veem nos textos mais atuais de Chomsky uma forma de retratação com o que consideram uma posição isolacionista radical adotada no passado (cf. GOLDBERG, 2003). Para a teoria linguística, o mais importante da virada do Programa Minimalista é que teorizar sobre Faculdade da Linguagem é descobrir como esse subsistema cognitivo é capaz de gerar objetos linguísticos de acordo com as especificações de suas interfaces, o que, na prática, significa abandonar a abordagem essencialista clássica do gerativismo, que procurava explicar a Faculdade da Linguagem por meio de propriedades gramaticais arbitrárias atribuídas às línguas específicas e à Gramática Universal como organismo autônomo. Em resumo, o Programa Minimalista propõe que a natureza da competência linguística (uma instância da Faculdade da Linguagem) tenha sido criada evolutivamente a partir da natureza dos sistemas cognitivos responsáveis pelo desempenho linguístico (os sistemas de performance). Ora, essa interpretação abre a possibilidade de que os estudos sobre o comportamento linguístico sejam utilizados como ferramenta crucial para o desenvolvimento de teorias abstratas sobre a natureza da linguagem humana. Em suas diversas vertentes, o Programa Minimalismo assume que o design da Faculdade de Linguagem compreende um Sistema Computacional, comum a todos os humanos, e um Léxico formado arbitrariamente ao longo da experiência de um indivíduo em particular, o qual se compõe de unidades mínimas, providas de informações fonológicas, semânticas e sintáticas. Os procedimentos gerativos da gramática mental dos indivíduos são interpretados como o funcionamento do Sistema Computacional quando este gera representações sintáticas a partir das informações retiradas do Léxico. Uma vez formadas, tais representações Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Aquisição da linguagem: palavras iniciais devem ser acessadas e usadas pelos sistemas cognitivos de performance que mantêm interfaces com a Faculdade da Linguagem (mais diretamente com os subsistemas Forma Fonética (PF) e Forma Lógica (LF)), tal como se ilustra na figura a seguir. Fig.1: Arquitetura da Faculdade da Linguagem no Programa Minimalista. Nessa arquitetura minimalista, o Léxico é componente cognitivo que mais se relaciona com as abordagens socioculturais do fenômeno linguístico. É no Léxico que estão codificadas as formas arbitrárias manipuladas pela linguagem na formação de expressões complexas, e lá que estão registradas as regularidades e convenções de uso memorizadas pelos falantes e, por fim, é no Léxico que se encontram os parâmetros da linguagem que devem ser adquiridos no curso dos anos de aquisição de uma língua pela criança. Tal arquitetura reserva, naturalmente, espaço para o formalismo chomskiano. No caso, a formalização ocupa-se da natureza das operações computacionais que formam representações, de maneira derivacional, sobre o conjunto de informações retiradas do Léxico (a Numeração que alimenta uma Derivação). Trata-se de um formalismo de fato bastante enxuto, como é a diretriz do minimalismo metodológico do Programa Minimalista, nas palavras de Uriagereka (1999). O Sistema Computacional possui, na verdade, um número mínimo de operações: Select, que seleciona da Numeração os itens ou traços lexicais que comporão uma Derivação e Merge, que combina dois objetos sintáticos presentes na Derivação a fim de criar um terceiro, recursivamente (o que pode gerar o epifenômeno Move). Os princípios a serem considerados pelo formalista na postulação das derivações sintáticas do Sistema Computacional são a Interpretação Plena (legibilidade nas interfaces) e as Condições de Economia (do próprio Sistema Computacional e dos sistemas de desempenho), formulados por Chomsky em 1995 e ainda fundamentais para a teorização gerativista. Finalmente, a arquitetura minimalista da linguagem humana abriga amplo espaço para a pesquisa experimental em psicolinguística e Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 23 Gragoatá “Hey Sally” é uma forma jocosa de apontar a pobreza metodológica grosseiramente inaceitável dos julgamentos de gramaticalidade obtidos de maneira informal, sem cuidado no controle do estímulo linguístico e sem tratamento estatístico de resultados, como o linguista que abre a porta do seu gabinete, chama o primeiro transeunte e lhe diz “Hey, Sally, diga lá se considera esta frase boa”. 2 24 Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy em neurociência da linguagem acerca da aquisição, do uso e dos distúrbios da linguagem. Neurocientistas e psicólogos cognitivos podem, dentre outras possibilidades, investigar (1) a aquisição dos traços lexicais que orientam a formação de representações sintáticas pelo sistema computacional, (2) o acesso em tempo real aos traços do léxico usados na produção e na compreensão de enunciados, (3) o processamento de estruturas sintáticas em tempo real, tanto pelo parser como pelo formulador sintático, (4) a aquisição anormal da linguagem, (5) os déficits e afasias linguísticas, tudo isso tendo sempre em foco a noção minimalista de língua, isto é, a noção da linguagem como um subsistema cognitivo (Léxico, Sistema Computacional, Interfaces) acoplado nos sistemas de performance. Com a interpretação minimalista sobre o nicho ecológico da linguagem no conjunto da cognição humana, parece correto assumir que, ao fazer teoria linguística, o gerativista precisará ter em vista as demandas que os sistemas de interface impõem sobre o sistema computacional, de modo a descobrir como ele as satisfaz. Isto quer dizer que caracterizar a natureza dos sistemas de interface pode ser crucial para chegarmos a caracterizar adequadamente a natureza do Sistema Computacional e seu funcionamento a partir do Léxico. Se esse raciocínio for legítimo, então gerativistas e psicolinguistas deverão ser parceiros de trabalho, como parece estar acontecendo em diversos centros de pesquisa experimental no mundo. Por outro lado, os estudos sobre o comportamento linguístico não devem limitar-se a meramente descrever fatos sobre a performance. Podem e, talvez, devem eles indicar como o tratamento da informação linguística ocorre na aquisição e no processamento da linguagem, de tal forma que modelos integrados de representação, aquisição e uso do conhecimento linguístico possam ser formulados, a exemplo do que propõe Corrêa (neste volume), dentre outros. Aqui, mais uma vez, estão juntos gerativistas e psicolinguísticas, teóricos e estudiosos do uso. Tal trabalho integrado não deve ser interpretado como um delírio ingênuo daqueles que desejam a paz após um longo histórico de conflitos. Trata-se de um esforço de trabalho que visa tornar o fazer da linguística teórica coerente com o ideal das ciências cognitivas. Resultados da articulação entre teoria abstrata e realidade do uso linguístico podem ser ilustrados com os manuais e os cursos de sintaxe experimental que estão cada vez mais acessíveis aos sintaticistas gerativistas (cf. COWART, 1997; SPROUSE, 2009; SPROUSE e ALMEIDA, 2011). Hoje em dia, é apenas por desinformação que gerativistas limitam a dimensão empírica de seu trabalho aos informais e pobres juízos de gramaticalidade emitidos pelo próprio pesquisador, ou colhidos com outrem, com metodologia inadequada (o método HeySally)2. Por fim, a necessária correlação entre teoria e uso, entre gerativismo e psicolinguística, torna necessária uma discussão e Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Aquisição da linguagem: palavras iniciais talvez uma ressignificação da dicotomia competência vs. desempenho. De fato, a distinção entre “saber” e “fazer”, “representação” e “acesso”, “teoria” e “uso” parece indicar diferentes grandezas ontológicas, das quais herdaríamos inapelavelmente a realidade teórica da linguística formal e a realidade psicológica da psicolinguística, que devem, no máximo, ser coerentemente articuladas, mas jamais poderão ser de fato integradas – tal como a física teórica não se reduz à física experimental. Nesse cenário, tal como sugere a agenda do Programa Minimalista, a dicotomia mantém-se, mas a realidade da competência linguística não deverá ser construída ex nihilo, como foi e perigosamente pode ainda ser a tradição formalista chomskiana. Se a interpretação correta do Programa Minimalista for levada a sério pelos teóricos da linguagem, então é a partir do que aprendermos sobre o desempenho que formularemos nossa descrição sobre a competência linguística humana. 2. Abordagens baseadas no uso Na seção anterior, o termo “uso” foi bastante empregado e, nesta seção, não será diferente, como o próprio título sugere. Entretanto, como o leitor perceberá nas linhas que se seguem, a palavra “uso” a partir de agora assumirá um valor diferente. Enquanto, até então, a discussão voltou-se para a distinção entre “saber” e “fazer”, “representação” e “acesso”, “teoria” e “uso”, num viés que culmina por demonstrar a importância do desempenho (do uso) na formulação e descrição da competência linguística, na perspectiva adotada daqui em diante, a famosa dicotomia chomskiana “competência /desempenho” não é validada nem considerada, uma vez que, conforme enunciado na introdução deste texto, “uso” “experiência”, “função” e “interação” sequer deixaram alguma vez de estar intrinsecamente vinculados à “cognição linguística”. No que se refere à aquisição da linguagem, tema que abarca muitos fenômenos e questões como, por exemplo, aquisição e/ ou aprendizado, universalidade e variação, cognição linguística e não-linguística, o papel do input e da interação, bilinguismo, plurilinguismo etc., destacamos um aspecto que tem intrigado muitos estudiosos: a observação de que as capacidades mentais de uma criança, em seus primeiros anos de vida, parecem bastante limitadas. Entretanto, é justamente nessa fase de sua vida que, normalmente, as crianças adquirem com muito mais facilidade do que os adultos uma ou mais línguas. Os avanços alcançados por pesquisas recentes no campo da Neurociência, aliados aos achados da Linguística Cognitiva, da Pragmática, do Funcionalismo Linguístico etc., têm contribuído bastante para o preenchimento de lacunas e para solução de questões cruciais, como a descrita acima, permitindo-nos visualizar com maior clareza o processo de aquisição da linguagem. Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 25 Gragoatá Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy Em relação à questão levantada, há muito vem sendo discutido o postulado chomskiano acerca da existência, na espécie humana, de um dispositivo inato, um dote genético específico para a aquisição da linguagem. Tal postulado constituiu-se uma espécie de marco divisório, que começa a se desfazer, entre os estudos que nele se apoiaram ou se apoiam e aqueles que sempre o refutaram. Nosso propósito nesta seção é apresentar de forma breve e abrangente a perspectiva dos estudos que se opuseram ao postulado em questão. Começamos por ressaltar que a evidente recorrência de termos como “uso”, “experiência”, “cognição”, “função”, e “interação” denunciam a existência de muitos pontos de convergência em pesquisas que, apesar de desenvolvidas sob diferentes perspectivas teóricas, compartilham pressupostos mais gerais, como os seguintes: (i) as crianças adquirem a língua materna equipadas com habilidades cognitivas evoluídas na espécie humana para outras funções mais gerais; (ii) a aquisição da língua pela criança se dá via interação. Muito provavelmente, em função da convergência referida, o rótulo “abordagens baseadas no uso” cada vez mais sirva de ancoragem para estudos que, na explicação dos fenômenos em investigação, consideram, além dos fatores inerentes ao processo de aquisição, aspectos relacionados ao input e ao contexto (situacional e sociocultural). 2.1 A ênfase na experiência e no significado De acordo com Armstrong, Strokoe & Wilcox (1995, p.143), Estudos de aquisição da linguagem mostram que a linguagem (...) emerge somente da interação social, mas interação social, dentro de limites restritos. Nós não saberíamos o que significa uma palavra se não tivéssemos ouvido ou visto a palavra sendo usada por outra pessoa em um contexto que fizesse a relação razoavelmente inequívoca entre palavra e significado. Conforme explicam os autores, uma vez adquirida a língua materna a um nível suficiente, o indivíduo torna-se capaz de usar a língua (contando com a ajuda que a própria língua fornece) para determinar, por inferência, a partir do contexto, o significado de uma palavra até então desconhecida. Porém, sem a introdução de palavras e das ideias seminais que as palavras simbolizam – isto é, sem o processo de aquisição inicial, que é social – não haveria nenhum equipamento que possibilitasse ao indivíduo fazer inferências linguísticas; ou seja, a associação de uma palavra com um significado torna possível a conversa e o pensamento verbal, mas o pensamento verbal precisa de linguagem, e a linguagem precisa da interação de, pelo menos, dois seres humanos. (ABRAÇADO 2011). Salomão (2009), ao discorrer sobre o desenvolvimento da perspectiva sociocognitivista dos z da linguagem, toca em dois 26 Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Aquisição da linguagem: palavras iniciais aspectos da linguística chomskiana que incomodaram muitos estudiosos, abrindo espaço para o surgimento das abordagens baseadas no uso: A relutância de Chomsky em abordar a questão do sentido com a mesma energia e audácia que devotara à questão da sintaxe e (...) a intratabilidade, no interior do paradigma gerativo, de uma característica indescartável das línguas humanas como produção histórica – sua idiomaticidade. Em ambos os casos, ameaçando a elegância das soluções formais, avultava a feia cabeça do uso linguístico, que se tentara escantear para a não-área da performance. (SALOMÃO, 2009, p.21) A autora reconhece que "a virada cognitivista" dos estudos da linguagem se deve ao trabalho de Chomsky e seus seguidores, ao fazer referência ao caráter mentalista atribuído por Chomsky à linguística. Contudo, A dimensão da significação, identificada, à época, como estrutura profunda da derivação (ou como interpretação da estrutura profunda), acabou trazendo ao procênio do debate a incompatibilidade básica entre o mentalismo, concebido a Chomsky e Fodor, e o pragmatismo constitutivo de toda reflexão semântica contemporaneamente relevante: tentou-se, sem êxito, distinguir dicionário e enciclopédia; tentou-se, sem êxito, reduzir a “estrutura semântica” linguística à forma lógica. Mas o que fazer com as pressuposições, as implicaturas, o valor ilocucionário dos atos de fala, os processos dêiticos de referenciação? (Salomão, 2009, p.21). Apesar de a abordagem da cognição linguística ter ostentando até recentemente um caráter não evolucionário, negligenciando a relação da linguagem seja com os demais sistemas animais de comunicação, seja com os estágios pré-linguísticos do desenvolvimento humano – a não ser numa perspectiva dissociacionista. (...) –, nos últimos anos, (...) a crescente expressividade do legado darwinista levou a um rearranjo nos estudos cognitivos, de tal modo que pensadores de persuasão tão diversa quanto Bickerton, Pinker, Jackendoff e Fauconnier passaram a tematizar a questão da origem da linguagem, com óbvio impacto nas suas hipóteses sobre a natureza da gramática e das categorias linguísticas. (SALOMÃO, 2009, p.23) Nessa direção, Armstrong, Strokoe & Wilcox (1995), objetivando realçar o papel dos gestos no desenvolvimento da linguagem humana, destacam a importância do aspecto social no processo, uma vez que, conforme demonstram estudos de base evolucionista, possuir um cérebro que tenha evoluído até a capacidade de ter uma consciência primária não garantiria à espécie o desenvolvimento da linguagem. Segundo explicam os autores, indivíduos de uma espécie com consciência primária podem até ser bem sucedidos na luta para sobreviver, garantindo, assim, a sobrevivência de sua espécie. Tais indivíduos devem ter redes Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 27 Gragoatá Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy neurais extensivas, complexas e bem ajustadas ao seu habitat e estilo de vida como, por exemplo, os chipanzés, que têm meios de comunicação razoavelmente sofisticados que não se desenvolveram em linguagem. Também criaturas proximamente relacionadas aos chipanzés, os primeiros hominídeos, teriam cérebros complexos. Não obstante, diferentemente dos primeiros, a vida social diferenciada dos hominídeos teria ocasionado um tipo de linguagem meio comportamental e a consciência de ordem superior necessária para desenvolvê-la, uma vez que (...) é a vida do grupo, e não vidas de indivíduos sozinhos, que adapta uma espécie social ao seu meio ambiente; ou, de outro ponto de vista, para o indivíduo, o grupo é (a porção mais significativa do) meio ambiente. (Armstrong, Strokoe & Wilcox 1995, p. 144) Apoiados em Kendon (1991), Armstrong, Strokoe & Wilcox (1995) apresentam evidências de como a diferença substancial entre os chimpanzés e os hominídeos, no que concerne à estrutura social, pode ter levado os gestos visíveis e vocais utilizados pelos hominídeos, do tipo usado também pelos chimpanzés, a se tornarem verdadeiros símbolos da linguagem. Fato é que, para Kendon (1991), os chimpanzés pareciam estar em vias de desenvolver uma linguagem, entretanto, isso não aconteceu. Depois de se perguntar o que teria faltado para tal, Kendon conclui que os chipanzés não desenvolveram um sistema de linguagem, simplesmente porque não precisaram de um, já que, na vida social dos chimpanzés, é praticamente inexistente a cooperação, envolvendo uma relação de complementaridade entre o comportamento de dois ou mais indivíduos. Ainda segundo Kendon, no que se refere aos hominídeos, a vida social teria começado com o surgimento de uma diferenciação entre os sexos. Teria havido também um prolongamento da dependência infantil e o desenvolvimento sustentado de relações consorte, estando associada a isto a contínua receptividade sexual feminina. No desenrolar desse processo evolutivo descrito por Kendon, a linguagem teria emergido. (Abraçado, 2011) Armstrong, Stokoe & Wilcox (1995) explicam que, durante os milhões de anos de evolução dos hominídeos, a cooperação, envolvendo uma relação de complementaridade seria determinante no desenvolvimento da linguagem. A diferenciação dos papeis (os machos atuando como caçadores e as fêmeas, como coletoras) teria ocasionado separações e reencontros. Acrescentam os autores que Tal estilo de vida faria útil, mesmo vital, a capacidade de usar signos referindo-se a coisas e eventos não presentes, mas em outros tempos, em outros lugares, ou presentes para um, mas não para o outro. A Emergência desses signos não só reforçaria a estrutura social existente, como também permitiria 28 Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Aquisição da linguagem: palavras iniciais diversificá-la ainda mais, com o consequente alargamento do cérebro e de seu sistema de signos, agora possuindo características fundamentais da linguagem. (Armstrong, Strokoe & Wilcox 1995, p. 145) 2.2 A emergência da gramática Nos anos de 1970, trabalhos de linguistas como Paul Hopper, Sandra Thompson e Talmy Givón ganharam notoriedade, assinalando a ascensão de uma forte tendência nos estudos linguísticos, identificada com a reivindicação de uma linguística baseada no uso: O texto que é considerado o pioneiro no desenvolvimento das ideias da escola funcionalista norte-americana foi The origins of syntax in discourse: a case study of Tok Pisin relatives, publicado por Gillian Sankoff e Penelope Brown em 1976. Neste trabalho, as autoras fornecem evidências das motivações discursivas geradoras das estruturas sintáticas de relativização do Tok Pisin, língua de origem pidgin de Papua- Nova Guiné, ilha ao Norte da Austrália. (KENEDY & MARTELOTTA, 2003, p.22). Nos trabalhos desses e de outros autores é possível se observar que a concepção funcionalista de gramática está relacionada com sua emergência nas línguas naturais, uma vez que a gramática é entendida como um conjunto de regularidades decorrentes de pressões de usos linguísticos que, por sua vez, relacionam-se a aspectos de natureza cognitiva e discursivo-pragmática. No que se refere à aquisição da língua materna, os achados de pesquisas na Linguística Cognitiva, como as de Goldberg (1995, 2006), sugerem que também a aquisição das estruturas linguísticas emerge do uso. Goldberg (1995), que figura entre os responsáveis pelo alçamento da categoria da Construção à posição central do escopo da Linguística Cognitiva, com base em pesquisas anteriores de Clark (1978), Slobin (1985) e Bowerman (1989), defende a hipótese de que Construções simples estão diretamente associadas a estruturas semânticas que refletem cenas básicas da experiência humana. Em particular, as construções que envolvem a estrutura argumental básica são mostradas como estando associadas a cenas dinâmicas: gestalts experimentalmente fundamentadas, tal como alguém volitivamente transferindo alguma coisa para alguém, alguém fazendo algo se mover ou mudar de estado, alguém vivenciando algo, algo se movendo, e assim por diante. Propõe-se que os tipos básicos de cláusula de uma língua formem uma rede interrelacionada, com estruturas semânticas emparelhadas a formas particulares de uma maneira tão geral quanto possível. (Goldberg 1995, p.5) A autora apresenta alguns exemplos de estruturas argumentais em construções do inglês, relacionadas a cenas dinâmicas vivenciadas: Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 29 Gragoatá Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy 1. Bitransitiva (X causa Y para receber Z): Subj V Obj Obj2: Pat faxed Bill the letter. 2. Movimento causado (X causa Y para mover Z): Subj V Obj Obl: Pat sneezed the napkin off the table. 3. Resultativa (X causa Y para tornar-se Z): Subj V Obj Xcomp: She kissed him unconscious. 4. Intransitiva de movimento (X move Y): Subj V Obl: The fly buzzed into the room. 5. Conativa (X dirige a ação a Y): Subj V Obl at: Sam Kicked at Bill. Na explanação e defesa de sua hipótese, Goldberg (1995) discute o trabalho de Landau & Gleitman (1985), segundo o qual a criança adquiriria os significados de verbos de forma surpreendentemente fácil, por fazerem uso de conjuntos de frames sintáticos: Por exemplo, eles observam que seu informante cego congênito aprendeu o significado de look e see sem grandes dificuldades, apesar do fato de esses significados não serem físicos e, para essa criança, não serem diretamente baseados na experiência. (...) Alguns trabalhos experimentais de outros pesquisadores, substanciam a ideia de que frames sintáticos auxiliam na aquisição do significado das palavras. (Goldberg 1995, p. 19) Para Landau & Gleitman (1985), o uso de um verbo num frame sintático indica que o verbo tem um componente particular de significado associado ao respectivo frame. Pinker (1989), no entanto, faz críticas à proposta dos autores, alegando que a aquisição baseada unicamente em frames sintáticos incorreria em erros. A este respeito, Goldberg (1995, p. 19) faz a seguinte observação: Este é de fato um problema geral para a formulação de Landau & Gleitman. A ocorrência de kick em construção bitransitiva (ex., Joe kicked Mary a ball) não pode ser tomada como evidência de que o significado de kick tem um componente de transferência, como a alegação deles parece implicar. (...) Kick pode ocorrer em oito padrões sintáticos diferentes, a maioria dos quais não envolve transferência. Goldberg, então, reinterpreta o postulado de Landau & Gleitman (1985). Para a autora, a criança, ao ouvir um verbo em uma construção particular previamente adquirida, não depreenderia que o verbo por si só tem o componente do significado associado à construção, mas sim que o verbo ocorreria em um dos grupos verbais convencionalmente associados à construção. Indo além, autora destaca a importância da informação contextual e da experiência no processo: (...) a aquisição de uma língua não ocorre num vácuo. É geralmente aceito que a primeira compreensão das crianças de um significado lexical está ligada a situações em que uma 30 Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Aquisição da linguagem: palavras iniciais palavra ouvida é utilizada. Uma vez já sendo reconhecidas as construções, a ideia de que um verbo ouvido em um frame sintático pode ajudar na determinação do seu significado torna-se coerente. No entanto, dessa forma, pressupõe-se que a criança já sabe que certas classes de verbos são convencionalmente associadas a certas construções, isto é, pressupõe-se que um número razoável de verbos já foi adquirido, e por isso não constituiria uma operação se iniciando do zero. As Construções ajudariam na aquisição de novos significados de verbos, uma vez que um grande número de verbos já teria sido apreendido, mas não seriam úteis na aquisição dos significados dos primeiros verbos (...). (Goldberg 1995, p. 20) Goldberg (1995) busca ancoragem para suas alegações em trabalho de Fisher et al. (1991: 2): Fisher et al. (1991) enunciam esta ideia sucintamente:”/ touch / é mapeado para 'tocar', porque (a) a criança pode representar cenas observadas como ´cenas de tocar` e (b) a forma de onda /touch / é provavelmente ouvida quando a ação de tocar está acontecendo. Que isto tem que ser pelo menos uma parte da verdade sobre a palavra aprendizagem é tão óbvio o quanto é aceito por todos os teóricos, apesar de suas diferenças em todos outros aspectos (ver, por exemplo, Locke 1690 e Chomsky 1965 _ e todos os outros que comentaram o tema). Você não pode aprender uma língua simplesmente ouvindo o rádio”. (Goldberg 1995, p. 230) Tomasello (2000) também se utiliza do conceito de Construção para postular que a maturidade da competência linguística deve ser entendida como um inventário estruturado de construções, algumas das quais sendo semelhantes a muitas outras, residindo em um ou mais de um núcleo central, e outras se conectando a outras poucas construções (e de modos diferentes), residindo mais na periferia. Sob esse viés, a proposta é a de que, inicialmente, a criança aprenda o individual, nos itens de construções linguísticas básicas (por exemplo, construções verbais isoladas), e, havendo parceiros para possibilitar a distinção entre os diferentes itens das construções básicas do modo adulto, a criança possa fazer abstrações, criando-se, assim, hierarquias relacionadas às construções (ABRAÇADO & AMORIM, 2010). De acordo com Tomasello (2000, p. 237), nessa visão de língua e de aquisição da linguagem, não haveria continuidade de estruturas – os adultos controlam um jogo mais diverso e abstrato de construções do que as crianças – mas haveria continuidade de processo, no sentido de que os processos de aprendizagem e de abstração são os mesmos sempre e onde quer que eles se apliquem. Essa aproximação geral baseia-se no uso, no sentido de que todo conhecimento linguístico, por mais abstrato que seja, deriva, em primeiro lugar, da compreensão e produção de enunciados específicos em ocasiões específicas de uso. Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 31 Gragoatá Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy Tomasello (2000, 238) ressalta ainda que, com essa redefinição quanto à aquisição da linguagem de construções linguísticas de variados graus de complexidade e abstração sistemática, tornase mais fácil observar como as crianças aprendem, especialmente levando em conta outras recentes propostas sobre as habilidades das crianças em aprender, culturalmente, a fazer analogias e combinar estruturas na aquisição da linguagem. (ABRAÇADO & AMORIM, 2010, p.27) Questionando a alegação de que a criança teria a mesma competência sintática do adulto, Tomasello afirma que, em geral, a linguagem inicial das crianças é “gramatical” do ponto de vista do adulto, mas que, entretanto, existem, pelo menos, duas explicações muito diferentes para o fato. A primeira é a de que as crianças operam desde o princípio com categorias e esquemas do modo adulto. A segunda é a de que as crianças aprendem a usar os itens linguísticos específicos e estruturas do modo que os adultos os usam. Em outras palavras, as crianças usariam a língua como um adulto, porque elas têm a mesma competência linguística ou porque elas imitam o que aprendem deles. Com base nessa questão, o autor realizou estudos experimentais e pautados em observações. Dos estudos observacionais de dados intensivos (os dados são diários e contínuos), Tomasello (2000, p. 213) apresenta como resultado a “Hipótese de Ilha Verbal” segundo a qual a linguagem inicial das crianças seria organizada e estruturada totalmente ao redor de verbos individuais e outros termos predicativos, isto é, a competência sintática da criança de dois anos seria composta de construções de verbos específicos com aberturas nominais encaixadas. Para respaldar os seus achados, o autor faz referência a vários estudos sistemáticos com crianças que adquiriram línguas diferentes do inglês e que encontraram resultados semelhantes, denunciando um padrão: (i) as produções linguísticas iniciais de crianças giram ao redor de estruturas e itens concretos, não havendo nenhuma evidência de esquemas e categorias sintáticas abstratas; (ii) cada um desses itens e estruturas, presumivelmente devido à experiência linguística individual das crianças e a outros fatores afetos ao processo de aprendizagem, submete-se a um desenvolvimento próprio, com relativa independência, no que se refere a outros itens e estruturas; (iii) o padrão em questão, na maioria dos casos, perdura até os três anos de idade, pelo menos para estruturas maiores como enunciados SVO e outras construções de verbo-argumento. No que se refere aos dados experimentais, Tomasello (2000, p. 215) declara que “não existem dúvidas de que as crianças aprendem e usam com surpreendente facilidade as estruturas e os itens linguísticos aos quais elas estão expostas”. O autor investigou a habilidade das crianças de 32 Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 Aquisição da linguagem: palavras iniciais língua inglesa em produzir orações transitivas simples (na ordem SVO) com verbos que elas não ouviram sendo usados nessa construção, focalizando principalmente crianças abaixo das idades apresentadas em estudos anteriores (isto é, abaixo dos dois anos). (ABRAÇADO & AMORIM, 2010, p.26) Tendo como suporte os resultados encontrados nos estudos observacionais e experimentais, Tomasello (2000, p. 222) conclui que as crianças são produtivas apenas de modo limitado em sua linguagem inicial. Tal conclusão advém da análise de seus dados, em que se verificou: (1) que, antes dos três anos de idade, somente algumas crianças de língua inglesa conseguem produzir enunciados transitivos canônicos com verbos que elas ainda não tinham ouvido sendo usados dessa maneira. (2) haver evidências de que, após os três anos, muitas crianças já possuem uma construção transitiva abstrata e podem assimilar livremente verbos recentemente aprendidos3. Resumindo, constatou-se uma progressão gradual e contínua de desenvolvimento que mostra uma crescente abstração da construção transitiva. 3. Para concluir Este número 30 da revista Gragoatá apresenta diversos artigos dedicados a variados matizes do fenômeno da aquisição da linguagem. Todas essas abordagens buscam a síntese moderna entre teorização linguística e pesquisa empírica, num esforço voltado não apenas para a descrição adequada acerca da natureza da linguagem humana, sua aquisição e uso, mas também para a explicação do lugar das línguas naturais no complexo ecossistema cognitivo humano. Tal como aqui procuramos indicar, o esforço interdisciplinar das diversas áreas da linguística e das ciências cognitivas e sociais é crucial na tarefa de compreender como e por que uma língua natural emerge no indivíduo humano, no curso de seus primeiros anos de vida física e socialmente saudável, e como a linguagem pôde ter surgido na espécie humana, no contexto de sua longa história evolucionária. Nossa herança evolutiva, nossas predisposições mentais, nossa vida sociocultural, nossas práticas e usos linguísticos, nada pode ser omitido se assumimos seriamente o compromisso de compreender como de fato é a linguagem humana na objetividade do mundo biossocial. Referências Observou-se que isso pode também ocorrer com algumas crianças com idade inferior. 3 ABRAÇADO, J. Como é possível vivermos e convivermos em um mundo real, e nos comunicarmos exclusivamente no âmbito de um universo discursivo? In: ALFA. SP: 55,(1), 2011, p. 205-24. ABRAÇADO, J; MINELIO, C. Relação entre presença/ausência da desinência da 1ªPS e presença/ausência de sujeito explícito na linguagem infantil. In: MOLLICA, Maria Cecilia de Magalhães Niterói, n. 30, p. 11-36, 1. sem. 2011 33 Gragoatá Jussara Abraçado e Eduardo Kenedy (org.). Usos da linguagem e sua relação com a mente humana. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2010, p. 23-36 ARMSTRONG, D. F.; STOKOE, W. C.; WILCOX, S. Gesture and the nature of language. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. BLOOMFIELD, L. Language. New York: Henry Holt, 1933. BORGES NETO, J. O empreendimento gerativo. In: MUSSALIN, F., BENTES, A. C. Introdução à linguística. Domínios e fronteiras. V.3. 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A mesma situação não foi observada para os dados de flexão nominal. São discutidas as implicações desses resultados. Palavras-chave: variação, aquisição, flexão nominal, flexão verbal. Gragoatá Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu Introdução Estudos sobre aquisição da variação sociolinguística não são muito numerosos. Há diversas razões para isso. De um lado, a aquisição tem sido abordada em quadros teóricos que excluem a variação do escopo da gramática. De outro, mesmo dentro dos estudos variacionistas a aquisição não teve lugar de destaque. Roberts (2002, p. 333-334) aponta algumas das razões para que os estudos variacionistas não tenham focalizado a fala das crianças. Um deles é o próprio fato de ser um campo recente de investigação, tendo como origem a dialetologia, que tem um enfoque em dados de adultos. Além disso, as crianças são vistas como as que adquirem o dialeto e não as responsáveis por sua manutenção e mudança. Embora alguns estudos sociolinguísticos tenham focalizado a fala de crianças, e discutido a importância das crianças no processo de mudança, esses estudos foram esparsos nas duas primeiras décadas de trabalho variacionista (FISCHER, 1958; ROMAINE, 1978; REID, 1978; KOVAC e ADAMSON, 1981, para citar alguns). Mais recentemente a variação sociolinguística e a importância de sua aquisição mereceram maior destaque na discussão da natureza do conhecimento linguístico. Diversos estudos, desenvolvidos principalmente a partir do final da década de 90, têm demonstrado a importância de crianças e adolescentes na transmissão de padrões sociolinguísticos tanto em comunidades de fala estáveis (ECKERT, 1988; KERSWILL, 1996; BRITAIN, 1997) como na formação de novos dialetos (KERSWILL & WILLIAMS, 2000). Roberts (1996, 2002). Docherty et al. (2006) e Foulkes et al. (2005) demonstraram que as crianças refletem o condicionamento observado para os adultos já aos 2 anos de idade. Propostas teóricas recentes têm defendido a proposição inicial de Labov de que a gramática é dotada de heterogeneidade sistemática refletida no desempenho variável dos falantes (WEINREICH, LABOV, HERZOG, 1968). Bod, Hay e Jannedy (2003, p. 2-3) explicitamente defendem que o conhecimento da variação deve ser entendido como parte da competência do falante uma vez que os falantes utilizam as variantes para codificar informação linguística e extralinguística. Assim, o conhecimento sobre a variação indexada não deve ser colocada aparte dos outros tipos de conhecimento linguístico. Docherty e Foulkes (2000, p. 110-111), por exemplo, apontam para o fato de que não há como diferenciar, no período aquisitivo, aquisição de conhecimento fonológico que envolve oposição distintiva daquele relacionado a aspectos da identidade sociolinguística do falante e que o resultado da aquisição implica que o falante adquiriu também uma identidade (sócio)dialetal juntamente com os aspectos estruturais. Guy e Boyd (1990) mostraram que a aquisição dos condicionamentos da realização variável de -t,-d (-t,-d deletion) 40 Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal está associada à aquisição de aspectos da gramática. Observando dados de falantes entre 4 e 65 anos, os autores concluíram que a aquisição do condicionamento da realização variável de –t e –d em verbos irregulares, como slept, é um longo processo em que as crianças mais novas demonstram não ter sequer esta consoante representada, uma vez que a ausência é categórica, e que crianças mais velhas e alguns adultos parecem analisar estas formas como os itens em que as oclusivas dentais não têm status morfológico, como em cent. Portanto, a aquisição do condicionamento variável que envolver o status morfológico de t-,d- depende também da aquisição de formas verbais irregulares enquanto uma categoria abstrata. Neste artigo1 abordamos a questão da relação entre conhecimento linguístico, variação e aquisição com base em dados de aquisição da flexão variável em nominais e em verbos. 1. Aquisição de flexão nominal e flexão verbal Esse trabalho é pa r te do proje to de pesquisa com o apoio do C N Pq, p r o c e s s o n o 3 0 4 0 5 6/2 0 0 7- 3 – Bolsa de Produtividade em Pesquisa, e apoio d a FA P E R J , B o l s a CNE, processo no -26/102.405/2009 1 Há diversos aspectos a serem considerados na aquisição da flexão. De um lado a aquisição da morfossintaxe de plural envolve a distinção conceptual de “um” versus “mais de um”. Estudos sobre desenvolvimento cognitivo mostram que a distinção conceptual subjacente às representações linguísticas relacionadas a múltiplos indivíduos (nomes no plural, além dos quantificadores) pode estar ausente em crianças na fase prelinguística. Barner et al. (2007), investigando a relação entre a aquisição da morfossintaxe singular-plural e as representações das crianças de distinções entre singular e plural, observaram que crianças de 18 meses adquirindo inglês se comportaram como as de 14 em tarefa para distinguir 1 versus 4 indivíduos, indicando que elas eram capazes de distinguir 3 objetos de 1, mas falharam ao representar quatro objetos como plural ou “mais de um”. A mesma situação foi observada para crianças de 20 meses, mesmo quando receberam pistas morfossintáticas explícitas. Somente as crianças de 22 a 24 meses foram bem sucedidas na tarefa com ou sem pista verbal. Dados anotados de relatórios dos pais mostram que muitas das crianças de 24 meses e poucas das crianças com 22 meses produziam formas nominais no plural. Os autores discutem, então, se a aquisição linguística tem algum papel na implementação da distinção conceptual de singular-plural, embora não apresentem uma posição definitiva sobre o assunto. Outro fator importante envolve a relação entre as marcas flexionais e outros aspectos da gramática. Ferenz e Prasada (2002) investigaram os fatores que governam o uso de formas de singular e formas de plural dos nomes contáveis em inglês, através de 2 experimentos, aplicados a crianças entre 1;8 e 5;6. Os resultados sugerem que desde o início as crianças parecem usar tanto infor- Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 41 Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu Nos estudos de aquisição, as amostras tanto podem ser longitudinais, acompan hando o desenvolvimento de uma ou mais crianças ao longo do tempo, e/ou transversais, constituídas de várias crianças de di ferentes idades analisadas em determinado ponto do tempo. Amostras transversais permitem que se observe o comportamento de um número maior de crianças, com consequências na quantidade de dados obtidos, o que constitui um aspecto importante na observação de dados de variação sociolinguística 2 42 mação morfossintática, semântica ou referencial dos enunciados, na tarefa de aquisição do plural, ao invés de usar apenas uma delas. Há ainda que se considerar o papel do input a que as crianças estão submetidas. Miller e Smith (2010) mostram que a variabilidade do input pode afetar a compreensão e a produção de formas de plural. Crianças falantes do espanhol chileno diferiram de crianças falantes do espanhol mexicano em tarefas de compreensão e produção devido a diferenças no input a que estão submetidas. No espanhol mexicano a marcação de plural é categórica ao passo que a marcação no espanhol chileno é variável. Outro aspecto importante diz respeito ao status das formas flexionadas na gramática. Há posições divergentes na literatura sobre a representação e o processamento de formas flexionadas regulares e irregulares (não previstas fonologicamente), que podem ser sumarizadas em duas posições: o modelo único, que engloba o modelo conexionista (PLUNKETT & MARCHMAN MARCHMANN, 1991 e MACWHINNEY & LEINBACH, 1991) e o modelo de redes (BYBEE, 1988), e o modelo dual (MARCUS 1996, PRASADA & PINKER, 1993, CLAHSEN et al. 1992 entre outros). Para o modelo único, o processamento e a representação das formas regulares e irregulares estão relacionados a um único mecanismo associativo, isto é, todas as formas estão igualmente representadas no léxico, não havendo o estabelecimento de uma regra subjacente default que dê conta da flexão regular. As propriedades morfológicas das palavras, como paradigmas e padrões morfológicos, são emergentes das associações estabelecidas entre as palavras relacionadas na representação lexical, uma vez que se postula que o léxico se organiza em redes de conexão lexical e não numa lista não estruturada. A aplicação de uma forma a itens novos e a existência de regularizações são resultantes da inferência do tipo morfológico mais frequente a partir do armazenamento das palavras em redes de conexões lexicais por semelhança sonora e semântica. Para o modelo dual, as formas flexionais regulares são o resultado de uma regra default e as formas irregulares estão representadas no léxico. A regra default é aplicada quando não é encontrada uma forma representada no léxico (MARCUS, 2000, p. 155). No processo aquisitivo essa postulação é utilizada para explicar regularizações (overgeneralizations) produzidas pelas crianças. Isto é, as regularizações são o resultado da ausência de forma irregular representada no léxico, ativando a aplicação da regra default. 2. Flexão Nominal e Flexão verbal variável na aquisição Os dados discutidos neste artigo foram coletados da Amostra AQUIVAR-PEUL/UFRJ. Trata-se de uma amostra transversal2 (crianças de diferentes idades) de fala espontânea de 36 crianças de Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal grupos sociais diferentes, definidos em função da renda familiar (até 5 salários mínimos e acima de 20 salários mínimos), nascidas na cidade do Rio de Janeiro, com idades entre 1;9 e 5;0. Dados desta natureza permitem detectar em que medida a produção variável pode estar relacionada a aspectos da variabilidade do input e a aspectos da variabilidade desenvolvimental. Assumimos que a manifestação variável da criança reflete a aquisição de um aspecto da gramática que não é categórico, portanto, é variável, cujo comportamento pode ser explicado pela competição de efeitos/condicionamentos internos da gramática. A aquisição dessas categorias abstratas é gradual. Na medida do possível, os dados de produção subsidiarão a discussão em torno do status da flexão na gramática e do papel do input na aquisição. Considerando-se que a variabilidade do input, no que diz respeito ao uso variável de formas de plural nominais e verbais, se encontra bastante documentada em diversos trabalhos sobre a comunidade de fala do Rio de Janeiro (NARO, 1981; SCHERRE, 1978, 1988, 1993; NARO & SCHERRE, 1991, 1993; SCHERRE e NARO, 1997, 1998, 2006), será feita uma breve exposição da variabilidade observada para esta comunidade. A flexão variável de número/pessoa dos verbos está relacionada com o grau de diferença entre a forma do singular e a forma de plural. Essa diferença é entendida como grau de saliência fônica. Quanto à configuração sintagmática da sentença, esta é entendida em função da posição e da distância do sujeito em relação ao verbo. Além disso, foram analisados conjuntamente fatores extralinguísticos como escolaridade e sexo dos falantes. O efeito observado para estas variáveis é o seguinte: maiores índices de flexão com formas de maior grau de saliência fônica, com sujeitos próximos imediatamente à esquerda do verbo, e com mulheres e falantes com nível de escolaridade mais alto (SCHERRE e NARO, 1997, p. 95-110). Ainda, a presença variável de marcas flexionais nos verbos está relacionada à presença de formas marcadas no contexto anterior, ou seja, há um paralelismo formal tanto no nível da sentença quanto no nível do discurso (SCHERRE e NARO, 1993, p.7-10) e do traço [+humano] do sujeito (SCHERRE e NARO, 1998, p. 48). Formas flexionadas variáveis de nominais também são influenciadas pelo grau de saliência fônica, pela configuração sintagmática do sintagma nominal, determinando a posição do elemento flexionado no sintagma, pelo paralelismo linguístico (repetição da mesma variante no discurso) nos planos discursivo, oracional e sintagmático e pela escolaridade e sexo dos falantes. Há maior tendência à realização da forma de plural quanto maior a diferença entre forma de singular e plural. Além disso, elementos nominais não-nucleares à esquerda do núcleo tendem a vir marcados, e os núcleos que ocupam a primeira posição do sintagma nominal. Também mulheres e falantes com nível de escolaridade Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 43 Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu mais alto utilizam mais formas de plural (SCHERRE e NARO, 1997, p. 99-110). Quanto ao efeito do paralelismo lingüístico, a presença de marcas precedentes nos três planos considerados (discursivo, oracional e sintagmático) leva à realização de formas flexionadas (SCHERRE, 1993, p. 34-38). 2.1. Flexão Nominal Programa Varbrul, versão Pintzuk 1988. 3 44 Para o estudo sobre a flexão de número em nominais, foram analisadas as falas de 13 crianças com idades entre 1;11 e 4;11. Foram levantadas 138 ocorrências de nominais com ausência ou presença da marca flexional de plural. Os dados foram submetidos à análise estatística pelo Programa Varbrul3. Em função do número de dados, foram realizadas duas rodadas, cada uma, respectivamente, somente com variáveis linguísticas ou variáveis sociais. As variáveis independentes testadas foram: saliência fônica, posição dos elementos no sintagma nominal, presença de forma no plural na fala imediatamente precedente do entrevistador/adulto, sexo e faixa etária. A aplicação foi a ocorrência da marca de plural, uma vez que se trata de processo aquisitivo. Somente a variável faixa etária foi considerada relevante do ponto de vista estatístico (selecionada pelo Varbrul). No entanto, comentaremos também os resultados para as variáveis linguísticas para comparação com os resultados encontrados na comunidade adulta. Em relação à posição dos elementos no sintagma nominal, as marcas flexionais ocorreram uniformemente tanto em elementos à esquerda quanto à direta do verbo (88% e 87%, respectivamente) sendo o núcleo menos marcado (39%). A grande maioria das estruturas consistiu de sintagmas nominais com elementos à esquerda do núcleo ou somente com o núcleo (As minhas colegas brincam na escola – 3;0; Esses dois hominhos deu uma flor para ela- 3;0), com somente 8 ocorrências de elementos depois do núcleo (Meninos, meninas juntos e felizes – 2;1). A emergência de um padrão flexional em função da estrutura e do grau de complexidade do sintagma nominal depende da possibilidade de estruturas maiores e mais complexas serem produzidas, o que não ocorreu nas produções das crianças entre 1;11 e 4;11. Em relação à saliência fônica, os dados foram classificados somente em 3 níveis de saliência fônica, diferentemente dos 8 níveis dos estudos com adultos (SCHERRE e NARO, 1997, p.100), devido ao fato de que em fase aquisitiva não foi possível observar a ocorrência de todas as possibilidades flexionais do português. A Tabela 1 a seguir apresenta os resultados para saliência fônica. Pode-se observar que a grande maioria dos itens encontrados na fala das crianças corresponde a formas com plural regular, o que mostra que o plural irregular, isto é, as formas flexionais de maior saliência fônica têm baixa ocorrência na amostra. Isso pode ser uma característica do processo aquisitivo, o que Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal poderia significar que o domínio de formas irregulares de plural nominal ocorreria mais tarde no período aquisitivo. No entanto, seria necessária a coleta de mais dados em um número maior de crianças para melhor verificar a situação dos itens com plural irregular. Os dados de plural irregular foram basicamente os itens flor (produzido por uma criança de 1;11), flores (duas ocorrências em crianças de 3;0) , 1 ocorrência de poderes (4;0), pincel (uma ocorrência com criança de 1;11 e uma de 2;01), pincéis (2;11) e sinal (1;11). Todas as ocorrências de itens que terminam em –S foram flexionadas: felizes (2;01), vezes (2;10, 3;0, 4;5). Como se trata de aquisição, focalizando crianças de diferentes idades, uma hipótese plausível é a de que o efeito do grau de saliência refletirá o da comunidade de fala no final do período aquisitivo. No entanto, este efeito não pode ser plenamente observado com a quantidade de dados coletados em situação de produção espontânea. Essa questão será retomada na seção 4. Tabela 1 – Presença de marca de plural em função do grau de saliência fônica Ocorrências/ Total % Peso Relativo 106/132 81% .52 Nomes terminados em –L ortográfico 1/ 4 25% .08 Nomes terminados em -R 3/4 75% .43 Nomes terminados em –S 4/4 100% - Plural Regular Quanto à presença de forma flexionada na fala precedente do adulto, a diferença não foi significativa do ponto de vista estatístico entre as produções espontâneas (79%) e as ancoradas na fala precedente (85%). A Tabela 2 apresenta os resultados para faixa etária, excluídos os dados de flexão categórica (itens terminados em –S), e basicamente mapeia a distribuição dos dados de flexão regular. As crianças foram agrupadas em 3 faixas etárias em função do percentual de formas de plural apresentadas: Tabela 2 – Presença de marca de plural em função da faixa etária Faixa Etária Ocorrências/Total % Peso Relativo 1;11 – 2;01 12/20 60% .21 2;06 – 3;0 37/54 69% .27 3;05 – 4;11 61/64 95% .78 Considerando que a maioria dos dados corresponde a ocorrências de flexão regular (132 em 138), a tabela acima captura, na verdade, a gradualidade na aquisição da flexão regular. Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 45 Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu A seguir são apresentados os resultados obtidos para os dados de flexão verbal e na seção seguinte são apresentados os comentários sobre os resultados obtidos nos dois estudos. 2.2. Flexão Verbal Os resultados referentes à flexão verbal de 3ª pessoa do plural são oriundos do trabalho de Vieira (2006). No estudo de Vieira foi realizado o levantamento das ocorrências de formas verbais de todas as pessoas do discurso e realizadas as respectivas análises. Neste artigo, serão comentados somente os resultados relativos à 3ª pessoa do plural. Os dados foram retirados de 17 crianças da AMOSTRA AQUIVAR-PEUL/UFRJ. Os dados também foram quantificados pelo Programa Varbrul. Foram obtidas 252 ocorrências de 3ª pessoa do plural, que foram analisadas em função das seguintes variáveis independentes: posição do sujeito, saliência fônica, traço humano do núcleo do sujeito, tempo verbal, efeito gatilho (presença de forma no plural na fala imediatamente precedente do entrevistador/adulto), marcas do sujeito no nível oracional (paralelismo oracional) e faixa etária. O programa selecionou, na seguinte ordem, as variáveis: efeito gatilho, posição do sujeito, saliência fônica e idade. Assim como no estudo sobre a flexão nominal, o “efeito gatilho” foi definido no trabalho de Vieira (2006) como a presença de uma forma de plural na fala do adulto direcionada à criança, que precede a fala da criança como em: a) Presença de plural na fala do adulto E: “e onde que eles vivem?” Cr15: “eles vivem num sítio.” b) Ausência de plural na fala do adulto E: “Não sei, você, é, o que vai contar pra mim? Conta” Cr17: “O cavalo e o cachorro (es)tavam lá na floresta escura, aí um passarinho (...)” Os resultados revelaram que a maioria dos dados com forma de 3ª pessoa do plural estava ancorada na fala precedente do adulto 66 ocorrências em 67, (99% de flexão neste contexto), e menor ocorrência de formas de plural quando não havia forma de plural precedente, 76 ocorrências em 185 casos, correspondendo a 41% e pesos relativos de .99 e .16, respectivamente. O efeito observado para as variáveis linguísticas selecionadas corresponde ao mesmo efeito observado para os dados dos adultos da comunidade de fala. Com relação à distância entre sujeito e verbo (Tabela 3), sujeitos imediatamente à esquerda do verbo favoreceram a presença de formas de plural ao passo que sujeitos distantes ou à esquerda do verbo desfavoreceram. Observa-se assim o mesmo efeito observado para a comunidade de fala adulta. 46 Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal Já as formas verbais classificadas em função do grau de saliência fônica também revelaram o mesmo condicionamento observado para os adultos, conforme pode ser observado na Tabela 4. Tabela 3 - Marcas explícitas de plural nos verbos em função da variável presença, posição e distância do sujeito em relação ao verbo Faixa Etária Ocorrências/Total % Peso Relativo 0 sílaba 62/81 77 .76 1 – 4 sílabas 18/29 62 .46 +5 de sílabas ¼ 25 .17 Posposto 2/11 18 .19 Zero Próximo 7/10 70 .63 Zero Distante 25/117 44 .35 Tabela 4: Marcas explícitas de plural nos verbos em função da variável saliência fônica Saliência Fônica Ocorrências/Total % Peso Relativo 1a. sem mudança na vogal (conhece/conhecem) 3/12 25 .31 1b. com mudança na vogal (ganha/ganham) 36 84 .34 1c. acréscimo de segmentos (diz/dizem) 1/5 20 .38 2a. mudança da vogal (tá/tão) 41/56 73 .77 2b. acréscimo sem mudança na vogal (bateu/bateram) 45/69 65 .64 2c. acréscimos, mudanças e formas supletivas (veio/vieram; é/são) 16/26 62 .18 Nível 1 [– saliente] Oposição não acentuada Nível 2 [+saliente] Oposição acentuada Outras inversões desta natureza são observadas provavelmente devido à quantidade de dados e sua distribuição em função de todas as variáveis consideradas. 4 Naqueles verbos em que a diferença entre a forma de singular e plural é menor, há a tendência à ausência de marca flexional, e nos outros casos em que a diferença é maior, há uma tendência mais acentuada à presença. Pelo fato de as posições mais salientes serem mais perceptíveis, a concordância se fará mais evidente nos três últimos níveis em relação à freqüência da presença da marca. Vale destacar que o nível mais alto da saliência aparece com o peso relativo .18, um peso relativo baixo quando comparado com os outros níveis e invertido em relação ao valor percentual Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 47 Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu correspondente4. Esse valor não pode ser entendido como desfavorecimento, mas como uma inversão resultante do cruzamento desta variável com outras, procedimento do programa estatístico. Tal fato ocorreu no momento em que o programa cruzou este grupo com o efeito gatilho, revelando, então, que a maioria dos verbos com efeito gatilho não pertencem a tal nível de saliência. Embora não refletindo o efeito da escala de saliência observada para a comunidade de fala, já que ainda não há uma escala crescente, e sim uma polarização entre os níveis + e – salientes, esses resultados revelam a importância da variável no controle da concordância verbal, uma vez que mostram uma etapa do processo aquisitivo, na qual os verbos que apresentam mais marcas de concordância na fala adulta, os quais se enquadram nos níveis mais altos de saliência, são os que mais apresentam percentual de concordância entre as crianças. Finalmente, a Tabela 5 a seguir apresenta a distribuição das ocorrências em função da faixa etária. Observa-se que a presença de formas de plural aumenta gradativamente em função da faixa etária. As crianças foram agrupadas em faixas etárias: Tabela 5 - Marcas explícitas de plural nos verbos em função da variável faixa etária Faixa Etária Ocorrências/Total % Peso Relativo 1;11-2;01 26/60 43 .29 2;10-3;0 6/12 50 .30 4;0-4;04 81/124 65 .55 4;11-5;0 29/44 66 .72 Considerando a possibilidade de as formas flexionadas ancoradas na presença de uma forma de plural na fala precedente do adulto, apresentamos a tabela 6 a seguir que correlaciona as ocorrências classificadas em função do efeito gatilho e faixa etária5. Tabela 6 - Efeito gatilho em função da faixa etária 1;11-2;01 N Esse grupo de fatores também foi selecionado na rodada do Programa Varbrul. 5 48 % 2;10-3;0 N 2/8 25 .30 42/85 49 .60 25/39 64 .70 4/4 100 39/39 100 - 4/5 .84 7/41 17 .21 Com gatilho 19/19 100 - P.R. - N % 4;11-5;0 P.R. Sem gatilho % 4;0-4;04 P.R. N % 80 P.R. O efeito gatilho procurou capturar o fato de que as crianças tendem a ancorar ou repetir as formas linguísticas da fala imediatamente precedente do adulto. A ocorrência categórica da concordância verbal nas faixas iniciais (1;11-2;01 e 2;10-3;0) contrasta com sua baixa ocorrência nas situações em que o verbo não apareceu na fala do adulto. Nesse caso a ocorrência da preNiterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal sença da marca de 3ª pessoa do plural não pode ser atribuída a um domínio da flexão. Nas faixas etárias com as crianças mais velhas da amostra (4;0-4;04, 4;11-5;0) o efeito da presença de um verbo flexionado na fala do entrevistador se assemelha ao observado para as faixas anteriores. No entanto, observa-se, naqueles contextos não ancorados na fala do adulto, um aumento gradual na ocorrência de formas marcadas de 3ª. do plural, com índices mais próximos aos encontrados para a comunidade de fala para as crianças mais velhas. Conforme foi observado na Tabela 6, a presença da forma flexionada de 3ª pessoa do plural na fala do entrevistador tende a ser repetida pela criança (efeito gatilho). Assim foi realizada uma rodada somente com as formas de plural produzidas espontaneamente, sem estarem ancoradas na fala do adulto. Foi observado o mesmo efeito apresentado na Tabela 2, com exceção dos verbos do nível mais alto de saliência (2/12, 17%, .10). Esses resultados confirmam o efeito da saliência fônica, naquele contexto em que pode ser verificado, fora da repetição da fala do entrevistador, exceto em relação ao nível mais alto de saliência. A análise qualitativa dos dados revelou que são todas ocorrências do verbo ser, como nos exemplos abaixo: c)Cr31: “é aqueles maus que estava.....” Cr31: “Meus padrinhos é o primo das minhas madrinhas” 3. Discussão Os dois estudos revelaram em comum a diferença em termos etários da realização de formas de plural tanto para nominais quanto para verbos. No entanto, não foi possível observar com a mesma clareza o mesmo efeito de variáveis linguísticas nos estudos. Com relação à aquisição de formas de plural de verbos, os resultados apresentados neste artigo apontam para os seguintes aspectos: a) a variação presente nas crianças reflete a natureza variável encontrada na gramática estabilizada dos adultos; b) os condicionamentos da variável são adquiridos gradualmente. Consideramos ainda o fato de nem todos os condicionamentos observados para os adultos terem se mostrado relevantes do ponto de vista estatístico nos dados das crianças, nos dois estudos, como sendo indicativa de que alguns condicionamentos são adquiridos antes de outros. Como explicar, no entanto, as diferenças observadas em termos aquisitivos para os dados de flexão nominal e os dados de flexão verbal? Isto é, qual a razão para os dados de flexão verbal exibirem efeitos claros de variáveis linguísticas enquanto a mesma situação não foi observada para os dados de flexão nominal? A princípio, essas diferenças poderiam ser atribuídas à quantidade Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 49 Gragoatá Christina A. Gomes , Márcia Cristina V. Pontes, Miriam Cristina S. Almeida e Ana Cristina B. de Abreu de dados obtidos em cada um dos dois levantamentos e a consequente distribuição dos dados nas diversas células resultantes da composição dos diversos fatores de cada variável independente. No entanto, há que se considerar a possibilidade de haver diferença na frequência de ocorrência dos itens nominais de determinado tipo flexional e de formas verbais não só em função da especificidade da amostra, mas também em relação à frequência de ocorrência desses itens na língua. É possível que as formas de flexão irregular de nomes, além de constituírem tipos morfológicos menos frequentes, sejam itens lexicais cuja frequência de ocorrência não é alta, ao passo que as formas verbais podem estar mais disponíveis em termos de ocorrência no input. Além disso, os dados coletados relativos à flexão nominal ocorreram em sintagmas nominais de baixo grau de complexidade, o que poderia significar que a observação/aquisição de condicionamentos como posição do item no sintagma nominal dependa da aquisição de outros aspectos da gramática que possibilitem a produção de estruturas sintáticas mais complexas. Sendo assim, a aquisição de formas verbais flexionadas e os condicionamentos relacionados ao seu uso variável poderiam ser adquiridos antes daqueles relacionados ao uso variável das formas nominais. Outro aspecto importante diz respeito ao status da variação observada. Trata-se de um processo que se aplica variavelmente a uma forma básica ou da aquisição, representação e realização variável de formas sonoras diferentes de itens lexicais cuja natureza morfológica será revelada ou estabelecida através de um mecanismo associativo de armazenamento do léxico, conforme mencionado na seção 2? Dados de produção espontânea não constituem evidência direta para nenhuma das duas hipóteses. Essas questão foi abordada em Gomes e Gonçalves (2010), utilizando dados experimentais de produção de formas nominais de plural de palavras reais em situação de teste – itens com flexão regular em –s e itens com plural em –is e metafônicos e em pseudopalavras, procurando observar a alternância na produção de formas de plural (chapeús ~ chapeis, animais ~animaus). O foco era a alternância do morfema de plural e não a presença ou ausência da marca de plural. Os resultados obtidos para as pseudopalavras indicaram, tanto em crianças quanto em adultos, que não há uma regra default, do tipo “acrescente –s”, sendo aplicada toda vez que não existe uma forma irregular representada no léxico. Se assim fosse, na ausência de um padrão esperado para as pseudopalavras, deveria ter havido a predominância da flexão regular, o que não ocorreu para itens terminados nos ditongos decrescentes –éu e –au, realizados majoritariamente com -is. Huback (2010), em trabalho focalizando a alternância na flexão dos nomes terminados em –ão do português, observou uma tendência de uso de –ões e que este direcionamento está associado a uma interação entre tipo morfológico e frequência 50 Niterói, n. 30, p. 39-54, 1. sem. 2011 Variação e aquisição da flexão nominal e da flexão verbal de ocorrência da forma de plural. Huback interpreta que o efeito de frequência do item é uma evidência de que as palavras são estocadas inteiras no léxico. Dentro desta perspectiva, a variável saliência fônica poderia ser interpretada como relacionada a padrões morfológicos diferentes e, portanto, o efeito observado para a saliência corresponderia ao efeito da freqüência de tipo morfológico, que poderia também sofrer influência da frequência de ocorrência dos itens lexicais. No entanto, é necessária ainda a obtenção de mais evidências experimentais conjugadas a mais dados coletados em situação de produção espontânea para melhor responder a essa questão, que se reveste de uma importância muito grande, uma vez que remete ao status da variação na gramática (processual ou representacional?). Abstract Data of spontaneous production from children between 1;11 and 5;0 were collected from AQUIVAR-PEUL/UFRJ Sample and analyzed in face of their character of sociolinguistic variable and as a developmental process. In this paper we discuss the relationship between linguistic knowledge and acquisition, according to some data of acquisition of variable inflexion of nouns and verbs. The results for verb inflexion revealed that the constraints observed for the adult community manifested gradually indicating the gradual acquisition of them. The same situation wasn’t observed for data of noun inflexion. The implications of these results are discussed. Keywords: noun inflexion; verb inflexion; variation; acquisition. Referências BARNER, D., THALWITZ, D., WOOD, J., YANG, S-J., CAREY, S. On the relation between the acquisition of singular–plural morphosyntax and the conceptual distinction between one and more than one. Developmental Science, v.3, p. 367-373, 2007. BOD, R., HAY, J., JANNEDY, S. (eds). Probabilistic Linguistics. Cambridge, Mass, MIT Press, 2003. Britain, D. Dialect contact, focusing and phonological rule complexity: the koineisation of Fenland English, In C. Borberg, M. Meyerhoff, and S. 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Dificuldades no relacionamento entre esses campos são apontadas, as quais têm impedido sua efetiva integração no tratamento desse problema. Uma abordagem integrada é proposta em que se articula a hipótese do bootstrapping fonológico com uma concepção minimalista de língua. A distinção entre classes abertas e fechadas do léxico na análise do sinal da fala ao fim do primeiro ano de vida é tida como fundamental para a inicialização de um sistema computacional universal. O desenvolvimento linguístico é apresentado como a progressiva especificação dos traços formais de categorias funcionais via o processamento nas interfaces fônica e semântica. Direcionamentos para a pesquisa em aquisição da linguagem a partir dessa abordagem são apontados. Palavras-chave: aquisição da linguagem; aprendibilidade; aprendizagem guiada por fatores inatos; desencadeamento (bootstrapping); minimalismo; interface fônica; interface semântica; traços formais. Gragoatá Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 Gragoatá Letícia Maria Sicuro Corrêa Introdução A Mesa-Redonda Linguagem e Cognição: Teoria, Métodos e Práticas foi compartilhada com os professores Margarida Salomão (UFJF) e Francisco Ordonez (SUNY) e mediada pelo Prof. Eduardo Kenedy (UFF), no Campus de Gragoatá, em 20 de outubro de 2010. 2 O evento acima e a preparação deste artigo ocorreram durante a vigência de bolsa de produtividade CNPq 304159/2008-5. 3 Abordagem que caracteriza o direcionamento da pesquisa conduzida pelo GPPAL (Grupo de Pesquisa Processamento e Aquisição da Linguagem-CNPq) no LAPAL (Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem – PUC-Rio). 1 56 Este artigo foi desenvolvido a partir da palestra proferida na Mesa-Redonda Linguagem e Cognição: Teorias, métodos e práticas, por ocasião da 1ª Jornada do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFF1 e é, em grande parte, uma re-edição do conteúdo apresentado em Corrêa (2009a; 2009b)2. Os objetivos daquela palestra foram: (i) introduzir o problema que a aquisição de uma língua apresenta; (ii) chamar atenção para a necessidade de um diálogo mais estreito entre teorias linguística e psicolinguística no tratamento desse problema; (iii) apresentar o que denominamos uma abordagem integrada,3 em que se considera a aquisição da linguagem a partir do processamento do material linguístico pela criança, à luz de uma concepção de minimalista de língua; (iv) ilustrar a metodologia utilizada nessa abordagem. Neste artigo, esses objetivos se mantêm, exceto o último, dado que informação pertinente a este pode ser obtida em muitas das referências citadas. A perspectiva teórica aqui apresentada define um programa de pesquisa que nos parece promissor, tendo em vista que dá origem a estudos pontuais de aquisição da linguagem, com tópicos específicos (gênero, número, aspecto gramatical, por exemplo), ao estudo das possíveis relações entre a língua e os sistemas cognitivos com os quais interage no curso do desenvolvimento línguistico/cognitivo, assim como possibilita a formulação de hipóteses acerca de problemas pertinentes ao desenvolvimento linguístico, tal como o Déficit Específico da Linguagem (DEL) (cf. Corrêa & Augusto, 2011). Diante disso, na primeira seção, desenvolvemos considerações relativas a (i) e (ii) acima, na segunda seção, focamos a abordagem integrada que orienta nossa pesquisa (iii) e, por fim, concluímos, apontando para o que nos parecem ser indícios de um melhor entendimento da natureza da linguagem e do que viabiliza a aquisição da língua materna de forma natural. 1. Aquisição da linguagem: problema de aprendibilidade A aquisição da linguagem tem despertado o interesse daqueles preocupados com o desenvolvimento humano, desde o século XVIII, dando origem a registros diários da produção da linguagem pela criança no curso do desenvolvimento linguístico, os quais serviram de base para as primeiras especulações acerca da natureza desse processo (cf. BLUMENTHAL, 1970, para histórico). Foi, contudo, apenas há cerca de meio século que a aquisição da linguagem foi apresentada como um problema de aprendibilidade – o que torna uma língua passível de ser adquirida de forma natural, sem esforço ou treinamento específico, dado que, em princípio, há mais de uma gramática compatível com os dados linguísticos a que a criança tem acesso? Diante desse problema, a Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista teoria linguística buscaria explicitar as propriedades que uma língua deve ter para que sua aquisição seja viável (CHOMSKY, 1965). Teorias psicolinguísticas, por sua vez, buscariam caracterizar de que maneira esse processo transcorre, ou que propriedades do processo de aquisição o tornam factível (cf. SLOBIN, 1973; MacWhinney, 1987). Certamente, uma teoria do processo de aquisição da linguagem pressupõe uma concepção ou modelo de língua que uma teoria linguística preocupada com a questão da aprendibilidade poderia fornecer. Uma efetiva articulação entre teorias linguística e psicolinguística tem sido, contudo, difícil de ser estabelecida. Discutiremos a seguir possíveis razões para essa dificuldade. O problema da aquisição da linguagem, concebido abstratamente, consiste na identificação da gramática da língua a partir de sentenças (unidades sintáticas cujos elementos se relacionam de forma hierárquica) que se apresentam como sequências de elementos do léxico (ou seja, sem que as relações hierárquicas entre estes se apresentem de forma transparente). Essa formulação do problema, ainda que deixe clara a questão de aprendibilidade que se apresenta, abstrai-se do fato de que a criança processa o material linguistico a que é exposta muito antes de ser capaz de nele reconhecer uma sequência de elementos do léxico. Os enunciados linguísticos se apresentam à criança no fluxo da fala, o qual tem se ser segmentado em unidades passíveis de análise (ou seja, passíveis de serem mantidas, por limitado período de tempo, em um sistema de memória de trabalho) até que sequências de unidades do léxico possam ser tomadas como tal. A delimitação de unidades lexicais é, portanto, por si só, um problema para a criança, uma vez que esta não dispõe de um léxico constituído. Assim, o próprio reconhecimento de unidades lexicais pode requerer informação pertinente à gramática a ser identificada. A caracterização do modo como enunciados linguísticos são percebidos e representados inicialmente, pela criança, pode, portanto, contribuir para o encaminhamento de uma solução para o problema de aprendibilidade que a aquisição da linguagem apresenta. A teoria linguística, abstraindo-se do modo como a criança percebe os enunciados linguísticos que a ela se apresentam, buscou identificar as propriedades formais que tornam uma língua passível de ser adquirida de forma independente de considerações relativas ao processamento linguístico. Esse encaminhamento veio a requerer sucessivas revisões até que expressões linguísticas passassem a ser caracterizadas como níveis de interface língua/ sistemas de desempenho, o que impõe restrições às propriedades formais que línguas naturais apresentam (Chomsky, 1995). A seguir, recapitularemos brevemente, esse percurso. Em uma primeira formulação do problema da aquisição da linguagem, a criança teria de identificar as regras específicas da gramática da língua por meio das quais sentenças seriam geradas Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 57 Gragoatá Letícia Maria Sicuro Corrêa (Chomsky, 1965). Para que tal tarefa fosse factível, foi concebido um estado inicial rico de informação pertinente à forma das gramáticas de línguas naturais, denominado Gramática Universal (GU). Este restringiria as gramáticas passíveis de serem identificadas a partir de um subconjunto das sentenças geradas por uma gramática em particular. Ou seja, a criança não identificaria gramáticas com propriedades que não se aplicam as gramáticas de línguas naturais (embora pudessem se aplicar a gramáticas de uma linguagem formal, como, por exemplo, uma linguagem de computação). O programa de pesquisa da linguística gerativista foi então direcionado de modo a caracterizar esse estado inicial (GU), a partir da formalização da gramática de uma ou de várias línguas naturais. Como resultado de cerca de duas décadas de pesquisa, a formulação do problema da aquisição da linguagem foi alterada (Chomsky, 1981). Diante do que passou a ser concebido como GU, não haveria regras específicas de uma gramática a serem identificadas. Princípios universais determinariam a forma com que gramáticas de línguas naturais se apresentam e parâmetros universais, com possíveis valores pré-determinados, a serem ajustados a partir da experiência linguística, dariam conta da variabilidade das línguas humanas. Pouca clareza havia, no entanto, quanto ao que seriam os princípios e ao que poderia ser tomado como parâmetros de variação (cf. Meisel, 1997), o que propulsionou a pesquisa linguística nos anos 80. Note-se que, nesse momento, questões acerca da natureza dos princípios e dos parâmetros de GU não seriam explicitamente formuladas. Paralelamente à pesquisa linguística teórica, propriamente dita, estudos de aquisição da linguagem linguisticamente orientados contribuiriam para o desenvolvimento de uma teoria acerca de GU, na medida em que validariam hipóteses ou trariam hipóteses acerca desse estado inicial e das restrições que este imporia, com base em dados da produção espontânea da fala de crianças ou de julgamento de gramaticalidade por crianças já inseridas na gramática da língua (cf. TAVAKOLIAN, 1981; GUASTI, 2004). Hipóteses acerca do processo de aquisição também viriam a ser formuladas em termos estritamente formais, a partir da concepção abstrata do problema de aprendibilidade trazido pela teoria linguística (cf. Pinker, 1987; Gibson & Wexler, 1994). Questões pertinentes ao processamento do material linguístico pela criança não seriam, contudo, consideradas nesse modo de abordagem. A pesquisa psicolinguística em aquisição da linguagem tem como foco a extração de informação gramaticalmente relevante nos dados da fala e não aderiu unânime ou uniformemente à hipótese de um estado inicial rico de informação específica do domínio da língua. Estudos de orientação mais empirista rejeitariam esse estado inicial (Bates & McWhinney, 1987; McWhinney,1987; Rumelhart & McClelland, 1987). Aqueles de orientação menos empirista tenderiam a buscar res58 Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista Em Chomsky (2005), tem-se que as idéias subjacentes à guinada teórica dos anos 90 estariam presentes desde o in ício da proposta gerativista (pelo menos desde 1977). Estas só não teriam vindo a público porque, no contexto da época, opor-se à idéia de que línguas podem variar entre si de forma imprevisível mostrava-se mais premente do que enfatizar o papel de fatores não especificamente linguísticos na forma das gramáticas. Diante disso, as considerações que aqui apresentamos podem ser vistas como decorrentes da apreciação do que veio a público, ou de como isto foi percebido no contexto da pesquisa em aquisição da linguagem até a década de 90. 4 trições de ordem cognitiva para a forma das línguas que minimizassem o que seria atribuído a GU (Bever, 1970), ou a assumir a idéia de aprendizagem guiada por fatores inatos (innate guided learning), oriunda de estudos etológicos (Gould & Marler, 1987; Marler, 1991), compatível com uma idéia de GU, embora sem um comprometimento explícito com a concepção de estado inicial então veiculada na teoria linguística (Jusczyk & Bertoncini, 1988). Uma vertente da pesquisa psicolinguística em aquisição da linguagem voltada para o processamento do sinal da fala pela criança viria questionar o pressuposto de que o input do processo de aquisição pode ser concebido em termos de sequências de elementos do léxico (cf. Morgan & Demuth, 1996). Segundo a hipótese do bootstrapping (desencadeamento, inicialização) fonológico, contornos prosódicos seriam informativos acerca de possíveis fronteiras oracionais e sintagmáticas, sendo que tais fronteiras seriam, elas próprias, informativas acerca de fronteiras lexicais. Assim sendo, propriedades rítmicas, alongamento de vogais, acento tônico poderiam ser tomados como pistas na análise do material linguístico de modo a torná-lo acessível a um processador sintático. Propriedades fonotáticas e padrões distribucionais em geral poderiam, por sua vez, ser informativos quanto ao modo como unidades lexicais e sintáticas são constituídas (Morgan & Demuth, 1996). Uma análise distribucional, de natureza estatística, poderia, assim, fazer uso de recursos cognitivos comuns entre domínios, uma vez direcionada por fatores inatos, ou mais especificamente, por um estado inicial, passível de ser concebido em termos de uma GU em que se prevê uma interface fonologia/sintaxe (NESPOR & VOGEL, 1986; SELKIRK, 1986; TRUCKENDRODT, 1999). Não haveria, portanto, uma incompatibilidade necessária entre a proposta gerativista e abordagens psicolinguisticas para a aquisição da linguagem em que se considera que a análise do sinal acústico da fala (ou de qualquer meio físico em a língua se apresente) é conduzida de forma a otimizar ou viabilizar a aquisição de uma língua. A pesquisa linguística voltada para GU viria constatar que o tratamento do problema da aquisição da linguagem, abstraindo-se questões pertinentes ao processamento linguístico, seria inviável.4 A necessidade de se incorporarem, na formalização da gramática de línguas naturais, representações de interface (língua/sistemas de desempenho), assumindo-se uma faculdade de linguagem em sentido amplo, em que a relação entre a língua e outros sistemas cognitivos é explicitamente prevista, veio, então, a ser enfatizada no Programa Minimalista (doravante PM) (Chomsky, 1995-2007). Este programa se caracteriza por uma revisão metodológica, reduzindo-se ao mínimo os construtos teóricos requeridos na formalização de uma gramática e, particularmente, na caracterização Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 59 Gragoatá Letícia Maria Sicuro Corrêa de GU. O que é, contudo, mais relevante na proposta minimalista, do ponto de vista de um diálogo com a Psicolinguística, é sua preocupação ontológica. O PM pretende ir além da adequação explanatória do modelo de língua (cf. Chomsky, 1965), buscando fundamentos para os princípios de GU (principled explanations) (seja no aparato processador humano tal como se apresenta ou na própria evolução da espécie). Essa busca leva à redução dos princípios de GU ao princípio da Intepretabilidade Plena nas interfaces aliado a condições gerais de economia. Ou seja, uma expressão linguística, gerada por uma gramática, tem de se apresentar de forma tal que seja passível de ser percebida e articulada pelo aparato processador humano, assim como de ser semanticamente interpretada, nos termos das relações conceptuais/intencionais com que a mente humana é capaz de lidar. Nesse sentido, a seguinte citação é ilustrativa: “We can regard an explanation of some property of language as principled, (…), insofar as it can be reduced to the [principles of structural architecture and developmental constraints that are not specific to the organ5 under investigation, and may be organism independent] and to conditions that language must meet to be usable at all – specifically, conditions coded in UG that are imposed by organism-internal systems with which FL [faculty of language] interacts. Insofar as properties of I-languages can be given a principled explanation, in this sense, we move to a deeper level of explanation, beyond explanatory adequacy.” (Chomsky, 2005, p.2) Diante disso, passamos a entender GU como restrições (decorrentes do modo como o aparato processador humano se constituiu) à forma das línguas que venham a ser espontaneamente criadas e adquiridas naturalmente, dada uma faculdade de linguagem que prevê interação entre sistemas cognitivos e um mecanismo formador de estruturas, cuja especificidade linguística é uma questão empírica (cf. Chomksy, 2005). 2. Uma abordagem integrada Esta seção vem explicitar de que modo a relação entre língua e cognição pode ser pensada a partir da concepção de língua veiculada na proposta do PM e apresentar a abordagem integrada que vimos desenvolvendo com vistas a contribuir para uma teoria da aquisição da linguagem que explicite o modo como o processo transcorre. 2.1. A língua na concepção minimalista O “órgão” sob investigação é a língua. 5 60 A língua, na concepção minimalista, é um sistema gerativo que opera de modo a gerar expressões linguísticas que servem de interface entre este domínio da cognição e os demais sistemas recrutados para que o desempenho linguístico se realize. Cada expressão linguística é vista como um par constituído de uma Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista 6 Símbolo é, nesse contexto, utilizado no sentido originário de computação simbólica, ou seja, um caractere, desprovido de sentido. Desse modo, a computação sintática transcorre de forma autônoma, sendo possível que se gerem sentenças gramaticais, semanticamente interpretáveis, ai nda que desprovidas de sentido (fora de um contexto específico), como O quadrado redondo voou na água. forma fonética e uma forma lógica, que servem de interface com os sistemas sensório-motor (para percepção e articulação da fala) e conceptuais/intencionais (o que possibilita à língua veicular informação de ordem conceptual pertinente a entidades e eventos do mundo). A língua consiste de dois componentes – um sistema computacional universal (conjunto mínimo de operações formais que constroem objetos sintáticos a partir de elementos do léxico de forma recursiva) e um léxico constituído de elementos compostos por traços semânticos, fonológicos e formais. Os primeiros relacionam a língua com sistemas conceptuais e intencionais, os segundos definem a forma fônica dos elementos do léxico, permitindo que estes se tornem acessíveis ao sistema sensóriomotor que atua na articulação e na percepção de enunciados linguísticos, e os últimos, os traços formais, tornam os elementos do léxico acessíveis, como símbolos,6 ao sistema computacional (sistema que tem símbolos como input e os transforma em outros que representam aqueles, em função de um algoritmo) para que sejam combinados em uma estrutura sintática. O sistema computacional universal atua exclusivamente sobre traços formais dos elementos do léxico que constituem o ponto de partida de uma derivação linguística. Os traços formais se apresentam como interpretáveis e não interpretáveis e assumem diferentes valores. Os valores assumidos pelos primeiros representam distinções de ordem conceptual/intencional (gênero, número, pessoa, tempo, aspecto etc) tomadas como gramaticalmente relevantes. Os segundos servem estritamente à computação sintática e são valorados como resultado de seu pareamento com os primeiros no curso da derivação linguística. O resultado dessa operação de concordância (Agree) pode repercutir na morfologia flexional, tornando-se, portanto, visível nas interfaces. Outros traços formais, ainda que não diretamente vinculados a distinções conceptuais (como caso e um traço pertinente à ordenação linear de constituintes) permitem que a sintaxe veicule relações semânticas que se apresentam de forma sistemática nas interfaces. Observa-se, então, que toda a informação gramaticamente relevante se faz legível nas interfaces. As línguas, ao se constituírem, incorporam distinções conceituais/intencionais aos traços formais do léxico (processo de gramaticalização). Diante das possibilidades que se apresentam à cognição humana, há considerável variabilidade entre as gramáticas de línguas naturais no que concerne às distinções conceptuais/intencionais tomadas como gramaticalmente relevantes. Por outro lado, diante das limitações da cognição humana e do modo como o ser humano se insere no meio exterior a ele, há considerável compartilhamento no que é tomado como gramaticalmente relevante pelas línguas humanas. De forma análoga, dadas as possibilidades do sistema físico que atua na articulação/percepção fala, há espaço para grande variabilidade na constituição de sistemas fonológicos e de padrões Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 61 Gragoatá Letícia Maria Sicuro Corrêa morfofonológicos que expressem distinções gramaticais. Por outro lado, dado que o sistema sensório-motor é compartilhado pela espécie humana, há restrições que limitam a variabilidade possível na constituição desses sistemas e padrões. 2.2. O que cabe à criança adquirir O termo fônica nos parece preferível, quando se considera o processamento, por remeter mais facilmente a propriedades suprasegmentais, cruciais para a percepção do sinal acústico da fala. 7 62 Diante dessa concepção de língua, cabe à criança, provida de um sistema computacional universal, constituir um léxico, identificar o que a língua toma como traços formais, que valores lhes são atribuídos e que propriedades estes têm, processando a informação que se faz legível nas interfaces da língua com os sistemas envolvidos no desempenho linguistico. O estado inicial das gramáticas das línguas humanas é, no PM, como em momentos anteriores da teoria linguística, concebido em termos de princípios e parâmetros (Chomsky, 1981; 1986). No entanto, diferentemente do que era antes enfatizado, os princípios são fundados em imposições das interfaces. Logo, o modo como a informação gramaticalmente relevante se apresenta nas interfaces é compatível com os recursos de que a criança dispõe para processar o material linguístico que pode perceber. Assim, para que a aquisição de uma língua se torne viável, a criança tem de partir do pressuposto de que pistas prosódicas e padrões recorrentes na interface fônica7 sinalizam informação a ser tomada como gramaticalmente relevante, assim com tem de assumir que enunciados linguísticos fazem referência a entidades, eventos e estados. Tais condições, à luz do PM, são garantidas por uma faculdade de linguagem em sentido amplo, a qual prevê a interação entre o sistema da língua e demais sistemas que atuam no processamento linguístico (Hauser, Chomsky & Fitch, 2002). Desse modo, a proposta minimalista, em certa medida, se assemelha à idéia de restrições cognitivas à forma das gramáticas (Bever, 1970), pode ser compatível com a idéia de aprendizagem guiada por fatores inatos e possibilita até um diálogo com teorias de aquisição de natureza mais empirista, que admitem restrições de ordem arquitetônica e decorrentes do estado do desenvolvimento neurológico no curso do processo (cf. Elman et al., 1996). Quanto aos parâmetros de variação, a pesquisa linguística converge para a visão de que estes se restringem a propriedades dos traços formais de categorias funcionais (Borer, 1984). Categorias funcionais são classes fechadas cujos elementos codificam, particularmente, informação pertinente à referência a entidades e eventos, assim como à força ilocucionária. Um processo de aquisição guiado por fatores inatos leva a criança a tomar aquilo que se apresenta de forma regular e sistemática na interface fônica como informação gramaticalmente relevante e a buscar uma interpretação semântica para enunciados linguísticos a partir do pressupostos de que estes remetem a entidades e eventos. Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista Os valores que os parâmetros de variação podem assumir são restringidos pelo que é cognoscível e passível de ser percebido/ articulado ou expresso fisicamente pelo ser humano. A criança, ao ser sensível a padrões morfofonológicos deverá, por conta da faculdade de linguagem assumida, buscar uma interpretação semântica para estes, ao lidar com a língua em condições naturais. Em suma, a pré-condição para a aquisição de uma língua é que a criança tome a fala como informação de interface com a língua (sistema cognitivo, ou língua interna). O estudo de natureza psicolinguística da aquisição da linguagem tem revelado que o modo como o material acústico se apresenta favorece a identificação das propriedades sintáticas da língua em questão, de forma que, quando a criança se vê diante de uma sequência de elementos do léxico, muito da análise necessária para a identificação da gramática da língua já transcorreu. A seguir trazemos um pouco do que a pesquisa psicolígústica tem obtido a partir da hipótese do bootstrapping fonológico. 2.3. Processamento na interface fônica e desencadeamento do processo de aquisição O conceito de interface fonética do PM é compatível com a concepção de aquisição da língua veiculada pela hipótese do boostrapping (desencadeamento) fonológico (Morgan & Demuth, 1996; Jusczyk, 1997; Gerken, 2001). O processamento do sinal da fala é vinculado a um calendário de desenvolvimento, e se realiza de forma automática desde os primeiros contatos com a língua, ainda na fase intra-uterina (Lecanuet, 1998; Lecanuet et al., 1992). Ao fim do primeiro ano de vida, além de estar inserida no sistema fonológico da língua, a criança está no ponto de adquirir informação morfológica, fundamental para a identificação da gramática da língua em questão (cf. Gerken, 2001). Uma das distinções cruciais que a análise do material acústico pode prover é entre elementos de classe fechada e aberta do léxico. Já nos primeiros dias de vida, a criança percebe distinções acústicas que podem ser úteis para essa diferenciação. Itens funcionais (elementos de classes fechadas), em geral, se distinguem de elementos lexicais (elementos de classe aberta) por suas propriedades fônicas. Os primeiros tendem a apresentar um número mínimo de sílabas (ou moras), com um núcleo simples, sendo preferencialmente átonas, e realizam-se por meio de fonemas não marcados ou subespecificados, de baixa amplitude (Morgan, Shi & Allopenna, 1996; Shi, Morgan & Allopenna, 1998; Shi, Werker & Morgan 1999). Além disso, são altamente frequentes e têm distribuição característica, tornando-se previsíveis no contexto sintático. Os segundos, por outro lado, não obedecem a um padrão fônico característico, existem em grande número, com frequência variável, não sendo, portanto, previsíveis Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 63 Gragoatá Letícia Maria Sicuro Corrêa em função do contexto sintático. As propriedades que facilitam essa distinção são comuns a diferentes línguas, como, constatado no inglês, mandarim e turco (Shi, Morgan & Allopenna, 1998) e bebês, desde os três dias de vida, mostram-se sensíveis a variações de ordem fônica relevantes para a distinção dessas classes (Shi, Werker & Morgan 1999). Diferentes habilidades desenvolvidas ao longo do primeiro ano de vida vêm contribuir para essa distinção, tais como o reconhecimento de padrões fonotáticos específicos da língua materna, aos oito meses de vida (Jusczyk, Cutler & Redanz, 1993) e localização de fronteiras de palavras, com base na integração de informação prosódica e fonotática, aos nove meses de idade (Aslin et al.1998; Jusczyk 1997). Assim, por volta dos 10-11 meses, o bebê passa a poder distinguir, na fala na fluente, o que deve ser representado como elementos de categorias funcionais e lexicais do léxico em aquisição. Evidências neurofisiológicas dão suporte às conclusões de uma série de estudos comportamentais por meio da técnica da escuta preferencial (cf. para a descrição da técnica, ver Name & Correa, 2006), que apontam para a sensibilidade de crianças a itens funcionais ao fim do primeiro ano de vida. Para verificar a sensibilidade de bebês a distinções no estímulo fônico, que possam ser relevantes para a identificação gramática, estes são apresentados a enunciados linguísticos, ou passagens em fala fluente, normais e modificados. Modificações tais como a substituição de elementos funcionais como determinantes, auxiliares e a preposição por pseudo-itens – elementos monossilábicos não pertencentes à língua, ainda que em conformidade com seu padrão fonológico – permitem avaliar em que medida a criança se mostra sensível a essa classe de elementos. Crianças de 10-15 adquirindo inglês mostraram-se sensíveis a essas alterações, ouvindo por mais tempo passagens normais do que modificadas (SHADY, 1996), o que pôde ser constatado em respostas eletrofisiológicas do cérebro por volta dos 11 meses de idade. A amplitude dos potenciais evocados pelas histórias modificadas foi significativamente mais baixa do que a dos evocados por histórias normais, sugerindo maior demanda na atividade neuronal por parte do estímulo não imediatamente reconhecível (SHAFER ET AL. 1998). Nessa idade, uma análise sintática no âmbito do DP (sintagma determinante) parece ser conduzida, como sugerem os resultados de estudo com bebês adquirindo alemão (HÖHLE & WEISSENBORN, 2000). Diferentes grupos de bebês foram familiarizados com sequências de determinante e nome, do tipo der Kahn [o barco]; das Tor [o portão], e com nomes dissílabos como Vulkan e Pastor, cujas segundas sílabas são semelhantes aos nomes da outra condição. Se as crianças do grupo apresentado a um DP reconhecem o determinante, devem ser capazes de reconhecer os nomes em novos DPs com outros determinantes. O mesmo não seria esperado do 64 Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista grupo apresentado aos nomes dissílabos isolados. Os resultados sugerem que bebês de 11 meses, diferentemente de bebês de 8 meses, se comportaram como previsto, ouvindo por mais tempo a condição em que os nomes tinham sido previamente apresentados precedidos por determinantes. Uma série de estudos com a técnica da escuta preferencial conduzidos com bebês de 9 a 18 meses em aquisição do português brasileiro traz resultados compatíveis com a percepção de determinantes na fala fluente por crianças de 14 meses (Name, 2002; Name & Corrêa, 2003)8, e com o reconhecimento do padrão morfofonológico de afixos verbais por volta dos 10 meses de idade (Bagetti, 2009; Bagetti & Corrêa, 2010). Evidências de processamento de ordem semântica também podem ser obtidas, uma vez que, por volta dos 9 meses, a criança demonstra atenção às propriedades comuns entre membros de uma classe pelo processo de nomeação (WAXMAN, 2006). Diante dessas evidências, observa-se que a distinção fundamental entre as grandes classes ou categorias do léxico (funcionais e lexicais) se estabelece com base em distinções passíveis de serem captadas na interface fônica. 2.4. A inicialização do sistema computacional Crianças mais novas não foram testadas. 8 Ainda que os resultados da pesquisa orientada pela hipótese do bootstrapping fonológico convirjam para a distinção entre classes de elementos funcionais e lexicais ao fim do primeiro ano de vida, não fica suficientemente claro como seria feita a passagem da percepção de elementos de classe fechada e aberta para a representação das grandes classes do léxico (funcional e lexical). O que há de mais distintivo na faculdade de linguagem humana é a possibilidade de um sistema computacional ter acesso, via traços formais, a elementos de um léxico que (diferentemente de elementos do léxico de linguagens formais), se relacionam com sistemas conceituais/intencionais e sensório-motor, por conta de suas propriedades semânticas e fonológicas. Essa possibilidade deve-se ao fato de padrões ou regularidades presentes na interface fônica sinalizarem propriedades formais e serem reconhecidos como indicativos das mesmas. É, portanto, a relação entre o que há de sistemático na língua e propriedades formais o que permite explicar a passagem de uma análise do sinal da fala para o domínio da sintaxe. A distinção entre elementos de classe fechada e aberta por volta dos 10 meses de vida, juntamente com o reconhecimento de padrões pertinentes a ordem, que toma por base distinções rítmicas percebidas em tenra idade (Nespor, Guasti e Christophe,1996; Christophe et al., 2003; Gout & Christophe, 2006), daria origem a um léxico mínimo, em que se distinguem formalmente categorias funcionais (classes fechadas), Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 65 Gragoatá Letícia Maria Sicuro Corrêa e lexicais (classes abertas), assim como informação pertinente a ordem, vinculada a estas. Os elementos desse léxico mínimo estariam, portanto, subspecificados, pois cabe à criança identificar as distinções de natureza conceptual/intencional tomadas como gramaticalmente relevantes na língua, assim como refinar padrões de ordem à medida em que categorias funcionais e lexicais são progressivamente delimitadas. Padrões morfofonológicos, uma vez identificados em elementos de classes fechadas (determinantes e afixos, por exemplo), têm de ser representados como informação morfológica, semanticamente interpretável. Padrões de ordem ou a morfologia de caso vinculada a elementos lexicais, por sua vez, têm de ser tomados como pertinentes à codificação gramatical de relações semânticas de natureza proposicional. A interpretação semântica do que se apresenta como padrões morfofonológicos assim como a identificação da informação sintática que morfemas de caso ou padrões de ordem apresentam são, portanto, requisitos para a completa especificação das propriedades dos traços formais de categorias funcionais, no curso do desenvolvimento linguístico. Assim, é por conta do processamento na interface fônica, assim como do processamento na interface semântica, impulsionado pelo pressuposto de que enunciados linguísticos remetem a entidades e eventos, que a aquisição de uma língua procede, a partir do segundo ano de vida da criança. 2.5 A gradual especificação de traços formais e interação entre domínios A gradual especificação dos traços formais dos elementos funcionais (de classe fechada) do léxico irá depender da identificação de padrões morfofonológicos variados no interior de sub-classes fechadas do léxico (determinantes, auxiliares e afixos verbais, por exemplo). Variações nos padrões morfofonológicos são indicativas do número de valores passíveis de serem assumidos por um traço formal. No português brasileiro (PB), por exemplo, teríamos variação entre elementos morfologicamente não-marcados e marcados quanto a gênero (masculino/feminino), número (singular/plural) e pessoa (3ª/1ª) no âmbito de determinantes; variação morfofonológica pertinente a tempo (presente/passado/ futuro), aspecto (perfeito/imperfeito), modo (realis/irrealis) no âmbito dos afixos verbais. Crianças de 18-27 meses, adquirindo o português, revelam, por exemplo, sensibilidade a alterações entre a expressão morfofonológica do aspecto perfeito/imperfeito, ainda que sua interpretação semântica seja tardia (Lima-Rodrigues, 2007). É, portanto, via o processamento na interface semântica que a criança acabará por representar as distinções conceituais/ intencionais que padrões morfofonológicos sinalizam. O pressuposto de que enunciados linguísticos remetem a entidades e eventos mostra-se relevante para essa progressiva 66 Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista especificação de traços. Um DP, uma vez delimitado, pode ser tomado como uma expressão referencial. A informação semântica obtida a partir da referência pode contribuir, por exemplo, para a interpretação da marcação morfológica de número no PB em termos de pluralidade. Constamos que crianças de 22 meses tendem a tomar como referente de um DP plural que contém um pseudo-nome (os dabos, por exemplo) figuras com vários elementos de um mesmo tipo (objetos inventados). Constatamos ainda que a informação relativa a número gramatical é extraída do determinante visto que crianças adquirindo o PB tratam de forma indiferenciada DPs como os dabos e os dabo (dada a co-existência de variantes da língua) e que crianças adquirindo o PE (Português europeu) (em que não há tal coexistência de variantes) ainda que dêem mais respostas indicativas de interpretação do DP como plural para a forma os dabos, dão mais respostas desse tipo para a forma os dabo do que para a alternativa o dabos, tratada, predominantemente, como DP singular (tal como o lápis, por exemplo) (Correa, Augusto & Ferrari-Neto, 2005; Castro et al., 2009). O processo de especificação de traços formais não deixa de pressupor, contudo, concordância no âmbito do DP. Isso fica claro no caso do gênero gramatical em português. Diante de DPs como o daba e a dabo, por exemplo, a tendência manifesta por crianças de cerca de 22 meses é tomar a informação de gênero expressa no determinante como indicativa do gênero a ser atribuído a um nome novo, seja este inanimado (CORRÊA & NAME, 2003) ou animado, tanto em PB quanto em PE (CORREA, AUGUSTO & CASTRO, 2010). Essa atribuição requer que o DP tenha sido analisado como tal e o morfema de gênero seja tomado como indicativo de concordância (CORREA, 2001; NAME, 2002; CORREA & NAME, 2003). Em suma, o pressuposto da concordância entre traços formais interpretáveis/não interpretáveis parece ser necessário para que padrões morfofonológicos sejam tomados como indicativos dos valores assumidos por traços formais, e o pressuposto de que DPs atuam como expressões referenciais é necessário para que esses valores sejam semanticamente interpretados. Ambos os pressupostos podem ser vistos como um modo de aprendizagem guiado por fatores inatos, sendo que o uso da concordância como instrumento de aquisição pode ser visto como um recurso especificamente linguístico. A identificação de padrões morfofonológicos e sua interpretação semântica (não necessariamente correspondente à do adulto) não garante, contudo, a codificação morfofonológica na produção da fala pela criança. Este processo mostra-se particularmente custoso, o que acarreta um desbalanceamento entre o que a criança percebe e e representa e o que produz. No que concerne à produção da fala, a criança minimiza custos de processamento atendo-se ao que há de mais informativo – os traços semânticos Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 67 Gragoatá Letícia Maria Sicuro Corrêa de elementos de categorias lexicais. Logo, elementos funcionais tendem a ser omitidos. Além disso, elementos funcionais relacionam-se mais diretamente aos sistemas intencionais, dado seu papel na referência (CORREA, 2008). A habilidade de estabelecer referência por meios linguísticos envolve relações entre o domínio da língua e domínios da cognição mais ampla com a qual a língua interage. No caso específico da referência definida/indefinita, por exemplo, seu estabelecimento envolve questões pertinentes à Teoria da Mente (capacidade de atribuir ao outro conhecimento e estados mentais, crenças e intenções, diferentes dos seus), uma vez que a seleção do valor de um dado traço na produção da fala requer que se leve em conta a informação acessível ao interlocutor no discurso. O estabelecimento desse contraste também envolve operações de quantificação, uma vez que um artigo definido pode implicar unicidade na referência (João pegou a maçã – implica que só há uma maçã no universo de discurso) e o artigo indefinido, no português, por exemplo, pode ser tomado como numeral. Logo, espera-se que a produção e a interpretação semântica do traço de definitude do determinante envolva um custoso processo de desenvolvimento, como pode ser constatado (CORREA, AUGUSTO & ANDRADE-SILVA, 2008). A adequação da referência ao contexto pode ainda pressupor o desenvolvimento de uma teoria cognitiva pragmática da relevância (WILSON & SPERBER, 2001), o que irá permitir ao falante selecionar a informação de ordem intencional a ser ostensivamente expressa gramaticalmente, possibilitando assim, ao ouvinte, identificá-la de forma inequívoca (Longchamps, em prep.). É importante ressaltar, de todo modo, que distinções conceptuais/intencionais básicas podem levar à criança a buscar recursos formais de expressão antes de identificar como a língua as apresenta. É o que parece acontecer com o modo gramatical, que veicula distinções conceptuais/intencionais entre realis/irrealis, as quais são expressas desde cedo, com parcos recursos linguísticos (oposição entre finito/não finito, por exemplo) e cuja aquisição completa passa por um longo processo dependente de habilidades de processamento não disponíveis em tenra idade, como o processamento de estruturas complexas (cf. Longchamps, 2009). Em suma, de acordo com a proposta teórica com que vimos trabalhando, a inicialização do sistema computacional se dá a partir da distinção de classes fechadas (funcionais) e abertas (lexicais), aliada à informação relativa a ordem, representadas no léxico por um mínimo de traços formais. Essa inicialização possibilita que uma análise sintática (parsing) seja conduzida, a partir da qual categorias funcionais e lexicais são progressivamente diferenciadas. Variações entre padrões morfofonológicos sinalizam distinção de valores de um dado traço formal. O pressuposto de que enunciados linguísticos remetem a entidades e eventos impulsiona o processamento na interface semântica, por meio do qual 68 Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 Aquisição e processamento da linguagem: uma abordagem integrada sob a ótica minimalista as distinções conceptuais/intencionais expressas na morfologia vêm a ser interpretadas. O processamento na interface semântica e a total especificação dos traços formais de categorias funcionais é, contudo, um processo custoso que pode depender da interação entre a língua e outros sistemas cognitivos. E uma vez que estes interagem, a língua pode ter um papel no desenvolvimento de aspectos da cognição mais ampla, como tem sido aventado e discutido com relação ao papel da complementação sintática no desenvolvimento dos estágios mais avançados da Teoria da Mente (de Villiers, 2004; AUGUSTO & CORREA, 2009; VILLARINHO & MARCILESE, 2009) e pode ser constatado no desenvolvimento de habilidades numéricas (Marcilese, 2011). Assim sendo, uma abordagem psicolinguística para aquisição da linguagem aliada a uma concepção minimalista de língua fornece um quadro teórico que focaliza diretamente o problema de aprendibilidade que a aquisição de uma língua materna apresenta, e possibilita a exploração de diferentes aspectos do desenvolvimento linguístico. 3. Para concluir Este artigo teve como principal propósito demonstrar como o problema da aprendibilidade que a aquisição da linguagem apresenta requer a articulação linguística/psicolinguística. Esboçamos, então, um procedimento de aquisição da linguagem que caracteriza a passagem de uma análise de base prosódica e distribucional do material da fala no primeiro ano de vida para a análise sintática de enunciados linguísticos, assim como a progressiva especificação de traços formais de categorias funcionais. Para isso, conciliou-se a hipótese do bootstrapping fonológico com uma concepção minimalista de língua e de faculdade de linguagem. O pressuposto da concordância, guiando a análise de relações locais entre segmentos identificados como membros de classes abertas e fechadas foi enfatizado, assim como o foi o pressuposto da referência a entidades, estados e eventos como desencadeador do processamento na interface semântica. Esse último apresentase mais complexo por envolver possíveis relações entre a língua e outros sistemas cognitivos ou por requerer habilidades de processamento mais avançadas (como o processamento de sentenças complexas). Consideramos, assim, que o estabelecimento de um diálogo entre teoria linguística, a partir da proposta minimalista, e uma abordagem procedimental para a aquisição da linguagem pode ser produtivo. A proposta minimalista favorece a convergência de abordagens formalistas e funcionalistas, uma vez que traços formais podem ser vistos como decorrentes de gramaticalização, na constituição das línguas humanas. Favorece também a convergência de abordagens para a aquisição da linguagem que partem de diferentes perspectivas epistemológicas, uma vez que restrições Niterói, n. 30, p. 55-75, 1. sem. 2011 69 Gragoatá Letícia Maria Sicuro Corrêa à forma das gramáticas são tidas como decorrentes de imposições das interfaces entre a língua e sistemas que atuam no desempenho linguístico. Entendemos essas convergências como indicativas de amadurecimento teórico. Assim, a nosso ver, o estado-da-arte que hoje se apresenta, ainda que longe de ser amplamente reconhecido, dá indícios de que nos aproximamos de um melhor entendimento da natureza da linguagem e do processo de aquisição de uma língua. Um melhor entendimento desse processo mostra-se fundamental quando se consideram problemas de desenvolvimento linguistico e de habilidades a este vinculadas. Abstract The learnability problem of language acquisition is viewed as requiring a both linguistic and psycholinguistic treatment. Difficulties for an effective joint approach to this problem are identified. An integrated approach is proposed which reconciles the phonological bootstrapping hypothesis with a minimalist conception of language. The early distinction between closed and open lexical classes is considered to be fundamental to the initialization of a universal computational system. Linguistic development is characterized as the progressive specification of the formal features of the functional categories, as processing at the phonetic and semantic interfaces proceeds. Directions for future research on language acquisition in the light of this approach are suggested. Keywords: language acquisition; learnability; innately guided learning; bootstrapping; minimalism; phonetic interface; semantic interface; formal features. Referências ASLIN, R.; SAFFRAN, J.; NEWPORT, E. Computation of conditional probability statistics by 8-monthold infants. Psychological Science, n.27, p.321-324, 1998. AUGUSTO, M. R. 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Assume-se que a fala se organiza em constituintes prosódicos hierarquicamente dispostos, parcialmente sensíveis à estrutura sintática, e defende-se que adultos e crianças usam pistas prosódicas para o reconhecimento da posição do adjetivo no DP (Experimento 1), identificam pseudopalavras como novos adjetivos (Experimento 2) e atribuem valor subjetivo ao realce prosódico do adjetivo anteposto a N (Experimento 3). Discutem-se os resultados obtidos à luz de modelos de processamento comprometidos com a aquisição de linguagem. Palavras-chave: aquisição lexical, prosódia, adjetivo, bootstrapping fonológico, DP. Gragoatá Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011 Gragoatá Maria Cristina Name Introdução Compreender o rápido processo de aquisição de uma língua pela criança é, ainda, um desafio para as ciências. No que se refere especificamente à aquisição do léxico, busca-se entender como o bebê/a criança segmenta o fluxo da fala em elementos menores e os extrai, para que possa então mapear essas unidades linguísticas com entidades semânticas ligadas a referentes do mundo (FRIEDERICI & THIERRY, 2008; SNEDEKER & GLEITMAN, 2004). Para dar conta das etapas iniciais do processo, anteriores à apreensão de significado, o modelo de Bootstrapping Fonológico (MORGAN & DEMUTH, 1996; CHRISTOPHE ET AL., 1997) defende que habilidades perceptuais permitem ao bebê processar informação fonológica dos enunciados, levando à identificação de unidades sintáticas. Tais habilidades também seriam usadas no processamento de falantes que já adquiriram uma lingual (ou mais). Para esse modelo, o envelope prosódico da fala, sensível à sua estrutura sintática (cf. NESPOR & VOGEL, 1986; SELKIRK, 1984), tem um papel fundamental, delimitando unidades linguísticas menores, facilitando sua segmentação e sinalizando, dessa forma, elementos distintos que poderiam ser adquiridos (no processo de aquisição de uma língua) ou reconhecidos (no processamento adulto) como membros de diferentes categorias lexicais e relacionados a conteúdo semântico. Neste artigo, ilustraremos o papel da informação prosódica na aquisição de vocabulário por crianças adquirindo o português do Brasil (doravante, PB), focalizando elementos da categoria lexical ADJ(etivo). A partir da análise acústica da fala dirigida à criança, mostraremos que o envelope prosódico de sintagmas em que nomes e adjetivos se inserem se distingue em função da posição desses últimos em relação aos primeiros, permitindo que adultos reconheçam a posição de tais itens a partir da prosódia do DP. Em seguida, apresentaremos resultados de atividades experimentais sugerindo que crianças de três anos são guiadas por informação de natureza prosódica para identificar pseudopalavras como adjetivos e que tal informação também é usada por crianças mais velhas, de seis anos, sinalizando a mudança da ordem canônica do adjetivo em relação ao nome e delimitando o tipo de informação veiculada pelo adjetivo antesposto – qualificadora, subjetiva e não classificadora, objetiva. 1. Algumas considerações sobre prosódia e aquisição de adjetivos A pesquisa experimental em aquisição da linguagem, nas últimas décadas, apresenta evidência de sensibilidade a propriedades prosódicas do estímulo linguístico que são usadas precocemente pelo bebê nas etapas iniciais da aquisição lexical (JUSCZYK, CUTLER, & REDANZ, 1993; TURK, JUSCZYK, & 78 Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011 Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical GERKEN, 1995). Bebês adquirindo inglês ou alemão começam a segmentar palavras no fluxo contínuo da fala a partir dos seis meses de idade (JUSCZYK & ASLIN, 1995 para o inglês; HÖHLE & WEISSENBORN, 2003 para o alemão). O início desse processo parece se dar um pouco mais tarde para bebês expostos ao holandês (HOUSTON ET AL., 2000; KUIJPERS ET AL., 1998 apud NAZZI ET AL., 2006) ou ao francês (NAZZI ET AL., 2006). Pistas relativas a fronteiras de constituintes prosódicos são particularmente robustas, facilitando a segmentação lexical. Christophe e colaboradores (2003) observaram que bebês de 13 meses habituados a extrair determinada palavra alvo eram mais eficientes na tarefa quando essa palavra constituía de fato uma palavra (ex.: paper) do que em sentenças nas quais a palavra se posicionava em fronteira fonológica (ex.: pay performs), o que sugere o uso de fronteiras de sintagma fonológico na extração de palavras por bebês. Tais propriedades podem ser fontes privilegiadas de informação sintática, pois ainda que não haja isomorfia total entre a estrutura prosódica e a estrutura sintática (NESPOR & VOGEL, 1986), fronteiras de alguns constituintes prosódicos podem delimitar estruturas sintáticas e lexicais. A Fonologia Prosódica de Nespor e Vogel (1986) estabelece que a fala se organiza em níveis prosódicos hierarquicamente dispostos, com um constituinte se formando a partir do(s) constituinte(s) de nível imediatamente mais baixo em um total de sete domínios. O menor constituinte é a sílaba e o maior, o enunciado fonológico. Assumindo-se que a criança penetra na sintaxe de sua língua a partir da interface fonética/fonológica (cf. Modelo de Bootstrapping Fonológico: MORGAN & DEMUTH, 1996; CHRISTOPHE ET AL., 1997), consideramos que propriedades da fala que sinalizam a estrutura sintática subjacente podem ser facilitadoras da identificação dos elementos lexicais. Além disso, consideramos também que especificidades do input ao qual a criança tem acesso – especificamente a fala dirigida à criança (FDC) – podem mediar esse processo, embora não constituam elementos essenciais para o desencadeamento da aquisição de uma língua. Escolhemos tratar do aspecto prosódico na aquisição de adjetivos pelas seguintes razões: (a) de modo geral, as pesquisas relativas à identificação de adjetivos (e nomes) por crianças em processo de aquisição de primeira língua costumam focalizar processos semânticos e morfossintáticos (para revisão, ver WAXMAN, 2004), deixando de lado etapas anteriores de segmentação e identificação desses itens no enunciado linguístico. Como a maioria dos estudos é conduzida em inglês, cuja ordem dos elementos no sintagma determinante (DP) é rígida (Det-Adj-N), o problema de reconhecimento lexical parece ser menos complexo para a criança; (b) a relativa flutuação do adjetivo face ao nome no português poderia dificultar sua identificação, necessitando Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011 79 Gragoatá Maria Cristina Name de informação semântica robusta, a menos que outra fonte de informação esteja disponível para a criança. No português, o adjetivo aparece antes ou depois de N, com preferência pela posposição, podendo haver implicações semânticas na escolha (adjetivo anteposto tendo valor mais subjetivo, ligado à intenção do falante). A questão é se essas diferentes configurações sintáticas têm repercussões na estrutura prosódica do DP complexo, de modo que pudessem ser exploradas pelo bebê na segmentação desses elementos e posterior reconhecimento e atribuição de traços categoriais como N e ADJ. Para investigar esse ponto, analisaremos acusticamente DPs com adjetivos antepostos e pospostos presentes na fala dirigida à criança brasileira. 2. Propriedades acústicas do DP em função da posição do adjetivo na FDC Matsuoka e Name (2011) analisaram os parâmetros de duração, intensidade e pitch de nomes e adjetivos em DPs seguindo tanto a ordem canônica quanto a não canônica do português (por meio do PRAAT: BOWERSMA & WEENINK, 2001). Os dados foram obtidos de gravações de contação de história para a criança. Era pedido ao adulto (mãe ou professora) que inventasse uma historia a partir das imagens de um livro, sendo que algumas gravuras apresentavam pequenas passagens, textos cuja inserção na historia era obrigatoria. Foi usado esse artifício para garantir a produção de DPs pelos diferentes contadores de historia. Também foram apresentadas imagens com frases distratoras, de modo que os participantes não percebiam o objetivo da atividade. A análise da duração revelou que a tônica de ADJ é sempre mais longa do que a de N na mesma posição, com diferenças significativas tanto na primeira quanto na segunda posição (t(32)= 4,220; p=<0.0001, e t(30)=2,383; p<0.03, respectivamente). Fig. 1. Curva de duração do DP pleno (ms) No que se refere à intensidade, as curvas de N e ADJ também apresentam comportamentos distintos. Quando se encontra em primeira posição no DP, ADJ é evidenciado com uma elevação 80 Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011 Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical da intensidade na tônica, o que não ocorre em N nessa posição, mesmo sendo todos os itens paroxítonos (Fig. 2). Fig. 2. Curva de Intensidade do DP pleno em situação espontânea (dB) A análise do pitch também apontou para um realce de ADJ no DP: em anteposição, o adjetivo é claramente evidenciado na FDC. Comparados às analises de fala de adulto no PB (Serra, 2005), os dados da FDC se mostram ampliados, com um realce acústico do adjetivo em anteposição. A posição estrutural dos nomes e adjetivos no DP parece, portanto, ter implicações na estrutura prosódica da FDC, o que poderia ser usado pela criança para a identificação da estrutura sintática. Em breve, avaliaremos a sensibilidade do bebê a essas variações do contorno prosódico no DP; nossa previsão é que são variações robustas o suficiente para permitir a discriminação entre DPs com adjetivo posposto e anteposto. No momento, temos resultados parciais do uso de pistas prosódicas na identificação da posição de ADJ no DP por adultos brasileiros. 3. Identificação da ordem dos constituintes no DP por adultos a partir de pistas prosódicas Se propriedades acústicas do enunciado linguístico são passíveis de serem captadas por adultos tanto quanto por bebês, os diferentes contornos prosódicos do DP pleno deveriam permitir ao falante/ouvinte adulto brasileiro identificar a posição do adjetivo no sintagma. Para investigar tais habilidades, apresentamos a dez participantes adultos imagens retratando cenas de mães interagindo com suas crianças na tela de um laptop, simultaneamente a frases acusticamente manipuladas. A manipulação dos DPs, feita através do Praat (BOWERSMA & WEENINK, 2001), buscou eliminar a informação segmental, preservando a informação prosódica. Para cada imagem teste foi elaborada uma frase contendo um DP pleno do tipo DET-N-ADJ/ADJ-N, sendo que os adjetivos escolhidos podiam ocupar a posição anteposta ou posposta a N (p.ex., bonita historia / historia bonita). Distratoras foram Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011 81 Gragoatá Maria Cristina Name igualmente camufladas, mas sem utilização de DPs. No total, cada participante viu onze imagens (uma de treinamento, quatro testes e seis distratoras). Em uma folha, as palavras camufladas no áudio eram apresentadas desordenadamente e o participante, após ouvir a frase, deveria anotar a ordem percebida das palavras. No total, 75% das respostas foram congruentes com o contorno prosódico apresentado na condição N-ADJ e 70% na condição ADJ-N. Assim, apesar da força da ordem canônica N-ADJ no PB, os participantes escolheram preferencialmente a ordem inversa na condição ADJ-N, sugerindo que o envelope prosódico do DP sinalizou a posição do adjetivo, já que não havia outra informação disponível. Ainda que parciais, os resultados apontam para uma sensibilidade do adulto falante do PB às propriedades prosódicas do DP complexo no que se refere à posição do adjetivo. Vimos, até o momento, que diferentes configurações sintáticas do DP têm repercussões na sua estrutura prosódica, e que adultos são capazes de reconhecer tais configurações a partir da prosódia. Buscamos, ainda, verificar se, no percurso de aquisição de vocabulário, a criança faz uso de informação prosódica para identificar novos adjetivos e se relaciona o realce prosódico às implicações semântico-pragmáticas do adjetivo anteposto. 4. O uso de pistas prosódicas na aquisição lexical O reconhecimento de novos adjetivos por crianças pequenas parece se apoiar no Nome. Mintz e Gleitman (2004) testaram crianças americanas de dois e três anos apresentando-lhes objetos conhecidos (carro, flor etc.) com texturas insólitas que foram nomeadas por pseudoadjetivos. Os objetos podiam ser apresentados pelos seus nomes conhecidos ou por nomes vagos (think), sempre acompanhados dos novos adjetivos (stoof). Em seguida, novos objetos eram apresentados mostrando a mesma textura que os anteriores ou não, e pedia-se à criança para apontar aquele que fosse stoof. Crianças de ambas as idades não tiveram problema em mapear o novo adjetivo à propriedade quando este foi apresentado junto ao nome do objeto (a stoof car), mas tiveram dificuldade quando acompanhado de nome vago (a stoof think). Azevedo (2008; AZEVEDO & NAME, 2008) replicou o experimento com crianças brasileiras e obteve os mesmos resultados. Em seguida, reformulou a atividade, adicionando um sufixo aos adjetivos (maposa, bivado). Crianças de dois e três anos facilmente relacionaram o novo adjetivo à textura, apontando para o alvo congruente à familiarização. Tais resultados sugerem que informação morfofonológica auxilia a aquisição de novos adjetivos por crianças a partir de dois anos, mesmo na ausência do nome conhecido. E quanto à informação prosodica? Matsuoka e Name (2011) partiram dos resultados de Azevedo (2008) e fizeram um piloto com oito crianças da mesma faixa etária adquirindo o PB. 82 Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011 Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical A intenção é investigar se o adjetivo prosodicamente realçado facilitaria seu mapeamento à propriedade desconhecida, mesmo na condição de apresentação do objeto por nome vago. Foram três as condições: (1) nome concreto (carro) associado a adjetivo sem realce prosódico (betujo); (2) nome vago (negócio) associado a adjetivo sem realce prosódico (betujo); e (3) nome vago (negócio) associado a adjetivo com realce prosódico (BETUJO). Diferentes objetos, texturas, nomes e pseudoadjetivos foram usados, controlando-se o gênero do nome. Quando realçado prosodicamente, as crianças identificaram sem dificuldade o novo adjetivo, mesmo diante de nome vago. Na ausência de marcação prosódica, a taxa de acerto (i.e., de reconhecimento do adjetivo) foi menor, fosse na presença de nome concreto ou vago. Dado o número limitado de crianças, não é possível fazer uma análise estatística, mas é nítida a diferença da taxa de acertos entre a condição 3 – adjetivo com realce prosódico – e as demais, como podemos ver no quadro a seguir. Condição N conc + ADJ -P N vago + ADJ -P N vago + ADJ +P Taxa de acertos (%) 75 50 91,6 Fig. 3: Taxa de mapeamento consistente de pseudoadjetivo à propriedade (%) A ênfase prosódica do adjetivo parece ter facilitado seu mapeamento à nova propriedade, neutralizando a dificuldade encontrada pelas crianças diante do nome vago. Esses resultados parciais apontam, portanto, para o uso de informação prosódica pela criança no processo de aquisição lexical, para a identificação de novas palavras como pertencentes à categoria ADJ e seu mapeamento à informação semântica de propriedade de objeto. A etapa seguinte de nossa pesquisa foi avaliar se crianças já adiantadas no processo de aquisição de vocabulário atribuem algum valor semântico à relação entre realce prosódico e posição do adjetivo no DP. Uma análise meramente acústica do enunciado permitiria identificar diferentes categorias lexicais no DP. Vimos que o adjetivo é sempre prosodicamente mais marcado do que o nome, independentemente de sua posição. Assim sendo, a criança pode generalizar, assumindo que o elemento prosodicamente realçado será sempre um adjetivo, sendo sua posição no sintagma flutuante. Porém, o realce prosódico do adjetivo anteposto advém, justamente, da carga semântico-pragmática que ele carrega com seu deslocamento, podendo acarretar alteração de sentido (homem pobre / pobre homem) ou sublinhar a intenção avaliativa do falante, e não se adequa a todos os adjetivos, mas àqueles considerados subjetivos ou qualificadores (NEVES, 2000). Até que ponto a criança adquirindo o PB é capaz de perceber tais nuances? Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011 83 Gragoatá Maria Cristina Name Lanini (em prep.) buscou avaliar o conhecimento de crianças brasileiras, no que se refere à relação prosódia-sintaxe-semântica. Mais especificamente, investigou se crianças de seis anos relacionam o realce prosódico do adjetivo anteposto com o tipo de informação veiculada – qualificadora, subjetiva ou classificadora, objetiva. Em uma variante da tarefa de julgamento de gramaticalidade, as crianças deveriam ajudar um boneco extraterrestre que estava aprendendo o PB, corrigindo-o quando necessário. Diante de imagens conhecidas, o ET produzia frases contendo adjetivos antepostos a nomes, variando na sua natureza (qualificador ou classificador) e no realce prosódico (presente ou ausente). Em meio a frases distratoras, foram produzidos enunciados das condições (a) adjetivo congruente à posição, prosodicamente marcado (Con +P: que LINDO carro); (b) adjetivo congruente, prosodicamente não-marcado (Con -P: que lindo carro); (c) adjetivo incongruente, prosodicamente marcado (Inc +P: que SUJO carro); (d) adjetivo incongruente, prosodicamente não-marcado (Inc -P: que sujo carro). Participaram onze crianças com idade media de seis anos. Se as crianças nessa idade já têm domínio do valor intencional do realce prosódico dado pelo falante no adjetivo anteposto, prevê-se maior aceitação da fala do ET na condição (a), que apresenta adjetivo subjetivo realçado, assim como maior rejeição na condição (c), cujo adjetivo prosodicamente marcado é de natureza objetiva, não avaliativa. Nas condições de prosódia não marcada ((b) e (d)), estimam-se taxas baixas de correção, maiores que a condição (a) e menores que a condição (c). Como esperado, a taxa de correção para a condição Con +P (condição (a)) foi muito baixa, inferior a 10% do total de enunciados. A condição (c), Inc +P, recebeu maior taxa de correção (54,5%), ao passo que as condições com prosódia não realçada tiveram taxas menores que (c) e maiores que (a), conforme previsto (ambas 31,8%). Comparando-se o tipo de adjetivo com prosódia realçada ((a) vs. (c)), a diferença entre as medias foi estatisticamente significativa (t(10)=3.61, p=.005), o mesmo se dando entre adjetivos incongruentes realçados ou não ((c) vs. (d): t(10)=2.25, p<.05). Os adjetivos inadequadamente antepostos (classificadores), sem realce prosódico, tiveram baixo índice de rejeição (condição (d), 31,8%), mas quando realçados prosodicamente, foram mais rejeitados (condição (c), 54,5%). A ênfase prosódica parece realçar a natureza semântica do adjetivo, licenciando qualificadores (condição (a), 9,1%), mas rejeitando classificadores nessa posição (condição (c). De acordo com tais resultados, podemos concluir que crianças brasileiras, aos seis anos, dominam a relação que se estabelece entre prosódia, sintaxe e semântica, no que se refere ao adjetivo no DP. 84 Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011 Descobrindo novas palavras no fluxo da fala: o impacto da prosódia na aquisição lexical Fig. 4: Taxa de correção da fala (%) Conclusão Neste artigo, investigamos o impacto da prosódia na aquisição lexical por crianças adquirindo o PB, focalizando elementos da categoria lexical ADJ. Os resultados apresentados apontam para a exploração das pistas oferecidas pelo envelope prosódico tanto por crianças como por falantes adultos. No experimento com adultos, verificamos que a informação prosódica se sobrepôs ao viés da ordem canônica, de modo que os DPs do tipo ADJ-N tiveram taxa de acerto próxima à dos DPs N-ADJ. Esses resultados são inéditos e, ainda que parciais, apontam para o uso do contorno prosódico do DP na identificação da posição dos elementos N e ADJ, que pode variar. Nos experimentos com crianças, verificamos que o uso da ênfase prosódica no ADJ facilitou a identificação da nova palavra como adjetivo, mesmo na ausência de marca morfofonológica e diante de nome vago. Ainda, o realce prosódico salientou a natureza semântica do adjetivo anteposto, licenciando qualificadores mas rejeitando classificadores nessa posição. Mais uma vez, trata-se de evidência de que propriedades prosódicas presentes na FDC podem auxiliar a criança no processo de constituição do léxico, sinalizando informação categorial e semântico-pragmática através do realce prosódico. Defendemos assim que (i) essas pistas prosódicas são robustas no que tange à distinção da posição do adjetivo dentro do DP e permitem a distinção das categorias lexicais N e ADJ na FDC brasileira; (ii) crianças e adultos podem fazer uso dessas pistas no processo de aquisição lexical (e sintática) e no processamento linguístico. Os resultados apresentados vão ao encontro de um modelo de aquisição da linguagem e de processamento adulto que considera relevante informação de natureza prosódica (cf. Bootstrapping Fonológico), assim como um modelo mais afinado com a teoria gerativa (cf. Modelo Integrado da Competência Linguística, Niterói, n. 30, p. 77-88, 1. sem. 2011 85 Gragoatá Maria Cristina Name MICL). O primeiro (Morgan e Demuth, 1996; Christophe et al., 1997) pressupõe que o ouvinte capta os enunciados linguísticos organizados a partir de suas propriedades prosódicas, e busca dar conta tanto do processo de aquisição de uma língua por bebês, quanto do processamento adulto. Quanto ao MICL (Corrêa e Augusto, 2007), a árvore sintática vai se formando enquanto o processamento está em curso, e o falante atribui à estrutura sintática o envelope prosódico compatível, enquanto que o ouvinte, a partir da prosódia, vai derivando sintaticamente uma dada estrutura arbórea. Abstract We discuss the role of prosodic information on lexical acquisition by Brazilian children, focusing on nouns and adjectives. We assume that fluent speech is organized in prosodic constituents hierarchically arranged, partially sensitive to the syntactic structure. Based on experimental results, we claim that children and adults use prosodic cues to identify the adjective order in a DP ((Experiment 1), recognize non-words as new adjectives (Experiment 2) and relate the prosodic emphasis of the pronominal adjective to its subjective value (Experiment 3). We discuss these results in light of language acquisition models. 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Os resultados são compatíveis com a ideia de que, mesmo que em certos contextos numerais possam receber leituras escalares ou aproximadas, esses itens são associados desde cedo pela criança a quantidades exatas. Essa infomação pode ser crucial para explicar o processo de aquisição desses elementos. Palavras-chave: aquisição – numerais – interpretações exatas vs aproximadas Gragoatá Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 Gragoatá Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Maria Sicuro Corrêa Introdução 1 Numerosidade é definida como a p r op r ie d ade de u m estímulo definida pelo número de elementos discrimináveis que um determinado conjunto contém. 2 A literatura apresenta relatos de culturas que parecem não fazer uso da contagem e cujas línguas aparentemente não contêm termos específicos para quant idade (Everet t, 2005, 2007; Frank et al 2008). Contudo, mesmo nesses casos, considerase que a capacidade inata de desenvolver uma cognição numérica mais sofisticada estaria pre s e nte, a i nda que latente. 90 Os seres humanos, assim como outras espécies, estão dotados do chamado senso numérico (Dehaene, 1997); isto é, um tipo de intuição sobre o número e suas propriedades. O senso numérico diz respeito à capacidade de reconhecer a diferença entre um único objeto e conjuntos formados por dois, três ou mais objetos. A representação da numerosidade1 exata e a capacidade de lidar com operações aritméticas dependem em boa parte desse senso numérico. Nas culturas nas quais habilidades de contagem são manifestas, a linguagem é utilizada para fazer referência a numerosidades e operações matemáticas com números2. Nesse sentido, pode-se dizer que nosso conhecimento numérico é, em boa parte, linguisticamente representado. Quantificadores e numerais de um modo geral podem ser definidos como “expressões de quantidade”, uma vez que, semanticamente, são elementos que estabelecem uma predicação sobre conjuntos de indivíduos (BARWISE & COOPER, 1981). Assim sendo, consideraremos aqui que a diferença crucial entre quantificadores e numerais se relaciona com o fato de que as quantidades codificadas em cada caso são mais ou menos exatas. Entretanto, a idéia de que numerais estejam necessariamente vinculados à representação de quantidades exatas é um tópico controverso na literatura linguística. Na perspectiva neo-griceana (Horn, 1972, 1989; Gadzar, 1979; Levinson, 1983), numerais apresentam uma semântica de limites fracos da mesma forma que os termos escalares. Esses termos são definidos como conjuntos de itens lexicais que podem ser organizados numa relação ordinal (i.e. uma escala) de acordo com o peso da informação que eles carregam. Horn (1989) fornece os seguintes exemplos: (1) <all, most, many, some> <none, few, not all> <always, usually, often, sometimes> Palavras como algum e um pouco, não teriam um limite lexicalmente codificado sendo assim semanticamente compatíveis com termos fortes como todo. Nessa perspectiva, os numerais são caracterizados seguindo a mesma lógica: cinco significaria pelo menos cinco, mas possivelmente mais. Assim, numerais receberiam interpretações exatas apenas via a regra de implicatura escalar. Na direção oposta, há quem defenda uma semântica exata para os numerais (Koening, 1991; Breheny, 2005; dentre outros). Interpretações escalares dos numerais são produzidas, Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem segundo essa abordagem, por restrições contextuais ou por referência a subconjuntos e não por uma semântica pouco delimitada. Por último, uma terceira proposta considera que o significado +exato para os numerais seria aprendido via ensino formal, mas não naturalmente adquirido (Levinson, 2000). Cabe salientar que a semântica dos numerais é um tópico de relevância para a compreensão de pelo menos duas questões principais: (i) a natureza e o desenvolvimento do conceito de número e (ii) a distinção entre significado e interpretação. Diante do quadro anteriormente traçado, o estudo da interpretação dos numerais por parte de crianças que ainda não passaram por ensino formal constitui uma fonte de dados particularmente informativa, tendo em vista que: (i) crianças apresentam um desempenho caracteristicamente fraco no que diz respeito ao cálculo de implicaturas escalares (assim como das implicaturas em geral); (ii) considera-se que a partir do estudo da aquisição dos números/numerais é possível examinar de que forma a interpretação se vê afetada pelo aprendizado do seguinte item na sequência de contagem; (iii) a investigação com crianças pequenas pode ser informativa a respeito da interpretação das palavras para números antes de qualquer contato com a matemática formal (Huang et al, 2004). Do ponto de vista da aquisição, o fato de ambos os elementos, numerais e quantificadores, compartilharem propriedades semelhantes pode eventualmente vir a dificultar a identificação, por parte da criança, dos numerais como itens que veiculam crucialmente informação relativa a quantidades exatas. Em Marcilese et al. (2009), a interpretação dada por crianças na faixa etária dos 2 anos de idade a quantificadores (um, alguns, uns e todos) e numerais (de 1 a 4) foi examinada experimentalmente. A possibilidade de associar numerais e quantidades exatas foi observada, nessa faixa etária, no que concerne aos numerais um e dois. Foi registrado um comportamento distinto em relação ao termo um, apresentado como numeral ou como quantificador que sugeriu um tratamento diferenciado para quantificadores e numerais, sendo a leitura [+exata] privilegiada para os últimos. Essa investigação é agora ampliada a partir da aplicação de um experimento de compreensão realizado com crianças mais velhas, de 3 e 4 anos, cujo objetivo é avaliar o tipo de interpretação semântica preferencial para os numerais por parte dessas crianças, que já dominam uma escala mais ampla da sequência de contagem. O artigo está estruturado da seguinte forma: na próxima seção apresentamos brevemente diferentes perspectivas para dar conta da aquisição dos numerais. Em seguida, são reportados os resultados do experimento de compreensão conduzido. Finalmente, algumas conclusões são apresentadas. Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 91 Gragoatá Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Maria Sicuro Corrêa 1. Aquisição de expressões de quantidade: o caso dos numerais Os numerais parecem diferir de outras formas de expressão de quantidade, como por exemplo, os quantificadores, em vários aspectos dentre os quais: a codificação de quantidades caracterizada pela precisão/exatidão, a sistematicidade do sistema numérico no qual se inserem, a organização hierárquica, o fato de fazerem parte de uma progressão infinita e de serem não-referenciais. Esses elementos apresentam a particularidade de estarem inseridos numa sequência cujos itens aparecem não apenas em contextos envolvendo quantificação, mas podem indicar tanto cardinalidade/numerosidade ou ordinalidade quanto propriedades nominais de objetos empíricos (três copos, o quinto livro, o ônibus #2). Bloom & Wynn (1997) chamam a atenção para o fato de que a palavra quatro em uma frase como (2) não descreve um indivíduo no mundo nem se refere a uma propriedade de alguma entidade. (2) Quatro maçãs verdes O numeral difere do nome maçã que faz referência a uma entidade e do adjetivo verde que descreve uma propriedade atribuída a uma certa entidade, no caso, cada uma das maçãs. Quatro é um predicado que se aplica ao conjunto de maçãs. Resultados experimentais (Wynn, 1990; 1992) revelam que durante um longo período, no qual já demonstra ser capaz de distinguir conjuntos de dois e três elementos, a criança falha na hora de mapear a numerosidade percebida com o numeral correspondente. As evidências sugerem que, nessa fase, as crianças compreendem que dois e três são numerais (i.e. que referem à numerosidade de conjuntos), mas não sabem exatamente o que essas palavras significam. Se assumirmos – com base em dados que sugerem habilidades precoces de discriminação e representação de quantidades pequenas (XU, 2003; dentre outros) – que as crianças discriminam conjuntos formados por um, dois e três elementos desde cedo, então a tarefa de adquirir os numerais relativos a essas quantidades implicaria mapear esses termos com conceitos já presentes na cognição. Mas como esse mapeamento acontece? Numa perspectiva empiricista tradicional (Mill, 1843/1973 apud Bloom & Wynn, 1997) o processo de aquisição dos numerais ocorreria da seguinte forma. A criança percebe a numerosidade de um dado conjunto (por exemplo, =3), escuta a palavra utilizada para fazer referência a ele (três) e após uma série de pareamentos similares aprende o significado do numeral (pareamento entre a numerosidade percebida e o numeral utilizado). Essa explicação é, no entanto, limitada já que se aplica somente à aquisição de números pequenos e, inclusive nesses casos, não consegue explicar o lento padrão de desenvolvimento antes mencionado. 92 Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem Uma segunda teoria para a aquisição dos numerais está diretamente vinculada à capacidade de contagem. Num trabalho clássico, Gelman (1972) afirmou que crianças na faixa dos três anos possuem conhecimento de um conjunto de princípios que caracterizam o processo de contagem legítimo, embora careçam das condições necessárias para articular ou explicitar tais princípios. Cinco princípios foram definidos, cujo conhecimento implícito forneceria as bases para a caracterização da capacidade de contar (Gelman & Gallistel, 1978): o princípio da correspondência um-a-um, o princípio de ordem estável, o princípio de cardinalidade, o princípio de abstração e o princípio da irrelevância da ordem. Os três primeiros definiriam os procedimentos básicos da contagem. O princípio um-a-um determina que cada elemento de um conjunto seja associado a um rótulo, ou seja, os itens de um dado arranjo são designados com sinais distintivos de forma que uma e apenas uma marca seja utilizada para cada item. O segundo princípio estabelece que a ordem dos rótulos deve ser sempre a mesma e o terceiro diz respeito ao fato de que o último rótulo utilizado na sequência de contagem indica o número total de elementos no conjunto. Os restantes princípios teriam um caráter complementar. No modelo para aquisição dos numerais proposto pelos autores (Counting Model), a linguagem não é considerada como um pré-requisito para a contagem e, nesse sentido, são distinguidos os numerlogs (palavras de contagem convencionais) dos numerons (rótulos que obedeçam aos princípios do contar, mas que não precisam ser verbais ou sequer perceptíveis no comportamento do sujeito). Nesta perspectiva, as crianças adquiririam o significado dos numerais com base na forma como estes são utilizados na sequência de contagem, em particular a ordem de cada elemento na sequência seria um ponto relevante. Entretanto, há evidências contrárias a essa perspectiva. As crianças parecem dominar a idéia de que numerais fazem referência a numerosidade – mesmo sem saber ainda o significado de cada numeral – antes de compreenderem que a contagem permite determinar a numerosidade de um conjunto; isto é antes de compreenderem que a rotina de contagem tem alguma coisa a ver com os números (Fuson, 1988; Wynn, 1990). Há evidências de que a compreensão da rotina de contagem se desenvolve em estágios (Wynn, 1990). Inicialmente, a criança compreende que um se refere a “um objeto”. Nessa fase, quando se lhe apresenta uma figura com um único peixe e outra com três e lhe é solicitado mostrar um peixe ela apontará corretamente para a figura individual. Quando se solicita à criança contar brinquedos e entregar para o experimentador um a criança entrega exatamente um objeto. A criança também já compreende que todos os outros nomes para números se aplicam a conjuntos com mais de um objeto. Nessa etapa, ela nunca escolhe uma imagem com um único objeto quando se solicita que mostre dois ou cinco. Ao mesmo Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 93 Gragoatá Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Maria Sicuro Corrêa tempo, a criança possui um entendimento limitado do significado das outras palavras na rotina de contagem. Quando apresentadas duas figuras (uma com dois e outra com três peixes) e se solicita que aponte para os dois peixes, a criança responde aleatoriamente. Até então “um” parece se referir a “um indivíduo” enquanto que os restantes números fariam referência a “alguns indivíduos” (“mais do que um”). Após aproximadamente 9 meses de experiência de contagem, as crianças demonstram compreender o significado da palavra “dois”. Nesse estágio, as crianças respondem consistentemente quando solicitadas a entregar dois objetos e produzem arranjos com mais de dois elementos quando interrogadas sobre números maiores. Três meses depois, as crianças mostram domínio da palavra “três”. Finalmente, elas exibem a compreensão de todas as palavras na sua rotina de contagem. Wynn (1990) considera que a aquisição da capacidade de contar não seria guiada pelos princípios anteriormente apresentados, mas que a criança realmente aprende como contar. Para Wynn, haveria um conhecimento de número do tipo “um”, “dois” e “três” (oneness, twoness, threeness) independente da contagem e as crianças apreenderiam o significado dos nomes de números ao associá-los com numerosidades calculadas via subitizing (i.e. o procedimento que permite avaliar de forma confiável a numerosidade de conjuntos formados por pequenas quantidades). Wynn, em trabalho conjunto (BLOOM & WYNN, 1997), parte de uma perspectiva diferente para dar conta do processo de aquisição dos numerais. Os autores consideram que haveria um conjunto de pistas linguísticas, presentes no input da criança, que teria um papel importante na aquisição do significado dos numerais. Tais pistas se associam a propriedades específicas dos numerais, quais sejam: - Numerais só podem ser utilizados com N contáveis, mas não com N massivos; - Numerais não podem aparecer com modificadores (*the very five salamanders); - Numerais precedem o Adj dentro do NP e não podem aparecer pospostos a este (*brown three dogs); e - Numerais, assim como alguns quantificadores, podem ocorrer em construções partitivas (two of the dogs). Com base na análise de dados longitudinais, os autores consideram que tanto o input quanto a própria fala das crianças pesquisadas apresentam evidência compatível com o fato de que numerais se aplicam sobre indivíduos, denotam valores discretos, não permitem modificação e quantificam conjuntos. Em síntese, os numerais parecem diferir de outras formas de codificação de quantidade, como por exemplo, os quantificadores, 94 Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem em vários aspectos. Particularmente, a aquisição dos numerais estaria atrelada ao processo de aprendizado da sequência de contagem. Antes mesmo de compreender esta relação, as crianças parecem ser sensíveis ao fato de que os numerais se aplicam a quantidades precisas e que variam se a numerosidade do conjunto é alterada. 2. Experimento: interpretação de numerais na aquisição Estudos prévios conduzidos no inglês sugerem que crianças entre os 2-3 anos de idade aceitam interpretações aproximadas ou escalares para quantificadores como some ou all, mas não para os numerais um e dois (HUREWITZ et al, 2006; Huang et al, 2005). No entanto, evidência compatível com interpretações aproximadas para numerais também são encontradas na literatura. Resultados de duas pesquisas com crianças adquirindo o português brasileiro apontam nessa direção. França (2004) reporta que crianças na faixa dos 3-6 anos de idade parecem aceitar interpretações escalares para os numerais numa tarefa de julgamento de aceitabilidade. Carvalho et al (2010), por sua vez, relatam que crianças de 4 e 6 anos produziram sentenças que indicam um uso aproximado dos numerais durante uma tarefa de produção (sentenças do tipo: O caminhão carrega três caixas, frente a uma imagem de um caminhão carregando mais de três caixas). Diante desses resultados conflitantes, o experimento que reportamos a seguir visou a investigar se numerais favorecem interpretações exatas em adultos escolarizados e crianças em idade pré-escolar (3 e 4 anos de idade). Os objetivos do experimento foram: (i) verificar se a interpretação exata dos numerais fica restrita àqueles itens cuja cardinalidade a criança já adquiriu e (ii) verificar se instruções verbais que fornecem contextos diferentes para a interpretação (favorecendo interpretações exatas ou aproximadas) afetam o tipo de leituras preferenciais para os numerais. As predições foram as seguintes: • Adultos devem apresentar uma preferência default por interpretações exatas; • As leituras exatas no grupo de crianças mais novas (3 anos) deve ficar restrita aos numerais um e possivelmente dois (i.e. aqueles cujo significado já foi adquirido); • Crianças mais velhas (4 anos) devem interpretar como sendo preferencialmente exatos os numerais um, dois e três. Foi utilizada uma tarefa de identificação de imagens e dois tipos de instruções verbais: uma que favorece a leitura exata Numa Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 95 Gragoatá Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Maria Sicuro Corrêa caixa tem n X. Qual é a caixa? Mostra para mim; e outra que não a favorece Numa caixa tem n X. Me mostra onde tem n X. Na primeira condição, o uso de um DP definido na pergunta (Qual é a caixa?) favorece a escolha de apenas uma das opções apresentadas, o que pode direcionar para uma interpretação exata (podendo ser considerado pragmaticamente inadequado). Na segunda condição, a ausência de qualquer D definido deixa em aberto a possibilidade de haver mais de uma interpretação possível para o numeral (tanto a exata quanto a aproximada). O experimento foi inicialmente conduzido com a instrução 1. Foi observado, no entanto, que tal instrução poderia acarretar um bias para a leitura exata, ainda que não fosse esperado que a interpretação do traço definitude influenciasse o comportamento de crianças dessa faixa etária (Correa et al, 2008; Rubinstein et al, 2009). Por essa razão, o estudo foi ampliado com outro grupo de crianças para quem foi dada uma instrução que deixasse a interpretação aberta.3 Assim sendo, tipo de instrução foi tomado como variável independente. Desta forma, as variáveis independentes foram: idade (3 e 4 anos e adultos), tipo de instrução recebida (favorecendo uma interpretação única ou aberta) e numeral (um, dois, três, quatro e cinco). As duas primeiras variáveis foram fatores grupais e a terceira um fator intra-sujeitos. Na tarefa experimental era apresentada uma imagem com três possíveis conjuntos: um com o número exato de objetos indicado na instrução verbal, um com um elemento a mais e outro com o número exato, mas de outro tipo de objetos. A variável dependente foi o número de respostas indicando pareamento um-a-um entre o numeral apresentado na instrução verbal e o número de elementos na imagem selecionada (pareamento numeral-número de objetos). 2.1. Método Participantes Deve-se, ainda, salientar que se fez uso de sentenças contendo existenciais que, de forma geral, não admitem leitura definida (*Há as duas maças aqui), uma vez que essa (as duas maças vs. duas maças) poderia levar a uma tendência da leitura exata. (cf. VIOTTI, 2002, para uma discussão sobre o efeito de definitude das construções existenciais para o PB.) 3 96 Participaram do experimento: 26 crianças na faixa dos 3 anos de idade (média 3;6 / intervalo 3;5-4;1), das quais 11 meninas, 26 criança na faixa dos 4 anos de idade (média 4;7 / intervalo 4;2-5;2), das quais 13 meninas e 26 adultos no grupo controle. As crianças foram testadas em 4 escolas/creches particulares do Estado do Rio de Janeiro às quais frequentavam. Materiais Foram utilizados 15 frases experimentais e um mesmo número de pranchas. Foram utilizados ainda 3 pares de frases/ pranchas na fase de pré-teste. Os estímulos foram apresentados Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem no formato Power Point na tela de um computador Sony Vaio de 15’’. Abaixo oferecemos um exemplo do material utilizado. Instrução 1: Num vaso tem cinco flores. Qual é o vaso? Mostra para mim Instrução 2: Mostra para mim onde tem cinco flores Procedimento Os estímulos foram apresentados no contexto da narração de pequenas histórias. Na fase de pré-teste os participantes eram solicitados a procurar determinados objetos nas imagens apresentadas, mas numerais não eram utilizados nas instruções, apenas o mesmo tipo de estrutura linguística e de arranjo visual (Ex. Numa caixa tem balas. Qual é a caixa? Mostra para mim / Me mostra onde tem balas). O objetivo do pré-teste era verificar se os participantes compreendiam a dinâmica da tarefa além de, no caso das crianças, servir como um momento de familiarização entre os participantes e o experimentador. Na fase de teste o procedimento foi o mesmo. A seguir apresentamos um exemplo: Experimentador: Essa é a Laurinha. Ela gosta de se fantasiar de fada e ela vai fazer uma mágica para a gente. Mas para isso, você vai ter que encontrar alguns objetos de que ela precisa e que estão nesta lista. Eu vou te dizer e você vai procurar. No final a gente vai ver se a mágica acontece. Numa caixa/Me mostra onde tem... No total foram apresentadas três pequenas histórias com 5 estímulos experimentais além de outra história na fase de préteste. Cada sessão experimental durou em média 10 minutos. 2.2. Resultados e discussão Os dados foram submetidos a uma ANOVA (2X3X5 – idade X tipo de instrução X numeral). Os resultados revelaram um efeito significativo de idade com progressivamente mais respostas exatas em função dessa variável (F(2,72) = 41.1 p<.000001). Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 97 Gragoatá Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Maria Sicuro Corrêa Foi registrado um efeito significativo de numeral com mais respostas indicando uma leitura exata para um, dois e três do que para quatro e cinco (F(4,288) = 25.5 p<.000001). O gráfico abaixo apresenta as médias de respostas das crianças. Registrou-se ainda um efeito da interação entre idade e numeral (F(8,288) =7.05 p<.000001). no grupo de crianças mais novas as respostas exatas se concentraram principalmente no numeral um, enquanto que no grupo de crianças mais velhas esse tipo de resposta foi a preferencial para um, dois e três. Já os adultos preferiram a interpretação exata para todos os numerais. Não houve efeito significativo do tipo de instrução nem interação desta com as restantes variáveis (F(1,72) = 0.172 p<.69). Isto é, em ambos os estímulos linguísticos fornecidos as crianças preferiram a interpretação exata. 98 Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 A interpretação dos numerais na aquisição da linguagem Tomados em conjunto, os resultados são compatíveis com a idéia de que numerais favorecem interpretações exatas tanto por parte de adultos escolarizados quanto de crianças em idade pré-escolar. Esse tipo de interpretação parece depender por um lado, da capacidade de a criança, assim como o adulto, relacionar cada numeral a um valor cardinal particular e, por outro, do fato de ambos utilizarem a contagem como estratégia na resolução da tarefa, particularmente para quantidades superiores a três. As respostas das crianças revelaram um tratamento diferenciado dos numerais um, dois e três, de um lado, e quatro e cinco, de outro. Esse padrão de comportamento é compatível com a ideia de que quantidades até três são processadas pelos humanos (crianças e adultos) assim como por outras espécies, via subtizing (i.e. o julgamento rápido e acurado da numerosidade de conjuntos pequenos de elementos). Quantidades acima desse limite requerem verdadeira contagem. A literatura oferece um conjunto de evidências para esse fenômeno (cf. Dehaene, 1997). O tempo requerido por adultos normais numa tarefa de nomeação de números aumenta drasticamente além desse limite e a precisão na execução da tarefa diminui na mesma medida. Outra evidência provém de pacientes com lesões cerebrais que perderam a habilidade de contagem mas preservaram a de enumerar conjuntos de um, dois e três elementos. Ao que tudo indica, o nosso processamento de quantidades maiores do que três requer o uso de contagem. Algumas das crianças testadas eram capazes de utilizar a contagem, tal como demonstram as suas respostas exatas para os numerais quatro e cinco. Contudo, como as crianças não foram induzidas a utilizar a contagem como uma ferramenta para resolver a tarefa, apenas aquelas que o fizeram espontaneamente apresentaram um padrão de respostas equivalente ao dos adultos. De um modo geral, as crianças de 4 anos demonstraram um bom domínio da sequência de contagem, pelo menos no que diz respeito às quantidades avaliadas neste teste. Já as crianças mais novas ainda se encontravam na fase de aquisição do significado de cada numeral. Sendo assim, o grupo de crianças de 3 anos tinha maiores dificuldades para fazer uso da contagem na resolução da tarefa. Em suma, embora leituras escalares para os numerais sejam certamente possíveis, esses elementos parecem favorecer interpretações preferencialmente exatas, mesmo no caso das crianças de 3 anos. 3. Considerações finais Numerais parecem ser associados desde cedo a quantidades exatas, mesmo na fase em que a criança ainda não aprendeu o significado de cada um dos itens da sequência, isto é, o valor Niterói, n. 30, p. 89-102, 1. sem. 2011 99 Gragoatá Mercedes Marcilese, Marina Rosa Ana Augusto e Letícia Maria Sicuro Corrêa cardinal associado a cada elemento (Marcilese et al, 2009). Essa característica distinguiria crucialmente numerais de outras expressões de quantidade. Os resultados experimentais aqui reportados sugerem que, embora leituras aproximadas associadas aos numerais sejam possíveis, crianças e adultos interpretam esses elementos como veiculando informação preferencialmente exata. Isso se verifica ainda em contextos abertos, que poderiam favorecer leituras escalares. A aquisição dos numerais é um processo complexo diretamente vinculado ao desenvolvimento das habilidades de contagem. Nesse sentido, novas pesquisas neste âmbito podem vir a iluminar relações entre a língua e outros domínios da cognição. Abstract This study investigates numerals acquisition. Different approaches to the problem of how perceived quantities are mapped onto lexical items in the numeral sequence are discussed. A comprehension experiment with 3 and 4-year-olds is reported. The results are compatible with the idea that, even when scalar or approximate interpretations are possible in some contexts, numerals are early identified as preferentially carrying information about exact quantities. This information seems to be crucial in order to understand the acquisition pattern of these elements. Keywords: acquisition – numerals – exact vs. scalar interpretations Referências Barwise, J. & Cooper, R. Generalized Quantifiers and Natural Language. Linguistics and Philosophy, v. 2, n.4, p.159-219, 1981. Bloom, P. & Wynn, K. Linguistic cues in the acquisition of number words. Journal of Child Language, n. 24, p. 511–533, 1992. Breheny, R. Some scalar implicatures aren’t quantity implicatures – but some are. Proceedings of the 9th annual meeeting of the Gessellschaft fur Semantik (Sinn und Bedeutung VIII), University of Nijmegen, 2005. CARVALHO, A.S.L.; COSTA, M. U. C.L.M. ; FRANCA, A. I. Estratégias de Produção em Implicatura Escalar. 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Por outro lado, a presença de nomes nus em posições argumentais no PB torna o input ambíguo no que se refere a mass e count nouns. Tal situação constitui um problema para a criança que adquire o PB. Nesse caso, assumiu-se a hipótese de que a criança usa informação não morfológica, mas sim semântica (contextual), na interpretação de DP´s ambíguos. Portanto, os objetivos deste estudo são a) verificar se a criança toma a presença do morfema de número como indicativa de leitura contável; e b) verificar como a criança procede na interpretação de DP´s ambíguos. Usando o paradigma metodológico da Seleção de Imagens, testaram-se dois grupos de crianças (um na faixa de 36 meses de idade média, e outro na faixa de 60 meses) e um grupo de adultos, com os resultados sustentando a idéia de que tanto informação morfossintática quanto informação semânticoGragoatá Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Gragoatá José Ferrari-Neto -contextual são relevantes na aquisição de nomes massivos e contáveis em PB. Palavras-chave: aquisição, contável, massivo. Introdução A expressão linguística da distinção mass e count é observada em muitas línguas modernas. O inglês e o português são casos típicos de línguas em que esta distinção se apresenta. Temse associado a divisão entre mass e count nouns à distinção entre nomes de substâncias e nomes de objetos, sendo estes últimos constantes da classe dos count nouns, e os primeiros à classe dos mass nouns. Um exame rápido desta classificação, contudo, revela a sua precariedade: palavras como furniture, embora designe um conjunto de objetos, classifica-se como mass noun; outras, como beer, que claramente se refere a uma substância em frases como there is beer all over the floor, aparece flexionado em uma sentença como we ordered three beers, propriedade atribuída a count nouns. Uma outra associação feita foi a que relacionava mass e count nouns às categorias contável e incontável, colocando-se os mass nouns no grupo dos substantivos incontáveis e os count nouns no grupo dos substantivos contáveis. Todavia, uma vez mais se encontraram casos em que associação falhou: açúcar em português comportase como quase sempre como incontável, mas, em sentenças como no intestino digerem-se açúcares e ácidos graxos, seu comportamento é de contável. Outros exemplos como este também podem ser observados em inglês em outras línguas. No que diz respeito à aquisição da linguagem, a distinção entre mass e count nouns acarreta problemas bastante interessantes, principalmente para uma teoria de aquisição focada no modo como criança processa material linguístico à sua volta. As questões fundamentais que se colocam são o que a criança tem de adquirir no tocante a essa distinção, que habilidades/conhecimentos ela já tem de possuir para que esta aquisição ocorra naturalmente e que tipo de informação constante nos dados linguísticos primários a que ela tem acesso se faz relevante para este processo. Portanto, o presente trabalho investiga o papel das informações morfossintáticas e semânticas presentes no input linguístico no processo de aquisição da distinção entre nomes massivos e contáveis em português brasileiro (PB), explorando, por outro lado, as habilidades de compreensão e distinção perceptuais apresentadas pela criança em fase de aquisição, consideradas como fundamentais no processo de aquisição da linguagem, na medida em que permitem a ela reconhecer as informações relevantes para a aquisição de sua língua. 104 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro O estudo aqui apresentado tem a seguinte organização. A seção 2 apresenta um resumo das principais correntes teóricas sobre a questão em tela, de modo a poder situar o framework teórico no qual este trabalho se situa, além de mostrar alguns estudos experimentais realizados anteriormente, com vistas a melhor ilustrar a problemática que envolve a aquisição de nomes massivos e contáveis. A seção 3 traz uma caracterização do modo como as categorias massivo e contável se realizam em português, permitindo assim uma visão do que deve ser adquirido por uma criança aprendendo o PB. A seção 4 detalha as questões aqui enfrentadas, além de descrever o procedimento experimental utilizado com vistas a prover evidências empíricas sobre a questão dos massivos e contáveis. A seção 5 mostra os resultados e os discute. 1. Posições Teóricas sobre os Mass e Count Nouns: As posições teóricas sobre a distinção massivo/contável apresentam uma multiplicidade de visões. Segundo Joosten (2003), uma das razões para esta variação é que os linguistas e os filósofos que têm se dedicado ao estudo de mass e count nouns apresentam dificuldades em definir claramente os seus critérios, o que acarreta a convergência de diferentes níveis de análise linguística no tratamento da questão. Joosten propõe então que o problema da distinção entre nomes contáveis e massivos seja estudado sob quatro pontos de vista diferentes, tomados separadamente. O primeiro ponto de vista adotado por Joosten seria o gramatical, de acordo como qual a oposição mass/count apresenta reflexos gramaticais bastante visíveis. A existência de casos como os relatados na Introdução levou os linguistas a não mais associarem mass e count nouns às categorias substância/objeto e incontável/ contável, ou a qualquer outra categoria de base semântica. Antes, eles passaram a preferir apontar as características e propriedades puramente gramaticais relacionadas a ambas as classes em questão. Assim, uma série de características morfológicas e sintáticas foi associada a mass e count nouns. Entretanto, ainda que se possam determinar com relativa clareza e segurança as diferenças entre mass nouns e count nouns, no tocante a suas propriedades morfossintáticas, não são poucas as questões decorrentes da existência de tal separação. Em realidade, duas objeções são apontadas por Joosten com relação ao ponto de vista gramatical. A primeira é que parece improvável que nomes massivos como água, ouro e fumaça ou contáveis como flor, carro e cachorro assim o sejam apenas por coincidência – ao contrário, eles parecem indicar que há uma tendência geral para nomes massivos se referirem a substâncias e nomes contáveis se referirem a objetos e seres animados. A segunda é que o ponto de vista gramatical parece pressupor uma correlação um-para-um entre forma gramatical e significação, o que nem sempre acontece. Barner & Snedeker (2005), em um estudo experimental sobre a aquisição de mass e count nouns, Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 105 Gragoatá José Ferrari-Neto apontam o fato de que nomes com sintaxe típica de mass fazerem também referência a indivíduos, além de substâncias. Estudos sobre mass e count nouns costumam adotar igualmente um ponto de vista ontológico em suas teorizações. Sob esta visão, a distinção massivo/contável decorre de distinções operadas entre entidades reais do mundo, ou seja, entre referentes extralinguísticos. Quine (1960) afirma que mass nouns têm “referência cumulativa”, isto é, qualquer soma de uma entidade X é um X, fato que não ocorre com os count nouns. Cheng (1973) postula que mass nouns apresentam “referência distributiva”: qualquer parte de um todo de um objeto massivo que é X é um X. Por fim, Ter Meulen (1981) propõe que mass nouns possuem “referência homogênea”, isto é, partes de uma entidade X apresentam as mesmas propriedades de X, podendo ser referidas como X. Para estas três propriedades, cumulatividade, distributividade e homogeneidade, o mundo real é a base de classificação, portanto, são as propriedades físicas dos objetos e dos seres referidos que determinam se um nome deve ser classificado como massivo ou contável. Esta forma de teorização apresenta, entretanto, alguns problemas. Se são as propriedades das entidades do mundo extralinguístico que determinam a classificação de um nome, então é lícito prever que diferentes línguas apresentarão a mesma classificação para as mesmas entidades. Todavia, não é isso que se observa em um exame da distribuição dos nomes entre classes de nomes massivos e contáveis nas diferentes línguas. Translinguisticamente, aponta-se uma variação da categorização dos nomes em classes de mass e count nouns (CHIERCHIA, 2003). Um outro problema decorrente da adoção do ponto de vista ontológico é o fato de que os conceitos de cumulatividade, distributividade e homogeneidade são difíceis de serem aplicados a substantivos abstratos tais como crise, qualidade ou tristeza. O ponto de vista ontológico pode ser aplicado com maior sucesso a substantivos concretos, que designam objetos tangíveis ou perceptíveis, mas falha quando aplicado a nomes abstratos, embora também estes possam ser classificados em contáveis e massivos. Por fim, o ponto de vista ontológico não dá conta de explicar como um nome que se refere a uma mesma entidade do mundo real pode ser usado tanto como mass quanto como count, em uma mesma língua. A existência de pares como os acima listados evidencia que os nomes são classificados em uma ou outra classe conforme o modo como são conceptualizados pelos falantes de uma dada língua, refletindo, portanto, a visão de mundo característica do povo usuário da língua. Tal afirmação constitui a base do terceiro ponto de vista proposto por Joosten, o ponto de vista semântico/conceptual, segundo o qual as distinções gramaticais entre massivos e contáveis não se baseiam diretamente na realidade extralinguística, mas no modo como esta realidade é conceptualizada pelos usuários de uma língua. Algumas abordagens sobre a separação 106 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro entre mass e count nouns sugerem que tal distinção é um reflexo, na linguagem, do modo como o mundo é conceptualizado e organizado pelos falantes de uma dada língua. As propriedades morfossintáticas sumarizadas acima seriam, de acordo com esta visão, as manifestações linguísticas das propriedades semânticas extralinguísticas das coisas às quais os nomes se referem, conforme o modo como os falantes de uma dada língua as conceptualizam. Dentre os trabalhos relevantes desta linha, pode-se citar o de Macnamara (1982), o qual sugere que count nouns se referem a coisas que possuem contornos (shapes) característicos, ao passo que mass nouns se referem a coisas que se aglutinam (coalesce). O problema com esta proposta é que ela não dá conta de explicar por que nomes que não possuem contornos característicos como puddles e clouds são count nouns e nomes como crowd são mass nouns. A maior parte dos trabalhos sobre aquisição de mass e count nouns que seguem uma orientação semântico-conceptual tendem a tratar a aquisição de nomes massivos e contáveis atreladamente ao desenvolvimento da cognição em geral. Eles sustentam que há uma interação entre o modo como a criança desenvolve categorias semânticas gerais, a partir de sua experiência com a realidade, e identifica os membros destas categorias na linguagem. Assumese questão as propriedades de referência dos nomes que guiam a criança na identificação de categorias. Middleton et al. (2004), em tarefas experimentais com adultos, fornecerem evidências favoráveis à hipótese da cognição individuada, afirmando que os falantes adultos conceptualizam os referentes de count nouns como entidades individuais, ao passo que conceptualizavam os referentes dos mass nouns como entidades não-individuais. Um outro estudo nesta mesma linha é o de Bloom (1994) sobre aquisição de nominais por falantes de inglês. Ele postula que a criança mapeia as categorias como mass noun e count noun de categorias semânticas abstratas, e este mapeamento atua como restrição às inferências que podem ser feitas sobre o significado das palavras. Portanto, de acordo com a abordagem semântica-conceptual, a aquisição de mass e count nouns baseia-se não em uma análise distribucional por parte da criança adquirindo uma língua, mas na compreensão que esta criança tem do sentido dos nomes. Um ponto convergente em todos os trabalhos que assumem uma visão semântica da distinção mass/count é que eles parecem assumir algum tipo de conhecimento inato relativo à capacidade de a criança proceder a tal classificação. Deste modo, a criança disporia de um conhecimento inato que a tornaria capaz de categorizar nomes que denotam espécies de indivíduos como contáveis e nomes que designam substâncias como massivos. A crítica que se pode fazer a esta abordagem é que, na realidade, a criança não aprende a classificar um nome como mass ou como count: o que de fato a criança procede é a menos uma classificação e mais um aprendizado do modo como um nome pode ser usado, se seguido Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 107 Gragoatá José Ferrari-Neto de marcadores gramaticais específicos ou não, e os sentidos que se podem atribuir a um e a outro usos. De acordo com Nicolas (1996), uma criança não classifica erroneamente um nome como mass ou como count, já que não há classificação propriamente dita: o que ocorre é um uso inadequado de marcadores gramaticais de um ou outro tipo, devido ao fato de que a criança ainda não percebeu exatamente a referência destes nomes ou destas estruturas. A grande objeção que se pode apontar para uma teorização sobre mass e count nouns baseada em conceptualização é que tal ponto de vista torna complicada a explicação para diferentes conceptualizações para objetos e seres bastante semelhantes. Um exemplo seria o da palavra ervilha, que é classificada como contável em português (uma ervilha, duas ervilhas), o mesmo não ocorrendo como a palavra arroz, que em português insere-se entre os massivos (*um arroz, *dois arrozes). Ademais, o ponto de vista semântico-conceptual, semelhantemente à visão ontológica, não permite explicar como um nome referente a uma mesma entidade do mundo real pode ser usado tanto como mass quanto como count, por falantes de uma mesma língua. O último dos pontos de vista sugeridos por Joosten seria o contextual, conforme o qual não é uma propriedade dos nomes de per se serem massivos ou contáveis, mas sim das expressões referenciais das quais eles fazem parte, ou seja, dos NP’s ou DP’s. Assim, um nome não deve ser classificado como mass ou como count, antes a distinção entre estas duas categorias é determinada pelos quantificadores e determinantes que são utilizados por cada tipo de nome, ou ainda pelos operadores semânticos que atuam sobre os NP’s e DP’s determinando leituras contáveis ou não para estas expressões. Percebe-se uma aproximação entre esta visão e o ponto de vista gramatical, exposto acima. O ponto fraco da visão contextual é o fato de ela não explicitar as razões pelas quais determinados contextos favorecem a ocorrência de nomes massivos, ao passo que outros contextos favorecem o aparecimento de nomes contáveis, como, por exemplo, o fato de substantivos coletivos ou abstratos favorecerem leitura massiva, e substantivos concretos privilegiarem interpretação contável. No tocante à aquisição de mass/count nouns, o que os estudos experimentais nesta linha sugerem é uma sensibilidade da criança à forma fônica dos determinantes específicos dos nomes de massa e dos nomes contáveis (notadamente em inglês), sem que se possa afirmar, a partir daí, que a criança esteja procedendo a uma distribuição dos nomes em classes distintas. Além do mais, uma análise distribucional de per si não seria suficiente para se estabelecer a distinção massivo contável, já que nomes com sintaxe massiva podem ter referência contável, conforme apontam Chierchia (1998) e Barner & Snedeker (2005), sem mencionar o fato de não ficar claro que capacidades perceptuais e procedimentais a criança tem de possuir para reconhecer os diferentes determinantes. Por fim, 108 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro se se postular que diferentes determinantes projetam diferentes estruturas sintáticas para mass e para count nouns, será preciso conceber um mecanismo de análise sintática inato, tipo parser, responsável por processar enunciados e atribuir uma estrutura sintática a eles, o que eliminaria o ponto central da abordagem distribucional, em favor da abordagem inatista. O problema da aquisição da linguagem, no que toca à distinção mass/count não pode ser considerado exclusivamente em termos semânticos ou distribucionais. Como bem aponta Chierchia (2003) tal questão não é de cunho exclusivamente semântico (e nem conceptual, poder-se-ia acrescentar), nem de natureza estritamente linguística, já que as crianças não adquirem mass e count nouns considerando unicamente a informação semânticoconceptual; tampouco o fazem apenas observando comportamentos sintáticos e propriedades de distribuição. Uma teoria baseada na interação sintaxe-semântica se faz necessária. A despeito de a proposta de Joosten sugerir que o estudo da distinção massivo/contável deva ser feito considerando-se quatro pontos de vista, tomados isoladamente, acredita-se ser possível conferir a este tópico um tratamento unificado. Uma tal unificação de abordagens permitiria melhores considerações acerca da definição do que vem a ser a oposição mass/count, bem como acerca do modo como esta distinção é adquirida pelos falantes de uma língua. Assim, pode-se prever que, na aquisição de massivos e contáveis em PB, traços semânticos do nome podem influenciar a interpretação do DP. Por outro lado, se a distinção massivo/ contável se apresenta apenas em certos ambientes, então a criança adquirindo essa distinção tem de perceber esses ambientes, extraindo deles informação relevante nesse sentido. Assumindose que a informação morfológica relativa a número possui papel relevante no estabelecimento de distinções relativas a mass e count nouns, uma vez que ela pode conferir leitura massiva ou contável dos DPs, tem-se que a percepção do morfema de plural é crucial na identificação da oposição massivo/contável no PB. Assim, informação fônica, correspondente ao morfema de número, e informação semântica, advinda dos traços semânticos da raiz, seriam usadas pela criança ao adquirir uma língua, podendo ser utilizadas em situações e momentos distintos do processo de aquisição, em especial no caso de DPs ambíguos quanto a mass/ count. Os experimentos aqui relatados visam justamente a investigar essa possibilidade. 2. A Expressão da Distinção Mass/Count em PB Os estudos descritivos sobre a expressão da distinção entre nomes massivos e contáveis em PB apresentam em seu bojo uma controvérsia, a qual diz respeito ao fato de se considerar se há ou não manifestação lexical da oposição mass/count. Dito de outro modo, trata-se de decidir se existem ou não nominais contáveis Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 109 Gragoatá José Ferrari-Neto ou massivos em PB. Estudos como o de Simões (1992), Camacho e Pezatti (1996), Neves (2000) e Paraguassu (2005) defendem a idéia de que há distinção lexical, ao passo que trabalhos como o de Bluhdorn & Favaretto (2000), Muller (2002) e Bluhdorn, Simões e Schmaltz (2007) apresentam a visão de que nomes massivos e contáveis não se distinguem em PB. Bluhdorn & Favaretto (2000) argumentam a favor da inexistência de nomes contáveis no PB. Usando como evidência a distribuição dos totalizadores nominais cada e todo e dos quantificadores de contagem e de medição, os autores chegaram à conclusão de que o PB possui apenas substantivos não-contáveis e neutros em relação à contabilidade, numa proposta semelhante a de Barner & Snedecker (2005 a,b) para o inglês. Nomes massivos combinam-se com o totalizador todo e com quantificadores de medição, mas não com quantificadores de contagem nem com o totalizador distributivo cada. Nomes neutros são combináveis com qualquer totalizador e quantificador. Assim, para esses autores, o PB não possui substantivos contáveis. O traço [+contável] só existe em nível do DP, como contribuição semântica do morfema de plural ou de um quantificador distributivo ou de contagem. Uma idéia semelhante encontra-se em Muller (2002), a qual também propõe que não haja substantivos contáveis em PB. Segundo Muller, a denotação básica dos nomes comuns em PB é de massa. A argumentação centra-se no comportamento dos genéricos singulares de tipo bare, como em Lagartixa sempre perde seu rabo e Jorge sempre lê revista depois do jantar. Para Muller, além de não terem marcas de número, tais construções têm comportamento semelhante a expressões com denotações não-discretas. Muller sustenta que, no primeiro exemplo, o possessivo anafórico seu herda de seu antecedente a ausência de marcas de número. No segundo, além de não haver marca de número, fica evidente que Jorge poderá ler qualquer quantidade do material de leitura revista; pode ser o caso de que ele leia duas revistas ou até mesmo apenas algumas páginas de uma revista. Além disso, Muller demonstra que os singulares bare não oferecem contextos adequados para elementos que exigem individuação, como o emprego de recíprocos – *Brasileiro detesta um ao outro – ou de quantificadores distributivos – *Cada aluno leu livro. Para Muller, será necessária a presença de um operador de singularidade ou de pluralidade para que o DP tenha a propriedade de atomicidade necessária a uma interpretação como contável. Bluhdorn, Simões e Schmaltz (2007) discutem a classificação dos nomes e DP´s massivos e no alemão e no PB, propondo um modelo de estrutura, aplicável em princípio a ambas as línguas, em que a leitura contável é construída composicionalmente em nível do DP, mediante a combinação dos traços [±individuado], [±incrementado] e [±delimitado]. O valor do primeiro traço é fixado pelo quantificador, o do segundo, pelo número e o do terceiro, 110 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro pelo substantivo. Na língua alemã, os três traços contribuem para a constituição da leitura massiva, ao passo que em PB apenas os dois primeiros mostram-se produtivos, enquanto o terceiro é irrelevante. Isso corresponde a dizer que não se distinguem nomes contáveis e massivos no léxico do PB. Numa visão oposta, o trabalho de Simões (1992) apresenta a distinção entre nomes massivos e contáveis em termos de classificação semântica, em detrimento de uma oposição de natureza morfossintática. Simões procurou demonstrar que todos os nomes do PB podem combinar-se tanto com indicadores de leitura contável quanto de leitura massiva, havendo apenas algumas restrições lexicais, o que conduz à proposta de que a distinção opera num nível chamado semântico formal, sendo implementada por meio da presença de pluralização e de certos tipos de quantificadores e determinantes dentro do DP. Num nível mais próximo ao léxico, denominado referencial, certos nomes (como triângulo) apresentariam traços de contabilidade, enquanto outros nomes não o fazem, o que explica a estranheza de certas combinações (tais como muito triângulo). Desse modo, ainda que sinalize para a ausência de uma oposição distribucional sistemática, Simões manteve a hipótese de que os nomes apresentem marcas de contabilidade em PB. Por sua vez, Camacho & Pezatti (1996) investigaram a natureza do traço [±contável] de acordo com as possibilidades de combinação dos nomes do PB com determinantes e quantificadores em DP´s referenciais e não-referenciais. O trabalho registrou semelhanças entre o PB e as chamadas línguas classificadoras, por se valer de substantivos secundários na expressão de noções de dimensão (individuação, conjunto ou massa) junto a nomes massivos em construções tais como um fio de cabelo. Entretanto, Camacho & Pezatti também mantiveram a distinção entre nomes massivos e contáveis em PB. Neves (2000) aborda a expressão da distinção mass/count em PB sob a ótica da referenciação, ou seja, como questão pragmática. Neves afirma que, embora as categorias massivo e contável possam ser explicadas em termos de uma propriedade lexical (com os nomes marcados no léxico com os traços [- contável] e [-contável]), a ativação dessa propriedade só se faz na função de referenciação. Mantendo, portanto, a distinção entre nomes massivos e contáveis como propriedade lexical, Neves descreve como as combinações de nomes com determinantes, quantificadores e morfemas de número podem levar à “flutuação” entre as duas categorias. A descrição de Neves (2000) aparece sumarizada a seguir: I – São nomes contáveis (em PB): a) substantivo plural que identifique mais de uma unidade discreta; b) substantivo plural que permita uma oposição com um singular; c) substantivos determinados por quantificador não numerador que opera acréscimo de uma grandeza (ex.: outro); Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 111 Gragoatá José Ferrari-Neto d) substantivos determinados por quantificador não numerador que opera distribuição (ex.: todo e qualquer); e) substantivos determinados por quantificador não numerador do tipo de muito e pouco, quando o significado é plural; f) ) substantivos determinados por quantificador numerador cardinal; g) substantivos determinados por determinante indefinidor (artigo indefinido ou pronome indefinido). II – São nomes massivos (em PB): a) Substantivos que indiquem massa ou substância; b) substantivos abstratos (desde que não indiquem nomes do resultado ação ou do processo); c) substantivos no plural (quando a forma singular não se opõe com a forma plural); d) substantivos pluralia tantum; e) substantivos determinados por quantificador não numerador do tipo muito/pouco/mais/menos. Neves (2000) destaca a grande flutuação de categorias, com nomes passando frequentemente uma categoria à outra, como é o caso dos nomes que a operação de pluralização converteu de massivos para contáveis (preparamos as carnes) ou que a perda da pluralização converteu de contável para massivo. Segundo Paraguassu (2005), o PB, assim como o chinês, é uma língua que apresenta distinção lexical entre nomes massivos e contáveis, o que equivale a dizer que no PB existe uma distinção entre nomes que possuem e nomes que não possuem partes mínimas em sua denotação (cf. DOETJES, 1997). De acordo com essa mesma autora, a distinção massivo/contável não se manifesta no nível do nome, sendo visível apenas em ambientes marcados para contabilidade. Em PB, tal marcação se dá por meio da morfologia de número. Segundo Muller (2002), a morfologia de número no PB funciona como um operador sobre a denotação do sintagma nominal, definindo-o para número. Há, para Muller, dois operadores de número no PB: SG (singular) e PL (plural), os quais conferem interpretação contável sobre os nomes sobre os quais atuam. Paraguassu (2005) aponta como operadores de singularidade o quantificador cada e os determinantes o(a), um(a) (ex.: Eu vendi cada anel/*anéis que eu ganhei); e como operadores de pluralidade o quantificador vários e os determinantes os(as), um(ns), bem como o morfema de plural. Casos em PB em que os nomes massivos apresentam morfologia de número não indicam mudança de categoria lexical, mas sim mudança de significado - nomes massivos sob escopo de um operador de plural ou singular recebem ou interpretação de maneira taxionômica ou a unidade é estabelecida contextualmente, como nos exemplos abaixo (cf. PARAGUASSU, 2005): João comprou dois vinhos. a. João comprou dois tipos de vinho. b. João comprou duas garrafas/taças... de vinho. 112 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro Eu ganhei um vinho muito bom. a. Eu ganhei um tipo de vinho muito bom.’ b. Eu ganhei uma garrafa/taça... de vinho muito boa.’ Assumindo-se, de acordo com Simões (1992), Camacho e Pezatti (1996), Neves (2000) e Paraguassu (2005), a existência da distinção mass/count em nível lexical em PB, sendo que essa distinção só se torna visível na interface mediante determinados ambientes sintáticos, decorre que a criança, ao adquirir a distinção mass/ count em PB, possivelmente tem de levar em conta não somente as informações contidas na interface fônica (como a presença de morfemas de número), mas também os traços semânticos da raiz dos nomes, principalmente no caso de DPs ambíguos, como DPs nus singulares. Desta forma, espera-se que, na aquisição da oposição massivo/contável em PB, as crianças reconheçam a informação relativa a número, interpretando-a como indicativa de leitura contável, e que os traços semânticos da raiz nominal interfiram nessa interpretação, notadamente no caso de DPs ambíguos. 3. Experimento sobre Percepção da Distinção Massivos e Contáveis em PB O experimento aqui mostrado investiga o papel das informações sintáticas e semânticas veiculadas no DP no processo de aquisição da distinção entre nomes massivos e contáveis em português brasileiro (PB), em especial as informações relativas à expressão do número gramatical. Com base no que se apresentou anteriormente, assume-se que, para o reconhecimento da distinção mass/count em PB, é importante a manifestação morfológica relativa a número que se manifesta nos elementos do DP. Desta forma, apresenta-se a hipótese de que uma criança, uma vez que seja capaz de perceber a presença/ausência do morfema de número, pode tomar a presença do morfema de número como indicativa de um DP contável. No que se refere à referência massiva, outros deverão ser levados em conta, considerando-se as particularidades do PB. Em PB, tem-se a presença de nomes nus singulares em posições argumentais, o que torna o input ambíguo no que se refere a mass e count nouns, isto é, a presença da flexão de número plural é indicativa de leitura contável, enquanto a forma singular é ambígua no que diz respeito à distinção mass/count. Além disso, diferentemente do inglês, em que a oposição entre os quantificadores many e much; é indicativa da distinção mass/ count (many > count; much > mass) tal oposição inexiste no PB, língua em que o quantificador muito pode receber leitura massiva ou contável (cf. NEVES, 2002). Para dirimir essas ambiguidades, pode-se assumir que a criança usa não apenas informação morfológica, mas sim semântica e/ou contextual, na interpretação de DPs ambíguos. Estas ambiguidades do estímulo ficariam mais evidentes no caso de nomes novos, constituindo-se em um problema para a criança que adquire o PB. Assumindo-se que o Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 113 Gragoatá José Ferrari-Neto PB é uma língua que apresenta distinção lexical entre massivos e contáveis, mas que essa distinção é visível apenas em ambientes marcados para contabilidade (cf. PARAGUASSU, 2005), pode-se imaginar que os traços semânticos da raiz dos nomes influenciam a criança na interpretação mass ou count de um DP em determinados contextos. Daí o experimento ora descrito valer-se de nomes inventados e de nomes conhecidos, estes últimos variando com relação a traços semânticos da raiz como mais favoráveis a leituras massivo ou contável, nos estímulos experimentais, justamente com vistas verificar uma possível influência de traços semânticos da raiz dos nomes na interpretação do DP. Assim, os objetivos principais deste experimento foram i) verificar se a criança toma a presença do morfema de número como indicativa de leitura contável, ii) verificar se a presença do quantificador muito afeta a interpretação massiva ou contável de um DP, e iii) verificar uma possível influência dos traços semânticos da raiz lexical na interpretação massiva ou contável de um DP. Design Experimental O experimento foi concebido de modo a possibilitar duas análises. Na primeira, nomes inventados e nomes reais foram utilizados e estes últimos foram contrabalançados com relação à leitura preferencial sugerida por sua raiz. Assim, os nomes carro, bola, flor, botão, bife, bala, biscoito e batata foram considerados como sugestivos de leitura contável, enquanto que os nomes água, leite, café, feijão, manteiga, pão, doce e bolo, foram tomados como sugestivos de leitura massiva. Na segunda, apenas nomes reais foram utilizados e tipo de raiz passou a ser uma variável independente. Para análise 1, as variáveis independentes foram: Número: (singular) / (plural) Tipo de DP: quantificado / não quantificado Tipo de nome: real / inventado (Fator grupal) Idade: 3 anos, 5 anos e adultos (Fator grupal) Obteve-se, assim, um design fatorial 2 (número) x 2 (tipo de DP) x 2 (tipo de nome) x 3 (idade) – os dois primeiros fatores são medidas repetidas (variáveis intra-sujeito) e os outros dois são fatores grupais (variáveis inter-sujeitos). Para análise 2, as variáveis independentes foram: Número: (singular) / (plural) Tipo de DP: quantificado / não quantificado Tipo de raiz: em função da leitura preferencial em PB: massivo / contável) Idade: 3 anos, 5 anos e adultos (Fator grupal) 114 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro Tem-se assim um design fatorial: 2 (número) x 2 (tipo de DP) x 2 (tipo de raiz) x 3 (idade), no qual os três primeiros fatores são medidas repetidas. Apresenta-se abaixo um exemplo de cada condição experimental: Grupo Real 1. Singular quantificado: O Tito comeu muito pão/biscoito.. 2. Singular não quantificado: O Tito comeu pão/biscoito. 5. Plural quantificado: O Tito comeu muitos pães/biscoitos 4. Plural não quantificado. O Tito comeu pães/biscoitos: Grupo Inventado 1. Singular quantificado: O Tito comeu muito dube. 2. Singular não quantificado: O Tito comeu dube. 5. Plural quantificado: O Tito comeu muitos dubes. 4. Plural não quantificado: O Tito comeu dubes. Foram apresentados quatro estímulos por condição experimental em cada grupo. A variável dependente foi o número de respostas correspondentes à indicação da imagem com mais de um elemento crítico (correspondente ao nome do DP em questão), doravante, respostas contáveis. Método Participantes: Dois grupos de crianças, o primeiro formado por 16 crianças (10 do sexo masculino e 6 do sexo feminino), de 20 a 36 meses de idade, com idade média de 32 meses, e o segundo formado por 16 crianças (8 do sexo masculino e 8 do sexo feminino), de 42 a 60 meses de idade, com idade média de 57 meses. As crianças de ambos os grupos eram todas filhas de pais escolarizados e regularmente matriculadas na rede particular de educação infantil, residentes na cidade de Petrópolis/RJ. Testaram-se, de igual modo, dois grupos formados por 16 adultos, com idades entre 17 e 39 anos (média de idade 37 anos), ambos constituídos de alunos de graduação matriculados em cursos noturnos da Universidade Católica de Petrópolis (UCP) e da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP), que se apresentaram voluntariamente para participar do experimento . Material O material linguístico (estímulos) foi constituído de 16 frases, 4 por condição experimental, como exemplificado acima. O material visual foi criado a partir de fotografias de dois personagens (o Tito e a Duda), representados por dois jovens adultos, um do Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 115 Gragoatá José Ferrari-Neto sexo masculino e outro feminino, ambos alunos da graduação em Letras da UCP. Fotos semelhantes desses personagens foram combinadas com desenhos de objetos a serem tomados como referentes dos DPs das frases-teste. Para cada frase foram apresentadas duas imagens com o mesmo personagem e diferentes quantidades de um mesmo tipo de objeto – um único exemplar e vários, sendo que o único exemplar foi sempre maior do que os vários apresentados. As fotografias foram apresentadas na tela de um laptop Compaq Presario V6210BR, com processador AMD Sempron 667 Mhz, memória RAM de 1 GB e HD de 60 GB. Procedimento Adotou-se o paradigma metodológico da Tarefa de Seleção de Imagens (Picture Identification Task) com nomes/objetos reais e inventados. O experimento foi precedido pela apresentação das fotos dos personagens em questão e familiarização com a tarefa. O experimento consistiu da apresentação concomitante das duas imagens correspondentes à condição em questão, seguida da apresentação do estímulo-teste por parte do experimentador, eliciando a escolha de uma das imagens, como resposta, por meio da diretiva do tipo, “Mostra pra mim o que o Tito/a Duda comeu”. As imagens foram exibidas na tela de um computador portátil e as respostas anotadas, pelo experimentador, em uma ficha avaliação. O procedimento com crianças foi conduzido, individualmente, numa sala da escola/creche, com a presença da professora por perto. Este durou cerca de 15 minutos. O procedimento com adultos foi conduzido numa sala vazia da UCP e durou cerca de 10 minutos. Resultados Análise 1: As respostas contáveis obtidas foram submetidas a uma análise da variância (ANOVA) com design fatorial 2 (tipo de DP) x 2(número) x 2 (tipo de nome) x 3(idade), onde tipo de nome e idade foram fatores grupais, e os demais medidas repetidas. Os efeitos principais dos seguintes fatores foram significativos: idade (F(2,90) = 3.12 p < .05), número (F(1,90) = 179.55 p<.0001), nome (F(1,90) = 5.28 p =.02), e tipo de DP (F(1,90) = 50.23 p<.0001). Os gráficos 1 a 4 apresentam as médias obtidas. Gráfico 1 116 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro O efeito de idade, como ilustrado pelo gráfico acima, atingiu o nível de significância (p<.05), com um aumento no número de respostas contáveis na idade de 5 anos, retornando, nos adultos, ao nível verificado na faixa de 3 anos. Cabe verificar, diante desses resultados, que fatores explicam a alteração de comportamento das crianças na faixa etária de 5 anos. Provavelmente, crianças nessa idade se valem de outro tipo de informação na atribuição de leitura mass ou count ao DP. Gráfico 2 Médias de Respostas Contáveis por Idade (max score = 4) 4 3.5 3 2.48 2.26 2.5 2.23 3anos 2 5 anos Adultos 1.5 1 0.5 0 Do gráfico acima se depreende que, conforme o esperado, a presença do morfema de número induz leitura contável, já que se observou um maior número de respostas contáveis diante de um DP plural. Assim, pode-se afirmar que a criança toma a informação morfológica relativa a número como indicativa de leitura contável. Gráfico 3 Médias de Respostas Contáveis em Função do Tipo de Nome (max score = 4) 4 3.5 3 2.5 2 1.5 2.2 2.43 Real Inventado 1 0.5 0 No que concerne à variável tipo de nome, constatou-se que os nomes inventados recebem maior quantidade de respostas contáveis do que os nomes reais. Uma possível explicação para tal fato é que, nos nomes inventados, não há influência dos traços Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 117 Gragoatá José Ferrari-Neto semânticos da raiz, visto tratar-se de um nome desconhecido para crianças e adultos. Dessa forma, a informação morfológica se afigura como a informação mais relevante na interpretação massiva ou contável dos DPs. Isso sugere que, possivelmente, há uma influência dos traços semânticos da raiz na leitura do DP. Gráfico 4 Médias de Respostas Contáveis em Função de Tipo de DP (max score = 4) 4 3.5 3 2.69 2.5 2.02 Não quantificado 2 Quantificado 1.5 1 0.5 0 O gráfico 4 mostra uma diferença entre o número de respostas contáveis nas condições quantificado e não-quantificado. Isso permite a conclusão de que a presença do quantificador muito induz uma leitura contável do DP, apesar de poder receber, em alguns contextos, interpretação massiva Interações: Houve interação significativa entre as seguintes variáveis: número e idade (F(2,90) = 10.93 p=.0001), número e nome (F(1,90) = 11.83 p=.001), tipo de DP e nome (F(1.90) = 15.61 p < .001), e número e tipo de DP (F(1.90) = 7.03 p <.01). A interação entre número, tipo de DP e idade se aproximou do nível de significância (F(2.90) = 2.84 p = .06). Os gráficos 5 a 9 a seguir mostram as médias: Gráfico 5 Médias de Respostas Contáveis em Função de Núm ero e Idade (m ax score = 4) 4 3.44 3.5 3.19 2.97 3 2.5 2 Singular 2 1.5 Plural 1.33 0.97 1 0.5 0 3 anos 5 anos Adultos O gráfico 5 demonstra que o número de respostas contáveis na condição plural decresce aos 5 anos, tornando a subir nos adultos. Já o número de respostas contáveis na condição singular 118 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro aumenta aos cinco anos e diminui nos adultos. Esses resultados evidenciam que os adultos parecem fazer uso mais consistente da informação morfológica de número, conferindo interpretação contável preferencialmente aos DPs marcados para plural, dando poucas respostas contáveis para DPs com nome no singular. Essa leitura pode ser devida à possibilidade de nomes nus singulares com interpretação plural em PB. O grupo de 3 anos apresenta um comportamento próximo ao dos adultos, sugerindo que crianças nesta faixa etária também fazem uso preferencial da informação morfológica de número. O grupo de crianças de 5 anos, por outro lado, faz menor uso da marcação de número, tendendo a interpretar nomes nus singulares como contáveis. Gráfico 6 Médias de Respostas Contáveis em Função de Núm ero e Nom e (m ax score = 4) 4 3.31 3.5 3.08 3 2.5 Singular 1.77 2 1.5 Plural 1.09 1 0.5 0 Real Inventado O gráfico 6 acima mostra que há um número maior de respostas contáveis na condição nome real plural, decaindo na condição nome inventado plural. No caso de nomes singulares reais, verifica-se que o número de respostas contáveis aumenta na condição singular inventado. Esses resultados evidenciam que o fato de os sujeitos conhecerem os nomes interfere na interpretação dada aos DPs, corroborando, assim, a influência dos traços semânticos da raiz evidenciada na análise da variável tipo de nome. Gráfico 7 Média de Respostas Contáveis em Função de Nom e e Tipo de DP (m ax score = 4) 4 3.5 2.89 3 2.5 2.33 2.08 1.97 2 Sem Qunat Com Quant 1.5 1 0.5 0 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Real Inventado 119 Gragoatá José Ferrari-Neto O efeito significativo registrado na interação entre nome e tipo de DP se explica pelo fato de a média de respostas contáveis na condição nome inventado com quantificador ser maior do que a da condição nome real com quantificador, com o inverso sendo verificado no cotejo entre o nome real não-quantificado e no nome real quantificado, em que se nota um decréscimo. Mais uma vez, nota-se uma influencia dos traços semânticos da raiz, que parecem ser levados em conta preferencialmente à presença do quantificador. Gráfico 8 Média de Respostas Contáveis em Função de Número e Tipo de DP (max score = 4) 4.00 3.39 3.50 3.01 3.00 2.50 1.83 2.00 1.50 1.00 Singular Plural 1.03 0.50 0.00 Sem Quant Com Quant O número de respostas contáveis na condição com quantificador aumenta em relação à condição sem quantificador. Nos DPs singulares, o número de respostas contáveis na condição com quantificador sobe em relação ao apresentado na condição sem quantificador. A interação entre número e tipo de DP aponta que, quando há a presença do morfema de número, esta parece ser a informação preferencial. Na ausência do morfema de número, a presença do quantificador torna-se relevante, induzindo uma interpretação contável aos DPs quantificados. Esses resultados evidenciam que DPs singulares quantificados são mais facilmente interpretados como contáveis do que seu correlato não-quantificado, corroborando assim a afirmação de que, em PB, o quantificador muito recebe preferencialmente leitura contável. O gráfico a seguir demonstra que a leitura contável na condição plural quantificado aumenta ligeiramente de acordo com a idade, constituindo assim uma tendência relativamente estável através das faixas etárias pesquisadas. Já o número de respostas contáveis na condição singular quantificado aumenta na faixa etária de 5 anos, decaindo nos adultos. A condição plural sem quantificador, ao contrário, cai aos 5 anos, subindo novamente nos adultos, com a condição singular sem quantificador aumentando aos 5 anos e sofrendo uma queda acentuada nos adultos. Assim, 120 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro a sensibilidade à presença do morfema de número é maior aos 3 anos e nos adultos do aos 5 anos, com a sensibilidade à presença do quantificador maior aos 5 anos do que aos 3 anos e nos adultos. Os resultados fornecem evidências de que a quantificação induz leitura contável, e que a presença da informação relativa a número é crucial na interpretação massiva ou contável do DP. Gráfico 9 Média de Respostas Contáveis em Função do Número, Tipo de DP e Idade (max score = 4) 4 3 2.38 2.5 2 1.5 1 1.63 3.53 3.34 3.38 3.25 3.13 3.5 2.56 Sem Quant 1.63 Com Quant 1.5 1.03 0.44 0.5 0 Singular 3 anos Plural Singular Plural Singular 5 anos Plural Adultos Discussão: Concluindo, o que a análise 1 mostra é que a informação do morfema de número é fundamental para interpretação massiva ou contável, e que a presença do quantificador de fato é indicativa de leitura contável, ainda que possa haver contextos em que o quantificador muito sugere leitura massiva (cf. Neves, 2002). Entretanto, os resultados indicam, como antecipado, uma possível influência dos traços semânticos da raiz. A fim de verificar o quanto essa influência se faz presente, foi realizada a análise 2. Análise 2: Apenas os dados do grupo Nome conhecido foram analisados por meio de uma análise da variância (ANOVA) com design fatorial 2 (tipo de DP) x 2 (número) x 2 (tipo de raiz) x 3 (idade), onde idade é um fator grupal e os demais medidas repetidas. Os efeitos principais dos seguintes fatores foram significativos: número (F(1,45) = 105,62 p<.00001) tipo de DP (F (1,45) = 17,52 p<..0001) e tipo de raiz (F(2,45) = 4,28 p< .000001). O efeito de idade aproximou-se do nível de significância (F(2,45) = 2,82 p< .06). Os gráficos 10 a 12 apresentam as médias obtidas. Como pode ser observado no gráfico 10, como seria esperado, a presença do morfema de número induz à leitura contável, visto houve mais respostas contáveis diante de um DP plural. Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 121 Gragoatá José Ferrari-Neto Gráfico 10 Média de Respostas Contáveis em Função de Número (max score = 2) 2,00 1,64 1,50 1,00 singular plural 0,54 0,50 0,00 1 Observa-se no gráfico 11 que a presença do quantificador muito induz uma leitura contável do DP, o que torna um DP quantificado, de uma forma geral, menos ambíguo em relação a massividade/contabilidade do que um DP singular não quantificado. A possibilidade de nomes nus singulares no PB favorece, assim, a leitura de um DP do tipo comeu muito biscoito como contável. Gráfico 11 Média de Respostas Contáveis em Função do Tipo de DP (max score = 2) 1,20 1,10 1,17 1,10 sem quantificador com quantificador 1,00 1 O fato de tipo de raiz apresentar resultado significativo sugere que adultos e crianças em fase de aquisição do PB são sensíveis aos traços semânticos da raiz, e certamente usam essas informações semânticas na interpretação de DPs ambíguos. Aqueles nomes considerados como favorecedores de uma leitura contável realmente induziam mais respostas contáveis do que os nomes inicialmente categorizados como massivos. 122 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro Gráfico 12 Média de Respostas Contáveis em Função do Tipo de Raiz (max score = 2) 2,00 1,29 1,50 contável massivo 0,90 1,00 0,50 0,00 1 O efeito de idade, como demonstra o gráfico 13, aproximouse do nível de significância. O número de respostas contáveis é menor no grupo de adultos, possivelmente decorrente de leitura massiva. O grupo de 3 anos produz um número um pouco maior de respostas contáveis, embora não seja claro, por esse resultado, se a estratégia de interpretação do DP é semelhante entre este grupo e o de adultos. O efeito significativo da interação entre Número e idade poderá clarificar este resultado. Gráfico 13 Média de Respostas Contáveis em Função de Idade (max score = 2) 2,00 1,50 1,00 1,05 1,20 0,50 1,03 tres cinco adultos 0,00 1 Interações: Houve interação significativa entre as seguintes variáveis: número e idade (F(2,45) = 7,99 p< .001), tipo de DP e idade (F(2,45) = 5,05 p <.01), número e tipo de DP (F(1,45) = 5,32 p = .02), idade e tipo de raiz (F(2,45) = 4,01 p =.03) e idade, tipo de raiz e número (F(2,45) = 4,28 p =.02). A interação entre número e raiz aproximou-se do nível de significância (F(1,45) = 3.07 p=.08). Os gráficos 14 a 18 a seguir mostram as médias: Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 123 Gragoatá José Ferrari-Neto Gráfico 14 Média de Respostas Contáveis em Função de Número e Idade (max score = 2) 2,00 1,59 1,50 1,00 0,50 1,84 1,48 0,91 0,50 0,22 Singular Plural 0,00 Tres Cinco Adultos O gráfico 14 demonstra que enquanto o número de respostas contáveis na condição plural diminui ligeiramente no grupo de 5 anos, este cresce no grupo de adultos. O número de respostas contáveis na condição singular, por outro lado, cresce aos cinco anos e decresce consideravelmente no grupo de adultos. Observa-se que no grupo de 5 anos, a diferença entre o número de respostas contáveis na condição singular e plural é menor do que esta diferença no grupo de 5 anos e bem menor do que a mesma no grupo de adultos. Esses resultados evidenciam que os adultos parecem fazer uso mais consistente da informação morfológica de número, conferindo interpretação contável preferencialmente aos DPs marcados para plural, dando poucas respostas contáveis para DPs com nome no singular. Essa leitura pode ser devida à possibilidade de nomes nus singulares com interpretação plural em PB. O grupo de 3 anos apresenta um comportamento próximo ao dos adultos, sugerindo que crianças nesta faixa etária também fazem uso preferencial da informação morfológica de número. O grupo de crianças de 5 anos, por outro lado, faz menor uso da marcação de número, tendendo a interpretar nomes nus singulares como contáveis. Gráfico 15 Média de Respostas Contáveis em Função do Tipo de DP e Idade (max score = 2) 2,00 1,50 1,00 1,05 1,05 1,05 1,34 0,94 1,13 0,50 sem quantificador com quantificador 0,00 tres 124 cinco adultos Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro Os resultados acima indicam que o número de respostas contáveis para DPs sem quantificador permanece estável nas três faixas etárias pesquisadas. O número de respostas contáveis em DPs quantificados, contudo, aumenta aos cinco anos e decai consideravelmente nos adultos. Esses resultados revelam que as crianças de 3 anos não levam em conta a presença do quantificador, ao passo que as crianças de 5 anos parecem tomar a presença do quantificador como relevante para a leitura massiva/contável. Os adultos parecem conferir menor relevância a esse fator, na interpretação dos DPs. Gráfico 16 Média de Respostas Contáveis em Função de Número e Tipo de DP (max score = 2) 2,00 1,68 1,60 1,50 1,00 0,50 singular plural 0,67 0,42 0,00 sem quantificador com quantificador O número de respostas contáveis na condição com quantificador é próximo ao da condição sem quantificador. Já nos DPs singulares, o número de respostas contáveis na condição com quantificador é maior do que o apresentado na condição sem quantificador. A interação entre número e tipo de DP mostra que, quando há a presença do morfema de número, esta parece ser a informação preferencial. Quando não há a presença do morfema de número, a presença do quantificador torna-se relevante, induzindo uma interpretação contável aos DPs quantificados. Esses resultados evidenciam que DPs singulares quantificados são mais facilmente interpretados como contáveis do que seu correlato não-quantificado, corroborando assim a afirmação de que, em PB, o quantificador muito recebe preferencialmente leitura contável. Gráfico 17 Média de Respostas Contáveis em Função de Idade e Tipo de Raiz (max score = 2) 2,0 1,5 1,0 1,5 1,3 0,8 0,9 1,1 0,9 0,5 contável massivo 0,0 tres Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 cinco adultos 125 Gragoatá José Ferrari-Neto O número de respostas contáveis para raízes massivas permaneceu constante nas três faixas etárias pesquisadas; nas raízes contáveis, no entanto, observou-se um aumento na faixa etária de 5 anos, decaindo nos adultos. A influência da raiz contável, por conseguinte, parece ser maior aos 5 anos, o que conduz à conclusão de que as crianças nesta idade conferem maior relevância à informação semântica da raiz. Os resultados mostrados pelo gráfico 22, os quais mostraram que crianças de 5 anos fazem menor uso da marcação de número, podem ser explicados pelos resultados da interação entre idade e tipo de raiz, na medida em que se evidenciou uma preferência da criança de 5 anos pela informação semântica, em detrimento da informação morfológica. Gráfico 18 Média de respostas contáveis em função de núm ero, tipo de raiz e idade 2.50 1.81 2.00 1.38 1.50 1.00 0.50 1.34 1.94 1.75 1.63 1.34 sing cont sing mass plural cont 0.69 0.31 0.47 0.31 0.13 plural mass 0.00 tres cinco adulto No que se refere à interação entre idade, tipo de raiz e número, observa-se que o comportamento do grupo de três anos e do de adultos apresenta um padrão semelhante, ainda que o número de respostas contáveis para DPs plural seja maior no grupo de adultos. O padrão de comportamento do grupo de 5 anos, contudo, é distinto, uma vez que há um número consideravelmente grande de respostas contáveis para DPs singulares de raiz contável. Crianças de 5 anos parecem, portanto, ser mais afetadas pelos traços semânticos da raiz, o que sugere ser essa informação a preferida diante da possibilidade de nomes singulares nus com leitura plural no PB. Discussão: Os resultados da análise 2 evidenciam que há uma influência dos traços semânticos da raiz na interpretação massiva ou contável do DP. Essa influência é mais nítida no caso de DPs nus singulares, que são ambíguos para mass/count. No caso de DPs marcados morfologicamente para número, é a informação expressa pelo morfema que parece ser a preferencial, sendo 126 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro indicativa de leitura contável do DP. A interferência dos traços massivo/contável da raiz nominal pode ocorrer na interpretação de nomes nus ou precedidos por muito em DPs objetos, indicando mass ou count, como ilustram os exemplos João comeu bolo/muito bolo (admite leitura massiva ou contável) e João leu livro/muito livro e viu filme/muito filme (que parece só admitir leitura count). A preferência pelas informações semânticas parece ser maior aos cinco anos, ao passo que crianças de 3 anos e adultos fazem uso preferencial de informação advinda da morfologia. 4. Conclusões: Quanto aos objetivos estabelecidos para este experimento, os resultados por ele obtidos permitem afirmar que a criança toma a presença do morfema de número como indicativa de leitura contável, o que faz da informação relativa a número um fator importante na interpretação massiva ou contável de um DP. No que concerne ao quantificador muito, ainda que ele possa receber leitura massiva ou contável em PB (cf. NEVES, 2002), é essa última que se faz preferencialmente, em especial para crianças em fase inicial de aquisição (até 3 anos). A afirmação de que a informação morfo-fonológica relativa a número é crucial na aquisição de mass/count nouns se aproximaria da visão defendida pelas linhas gramatical e contextual no estudo da aquisição da distinção mass/ count, conforme aqui mostrado e discutido. Entretanto, os resultados mostram que informações de natureza gramatical não são as únicas a serem levadas em conta – uma vez que o experimento registrou uma influência dos traços semânticos da raiz, pode-se concluir que a criança se utiliza de informação de natureza semântico-conceptual. Assim, pode-se conceber a aquisição da distinção mass/count de uma forma unificada, na qual a criança usaria, em uma fase inicial de aquisição preferencialmente informação de ordem gramatical (morfema de número), sendo, no entanto, sensível aos traços semânticos da raiz nominal. Essa sensibilidade torna-se acentuada aos 5 anos de idade, quando a criança busca outras fontes de informação diante de DPs ambíguos quanto à distinção mass/count, particularmente os DPs singulares, Esta informação adicional pode ser extraída tanto da raiz nominal quanto do quantificador muito que, nessa faixa etária, é preferencialmente interpretado como indicativo de leitura contável. Para o PB, pode-se esboçar a expressão de mass/count nouns com base no seguinte: nomes nus singulares em posição de objeto recebem interpretação genérica ou massiva (como em “João comprou batata”), com os nomes precedidos pelo quantificador muito na mesma posição (“João comprou muita batata”) recebendo preferencialmente leitura contável. Uma vez que se achem flexionados em número, com a presença do morfema de plural, nomes nus, determinantes e quantificadores sempre receberão interpretação contável (“João comprou batatas/as batatas/umas batatas/muitas bataNiterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 127 Gragoatá José Ferrari-Neto tas”). Os resultados do experimento permitem sustentar a hipótese de que uma criança, ao adquirir a distinção mass/count em PB seja capaz de, em primeiro lugar, perceber a presença/ausência do morfema de número nos nomes, tomando esta oposição como indicativa de expressão contável. Tem-se, assim, em um primeiro momento, um processo de aquisição de base gramatical-contextual, sendo que, em um outro momento, a criança lançaria mão de informação de natureza semântica, notadamente em casos em que o material linguístico apresenta-se de modo ambíguo. A criança que adquire o PB tem de diferenciar um DP plural verdadeiramente count (ou seja, um DP que contenha um nome que possua partes mínimas em sua denotação) de um DP plural sob o escopo de um operador de contabilidade (ou seja, um DP que contenha um nome que não possua partes mínimas em sua denotação, mas que esteja sendo usado como um nome count). Exemplificando, é como se a criança adquirindo a distinção mass/ count tenha de perceber a diferença entre João comprou os carros da loja e João desviou as águas do rio. Uma outra questão é a interpretação mass ou count de DPs como João comeu bolo/muito bolo (admite leitura massiva ou contável) e João leu livro/muito livro e viu filme/muito filme (que parece só admitir leitura count). Conforme se percebe, tanto nomes singulares quanto morfologia de plural podem apresentar ruídos durante a aquisição da distinção mass/ count em PB. A ambiguidade do input pode tornar o processo de aquisição não tão óbvio, exigindo que a criança lance mão de outro tipo de informação que não a morfológica. Os resultados aqui relatados sugerem que esta informação acessória pode ser semântica, proveniente dos traços semânticos da raiz nominal, à qual a criança recorreria nos casos em que o estímulo apresentasse ruídos ou ambiguidades. O processo de aquisição da distinção massivo/contável é um processo que se dá seguindo dois caminhos. Um, que consiste na fixação da denotação dos nomes, e que concerne ao modo como a realidade extralinguística é conceptualizada na língua, estando, portanto, sob a alçada de uma teoria do desenvolvimento cognitivo; e outro, que consiste na percepção, por parte da criança, da maneira como a distinção mass/count se faz visível nas interfaces fônica e semântica, dizendo assim respeito ao modo como unidades linguisticamente relevantes são processadas e interpretadas; estando, por conseguinte, sob o escopo de uma teoria de aquisição de linguagem calcada em informação linguística. Portanto, o processo de aquisição da distinção entre nomes massivos e contáveis pode ser tratado tanto do ponto de vista de uma teoria de aquisição baseada em informação de ordem gramatical, quanto do ponto de vista de uma teoria de aquisição da língua mais diretamente vinculada ao desenvolvimento cognitivo (a qual se voltaria para o modo como determinadas informações são conceptualizadas). Nesse sentido, o estudo da aquisição da 128 Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 Investigando as Habilidades de Processamento Linguístico Infantil: A Aquisição da Distinção Massivo/Contável em Português Brasileiro distinção entre nomes massivos e contáveis, na forma como aqui apresentada, ilustra a possibilidade de elaboração de uma teoria de aquisição da linguagem que articule teoria linguística, teoria psicolinguística e teorias do desenvolvimento cognitivo, mostrando de que o modo como a criança processa informação relevante presente nas interfaces e as associa com informações advindas de outros domínios da cognição. Abstract This study investigates the role of syntactic and semantic information present in the linguistic input in the acquisition of the distinction between count and mass nouns in Brazilian Portuguese (BP), specially the information expressed by grammatical number. It is assumed that, for the recognition of the distinction mass / count in PB, the grammatical number morphologic manifestation expressed in the elements of the Determiner Phrase (DP) is crucial. It can be assumed the hypothesis that the child is able to sense the presence / absence of number morpheme, and she takes this opposition as an indicator of mass or count noun. Moreover, the presence of bare nouns in argument positions in PB makes the input ambiguous with regard to mass and count nouns. This situation constitutes a problem for the child who acquires the PB. In this case, it is assumed the hypothesis that the child uses no morphological information, but semantic (contextual), the DP’s interpretation of ambiguous. The objectives of this study are a) whether the child takes the presence of the morpheme as indicative of the count noun reading, and b) to see how the child proceeds to the interpretation of ambiguous DP’s. Using the Picture Identification Task methodological paradigm, two groups of children (in a range of average age 36 months, and another in the range of 60 months) and a group of adults was tested. The results supports the idea that both morphosyntactic and semantic-contextual information are relevant in the acquisition of mass and count nouns in PB. Keywords: acquisition, countable, mass distinction. Niterói, n. 30, p. 103-133, 1. sem. 2011 129 Gragoatá José Ferrari-Neto Referências AUGUSTO, M. R. A. ; CORRÊA, L. M. S. Genericity and bare nouns in the acquisition of Breazilian Portuguese. In: GALA 2007 – Generative Approaches to Language Acquisition, 2008, Barcelona. The proceedings of GALA 2007, edited by Anna Gavarró and M. João Freitas. Cambridge : Cambridge Scholars Publishing, 2007. AUGUSTO, M. R. A. ; CORRÊA, L. M. S. . Marcação de gênero, opcionalidade e genericidade: processamento de concordância de gênero no DP aos dois anos de idade. 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Com base na hipótese do bootstrapping sintático (GLEITMAN, 1990), assume-se que a análise de adjetivos no contexto sintático de DPs ou de small clauses, aliada ao pressuposto de que DPs fazem referência a objetos/ entidades, possibilita a representação de adjetivos como categoria que apresenta uma propriedade ou atributo de um referente. Avalia-se, ainda, o papel da ordem canônica, na distinção entre adjetivos e nomes. Apresentam-se dois experimentos com crianças, usando-se a técnica de seleção de objetos com pseudopalavras: o primeiro foi conduzido com crianças de 18-22 meses; o segundo, com crianças de 2-3 anos e 4-5 anos. Os resultados dos experimentos aqui relatados são compatíveis com a hipótese de que a criança faz uso de informação sintática e morfológica na delimitação de adjetivos, e revelam que já aos dois anos de idade propriedades semânticas de sufixos formadores de adjetivos são representadas pela criança. Palavras-chave: aquisição da linguagem; adjetivo; bootstrapping; categorias funcionais; afixos derivacionais Gragoatá Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 Gragoatá Luciana Teixeira Introdução Estudos em aquisição da linguagem vinculados à teoria linguística têm sido conduzidos, de maneira geral, independentemente daqueles voltados para os procedimentos de aquisição. Neste caso, a formulação do problema da aquisição da linguagem não abarca o modo como a criança identifica as propriedades da língua presentes no fluxo da fala à sua volta. Por outro lado, notase, em muitos estudos sobre aquisição da linguagem, a ausência de um modelo teórico de língua que explicite o que deve ser adquirido pela criança e o que pode ser atribuído a um programa biológico. Buscando caracterizar o tipo de informação que poderia alavancar o processo de aquisição, e considerando que toda informação gramaticalmente relevante para a criança tem de ser legível nas interfaces do sistema da língua com sistemas de desempenho, a perspectiva teórica assumida neste trabalho é a de se considerar, de forma integrada, uma teoria linguística que contemple o problema da aquisição da linguagem – particularmente a teoria de Princípios e Parâmetros, nos termos do Programa Minimalista (CHOMSKY, 1995; 1999 e obras posteriores) – e abordagens psicolinguísticas que considerem, como meios de desencadear a aquisição de uma língua: (i) o tratamento do sinal acústico da fala (bootstrapping fonológico: MORGAN & DEMUTH, 1996; CHRISTOPHE et al., 1997); (ii) a análise do material linguístico pela criança na aquisição de significado lexical (bootstrapping sintático: GLEITMAN, 1990), como proposto em Corrêa (2006). Uma das tarefas que se apresentam à criança na aquisição de sua língua materna é a de descobrir de que maneira propriedades ou atributos são apresentados lexicalmente na língua: se por elementos de uma categoria lexical (como a dos adjetivos), como na maior parte das línguas conhecidas, se por meio de morfemas livres ou presos, como em Haússa (língua afro-asiática falada na Nigéria), ou no Chinês (Cf. ROSA, 2000). Além disso, no que concerne à sintaxe da língua, a criança deverá fixar o valor de parâmetros de ordem que determinam a posição do adjetivo no DP. Seguindo essa perspectiva, o problema de como se dá o desencadeamento da aquisição da categoria adjetivo (em qualquer língua na qual ele se realize como elemento de classe aberta ou de classe fechada, sob a forma de afixos) pode ser formulado em termos de um processo que compreende: (i) a segmentação, pela criança, do input linguístico que lhe é oferecido; (ii) o estabelecimento de uma relação entre aquilo que se mostra acessível à criança em termos de padrões regulares que se apresentam na interface fônica e o que se constitui como informação acessível ao sistema computacional, responsável pelo tratamento linguístico dessa informação; (iii) a capacidade por parte da criança de tomar 136 Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro 1 Pe l a pr op o st a m inimalista, a distinção formal ent re nome e adjetivo resulta, respectivamente, da combinação [+N, -V], [+N, +V], no que pode ser assumido como traços categoriais, quando do mapeamento de enunciados linguísticos a objetos/entidades e a propriedades, respect ivamente (Cf. CHOMSKY, 1995). Em sentido estrito, a identificação da gramática é vista como identificação das propriedades dos traços formais de categorias funcionais. No entanto, uma vez que o adjetivo pode ser realizado de diferentes formas na morfologia das línguas, considera-se que sua delimitação também seja crucial à identificação de uma gramática. 2 Do ponto de v i st a da teoria linguística, os elementos do léxico distinguem-se em duas grandes categorias: lexicais e funcionais. Das categorias lexicais fazem parte elementos das denominadas “classes abertas” (como Nomes, Adjetivos, Verbos); já as categorias funcionais caracterizam-se como sendo classes fechadas, de que fazem parte Determinantes (D), Tempo (verbal) (I), Complementizador (C), importantes para referência a entidades, situação do evento e força ilocucionária, respectivamente. Para mais informações a respeito dessa distinção, ver Chomsky (1995). o produto do processamento do sinal da fala como interface fônica para a sintaxe da língua, vinculando a esta uma interface de natureza semântica/intencional (Cf. CORRÊA , 2006). Tal assunção é relevante no que se refere à identificação de propriedades de traços formais1 (entre os quais se encontram N e V), uma vez que sobre eles opera o sistema computacional na aquisição do léxico. Mais especificamente, no caso da aquisição de adjetivos em línguas como o PB, pela hipótese do bootstrapping fonológico, pressupõe-se que a criança seja sensível às propriedades fônicas de elementos de classes fechadas, como determinantes e afixos (dentre os quais se destacam os sufixos derivacionais). A representação da categoria funcional D, nos termos da teoria linguística (ainda que subespecificada), é tida como necessária para que a criança venha a identificar o Nome enquanto categoria lexical e, a partir deste, o Adjetivo. Considera-se, ainda, que o DP possa ser tomado como expressão referencial pela criança para a definição das propriedades semânticas do adjetivo no uso da língua, no que diz respeito à referência específica ou avaliativa. Pela hipótese do bootstrapping sintático, assume-se que a criança, por meio da análise sintática a qual já é apta a conduzir, seja capaz de perceber que o traço categorial que define adjetivos diz respeito à atribuição de propriedades a entidades e eventos, dado o pressuposto de que enunciados linguísticos se referem a estes. Considera-se que, com base nessa análise, uma dada forma gramatical seria identificada pela criança como adjetivo, quando do processamento de enunciados linguísticos que incluam essa categoria lexical como adjuntos e/ou predicativos. Portanto, questões relativas à ordenação linear de constituintes e morfemas e à identificação no input de elementos funcionais2 e afixos (neste caso, os sufixos derivacionais formadores de adjetivos) são exploradas neste estudo, enquanto informação que a criança leva em conta na aquisição de adjetivos. No que concerne aos afixos derivacionais semanticamente não-vazios (como -oso e -ento), verifica-se seu papel na atribuição do traço categorial ao adjetivo, assim como o modo pelo qual crianças os interpretam. Assim, do ponto de vista da aquisição de adjetivos no PB, a criança deverá captar o fato de que os adjetivos admitem diferentes posições no enunciado em função da estrutura sintática em que se inserem. Ela deverá ser capaz também de perceber que a interpretação do adjetivo é dependente do processamento da relação sintática estabelecida com o nome e da representação conceptual de atributos. 1. Aquisição de nomes e adjetivos Pesquisas em aquisição da linguagem vêm investigando o modo como categorias lexicais são delimitadas. Estudos conduzidos com crianças adquirindo o inglês (WAXMAN, 1999) sugerem que, aos 13 meses, a criança é capaz de relacionar uma nova Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 137 Gragoatá Luciana Teixeira palavra a uma determinada categoria (Nome, Adjetivo) em função do modo como essa palavra lhe é apresentada (com propriedades morfofonológicas distintas). Em experimentos posteriores, Waxman & Booth (2001) obtiveram resultados ainda mais expressivos, compatíveis com a hipótese de que a apresentação de objetos por nomeação (This is a blicket) ou por meio de uma construção com adjetivo (This one is blickish) guia a atenção da criança para a identificação de categoria (nome) ou de propriedade (adjetivo). A relevância da percepção de informação morfológica relativa a afixos derivacionais (como em “blickish”), para a delimitação de nomes versus adjetivos, se explica pela especificidade dessas formas presas no que diz respeito à distinção de categorias lexicais. Em outro estudo conduzido com crianças adquirindo o inglês, Mintz & Gleitman (2002) encontraram resultados convergentes com a hipótese de que as crianças estendem sistematicamente os adjetivos a propriedades de objetos. Foram realizados experimentos em que novos adjetivos foram apresentados precedendo um nome (the stoof horse), pronome (the stoof one) ou “nome genérico” (the stoof thing). Crianças de 24 a 36 meses revelaram mais facilidade em mapear um novo adjetivo como propriedade de um objeto na condição nome, o que sugere ser necessária a identificação desta categoria para a atribuição de propriedade ao objeto, quando não há informação proveniente de afixos derivacionais relativos a adjetivos. Desse modo, o estabelecimento de um vínculo entre a forma gramatical adjetivo e seu significado representa uma etapa subsequente no desenvolvimento, construída a partir da relação nome/categoria de objeto, sendo modelada pelas propriedades semânticas e sintáticas dos adjetivos na língua em aquisição. Com base nas evidências experimentais relatadas, temos que, de um lado, a marca morfofonológica característica de adjetivo (-ish, em inglês) parece facilitar a identificação de elementos dessa categoria (cf. resultados de WAXMAN & BOOTH, 2001); por outro lado, a presença do nome modificado pelo adjetivo parece ser requerida quando este não apresenta marca morfofonológica (Cf. resultados de MINTZ & GLEITMAN, 2002), indicando sensibilidade da criança a informação de natureza distribucional; portanto, à ordem dos elementos da língua em aquisição. No que se refere à identificação de nomes e adjetivos no processo de aquisição do Português Brasileiro (PB), os estudos são ainda incipientes. Evidências experimentais de uma pesquisa inicial realizada por Name (2005) e, na sequência, por Almeida (2007) com crianças brasileiras em torno dos três anos de idade apontam para o uso de informação referente à ordem estrutural de constituintes como forma de identificação de nomes e adjetivos desconhecidos. 138 Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro Para a formação dos pseudoadjetivos, empregados nas sentenças durante a realização das tarefas experimentais, foram escolhidos os sufixos -oso e -ento a partir da aplicação dos Inventários MacArthur (questionários de compreensão e produção de vocabulário). Neste trabalho, foi utilizada apenas a pa rte referente a “Qualidades e Atributos” do protocolo Palavras e Sentenças (para crianças de 16 a 30 meses), tendo em vista o tema focalizado neste estudo e a idade média das crianças participantes dos dois experimentos. Para o preenchimento da referida seção do questionário, contou-se com a colaboração dos pais das crianças, residentes na cidade de Juiz de Fora, onde se realizaram as tarefas experimentais. Para um estudo mais detalhado a respeito dos Inventários MacArthur, ver Teixeira (2000). 3 Em Almeida (2007), as crianças, divididas em dois grupos em função da faixa etária (Grupo A - crianças abaixo de 3 anos; Grupo B - crianças acima de 3 anos) participaram de uma tarefa de seleção de imagens de objetos inventados, com propriedades desconhecidas (formas inventadas, por ex.). A apresentação das imagens foi feita por meio de pseudopalavras (“Olha quantos mabos bipos!”), de modo a nomear a categoria (pseudonome) e uma propriedade da categoria (pseudoadjetivo). De acordo com os resultados, as crianças abaixo de 3 anos (Grupo A) identificaram a primeira pseudopalavra do DP como categoria, e a segunda, como propriedade, sugerindo que a posição estrutural canônica do português referente a nomes e adjetivos (Determinante + Nome + Adjetivo) parece guiar o mapeamento das pseudopalavras. Por outro lado, os resultados referentes ao Grupo B sinalizam que crianças acima de 3 anos mapeiam, com frequência maior do que as mais novas, a primeira pseudopalavra como propriedade, e a segunda como categoria, sugerindo que a identificação de elementos em ordem não-característica do português (Determinante + Adjetivo + Nome) toma a ordenação canônica como referência para a anteposição do adjetivo. Neste artigo, reportam-se os resultados de dois experimentos conduzidos com crianças adquirindo o PB, em que se busca investigar a sensibilidade de crianças entre 18 e 22 meses à informação de natureza morfológica proveniente de afixos derivacionais, aliada à informação sintática no que diz respeito à posição do adjetivo adjunto, modificador do nome (à direita ou à esquerda). Por ex., “Este é um dabo miposo” ou “Este é um miposo dabo”. Investiga-se, ainda, se crianças de duas faixas etárias (2-3 anos e 4-5 anos) interpretam os afixos -oso e -ento3 de pseudoadjetivos na interface semântica. 2. Experimentos 2.1. Experimento 1 - Sensibilidade à posição estrutural do adjetivo adjunto e a afixos derivacionais Objetivos: (i) verificar se crianças de 18-22 meses adquirindo o PB são sensíveis à ordem canônica NP + Adjetivo no DP, ao inferir a classe e o significado de palavras novas a partir de pseudopalavras; (ii) aferir o peso relativo da informação concernente à ordem nome/adjetivo e adjetivo/nome diante da informação proveniente de afixos derivacionais (por sua especificidade no que diz respeito à distinção de categorias lexicais). Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 139 Gragoatá Luciana Teixeira Variáveis independentes (compondo um design 2 X 2): a) posição estrutural (adjetivo à direita/à esquerda do nome); b) presença de afixo derivacional (presença ou ausência) → -oso/-ento Variável dependente: o número de escolhas referentes ao novo objeto inventado com a propriedade-alvo. Por exemplo: objeto com bolinhas roxas, ou triângulos verdes, ou quadrados laranja, ou cruzes vermelhas (ver Fig. 1 adiante). Condições experimentais: Condição 1 - Adjetivo à direita do Nome (Det + N + Adj) / Com Afixo • Familiarização: Este é um dabo miposo. Este aqui também é um dabo miposo. Este outro aqui é um dabo miposo também. • Contraste: Ih! Este não é um dabo miposo. Este aqui também não é um dabo miposo. Este outro aqui também não é um dabo miposo. • Teste: Pega o (que é) miposo pra mim. Condição 2- Adjetivo à direita do Nome (Det + N + Adj) / Sem Afixo • Familiarização: Este é um dabo mipe. Este aqui também é um dabo mipe. Este outro aqui é um dabo mipe também. • Contraste: Ih! Este não é um dabo mipe. Este aqui também não é um dabo mipe. Este outro aqui também não é um dabo mipe. • Teste: Pega o (que é) mipe pra mim. Condição 3- Adjetivo à esquerda do Nome (Det + Adj + Nome) / Com Afixo • Familiarização: Este é um miposo dabo. Este aqui também é um miposo dabo. Este outro é um miposo dabo também. • Contraste: Ih! Este não é um miposo dabo. Este aqui também não é um miposo dabo. Este outro também não é um miposo dabo. • Teste: Pega o (que é) miposo pra mim. 140 Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro Condição 4- Adjetivo à esquerda do Nome (Det + Adj + Nome) / Sem Afixo • Familiarização: Este é um mipe dabo. Este aqui também é um mipe dabo. Este outro é um mipe dabo também. • Contraste: Ih! Este não é um mipe dabo. Este aqui também não é um mipe dabo. Este outro também não é um mipe dabo. • Teste: Pega o (que é) mipe pra mim. Hipótese: A criança é sensível à informação relativa à ordem linear com que unidades do léxico se apresentam e informação pertinente a elementos de classes fechadas, como afixos derivacionais, importantes na distinção de categorias lexicais. Método: Participantes: 16 crianças, com idade média de 20 meses (7 do sexo feminino; 9 do sexo masculino), de uma creche-escola de Juiz de Fora participaram do experimento. Todas elas foram testadas individualmente, com a presença da professora ou ajudante de confiança. As crianças foram submetidas a 2 trials de cada condição experimental, de modo que, ao fim da tarefa, cada criança realizou 8 testes. Os resultados foram anotados para análise posterior. Material: Para a realização das tarefas, utilizaram-se 32 objetos manufaturados (Fig. 1 abaixo), selecionados de modo a formar 4 grupos diferentes de 9 objetos cada (para se ter um exemplo, ver quadro 1 adiante). Em cada condição experimental, durante a fase de familiarização, as crianças viram 3 objetos inventados iguais na forma, com cores diferentes e com a mesma propriedade (ex. bolinhas roxas ou triângulos verdes ou quadrados laranja). Na etapa do contraste, cada criança viu: 2 objetos conhecidos da criança (ex. banana e bola ou lua e flor); 1 objeto inventado semelhante ao da familiarização, sem a propriedade-alvo e 1 objeto inventado diferente ao da familiarização, sem a propriedade-alvo. Na fase teste, foi apresentado um par de objetos inventados: 1 igual ao da familiarização, de outra cor e com uma nova propriedade (ex. cruzes vermelhas) e 1 igual ao do contraste, de outra cor e com a propriedade-alvo (ex. bolinhas roxas). Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 141 Gragoatá Luciana Teixeira Objetos conhecidos Objetos inventados Fig. 1 - Objetos manufaturados Previsões: (a) Espera-se um efeito principal da presença de afixo, com mais respostas concernentes à propriedade dos objetos, caso a criança reconheça os sufixos derivacionais; (b) espera-se, ainda, um possível efeito principal da posição estrutural, com mais respostas relativas à propriedade dos objetos, se a criança identificar a primeira pseudopalavra apresentada como Nome, e a segunda, como Adjetivo, mapeando o objeto ou a propriedade do objeto. Procedimento: Foi usado o paradigma da seleção de objetos em situação de aprendizagem de palavras novas/conceitos novos, segundo o qual a criança teve como tarefa mostrar à pesquisadora o que foi pedido, a partir de objetos manufaturados. Os brinquedos foram inventados a fim de evitar qualquer interferência decorrente de conhecimento prévio da criança, quando do mapeamento entre a pseudopalavra e o objeto inventado ou entre a pseudopalavra e a propriedade do objeto inventado. Após chegar à creche-escola, a experimentadora iniciou a familiarização com a tarefa de manipulação de brinquedos, a partir de objetos conhecidos, apresentando-os aos pares e nomeando-os: carrinho barulhento/silencioso. Em seguida, teve início a apresentação dos objetos inventados. O procedimento incluiu três fases distintas: familiarização, contraste e teste (Cf. apresentado nas Condições Experimentais). Para se ter um exemplo, ver quadro 1 abaixo: 142 Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro FAMILIARIZAÇÃO CONTRASTE TESTE Distratores a) 2 objetos conhecidos s/ propriedade-alvo (ex. bola e flor); a Objeto inventado igual ao da Familiarização, de outra cor, com outra propriedade (ex. com 3 objetos inventados de cores diferentes, b) 1 objeto inventado semelhante quadrados laranja) com a mesma forma e com a mesma ao da fase de Familiarização, sem a X propriedade propriedade-alvo; Objeto inventado igual ao do Contraste, de outra cor, com (ex. triângulos verdes) c) 1 objeto inventado diferente do a propriedade-alvo (ex. com da fase de Familiarização, sem a triângulos verdes) propriedade-alvo; Alvo Objeto inventado com a propriedadealvo (ex. com triângulos verdes) Quadro 1 - Conjunto 1 de objetos Resultados e discussão: Os dados deste experimento foram analisados considerando-se o número de escolhas referentes aos objetos inventados que apresentavam a propriedade-alvo, ou seja, a mesma propriedade dos objetos da fase de familiarização. O gráfico abaixo apresenta a distribuição de respostas-alvo em função da posição estrutural do adjetivo e da presença/ausência de sufixo. Gráfico 1 Por meio da análise da variância (two-way ANOVA), temse que os resultados indicam um efeito principal da ordem nome/adjetivo, com mais respostas concernentes à propriedadealvo dos objetos nas condições experimentais em que o adjetivo aparece à direita do nome do que naquelas em que ele aparece à esquerda do nome: F(1, 15) = 36.15, p<.00001. No que tange à presença/ausência de afixos, os resultados também apontam Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 143 Gragoatá Luciana Teixeira um efeito principal da presença de afixo, com mais respostas relativas a propriedades dos objetos nas condições com afixos derivacionais: F(1,15) = 10.38, p<.01. Houve interação significativa entre as variáveis: F(1,15) = 24.77, p<.001. Portanto, o efeito principal das variáveis independentes e o da interação entre as variáveis manipuladas sugerem que as crianças fixam, desde muito cedo, os valores dos parâmetros relativos à ordem das palavras (p. ex. Det + N + Adj), percebendo na fala à sua volta determinados “padrões recorrentes” de natureza sintática (como o fato de que algumas palavras tendem a ser precedidas, com frequência, por outras de classes fechadas (p. ex. Det + Nome) e de natureza morfológica (como a presença de afixos derivacionais após as raízes lexicais, no caso deste experimento). Na presença do sufixo derivacional, a informação morfofonológica é prevalente para o estabelecimento pela criança da correspondência entre a pseudopalavra com sufixo e a propriedade (=adjetivo), principalmente nas condições experimentais em que o adjetivo aparece à esquerda do nome, ou seja, na posição não-canônica (Det + Adj + N). Tais informações são levadas em conta pela criança na delimitação da categoria lexical correspondente a adjetivos, distinguindo-os de nomes. Os resultados indicam que adjunção de adjetivos no DP contribui para a interpretação da referência específica, chamando a atenção da criança para uma propriedade do elemento referido. Contudo, o que não está bem claro é em que medida os traços semânticos dos afixos formadores de adjetivos são representados pela criança, isto é, em que medida ela é capaz de interpretar esses traços na interface semântica. A seguir, apresenta-se um segundo experimento com crianças, em que se focaliza sua capacidade em atribuir significado às propriedades expressas por pseudoadjetivos, tomando como pista os afixos derivacionais -oso e -ento associados às raízes lexicais dessas pseudopalavras. 2.2. Experimento 2 – Sensibilidade por parte de crianças à informação semântica dos afixos derivacionais -oso e -ento, formadores de adjetivos denominais Na confecção dos materiais ut ilizados no pré-teste, procurou-se estabelecer a seguinte associação: aos objetos com florezinhas ou coraçõezinhos deveria corresponder uma propriedade positiva; aos objetos com farrapos e buracos deveria corresponder uma propriedade negativa. Para se ter exemplos, ver Fig. 2. 4 144 2.2.1 Pré-teste Para a realização do Experimento 2, foi elaborado, em primeiro lugar, um pré-teste com vistas a verificar se, diante de dois objetos, um com uma propriedade supostamente positiva e outro com propriedade supostamente negativa4, a criança tinha preferência por um ou por outro. O pré-teste foi conduzido com 12 crianças (6 de cada grupo etário), contrabalançadas em dois grupos em função da idade e do tipo de objeto a que foram apresentadas - com o traço [+animado] ou [-animado]: Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro a) grupo I (Inanimado): 3 crianças entre 2-3 anos; 3 crianças entre 4-5 anos; b) grupo A (Animado): 3 crianças entre 2-3 anos; 3 crianças entre 4-5 anos. Os dados do grupo Inanimado e os do grupo Animado, em ambas as faixas etárias, foram inicialmente comparados e, dada a semelhança das médias obtidas, não houve indício de que animacidade e idade pudessem ser variáveis relevantes nas escolhas das crianças. Assim sendo, por meio de um Teste Binomial, procurou-se verificar se houve preferência por um dos objetos apresentados, em função do tipo de propriedade contrastada. Os resultados indicaram uma tendência para a escolha do objeto com propriedade de valor positivo, ainda que a preferência por este não tenha alcançado o nível de significância: z (2 tailed) = 1.88; p =.06. Isso sugere que as crianças avaliam os objetos de forma semelhante à pretendida na caracterização das propriedades dos mesmos, embora essa avaliação não as leve a rejeitar os objetos com propriedades tidas como negativas em suas escolhas. Diante disso, considerou-se que a escolha de objetos com propriedades consideradas positivas ou negativas no pré-teste poderia ocorrer em função da interpretação semântica dos afixos. Isso posto, apresenta-se a seguir o experimento propriamente dito, em que se ampliou o número de participantes por faixa etária, com vistas a verificar o efeito do tipo de afixo diante da tendência acima referida. 2.2.2. Experimento 2 Objetivos: (i) obter evidências sobre o conhecimento de crianças brasileiras de 2-3 anos e 4-5 anos, relativo à informação de natureza semântica dos sufixos derivacionais -oso e -ento, formadores de adjetivos; (ii) verificar se os fatores “idade” e “animacidade” interferem na interpretação semântica do afixo por parte das crianças. Variáveis Independentes (compondo um design 2X2): a) Congruência entre o significado atribuído ao afixo (-oso/-ento) e à propriedade do objeto (supostamente positiva ou negativa): (i) congruente: a propriedade física do objeto (com florezinhas/ coraçõezinhos ou furos/farrapos) corresponde ao valor (positivo ou negativo) associado ao sufixo; Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 145 Gragoatá Luciana Teixeira (ii) incongruente: a propriedade física do objeto (com florezinhas/ coraçõezinhos ou furos/farrapos) não corresponde ao valor (positivo ou negativo) associado ao sufixo. b) Animacidade: animado / inanimado (fator grupal); c) Idade (fator grupal). Variável dependente: número de escolhas compatíveis com o significado do sufixo empregado na familiarização. Hipótese: A criança interpreta os sufixos -oso/-ento como indicativos de propriedades positivas/negativas, respectivamente. Condições experimentais: Condição 1: congruente c/ -oso Condição 2: congruente c/ -ento Condição 3: incogruente c/ -oso Condição 4: incogruente c/ -ento Previsões: Se a criança for sensível à informação semântica dos afixos derivacionais formadores de adjetivos com -oso/-ento, associando valor positivo/negativo, respectivamente, às propriedades dos nomes modificados por esses pseudoadjetivos, então: (i) o afixo -oso favorece avaliação positiva. Espera-se um efeito de tipo de afixo com maior número de respostas para o pseudoadjetivo interpretado como indicativo de uma avaliação positiva na “condição -oso”; (ii) o afixo -ento favorece avaliação negativa. Espera-se um efeito de tipo de afixo, com maior número de respostas para o pseudoadjetivo interpretado como indicativo de uma avaliação negativa na “condição -ento”. Preparação dos estímulos: Foram elaboradas 8 listas em que a ordem das condições experimentais foi aleatorizada, de modo a garantir que uma mesma condição não se repetisse sucessivamente. Um mesmo pseudoradical foi empregado, uma única vez, em cada condição experimental. Por exemplo: (i) mip {-oso} congruente; (ii) mip {-ento} congruente; (iii) mip {-oso} incongruente; (iv) mip {-ento} incogruente. Cada criança foi apresentada a um radical uma vez. Os pseudoadjetivos utilizados nas sentenças durante a realização das tarefas foram os seguintes: lufoso/lufento; daboso/dabento; 146 Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro tafoso/tafento; riboso/ribento; maboso/mabento; toboso/tobento. Para uma melhor compreensão acerca da condução deste experimento, ver a subseção referente ao procedimento adotado. Método: Participantes: As tarefas experimentais foram aplicadas inicialmente a 46 crianças de duas escolas, ambas em Juiz de Fora, mas realizadas em todas as instâncias por 38: 18 de 2-3 anos (8 do sexo masculino e 10 do feminino) e 20 de 4-5 anos (igualmente divididas entre os dois sexos). Cada grupo etário foi dividido da seguinte forma: a) Grupo 1 (Animado): 10 crianças de 2-3 anos e outras 10 de 4-5 anos; b) Grupo 2 (Inanimado): 8 crianças de 2-3 anos e outras 10 de 4-5 anos. Materiais: Foram utilizados os objetos manufaturados do pré-teste (ver Fig. 2 a seguir) e estes foram divididos em dois grupos: um primeiro grupo de objetos com o traço [-animado], e um segundo grupo de objetos com o traço [+animado], ambos contendo as mesmas propriedades, a saber: com florezinhas ou coraçõezinhos (propriedades supostamente positivas), com farrapos ou furos (propriedades supostamente negativas). Objetos sem propriedade saliente (lisos) foram considerados neutros. Fig. 2 - Objetos manufaturados Procedimento: A criança teve como tarefa selecionar um dentre dois objetos, contendo uma propriedade determinada, à qual o pseudoadjetivo, dependendo da condição experimental, deveria se referir. Cada Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 147 Gragoatá Luciana Teixeira criança foi submetida a quatro condições experimentais duas vezes, sendo que a ordem de apresentação das condições por criança foi aleatorizada. O procedimento incluiu familiarização, contraste e teste, sendo que as escolhas dos participantes foram anotadas para análise posterior. Exemplos de sentenças com pseudoadjetivos, distribuídos em função da condição experimental em cada fase, estão transcritos a seguir: Condição 1: congruente c/ -oso Familiarização (Congruente): “objetos -oso” → com florezinhas "Este aqui é miposo. Este aqui também é miposo. E este outro aqui é miposo também”. Contraste: outro objeto da mesma categoria com propriedade pejorativa (com farrapos) e um objeto diferente sem propriedade (neutro). “Ih, este aqui não é miposo!”. “Este outro aqui também não é miposo “. Teste: objeto da mesma categoria do da fase de familiarização com propriedade pejorativa (com farrapos) X um objeto diferente com a mesma propriedade dos objetos da familiarização com o afixo -oso (com florezinhas). “Pega o miposo pra mim.” Condição 2: congruente c/ - ento Familiarização (Congruente): objetos -ento → com furos "Este aqui é lufento. Este aqui também é lufento. E este outro aqui é lufento também”. Contraste: outro objeto da mesma categoria com propriedade positiva (com corações) e um objeto diferente sem propriedade (neutro). “Ih, este aqui não é lufento!”. “Este outro aqui também não é lufento “. Teste: objeto da mesma categoria do da fase de familiarização com propriedade positiva (com corações) X um objeto diferente com a mesma propriedade dos objetos da familiarização com o afixo -ento (com furos). “Pega o lufento pra mim.” 148 Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro Condição 3: incogruente c/ -oso Familiarização (Incongruente): objetos com propriedade pejorativa → com furos "Este aqui é daboso. Este aqui também é daboso. E este outro aqui é daboso também”. Contraste: outro objeto da mesma categoria com propriedade positiva (com florezinhas) e um objeto diferente sem propriedade (neutro). “Ih, este aqui não é daboso!”. “Este outro aqui também não é daboso”. Teste: objeto da mesma categoria do da fase de familiarização com propriedade positiva (com florezinhas) X um objeto diferente com a mesma propriedade pejorativa dos objetos da familiarização com o afixo -oso (-oso incongruente= objeto com furos). “Pega o daboso pra mim.” Condição 4: incogruente c/ - ento Familiarização (Incongruente): objetos com propriedade positiva → com coração "Este aqui é tafento. Este aqui também é tafento. E este outro aqui é tafento também”. Contraste: outro objeto da mesma categoria com propriedade pejorativa (com farrapos) e um objeto diferente sem propriedade (neutro). “Ih, este aqui não é tafento!”. “Este outro aqui também não é tafento “. Teste: objeto da mesma categoria do da fase de familiarização com propriedade pejorativa (com farrapos) X um objeto diferente com a mesma propriedade positiva dos objetos da familiarização com -ento (-ento incongruente = com coração) → “Pega o tafento pra mim.” Resultados e discussão: Para o tratamento dos dados, foi considerado o número de escolhas compatíveis com o significado do sufixo que foi associado à propriedade-alvo dos objetos na fase de familiarização. Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 149 Gragoatá Luciana Teixeira Gráfico 2 Houve um efeito principal da variável idade: F (1,34) = 14,3, p<.001, com mais respostas relativas à congruência do significado dos afixos no grupo de crianças mais velhas, independentemente das propriedades do objeto de escolha: se positivas ou negativas (Médias: 2 anos= 1.93; 4 anos= 2.17). O efeito de animacidade não foi significativo. O gráfico 3 abaixo apresenta as médias obtidas em função de congruência e tipo de afixo nos dois grupos etários, tomados em conjunto. Gráfico 3 O efeito de tipo de afixo foi significativo: F (1,34)= 9,7, p<.01 (Médias: -oso = 2.21; -ento = 1.92), assim como o de congruência: F (1,34)= 61,7, p<.001, com maior número de respostas com valor positivo na condição congruente com o sufixo -oso e maior número de respostas negativas na condição congruente com o sufixo -ento (Médias: congruente= 2.92; incongruente= 1.21). Não houve interação significativa entre esses fatores assim como desses fatores com 150 Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro idade, o que indica que os resultados do efeito de congruência se aplicam independentemente do tipo de afixo e da idade. Os resultados obtidos são compatíveis com a hipótese de que a criança é sensível à informação semântica dos afixos derivacionais -oso/-ento, formadores de adjetivos denominais, associando valor positivo/negativo, respectivamente, às propriedades dos nomes modificados pelos adjetivos com tais afixos. Essa sensibilidade pode ser captada desde muito cedo (2-3 anos). Nota-se, contudo, pelo efeito principal de idade, que o número de respostas compatível com o adjetivo como atribuidor de propriedade, independentemente de seu valor positivo/negativo, aumenta entre as crianças mais velhas. Cumpre ressaltar que, se as crianças distinguem entre palavras novas apresentadas como nomes contáveis vs propriedades, e esta distinção é recrutada no aprendizado de palavras, isso implicará padrões de comportamento distintos nas condições congruente e incongruente. Ou seja, na condição incongruente, a criança parece optar pelo objeto familiar, mesmo que ele se mostre com uma nova propriedade. Já na condição congruente, a criança parece optar pelo objeto que traz a propriedade já familiar, mesmo que esta seja apresentada em um novo objeto. Considerações finais Partindo do pressuposto de que aquilo que é sistemático na língua é tomado pela criança como índice de informação gramaticalmente relevante para dar início ao processamento de enunciados linguísticos, o primeiro experimento buscou investigar o papel dos elementos de classe fechada (mais especificamente, determinantes e sufixos derivacionais), assumindo-se a sua sistematicidade como desencadeadores dessa análise. No que se refere à interpretação semântica dos sufixos, as evidências experimentais indicam que a criança parece ser capaz de mapear diferentes propriedades (intuitivamente positivas ou negativas, por ex., tendo em vista os sufixos -oso e -ento, respectivamente), atribuindo-as a uma determinada categoria, e estendendo-as a uma outra. No caso do Experimento 2, os resultados indicam que já por volta do segundo ano de vida, as crianças são capazes de identificar os sufixos na interface fônica e interpretá-los na interface semântica (ainda que essa habilidade aumente dos 4 para os 5 anos). As crianças delimitam uma forma gramatical (enquanto elemento do léxico que atribui propriedades a um elemento nomeado) identificada como adjetivo, dado o pressuposto de que enunciados linguísticos se referem a entidades e eventos. Com este estudo, procurou-se contribuir para uma teoria da aquisição da linguagem fundada no processamento de informação das interfaces da língua com sistemas perceptuais e conceptuais, na qual se enfatiza o papel de categorias funcionais e de elementos de classe fechada, tais como Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 151 Gragoatá Luciana Teixeira os sufixos derivacionais, na identificação do que há de específico na língua. Abstract This paper presents an experimental study of the delimitation of adjectives as a lexical category in the acquisition of Brazilian Portuguese. It reconciles a psycholinguistic approach to language acquisition with a minimalist conception of language (CHOMSKY, 1995-2001). According to the phonological bootstrapping hypothesis (MORGAN & DEMUTH, 1996; CHRISTOPHE et al., 1997), it is assumed that infants are sensitive to closed class elements (as determiners and affixes) in the processing of the phonetic interface. According to the syntactic bootstrapping hypothesis (GLEITMAN, 1990), it is assumed that the parsing of adjectives in DP and small clause contexts, together with the assumption that DPs refer to objects/ entities, allow the representation of the adjectives as words that present a property or an attribute of a given referent. And the role of the canonical word order in the distinction between nouns and adjectives is evaluated. Two experiments are presented: both of them were conducted with children, making use of the object selection with pseudo-words paradigm. The first experiment was conducted with 18-22 month old children, and the second one, with 2-3 and 4-5 year olds. The results of the experiments reported here are compatible with the hypothesis that children make use of syntactic and morphological information in the delimitation of adjectives as a lexical category. They also reveal that the semantic properties of derivation affixes forming adjectives are already available by the age of two. Keywords: language acquisition; adjective; bootstrapping; lexical categories; functional categories; derivational affixes 152 Niterói, n. 30, p. 135-153, 1. sem. 2011 Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do Português Brasileiro Referências ALMEIDA, C. P. de. A identificação de nomes e adjetivos por crianças adquirindo o PB. 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Keywords: Second Language Acquisition, Language contact, Spanish. Relexification. Gragoatá Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 Gragoatá Paulo Antonio Pinheiro Correa Introduction This paper discusses a case of relexification (MUYSKEN, 1981; LEFEBVRE, 1997) in nonnative Spanish spoken by Brazilians, concentrating on the expression of punctual change of state (henceforth COS) in this system. L2 Spanish speaking Brazilians tend to Express COS in their interlanguage using adjectival passives, while in the target language COS is mainly expressed by verbal constructions, as in the examples below: (1) Spanish: Ana se enojó con Juan por el retraso. ‘Ana got angry at Juan for his delay.’ (2) Interlanguage: Ana se quedó enojada con Juan por el retraso “Ana got angry at John for his delay.” Besides that, interlanguage exhibits another property that differentiates it further from the goal language: when using predicative constructions (adjectival passives) for expressing COS and change of property Brazilians tend to use a sole wild-card pseudo-copular verb (quedar(se) as in example [2]) instead of using one of the several case-specific options available in the goal language. This paper will address specifically the expression of COS in this interlanguage, regarding the use of quedar(se) as a case of relexification. The study, based on Full Transfer Full Access Hypothesis (SCHWARTZ & SPROUSE, 1994) shows that relexification, differently from Schwartz and Sprouse’s hypothesis’ predictions, applies until the individuals’ interlanguages reach their steady state, revealing a permanent failure in the acquisition process of these constructions by Brazilians with a formal instruction in Spanish. This leads to consider the existence of circumstances where the predictions of that hypothesis on SLA do not apply. The situation analyzed here, involving typologically related languages such as Portuguese and Spanish, may be one of those. The paper is divided as follows: the first section presents the theoretical underpinnings of this research. Next section discusses COS in the framework of lexical semantics and how this notion is expressed in Spanish. The last one presents interlanguage COS constructions and the discussion of the results. 1. Theoretical underpinnings 1.1. Full Transfer Full Access and SLA Schwartz and Sprouse’s (1994) Full Transfer Full Access Hypothesis (henceforth, FTFA) on interlanguage genesis and development, states that the way adult learners acquire a second language 156 Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition is a two-step process, full transfer, when interlanguage exhibits the properties of the learners’ L1 and full access, when interlanguage gradually reset its parameters towards a convergence with the target language. According to it, in the first step, full transfer the whole grammar (its parameters/formal features together with the corresponding values1 but the phonological matrices) is transferred to the individual’s cognition thus forming the initial state interlanguage which combines these features with the L2 phonology features, forming a device that allows the individuals to begin to access and process the L2 input they are exposed to. Nevertheless this is the first moment of the process, according to FTFA hypothesis. Some changes will eventually happen in this system as the amount of exposure to L2 data increases. Across interlanguage development it is expected that there will be plenty of moments where its properties will not be able to process L2 input data. These situations are the adequate triggers for IL restructuring. Whenever it happens, interlanguage parameters can – ideally – be reset, towards an ideal convergence with the target language, a process mediated by Universal Grammar. According to this, what allows the growth of the interlanguage are the mismatches between IL parameters/features/feature values/ feature deployment and the L2 input. The absence of such mismatches, tough, could have an inverse effect, not allowing the learner’s system to grow. 1.2. Relexification According to modern research on SLA, based on the Minimalist Program, besides parameters, other elements featured in the architecture of g rammar, such as features, feature values or feature deployment could be transferred and conform the properties of initial state interlanguage. Whenever we say ‘parameters’ in this paper we mean all these properties. 1 Lefebvre (1997), based on Muysken’s (1981) definition of relexification defines it as a mental process creating lexical entries by copying lexical entries from a preexisting lexicon changing its phonological representations for ones derived from the other language. It is a generative, UG-based concept for explaining properties of creole languages and it is a semantic-driven process. According to this, as Couto (2002) observes, in a creole language resulting from a language contact situation exhibiting this process, some of its lexical entries will have semantic and syntactic properties of the substrate language (L1) and a phonological representation derived from the lexifier language, the L2, due to a partially shared semantics. Lefebvre (2008) represents schematically this idea as follows: Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 157 Gragoatá Paulo Antonio Pinheiro Correa Figure 1: relexification process adapted from Muysken (1981) in Lefebvre (2008). She exemplifies this process with the case of the lexical item HC-/ansansinen/ from her analysis of Haitian Creole. This lexical entry has the semantic properties of /hù/ from Fon, the substrate language, meaning in this language “to murder” and “to mutilate” and combines them with the phonological representation close to that of the element which is perceived to share (though partially) some semantics, Fr- /asasine/, in this language meaning “to murder”, but not “to mutilate”. The new lexical entry resulting from this process is HC-/ansansinen/ meaning “to murder” and “to mutilate”. Relexification took place in a situation of insufficient access to L2 input “to perceive/learn the properties (categorical/ subcategorization etc.) of the target lexical entries” (Lefebvre 2008). Sprouse (2006) says that the first phase depicted in the FTFA hypothesis (full transfer) fits exactly in what Lefebvre (1997) defines as a relexification process, saying it is at the core of second language instinct, we can say, just as the search for morphological cues for parameters are in the core of first language instinct. He says: Full Transfer can be restated in terms of Relexification’ and that ‘Relexification is at the core of the second language instinct, accounting both for the L2 initial state and for the frequent failure of failure-driven revision to effect convergence on the target language. (Sprouse 2006:170). This observation has two consequences: it broadens the scope of the notion of relexification, assigning it a more universal scope and reduces the gap between the studies on language contact and second language acquisition by emphasizing the processes common to both linguistic situations. In the case adressed this paper, nevertheless, relexification, which, according to Sprouse (2006) and the FTFA hypothesis would be a transitional phase in the acquisition process, does not progress towards convergence with the target language, since in most of the subjects tested, IL representation of COS does not 158 Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition suffer any change along the development of IL (interlanguage does not seem to grow in this aspect) keeping the same from the initial levels up to its steady state. This suggests that the predictions of the FTFA hypothesis for some reasons may not apply in some contexts. The context being analyzed here may be one of these. Portuguese and Spanish are typologically related languages and this could be a problem for interlanguage growth in some areas of grammar. 2. Change of state constructions Spanish constructions may be predicative (adjectival passives) or verbal unaccusatives. A study from Correa (2007), based on the online Corpus de Referencia del Español Actual (CREA/RAE) shows that 89% of the data (2026 tokens from written data) were verbal unaccusatives such as in (3) below and 11% were predicative, as in example (4) below: (3) Ana se asusta con los pájaros. ‘Ana is scared at the birds.’ (4) Al saberlo me quedé fría. ‘When I knew it I got amazed.’ These results confirm the empirical observation that in Spanish systems, in general, these constructions are less frequent and marked, serving to well-defined purposes. According to Miguel and Fernández Lagunilla (2000), work, based on Pustejovsky (1991) semantic decomposition of complex predicates, COS events are understood as complex accomplishments (VENDLER, 1967). Under these assumptions every complex event is conceived in the cognition as a succession of simple events. Accordingly, COS events consist of three phases or sub-events aligned in temporal succession. The initial sub-event where the entity is about to undergo a transition but is associated to the anterior state; the middle one where the transition itself takes place and the final one where the entity is already associated to the resulting state of the change it suffered. And, according to Miguel and Fernández Lagunilla (2000) in a statement, “the speaker can decide to focus in the initial, the middle or the final phase”. This could be a simple way of accounting for the differences between adjectival passives and verbal constructions. While verbal constructions focus the change itself, adjectival passives focuses the resulting event. In the expression of COS by adjectival passives, Spanish present a variety of pseudo-copular verbs each one entailing a different semantic aspect to the construction. According to Porroche Ballesteros (1988), for expressing COS Spanish exhibits ponerse (momentous change) and quedar(se) (it assigns a duration component to the resulting state), as in the examples below (from Porroche Ballesteros 1998, 128): Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 159 Gragoatá Paulo Antonio Pinheiro Correa (5) ponerse: El cielo se ha puesto negro por un minuto. ‘The sky turned black for one minute.’ (6) quedar(se): Después de la tormenta, el cielo se ha quedado azul toda la tarde. ‘After the storm the sky kept blue for the whole afternoon’. For change of quality Spanish exhibits volverse (punctual change) and hacerse (gradual change), as below: (7) hacerse: En septiembre la situación se hizo ya difícilmente sostenible. ‘By September the situation was already almost untenable.’ (8) volverse: Uno se vuelve, no voy a decir tímido o cobarde frente a ellos, pero sí, precavido. ‘One becomes, I will not say timid or cowardly in front of them, but, wary.’ In a semantic-centered approach such as Levin & Rappaport Hovav (1995) lexical semantic templates, Spanish specifies the possible semantic notions featured in the semantic primitive BECOME and specifies them associating each feature to a different lexical item. As Porroche Ballesteros (1988, p.127) states: In Spanish there is not a verb corresponding exactly to French devenir, to Italian diventare, to German warden or to English become. Nevertheless Spanish, as most of languages, has a number of procedures (lexical, morphological and syntactic) to express the notion of change2. Some of the resources referred by Porroche are the several pseudo-copular verbs used in Spanish. When it comes to COS predicative constructions, what distinguishes quedar(se) and ponerse is the grammatical aspect associated to each of them. Ponerse constructions do not allow a duration complement: From the original in Spanish: “En español no existe un verbo que corresponda de un modo e x ac to a l d e ve nir francés, al diventare italiano, al werden alemán o al become inglés. Sin embargo, el español, como la mayor parte de l a s le ng u a s, d i s pone de distintos procedimientos léxicos, morfológicos y sintácticos) para expresar la noción de cambio.” 2 160 (9) Ana se puso enferma los tres días que se siguieron a la junta. ‘Ana got sick for three days after the reunion.’ This construction is agrammatical for a permansive reading. It is acceptable only with an iterative reading, since it is interpreted as a punctual COS. Ponerse only shows compatibility with inchoative aspect (next three examples are from BYBEE & EDDINGTON, 2006): (10) De repente se pone furiosa porque he mirado dos veces a una persona. ‘All of a sudden she gets furious because I looked at someone twice.’ Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition Quedar(se), in turn, shows compatibility with a permansive reading: (11) Se quedó soltera por falta de padre o de hermano. ‘She became a spinster for lack of father or brother.’ And allows also an inchoative reading (although there is always a durative aspect that may not be textually expressed): (12) Al voltearlo con la puntera de la bota para alumbrarle la cara, el capitán se quedó perplejo. “Upon turning him over with the tip of his boot in order to shine some light on his face the captain became perplexed.” Accordingly, ponerse is specified for a inchoative reading (alternating with the verbal unaccusative, with the difference that while the former focuses on the resulting state, the latter focuses on the event of change) and quedar(se) carries the feature [+permansive], assigning it to the resulting state in the construction. 3. Analysis and discussion of interlanguage data The results of a study of COS constructions in the interlanguage of Brazilians nonnative speakers of Spanish (CORREA, 2007) show two characteristics of this system: Differently from Spanish COS constructions are predominantly predicative and b) these predicative constructions exhibit a sole pseudo-copular verb, IL-quedar(se) accounting for the meanings of both quedar(se) and ponerse from Spanish. In a production test, a psycholinguistic questionnaire, subjects (n=17) had to fill the gaps with the appropriate Spanish version for a Portuguese sentence exhibited to the group in the Data Show. From a total of 24 sentences, 8 were experimental. The results were that 64% of the subjects filled the forms with predicative quedar(se) constructions, when it was expected that 100% of the experimental questions were answered as verbal. This tendency was further corroborated in a recognition test, the experimental group, consisting of another group of Brazilians non-native speakers of Spanish (n=17) should perform a scalar grammaticality judgment, ranging from (-2) (completely unacceptable) to (+2) (totally acceptable). There were 48 sentences and 16 of them were experimental. The result was that most individuals judged as acceptable/totally acceptable sentences that were judged as unacceptable by the ones of the control group, consisting of 9 native speakers of Spanish, from Buenos Aires, Argentina. Examples below show constructions rejected by the control group and accepted by the experimental group: Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 161 Gragoatá Paulo Antonio Pinheiro Correa (13)Es muy celosa. Siempre que el móvil de su marido está sin servicio se queda desesperada. “She is very jealous. She gets desperate whenever her husband’s cell phone of out of service.’ (14)Cuando empieza el ruido, la jefa se queda con dolor de cabeza. “When the noise begins the boss gets a headache.” (15)Cuando hay reunión, Sergio se queda preocupado con todos los asuntos que se discuten. “When there is a reunion Sergio gets worried about all the subjects discussed.” These constructions were rejected by the control group for not being verbal. Nonetheless their acceptance by Brazilians show that the interlanguage pseudo-copular verb quedar(se) has divergent properties from its Spanish counterpart. An analysis of the properties and distribution of L1 ficar in Brazilian Portuguese, L1 system of the subjects, shows that this pseudo-copular verb has a wide range, acting as a wild-card verb, since it is compatible in meaning with three out of four Spanish pseudo-copular discussed above (which are not interchangeable between them): Pseudo-copular verb Punctual chamge of state B portuguese : Ficar � Spanish: Quedar(se) Spanish: Ponerse Permansive chamge of state Punctual chamge Gradual chamge of property of property � � � � � Spanish: Hacerse Spanish: Volverse � Table 1: comparison of properties of pseudo-copular verbs in Brazilian Portuguese and Spanish For expressing gradual change of quality Brazilian Portuguese e x h i b it s “v i r a r ”, a s well as for some cases of punctual change of property. 3 162 As in the table above, while in Spanish, each of the four pseudo-copular verbs fits in a specific situation, in Brazilian Portuguese the pseudo-copular verb ficar is used to express the same meanings associated to three of their Spanish counterparts, namely, quedar(se), ponerse (change of state) and some cases of volverse (change of property)3. In a study comparing the uses of pseudo-copular verbs in Brazilian Portuguese and Spanish, Andrade (2002) analyzed a translation of Colombian writer Gabriel García Márquez novel Cien Años de Soledad into Brazilian Portuguese (here indicated as BP). He found correspondences for ficar for each of the four Spanish pseudo-copular verbs discussed, as in the examples below, taken from that study: Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition (16)SP.: Cuando despertaron con el sol ya alto, quedaron pasmados de fascinación. BP: Quando acordaram, já com o sol alto, ficaram pasmos de fascinação. “When they woke up, the sun high in the sky they got amazed of fascination.” (17) SP.: La vegetación fue cada vez más insidiosa y se hicieron cada vez más lejanos los gritos de los pájaros y la bullaranga de los monos, y el mundo se volvió triste para siempre. BP: A vegetação se fez cada vez mais insidiosa e ficaram cada vez mais longínquos os gritos dos pássaros e a algazarra dos macacos, e o mundo ficou triste para sempre. “The vegetation became increasingly insidious and the cries of birds and the uproar of the monkeys were far, and the world was sad forever.” (18) Sp: Don Apolinar Moscote se puso pálido. BP: O senhor Apolinar Moscote ficou pálido. Observe that we are not talking about the lexical expression of this semantic primitive in cases of change of property. 4 “Mr. Apolinar Moscote became pale.” Examples show that besides quedar(se), ponerse and volverse (the later in some cases), Andrade (2002) found a case where even hacerse (not easily corresponding to ficar) could be translated to this pseudo-copular verb in Brazilian Portuguese. Turning back to interlanguage, IL-quedar(se) exhibits properties common to Brazilian Portuguese ficar. Because of this, is not to be confused with L2 Spanish quedarse, the reason is that although they have some features in common, IL-quedarse constructions seem to reproduce the aspectual properties and syntactic distribution of BP ficar adjectival passives. It is a hybrid element, corresponding to a merge of semantico-syntactic features from the unique pseudo-copular verb of the receding language/L1 (in this case, BP) for expressing COS, and the phonological representation of the pseudo-copular verb bearing the widest distribution in Spanish, quedar(se). In terms of lexical semantics, it could be said that apparently in vernacular Brazilian Portuguese the semantic primitive BECOME for expressing COS4 has a sole corresponding lexical output, ficar and, differently from Spanish, it is underspecified for the different aspectual notions the different pseudo-copular verbs entail in that language. So, at first sight, this case could fit in the prediction of FTFA which states that at the first stages of interlanguage it corresponds to a transfer of properties from the speaker’s L1. But what if in- Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 163 Gragoatá Paulo Antonio Pinheiro Correa terlanguage doesn’t grow? Could we still be talking about FTFA? If it is systematic in several other aspects of this interlanguage grammar this is a more precise situation than the argument of “insufficient input” can account. We argue that this case can be better understood as a case of relexification. Since data are from steady state interlanguage, they do not show a progress through a full transfer phase towards a full access phase. Instead, they show that the use of a unique wild-card pseudo-copular verb for expressing notions that in Spanish are expressed by two different elements did not change along interlanguage development and the way speakers build COS constructions keeps the same until steady state. Further evidence comes from other domains of ficar in the L1 that are also domains of IL-quedarse in the interlanguage system. In Spanish, as it was shown, non gradual change of property is often expressed by volverse, another pseudo-copular verb, in this case opposed to hacerse (entailing a gradual change). Even in this case, IL speakers use IL-quedar(se), since this kind of change is also expressed by ficar in the speakers’ L1. Gonçalves (2005) shows that ambiguous input lead to an (unconscious) false feeling that L2 input may be successfully processed by the L1 rules and features – corresponding to IL initial state – in the learner’s cognition. The context of typological proximity between L1 ad L2 as in the case of Brazilian Portuguese and Spanish is plenty of ambiguous input due to the apparent similarity between the two systems. The false feeling of being adequately accounting Spanish input could be a real obstacle to a possible reset of interlanguage properties. Instead, the picture could be another one: a relexification process in its own right, where the Spanish lexical item quedarse supplies only its phonological representation to the lexical entry, since the latter exhibits the distribution and selectional properties and the various meanings associated to the supposed corresponding element from the L1. Since there is a permanent false sensation of accounting the L2 input, there is no reason for a parameter/feature value resetting and this becomes a permanent feature of this interlanguage. 4. Conclusions Despite having been exposed to Spanish input for several years, the steady state interlanguage of Spanish speaking Brazilians differs from the target language in several points. Several researchers in Brazil have shown some of these discrepancies, namely: this interlanguage is plenty of null objects (GONZÁLEZ, 1994), there is a preference for participle passives instead of pronominal ones (ARAÚJO JR., 2007) and the means to express change of state differs radically from the target language (COR- 164 Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 Relexification scope and the limits of Full Transfer Full Access Hypothesis in Second Language Acquisition Some Bra zi lia n s non-n at ive spea kers of Spanish do show a capability of using adequately the variety of pseudo-copular verbs in Spanish (mostly in written texts, but not only), what apparently seems a convergence with the target language in this aspect. A closer examination, though, suggests that the ways it is obtained are different from native speakers, since it is obtained th rough a con scious effort and as apparent high processing load. These observations are reflected in the quality of the data, showing characteristics of a incomplete or inconsistent acquisition, such as optionality, indecisions and self-corrections, among others. 6 From the original in Spanish: “El problema de interpretación que se nos presenta a los nativos es el de no saber exactamente cuál es la fase subeventiva que enfoca el hablante de portugués brasileño. El tema crucial, según mi opinión, es que el uso excluyente de quedar(se) en contextos de transición y cambio, nos lleva a interpretarlo con su valor de ‘permanencia en un estado’, de ahí su falta de aceptabilidad en español.” 5 REA, 2007). These observations lead to a stable characterization of this interlanguage as a particular system. The observation that Spanish interlanguage of Brazilians present several syntactic characteristics not attested in the target language allows it to be regarded as an autonomous means of communication and the permanence of these characteristics leads to questioning the reach of FTFA. This paper studies a case where the way a content is expressed tends to be always the same, clearly not progressing to surpass the full transfer phase. This may suggest that in some contexts, e.g. typologically close languages such as Portuguese and Spanish some mechanism blocks the possibility of a real acquisition. Learners seem not to be able to recognize that the several aspectual notions associated to the semantic primitive BECOME should be lexically implemented because there are not previous places for it. Alternatively, this kind of implementation could not be available in adult second language acquisition5. This could be the case, since most of these nonnative speakers – besides preferring to use a predicative construction where it was supposed to be verbal, thus focusing a different sub-event from the one focused in the target language – blur the aspectual subtleties of the events referred, by using a unique relexified pseudo-copular verb in their utterances. This leads to many misunderstandings, as Lieberman (2006) shows, commenting the construction “mi hijo se va a quedar enojado” from a Brazilian student of Spanish in Buenos Aires. She says: The interpretive problem for us native speakers is that we don’t know exactly which sub-eventive phase the Brazilian Portuguese speaker is focusing. In my opinion it is crucial that the exclusive use of quedarse in contexts of transition and change leads us to assign a value of “permanence in a state” to the construction, from which derives its unacceptability in Spanish.6 When using IL-quedar(se) (that are understood as marked constructions in the target language), Brazilians inadvertently assign their sentences an extra aspectual element, producing misunderstandings or even unintelligible utterances because lexical entry is a completely new element to Spanish system. Niterói, n. 30, p. 155-167, 1. sem. 2011 Resumo Este artigo analisa o caso de quedar(se), pseudo-cópula típica da interlíngua de brasileiros falantes de espanhol nãonativo. Essa entrada lexical combina propriedades sintáticas e semânticas do seu elemento correspondente em Português Brasileiro, a L1 dos falantes, e a represen165 Gragoatá Paulo Antonio Pinheiro Correa tação fonológica da suposta contraparte do Espanhol. Este elemento mantém-se na interlíngua até o seu estágio estável e é analisado aqui como um caso de relexificação (LEFEBVRE 1997), um processo universal presente em várias situações de contato lingüístico, entre elas, Aquisição de Segunda Língua. Palavras-Chave: Aquisição de Segunda língua; Contato Lingüístico; Espanhol, Relexificação. References ANDRADE, Otávio G. de. Matizes do verbo português ficar seus equivalentes em espanhol. Londrina: Eduel, 2002. ARAÚJO JR., Benivaldo. As passivas na produção escrita de brasileiros aprendizes de espanhol como língua estrangeira. M.A. Dissertation, Universidade de São Paulo, 2007. BYBEE, Joan & Dave EDDINGTON. A usage based approach to Spanish verbs of “becoming”. Language 83.1, 2006. CORREA, Paulo. A expressão da mudança de estado na interlingua de brasileiros aprendizes de espanhol. Doctoral Dissertation, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. COUTO, Hildo H. do. Hipótese da relexificação na gênese dos crioulos e pidgins. 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La pregunta principal del texto es si los niños españoles producen inicialmente las construcciones inexistentes en la variedad europea adulta y enseguida las pierden o si esos niños nunca producen esas construcciones. Se analizaron 18 niños entre 2 y 10 años de edad (2 niños para cada franja de edad) a partir del corpus CHILDES. Los dados mostraron que los niños producen construcciones inexistentes en la gramática adulta, siendo que una de esas construcciones sólo aparece en el niño de 3 años y la otra permanece en todas las edades. La interpretación de los datos es la de que no hay, en principio, un problema de adquisición del lenguaje, pero variación en el español ya que se encuentran las construcciones consideradas inexistentes en diversos estudios en el habla de los adultos en la interacción con los niños. Palabras-clave: Escisión; variación del español; sintaxis del español europeo. Gragoatá Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 Gragoatá Carlos Felipe da Conceição Pinto Introducción1 Agradezco muchísimo a Ruth Lopes, a Mary Kato y a Sergio Menuzzi por los co mentaintentado hacer todas las correcciones que me han sugerido. Sin embargo, todos los errores y problemas que persistan son de mi total responsabilidad. 2 El español de España también presenta ese tipo de construcción. 3 El texto de Pagotto (1998) discute el cambio en la norma culta brasileña en el siglo XIX a partir del cambio por el que pasó el portugués europeo en este período. Sin embargo, se puede llevar la idea central de Pagotto (1998) a casos de otras lenguas, principalmente al caso del espa ñol, u na leng ua ta n semejante y cercana geográficamente, con historia parecida y con centro legislador (la RAE) muy fuerte. 4 Di Tullio (1999, p. 6), al analizar las hendidas dice: La sanción que ha recaído sobre esta forma a partir de Bello (“crudo galicismo, con que se saborean algunos escritores sur-americanos”, párrafo 812) desconoce su extensión panrománica, así como sus antecedentes estrictamente h ispá n icos. Lejos de toda intención de polemizar en el terreno de la normativa, podemos explicar su aparición y extensión, sin apelar al préstamo -retomando la interesante observación de Ped ro Hen r íquez Ureña de que su uso no aparecer restringido a sectores que mantenían un contacto asiduo con el francés. A partir de ese fragmento, se puede imaginar que ya en el siglo XIX estas con st rucciones sonaban raras al patrón lingüístico europeo, lo que sugiere que el cambio ocurrió entre los siglos XVII y XVIII. 1 170 Diversos estudios recientes vienen mostrando que la escisión no se presenta uniformemente en todo el mundo hispánico. Por ejemplo, Moreno Cabrera (1999), Di Tullio (2005) y Pinto (2008) muestran que el español peninsular sólo presenta las llamadas construcciones seudo-hendidas (wh-cleft) como se ilustra en (2). Por otro lado, algunas variedades del español americano presentan, además de las seudo-hendidas, las hendidas (it-clef) como se ilustra en (3) y las seudo-hendidas reducidas como en (4). Oración neutra (1) Todos hablan de María. (no-marcada) De quien todos hablan es DE MARÍA Seudo-hendida Básica (SB) b. DE MARÍA es de quien todos hablan. Seudo-hendida Inversa (SI) c. Es DE MARÍA de quien todos hablan. Seudo-hendida Extrapuesta (SE) Hendida Básica (HB) (2) a. (3) a. Es DE MARÍA que todos hablan. (4) b. DE MARÍA es que todos hablan. Hendida Inversa (HI) c. DE MARÍA que todos hablan2. Hendida sin cópula (HSC) Todos hablan es DE MARÍA. Seudo-hendida Reducida (SR) En este trabajo, pretendo mostrar cómo los niños adquieren las construcciones de escisión en el español europeo. Teniendo en cuenta que el español peninsular es la variedad que presenta menos construcciones de escisión y el hecho de que diversos estudios sobre la adquisición del lenguaje muestran que los niños producen construcciones inexistentes en las gramáticas de las generaciones adultas, la pregunta que hago es si los niños europeos producen las construcciones de escisión ilustradas en (3) y enseguida las pierden o si nunca adquieren tales construcciones. Moreno Cabrera (1999) señala, a partir de ejemplos de Lope de Vega, que las construcciones en (3) eran posibles en el español de los Siglos de Oro (siglos XVI y XVII). Siguiendo la línea de pensamiento de Pagotto (1998)3, de que la norma culta también puede provocar innovaciones (al contrario de lo que se piensa siempre, que es la norma popular la que innova), se puede suponer que el español peninsular culto sufrió cambios lingüísticos4 mientras que la norma popular (que no está descrita Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 La adquisición de la escisión en el español peninsular adecuadamente) conserva características de tiempos pasados5 y, por esa razón, los niños podrían presentar tales construcciones que no aparecen en el español europeo adulto culto, ya que la norma popular es la que les sirve de input a esos niños. 1. La escisión 1.1. Definición Modesto (2001, p. 21) define la escisión como: (5) As construções clivadas são sentenças especificacionais em que um movimento A-barra dispara leituras características de contraste, exclusividade e exaustividade. De esta manera, una oración como la de (6) tendrá dos lecturas semánticas posibles, como se ilustra en (7) y (8): (6) La que ha venido ha sido mi mujer. (MORENO CABRERA, 1999, p. 4291) (7) Lectura especificacional: Mi mujer ha venido. (8) Lectura predicacional: La mujer que ha venido ya no es mi mujer. Sólo las construcciones que tengan la lectura del ejemplo (7) pueden considerarse construcciones de escisión, teniendo en cuenta que el valor de verdad de una construcción de escisión debe ser equivalente al valor de verdad de una oración no-marcada, como ilustrado en los ejemplos (1-4). partir de la definición en (5), Modesto (2001) hace una redefinición de lo que son construcciones de escisión. Por ejemplo, al considerar oraciones como (9) A Suzanita é quem quer casar. (MODESTO, 2001, p. 21) (10) A conta pago eu. (MODESTO, 2001, p. 22) En este sentido, una posibilidad es la de que la variedad innovadora no sea el español caribeño, por ejemplo, pero propio el español europeo. Por otro lado, se puede suponer que las construcciones de escisión del español caribeño de hoy sean posibles por motivos diferentes de las construcciones del español europeo de los Siglos de Oro. 6 Para Modesto (2001), la interpretación de (9) es “A Suzanita é a casadoira”. 5 Modesto (2001) saca (9) del grupo de las construcciones de escisión porque no tiene la lectura característica6 aunque superficialmente se parece a una hendida e incluye (10) en el grupo de las construcciones de escisión porque, aunque no tiene la estructura con SER X QUE, dispara un movimiento A-Barra y tiene la interpretación característica de la escisión. Sin embargo, sólo considero como construcción de escisión aquellas construcciones que tengan, a la vez, una estructura sintáctica y una interpretación semántica específica de escisión. Por lo tanto, ni (9) ni (10), en mi análisis, son construcciones de escisión. Un segundo punto que hay que poner de relieve es la distinción que Modesto (2001) hace entre hendidas y seudo-hendidas, que, en su opinión, no presentan la misma estructura aunque Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 171 Gragoatá Carlos Felipe da Conceição Pinto tengan lecturas semánticas idénticas. Las construcciones hendidas se constituyen de dos oraciones bipartidas cada cual con su verbo; por otro lado, las construcciones seudo-hendidas se constituyen de una oración copulativa en la que una oración relativa libre ocupa la posición de predicado, que selecciona un sujeto que satisface el valor de la variable de la relativa libre. En ambas construcciones se propone la siguiente estructura: (11) La diferencia entre las dos, en otras palabras, es que, en la hendida, el VP selecciona una oración completa e independiente (CP); ya en la seudo-hendida, el VP selecciona una oración pequeña, que sólo se constituye oración si contiene la cópula. 1.2. Los usos discursivos Aunque las oraciones en (12a) y (12b) a continuación tengan la misma estructura sintáctica y semántica, la diferencia entre ellas estriba en lo que el hablante asume como información nueva e información conocida en el discurso: (12) a. Hoy por la mañana él se levantó tarde. b. Él se levantó tarde hoy por la mañana. Zubizarreta (1998) define la noción de foco a partir de la noción de presuposición: el foco es la parte no-presupuesta y la presuposición es la información compartida por el hablante y el oyente en el momento en que se emite un discurso dado. En relación con el tipo semántico del foco, Zubizarreta (1998, 1999) propone una distinción entre foco informativo por un lado y foco contrastivo y enfático por otro. El foco informativo es el elemento que atribuye un valor a una variable a través como en (13): (13) A: ¿Quién comió el pastel? B: El pastel, lo comió Juan. Por otro lado, el foco contrastivo va a negar una aserción previa y hace una nueva aserción; y el foco enfático va a confirmar una aserción previa. Zubizarreta (1998, 1999) considera el foco contrastivo y el foco enfático estructuralmente idénticos. El ejemplo (14a) indica un foco contrastivo y el ejemplo (14b) ilustra el foco enfático. (14) a. b. 172 Hablante 1: ¿Quieres este libro? Hablante 2: No... Quiero EL OTRO. Hablante 1: ¿Quieres este libro? Hablante 2: Sí... Quiero ESE MISMO. Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 La adquisición de la escisión en el español peninsular Hernanz y Brucart (1987) y Zubizar reta (1998) asumen que el orden básico de palabras en español es SVO. Así, una oración como “Juan comió la manzana” responde a una pregunta “¿Qué comió Juan?” o “¿Qué pasó?”. En el primer caso, el sintagma “la manzana” está en la posición más encajada y puede recibir el acento nuclear neutro. En el segundo caso, toda la oración “Juan comió la manzana” expresa el foco informativo. Por otro lado, la oración en discusión no puede responder (en la mayoría de las variedades del español actual) a una pregunta como “¿Quién comió la manzana?”. En este caso, como el foco es el sujeto, que ocupa genera l mente una posición preverbal, el español tiene que realizar un movimiento motivado prosodicamente (p-movement) a fin de que el sujeto esté en la posición más encajada. 8 Tr a d u c c i ó n m í a de “B o t h Eu r o p e a n Spa n ish a nd Amer ica n Spa n ish possess pseudoclefts, yet only American Spanish has real clefts, which are unacceptable for normative grammars”. 9 Observar que Pinto (2008) no analiza la (3c) como una hendida. A lo mejor, la analiza como una construcción focal no hendida en la que el XP [+foco] se mueve para SpecCP y el elemento “que” está realizado en el núcleo Cº, lo que no plantea problemas al análisis de que el español peninsular no posee las verdaderas hendidas. Como adoptamos un análisis cartográfico, el CP incluye diversas posiciones, entre ellas Fo cP, pa ra donde el elemento focalizado se mueve. Para simplificar la representación, sin embargo, adoptamos CP como sinónimo de FocP.. 7 Zubizarreta (1998, 1999) dice que, en muchas lenguas, la prominencia prosódica juega un papel fundamental en la identificación del foco y distingue dos tipos de acentos nucleares: el acento nuclear neutro y el acento nuclear enfático o contrastivo y dice que, en español, el acento nuclear neutro se pone en la palabra o constituyente más encajado del grupo melódico: (15) El gato se comió un ratón. (ZUBIZARRETA, 1999, p. 4229) Sin embargo, si se pone el acento nuclear en otra posición, que no la última palabra o constituyente del grupo melódico, se tendrá una interpretación enfática o contrastiva: (16) El gato comió un ratón. (ZUBIZARRETA, 1999, p. 4229) Así, como el español requiere que el acento nuclear neutro, el que identifica el foco informativo, esté en la posición más encajada, conforme las reglas prosódicas propuestas por Zubizarreta (1998), la prosodia implicará alteraciones sintácticas con la finalidad de satisfacer dicho requerimiento, cuando se quiera responder a una pregunta como “¿Quién comió el pastel?”7. 1.3. La variación de la escisión en el español actual Como comenté en la introducción, la distribución de las construcciones de escisión no es uniforme en todo el mundo hispánico. Moreno Cabrera (1999) y Di Tullio (2005) dicen que (3a) y (3b) son exclusivas del español americano. Di Tullio (2005, p. 5) dice que “[a]mbos, el español europeo y el español americano poseen las seudo-hendidas. Hasta el momento, sólo el español americano tiene las reales hendidas, que son rechazadas por los gramáticos normativos”8. Respecto de (4) los autores muestran que son específicas del español del Caribe. En Pinto (2008) estudié las estrategias de focalización en cuatro variedades del español (México, Argentina, España y Cuba) y muestra que: a) las hendidas, como ilustradas en (3) son posibles en Argentina y Cuba; b) no registra casos de SR, como en (4) en el corpus que analizó; c) (3c) es posible en México y España9. Por otro lado, en Pinto (2008, 2010) analizo ambas construcciones en (2c) y (3a) como hendidas básicas, con la misma estructura. Propongo que haya alguna diferencia en los rasgos de foco del CP subordinado entre el español europeo y algunas variedades del español de América. La propuesta general es la de que hay un rasgo [± concordancia] entre el especificador y el núcleo de CP, en el sentido de Rizzi (1991), que es lo que distingue las lenguas humanas en lo tocante a la variación entre las hendidas básicas y las seudo-hendidas extrapuestas. Así, cuando el XP[+foco] se mueve de su posición inicial dentro de IP para SpecCP puede desencadenar o no concordancia con el núcleo Cº. Cuando hay concordancia, se deriva una seudo-hendida extrapuesta; cuando no hay concordancia, se deriva una hendida básica. Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 173 Gragoatá Carlos Felipe da Conceição Pinto Si hay evidencias para analizar (2c) como una verdadera hendida, cuya estructura es idéntica a (3a), tal análisis pone un problema a la hipótesis de que el español peninsular no tiene las verdaderas hendidas si se consideran las hendidas inversas como en (3b)10. Sin embargo, si considera el trabajo de Kato y Ribeiro (2009), quienes proponen que la hendida inversa no deriva de la hendida básica. Es decir, aunque se analice la construcción en (2c) como una verdadera hendida con concordancia dinámica en el núcleo Cº, el problema de que el español europeo tenga ese tipo de construcción pero no tenga construcciones como (3b) queda resuelto porque (2c) y (3b), aunque hendidas, no tienen la misma derivación. Además, en (3b), el CP subordinado tiene el rasgo [-foco], por ende, la discusión del rasgo [± concordancia] no se aplica a dicha construcción, ya que tal rasgo sólo estaría presente en un CP[+foco]. El punto central, no seria la diferencia estructural entre (2c) y (3a), sino alguna variación en los rasgos de concordancia en el núcleo Cº. En síntesis, el problema teórico es explicar por qué el español europeo sólo tiene las hendidas con concordancia. En términos discursivos, en Pinto (2008) mostré que las únicas construcciones que pueden ser utilizadas en un contexto de foco informativo son las SB. Camacho (2006) dice que las SR también son posibles en el caso de foco informativo. Las demás construcciones sólo son posibles en caso de foco contrastivo o enfático. Esa restricción se debe a la regla fonológica identificada por Zubizarreta (1998), como comenté anteriormente. Sin embargo, en el español del Caribe, es posible utilizar una hendida básica (con concordancia)11 como ilustra el ejemplo (17) a continuación: (17) C.E.: ¿Y hubo alguna Institución que te apoyaba en este tipo de….? La diferencia entre la hendida básica y la hendida inversa seria la posición donde el foco termina la derivación: en la hendida básica, el foco estaria en la posición del especificador del CP subordinado y en la hendida inversa, el foco estaría en el especificador del CP matriz. 11 Ese hecho puede estar relacionado a otras propiedades del español caribeño: pérdida del pro-drop, pérdida de la inversión VS en las interrogativas etc. conforme comenta Toribio (2000). 10 174 C.M.: Si, fue la Fundación Naumann, [...] la que financió mi viaje y la que ayudó a las distintas instituciones liberales de cada uno de estos países a que a su vez organizaran la recepción y la logística del movimiento por cada uno de estos países. (PINTO, 2008, p. 87) En síntesis, considerando exclusivamente el español europeo, se encuentran las siguientes construcciones de escisión en esa variedad: las seudo-hendidas (excepto la seudo-hendida reducida), la hendida básica con concordancia, la hendida sin cópula y la hendida inversa con marcador focal sí. La hendida básica sin concordancia y la hendida inversa con cópula no se encuentran en el español europeo. 2. La adquisición de la escisión La finalidad de este artículo es presentar empíricamente cómo los niños hablantes de español europeo adquieren la esciNiterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 La adquisición de la escisión en el español peninsular Analicé 17 trascripciones de BecaCESNo. Sin embargo, como este conjunto de trascripciones solo tenia 1 trascripción de niño de 2 años, añadí 1 trascripción del conjunto de Aguirre, quien analiza a un solo niño longitudinalmente. 13 En Pinto (2008, p. 104-105) muestro que el promedio de las const rucciones de focalización es un 30% para cada estrategia (escisión, focalización in-situ y alteración del orden), lo que muestra que la escisión no es una estrategia preterida. Pero entre las estrategias de escisión, un 50% está representada por la seudo-hendida básica. Los demás 50% se dividen entre las otras 7 estrategias de escisión estudiadas. 12 sión. En términos generales, me gustaría saber cuáles construcciones son las que aparecen primero. En términos específicos, en conexión con mis trabajos anteriores (PINTO, 2008; 2010), me interesa saber cuál construcción hendida básica adquieren los niños: la hendida con concordancia o la hendida sin concordancia. No pretendo, por lo tanto, entablar una discusión teórica respecto de los procesos de adquisición del lenguaje. Por el contrario: pretendo buscar evidencias y base en los datos de los niños para el análisis que vengo proponiendo para los hechos lingüísticos de los adultos. Para esta investigación, se analizaron entrevistas disponibles en el corpus CHILDES (http://childes.psy.cmu.edu/) con niños aprendices de español peninsular entre 2 y 10 años de edad. Se analizaron transcripciones de dos archivos/investigadores (Aguirre y BecaCESNo). Se analizó un total de 18 transcripciones12, siendo 02 trascripciones para cada edad de niños diferentes. Las grabaciones se realizaron entre 1992 y 1995. En Pinto (2008) registré baja productividad de construcciones de escisión en el corpus analizado13. Por lo cual, se puede esperar que los datos de los niños también presentarán baja productividad. Como los documentos analizados son transcripciones de grabaciones de charla espontánea con los niños, no será sorprendiente que la escisión sea poco favorecida debido a la máxima de cuantidad “di lo justo”, lo que evita que se repita la presuposición. Eso fue lo que se constató: pese a la diversidad de transcripciones analizadas, en pocas se registraron construcciones de escisión. Por otro lado, ello no significa que los niños no puedan interpretarla. Testes de compresión se hacen necesarios para averiguar el momento en que los niños comienzan a procesar tales construcciones. 2.1. Niños de 2 años A los 2 años, ninguno de los dos niños presentó algún tipo de construcción de escisión. Sin embargo, un niño presentó otros tipos de construcciones de focalización: (18) a. b. MAG (Magín - 2años y 10meses) MOT: qué quieres? MAG: un tenedor . MAG: yo quiero un tenedor . MAG: mira lo que ha pintado . MAG: ha pintado un [*] corazón . Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 175 Gragoatá Carlos Felipe da Conceição Pinto c. MOT: éstas están todas escritas xxx de papá y mamá. FAM: toma una de aquí de Raúl . MAG: no . MAG: no quiero . FAM: de ésas no, Magín . MAG: ésta sí . FAM: de ésas no, Magín . MAG: ésta, ésta sí . MAG: ésa sí quiero . En los ejemplos (18a) y (18b), el niño produce una focalización in-situ. Obsérvese que se tiene un foco informativo y, como el objeto directo es el elemento naturalmente más a la derecha, puede recibir el acento nuclear neutro en su posición de acuerdo con las reglas de la gramática adulta. En (18c), el niño hace una inversión del orden, poniendo a la izquierda el elemento focalizado con el marcador focal “sí” realizado. Teniendo en cuenta que el orden canónico del español es SVO (HERNANZ y BRUCART, 1987; ZUBIZARRETA, 1999), se puede suponer que a los 2 años y 10 meses, el niño ya haya adquirido la periferia izquierda de la oración considerando ese dato en (18c). 2.2. Niños de 3 años14 A los 3 años, por su vez, aparecen varios tipos de construcción de escisión: (19) a. SER (Sergio - 3años y 4meses) TER: y eso los reyes te los han traido ? SER: no . TER: no ? SER: es una señora . TER: una señora te los ha traido ? SER: si . b. SER: TER: PAD: SER: quién está cantando por ahí ? tu padre será . Sergio ! es Tonti # que está cantando, estó [*] aquí ! c. CAR: quién te ha traido a ti los [/] los regalos ? SER: ese # es # eh # me ha dicho Sonia que es un guey [*] . CAR: si es un rey . SER: es este # el que lleva lo [*] guegalos [*] . Todos los niños sig ue n ut i l i z a ndo l a s otras construcciones de focalización y explicativas con “es que”. 14 176 Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 La adquisición de la escisión en el español peninsular La hendida truncada es una construcción de escisión en la que se borra la presuposición y se realiza únicamente la copula focalizadora y el elemento focalizado. 16 La posibilidad de inserir una oración parentética y otros tipos de elementos entre el foco y el complementador lleva a Ribeiro (2009) a postular que la relación entre foco y complementador no es una relación Spec-Head. Para Ribeiro (2009) el complementador estaría en una posición más baja, como FinP. 15 d. TER: SER: CAR: SER: SER: no la has visto ? si . te gusta ? si . es [/] es lo que más me usta [*] # juntalo [*]. e. CLA (Clara - 3años y 7meses) CRI: esto qué es ? CLA: la carrosa [*] . CRI: la carroza ? CRI: pero esto no está montado, o sí ? CRI: ah ! CRI: que aquí va el caballo, así ? CLA: sí # lo que pasa es que está pega(d)o . En (19a), la entrevistadora le pregunta al niño si fueron los reyes magos los que le dieron el cinturón. El niño niega y dice que se lo dio una señora. El tipo de construcción que utiliza es una hendida truncada15, que tiene la misma estructura que la hendida básica cuya parte presupuesta está apagada. Ese hecho puede ser comprobado por el mismo niño de tres años cuando produce en (19b) una hendida básica. En (19b), se registra el caso de una construcción hendida sin concordancia, construcción que es agramatical en la gramática adulta del español europeo de acuerdo com Moreno Cabrera (1999), por ejemplo. La pausa que aparece entre el foco y el complementizador no niega que sea una hendida básica sin concordancia porque es perfectamente posible inserir una oración parentética en ese ambiente; por ejemplo, “es Tonti, según María, quien está cantando”16. En el ejemplo (19c), pasa lo mismo que en el ejemplo (19b) a diferencia de que el niño produce una hendida con concordancia. En (19d), el niño produce una construcción anómala, en la que pone el foco a la derecha de la oración. Sin embargo, vale la pena observar la falta de concordancia temporal en la cópula especialmente en el ejemplo (19a). En todos los tres ejemplos, la cópula permanece en el tiempo presente, que es considerado el tiempo no marcado por defecto. En (19e), la niña produce una seudo-hendida básica para responder a una pregunta sobre el estado de la carroza. 2.3. Niños de 4 años Los niños de 4 años presentaron dos tipos de construcción de escisión, la seudo-hendida truncada, ilustrada en (20a), y la seudo-hendida básica, ilustrada en (20b): Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 177 Gragoatá Carlos Felipe da Conceição Pinto (20) a. JOR (Jorge - 4años y 4meses) JUA: ala # que asco, con mostaza ! DAV: te da asco la mostaza ? JUA: a mi no me gusta . JOR: a mi me apesta ## espero que no tenga lechuga . DAV: mira que sois guarros # macho . JOR: es Juan . b. GAB (Gabriel - 4años y 4meses) DAV: que yo no la he visto . GAB: eh ? DAV: yo no he visto la película ? GAB: pues # mira # lo que ha pasa(d)o # <es que> [/] es que hay xxx . 2.4. Niños de 5 años A los 5 años, los niños producen algunas construcciones de escisión: 178 (21) a. CAR (Carmen - 5años y 7meses) EST: si # cuentame el cuento . CAR: cual ? CAR: de aladino o +//. EST: el de Aladino # es que yo no he visto la película . CAR: es así como muy varia # ados [?] largo . EST: es muy largo ? CAR: y todas las cosas y Aladino no me las sé pero # las repaso # lo que sí me sé es media canción . b. PAT (Patrícia - 5años y 8meses) AUN: y eso(s) carrito(s) habia que paga(r) a que sí para montar ? PAT: no, no había que pagar . AUN: no ? PAT: lo que pasa (es) que habia una cola # y mira hemos montado en un tren que corría muchísimo muchísimo muchísimo... c. PAT: (cantando la canción) AUN: esta muy bien ! PAT: asi es como me la ha enseña(d)o una amiga mia pero dice Reme(dios) que es así +”/. Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 La adquisición de la escisión en el español peninsular En (21a) y (21b), ellas producen una seudo-hendida básica. También se encuentra un ejemplo de seudo-hendida invertida, como ilustrado en (21c). 2.5. Niños de 6 años Una niña de 6 años produjo algunas construcciones de escisión17: (22) a. SAN (Sandra - 6años y 6meses) SAN: además que una niña # sería su padre el que repartía los premios # porque ella se salió del dibujo y encima le dan un premio . b. SAN: ay # no lo pongas ahí # que es donde tengo que echar esto ! c. SAN: yo le digo a mi madre que él sí que se tiene que cortar el pelo . d. RAQ: SAN: RAQ: SAN: y no te gusta Emilio Aragón ? sí . también # y Lidia ? mi madre sí que la ha visto . En (22a), la niña produce una hendida básica con concordancia o seudo-hendida extrapuesta. En (22b), la niña produce una seudo-hendida invertida, cuyo elemento focalizado es un pronombre relativo. En (22c) y (22d), la niña produce una hendida invertida con la partícula “sí” en el lugar de la cópula. Es interesante observar la ocurrencia de hendidas invertidas, aunque no sean las verdaderas hendidas con la cópula, ya que Moreno Cabrera (1999) y Pinto (2008) no las registran en el español europeo adulto. 2.6. Niños de 7 años Sólo encontré dos construcciones de escisión en las niñas de 7 años, una seudo-hendida invertida (23a) y una seudo-hendida básica (23b): (23) a. En la transcripción de MAI (9 años) participa de la charla su hermano de 6 años. Y ese chico produce las mismas construcciones que las presentadas por los niños de 6 años bajo análisis. 17 PAU (Paula - 7años y 5meses) INV: es el malo de la película ? PAU: si . INV: y éste ? PAU: su padre # el padre de Yasmin . INV: es bueno ? PAU: si . PAU: esto ya es lo que te decía . Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 179 Gragoatá Carlos Felipe da Conceição Pinto b. PAU: y lo que me daba más miedo lo de las <gadriografías> [*] era que Me pinchaban en la cabeza . 2.7. Niños de 8 años18 La niñas de 8 años produjeron construcciones seudo-hendidas básicas (24a) y (24g); seudo-hendidas invertidas (24a) y (24d); hendidas básicas con concordancia (24c) y (24f); hendida invertida (24e). (24) a. Las niñas de 8 años son las que más producen construcciones de escisión. 18 180 ANA (Ana - 8años y 2meses) ANA: muchas veces se lo digo que se lo voy a decir y lo que hago es decir se lo explico muy bien y entonces ella no lo puede hacer # es la mayoría . b. ANA: éste es el que he hecho que todavía no se ha secado [= ! señalando] . c. ANA: sí # yo soy profesora de las demás # mira # como somos cinco pués yo soy una y sé escalar # y a otro que tiene miedo de las alturas le he conseguido que escalara # mira # está por ahí [= ! señalando] # hay unas tierras y por allí al fondo # y escalamos por ahí . ANA: primero soy yo la que me meto y digo # por aquí se puede andar y por aquí no se puede andar # y si no se puede andar me invento modos para andar. d. VIR (Virginia - 8años y 9meses) VIR: eso es lo que más me gusta . e. MAR: pero hace mucho que no sacan ningún disco # no # Mecano ? VIR: yo es que ahora los veo muy poco, tengo una camiseta de Mecano . MAR: es que no se les ve, nada [/] nada . VIR: yo ej [*] que ahora les veo más poco +//. (ej = es) Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 La adquisición de la escisión en el español peninsular f. VIR: por ejemplo # estamos jugando y a lo mejor soy yo la que empiezo . g. VIR: ento (nce) s a mi ya no voy a ir a volver nunca más a esa piscina . VIR: porque luego la que está bien es la del Burgo . VIR, la niña de 8 años, también produce una hendida invertida (24e), construcción que no se registra en la producción de los adultos. 2.8. Niños de 9 años Las niñas de 9 años, siguen produciendo las seudo-hendidas básicas (25a) y (25b). En estos ejemplos, las niñas producen seudo-hendidas más complejas: (25a) ilustra una seudo-hendida de una perífrasis verbal (tener que + verbo) y (25) representa una seudo-hendida con un tiempo compuesto (en general, sólo se encontraron seudo-hendidas con la cópula en el tiempo presente). En (25d), se encuentra un ejemplo de seudo-hendida invertida con pronombre relativo. En (25c) y (25e) se encuentran construcciones hendidas invertidas con el marcador focal “si” y con la cópula respectivamente: (25) a. EST (Esther - 9años y 1mes) EST: entonces lo que tienes que hacer es que la juntas y luego la dejas secar b. EST: y entonces hoy lo que hemos hecho ha sido pintarla. c. EST: entonces se van a la piscina y ven todo lo que sucede y dice la madre: tú si que serías un buen padre . d. MAI (Maria Del Carmen - 9años y 11meses) MAI: y han dicho por la tele(visión) que van a quitar # en vez de los dibujos violentos # que es lo que tenían que quitar # y las peli(cula)s violentas # van a quitar los juguetes violentos # las espadas # los cuchillos # bueno # todo eso violento # pero de juguetes # claro # y mi hermano tiene un montón así de ésos [= juguetes violentos] . Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 181 Gragoatá Carlos Felipe da Conceição Pinto e. RAQ (Raquel - 9años y 11meses. Hermana de MAI) RAQ: como mi hermana bien ha dicho antes # en el colegio se burlan mucho de las gafas y a mí eso me molesta mucho # porque yo antes llevé gafas . RAQ: me las quitaron por medio de una operación . RAQ: la operación fue que me hicieron en el ojo +//. 2.9. Niños de 10 años Por fin, las niñas de 10 años producen seudo-hendidas básicas, como ilustrado en los ejemplos (26a) y (26b), y hendidas invertidas como en (26c) y (26d): (26) a. CRI (Cristina - 10años y 2meses) CRI: yo soy una niña que me llevo muy bien con las amigas . CRI:pero lo que pasa es que hay una que no me cae bien y otras sí. b. TAM (Tâmara - 10años y 3meses) ANA: y qué es lo que más te gustó de lo que te regalaron ? TAM: pues # lo que más me gustó # fue <lo de> [/] lo del Ken porque [//] vamos en realidad me gustó todo pero lo que más más más del todo era la cinta luego el Ken y luego lo demás . c. TAM: <es que como mi familia es tan dormilona> [//] yo es que por la noche el dia de Reyes no puedo dormir . d. TAM: fuimos el día que # una oveja iba a parir y entonces pues # . TAM: y estuvimos ordeñando una vaca . TAM: yo es que al principio creía que era muy difícil , no ? TAM: pues al poner la mano y hacer así , que fácil ! TAM: me salió a la primera # ! 2.10. Algunas consideraciones sobre los datos Los datos mostraron que, a pesar de que no hayan producido construcciones de escisión, los niños de dos años han adquirido ya la periferia izquierda de la oración. La escisión comienza a aparecer 182 Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 La adquisición de la escisión en el español peninsular a partir de los 3 años de edad. Las primeras construcciones que aparecen son las tres hendidas básicas (truncada, con concordancia y sin concordancia – reacuérdese que, por el análisis de PINTO, 2008, 2010, las tres construcciones tienen la misma estructura) y la seudohendida básica. Sin embargo, la hendida básica sin concordancia sólo aparece en el corpus analizado en un niño de 3 años de edad. Se observó que las seudo-hendidas aparecen desde los niños de 3 años hasta los niños de 10 años. Los niños de 6, 8, 9 y 10 años producen construcciones hendidas invertidas. No se registró en el corpus ningún caso de hendida sin cópula ni de seudo-hendida reducida. Lo interesante es observar que, aunque una serie de estudios sobre la escisión en el español europeo (MORENO CABRERA, 1999; DI TULLIO, 2005; PINTO, 2008) muestra que las hendidas no forman parte de esa variedad lingüística, se encontraron diversas ocurrencias de hendidas inversas (la hendida básica sin concordancia sólo aparece en el niño de 3 años), inclusive en el habla de los adultos, como muestran los ejemplos en (27): (27) a. JUA: yo ya he termina(d)o . SON: tú ya has terminado ? SON: qué rapidez # tú es que tienes una boca muy pequeña me parece a mí, eh Jorge ? b. JUA: Pues anda # que me como unos bocadillos así . JOR: yo así . SON: sí ? JUA: ala # yo treinta barras # entonces al día ! SON: y tú ? JOR: yo ? JOR: ochocientas mil . JUA:pero tú es que lo haces en ochocientos años . c. CAR: sí # una señora # tendiendo a los niños del pie # para que se sequen . NAT: para que se sequen ? CAR: porque no se ponen el abrigo # y se mojan # con la lluvia . NAT: claro # como tú te pones el abrigo +/. CAR: como son niños pequeños no lo entienden . CAR: y lo que nunca <han sido a mamas> [?] # <xxx en tonterías>[= ! riendo] NAT: tú es que ya lo entiendes . CAR: claro # ya lo entiendo . En (27), los participantes (el niño – JOR, su hermano - JUA y la investigara - SON) están merendando y el hermano de Jorge Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 183 Gragoatá Carlos Felipe da Conceição Pinto termina de comer su hamburguesa. La investigadora le dice a Jorge que él tiene la boca muy pequeña. Según muestra el contexto, la investigadora quiere decir que no fue Juan quien comió demasiado rápido, pero Jorge es el que tiene la boca pequeña, y por eso todavía no había terminado. Eso deja claro que hay un foco contrastivo en el “tú” de la frase destacada en el ejemplo (27a). Sucede más o menos lo mismo en la continuación del diálogo en (27b); pero es el niño hermano de Jorge quien la dice. No se computó, sin embargo el dato en (27b) entre la producción infantil porque no hay informaciones sobre la edad de Juan. En (27c), la niña (CAR – Carmen) de 5 años está diciendo que sus compañeros de clase no entienden que tienen que ponerse el abrigo para salir a la lluvia. El contraste aparece porque, aunque Carmen tenga la misma edad de los chicos, ella sí ya entiende que debe ponerse el abrigo para salir a la lluvia. El que aparezcan hendidas inversas en el habla adulta espontánea indica que: a) como señaló Di Tullio (1999), parece que actúa algún factor normativo ya que no se registran en el patrón europeo, pero se registran en el habla espontánea; b) puede haber algún tipo de variación dialectal en el español europeo mismo ya que no hay especificación en las transcripciones de dónde se grabaron las charlas con los niños. 3. Consideraciones finales El problema que levanté se refería a la tipología de la escisión adquirida por los niños españoles. Teniendo en cuenta que la adquisición del lenguaje (de sintaxis, por lo menos) puede ser entendida como la fijación de parámetros a partir de la relación entre los principios de la facultad del lenguaje y el input que el niño recibe, como ilustrado en (28), (28) input Lengua X ------> facultad del lenguaje -----> fijación de parámetros Lengua X Sérg io Menuzzi comenta que seria importante explicar por que los niños probarían más construcciones de lo que escuchan en el input. En este momento, sin embargo, no tengo ninguna respuesta para esta cuestión. 19 184 fue posible cuestionar, a partir de lo que se sabe sobre la historia y variación de la escisión en el español, si los niños adquirían más tipos de construcciones y luego los perdían llegando a la gramática adulta o sólo adquirían los tipos de la gramática adulta19. Los datos mostraron que (a) parece que la escisión en el español peninsular no se comporta como dicen los textos sobre el tema y que (b) los niños producen más tipos de construcciones de escisión que la gramática adulta según las referencias indicadas a lo largo del texto. Las seudo-hendidas no pusieron ningún problema para el estudio del tema ya que se presentan de la misma manera tanto en la gramática adulta como en la gramática infantil. Ya las construcciones hendidas, principalmente las hendidas básicas, sí imponen un problema para el tema. Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 La adquisición de la escisión en el español peninsular Sobre la diferencia estructural entre las hendidas básicas e invertidas, Kato y Ribeiro (2009) proponen que sean las construcciones presentativas las que dan origen a las hendidas inversas y no las hendidas básicas: (29) a. O meu pé é que dói. (hendida inversa) b. É que o meu pé dói. (presentativa) (KATO y RIBEIRO, 2009, p. 137) La propuesta es que ambas construcciones en (29) tengan un complementizador Cº como los que completan verbos como “decir” y “pensar”. Como este CP no tiene rasgos de foco, la derivación converge de dos maneras posibles: en el caso de la presentativa, ambos sintagma nominal “o meu pé” y complementizador “que” tienen el rasgo [-foco] y movimientos adicionales no se hacen necesarios: el sintagma nominal permanece dentro del IP subordinado al complementizador “que”. En el caso de la hendida inversa, el sintagma nominal con el rasgo [+foco] se desplaza de su posición en la oración subordinada para el CP matriz ya que el CP subordinado no tiene los rasgos compatibles. Por otro lado, a diferencia de las presentativas o hendidas inversas, las hendidas básicas tendrían un CP subordinado con rasgos [+foco]. Respecto de las hendidas básicas, como sólo un niño de 3 años produjo la construcción sin concordancia (la que no se registra en la gramática adulta), se puede suponer que, de hecho, es excluida por un proceso natural de fijación de parámetros. Es decir, los niños comienzan su proceso de adquisición con las dos posibilidades, como una gramática como la del portugués de Brasil, y, en algún momento, aprende que tiene que hacer la concordancia en el CP subordinado en vez de emplear el “que” sin concordancia por defecto. Sornicola (1988), Prince (1979) entre otros, estudian las diferencias sintácticas y discursivas de las hendidas (it-clefts) y seudo-hendidas (wh-clefts) y, en estos trabajos, ambas construcciones“It is John that sings” y “It is John who sings” (“Es Juan que canta” y “Es Juan quien canta” respectivamente) son analizadas como it-clefts. Sornicola (1988) estudia la escisión en diversas lenguas y dice que las lenguas semíticas (árabe y hebreo, por ejemplo) no tienen las it-clefts. Sin embargo, si ambos tipos de hendidas tienen la misma estructura y los mismos pasos en la derivación, ¿por qué sólo una es gramatical en el español adulto? Todavía no tengo una respuesta para esa cuestión. El problema de las hendidas invertidas, por otro lado, puede ser explicado a partir del desajuste entre normativa y vernáculo: como la mayoría de los estudios del español se basan en datos de la norma culta, que sufre mucha presión del patrón (sobre este tema, ver a PINTO, 2009), tales estudios no registran tales construcciones ya que las condena la normativa española20. Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 185 Gragoatá Tanto el estudio de Pinto (2008) como el presente estudio estuvieron basados en datos de corpus. Posiblemente, Pinto (2008) no encontró hendidas invertidas debido al hecho de que su corpus fue de lengua escrita y controlada (los guiones). Por otro lado, el corpus utilizado en la presente investigación es de lengua espontánea y hablada con niños, donde no se espera que haya mucha presión de la normativa. 21 Como mencioné antes, parece que en España hay variación en la escisión. Registré en diversas ocasiones en Barcelona casos de hendidas básicas sin concordancia: ¡Ah!, ya sé qué pasa… Eso fue Andréa que lo rompió. Es algo así que te digo yo. Parece que tú seas serio y a partir del próximo mes es contigo que yo hablo. Los ejemplos (i) y (ii) fueron producidos por hablantes diferentes y en contextos diferen tes. El ejemplo (iii) es un habla de la película “Una casa de locos” (cuyo título en portugués es “Albergue español”) que está grabada en Barcelona. El ejemplo se refiere al habla de un catalán. 22 Este hecho será así si no se comprueba que los niños de diferentes clases sociales no están expuestos de hecho a gramáticas diferentes. Por ejemplo, en el caso del portugués de Brasil, aunque haya marcas fonéticas, prosódicas, semá nt icas y léxicas que distinguen clases sociales, hay muchos aspectos sintácticos condenados por la normativa que son compartidos por hablantes escolarizados y no escolarizados. Para mencionar solamente algunos, se puede indicar la próclisis categórica y el uso de formas nominativas en el lugar de sus equivalentes acusativas. 20 186 Carlos Felipe da Conceição Pinto Lo que dice Di Tullio (1999, p. 6) sobre la normativa y las hendidas (cf la nota 5) queda evidente cuando se considera lo que dice Gómez Torrego (2002, p. 277): En las estructuras u oraciones ecuacionales, cuando el componente que no es la oración de relativo lleva preposición, ésta debe mantenerse en el componente u oración de relativo, al menos según la norma culta del español de España. Ejemplo: *Fue por Juan que me enteré de lo sucedido (se dice: fue por Juan por el que (quien) me enteré...). Tampoco se consideran correctas las oraciones ecuacionales formadas con adverbios interrogativos y un relativo que. Sin embargo, son relativamente frecuentes en Hispanoamérica. Ejemplos: *¿Cuándo fue que viniste? (en España se dice: ¿cuándo viniste?) *¿Cómo fue que lo hiciste? (en España se dice: ¿cómo lo hiciste?) Tampoco pertenecen a la norma culta del español de España las estructuras ecuacionales en que aparece un que en vez de un adverbio. Ejemplo: *Ayer fue que vino (en España se dice: ayer fue cuando vino). Frente a esos hechos, hay explicar, en trabajos futuros, lo que, de hecho, pasa con las hendidas básicas en el español europeo: si su ausencia se debe, de hecho, a una cuestión de adquisición de primera lengua o a una cuestión de escolarización21. En el caso de que el problema sea de escolarización, una investigación sociolingüística aclararía la cuestión: si se analizan diversos niveles sociales (escolarizados X no escolarizados; rurales X urbanos etc) y se detecta variación respecto del fenómeno (por ejemplo, si los adultos escolarizados sólo usan la variante quien y los no escolarizados utilizan ambas variantes que y quien que aparecen en la adquisición), la cuestión puede ser de escolarización22. Por otro lado, si las hendidas canónicas sin concordancia no aparecen, de hecho, en la edad adulta en todos los niveles socio-educacionales (guardadas, obviamente, las observaciones de que es posible la existencia de diversas gramáticas en el mismo español europeo), se deberá “contar alguna historia” para explicar por qué las cosas son así. Resumo Considerando a variação da clivagem no espanhol atual, este trabalho pretende averiguar como as crianças espanholas adquirem essas construções tendo como pergunta central se as crianças espanholas Niterói, n. 30, p. 169-188, 1. sem. 2011 La adquisición de la escisión en el español peninsular produzem inicialmente as construções inexistentes na variedade européia adulta e em seguida as perdem ou se as crianças nunca produzem essas construções. O estudo analisou 18 crianças, entre 2 e 10 anos de idade (2 crianças de cada faixa etária) a partir do corpus CHILDES. Os dados mostraram que as crianças produzem construções inexistentes na gramática adulta, sendo que uma delas só aparece na criança de 3 anos e outra permanece em todas as faixas etárias. A interpretação dos dados é a de que não há, em princípio, um problema de aquisição da linguagem, mas de variação do espanhol europeu já que as construções consideradas inexistentes em diversos estudos são encontradas na fala dos adultos na interação com as crianças. Palavras-chave: Clivagem; variação do espanhol; sintaxe do espanhol europeu. Referencias CAMACHO, José. In situ focus in Caribbean Spanish: towards a unified account of focus. En: SAGARRA, Nuria; TORIBIO, Almeida Jacqueline (Eds.). Selected Proceedings of the 9th Hispanic Linguistics Symposium. Somerville: Cascadilla Press, 2006, p. 13-23. DI TULLIO, Ángela. Clefting in spoken discourse. En: Encylopedia of Language of Linguistics. 2. ed. Universidade de Oxford, 2005. ______. Hendidas, inferenciales y presentativas. En: DÉNIZ, M. 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Nesse sentido, o marcador morfológico de infinitivo assume o traço [- realis] (que será posteriormente assumido pelo subjuntivo) e o indicativo, em orações finitas, expressa o traço [+ realis]. Para tanto, tomamos como base a Hipótese da Oposição Semântica, segundo a qual há uma hierarquia semântica no que se refere aos modos verbais no período da aquisição. Foram analisados dados de três crianças, duas pertencentes ao CEALL, do Rio Grande do Sul, com idade entre 1;08 e 3;07 e uma pertencente ao CEDAE, da UNICAMP, com idade entre 1;0 e 3;02. Palavras-chave: Complementação Sentencial; Oposição Realis/Irrealis; Português Brasileiro. Agradeço à Prof.ª Dr.ª Ruth Lopes pela leitura cuidadosa do texto, pelos comentários e sugestões. Os problemas remanescentes são de minha inteira responsabilidade. 1 Gragoatá Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011 Gragoatá Vivian Meira Introdução A hipótese geral que guia este artigo é a de que os universais do desenvolvimento da linguagem podem estar relacionados a níveis de interface entre a semântica e a morfossintaxe. Acredita-se que traços formais e semânticos estão envolvidos na aquisição de primeira língua. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa sobre a aquisição de complementação sentencial, concentrando-se em Português Brasileiro (PB), com a hipótese de que a aquisição de tal fenômeno na língua vincula-se à aquisição da modalidade. Segundo Deen e Hyams (2006), as línguas apresentam formas específicas como indicadores de irrealidade, ou seja, a oposição semântica realis/irrealis se manifesta na morfossintaxe das línguas através de formas distintas, a depender de a língua ser uma língua de sujeito nulo, de infinitivo raiz, sem infinitivo, dentre outros. De modo geral, pesquisas revelam (Cf. DEEN e HYAMS, 2006; SALUSTRI e HYAMS, 2003; STEPHANY, 1997) que a oposição entre modo realis e irrealis é gramaticalmente expressa pela oposição entre morfossintaxe finita e não finita, revelando uma relação entre a morfossintaxe e a semântica das línguas. Diante disso, buscamos verificar a manifestação dessa oposição semântica e formal na aquisição de PB, além de verificar as formas que estão no período inicial de aquisição dessa língua, expressando modalidade. De início, partimos da hipótese de que em PB a oposição realis/irrealis é expressa num estágio inicial, respectivamente, pela complementação indicativa e infinitiva e, quando a morfologia de subjuntivo é adquirida e aumenta o seu uso, acreditamos que há uma diminuição das ocorrências de infinitivos nos contextos de irrealidade. A análise dos dados da produção espontânea foi feita tendo como base o modelo de Princípios e Parâmetros. O artigo estrutura-se da seguinte forma: Na primeira seção, discutiremos o envolvimento de traços semânticos e formais na aquisição de primeira língua e de que forma a modalidade pode apresentar evidências para a hipótese de que há um princípio universal que reside na interface entre semântica e morfossintaxe no desenvolvimento da gramática inicial. Na segunda seção, serão apresentados os resultados da literatura em aquisição de complementação sentencial, para discutirmos esse fenômeno em PB. Na última seção ,apresentamos as considerações parciais sobre os resultados até então encontrados. 1. O envolvimento de traços semânticos e de traços formais na aquisição de primeira língua Deen e Hyams (2006) argumentam que os universais do desenvolvimento da linguagem residem nos níveis de interface entre a estrutura semântica e a morfossintática e defende que a oposição semântica dos modos é manifestada na morfossintaxe 190 Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011 Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB: Traços semânticos de modalidade na aquisição de primeira língua das línguas na morfologia finita e não finita, o que os leva a acreditar que há uma relação entre semântica e sintaxe no período de aquisição. Eles partem do fato de que, em algumas línguas, como a Swahili (língua banto), grego, holandês, italiano, Tempo e Modo não formam uma categoria unitária. Assim, a expressão de modo irrealis na gramática inicial de línguas como a Swahili exclui a especificação de tempo. Assumem, além disso, que o morfema de infinitivo tem um traço irreal que provavelmente deve licenciar a projeção de Modo, assim como o traço de tempo licencia a projeção de Tempo. Em verdade, o modelo de gramática assumido é aquele em que traços flexionais (morfológicos ou lexicais) podem licenciar a estrutura sintática. Para tanto, partem da Hipótese da Oposição Semântica (Cf. HYAMS, 2001), do inglês, Semantic Opposition Hypothesis – SOH, que busca explicar determinados fenômenos ocorridos na interface entre semântica e morfossintaxe. Giorgi e Pianesi (1997) discutem também a questão de traços flexionais licenciarem categorias sintáticas, fazendo referência a Tempo e Aspecto. Discutir se traços semânticos estão ou não envolvidos na aquisição de primeira língua ou se são apenas interpretáveis na interface constitui uma questão que ainda necessita ser melhor debatida, já que ainda não se chegou a ilações a esse respeito. Evidências empíricas devem ainda ser analisadas para se chegar a conclusões mais gerais sobre essa questão. A seguir serão apresentadas discussões na literatura a respeito da oposição semântica realis/irrealis em algumas línguas e de que modo essa distinção apresenta correlação com a complementação sentencial. 2. A aquisição de complementação sentencial: 2.1 Considerações sobre a expressão de irrealidade na gramática inicial do italiano, holandês, grego e Swahili Há línguas de infinitivo, como o italiano, o português e há línguas sem infinitivo como o grego, mas todas as línguas apresentam uma forma finita e uma forma não finita e há uma oposição semântica entre o modo realis e o modo irrealis. A literatura em aquisição de linguagem demonstra que a distinção semântica entre modo realis e irrealis tem distintas expressões na morfossintaxe de diferentes línguas e essa oposição semântica frequentemente apresenta relação com as formas finitas e não finitas. De modo geral, a forma finita expressa o modo indicativo e a não finita é utilizada em contextos de irrealidade. Deen e Hyams (2006) sustentam que há um princípio universal que rege a interface entre a semântica e a morfossintaxe na gramática inicial e partem da Hipótese da Oposição Semântica Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011 191 Gragoatá “The expression of irrealis mood in the early grammar excludes a tense specification” (Tradução nossa) 2 192 Vivian Meira para explicar tanto a oposição semântica universal entre realis e irrealis quanto a sua realização na morfossintaxe das línguas, conforme já se apontou acima. De modo geral, essa hipótese supõe que “a expressão de modo irrealis na gramática inicial exclui a especificação de tempo”2 (DEEN e HYAMS, 2006, p. 69), já que a expressão morfossintática de Tempo e Modo estão em distribuição complementar nos estágios iniciais do desenvolvimento da gramática. (cf. DEEN e HYAMS, 2006). Na gramática inicial do grego (Cf. HYAMS, 2002), crianças produzem formas sem marcas de tempo, chamadas bare perfective, com referência modal e agramatical na língua adulta, mas estas formas apresentam propriedades temporais parecidas com o infinitivo raiz (do inglês, root infinitive - RI) holandês. São formas não finitas que expressam modo irrealis e, de acordo com Deen e Hyams (2006), é um típico efeito de RI em uma língua sem infinitivo. À medida que aumenta o uso de modais, diminui a proporção de bare perfective. O mesmo ocorre na aquisição do holandês, as propriedades semânticas do RI apresentam, nessa língua, significado essencialmente modal ou irreal, expressando desejo e intenção das crianças (Cf. BLOM, 2003; HOEKSTRA e HYAMS, 1998) e o uso do RI diminui quando a proporção de uso de modais aumenta. Kalestinova (2007) defende que a produção de RI na aquisição está relacionada a questões morfossintáticas da língua alvo, a do falante adulto, apresentando semelhanças entre dados do russo e do holandês. Hoekstra e Hyams (1998) chamam de Efeito de Referência Modal (do inglês, Modal Reference Effect – MRE) a grande quantidade de RI expressando significado irreal ou modal nas gramáticas iniciais no período de aquisição. Dentre as línguas românicas, há dados do italiano, no qual o imperativo funciona como um análogo do RI, pois expressa as propriedades deste, sendo marcado com um traço “irreal” (Cf. SALUSTRI e HYAMS, 2003). Salustri e Hyams (2003) mostraram que o imperativo ocorre numa proporção maior na gramática das crianças do que na dos adultos e com uma frequência maior em línguas de sujeito nulo do que em línguas de infinitivo raiz, já que tanto o imperativo quanto o RI expressam modo irrealis; assim, em línguas de RI, como o holandês, o RI funciona como um imperativo no italiano (Cf. SALUSTRI e HYAMS, 2003). Em Swahili, Deen e Hyams (2006) observaram que o marcador de irrealidade na gramática inicial é a vogal final de subjuntivo (análogo ao RI holandês) e, quando esta vogal é usada, o marcador de tempo fica ausente, o que demonstra que Modo e Tempo são núcleos distintos com traços também distintos. Nessa língua, na gramática dos adultos, por outro lado, Tempo e Modo formam uma categoria unitária. De forma geral, a morfologia de modo se desenvolve paralelamente à morfologia de tempo e a ausência de especificação de tempo em algumas línguas (Cf. DEEN e Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011 Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB: Traços semânticos de modalidade na aquisição de primeira língua HYAMS, 2006) é necessária, mas não uma condição suficiente para a expressão de modo irreal. Deen e Hyams (2006) concluem que o modo é instanciado de diferentes formas nas línguas, ou seja, há evidências de que a oposição realis/irrealis é realizada na morfossintaxe das línguas através de formas distintas. Assim, o modo irrealis é expresso, na gramática inicial do italiano, pelo imperativo; do grego, pelo bare perfective (forma vazia de tempo), já que se trata de uma língua sem infinitivos; no holandês, pelo infinitivo raiz e, em Swahili, pelo subjuntivo e pela ausência de marcador de tempo neste. Todas essas formas estão numa relação de complementaridade e de oposição com as formas finitas que expressam contextos realis, pelo menos num determinado momento da aquisição. Nessas línguas, o modo irrealis é instanciado por formas não finitas, sem especificação de tempo. Isso constitui evidência de uma cisão entre Modo e Tempo, de forma que estes não configurem uma categoria unitária, já que formas não finitas e, portanto, sem marcas de tempo, expressam modalidade irreal e, à proporção em que o uso de tempo e de modo aumenta, as formas não finitas diminuem. Esse dado comprova que a Hipótese da Oposição Semântica pode fornecer explicações para a relação entre semântica e sintaxe na aquisição das línguas. Blom (2003) argumenta a favor de uma cisão modal (modal shift) na referência temporal de RI. Defende o desenvolvimento de 04 estágios na produção de RI na aquisição do holandês. Nos dois primeiros estágios, o RI apresenta diferentes referências temporais e, nos dois últimos, o RI é usado com referência modal. Kalestinova (2007) afirma que o fenômeno do RI não é uma propriedade universal da linguagem da criança, mas depende de propriedades morfossintáticas da língua alvo. As questões que surgem diante desses resultados são: Por que formas não finitas instanciam o modo irrealis na gramática inicial da criança em algumas línguas? (Cf. DEEN e HYAMS, 2006). Há alguma relação entre Modo e Tempo? Elas constituem categoria unitária no PB ou são acionadas independentemente? Essas questões ainda necessitam de uma resposta adequada e esta apenas será possível quando mais pesquisas forem desenvolvidas nesse sentido. Ce nt r o de Do c ument ação Cu lt u ra l Alexandre Eulálio, do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL, da UNICAMP. 4 Centro de Estudos sobre a Aquisição e Aprendizagem da Linguagem - PUCRS. 3 2.2 A aquisição de complementação sentencial em PB: Resultados parciais Os exemplos discutidos neste artigo foram retirados do banco de dados do CEDAE3 e do CEALL4, nos dados de produção de três crianças (AC, G e R), entre as idades de 1;5 anos e 3;7 anos. A pesquisa teve como meta destacar apenas as complementações sentenciais, subjuntiva e indicativa produzidas pelas crianças. Além disso, observamos apenas os dados infantis e deixamos de Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011 193 Gragoatá Vivian Meira lado os dados dos investigadores. Descartamos também orações finais, temporais, concessivas, dentre outras que também trazem marcas morfológicas de subjuntivo. Não foi de nosso interesse nesse artigo discutir complementação gerundiva ou de particípios e não foram computadas também respostas de interrogativas sim/ não, como em (1): (1) C: a tua filha quer falar? A: quer. AC, 2;08) Selecionamos apenas ocorrências de formas finitas (indicativo e subjuntivo) e de formas não finitas (infinitivos) em complementação de sentenças. Encontramos evidências para afirmar que a entrada de infinitivos nos dados infantis do PB ocorre relativamente cedo, por volta de 1;08 anos, conforme o exemplo (2) de futuro perifrástico5ou nos exemplos (3) e (4)6. O infinitivo como complementação de sentenças (Cf. ex. (5) e (6)) e em adjuntos (cf. ex. (7)) ocorreram por volta de 2;01 anos. No entanto, o escopo desse estudo é apenas analisar as complementações sentenciais, por isso evitaremos desenvolver qualquer discussão sobre exemplos que não fazem parte desse objeto. Uma vez que a perífrase formada pelo verbo ir + infinitivo pode denotar futuro, preferimos não computá-la para análise. 6 Foi registrado o uso de infinitivo, como té (R, 1;03 – quer); “patá” (R, 1;06 -tampar); fassá (R, 1;06 -fechar); tapa (R, 1;06 –tampar) em idade anterior ao uso do futuro perifrástico citado nos exemplos (2) e (3); a maioria das ocorrências de infinitivo ocorreu em contextos de volição, contextos de irrealidade. No entanto, mesmo que essas formas pareçam estar expressando modo irrealis, não faz parte do escopo dessa pesquisa analisá-los, já que nos incumbimos apenas de apresentar nesse artigo uma a nálise sobre a expressão de modo na complementação sentencial na aquisição de PB. Dados sobre infinitivo (raiz) e sua relação com a modalidade na aquisição de PB será tema para uma pesquisa futura. 5 194 (2) vai jubi (vai subir) (AC, 1;08) (3) vamos ver (G, 1;10) (4) (AC, 1;10) a mamãe foi trabalhar (5) pode pega(r) (G, 2;01) (6) tu tem que sentar aqui (AC, 2;03) (7) (G, 2;01) p(r)a botar café? Nos dados de aquisição do PB, registramos que a complementação infinitiva com verbos volitivos, conforme exemplo (8), causativos, como no exemplo (9), ocorrem num estágio inicial de aquisição, por volta dos 2;01 anos, sendo vasta a produção principalmente de verbos volitivos que apresentam relação com a modalidade irreal. (8) eu quero desenhar (AC, 2;01) (9) deixa eu arrumar isso aqui (G, 2;03) A produção de subjuntivo ocorre tardiamente em relação à complementação de infinitivo, por volta dos 2;08, como nos exemplos (10), (11) e (12), sendo escassa na faixa etária dos 2;0 anos a sua produção. Na maior parte das vezes, a morfologia do subjuntivo foi registrada em contextos de complementação de verbos volitivos. (10) eu quero que tu tire a tampa (AC, 2;08) (11) ela quer que eu segure (G, 3;0) Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011 Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB: Traços semânticos de modalidade na aquisição de primeira língua (12) quando o pai do príncipe do Egito era pequeno, ele mandou que ele seja matado (AC, 3;07) Em alguns casos o indicativo ocorreu em contextos de subjuntivo, conforme exemplos (13) e (14). Acreditamos que a morfologia de subjuntivo, mais utilizada a partir dos 3 anos da criança, começa, nessa faixa etária, a assumir contextos de irrealidade, antes expressos apenas pela complementação infinitiva que, por sua vez, começa a diminuir por volta dos 3;06 anos. Na verdade, à medida que aumenta o uso de subjuntivo, decresce o de infinitivo. (13) quer que eu pego? (R, 3;02) (14) ah@i xxx eu quero que você conta,, né? (R, 3;02) 7 Os infinitivos nas sentenças encaixadas, por volta dos 3;0 anos, ocorrem também em contextos em que o sujeito da matriz não é o mesmo sujeito da encaixada, como no exemplo (15): (15) mas eu não deixo ela [/] ela [/] ela para(r) (AC, 3;0) Conforme a nossa hipótese, em estágio inicial de aquisição em PB, a criança faz uso da complementação sentencial infinitiva em contextos de irrealidade e a indicativa, na expressão do modo realis. Em um determinado momento, com a aquisição da morfologia de subjuntivo, por volta dos 2;08 anos da criança, a morfologia desse modo passa a expressar o contexto irrealis, ocorrendo assim um decréscimo no uso da complementação infinitiva. A Fig. 1 apresenta o percentual por faixa etária analisado em três crianças. Figura 1: Média percentual de infinitivo, subjuntivo e indicativo em complementação sentencial por faixa etária em três crianças Tomando como base esse uso do indicativo num contexto de subjuntivo na gramática de R, podemos pensar na possibilidade de haver traços distintivos nas gramáticas de AC e G vs. R. 7 De certo modo, a morfologia de subjuntivo parece estar sendo adquirida na medida em que ela é associada ao contexto irrealis, antes expresso apenas pela complementação infinitiva. O indicativo continua no decorrer das faixas etárias de forma estável, Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011 195 Gragoatá Vivian Meira se comparado com o aumento de complementação infinitiva no decorrer dos 2;0 anos da criança e uma diminuição em seu uso por volta dos 3;07. Apresentamos a seguir na Fig. 2, o percentual de ocorrências de infinitivos e de subjuntivo na faixa etária de 3;0 anos da criança.8 Figura 2: Média percentual de infinitivo e subjuntivo em complementação sentencial por faixa etária em três crianças Numa etapa futura dessa pesquisa, pretendemos analisar a projeção de TP e MoodP na aquisição de PB, de forma a verificar se ambas constituem categorias independentes ou se são acionadas no mesmo período da aquisição, já que, na g ramática adulta, elas constituem uma categoria unitária. Para Kato (1995), num estágio inicial, a criança apresenta um T com núcleo default Presente e uma forma flexional pa ra t e mp o qu a ndo apresenta o cont raste temporal (presente e passado). Conceição (2006) demonstrou que no PB a gramática infantil apresenta a categoria funcional TP com núcleo [Presente] e [Passado] por volta dos 1;10 anos. Assim, nessa fase, há contraste temporal. Com relação à modalidade, até então verificamos que a complementação infinitiva com referência modal aparece também por volta dos 2;0 anos na gramática infantil e expressa contexto de irrealidade. No entanto, acreditamos que o contraste modal entre o realis e o irrealis ocorre num período anterior aos 1;10 anos através do infinitivo. Os resultados sobre essa questão serão apresentados em um trabalho posterior. 8 196 Na gramática infantil, a partir dos 3 anos, os dados indicam que há um decréscimo de uso da complementação infinitiva em contextos de irrealidade que são assumidos pela morfologia de subjuntivo, que, por sua vez, teve um leve acréscimo de uso, como demonstrado na Fig. 2. A co-ocorrência de sentenças finitas e infinitivas no PB no período anterior aos 24 meses parece não acionar a categoria Tempo com seus traços de presente e passado (Cf. CONCEIÇÃO, 2006), mas será que os traços realis e irrealis de Modo são acionados independentemente dos de Tempo? Observamos que a morfologia de subjuntivo é adquirida a partir do período de 24 meses na gramática infantil e passa a assumir contextos de irrealidade. Acreditamos que TP e MoodP estão em uso na gramática infantil por volta do período de 24 meses da criança e, no início desse período, tanto a complementação infinitiva quanto a de subjuntivo expressam o irrealis, mas à medida que aumenta o uso do subjuntivo, diminui o de infinitivo. Antes da aquisição da morfologia de subjuntivo, a criança faz uso de formas não finitas para expressar Modo em contraste com a complementação finita do indicativo, o que nos leva a supor que Tempo e Modo são categorias independentes no período inicial da aquisição, apesar de constituir uma categoria unitária na gramática adulta do PB. Além disso, suponho também, diante desses resultados que traços semânticos pareçam estar envolvidos na aquisição de PB, já que a oposição semântica realis/irrealis foi representada na morfologia primeiramente pela forma de infinitivo e, em seguida, pela morNiterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011 Estudo sobre a aquisição de complementação sentencial em PB: Traços semânticos de modalidade na aquisição de primeira língua fologia de subjuntivo. No entanto, uma pesquisa mais detalhada precisa ser feita a fim de chegar a ilações mais consistentes9. De qualquer forma, acreditamos que as sentenças finitas e infinitivas num período anterior a 24 meses não apresentam a mesma estrutura nem o mesmo comportamento semântico. Em um trabalho posterior, apresentaremos resultados mais concretos sobre a categoria MoodP em PB, em que momento ela tende a ser acionada, sua relação com TP e se há algum valor default envolvido na aquisição de Modo em PB, assim como há na aquisição de TP (Cf. KATO, 1995). Neste artigo, apresentamos apenas resultados parciais e por isso não podemos chegar a conclusões mais gerais sobre esse fenômeno na aquisição do Português Brasileiro. 3. Considerações finais Neste artigo, apresentamos resultados parciais sobre os padrões de complementação sentencial na aquisição de PB. Num estagio inicial da aquisição, a partir dos 2;0 anos da criança, observamos que os traços semânticos realis/irrealis são expressos, respectivamente, pelo indicativo e infinitivo em complementação sentencial. Quando a criança adquire o subjuntivo, por volta dos 2;08 anos, o marcador morfológico deste passa a assumir a expressão de irrealidade. A categoria Tempo, acionada por volta dos 24 meses, parece manter relação com a categoria Modo, mas não podemos afirmar se formam categoria unitária, já que acreditamos que os valores de Modo estão relacionados com as sentenças finitas e infinitivas no período anterior aos 24 meses. Pretendemos em um trabalho posterior apresentar considerações mais gerais sobre esse fenômeno, além de investigar as restrições que dizem respeito ao efeito de referência disjunta e sua relação com a complementação sentencial no período da aquisição, já que a referência disjunta é uma propriedade tradicionalmente associada ao subjuntivo. Abstract Pretendo apresentar em breve resultados a respeito dessas questões. 9 Niterói, n. 30, p. 189-199, 1. sem. 2011 This paper presents partial results about standards of sentential complementation, not only the finite completives (indicative and subjunctive mood) but also the not-finite (specifically the infinitive), in the acquisition of the Brazilian Portuguese. Based on the Theory of Principles and Parameters (cf. Chomsky, 1981) and on the hypothesis of the Realis/Irrealis opposition is marked by distinct standards of complementation, i.e., the infinitive and the indicative, for being acquired before the subjunctive mood, tend to express the traces [+- realis]. In this direction, the 197 Gragoatá Vivian Meira morphologic marker of infinitive assumes the trace [- realis] (that will be assumed later by the subjunctive mood) and the indicative, in finite clauses, expresses the [+ realis] trace. In this way, we base our analysis on the Semantic Opposition Hypothesis, according to which there is a semantic hierarchy as for the verbal ways in the period of acquisition. There has been analyzed data of three children, two pertaining the CEALL, of the Rio Grande do Sul, with age ranging from 1;08 and 3;07 and one belonging to CEDAE, UNICAMP, with age ranging from 1;0 and 3;02. Keywords: Sentential Complementation, Realis/Irrealis Opposition; Brazilian Portuguese. Referências BLOOM, E. 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Em um segundo momento, foram analisados os dados escritos de 30 alunos (10 de cada grupo) dos 183 analisados anteriormente. Com relação aos VOTs, foram analisados, primeiramente, os padrões da fala em PB dos 30 participantes. Posteriormente, foram medidos os VOTs do Hunsrückisch dos 10 alunos bilíngues. Quanto aos resultados, encontramos a ocorrência de mais trocas grafêmicas nos participantes do grupo B, seguidos dos do grupo MP e, por fim, dos do grupo MR. Quanto aos padrões de VOT, nos segmentos surdos foram encontrados VOTs menores no grupo MR do que no grupo B e nos segmentos sonoros, foram apurados valores mais elevados de pré-vozeamento no grupo MR do que no grupo B. Verificamos, nos resultados, valores gradientes nas transferências fonético-fonológicas encontradas. Concluímos que parte de nossos participantes apresentam uma correlação positiva entre a taxa de trocas dos grafemas e a produção Gragoatá Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 Gragoatá Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu de fala, o que sugere uma possível relação entre os processos de produção escrita e oral. Palavras-chave: bilinguismo; transferência grafo-fônico-fonológica; transferência fonético-fonológica. Introdução A troca de grafemas que representam fonemas oclusivos sonoros por grafemas representantes de segmentos surdos, e vice-versa, é bem frequente em regiões habitadas por descendentes de alemães. Como exemplo deste fenômeno, apresentamos as palavras <madeira>, <garrafa> e <pomada>, escritas por participantes de nossa pesquisa como <mateira>, <carafa> e <bomada>, respectivamente. Tais trocas, denominadas grafo-fônico-fonólogicas, constituem parte de nosso objeto de estudo. Elas são analisadas, na atual pesquisa, tanto com falantes bilíngues (Hunsrückisch-Português), da cidade gaúcha de Picada Café, formada por descendentes alemães (grupo B), como por falantes monolíngues (Português) da mesma cidade (grupo MR) e de outro município (grupo MP), Rio Grande-RS, onde os participantes não possuem contato com falantes de alemão. Além das transferências interlinguísticas encontradas na escrita, a presente pesquisa busca analisar a fala desses participantes monolíngues e bilíngues, em Português e em Hunsrückisch, para a verificação também de transferências fonético-fonológicas, manifestadas através da utilização de padrões de vozeamento típicos da L1 na produção da fala da L2, fato igualmente bastante presente em ambientes bilíngues e multilíngues. A partir do exposto, elaboramos três objetivos específicos para o estudo: 1º) investigar a relação existente entre bilinguismo e uma maior incidência de trocas grafêmicas, a partir da contabilização das trocas entre os alunos participantes; 2º) analisar os padrões de VOT das oclusivas em início de palavra do PB dos 3 grupos participantes (monolíngues de Rio Grande - MR, monolíngues de Picada Café - MP - e bilíngues de Picada Café - B); e 3º) averiguar e discutir os padrões de VOT das oclusivas em início de palavra da língua de imigração Hunsrückisch, nas produções das crianças bilíngues. 1 Referencial teórico 1.1 Bilinguismo: Hunsrückisch Riograndense (Hrs) e Português Brasileiro (PB) Trabalhamos, na presente pesquisa, com duas línguas: o Português Brasileiro e a língua de imigração Hunsrückisch. Proveniente de uma região montanhosa da Alemanha, próxima das 202 Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português) fronteiras da França e de Luxemburgo, a língua Hunsrückisch foi introduzida no Brasil pelos pioneiros da imigração alemã a partir do início do século XIX, com a chegada dos imigrantes alemães na chamada província de São Pedro do Rio Grande (MÜLLER, 1999). Os sistemas fonético-fonológicos destas duas línguas serão apresentados na sequência. Antes, porém, discorreremos brevemente sobre modelos fonológicos dinâmicos, nos quais nos baseamos teoricamente em nossa pesquisa. 1.2 Modelos Fonológicos de orientação dinâmica Não é feita aqui a distinção entre “aquisição” e “aprendizagem”, propugnada por Krashen (1982), nem entre os termos “língua estrangeira” e “L2”, já que o referencial teórico aqui adotado não parte de dicotomias como competência e desempenho, típicas do cognitivismo. Portanto, os termos L2, segunda língua e língua estrangeira serão usados intercambiavelmente ao longo deste trabalho. 1 Diferentemente das teorias de aquisição de linguagem que consideram a aquisição, tanto da primeira língua quanto das demais línguas, como um processo que segue um desenvolvimento linear, a Teoria dos Sistemas Dinâmicos (TSD) vai buscar no comportamento não linear, muitas vezes imprevisível, o desenvolvimento da linguagem, através da observação de aspectos cognitivos e sociais. O desenvolvimento, portanto, é visto como um sistema em contínua mudança (ELMAN, 1998). Podemos associar a constante modificação do sistema à aprendizagem de uma segunda língua, por exemplo (DE BOT et al., 2007). A aquisição1 da linguagem, tanto da língua materna como de uma segunda língua (L2), é vista como emergente de uma interação dinâmica (BEST, TYLER, 2007). Os modelos de Fonologia Articulatória (FAR) (BROWMAN; GOLDSTEIN, 1992; GOLDSTEIN et al., 2006) e Acústico-Articulatória (FAAR) (ALBANO, 2001) estão enquadrados dentro de uma perspectiva dinâmica, em que os padrões criados dentro de um sistema estão em constante modificação. Nesses modelos, a informação linguística é codificada por padrões presentes na orquestração rítmica de eventos no fluxo da fala (KELLO, 2003), ou seja, nas regularidades observadas nas quantidades de tempo real que ocorrem na intrincada dinâmica dos eventos de fala, que podem ser sequenciais, parcialmente sequenciais (coarticulação), levando a uma sobreposição distribuída na informação temporal. A FAR e FAAR partem da premissa de que a fala pode ser decomponível em unidades de ação do trato vocal, os gestos. Essas unidades de contraste, ou fonológicas, são isomórficas às unidades contínuas, ou fonéticas. Nessa abordagem, os gestos articulatórios constituem, simultaneamente, unidades de ação (codificando os movimentos articulatórios para a formação de constrições no trato vocal) e de informação (codificando contraste). Como essas unidades informacionais e de ação incorporam o simbólico e o concreto, não há necessidade de tradução entre unidades de representação e sua execução como tarefas de fala (GOLDSTEIN et al., 2006). Assim, de acordo com esses modelos, as manobras articulatórias, os chamados gestos, produzidos no trato vocal, e as manobras acústicas, que geram atributos perceptuais rele- Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 203 Gragoatá Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu vantes para a diferenciação dos contrastes dos sons ocorridos na linguagem, são observadas através de um contínuo físico durante a realização de um determinado som da fala. Em oposição à visão binária da fonologia clássica, os novos modelos de fonologia (FAR- FAAR) primam pelo destaque conferido à gradiência na produção dos segmentos (ALBANO, 2001), gradiência essa observada em nossos dados, como veremos mais adiante. Vejamos, agora, uma pequena descrição dos sistemas fonético-fonológicos das línguas estudadas. 1.3 Os sistemas fonético-fonológicos do Português Brasileiro, do Alemão Padrão e do Hunsrückisch Riograndense: algumas considerações Fortis: “(consoante) articulada, ou com tendência a ser articulada, com tensão muscular acentuada. Termo tradicionalmente usado para consoantes surdas em oposição a con soa nte s sonora s. Do Latim “fortis” ‘forte’” (Oxford, 1997, p. 134). Como “Halb” em alemão significa ‘meio’, poderíamos dizer que o termo significa uma oclusiva gradiente, às vezes manifestando-se como surda e, às vezes, como sonora. 3 Lenização ou lenição: qualquer processo através do qual um som é concebido como sendo “enfraquecido”. Ex. Na história do Espanhol, a oclusiva sonora [b] [d] [g] tornou-se uma fricativa entre vogais, a partir da redução do esforço da articulação (Oxford, 1997, p 202). Maiores detalhes sobre esse processo, consultar ALTENHOFEN (1996). 2 204 Diferentes modos de articulação são utilizados durante a produção dos sons. Um desses modos é a oclusão. Para que ela ocorra, é necessário um bloqueio completo na corrente de ar, seguido de uma soltura/explosão. O Português Brasileiro (PB) apresenta seis fonemas oclusivos, caracterizados pela soltura/explosão do ar, sendo eles: a) três surdos, ou seja, que não apresentam a vibração das cordas vocais: /p/, /t/ e /k/ e b) três sonoros, isto é, com a vibração das cordas vocais: /b/, /d/ e /g/ (CRISTÓFARO-SILVA, 2008). O Alemão Padrão (AP) possui os mesmos seis fonemas oclusivos do PB (KOHLER, 1999). O que diferencia os sistemas do PB e do AP, em relação às oclusivas, é o padrão de vozeamento, que será explicado no próximo item deste artigo. O Hunsrückisch Riograndense, por nós pesquisado, é descrito na literatura existente por dois autores, que apresentam diferentes quadros fonético-fonológicos. O primeiro (WIESEMANN, 2008) apresenta em seu quadro de fonemas apenas as oclusivas surdas: /p/, /t/ e /k/. Já o segundo (ALTENHOFEN, 1996) considera como fonemas as oclusivas surdas aspiradas: /pH/, /tH/, / kH/, além das oclusivas /b¥/, /d¥/ e /g¥/, chamadas Halbfortes2, ou seja, oclusivas com ensurdecimento, que pode ser completo ou não. Tais fonemas ocorrem em posição tônica e pré-tônica. De acordo com tal proposta, o que acontece é um processo de dessonorização do Alemão Padrão, e às vezes do PB, para a língua de imigração. Já em posição pós-tônica, ocorre a sonorização, num processo de lenização3. Vistos os sistemas, passamos agora para a observação dos padrões de vozeamento das oclusivas das línguas aqui estudadas. 1.4 Os padrões de vozeamento das oclusivas do Português Brasileiro, do Alemão Padrão e do Hunsrückisch Riograndense De acordo com Lisker e Abramson (1964), o Voice Onset Time (VOT) é o período de surdez entre a soltura/explosão da consoante e o início da peridiocidade de vozeamento do segmento seguinte. Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português) A partir da figura, a seguir, poderemos compreender melhor tal explicação: Figura 1: Três tipos de VOT4 Figura adaptada de COHEN (2004, p.13). 4 Conforme representado na Fig. 1, os padrões de vozeamento tendem a ser caracterizados a partir de três categorias de VOT: 1ª) negativa, que apresenta um pré-vozeamento, ou seja, uma vibração das cordas vocais antes da soltura da oclusiva, em média de -100ms; 2ª) zero, que apresenta um período de surdez pequeno, em que o início de vozeamento e a soltura ocorrem em um período bastante próximo, em torno de + 10ms; 3ª) positiva, apresentando um período de surdez mais longo, isto é, um retardo no início da vibração das pregas vocais, em torno de + 75ms (LISKER, ABRAMSON, 1964). Nesta categoria ocorre a aspiração. Como os índices de VOT sofrem variações influenciadas por características como idade, velocidade da fala, dentre outras, não há consenso entre os pesquisadores a respeito dos seus valores médios para cada consoante. Contudo, alguns estudiosos apresentam algumas classificações. De acordo com a literatura (LISKER, ABRAMSON, 1964), o fonema /b/ do Alemão Padrão apresenta média de 16ms, enquadrando-se, portanto, na categoria zero (2ª categoria da classificação do VOT). Já o fonema /p/, com média de 51ms, fica classificado na categoria positiva (3ª categoria da classificação do VOT), por apresentar aspiração. As outras oclusivas estudadas, /t,k,d,g/ seguem a mesma lógica, sendo as sonoras /d, g/ enquadradas na segunda categoria, enquanto as surdas /t,k/ ficam na terceira categoria. A única diferença entre estas oclusivas é um pequeno aumento no VOT, relativo ao lugar de articulação, sendo menor para as bilabiais, seguido das dentais/alveolares e das velares. O fonema /b/ do PB possui pré-vozeamento antes da explosão da oclusiva, sendo classificado, portanto, na primeira categoria. Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 205 Gragoatá Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu Já o /p/, que possui média de 12ms, é enquadrado na segunda categoria. As outras oclusivas seguem a mesma lógica. De acordo com Istre (1983), o /t/ do PB tem média de 18ms, enquanto o /k/ apresenta um valor de VOT em torno de 38ms. Quanto aos padrões de vozeamento das línguas de imigração alemãs, nas quais se inclui o Hunsrückisch, Braun (1996) relata que a grande maioria apresenta um período de surdez longo nas oclusivas /p/, /t/ e /k/, interpretadas como aspiradas, e um curto período de surdez nas oclusivas /b/, /d/ e /g/, concebidas como surdas não-aspiradas (BRAUN, 1996, p. 30). Braun apresenta valores de VOT, em milisegundos, de /p,t,k/ do Hunsrückisch europeu falado em Koblenz (/p/= 32, /t/=37, /k/=67) e no Moselfrk (/p/= 38, /t/=51.5, /k/=68.5) (BRAUN, 1996). Jessen e Ringen (2002) acrescentam que o VOT negativo, ou seja, o pré-vozeamento, é bastante raro nas línguas de imigração alemãs. Em suma, a partir do exposto, podemos verificar que o PB apresenta padrões de vozeamento negativo e zero (Cf. Fig. 1) enquanto que o Hunsrückisch possui os padrões zero e positivo. Tais padrões de vozeamento são, muitas vezes, transferidos de uma língua para a outra, como veremos a seguir. 1.5 As transferências fonético-fonológica e a grafo-fônico-fonológica Ocorrida na fala, a transferência fonético-fonológica caracteriza-se pela utilização, durante a produção da L2, dos padrões já estabelecidos na L1 do aprendiz. Tal processo ocorre devido à dificuldade de percepção das diferenças acústico-articulatórias entre as duas línguas (FLEGE, 2002; BEST, TYLER, 2007). Dessa forma, quanto mais próximos os sons dos dois sistemas linguísticos envolvidos, mais difícil torna-se a percepção das diferenças e, por conseguinte, a sua produção. Como exemplo, podemos citar a produção da palavra inglesa <Thank> por falantes iniciantes brasileiros. Como no inventário fonológico do PB não existe o fonema /T/, presente na palavra <Thank> [TQNk], os aprendizes acabam utilizando outro fonema para a realização da palavra. O fonema acessado na memória é aquele que mais se aproxima da percepção de cada aprendiz e geralmente resulta da transferência grafo-fônico-fonológica. Em geral, para a produção desta palavra na interlíngua de diferentes aprendizes do inglês, são utilizados os fones [t,s,f]. Casos alofônicos como os da aspiração do inglês das oclusivas /p/, /t/, /k/ constituem ambientes propensos para esse tipo de transferência. Neste caso, falantes de línguas cujas oclusivas não são aspiradas, como os do Português, tendem a realizá-las sem esta característica. Dentro deste patamar enquadra-se o sotaque do aprendiz que tende a aplicar padrões acústico-articulatórios de sua L1 na fala da L2. 206 Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português) Tal aplicação pode vir a resultar, ainda, em uma transferência grafo-fônico-fonológica. Esse tipo de transferência ocorre quando o bilíngue confere aos grafemas que compõem as palavras da L2 a mesma ativação fonético-fonológica que tais grafemas ocasionariam durante a produção oral na L1 (ZIMMER, 2004). Um exemplo dessa transferência ocorre com frequência com a palavra inglesa <mother>- [:mÃD«r]. No Português Brasileiro, o grafema <o> ocorre foneticamente ou como [o] ou como [ ]. Por essa razão, ao ver escrita a palavra <mother>, o falante brasileiro, muitas vezes, acaba por pronunciar a palavra como [:mÃD«r], não realizando a pronúncia padrão da palavra. A maioria dos estudos sobre transferências L1-L2 analisa as transferências ocorridas da escrita para a fala (ZIMMER, SILVEIRA, ALVES, 2009), enquanto as que serão analisadas em nosso trabalho ocorrem da fala para a escrita. Podemos dizer que a transferência analisada aqui é motivada pela transferência fonético-fonológica. Por utilizar os padrões de sua L1 na ativação de sua L2, o aprendiz irá modificar a sua fala. Mais tarde, tenderá a refletir, na escrita, a transferência por ele já gerada na fala. Isso expande o conceito original de transferência grafo-fônico-fonológica, pois abarca a relação entre o processamento do sistema fonético-fonológico e do sistema de lecto-escrita nos dois sentidos: da escrita para a fala e da fala para a escrita. No caso de bilíngues que entraram em contato com a L2 após terem sido alfabetizados na L1, a transferência grafo-fônico-fonológica ocorre da escrita para a fala, por diversas razões. Contudo, no caso dos bilíngues que entraram em contato com a L2 desde bem cedo, tendo sido alfabetizados na L2, como é o caso da maioria dos falantes brasileiros de línguas de imigração como o Pomerano, o Vêneto, o Hunsrückisch, entre outras, a transferência grafo-fônico-fonológica ocorre da fala (L1) para a escrita. Diferentemente, então, do exemplo apresentado no início desta seção, em que a escrita da palavra <mother> influenciava a fala dessa palavra, nossa pesquisa investiga o quanto uma fala de imigração, distinta dos padrões estabelecidos pelo PB, poderá ser percebida na escrita do aprendiz. Aprendizes, portanto, que falam [:polu] (<bolo>), poderão vir a escrever <POLU>, mostrando, na língua escrita, traços de sua fala na língua materna. 2 Método Nossa pesquisa foi dividida em duas fases: a) Coleta de dados escritos e b) Coleta de dados de fala. Participaram do trabalho alunos da pré-escola à 5ª série do Ensino Fundamental, divididos em três grupos: “Grupo MR”- monolíngues (PB) que não possuem contato com falantes bilíngues, moradores da cidade de Rio Grande/RS; “Grupo MP”- monolíngues (PB) que possuem contato com falantes bilíngues (Hrs-PB), residentes da cidade de Picada Café/ RS; e “Grupo B” - bilíngues (Hrs-PB) da cidade de Picada Café. Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 207 Gragoatá Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu 2.1 Fase A- Coleta dos dados escritos A partir de uma adaptação do IAFAC, Instrumento de Avaliação de Fala para Análise Acústica da Criança (BERTI, 2009), criamos um bingo, a ser utilizado com as crianças dos 3 grupos de nossa pesquisa. Para os alunos, o objetivo do jogo consistia no preenchimento de uma cartela por participante, o que para nós contabilizava 18 palavras escritas por aluno. Cada cartela do bingo continha 18 figuras de substantivos iniciados pelos grafemas <p,b,t,d,c,g> (3 de cada). Abaixo de cada figura havia uma linha, na qual os alunos tinham que escrever o substantivo referente, logo após o seu sorteio. O bingo foi aplicado em dois dias distintos para que pudéssemos ter um total de 36 palavras coletadas por aluno. Vejamos, a seguir, parte do design de uma cartela: Figura 2: Exemplo de parte da cartela do bingo As palavras escolhidas para os bingos podem ser verificadas no Anexo 1. Feitas as coletas dos dados escritos, selecionamos 30 alunos, 10 de cada grupo, para participarem da fase B, isto é, da coleta dos dados de fala. 2.2 Fase B- Coleta dos dados de fala 2.2.1 Coleta da fala em Português Brasileiro 5 208 Participaram desta etapa 30 alunos, sendo eles 10 de cada grupo (MR, MP e B). A gravação de áudio foi feita em um computador (laptop), no programa computacional Audacity5, com o auxílio de um microfone estilo headset. Optamos por escolher apenas palavras dissilábicas com estrutura fonética CV-CV que apresentassem, após cada oclusiva, as vogais /a/, /i/, / / e u/. As palavras selecionadas podem ser conferidas no Anexo 2. Para tais palavras, escolhemos gravuras que representavam cada uma das 22 escolhas. Tais figuras foram apresentadas para os participantes em slides de Power Point. Cada figura foi apresentada, randomicamente, 4 vezes. Durante a gra- Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português) vação, instruíamos os participantes a falar a palavra-alvo dentro da seguinte frase veículo: “Fale (palavra-alvo) de novo”. 2.2.2 Coleta da fala em Hunsrückisch Participaram desta etapa apenas os 10 alunos bilíngues. Como a língua de imigração Hunsrückisch não apresenta uma escrita oficial, nos apoiamos nas palavras do Alemão Padrão, iguais ou muito semelhantes na língua Hunsrückisch, para elaborarmos nosso instrumento. Para a escolha das palavras, amparamo-nos não na grafia das palavras do Alemão Padrão, e sim em como estas palavras eram produzidas foneticamente na língua de imigração Hunsrückisch. As palavras escolhidas podem ser conferidas no Anexo 3. Os participantes foram instruídos a falar a palavra-alvo dentro da seguinte frase veículo: “[s ‘palavra-alvo’kanns Se:n]” (Cf. Alemão Padrão: “Sag (palavra-alvo) ganz schön”, isto é, “Fale (palavra-alvo) bem bonito”). 3 Análise dos resultados 3.1 Análise dos dados escritos Apesar de não incluirmos o grupo MP, em várias de nossas hipóteses, pelo fato de não termos uma ideia mais concreta sobre o que iria ocorrer com este grupo, o incluímos em nossa análise, juntamente com os outros dois grupos, para que pudéssemos verificar como tal grupo se comporta frente aos testes propostos. 6 A análise dos dados escritos foi dividida em duas etapas: a) Análise Geral e b) Análise Parcial. Para a análise geral, contabilizamos os resultados de todos os 183 participantes da pesquisa. Já para a análise parcial, contamos apenas com o resultado de 30 dos 183 participantes analisados anteriormente, sendo 10 de cada um dos grupos do estudo. Para cada um dos três objetivos específicos de nosso estudo, criamos uma hipótese para ser testada em nossa análise. Apresentamos as hipóteses a seguir, juntamente com as análises referentes às mesmas. Como primeira hipótese (referente ao objetivo 1), acreditávamos que os alunos bilíngues fariam um número significativamente maior de trocas dos grafemas <p,b>, <t,d> e <c, g> do que os alunos monolíngues de Rio Grande6. Vejamos os resultados: Como podemos verificar na Tab. 1 (análise geral), os grupos apresentaram médias de 0,37 (MR), 0,87 (MP) e 2,42 (B) trocas por participante. Podemos verificar que houve diferença significativa entre o número de trocas (assinaladas em negrito) feitas pelos grupos MR e B (p=<0,0001) e entre os grupos MP e B (p= 0,0442). Através dos valores de p, podemos perceber que os grupos MR e B são mais distintos do que os grupos MP e B, provavelmente em razão do não contato do grupo MR com a língua de imigração Hunsrückisch. Tabela 1: Resultado do número de trocas- 1ª hipótese Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 209 Gragoatá Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu * * Análise geral (183 alunos) MR média (dp) MP média (dp) B média (dp) Valor de p Número de trocas7 0,37 (0,98) 0,87(1,74) 2,42(4,25) 0,0001* Análise parcial (30 alunos) MR média (dp) MP média (dp) B média (dp) Valor de p Número de trocas 0,70 (0,82) 1,80 (2,49) 3,10 (5,30) 0,6547*ns Estatística do teste Kruskal-Wallis apontou diferença significativa no nível de 5%. ns- Estatística do teste Kruskal-Wallis não apontou diferença significativa no nível de 5%. Como podemos verificar na Tab. 1 (análise parcial), os grupos apresentaram médias de 0,70 (MR), 1,80 (MP) e 3,10 (MR). Como conseguimos observar, ainda há diferença entre os grupos participantes. A partir do apresentado, podemos dizer que nossa primeira hipótese foi confirmada totalmente, na análise geral, por apresentar diferenças significativas no número de trocas entre os alunos do grupo MR e do grupo B e, em parte, na análise parcial, por não apresentar diferenças significativas, provavelmente pela diminuição do número de participantes. 3.2 Análise dos dados de fala A seguir, apresentamos a análise das gravações de áudio. Para tais análises, foi utilizado o programa computacional Praat (BOERSMA, WEENINK, 2008 - versão 5.0.3.28). Esta fase foi dividida em duas etapas: 1ª) Análise da fala em Português Brasileiro e 2ª) Análise da fala em Hunsrückisch. 3.2.1 Análise da fala em Português Brasileiro O teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, aplicado aqui, quando significativo, indica que há pelo menos um par de grupos que difere significativamente. Para que pudéssemos descobrir qual (is) grupo(s) apresentavam diferença significativa, aplicamos também, em todos os testes com três grupos, o teste não paramétrico de Wilcoxon, entre cada um dos grupos. 8 Disponível em: http:// www.praat.org. 7 210 Participaram desta etapa os 30 alunos selecionados para a análise parcial realizada com os dados de escrita, sendo 10 de cada grupo. Nossa segunda hipótese (referente ao objetivo 2) era de que os alunos monolíngues de Rio Grande apresentariam VOTs significativamente menores nos segmentos [p], [t] e [k] e valores de pré-vozeamento significativamente maiores nos segmentos [b], [d] e [g] do que os alunos bilíngues. Vejamos os resultados obtidos: Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português) Tabela 2: Médias dos VOTs do PB dos três grupos participantes – 2ª hipótese Grupos MR MP B tokens Média (dp) Tokens Média (dp) tokens Média (dp) Valor p [p] 128 22,88 (4,89) 124 28,14 (13,53) 120 23,55 (5,21) 0,6078ns [t] 120 20,16 (3,78) 120 22,22 (8,00) 120 21,35 (1,84) 0,2804ns [k] 144 63,90 (11,42) 140 52,43 (10,07) 132 49,66 (12,08) 0,0273* [b] 136 -112,34 (16,40) 132 -99,08 (27,73) 136 -104,10 (19,79) 0,3594ns [d] 100 -106,96 (20,78) 104 -95,58 (22,01) 96 -90,35 (17,04) 0,2325ns [g] 124 -84,15 (18,63) 132 -75,50 (17,19) 124 -79,05 (19,27) 0,3884ns Conforme podemos verificar na Tab. 2, as médias do segmento [p] foram bastante altas em todos os grupos, quando comparadas com a média de 12ms apresentada pela literatura (ISTRE, 1983). Apesar de não aparecerem diferenças significativas, a média do grupo B ainda é um pouco superior à do grupo MR. O grupo MP, por sua vez, teve um resultado bem mais elevado. Tal diferença pode ter sido ocasionada por alguns valores bem diferentes produzidos por parte dos alunos em algumas de suas produções, o que gerou um desvio-padrão bem alto. As médias do segmento [t], nos três grupos, foram um pouco mais elevadas do que o valor 18ms sugerido pela literatura (ISTRE, 1983). Novamente, sem diferença significativa, o grupo MR foi o que apresentou o menor valor, seguido do B e do MP. Quanto ao segmento [k], ficamos bastante surpresos com os resultados encontrados, sendo eles em torno de 54ms. Este foi o único segmento que apresentou diferença significativa, em razão do valor elevado apresentado no grupo MR. As diferenças significativas ocorreram entre os grupos MR e MP (p=0,0284) e entre os grupos MR e B (p=0,0156). É bastante acentuado o índice de aspiração realizado neste segmento pelos alunos monolíngues de Rio Grande, o que sugere que, por alguma razão ainda não descoberta, um maior valor de VOT referente ao segmento [k] pode ser considerado comum nos falantes da cidade de Rio Grande. Por sua vez, os valores altos em ambos os grupos de Picada Café eram esperados, devido à influência do bilinguismo. No entanto, mais uma vez, o grupo MP apresentou médias um pouco maiores do que o grupo B, o que não esperávamos. Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 211 Gragoatá Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu Conforme o apresentado, portanto, nos segmentos [p] e [t], o ordenamento dos valores de VOT foi o seguinte: MR (menor), B, MP (maior). Já no segmento [k], tivemos a seguinte ordem: B (menor), MP, MR (maior). No que diz respeito aos valores referentes às oclusivas que apresentam pré-vozeamento, acreditávamos que as crianças bilíngues teriam valores menores de pré-vozeamento, pelo fato de a língua de imigração Hunsrückisch não apresentar o padrão de VOT negativo, o que poderia ser transferido para o PB. Conforme podemos verificar na Tab. 2, no segmento [b], as crianças monolíngues de Picada Café (MP) tiveram o menor valor de pré-vozeamento, seguidas das crianças do grupo B e, após isso, do grupo MR. Já no segmento [d], finalmente, ocorreu o que esperávamos, isto é, as crianças do grupo B com o menor valor de pré-vozeamento e as do grupo MR com o maior valor. As crianças do grupo MP apresentaram valor intermediário de pré-vozeamento. A diferença encontrada, entretanto, não foi novamente significativa. No segmento [g], o ordenamento seguiu como no segmento [b], sendo o grupo MP o que apresentou o menor valor de pré-vozeamento, seguido do grupo B e, posteriormente, do grupo MR. Apesar de os resultados, tanto dos segmentos surdos como dos segmentos sonoros, não seguirem plenamente o ordenamento por nós hipotetizado em 5 dos 6 segmentos, verificamos que pelo menos os índices apresentados tiveram a seguinte lógica, em 4 dos 6 segmentos: quanto maiores os valores de VOT dos segmentos surdos, menores os valores de pré-vozeamento da contraparte sonora (ex: [p]- ordem: MP (maior VOT), B, MR/ [b]- ordem: MR (maior pré-vozeamento), B, MP). A partir das considerações feitas, podemos dizer que a segunda hipótese foi parcialmente confirmada. Nos resultados dos segmentos oclusivos surdos, ela foi confirmada em 2 dos 6 valores: MR (menor - nos segmentos [p] e [t]). Quanto aos segmentos sonoros, nossa hipótese foi confirmada em 4 dos 6 resultados: B (menor - no segmento [d]), MR (maior - nos segmentos [b], [d] e [g]). Passamos, a seguir, para a análise da segunda etapa. 3.3 Análise da fala em Hunsrückisch Participaram desta etapa os mesmos 10 alunos bilíngues que atuaram na coleta da fala em PB. Através do apresentado pela literatura (ALTENHOFEN, 1996; WIESEMANN, 2008) e de nosso conhecimento sobre a língua de imigração Hunsrückisch, nossa terceira hipótese (referente ao objetivo 3) era de que, em posição inicial de palavra, encontraría mos somente padrões de VOT zero e VOT positivo na língua de imigração estudada. Na Tabela 3 encontram-se os resultados referentes aos VOTs obtidos para cada segmento. 212 Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português) Tabela 3: Médias dos VOTs do Hunsrückisch- 3ª hipótese Em posição medial foram encontradas também oclusivas sonoras e com ensurdecimento pa rcia l, como apontado por Alten hofen (1996). Para maiores informações consultar: GEW EHR-BOR ELLA (2010). 9 Tokens Valores em ms [pH] 120 87,18 [tH] 160 81,79 [kH] 160 91,19 [p] 152 27,36 [t] 160 23,91 [k] 160 40,85 Constatamos, através da análise acústica, algo bastante interessante. As palavras do Alemão Padrão (AP), iniciadas em suas escritas por grafemas que representavam oclusivas sonoras, realizaram-se no Hunsrückisch sem pré-vozeamento e sem aspiração, ou com uma aspiração menor do que o valor produzido pelo seu respectivo par mínimo. Vejamos o exemplo da realização de algumas palavras por um dos participantes. Os segmentos iniciais das palavras do alemão padrão “bitter” (amargo), “Dienstag” (terça-feira) e “giftig” (venenoso) tiveram os respectivos valores de VOT: [p] (18,75ms), [t] (23ms) e [k] (47,5ms). Por sua vez, as palavras iniciadas na grafia do Alemão Padrão por grafemas representando oclusivas surdas foram produzidas no Hunsrückisch com aspiração. Nosso participante realizou, para os segmentos iniciais das palavras do Alemão Padrão “picken” (picar), “Tiger” (tigre) e “Kissen” (travesseiro), os respectivos valores de VOT: [pH] (94ms), [tH] (81,5ms), [kH] (104ms). Temos que apontar ainda a existência de pares mínimos na língua de imigração Hunsrückisch de palavras iniciadas com VOT zero e VOT positivo (ex: [‘pa.g«] (“Backen” do AP)- “assar” e [‘pHa.g«] (‘Packen’ do AP)- ‘empacotar’), o que demonstra um caráter distintivo. Ao final do trabalho de análise acústica de mais de 950 tokens, relativos às 24 palavras escolhidas, conseguimos confirmar nossa terceira hipótese, encontrando, portanto, apenas oclusivas surdas com e sem aspiração (sem pré-vozeamento), em início de palavra na língua de imigração Hunsrückisch9. Através das análises realizadas, constatamos padrões de VOT negativo ([b8]/[b], [d8]/[d], [g¡]/[g]), zero ([p],[t],[k]) e positivo ([pH],[tH],[kH]) na língua de imigração Hunsrückisch. Ao pensarmos nas propostas anteriormente feitas por Wiesemann (2008) e Altenhofen (1996), acerca do inventário fonológico da língua de imigração, poderíamos dizer que a mais condizente com a análise por nós realizada é a de Altenhofen. Wiesemann (2008) simplesmente descarta a possibilidade de pré-vozeamento, enquanto Altenhofen (1996) inclui em seu inventário as oclusivas Halbfortes, sendo consideradas em parte surdas e em parte sonoras. Julgamos necessário, ainda, um estudo mais aprofundado, Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 213 Gragoatá Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu com mais sujeitos, envolvendo a análise acústica das oclusivas dos Hunsrückisch em todas as posições. 3.4 Análise das duas fases da pesquisa: dados escritos e dados de fala Apresentamos, na Tab. 4, um resumo que mostra o número de trocas e o número de VOTs distintos realizados por cada um dos 30 participantes selecionados para as duas fases de nossa pesquisa. Tabela 4: Resumo das duas fases MR13 Trocas na escrita * MR18 * Partic. VOT distinto Partic. 1 MP14 Trocas na escrita 2 * MP15 3 VOT distinto Partic. 5 B36 Trocas na escrita 2 5 B48 * VOT distinto 5 * MR19 * * MP17 1 3 B50 * * MR21 2 15 MP18 3 11 B61 * * MR38 * * MP32 1 * B64 1 13 MR40 2 * MP33 8 18 B71 2 5 MR46 1 3 MP51 * * B72 14 25 MR47 1 * MP56 * 2 B88 12 9 MR50 1 21 MP77 * * B91 * * MR51 * * MP83 * * B96 * * Total 7 40 Total 18 44 Total 31 57 Como podemos visualizar na Tab. 4, os participantes MP33 e B72 obtiveram, em seus grupos, o maior número de trocas na escrita, assim como o maior número de padrões distintos de fala (sinalizados em negrito). Vários outros participantes também apresentaram uma correlação positiva entre as duas fases da pesquisa, o que nos leva a crer que existe uma correlação positiva entre os dados de escrita e de fala. 4 Conclusão Pudemos observar, no decorrer do trabalho, os dois tipos de transferências citadas em nosso referencial teórico, sendo elas: 1º) As transferências grafo-fônico-fonológicas (ZIMMER, 2004); e 2º) As transferências fonético-fonológicas (FLEGE, 2002; BEST, TYLER, 2007). As transferências grafo-fônico-fonológicas, encontradas em várias de nossas análises, ocorreram da fala para a escrita. Através das comparações dos dados escritos e das produções orais, pudemos constatá-las, como, por exemplo, na fala de [Èp .tSi] para a palavra “bote” e na escrita da palavra <pola> para a palavra “bola”. As transferências fonético-fonológicas, por sua vez, ligadas a uma dinamicidade entre o fone físico e o fonema (ALBANO, 2001, 2007), e geradas devido à dificuldade de percepção das diferenças acústico-articulatórias entre a L1 e a L2, puderam ser observadas em parte dos dados de fala. Pelo fato de não perceberem alguns fones da forma considerada padrão, os 214 Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 Transferências grafo-fônico-fonológicas: uma análise de dados de crianças monolíngues (Português) e bilíngues (Hunsrückisch-Português) aprendizes acabaram transferindo os padrões distintos de VOT percebidos para suas falas. Tal modificação de padrões gestuais ocorre com frequência com indivíduos que convivem em ambientes bilíngues e multilíngues, em razão de estes participantes estarem em contato com padrões acústico-articulatórios diversos, o que faz com que os padrões criados dentro de um sistema se modifiquem constantemente. Com este exemplo, podemos verificar que a aquisição da linguagem emerge através de uma interação dinâmica, dentro de um contexto social (BEST, TYLER, 2007). Em suma, puderam ser observadas em nossos dados, “regularidades sutis, encobertas, ou insuspeitas, do conhecimento fônico” (ALBANO, 2007, p. 149). Amparados em uma visão dinâmica da fala, pudemos encontrar, a partir do trabalho de análise realizado, manobras acústicas gradientes em todas as oclusivas analisadas. É importante que mais estudos sobre a gradiência da produção de fala e sua relação com trocas grafêmicas na escrita sejam feitos, principalmente com métodos que permitam a observação dessas sutilezas da fala e da escrita bilíngue. Abstract In this article we report the results of a study on the relationship between the change of graphemes representing voiced plosive phonemes by graphemes representing voiceless phonemes (and vice versa), and the VOT patterns of monolingual (Portuguese) and bilingual (Hunsrückisch-Portuguese) students. Students from three different groups participated in this study: monolinguals without contact with bilinguals (MR), monolinguals who are in contact with bilinguals (MP) and bilinguals (B). Were analyzed in the research, firstly, the number of writing changes of the graphemes <p,b>, <t,d> e <c,g> by 183 students from the three groups. Secondly, were analyzed the written data of 30 students (10 from each group) from the 183 participants analyzed previously. In relation to the VOTs, were analyzed, firstly, the speech patterns in Portuguese by the 30 participants. After that, were measured the Hunsrückisch VOTs by the 30 bilingual students. With regard to the results obtained, we found more graphemic changes in students from group B, followed by the students from group MP and then from MR. Concerning the VOT Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 215 Gragoatá Sabrina Gewehr-Borella, Márcia Cristina Zimmer e Ubiratã Kickhöfel Alvesu patterns, in the voiceless segments the MR group exhibited a shorter VOT than the bilingual group, whereas in the voiced segments the MR group exhibited a longer pre-voicing value than the bilingual group. We found in the results gradient values in the phonetic-phonological transfers analyzed. We therefore conclude that some of our participants show a positive correlation rate between the grapheme and speech production changes, which suggests a possible relation between the processes of writing and oral production. Keywords: bilingualism; grapho-phonic-phonological transfer; phonetic-phonological transfer Referências ALBANO, E. C. 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Oclusiva /d/ do AP [‘tHan] deutsch(alemão) Fonética do Hrs. [‘taitS] Oclusiva /k/ do AP Kaffee(café) Fonética do Hrs. Oclusiva /g/ do AP Fonética do Hrs. // Pater (padre) [‘pH :] baden (tomar banho) /u/ /i/ Puder (pó) picken (picar) [‘pHu:] [‘pHi] bitter (amargo) Butter (manteiga) [‘p ] [‘pu] [‘pi] Torte (torta) tunken (molhar o biscoito) Tiger (tigre) [‘tH ] [‘tHun] Dutzend(dúzia) [‘tHi:] Dienstag (terça-feira) [‘tu] [‘tinS] Kuchen(cuca) Kissen (travesseiro) Darm(intestino) [‘t ] kurzchen(curtinho) [‘kHa] [‘kH ts] [‘kHu:] [‘kHi] Gabel (garfo) Garten (horta /jardim) Gurken(pepinos) giftig(venenoso) [‘ka] [‘k :] [‘kum] [‘kif] Anexo 3: Palavras escolhidas do Hunsrückisch a partir do Alemão Padrão. Não utilizamos palavras com as oclusivas /t/ e /d/ seguidas da vogal /i/ em razão da palatalização ocorrida. 10 Niterói, n. 30, p. 201-219, 1. sem. 2011 219 Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi (UNESP1) Recebido 16, jan. 2011 / Aprovado 7, mar. 2011 Resumo Neste trabalho, investigo possíveis correlações entre tendências subjacentes aos usos dos mecanismos de junção em textos de sujeitos em fase de aquisição de escrita e tendências sobre desenvolvimento de juntores na história da língua. Trata-se, de certa maneira, de trazer novas luzes acerca do paralelo entre ontogenia e filogenia, nos moldes de Kortmann (1997), que sustenta, para a aquisição de esquemas de junção e para a mudança dos juntores ao longo do tempo, direções que sinalizam uma complexidade crescente, verificável tanto de um ponto de vista morfossintático, como de um ponto de vista semântico-cognitivo. Palavras-chave: aquisição; junção; cognição; história 1 UNESP, Instituto de Biociências, Let ras e Ciências Exatas, Departamento de Estudos Linguísticos e Literários, São José do Rio Preto/ SP, 15.054-000. Endereço eletrônico: thomazi@ ibilce.unesp.br Gragoatá Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 Gragoatá Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi Introdução 2 Este trabalho é parte do resultado da pesquisa de pós-doutoramento que realizei na Universidade de Tübi ngen, sob orientação do Prof. Dr. Johannes Kabatek (CNPq: 302670/2008-4/ Fapesp: 09/53614-0). 3 Nos moldes de Coseriu, o sistema compreende um conjunto de possibilidades técnicas do falar, em que somente parte é realizada. A norma, por sua vez, restringe as possibilidades do sistema. Compreende a escolha usual entre as opções oferecidas pelo sistema. 222 Neste trabalho, investigo aspectos morfossintáticos e cognitivos da junção em uma amostra longitudinal de textos produzidos por duas crianças, nos primeiros anos de aquisição de escrita institucionalizada. Para isso, lanço mão de um modelo de junção de orientação funcionalista (HALLIDAY, 1985), que contempla as opções de arquitetura sintática pareadas com as relações semânticas, aliado a pressupostos da mudança linguística por gramaticalização. A questão central é verificar em que medida tendências filogenéticas, que apontam para o aumento de informação gramatical e de complexidade cognitiva, ajudam a explicar os fatos de aquisição (KORTMANN, 1997). Não se trata de insistir nas teses já tão debatidas que consistem em atribuir simplicidade à parataxe e complexidade à hipotaxe, e em sustentar que entre elas haveria uma passagem progressiva, da composição menos para a mais complexa, recuperável na filogênese e na ontogênese. Dessas teses derivam generalizações de que a parataxe é a sintaxe da língua falada, da língua das crianças e dos aprendizes, e também das línguas históricas em suas fases pretéritas. À maneira de La Fauci (2007), entendo que a fragilidade dessas afirmações e que o contraste que elas alimentam entre parataxe e hipotaxe se devem, em grande parte, à desconsideração das tradições discursivas (KABATEK, 2006) e à correlação equivocada que se estabelece entre simplicidade e oralidade. O que proponho é verificar por quais mecanismos de junção os sentidos são codificados nos textos infantis ao longo do período inicial de alfabetização e investigar um possível paralelo entre ontogenia e filogenia, sem perder de vista o contínuo processo de aquisição de novas tradições discursivas2 (TDs, daqui em diante), já que tudo o que se enuncia, seja na modalidade falada ou escrita, se enuncia dentro de uma TD, de um gênero ou de um modo de dizer sócio-historicamente convencionalizado (KABATEK, 2006). Desse ponto de vista, as afirmações sobre os esquemas de junção empregados pelas crianças só podem ser legitimadas com a consideração das TDs. Aproximando-me da concepção de linguagem e do modelo de produção verbal proposto na obra de Coseriu, e refinado nos trabalhos de Koch (1997) e de Oesterreicher (1997), assumo que, para a produção de enunciados escritos, a criança lida simultaneamente com dois conjuntos de regras, as regras idiomáticas, que estão no domínio da língua histórica particular (sistema e norma3), e as regras discursivas, que estão no domínio das TDs (que englobam atos de fala, gêneros, tipos textuais, estilos, formas literárias), que se referem mais propriamente aos modos de dizer tradicionais que regulam a produção e a recepção dos discursos. Dessa perspectiva, os enunciados dos textos infantis podem ser Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos tomados como registro do grau de envolvimento da criança tanto com as regras do sistema como com as da tradição. 1. Pressupostos e expectativas Com base em Kabatek (2006), parto do pressuposto de que as TDs condicionam o uso de determinadas construções linguísticas e também, na direção inversa, que a combinação de certas construções constitui traço caracterizador de TDs. Kabatek lança mão de uma metodologia estatística para identificação de diferentes tradições e, inspirado na proposta multidimensional de Biber (1988), que analisa traços linguísticos e situacionais para disposição dos gêneros em um contínuo, sugere uma redução dos parâmetros de análise e elege a junção para a distinção entre TDs, numa abordagem que conjuga tipos de juntores, frequência relativa e grau de complexidade. Para Kabatek, a junção é, por excelência, o fenômeno que permite a apreensão da(s) TD(s) em que um texto se insere. Pressuponho também que a aquisição de TDs seja proces sual, como argumenta Oesterreicher (1997), que prevê para a aquisição etapas de identificação, habituação e legitimação. Segundo ele, a conformação às regras nunca se dá de modo mecânico, mas há sempre uma inserção gradual que passa por um ‘núcleo duro’, que tem propriedades bastante fixadas, e por núcleos variáveis, que se referem à face composicional das tradições. Como fiz em trabalhos anteriores, proponho abordar o princípio da composicionalidade das TDs no âmbito específico da junção, quando entram em jogo as escolhas que a criança faz sobre como juntar. Essas escolhas são sempre perpassadas por alguma percepção da criança acerca do que é fixo e do que é lacunar na tradição, e refletem um pouco do modo cambiante como a criança se insere nas regras idiomáticas e discursivas, para a construção de uma escrita. Pressuponho ainda que antes da inserção nas práticas formais de letramento a criança já circula por TDs típicas da oralidade, e essa oralidade é sempre atravessada, em maior ou menor grau, por letramentos, a depender de sua vivência. Assim, quando chega à escola, a criança tem um grau de letramento. A concepção de letramento que sustento excede o contexto educacional e equivale a um processo mais amplo de natureza sócio-histórica relacionado às práticas de leitura e de escrita. A alfabetização é, portanto, apenas um tipo de letramento. Essa visão se compatibiliza com aquela de Street (2006), no âmbito da antropologia, em que as práticas de letramento são modos variados e complexos de representar os significados de ler e escrever, em diferentes contextos sociais, em meio a relações de poder e ideologia. São, para o autor, práticas constitutivas da identidade dos indivíduos, associadas a papeis sociais assumidos ou recusados. Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 223 Gragoatá Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi No contexto desses pressupostos, defendo que o estudo de fenômenos de aquisição deve necessariamente contemplar a inserção dos enunciados em TDs, e buscar um entendimento de que são indissociáveis as relações entre oral/letrado, enquanto práticas sociais, e entre falado/escrito, enquanto práticas linguísticas e sociais. Portanto, neste trabalho, minhas expectativas são as de: (i) que a escolha da forma de junção nos textos infantis é, pelo menos em parte, regida pela TD; (ii) que na escrita inicial infantil tradição letrada e tradição oral apareçam mescladas, constituindo-se mutuamente; e, (iii) que evidências dessa constituição heterogênea possam ser recuperadas na morfossintaxe do material escrito, especificamente quando se observa os esquemas de junção. 2. Junção: aspectos morfossintáticos e cognitivos Para análise da junção, adoto um modelo funcionalista de “modificação” de orações (HALLIDAY, 1985; MARTIN et. al., 1997), que pressupõe a não-discretude dos processos de junção e o cruzamento entre informações sintáticas e semânticas. Nessa proposta, os juntores são analisados a partir do encontro entre duas dimensões: (i) o sistema de taxe, que diz respeito às relações de interdependência entre as orações; e, (ii) o sistema semântico, que diz respeito às relações de sentido. As opções do sistema de taxe são parataxe e hipotaxe, cuja distinção repousa, em princípio, no estatuto gramatical das orações envolvidas: se as orações são de mesmo estatuto, a construção é paratática; mas se os estatutos são desiguais, uma oração é modificadora e a outra nuclear, a construção é hipotática. Esse modelo tem a vantagem de dar conta do fato de que qualquer relação semântica pode se resolver em diferentes ambientes sintáticos, com arranjos que são tipicamente paratáticos, hipotáticos ou que estão na fronteira indecisa entre parataxe e hipotaxe, o que coloca em questão aspectos da abordagem tradicional em termos de coordenação e subordinação. As relações semânticas são diversas e, em razão da predisposição derivacional existente entre elas, é possível ordená-las em função de maior ou menor complexidade, conforme proposto por Kortmann (1997), em estudo tipológico sobre gramaticalização de juntores adverbiais em línguas européias. Kortmann (1997) estabelece quatro macro-sistemas semântico-cognitivos, dentro dos quais se desdobram conjuntos de relações com elos de parentesco, que ajudam a explicar padrões de polissemia. São elas: tempo, modo, lugar e CCCC (causa, condição, concessão, contraste). Segundo ele, do ponto de vista histórico, a mudança semântica é fortemente direcional, pois os caminhos são condicionados pelas relações polissêmicas entre os sistemas semânticos, com vistas ao aumento de complexidade, capturado pelo Esquema 1, que mostra afinidades maiores e menores entre as relações semânticas: todas as relações podem dar lugar a CCCC, mas não vice-versa; lugar e modo não têm afinidades semânticas e alimentam os demais 224 Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos sistemas; tempo é o canal de derivação mais importante para as relações CCCC. LUGAR CCCC TEMPO MODO Esquema 1: Macroestrutura do universo semântico das relações racionais (Kortmann, 1997) Nessa perspectiva, Kortmann (1997) propõe estender da filogênese para a ontogênese a investigação das tendências em mudança semântica envolvendo juntores, particularmente o desenvolvimento das relações de CCCC na linguagem infantil. Com base nos resultados de Reilly (1986), Bloom et al. (1980) e Bowerman (1986), Kortmann sustenta que, assim como na filogênese as direções na mudança semântica sinalizam uma complexidade cognitiva crescente, na ontogênese a ordem preferencial de aquisição dos esquemas de junção também segue um gradiente cognitivo similar, com relações de derivação em que os sentidos mais básicos alimentam os sentidos mais complexos: “os significados aprendidos posteriormente (CCCC) incorporam todos os significados antes aprendidos” (BOWERMAN, 1986, apud KORTMANN, 1997). Ainda quanto à cognição, a complexidade pode ser avaliada à luz de uma ambiguidade que decorre da inserção dos juntores em domínios de interpretação. Sweetser (1991) reúne evidências de que um mesmo juntor pode estabelecer valores diversos, entre fatos do mundo sociofísico, entre etapas de um raciocínio lógico e entre momentos de uma argumentação. A autora defende que há um trânsito unidirecional entre esses domínios e que esse trânsito dá sustentação a uma importante tendência filogenética, segundo a qual os significados abstratos derivam dos concretos e, portanto, são historicamente mais tardios. 3. O estatuto dos dados de escrita Vários trabalhos já destacaram a relevância de dados procedentes do processo de aquisição de escrita, argumentando em favor do potencial desses dados para o fornecimento de pistas: para a formulação de hipóteses explicativas sobre características da linguagem oral, na medida em que a criança, ao elaborar hipóteses sobre a escrita, estará procurando representar uma linguagem que até então vinha utilizando exclusivamente de forma oral, em contextos que favorecem a manifestação de estruturas típicas da oralidade (ABAURRE, 1990). Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 225 Gragoatá Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi Nesta pesquisa, a decisão pelo corpus de enunciação escrita para explicação de fatos ontogenéticos encontra respaldo também no estatuto teórico que atribuo à relação fala/escrita. Minha perspectiva descarta a separação discreta entre fala e escrita e se aproxima, em parte, das propostas que abordam as diferenças entre essas modalidades em termos de contínuo tipológico, tal como defendido por Marcuschi (2001) e por Koch e Oesterreicher (1994, 2007). Segundo Marcuschi, os fenômenos de fala e escrita devem ser examinados enquanto fatos linguísticos vinculados a saberes sociais, o que permite pensar em um contínuo de gêneros discursivos com mais características de fala ou de escrita. Koch e Oesterreicher também recusam postulações dicotômicas e sustentam uma distinção escalar, de fronteiras pouco claras, entre o falado e o escrito. Para eles, essas noções são solidárias e devem ser avaliadas a partir de dois parâmetros: o canal de realização (fônico e gráfico) e a cognição, que torna mais claro o entrelaçamento entre o falado e o escrito. As atividades sociais pela linguagem, afirmam Koch e Oesterreicher, circulam por diferentes tipos de texto, numa escala cognitiva fundada na fala e na escrita ou, mais propriamente, numa oralidade e numa escrita concepcionais. Rejeito explicações fundadas em possíveis relações de interferência da fala na escrita e assumo que, no processo inicial de inserção na escrita convencional, a criança já traz na “memória comunicativa” (OESTERREICHER, 1997) esquemas textuais, adquiridos em práticas sociais orais e letradas até então experimentadas. Por isso, a expectativa é a de que os textos das crianças registrem a convivência entre diferentes fontes de saber, provenientes de práticas sociais orais e letradas. É essa convivência que está subjacente à concepção de escrita heterogênea, desenvolvida em Corrêa (2004), em que fala e escrita são modalidades de enunciação relacionadas à circulação dos sujeitos pelas práticas sociais, havendo entre elas uma indissociabilidade que licencia a apreensão de características de enunciados falados no produto escrito. 4. As questões (i) Se os esquemas de junção de um texto, com suas possibilidades de realização quanto à arquitetura sintática e relações semânticas, em termos quantitativos e qualitativos, constituem um fenômeno privilegiado para a apreensão da TD na qual o texto se insere, em que medida as formas de junção, nos textos infantis, são reveladoras do processo gradual de aquisição de regras idiomáticas e discursivas? (ii) Se diacronicamente nas línguas as relações em nível epistêmico, próximas à experiência mental, derivam das relações objetivas entre fatos do mundo, próximos à experiência sociofísica, e se as construções que refletem representações de experiências do mundo são mais facilmente assimiladas do 226 Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos que construções que refletem etapas do raciocínio, até que ponto os dados de aquisição de escrita são reveladores de tendências que direcionam a uma complexidade crescente na morfossintaxe e na cognição? 5. Material e Métodos Utilizo parte de um banco de dados4 que reúne produções textuais de alunos de duas escolas públicas de São José do Rio Preto/SP, localizadas em bairros de periferia. As coletas foram feitas quase que quinzenalmente, nas aulas de língua portuguesa, ao longo dos anos de 2001 a 2004, a partir da aplicação de propostas que visavam obter textos de tradições discursivas diversas. Assim, os mesmos alunos foram acompanhados durante as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Para a pesquisa, selecionei as produções textuais de dois sujeitos, denominados E1 e E2, com base nos critérios: (i) maior frequência na realização das propostas; e, (ii) condições iniciais de escrita próximas às convenções. Portanto, o corpus é constituído de 102 textos: Sujeitos 2001 2002 2003 2004 TOTAL E1: PHP 14 15 11 13 53 E2: AGS 11 14 11 13 49 O banco de dados sobre aquisição de escrita infantil foi constituído para subsidiar as pesquisas do Grupo de Pesquisa Estudos sobre a linguagem (GPEL/CNPq processo 400183/20099), coorden ado p elo Prof. Dr. Lourenço Chacon. As propostas de produção textual foram elaboradoras e aplicadas pela pesquisadora Cristiane C. Capristano, enquanto pós-graduanda do IBILCE/UNESP. 4 Quadro 1: Número de textos produzidos pelos sujeitos nos 4 anos do Ensino Fundamental Quanto ao método, conjugo as abordagens quantitativa e qualitativa e percorro duas etapas principais: (i) mapeamento dos esquemas de junção dos textos, com a caracterização qualitativa dos juntores baseada no cruzamento entre os parâmetros sintático e semântico já esboçados; e, (ii) submissão dos dados ao programa estatístico TraDisc, para obtenção das frequências e dos juntogramas que subsidiam as análises. O TraDisc é um programa computacional para anotação de corpora em formato XML, desenvolvido inicialmente para identificar e anotar juntores em um corpus, contudo sua utilização pode ser estendida para qualquer outro traço linguístico que tenha uma ou duas dimensões. 6. Os esquemas de junção nos textos infantis O mapeamento dos esquemas de junção no corpus, sistematizado no Quadro 2, mostra que os sujeitos optam preferencialmente por determinados esquemas de junção, revelando tendências: o juntor e tem frequência elevada, atua na codificação de quase todas as relações de sentido, combinado ou não com advérbios juntivos; a justaposição (representada por Ø) é um recurso também utiliza- Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 227 Gragoatá Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi do com frequência, sobretudo para a relação de tempo e adição5; juntores morfologicamente complexos como perífrases conjuncionais quase não aparecem6; e, todas as relações de sentido, exceto concessão, são mostradas nos textos, em frequência variável. Adição Parataxe Ø (12,3) e (54,0) e também (0,9) e ainda (0,2) e aí (0,2) Hipotaxe Alter. Ou (4,1) Modo Tempo Contraste Causa Condiç. e assim (0,5) Ø (4,8) e (54,1) (e) aí (4,1) (e) depois (5,1) (e) então (0,2) e enfim (0,2) antes (0,1) primeiro (1,2) Ø (0,4) e (1,2) mas (5,6) só que (1,2) já (0,5) e já (0,5) Ø (0,8) e (6,0) porque (7,4) então (0,9) aí (0,5) e por isso (0,2) e agora (0,26) Ø (0,1) e (0,2) para (16,9) como (0,7) mais/menos do que (1,0) quando (5,0) gerúndio (5,3) hora que (0,5) antes/depois de (0,7) porque (3,2) por causa que (0,2) por (0,9) se (3,9) Quadro 2: frequência (em 1000 palavras) dos juntores nos textos de aquisição de escrita infantil No Quadro 2, a comparação entre os horizontes da parataxe e da hipotaxe faz sobressair a preponderância da parataxe, em termos quantitativos e qualitativos. Esses dados, cruzados com as informações do Gráfico 1, que mostra em números absolutos os resultados para o eixo tático, em perspectiva longitudinal, permitem uma generalização: a produção de sentido nos textos infantis, durante todo o percurso de quatro anos, se faz por meio de uma considerável complexidade de relações semânticas que se resolve quase que invariavelmente por meio da parataxe. Na adição neutra, assim em certos usos de “aí” e “então”, e atua na progressão discursiva, num cont í nuo movimento de avanço pelo acréscimo constante de informação nova. 6 As poucas perífrases encontradas no corpus – “só que, por causa que, hora que” – resultam de processos mais recentes de gramaticalização na língua. 5 228 Gráfico 1: Eixo tático em perspectiva longitudinal Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos Diante desses resultados e, tendo em vista as expectativas e questões levantadas anteriormente, a partir daqui, a análise segue duas vias. Em uma delas, nas seções 7.1 e 7.2, busco justificar a prevalência da parataxe nos quatro anos. Como recuso associar parataxe à simplicidade sintática, os argumentos são buscados na noção de TD e nas próprias características da composição paratática, conforme La Fauci (2007). Defendo, de maneira a ser esclarecida, que a produtividade da parataxe nos enunciados escritos reflete a produtividade da parataxe nos enunciados falados, e que esse reflexo, longe de ser uma questão de interferência, é marca da constituição mista entre as duas modalidades de enunciação. Na outra via, na seção 7.3, exploro a representação cognitiva de relações de sentido, visando avaliar o grau de complexidade. Para tanto, opto particularmente pelo exame da representação da condicionalidade. 6.1 A composição paratática 7 Para apresentação dos exemplos, sigo a seguinte convenção: indico primeiramente o escrevente (E1 e E2), depois o número da proposta (P1 a P55), e então o ano de realização (A1 a A4). 8 Out ros t rabalhos já evidenciaram a natureza multifacetada de “e”, como é o caso de Schneuwly (1988, apud Rojo, 2007), que investigou textos explicativo-argumentativos e constatou que: “Uma unidade, dentre os organizadores textuais, apresenta dificuldades particulares quanto a sua categorização: o E. (...) O E se encontra tanto em contextos lógico-semânticos, quanto temporo-causais. Do ponto de vista ontogenético, o E parece desempenhar um papel muito particular. Todos os autores o consideram o primeiro conectivo, como o “pa rad ig m a dos relatores”, como o “arquiconectivo”: ele propõe um modelo de conexão e parece ser uma unidade a partir da qual se diferenciam numerosas outras.” Nesta seção, discuto as construções paratáticas mais recorrentes no corpus, com o propósito de explicitar alguns dos traços linguísticos desse tipo de composição nos textos infantis. Os fragmentos de textos de (1) a (3)7 exemplificam um pouco da polissemia8 do juntor “e”, para o qual estabeleci uma tipologia de valores baseada em traços da construção que ele ajuda a formar. Em (1), “e” organiza as orações numa sequência temporal que reflete a ordem dos eventos no mundo. Em (2), a sucessão temporal veiculada pelas orações implica uma leitura de causa e efeito. Em (3), o que vem antes e o que vem depois no tempo se traduzem, respectivamente, em causa e efeito que, por sua vez, implicam condição. Em todo corpus, as polissemias são frequentes, principalmente as de trânsito entre Tempo e Causa, revelando relações de parentesco semântico e recapitulando assim tendências em gramaticalização de juntores (KORTMANN, 1997). O critério para classificação dos casos ambíguos foi sempre o nível mais alto, conforme Esquema 2, elaborado para o Texto 3. Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 Texto (1): [E1/P11:A1] 229 Gragoatá Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi Texto (2): [E1/P24:A2] Texto (3):[E1/P8:A1] 3. Se você ajuda, não pega (condição) 2. Porque você ajuda, não pega (causa/efeito) 1. Quando você ajuda, não pega ( tempo) Aumento de complexidade cognitiva Esquema 02: Parentesco entre as relações semânticas (KORTMANN, 1997) A opção pela parataxe com e, e o uso desse juntor repetidamente em várias fronteiras oracionais são traços muito recorrentes nos textos infantis, e as amostras em (4) e (5), a seguir, são outros bons exemplares. A recorrência de e pode ser interpretada como indício dos rituais das tradições da oralidade, sobretudo de uma oralidade informal, que recupera gêneros primários, como o diálogo cotidiano familiar. Nesses termos, a morfossintaxe dos textos infantis traz marcas da encenação dos diálogos pelos quais se conta uma história, se passa uma receita, se explica as etapas de um jogo, se argumenta em favor de um ponto de vista. São rituais que visam, entre outras coisas, entendimento e memorização. Texto 4: [E1/P5:A01] O rato do campo e E o rato da cidade Era uma vez um rato que morava no campo. E um belo dia recebeu um convite que era de seu primo falando no convite para ir, se puder, na casa lá na cidade. E ele foi e quando chegou ficou admirado pela mesa com muito banquete, com sorvete e muito queijo e etc. E começou a conversar E o rato baiano ele faleceu E comem os banquetes E ouviram um ruído e o segundo ruído e esconderam na toca E falou primo eu vou te dar um convite para ir na minha [casa] porque lá na minha casa não tem barulho. 230 Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos Texto 5: [E2:P27:A2] Nos casos de parataxe por justaposição, seguindo Taboada (2009), priorizei o reconhecimento das pistas de natureza morfológica, sintática e semântica que indiciam o sentido, na ausência de juntores. Nos dados investigados, as pistas mais comuns se referem: à negativa explícita aliada ao paralelismo sintático para marcação de contraste, como em (6), cuja leitura é: não deixe a garrafa com a boca para cima Ø o certo é para baixo; à ordem das orações para marcação de sequência temporal, como em (7), à ordem das orações aliada ao conhecimento de mundo (de que pessoas desempregadas não têm dinheiro), como em (9), para indicação de causa e efeito; à semântica dos verbos (passa, atravessa, vai, entra) para o sequenciamento no tempo, como em (7); e ao contexto prévio com juntor explícito, como em (8), cuja leitura é se eu falo abacaxi, eu vou. Texto (6): [E2/P8:A1] Texto (7): [E2/P46:A4] Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 231 Gragoatá Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi Texto (8): [E2/P26:A2] Texto (9): [E1/P31:A3] pois: (i) A análise das construções paratáticas sugere complexidade, a parataxe consiste fundamentalmente em uma composição binária em que a ordem icônica das orações, fundada em restrições tempo-causais, é invariável, o que não se aplica à hipotaxe, cuja liberdade relativa pode gerar diferentes efeitos de sentido; (ii) a parataxe comporta implícitos: como se realiza mais frequentemente por meio do polissêmio e e da justaposição, ou seja, com o mínimo de material morfológico, a parataxe exige mais cálculo de sentido. Seguindo La Fauci (2007), quanto menos uma construção é evidente formal e/ou semanticamente, mais sua determinação é difícil. Na oralidade, essa sintaxe menos explícita é compensada pela entoação e gestos; (iii) a parataxe consiste em uma estratégia de diálogo, uma vez que, sendo necessária a mobilização de inferências, exige uma colaboração mais ativa do interlocutor, propriedade que ajuda a explicar sua recorrência em tradições da oralidade; (iv) a parataxe consiste em uma estratégia de memorização: o trabalho de elaboração mental, exigido por uma sintaxe menos explícita, tende a resultar em uma maior fixação dos 232 Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos fatos na memória, propriedade que também ajuda a explicar a recorrência na oralidade. 6.2 Correlação Junção e TD Para explicitar a correlação entre junção e TD nos textos infantis, selecionei três textos representativos das tradições narrativa, relato de palestra e relato de procedimento e, a partir deles, elaborei Juntogramas, gráficos bidimensionais que trazem, no eixo superior, as opções de articulação paratática e hipotática, que são cruzadas, no eixo inferior, com as relações semânticas. Os juntogramas apresentam um mapeamento detalhado dos esquemas de junção de um texto, sendo possível recuperar frequência, tipos e distribuição dos juntores empregados. O confronto entre os gráficos sinaliza, de modo geral, que na narrativa e no relato de procedimento predominam os esquemas paratáticos de temporalidade, enquanto, no relato de palestra, há maior diversidade de relações semânticas, com frequências mais significativas, inclusive para a hipotaxe. Juntograma 1: [E1/P06:A1] Juntograma 2: [E1/P:01A1] Juntograma 3: [E1/P11:A1] Legenda Eixo superior: 1 = parataxe; 2 = hipotaxe Eixo inferior: -1 = adição; -2 = alternância; -3 = modo; -4 tempo; -5 = contraste; -6 = causa; -7 = condição O juntograma 1 resulta de um texto cuja proposta de produção consistiu na leitura da história dos três porquinhos e na posterior elaboração de outra versão, com novas complicações e novo desfecho. No juntograma prevalecem relações temporais, o que sugere que a criança se insere na escrita, circulando pelo fixo da tradição de contar, ao mostrar que sabe ordenar os eventos no tempo, e circulando também pelo lacunar, ao eleger preferencialmente a parataxe, baseando-se assim em regras de tradições da oralidade as quais domina. Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 233 Gragoatá Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi Explicação similar vale para o relato de procedimento. O juntograma 3 mapeia um texto que apresenta três receitas culinárias. Os três “blocos” de juntores refletem uma das partes características da TD receita, que é o “modo do preparo”, enquanto os espaços vazios se referem à “lista de ingredientes”, porção sem juntores. Novamente, são as relações de tempo que estruturam o texto e a criança vai optar por parataxe temporal. Já o texto 2 tem um propósito diferente, nele a criança deve reproduzir seu entendimento a respeito de uma palestra. O juntograma 2 mostra uma diversidade de junção bem maior, com construções paratáticas e hipotáticas que dão conta da codificação de várias relações semânticas: alternância, modo, tempo, contraste, causa e condição. A análise permite afirmar que, na produção dos primeiros textos escritos, a criança vai lidar de modo singular com o fixo e com o lacunar das tradições, fazendo transparecer o caráter processual da aquisição, que se revela (i) tanto na transposição que é feita da modalidade de enunciação (falada), que ela domina, para a modalidade em aquisição (escrita), o que corrobora a asserção de Street (2006) de que a escrita se desenvolve no interior de um sistema oral de pensamento que permanece dominando os usos do letramento; (ii) quanto nas decisões pelos mecanismos de junção, em que a criança faz uma diferenciação semântica considerável por meio de recursos morfossintáticos mínimos. 6.3 Representação cognitiva da condicionalidade A expressão da condicionalidade em português conta com um repertório extenso de juntores, dentre os quais, se, caso, contanto que, desde que, uma vez que, sem que, dado que, a não ser que, a menos que, exceto se. São na grande maioria juntores condicionais complexos, que podem mobilizar arquiteturas sintáticas diferenciadas, com nuanças semântico-pragmáticas particulares. O quadro 2, apresentado anteriormente, mostra que as condicionais têm uso reduzido no corpus e que a escolha no conjunto dos juntores é bastante restrita, sendo a hipotaxe com se – juntor prototípico - o recurso mais empregado. Montolio (2000) reconhece que os conectivos condicionais complexos são menos frequentes em registros orais e espontâneos e, retomando Wing e Kofsky (1981), argumenta que, dada a complexidade formal e a especificidade da relação condicional que esses conectivos introduzem, estão entre as construções adquiridas pelas crianças em estágios mais avançados, posteriormente às estruturas equivalentes a se e às estruturas paratáticas. As construções com se, tal como mostradas nos textos, podem ser tomadas como índices de como as crianças flutuam pelas regras idiomáticas, sobretudo nas correlações envolvendo a morfologia verbal, necessárias para indicação dos diferentes 234 Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos graus de hipótese. A esse respeito (01) e (02) são ilustrativos, já que o futuro do subjuntivo da primeira oração não encontra correspondência, segundo as regras da língua, no futuro do presente perifrástico, empregado pela criança. Além disso, em casos como (03), é a variação linguística que está em jogo: a conjugação do verbo é representativa de variedades não-padrão. (01)[E1/P25:A2] se o lula fosse presidente o Brasil vai ficar mais com segurança. (02)[E1/P35:A3] se eles tivessem um filho vai sair um mini microfone. (03)[E2/P28:A2] se você vim você será bem vinda na nossa classe Na articulação paratática, conforme as ocorrências (04) e (05) já discutidas em seção prévia, a leitura condicional se deve ao vínculo semântico de causa e efeito, que resulta da ordem icônica das orações e dos pressupostos envolvidos. (04)[E1/P8:A1] Dengue. Ajude e você não pega. (05)[E2/P26:A2] Exemplo: Adielle é meu nome Ø eu falo abacaxi eu vou. Há também leituras condicionais que derivam de construções hipotáticas temporais com quando em que, construídas preferencialmente com verbos no presente, deixam de implicar factualidade e codificam eventualidade. São condicionais que expressam habitualidade, parafraseáveis por sempre que, como em (06) a (08). (06)[E1:P2/A1] Quando tem dor de ouvido, tem água suja (07)[E1:P7/A1] Quando as antas vão caçar, elas trombam em tudo (08)[E1:P7/A1] Quando chove, o sal espalha Para os propósitos do presente trabalho, interessa verificar a representação cognitiva da condicionalidade, ou seja, se as relações de condição são estabelecidas entre os conteúdos semanticamente relacionados das orações, em que o conteúdo da segunda oração é efeito ou consequência do conteúdo da primeira, ou se as condicionais são estabelecidas entre etapas do processo de raciocínio do escrevente, em que um conhecimento ou suposição é condição para o julgamento ou conclusão. A expectativa, vale reforçar, é a de que os processos de raciocínio subjacentes às condicionais epistêmicas envolvam maior complexidade cognitiva e por isso sejam codificados mais tardiamente. Na análise das ocorrências, o resultado é categórico: os textos infantis apresentam somente condicionais de conteúdo, estabelecidas no domínio sociofísico, a partir de uma relação de Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 235 Gragoatá Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi causa > efeito entre eventos do mundo, como exemplificam as ocorrências de (09) a (12). A menor complexidade morfossintática das construções condicionais e a menor complexidade cognitiva da condicionalidade, observadas nos primeiros anos de letramento formal, são aspectos que direcionam para a confirmação da correlação entre tendências filogenéticas e ontogenéticas. A aquisição das relações epistêmicas é mais tardia e provavelmente depende da aquisição de outras TDs. (09)[E1/P26:A2] a pessoa fala cão e se a primeira letra do nome for “c” você fala: “você vai a lua”. (10)[E2/P22:A2] se você não parar de falar isso eu vou te dar um tiro. (11)[E2/P44:A4] se você não me beijar eu te mato (12)[E1/P45:A4] se você comprar à vista você recebe um desconto Considerações finais Neste trabalho, investiguei aspectos do processo de aquisição da modalidade de enunciação escrita, em perspectiva longitudinal, com atenção aos mecanismos de junção. A opção pela junção não foi gratuita, uma vez que: (i) os juntores são itens funcionais (significação interna), da gramática da língua, que supostamente impõem maiores dificuldades de aquisição do que os itens lexicais (significação externa); (ii) a junção é um fenômeno que permite explorar as faces morfossintática e semântico-cognitiva; (iii) a junção é de importância singular para a apreensão das TDs. As formas de junção empregadas nos textos de escrita inicial infantil trazem marcas da experiência que as crianças tiveram até então com tradições da oralidade. O mecanismo por excelência é a parataxe, bastante característico de enunciações faladas, não por se tratar de uma sintaxe simples ou menos rica, mas por ser uma composição fundada numa forma de diálogo, com encadeamentos que favorecem a memorização. Portanto, a prevalência da parataxe no computo geral dos dados não causa surpresa, já que era esperado encontrar textos híbridos, com traços de uma oralidade informal e também de uma oralidade formal, como, por exemplo, a oralidade letrada da professora. Também não é surpresa a codificação das relações semânticas em nível menos abstrato, em que as condicionais epistêmicas, no âmbito do raciocínio lógico, não foram mostradas. Contudo, quebrou expectativas o fato de que o tempo de letramento formal pouco ou nada contribuiu, no caso das crianças investigadas, para a ampliação no quadro da junção, para a aquisição de novas construções morfossintáticas com nuanças semânticas várias. Isso realmente põe em questão o papel da escola. 236 Niterói, n. 30, p. 221-238, 1. sem. 2011 Junção e(m) aquisição: aspectos morfossintáticos e cognitivos Tendências ontogenéticas puderam ser vislumbradas, já que na escrita inicial predominaram juntores de menor complexidade morfológica e de relativa complexidade cognitiva. Mas o trabalho contribuiu, sobretudo, para mostrar a necessidade de considerar, nesse tipo de investigação, o peso das TDs, a relação fala/escrita e a importância de uma compreensão mais circunstanciada das construções de junção. A decisão por um esquema de junção, em dado estágio de aquisição, pode decorrer da complexidade da construção em jogo, mas também de características funcionais do próprio esquema de junção, que é mais ou é menos adequado a um “modo de dizer”. Abstract In this work, I start out from a junction to investigate possible correlations between the underlying trends in the use of the junction mechanisms in subject texts during the writing acquisition stage, as well as trends in the development of junctures in language history. In a certain way, the purpose is to bring new light to the parallel between ontogeny and phylogeny, as proposed by Kortmann (1997), who supports, for the acquisition of junction schemes and for the change of junctures over time, directions which signal a growing complexity, verifiable both through a morphosyntactic and cognitive-semantic point of view. Keywords: acquisition; junction; cognition; history Referências ABAURRE, M. B. M. Língua oral, língua escrita: interessam, à linguística, os dados da aquisição da representação escrita da linguagem? Em: Anais do IX Congresso Internacional da Alfal. Campinas: IEL/Unicamp, 1990. BIBER, D. Variation across speech and writing. 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Ao contrário, na era pós-método1 (BROWN, 2002), percebe-se que cabe a esses profissionais lançar mão do repertório de teorias existentes e dos incrementos tecnológicos do mundo contemporâneo, em especial aqueles provenientes da informática, a fim de orientar melhor cada aluno ou grupo de alunos, atendendo às suas necessidades específicas de aprendizado linguístico. Nesse sentido, a recente publicação intitulada Corpora no Ensino de Línguas Estrangeiras, editada por Vander Viana e Stella Tagnin, e publicada pela HUB Editorial em janeiro deste ano, é um ótimo exemplo de como a Linguística de Corpus pode iluminar a prática docente, tornando-se uma aliada do professor de línguas que está constantemente interessado em aprimorar sua prática. Os nove capítulos da obra são escritos por quinze professores-pesquisadores brasileiros que atuam em diferentes contextos de ensino de línguas. Diferentemente do que o título do volume possa sugerir, cada capítulo não se restringe a apontar possibilidades de utilização de ferramentas computacionais provenientes da Linguística de Corpus na sala de aula de línguas. Em outras palavras, Corpora no Ensino de Línguas Estrangeiras não deve ser entendido por um manual; ao contrário, devido à experiência acadêmica de seus colaboradores (bachareis, mestres, doutores, professores universitários), os estudos nele contidos buscam estimular o público alvo a realizar suas próprias investigações de ordem empírico-linguística, a elaborar seus próprios materiais didáticos com base em corpora e a perceber o discente como potencialmente capaz de nortear seu aprendizado por meio da observação da língua. Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011 241 Gragoatá Pe s q u i s ado r q u e cunhou o termo data-driven learning (“aprendizagem direcionada por dados”) mais conhecido por DDL. 2 242 Danielle de Almeida Menezes Além desse viés instrumentalizador, a obra é a pioneira em língua portuguesa a reunir estudos acerca de diferentes idiomas (alemão, espanhol, francês, inglês e português) sob uma perspectiva educacional. É importante ressaltar aqui que, apesar de a Linguística de Corpus estar presente no país desde fins da última década do século XX, pouco da produção brasileira na área tem explorado a “sua interface com a educação” (p.19). No que concerne à organização, em acréscimo aos capítulos, o livro traz um preâmbulo, escrito por Mike Scott, em homenagem a Tim Johns2, um dos precursores ao propor a associação entre corpora e ensino; um prefácio produzido por Vera Lúcia de Menezes Oliveira e Paiva e a introdução redigida pelos organizadores. O volume ainda contempla dois elementos pós-textuais que têm por objetivo auxiliar os leitores: um glossário e uma lista de corpora online, compilados por Stella Tagnin. Ao final, encontra-se uma seção chamada “Sobre os autores”, em que é possível conhecer um pouco do percurso acadêmico dos colaboradores e ter acesso aos seus endereços eletrônicos. Uma breve análise da estrutura da obra já evidencia a preocupação didático-pedagógica que a alicerça. O primeiro capítulo, intitulado “Linguística de Corpus: Conceitos, Técnicas & Análises”, de Vander Viana (Queen’s University Belfast), oferece uma visão geral da Linguística de Corpus a fim de preparar tanto o leitor pouco familiarizado com a área quanto o mais experiente para os capítulos subsequentes e também para possíveis leituras posteriores. Didaticamente, o autor inicia a discussão sobre o assunto a partir de seu conceito mais básico: corpus. Ao mostrar que os “corpora [são coleções de textos orais e escritos que] representam uma língua ou um recorte dela” (p. 29), Viana fornece o insumo necessário para definir a Linguística de Corpus como “uma forma de investigação empírica da linguagem a partir da exploração sistemática de um corpus” (p. 34). O autor ainda explica outros conceitos-chave, como, por exemplo, a diferença entre “item” e “forma”, ambos os termos utilizados para se referir a “palavra”, e a distinção entre quatro padrões de uso linguístico: a “colocação”, a “coligação”, a “preferência semântica” e a “prosódia semântica”. A maior parte do texto, contudo, destina-se a explorar as técnicas utilizadas para as análises de corpora com o auxílio do programa computacional WordSmith Tools (SCOTT, 2009), escolhido por ser empregado nos outros capítulos do livro. Assim, Viana enfoca, em subseções diferentes, os pressupostos teóricos e funcionais de três ferramentas analíticas, a saber: gerador de listas de palavras, extrator de palavras-chave e concordanciador. Cada ferramenta e suas possibilidades são discutidas minuciosamente e ilustradas por meio de referências a estudos variados, o que demonstra conhecimento aprofundado e pesquisa por parte do autor. Ao final dessas subseções, são apresentadas perguntas e respostas direcionadas a professores de línguas estrangeiras. Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011 Linguística de Corpus: Possibilidades para o ensino de Línguas e Tradução Tais perguntas ajudam o leitor a perceber de forma mais concreta como as ferramentas podem contribuir para o trabalho docente, materializando a informação teórica previamente oferecida. Do segundo ao oitavo capítulo, o foco recai sobre pesquisas realizadas que abordam a relação entre línguas estrangeiras e corpora. No capítulo “Working Closely with Corpus: Análise de Colocações Adverbiais em Inglês para Negócios”, de Andréa Geroldo dos Santos, da Universidade de São Paulo, a autora busca mostrar que “a aprendizagem de colocações (...) é importante para que um aprendiz de língua estrangeira possa se comunicar na língua alvo” (p. 36). A partir da constatação de que as colocações adverbiais são pouco abordadas em livros didáticos, se comparadas a outras colocações (como as verbais e as nominais), a pesquisadora decidiu compilar seu próprio corpus de estudo formado por jornais, revistas e relatórios da área de negócios. Lançando mão de listas de palavras e de linhas de concordância geradas para advérbios que tiveram mais de 55 ocorrências em seu corpus especializado, Santos percebeu que há necessidade de outra abordagem no ensino de colocações adverbiais na área de negócios, visto que “os resultados apresentados, com base em dados autênticos apontaram para colocações que podem ser típicas dessa área (...) e que precisariam ser aprendidas e praticadas pelos aprendizes” (p.133). Seguindo a perspectiva da pesquisa anterior, voltada para o ensino de inglês instrumental, o terceiro capítulo, “Corpora no Ensino do Inglês Acadêmico: Padrões Léxico-Gramaticais em Abstracts de Pós-Graduandos Brasileiros”, de Carmen Dayrell, também da Universidade de São Paulo, investiga resumos de artigos científicos em língua inglesa, produzidos por pós-graduandos brasileiros das áreas de Física, Ciências farmacêuticas e computação. Seu objetivo reside em comparar as características lexicais e gramaticais dos referidos textos com as de um corpus de referência, compilado a partir de artigos científicos em inglês pertencentes às áreas supracitadas. Restringindo-se à discussão de padrões léxico-gramaticais pertencentes a três itens lexicais, Dayrell conclui que seu estudo “aponta uma série de diferenças relevantes entre os dois corpora” (p. 167) e, semelhante à pesquisa realizada por Santos, mostra a importância de chamar a atenção dos aprendizes para aspectos que distinguem sua linguagem daquela de falantes de inglês como língua materna. Assim como o segundo e o terceiro capítulos, “Filmes comerciais: uma perspectiva da aplicação de pesquisa em corpus na sala de aula” reforça a importância da abordagem DDL (aprendizagem direcionada por dados). De autoria de Marcia Veirano Pinto e Renata Condi de Souza, ambas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o capítulo possui alta relevância e contribuição clara para o ensino de inglês geral. Menos complexo que os anteriores, o estudo aproxima-se do interesse e da realidade de ensino de línguas em cursos livres e escolas regulares. Pinto Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011 243 Gragoatá Danielle de Almeida Menezes e Souza compilaram um corpus formado por 72 roteiros de filmes comerciais, todos disponíveis na rede mundial de computadores, e analisaram todas as linhas de concordância geradas para a palavra “just”. As autoras puderam constatar que o uso de “just” em filmes comerciais apresenta diferenças no tocante ao que materiais de ensino enfocam. O capítulo conta ainda com uma interessante seção em que é proposta uma sequência didática com cinco atividades. Diferentemente dos estudos anteriores, o quinto capítulo, “Corpora e Ensino de Tradução: o Papel do Automonitoramento e da Conscientização Cognitivo-Discursiva no Processo de Aprendizagem de Tradutores Novatos”, de Fábio Alves (Universidade Federal de Minas Gerais) e Stella Tagnin (Universidade de São Paulo), está direcionado a tradutores e a professores e alunos de tradução. Partindo de pesquisas que evidenciam que “tradutores novatos tendem a enfocar excessivamente aspectos microtextuais do texto, concentrando esforços na solução de problemas lexicais” (p. 189), Alves e Tagnin discutem “formas de modificar as características cognitivo-discursivas que limitam o desempenho desses aprendizes” (p.190). Para tanto, os autores descrevem os procedimentos necessários para a elaboração de glossários para tradução de textos técnicos a partir da compilação de corpora especializados para o par português-inglês. Desviando o foco da língua inglesa e direcionando-o para outras línguas, o sexto capítulo compara, com o auxílio de ferramentas do programa WordSmith Tools (Scott, 2009), artigos científicos de cardiologia publicados em português e em alemão. Partindo de um conveniente arcabouço teórico acerca da trajetória do ensino de leitura instrumental no Brasil, Maria José Bocorny Finatto, Leonardo Zilio e Elisandro José Migotto, todos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, contrastam as listas de palavras mais frequentes encontradas nos subcorpora de português e alemão do corpus bilíngue que compilaram. A fim de validar os resultados, os mesmos foram submetidos à análise estatística. Das constatações apresentadas por “Artigos de Cardiologia em Português e Alemão: Contribuições da Pesquisa em Corpus para o Ensino de Leitura Instrumental” é relevante ressaltar que o gênero artigo de cardiologia tende a seguir um mesmo roteiro nas duas línguas e “os colocados adjetivais (...) não são igualmente selecionados (...), de modo que o aprendiz e o professor (...) perceberão que nem sempre o que se esperaria a partir do português se encontra em alemão” (p.230). Apesar de os resultados se limitarem aos idiomas investigados, a descrição dos métodos empregados e o referencial teórico abordado no texto são úteis para todo professor de língua estrangeira instrumental. O representante da língua francesa no volume intitula-se “Aplicação do Conceito de Transcategorialidade ao Ensino de Francês como Língua Estrangeira: o Caso da Marca ‘Mas’”, por Adriana Zavaglia e Marion Celli, da Universidade de São Paulo. Partindo 244 Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011 Linguística de Corpus: Possibilidades para o ensino de Línguas e Tradução do pressuposto de que o ensino de gramática nas aulas de francês ainda se pauta por “concepções normativas ou tradicionais” (p. 235), Zavaglia e Celli apresentam o histórico das metodologias de ensino de francês como língua estrangeira e definem o conceito de transcategorialidade e sua importância para o ensino. A partir disso, mostram, por meio da comparação de dois corpora online (um para cada idioma), que palavras gramaticais podem apresentar outros valores além daquele que lhes é prototípico. Para tanto, as autoras analisam as conjunções ‘mas’ em português e ‘mais’ em francês e constatam que, em francês, há 34 opções de tradução para ‘mas’ em português, além de ‘mais’, vocábulo frequentemente escolhido por brasileiros devido à semelhança com a língua portuguesa. O capítulo apresenta ainda uma série de exercícios elaborados a partir dos achados. O penúltimo capítulo, “Gramaticalização da Dor em Português e Espanhol: uma Abordagem Comparada com Subsídios da Linguística de Corpus e da Linguística Sistêmico-Funcional”, por Adriana Silvina Pagano e Giacomo Patrocínio Figueredo (Universidade Federal de Minas Gerais), analisa como usuários de português e espanhol abordam suas dores físicas em entrevistas, textos informativos e fóruns de discussão de livre circulação na internet. Com o respaldo teórico da Linguística Sistêmico-Funcional, que fornece bases para a compreensão de como a experiência é representada por meio da linguagem, os resultados apontam semelhanças entre as duas línguas investigadas, apesar de a ‘dor’ ser representada de maneira mais diversificada em espanhol. Como em quase todos os capítulos, Pagano e Figueredo apontam possibilidades de aplicações pedagógicas de seu estudo. Tony Berber Sardinha, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo assina o nono e último capítulo do livro. Seu texto, “Como Utilizar a Linguística de Corpus no Ensino de Língua Estrangeira. Por uma Linguística de Corpus Educacional Brasileira”, difere-se quanto à organização dos demais capítulos e se divide em duas partes: uma prática e a outra de cunho mais teórico. Na primeira e mais extensa, Sardinha oferece ao professor de línguas ideias e exemplos de como elaborar seus materiais de ensino com base em corpus, ampliando as possibilidades pedagógicas apresentadas em capítulos anteriores. O autor trata de atividades centradas na concordância, de atividades centradas no texto e de atividades multimídia/multigênero. A segunda parte destina-se a discutir a integração entre a Linguística de Corpus e o ensino de línguas no Brasil. Por meio de levantamento bibliográfico, o pesquisador mostra que esta união, cada vez mais desejável, é ainda modesta e recente no país. Contudo, a intensificação, nos últimos anos, do número de pesquisas que abordam aspectos variados da interface corpus-ensino demonstra que este interesse encontra-se em franca expansão. Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011 245 Gragoatá Danielle de Almeida Menezes Apesar da clara relevância da obra, algumas críticas talvez lhe caibam. Em primeiro lugar, alguns estudos tornam-se repetitivos ao apontarem justificativas e propostas pedagógicas muito semelhantes. Além disso, apesar de a obra se destinar a professores com diferentes níveis de conhecimento de Linguística de Corpus, alguns capítulos demandam grande esforço cognitivo por parte de leitores pouco familiarizados com a área e, principalmente, com modesto ou nenhum conhecimento sobre análises estatísticas. Contudo, essas questões menores não diminuem a qualidade do livro e nem de longe ofuscam um dos maiores méritos da obra, que é mostrar ao professor que ele independe dos materiais didáticos disponíveis no mercado e que não só pode como deve estimular a autonomia de seus alunos no tocante a investigações linguísticas. Referências BROWN, H. D. “English Language Teaching in the ‘Post-Method’ Era: Toward better diagnosis, treatment, and assessment”. In: RICHARDS, J.C.; RENANDYA, W.A. Methodology in Language Teaching. Cambridge UK: Cambridge University Press, 2002. VIANA, V; TAGNIN, S. (Org.). Corpora no Ensino de Línguas Estrangeiras. São Paulo: HUB Editorial, 2011. 246 Niterói, n. 30, p. 241-246, 1. sem. 2011 Colaboradores deste número CARLOS FELIPE DA CONCEIÇÃO PINTO Graduado e mestre em Letras pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é aluno do curso de doutorado em Linguística na Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Letras e Linguística, atuando principalmente em história e variação do espanhol e sintaxe gerativa. CHRISTINA ABREU GOMES Graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutora em Linguística pela UFRJ, com estágio de pósdoutorado na University of York, UK (2004). Atualmente é professora associada 2 da UFRJ. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Variação e Mudança, atuando principalmente nos seguintes temas: variação e mudança linguística e, mais recentemente, a aquisição de língua materna, com foco na emergência de padrões fonológicos e morfológicos variáveis do português brasileiro. DANIELLE DE ALMEIDA MENEZES Graduada e mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora em Letras, na área de Estudos da Linguagem, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Atualmente, é professora da Faculdade de Educação da UFRJ. Interessa-se por investigar o discurso de docentes, discentes e docentes em formação sobre ensino e aprendizado de línguas e literaturas. EDUARDO KENEDY Licenciado em Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutor e Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor da graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFF. Pesquisador na área de Psicolinguística e Teoria da Gramática. Fundador e coordenador Laboratório de Psicolinguística da UFF (LAPSI-UFF). Atua nas áreas de processamento cognitivo da linguagem natural e sintaxe formal. JOSÉ FERRARI-NETO Graduado em Letras pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP), especializado em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre e doutor em Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica (RJ). Tem experiência em docência e pesquisa na área de Linguística, com ênfase em Psicolinguística e Aquisição da Linguagem. Foi Professor Assistente de Língua Portuguesa e Linguística Geral na UCP e Professor de Linguística na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Atualmente é Professor de Linguística e Língua Portuguesa na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), atuando no LAPROL (Laboratório de Processamento Linguístico). Niterói, n. 30, p. 247-251, 1. sem. 2011 247 JUSSARA ABRAÇADO Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua, na Universidade Federal Fluminense, como Professora Associada III de Linguística na graduação e Pós-Graduação. É Diretora do Instituto de Letras da UFF, Coordenadora da Linha de Pesquisa Teorias e Análise Linguística do Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagem da UFF e editora dos Cadernos de Letras da UFF. É Líder do Grupo Interinstitucional de Estudos de Língua(gem): usos, contatos e fronteiras. Dedica-se a estudos na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística e Sociolinguística, atuando principalmente nos seguintes temas: ordem de palavras, cognição e gramaticalização, dêixis/referenciação. LETÍCIA MARIA SICURO CORRÊA Obteve PhD pela University of London em 1986, com tese em Psicolinguística, e desde então atua no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUC-Rio. Coordenou o GT (Grupo de Trabalho) de Psicolinguística da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística), de 1988-2002, fundou e coordena o LAPAL (Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem) e atuou como pesquisador visitante (CNRS) na Universidade Paris-V. Sua linha de pesquisa, Processamento e Aquisição da Linguagem, caracteriza-se por integrar teoria linguística (na perspectiva do Minimalismo) com o estudo psicolinguístico da produção e da compreensão da linguagem, e da aquisição da língua materna, na perspectiva da criança que processa a fala à sua volta. Recentemente, essa linha de pesquisa se desdobra para o estudo do Déficit Específico da Linguagem (DEL) dando origem a projetos de cunho mais aplicado, voltados para a identificação da natureza dos problemas de linguagem de crianças. LUCIANA TEIXEIRA Graduada em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mestre em Letras (área de concentração: Linguística) na mesma instituição, doutora em Letras (área de concentração Estudos da Linguagem) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (RJ). É professora da UFJF, onde ministra disciplinas no curso de Graduação em Letras, Especialização em Ensino de Língua Portuguesa e no Programa de Pós-Graduação em Linguística. Participa de projetos de pesquisa na área de processamento e aquisição da linguagem no Núcleo de Estudos em Aquisição da Linguagem e Psicolinguística (NEALP) da UFJF. Áreas de interesse: Aquisição da Linguagem, Psicolinguística, Ciências Cognitivas, Linguística. 248 Niterói, n. 30, p. 247-251, 1. sem. 2011 MÁRCIA CRISTINA VIEIRA PONTES, MIRIAM CRISTINA SEVERINO ALMEIDA e ANA CRISTINA BAPTISTA DE ABREU Graduadas em Letras mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. MÁRCIA CRISTINA ZIMMER Doutora e mestre em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é professor adjunto II da Universidade Católica de Pelotas. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Psicolinguística, atuando principalmente nos seguintes temas: Sistemas Dinâmicos e aquisição da linguagem, Fonologia Gestual e produção oral em inglês (L2), com ênfase na interação entre memória implícita e explícita e aspectos fonéticofonológicos do input, leitura em L2. MARIA CRISTINA NAME Graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). É professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), atuando no Programa de Pós-Graduação em Linguística e no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Psicolinguística, atuando principalmente nos seguintes temas: aquisição da linguagem, aquisição lexical, psicolinguística, categorias lexicais e funcionais. Desenvolveu estágio pós-doutoral no Laboratoire de Recherche sur le Langage, na Université du Québec à Montréal (UQAM, Montreal, Canadá), com Rushen Shi (2009-2010). Atualmente, é coordenadora do GT de Psicolinguística da ANPOLL para o biênio 2010-2012, e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Linguística (UFJF) desde agosto/2010. MARINA ROSA ANA AUGUSTO Graduada em Letras pela Faculdade Ibero Americana de Letras e Ciências Humanas, mestre em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutorado em Linguística pela Unicamp. Atualmente é Professora Colaboradora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística. Atua principalmente nos seguintes temas: ilha factiva, teoria gerativa. Niterói, n. 30, p. 247-251, 1. sem. 2011 249 MERCEDES MARCILESE Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Mestre em Letras pela PUC-RJ. Licenciada e bacharel em Letras pela Universidad Nacional del Litoral (Santa Fe – Argentina). Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Psicolinguística e Aquisição da Linguagem. PAULO ANTONIO PINHEIRO CORREA Professor de Língua Espanhola da Universidade Federal Fluminense (UFF), atuando também no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Doutor e mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Letras e Linguística, com ênfase em Línguas Estrangeiras Modernas, atuando principalmente nas seguintes áreas: aquisição de segundas línguas, espanhol, interlíngua, Sintaxe, Linguística Aplicada. Avaliador do Programa Nacional do Livro Didático de Língua Estrangeira Espanhol, para o Ensino Fundamental (2009) e o Ensino Médio (2010). SABRINA GEWEHR-BORELLA Graduada em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Católica de Pelotas. Atualmente é aluna do doutorado de Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. SANDERLÉIA ROBERTA LONGHIN-THOMAZI Graduada em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), mestre e doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas. Concluiu estágio de pós-doutoramento em Linguística na Eberhard Karls Universität Tübingen (2010). Atualmente é professora da UNESP, campus de São José do Rio Preto. Atua na Graduação e na Pós-Graduação, na linha de pesquisa Variação e Mudança Linguística. Tem experiência na área de Teoria e Análise Linguística, na linha de Variação e Mudança Linguística, investigando principalmente os seguintes temas: gramaticalização, junção, aquisição e história. UBIRATÃ KICKHÖFEL ALVES Graduado em Letras pela Universidade Federal de Pelotas, mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Católica de Pelotas e doutor em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de aquisição fonológica do inglês por falantes do português brasileiro, atuando principalmente nos seguintes temas: aquisição do inglês como L2, teoria fonológica e modelos de análise, aquisição fonológica de L1 e L2 via Teoria da Otimidade e Gramática Harmônica. 250 Niterói, n. 30, p. 247-251, 1. sem. 2011 VIVIAN MEIRA Mestre em Linguística pela Universidade Federal da Bahia e Doutoranda em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas. É professora Assistente de Linguística da Universidade do Estado da Bahia. Atua na área de Teoria e Análise Linguística, com ênfase em Sintaxe Gerativa, Contato entre Línguas e Mudança Diacrônica. Niterói, n. 30, p. 247-251, 1. sem. 2011 251 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Instituto de Letras Revista Gragoatá Rua Professor Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/nº Campus do Gragoatá Bloco C - Sala 518 24210-201 - Niterói - RJ e-mail: [email protected] Telefone: 21-2629-2608 Normas de apresentação de trabalhos 1 A Revista Gragoatá, dos Programas de Pós-Graduação em Letras da UFF, aceita originais sob forma de artigos inéditos e resenhas de interesse para estudos de língua e literatura, em língua portuguesa, inglêsa, francesa e espanhola. 2 Os textos serão submetidos a parecer da Comissão Editorial, que poderá sugerir ao autor modificações de estrutura ou conteúdo. 3 Os textos não deverão exceder 25 páginas, no caso dos artigos, e 8 páginas, no caso de resenhas. Devem ser apresentados em duas cópias impressas sem identificação do autor, bem como em CD, com título do artigo em português e em inglês, indicação do autor, sua filiação acadêmica completa e endereço eletrônico no programa Word for Windows 7.0, em fonte Times New Roman (corpo 12, espaço duplo), sem qualquer tipo de formatação, a não ser: 3.1 Indicação de caracteres (negrito e itálico). 3.2 Margens de 3 cm. 3.3 Recuo de 1 cm no início do parágrafo. 3.4 Recuo de 2 cm nas citações. 3.5 Uso de sublinhas ou aspas duplas (não usar CAIXA ALTA). 3.6 Uso de itálicos para termos estrangeiros e títulos de livros e períodicos. 4 As citações bibliográficas serão indicadas no corpo do texto, entre parênteses, com as seguintes informações: sobrenome do autor em caixa alta; vírgula; data da publicação; abreviatura de página (p.) e o número desta. (Ex.: SILVA, 1992, p. 3-23). 5 As notas explicativas, restritas ao mínimo indispensável, deverão ser apresentadas no final do texto. 6 As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, obedecendo às normas a seguir: Livro: sobrenome do autor, maiúscula inicial do(s) prenome(s), título do livro (itálico), local de publicação, editora,data. Ex.: SHAFF, Adan. História e verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Artigo: sobrenome do autor, maiúscula inicial do(s) prenome(s), título do artigo, nome do periódico (itálico), volume e nº do periódico, data. Ex.: COSTA, A.F.C. da. Estrutura da produção editorial dos periódicos biomédicos brasileiros. Trans-in-formação, Campinas, v. 1, n.1, p. 81-104, jan./abr. 1989. Gragoatá Niterói, n. 30, p. 253-256, 1. sem. 2011 7 As ilustrações deverão ter a qualidade necessária para uma boa reprodução gráfica. Deverão ser identificadas, com título ou legenda, e designadas, no texto, de forma abreviada, como figura (Fig. 1, Fig. 2 etc). 8Os originais serão avaliados a partir dos seguintes quesitos: 8.1 adequação ao tema; 8.2 originalidade da reflexão; 8.3 relevância para a área de estudo; 8.4 atualização bibliográfica; 8.5 objetividade e clareza; 8.6 linguagem técnico-científica. 9 A responsabilidade pelo conteúdo dos artigos publicados pela Revista Gragoatá caberá, exclusivamente, aos seus respectivos autores. 10 Os colaboradores terão direito a dois exemplares da revista. Os originais não aprovados não serão devolvidos. Próximos números Número 31 Tema: Cruzamentos interculturais Organizadores: Paula Glenadel e Angela Dias Prazo para entrega dos originais: 15 de julho de 2011 Ementa: Tradução, mercado global e literaturas nacionais. A tarefa do tradutor. Traduzibilidade das formas contemporâneas de arte; mistura e reescritura de gêneros narrativos; diálogos e interrelações de códigos diversos. Interseções entre o público e o privado; política e produção de subjetividades nas artes e na literatura comtemporânea. Número 32 Tema: Organizadores: Prazo para entrega dos originais: Ementa: 254 Niterói, n. 30, p. 253-256, 1. sem. 2011 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Instituto de Letras Revista Gragoatá Rua Professor Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/nº Campus do Gragoatá Bloco C - Sala 518 24210-201 - Niterói - RJ e-mail: [email protected] Telefone: 21-2629-2608 General Instructions for Submission of Papers 1. The Editorial Board will consider both articles and reviews in the areas of language and literature studies, in Portuguese, English, French and Spanish. 2. In considering the submitted papers, the Editorial Board may suggest changes in their structure or content. Papers should be submitted in CD, with the title both in Portuguese and English, author’s identification, academic affiliation and electronic address, together with two printed copies, without author’s identification, typed in Word for Windows 7.0, double-spaced, Times New Roman font 12, without any other formatting except for: 2.1 bold and italics indication; 2.1 3cm margins; 2.3 1cm indentation for paragraph beginning; 2.4 2cm indentation for long quotations; 2.5 underlining or double inverted commas (NEVER UPPERCASE) for emphasis; 2.6 italics for foreign words and book or journal titles. 3. Papers should be no more than 25 pages in length and reviews no more than 8 pages. 4. Authors are required to resort to as few footnotes as possible, which are to be placed at the end of the text. As for references in the body of the article, they should contain the author’s surname in uppercase as well as date of publication and page number in parentheses (eg.: JOHNSON, 1998, p. 45-47). 5. Bibliographical references should be placed at the end of the text according to the following general format: Book: initial’s author’s pre name(s) in uppercase, author’s surname, title of book (italics), place of publication, publisher and date. (eg.: ELLIS, Rod. Understanding second language acquisition. Oxford: Oxford University Press, 1994). Article: author’s surname, initial’s author’s pre name(s) in uppercase, title of article, name of journal (italics), volume, number and date. (eg.: HINKEL, Eli. Native and nonnative speakers’ pragmatic interpretations of English texts. TESOL Quarterly, v. 28, n° 2, p. 353376, 1994). 6. Tables, graphs and figures should be identified, with a title or legend, and referred to in the body of the work as figure, in abbreviated form (eg.: Fig. 1, Fig. 2 etc.) Niterói, n. 30, p. 253-256, 1. sem. 2011 255 7. Papers should contain two abstracts (a Portuguese and an English version), no more than 5 lines in length. In addition, between 3 to 5 keywords, also in Portuguese and in English, are required. 8. Originals will be evaluated from the following items: 8.1 appropriateness to the theme; 8.2 originality of thought; 8.3 relevance for the study area; 8.4 bibliographic update; 8.5 objectivity and clarity; 8.6 technical-scientific language 9. The responsibility for the content of articles published in the journal Gragoatá sole discretion of their respective authors. 10. Authors, whose articles are accepted for publication, will be entitled to receive 2 copies of the journal. Originals will not be returned. 256 Niterói, n. 30, p. 253-256, 1. sem. 2011 PRIMEIRA EDITORA NEUTRA EM CARBONO DO BRASIL Título conferido pela OSCIP PRIMA (www.prima.org.br) após a implementação de um Programa Socioambiental com vistas à ecoeficiência e ao plantio de árvores referentes à neutralização das emissões dos GEE´s – Gases do Efeito Estufa. Este livro foi composto na fonte Book antiqua.12 Impresso na Globalprint Editora e Gráfica, em papel Pólen Soft 80g (miolo) e Cartão Supremo 250g (capa) produzido em harmonia com o meio ambiente. Esta edição foi impressa em outubro de 2011.