Oftalmologia - Vol. 36: pp.17-24 Artigo Original Avaliação da Regulação Vascular da Circulação Retrobulbar por Color Doppler Imaging L. Abegão Pinto, MD1; Evelien Vandewalle, MD2; Thierry Zeyen, MD, PhD2; Ingeborg Stalmans, MD, PhD2 Serviços Hospitalares e Departmentos Universitários: 1 Centro Hospitalar de Lisboa Central Serviço de Oftalmologia, Director: Dr. J. Pita Negrão 2 Hospitais Universitários de Leuven, Bélgica Departamento de Oftalmologia, Director: Prof. Dr. Werner Spileers Hospital de Santo António dos Capuchos, Serviço de Oftalmologia Alameda de Santo António dos Capuchos, 1169-050 Lisboa [email protected] Os dados apresentados são originais, não tendo sido submetidos para nenhuma outra revista ou publicação científica. Os autores não têm conflitos de interesse a declarar. Resumo Objectivo: (1) Investigar se os índices de pulsatilidade (PI) e as velocidades médias de fluxo (MFV) da circulação retrobulbar estão alterados em doentes com glaucoma; (2) Investigar a utilidade deste parâmetro no estudo deste território vascular. Métodos: Indivíduos com glaucoma normotensional [(NTG);n=62], glaucoma primário de ângulo aberto [(GPAA);n=49], e controlos saudáveis (n=48) foram submetidos a avaliações Color Doppler Imaging com medições da PI, MFV e índices de resistência (RI) da artéria central da retina (CRA), artérias ciliares curtas posteriores nasais (NPCA) e temporais (TPCA) e artéria oftálmica (OA)]. Foram usados os testes de Kruskal-Wallis e correlação de Spearman para avaliar as diferentes variáveis nos três grupos diagnósticos. Resultados: Não se verificaram diferenças nos PI e RI das artérias dos 3 grupos diagnósticos (p>0,08). Os grupos com glaucoma registaram menores MFV ao nível das CRA, TPCA e NPCA quando comparados com o grupo controlo (p<0,04). Os PI correlacionaram-se positivamente com os RI em todas as artérias dos 3 grupos diagnósticos (r> 0,70, p<0,001). As MFV correlacionaram-se positivamente com a RI na CRA apenas nos grupos com glaucoma (GPAA: r=0,41, p<0,01; NTG: r=0,33, p<0,01). Na OA, verificou-se uma correlação negativa entre estas variáveis em todos grupos diagnósticos (r>0,42, p<0,01), não se tendo identificado qualquer correlação ao nível das artérias ciliares curtas nos 3 grupos (p>0,10). Conclusões: Os doentes com glaucoma apresentam uma resposta vascular aparentemente anómala ao nível da CRA. A diminuição da velocidade associada a um aumento da resistência poderá sinalizar uma resposta vasoconstritora que parece não existir no grupo controlo. Palavras-chave Imagiologia Doppler colorido, Glaucoma, auto-regulação, pulsatilidade. Vol. 36 - Nº 1 - Janeiro-Março 2012 | 17 L. Abegão Pinto, Evelien Vandewalle, Thierry Zeyen, Ingeborg Stalmans Abstract Purpose: (1) Investigate whether pulsatility index (PI) and mean flow velocities (MFV) in retrobulbar arteries are altered in glaucoma patients (2) Investigate the significance of these parameters to study this vascular territory. Methods: Individuals with primary open angle glaucoma (POAG, n=49), normotensional glaucoma (NTG, n=62) and healthy controls (n=48) were subject to Color Doppler Imaging with recordings of PI, MFV and resistance index (RI) of the central retinal artery (CRA), nasal and temporal ciliary arteries (NPCA and TPCA, respectively) and ophthalmic artery (OA). Kruskal-wallis and Spearman’s correlation were used to explore associations between these variables. Results: There were not differences in PI and RI between the arteries of the 3 diagnostic groups (p>0.08). The glaucoma groups registered lower MFV on CRA, NPCA and TPCA when compared to control group (p<0.04). There was a positive correlation between PI and RI in all arteries of the 3 groups (r>0.70, p<0.001). MFV positively correlated with RI in the CRA of the glaucoma groups (POAG: r=0.41, p<0.01; NTG: r=0.33, p<0.01). There was a negative correlation between these two variables in the OA of all the groups (r>0.42, p<0.01), while no correlation was detected in TPCA nor NPCA (p>0.10). Conclusions: Glaucoma patients appear to have a different vascular reactivity at the level of the CRA. The decrease in velocity associated with increased resistance might signal a vasoconstrictive response that doesn’t appear to exist in healthy individuals. Key-words Color Doppler Imaging; glaucoma; autoregulation; pulsatility. Introdução A vascularização do globo ocular tem sido envolvida na fisiopatologia de um conjunto alargado de patologias oftalmológicas, desde neuropatias ópticas isquémicas1, à retinopatia diabética2 e ao glaucoma3. Concretamente, no glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA), a literatura demonstra a existência de diversas alterações vasculares ao nível dos vários ramos arteriais envolvidos no aporte de sangue às diversas estruturas do globo, como menores velocidades de fluxo4-6, constrições focais7 ou aumentos das resistências vasculares8-9. Estas alterações ao nível do diâmetro ou velocidades dos vasos retinianos ou retrobulbares têm sido identificadas com recurso a aparelhos como o analisador de vasos retinianos10 (retinal vessel analyzer – RVA), o fluxometro laser Doppler11 (laser Doppler flowmeter – LDF) e o ecógrafo com imagiologia Doppler colorida12 (ultrasound-based color Doppler imaging – CDI). Este último aparelho é o único que permite uma análise de parâmetros hemodinâmicos dos vasos retrobulbares13, tendo-se verificado que as variáveis fornecidas parecem ter um valor prognóstico na progressão da patologia glaucomatosa14-15. No entanto, a capacidade desta técnica 18 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Doppler de interpretar o comportamento destas artérias está limitada pela impossibilidade de determinação do diâmetro desses vasos por questões inerentes à tecnologia Doppler em si16. Segundo a lei de Poiseuille, variações sobre o diâmetro do vaso (D) implicam alterações ao nível da velocidade média desse fluxo (MFV) e da resistência do vaso (R) para que a pressão (P) se mantenha constante (P= MFV x Π x D2/4 x R). Considerando as variáveis fornecidas pelo CDI, [velocidade média e resistências], embora não sendo possível a quantificação em valor absoluto das restantes variáveis, é possível a utilização desta tecnologia para explorar correlações e padrões de comportamento ao nível da vasculatura retrobulbar. Os autores propõem-se assim estudar a capacidade desta tecnologia em fornecer dados que possam levar a uma melhor compreensão do comportamento vascular dos diferentes ramos vasculares retrobulbares no glaucoma. Materiais e Métodos Foram recrutados para este estudo 3 coortes de indivíduos com idades superiores a 18 anos de idade, divididos em Avaliação da Regulação Vascular da Circulação Retrobulbar por Color Doppler Imaging indivíduos com: glaucoma normotensional (NTG; n=35), glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA; n=53) e indivíduos saudáveis (controlo; n=31). Este último grupo foi obtido por recrutamento entre os acompanhantes dos doentes observados em consulta. Para o diagnóstico de glaucoma, foi feita a validação por dois observadores (IST, TZ) como tendo as características lesões do disco óptico e do campo visual. Para o diagnóstico de GPAA, foi considerado a existência de registos de PIO sem terapêutica iguais ou superiores a 21mmHg. Nos voluntários saudáveis, a hipótese de glaucoma foi excluída por tonometria e fundoscopia. Pacientes com história de trauma ocular ou patologia oftalmológica (excepto glaucoma) que não um erro refractivo de equivalente esférico inferior a 4 dioptrias foram excluídas. Foi igualmente considerado critério de exclusão a existência de diabetes mellitus ou existência de patologias associadas a disfunções autonómicas. A terapêutica hipotensora tópica não foi interrompida para a realização deste estudo, tendo sido considerado critério de exclusão a toma de terapêutica antiglaucomatosa sistémica. Instrumentos de medição A PIO foi medida com recurso a tonómetro de aplanação de Goldman (GAT). A espessura central da córnea foi medida através do dispositivo Pachmate DGH55 (DGH Technology Inc., Exton, PA). As velocidades [velocidade sistólica máxima (PSV) e velocidade diastólica final (EDV)], índices de resistência e pulsatilidade (RI e PI, respectivamente) dos vasos retrobulbares [artéria central da retina (CRA), artérias ciliares curtas posteriores nasais (NPCA) e temporais (TPCA) e artéria oftálmica (OA)] foram avaliadas pelo ecógrafo Antares CDI (Siemens, Munique, Alemanha). A acuidade visual foi avaliada pela escala Early Treatment of Diabetic Retinopathy Study (ETDRS), com luminosidade e distância ao doente predefinidos e semelhantes em todos os doentes. A pressão arterial ao nível braquial foi avaliada no braço direito do doente com esfigmomanómetro electrónico (Omron®, Schaumburg, IL). Desenho experimental Todos os sujeitos foram instruídos para evitar o consumo de café ou tabaco, ou realização de exercício nas 3 horas que antecederam a observação. Este estudo foi aprovado pela comissão de ética dos Hospitais Universitários de Leuven e conduzido de acordo com as regras de boa prática clínica, em concordância com a Convenção de Helsínquia. Foi obtido um consentimento informado escrito por parte de cada voluntário antes de iniciar qualquer avaliação ou estudo. Apenas um olho por doente foi incluído no presente estudo. O olho com maior dano glaucomatoso foi seleccionado nos grupos com glaucoma e um olho randomizado no grupo controlo. Durante o decorrer do estudo, foi seguida a seguinte ordem na realização das medições: medição da acuidade visual, avaliação da PIO por GAT e finalmente medição CDI com avaliação da pressão arterial. Esta última avaliação foi realizada por um único observador (LAP), em ocultação do diagnóstico/ grupo experimental de cada sujeito. Analíse estatística Os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis foram usados para comparação de variáveis entre os grupos experimentais. Estudaram-se as correlações entre variáveis com recurso à correlação de Spearman. Foram considerados estatisticamente significativos valores de p inferiores a 0,05 (Graphpad Prism® ver. 5.0; Graphpad Software Inc, CA). Os resultados descritivos são apresentados sob a forma de média ± desvio padrão, excepto quando indicado. Resultados Características dos grupos experimentais O quadro 1 sumariza as características dos diferentes grupos diagnósticos e os seus valores p comparativos. A análise com recurso ao teste de Kruskall-Wallis não identificou diferenças ao nível de idade, pressão arterial sistólica ou diastólica, pressão de perfusão ocular média ou pulso arterial periférico (valores de p entre 0,09 e 0,95). O mesmo teste identificou diferenças estatísticas, não clinicamente significativas nas variáveis acuidade visual e PIO entre os 3 grupos (p=0,02 e p=0,04, respectivamente). A análise destas variáveis por comparação directa entre dois grupos com recurso ao teste Mann-Whitney não identificou diferenças ao nível da PIO entre os grupos controlo e NTG (p=0,09), entre controlo e GPAA (p=0,41) e NTG e GPAA (p=0,19). O mesmo tipo de análise das acuidades visuais identificou diferenças entre o grupo controlo e os grupos com glaucoma [versus GPAA (p=0,0095); versus NTG (p=0,0385)], não identificando diferenças entre estes dois grupos (p=0,977). Descreve-se a medicação tópica dos indivíduos dos grupos com glaucoma no quadro 2. Vol. 36 - Nº 1 - Janeiro-Março 2012 | 19 L. Abegão Pinto, Evelien Vandewalle, Thierry Zeyen, Ingeborg Stalmans Quadro 1 | Características dos grupos experimentais Controlo NTG GPAA 48 62 49 Idade 71,7 (9,5) 70,4 (11) 70,1 (11,7) 0,95 PIO 14,3 (2,9) 13,2 (2,7) 14,6 (3,9) 0,04 ECC 565,8 (32,5) 547,0 (38,1) 545,6 (35,3) 0,08 0,2 (0,3) 0,4 (0,6) 0,3 (0,3) 0,02 PA sistólica 151,8 (20,8) 141,7 (25,4) 146,5 (20,5) 0,09 PA diastólica 82,7 (11,6) 80,7 (12,6) 84,7 (11,4) 0,19 PPOm 91,1 (12,1) 86,6 (19,5) 90,6 (13,1) 0,50 Pulso 69,3 (10,4) 67,3 (12,7) 68,4 (10,6) 0,55 N Acuidade Visual Kruskal-Wallis Valores apresentados sob a forma de média (desvio padrão). As diferenças globais entre os 3 grupos experimentais estão apresentadas sob a forma de valor p (teste Kruskal-Wallis). PIO indica pressão intra-ocular; ECC, espessura central da córnea; PA, pressão intra-ocular; PPOm, pressão de perfusão ocular média ([2/3 PA diastólica+1/3 PA sistólica]-tonometria Goldman). Quadro 2 | Medicação tópica NTG GPAA Beta bloqueantes 28 (45,1) 22 (44,9) Análogos prostaglandinas 36 (58,1) 30 (61,2) Inibidores Anidrase carbónica 20 (32,2) 20 (40,8) 6 (9,7) 4 (8,2) Agentes α-adrenergicos Descrição sob a forma de número absoluto de doentes (percentagem do total). Velocidades e índices das artérias retrobulbares nos grupos diagnósticos O quadro 3 descreve os valores hemodinâmicos das artérias retrobulbares obtidos com recurso ao CDI nos 3 grupos diagnósticos. Os valores de RI e PI em cada uma das artérias identificadas não foram estatisticamente diferentes entre os grupos diagnósticos (valores de p de 0,14 a 0,84 e 0,11 a 0,99, respectivamente). Identificou-se uma diminuição da PSV e da MFV nas artérias centrais da retina e ciliares curtas posteriores (CRA, NPCA e TPCA) dos grupos com glaucoma quando comparadas com o grupo controlo (p<0,04 em todas as comparações). Os valores de EDV foram significativamente inferiores nas ciliares curtas posteriores (NPCA e TPCA) de ambos os grupos com glaucoma em relação ao grupo controlo (p<0,001). Na artéria central da retina, essa diminuição da EDV nos grupos com glaucoma não atingiu a significância estatística (controlo versus NTG, p=0,11; controlo versus GPAA, p=0,05). Na artéria oftálmica, não se identificaram diferenças entre nenhuma das variáveis analisadas entre qualquer dos grupos (p>0,05 em todas as comparações). Não se identificaram diferenças em nenhuma das 20 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia velocidades de fluxo ou índices analisados entre os dois grupos com glaucoma (valores de p entre 0,05 a 0,98). Correlações entre velocidades de fluxo e pressões de perfusão ocular com índices de resistência O quadro 4 descreve as correlações entre as velocidades médias de fluxo e índices de resistência. As artérias centrais da retina de ambos os grupos com glaucoma apresentaram uma correlação positiva entre as velocidades médias de fluxo e o índice de resistência (NTG, p=0,0081, r=0,3334; GPAA, p=0,0041, r=0,4070), não se tendo verificado qualquer correlação na CRA do grupo controlo (p=0,7103). Em qualquer dos grupos experimentais, não se verificou qualquer relação entre estas duas variáveis nas ciliares curtas posteriores nasais e temporais em qualquer dos grupos experimentais (p>0,30). Ao nível da artéria oftálmica, as associações analisadas identificaram uma correlação negativa entre estas variáveis em todos os grupos (p<0,01). O gráfico 1 ilustra as correlações analisadas. O quadro 5 demonstra que a única correlação estatisticamente significativa entre as pressões de perfusão e os índices de resistência ocorreu ao nível da NPCA do grupo NTG (p=0,0132; r=0,3235), não se tendo verificado qualquer correlações entre estas variáveis nas restantes artérias dos 3 grupos (p>0,10 em todas as correlações). Discussão Este estudo foi conduzido para avaliar a capacidade da tecnologia CDI em caracterizar padrões hemodinâmicos que permitam identificar alterações ao nível da regulação arterial. Procurou-se igualmente investigar diferenças entre os padrões identificados em populações com e sem patologia glaucomatosa. Avaliação da Regulação Vascular da Circulação Retrobulbar por Color Doppler Imaging Quadro 3 | Comparação entre velocidades de fluxo dos grupos diagnósticos CRA NPCA TPCA OA Controlo NTG GPAA Global C-N C-G N-G PSV 12,1 4,0) 10,6 (4,0) 10,2 (3,7) 0,04 0,04 0,02 0,70 EDV 3,2 (1,2) 2,8 (0,98) 2,7 (0,98) 0,13 0,11 0,05 0,73 MFV 6,39 (2,1) 5,4 (2,1) 5,1 (2,0) 0,008 0,02 0,004 0,44 RI 0,73 (0,07) 0,71 (0,08) 0,72 (0,07) 0,56 0,34 0,36 0,93 PI 1,4 (0,34) 1,4 (0,3) 1,5 (0,4) 0,92 0,85 0,71 0,80 PSV 11,6 (4,0) 8,2 (2,6) 8,9 (2,3) <0,0001 <0,0001 0,0005 0,05 EDV 3,6 (1,6) 2,8 (0,9) 2,95 (0,94) 0,003 0,0006 0,02 0,43 MFV 6,5 (2,7) 4,7 (1,5) 5,2 (1,6) <0,0001 <0,0001 0,005 0,07 RI 0,68 (0,08) 0,65 (0,07) 0,67 (0,06) 0,08 0,03 0,31 0,23 PI 1,26 (0,3) 1,1 (0,25) 1,2 (0,3) 0,17 0,08 0,19 0,51 PSV 11,5 (3,9) 9,2 (3,1) 8,8 (2,6) 0,0002 0,0004 0,0001 0,88 EDV 3,6 (1,5) 3,1 (1,2) 2,9 (0,8) 0,045 0,03 0,03 0,90 MFV 6,8 (2,3) 5,3 (2,0) 5,1 (1,5) 0,0001 0,0001 0,0003 0,69 RI 0,68 (0,08) 0,66 (0,07) 0,66 (0,06) 0,17 0,12 0,09 0,92 PI 1,2 (0,3) 1,2 (0,3) 1,2 (0,3) 0,95 0,97 0,87 0,73 PSV 41,7 (18,8) 35,3 (10,7) 38,2 (15,4) 0,27 0,11 0,32 0,61 EDV 8,3 (5,3) 7,5 (3,5) 8,6 (5,9) 0,98 0,95 0,91 0,85 MFV 19,8 (11,2) 16,0 (6,2) 18,3 (9,8) 0,36 0,16 0,58 0,41 RI 0,81 (0,07) 0,79 (0,07) 0,79 (0,07) 0,30 0,18 0,17 0,98 PI 1,8 (0,5) 1,9 (0,6) 1,8 (0,5) 0,84 0,93 0,59 0,62 Velocidades e índices das artérias retrobulbares dos 3 grupos diagnósticos. Comparação global com recurso ao teste de Kruskal-Wallis; Comparações entre dois grupos separadamente (C versus N, C versus G e N versus G) foram realizadas com recurso ao teste de Mann-Whitney. Valores apresentados em média (desvio-padrão). C indica Controlos; NTG e N, glaucoma normotensional; GPAA e G, glaucoma primário de ângulo aberto; CRA, artéria central da retina; NPCA, artérias ciliares curtas posteriores nasais; TPCA, artérias ciliares curtas posteriores temporais; OA, artéria oftálmica; PSV, velocidade sistólica máxima; EDV, velocidade diastólica final; MFV, velocidade de fluxo média; RI, índice de resistência; PI, índice de pulsatilidade. Quadro 4 | Correlações MFV x RI nas 4 artérias retrobulbares dos grupos experimentais Controlo NTG GPAA p r p r p r CRA 0,7103 - 0,0081 0,3334 0,0041 0,4070 NPCA 0,7508 - 0,3512 - 0,3168 - TPCA 0,5806 - 0,8808 - 0,1092 - OA 0,0018 -0,4399 0,0002 -0,4567 0,0017 -0,4408 MFV x RI Correlação entre as velocidades de fluxo médias e os índices de resistência nas artérias dos 3 grupos diagnósticos. Variáveis analisadas pela correlação de Spearman. Valores de r apresentados quando p inferior a 0,05. MFV indica velocidades de fluxo médias; RI, índices de resistência; NTG, glaucoma normotensional; GPAA, glaucoma primário de ângulo aberto; CRA, artéria central da retina; NPCA, artérias ciliares curtas posteriores nasais; TPCA, artérias ciliares curtas posteriores temporais; OA, artéria oftálmica. Nas populações com glaucoma, verificou-se que os doentes com maiores índices de resistência apresentavam maiores velocidades médias ao nível da artéria central da retina. Considerando os índices de resistência e cálculos de pressões de perfusão ocular como indicadores indirectos, respectivamente, da resistência vascular e pressões Vol. 36 - Nº 1 - Janeiro-Março 2012 | 21 L. Abegão Pinto, Evelien Vandewalle, Thierry Zeyen, Ingeborg Stalmans Quadro 5 | Correlações PPOm x RI nas 4 artérias retrobulbares dos grupos experimentais Controlo NTG GPAA p r p r p r CRA 0,8365 - 0,3997 - 0,2823 - NPCA 0,9737 - 0,0132 0,3235 0,7613 - TPCA 0,5169 - 0,8993 - 0,3573 - OA 0,7259 - 0,1107 - 0,8893 - PPOm x RI Correlação entre as pressões médias de perfusão ocular e os índices de resistência nas artérias dos 3 grupos diagnósticos. Variáveis analisadas pela correlação de Spearman. Valores de r apresentados quando p inferior a 0,05. PPOm indica pressões médias de perfusão oculares ([2/3 PA diastólica+1/3 PA sistólica]-tonometria Goldman); RI, índices de resistência; NTG, glaucoma normotensional; GPAA, glaucoma primário de ângulo aberto; CRA, artéria central da retina; NPCA, artérias ciliares curtas posteriores nasais; TPCA, artérias ciliares curtas posteriores temporais; OA, artéria oftálmica. Gráf. 1 | Representação gráfica das correlações entre velocidades médias de fluxo e índices de resistências das artérias retrobulbares dos 3 grupos diagnósticos. MFV indica velocidades de fluxo médias; RI, índices de resistência; NTG, glaucoma normotensional; GPAA, glaucoma primário de ângulo aberto; CRA, artéria central da retina; NPCA, artérias ciliares curtas posteriores nasais; TPCA, artérias ciliares curtas posteriores temporais; OA, artéria oftálmica. vasculares, torna-se possível estudar o comportamento destas artérias. Ao não existir um aumento da pressão em resposta a um aumento da resistência, terá que existir uma diminuição compensatória no binómio velocidade x diâmetro vascular. Como se verifica igualmente um aumento da velocidade média, deduz-se que a diminuição do binómio se faz à custa de uma forte redução do diâmetro vascular. Em contraste, o facto dos indivíduos saudáveis com maiores resistências não apresentarem maiores velocidades, leva a 22 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia que o impacto ao nível do diâmetro seja significativamente menor. Esta vasoconstrição da artéria central da retina nos doentes com glaucoma é, aliás, um dado conhecido, existindo vários estudos que comprovam uma forte associação entre danos estruturais e uma redução generalizada do calibre da artéria central da retina e das suas ramificações17-18. Não se conhecendo ainda se este fenómeno está envolvido na patogénese da doença19 ou se é secundário às lesões neuronais que potencialmente regulam o fluxo sanguíneo Avaliação da Regulação Vascular da Circulação Retrobulbar por Color Doppler Imaging neste vaso20, torna-se evidente uma perda da normal capacidade de regulação vascular deste território nos doentes com glaucoma. Ao nível das ciliares curtas posteriores, nasais ou temporais, em qualquer dos grupos experimentais, não se verificou um aumento das velocidades nos doentes com maiores resistências. Existem contudo limitações inerentes à tecnologia CDI que dificultam a generalização das considerações até aqui feitas para a artéria central da retina. Não se tratando de uma única artéria, nem sendo possível a sua identificação individual pela técnica CDI, a grande variabilidade no número de ciliares curtas e a disparidade da sua distribuição entre as regiões temporais e nasais em redor do nervo óptico, torna a análise e comparação de dados entre doentes sujeita a vários vieses não passíveis de controlo16. No entanto, e caso se tome como premissa que esse número indeterminado de artérias ciliares curtas posteriores se comportam como um único vaso, seria expectável que um aumento de resistência vascular não tivesse uma correspondência ao nível das velocidades, uma vez que são responsáveis pela irrigação da coroide. Sendo este um território de muito baixa resistência e elevado fluxo sanguíneo21, a grande rede de capilares existente neste compartimento e grande capacidade de regulação do mesmo permitiria a acomodação desse aumento da resistência sem outras alterações hemodinâmicas. Aliás esta diferença de comportamento em relação à artéria central da retina provavelmente espelha a diferença na regulação destas duas vascularizações. Enquanto a circulação coroideia está dependente do controlo do sistema nervoso autónomo e não possui uma capacidade intrínseca de adaptação a estimulação externa, a circulação retiniana não possui qualquer enervação simpática. As artérias retinianas possuem capacidade de autoregulação, dilatando ou contraindo em resposta a modificações das condições de oxigénio ou de pH, mantendo assim um equilíbrio metabólico apesar de expostas a condições que perturbariam esse equilíbrio22-24. A artéria oftálmica apresenta uma correlação distinta das anteriores, em que se verifica uma diminuição acentuada da velocidade nos doentes com maiores resistências. Esta correlação negativa torna impossível inferir qual o comportamento do vaso com base nos pressupostos anteriores, na medida em que, havendo uma diminuição da velocidade, o binómio velocidade x diâmetro pode ser inferior com uma redução do diâmetro, uma estabilização ou mesmo uma ligeira dilatação do vaso. No entanto, a literatura existente demonstra que a artéria oftálmica consegue, tanto em condições de aumento da pressão arterial como no decorrer de exercício físico, através de estimulação simpática, promover uma vasoconstrição de modo a proteger as estruturas do olho de lesões de hiperperfusão, mantendo um fluxo constante ao longo das variações de pressão arterial25-26. As diferenças metodológicas no nosso trabalho impedem a directa comparação de resultados, na medida em que não analisamos as flutuações de velocidade ao longo de um aumento provocado da resistência vascular num dado indivíduo, mas sim a possibilidade de indivíduos com maiores resistências apresentarem ou não maiores velocidades, num ensaio primariamente observacional. Contudo, salienta-se que dos nossos dados não se evidencia nenhuma diferença entre a população controlo e a população com glaucoma, não sendo, por isso, possível evidenciar qualquer alteração na capacidade de regulação vascular neste território. Em conclusão, a tecnologia CDI parece permitir a identificação de disfunções vasculares ao nível da circulação retrobulbar. As diferentes características das artérias retrobulbares tornam esta técnica particularmente interessante no estudo das alterações glaucomatosas ao nível da artéria central da retina. Este estudo, ao permitir uma análise do comportamento vasoactivo dessa artéria, poderá tornar ainda mais útil a utilização do CDI nos estudos sobre o efeito não-dependente da PIO dos fármacos hipotensores sobre o fluxo de sangue ocular. Bibliografia 1. Hayreh, SS. Ischemic optic neuropathy. Prog Retin Eye Res 2009; 28(1):34-62 2. Schmetterer L, Wolzt M. Ocular blood flow and associated functional deviations in diabetic retinopathy. Diabetologia 1999; 42: 387–405. 3. Flammer J, Orgul S. Optic nerve blood-flow abnormalities in glaucoma. Prog Retin Eye Res 1999; 17: 267–289. 4. Galassi F, Nuzzaci G, Sodi A, Casi P, Vielmo A. Color Doppler imaging in evaluation of optic nerve blood supply in normal and glaucomatous subjects. Int. Ophthalmol. 1992; 16: 273–276. 5. Michelson G, Groh MJ, Groh ME, Grundler A. Advanced primary open-angle glaucoma is associated with decreased ophthalmic artery blood-flow velocity. Ger. J. Ophthalmol 1995; 4: 21–24. 6. 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