macroeconomia Tempo fechado Inflação e fatores externos voltam a atrapalhar previsões para o Ibovespa Por Luciana Del Caro 10 Capital Aberto Março 2011 macroeconomia E m fevereiro, o dragão da inflação deu uma amostra de seu poder de fogo e voltou a atrapalhar as previsões para os investimentos em bolsa. As expectativas se deterioraram após a divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 0,83% em janeiro, o maior desde abril de 2005. Em 12 meses, o índice ficou em 5,99%, bem superior ao esperado e ao centro da meta de inflação, que é de 4,5% ao ano. Ameaçado por um inimigo que mostra vigor e ciente de que tem capital político neste início de mandato para colocar o trem nos trilhos, o governo federal antecipou para o mês passado o anúncio dos cortes de R$ 50 bilhões no orçamento da União. É consenso, contudo, que esse ajuste é incapaz de excluir a necessidade de elevar os juros para segurar o consumo do setor privado. A dúvida é até que ponto essa elevação pode impactar o interesse dos investidores por renda variável. São duas as formas de domar a demanda agregada e, consequentemente, segurar os preços dos bens e serviços: pela via do consumo do setor público ou do setor privado. A primeira é executada por meio do corte de gastos e, a segunda, de forma indireta, pelo aumento dos juros. Quanto mais perdulário o governo for, maior será a conta paga pelo setor privado — afetando diretamente as perspectivas para a Bolsa. Mas qual é a probabilidade de a atual gestão petista deixar para trás a “generosidade” da era Lula e fazer sua lição de casa? corte superficial — Dada a reação ao anúncio dos cortes, a maioria dos agentes econômicos entendeu que ela é baixa. Além de se esforçar para não gastar, a presidente Dilma Rousseff terá uma tarefa adicional: convencer o mercado de que a iniciativa é para valer, e que o mesmo ministro (Guido Mantega) que era partidário de uma política fiscal dispendiosa e adepto de uma contabilidade criativa para tentar cumprir a meta de superávit primário de 2010 agora resolveu fechar as torneiras. “Para quebrar as expectativas negativas, só com uma paulada fiscal ou aumento de juros”, diz João Luiz Mascolo, professor de economia do Insper. Ou com a figura de um fiador com mais credibilidade para levar à frente uma política de austeridade fiscal, como o ex-ministro Antônio Palocci. Se a “paulada fiscal” é ilusória, resta mexer nos juros. Depois da divulgação do IPCA de janeiro, alguns começaram a se perguntar se a elevação da Selic não teria de ser mais contundente. No entanto, pairam dúvidas sobre a política monetária: muitos se perguntam se o Banco Central (BC) vai realmente perseguir o centro da meta de inflação, que é de um IPCA de 4,5%. Como o sistema prevê uma banda de dois pontos percentuais para cima ou para baixo desse índice, é possível ficar dentro da faixa, mas com índices de preços cada vez mais elevados. Para este ano, o mercado espera um IPCA de 5,79%, segundo o relatório Focus, do BC, de 18 de fevereiro. Março 2011 Capital Aberto 11 macroeconomia Amorim. Na sua avaliação, o endiviDivulgada a dimensão do corte, damento no setor público de vários os economistas naturalmente se dipaíses europeus não foi resolvido, e videm entre otimistas e pessimistas. novas nações devem esticar a lista dos O tamanho do ajuste é considerado insolventes até o fim de 2011 ou início adequado e, se ele for para valer, do ano que vem. Portugal, Espanha, haverá um decréscimo dos gastos do Bélgica e Itália, por exemplo, precigoverno federal em relação ao PIB. sarão recorrer ao Fundo Monetário O orçamento de 2010 previa gastos “Para quebrar Internacional e ao Fundo Europeu de de R$ 680 bilhões, e o de 2011, de as expectativas Estabilidade Financeira para fechar R$ 770 bilhões. Se Brasília realmennegativas, só com suas contas. O problema é que não te passar a tesoura, gastará algo uma paulada fiscal há recursos suficientes para socorrer como R$ 720 bilhões neste ano — o ou aumento a todos, observa Amorim. Ele prevê que ainda significa um crescimento de juros” uma nova fase de confusão nos mercanominal de 5,8% em relação a 2010. dos, com impacto na BM&FBovespa. Com o esperado incremento do PIB, o impacto desse aumento de despesas tende a ser menor. “Como o PIB deve crescer cerca o retorno do tio sam — Outro fator com potencial de 4%, a política fiscal parece menos expansionista”, para chacoalhar as bolsas é a recuperação norte-ameafirma o economista do Itaú BBA, Maurício Oreng. ricana. Raphael Martello, economista da Tendências, acredita que os juros devem permanecer baixos na Europa ainda por um bom tempo, já que a situação sucesso improvável — “É possível fazer essa redueconômica dos principais países do Velho Continente ção no orçamento, pois o governo tem incentivos ainda é frágil. Mas, fora da zona do euro, as coisas para implementá-la”, avalia o economista Felipe começaram a mudar. Como os riscos de uma nova Salto, da consultoria Tendências. Para ele, a União recessão nos Estados Unidos são tidos como baixos, pode economizar até mais que os R$ 50 bilhões, se espera-se uma elevação nos juros do país para o fim encarar um controle na boca do caixa, deixando de 2011 ou no início de 2012. Uma eventual melhora de empenhar todos os recursos requeridos pelo de rentabilidade de títulos do Tesouro norte-ameriPrograma de Aceleração do Crescimento (PAC). canos, conhecidos por serem mais seguros, reduziria Já outros analistas são bem mais céticos: “O corte a atratividade dos papéis emitidos por mercados provavelmente não será da magnitude divulgada”, emergentes, e o fluxo de fora para a nossa Bolsa. considera Ricardo Amorim, economista da consultoMas nem todos veem nuvens carregadas se avizinhanria Ricam. Excluindo-se toda a parte dos gastos que do. Do lado dos otimistas, estão os economistas Álvaro o governo não pode mexer — como o pagamento de Bandeira, da corretora Ativa, e Roberto Padovani, salários, pensões, gastos sociais —, sobrariam apenas do Banco WestLB. Bandeira declara que a saída de R$ 53 bilhões para serem cortados, segundo seus estrangeiros em fevereiro foi só um movimento de cálculos. Ou seja, seria altamente improvável que o curto prazo, e que as empresas brasileiras vão congoverno conseguisse poupar quase tudo o que pode. tinuar apresentando bons resultados. Ele crê que as Neste ano, já é dada como certa uma elevação da medidas anunciadas pelo governo surtirão efeito, e Selic para algo entre 11,75% a 12,75%, independenteque o Ibovespa pode terminar 2011 na casa dos 82 mente do tamanho do ajuste fiscal. Se a deterioração mil pontos. Em 28 de fevereiro, o índice fechou em nas contas públicas continuar, as expectativas serão 67.383 pontos, com 2,8% de desvalorização no ano. ainda mais desfavoráveis ao governo, e mais subidas Padovani também está confiante de que o governo nos juros podem ser necessárias para segurar os vá entregar o ajuste fiscal que prometeu. Ao longo do preços. Nesse cenário um tanto pessimista, as apliprimeiro semestre, ele considera provável que se forme cações de renda fixa se tornam mais atraentes, e o um consenso de mercado sobre a elevação de juros nos fluxo para a renda variável seca. Para Amorim, quem Estados Unidos, o que levaria os investidores a rebalanquiser obter lucro na Bolsa neste ano terá de estar cear portfólios e a realizar lucros nos mercados emervendido em ações ou comprado em papéis de setores gentes. Passado esse momento, Padovani vislumbra defensivos (como energia e telecomunicações), de bons ventos para a Bolsa. “Deve haver uma correção empresas que pagam bons dividendos ou de compade preços, e não uma mudança de tendência”, explica. nhias sólidas, cujos preços estejam muito descontados. Ele afirma ser possível comprar a carteira do Ibovespa O caldo de preocupações é engrossado pelo cee esperar por 75 mil pontos em dezembro, o que daria nário externo. “A elevação da Selic para até 12,75% um retorno de 11,3% (em comparação a fevereiro). já está precificada. O que ainda não está nos preços Uma coisa parece certa: 2011 promete emoção. é a provável piora nas economias européias”, alerta 12 Capital Aberto Março 2011