PARECER CFM nº 28/15
INTERESSADO:
Dr. R.W.F.D.
ASSUNTO:
Procedimentos diagnósticos e tratamento dos pacientes
portadores de glaucoma
RELATOR:
Cons. José Fernando Maia Vinagre
EMENTA: Não há como referendar a Portaria SAS/MS
nº 1.279/13 referente ao tratamento de glaucoma, uma
vez que ela tira a autonomia do médico para instituir a
conduta mais adequada.
DA CONSULTA
O consulente enviou ao Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)
da época um ofício em que explica que a assistência médica aos pacientes
portadores de glaucoma é realizada no Sistema Único de Saúde (SUS) através da
Portaria SAS/MS n° 920 de 15 de dezembro de 2011. Tal Portaria foi objeto de
consulta ao CFM, através do Processo-Consulta nº 76/12, que resultou no Parecer
CFM nº 6/13 e cuja conclusão diz: “As condutas propostas nos diversos artigos
contidos na Portaria Ministerial com relação aos Procedimentos de Diagnóstico e
Tratamento dos Pacientes Portadores de Glaucoma, bem como as periodicidades
dos exames, tem respaldo científico, sendo usuais na prática médica atual e a sua
obediência não acarretará prejuízos aos pacientes”.
Para elaborar o novo Protocolo Clínico e as Diretrizes Terapêuticas do
Glaucoma, o Ministério da Saúde alterou, através da Consulta Pública n° 10, de 29
de maio de 2013, o protocolo estabelecido pela Portaria SAS/MS nº 920 de 15 de
dezembro de 2011.
Com relação à Consulta Pública supracitada, o Conselho Brasileiro de
Oftalmologia encaminhou ao Ministério da Saúde sua contribuição – por meio de um
ofício ao Dr. José Eduardo Fogolin Passos, Coordenador Geral de Média e Alta
Complexidade (documento anexo) – afirmando a necessidade de revisão cuidadosa
da proposta elaborada pelo Ministério da Saúde e sugerindo a implantação de
condutas formuladas pela Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG), entidade
detentora do conhecimento técnico necessário para a elaboração das diretrizes para
a Saúde Pública Nacional referentes a essa importante doença.
Entretanto, o Ministério da Saúde publicou a Portaria SAS/MS nº 1.279, de 19
de novembro de 2013, que aprova o novo Protocolo Clínico e as Diretrizes
Terapêuticas do Glaucoma, cujo artigo 5° revoga o anexo IV (Protocolo Clínico e
Diretrizes Terapêuticas de Atenção ao Portador de Glaucoma) da Portaria SAS/MS
nº 288, de 19 de maio de 2008, que era utilizado pela Portaria SAS/MS nº 920, de 15
de dezembro de 2011 e já referendado pelo Parecer CFM nº 6/13.
O novo protocolo afirma que os análogos das prostaglandinas e prostamidas
são os medicamentos de maior efeito hipotensor no tratamento de pacientes
glaucomatosos e são utilizados em dose única noturna, facilitando a adesão ao
tratamento. Entretanto, ele também determina que o tratamento seja iniciado com
monoterapia de colírio betabloqueador e que as outras formas de tratamento só
sejam aplicadas mediante a falha da primeira terapêutica.
O consulente solicita a emissão de um parecer para que oftalmologistas
possam prescrever o melhor tratamento e realizar o acompanhamento dentro da
periodicidade mais adequada para os pacientes, sem a obrigatoriedade de seguir a
sequência imposta pelo novo protocolo da Portaria Ministerial.
A consulta foi enviada à Câmara Técnica de Oftalmologia do CFM que
elaborou o seguinte parecer:
DO PARECER:
O glaucoma é definido como uma neuropatia óptica que afeta e camada de
células ganglionares da retina por meio da perda de células e seus axônios (1). A
alteração característica de campo visual não é requisito necessário para existência
da doença visto que tal repercussão funcional só será observada após a perda de
cerca de 50% das fibras nervosas. Esse grupo é denominado “portadores de
glaucoma pré-perimétrico”.
A pressão intraocular (PIO) é o principal fator do risco do glaucoma e o único
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parâmetro da doença, que pode e deve ser modificado. PIO alvo é aquela
considerada baixa o suficiente para evitar o estabelecimento ou progressão do dano
glaucomatoso, deve ser reavaliada periodicamente e depende de vários fatores,
incluindo: gravidade do glaucoma, expectativa de vida, história familiar, PIO inicial,
raça e espessura da córnea central. Salienta-se que a evidência de estabelecimento
ou progressão de glaucoma não é determinada apenas por aumento de escavação
do nervo óptico ou dano no campo visual, mas também por dano a camada de fibras
nervosas da retina.
No Congresso Brasileiro de Oftalmologia de 2011, realizado na cidade de
Porto Alegre, o tema foi “Glaucoma Primário de Ângulo Aberto”, tendo como
relatores os Professores Dr. Paulo Augusto de Arruda Mello e Dr. Geraldo Vicente
de Almeida e o Dr. Homero Gusmão de Almeida.
O Glaucoma Primário de Ângulo Aberto é a forma mais frequente dos
glaucomas e representa 80% dos casos em nosso País. Até o presente momento
não apresenta cura, mas seu controle é possível durante toda a vida do paciente
que apresenta a patologia.
O Conselho Brasileiro de Oftalmologia estima que, no Brasil, existam
aproximadamente 1,2 milhão de portadores da doença – que é a principal causa de
cegueira irreversível.
“Na maioria dos casos de glaucoma, a terapêutica inicial baseia-se na
utilização de drogas hipotensoras oculares”1,2 (NE I). “A decisão da droga a ser
indicada deve ser feita de acordo com o seu mecanismo de ação, eficácia na
diminuição da PIO, custo e efeitos colaterais”3.
O tratamento clínico é, na maioria dos casos, a primeira opção terapêutica,
ficando os procedimentos com laser e os cirúrgicos reservados para quando não se
obtém o controle da doença por meio da prescrição de fármacos.
Usualmente, os agentes antiglaucomatosos são administrados isoladamente
ou de modo combinado por via ocular (tópica) sob a forma de colírios ou, com rara
frequência, por via sistêmica (oral). A via intravenosa é excepcional. Basicamente, a
medicação é instilada sobre a superfície ocular, que penetra pela conjuntiva e pela
córnea.
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Vários
grupos
farmacológicos
compõem
o
arsenal
terapêutico
de
antiglaucomatosos de uso tópico disponíveis em nosso meio, tais como:
- Parassimpatomiméticos (mióticos)
- Simpatolíticos (betabloqueadores)
- Simpaticomiméticos (alfa-agonistas)
- Inibidores da anidrase carbônica
- Análogos de prostaglandinas
Todas as drogas apresentam efeitos colaterais e potencialidades de ação
diferentes. Existe uma infinidade de combinações de fármacos para o tratamento do
glaucoma.
O tratamento deve ser personalizado (individualizado), com o objetivo de se
conseguir o melhor controle possível da doença. As flutuações, o pico de pressão
intraocular e as pressões alvo devem ser periodicamente revistas. Tais condições
devem ser consideradas nas consultas de retorno para avaliar a resposta
apresentada pelos pacientes ao tratamento.
Dois aspectos principais estão relacionados ao sucesso terapêutico no
glaucoma: a capacidade da droga em reduzir a PIO e a adesão ao tratamento. O
primeiro relaciona-se à potência da droga; o segundo, à posologia e aos efeitos
colaterais.
De acordo com 3º Consenso da SBG sobre Glaucoma Primário de Ângulo
Aberto4, deve-se iniciar o tratamento com monoterapia tópica, visando alcançar a
PIO alvo (NE I). A PIO alvo é aquela considerada baixa o suficiente para evitar o
estabelecimento ou progressão do dano glaucomatoso. A escolha da droga inicial
deve ser individualizada, utilizando-se os análogos da prostaglandina ou os
betabloqueadores tópicos (NE I), que são drogas de primeira linha, seguidos pelos
alfa-agonistas e inibidores da anidrase carbônica.
A decisão da melhor droga a ser prescrita cabe ao médico, após apropriada
avaliação do quadro clínico do paciente, baseada na gravidade (estadiamento) de
sua doença e considerando a sua eficácia e a tolerabilidade à droga selecionada.
A periodicidade dos exames de controle também deve ser determinada pelo
médico, de acordo com o estadiamento e a gravidade do quadro clínico.
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COMENTÁRIOS E CONCLUSÃO
A consulta se refere à mudança feita pelo Ministério da Saúde, através da
Portaria SAS/MS nº 1.279/13, no protocolo de tratamento de Glaucoma que estava
em vigor através da portaria SAS/MS nº 920/2011, referendada pelo Parecer CFM nº
6/13.
A Portaria SAS/MS nº 920/11 não determinava que medicamento deveria ser
prescrito pelo médico ao paciente portador de glaucoma, essa decisão cabia
exclusivamente ao médico prescritor. Já a Portaria SAS/MS nº 1.279/13 determina o
medicamento que o paciente deve usar, impedindo o médico de levar em
consideração, no tratamento de seu paciente, os critérios citados neste parecer, ou
seja, o estadiamento da doença.
Portanto, pelo exposto acima, não há como referendar a substituição da
Portaria SAS/MS nº 920/11 pela Portaria SAS/MS nº 1.279/13. É imperativo que o
CFM atue junto ao Ministério da Saúde no sentido de revogar a referida Portaria,
apoiando a posição do Colégio Brasileiro de Oftalmologia.
Este é o parecer, SMJ.
Brasília-DF, 19 de junho de 2015
JOSÉ FERNANDO MAIA VINAGRE
Conselheiro relator
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REFERÊNCIAS:
1. Mello PAA, Almeida GV, Almeida H. Glaucoma Primário de Ângulo Aberto.
1ª. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica: Guanabara, 2011; p 1-387.
2. Burr J, Azuara-Blanco A, Avenell A. Medical versus surgical interventions
for open angle glaucoma. Cochrane Database Syst Rev, 2005: CD004399.
3. Vass C, Hirn C, Sycha T, Findl O, Bauer P, Schmetterer L. Medical
interventions for primary open angle glaucoma and ocular hypertension.
Cochrane Database Syst Rev, 2007: CD003167.
4. Fremont AM, Lee PP, Mangione CM, Kapur K, Adams JL, Wickstrom SL,
Escarce JJ. Patterns of care for open-angle glaucoma in managed care.
Arch Ophthalmol. 2003 Jun; 121(6):777-83.
5. 3o Consenso Brasileiro Glaucoma Primário de Ângulo Aberto -3. ed.- São
Paulo: Sociedade Brasileira de Glaucoma; São Paulo: BestPoint, 2009.
6. Van der Valk R, Schouten JS, Webers CA, et al. The impact of a
nationwide introduction of new drugs and a treatment protocol for
glaucoma on the number of glaucoma surgeries. J Glaucoma, 2005; 14:
239–242.
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