UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE OS PROTOCOLOS DE PRODUÇÃO SÃO UM ESPELHO DA QUALIDADE? Por: Carlos Costa Lethieri Orientador Prof. Ms. Marco A. Larosa Rio de Janeiro 2007 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE OS PROTOCOLOS DE PRODUÇÃO SÃO UM ESPELHO DA QUALIDADE? Apresentação Candido de Mendes monografia como à requisito Universidade parcial para obtenção do grau de especialista em Administração da Qualidade. Por: Carlos Costa Lethieri 3 AGRADECIMENTOS À Ana Lúcia Palmigiani e Darcy Akemi Hokama – pela grande contribuição e incentivo ao meu crescimento profissional e por terem visto em mim o que eu não via. 4 DEDICATÓRIA Este trabalho é dedicado à memória de meu pai Elson Lethieri. 5 RESUMO Este trabalho é uma dissertação sobre Boas Práticas de Fabricação focada na produção de fármacos e imunobiológicos destacando alguns aspectos dos requisitos da RDC nº 210 da ANVISA para esses produtos, e das certificações da série ISO 9000 para o fabricante, e também aspectos sobre a eficácia real dos processos dessas duas certificações, com o objetivo de chamar a atenção sobre a documentação do sistema da qualidade, pois esta não deve ser considerada como instrumento de respaldo para que determinado produto ou serviço tenha sua qualidade garantida por estar documentada de acordo com os requisitos das normas. Os documentos da qualidade mostram que existe na empresa um padrão de qualidade estabelecido, mas isso não assegura qualidade total para os produtos. 6 METODOLOGIA Este estudo está voltado para a documentação do sistema de qualidade, a partir de situações observadas na área de produção de imunobiológicos. Para o desenvolvimento deste trabalho foram utilizados como fontes de consulta e pesquisa a RDC 210 da ANVISA que regula as Boas Práticas de Fabricação para produtos farmacêuticos e as ISO série 9000. Foram consultados, mencionados e/ou transcritos artigos e trabalhos divulgados na Internet e em publicações especializadas, relacionados com o tema proposto, de profissionais e estudiosos em qualidade e documentação do sistema da qualidade. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I - Evolução Histórica da Qualidade 11 CAPÍTULO II - Boas Práticas de Fabricação de Fármacos 26 CAPÍTULO III – Os Documentos da Qualidade 31 CONCLUSÃO 40 ANEXOS 42 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43 BIBLIOGRAFIA CITADA (opcional) 44 ÍNDICE 45 FOLHA DE AVALIAÇÃO 46 8 INTRODUÇÃO A preocupação com a qualidade de produtos e serviços não é recente. Desde o século XVII estudiosos dedicam-se a desenvolver técnicas de controle dos processos de fabricação de bens e fornecimento de serviços. A medida que se aperfeiçoavam esses métodos nascia o conceito de qualidade que se tornaria objeto de estudos e interesse tanto de fabricantes e fornecedores, quanto de usuários. Durante o século XX, foram desenvolvidas tecnologias que permitem aos fabricantes assegurar aos clientes produtos com qualidade desde a concepção do projeto até a fabricação propriamente dita. Atualmente os requisitos para a qualidade envolvem todos os setores de uma empresa. O conceito de qualidade evoluiu no mundo inteiro, foram criados procedimentos e critérios, surgiram os órgãos regulatórios e de certificação. Os consumidores têm acesso a informações sobre os bens e serviços que adquirem. Desde os anos 70 o Brasil conta com dispositivos legais que regulamentam os produtos farmacêuticos e os insumos para a sua fabricação Nos últimos anos os órgãos de fiscalização e regulamentação dos diversos setores da indústria brasileira vêm desenvolvendo um trabalho intenso de auditoria nos Sistemas de Qualidade nas indústrias voltado para o disciplinamento da fiscalização das instalações dos estabelecimentos, e para o cumprimento das Boas Práticas de Fabricação. A criação de agências reguladoras como a Vigilância Sanitária (VISA) em âmbito estadual, e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) na esfera federal e a busca das empresas em certificação nas ISO com vistas em alcançar novos mercados, fez com que o nível de qualidade de produtos e serviços no Brasil chegasse a um patamar que nos coloca em condições de competir com as grandes multinacionais. 9 A fabricação de fármacos e imunobiológicos é regulamentada pela Resolução – RDC n.º 210, que determina a todos os estabelecimentos fabricantes destes produtos, o cumprimento das diretrizes do Regulamento Técnico das Boas Práticas de Fabricação (BPF). Esta Norma preconiza, entre outros requisitos, que as atividades relacionadas a produção e controle de qualidade tenham seus procedimentos registrados em protocolos para fins de rastreamento. Ao registrar as etapas de produção, tanto os operadores das áreas de produção quanto os técnicos do controle de qualidade, estão cumprindo a determinação da norma de BPF, mas isso não atesta que os procedimentos foram executados de acordo com as técnicas. Portanto não se pode afirmar que a apresentação de documentos de produção em uma auditoria seja uma garantia da qualidade de um produto. É inegável que a documentação é parte importante e indispensável num Sistema de Qualidade, pois demonstra que existe na empresa uma estrutura de Garantia da Qualidade. A questão é: o Sistema de Garantia da Qualidade é atuante e eficaz? A visão crítica do controle e da garantia da qualidade deve estar voltada também para as questões internas da empresa em relação às exigências dos órgãos regulatórios. O que fazer quando na busca pela melhoria contínua o sistema de qualidade se deparar com uma limitação de infra-estrutura que não possibilita o atendimento a um requisito da norma de certificação? Os auditores internos deveriam confrontar os resultados das auditorias, que mostram os pontos fracos e fortes na organização, em relação as exigências das normas de qualidade buscando dados que possibilitem argumentar e sejam capazes de justificar diante de uma comissão de auditoria externa (VISA e ANVISA) que o possível não cumprimento de algum requisito da norma pode não interferir na qualidade de um produto, até porque existem desvios de qualidade que aparecem após a liberação e comercialização do produto e não foram nem 10 serão detectados através da conciliação e conferência da documentação do lote. Na verdade o que é evidenciado através da documentação é a existência e a atuação do sistema de qualidade. Existe uma sutil diferença entre garantir a qualidade e assegurar a qualidade. O compromisso de assegurar a qualidade está intrínseco em toda a organização e no gerenciamento e controle da qualidade. 11 CAPÍTULO I EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA QUALIDADE Qualidade pode ser definida como o conjunto de atributos que tornam um bem ou serviço plenamente adequado ao uso para o qual foi concebido, atendendo a diversos critérios. Essa noção não explicita algumas particularidades das atividades de produção, comercialização e atendimento pós-venda de um produto ou serviço. São também associadas à qualidade outras características típicas da relação entre o fornecedor e o usuário, como a capacidade do fornecedor em se antecipar as necessidades do cliente, o seu tempo de resposta e o suporte oferecido. A qualidade é decorrente entre outras coisas do processo de produção. Para se obter um produto com qualidade, é necessário acompanhar o seu ciclo de vida, desde o projeto até a sua utilização. Devem ser determinados seus atributos , de modo a especificá-lo para atendê-los, produzi-lo dentro destas especificações e acompanhar o seu uso verificando se foi adequadamente projetado, produzido e utilizado. A qualidade, portanto, é resultado de um esforço no sentido de se chegar a um resultado satisfatório tanto para o fabricante quanto para o cliente. Sistema de qualidade é o conjunto de técnicas e procedimentos para estabelecer critérios e medidas para identificar possíveis desvios nos processos de produção, com o objetivo de evitar e/ou eliminar não conformidades nestes processos. O enfoque da garantia da qualidade enfatiza o controle, através de inspeções de produto e controle do processo, além das ações preventivas. Estas envolvem a gestão total da qualidade estendida a todas as atividades de uma empresa. 12 1.1 – Origens Até o século XVII, as atividades de produção de bens eram desempenhadas por artesãos. Os bons artesãos eram capazes de realizar obras refinadas e de grande complexidade e detinham o domínio completo do ciclo de produção, já que negociavam com o cliente o serviço a ser realizado, executavam estudos e provas, selecionavam os materiais e as técnicas mais adequadas, construíam o bem e o entregavam. Cada bem produzido era personalizado e incorporava inúmeros detalhes solicitados pelo cliente: o número de variações era quase ilimitado. O padrão de qualidade do artesão era, em geral, muito elevado e resultava na plena satisfação do cliente. A sua produtividade era porém limitada e a competição mantida sob controle pelas corporações de ofício. O grande senão do trabalho artesanal era o preço de cada peça que restringia o acesso a uns poucos consumidores privilegiados. Essa situação pouco mudaria até meados do século XVII, quando o crescimento do comércio europeu alavancou o aumento da produção e com o surgimento das primeiras manufaturas, onde o proprietário, em geral um comerciante, dava emprego a um certo número de artesãos que trabalhava por um salário e a produção era organizada sob o princípio da divisão do trabalho. A produção em massa seria viabilizada pelos preços reduzidos por unidade produzida, com a conseqüente ampliação do mercado permitindo o acesso a pessoas de classes mais baixas a inúmeros produtos antes inacessíveis. As mudanças no modo de produção iriam também modificar a percepção e o tratamento da qualidade. No século XVIII, em 1776, com o desenvolvimento da máquina a vapor por James Watt, passou-se a dispor de um recurso prático para substituir o trabalho humano ou a tração animal por outro tipo de energia. Uma das atividades rapidamente mecanizada foi a produção de têxteis. A partir de então, 13 a velocidade da máquina passava a impor o ritmo da produção e os locais de trabalho passavam a ser construídos em função das necessidades de distribuição dos equipamentos de acordo com o espaço, era o nascimento das fábricas. A produção tornava-se padronizada. 1.2 - A qualidade no ambiente industrial No ambiente de fábrica o trabalho é rotineiro, as atribuições são divididas e são definidos também os perfis de gerentes e supervisores, os administradores, e operários, os que executam. Começavam, então, a ser implantadas a inspeção final de produto. Surgiram nesse período as primeiras iniciativas para se criar sistemas de medidas e normas industriais. Foi no início do século XX, com os trabalhos de Fayol* e de Taylor**, que a moderna administração de empresas consolidou-se. Os seus trabalhos têm, até hoje, uma profunda influência na forma como as organizações operam e se estruturam, e na visão predominante sobre a qualidade. Os primeiros sistemas de medida formalizados, baseados em grandezas físicas, foram adotados na França em 1791 e na Inglaterra em 1814. A moderna metrologia legal foi instituída neste último país em 1864. O primeiro comitê de normas de alcance nacional, também na Inglaterra em 1901. *Henry Fayol (1841-1925) viveu na França, engenheiro de minas, dedicou-se desde os vinte e cinco anos de idade a atividades gerenciais, com notável sucesso. Em 1916 já idoso, publicou a obra Administração Industrial e Geral, originadora da escola da administração clássica, em que defende a estruturação da empresa em seis funções básicas: técnica, comercial, financeira, contábil, administrativa e de segurança. Subdividiu as atividades da função administrativa em prever, organizar, comandar, coordenar e controlar. Lançou os conceitos de unidade de comando, unidade de direção, 14 centralização e cadeia escalar, distinguindo as funções de linha e as funções de assessoramento. **Frederick Winston Taylor (1856-1915) é o criador da administração científica. Foi operário, capataz e engenheiro. Entre 1885 e 1903 dedicou-se a estudar a organização das tarefas e os tempos e movimentos gastos por um operário em sua execução. Também idealizou diversas formas de remuneração que premiassem os profissionais mais produtivos. Defendeu a otimização do local de trabalho e o adestramento do operário. Em 1911, Taylor divulga sua obra Princípios da Administração Científica, em que focaliza a estruturação global da empresa e defende a aplicação dos princípios da supervisão funcional, da padronização de procedimentos, ferramentas e instrumentos, do estudo de tempos e movimentos, do planejamento de tarefas e cargos e dos sistemas de premiação por eficiência. Formalizou os conceitos de divisão do trabalho, de especialização profissional e de administração pela exceção. Nas empresas, a divisão funcional levou à criação dos Departamentos de Controle da Qualidade e ao aperfeiçoamento das técnicas de inspeção. Na década de 30, a inspeção por amostragem começa a ser adotada nos EUA, sendo aperfeiçoada principalmente graças aos trabalhos de Harold F. Dodge (1893-1974), que também desenvolveria as primeiras tabelas para planejar o processo de inspeção, os chamados planos de inspeção. A inspeção por amostragem consiste na retirada de amostras de um lote de produtos ou de material para análise e na decisão de se aceitar ou rejeitar todo o lote em função da qualidade das amostras, considerados os riscos de se rejeitar produtos de boa qualidade ou de se aceitar produtos de má qualidade sob um enfoque estatístico. Apresenta certas vantagens sobre a inspeção total ou 100%: menor tempo de inspeção, menor número de inspetores, custo mais baixo. Além disso, como a inspeção é feita em um pequeno número de unidades, pode ser mais precisa e contemplar um maior 15 número de características e admite inclusive a realização de ensaios destrutivos, em que a amostra é perdida, tais como ensaios de tração ou compressão mecânica, de impacto, de queda, de resistência à abrasão, etc. O estatístico Walter Shewhart (1891-1967) desenvolveu os conceitos básicos da moderna engenharia da qualidade e os apresentou na obra Economic Control of Quality of Manufactured Products, de 1931. Shewhart entendia que o operário era perfeitamente capaz de compreender, observar e controlar a sua produção e dedicou-se a desenvolver técnicas para tal. Introduziu, então, os conceitos de controle estatístico de processos e de ciclo de melhoria contínua. O controle estatístico de processo (CEP) foi concebido como uma combinação de fatores (equipamentos, recursos humanos, metodologia, ferramental e matéria-prima), que gera um produto ou serviço com determinadas características. Ao executar sua atividade, o operário coloca o processo em andamento e o observa, deste modo pode perceber certas variações. Se estas fossem estatisticamente aleatórias o processo estaria "sob controle", se apresentassem, porém, um viés sistemático poderia ser eliminada. Portanto, controlar um processo significa estabelecer um ciclo em que este é observado e ajustado continuamente, eliminando-se causas especiais quando estas ocorrem. Para tal, Shewhart desenvolveu cartas de controle, gráficos em que são lançados valores medidos em amostras retiradas da produção e mostram seu comportamento. Em princípio, se o processo está sob controle, os valores coletados deverão comportar-se, em termos de grandeza e freqüência, de forma compatível com uma distribuição normal podendo apresentar alguma variação, mas qualquer variação que não seja explicável como uma ocorrência aleatória compatível com a distribuição normal deverá ser objeto de análise, pois indicará que o processo está fora de controle.O CEP oferece diversas vantagens como ferramenta de controle da qualidade: é relativamente simples de ser elaborado, podendo ficar a cargo do próprio operador de um 16 equipamento ou executor de um serviço; permite um ajuste contínuo do processo, mantendo-o sob controle; oferece uma visão gráfica do andamento do processo e permite avaliar a sua capacidade. Além disso, o seu custo é geralmente inferior ao de uma inspeção por amostragem executada no produto acabado. O outro importante conceito introduzido por Shewhart foi o ciclo de melhoria contínua. Ele defendia uma abordagem sistematizada para a solução de qualquer problema na empresa. O modelo de Shewhart baseia-se na execução cíclica e sistemática de quatro etapas na análise de um problema: - Planejar (P), etapa em que se planeja a abordagem a ser dada, definem-se as variáveis a serem acompanhadas e treinam-se os profissionais envolvidos na atividade; - Executar (D), etapa em que o processo em estudo é acompanhado e medidas são coletadas; - Examinar (C), etapa da verificação dos dados coletados e da análise dos problemas identificados e de suas causas e; - Ajustar (A), etapa de agir sobre as causas, corrigi-las ou eliminá-las, para em seguida reiniciar o ciclo com uma nova etapa de planejamento. 1.3 - A Gestão da Qualidade Total A moderna concepção de gestão da qualidade total, que consolidaria os conceitos de qualidade num corpo de conhecimentos consistente, desenvolveu-se nos anos 50 a partir dos trabalhos de Armand V. Feigenbaum, Joseph M. Juran e Winston Edwards Deming. Deming (1900-1993), era físico e estatístico. Discípulo de Shewhart e de Fisher, também um grande estatístico, trabalhou desde 1927 no Departamento de Agricultura dos EUA. Durante a Segunda Guerra, prestou consultoria em 17 empresas norte-americanas na implantação de sistemas de controle da qualidade. Após a guerra, desiludido pelo abandono dessas técnicas, aceitou um convite para ir ao Japão prestar apoio à recuperação da indústria daquele país. Lá, divulgou os conceitos de melhoria contínua e de controle estatístico de processos e também pregou os conceitos de aplicação do controle da qualidade em todas as áreas da empresa e o envolvimento e liderança da alta administração para a melhoria da qualidade. Convidado a apresentar seus pontos-de-vista a um grupo de grandes empresários japoneses assoberbados com os desafios e dificuldades de um país derrotado em uma guerra, convenceu-os a aplicar suas técnicas com argumentos bastante pragmáticos: "vocês podem produzir qualidade... vocês podem vender qualidade e comprar alimentos. A cidade de Chicago faz exatamente isso”. Contrariando as posições da administração científica, Deming diz que "o consumidor é a peça mais importante da linha de produção". Resumiu os seus ensinamentos em 14 pontos apresentados no livro Out of the Crisis, Publicado no Brasil com o título “Qualidade: A Revolução na Administração”. de 1925: I - Estabeleça constância de propósitos para a melhoria do produto e do serviço, objetivando tornar-se competitivo e manter-se em atividade, bem como criar emprego; II - Adote a nova filosofia. Estamos numa nova era econômica. A administração ocidental deve acordar para o desafio, conscientizar-se de suas responsabilidades e assumir a liderança no processo de transformação; III - Deixe de depender da inspeção para atingir a qualidade. Elimine a necessidade de inspeção em massa, introduzindo a qualidade no produto desde seu primeiro estágio; 18 IV - Cesse a prática de aprovar orçamentos com base no preço. Ao invés disto, minimize o custo total. Desenvolva um único fornecedor para cada item, num relacionamento de longo prazo fundamentado na lealdade e na confiança; V - Melhore constantemente o sistema de produção e de prestação de serviços, de modo a melhorar a qualidade e a produtividade e, consequentemente, reduzir de forma sistemática os custos; VI – Institua o treinamento no local de trabalho; VII - Institua liderança. O objetivo da chefia deve ser o de ajudar as pessoas e as máquinas e dispositivos a executarem um trabalho melhor. A chefia administrativa está necessitando de uma revisão geral, tanto quanto a chefia dos trabalhadores de produção; VIII - Elimine o medo, de tal forma que todos trabalhem de modo eficaz para a empresa; IX - Elimine as barreiras entre os departamentos. As pessoas engajadas em pesquisas, projetos, vendas e produção devem trabalhar em equipe, de modo a preverem problemas de produção e de utilização do produto ou serviço; X - Elimine lemas, exortações e METAS para a mão-de-obra que exijam nível zero de falhas e estabeleçam novos níveis produtividade. Tais exortações apenas geram inimizades, visto que o grosso das causas da baixa QUALIDADE e da baixa produtividade encontram-se no SISTEMA estando, portanto, fora do alcance dos trabalhadores; 19 XI - A)Elimine padrões de trabalho (quotas) na linha de produção. Substitua-os pela liderança.; B) Elimine o processo de administração por objetivos. Elimine o processo de administração por cifras, por objetivos numéricos. Substitua-os pela administração por processos através do exemplo de líderes; XII - A) Remova as barreiras que privam o operário horista de seu direito de orgulhar-se de seu desempenho. A responsabilidade dos chefes deve ser mudada de números absolutos para a qualidade; B) Remova a barreiras que privam as pessoas da administração e da engenharia de seu direito de orgulharem-se de seu desempenho. Isto significa, “interalia”, a abolição da avaliação anual de desempenho ou de mérito, bem como da administração por objetivos; XIII - Institua um forte programa de educação e auto-aprimoramento; XIV - Engaje todos da empresa no processo de realizar a transformação. A transformação é da competência de todo mundo. É importante notar que tais orientações não são prescritivas. Deming, ao contrário de outros estudiosos da administração, não descreve métodos estáticos de aplicação geral, mas um conjunto de princípios a serem adaptados à cultura de cada organização. Joseph M. Juran (1904-), talvez o mais conceituado consultor em gestão da qualidade da atualidade, iniciou em 1924 suas atividades como engenheiro, empresário e consultor. Em 1950 enunciou a aplicação do princípio de Pareto aos problemas gerenciais, segundo o qual poucas causas são responsáveis pela maior parte das ocorrências de um problema e um grande número de possíveis causas são irrelevantes. Sugeriu também a implementação de sistemas da qualidade através de três etapas distintas: planejamento, controle 20 e melhoria, e desenvolveu inúmeros artigos e alguns livros entre os quais o Juran's Quality Handbook, hoje, talvez, o mais importante manual de engenharia e gestão da qualidade. Ele define a qualidade como a "adequação ao uso" do produto ou serviço e atribui grande importância à evolução contínua da qualidade, envolvendo o ciclo completo de desenvolvimento, produção e comercialização de produtos e serviços. É defensor da concepção da qualidade desde o projeto e da contabilização de seus custos. Armand V. Feigenbaum lançou o conceito de qualidade total em seu livro Total Quality Control, de 1951. A sua abordagem é sistêmica: entende que a qualidade deve ser projetada, deve ser "embutida" no produto ou no serviço. Não se consegue qualidade apenas eliminando falhas ou inspecionando. Assim, é necessário especificar e implantar uma estrutura de trabalho para toda a organização, documentada, com procedimentos técnicos e gerenciais integrados, para coordenar as ações dos operadores e dos equipamentos, de modo a garantir a satisfação do cliente a custos competitivos. A gestão da qualidade total pode ser definida como um conjunto integrado e sistêmico de procedimentos que visam coordenar as ações das pessoas de uma organização com o objetivo de se melhorar continuamente a qualidade de produtos e serviços. A qualidade dos processos e a qualidade de vida na organização dentro de um enfoque preventivo pode ser desenvolvida de inúmeras formas, embora as várias implementações incluam usualmente diversos elementos comuns: - procedimentos de planejamento e desdobramento de diretrizes para as várias áreas da empresa; - um sistema de informações e de documentação sobre processos; 21 - procedimentos de feedback para aproveitar a análise dos dados na melhoria da qualidade; - procedimentos de acompanhamento e de treinamento de recursos humanos para a qualidade; - métodos e técnicas de prevenção e de controle da qualidade; - auditorias preventivas e/ou avaliativas e; - procedimentos para o acompanhamento das expectativas e da satisfação do cliente e de feedback dessas informações a todas as partes interessadas da empresa. 1.4 - O desafio japonês A partir dos anos 50 os japoneses iniciaram o desenvolvimento de programas de melhoria da qualidade. Rapidamente desenvolveram novas técnicas e sistemas de produção que permitiram alcançar um elevado grau de qualidade, associado a níveis de falhas e perdas ínfimas, medidas em ppm (partes por milhão) aproximando-se na prática do ideal de produção com "zero erro". De início, desenvolveram técnicas para trabalhar em equipe e melhor aproveitar a competência de profissionais em apoiar a melhoria de processos, tais como os círculos de controle da qualidade (CCQ). Os CCQ consistem em times que se reúnem voluntariamente para estudar, analisar e resolver problemas de qualidade de seu interesse. Kaoru Ishikawa, já falecido, foi um dos seus principais estimuladores. Posteriormente, desenvolveram novas formas de organização da produção, com o objetivo de otimizar a utilização de espaço, devido ao alto custo da ocupação do solo no Japão, através da eliminação de estoques pelo sistema just-in-time, assim o 22 produto é manufaturado no momento em que é feito o pedido, sem estoques intermedários na linha de produção. Esta é controlada por cartões (kanban). As limitações de espaço levaram também a técnicas de melhoria da limpeza e organização do local de trabalho, como o 5S (os “cinco sensos”). Desenvolveram ainda mecanismos para flexibilizar a produção, pois em função do just-in-time, a empresa não sabe exatamente que produto entre os vários que tem em catálogo será solicitada a fabricar num dado momento. Por esse motivo cada equipe precisa estar preparada para trabalhar com diversos produtos e mudar a configuração do processo em poucos instantes. É o conceito de célula flexível de manufatura. Shigeo Shingo criou um conjunto de técnicas para a rápida reconfiguração de processos, denominado SMED (single-minute change of die). Para melhorar os projetos, permitindo o uso de componentes menos críticos sem perda de qualidade, adotaram-se as técnicas de projeto robusto, desenvolvidas por Genichi Taguchi, que tornam o processo pouco influenciado por fatores externos, em função de características previstas no projeto. Para chegar-se ao completo domínio de tais técnicas e incorporá-las ao processo produtivo, é necessário trilhar um longo caminho, que se inicia pela preparação cultural da empresa. O foco da gestão japonesa está na preparação do profissional que domina plenamente, quase que por reflexo, as técnicas de trabalho em equipe, de organização e limpeza do local de trabalho e de abordagem sistematizada dos problemas. Nos anos oitenta, a indústria japonesa já oferecia ao cliente a possibilidade de escolha de inúmeras opções de configuração do produto que iria adquirir e o produzia quase que "por encomenda". Graças à organização do trabalho, era capaz de recuperar o ideal da produção artesanal: um produto personalizado, tecnicamente perfeito, com um número quase ilimitado de alternativas à disposição do cliente. 23 Apesar da agressiva competição no mercado global, as grandes corporações daquele país avançaram sobre o consumidor ocidental e implantaram indústrias em inúmeros países. E os norte-americanos e europeus debruçaram-se sobre os métodos orientais em busca de uma resposta. A partir de então, três abordagens distintas a respeito da gestão da qualidade evoluíram e se consolidaram. No Japão era dada ênfase a formação do homem, a organização do local de trabalho, ao trabalho em equipe e criação de um ambiente de fidelidade mútua entre a empresa e o profissional, marcado pela estabilidade no emprego e pela resistência à sindicalização com o objetivo de alcançar elevado grau de competitividade do seu produto no mercado. Nos EUA o tratamento da qualidade desenvolveu-se a partir das indústrias bélica e nuclear e foi fortemente influenciado pelas exigências de segurança dessas aplicações. O estudo das falhas de segurança nessas áreas levou à conclusão de que estas eram provocadas em muitos casos por problemas de natureza sistêmica. A visão norte-americana ficou centrada em assegurar que o sistema da qualidade fosse consistente e confiável garantindo que o produto final atendesse às especificações estabelecidas. Esta abordagem denominava-se, então, Garantia da Qualidade. A postura européia enfatizou, por sua vez, a relação fornecedor-cliente pelo lado da certificação dos fornecedores. Tal orientação decorria das necessidades de unificação do mercado comum europeu, que criava oportunidades de mercado nos vários países da comunidade. Assim, por exemplo, uma empresa grega poderia fornecer produtos para parceiros alemães, britânicos ou italianos. Para isso, em vez de necessitar de uma certificação de cada cliente, a empresa seria auditada uma única vez por auditores independentes qualificados dentro de critérios padronizados descritos 24 nas normas ISO-9000. Essa certificação era aceita em todos os países da CEE e representava um requisito para acesso a esses mercados. No Brasil não houve uma tendência predominante. As empresas do setor automobilístico e de auto-peças adotaram preponderantemente o modelo norte-americano. Já no setor siderúrgico diversas empresas implantaram projetos de orientação japonesa. A certificação ISO-9000, por sua vez, tornouse o grande objetivo dos anos 90 e foi bastante procurada em empresas dos setores eletro-eletrônico, de informática e de serviços. 1.5 - Perspectivas A engenharia da qualidade passa hoje por um período de síntese. Nos anos 90, por exemplo, a certificação de fornecedores pelos critérios da ISO9000 generalizou-se dando origem a normas específicas de determinadas indústrias, a exemplo da indústria automotiva norte-americana, que criou as normas QS-9000. A mesma tendência pode ser observada para outras práticas da qualidade, o que vem levando a uma compreensão mais uniforme dos conceitos de sistema da qualidade e de gestão total da qualidade em diversos países. Outra forte tendência ao final do século XX é a incorporação de conceitos de preservação ambiental e responsabilidade ética e de cidadania como elementos da prática da qualidade. Não basta tratar a qualidade de produtos e serviços com vista à satisfação do cliente e à lucratividade, é preciso também promover o tratamento de dejetos e resíduos decorrentes da produção, oferecer condições salariais e de vida adequadas ao trabalhador e apoiar a comunidade. Um resultado dessa tendência foi a criação das normas ISO-14000 para certificação ambiental. Também é importante a postura dos governos nacionais de adoção dos princípios da qualidade, seja em suas próprias organizações, seja como estratégia de desenvolvimento, através de 25 exigências de certificações, da criação de prêmios ou da montagem de programas governamentais. A criação de um prêmio nacional foi uma iniciativa do governo japonês que instituiu, nos anos 50, o Prêmio Deming. Nos anos 70 a Colômbia criou um prêmio similar, na década seguinte os EUA lançaram o Prêmio Malcolm Baldridge. No Brasil, o Prêmio Nacional da Qualidade vem sendo concedido desde 1992. As leis de proteção ao consumidor também estimulam a adoção de sistemas de gestão da qualidade e determinam aspectos importantes desses sistemas, pela necessidade de se manter registros das operações da empresa, em virtude das implicações legais em eventuais falhas que possam chegar ao consumidor. Hoje o fornecedor é responsável não só pelo produto em si mas também pelas garantias implícitas quanto ao seu uso e fica sujeito à inversão do ônus da prova no caso de dano ou falha, cabendo-lhe comprovar a qualidade do seu produto ou serviço. No Brasil, a lei de proteção ao consumidor (Lei nº 8.078 de 11/09/1990) incorporou esses conceitos. Nesse contexto, um dos possíveis mecanismos de defesa das empresas é manter um registro rigoroso do ciclo de vida do produto. Como caminho natural de sua evolução histórica , o aprendizado das práticas da qualidade vem sendo incorporado à formação profissional de todos aqueles que estejam envolvidos com o projeto, a produção e a oferta de bens e serviços. No mercado globalizado dos dias atuais, com os acordos comerciais e de trocas de tecnologia entre os países independente do seu estágio de desenvolvimento, a engenharia da qualidade está deixando de ser uma disciplina especializada para, gradualmente, tornar-se mais um conhecimento básico de profissionais de todas as áreas. 26 CAPÍTULO II BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÃO DE FÁRMACOS A produção de fármacos, incluindo os imunibiológicos, no Brasil é regulamentada pela Resolução RDC nº 210 de 04 de agosto de 2003 da Vigilância Sanitária, considerando as recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre certificação de qualidade de produtos farmacêuticos. Esta RDC (Resolução de Diretoria Colegiada) determina em seu Artigo 1º a todos os estabelecimentos fabricantes de produtos farmacêuticos o cumprimento das diretrizes do regulamento de Boas Práticas de Fabricação (BPF) que deve ser tomado como referência na inspeção de instalações das fábricas, dos processos de produção e controle de qualidade, bem como no treinamento dos profissionais envolvidos nestes processos. De acordo com a RDC: “Boas Práticas de Fabricação é a parte da Garantia da Qualidade que assegura que os produtos são consistentemente produzidos e controlados com padrões de qualidade”. O fabricante é responsável pela qualidade do que produz e precisa assegurar a eficácia de seu produto. Para isso a alta direção de uma empresa deve constituir um sistema de Garantia da Qualidade corretamente implementado e estruturado com pessoal competente, infra-estrutura adequada e um Manual da Qualidade desenvolvido para a empresa. Em artigo para o site Comunidade Virtual em Vigilância Sanitária, Antônio Celso da Costa Brandão comenta: “O desenvolvimento e a implementação de um sistema de Garantia da Qualidade necessita de um suporte documental que reflita a política, a organização, as ações, as estratégias e as instruções do serviço. Tudo que se faz tem que ser escrito segundo normas estabelecidas, depois de muito discutido e segundo o conhecimento e as possibilidades técnicas e científicas de cada momento”. 27 O termo Garantia da Qualidade engloba elementos tais como a estrutura organizacional, os processos e os procedimentos. O Sistema de Qualidade de uma empresa é formado pela Garantia e pelo Controle da Qualidade, e tanto a produção quanto outros setores devem estar envolvidos com os procedimentos de BPF, mas o gerenciamento desses processos está a cargo da Garantia da Qualidade. A RDC 210 define Garantia da Qualidade como sendo a totalidade das providências tomadas com o objetivo de garantir que os produtos estejam dentro dos padrões de qualidade exigidos. De acordo com a norma, um sistema de Garantia da Qualidade deve assegurar que: - os produtos sejam projetados e desenvolvidos considerando a necessidade do cumprimento das BPF e outros requisitos como Boas Práticas de laboratório (BPL) e Boas práticas Clínicas (BPC); - as operações de produção e controle estejam claramente especificadas por escrito e as exigências de BPF cumpridas; - as responsabilidades gerenciais estejam claramente especificadas na descrição de cargos e funções; - sejam tomadas providências quanto à fabricação, suprimento e utilização de matérias-primas e materiais de embalagem; - sejam realizados todos os controles nas matérias-primas, produtos intermediários, produtos a granel, bem como outros controles em processo, calibrações e validações; 28 - o produto terminado seja corretamente processado e conferido, segundo procedimentos definidos; - os medicamentos não sejam expedidos antes que as pessoas autorizadas tenham certificado que cada lote de produção foi produzido e controlado de acordo com os requisitos do registro e outros regulamentos relevantes à produção, controle e liberação de produtos farmacêuticos; - sejam fornecidas instruções e tomadas as providências necessárias para garantir que os medicamentos sejam armazenados pelo fabricante, distribuídos e subseqüentemente manuseados, de forma que a qualidade dos mesmos seja mantida por todo o prazo de validade; - haja procedimento de auto-inspeção e/ou auditoria interna da qualidade que avalie regularmente a efetividade e a aplicação do Sistema de Garantia da Qualidade. 2.1 - Produção e Controle de Qualidade Nas áreas de produção as instalações físicas devem estar dispostas segundo o fluxo operacional contínuo, de forma a permitir que a produção corresponda à seqüência das operações e aos níveis exigidos de limpeza. Na fabricação de imunobiológicos as áreas de produção são os laboratórios de formulação e as áreas de envasamento, inspeção de revisão, armazenamento, rotulagem e embalagem e são denominadas áreas limpas. Estes locais devem ser providos de infra-estrutura como: espaço físico e equipamentos adequados, materiais e áreas devidamente identificados e pessoal qualificado e treinado para as operações de produção e controle em processo. 29 Todas estas operações devem ser realizadas de acordo com Procedimentos Operacionais Padronizados (POP) aprovados pela Garantia da Qualidade. Além das atividades descritas nos POP’s, a norma determina que as operações de produção sejam documentadas pelos técnicos e operadores durante a sua execução para demonstrar que todas as etapas constantes nos procedimentos e instruções foram seguidas. Os registros referentes à fabricação de um produto possibilita o rastreamento de um lote e devem ser arquivados de maneira organizada e de fácil acesso para uma auditoria ou, caso seja necessário, para a investigação de um desvio de qualidade encontrado em algum lote fabricado. O controle de qualidade é parte fundamental de um sistema de qualidade e não pode limitar-se as atividades laboratoriais, deve estar envolvido em todas as decisões relacionadas à qualidade do produto. É dele a responsabilidade pelo acompanhamento dos produtos desde o recebimento das matérias-primas até o produto terminado. No que se refere as BPF são atribuições do controle: amostragem, especificações, ensaios, procedimentos de organização e procedimentos de liberação assegurando que os ensaios necessários e relevantes sejam executados e também não sejam liberados os materiais para uso, nem os produtos para venda ou fornecimento, até que a qualidade dos mesmos seja julgada satisfatória. O controle de qualidade deve ter independência em relação à produção e deve também ser independente de outros departamentos. Assim como as áreas de produção deve ter instalações e equipamentos adequados, pessoal treinado e procedimentos operacionais aprovados. Esses recursos devem estar disponíveis para que possam ser realizadas as atividades de amostragem, inspeção e ensaios de matérias-primas, materiais de embalagem, produtos intermediários e produtos acabados. 30 Foram observados aqui alguns aspectos que envolvem a fabricação de fármacos e alguns requisitos da RDC 210 para o desenvolvimento das atividades de produção e controle de qualidade. Existem outras considerações também pertinentes ao sistema de qualidade como: qualificação de fornecedores, calibração de aparelhos, validação de processos de produção e métodos analíticos, estudos de estabilidade dos produtos, programas de autoinspeção e sistema de atendimento de reclamações para citar alguns. Em outro artigo Antonio Celso conclui que as Boas Práticas de Fabricação visam a padronização dos processos de produção assegurando a qualidade dos produtos, em conformidade com a legislação sanitária vigente. Atualmente constitui instrumento de uso obrigatório nos processos de produção de bens de interesse da saúde, caso dos fármacos. E ainda, são informações sistematizadas de procedimentos e instruções de trabalho descritos num manual de qualidade de acordo com as peculiaridades dos produtos fabricados, não levando em conta a dimensão do estabelecimento, sua nacionalidade e linha de produção. As resoluções da ANVISA estabelecem as regras que as BPF devem enfocar. É importante lembrar que ao solicitar a certificação em BPF a empresa será orientada pela ANVISA através de relatórios elaborados a partir de visitas de inspeção, onde são apontadas as necessidades de melhoria para adequação aos requisitos da norma. É claro que serão consideradas as limitações da empresa, e estas serão alvo de auditoria nas inspeções periódicas as quais ficará sujeita a partir da concessão da certificação. A RDC 210 não é somente um instrumento regulatório para os fabricantes de fármacos, mas também a padronização das ações de vigilância sanitária com o objetivo de acompanhamento do desenvolvimento de novas tecnologias nesta área. CAPÍTULO III 31 OS DOCUMENTOS DA QUALIDADE As dúvidas são muitas quando se quer implementar um sistema de gestão da qualidade e uma das principais relaciona-se à documentação, afinal os documentos do sistema podem ser encarados como um alicerce do processo como um todo. O sistema de qualidade não pode ser copiado, sendo implementado de acordo com as peculiaridades dos produtos fabricados. As empresas são diferentes e é preciso analisar cada realidade. Nada impede que a organização tenha procedimentos documentados para os principais processos operantes. A RDC 210 é uma norma para certificação em Boas Práticas de Fabricação, enquanto as normas da série ISO 9000 são para Sistemas de Gestão da Qualidade, mas no que se refere à documentação, ambas apresentam semelhanças bastante peculiares. Portanto, neste capítulo, vamos tratar do enfoque da ISO 9001:2000 para os documentos do Sistema da Qualidade. No conceito da NBR ISO 9001:2000 deve-se ter um procedimento documentado do processo de suprimentos e descrever as atividades em operação de todas as áreas que têm relação com aquele processo. Essa é a lógica horizontal, o processo "atravessa" vários setores que são responsáveis por ele e no que diz respeito à documentação, pelo mesmo procedimento documentado. Dessa forma, um sistema documental planejado e elaborado tendo em vista a interação dos principais processos do Sistema de Garantia da Qualidade (SGQ) será certamente um excelente auxiliar para a condução dos programas de auditorias internas. O auditor interno, ao analisar um procedimento documentado por processo, terá uma visão das entradas e saídas (terminologia da ISO 9001:2000) que o apoiará para conduzir auditorias 32 mais holísticas e focadas no objetivo de analisar, não somente a conformidade do SGQ, mas também sua eficácia. Entenda-se por eficácia planejamento e realização. 3.1 - A ISO Série 9000 A ISO série 9000 compreende um conjunto de cinco normas (ISO 9000 a ISO 9004), é uma metodologia desenvolvida entre 1980 e 1987 com o objetivo de propor um modelo de implantação de sistemas da qualidade, aplicável a qualquer tipo de empresa, de qualquer porte, tendo como enfoque a garantia da qualidade. A ISO 9000 é um conjunto consistente, uniforme de procedimentos, elementos e requisitos para a garantia da qualidade. A sua utilização internacional constitui-se numa forma de harmonização dos interesses comerciais envolvidos, estabelecendo uma linguagem que é entendida globalmente. É uma ferramenta e a sua efetividade depende da habilidade de quem a está utilizando. Foi uma reação ocidental ao crescente aumento da competitividade dos produtos japoneses que começavam a dominar o mercado mundial. As normas individuais da série podem ser divididas em dois tipos: a) Diretrizes: ISO 9000 – seleção e uso de normas; ISO 9004 – implementação de um sistema de gestão da qualidade; b) Contratuais: ISO 9001 – modelo de garantia da qualidade que abrange as áreas de projeto e desenvolvimento, produção, instalação e assistência técnica; 33 ISO 9002 - modelo de garantia da qualidade que engloba a produção e instalação; ISO 9003 – modelo de garantia da qualidade em inspeção e ensaios finais. A introdução da ISO 9000:2001 diz que a adoção de um sistema de qualidade deve ser uma decisão estratégica de uma organização e que a mesma não tem a finalidade de impor uniformidade na estrutura de sistemas de gestão da qualidade ou uniformidade da documentação. Conforme descrito no item 1.1, esta norma tem o objetivo de especificar requisitos para um sistema de gestão da qualidade quando uma organização: a) necessita demonstrar sua capacidade para fornecer de forma coerente produtos que atendam aos requisitos do cliente e requisitos regulamentares aplicáveis, e b) pretende aumentar a satisfação do cliente por meio da efetiva aplicação do sistema, incluindo processos para melhoria contínua do sistema e a garantia da conformidade com requisitos do cliente e requisitos regulamentares aplicáveis. Esta NBR propõe também a adoção de uma abordagem de processo para o desenvolvimento e melhoria da eficácia de um sistema de gestão da qualidade para aumentar a satisfação do cliente pelo atendimento aos seus requisitos. Pode ser considerada como abordagem de processo, a aplicação de um sistema de processos em uma organização, junto com a identificação, interações desses processos e sua gestão. E aponta como ferramenta a metodologia do PDCA (Plan-Do-Check-Act) para todos os processos. Já citado no capítulo I, o PDCA pode ser descrito como: 34 - Plan (planejar) – estabelecer os objetivos e processos necessários para fornecer resultados de acordo com os requisitos do cliente e políticas da organização; - Do (fazer) – implementar os processos; - Check (checar) – monitorar e medir processos e produtos em relação às políticas, aos objetivos e aos requisitos para o produto e relatar os resultados; - Act (agir) – executar ações para promover continuamente a melhoria do desempenho do processo. 3. 2 - O Sistema de Gestão da Qualidade Para estabelecer, documentar, implementar e manter um sistema de gestão da qualidade e melhorar continuamente sua eficácia em consonância com a Norma, uma organização deve: I) identificar os processos necessários para o sistema de gestão da qualidade e sua aplicação por toda a organização, II) determinar a sequência e interação desses processos, III) determinar critérios e métodos necessários para assegurar que a operação e o controle desses processos sejam eficazes, IV) assegurar a disponibilidade de recursos e informações necessárias para apoiar a operação e o monitoramento desses processos, V) monitorar, medir e analisar esses processos, e 35 VI) implementar ações necessárias para atingir os resultados planejados e a melhoria contínua desses processos. Em um trabalho sobre certificações o engenheiro Marcos Antônio Lima de Oliveira, diretor técnico de uma empresa de consultoria e treinamento, destaca que um benefício das normas certificáveis da série ISO 9000 é a organização da documentação da empresa. A ISO 9000 preocupa-se mais em mostrar como a empresa fornecedora é organizada a fim de atender ao cliente. Sobre o item 4.2 (requisitos de documentação) da Norma que aponta os requisitos de documentação do SGQ, são recomendados o uso de quatro níveis de documentos que ele descreve: - o manual da qualidade: descrição do sistema de qualidade implantado. É uma base para a realização de avaliação desse sistema através de visitas de inspeção ou de auditorias, e também um instrumento para fins de marketing divulgando o trabalho da organização em relação a qualidade; - os procedimentos: documentos que detalham como a empresa vai trabalhar para cumprir cada requisito da Norma. Esses documentos mostram a inter-relação entre os diferentes setores da organização para atender ao requisito (as questões o que, quem, quando, onde, por que?); - as instruções de trabalho: documentos que tratam basicamente de explicar como as atividades e operações são realizadas. É um documento de características técnicas de como executar as atividades; - os registros da qualidade: procedimentos elaborados relativos à emissão, aprovação, revisão e distribuição de documentos. Têm o objetivo de 36 promover o controle de normas externas utilizadas na organização e o estabelecimento do tempo de retenção e descarte desses registros. Em seu trabalho Marcos Antônio reforça que a ISO é uma Norma fortemente baseada na documentação, necessária para comprovar nas auditorias internas, de clientes e de certificação, que os procedimentos estão sendo seguidos na prática. Em outro ponto destaca também que em seus requisitos orienta a forma de assegurar a rastreabilidade de todas as etapas do processo produtivo, permitindo a identificação de eventuais problemas com os produtos propiciando a sua correção e ainda, diz ele, “A qualidade assegurada é reforçada com outros itens como controle de processo, controle de equipamentos de medição e ensaios e controle de produto não conforme”. Este é um ponto passível de crítica. Por ser uma norma que em sua essência preocupa-se basicamente com a documentação e a conformidade com os requisitos, ela não é voltada para a qualidade total. Portanto os documentos e registros exigidos não asseguram propriamente a qualidade de um produto. Um sistema de garantia da qualidade não pode considerar o cumprimento dos requisitos um espelho da qualidade. As Normas de certificação explicam o QUE deve ser feito mas não detalham o COMO. O SGQ pode exigir o cumprimento de um requisito sem ter o conhecimento de um método que atenda aquela exigência? Se o SGQ não tem esta diretriz, que setor da organização será responsável em encontrar essa resposta? Philip Crosby autor dos livros Qualidade Sem Lágrimas, Qualidade é Investimento e Princípios Absolutos da Liderança, respeitado como um dos fundadores da gestão da qualidade e reconhecido por ter transformado a maneira como a qualidade é praticada, é criador da base filosófica denominada Princípios Absolutos da Gestão da Qualidade” que mais tarde tornaram-se as bases do “Quality College”. Os princípios são: 37 1) A qualidade é definida como o cumprimento dos requisitos – estabelecer a infra-estrutura necessária para assegurar a melhoria contínua. 2) A qualidade é o resultado da prevenção – identificar as necessidades específicas para o melhoramento. 3) A qualidade tem um padrão de desempenho de Zero Defeitos – estabelecer para o projeto uma equipe que tenha com clareza a responsabilidade pelo sucesso do projeto. 4) A qualidade é medida pelo Preço do Não-Cumprimento – fornecer recursos, motivação e treinamento necessários para identificar causas, estimular a procura por soluções e estabelecer controles para manter os ganhos. Em artigo para a revista ISO 9000 + 14000 News, ele fala sobre a utilidade da ISO 9000:2000 e faz observações que talvez possam ser um caminho para as respostas a algumas questões. Ele inicia o artigo fazendo uma observação sobre a revisão para o ano 2000 da ISO 9001 que apresenta os requisitos para sistemas de gestão da qualidade: “Não vi nada que fale sobre um propósito ou qual a finalidade a alcançar... O problema por não ter sido especificado um propósito é que as pessoas as utilizarão da forma que desejarem...”. Segundo Crosby, se o documento fosse tratado como um livro sobre a garantia da qualidade seu propósito seria proporcionar aos profissionais em garantia de qualidade uma guia de requisitos e procedimentos para orientá-los na implantação de programas em suas organizações. Ele também enumera algumas restrições e duas chamaram a atenção, são elas: 38 a) O ingrediente chave é o requisito que determina que as organizações instalem um sistema de gestão da qualidade. Porém, esse sistema não é definido nem é descrito. b) Não existe nenhum requisito para calcular o preço do não cumprimento. Este é o aspecto mais importante da gestão da qualidade aos olhos da liderança. As normas de fato têm um ar de autoridade, mas o profissional da garantia da qualidade não pode adotar este discurso dentro de uma organização sem que as pessoas sejam adequadamente educadas para entender como se enquadram em seus processos operacionais. Nada pode ser imposto com sucesso se as pessoas não forem preparadas para aceitar e entender. É alvo de discordância se um profissional da qualidade adota a posição e o discurso de que deve ser “feito” por estar preconizado na norma, sem analisar e avaliar a pertinência da exigência e se o não atendimento de certo requisito é justificável. Nesse aspecto corre-se o risco de se documentar um procedimento inadequado para determinado processo. Isso seria uma evidência de despreparo desses profissionais. Esse despreparo talvez seja conseqüência de outro problema apontado por Crosby. Segundo ele, a família de normas ISO 9000 foi apresentada como algo que iria solucionar os problemas de qualidade e proporcionaria, no futuro, a certeza de produtos e serviços conformes. Ou seja, o problema básico é a maneira como as normas de certificação são utilizadas e o que prometem. As normas ISO têm o potencial de tornar-se muito útil desde que aqueles que as utilizam recebam o treinamento necessário e sejam orientados através dos princípios e requisitos. 39 Possuir um grande conjunto de informações não é o suficiente para ocasionar melhorias ou progressos permanentes. O fato de um produto ser fabricado por um processo certificado segundo as normas não significa que terá maior ou menor qualidade que um outro similar, apenas que todos os produtos fabricados segundo este processo apresentarão as mesmas características e o mesmo padrão de qualidade. CONCLUSÃO 40 Como visto no decorrer desta dissertação a documentação é considerada um dos alicerces do sistema da qualidade. Através dos documentos evidencia-se o cumprimento dos requisitos estabelecidos nas normas de certificação em Boas Práticas de Fabricação e da série ISO 9000. De acordo com estas normas, a informação atualizada sobre como desenvolver cada atividade deve ser de conhecimento dos colaboradores de uma empresa e os processos de trabalho devem contar com fatores que propiciem a sua melhoria contínua. É importante lembrar que as normas não traçam regras de como conduzir uma empresa ou como organizá-la, seu papel é fornecer orientações que cada empresa, de acordo com sua própria cultura, característica e infra-estrutura deverá seguir para implantar um sistema de qualidade. O registro da qualidade atua na verdade como um “espelho” do sistema da qualidade. A certificação nas ISO não é um sinônimo de qualidade, é necessário que haja na empresa antes de mais nada, planejamento, levantamento de custos e infra-estrutura para a qualidade. As melhorias que os processos necessitam nem sempre ou quase nunca são detectadas nos registros dos protocolos e sim na observação e análise do que se evidencia no dia-a-dia das áreas de produção. A documentação reflete o estado de direito da qualidade, não garante a integridade do produto ou se foi posto em prática o manual da qualidade a contento. Os procedimentos tem que estar internalizados na organização. A gerência da qualidade precisa se fazer presente e conhecer os processos para apontar as diretrizes, não se pode orientar o que não se conhece. A certificação em Boas Práticas de Fabricação para a produção de fármacos visa a padronização dos processos de produção e atualmente constitui instrumento de uso obrigatório para a fabricação de bens de interesse da saúde. A certificação nas ISO 9000 é praticamente um modismo e, na 41 verdade funciona como marketing para o fabricante. A busca por certificações de qualidade faz parte de investimentos de diversas empresas. Num mercado competitivo as empresas certificadas são consideradas donas de um diferencial diante da concorrência, e isso possibilita a conquista e manutenção de clientes. Esse pensamento é pertinente se levarmos em conta que o cliente comprador não necessariamente será o usuário final do produto. Qual o diferencial competitivo que uma empresa certificada possui diante da visão desse usuário final? Produtos e serviços constituídos e ofertados conforme regras, normas e procedimentos documentados não os dizem respeito, o consumidor final desconhece os requisitos das normas. ANEXOS 42 . BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Chiavenato, Idalberto (1983). Introdução à Teoria Geral da Administração. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil.. 43 Feigenbaum, Armand V. (1986). Total Quality Control. 3a. ed. New York: McGraw-Hill. Juran, J. M. (1990). Juran Planejando para a Qualidade. São Paulo: Pioneira. Juran, J. M. (1995). A History of Managing for Quality. Milwakee: ASQ Press. Kilian, Cecelia S. (1992). The World of W. Edwards Deming. 2a. ed. Knoxville: SPC Press. Oliveira, Marcos B. (1993). Histórico da Qualidade. Curso de Planejamento e Administração de Recursos Humanos. Brasília: ICAT/UDF (mimeo). Walton, Mary (1986). The Deming Management Method. New York: Perigee. Cadernos Aslegis 4(12):53-65. Set/dez 2000. Brandão, Antônio Celso da Costa – A Finalidade da ANVISA – www.boaspraticasfarmaceuticas,com,br ; Como Organizar Um Programa de Garantia da Qualidade – Comunidade Virtual em Vigilância Sanitária (COMVISA) Oliveira, Marcos Antônio Lima de – Documentação para a ISO 9000 – Qualitymark - 1994 44 BIBLIOGRAFIA CITADA 1 – Administarção Industrial e Geral – Fayol, Henry - 1916. 2 – Princípios da administração Científica – Taylor, Frederick Winston - 1911. 3 – Economic Control of Quality of Manufactured Products – Shewart, Walter 1931. 4 – Qualidade a Revolução na Administração – Deming - 1925. 5 – Juran’s Quality Handbook – Juran, Joseph M. 6 – Total Quality Control – Feigenbaum, Armand J. - 1951. 7 – Princípios Absolutos da Liderança – Crosby, Philip. 8 – Qualidade é Investimento – Crosby, Philip. 9 – Qualidade Sem Lágrimas – Crosby, Philip. 45 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I Evolução Histórica da Qualidade 11 1.1 – Origens 12 1.2 – A Qualidade no Ambiente Industrial 13 1.3 – A Gestão da Qualidade Total 16 1.4 – O Desafio Japonês 21 1.5 – Prespectivas 24 CAPÍTULO II Boas Práticas de Fabricação de Fármacos 26 2.1 – Produção e Controle de Qualidade 28 CAPÍTULO III Os Documentos da Qualidade 31 3.1 – A ISO Série 9000 32 3.2 – O Sistema de Gestão da Qualidade 34 CONCLUSÃO 40 ANEXOS 42 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43 BIBLIOGRAFIA CITADA 44 ÍNDICE 45 46 FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Título da Monografia: Autor: Data da entrega: Avaliado por: Conceito: