Cresol – Leituras complementares
Tema 1.1. Capitalismo atual: configurações em geral e na AgriFam. – Prof. Paulo
Timm
Terry Eagleton, também nutrindo-se na fonte weberiana, afirma que
antes da ascensão do capitalismo as três grandes questões da Filosofia:
o que podemos saber?; o que devemos fazer?; e o que nos atrai?;
correspondentes aos aspectos cognitivo, ético-político, e estéticolibidinal estavam intimamente associadas. A partir da descrição de quem
somos nós era possível saber o que fazer ou em que nos poderíamos
transformar, a arte, por sua vez, podia ser vista como forma de
conhecimento social sendo regida por padrões éticos normativos.
(...)
A estética, em contraposição, se propôs a reverter o processo de divisão
das áreas da história, estetizando a verdade e a moral: propondo a arte como
uma reconciliação ideal do sujeito com o objeto, do universal e do particular, da
liberdade e da necessidade, da teoria e da prática, do indivíduo e da
sociedade. Entretanto, incapaz de quebrar o sistema, legou-nos formas de
subversão secreta, de resistência silenciosa e recusa teimosa, sendo o
"Modernismo" uma de suas manifestações (Eagleton, 1993, pág. 264-266).
S.P.Rouanet – Pelas sendas da modernidade
“O homem moderno matou Deus, mas não conseguiu livrar-se
do seu cadáver...”
Nietsche
Tragédia, Modernidade, Ilusão, Necessidade, Contingência.
A tragédia é mérito dos gregos3. Gênero literário que os gregos criaram e
desenvolveram para representar a intensidade dinâmica e contraditória da
existência. Gênero que lhes possibilitava participar da brincadeira paradoxal da
existência, na qual o homem está submerso, desvencilhado de ressentimentos,
de remorsos, de pretensões de uma teleologia para o mundo, para a existência
humana. A tragédia grega apresentava-se como abertura humana ao
contingente, às possibilidades da existência, como condição de participação
intensa na dinâmica vital, envolta por forças que transcendem o homem, que lhe
escapam ao entendimento, mas que ao mesmo tempo lhe proporcionavam a
experimentação da intensidade de sua vida na physis4, submetida à voracidade
de Crono5 que lhe consumia as forças vitais dia após dia.
Sandro Luiz Bazzanella in “POSSIBILIDADES DA EXPERIÊNCIA DA
TRAGÉDIA NA MODERNIDADE SEM ILUSÕES”
_
“A história da modernidade é a história da formação, pela primeira vez, de um
sistema-mundo. Nos últimos quinhentos anos, as antigas sociedades humanas,
que existiram em relativo isolamento durante milênios, foram progressivamente
unificadas em um novo sistema muito mais amplo. Essa unificação foi feita por
meio da incorporação de áreas e povos ao controle e influência do antigo
subsistema europeu.
Os agentes e promotores dessa transformação construíram suas próprias
maneiras de compreender e conferir sentido ao que faziam. Primeiro foi a
difusão do cristianismo, mas esse discurso correspondia à consciência de um
tempo histórico que estava sendo ultrapassado. Logo veio uma consciência
nova. O iluminismo forneceu os dois conceitos fundamentais que justificaram o
papel universal da burguesia européia: razão e liberdade.
Conceitos gêmeos. Até então, a revelação e a tradição é que forneciam normas
válidas para a organização da vida social. O pensamento só poderia ocupar um
lugar central se também dele fosse possível deduzir princípios e normas
universais que ultrapassassem os limites da mera opinião. Enorme desafio. Os
iluministas afirmaram que era possível superá-lo: o pensamento podia produzir
esses conceitos universais, e à sua totalidade eles denominaram razão. A
razão pressupunha a liberdade, pois o sujeito só pode atingir a verdade se o
seu esforço de conhecimento não reconhecer nenhuma autoridade externa que
lhe imponha limites. E a liberdade pressupunha a razão, pois ser livre é poder
agir de acordo com o conhecimento da verdade.”
César Benjamin in Atualidade de Marx_
Como dizia meu avô, AFONSO PEREIRA:
“Não se pergunte quanto V. paga de imposto. Pergunte-se quem acaba
recebendo, através do Estado, na forma de juros da dívida pública,
subsídios e outras quejandas “magistrais”, toda essa grana. Aí vai
descobrir que há uma multidão pagando impostos e pouquíssimos
privilegiados botando essa mesma grana nos bolsos, aliás, nos Bancos,
os quais continuarão animando a ciranda do mercado financeiro no
mundo inteiro, arrasando nações, empresas, gentes, senão a humanidade
inteira...”
Ele pensava, até , muito parecido com o Velho Marx, que não era nem
Grouxo, nem Gordo, apesar de apelidado "O Mouro"
“Os credores do Estado, na realidade, não dão nada, pois a soma
emprestada
é convertida em títulos da dívida, facilmente
transferíveis,
que continuam a funcionar em suas mãos como se fossem a mesma
quantidade de
dinheiro sonante.
Porém, abstraindo a classe de rentistas ociosos assim criada e a riqueza
improvisada dos financistas,
a dívida do Estado fez prosperar
o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia.”
(K. Marx, O Capital, 1867)
Deste modo, é evidente que um pré-requisito para o pleno emprego é uma
relação adequada entre o equipamento existente e a força de trabalho
disponível. O volume de equipamento deve ser adequado para empregar a
mão-de-obra disponível e permitir ainda capacidade de reserva. Se a
capacidade máxima do equipamento é insuficiente para absorver a mão-de-obra
disponível, como é o caso dos países atrasados, a imediata obtenção do pleno
emprego é certamente impossível. Se não existe capacidade, e de reserva ou é
insuficiente, a tentativa de assegurar o pleno emprego a curto prazo pode
facilmente levar a tendências inflacionárias em amplas seções da economia,
pois a estrutura do equipamento não se combina necessariamente com a
estrutura de demanda. E mesmo se a estrutura do equipamento combinar com a
estrutura de demanda de pleno emprego no momento inicial, a deficiência de
reservas causará subseqüentemente problemas quando ocorrerem deslocamentos
na demanda.
*KALECKI – 1944 - TRÊS CAMINHOS PARA O PLENO
EMPREGO
<http://www.desenvolvimentistas.com.br/desempregozero/2008/03/tres-caminhos-para-opleno-emprego/>
“Toda teoria é simplificação, abstração, estilização. A teoria não espelha a realidade; extrai
as caracteristicas salientes que expressam a essência dessa realidade... As boas teorias são
abstrações pertinentes, e a pertinência se altera quando a história evolui. Em economia, as
velhas teorias raramente são erroneas; apenas se tornaram não pertinentes. Examinando a
teoria econômica em que fora formado, Keynes sentiu que ela não era mais aplicável ao
mundo que ele conhecia...”
Victoria Chick
“Com efeito, essa relação estruturalmente assimétrica, e que pode
ser definida ao mesmo tempo como central, para o Brasil, e como de
segunda, ou de terceira, prioridade, para os EUA, passou, ao longo da
história, por diferentes situações: da aproximação à indiferença, da
aliança militar à desconfiança, da cooperação política à competição
comercial, nas várias fases de um relacionamento que remonta ao
período anterior à independência do Brasil
...
O regime inaugurado em 2003 no Brasil introduziu mudanças
significativas no padrão de relacionamento, ainda que a retórica
diplomática tenha procurado manter a aparência de continuidade. Na
verdade, muitas das iniciativas tomadas pelos governos lulo-petistas
foram no sentido de consolidar uma orientação dita “anti-hegemônica”
na política externa e de constituir organismos de consulta e de
coordenação regionais afastados da esfera de influência dos EUA, a
começar pelo implosão do projeto americano da Alca. Nesse sentido, o
relacionamento passou pelo mesmo ciclo anterior de altos e baixos, com
fases de reaproximação seguidas de afastamentos por falta de
entendimentos políticos – como no caso da espionagem sobre as
comunicações brasileiras feita pela National Security Agency – e por
promessas de reativação das relações econômicas e comerciais que nem
sempre se traduziram em ações concretas..”
Paulo Roberto Almeida in “Visão Geral..
“www.diplomatizando.com.br
Por isto, se costuma dizer que ocorreu uma “revolução financeira” na
década de 1980, mas esta revolução provocou de fato um retorno às
origens da relação entre o poder, a moeda e o crédito. Os EUA voltaram a
definir, de forma soberana e isolada - com base apenas no seu poder - o
valor da sua moeda e dos seus títulos da dívida pública que se
transformaram numa referencia de circulação e liquidez internacional
quase automática. E a mais recente “financeirização do capitalismo”
cumpriu um papel decisivo na gigantesca acumulação de poder do estado
norte-americano, das duas últimas décadas do século XX. Concluindo:
enquanto se mantiver a centralidade internacional da moeda norteamericana, e dos mercados financeiros dos EUA e da Inglaterra, as
finanças dos dois países seguirão operando como instrumentos
fundamentais da reprodução e expansão do poder global e da hegemonia
econômica das duas potencias anglo-saxônicos.
O Poder e a finança internacional – J.Luiz Fiori
www.cartamaior.com.br
Detenho-me na Coluna do Ouvidor da Agência Brasil de 23 de
dezembro passado na qual procura responder às contestações do leitor
Aldonso R. Couto sobre a matéria daquela Agência sobre as
negociações dos devedores do Programa de Agricultura Familiar
(CMN vai discutir linha de crédito para agricultores familiares, diz
ministro). Consta que o Governo Federal não tem um levantamento
total dessas dívidas em todo o país. O Banco do Nordeste informa que
tem, na carteira do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf), R$ 4,6 bilhões. Desse total, 17%
correspondem aos inadimplentes.
http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2011/09/pequenosprodutores-estao-com-dificuldades-em-saldar-dividas.html . A
verdade, sempre sonegada pela propaganda oficial , demonstra que a
inadimplência do PRONAF atinge mais de 4 milhões de famílias,
perto dos 15% fatais como teto estabelecido pelo sistema financeiro,
conduzindo a uma virtual paralisação do setor. Em Roraima , a
inadimplência chega a 86.3%, no Pará 75.5%, na Paraíba 63% e em
Pernambuco , 60% -. ( Ver Pronunciamento do Deputado Beto Faro –
PT/PA *) No Rio Grande do Sul a situação também é gravíssima e
atinge milhares de agricultores:
No Rio Grande do Sul, agricultores familiares já estão fazendo novos
pedidos ao governo. No município de Sarandi, no norte do estado,
Jandir Magnabosco deve R$ 8 mil, e afirma que as dificuldades para
tocar a lavoura arrastam a dívida há seis anos.
No dia 26 de agosto, o governo gaúcho fez uma proposta: liberar uma
nova linha de crédito para ajudar a renegociação. Cada produtor
poderia retirar até R$ 20 mil em novo financiamento com prazo de sete
anos para pagar, sendo um ano de carência.
Essa nova linha de crédito poderia ser usada para pagar parcelas em
atraso ou dívidas que ainda estão para vencer, mas as lideranças da
agricultura familiar não gostaram do anúncio.
“A gente esperava que, de fato, o governo abonasse esse valor para os
nossos agricultores, até porque era uma forma de nosso agricultor, na
época, também, se viabilizar na sua propriedade. A gente tem visto que
se tornou mais uma dívida para o nosso agricultor”, afirma Márcio
Cassel, presidente do Sindicato de Agricultura Familiar de Sarandi.
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Sul do
País fez um novo pedido ao governo. Querem um aumento da linha de
crédito de R$ 20 mil para R$ 30 mil por produtor, uma ampliação do
prazo de pagamento de sete para 13 anos e um desconto de 46% nas
parcelas que forem pagas em dia, daqui para frente.
A linha de crédito anunciada pelo governo até agora é apenas uma
promessa. Quanto às novas reivindicações da agricultura familiar, até
agora não houve resposta dos ministérios da Fazenda e do
Desenvolvimento Agrário.
A carta indignada de Aldonso faz, pois, sentido:
“O povo quer saber, principalmente a classe trabalhadora na
agricultura familiar, pois há anos estamos trabalhando para pagar
contas e juros em cima de juros. Quando se colhe uma safra razoável
não se cobre os custos de produção, quando não se colhe, daí o produto
tem valor. É impressionante que os governantes não tenham notado
isso há anos atrás - o agricultor esta sempre em déficit, como vocês
gostam de dizer palavras bonitas! Agora que o tal CMN [Conselho
Monetário Nacional] formado por ministros que um dia foram nossos
candidatos a deputado, senador e agora simplesmente nomeados
MINISTROS [grifo do leitor], resolveram, embora sob pressão de
nossos gritos de alerta, autorizar um novo empréstimo de uma quantia
irrisória, com limite de até R$ 30 mil, por produtor em dez anos. Não
repassam o dinheiro aos bancos na hora certa, pois sempre fica para
depois, aguardando os pobres descalços e calejados afundarem-se mais
em juros! Até quando vamos ter que esperar? Prestem bem atenção,
pois tem gente que já morreu e só assim conseguiu apagar seus nomes
desses órgãos de cobranças”.
(Coluna do Ouvidor)
Não vou entrar nos detalhes do desabafo do Ouvidor frente às
costumeiras tergiversações da Agência Brasil diante das reclamações
dos leitores:
“Quando voltarmos ao assunto levaremos em consideração suas
observações.”
(cit. Coluna do Ouvidor)
Ressalto a excelente oportunidade do Ouvidor, que ora se despede,
para tristeza dos que acompanharam sua excelente atuação na difícil
missão nos últimos anos, ao trazer à baila a questão do PRONAF.
Deste programa depende 70 % da mão-de-obra ocupada no campo
(IBGE – Censo Agropecuário 2006), responsável por 40% da produção
de alimentos. Mas a inclemência das variações climáticas tem levado
estes pequenos agricultores ao desespero:
O déficit a que o leitor se refere já se tornou estrutural na agricultura
brasileira, conforme admitiu o Deputado Federal Beto Faro em recente
pronunciamento(*). Ele é o resultado de anos a fio de políticas públicas
de financiamento que não atingem seus objetivos, conforme analisa o
engenheiro agrônomo Lino Geraldo Vargas Moura, no artigo Plano de
Safra 2011-2012 e a Agricultura Familiar .
(Coluna do Ouvidor Ag.Brasil)
A verdade, sempre sonegada pela propaganda oficial , demonstra que
a inadimplência do PRONAF atinge mais de de 4 milhões de famílias,
perto dos 15% fatais como teto estabelecido pelo sistema financeiro,
conduzindo a uma virtual paralisação do setor. \
No Rio Grande do Sul, esta situação de inadimplência da agricultura
familiar deve piorar, agora, com a seca .
Paulo Timm - 2012
1.
A grande importância do pequeno agricultor
A chamada agricultura familiar constituída por pequenos e médios
produtores, representa a imensa maioria de produtores rurais no Brasil. No
Censo Agropecuário de 2006 foram identificados mais de 4,3 milhões de
estabelecimentos de agricultura familiar. Eles representavam 84,4% do total,
mas ocupavam somente 24,3% da área dos estabelecimentos agropecuários
brasileiros. Enquanto isso, os estabelecimentos não familiares representavam
15,6% do total e ocupavam 75,7% da sua área.
Dos 80,25 milhões de hectares da agricultura familiar, 45% eram
destinados a pastagens, 28% a florestas e apenas 22% as lavouras. Ainda
assim, a agricultura familiar mostra seu peso na cesta básica do brasileiro. Os
dados do Censo de 2006 mostram que os pequenos produtores são
responsáveis por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção
de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz e 21% do trigo. Na
pecuária, a agricultura familiar também se destaca: produz 58% do leite, 59%
do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos.
As informações sobre educação na agricultura familiar revelam avanços,
mas também desafios: entre os 11 milhões de pessoas envolvidas na
agricultura familiar existiam pouco mais de 4 milhões de pessoas (37%) que
declararam não saber ler e escrever. A maioria destes formada principalmente
por pessoas de 14 anos ou mais de idade (3,6 milhões de pessoas)
Guile Rocha*
Os desafios da agricultura familiar (Parte 2): Os jovens no campo
1 dia atrás ... Os desafios da agricultura familiar (Parte 2): Os jovens no
campo ... Por Guile
Rocha ... Emater/RS e a sucessão na agricultura familiar ...
www.afolhatorres.com.br/index.php?option=com_content&vie - 33k - Páginas
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Os desafios da agricultura familiar (Parte 1): Soluções para o futuro
9 jul. 2012 ... Os desafios da agricultura familiar (Parte 1): Soluções para o
futuro ... Por Guile
Rocha*. O governo federal anunciou nesta semana que ...
www.afolhatorres.com.br/index.php?option=com_content&vie - 27k - Páginas
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Dia 16 de julho
Tarde
13.30 – 15.00 – O homem e a sociedade. A singularidade da condição humana à luz da
Filosofia e os papéis do Homem no mundo moderno: cidadão/consumidor no sistema da
Sociedade, Indivíduo no Sistema da Família e proprietário/não proprietário no sistema da
Economia. Universalidade, individualidade e a autonomia no Projeto de
Emancipação. Sublimação e Tragédia. . O trabalho e a divisão social do trabalho na
sociedade e na Empresa.. A formação da sociedade econômica. Progresso , desenvolvimento e
nascimento das Ciências Sociais. Mercado e Planejamento. Os modelos de Marx, Durkheim e
Weber.
ISSN 1678-7730 Nº 88 – FPOLIS, DEZEMBRO DE 2007.
POSSIBILIDADES DA EXPERIÊNCIA DA
TRAGÉDIA NA MODERNIDADE SEM ILUSÕES
Sandro Luiz Bazzanella
POSSIBILIDADES DA EXPERIÊNCIA DA TRAGÉDIA NA
MODERNIDADE1 SEM ILUSÕES2.
SANDRO LUIZ BAZZANELLA
Tragédia, Modernidade, Ilusão, Necessidade, Contingência.
A tragédia é mérito dos gregos3. Gênero literário que os gregos criaram e
desenvolveram para representar a intensidade dinâmica e contraditória da existência.
Gênero que lhes possibilitava participar da brincadeira paradoxal da existência, na
qual o homem está submerso, desvencilhado de ressentimentos, de remorsos, de
pretensões de uma teleologia para o mundo, para a existência humana. A tragédia
grega apresentava-se como abertura humana ao contingente, às possibilidades da
existência, como condição de participação intensa na dinâmica vital, envolta por forças
que transcendem o homem, que lhe escapam ao entendimento, mas que ao mesmo
tempo lhe proporcionavam a experimentação da intensidade de sua vida na physis4,
submetida à voracidade de Crono5 que lhe consumia as forças vitais dia após dia.
1O
presente artigo apresenta-se como um esforço de discussão das possibilidades da
experiência trágica na modernidade e para levar adiante este debate, nos remetemos na
primeira parte do mesmo, à uma visão da dimensão trágica entre os gregos antigos para na
segunda parte apontar algumas possibilidades do trágico na modernidade. Porém, queremos
salientar que não faz parte de nosso esforço conceitual e discursivo entrar no debate sobre o
sentido que o trágico assume no mundo antigo e no mundo moderno.
2A
expressão utilizada na segunda parte do título deste ensaio “Modernidade sem Ilusões”,
inspira-se da obra do sociólogo Zygmunt Bauman, pensador que articula, através de análise
filosófica, sociológica, antropológica, uma significativa leitura frente aos principais temas do
mundo ocidental contemporâneo. Esta terminologia perpassa algumas de suas obras, entre
elas: “Ética pós-moderna (1997)”; “O Mal-estar da Pós-modernidade(1998)”. “Modernidade e
Ambivalência (1999).”
3 (...).
A tragédia grega, com sua safra de obras-primas, durou ao todo oitenta anos. Em uma
relação que não
pode ser causal, esses oitenta anos correspondem exatamente ao período da expansão
política de Atenas. (...). O
ápice da tragédia terminou ao mesmo tempo em que acabava a grandeza de Atenas.
(ROMILLY, 1998, p. 08/09).
4A
physis compreende a totalidade de tudo o que é. Ela pode ser apreendida em tudo o que
acontece: na aurora, no crescimento das plantas, no nascimento de animais e homens. (...)
compreendendo em si tudo o que existe. À physis pertencem o céu e a terra, a pedra e a
planta, o animal e o homem, o acontecer humano como obra do
2
Ter inventado a tragédia é um glorioso mérito; e esse mérito pertence aos gregos. Há,
de fato, algo de fascinante no sucesso que conheceu esse gênero, pois, ainda hoje
escrevemos tragédias, passados já 25 séculos. Tragédias são escritas por toda a
parte, no mundo todo.Mais ainda, continuamos, de tempos em tempos, a tomar
emprestado dos gregos seus temas e seus personagens: ainda escrevemos Electras e
Antígonas. (ROMILLY, 1998, P. 07).
A tragédia remetia o homem a experimentar o caráter ambíguo de sua existência,
lançado numa relação entre o absoluto e o individual, entre o universal e o particular,
entre a necessidade e a contingência. A tragédia impulsionava-o ao reconhecimento
de sua individualidade como condição de reconhecimento de sua humanidade. Porém,
o reconhecimento de sua humanidade, ao invés de conferir-lhe segurança,
tranqüilidade, colocava-o suspenso sobre o abismo existencial ao revelar o caráter
contingente não necessário, precário de sua existência e por isso mesmo, convocada
a participar intensamente da dinâmica vital, mesmo desconhecendo seus caminhos,
seus desígnios.
O conceito de trágico foi, às vezes, discutido pelos filósofos não só em relação à forma
de arte que é a tragédia, mas também em relação à vida humana em geral, ou ao
palco do mundo. O ponto de partida implícito ou explícito dessas discussões quase
sempre é a definição aristotélica de tragédia, segundo a qual ela é “imitação de
acontecimentos que provocam piedade e terror e que ocasionam a purificação dessas
emoções” (Poet., 6, 1449 b
23). As situações que provam “piedade e terror” são aquelas em que a vida ou a
felicidade de pessoas inocentes é posta em perigo, em que os conflitos não são
resolvidos de tal modo que determinam “piedade e terror” nos espectadores. W
Haeger escreveu: “na tragédia grega a felicidade, como toda posse, não pode ficar
muito tempo com quem a detém: a perpétua instabilidade é inerente à sua natureza
[...].” (ABBAGNANO, 1998, P. 968).
O reconhecimento da dimensão trágica da existência colocava o homem grego diante
do conflito proveniente do fato de ter que fazer escolhas entre o exercício da liberdade
na necessidade, ou, da liberdade na contingência. A escolha do exercício da liberdade
pautada na necessidade parte do pressuposto de que a existência está submetida a
um princípio causal, de que a realidade existe em si e por si mesma, agindo sobre o
homem e em sua rede de relações, o que permitia e permite ao ser humano pensar
que há um sentido, uma verdade, uma finalidade, a partir da qual o mundo, a
existência se orienta, ou, é orientada. E em outra direção, a liberdade podia e pode ser
vivenciada na perspectiva da contingência, das infindáveis possibilidades que se
apresentam à existência. Ou seja, o homem era e é desafiado a partir do pressuposto
de que a realidade é mutável, imprevisível, caótica, dificultando ao homem e dos
deuses, e, sobretudo, pertencem à physis os próprios deuses. (...) compreende a totalidade
daquilo que é. BORNHEIM, Gerd A (Org). Os filósofos pré-socráticos. 3ª ed. São Paulo:
Editora Cultrix, 1977, p. 13.
5 Um
dos deuses da mitologia grega (...) identificado muitas vezes com o tempo (...) Crono
devora, ao mesmo tempo que gera; mutilando a Urano, estanca as fontes da vida, mas tornase ele próprio uma fonte, fecundando
Réia.(BRANDÃO, 1997, p. 198).
3
homem sua previsibilidade, sua mensuração, colocando-o no campo da incerteza em
relação ao sentido, às verdades, ou à finalidade que possa ter a existência, o
mundo.Na história das idéias ocidentais, necessidade e contingência foram
representadas por figuras míticas. A primeira, pelas três Parcas ou Moiras,
representando a fatalidade, isto é, o destino inelutável de cada um de nós, do
nascimento à morte. Uma das Parcas ou Moiras era representada fiando o fio de
nossa vida, enquanto a outra o tecia e a última o cortava, simbolizando nossa morte. A
contingência (ou o acaso) era representada pela Fortuna, mulher volúvel e caprichosa,
que trazia nas mãos uma roda, fazendo-a girar de tal modo que quem estivesse no
alto (a boa fortuna ou boa sorte) caísse (infortúnio ou má sorte) e quem estivesse
embaixo fosse elevado. Inconstante, incerta e cega, a roda da Fortuna era a purasorte,
boa ou má, contra a qual nada se poderia fazer [...]. (CHAUÍ, 1997, p. 360).
O conflito trágico aprofundava-se na medida em que, dependendo da opção feita pelo
homem, poderia apresentar-se a ele a possibilidade de assumir sua existência na
intensidade lúdica e alegre de quem entende, sente ou intui, que viver é participar
ativamente, no palco do mundo, da grande encenação da vida, em que cada ser
humano é o ator principal, numa peça que será apresentada por ele uma única vez, o
que conseqüentemente lhe exigia o máximo de empenho, de entusiasmo no
desenrolar dos atos e das cenas vitais. Em outra perspectiva, poderia entender a
existência como um fardo, determinada por forças que transcendem o homem e sobre
as quais pouco poderia ser feito. Nesta perspectiva, o ideal de vida se estabelecia e se
estabelece de forma heterônoma, de aceitação de valores vitais sobrehumanos,
imutáveis, de um ideal de vida para além da própria vida.
Portanto, o caráter trágico inerente à dinâmica existencial implicava, para os gregos
antigos, o reconhecimento da intensidade ética e estética da existência humana,
submersa na paradoxalidade de uma realidade isenta de um princípio causal, de
sentido, de ordem predeterminada. A dimensão ética apresentava-se na possibilidade
de realização da condição humana nas circunstâncias que lhe são próprias, no esforço
do homem pensar e representar o mundo de acordo com sua vontade, de transcender
a natureza, de criar seus valores, de participar com outros seres humanos desta
aventura da criação do mundo num determinado tempo e espaço, como única
possibilidade de realização pessoal e social.
[...]. Assim o trágico consiste originalmente no fato de que, em tal colisão, cada um
doslados opostos se justifica, e no entanto cada lado só é capaz de estabelecer o
verdadeiro conteúdo positivo de sua meta e de seu caráter ao negar e violar o outro
poder, igualmente justificado. Portanto, cada lado se torna culpado em sua eticidade.
(HEGEL apud SZONDI, 2004, p. 42).
A estética participava do trágico na medida em que perpassava a aventura em que o
homem estava lançado, na medida em que a vivia na intensidade da alegria e do
sofrimento, do prazer e da dor, da segurança de que suas opções eram as melhores
em determinado 4 momento, mas também da incerteza de que os resultados finais
poderiam garantir-lhe segurança, felicidade, ou, bem-estar. O trágico apresenta-se
desta forma nos paradoxos inerentes à experiência existencial humana. Era a
experiência vital do prazer, pelo simples fato de ter a oportunidade de viver, de existir
num determinado momento desta explosão criativa da vontade, da qual não se tinha e
não se tem a mínima noção em que ponto existencial, se estava, ou se está, onde se
situa o cosmos, se é para a esquerda, para a direita, para baixo, ou para cima, ou se
está simplesmente vagando num espaço sem começo e sem fim, mas mesmo diante
deste desafiador mistério, participar da alegria vital de fazer parte deste jogo, sem
começo e sem fim, desprovido de causalidade e finalidade. [...] na definição de J.H
Kirchmann: o trágico é “declínio do sublime”. Essa definição só poderia ser salva se
acrescentássemos que o declínio do sublime é causado por sua própria sublimidade,
ou que o homem de fato não pode viver sem o sublime, e no entanto tem de anular o
sublime justamente por meio da sua vida, por meioda realização do próprio sublime”
(ZSONDI, 2004 P. 83).
Colocarmos-nos diante do trágico na modernidade, exige dar-se conta de uma
significativa mudança do sentido que possamos ter de tragédia em relação aos gregos
antigos. Esta mudança relaciona-se diretamente com a visão cosmológica, ontológica,
política e ética que se estabelece na modernidade sob a égide de uma racionalidade
científica e técnica. O mundo moderno é um mundo quantificável, mensurável,
submetido a leis universais que regem o movimento dos corpos celestes, reduzindo a
physis grega e seu conjunto de forças cosmológicas em jogo, à matéria e energia,
decompostos quimicamente e decifrados matematicamente.
A política que entre os gregos fora a arte do bem-viver na cidade, transforma-se, ou
reduz-se em biopolítica, em cuidado com a vida em sua dimensão eminentemente
fisiológica, em controle sobre a da vida e da morte das pessoas. A vida deixa de ser
um atributo individual, com o qual se podia jogar, para ser administrada, controlada,
disciplinada pelo Estado. Na esteira destas perspectivas a dimensão ética assume
outra condição, na medida que compete ao homem moderno desenvolver sua
racionalidade na capacidade de observação e leitura das variáveis científicas, reduzse a margem de erro, de acaso, de jogo em relação as decisões vitais que porventura
ainda terá que tomar. A máxima válida neste contexto apresenta-se na idéia de que
tudo o que é tecnicamente factível, eticamente é justificável, sem maiores
questionamentos.
A própria história da filosofia do trágico não está livre de tragicidade. Ela é como o vôo
de Ícaro: quanto mais o pensamento se aproxima do conceito geral, menos se fixa a
ele o elemento substância que deve impulsioná-lo para o alto. Ao atingir a altitude da
qual pode examinar a estrutura do trágico, o pensamento desaba, sem forças. Quando
uma filosofia, como filosofia do trágico, torna-se mais do que o reconhecimento da
dialética a que seus 5 conceitos fundamentais se associam, quando tal filosofia não
concebe mais a sua própria tragicidade, ela deixa de ser filosofia. Portanto, parece que
a filosofia não é capaz de aprender o trágico – ou então que não existe o trágico.
(SZONDI, 2004, p. 77). Portanto, dar-se conta do trágico na modernidade requer que
lancemos um olhar genealógico à mesma em seu esforço predominantemente
epistemológico de racionalizar, cientificizar o mundo, a realidade, o homem. A tarefa
de construção de uma ordem, de uma totalidade que respondesse aos anseios da
condição humana, conferindo-lhe durabilidade, previsibilidade, regularidade em bases
antropocêntricas, exigiu do homem moderno (a suspensão da idéia de deus, ou na
perspectiva de Nietzsche, o homem moderno matou deus, mas não conseguiu livrarse do seu cadáver), a elaboração de um método para a busca do conhecimento, da
verdade, das essências, batizado de científico. “[...]. Segundo o culto pragmatista das
ciências naturais, existe apenas uma experiência que conta, a saber, o experimento
científico.” (HORKHEIMER, 2000, p. 56), o que permite ao homem a objetivação do
mundo através de sua fragmentação, através da articulação de um arcabouço
conceitual que lhe possibilita universalizar suas descobertas, estabelecendo leis e
princípios determinantes da realidade, superando a aparência, as crenças e
superstições. “[...]. A modernidade proclamou a artificialidade essencial da ordem
social e a incapacidade da sociedade de alcançar uma existência ordeira por si
mesma.” (BAUMAN, 1999, P. 111).
Para enfatizar que não surpreende o retorno do trágico hoje, cá e lá, vale a pena
sinalizar que o contexto de mundo em que vivemos nos revela, em toda a sua
intensidade, o fracasso das utopias, dos sonhos, das verdades e certezas conferidas à
existência humana. Vivemos a desilusão nas promessas de alcance da cura dos
males humanos e sociais. A impossibilidade de nos livrarmos das angústias, das
incertezas, da necessidade de ter que tomar decisões sem ter garantias previamente
calculadas e, entre elas. os riscos. Alguns dos principais acontecimentos no século
XX, nos permitiram constatar que este esforço ordenador nos colocou em situação de
risco permanente, de frustração e impotência.
Na perspectiva de Zygmunt Bauman, estamos diante de uma “modernidade sem
ilusões”, que tem que encarar a si própria desprovida de qualquer promessa, ou sonho
de que algo, de que as ações humanas tenham um sentido previamente definido,
justificando assim projetos, políticos, sociais duradouros, pretendentes a solucionar o
drama existencial humano.
A pós-modernidade, pode-se dizer, é a modernidade sem ilusões – a verdade em
questão é que a “confusão” permanecerá, o que quer que façamos ou saibamos, que
as pequenas ordens ou “sistemas” que cinzelamos no mundo são frágeis, temporários,
e tão arbitrários e no fim tão contingentes como suas alternativas. (BAUMAN, 1997, p.
41). Estamos diante do fracasso parcial desse empreendimento civilizatório ocidental
moderno: “[...] o projeto assimilatório moderno deu à luz a seus próprios coveiros.”
(BAUMAN, 1999, p. 162), evidenciado a partir da exaustão, das conseqüências,
dosequívocos, das dúvidas, das ambivalências6 que o esforço ordeiro moderno não
conseguiu debelar, mas, pelo contrário, aumentou na medida de seu aprofundamento.
O que a modernidade sem ilusões nos apresenta é a mudança no enfoque
civilizacional para a situação da condição humana, a questão ontológica, os
pressupostos políticos, éticos e estéticos inerentes a ela, como perspectivas centrais
do debate contemporâneo. [...] vale ressaltar que já não nos surpreende que o tema
da ética se tenha tornado tão recorrente entre nós, como cidadãos, como profissionais
e como indivíduos. Sobretudo sentimo-nos dentro de um mundo em que se sente e se
denuncia a “falta de ética”. Neste sentido, diz-se também que “não há mais valores” ou
que se trata de “resgatar os valores...”. Por outro lado, sentimo-nos meio perdidos,
inseguros perplexos a respeito do que seja um comportamento eticamente correto,
acerca do que seja um valor moral. Trata-se de duas questões diferentes. (ASSMANN,
2003, p. 1).
Num tempo marcado pela decadência dos princípios ordenadores universalmente
válidos, pelas incertezas, pela multiplicidade e liquidez de possibilidades existenciais,
quase todas atraentes, pequenas promessas de realização e felicidade momentâneas,
cabem ao indivíduo, e somente a ele, o risco e conseqüentemente a responsabilidade
pelas suas escolhas. “O sonho e a esperança de um mundo melhor passaram a ser
colocados, desde então, em nossos próprios Eus. Não há mais limites para nossa
ambição de ter um Eu cada vez maior, e por isso desprezamos todos os limites.”
(BAUMAN, 2005, p. 03.). Neste sentido, as questões que nos movem, voltam-se para
o sentido ético, estético, ontológico, existencial do homem, do mundo, da existência
inserida num jogo de forças vitais.
As questões cognitivas pertencem à epistemologia, enquanto as pós-cognitivas são
primordialmente ontológicas; [...], as questões “pós-cognitivas” [...] remontam à
questão fundamental do ser, que deve ser resolvida antes que a epistemologia possa
assumir seriamente a sua tarefa e a qual a maioria das questões epistemológicas
formuladas durante a idade moderna supunha resolvida. Assim, são questões
tipicamente modernas: “O que há para ser conhecido? Quem conhece? Como o
conhece? Como o conhece e com que grau de certeza?” As questões tipicamente pósmodernas não vão tão longe. Em vez de situar a tarefa para o conhecedor, elas
tentam situar o próprio conhecedor. “O que é um mundo? Que tipos de mundo
existem, como se constituem e como diferem? [...]. Note-se que as questões pósmodernas não encontram utilidade para a “certeza” ou mesmo para a “segurança”.
Aunivocidade da epistemologia moderna parece irremediavelmente deslocada dessa
realidade 6 A ambivalência possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma
categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função nomeadora
(segregadora) que a linguagem deve desempenhar. O principal sintoma da desordem é o
agudo desconforto que sentimos quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e
optar entre ações alternativas. (BAUMAN, 1999, p. 9). 7
pluralista com a qual a indagação ontológica pós-moderna primeiro se reconcilia e à
qual depois é dirigida. (BAUMAN, 1999, P. 112).
A proposta civilizatória ocidental moderna, confrontando-se com seu reverso, ou seja,
na perspectiva da modernidade sem ilusões, pode remeter o ser humano a um
reencontro consigo mesmo. Abandonando-se a si próprio, negando sua participação
na dimensão trágica enquanto condição humana, o homem nos primórdios da
civilização ocidental7, entregou-se à árdua tarefa de erigir os pressupostos de uma
racionalidade que o conduzisse de um estágio de menoridade, onde o exercício dos
pressupostos racionais da ordem moderna não estavam presentes em sua totalidade,
para a maioridade, significando sua autonomia de ser e estar no mundo, de pensá-lo,
racionalizá-lo, ordenando-o da melhor forma possível na busca do alcance do
progresso, de um futuro maravilhoso, de uma humanidade em harmonia. “O
iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é
ulpado.”(KANT, 1980, p. 11).
[...] valores comuns a todos os inventores de utopias e sua preocupação comum com
“um certo ideal de racionalidade feliz ou, se quiserem, de felicidade racional” –
implicando uma vida num espaço perfeitamente ordenado e depurado de todo acaso,
livre de tudo que seja fortuito, acidental e ambivalente. (BAUMAN, 1999, p. 47).
Entregue ao árduo trabalho de construção de utopias, revoluções, propostas
societárias próximas à perfeição, de identidades de classe, de pertença à nação, o
homem moderno esqueceu de si mesmo, de sua individualidade contingente,
passageira, frágil, esqueceu que os conhecimentos que constrói não passam de
antropomorfismos do mundo, das coisas, de tudo aquilo que faz parte quotidianamente
de sua vida. Esta percepção de sua condição trágica, da insustentabilidade para além
das fronteiras humanas, daquilo que convencionou chamar de conhecimento, se dá no
momento em que o homem moderno civilizado percebe que “[...] o significado mais
profundo da ambivalência é a impossibilidade da ordem.” (BAUMAN, 1999, p.
161).Dar-se conta, resgatar esta dimensão trágica da vida num contexto de
modernidade sem ilusões, em que as pretensões de estabelecer verdades, essências
e transcendências caíram
7 civilização
ocidental – A partir de um recorte temporal entendemos os últimos 2.500 anos, que
partindo do
desenvolvimento da racionalidade como meio de se chegar ao conhecimento da verdade, da virtude
e alcance da
felicidade, nasceu na Grécia Clássica, tomando conta posteriormente do Império Romano na fusão
da culturas, criando
a cultura Helênica. Sobreviveu alicerçando o pensamento dos povos que viriam compor a Europa e
consequentemente
expandindo-se com seu impulso colonizador destes por volta do século XIV ao “novo mundo”,
chegando desta forma
ao século XXI. Portanto, a civilização ocidental, caracteriza-se por um arcabouço racional,
conceitual, científico, ético,
moral, religioso que foi sendo construído ao longo destes dois mil e quinhentos anos e que são a
base da organização
do um mundo natural e social em que vivemos. Ou seja, as formas e os conteúdos a partir dos quais
nos relacionamos
conosco enquanto indivíduos, enquanto coletivos que forma uma estrutura gregária nomeada
sociedade, em nossas
relações com algo transcendente (Deus), com a natureza, com o mundo.
8
por terra, exige uma volta às origens do pensamento ocidental, de como os gregos
conduziam a existência e participavam da tragédia, de como entendiam o mundo, a
terra, o corpo, as paixões, os instintos, a manifestação da vida em sua diversidade, em
sua constante e dinâmica renovação.
“[...]. O mundo, portanto não tem máculas, nem defeitos; o universo não necessita de
um sentido ou finalidade para além de si mesmo. A existência não precisa ser
redimida, pois ela é plena em si mesma.” (BARRENECHEA, 2001,p. 116).
[...]. Um vir-a-ser e perecer, um construir e destruir, sem nenhuma prestação de contas
de ordem moral, só tem nesse mundo o jogo do artista e da criança. E assim como
joga a criança e o artista, joga o fogo eternamente vivo, constrói em inocência – e esse
jogo joga o Aion consigo mesmo. Transformando-se em água e terra, faz como uma
criança, montes de areia à borda do mar, faz e desmantela; de tempo em tempo
começa o jogo de novo. Um instante de saciedade: depois a necessidade o assalta de
novo, como a necessidade força o artista a criar. Não é o ânimo criminoso, mas o
impulso lúdico, que, sempre despertando de novo, chama à vida outros mundos. Às
vezes a criança atira fora seu brinquedo: mas logo recomeça, em humor inocente.
Mas, tão logo constrói, ela o liga, ajusta e modela, regularmente e segundo
ordenações internas. (NIETZSCHE, 1978, p. 36).
Talvez, uma das perspectivas da modernidade sem ilusões apresentada por Bauman8
é a possibilidade de o homem civilizado aproximar-se novamente desta dimensão
trágica da vida, proporcionada pelo contexto existencial imerso em manifestações
ambivalentes, pela insegurança que aflige o homem quotidianamente na ausência de
instituições e autoridades com poder suficiente para dizer o que fazer, como fazer e
quando fazer. Na medida em que este homem civilizado, desiludido, vai percebendose contingente, frágil, precário, passageiro, participante de um jogo disputado ao
acaso neste tempo e espaço, de que neste jogo o que menos interessa são as regras
previamente definidas que possam garantir ordem e disciplina aos participantes, pois
as mesmas são construídas durante o próprio jogo. O resultado não é o fim último do
jogo, mas o que importa é o fato de estar jogando, enquanto o jogo durar e de
perceber que nenhum resultado neste jogo é irreversível. Para Nietzsche, nosso ideal,
nesse aprendizado, continua a ser os gregos dos tempos de Homero. Eles foram,
segundo Nietzsche, superficiais por profundidade; a famosa ingenuidade e serena
jovialidade dos gregos era ‘apenas’ um artifício, uma máscara, superfície e fachada:
para desviar o olhar dos horrores e sofrimentos da existência, eles criaram as figuras
maravilhosas da beleza artística apolínea. Também nós, homens modernos,
condenados a renascer das próprias cinzas, resgatando-nos dos escombros da nossa
tradição, temos que aprender a rir de nossa própria gravidade, pois nosso destino nos
condena a ensaiar passos de dança mesmo e sobretudo à beira do abismo. (JÚNIOR,
2001, p. 149).
8 Registramos
que na obra de Zygmunt Bauman publicada até o presente momento, não
encontramos referências,
ou textos que se reportem diretamente a dimensão trágica da existência. Porém, a participação
do autor no debate
sobre “As possibilidade da experiência trágica na modernidade sem ilusões” se dá na medida
em que é marcante
em sua obra o enfoque ambivalente que estabelece em relação a existência humana. A idéia
de ludicidade, de
jogo em que insere a vida humana perpassa seus textos, suas entrevista e obras.
9
Para Zygmunt Bauman, a modernidade sem ilusões é a manifestação de uma certa
dose de infelicidade derivada da decepção de que, frente à sonhada ordem projetada
por hábeis engenheiros sociais, administrada e legislada por políticos e filósofos,
destinada a perpetuar-se pela eternidade, conferindo sentido e finalidade à vida, não
se realizará, exigindo que se viva sem a esperança que norteava os esforços
ordenadores, que se faça a experiência da precariedade e da contingência das
verdades, das certezas e essências, em nome das quais sacrifícios e vidas humanas
foram consumidas
. “O mundo racional e universal da ordem e da verdade não conheceria contingência
nem ambivalência. O alvo da certeza e da verdade absoluta era indistinguível do
espírito conquistador e do projeto de dominação.”(BAUMAN, 19993, p. 246).
A experiência trágica na modernidade sem ilusões apresenta-se também através da
ambivalência da situação em que nos encontramos: se, por um lado, estamos de certa
forma condenados a viver sem esperança de alcance de certezas e verdades, por
outro lado, esta mesma condição de desesperança é que pode nos levar a refletir a
vida sob uma condição trágica de existência, na medida em que nos dermos conta de
nosso caráter contingente, parcial, momentâneo que habita e confere uma dinâmica
de renovação das forças vitais, em sua multiplicidade de manifestações. Esta situação
traz consigo o desafio existencial de vivenciarmos a experiência da liberdade numa
profundidade humana sem precedentes, numa perspectiva autônoma, com a
responsabilidade de arcarmos com as conseqüências de nossas apostas, de nossas
decisões, desprovidas de garantidas de previsibilidade, ou de que alguma instância
acima de nós possa assumir o ônus, caso nossas apostas não se confirmarem.
‘[...] .A liberdade sem precedentes que nossa sociedade oferece à seus membros
chegou, como há tempos nos advertia Leo Strauss, e com ela também uma
impotência sem precedentes. (BAUMAN, 2001, p. 31).
A experiência da contingência existencial, que pode se manifestar na percepção do
ser humano civilizado moderno, de ele ser apenas mais um participante do jogo do
acaso, das forças cosmológicas que impulsionam a vida, podem, levá-lo a vivenciar a
tragicidade da existência num diálogo silencioso consigo mesmo, com suas paixões,
com seus instintos, com o mundo, sem necessitar fazer perguntas e obter respostas
que lhe confiram certezas e seguranças
. “[...]. Emancipação significa essa aceitação de sua própria contingência como razão
suficiente para viver e ter permissão de viver.”(BAUMAN, 1999, p. 248).
Viver a partir de uma perspectiva trágica coloca-se no sentido de viver a vida como ela
se apresenta e deixar o outro viver. A modernidade caracteriza-se pela “seriedade”,
seja ela, científica, econômica, acadêmica, ou, existencial, apresentando-se como
exercício 10 ascético de construção de verdades e certezas, o que significa reprimir a
vida em nome de uma suposta cientificidade. São poucos os momentos de riso, de
uma sociedade que se dá o direito de rir de si própria, e ainda nos poucos momentos
em que sorri é porque lhe avisam que esta sendo filmada.
“Como estamos condenados a dividir o espaço e o tempo, vamos tornar nossa
coexistência suportável e um pouco menos perigosa.” (BAUMAN, 1999, p. 248).
Desprovida de verdades e certezas e conseqüentemente imposições, a vida sendo
assumida em sua tragicidade, talvez, possa experimentar com maior intensidade esse
caráter lúdico da existência, a dinâmica do jogo, onde o resultado final pouco importa,
a não ser o fato de poder estar jogando. As verdades e certezas duramente
conquistadas ao longo do projeto ordenador moderno não reservaram espaço em suas
arquiteturas para o lúdico, para o jogo, para a contingência. O que presenciamos
perplexos - manifestação da ambivalência inerente à ordem que negava - é o fato de
que onde se afirmaram sistematicamente verdades e certezas e onde se agiu em
nome da verdade, derramou-se sangue, mortes, extermínios, intolerância se
justificaram e a vida foi reprimida em sua diversidade de manifestações.
Precisamos avaliar a evidência de que o processo civilizador é, entre outras coisas,
um processo de despojar a avaliação moral do uso e exibição da violência e
emancipar os anseios da racionalidade da interferência de normas ética e inibições
morais. Como a promoção da racionalidade à exclusão de critérios alternativos de
ação, e em particular a tendência a subordinar o uso da violência a cálculos racionais,
foi de há muito reconhecida como uma característica da civilização moderna [...].
(BAUMAN, 1998, p. 48).
Assumir a vida, a partir de uma perspectiva trágica, em meio às ambivalências de uma
modernidade sem ilusões, é a possibilidade de se assumir a vida em sua manifestação
máxima da vontade de potência9, força vital que dinamiza a vida. Fazer esta opção é
assumir os riscos desta escolha, de viver a partir da insegurança, da ludicidade e do
acaso que se apresentam como características vitais da existência.
“[....]. Não mais grandes líderes para lhe dizer o que fazer e para aliviá-lo da
responsabilidade pela conseqüência dos seus atos; no mundo dos indivíduos há
apenas outros indivíduos cujo exemplo seguir na condução das tarefas da própria
vida, assumindo toda a responsabilidades pelas conseqüências de ter investido a
confiança nesse e não em qualquer outro exemplo.” (BAUMAN, 2001, P. 38)
por sua vez – com sua noção de vontade de potência – não deseja afastar os
aspectos terríveis ou
9 Nietzsche,
sofredores do mundo. Admirando a força da vida e o poder que ela tem de se superar, ele
rejeita a resposta
hedonista ou eudemonística para o problema do sofrimento. (...) O conceito da vontade de
potência, com sua
mescla de dor, prazer e força, é uma verdadeira reaparição dos aspectos maiores do conceito
de dionisíaco. [...]
um mundo entregue à sua dimensão física, fenomênica, aleatória – este é o mundo trágico tal
como Nietzsche o
concebe. (...). A vontade nietzschiana é uma força que sempre se opõe a uma outra força,
sendo o combate entre
as formas o dinamismo e a essência da vida psíquica e da vida social. (BRUM, 1998, 68/69).
11
A experiência trágica contemporânea derivada de uma modernidade sem ilusões,
impulsiona a assumir os riscos da incompreensão, de não ser aceito, ou mesmo ser
banido pelo conjunto do rebanho que conduz sua existência à procura de alguma
autoridade ordenadora, seja esta autoridade presente naquilo que sobrou do cadáver
de deus, seja na manifestação das ordens do mercado financeiro, do consumo, na
eternidade do instante.
“Experimentação significa admissão de riscos, e admitir riscos em estado de solidão,
sob sua própria responsabilidade, contando apenas com o poder de sua própria visão,
como a única chance de a possibilidade artística obter o controle da realidade
estética.”(BAUMAN, 1998, p. 138).
Vede, eu vos ensino o super-homem! O super-homem é o sentido da terra. Fazei a
vossa vontade dizer: ‘que o super-homem seja o sentido da terra!’ Eu vos rogo, meus
irmãos, permanecei fiéis à terra e não acrediteis nos que vos falam de esperanças
ultraterrenas! Envenenadores, são eles, que o saibam ou não. Desprezadores da vida,
são eles, e moribundos, envenenados por seu próprio veneno, dos quais a terra está
cansada; que desapareçam, pois, de uma vez! Outrora, o delito contra Deus era o
maior dos delitos; mas Deus morreu e, assim, morreram também os delinqüentes
dessa espécie. O mais terrível agora é delinqüir contra a terra e atribuir mais valor às
entranhas do imperscrutável do que ao sentido da terra! Outrora, a alma olhava
desdenhosamente o corpo; e esse desdém era o que havia de mais elevado: queria-o
magro, horrível, faminto. Pensava, assim, escapar-se dele e da terra. Oh, essa alma
era, ela mesma, ainda magra, horrível e faminta; e a crueldade era a sua volúpia!Mas
também ainda vós, meus irmãos, dizei-me: que vos informa vosso corpo a respeito
davossa alma? Não é ela miséria, sujeira e mesquinha satisfação? Em verdade, um rio
imundo, é o homem. E é realmente preciso ser um mar, para absorver,sem sujar-se,
um rio imundo. Vede, eu vos ensino o super-homem: é ele o mar onde pode submergir
o vosso grande desprezo.(NIETZSCHE, 1998, p. 30). Portanto, a experiência trágica
na modernidade sem ilusões nos coloca diante do paradoxo, do peso de sermos livres.
Assumir a liberdade neste contexto contingente, significa assumir integralmente os
riscos de nossas opções, de nossas possibilidades existenciais individuais e sociais.
Assumir o fato de que não há salvação num horizonte previsível, mas sim seu oposto,
o aniquilamento, a morte, apresenta-se com intensidade garantida. A liberdade na
contingência pode nos remeter a olhar o mundo não como uma obra de arte, fruto da
vontade e benevolência de algum criador, mas como realização humana
demasiadamente humana, com todos seus limites, na medida em que a experiência
do limite se dá no confronto como o ilimitado constituindo o trágico, como possibilidade
de alcance da felicidade. Mas por outro lado, nesta modernidade sem ilusões a
experiência trágica de nossa condição apresenta-se também no fato de não
suportarmos o peso do exercício de uma 12 liberdade na contingência, correndo o
risco de fundar novas transcendências, de atribuir a algo que nos transcende a culpa
pelos nossos infortúnios, frustrações. [...] Mas será essa tarefa, de inventar a si
mesmo e ao mundo, realmente possível? O sofrimento imposto por um mundo
limitado foi substituído por um sofrimento, não menos doloroso, provocado pela
interminável obrigação de escolher, quando não temos nenhuma confiança nas
escolhas que fazemos e nos seus resultados. (BAUMAN , 2005, P. 04) Assim como
para os gregos antigos que celebravam na tragédia a pujança da vida, a alegria de
viver, talvez se abra para nós, seres humanos modernos, desiludidos com a mortede
deus, ou, desesperados com a fuga dos deuses, possibilidades de nos posicionarmos
de forma realista diante da vida e do fato de que morremos, mas que neste intervalo
entre nascimento e morte podemos encenar, brincar, iludir e nos deixar iludir, ou seja,
sob qualquer circunstância afirmar a vida, o otimismo vital.
[...] Otimistas são as pessoas que acreditam que o mundo que temos hoje, o mundo
em que vivemos, é o melhor mundo possível. Pessimistas, por outro lado, são as
pessoas que suspeitam que os otimistas podem estar com a razão... (BAUMAN, 2005,
p. 05)
13
Referências
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http://voodoobrasil.blogspot.com/2005/12/nufragos-num-mundo-lquido-zymund.html
14
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KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura e outros textos filosóficos. Seleção de
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NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras incompletas. Seleção de textos de Gérard
Lebrun;
tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho; posfácio de Antônio Cândido de
Mello
e Souza. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978, 416 p. (Os Pensadores).
___________. Assim Falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém.
Tradução
de Mario da Silva. 9ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
ROMILLY, Jacqueline de. A tragédia grega. Tradução de Ivo Martinazo. Brasília:
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SZONDI, Peter. Ensaio sobre o Trágico. Tradução: Pedro Süsseking. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2004,
Fonte>http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/viewFile/1400/4
472
História e planificação
Pereira, Luiz. ENSAIOS DE SOCIOLODIA DO DESENVOLVIMENTO
Livraria Pioneira Editora. São Paulo. 1970. Capítulo 1.
A problemática da planificação, assim delineada, envolve, no fundo,
discussão sobre diferentes concepções da Política e do Estado. Estas, por sua
vez, envolvem diferentes concepções sobre o processo histórico (a História). E
estas últimas, adesão a diferentes teorias do conhecimento no campo das
ciências sociais. O conjunto de concepções diferentes a esses quatro planos –
teoria do conhecimento, concepção da História, concepção da Política e
concepção do Estado – pode ser ilustrado apelando-se a três clássicos da
sociologia: Durkheim, Weber e Marx. Com intenções didáticas, produzimos
algumas de suas formulações, a fim de explicitarmos três posições teóricas
típicas a respeito das conexões entre política e planificação.
No caso de Durkheim, os seguintes excertos, em série necessariamente
longa porque as duas outras posições serão explicitadas por confronto com a
dele, resumem, para nossas finalidades, as concepções, defendidas em De La
Division Du Travail Social (da qual citamos, acrescentando alguns grifos e
parênteses, a 7ª. edição: Presses Universitaires, Paris, 1960). Como se sabe,
trata-se de obra escrita ao findar do século XIX e que se destina a interpretar a
crise da sociedade (capitalista “central”) daquela época e a propor uma linha de
atuação prática para enfrentá-la.
Objetiva-se que ao método de observação faltam regras para
julgar os fatos recolhidos. Mas esta regra depreende-se dos fatos
mesmos... Há um estado de saúde moral que só a ciência pode
determinar com competência.
Normalmente, os costumes não se opõem ao direito, mas, ao
contrário, são a base deste... Desde que o direito reproduz as formas
principais da solidariedade social, não precisamos senão classificar as
diferentes espécies de direito para procurar saber, em seguida, quais
são
as
diferentes
espécies
de
solidariedade
que
àquelas
correspondem... Nota-se que, sempre que um poder dirigente se
estabelece, sua primeira e principal função é a de fazer respeitar as
crenças, as tradições, as práticas coletivas; ou seja, defender a
consciência comum (coletiva) contra todos os inimigos de fora ou de
dentro. Ele torna-se, assim, aos olhos de todos, o símbolo, a expressão
viva desta... Vê-se... que o poder de reação de que dispõem as funções
governamentais, uma vez que elas tenham feito sua aparição, não é
senão uma emanação do que é difuso na sociedade, pois nasce deste.
Um não é senão o reflexo do outro.
A divisão do trabalho é... um resultado da luta pela vida, mas ela
lhe é uma solução. Graças a ela, com efeito, os rivais não são
obrigados a eliminar-se mutuamente, mas podem coexistir uns ao lado
dos outros. Também, à medida que se desenvolve, ela fornece a um
maior número de indivíduos – que nas sociedades mais homogêneas
seriam condenados ao desaparecimento – os meios de manterem-se e
sobreviverem.
Há para uma sociedade, em cada momento de sua história, uma
certa intensidade da vida coletiva que é normal, sendo dados o número
e a distribuição das unidades sociais. De maneira segura, se tudo
decorre normalmente, esse estado realizar-se-á de modo espontâneo;
mas, precisamente, não se pode admitir que necessariamente as coisas
se dêem normalmente. Se a saúde está na natureza, o mesmo ocorre
com a doença. A saúde não é mesmo, tanto nas sociedades como nos
organismos dos indivíduos, senão um tipo ideal, que não é, em nenhum
caso, realizado completamente... É, pois, um fim digno de ser
perseguido o procurar aproximar, tanto quanto possível, a sociedade
desse grau de perfeição.
... a via a seguir para atingir esse fim pode ser encontrada. Se
em vez de deixar as causas engendrarem seus efeitos ao azar e
segundo as energias que as impulsionam – se a reflexão intervém para
dirigir-lhes o curso, ela pode poupar aos homens tateios dolorosos... A
sociologia, em seu estado atual, está pouco em estado de guiar-nos
eficazmente na solução desses problemas práticos. Mas, além das
representações (concepções) clara no meio das quais o sábio se move,
há outras concepções obscuras às quais estão ligadas certas
tendências (sociais, coletivas). Para que a necessidade estimule a
vontade, não é necessário que seja iluminada (por completo) pela
ciência. Tateios obscuros bastam para ensinar aos homens que algo
lhes faz falta, para despertar aspirações e fazê-lo, ao mesmo tempo,
sentir em qual sentido devem dirigir seus esforços.
Em nenhum caso o ideal poderia consistir em exaltar sem limites
as forças da sociedade, mas somente em desenvolvê-las no limite dado
pelo estado definido ao meio social. Todo excesso é um mal, tal como
toda insuficiência... Mas, se o ideal é sempre definido, ele jamais é
definitivo. Dado que o progresso é uma conseqüência das mudanças do
meio social, não há razão alguma para supor-se que ele deve cessar...
Justamente porque o ideal depende do meio social,
que é
essencialmente móvel, ele desloca-se sem cessar... Mas, embora nós
não persigamos sempre senão fins definidos e limitados, há e haverá
sempre, entre os pontos extremos (onde nós chegamos e o fim para o
qual tendemos) um espaço vazio aberto a nossos esforços.
Até aqui não estudamos a divisão do trabalho senão como um
fenômeno normal. Mas, como todos os fatos sociais e, mais geralmente,
como todos os fatos biológicos, ela apresenta formas patológicas que
se impõe analisar. Se, normalmente, a divisão do trabalho produz a
solidariedade social, sucede, entretanto, que ela pode ter resultados
diferentes ou mesmo opostos. Ora, importa investigar o que a faz
desviar-se de sua direção natural, pois, enquanto não se estabelecer
que esses casos são excepcionais, a divisão do trabalho poderia ser
suposta como os implicando logicamente. Demais, o estudo das formas
desviadas permitir-nos-á melhor determinar as condições de existência
do estado normal. Quando conhecermos as circunstâncias nas quais a
divisão do trabalho cessa de engendrar a solidariedade, saberemos
melhor o que é necessário para que ela tenha todo o seu efeito
(normal). A patologia, aqui como alhures, é um precioso auxiliar da
filosofia.
Cuidaremos a três tipos das formas excepcionais (anormais) do
fenômeno que estudamos (a divisão do trabalho social). Não porque
não possa haver outras, mas porque essas de que falaremos são as
mais gerais e as mais graves. (Dentre elas avulta, na obra de Durkhein,
a forma anômica)... Um primeiro caso desses gênero (anômico) nos é
fornecido pelas crises industriais ou comerciais, pelas falências que são
também rupturas parciais da sociedade orgânica. Elas testemunham,
com efeito, que, em certos pontos do organismo, certas funções sociais
não estão ajustadas umas às outras. Ora, à medida que o trabalho mais
se divide, esses fenômenos parecem tornar-se mais freqüentes... O
antagonismo entre o trabalho e o capital é um outro exemplo, mais
frisante, do mesmo fenômeno (divisão anômica). À medida que as
funções industriais (atividades econômicas) mais se especializam, a luta
torna-se mais viva, em vez de aumentar a solidariedade... A pequena
indústria, onde o trabalho é menos dividido, dá o espetáculo de uma
harmonia relativa entre o patrão e o operário, e é somente na grande
indústria que essas desavenças atingem o estado agudo.
Esses diversos exemplos são... variedades de uma mesma
espécie. Em todos esses casos, se a divisão do trabalho não produz a
solidariedade, é porque as relações entre os órgãos não são
regulamentadas, é porque elas estão num estado de anomia (não
regulamentação)... É preciso fazer cessar esta anomia, é preciso
encontrar os meios de fazer concorrerem harmoniosamente esses
órgãos que ainda se chocam em movimentos discordantes... É a este
estado de anomia que devem ser atribuídos os conflitos sempre
renascentes e as desordens de todas as espécies, de que o mundo
econômico nos dá o triste espetáculo, pois como nada contém as forças
em presença, fixando-lhes limites que devem respeitar, elas tendem a
desenvolver-se sem freios e chegam a chocar-se umas contra outras
para repelirem-se e reduzirem-se mutuamente... É de toda evidência
que uma tal anarquia seja um fenômeno mórbido, pois vai contra o fim
mesmo de toda a sociedade, que é
de suprimir, ou pelo menos
moderar, a guerra entre os homens.
Se a anatomia é um mal, é porque a sociedade, sobretudo, sofre
com ela, por não poder dispensar, para viver, a coesão e a
regularidade. Uma regulação moral ou jurídica exprime, regularidade.
Uma
regulamentação
moral
ou
jurídica
exprime,
portanto,
essencialmente, necessidades sociais que só a sociedade pode
conhecer... Para por fim à anomia é necessário, então, que exista ou
que se forme um grupo onde se possa constituir o sistema de regras
que atualmente falta. Nem a sociedade política em seu conjunto, nem o
Estado podem evidentemente entregar-se a essa função, pois a vida
econômica, por ser muito especial e especializar-se cada dia mais,
escapa à sua competência e à sua ação. A atividade de uma profissão
não pode ser regulamentada eficazmente senão por um grupo bastante
chegado
a
essa
profissão,
seja
para
poder
conhecer-lhe
o
funcionamento, seja para sentir-lhe todas as necessidades e poder
seguir todas as variações. O único que responde a essas condições é o
que formariam todos os agentes de uma mesma indústria (ramo de
atividade econômica) reunidos e organizados num mesmo corpo. É o
que se chama de corporação ou grupo profissional... Os únicos
agrupamentos que têm certa permanência são o que atualmente se
chama de sindicatos, seja de patrões, seja de operários... (Mas), não
tão somente o sindicato de patrões e os de operários são distintos uns
dos outros – o que é legítimo e necessário –, mas não há entre eles
contatos regulares. Não existe organização comum que os aproxime,
sem no entanto fazer-lhes perder a individualidade, e na qual eles
pudessem elaborar em comum uma regulamentação que, fixando suas
relações mútuas, se impusessem a uns e a outros com a mesma
autoridade.
A bem da verdade, estas concepções aparecem algo modificadas em
alguns outros trabalhos de Durkheim. Atemo-nos às de De la Division du
Travail Social porque não estamos interessados na análise “interna” da
produção intelectual durkheimiana, mas na identificação de uma posição
teórica típica referente às conexões entre política e planificação. E, para isso,
os excertos transcritos são estrategicamente valiosos. De fato, exprimem uma
concepção típica acerca das relações entre sujeito e objeto, entendendo-se
sujeito como sujeito de conhecimento e sujeito da História, e entendendo-se
objeto como objeto de conhecimento (o processo histórico) e objeto de
“atuação” dos sujeitos da História. Esta concepção, que podemos simbolizar
por SO, desdobra-se em quatro planos: a) no da teoria do conhecimento,
temos o realismo como relação sujeito-objeto: no ato de conhecer, o sujeito
apreende “passivamente” as características do objeto, que a ele se impõem (no
caso, o processo histórico como conjunto ordenado de regularidades); b) no
plano de concepção da História (objeto de conhecimento e de “atuação
prática”),
temos
o
processo
histórico
“naturalizado”:
consiste
no
“prosseguimento”, no nível “superorgânico”, de uma tendência evolutiva
imanente ao objeto (orgânico e superorgânico) – vale dizer, o futuro histórico
está “inscrito” no objeto, cabendo ao sujeito-cientista social apreendê-lo como
objetivos necessários da “atuação prática” dos que, a rigor apenas
figuradamente, são os sujeitos da História; c) no plano de concepção da
Política, portanto, não temos a visão de um campo de possíveis históricos em
competição, mas a de uma ciência social aplicada (ou protociência, até que a
ciência social alcance maior apreensão do objeto): a política, como processo
de fazer história, é cientificamente formulável, sendo a ciência indicadora dos
meios e objetivos (valores) da ação, por ela detectados no objeto; d) no plano
da concepção do Estado, temos o Estado como dotado necessariamente de
um conteúdo: os interesses coletivos (comuns), cujo conteúdo “concreto” já se
encontra, ainda que não detectado pelo cientista social, inscrito no objeto,
variando conforme os estágios evolutivos deste. Conteúdo, De la Division du
Travail Social, como exposição de uma teoria de transição que é, reflete
parcialmente a decadência do liberalismo: adere a uma variante romanticizada
da ideia de progresso, tal como aquele o concebeu: e cede lugar a dúvidas
quanto à exclusiva suficiência dos mecanismos espontâneos auto-reguladores
do equilíbrio social interno e promotores do “progresso”. Mas, justamente por
ser teoria de transição, ainda não apela diretamente ao Estado como órgão
controlador, de intervenção deliberada na realidade, enfim, ao Estado como
agente planificador. A intervenção seria apenas corretiva de desvios que
seriam “anormais”, em face do sentido imanente ao processo histórico, e farse-ia basicamente pelas corporações. Todavia, com a crise capitalista das
primeiras década do século XX, a emergência o Estado corporativista, que se
constituiu como uma das respostas a ela e inspirado por concepções
completamente distintas das examinadas, daria o salto que o apego a certa
variante da ideologia liberal não permitiu ou não exigiu e Durkheim.
Do ponto de vista adotado neste ensaio, as concepções de Weber são
opostas às de Durkheim. Atende-se aos seguintes excertos tomados de
“Política como Vocação”, “O Significado da ‘Neutralidade Ética’ na Sociologia e
na Economia” e “A ‘Objetividade’ na Ciência Social e na Política Social”.
(Utilizamos as traduções para o inglês destes trabalhos de Weber: a do
primeiro, incluída na coletânea de textos do Autor organizada por Gerth e Mills,
From Max Weber: Essays in Sociology, Routledge & Kegan Paul, Londres,
1948; as dos outros dois, constantes de Max Weber, The Methodology of the
Social Sciences, Free press, Glencoe, 1949, volume organizado por Shils e
Finch.)
O que entendemos por política? O conceito é extremamente
amplo e compreende qualquer espécie de liderança independente em
ação... nossas reflexões não estão... (aqui) baseadas em tão amplo
conceito. Queremos entender por política apenas a liderança, ou a
influência na liderança, de uma associação política, no caso, ... de um
Estado. Mas, o que é uma associação ‘política’ do ponto de vista
sociológico? O que é um ‘estado’? Sociologicamente, o Estado não
pode ser definido em termos de seus objetivos. Dificilmente existe
qualquer tarefa que alguma associação política não tenha realizado, e
não há nenhuma atividade que se possa dizer que sempre tenha sido
exclusiva e peculiar àquelas associações que são designadas como
políticas: hoje o Estado, ou anteriormente aquelas associações que
foram as predecessoras do Estado moderno. Fundamentalmente só se
pode definir sociologicamente o Estado moderno em termos dos
específicos meios que lhe são peculiares, ou seja, o uso da força
física... atualmente, o direito ao uso da força física é atribuído a outras
instituições ou indivíduos apenas na medida em que o Estado o permite.
O Estado é considerado a única fonte do ‘direito’ de uso de violência.
Portanto, ‘política’ para nós significa luta por participar do poder ou luta
por influenciar a distribuição de poder entre Estados ou entre grupos no
interior de um Estado... quem está atuando na política luta pelo poder
como um meio a serviço de outros objetivos, ideais ou egoísticos, ou
luta por ‘poder pelo poder mesmo’, a fim de desfrutar da sensação de
prestígio que o poder propicia.
As ciências sociais, que são rigorosamente ciências empíricas,
são as menos apropriadas para livrar o indivíduo da dificuldade de
realizar uma opção, e por isso não devem criar a impressão de que
podem fazê-lo... O fruto da árvore do conhecimento, que é
desagradável ao presunçoso, mas que no entanto é inevitável, consiste
na percepção de que cada importante atividade em particular e no fundo
a vida como um todo – se não for permitido que decorra como um
evento da Natureza, mas ao contrário, que é para ser conscientemente
guiada – consiste numa série de decisões fundamentais em que a alma
– como em Platão – escolhe seu próprio destino, isto é, o significado de
sua atividade e existência... As ciências... são capazes de prestar um
inestimável serviço a pessoas engajadas em atividade política ao dizerlhes que: 1) estas e estas ‘últimas’ posições são concebíveis com
referência a este problema prático; 2) tais e tais são os fatos que você
deve levar em conta ao fazer sua escolha entre estas posições... É
ainda difundida a crença de que se deve, se impõe, ou de qualquer
forma, se pode derivar juízos de valor de afirmações de fato sobre
‘tendências’. Mas, mesmo das mais não ambíguas ‘tendências’, normas
inambíguas podem ser derivadas apenas em respeito aos meios
prospectivamente os mais adequados – e, portanto, somente quando a
irredutível avaliação já está dada. As avaliações mesmas não podem
ser derivadas dessas ‘tendências’... O uso do termo ‘progresso’ é
legítimo em nossas disciplinas quando se refere a problemas ‘técnicos’,
ou seja, aos ‘meios’ de atingir uma finalidade inambiguamente dada. Ele
nunca pode elevar-se à esfera das avaliações ‘últimas’.
Os problemas das disciplinas empíricas devem, sem dúvida, ser
solucionados ‘não-avaliativamente’. Não são problemas de avaliação.
Os problemas das ciências sociais são selecionados, porém, pela
relevância a valores (com referência a valores) dos fenômenos tratados.
A respeito do significado da expressão ‘relevância (ou referência) a
valores’, remeto a escritos meus anteriores e sobretudo aos trabalhos
de Heinrich Rickert... deve apenas ser lembrado que a expressão
‘relevância a valores’ se refere simplesmente à interpretação filosófica
do ‘interesse’ especificamente científico que determina a seleção de um
dado assunto e os problemas de uma análise empírica... A qualidade de
um evento como ‘socioeconômico’ não é algo que ele possui
‘objetivamente’. É, antes, condicionada pela orientação de nosso
interesse cognitivo, provindo da específica significação cultural que
atribuímos ao evento particular num dado caso... Não são as
interconexões ‘de fato’ de ‘coisas’, mas as interconexões conceptuais
de
problemas
que
definem
o
campo
de
várias
ciências...
Absolutamente, não há nenhuma análise científica ‘objetiva’ da cultura
ou... de ‘fenômenos sociais’, independente de especiais e ‘unilaterais’
pontos de vista, de acordo com os quais – expressa ou tacitamente,
consciente ou inconsciente – eles são selecionados, analisados e
organizados para fins explanatórios.
Toda a análise de realidade infinita que a finita mente humana
pode realizar baseia-se na tácita assunção de que apenas uma finita
porção desta realidade constitui o objeto de investigação cientifica, e de
que apenas ela é ‘importante’ n acepção de ser ‘valiosa de ser
conhecida’... Ordem é trazida a este caos somente na condição de que
em cada caso apenas uma parte da realidade concreta é interessante e
significante para nós, porque apenas ela está relacionada aos valores
culturais com os quais abordamos a realidade. Apenas certas facetas
do infinitamente complexo fenômeno concreto, ou seja, aquelas às
quais atribuímos uma significação cultural geral, são por isso
merecedoras de conhecer-se. Somente elas são objetos de explanação
causal. E mesmo esta explanação causal apresenta o mesmo caráter:
uma investigação causal exaustiva de quaisquer fenômenos concretos
em sua total realidade e não apenas praticamente impossível: é
simplesmente contrassenso. Selecionamos só aquelas causas às quais
hão de ser imputados, no caso particular (individual), os aspectos
‘essenciais’ de um evento... Em outras palavras, a escolha do objeto de
investigação e a extensão ou profundidade com que a investigação
procura penetrar na infinita teia causal são determinadas pelas ideias
avaliativas que dominam o investigador e sua época. No método de
investigação, o ‘ponto de vista’ orientador é de grande importância para
a
construção
do
esquema
conceptual
que
será
utilizado
na
investigação. No modo de seu uso, entretanto, o investigador está
obviamente preso às normas de nosso pensamento, tanto aqui como
alhures. Pois a verdade científica é precisamente o que é válido para
todos os que procuram a verdade.
...há ciências às quais a eterna juventude é garantida, e as
disciplinas históricas estão entre elas – todas aquelas ás quais o
eternamente contínuo fluxo da cultura perpetuamente traz novos
problemas. Bem no cerne de sua atividade encontra-se não apenas o
ultrapassamento de todos os tipos ideais, mas também, ao mesmo
tempo, a inevitabilidade de novos outros... O progresso da ciência
cultural ocorre através deste conflito. Seu resultado é a perpétua
reconstrução daqueles conceitos através dos quais procuramos
compreender a realidade. A história das ciências sociais é e será um
processo contínuo de esforço de ordenar a realidade analiticamente
através da construção de conceitos; de dissolução das construções
analíticas assim elaboradas, através da expansão e alteração do
horizonte científico; e novamente de reformulação de conceitos sobre
bases assim transformadas... A vida, com sua irracional realidade e seu
acervo de possíveis significações, é inesgotável. A forma concreta em
que ocorre a relevância (referência) a valores continua perpetuamente
in flux, sempre sujeita à mudança no obscuramente visível futuro da
cultura humana. A luz que emana daquelas mais elevadas ideias
avaliativas sempre incide sobre um mutável segmento finito da vasta
corrente caótica de eventos, que flui através dos tempos.
É flagrante a atualidade da primeira posição teórica típica quando às
conexões entre política e planificação (vista esta, preliminarmente, em termos
da concepção de Estado), apreendida através das formulações durkheimianas.
Embora possa parecer o contrário, o mesmo ocorre com a segunda daquelas
posições teóricas típicas, retida através das acima transcritas formulações de
Weber. Por exemplo, a problemática candente do mundo moderno é discutida
a partir desta posição, um tanto reformulada, na brilhante polêmica trilogia de
Raymond Aron, Dix-Huit Lençons sur la Société Industrielle, La Lutte de
Classes
e
Démocratie
et
Totalitarisme
(Gallimard,
Paris,
editados
respectivamente em 1962, 1964 e 1965):
Conforme a proposição de Weber, as teorias gerais da
organização social são, por natureza, múltiplas e cada uma delas está
ligada a uma determinada intenção do observador. Há 20 anos, eu tinha
aceitado integralmente esta epistemologia relativista. Hoje estou menos
seguro quando a isso. Com efeito, o relativismo no pensamento de Max
Weber, estava ligado à ideia que ele fazia do real, ideia cuja origem era
uma certa filosofia neokantiana. Para ele, toda realidade, toda realidade
social, é informe (amorfa) acumulação ou desconexão de fatos
dispersos. Se o sociólogo está em face de fatos incoerentes, se ele é
quem cria, com a ajuda de seus conceitos, a ordem através da qual ele
compreende, a interpretação está evidentemente ligada ao sistema de
conceitos, e este sistema está, por sua vez, ligado á situação particular
do observador. Mas não é verdade que uma sociedade seja uma
multiplicidade incoerente. A realidade social não é nem total nem
incoerente, e é por isso que não se pode afirmar dogmaticamente a
validade universal de uma teoria dos tipos sociais nem o relativismo de
todas as teorias. Se Max Weber tivesse razão, se os fatos sociais
fossem incoerentes, então toda interpretação seria sobreposta aos fatos
e, por esta mesma razão, estaria ligada à personalidade do sociólogo.
Se a realidade social fosse por completo estruturada, se ela tivesse uma
unidade total, ou se uma parte desta realidade comandasse todas as
outras, então haveria uma teoria sociológica verdadeira e uma só... A
realidade social não é nem incoerente nem total: ela comporta
multiplicidades de ordens parciais, mas ela não comporta, de maneira
evidente, uma ordem global. O sociólogo não cria arbitrariamente a
lógica das condutas sociais que ele analisa. Quando você observa um
sistema econômico, você põe de manifesto uma ordem que está inscrita
no sistema não sobre imposta pelo observador; mas esta ordem não é
unívoca e não há apenas uma maneira de interpretá-la. O sociólogo põe
de manifesto ordens ou regularidades que estão no objeto, mas sempre
ele faz uma dada escolha entre essas ordens e regularidades.
Esta questão é uma maneira de evitar, desde o início a oposição
socialismo-capitalismo; e é uma maneira de considerar socialismo e
capitalismo como duas modalidades de um mesmo gênero – a
sociedade industrial. Minha viagem à Ásia convenceu-me que o
conceito-chave de nossa época é o de sociedade industrial. A Europa,
vista da Ásia, não é composta de dois mundos fundamentalmente
heterogêneos, o mundo soviético e o mundo ocidental. Ela é feita de
uma única realidade: a civilização industrial. As sociedades soviéticas e
as sociedades capitalistas não são senão duas espécies de um mesmo
gênero ou duas modalidades do mesmo tipo social – a sociedade
industrial progressiva.
A antítese do regime constitucional-pluralista e do regime
monopolístico pode ser expressa de quatro maneiras diferentes:
antítese da concorrência e do monopólio, da constituição e da
revolução, do pluralismo dos grupos sociais e do absolutismo
burocrático, enfim, do Estado de partidos e do Estado partidário (esta
última antítese pode ser traduzida por Estado laico-Estado ideológico)...
Pode-se fazer uma discriminação entre as imperfeições evidentes dos
regimes constitucionais-pluralistas e a imperfeição essencial dos
regimes de partido monopolístico. Mas é possível que em dadas
circunstâncias, esse regime essencial imperfeito seja preferível ao
regime efetivamente imperfeito. Em outras palavras, é possível não
situar todos os regimes no mesmo plano, do ponto de vista dos valores,
sem que esta discriminação, permita ditar, em nome da ciência ou da
filosofia, o que é preciso fazer num determinado momento. Os homens
políticos têm razão de dizer que não há verdade de ação, o que não
significa que os filósofos façam mal ao lembrar que o regime de paz é,
enquanto tal, preferível ao regime de violência... Gostaria de... evocar
os esquemas históricos que constituem visões prospectivas das
diversas espécies de regimes... A primeira, e a mais em moda hoje em
dia, é a de uma evolução unilateral para um dado regime. Este
esquema é o do progresso, sendo entendido que, segundo os
marxistas, o ponto de chegada é um regime de tipo soviético e, segundo
os democratas ocidentais, um regime comparável ao que conhecemos
no ocidente. Os doutrinários dos dois regimes opostos afirmam, uns e
outros, que a história tende a realizar o regime que conta com a sua
preferência: segundo os Soviéticos, o futuro pertence ao comunismo;
segundo os Ocidentais, às vezes inclusive segundo os marxistas
ocidentais como Isaac Deutscher, à medida que as forças produtivas se
desenvolvem e o capital se acumula, os regimes políticos tenderão a
aproximar-se do modelo ocidental. Para mim, nenhuma destas duas
teses está demonstrada... Descartemos estas duas versões do
esquema de evolução unilateral para um ponto de chegada único, e
consideremos um segundo esquema – o que seria conforme a
sociologia de Max Weber. Cada espécie de economia, cada fase de um
desenvolvimento econômico favorece mais ou menos um certo regime.
Pode-se estabelecer uma relação entre fase de desenvolvimento
econômico e probabilidade de um dado regime... Infelizmente, a
liberação dos regimes de partido monopolístico não está escrita por
antecipação no livro da História. Feliz ou infelizmente, a decomposição
em anarquia dos regimes constitucionais-pluralistas não é, da mesma
forma, fatal. O ciclo é possível, não necessário.
Podemos simbolizar por SO esta segunda posição, identificada em
Weber e secundariamente em Aron. Oposta à primeira apresentada,
continuaremos com o mesmo procedimento de análise adotado no exame
desta. Tomemos sujeito e objeto nas duas acepções então apontadas e
explicitemos os quatro planos em que se desdobra esta segunda concepção da
relação sujeito-objeto: a) no plano da teoria do conhecimento, deparamos com
o idealismo (epistemológico): a consciência como construtiva do objeto do
conhecimento. Também aqui temos mais uma manifestação do colapso do
liberalismo: a confiança numa razão universal está abalada e em seu lugar
encontramos “configurações” históricas de consciência (no caso, variáveis
conforme a época); b) conexamente, no plano da concepção da História, não
se concebe o progresso necessário no processo histórico, pois este não possui
sentindo imanente: a história realizada (o passado) tem sentido, mas este é ex
post; trata-se, porém, de um sentido variável conforme a perspectiva de
conhecimento do sujeito-observador (dada pelos valores dominantes em sua
época), enquanto o “setor” histórico do mundo não é um sistema ordenado de
regularidades
“naturais”;
quanto
ao
futuro,
trata-se
de
um
campo
indeterminado, ou melhor, teria quando muito delimitação de “fronteiras” ou
“balizamentos” apenas: a racionalidade funcional, no caso de Weber, e o
industrialismo, no caso de Aron; c) essas “fronteiras” ou “balizamentos”
demarcam o campo em que se digladiam os agentes políticos, visando fins e
sobretudo valores diferentes, mas que afinal se equivalem; e fazer política
consiste, então, em adequar com responsabilidade meios a fins e a valores (ou
seja, levando em conta as consequências previsíveis de cada opção); d) à
concepção da política, enquanto processo, como competição entre fins e
sobretudo valores que em última análise, para os agentes políticos, se
equivalem, correspondente a concepção do Estado como mero aparelho,
portanto sem conteúdo inerente, visado como meio para a realização destes ou
daqueles fins e valores.
O presente histórico, enquanto conjunto de objetivos politicamente
equivalentes (em última análise, valores), aparece, pois, como composto
(conjunto de valores em competição), mas também como inestruturado, na
acepção de que esses objetivos não mantêm entre si relações hierárquicas.
Ilustrando: mais concretamente, e levando às últimas consequências as
concepções de Aron, temos o presente histórico como campo cujo balizamento
é dado pelas características do que denomina civilização industrial. Capitalismo
e socialismo são modalidades equivalentes desta. O futuro não resultará da
autodestruição do capitalismo por dinâmica interna e necessária deste. A
persistência histórica do capitalismo é questão de política não determinada,
não estruturada: é questão de atuar como vistas a consequências das ações
desencadeadas a partir de certas opções. O futuro é questão de decisão
política, e esta faz-se num campo não estruturado e autônomo. Generalizando:
a liberdade de fazer história aparece, então, como voluntarismo e este
voluntarismo político é a contrapartida do idealismo (epistemológico). Por
contraste, e levando às últimas consequências as concepções durkheimianas,
temos o polo oposto a este: em vez de voluntarismo, o mecanismo, que
consiste na contrapartida do positivismo extremo.
O marxismo apresenta-se como síntese das duas posições opostas até
então focalizadas. Neste sentido, simbolizemos a posição marxista quanto à
reação sujeito-objetivo por SO. E tormentos, como expressivos delas (nos
limites dos nossos objetivos), os seguintes excertos: os dois primeiros, de Marx
e Engels, A Ideologia Alemã; o terceiro, dos fragmentos de Marx publicados
como posfácio à 2ª. edição alemã d’O Capital; o quarto, de Henri Lefebvre,
Problèmes Actuels du Marxisme, Presses Universitaires, Paris, 1960; e os dois
últimos de Sartre, Question de Méthode.
...em cada etapa acham-se dados um resultado material, uma
soma de forças produtivas, uma relação com a natureza e entre os
indivíduos, criada historicamente e transmitida a cada geração pela
geração que a precede; uma massa de forças de produção, de capitais
e de circunstancias, que, de um lado, são modificados pela nova
geração, mas que, de outra parte, lhe ditam suas próprias condições de
existência e lhe imprimem um desenvolvimento determinado, um caráter
específico; portanto, as circunstâncias tanto fazem os homens como os
homens fazem as circunstâncias.
...cada nova classe que toma o lugar da que antes dela
dominava é obrigada, quando menos para atingir o seu objetivo, a
apresentar seu interesse como o interesse comum de todos os
membros da sociedade ou, para exprimir as coisas no plano das ideias:
esta classe é obrigada a dar a seus pensamentos a forma da
universalidade a apresenta-los como sendo os únicos razoáveis, os
únicos válidos de uma maneira universal. Pelo simples fato de que
enfrenta uma classe, a classe revolucionária apresenta-se em conjunto
não como classe, mas como representando a sociedade toda; aparece
como a massa inteira da sociedade em face da única classe
dominante... todas as lutas no interior do Estado, a luta entre a
democracia, a aristocracia e a monarquia, a luta pelo direito de voto,
etc., etc. não são senão as formas ilusórias sob as quais são travadas
as lutas efetivas das diferentes classes entre si... toda classe que aspira
à dominação, mesmo se sua dominação determina a abolição de toda a
antiga forma social e da dominação em geral, como é o caso ara o
proletariado, deve, portanto, conquistar primeiramente o poder político
para representar, por seu turno, seu interesse próprio como sendo o
Universal, ao que ela é forçada nos primeiros tempos.
A investigação tem por objetivo apropriar-se em detalhe da
matéria, analisar suas diversas formas de desenvolvimento e nela
descobrir completamente suas relações internas.
Nesta passagem descobrimos... a palavra matéria. Mas ela tem
um significado bem preciso. Designa um conteúdo histórico (no que
concerne a O Capital, o da sociedade burguesa, o do capitalismo). Este
conteúdo, posto diante do pensamento, que procura conhecê-lo, a este
aparece inicialmente como impenetrável, opaco, dado, ultrapassando-o
infinidamente: uma matéria. A inteligência analítica e a razão sintética
do pesquisador dele se apoderam. A pesquisa apropria-se dele. Este
termo tem, em Marx, uma significação universal: designa um conceito
filosófico: a atividade que, apreendendo um dado concreto – uma
matéria –, produz obras e as conhece reconhecendo-se nestas. O
conhecimento comporta uma ‘apropriação’. Ele é a obra de um
pensamento ativo e pessoal, que trabalha sobre uma matéria. Ele a
transforma,
como
todo
trabalho
humano.
Mas
o
trabalho
do
conhecimento possui um aspecto específico: ele restitui o conjunto de
um devir no qual ele se insere, porque este devir histórico permitiu e
mesmo exigiu, num certo momento, o conhecimento que o apreende.
Se a filosofia deve ser, ao mesmo tempo, totalização do saber,
método, Ideia reguladora, arma ofensiva e comunidade de linguagem;
se esta ‘visão do mundo’ é também um instrumento que trabalha as
sociedades carcomidas, se esta concepção singular de um homem ou
de um grupo de homens torna-se a cultura e, por vezes, a natureza de
toda uma classe, fica bem claro que as épocas de criação filosófica são
raras. Entre o século XVII e o século XX, vejo três que designarei por
nomes célebres: há o ‘momento’ de Descartes e de Locke, o de kant e
de Hengel e, finalmente, o de Marx. Estas três filosofias tornam-se,
cada uma por sua vez, o humo de todo o pensamento particular e o
horizonte de toda cultura, elas são insuperáveis enquanto o momento
histórico de que são expressão não tiver sido superado.
A praxis... é uma passagem do objetivo ao objetivo pela
interiorização; o projeto, como superação subjetiva da objetividade em
direção à objetividade, tenso entre as condições objetivas do meio e as
estruturas objetivas do campo dos possíveis, representa em si mesmo a
unidade em movimento da subjetividade e da objetividade, estas
determinações cardeais da atividade. O subjetivo aparece, então, como
um momento necessário do processo objetivo.
Como se percebe, a síntese proposta pelo marxismo consiste, em última
instância, na superação da dualidade sujeito-objeto, inerente esta dualidade,
concebida de uma maneira ou de outra aposta, às posições representadas por
Durkheim e Weber. O rompimento com essa dualidade está por inteiro contido
na tese de que o subjetivo é um momento necessário do processo objetivo, nos
diversos desdobramentos dela: a) no plano da teoria do conhecimento, a
concepção dialética retém este subjetivo como tomadas de consciência
historicamente determinadas e não-equivalentes – em termos de consciência
adequada e de falsa consciência (o marxismo sendo a expressão daquela na
“época histórica” capitalista, mas expressão radicada nos interesses proletários
e não, conforme a concepção weberiana, nos valores dominantes da época); b)
o processo histórico é concebido como praxis coletiva e suas objetivações
materiais e não-materiais, como processo de estruturação-destruturaçãoreestruturação de regularidades não-naturais, ou seja, regularidades que são
produto da própria atividade humana coletiva; mas, afirmando que os homens
fazem História nas condições dadas pela História, o sentido desta, ao menos
em termos de coerência lógica, há de ser concebido apenas como potencial ou
virtualmente imanente ao processo histórico; c) cada presente, como história, é
então um conjunto estruturado de atualizações e de possíveis; daí, a política,
como momento de praxis inovadora, consistir numa competição entre possíveis
historicamente dados, num campo estruturado, ou seja, de possíveis não
equivalentes; e os projetos, como expressões que são desses possíveis, são
também não equivalentes; enfim, a política não é ciência social aplicada, como
para Durkheim, nem é um campo de atuação inovadora inestruturado, como
para Weber, mas, diversamente da concepção deste, dotado de conteúdo,
como em Durkheim: não os interesses coletivos (comuns) como este concebe
tal conteúdo, porém interesses classistas – os da(s) classe(s) dominante(s)
economicamente, mesmo quando esses interesses classistas não coincidem
imediatamente e em todo o seu conteúdo “específico” com as necessidades a
longo prazo do sistema em conjunto, ou seja, com a permanência histórica da
realização, por esse sistema, de certo tipo macroestrutural.
Todavia, justamente porque o marxismo propõe a síntese das duas
expostas relações sujeito-objeto antagônicas, as obras dos autores marxistas,
vistas em conjunto, apresentam oscilações na ênfase posta num ou noutro
termo da formulação “os homens fazem História nas condições dadas pela
História”. A ênfase no primeiro termo faz o marxismo pender para o
voluntarismo, no segundo, para o mecanicismo; e, conexa e respectivamente,
no plano epistemológico, faz pendê-lo para o idealismo ou para o realismo. É o
que também aponta Lucien Goldmann, Recherches Dialectiques, Gallimard,
Paris, 1959:
...as concepções filosóficas unilateriais, que são o subjetivismo e
o objetivismo, encontram-se sempre, com suas consequências práticas,
não apenas entre os pensadores burgueses, mas também entre os
teóricos e os militantes do proletariado, onde elas se exprimem
sobretudo por dois grandes grupos de correntes políticas: a) o
blanquismo, o anarquismo, o trotskismo, que são a forma operária do
subjetivismo idealista da superestimação do homem e da subestimação
das condições objetivas; b) o stalinismo, o reformismo, o economismo,
as teorias da espontaneidade, que são a expressão operária do
materialismo objetiva da superestimação das condições objetivas da
subestimação do homem. E poder-se-ia acrescentar que são os
intelectuais e certas camadas operárias radicalizadas que oferecem o
primeiro, e que são as burocracias dos grandes organismos de Estado
na U.R.S.S. ou a participação operária nos Estados capitalistas que, ao
contrário, favorecem o segundo. Eis porque na vida e na obra de todos
os grandes teóricos e chefes políticos do proletariado, desde Marx até
lênin e o jovem Lukacs, encontramos esta luta em duas frentes: contra
as ilusões de esquerda e os oportunismos de direita, através da qual
eles se esforçam por estabelecer, cada novo, o pensamento dialético.
Independente ou não dessa oscilação, resta, porém, o problema de que
existem projetos marxistas, e não um projeto apenas – o que nos remete à
questão dos possíveis históricos não equivalentes, em sua expressão no plano
do conhecimento e no da atuação política. Ao que nos parece, a solução do
problema há de partir da formulação constante da II das Teses sobre
Feuerbach. (Valemo-nos da tradução incluída em Marx e Engels, Études
Philosophiques, Éditins Sociales, paris, 1961.)
A questão de saber se o pensamento humano pode chegar a
uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas uma questão
prática. É na prática que é preciso que o homem prove a verdade... A
discussão sobre a realidade do pensamento, isolada da prática, é
puramente escolástica...
Por outras palavras, a objetividade das ciências sociais (claro que no
referente à praxis inovadora, e não à repetitiva) só se revela ex post, ou seja,
somente após a transformação de um dos possíveis numa atualização. Em
termos políticos: a não equivalência dos possíveis existentes num presente
histórico só se revela quando este presente for um passado.
À guisa de recapitulação e resumo, podemos reunir os três conjuntos de
concepções apresentadas num esquema como este:
Durkheim
Weber
Marx
SO
SO
SO
realismo
idealismo
dialética
História
História não-
História não-
concepção da
“naturalizada”, com
naturalizada, sem
naturalizada, com
História
sentido imanente
sentido imanente
sentido imanente
teoria do
conhecimento
potencial
ciência social
competição entre
competição entre
concepção da
aplicada
valores equivalentes
possíveis históricos não
Política
(mecanicismo)
(voluntarismo)
equivalentes
dotado de conteúdo
aparelho sem
aparelho dotado de
concepção do
inerente: interesses
conteúdo inerente
conteúdo inerente:
Estado
coletivos
interesses da classe
dominante
Heilbroner, R – A formação da Sociedade Economica – Zahar , cap. 1
Marx, K. – O Manifesto Comunista, 1848
Dia 16 –
15:15 – 16.30 – Conceitos fundamentais de Economia : Necessidades Materiais e Imateriais.
Recursos Produtivos. A fabricação de objetos , de serviços e de consenso; Produto , Renda e
Distribuição da Renda ; Excedente econômico- histórico do conceito; Os vários setores da
economia_ O papel da Agricultura e seus vários segmentos : Agronegócio x Agricultura Familiar
– Governo – Setor Externo - Moeda, Cambio , Exportações/Importações
Castro,A. & Lessa, Carlos – Introdução à Economia -
1.
Brasil
Brasil, oficialmente República Federativa do Brasil, é o maior país da América do Sul e da região da América
latina, sendo o quinto maior do mundo em área territorial e população. Wikipédia
Estatísticas relacionadas
Produto Interno Bruto
Expectativa de vida
Taxa de crescimento da população
População em outros lugares
2,477 trilhões USD (2011)
73,44 anos (2011)
0,9% mudança anual (2011)
República Popular da China
1,344 bilhões (2011)
Argentina
40,76 milhões (2011)
Índia
1,241 bilhões (2011)
Crescimento populacional
file:///C:/Users/Seven/Documents/BRASIL%20DADOS/Pop%20Brasil.html
Censo
Pop.
%±
1872
9 930 478
1890
14 333 915
44,3%
1900
17 438 434
21,7%
1920
30 635 605
75,7%
1940
41 236 315
34,6%
1950
51 944 397
26,0%
1960
70 992 343
36,7%
1970
94 508 583
33,1%
1980
121 150 573
28,2%
1991
146 917 459
21,3%
2000
169 590 693
15,4%
2010
190 755 799
12,5%
1.
↑ INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Rio
de Janeiro: IBGE, 2011. p. 67-68. ISBN 978-85-240-4187-7
Crescimento da população mundial
População Ano Tempo para o próximo bilhão (em anos)
1 bilhão 1802 126
2 bilhões 1928 33
3 bilhões 1961 13
4 bilhões 1974 13
5 bilhões 1987 12
6 bilhões 1999 11
7 bilhões 2011 15
8 bilhões* 2026 24
9 bilhões* 2050 20
10 bilhões* 2070 26
11 bilhões* 2096 não calculado
Comparando China e Brasil, as diferenças patrimoniais podem assim ser resumidas no quadro abaixo.
Considere-se ainda que a China é uma cultura milenar, nós, um povo e uma cultura ainda em
formação. Lembremo-nos que a população brasileira na virada do século XIX para o século XX era de
pouco mais de 10 milhões de almas, maior parte da qual penada por quatro séculos de escravidão:
Patrimônio
China(US$Trilhões)
Brasil(US$ Trilhões)
Total
7
7
Construído
1,1
1,4
Humano
5,2
2,5
Natural
0,7
3,1
Fonte Humberto Dalsasso – www.confecon.org.br
Publicado por Reinaldo Del Dotore - FB
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Quadros indicativos da economia brasileira
Quadro 1. Ranking das 100 cidades com maior número de famílias ricas:
Município
Unidade Federativa
N° famílias ricas
São Paulo
SP
443.462
Rio de Janeiro
RJ
76.317
Brasília
DF
34.994
Belo Horizonte
MG
27.526
São Bemardo do Campo
SP
23.394
Porto Alegre
RS
23.224
Curitiba
PR
20.872
Santo André
SP
20.475
Guarulhos
SP
17.094
Salvador
BA
15.182
Campinas
SP
13.487
Osasco
SP
12.879
Fortaleza
CE
12.735
Recife
PE
12.615
Goiânia
GO
11.117
Niterói
RJ
10.394
São Caetano do Sul
SP
9.505
Mogi das Cruzes
SP
7.139
Belém
PA
6.619
Santos
SP
6.450
Manaus
AM
6.311
Florianópolis
SC
6.012
Ribeirão Preto
SP
5.376
Vitória
ES
4.949
Natal
RN
4.794
Campo Grande
MS
4.511
São José dos Campos
SP
4.369
Barueri
SP
4.264
Cuiabá
MT
4.196
Maceió
AL
4.049
Santana de Parnaíba
SP
4.043
João Pessoa
PB
3.495
Cotia
SP
3.449
São Luís
MA
3.297
Teresina
PI
3.231
Londrina
PR
3.169
Diadema
SP
3.143
Sorocaba
SP
3.137
São José do Rio Preto
SP
3.084
Jundiaí
SP
3.074
Taboão da Serra
SP
2.907
Aracaju
SE
2.905
Juiz de Fora
MG
2.823
Uberlândia
MG
2.795
Mauá
SP
2.491
Piracicaba
SP
2.463
Joinville
SC
2.449
Carapicuíba
SP
2.444
Vila Velha
ES
2.441
Caxias do Sul
RS
2.435
Suzano
SP
2.341
Bauru
SP
2.223
Maringá
PR
1.970
Jaboatão dos Guararapes
PE
1.835
Taubaté
SP
1.708
Petrópolis
RJ
1.623
Presidente Prudente
SP
1.621
Ribeirão Pires
SP
1.605
Santa Maria
RS
1.495
Blumenau
SC
1.464
Mairiporã
SP
1.451
Porto Velho
RO
1.411
São Carlos
SP
1.399
Uberaba
MG
1.390
Pelotas
RS
1.338
Embu
SP
1.312
Araçatuba
SP
1.310
Itapecerica da Serra
SP
1.278
Franca
SP
1.235
Novo Hamburgo
RS
1.212
Cascavel
PR
1.201
Foz do Iguaçu
PR
1.178
Marilia
SP
1.134
Limeira
SP
1.124
Araraquara
SP
1.105
Nova Iguaçu
RJ
1.083
Indaiatuba
SP
1.080
Americana
SP
1.076
Rio Claro
SP
1.068
Arujá
SP
1.051
Passo Fundo
RS
1.040
Feira de Santana
BA
1.039
Anápolis
GO
1.032
Poá
SP
988
Ponta Grossa
PR
977
Olinda
PE
973
Valinhos
SP
946
Itaquaquecetuba
SP
932
Palmas
TO
923
Caieiras
SP
914
Itu
SP
913
Campos dos Goitacazes
RJ
912
Canoas
RS
910
Montes Claros
MG
902
Rio Branco
AC
894
Atibaia
SP
893
Balneário Camboriú
SC
892
Poços de Caldas
MG
888
Campina Grande
PB
885
São Gonçalo
RJ
877
Bloco de Países
Proporção de
manufaturados nas
exportações brasileiras
(média dos últimos 5 anos
2009 – 2014)
MERCOSUL
AMERICA DO SUL (EXCLUSIVE MERCOSUL)
AMERICA LATINA (EXCLUSIVE AMERICA DO SUL)
84%
77%
84%
51%
35%
5%
ESTADOS UNIDOS
UNIAO EUROPEIA - UE
CHINA
Saldo Balança Comercial Bilhões US$
Saldo B.Comercial - Agricultura
O Brasil no Comercio Internacional %
Necessidades de Financiamento Externo
Reservas Internacionais
Relação D Externa x ReservasInternacionais
PIB Evolução
PIB PAISES SELECIONADOS
20 Maiores Economias em 2014
BR - TAXA DE INVESTIMENTO PREÇOS CORRENTES
INVESTIMENTOS PÚBLICOS FEDERAIS
Consumo Famílias-Variação anual
Produção de Petróleo – mil barris dia
Produção e Área Usada Ag
186,8
162,8
193,4
166,2
149,5
144,1
135,1
131,8
123,2
100,3
81,1
73,6
38,5
36,7
78,4
36,6
76,6
35,0
82,4
36,9
119,1
114,7
47,4
49,1
122,5
96,8
83,0
37,8
37,8
40,2
43,9
47,9
46,2
47,4
47,7
47,4
49,9
50,9
53,3
57,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Produção de Grãos ( Em milhões de Ton)
Área Utilizada (Em milhões de Ha)
Carnes Prod. Mil tons
Vendas Complexo Automotivo mil unidades
Consumo Energia - Fontes
Emissões Gases Efeito Estufa - Evolução
Credito Global – PIB %
Credito Saldo Final Período
Créditos BNDES Bilhões R$
IPCA – Alimentos e Bebidas
Taxas Juros BR x FED
Setor Público Consolidado – Primário, Nominal, Juros = %PIB
Dívda Publica – Paises %PIB
Carga Tributária Bruta- % PIB
Gastos Pessoal e Direitos - % PIB
Renda Familiar Nominal PC R$ – Evolução
Milhões Empregados com vinculo formal
Desemprego – IBGE Regiõe Metropolitanas – 30 Dias
Postos de Trabalho
Custo Cesta Básica como % SM
MASSA SALARIAL
Salários/PIB
Valor Md. Real INPC dos benefício previdenciários– Dezembro
Pobreza
Gasto Social Federal - % PIB
Orçamento MEC - P.Correntes
PROUNI ACUMULADO
X Prod. Basicos e Manufaturados
IDx / Bilhões US$
D.X Bruta/PIB
O Economista Maurício Dias David, RJ, o explica :
“Em 2001, o café estava sendo vendido a US$ 964 a tonelada; no ano passado, foi a
US$ 4.463. Para 2012, a previsão é de que o preço seja de US$ 4.600.
A soja, que no ano passado chegou a US$ 495, era vendida a US$ 173 em 2001. Em
dez anos houve um aumento de 186%.
O Açúcar saiu de US$ 197 a tonelada para US$ 573, e este ano o preço previsto é de
US$ 530.
Carne bovina saiu de US$ 2.006 para US$ 5.077 em dez anos, e este ano a previsão é
ficar em US$ 5.000.
Minério de ferro deu um salto de US$ 18 para os US$ 126 do ano passado.
O Brasil foi muito beneficiado pelo boom de commodities. Isso produziu um salto
impressionante nas receitas com esses produtos:
- de café, o Brasil tinha receita de exportação de US$ 1,2 bilhão e foi para US$ 8 bi.
- a soja saiu de US$ 2,7 bilhões para 16,3 bi entre 2001 e 2011. Para 2012, a previsão
da AEB é que não chega a US$14 bilhões.
- de açúcar e açúcar refinado, o Brasil vendeu US$ 2,2 bilhões em 2001, e US$ 5,8 bi
no ano passado.
- no minério de ferro, deu um salto fenomenal, de US$ 2,9 bilhões, em 2001, para US$
41,8 bi no ano passado, 14 vezes mais.
Em 2012, a previsão é de US$ 332,6 bilhões de exportações totais. Nesse período,
houve aumento da quantidade exportada também, porque a demanda cresceu, mas o
preço subiu mais rapidamente.
DOMINGO, 07/09/2014, 20:00
Brasil perdeu mais de US$ 400 bi com transações comerciais ilícitas para o
exterior em 53 anos
Segundo estudo da Global Financial Integrity, saída ilegal de dinheiro acelerou
nas últimas décadas, chegando a US$ 33 bilhões por ano. Subfaturamento de
exportações comerciais é o meio mais usado para se transferir dinheiro para o
exterior.
por Nathália Toledo
Mais de US$ 400 bilhões deixaram o Brasil ilegalmente entre 1960 e 2012,
segundo um estudo feito por economistas da instituição de pesquisa norteamericana Global Financial Integrity. O relatório, baseado em dados do FMI e
do Banco Mundial, revela que o fluxo de saída de dinheiro com transações
comerciais ilícitas disparou nas últimas décadas. O número saiu de uma média
anual de US$ 310 milhões nos anos 1960 para US$ 14,7 bilhões na primeira
década dos anos 2000. De 2010 a 2012, o fluxo ilícito que vai para o exterior
cresceu mais ainda e atingiu US$ 33,7 bilhões por ano. A Global Financial
Integrity calcula que as transações equivalem a 1,5% do PIB brasileiro.
Trata-se, na maioria dos casos, de transações comerciais subfaturadas, nas
quais as empresas tentam fugir de impostos que incidem no lucro e nas
exportações. O coordenador do estudo, Dev Kar, explica que a prática mais
comum no Brasil é a formação de "caixa dois", com o registro de produtos para
exportação a um valor inferior ao de mercado. O comprador, no entanto, paga
o valor real, e o dinheiro excedente é eviado para um paraíso fiscal. Com isso,
a empresa deixa de pagar parte dos impostos devidos no Brasil.
"Suponhamos que o Brasil exporte carne para os Estados Unidos, e o contêiner
valha US$ 10 mi. Para o governo brasileiro, ele esta vendendo a US$ 5 mi. O
exportador diz para o importador depositar o restante do dinheiro em uma
conta nas Ilhas Cayman ou na Suíça. O importador nem liga. Ele esta pagando
US$ 10 milhões de qualquer maneira", explica Dev Car.
O presidente da Global Financial Integrity, Raymond Baker, afirma que as
saídas ilícitas drenam capital da economia brasileira, facilitam a evasão fiscal,
acentuam a desigualdade e corroem a poupança interna do país. A dificuldade
de combate às fraudes no comércio exterior, segundo ele, está na falta de
conhecimento e fiscalização dos preços praticados pelo mercado por parte das
autoridades.
"O que recomendamos são esforços muito maiores para se saber quais os
preços no mercado mundial. Ou seja, que você tenha valores de referência
para cada tipo de importação e exportação", diz Raymond Baker.
O relatório da Global Financial Integrity ressalta ainda que as perdas
calculadas devem ser ainda maiores, já que a metodologia utilizada é
considerada conservadora. Não estão incluídas atividades criminosas
geralmente pagas com dinheiro em espécie, como tráfico de drogas, armas,
animais e pessoas. Segundo o estudo, o Brasil é o sétimo no ranking dos 150
países que mais perdem dinheiro em remessas ilegais para o exterior, ficando
atrás apenas de China, México, Rússia, Índia, Malásia e Arábia Saudita.
duração: 3:20
16:30 – 17: 30 - Debates:
Noite
18.30 – 19:15 – Industrialização, Tecnologia e Desenvolvimento. A diferença fundamental
entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos .O que são os “Tempos Modernos”.
Contradições Problemas e limites da Modernidade: A liberdade controlada. O perigo do
fascismo e os dilemas do Pleno Emprego em economias maduras.
Furtado , Celso – Teoria e Politica do Desenvolvimento – Ed. Nacional – Segunda Parte: O
processo de desenvolvimento
Kalecki.M. – OS ASPECTOS POLÍTICOS DO PLENO EMPREGO
Escrito por Autores Clssicos, postado em 7 dEurope/London março dEurope/London 2008
M.KALECKI – 1944 - Economista Polonês
A manutenção do pleno emprego por meio da despesa governamental financiada por empréstimos tem sido
amplamente discutida nos anos recentes. Essa discussão, porém, concentra-se nos aspectos puramente
econômicos do problema, sem dar a devida atenção às realidades políticas. É falsa a suposição de que um
Governo manterá o pleno emprego numa economia capitalista se ele sabe como faze-Io. Com relação a isso é
de crucial importância a desconfiança dos grandes empresários acerca da manutenção do pleno emprego por
meio do gasto governamental. Essa atitude foi mostrada claramente na grande depressão dos anos trinta,
quando os grandes empresários se opuseram firmemente às experiências de aumento do emprego através da
despesa governamental, em todos os países com exceção da Alemanha nazista. Essa atitude não é fácil de
explicar. Maior produção e emprego claramente beneficiam não apenas os trabalhadores, mas também os
empresários, porque seus lucros crescem. E a política de pleno emprego baseada na despesa governamental
financiada por empréstimos não usurpa os lucros, porque não envolve tributação adicional. Os empresários, na
depressão, sonham com uma expansão econômica; por que, então, eles não aceitam com prazer a expansão
“sintética” que o Governo está apto a oferecer-Ihes? É esta questão difícil e fascinante que pretendemos tratar
neste artigo.
1. Os motivos para a oposição dos “líderes industriais” ao pleno emprego obtido por meio da despesa
governamental podem ser agrupados em três categorias: (a) a reprovação à interferência pura e simples do
Governo no problema do emprego; (b) a reprovação à direção da despesa governamental (para investimento
público e subsídio ao consumo); (c) a reprovação às mudanças sociais e políticas resultantes da manutenção do
pleno emprego. Examinaremos minuciosamente cada uma dessas três categorias de objeção à política de
expansão do Governo.
2. Trataremos em primeiro lugar da relutância dos “capitães da indústria” em aceitar a intervenção do Governo
no problema do emprego. Cada alargamento da atividade estatal é encarado com suspeita pelo “mundo dos
negócios”, mas a criação de emprego por meio da despesa governamental tem um aspecto especial que torna a
oposição particularmente intensa. Em um sistema de laissez faire o nível do emprego depende, em grande
parte, do assim chamado estado de confiança. Se este se deteriora, o investimento privado declina, do que
resulta uma queda do produto e do emprego (tanto diretamente como através do efeito secundário que a
queda das rendas exerce sobre o consumo e o investimento). Isso dá aos capitalistas um poderoso controle
indireto sobre a política governamental: tudo que possa abalar o estado de confiança deve ser cuidadosamente
evitado, porque causaria uma crise econômica. Mas, uma vez que o Governo aprenda o truque de aumentar o
emprego por meio de suas próprias despesas, esse poderoso mecanismo de controle perde sua eficácia. Daí
que os déficits orçamentários necessários para efetuar a intervenção governamental passam a ser encarados
como perigosos. A função social da doutrina da “finança sadia” é fazer com que o nível de emprego dependa do
“estado de confiança”.
3. A reprovação dos “líderes do mundo dos negócios” a uma política governamental de despesas torna se ainda
mais aguda quando eles consideram os objetos em que o dinheiro seria aplicado: investimento público e
subsídio ao consumo popular.
Os princípios econômicos da intervenção governamental requerem que o investimento público seja limitado a
objetos que não concorram com o equipamento de capital dos negócios privados: por exemplo, hospitais,
escolas, rodovias etc. Do contrário, a rentabilidade do investimento privado seria enfraquecida e o efeito
positivo do investimento público sobre o emprego seria anulado pelo efeito negativo do declínio do investimento
privado. Essa concepção satisfaz muito bem aos homens de negócio. Mas o âmbito do investimento público
desse tipo é estreito, e há o perigo de que o Governo, prosseguindo nessa política, possa ser eventualmente
tentado a nacionalizar os transportes ou outros serviços de utilidade pública a fim de ganhar uma nova esfera
onde aplicar o investimento.
(1) Poder-se-ia esperar, portanto, que os líderes empresariais e seus assessores fossem mais favoráveis ao
subsídio ao consumo popular (por meio de pensões às famílias, subsídios para manter baixo o preço dos
produtos essenciais etc.) do que ao investimento público, porque, subsidiando o consumo, o Governo não
estaria embarcando em nenhum tipo de “empresa”. Na prática, porém, esse não é o caso. De fato, o subsídio
ao consumo popular é muito mais violentamente combatido do que o investimento público, porque coloca-se
aqui um princípio “moral” da mais alta importância. Os fundamentos da ética capitalista requerem que “Você
ganhará seu pão com o suor de seu rosto” a menos que você tenha meios privados.
4. Consideramos os motivos políticos da oposição à política de criar emprego por meio de gasto governamental.
Mas mesmo se essa oposição fosse superada como poderia acontecer sob pressão popular, a manutenção do
pleno emprego causaria mudanças sociais e políticas que dariam um novo ímpeto à oposição dos líderes
empresariais. De fato, sob um regime de permanente pleno emprego, a demissão de empregados deixaria de
exercer sua função de medida disciplinar. A posição social do patrão estaria minada e cresceriam a
autoconfiança e a consciência da classe trabalhadora. As greves por aumentos salariais e melhorias nas
condições de trabalho criariam tensão política. É verdade que os lucros seriam mais elevados em um regime de
pleno emprego do que o são, em média, no laissez faire; e mesmo o crescimento das taxas de salário,
resultante do mais forte poder de barganha dos trabalhadores, provavelmente causaria menos uma redução
dos lucros do que um aumento de preços, e assim afetaria adversamente apenas os interesses repentistas. Mas
os líderes empresariais apreciam mais a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” do que os lucros.
Seu instinto de classe lhes diz que, de seu ponto de vista, um pleno emprego durável é insano, e que o
desemprego é uma parte integrante do sistema capitalista normal. 1. Uma das mais importantes funções do
fascismo como tipificado pelo sistema nazista, era a de remover as objeções capitalistas ao pleno emprego.
A reprovação à política de despesa governamental é superada, sob o fascismo, pelo fato de a máquina estatal
estar sob o controle direto de uma associação do grande negócio com os bem sucedidos fascistas. É removida a
necessidade do mito da “finança sadia”, que servia para impedir o Governo de sobrepor-se, por meio dos
gastos, à crise de confiança. Numa democracia ninguém sabe como será o próximo Governo. No fascismo não
há próximo Governo.
A reprovação ao gasto governamental em investimento público ou em consumo é superada concentrando-se
em armamentos a despesa governamental. Por fim, a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” em
pleno emprego são mantidas pela “nova ordem”, que varia da supressão dos sindicatos até os campos de
concentração. A pressão política substitui a pressão econômica do desemprego.
2. O fato de que os armamentos sejam a espinha dorsal da política de pleno emprego fascista tem uma
profunda influência sobre seu caráter econômico.
Os armamentos em grande escala são inseparáveis da expansão das forças armadas e da preparação de planos
para uma guerra de conquista. Eles também induzem o rearmamento competitivo de outros países. Isso faz
com que o principal objetivo do gasto se desloque gradualmente do pleno emprego para o máximo efeito de
rearmamento. A resultante escassez de recursos leva a uma contração do consumo quando comparado com o
que poderia haver sob o pleno emprego.
O sistema fascista começa com a superação do desemprego, desenvolve-se em uma “economia de armamento”
de escassez, e inevitavelmente termina em guerra. 1. Qual será o resultado prático da oposição ao “pleno
emprego por meio da despesa governamental”, numa democracia capitalista? Tentaremos responder essa
questão com base na análise dos motivos dessa oposição, apresentados na seção I deste ensaio.
Argumentamos que se pode esperar a oposição dos “líderes industriais” em três planos: (a) a oposição de
princípio ao gasto governamental apoiado num déficit orçamentário; (b) a oposição a esse gasto dirigido ou ao
investimento público que pode prefigura intrusão do Estado em novas esferas de atividade econômica ou ao
subsídio ao consumo popular; (c) a oposição a manutenção do pleno emprego e não apenas à tentativa de
evitar profundas e prolongadas depressões econômicas.
x Deve-se reconhecer que é mais um assunto do passado o estagio em que os “líderes empresariais” podiam
opor-se a qualquer espécie de intervenção governamental para aliviar uma depressão. Concorda-se hoje que
seja necessário “fazer alguma coisa na depressão”; mas o conflito continua primeiro, no que se refere à direção
a ser dada à intervenção governamental na depressão, e, segundo, no que concerne o fato de se essa
intervenção deveria ser usada meramente para aliviar depressões ou para obter permanente pleno emprego.
(2. Nas discussões correntes desses problemas freqüentemente surge a concepção de contrapor-se à depressão
por meio do estímulo ao investimento privado. Isso pode ser feito pela redução tanto da taxa de juro como do
imposto de renda, ou pelo subsídio direto ao investimento privado de um modo, ou de outro não surpreende
que tal esquema seja atraente para os “negócios”. O homem de negócios continua sendo o meio pelo qual a
intervenção é efetuada. Se ele não sentir confiança na situação política, não será persuadido a investir. E a
intervenção não implica que. o Governo “jogue com” o investimento (público) ou “desperdice dinheiro” com o
subsídio ao consumo.
Pode-se mostrar, todavia, que o estímulo ao investimento privado não provê um método adequado de evitar o
desemprego em massa. Existem aqui duas alternativas a serem consideradas: (a) a taxa de juro ou o imposto
de renda, ou ambos, é fortemente reduzido na depressão e aumentado na prosperidade. Nesse caso, tanto o
período como a amplitude do ciclo econômico serão diminuídos, mas o emprego estará longe de pleno não
apenas na depressão, mas mesmo na prosperidade, isto é, o desemprego médio poderá ser considerável,
embora suas flutuações sejam menos acentuadas; (b) a taxa de juro ou o imposto de renda é reduzido na
depressão, mas não aumentado na subseqüente prosperidade. Nesse caso, a prosperidade durará mais tempo,
mas deverá terminar em nova depressão: é claro que uma redução da taxa de juro ou do imposto de renda não
elimina as forças que causam flutuações cíclicas numa economia capitalista. Na nova depressão será necessário
reduzir novamente a taxa de juro ou o imposto de renda, e assim por diante. Assim, num tempo não muito
remoto, a taxa de juro teria de ser negativa e o imposto de renda teria de ser substituído por um subsídio à
renda. O mesmo aconteceria se tentasse manter o pleno emprego pelo estímulo ao investimento privado: a
taxa de juro e o imposto de renda teriam de’ ser continuamente reduzidos.
1 Em adição a essa fraqueza fundamental de combater o desemprego pelo estímulo ao investimento privado,
existe uma dificuldade prática: é incerta a reação dos homens de negócio às medidas acima descritas. Se a
depressão é forte, eles podem ter uma visão pessimista do futuro, e a redução da taxa de juro ou do imposto
de renda pode então, por um longo período, não exercer qualquer influência sobre o investimento e, portanto,
sobre o nível de produção e de emprego.
3. Mesmo os que advogam o estímulo ao investimento privado para contrapor-se à depressão freqüentemente
não se fiam só nisso, mas consideram que esse estímulo deveria ser associado ao investimento público. Parece,
atualmente, que os “líderes empresariais” e seus assessores pelo menos parte deles tenderiam a aceitar como
um PIS além a despesa pública financiada por empréstimo como um meio de aliviar as depressões. Mas eles
ainda parecem opor-se firmemente tanto à criação de emprego pelo subsídio ao consumo como à manutenção
do pleno emprego.
Essa situação é talvez sintomática do futuro regime econômica das democracias capitalistas. Na depressão, ou
pela pressão popular ou mesmo sem ela, o investimento público financiado por empréstimo será adotado para
evitar o desemprego em larga escala. Mas se forem feitas tentativas de aplicar esse método a fim de manter o
alto nível de emprego alcançado na subseqüente prosperidade, é provável que haverá uma forte oposição por
parte dos “líderes empresariais”. Como já foi assinalado, um pleno emprego duradouro não é absolutamente do
gosto deles. Os traba¬lhadores estariam “fora de mão” e os “capitães da indústria” estariam ansiosos por
“ensinar-Ihes uma lição”. Ademais, o aumento de preços na fase de prosperidade é desvantajoso para os
pequenos e médios repentistas e os tornaria “aborrecidos”. Nessa situação é provável a formação de um
poderoso bloco de grandes empresários e repentistas, que encontraria mais de um economista para declarar
que a situação é claramente enferma. A pressão de todas essas forças, e em particular das grandes empresas,
muito provavelmente induziria o Governo a retomar à política ortodoxa de corte do déficit orçamentário.
Seguir-se-ia uma recessão, na qual a política governamental de despesa voltaria a seu sentido próprio.
Esse padrão de “ciclo econômico político” não é inteiramente conjectural; alguma coisa de muito parecido
aconteceu nos Estados Unidos em 1937-38. A interrupção da prosperidade na segunda metade de 1937 deveuse realmente à drástica redução do déficit orçamentário. De outro lado, na aguda recessão que se seguiu, o
Governo prontamente reverteu à política de gastos.
19:30- 21:00 – A formação econômica do Brasil. A matriz colonial e sua persistência no tempo:
Monocultura para X , Trabalho Forçado, Grande Propriedade. A formação da agricultura
familiar no mundo e no Brasil..
Leituras –
Prado Jr., Caio – O sentido da colonização ,in História Econômicado Brasil
Uma certa ideia de Brasil -. César Benjamin.
http://www.contrapontoeditora.com.br/arquivos/artigos/200711011651590.Certa%20ideiade%20Brasil.pdf
Nós, os brasileiros – Coletânea – P.Timm org. – www.paulotimm.com.br
A MANDIOCA DA DILMA: RIR DE QUEM? José Ribamar Bessa Freire
http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=1150#secaoCome
ntario
28/06/2015 - Diário do Amazonas
"Dona Maria chegou, chegou com a mandioca
Para fazer a farinha, farinha de tapioca"
(Dona Maria, carimbó do Pinduca)
- "Então, aqui, hoje,
eu estou saudando a
mandioca, uma das
maiores conquistas
do Brasil".
A frase da presidente
Dilma Rousseff, que
discursou
de
improviso
no
lançamento dos I
Jogos Mundiais dos
Povos Indígenas, em
Brasília, na terça-feira
(23/06), provocou enxurradas de gozação na mídia e nas redes sociais. O
colunista José Simão da Folha de SP, que tem liberdade para rir de Deus e do
mundo, especialmente do poder - o que é saudável - reclamou que "Dilma
saúda a mandioca, mas só fabrica pepino". Para ele, a Mãe do PAC virou a
Mãe Dioca.
Mas a frase virou também motivo de piadinhas obtusas de quem não tem
liberdade para rir. É o caso do deputado da bancada ruralista, Nilson Aparecido
Leitão (PSDB-MT), que criou tumulto no plenário da Câmara, na quinta-feira,
quando entre outras coisas impublicáveis declarou na tribuna:
- "Dilma está enfiando uma mandioca na população do Brasil com o fim da
desoneração da folha de pagamentos".
- "Olha o baixo nível" - aparteou a deputada Jandira Feghali (PCdoB). No
microfone, foi pedida a retirada das palavras de baixo calão dos registros
oficiais. Chico Alencar (PSOL) concordou: "Nós criticamos esse governo
desastroso, mas é preciso manter um patamar civilizatório para fazer
críticas". Nilson, que é muito mais leitão do que aparecido, descambou para
ofensas e insultos com tom raivoso que contaminou a mídia e as redes sociais.
Farinha pouca
Pobre patriazinha tão pobrinha, como cantou o poetinha. Pobre país (des)
governado por lambanceiros, cujos líderes despreparados são do naipe de
Sibá Machado (PT-AC) e José Guimarães (PT-CE), que enfrentam uma
oposição formada por leitões, aparecidos, aécios, caiados, agripinos, cunhas et
caterva. Um lado não governa, o outro não sabe criticar nem cobrar, não
consegue se articular como alternativa de poder. Afinal, o que foi que Dilma
disse para fazerem tanta farofa com tão pouca farinha? Vejamos o contexto,
que é o que dá significado ao que falamos.
Na cerimônia de abertura do evento, ocorreram danças rituais indígenas.
Dilma, depois de benzida por um pajé, discursou: "Nenhuma civilização
nasceu sem ter acesso a uma forma básica de alimentação e aqui nós temos
uma, como também os índios têm a deles". Foi aí que citou a mandioca,
destacando os saberes dos índios na sua produção e "a capacidade de ter na
natureza não aquela a quem se subjuga e explora, mas uma relação fraterna
de quem sabe que é dessa relação que nasce nossa sobrevivência".
- Dilma é a nefelibata da mandioca - berrou Reinaldo Azevedo em sua coluna
do GLOBO. Com uma ignorância supina sobre o tema, arrotou seus
preconceitos, querendo ser engraçado: "Um índio que estivesse com a cara
cheia de cauim, a bebida de mandioca fermentada que deixava os índios
doidões, não teria produzido nada melhor".
Afinal, de quê e de quem estão rindo a oposição e seus escribas quando Dilma
reconhece a mandioca como "uma das maiores conquistas do Brasil"? Embora
eu preferisse que ela reconhecesse as terras indígenas, admito que no que ao
aipim se refere, a presidente tem razão.
Aipim domesticado
Encharcado de leituras, dei em 1983
uma aula de História Indígena na
Universidade Federal do Amazonas
(UFAM). O tema: a mandioca
domesticada pelos índios por volta de
7.000 a.C. segundo o arqueólogo
Donald Lathrap que fala em uma
"civilização da mandioca". Durante
milênios, através de experimentos
genéticos, os índios diversificaram a
espécie. Só na região do Uapés (AM), entre os Tukano, a antropóloga Janete
Chernella (1986) identificou 137 cultivares diferentes, algumas ignoradas pelas
universidades, diz o agrônomo Pieter Van der Veld.
Na aula, falei sobre os saberes relacionados à preservação, controle e técnicas
de cultivo e extração do veneno da mandioca brava que vêm sendo
transmitidos eficazmente pelos horticultores indígenas através da tradição oral.
Informei que a mandioca, junto com o milho e o arroz, é uma grande fonte de
carboidratos nos trópicos. Até ai, tudo bem. Mas quando comecei a descrever
como se produzia a farinha, um aluno me interrompeu:
- Desculpa, professor, mas não é bem assim!
Respondi que minha aula se apoiava em livros - citei alguns - lidos durante o
curso de doutorado na França e perguntei em qual bibliografia ele se baseava.
- Não é em livro não. Durante muitos anos, eu fabriquei farinha no Distrito de
Pedras, município de Barreirinha, antes de vir pra Manaus - ele disse.
Entreguei-lhe imediatamente o giz, trocamos de lugar e assisti uma senhora
aula. No final, aplaudido pelos colegas, ele disse que em sua escolaridade
tardia essa tinha sido a única vez em que sua experiência e os conhecimentos
daí decorrentes foram valorizados. É que a escola ignora tais saberes e acaba
formatando leitões, aparecidos e nefelibatas como Reinaldo Azevedo, que
muito ganhariam se tivessem sido alfabetizados por dona Filoca, hoje nome do
Posto de Saúde em Pedras.
Essa ignorância pode levar à morte como ocorreu em abril de 1985 com uma
criança na bairro Vila Nova, na periferia de Porto Alegre, intoxicada com mais
quinze pessoas por haverem comido mandioca furtada de uma horta. O então
secretário de Saúde, Germano Bonow, informou que “todas as semanas há
casos de intoxicação provocada pela ingestão de mandioca, por pessoas
incapazes de distingui-la do aipim”.
Pensamento selvagem
Esse episódio evidencia a
quebra de elos na cadeia
de transmissão oral e
revela
como,
em
consequência,
a
sociedade
brasileira
deixou de se apropriar de
um saber milenar, útil
para a sua sobrevivência,
sem
que
a
escrita
substituísse
essas
funções
para
amplos
setores da sociedade
nacional.
Mas
a
pedagogia da oralidade continua funcionando no interior das sociedades
indígenas.
Já a apropriação do saber indígena pela atual sociedade brasileira tem sido
obstaculizada pela ignorância, o despreparo e até mesmo o desprezo mantido
em relação às línguas e cultura indígenas. O preconceito etnocêntrico não nos
tem permitido usufruir desse legado cultural acumulado durante milênios e
acabou intoxicando leitões e aparecidos.
Lévi-Strauss em O Pensamento Selvagem chama a atenção para o fato de que
muitos erros teriam sido evitados se o colonizador tivesse confiado nas
taxonomias indígenas em lugar de improvisar outras não tão adequadas. O riso
boçal e raivoso é, portanto, fruto da ignorância que não ajuda a conhecer o
país e a melhorar as condições de vida de quem nele vive. L.F. Veríssimo faz
uma distinção entre, de um lado "um antipetismo justificável dado os
desmandos do próprio PT" e de outro, "um ódio que ultrapassa a razão" e que
"está no DNA da classe dominante brasileira".
Na tentativa de entender os leitões aparecidos que reproduzem no cenário
político a metodologia discursiva do embate Adriana Esteves x Glória Pires na
telenovela Babilônia, deixo duas questões para o leitor meditar:
1. A mídia e frequentadores das redes sociais que debocharam de Dilma,
fariam o mesmo se Aécio Neves fosse o autor da apologia da mandioca? Tais
críticos são livres para gozar as presepadas de Aécio Neves, construtor de
aeroportos e fiscal do governo venezuelano?
2. A própria Dilma seria insultada se em discurso no congresso da
Confederação Nacional da Agricultura, tendo ao lado sua ministra Kátia Abreu,
substituísse a palavra mandioca por soja ou por trigo plantados pelo
agronegócio, considerando-os como uma das maiores conquistas do Brasil?
Nas respostas dadas está a chave para entender porque os leitões não são
capazes de cantar o carimbó do Pinduca, nem de preparar, sem se envenenar,
uma maniçoba completa com folha de maniva, charque, toucinho, mocotó,
costela, paio, chouriço, orelha e rabo de leitão.
P.S. - Referências bibliográficas
1. Agência O Estado de São Paulo: “Famílias famintas comem raiz
mortal”. A CRÍTICA, Manaus, 26 de abril de 1985.
2. LATHRAP, Donald W.: “O Alto Amazonas”. Southampton: The Camelot
Press Ltd. 1970. (Cap. III – “Cultura da Floresta Tropical”).
3. CHERNELLA, Janet M.: “Os cultivares de mandioca na área do Uaupés
(Tukano)” in Suma Etnológica Brasileira. Edição atualizada do Handbook
of South América Indians. Coordenação Berta G. Ribeiro. Vol. 1 –
Etnobiologia, Petrópolis. Vozes. 1986. p. 151 a 158.
4. VAN DER VELD, Pieter. Bate-papo na Escola Tuyuka Utapinopona,
depois da oficina de formação de agentes agroflorestais indígenas
ministrada por Renato Gavazzi que continuou na 1ª Oficina de História
Tuyuka. Instituto Socioambiental. Aldeia Poani , Rio Tiquié 2004.
5. PEREIRA, Maria de Meneses. " Plantas tóxicas: determinação de
cianeto em amostras de farinha de mandioca (Manihot esculenta Cranstz)
produzidas e/ou comercializadas em Manaus, AM. Dissertação de
Mestrado em Química. Universidade Federal do Amazonas. 1997,
orientada pelo dr. João Ferreira Galvão.
21:00- 22:00 – Filme Tempos Modernos Chaplin - Debate
Dia 17 de julho
Manhã - A formação econômica do Brasil. A matriz colonial e sua persistência no tempo:
Monocultura para X , Trabalho Forçado, Grande Propriedade. A formação da agricultura
familiar no mundo e no Brasil. A peculiaridade da região sul como um modelo primárioexportador interno ao mercado nacional
08.00 – 09.30 - O confronto METRÓPOLES x COLONIAS , CENTRO PERIFERIA e os dilemas da
GLOBALIZAÇÃO . O no século XX e seus dilemas: A grande crise de 29 e o New Deal. A Guerra
1939-45. A Pax Americana : Foster Dulles e a Guerra Fria (1948-60) - a Operação Pan-
Americana, proposta pelo Governo Kubitschek em 1958 e da qual resultará,
numa primeira etapa, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e, mais
adiante, a Aliança para o Progresso. ; A Real Politik das Areasde Influência de Henri
Kissiguer (1968-78) ; O Trilateralismo de Z. Brzezinski (1973-79) ; O Consenso e Unilateralismo
de Washington e o Reagonomics (1980-2008) ; Crise , Depressão e Incertezas (2008 -2015)
Furtado , Celso – Teoria e Politica do Desenvolvimento – Ed. Nacional –; Cap 24, Parte 5 – A
polarização desenvolvimento – subdesenvolvimento.
Não basta investir (30/01/2000)
*Roberto de Oliveira Campos
Até o fim da II Guerra pouco se falava em desenvolvimento
econômico. A questão mais quente era como controlar as
flutuações cíclicas da economia, os ciclos de prosperidade e
depressão. Depois da guerra, no entanto, tudo mudou, e
depressa.
Tinha havido uma enorme transformação do ambiente. Depois de 10 anos
de depressão e mais seis da guerra, todos os povos queriam recuperar o
tempo perdido. A palavra-chave era "reconstrução".
Isso queria dizer políticas, programas e projetos que só pareciam
factíveis com recursos e liderança do setor público. Em 1936, Keynes
havia feito a cabeça dos economistas - deixando sem graça, por um
quarto de século, os neoclássicos tradicionalistas - com uma idéia
surpreendentemente simples: a de que, numa conjuntura recessiva, em
que há ociosidade de mão-de-obra e de máquinas e equipamentos, podese aumentar a demanda real simplesmente pela injeção de recursos para
aumentar a demanda monetária. Criando dinheiro, o governo conseguiria
provocar um aumento efetivo da renda e, graças a isso, reduzir o
desemprego da força de trabalho.
No pensamento de Keynes, isso só ocorreria em situações recessivas,
mas a tentação de esquecer esse "detalhe" seria grande demais para os
políticos.
Outra novidade teórica de um brilhante economista soviético dos anos 20,
N. Kovalesky, que passaria despercebida durante muito tempo, foi o uso
da relação capital/produto para projetar o crescimento do país. Essa idéia
manipulada décadas mais tarde por dois economistas ocidentais - R.
Harrod e E. Domar - se transformou num famoso modelo, que se
popularizou
de
modo
fulminante
entre
os
planejadores
desenvolvimentistas.
Depois da guerra, todas as regiões coloniais queriam ficar independentes.
Alguns partiram para a luta armada contra as metrópoles mais renitentes,
como Bélgica, Holanda, França e Portugal. Outros colonizadores,
Inglaterra e Estados Unidos, tiveram mais bom senso. No final de três
décadas, perto de uma centena de novos Estados havia surgido, todos
sequiosos por rápido desenvolvimento.
Receitas simples têm grandes vantagens. E foi o que aconteceu com o
modelo Harrod-Domar. Naquele momento, era razoável supor-se que: 1)
havia grande redundância de mão-de-obra na agricultura; 2) o capital
(máquinas, equipamentos) era o fator mais escasso; e que 3) seus
rendimentos eram lineares, isto é, diretamente proporcionais à
quantidade disponível. Tornou-se irresistível a tentação de um modelo
fácil: com um coeficiente capital/produto de 3, para o país crescer a 7% ao
ano, digamos, bastaria ao governo promover um investimento líquido de
21% do PIB -dele próprio, dos investidores privados e de fontes
estrangeiras.
Inutilmente Domar, algum tempo depois, renegou sua fórmula por
simplista demais. Era exatamente esse simplismo que a popularizava. Os
teóricos sérios sempre souberam que a realidade era muito mais
complexa, incluindo complicadores tais como a distribuição dos recursos
naturais, a posição geográfica, a tecnologia, a cultura, os valores sociais,
as instituições, a segurança e estabilidade das leis, a liberdade de
iniciativa e o direito aos frutos da atividade econômica. Max Weber
chegou mesmo a explicar o êxito histórico do desenvolvimento capitalista
do centro-norte europeu pelos valores individualistas do protestantismo.
O simplismo de Harrod-Domar fez esquecer um princípio econômico
elementar, que o professor W. Easterly formulou da seguinte maneira: "As
pessoas respondem a incentivos".
Em 1960, W.W. Rostow publicou um best-seller, Os Estágios do
Crescimento Econômico, em que classificava cinco estágios econômicos
até se chegar à "decolagem" para o desenvolvimento auto-sustentado.
Este dependeria do aumento da formação de capital. E se tornaria mais
ou menos automático, quando atingida uma relação adequada entre
investimentos e o PIB. No contexto da Guerra Fria, quando os Estados
Unidos pareciam estar perdendo a corrida tecnológica e econômica
contra a falecida União Soviética, surgiram os grandes planos de ajuda
externa para subsidiar o crescimento econômico. Era preciso fazer
alguma coisa para ganhar a guerra, e a fórmula de crescimento
automático pela intensificação de investimentos era uma arma disponível
para os países ricos exportadores de capital.
Solow, cujo modelo foi o sucessor do de Domar, chamou atenção para o
princípio que ficou conhecido como "produtividade total dos fatores". Ou
seja, a produção não é função apenas do capital e do trabalho, mas
também da tecnologia. Disso tirou o resultado surpreendente de que o
crescimento a longo prazo é função apenas das mudanças tecnológicas e
não da taxa de investimento, a qual determina só o nível do produto.
Ultimamente, houve uma inovação teórica importante. A lei dos
rendimentos decrescentes só se aplicaria aos setores convencionais. Nos
setores de alta tecnologia, como a Internet, os rendimentos seriam
crescentes, pois a ampliação indefinida dos usuários reduziria os custos
de transação, aumentando a produtividade global.
Dois exemplos ilustram a importância da qualidade e eficiência do
investimento. Um deles é o da União Soviética, que experimentou
estagnação econômica na década dos 80, apesar de taxas de
investimento da ordem de 30% do PIB. Outro é o do Brasil em seus
investimentos sociais. Nossos gastos sociais são bastante elevados
como proporção do PIB, mas os resultados são pífios, colocando-nos em
posição desonrosa em matéria de índice de desenvolvimento humano.
Na ânsia de descobrirem o milagre do desenvolvimento, os economistas
vêm sempre acrescentando novas variáveis explicativas. No final, talvez
aprendam que não podem prever trajetórias tão exatas como a física
permite em relação aos foguetes. Voltamos sempre aos velhos
fundamentos conhecidos desde Adam Smith: governo pequeno e
honesto, tributação moderada, respeito ao direito de propriedade e
melhoria do agente econômico pela competição e pela educação. Não
basta investir. É preciso investir bem.
*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político
também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção,
resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa,
uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro
do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e
embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939,
quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada
brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da
Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema
monetário internacional do pós-guerra.
Dia 17
09:30- 12:00 - A Financeirização da economia mundial. O endividamento das empresas,
famílias e do Estado. A dívida pública no Brasil.
Leituras

Ajude a espalhar a boa notícia! Nos últimos 10 anos, enquanto o
investimento em políticas sociais cresceu e elevou 40 milhões de
brasileiros de classe social, a dívida do setor público caiu.
Gráfico publicado em texto de João Sicsú, na Carta Capital
http://bit.ly/126j7wc
Os Detentores da Dívida Pública
http://www.advivo.com.br/blog/fluente-fluencio/os-detentores-da-divida-publica
Donos da dívida-Valor- Angela Bittencourt
DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA - A soberania na corda bamba - filme
completo
O assunto dívida pública é censurado pela mídia mercantilista porque esta se
alimenta do abjeto poder financeiro, constituído por abutres insaciáveis que
devoram impiedosamente massas humanas em todo o mundo, gerando
desemprego, fome e miséria. A abordagem desse assunto pelos órgãos de
comunicação é parcial, distorcida e enganosa.
A Comunicação, sem qualquer escrúpulo com o seu fundamental papel para
capacitar a população na tomada de decisões em benefício de todos,
denomina a auditoria como calote, aceita e reforça o conceito de dívida líquida,
subtraindo do valor real, bruto da nossa dívida, as reservas internacionais, que
são aplicações do Brasil no exterior, a juros perto de zero.
Enquanto isso, pagamos juros acima da taxa SELIC, os maiores do mundo. É
como subtrair de uma dívida com juros altíssimos o dinheiro parado dentro de
um colchão.
A dívida total brasileira no ano de 2013 chegou ao valor aproximado de R$ 4
trilhões; o pagamento de juros e amortizações alcançou R$ 718 bilhões, o que
corresponde a aproximadamente R$ 2 bilhões por dia; esse desembolso anual
representa 40% do orçamento da nação.
Este filme contribuirá muito para ajudar na conscientização do povo brasileiro,
única forma de libertar o nosso país dessa submissão ilegal, injusta e odiosa.
Direção, roteiro, câmera e entrevistas: Carlos Pronzato
Direção de Produção: Cristiane Paolinelli
Edição: Henrique Marques
Assistência de Direção/Pesquisa de imagens: Luiza Diniz
Ideia e argumento: Gisele Rodrigues
Assistência de produção/RJ: José Bernardes e Helena Reis
Assistência de produção/DF: Rodrigo Ávila
Assessoria de comunicação: Richardson Pontone
Produção: Instituto Rede Democrática/RJ, Núcleo RJ da Auditoria Cidadã da
Dívida Publica e Sindipetro/RJ
Realização: La Mestiza Audiovisual
https://www.youtube.com/watch?v=aFzke1cCwUg
‘Chesnais alertou para a crise global já nos anos noventa’
José Eduardo Cassiolato - 07/03/2014 - 21:45:13 MONITOR
MERCANTIL
François Chesnais, economista francês com grande articulação com
acadêmicos brasileiros, dedicou esforço significativo para entender a
globalização, para ele, inevitavelmente marcada por um acelerado
processo de financeirização da economia mundial. Essa associação,
sublinha, causa uma instabilidade mundial cada vez maior.
Em comemoração aos seus 80 anos, em janeiro, um grupo de
pesquisadores que convivem ou conviveram com o pensador francês
realizou um seminário que resultou na publicação do livro
Desenvolvimento e Mundialização: O Brasil e o pensamento de François
Chesnais
(E-papers).
“Chesnais sempre alertou para as conseqüências da globalização, mas as
crises de 2007 e 2008 colocaram em voga essas interpretações, mostrando
que seu trabalho tem grande atualidade”, comenta o economista José
Eduardo Cassiolato, da RedeSist, rede de pesquisa interdisciplinar, sediada
no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e um
dos
coordenadores
do
livro.
Qual a idéia central do livro?
Nosso trabalho tenta capturar a percepção de Chesnais sobre as
transnacionais hoje a partir da releitura de trabalhos elaborados por ele nos
anos 1990. Já naquela época Chesnais antecipava tudo o que está
acontecendo e sugeria estratégias ao Estado brasileiro.
No livro há também textos que falam sobre o Brasil, sua tendência à atual
especialização produtiva, além de outros textos. Até porque abordar a ampla
contribuição de Chesnais não pode se resumir a seus trabalhos mais recentes.
O contato com a academia brasileira, particularmente, se aprofundou no
início dos anos 1980 (esteve pela primeira vez no Brasil em 1979), quando ele
ainda fazia parte da velha Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), anterior à queda do Muro de Berlim, que ainda não seguia
o Consenso de Washington.
O que fazia Chesnais na ‘velha’ OCDE?
Coordenava atividades intelectuais de pesquisadores europeus e norteamericanos que levaram à consolidação do que hoje chamamos de
‘perspectiva neoshumpeteriana’ sobre a economia, enfatizando o papel do
progresso técnico nas transformações da economia global, sobretudo com o
desenvolvimento da microeletrônica.
No livro, há um capítulo no qual é detalhada sua importância para o
desenvolvimento de todo um pensamento heterodoxo brasileiro. Quando se
aproximou do Brasil, sua preocupação maior era com o esgotamento de um
período de evolução virtuosa do capitalismo, que começa no pós-Guerra e
termina nos anos 1970, com a diminuição da produtividade das tecnologias
gestadas na II Guerra e espalhadas globalmente nos anos 1950 e 1960.
Nos anos 1970, elas começam a apresentar rendimentos decrescentes, mas
antes tiveram significativo papel de transformação virtuosa, trazendo o
keynesianismo como elemento importante, particularmente em relação à
massiva intervenção do Estado na utilização do gasto público, que encontra
virtuosidade a partir da retro-alimentação, que aumenta a produção, o
consumo e também a receita do Estado.
Naquele período, o gasto público pôde crescer de forma até explosiva em
relação ao PIB, até que nos anos 1970 vem a estagflação, simultânea ao novo
paradigma das tecnologias de base microeletrônica. Naquele momento,
Chesnais tenta entender o esgotamento de um ciclo e os possíveis impactos
das novas tecnologias. Sua ênfase se dirigia particularmente às novas formas
de organização das multinacionais, precursoras do fenômeno da
mundialização desse novo modo de produção.
O fim do padrão-ouro, no início da década de 1970, está ligado ao processo
de financeirização apontado por Chesnais?
Foi nesse processo que países endividados foram submetidos a regras de
ajuste fiscal e abertura financeira que perduram até hoje, em detrimento do
investimento público e de uma inserção soberana nas cadeias globais de valor?
Penso que o conceito de cadeia global de valor não tem muito de global, mas
de uma nova divisão internacional do trabalho na qual o grande capital norteamericano e europeu vai buscar, no primeiro momento, a exploração da mãode-obra barata na fase final do processo produtivo (montagem). Isso ocorreu
no Sudeste Asiático e na China, com exploração do trabalho semelhante à da
escravidão.
Ou seja, cadeia global de produção é um conceito que vem dos anos 1970 e
explode quando a China entra nesse jogo da mundialização da produção,
quando as grandes empresas produtivas transnacionais se subordinam
crescentemente aos bancos, extraindo lucros cada vez maiores para atender
aos interesses de acionistas, buscam cada vez mais obter produtividade e
lucro. Esse movimento da mundialização da produção tem de ser percebido
como subordinado ao mundo das finanças.
Qual o papel da China nesse processo?
A China é um dos poucos países que, ao mesmo tempo em que permitiu esse
movimento, desenvolveu etapas intermediárias da produção, menos intensivas
em mão-de-obra, fazendo com que cada vez mais o país fosse capaz de
virtuosamente passar a produzir com maior valor agregado.
Um exemplo interessante é o vidro que cobre nossos telefones celulares, que
são imunes a serem riscados com chaves e outros metais. Desenvolveram em
seis meses tecnologia para isso, superando concorrentes de países
desenvolvidos. Então não é mais uma participação na fase final da produção,
com baixos salários. Isso está mudando cada vez mais. E os chineses fazem
cópias para testar no mercado interno, com preços diferenciados.
Como ficam a América do Sul e a África nesse jogo global da produção?
Nesse jogo, os africanos e sul-americanos não entraram e não vão entrar. É
jogo já jogado. Particularmente, o Brasil poderá se valer de alguns ativos se
perceber que esse movimento de submissão da produção às finanças em
escala global inexoravelmente acabará em uma crise, muito maior do que as
de 2007 e 2008, pois não poderemos contar com a China desta vez.
Que estratégia o Brasil poderia desenvolver? A partir de que ativos?
Primeiro, constituir um mercado interno de massas significativo. Até aqui
tivemos uma distribuição de renda muito tênue, que convive com a resistência
e a cegueira das elites locais, que se irritam com o pouco conseguido pelas
camadas mais pobres, apontando para um futuro no qual podem proliferar,
tanto o fascismo quanto uma revolução. Um exemplo é a repressão aos jovens
frequentadores de shoppings, que são bons consumidores, gostam de comprar
produtos de marcas.
Outra saída, que não exclui a primeira, é a possibilidade de o Brasil entrar
forte na construção de um paradigma tecnológico e produtivo que virá e
certamente será menos agressivo ao meio ambiente.
O Brasil está nesse caminho?
Não. Em vez de irmos nessa direção, ficamos dando ‘injeção de vitamina em
defunto’. Ou seja, abrimos para multinacionais trazerem lixo do mercado
desenvolvido. Incentivamos a construção de velhas petroquímicas, em vez de
usarmos alternativas biodegradáveis. Há empresas que querem desenvolver
tecnologia, mas não há uma política maior. Não é apenas câmbio e carga
tributária.
O Brasil está longe de ser o país que cobra mais impostos para a produção.
Mas temos uma boa política de inovação, embora com um grave problema: o
resto da política joga contra (juros, política comercial, tratamento dado ao
capital estrangeiro etc.). A política implícita, joga contra, apesar dos
avanços. Inovação, na maior parte dos casos, exige recursos. A inovação que
conta, que gera empregos de qualidade, e, portanto, tem efeito virtuoso na
economia, que amplia a diversidade do setor produtivo, exige coisas que estão
fora de nossa agenda, como incentivo a processos cooperativos dentro das
cadeias.
Banco Mundial apoia controle global da economia, revela
pesquisa
16/3/2014
20:21
Por Redação - do Rio de Janeiro, São Paulo e Nova York, EUA
https://mail.google.com/mail/u/0/?pli=1#inbox/144cfcd594ea26d6
Professor da PUC-SP, o economista Ladislau Dowbor cita pesquisa
realizada em nível global sobre a economia planetária
Depois que a economista Karen Hudes, demitida do Banco Mundial
por ter revelado informações sobre a corrupção na instituição,
explicou com detalhes os mecanismos bancários para dominar as
finanças em nível planetário, fica ainda mais real o artigo de
Ladislau Dowbor, professor titular da Universidade Católica de São
Paulo (USP-SP) e doutor em Ciências Econômicas pela Escola
Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, publicado de
forma discreta, há duas semanas.
Karen Hudes, graduada pela escola de Direito de Yale, trabalhou no
departamento jurídico do Banco Mundial durante 20 anos.
Assessora jurídica superior, cargo que ocupava no Banco, Hudes
teve acesso a informações suficientes para formar uma visão global
de como a elite financeira, resumida em uma centena de famílias,
literalmente domina o mundo. Desse modo, Hudes passa traçar um
quadro da realidade global, distante das ‘teorias da conspiração’
que habitam a internet.
Segundo a especialista, citada pelo no portal Exposing The
Realities, aquela elite usa um núcleo hermético de instituições
financeiras e de gigantes corporações para dominar a economia
nos cinco continentes. Citando um explosivo estudo suíço de 2011,
publicado na revista Plos One a respeito da “rede global de controlo
corporativo”, Hudes enfatizou que um pequeno grupo de entidades,
na sua maioria instituições financeiras e bancos centrais, exerce
uma enorme influência sobre a economia internacional nos
bastidores.
“O que realmente está a acontecer é que os recursos do mundo
estão a ser dominados por esse grupo”, escreveu a especialista
com 20 anos de trabalho no Banco Mundial, e acrescentou que os
“capturadores corruptos do poder” também conseguiram dominar os
meios de comunicação. “Isso é-lhes permitido”, assegurou.
O estudo suíço que mencionou Hudes foi realizado por uma equipe
do Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique. Os
pesquisadores estudaram as relações entre 37 milhões de
empresas e investidores de todo o mundo e descobriram que existe
uma “super-entidade”, composta de 147 megacorporações, todas
muito unidas e capazes de controlar 40% de toda a economia
mundial.
Contudo, as elites globais não controlam apenas essas
megacorporações. Segundo Hudes, também dominam as
organizações não eleitas e que não prestam contas, mas, sim,
controlam as finanças de quase todas as nações do planeta. São o
Banco Mundial, o FMI e os bancos centrais, como a Reserva
Federal Norte Americana, que controla toda a emissão de dinheiro e
a sua circulação internacional.
“Um organização internacional imensamente poderosa da qual a
maioria nem sequer ouviu falar controla secretamente a emissão de
dinheiro do mundo inteiro. É o chamado Banco de Pagamentos
Internacionais (Bank for International Settlements). Trata-se do
banco central dos bancos centrais, localizado na Basileia, Suíça,
mas que possui sucursais em Hong Kong e na Cidade do México.
“É essencialmente um banco central do mundo não eleito, que tem
completa imunidade em matéria de impostos e leis internacionais
(…). Hoje, 58 bancos centrais, em nível mundial, pertencem ao
Banco de Pagamentos Internacionais, e têm, em muito, mais poder
na economia dos Estados Unidos (ou na economia de qualquer
outro país) do que qualquer político. A cada dois meses, os
banqueiros centrais reúnem-se na Basileia para outra ‘Cúpula de
Economia Mundial’. Durante essas reuniões, são tomadas decisões
que atingem todos os homens, mulheres e crianças do planeta, e
nenhum de nós tem voz naquilo que se decide”, afirma Hudes.
“O Banco de Pagamentos Internacionais é uma organização que foi
fundada pela elite mundial, que opera em benefício da mesma, e
cujo fim é ser uma das pedras angulares do próximo sistema
financeiro global unificado”, acrescentou.
Segundo Hudes, a ferramenta principal de escravizar as nações e
governos inteiros é a dívida.
“Querem que sejamos todos escravos da dívida, querem ver todos
os nossos governos escravos da dívida, e querem que todos os
nossos políticos sejam viciados nas gigantes contribuições
financeiras que eles canalizam nas suas campanhas. Como a elite
também é dona de todos os principais meios de informação, esses
meios nunca revelarão o segredo de que há algo fundamentalmente
errado na maneira como funciona o nosso sistema”, afirmou.
Um poder muito maior
Em seu artigo, intitulado O Poder corporativo dos intermediários
financeiros, Ladislau Dowbor cita pesquisa divulgada recentemente
que revelou dados significativos, como o fato de as corporações
formarem uma gigantesca estrutura em rede, em que grande parte
do controle flui para um núcleo pequeno e fortemente articulado de
instituições financeiras, que, por sua vez, exerce um poder muito
maior do que se poderia supor com base em sua riqueza
Leia, adiante, o artigo do professor Dowbor:
Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera
naturalmente grande poder econômico, político e cultural.
Econômico, em razão do imenso fluxo de recursos – em alguns
casos, maior do que o PIB de numerosos países –; político, com a
apropriação de grande parte dos aparelhos de Estado; e cultural,
por meio da mídia de massa, que cria, através de pesadíssimas
campanhas publicitárias, uma cultura de consumo e dinâmicas
comportamentais que interessam a esse poder.
É natural e saudável que tenhamos uma grande preocupação em
não inventar conspirações diabólicas e maquinações maldosas.
Mas ao vermos que no topo dos principais setores econômicos as
atividades se reduziram a poucas empresas extremamente
poderosas começamos a entender que se trata, sim, de poder
político. Agindo no espaço planetário, na ausência de governo
mundial, e diante da fragilidade do sistema multilateral, os
controladores desses setores manejam grande poder sem
contrapeso significativo algum.
Pesquisa do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH,
na sigla em inglês)1, pela primeira vez nessa escala, ilumina essa
realidade com dados concretos. A metodologia é muito clara. Foram
selecionadas 43 mil corporações do banco de dados Orbis 2007 e
estudou-se como se relacionam: peso econômico de cada entidade,
rede de conexões, fluxos financeiros e em quais empresas cada
uma tem participação acionária que permite o controle indireto. O
caráter inovador da pesquisa reside no fato de ter estudado as
principais corporações do planeta e expandido a metodologia de
forma a traçar um mapa de controles do conjunto dessas empresas,
incluindo a escala de poder que às vezes corporações menores
detêm ao controlar um pequeno grupo de empresas, que, por sua
vez, controla uma série de outras empresas, e assim por diante.
Temos então exatamente o que o título da pesquisa apresenta: “a
rede do controle corporativo global”.
Em termos ideológicos, o estudo está acima de qualquer suspeita.
Antes de tudo, é importante mencionar que o ETH de Zurique faz
parte da nata da pesquisa tecnológica, ocupando geralmente o
segundo lugar depois do Massachusetts Institute of Technology
(MIT), nos Estados Unidos. Pesquisadores do ETH já receberam 31
prêmios Nobel, a começar por Albert Einstein. A equipe que
trabalhou no artigo entende tudo de mapeamento de redes e da
arquitetura que delas resulta. E em nenhum momento tira
conclusões políticas apressadas: limita-se a expor de maneira muito
sistemática o mapa do poder e a apontar suas implicações.
Impactos no mercado
O resultado da pesquisa é claro: “A estrutura da rede de controle
das corporações transnacionais impacta a competição de mercado
mundial e a estabilidade financeira. Até agora, apenas pequenas
amostras nacionais foram estudadas e não havia metodologia
apropriada para avaliar globalmente o controle. Apresentamos a
primeira pesquisa da arquitetura da rede internacional de
propriedade, junto com a computação do controle de cada ator
global. Descobrimos que as corporações transnacionais formam
uma gigantesca estrutura em forma de gravata borboleta (bow-tie) e
que uma grande parte do controle flui para um núcleo (core)
pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras. Esse
núcleo pode ser visto como uma ‘superentidade’ (super-entity), o
que levanta questões importantes tanto para pesquisadores como
para os que traçam políticas”.
O controle é definido como participação dos atores econômicos nas
ações, correspondendo “às oportunidades de ver seus interesses
predominarem na estratégia de negócios da empresa”. Quando se
desenha o conjunto da teia de participações, chega-se à noção de
controle em rede, que, por sua vez, define o montante total de valor
econômico sobre o qual um agente tem influência.
O modelo analisa o rendimento operacional e o valor econômico
das corporações e detalha as tomadas mútuas de participação em
ações (mutual cross-shareholdings), identificando as unidades mais
fortemente conectadas dentro da rede. “Esse tipo de estrutura, até
hoje observado apenas em pequenas amostras, tem explicações
como: estratégias de proteção contra tomadas de controle (antitakeover strategies), redução de custos de transação,
compartilhamento de riscos, aumento de confiança e de grupos de
interesse. Qualquer que seja sua origem, no entanto, fragiliza a
competição de mercado… Como resultado, cerca de três quartos da
propriedade das firmas no núcleo ficam nas mãos de firmas do
próprio núcleo. Em outras palavras, trata-se de um grupo
fortemente
estruturado
(tightly-nit)
de
corporações
que
cumulativamente detêm a maior parte das participações umas nas
outras”.
Esse mapeamento leva por sua vez à análise da concentração do
controle. À primeira vista, sendo firmas abertas com ações no
mercado, imagina-se um grau relativamente distribuído também do
poder de controle. O estudo buscou saber “o quão concentrado é
esse controle e quem são os que detêm maior controle no topo”.
Isso é uma inovação se comparado aos numerosos estudos
anteriores que mediram a concentração de riqueza e renda.
Segundo os autores, não há estimativas quantitativas anteriores
sobre o controle. O cálculo consistiu em identificar a fração de
atores no topo que detém mais de 80% do controle de toda a rede.
Os resultados são fortes: “Apenas 737 dos principais atores (topholders) acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as
empresas transnacionais (ETN). Isso significa que o controle em
rede (network control) é distribuído de maneira muito mais desigual
do que a riqueza. Em particular, os atores no topo detêm um
controle dez vezes maior do que o que poderia se esperar com
base em sua riqueza”.
Controle quase total
Combinando o poder de controle dos atores no topo (top ranked
actors) com suas interconexões, “concluímos que, apesar de sua
pequena dimensão, o núcleo detém coletivamente uma ampla
fração do controle total da rede. No detalhe, quase dois quintos do
controle sobre o valor econômico das ETNs do mundo, por meio de
uma teia complicada de relações de propriedade, estão nas mãos
de um grupo de 147 ETNs do núcleo, que detém quase pleno
controle sobre si mesmo. Os atores do topo dentro do núcleo
podem, assim, ser considerados uma “superentidade” na rede
global das corporações. Um fato adicional relevante nesse ponto é
que três quartos do núcleo são intermediários financeiros”.
Os números em si são muito impressionantes e estão causando
impacto no mundo científico – e inevitavelmente vão repercutir no
mundo político. Os dados não só confirmam como agravam as
afirmações dos movimentos de protesto que se referem ao 1% que
se apropria dos recursos dos outros 99%. Andy Haldane, diretor
executivo de estabilidade financeira do Bank of England, em
Londres, comenta que o estudo do ETH “nos deu uma visão
instigante do melhor dos mundos para as finanças. Uma análise
como a da ‘rede que conduz o mundo’ é bem-vinda porque
representa um salto para frente. Os ingredientes-chave para o
sucesso em outras áreas têm sido uma linguagem comum e o
acesso compartilhado de dados. No presente momento, as finanças
não dispõem de nenhum dos dois”. Haldane comenta também a
enorme escala do problema: “O crescimento em certos mercados e
instrumentos financeiros tem ultrapassado de longe a lei de Moore,
que previu que o poder dos computadores dobraria a cada oito
meses. O estoque de contratos financeiros emitidos (outstanding
financial contracts) atinge agora cerca de 14 vezes o PIB anual
global”.2
Algumas implicações são bastante evidentes. Assim, ainda que na
avaliação de alguns analistas citados pela revista New
Scientistas empresas se compram umas às outras por razões
financeiras e não para dominar o mundo, não ver a conexão entre a
concentração de poder econômico e o poder político constitui
evidente falta de realismo. Quando numerosos países, a partir dos
anos Reagan e Thatcher, reduziram os impostos sobre os ricos,
lançando as bases do agravamento recente da desigualdade
planetária, não havia dúvidas quanto ao poder político por trás das
iniciativas. A lei recentemente aprovada nos Estados Unidos
liberando o financiamento de campanhas eleitorais por corporações
tem implicações igualmente evidentes. O desmantelamento da
legislação que obrigava as instituições financeiras a fornecer
informações e regulava suas atividades passa a ter origens claras.
A substituição dos impostos sobre os ricos e em particular sobre
ganhos financeiros especulativos pelo endividamento público como
fonte de recursos governamentais tornou-se o eixo da relação
público/privado e está na raiz da crise financeira mundial.
Fragilidade sistêmica
Outra conclusão importante diz respeito à fragilidade sistêmica que
geramos na economia mundial. Quando há milhões de empresas,
há concorrência real – ninguém consegue “fazer” o mercado, ditar
os preços e muito menos o uso dos recursos públicos. Esses
desequilíbrios se ajustam com inúmeras alterações pontuais,
assegurando certa resiliência sistêmica. Com a escalada atual do
poder corporativo, as oscilações adquirem outra dimensão. Por
exemplo, com os derivativos em crise, boa parte dos capitais
especulativos se reorientou para as commodities, levando a fortes
aumentos de preços, frequentemente atribuídos de maneira
simplista ao aumento da demanda da China por matérias-primas. A
volatilidade dos preços do petróleo e dos grãos, em particular, está
diretamente conectada a essas estruturas de poder.
Os autores mostram também as implicações para o controle dos
trustes, já que essas políticas operam apenas no plano nacional:
“Instituições antitruste ao redor do mundo acompanham de perto
estruturas complexas de propriedade dentro de suas fronteiras
nacionais. O fato de séries de dados internacionais e métodos de
estudo de redes amplas terem se tornado acessíveis apenas
recentemente pode explicar como essa descoberta não foi notada
durante tanto tempo”. Em termos claros, as corporações atuam no
mundo, enquanto as instâncias reguladoras estão fragmentadas em
194 países, sem contar a colaboração dos paraísos fiscais. Gera-se
um imenso espaço desgovernado.
Ponto-chave: os autores chamam a atenção para o efeito do poder
do sistema financeiro sobre as outras áreas corporativas. “De
acordo com alguns argumentos teóricos, geralmente as instituições
financeiras não investem em participações acionárias para exercer
controle. No entanto, há também evidência empírica do oposto.
Nossos resultados mostram que, globalmente, os atores do topo
estão no mínimo em posição de exercer considerável controle, seja
formalmente (por exemplo, votando em reuniões de acionistas ou
de conselhos de administração) ou por meio de negociações
informais.” É o poder dos intermediários, não dos produtores.
Finalmente, os autores abordam a questão óbvia do clube dos
super-ricos: trata-se de “tipos de redes em que mecanismos como
‘ricos ficam mais ricos’ (rich-get-richer) funcionam. O fato de o
núcleo estar tão densamente conectado poderia ser visto como uma
generalização do fenômeno do clube dos ricos (rich-club
phenomenon)”. A presença esmagadora dos grupos europeus e
norte-americanos nesse universo reforça também, sem dúvida, as
articulações no espírito do “Ocidente desenvolvido”, além de
acentuar os desequilíbrios.
Especulação vs. produção
O gigantismo é um problema. Trata-se de grupos que controlam
recursos em volume muito maior do que sua capacidade de gestão
e aplicação racional. Um efeito mais amplo é a tendência de
dominação geral dos sistemas especulativos sobre os sistemas
produtivos. As empresas efetivamente produtoras de bens e
serviços úteis à sociedade teriam todo interesse em contribuir para
um sistema mais inteligente de alocação de recursos financeiros,
pois são em boa parte vítimas do processo. Nesse sentido, a
pesquisa do ETH aponta para uma deformação estrutural do
sistema, que em algum momento terá de ser enfrentada.3
E quanto ao que tanto preocupa as pessoas: a conspiração? A
grande realidade que sobressai da pesquisa é que nenhuma
conspiração é necessária. Em razão do fato de existir uma
articulação em rede e um número tão diminuto de pessoas no topo,
não há nada que não se resolva no campo de golfe no fim de
semana. Essa rede de contatos pessoais é de enorme relevância.
Mas, sobretudo, sempre que os interesses convergem não é
necessária nenhuma conspiração para que sejam defendidos
solidariamente, como na batalha já mencionada para reduzir os
impostos que pagam os muito ricos, para evitar a taxação sobre
transações financeiras ou ainda para evitar o controle dos paraísos
fiscais. O resultado é essa dupla dinâmica de intervenção
organizada para a proteção dos interesses sistêmicos, resultando
em corporativismo poderoso e no caos competitivo que trava
qualquer organização sistêmica racional. Demasiado fechado e
articulado para ser regulado por mecanismos de mercado, poderoso
demais para ser regulado por governos eleitos, incapaz de
administrar os gigantescos volumes de recursos que controla, o
sistema financeiro mundial gira solto, jogando com valores que
representam cerca de 14 vezes o PIB mundial.
O caos financeiro planetário, em última instância, tem uma origem
bastante clara, de poucos atores. No pânico mundial gerado pela
crise, debatem-se as políticas de austeridade, as dívidas públicas, a
irresponsabilidade dos governos, deixando na sombra os atores
principais: as instituições de intermediação financeira. No início do
pânico da crise financeira, em 2008, a publicação Finance &
Development, do FMI, estampou na capa, em letras garrafais, a
pergunta “Who’s in charge?” (Quem está no comando?), insinuando
que ninguém está coordenando nada. Para o bem ou para o mal, a
pergunta está respondida.
Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola
Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e
professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e
Democracia economômica – um passeio pelas teorias
(contato http://dowbor.org).
1 S. Vitali, J. B. Glattfelder e S. Battiston, “The Network of Global
Corporate Control” [A rede do controle corporativo global], ETH
Zurique.
Disponível
em:
<www.plosone.org/article/related/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjourn
al.pone.0025995;jsessionid=31396C5427EB79733EE5C27DAFBFC
D97.ambra02>.
2 Andy Haldane, “The Money Forecast” [A previsão do dinheiro],
New Scientist, 10 dez. 2012. O fato de esse “mercado de papel” que
gira no sistema caóticoe sem regulação atingir esse volume é
simplesmente assustador.
3 Krugman e Wells resumem bem a questão central: o desvio de
recursos necessários ao fomento da economia para atividades
especulativas. No caso dos Estados Unidos, “a produtividade do
país diminuiu após deixar o capital à mercê da falácia financeira,
dos pacotes de compensação absurdos e das cotações das Bolsas
infectadas pela bolha”. Paul Krugman e Robin Wells, “Por qué las
caídas son cada vez mayores” [Por que as quedas são cada vez
maiores], Nueva Sociedad, n.236, nov.-dez. 2011
The Untold History Of The United States Ep10 por ashshared
PS do Viomundo: Não é por acaso que a mídia corporativa está se
tornando acima de tudo uma máquina de propaganda a serviço do
1% e que, em breve, haverá todo tipo de controle sobre a internet e
as redes sociais.
PS2 do Viomundo: Oliver Stone, em Untold History of the United
States, vai na mesma linha do articulista, citando uma frase
histórica de George Kennan. O diplomata notou que os Estados
Unidos, com uma pequena fatia da população, controlava a maior
parte dos recursos do mundo. Para sustentar este desequilíbrio,
argumentou, a política externa de Washington deveria deixar de
idealismo e se basear na implantação de um sistema econômico
“adequado” aos Estados Unidos em todo o planeta.
Enquanto deixamos que a nossa vida seja vendida como uma mercadoria
qualquer, preferimos preencher o vazio com lobisomens, caveiras, antigos
rituais ou beber da Fonte da Santa Ignorância, a televisão.
Aqui há uma conspiração, mas nada de alienígenas ou vampiros. É uma das
conspirações nos moldes das leis. As mais aborrecidas e as únicas que
resultam.
Derivativos
O resultado dos derivativos, que são produtos financeiros inteiramente
compreensíveis para pouco mais de 200 pessoas em todo o mundo, é a crise
financeira de 2007-2012. Foi uma brincadeirinha começada no escritório da
AIG (nota: American International Group, o maior grupo de seguros do
mundo) de Joseph Cassano em Londres, para iniciar um colapso global.
Não que tudo tenha sido culpa da AIG, porque antes já tinha nascido a bolha
dos Derivativos dos subprime nos Estados Unidos, a bolha imobiliária, os
criminosos Mers, os Servicers e os derivativos tipo Frankestein (uma criação de
Wall Street) que em breve acabaram por infectar todo o mercado financeiro e
os bancos. A partir dai foi (e ainda é) possível começar o mantra do “controle
orçamental”, da “austeridade”, o pesadelo da “Dívida Pública”.
De fato: esvaziar os Estados para torná-los impotentes.
Breve parênteses.
Tenho uma certa admiração acerca de quem inventou o esquema: foi possível
criar algo com o qual apresentar ao povo ignorante dados que “demonstram”
como um excesso de despesa foi mortal para as finanças dos vários Países.
Temos de reconhecer que foi e ainda é uma obra prima: é preciso saber pegar
a arma que fica nas mãos dos cidadãos e transformá-las numa arma contra
eles. Cérebros finos, disso não há dúvidas. Com a força dos meios de
comunicação de massa.
E o resultado é que as pessoas, nas ruas, hoje falam da dívida pública como
do pecado mortal. Doutro lado, uma eventual tomada de consciência na
internet é mantida sob controle com notícias estúpidas, sem sentido, até
ridículas.
A Genialidade
Os derivativos são armas de destruição de massa, e “massa” é a palavra certa
uma vez que estes ativos-Frankenstein percorrem o planeta sem nenhum
controle ou regulação para um valor total que assusta qualquer calculadora.
Em 1994 o alarme tocou, com a Merrill Lynch que fez desaparecer 1,5 bilhões
de ativos em Orange County (EUA), mas ninguém ligou e os ativos
continuaram a percorrer alegremente o planeta todo, até ocupar qualquer
instituição bancária. Ainda hoje, os contratos OTC (Over the Counter, sempre
produtos derivativos) são livremente usados para destruir, como bem sabe o
criminoso John Paulson (nota: Paulson soube precocemente da quebra do
Lehman Brothers, sendo um dos únicos cinco investidores que ganharam
dinheiro com o desastre financeiro decorrente. Os outros foram: Philip
Falcone,da Harbinger Capital Partners; Ken Griffin, da Citadel Investment
Group; James Simons, da Renassaince Technologies e George Soros)
Usando os derivativos, um punhado de especuladores pode tranquilamente
afundar um Estado soberano, até mesmo do G8, empurrá-lo até à beira da
falência com consequências horríveis que têm o nome de desemprego,
subemprego, suicídios, pobreza; pode obrigá-lo a vender o patrimônio dos
cidadãos, cortar salários, reformas e serviços, destruir o que ainda sobrar da
democracia (nota: como está acontecendo em vários países europeus)
Não é difícil e tudo isso em troca de lucros incalculáveis dos especuladores,
mas também do fascismo financeiro da União Européia, aquele mesmo
fascismo que impôs os tratados mortais da UE, os mesmos para os quais
nenhum cidadão da União alguma vez votou.
Estamos a falar duma arma de trilhões de dólares, 8 vezes o Produto Interno
Bruto do Mundo, não sei se é claro.
Dominação
financeira
e
suas
contradições
Por Marcio Pochmann - 22/07/2014
Nota do autor: A presente reflexão foi estimulada pelo artigo do
governador Tarso Genro sobre a Internacional do Capital
Financeiropublicado
pela Carta
Maior.
Desde o seu princípio organizador, o modo de produção capitalista
caracterizou-se por se expandir sistemicamente, incorporando e
articulando crescentes espaços territoriais até se tornar global. Tudo
isso a partir da existência de um centro dinâmico integrador de um
todo periférico.
Ainda que combinada pela lógica sistêmica, a dinâmica capitalista
se manteve desigual, seguida por crises de curta e longa durações.
Mesmo que o centro dinâmico tenha se alterado poucas vezes ao
longo do tempo, a condição de periferia seguiu se produzindo e
reproduzindo intensamente.
Para assumir a posição de centro dinâmico, três dimensões se
fariam fundamentais. A primeira identificada pela capacidade de
deter moeda de curso internacional com suas funções de troca,
reserva de valor e unidade de conta permanente ativas.
A segunda dimensão está associada ao poder das forças armadas
para levar adiante – sempre que necessário – o que a diplomacia
não se apresenta como suficiente. A terceira dimensão refere-se à
capacidade de produzir e difundir tecnologia enquanto elemento
dinâmico e acesso da competição intercapitalista.
Pela Revolução Industrial e Tecnológica do século 18, na Inglaterra,
o capitalismo alçou a condição de trânsito da antiga sociedade
agrária para a moderna sociedade urbana e industrial. O processo
de mecanização na época gerou ganhos de produtividade
crescentes com a incorporação tecnológica e a consequente
ampliação na divisão do trabalho, garantindo à armada inglesa o
poder do exercício da força pela condição de centro dinâmico
mundial.
Mas até o início do século 20, o capitalismo se expandia demarcado
pela forma fundamental dos impérios (britânico, austro-húngaro,
otomano, português, espanhol, entre outros) em relação às
colônias. Neste meio, os avanços econômicos possibilitados pela
industrialização retardatária (Alemanha, EUA, França, Rússia,
Japão e Itália), seguida da Segunda Revolução Tecnológica no
último quartel do século 19, colocou em xeque o centro dinâmico
mundial, posto que a Inglaterra convivia com o esvaziamento
produtivo frente ao poder financeiro crescente da City.
Ademais, as duas grandes guerras mundiais (1914-18 e 1939-45),
intermediadas pela Grande Depressão de 1929, tornou real e
efetiva a disputa entre nações emergentes como Alemanha e
Estados Unidos pela sucessão da liderança inglesa.
A partir do fim da década de 1940, o novo centro do mundo se
estabeleceu sob a liderança inconteste dos Estados Unidos, cujo
american way of life se generalizou mais rapidamente pelo consumo
de bens e serviços do que a descentralização da produção de
manufatura pelo mundo.
Em plena Guerra Fria (1947-1991), mais de 150 países se
constituíram frente ao desmoronamento dos antigos impérios e de
suas colônias. Ao mesmo tempo, a maior parte da periferia
alcançou a soberania nacional, reposicionando o papel do Estado
em defesas de políticas nacional-desenvolvimentistas. Isso porque,
o centro dinâmico mundial exercido pelos EUA acobertou a
conformação dos Estados nacionais regidos por normas
monitoradas pelas Nações Unidas e organismos multilaterais (Otan,
BM, FMI, acordos de livre comércio, entre outros), diferenciando-se
do padrão anterior da hegemonia inglesa.
Por acordo entre as nações, conforme realizado em Bretton Woods,
em 1944, o dólar estadunidense se transformou em moeda de curso
internacional, mantendo-se conversível ao ouro e com valor fixo por
27 anos (1944 e 1971). A valorização do dólar ocorrida no período
era compatível com a posição de maior exportador e responsável
por 2/3 das reservas de ouro do mundo no imediato segundo pósguerra.
A condição de centro dinâmico assentou-se no tripé interno de
forças a exercer a vontade da maioria política. De um lado, o poder
armado sob a liderança de grandes generais vitoriosos da Segunda
Grande Guerra Mundial (Douglas MacArthur, George Marshall Jr,
Dwight Eisenhower, entre outros) e, de outro, as forças produtivas
representadas pelos grandes conglomerados industriais (famílias
Gould, Rochefeller, Ford, Carnegie, entre outros). Por fim, a
expressão da sociedade civil organizada em grande medida pela
força dos sindicatos e dos movimentos de direitos humanos
assumiu importância em determinados momentos do segundo pósguerra.
A partir da década de 1970, contudo, as condições de exercício da
hegemonia estadunidense fragilizaram-se substancialmente. Três
acontecimentos significativos ameaçaram as dimensões do centro
dinâmico do mundo.
O primeiro deles ocorreu em 1971, com a desvalorização do dólar
em relação ao ouro, e teve o grande final em 1973, com o fim da
conversibilidade da moeda estadunidense ao ouro. Com a decisão
do presidente Richard Nixon, o dólar assumiu a condição de uma
moeda como qualquer outra, sem mais equivaler ao ouro, o que
resultava em descrédito à dimensão monetária fundamental de
valorização do capital em qualquer país capitalista.
O segundo acontecimento se deu em 1975, com a derrota das
forças armadas estadunidenses na Guerra do Vietnã (1965-75). A
decisão do presidente Gerald Ford reafirmou o descrédito no poder
militar dos EUA em termos internacionais, bem como internamente
frente à vitória nas eleições pelo Partido Democrata e nas
repercussões políticas geradas pelas massivas manifestações
populares contra a guerra.
Por fim, o terceiro acontecimento se deu em 1979, com a
Revolução Iraniana e a entrada da Rússia no Afeganistão. A
ameaça ao domínio dos Estados Unidos no Oriente Médio pelo
avanço das forças pró-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
poderia abrir um novo flanco de insegurança energética,
fundamentalmente representada pelo petróleo, rico na região.
A decadência relativa dos Estados Unidos era evidente tanto no seu
setor produtivo, que assumia a condição inédita de importador
líquido de mercadorias na década de 1970, como na incapacidade
da política macroeconômica superar a fase de estagflação da
época. Ao mesmo tempo em que crescia o risco da insegurança
energética num país importador de petróleo, o poder das forças
armadas se mostrava fraco.
Diante disso, países como a Alemanha e Japão eram vistos como
possíveis sucessores dos Estados Unidos, mais preparados para
exercerem a condição de centro hegemônico do mundo. Somente
uma guinada na conformação de uma nova maioria política poderia
restabelecer a retomada do poder estadunidense.
As eleições de 1979 terminaram por restabelecer um novo pacto de
poder, consagrado pela adoção das políticas neoliberais. A começar
pela recomposição da linha estratégica nas forças militares, com a
ascensão da liderança dos “falcões” assentados na estratégia da
guerra cibernética.
Para isso, o redirecionamento de parte do orçamento se mostrou
fundamental, associando a realocação dos recursos públicos à
pesquisa e desenvolvimento das novas tecnologias de informação e
comunicação (TICs). A terceira Revolução Industrial e Tecnológica
teve impulso para além da eletrônica, com o salto das empresas
pontocom no Vale do Silício estadunidense.
O programa militar identificado como Guerra nas Estrelas (Defesa
Estratégica no Espaço) foi lançado pelo presidente Ronald Reagan
em 1983 com o objetivo de reestabelecer a superpotência militar
estadunidense. Ao mesmo tempo interligou o gasto militar com a
pesquisa, originando, inclusive, a internet para uso civil ao final da
década de 1980.
A segunda inovação no pacto de poder estadunidense ocorreu com
articulação mais fina entre o Departamento de Estado e as
petroleiras, especialmente nas ações no Oriente Médio. Como se
sabe, a Revolução Iraniana, em 1979, desencadeou o segundo
choque de petróleo, quando o barril chegou a US$ 80.
Somente sete anos depois, em 1986, o preço do barril voltou à
normalidade, contando com importante articulação entre a
diplomacia dos EUA e as forças armadas no Oriente Médio,
simultaneamente às ações das grandes empresas petroleiras,
visando garantir a segurança energética do maior importador de
petróleo do mundo.
A terceira inovação foi a substituição do poder dos industriais
estadunidenses pelo dos banqueiros, uma vez que, com a política
realista de Paul Volcker no Banco Central dos EUA (Federal
Reserve), a partir de 1978, a taxa de juros voltou a ser mais elevada
que a inflação. Desde a Grande Depressão de 1929, quando os
banqueiros foram tidos como dos principais responsáveis pela
especulação financeira vigente à época, que a taxa de juros se
mantinha, em geral, abaixo da inflação, objetivando estimular os
investimentos produtivos na economia.
A política do dólar forte na década de 1980 contribuiu para que a
política neoliberal da desregulação financeira e bancária ganhasse
difusão não apenas nos Estados Unidos. Por consequência, a
elevação da taxa de juros nos EUA atraía a centralidade das
aplicações financeiras naquele país, salvo elevação simultânea dos
juros nos demais países, o que terminou esvaziando a autonomia
da política monetária para o conjunto das economias.
A globalização financeira ganhou escala e passou a liderar em
novas bases a ordem capitalista mundial. Os banqueiros do mundo
todo se uniram, conformando grau de poder jamais visto, capaz de
submeter empresas e países à lógica financeira, inclusive parcela
da política, que tem crescente presença de parlamentares e
governos operando como verdadeiros funcionários do capital
fictício.
Com a reconfiguração da nova maioria política nos EUA, os
resultados da dominação militar e financeira se apresentaram
evidentes frente ao enquadramento do Japão e da Alemanha à
situação de países submissos. Houve ainda o fim da Guerra Fria. A
partir dos anos de 1989, com a queda do Muro de Berlim e, de
1991, com a derrocada da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, o império estadunidense se constituiu enquanto tal,
favorecendo o exercício unipolar da dinâmica econômica mundial e
retirando poder dos Estados nacionais na efetividade de suas
políticas, seja monetária, seja nas TIC’s, seja na área militar, entre
outras.
Contraditoriamente, o êxito alcançado terminou também sendo
portador da corrosão das bases produtivas do capitalismo
estadunidense. Guardada a devida proporção, os EUA passaram a
seguir trajetória similar à experimentada pela economia inglesa no
final do século 19, quando a contaminação pelo vírus do
improdutivismo, gerado pelo processo da financeirização da
riqueza, levou à decadência do império britânico.
Paralelamente, parte da Ásia confirmou, por intermédio de várias
experiências nacionais, a constituição atual de uma nova fronteira
de expansão do capitalismo global. Justamente a China e a Índia,
que foram, em especial, os dois grandes territórios do planeta
perdedores diante do avanço da hegemonia inglesa e
estadunidense na primeira e segunda Revolução Industrial e
Tecnológica, voltaram a se tornar emergentes diante da
implantação de experiências associadas ao planejamento central e
ao vigor do Estado.
Resumidamente, as reformas neoliberais realizadas desde a
década de 1980 terminaram por esvaziar parte da estrutura
produtiva dos países desenvolvidos – outrora referência da
expansão capitalista global. Na sequência do deslocamento da
produção industrial ocidental para a Ásia vislumbrou-se a
continuidade da desenvoltura de mais uma revolução tecnológica
motivadora de novas centralidades no planeta, tais como as cadeias
globais de valor geridas por grandes corporações transnacionais.
A manifestação da grave crise global a partir de 2008 tornou mais
clara o conjunto de sinais da decadência relativa dos Estados
Unidos. A ineficácia das políticas neoliberais e o poder concentrado
e centralizado das grandes corporações transnacionais
apoderaram-se do Estado em grande parte dos países
desenvolvidos e foram responsáveis pela adoção de políticas
caracterizadas como socialismo dos ricos. Enquanto os
trabalhadores pagam com o esvaziamento de seus rendimentos, a
perda de empregos e a precarização das ocupações, os grandes
grupos econômicos se ajustam com somas crescentes junto ao
orçamento público, incapaz de recuperar a dinâmica produtiva,
salvo a da indústria da financeirização da riqueza.
Simultaneamente,
percebe-se
o
reaparecimento
da
multicentralidade geográfica mundial com um novo deslocamento
do centro dinâmico da América (EUA) para a Ásia (China). Também
países de grande dimensão geográfica e populacional voltaram a
assumir maior responsabilidade no desenvolvimento mundial, como
no caso da China, Brasil, Índia, Rússia e África do Sul, que já
respondem atualmente pela metade da expansão econômica do
planeta. São cada vez mais reconhecidos por países-baleia, que
procuram exercer efeitos sistêmicos no entorno de suas regiões,
fazendo avançar a integração suprarregional, como no caso do
Mercosul e Asean, que se expandem com maior autonomia no
âmbito
das
relações
Sul-Sul.
Não sem motivos demandam reformulações na ordem econômica
global (reestruturação do padrão monetário, exercício do comércio
justo, novas alternativas tecnológicas, democratização do poder e
sustentabilidade ambiental).
Uma nova divisão internacional do trabalho se vislumbra associada
ao desenvolvimento das forças produtivas assentadas na
agropecuária, mineração, indústria e construção civil nas
economias-baleia. Também ganham importância as políticas de
avanço do trabalho imaterial conectado com a forte expansão do
setor de serviços. Essa inédita fase do desenvolvimento mundial
tende a depender diretamente do vigor dos novos países que
emergiram cada vez mais distantes dos pilares anteriormente
hegemônicos do pensamento único (equilíbrio de poder nos
Estados Unidos, sistema financeiro internacional intermediado pelo
dólar e assentado nos derivativos, Estado mínimo e mercados
desregulados), atualmente desacreditados.
Nestes termos, percebe-se que a reorganização mundial desde a
crise global em 2008 vem se apoiando numa nova estrutura de
funcionamento que exige coordenação e liderança mais ampliada.
Os países-baleia podem contribuir muito para isso, tendo em vista
que o tripé da nova expansão econômica global consiste na
alteração da partilha do mundo derivada do policentrismo associado
à plena revolução da base técnico-científica da produção e do
padrão de consumo sustentável ambientalmente.
A conexão dessa totalidade nas transformações mundiais requer o
resgate da cooperação e integração supranacional em novas bases.
A começar pela superação da antiga divisão do trabalho entre
países assentada na reprodução do passado (menor custo de bens
e serviços associado ao reduzido conteúdo tecnológico e valor
agregado dependente do uso de trabalho precário e da execução
em longas
jornadas sub-remuneradas). Com isso, o
desenvolvimento poderia ser efetivamente global,
combinar a riqueza de alguns com a pobreza de outros.
evitando
As decisões políticas de hoje tomadas pelos países de grandes
dimensões
territoriais
e
populacionais
podem
asfaltar,
inexoravelmente, o caminho do amanhã voltado à constituição de
um novo padrão civilizatório global. Quem sabe faz acontecer, como
se pode observar pelas iniciativas brasileiras recentes.
Todavia, elas ainda precisam ser crescentemente aprimoradas,
avançando do enfrentamento dos problemas de ordem emergencial,
como valorização cambial e elevada taxa de juros, que
comprometem a competitividade, para as ações estratégicas que
atuam sobre a nova divisão internacional do trabalho.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e
pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do
Trabalho da Universidade Estadual de Campinas e presidente da
Fundação Perseu Abramo.
Artigo publicado originalmente no portal da Carta Maior em
11/6/2014
O mundo refém do poder financeiro
por Frédéric Lordon
http://pt.mondediplo.com/spip.php?article107
«A tempestade que está a atravessar os mercados financeiros vai
pesar no crescimento mundial», considera John Lipsky, directorgeral adjunto do Fundo Monetário Internacional (FMI). Mais
desejosos de tranquilizar a opinião pública (e os investidores) do
que Lipsky, os governos dos Estados Unidos, da Europa e do Japão
pensam que as flutuações bolsistas serão apenas um simples
acidente de percurso num céu limpo. A agitação foi desencadeada
pela falência nos Estados Unidos de um mercado imobiliário
transbordante de créditos imprudentemente distribuídos. Com
efeito, apenas no segmento dos empréstimos de maior risco
(subprime), os empréstimos hipotecários em circulação devem
ascender a 1,3 biliões de dólares. Entre um e três milhões de
americanos poderão ser obrigados a vender a sua habitação.
Propagando o perigo a toda a economia mundial, a inovação
financeira sem qualquer controlo foi favorecendo progressivamente
a bolha imobiliária, a crise da habitação e a especulação. Uma nova
expansão do crédito talvez contivesse (ou adiasse) alguns dos
danos causados, mas encorajaria os «matemáticos loucos de Wall
Street» a uma recidiva. Significa então que a próxima crise já está
anunciada?
Há dois séculos, Hegel deplorava a crónica incapacidade dos
Estados para tirarem lições das experiências da história. Mas os
governos não são as únicas forças incapazes de aprender. O
capital – muito especialmente o financeiro – parece também
condenado a insistir no erro, na aberração recorrente e no eterno
retorno da crise financeira. A crise actual dos mercados de crédito,
embora relativa a «objectos» novos, revela mais uma vez os
ingredientes quimicamente puros do desastre, dando a quem quiser
aproveitar a oportunidade mais uma ocasião para meditar nos
«benefícios » da liberalização dos mercados de capitais.
Realmente, é preciso estar-se muito agarrado à fé para continuar a
louvar, contra todos os factos, as virtudes de uma financeirização
que espalha a prosperidade geral, contribui para a estabilidade
económica e para o progresso do género humano. Mas a crença
financeira não desarma facilmente, e, ela que se gaba de ser a
consubstanciação do princípio de realidade, ela que submete as
empresas à exclusiva «validação pelos factos», continua a ser, com
os seus critérios de reporting (prestação trimestral de contas) e de
track record («historial» dos desempenhos), nesciamente ignorante
daquilo que a história recente – a sua própria história – lhe expõe,
ainda por cima de forma intolerável. Mas compreende- -se: o track
record da liberalização financeira não é lá muito famoso… Convém
lembrar, mesmo assim, que desde que esta começou a fazer
estragos dificilmente se passaram mais de três anos sem um
acidente de vulto, quase todos destinados a entrar nos livros de
história económica: 1987, memorável bancarrota dos mercados de
acções; 1990, bancarrota das junk bonds (obrigações de alto risco)
e crise das Savings and Loans (caixas económicas norteamericanas); 1994, bancarrota obrigacionista estadunidense; 1997,
primeira parte da crise financeira internacional (Tailândia, Coreia,
Hong Kong); 1998, segunda parte (Rússia, Brasil); 2001-2003,
explosão da bolha Internet…
E eis-nos em 2007. Interpretação dos devotos: «A globalização é
um êxito, mas com tropeços» [1]… No Le Monde, Pierre-Antoine
Delhommais deleita-se com a resiliência do animal ante tantos
alvoroços de monta, a respeito dos quais vinha sempre à baila a
questão de saber se o não iriam aniquilar – e ele não só se erguia
como voltava a pôr-se em movimento com redobrado vigor. É certo
que não podemos deixar de sentir o mesmo espanto. Com uma
ressalva: o jornalista esqueceu quanto custou aos assalariados, de
cada uma dessas vezes, pagar as dívidas da ebriedade financeira.
Porque, invariavelmente, a derrocada financeira dos mercados
atinge os bancos, e portanto o crédito, e a seguir o investimento, o
crescimento… e o emprego.
Por isso, Delhommais precisou sem dúvida de observar a retoma do
seu jornal por um fundo de investimento algo brutal, passando pela
experiência concreta do «downsizing» («reestruturação»), para se
ver mais incitado a contabilizar a acumulação de pontos de
crescimento perdidos e de empregos destruídos pelas práticas da
finança e (mais ainda) pelas suas crises, tendo pois sido necessário
que os «tropeços» da globalização se tornassem penosos também
para ele para deixar de a encarar como um «êxito».
E no entanto a crise dos mercados de crédito que atinge a
economia dos Estados Unidos apresenta um panorama quase ideal
dos fatais encadeamentos da especulação à solta. Como numa
parada, voltam a desfilar as toxinas gerais da finança, sempre as
mesmas e identicamente alinhadas:
1) As tendências «Ponzi» da especulação; 2) o laxismo da
avaliação dos riscos na fase de alta do ciclo financeiro; 3) a
vulnerabilidade estrutural a uma pequena modificação de ambiente
e o efeito catalítico dum incumprimento local que precipita a
reviravolta; 4) a revisão imprevista dos cálculos; 5) o contágio lateral
de outros segmentos do mercado pelas dúvidas; 6) o choque
exercido sobre os bancos demasiado expostos; 7) a ameaça dum
acidente sistémico, ou seja, dum desmoronamento global,
seguindo-se uma recessão generalizada por contracção do
crédito… e o pedido de socorro aos bancos centrais lançado por
todos estes grandes fanáticos da livre iniciativa privada…
1. As tendências «Ponzi» dos mercados
Provavelmente, ninguém melhor do que Hyman Minsky pôs em
evidência o encadeamento da finança dos mercados, que ele
resumiu com a eloquente designação de «cegueira ante o
desastre» [2]. Minsky prestou uma especial atenção aos dissabores
de Charles Ponzi, especulador da década de 1920 que se apoderou
das poupanças de pessoas crédulas engodadas com promessas de
rendimentos extraordinários. Por não possuir quaisquer activos
reais capazes de cumprir os desempenhos anunciados, Ponzi
servia os seus primeiros clientes, não com dividendos
inexistentes… mas com o capital entregue pelos últimos
depositantes, supondo a «sustentabilidade» do conjunto,
imperativamente, a manutenção de um fluxo de novos clientes!
Resvalando a vigarice, baseiam-se num mecanismo bastante
semelhante todas as bolhas que necessitam de um afluxo constante
de liquidez investida para manter um mercado em alta e a ilusão de
que toda a gente ganha com isso. O alistamento especulativo é o
segredo da bolha e, obviamente, uma vez passada a inscrição dos
primeiros iniciados, são agentes cada vez mais comuns e portanto
cada vez menos informados – mas cada vez mais numerosos –
aqueles que são levados a constituir a parte mais importante dos
batalhões.
Para que o crescimento do mercado imobiliário norte-americano se
prolongasse, se possível ad aeternum, era pois necessário que
cada vez maiores coortes de famílias entrassem no mercado do
crédito hipotecário. Com o sonho americano a dar a sua ajuda, não
foi muito difícil convencê-las no início, tanto mais que as famílias,
escaldadas com a derrocada das acções da bolha Internet,
andavam à procura de outras fórmulas de investimento. Mas como
o contingente dos mais «sãos» candidatos ao empréstimo depressa
se esgotou, e como o mercado tinha imperativamente de ser
apoiado, as instituições especializadas no crédito imobiliário foram
cada vez mais longe em busca de novos recrutas… Quer tivessem
pés chatos, quer fossem asmáticos ou descalcificados, eram
admitidos na mesma! E como não iria ser fresca e jubilosa aquela
guerra? Os adquirentes entraram em filas cerradas neste mercado
e os preços dispararam.
Mesmo que não possam pagar o empréstimo, dizem então em coro
as famílias e as instituições de crédito, volta a vender-se a casa,
para uns com uma mais-valia, para os outros com uma comissão. E
visto que com fé no crescimento indefinido do mercado toda a gente
acaba por ser declarada apta, as torneiras do crédito abrem-se à
larga e a bolha especulativa assim alimentada parece dar razão a
todos. Foi deste jeito que emergiu a categoria, destinada a passar à
posteridade, dos «subprime mortgages», dos empréstimos
imobiliários cujos beneficiários, desconhecidos das instituições de
crédito, apresentam uma solvabilidade mais do que duvidosa. E já
que a euforia está no auge, todos os limites podem ser
ultrapassados: nesta matéria será difícil fazer melhor do que os
empréstimos chamados «Ninja», abreviatura de «No Income, No
Job or Asset», ou seja, «sem rendimento, sem emprego nem
activos (a dar como garantia)» ‒ mais o champanhe como prémio,
sem dúvida…
2. O laxismo na avaliação dos riscos
Mas a finança dispõe de recursos, dizendo-se até a seu respeito
que é perita no tratamento dos riscos. Em todo o caso, engenho
não lhe falta. O seu ataque secreto reside nos «produtos
derivados». O problema de um crédito, sobretudo quando é de
risco, é ele ficar registado nas contas da entidade credora até à
respectiva conclusão – boa ou má. O grande achado, que remonta
ao início dos anos 90, consiste em «empacotar» um conjunto de
créditos para os transformar numa linha de títulos obrigacionistas
negociáveis. A grande vantagem desta operação, adequadamente
crismada «titularização», reside no facto de os títulos assim
«manufacturados» poderem ser vendidos nos mercados, em
pequenos pacotes, aos diversos investidores (institucionais) que se
dignarem adquiri-los. Cá temos pois os créditos duvidosos retirados
do balanço do banco – percebendo-se agora que este os concede
com tanta ligeireza por saber que pode livrar-se deles mal fiquem
titularizados!
Mas por que motivo querem esses investidores comprar aquilo de
que o banco deseja desfazer-se? Primeiro porque ficam com eles
em pequenos pacotes e, sobretudo, porque esses títulos são
negociáveis, ou seja, podem ser novamente cedidos. Depois,
porque a linha de títulos derivada do grupo inicial de créditos se
encontra, na realidade, dividida em diversas partes com riscos
homogéneos. Cada investidor institucional, segundo o seu próprio
perfil e aversão pelo risco, irá escolher a fatia que lhe convém,
sabendo que haverá sempre – nomeadamente os hedge funds −
quem escolha a fatia com maior risco… visto ela ser também a mais
rentável… enquanto tudo correr bem.
Evidentemente, todos os direitos (fluxos financeiros) e riscos (de
não pagamento) associados aos créditos iniciais são transferidos
para os portadores destes títulos, chamados RMBS (residential
mortgage backed securities, títulos apoiados em créditos à
habitação), mas estes portadores são tantos – e mudam com tanta
frequência – que disso resulta uma formidável dispersão do risco
global. Dantes o banco enfrentava sozinho a falta de pagamento de
um dos seus empréstimos, mas agora, não só está inteiramente
livre disso como as consequências se encontram dispersas por uma
miríade de investidores, assumindo cada qual apenas uma parte,
reduzida ao mínimo e ainda por cima diluída no conjunto da sua
própria carteira de títulos.
2 bis. Riscos diluídos – ou supermultiplicados?
Mas então, poderá perguntar-se, porquê o alarme, se com a
panaceia da titularização a finança resolveu a quadratura do
círculo? E isto tanto mais quanto a operação de titularização é
reiterada a partir dos RMBS, cujas piores fatias exigem um
tratamento especial para serem mais facilmente vendidas. A partir
dos seus RMBS, certos investidores emitem também uma nova
espécie de títulos negociáveis, os CDO (Collateralised Debt
Obligations). Sendo títulos derivados de títulos, a emissão de CDO
rearruma a fracção respeitante da carteira de RMBS em diversas
fatias. A fatia superior, chamada «investment grade», subtrai os
seus portadores aos primeiros 20 a 30 por cento de ausências de
pagamento dos créditos imobiliários iniciais. Segue-se uma fatia
intermédia, chamada «mezzanine», e finalmente uma fatia baixa,
que será a que apanhará o choque dos primeiros incumprimentos
nos pagamentos.
Chama-se pudicamente a esta fatia «equity», mas a linguagem dos
mercados diz as coisas com mais clareza, «toxic waste», ou seja,
«desperdícios tóxicos», nome reservado a estes produtos que, por
assim dizer, aumentam o risco ao quadrado, visto eles
representarem a fatia de maior risco (dos CDO) derivada da fatia de
maior risco (dos RMBS) extraída da carteira de créditos inicial…
Mas enquanto o mercado imobiliário estiver a subir e as famílias
continuarem a reembolsar haverá sempre comprador, porque, como
a toxicidade ainda não se materializou, persiste apenas a formidável
rendibilidade.
Os hedge funds, que podem obter financiamentos a taxas
relativamente baixas, investem em títulos de alto risco – que se
julga poderem ser revendidos ad libitum enquanto se pressupuser
que o mercado é líquido –, os quais têm uma rendibilidade de
acordo com o risco, ou seja, elevada. As margens são enormes, os
«desperdícios tóxicos» são ouro e os golden boys rejubilam. Os
lucros espantosos escondem os riscos objectivos, que ninguém
quer ver para deixar viver o mais longamente possível a galinha dos
ovos de oiro, e enquanto isso as instituições de crédito imobiliário
continuam a recrutar candidatos em grande número.
3. Da vulnerabilidade estrutural à falha que choca os espíritos
A dispersão dos riscos pelas operações de titularização acumuladas
acaba por fazer crer que tais riscos já não existem. Mas isso é uma
ilusão. Tanto mais quanto essa doce ebriedade induz logicamente,
na base, comportamentos cada vez mais aventurosos. Pensa o
credor imobiliário: já que até me desfaço dos meus piores créditos,
o melhor é ir em frente; e, no outro extremo, pensa o fundo
especulativo: enquanto o mercado dos derivados é líquido, por que
não comprar os piores CDO, visto eles serem também os mais
suculentos? É certo que os riscos se apresentam diluídos, mas
essa diluição levou ao crescimento totalmente incontrolado do seu
volume global, tornando-se em suma a situação cada vez mais
crítica.
A fragilidade estrutural deste edifício passa então a ser tanta que
ele se torna vulnerável a modificações de ambiente que à primeira
vista são insignificantes. Aparentemente, é uma insignificância o
aumento de um quarto de ponto a que a Reserva Federal procedeu
na taxa de juro. Mas no outro extremo da curva dos riscos o crédito
imobiliário da Srª. Brimmage passou de 6,3 por cento em 2005 para
11,25 por cento, e as respectivas prestações mensais de 414 para
691 dólares… [3] Foi quanto bastou para ela se ver obrigada a
deixar de pagar. E como ela, 14 por cento das pessoas que
recorreram aos empréstimos «subprime» deixaram de pagar no
primeiro trimestre de 2007.
Modestos, os aumentos da taxa de juro do Banco Central têm um
duplo efeito de ruptura. Por um lado, há menos novas entradas no
mercado imobiliário e os preços começam a baixar; por outro lado,
os que já lá estão vêem os seus pagamentos mensais tornar-se
insuportáveis e a «saída» ficar comprometida. De facto, a venda
dos seus activos não só resulta numa menos-valia para eles
próprios como acentua, para toda a gente, a pressão para a
descida.
Como sempre nas crises financeiras, um organismo especializado
suporta o revés, sendo o seu malogro, ao impressionar as pessoas,
que dá o sinal da grande reviravolta. No caso vertente, duas falhas
– nos dois extremos da corrente – vão fazer com que os mercados
regressem à realidade. Em primeiro lugar, o banco de investimentos
Bear Stearns teve de encerrar dois dos seus fundos «dinâmicos»,
sem dúvida algo excessivamente dinâmicos, e na realidade
dopados com CDO. Mas a empresa de investimento imobiliário
American Home Mortgage Investment (AHMI) teve também, pura e
simplesmente, de se colocar sob a protecção do capítulo 11 da lei
sobre as falências [4]. Esta desdita é mais inquietante do que a
anterior. Porque, não estando a AHMI especialmente envolvida no
segmento dos «subprime», imagine-se o que deverá passar-se com
outras empresas…
4. A revisão imprevista do cálculo dos riscos
Desta vez ergueu-se um ligeiro vento de pânico. Os «desperdícios
tóxicos» já cheiram muito mal e as pessoas começam também a
dizer para si mesmas que os triplos ou duplos A [5] das fatias de
«investment grade» de CDO já estão talvez bastante corrompidas.
Mas como foi possível cometer erros de cálculo tão monumentais?
É verdade que a complexidade objectiva da avaliação dos produtos
derivados tem alguma coisa a ver com isso. É verdade também que
as agências de notação avaliam às centenas as fatias de CDO e de
RMBS. Mas elas não são apenas essas boas operárias um pouco
vergadas sob a amplitude da tarefa. O seu próprio volume de
negócios vem-lhes das instituições financeiras, que emitem à doida
esses títulos a avaliar – em 2006, 40 por cento dos rendimentos da
Moody’s foram obtidos pelo cálculo de produtos estruturados… Ora,
para que haja novos títulos a tratar, é sem dúvida preferível que os
anteriores estejam de boa saúde…
A isso acrescenta-se a suplementar demonstração de que as
agências de notação nunca souberam verdadeiramente ser
independentes dos entusiasmos do mercado; em vez de os
temperarem, como lhes compete, corroboram-nos amavelmente
quase sempre. Isto porque é difícil, quando se está tão próximo da
finança, e quando acessoriamente se vive à sua custa, advertir do
perigo quando toda a gente anda a encher os bolsos… As
agências, catastroficamente pró-cíclicas quando deveriam ser
contra-cíclicas, deixam andar a tendência para a alta… e mal a
reviravolta se inicia, põem-se a rever tudo à pressa, contribuindo
para transformar essa reviravolta em desmoronamento.
E a crise, provavelmente, ainda só está nos seus começos. Porque
os incumprimentos imobiliários futuros das famílias estão a
acumular-se silenciosamente na antecâmara das teasing rates,
essas muito atraentes taxas graças às quais os corretores seduzem
os clientes com base na regra chamada dos «2 + 28» ‒ os dois
primeiros anos a uma taxa simpática e enganadora e os últimos
vinte e oito a uma taxa mais elevada e punitiva. Por isso ainda não
vimos desmoronar a promoção de 2006, e quase nada a de 2005,
as duas do período mais intenso da bolha imobiliária, as quais irão
sem dúvida fazer chispas. Tal como os admiráveis fundos
especulativos, repletos dos seus produtos derivados.
E como a globalização globaliza a finança, e com ela a asneira
financeira, nenhuma dessas coisas se fica pelas fronteiras norteamericanas. É certo que é nessas paragens que o mercado
hipotecário delira, mas a titularização derivada oferece-se
magnificamente a todos os fundos especulativos do planeta. Os
alemães, durante muito tempo tidos como baços e aborrecidos,
muito agarrados aos seus pardacentos bancos, decidiram, na
viragem do século, tornar-se «modernos» e orientar-se mais
resolutamente para as actividades de mercado. Resultado das
compras: depois do grande calafrio de 1998 (risco russo) e das
sovas da Internet (2001), eis que um banco, o IKB, se encontra à
beira da falência por causa duma excessiva exposição aos
«subprime»…
5. Contágio da desconfiança
Tudo agora se encadeia de uma ponta à outra do globo terrestre e
dos mercados. O frágil equilíbrio dos produtos derivados resistiu
enquanto… ninguém o testou, ou seja, enquanto toda a gente fingiu
acreditar que era líquido o mercado onde eles se trocavam. Mas
logo que um dos actores sofre exageradamente e começa a querer
aliviar-se vendendo os seus CDO, o receio latente cristaliza-se,
sumindo-se todos os compradores. Com a liquidez evaporada, os
activos, formalmente negociáveis, deixam praticamente de o ser,
tornando-se mesmo não calculáveis, visto os seus preços poderem
virtualmente descer até zero.
É hilariante ‒ antes de vir a causar pranto –, o comunicado do BNPParibas, que a 9 de Agosto encerrou três dos seus fundos, também
eles «dinâmicos»: «O desaparecimento em certos segmentos do
mercado da titularização nos Estados Unidos leva a uma ausência
de preços de referência e a uma iliquidez quase total dos activos
[dos fundos], seja qual for a sua qualidade ou o seu rating» [6].
Nada disso impedira um só instante Baudoin Prot, patrão deste
banco, de afirmar categoricamente, uma semana antes, que a
liquidez dos três fundos estava garantida. Quer isto dizer, acima de
tudo, que a inquietação ultrapassa amplamente o perímetro dos
produtos de maior risco, contaminando as fatias consideradas mais
seguras.
Ora, com um tão belo ímpeto, o contágio não vai parar. Não só
atinge todas as espécies de risco no segmento dos RMBS e
derivados como se estende a outros segmentos de mercado que
nada têm a ver com esse. Excepto o facto de também terem
enveredado pela orgia dos créditos indiscriminados. É esse, em
especial, o caso do sector da private equity, esses fundos de
investimento, vedetas da finança dos últimos anos, que adquirem
integralmente empresas tidas como prometedoras, as fazem sair da
Bolsa e as reestruturam à chicotada ‒ para as revenderem dois ou
quatro anos depois com chorudas mais-valias.
Acontece que estes fundos mobilizam muito poucos dos seus
próprios capitais e «carburam» maciçamente com base na dívida –
cujo serviço, de resto, eles obrigam a empresa adquirida a
suportar… As rendibilidades que disso resultam são pura e
simplesmente excepcionais. Estas atingiram tais níveis que os
bancos se precipitaram, literalmente, para financiar tais operações.
Num estado de quase mistificação e persuadidos de que se ganha
sempre, concederam a estes fundos condições de empréstimo
propriamente desconcertantes. Caso das condições atribuídas aos
empréstimos chamados «covenant-lite», ou seja, aliviados de todas
as cláusulas que dizem respeito a rácios financeiros elementares,
aos quais fica normalmente sujeito quem recorre a empréstimos.
«Façam o que quiserem, nós apoiamos»…
Mais: os empréstimos chamados PIK (Payment In Kind) ou IOU (I
Owe You), cujos lucros e capital são reembolsados, não em
dinheiro líquido, mas em suplemento de dívida acrescentado à
dívida inicial! O total dos créditos encaminhados para os fundos de
private equity atingiu assim volumes extraordinários. Ora as
operações deste tipo são particularmente vulneráveis na altura em
que chegam ao seu fim , visto tratar-se de revender activos
notoriamente ilíquidos: não blocos de acções mas empresas
inteiras. Caso ocorra um qualquer incidente – revenda impossível,
diferida ou com menos-valias –, todo o sector da private equity
passará também por um momento de estupefacção.
As operações de obtenção de fundos recentemente lançadas
tendem a ser muito mais difíceis, em comparação com a facilidade
triunfante dos meses anteriores. Isto porque os bancos, antes
cúmplices no laxismo, tornam-se subitamente reticentes. Devido a
um efeito de amálgama típico das crises financeiras, a súbita
revelação dos riscos num sector suscita interrogações laterais
noutros sectores onde a euforia degenerou mais ou menos na
mesma proporção. Tal como os dissabores do México em 1994
criaram dúvidas a respeito da Tailândia – apesar da grande
distância geográfica –, por um puro efeito de amálgama na
categoria dos «mercados emergentes», também neste caso o
imobiliário produz efeitos sobre a private equity que nada têm a ver
com ele… excepto o facto de também nele se cometerem excessos
igualmente condenáveis.
6. Choque exercido nos bancos
Os bancos, embora em geral tenham conseguido desfazer-se das
suas carteiras de créditos imobiliários através do jogo da
titularização, tiveram mesmo assim de suportar a reviravolta, e isso
através de múltiplas vias. Primeiro, deixaram os seus fundos de
investimento encher-se de produtos derivados, de modo que o risco
hipotecário atirado fora pela porta voltou a entrar pela janela. Mas
ameaça-os também o contágio lateral, designadamente através da
private equity, onde eles se encontram, nesse caso, directamente
expostos.
Ora com a regulação prudencial do sector bancário não se brinca:
os bancos devem manter cuidadosamente rácios ditos «de
solvabilidade» entre os seus capitais próprios e os seus
compromissos. Caso se manifestem menos-valias, mesmo latentes
– e estas estão a anunciar-se tanto mais acentuadas quanto as
agências de notação começam agora a despertar e a rever todos os
cálculos por baixo –, os bancos têm de integrar nas suas contas as
provisões correspondentes; e para manter os seus rácios terão de
reduzir o denominador (os créditos concedidos) proporcionalmente
à contracção do numerador (os capitais próprios consumidos pelas
provisões).
No fim, como sempre, são os agentes da economia real, as
empresas e os assalariados, afastados de todas as torpezas da
especulação, que vêem fechar-se as torneiras dos créditos, sem
sequer compreenderem o que terão feito para o merecer. Porque,
para restaurar os balanços dos bancos, a contracção do crédito
será geral, sem distinções entre os subscritores de empréstimos.
7. O pedido de socorro lançado aos bancos centrais
Que bela figura têm agora os heróis da finança! Modernos e
arrogantes quando os mercados estavam em alta, ei-los agora,
como o juiz da canção de Georges Brassens perante o gorila, «a
gritar pela mãe, choramingando muito», atirando-se para o seio da
«Mamã estatal» que execram quando a fortuna os leva a abrir todas
as comportas da regurgitação ideológica. Bem entendido, o banco
central a quem rogam que os livre do malogro baixando as suas
taxas para restaurar a liquidez geral não é o próprio Estado, mas
esse banco é o pólo público, o extra-mercado, abominado quando
os lucros correm abundantes, suplicado quando está mau tempo.
Jim Cramer, no canal bolsista CNBC onde tem um programa de
aconselhamento financeiro, feito aos berros e envergando uma
camisa de manga curta sobre um fundo impregnado de hard rock,
telefones especiais e ilustrações de bulls [7], fica de repente uma
pilha de nervos [8] e põe-se a injuriar Ben Bernanke, presidente da
Reserva Federal, aos gritos de «cut! cut!» [9]. E como Bernanke
parece não se apressar, Cramer lança-lhe o insulto supremo: não
percebe nada porque é um «académico»… [10]
Mais bem vestidos e menos imediatamente vulgares, os outros
gestores de fundos inquiridos no mesmo canal mostram-se
inteiramente de acordo. Ah, como lamentam Alan Greenspan, que
«cortava» as taxas sem rabujar. Ele sim, era um verdadeiro prático,
não andava atravancado com estudos inúteis… bastava-lhe pôr a
mão na traseira do animal para saber que se impunha fazer
concessões.
Os menos doidos, no entanto, começam a dizer para os seus
botões que esta longa tolerância monetária perante os excessos da
finança não foi de todo estranha à formação e acumulação dos
riscos que hoje estoiram. Quanto a Ben Bernanke, este, para já,
parece ser de opinião que convém deixar os operadores mais
imprudentes suportar as consequências da sua inconsequência.
Mas não nos iludamos. Esta posição do banqueiro central só é
sustentável se os incumprimentos continuarem localizados. Se
vierem a «coagular» e a precipitar um «risco sistémico» ‒ ou seja,
por efeito dominó, o risco dum desmoronamento geral –, a única
opção consistirá em intervir, e maciçamente.
É isso aliás o mais insuportável nas acções nefastas da finança,
sempre incitada a ir mais longe, ou seja, para além do limiar onde
as autoridades já não podem desinteressar-se dos seus infortúnios
e têm de atirar-se à água para a salvarem da desgraça – o perfeito
sequestro de reféns.
Por FRÉDÉRIC LORDON *
* Economista, autor de Et la vertu sauvera le monde… Après la
débâcle financière, le salut par l’«éthique», Raisons d’agir, Paris,
2003.
sexta-feira 19 de Outubro de 2007
Notas
[1] Pierre-Antoine Delhommais, Le Monde, 9 de Agosto de 2007.
[2] Hyman P. Minsky, Stabilizing an Unstable Economy, Yale
University Press, New Haven, 1986.
[3] Gretchen Morgenson, «Mortgage Maze May Increase
Forclosures», The New York Times, 6 de Agosto de 2007.
[4] Esta disposição permite que as empresas não soçobrem,
protegendo-as de credores demasiado impacientes (moratória das
dívidas). Isenta o empregador dos seus compromissos e permite
renegociar os acordos salariais.
[5] A notação financeira designa com AAA e AA os títulos mais
seguros.
[6] Comunicado do BNP-Paribas, 9 de Agosto de 2007.
[7] O touro – bull – é o animal representativo da alta bolsista.
[8]
CNBC,
3
de
Agosto
www.youtube.com/watch?v=GKZg....
de
2007,
ver
em
[9] «Baixa! Baixa!» (as taxas de juro).
[10] Ben Bernanke tem um longo passado de economista
universitário.
O Grupo dos Trinta: o que faz este Grupo?
Os Leitores mais antigos já conhecem a resposta, pois o esquema é velho.
Mas funciona.
Primeiro: destrói-se a capacidade do Estado para criar e controlar qualquer
riqueza financeira significativa (a “superstição ou a histeria da Dívida Pública”,
como diz P. Samuelson). Nesta altura, a criação da riqueza financeira
continua a ser significativa apenas nas mãos dos mercados de capitais,
dos quais os Estados acabam por depender totalmente.
Segundo: os mercados de capital, agora donos e soberanos, encarregam
lobbies e tecnocratas para que possam ser criadas leis, ferramentas
institucionais e instrumentos de propaganda que permitam aperfeiçoar o saque
global.
Terceiro: os governos, impedidos de criar qualquer tipo de riqueza,
são totalmente dependentes da chantagem dos mercados e de quem estes
controlam, sendo assim obrigados a engolir ou diretamente ignorar as
aberrações
especulativas,
como
a
existência
Depois disso, os golpes financeiros são quase uma piada.
dos
OTC.
Agora, voltem até o segundo ponto, aquele dos lobbies e dos tecnocratas: é
aqui que encontramos, em destaque absoluto, O GRUPO DOS 30.
Em 1978, Rockefeller (tinha que ser, não é?) ajuda a criar o grupo. Serão 30
membros rotativos, mas sempre 30 indivíduos. E o que está definindo é muito
mau desde o início: são quase todos os homens que trabalham com a mão
direita na especulação financeira e com a esquerda na regulamentação
governamental da mesma. Isso não tem piada nenhuma: um grupo assim
deveria ser preso.
Eleni Tsingou, fez uma investigação acadêmica do Grupo (em 2003):
Este grupo não apenas legitimou a participação do setor privado nas políticas
do Estado, mas também permitiu que os interesses privados se tornassem o
centro das decisões político-financeiras. Isto porque muitos dos seus
membros são aqueles mesmos políticos que o grupo pretende convencer.
O Grupo dos 30, então, começou o trabalho com cérebros de primeira
grandeza e bem recheado de dinheiro. Não faltava nada e os resultados não
demoraram. Em 1993, o Grupo publicou o primeiro estudo abrangente sobre os
produtos derivativos: Derivatives: Practices and Principles.
Os controladores das transações financeiras de América e Europa
encontravam-se no meio do nevoeiro mais denso acerca destes produtos,
portanto aceitaram o estudo de braços abertos: até que enfim, alguém que
explica alguma coisa. Só que a ignorância não permite contrariar as
conclusões, e as conclusões do Grupo dos 30 eram essencialmente duas:
os derivados OTC são essenciais porque “representam novas formas de
compreender, medir e gerir o risco financeiro” (esta é lindíssima: os
produtos financeiros mais arriscados alguma vez criados deveriam ter
reduzido o risco)
 e, em segundo lugar: foi salientado que “a chave para o uso de
derivativos é a auto-regulação: as regras estatais intrusivas teriam
arruinado a elasticidade do produto e impedido a inovação financeira”
(que significa: as leis são feitas por nós, privados, porque vocês,
políticos, nem sabem do que estamos a falar. O que era bem
verdade!)

E para não fazer a figura das bestas ao quadrado, o que fez a maioria dos
políticos? Seguiram os principais líderes políticos que eram, na melhor das
hipóteses, pagos pelas elites financeiras. Verdade seja dita: encontrar material
informativo acerca dos derivativos não era simples a esta altura.
Mas no estudo citado o Grupo dos 30 também ousou mais e escreveu que os
auditores deviam “ajudar a remover a incerteza das normas legais e fornecer
um tratamento fiscal [isso é, os impostos] favorável perante os derivativos”.
Um trabalho teórico nada mal, preparado e divulgado com o lubrificante
gentilmente fornecido pela JPMorgan.
Apesar da audácia dessas linhas, os três principais órgãos de controle (o
Comitê de Basiléia, o Congresso dos EUA e a Federal Reserve) acharam a
idéia da auto-regulamentação bem simpática e começaram a remar contra
aqueles que lançavam o alarme: veja-se o caso de William K. Black.
Nesta altura, duas dos mais poderosos lobbies financeiros anglo-saxônicos,
o Institute for International Finance(IIF) de Washington e a Investment Banking
Association (IBA) de Londres lançaram na mesa de negociações as suas
propostas para a auto-regulamentação dos derivativos , com o óbvio total apoio
do Grupo dos 30. Tanto para ter uma idéia, o IIF é o lobby que algumas
semanas atrás deu as ordens na negociação-suicídio da Grécia para o
segundo resgate.
O resultado de quanto dito até aqui: a oportunidade de entender e controlar a
destrutividade dos derivativos apresentou-se no início da década dos Noventa.
O Grupo dos Trinta foi o principal ator na operação para tornar inútil qualquer
tentativa de trazer sob controle público estes assassinos financeiros, cujas
consequências bem conhecemos.
Vamos
ver
alguns
dos
nomes..
São estas as pessoas que arruinaram a vida de centenas de milhões de
famílias, milhões de empresas, das democracias dos principais Países
ocidentais, para não mencionar os horrores do Terceiro Mundo e o
Ambiente.
Estes senhores (não sozinhos, claro, há outros também) criaram e defenderam
um dispositivo termonuclear fora de controle hoje representado por
650.000.000.000.000 (650 trilhões) de dólares de derivativos que pode arrasar
o
planeta.
Este senhores perpetraram um golpe financeiro único na História.
Paul A. Volcker presidente da Federal Reserve (o banco central dos EUA), mas
também
homem
da
Chase
Manhattan
Bank.
Lord Richardson of Duntisbourne, governador do Banco Central da Inglaterra,
mas
também
homem
da
Lloyds
Bank.
Jacob A. Frenkel, governador do Banco Central de israel, mas também homem
da
Merrill
Lynch
International.
Geoffrey Bell, Ministro do Tesouro da Grã-Bretanha, também director da
Schroders.
Domingo Cavallo, que foi Ministro da Economia da Argentina, pai do terrível
desastre
económico
no
País
do
Sul
América.
Gerald Corrigan, Presidente da Federal Reserve Bank de New York, mas
também Managing Director da Goldman Sachs e da Morgan Stanley.
Guillermo de la Dehesa, Governador do Banco Central da Espanha, Ministro
das Finanças, mas também banqueiro do Banco Santander Central Hispanico e
da Goldman Sachs.
Armínio Fraga Neto, Presidente do Banco Central do Brasil, mas pago
também pela Solomon Brothers NY e Soros Fund Management.
Toyoo Gyohten, Ministro das Finanças do Japão, mas também executivo do
Bank
of
Tokyo.
Gerd Hausler, governador da Bundesbank (o banco central alemão), mas
também
no
Dresdner
Bank.
Mervyn
King,
governador
do
Banco
da
Inglaterra.
Jacques de Larosière Conseiller, governador do Banco Central da França,
também
executivo-chefe
do
BNP
Paribas.
William McDonough, do Departmento de Estado dos Estados Unidos, pago
também
pela
First
National
Bank
of
Chicago.
Tomasso Padoa-Schioppa, Comissão Europeia, vice-director da Banca d’Italia,
BCE,
FMI
e
Bildberg.
Lawrence Summers, Secretário do Tesouro dos EUA, fiel do grupo Bilderberg.
Jean-Claude Trichet, ex governador do Banco Central Europeu mas também
Ministro das Finanças francês e parte do Grupo Bilderberg.
Axel A. Weber, presidente da Bundesbank, mas também membro do Conselho
Europeu do Risco Sistémico e Conselho de Estabilidade Financeira e
presidente
do
banco
UBS.
Adair Turner, presidente da Autoridade de Serviços Financeiros da GrãBretanha,
vice-presidente
do
banco
Merrill
Lynch
Europa.
Gerd Häusler, que trabalhou no Relatório de Estabilidade Financeira Global, no
Fórum de Estabilidade Financeira, Director do Instituto de Finanças
Internacionais em Washington e mesmo do grupo de consultoria financeira
Lazard.
Mario
Draghi,
Governador
do
BCE.
Paul Krugman, economista.
Paul
Krugman???
Com certeza, meus senhores: porque o fato duma pessoa saber qual o
caminho certo não significa que depois não possa seguir o caminho mau
(“façam como eu digo mas não como eu faço…”).
Aqui não se fala de conflitos de interesse bilionários, aqui se fala dos
mestres das finanças globais, dos mais importantes bancos centrais do
mundo, de gigantes do setor bancário, de especulação global e dos
maiores controladores do mesmo, tudo envolvido numa amálgama
obscena.
Este é o Grupo dos Trinta, o lobby que ajudou de forma decisiva a provocar
este cenário assustador, esse nível de criminalidade internacional. Trinta
indivíduos
em
rotação,
mas
apenas
trinta.
Coisas reais, tragicamente verdadeiras como verdadeiros são os nomes aqui
apresentados.
Para cada um dele seria preciso preencher páginas e páginas.
Há os nomes de quem deveria ter controlado a finança, criado segurança,
construído barreiras legais para proteger o resto da sociedade.
Há os nomes de quem elaborou relatórios públicos que diziam “está tudo
bem” quando, na mesma altura, cuidava dos próprios interesses nas
instituições privadas.
Para ler todos os nomes dos atuais membros do Grupo dos Trinta e ver as
caras deles também é possível acessarr o site do Grupo: Group of Thirty.
Rogério Lessa
Tarde
13.30 – 15.30 – Capitalismo, Socialismo e Democracia, ontem e hoje. As novas formas de
organização da produção. Empresa_Empresa Solidária_Terceiro Setor . Os novos agentes
políticos. Os novos atores internacionais:BRICS . Balanço e Perspectiva.
Siste A. & Iriarte – Da Segurança Nacional ao Trilateralismo in A Trilateral a Nova Fase do
Capitalismo Mundial – Vozes – pg 145-165
OS BRICS VÃO CRIAR UM
BANCO COMUM
Paulo Timm – Artigo escrito em 2012 e revisado e
acrescentado em 28 de março de 2013)
BRIC é uma sigla criada em 2001 pelo economista Jim O'Neill em um
estudo intitulado "Building Better Global Economic BRICs" juntando as
primeiras letras dos seguintes países:
Brasil
Russia
India
China
-------------
BRIC
O economista procurava identificar um grupo de países – emergentes – de economia
globalizada, com forte presença de multinacionais, cujo peso vinha crescendo
vertiginosamente. Tal importância acentou-se ainda mais depois da Crise de 2008 que
levou à depressão nos Estados Unidos e Europa.
O PIB do BRIC equivale a US$ 16 trilhões, 23,51% do produto bruto global; suas
exportações somam cerca de US$ 2 trilhões, 13,03% do total das exportações
mundiais
Mais recentemente, em 24 de dezembro de 2010, acrescentou-se à sigla BRIC um "S",
representando a África do Sul (South Africa). Desta forma, o termo passou a ser BRICS. E
se estuda a possibilidade de se ampliar do grupo:
Além disso, por causa da popularidade da tese "BRIC" da Goldman Sachs, este termo tem sido,
por vezes, alterado ou ampliado para "BRICK"[14][15] (K para a Coreia do Sul - em inglês: South
Korea), "BRIMC"[16][17] (M para México), "BRICA" (os países árabes do CCG - Arábia Saudita,
Catar, Kuwait, Bahrein, Omã e os Emirados Árabes Unidos)[18] e "BRICET" (incluindo a Europa
Oriental e a Turquia),[19] que tornaram-se termos de marketing mais genéricos para se referir a
esses mercados emergentes.
(wikipedia)
Os líderes do BRIC em 2008.
Os líderes do BRICS em 2011.
Tais países, porém, não formam nenhum bloco econômico, não têm qualquer
estatuto legal, nem afinidades políticas. Trata-se, não obstante , de um
conglomerado
que procura aprofundar o diálogo interno, através de
encontros de cúpula, com vistas a se fortalecer no cenário mundial e com isso
defender interesses comuns.
Características comuns destes países:
- Economia estabilizada recentemente, embora com estruturas e ritmos de
crescimento diferenciados
- Situação política estável;
- Mão-de-obra em grande quantidade e em processo de qualificação;
- Níveis de produção e exportação em crescimento;
- Boas reservas de recursos minerais;
- Investimentos em setores de infra-estrutura (estradas, ferrovias, portos, aeroportos,
usinas hidrelétricas, etc);
- PIB (Produto Interno Bruto) elevado e mercado interno em crescimento:
- Brasil: US$ 2,21 trilhões – 200 milhões hab
- Rússia: US$ 2,22 trilhões (estimativa 2010) – 140 milhões hab
- Índia: US$ 4,04 trilhões (estimativa 2010) – 1,200 Bilhões hab
- China: US$ 6,05 trilhões (2010) – 1,3 bilhoes hab
- África do Sul: US$ 524 bilhões (2010) – 50 milhões hab
- Índices sociais em processo de melhorias;
- Diminuição, embora lenta, das desigualdades sociais;
- Rápido acesso da população aos sistemas de comunicação como, por exemplo,
celulares e Internet (inclusão digital);
- Mercados de capitais (Bolsas de Valores) recebendo grandes investimentos
estrangeiros;
- Investimentos de empresas estrangeiras nos diversos setores da economia.
- perfil de dívida externa e interna baixo com pouco mais de 4.3 trilhões de dólares,
quase 50% das reservas internacionais do planeta
(Fonte: wiki et )
Outros indicadores demonstram o peso destes países do BRICS no cenário mundial:
Categoria
Índia
China
África do
Sul
Brasil
Rússia
Área
5º
1º
7º
População
5º
9º
2º
1º
25º
PIB nominal
6º
11º
10º
2º
28º
PIB (PPC)
8º
6º
4º
2º
25º
Exportações
21º
11º
20º
1º
36º
Importações
20º
17º
11º
2º
34º
Balança comercial
187º
4º
182º
1º
179º
Consumo de eletricidade
6º
4º
5º
1º
14º
Automóvel per capita
65°
51°
114°
72°
69º
Liberdade econômica
81°
122°
121°
111°
50º
Produção de petróleo
9°
1°
23°
5º
42º
Índice de Desenvolvimento Humano
84º
66º
134º
101º
123º
3º / 4º
(disputado)
24º
Esta é uma tabela mostrando várias categorias de listas e rankings relacionadas à
economia e política e as posições dos países BRICS em cada uma delas. O melhor
colocado destacado em negrito.- (wikipedia)
No Brasil, o Governo Federal, desde o Governo Lula, vem empenhando-se firmemente na
consolidação dos BRICS. Duas críticas, têm se delineado, a essa Política:
À esquerda, o Senador Cristovam Buarque, tem afirmado que este é um bloco no qual os
indicadores sociais são os mais aterradores, à despeito de pequenos progressos na redução da
pobreza. Ele contrapõe ao BRICS, o que chama de FICS, que seria um grupo de países nos
quais o Conhecimento é o mais valorizado, e para os quais deveríamos nos inclinar:
Outro grupo — nem criado nem batizado — pode ter mais futuro do que o BRIC. Trata-se do grupo
Finlândia, Irlanda, Coreia do Sul e Suécia, que podemos chamar de FICS. O que caracteriza esses
países é o fato de deterem o principal capital do futuro: o conhecimento.
Se os países do BRIC têm altas taxas de produção, consumo e participação no comércio internacional, os
países do FICS fazem parte da elite educacional do mundo. A comparação entre os dados educacionais do
BRIC e do FICS mostra a diferença entre eles.
Enquanto os países do FICS ficam entre o 1o e 22o lugares, os países do BRIC estão entre a 34a e a
52a posições, na avaliação da educação feita pela OCDE (Programa Internacional de Avaliação de
Alunos — PISA) em 57 países, analisando o desempenho em leitura, matemática e ciências. Enquanto
no FICS as taxas de conclusão do ensino médio ficam entre 62% e 91%, no BRIC ficam entre 15% e
57% da população.
(Cristovam Buarque, “ O BRIC e o FICS” – O Globo 08/05/2010 cristovam.org.br/portal3/index.php?...id...bric...fics )
Os mais críticos aos Governos do PT, tampouco acreditam no futuro de um conglomerado
de países sem qualquer identidade geopolítica ou cultural. É o caso do Sociólogo Paulo
Roberto Almeida, autor de vários artigos sobre o tema.
O conceito “Bric”, em sua aparente novidade, é uma trouvaille interessante que passou
a ocupar a mente dos jornalistas, excitando a imaginação de acadêmicos em busca de alguma
idéia nova.Esse conceito parece induzir espíritos preocupados com a realidade da “velha”
hegemonia, alimentando, então, a idéia de uma “ruptura de sistema”, ou seja, a substituição
dessa antiga hegemonia. Historicamente, são raras as tentativas de alteração pacífica do
equilíbrio do poder mundial, na medida em que os beneficiários do status quo tendem a
resistir às demandas dos contestadores por novos espaços no quadro da velha ordem. Caso as
expectativas não possam ser atendidas, os contestadores podem se decidir pela mudança dessa
ordem, se possível por meios pacíficos, se necessário por métodos violentos.
(P.R.Almeida - http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1920BricsAduaneiras.pdf - O papel dos
BRICS na economia mundial” -2009)
Certo ou errado, com ou sem futuro, neste momento os representantes do BRICS fazem
História e se preparam para a quinta cúpula dos seus líderes, que se realizará em 2013 na
Africa do Sul , quando deverão surpreender o mundo dos negócios. Para tanto, estudam,
a possibilidade de criar novos instrumentos financeiros para o desenvolvimento:
No dia 15 de agosto realizou-se na sede do BNDES, no Rio de Janeiro, a primeira reunião do
Grupo de Trabalho sobre a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS.
No dia 26 de setembro, um fórum de especialistas do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da
África do Sul, se reuniu em Chongqing, na China e ali foi discutida a idéia de se criar uma
agência de qualificação do grupo, como alternativa às agências de classificação ocidentais, que
não souberam prever a crise de 2008, nem a que eclodiu este ano.
(Mauro Santayana – www.maurosantayana.com – “O BRICS avança”- 09 outubro)
Com efeito, reunidos em outubro de 2012 ,em Tóquio, numa reunião paralela ao FMI , os
Ministros da Fazenda do Grupo já prenunciam – porque não se chegou a anunciar oficialmente um novo Banco de Desenvolvimento com capital de US 50 bilhões e compartilhamento de
reservas na ordem de US$ 120 bilhões - http://www.valor.com.br/financas/2864268/bricsestudam-banco-com-capital-de-us-50-bilhoes#ixzz290z7D2aW
A criação deste Banco - com uma dupla função, de FMI , ao prover a seus membros Direitos de
Saque até 30% do capital, sem qualquer burocracia ou controles, em caso de crise e, de
BANCO MUNDIAL , com financiamento de Projetos de Formação de Capital a longo prazo, com
juros baixos -, poderá ser um “aviso aos navegantes”: medidas mais ousadas, como o uso de
outra moeda que não o dólar e euro, poderá vir a reger as transações comerciais do grupo.
Quem viver, verá! Não será o “Melhor dos Mundos”, ao estilo clásssico, revigorada pelo
iluminismo e levada ao paroxismo, mas um passo decisivo para um “Mundo Melhor”, na fórmula
tentativa inaugurada por Leibnitz e retomada com vigor nestes tempos de fim do utopismo.
Pois este Banco foi, ontem – dia 27 de março de 2013 –, anunciado em reunião histórica dos
Chefes de Estado dos BRICS na África do Sul, junto com um Acordo Brasil- China para a criação
de um fundo monetário comum fora do dólar. Como afirmou em sua coluna o Jornalista Cesar
Fonseca: - ‘Chegou a hora de dar um basta ao dólar”.
Foto – Chefes de Estado BRICS – 27 março 2013
BRICS: chegou a hora do BASTA ao dólar
Cesar Fonseca em 26/03/2013
BANCO DE DESENVOLVIMENTO DOS BRICS; NOVO FUNDO SOBERANDO DE
INVESTIMENTO INTERNACIONAL; TROCAS INTERNACIONAIS COM MOEDAS NACIONAIS.
Eis a estratégia dos países emergentes Brasil, Rússia,Índia, China e África do Sul(BRICS), que
começam reunião de dois dias em Durban, na África do Sul, a partir de hoje, para enfrentar a
crise internacional, que tem como epicentro a bancarrota do dólar e das agências internacionais
criadas pelos Estados Unidos, no pós guerra, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco
Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, incapazes de dar solução para o
problema da especulação financeira que os próprios Estados Unidos criaram, levando o mundo
ao crash de 2007-2008, do qual a economia globalizada ainda não conseguiu se afastar. O
colapso da economia do Chipre, no momento, elo mais fraco do capitalismo financeiro
especulativo, que tem origem nos Estados Unidos, é o exemplo cabal de que as agências
internacionais, nascida do acordo de Bretton Woods, em 1944, deixaram de ser úteis, negando a
própria ideologia utilitarista, suprassumo do sistema capitalista. Em vez de resolverem os
problemas, tais terapias sugeridas pelas agências internacionais americanas, apenas, pioram a
situação. Os remédios que receitam são puro veneno. Nesse sentido, deixaram o campo aberto
para os BRICS, que, ao lado dos emergentes, na América do Sul, na ÁFria e na Ásia, buscam
saídas para os impasses que estão sendo gerados pelas políticas econômicas aplicadas pelos
países ricos. As expansões monetárias adotadas pelos bancos centrais dos Estados Unidos, da
Europa e, agora, do Japão, tentam, infrutiferamente, resolver, tão somente, os impasses
produzidos pelos próprios ricos, enquanto pioram a vida das economias dos demais países. A
estratégia americana, européia e japonesa, que, ao lado da oferta, sem limite, de moeda na
circulação global, convive com taxa de juro zero ou negativa, depois de desconta a inflação,
passou a produzir, nas economias emergentes, como a brasileira, pressões inflacionárias
incontroláveis. Como as dívidas dos governos americanos e europeus estão excessivamente
elevadas e tendem a aumentar ainda mais com as expansões monetárias, eles decidiram não
mais pagar juros reais pelos títulos públicos que emitem, praticando juro zero. O que fazem
quem tem em caixa moedas, como o dólar, o euro e o yen? Buscam, desesperadamente,
especular com o juro positivo vigente nos países emergentes. Estes, sob pressões de
instabilidades decorrentes dos descompassos entre oferta e demanda de bens e serviços, são
obrigados a manejar as taxas de juros como instrumento de combate à inflação. Ocorre que essa
solução, em meio às políticas monetárias praticadas pelos ricos, perde funcionalidade, porque os
juros positivos atraem poupança externa especulativa, cujas consequências se traduzem em
aumento de dívidas públicas internas, que levam às instabilidades fiscais, resultando em baixo
crescimento econômico. Ou seja, as políticas econômicas praticadas pelos países do capitalismo
cêntrico, tendo o dólar como moeda equivlente geral, emitida sem lastro e sem limites pelo
governo americano, transformou-se na fonte essencial da crise mundial. Os BRICS, por isso,
mesmo, intensificam discussões para alcancerem alternativas à moeda americana, como
prioridade máxima. O BANCO DE DESENVOLVIMENTO DOS BRICS substituiria o Banco
Mundial e o FMI, cujo comando está, na prática, em Washington, para atender as demandas
financeiras dos emergentes, abrindo espaço para iniciar NOVO SISTEMA MONETÁRIO. Por
meio dele as moedas nacionais poderiam ser recicladas, convertidas em nova moeda, o BRICs,
por aí, ou outro nome que venha a ganhar, tendo como lastro o potencial econômico dos seus
integrantes. Qual a riqueza real que o Brasil, por exemplo, pode apresentar, como lastro a essa
nova moeda? Suas riquezas naturais. A energia, os minérios, a produção agroindustrial etc
seriam ou não lastro real, com mais valor do que o dólar, que é emitido sem lastro? O FUNDO
DE INVESTIMENTO SOBERANO INTERNACIONAL, formado pelas reservas poderosíssimas
dos BRICS, representaria garantia para sustentar desequilibrios de balanço de pagamento nas
relações de trocas entre os mais ricos e os mais remediados ou não, de modo a evitar
descompassos econômicos, cujos resultados têm sido fugas de capitais, desequilíbrios
estruturais, bolhas especulativas etc. Estariam, portanto, preparados os ambientes necessários
às TROCAS COMERCIAIS EM MOEDAS NACIONAIS, para funcionarem ao largo da ação da
moeda americana. O dólar tornou-se moeda perniciosa às relações de troca internacionais,
desde que, nos anos de 1970 em diante, Washington, descolou ela do padrão ouro, deixando-a
flutuar. Ao lado disso, as autoridades monetárias americanas liberaram geral o sistema
financeiro de regulamentações, enquanto pressionaram os demais países a abrirem suas
economias às ações do capital especulativo americano no mundo, dando curso a uma era
neoliberal, que, agora, entrou em crise geral. O resultado, desde então, foram sequências de
bolhas especulativas, impulsionadas por financiamentos de setores econômicos por grande
quantidade de moeda até que os mesmos, exaustos sob especulação intensa, implodiam,
sucessivamente. Em 2007-2008 ocorreu o que todos já sabem e desde aquele momento a praça
global se encontra excessivamente encharcada de moeda americana. Como a dívida dos
Estados Unidos se encontra elevada em excesso, Washington não tem mais fôlego de sustentar
juro positivo, para exercitar tal função. Seus deficits não deixam. Para reagir o colosso
econômico de Tio Sam, dotado de pés de barro, o FED, em vez de atuar prudentemente na
política monetaria e ir fundo nos cortes dos gastos fiscais, a exemplo do que recomenda a todo
mundo, nada disso faz, nem está disposto a fazer. O império não admite deixar de ser império.
Ao contrário, partiu para aumentar ainda mais a oferta de dólar, inflacionando a praça global, ao
mesmo tempo em que pratica juro negativo, para atrair aos Estados Unidos as empresas
americanas que haviam ido embora da América, quando o dólar era forte. O jogo americano é
claro: desvalorizar o dólar,não pagar juro para mais ninguém e derrotar os concorrentes nas
relações de troca, enquanto parte para a acusação de protecionista todo aquele que tenta
proteger seus mercados. Nesse ambiente, conviver com o dólat tornou-se suicídio. Os BRICS
entram em campo para tentar reverter essa situação. Trata-se de momento fundamental na vida
econômica global.
Mas não basta romper com o dólar. A profunda crise do capitalismo contemporâneo está a exigir
medidas profundas de reorganização de todo o sistema econômico:
It’s hard to imagine now, but for more than three decades after World War II financial crises of the
kind we’ve lately become so familiar with hardly ever happened. Since 1980, however, the roster
has been impressive: Mexico, Brazil, Argentina and Chile in 1982. Sweden and Finland in 1991.
Mexico again in 1995. Thailand, Malaysia, Indonesia and Korea in 1998. Argentina again in 2002.
And, of course, the more recent run of disasters: Iceland, Ireland, Greece, Portugal, Spain, Italy,
Cyprus.
. ( PAUL KRUGMAN - March 24, 2013
http://www.nytimes.com/2013/03/25/opinion/krugman-hot-moneyblues.html?smid=fb-share&_r=0 )
À estatização da moeda, levada a efeito na formação dos Estados Nacionais, impõe-se, agora, a
estatização de todo o sistema financeiro, de forma a evitar a mercantilização do sistema em
benefício de pouquíssimas pessoas e empresas:, no rumo do que propõe o filósofo Giorgio
Agamben:
G.Agamben,
filósofo
rs.tv/site/pags/nac_int2.php?id=2456 :
italiano
-
http://www.torres-
-El período oscuro no es exclusivo de Italia, es un problema europeo en general. Hay un texto de
Walter Benjamin que se llama "El capitalismo como religión". Se trata de una definición
extraordinaria. Porque no es religión tal como la concibió Max Weber, sino en sentido técnico. No
es una religión basada en la culpa y la redención, los dos pilares del cristianismo, sino sólo sobre
la culpa. No existe una racionalidad capitalista, que puede ser contrastada con los instrumentos
del pensamiento. Cuando uno abría los diarios en Italia hasta poco tiempo atrás, leía que el
entonces primer ministro Monti decía que hay que salvar el euro "a cualquier costo". Más allá de
que "salvar" es un concepto religioso, ¿qué significa esa afirmación? ¿Que debemos morir por el
euro? El capitalismo es una religión, y los bancos son sus templos, pero no metafóricamente,
porque el dinero no es más un instrumento destinado a ciertos fines, sino un dios. La
secularización de Occidente dio lugar paradójicamente a una religiosidad parasitaria. Yo he
estudiado por años la cuestión de la secularización, que dio lugar a una nueva religión
monstruosa, totalmente irracional. La única solución europea es salir de este templo bancario."
http://www.lanacion.com.ar/m1/1565417-giorgio-agamben-en-europa-asistimos-a-unvaciamiento-de-la-democracia
Aguardemos, então, o futuro deste novo e promissor grupo de países, relativamente
independentes do pólo central do Império. Não será um caminho fácil. Os países envolvidos
são cultural e politicamente diferentes, têm interresses divergentes, encontram-se
geopoliticamente distanciados.
En réalité, le seul point commun de tous ces pays est un attachement très fort à la souveraineté
étatique. C’est évidemment un point important. Mais il ne fera pas des Brics un opérateur
politique homogène. Comme le souligne la politologue brésilienne Ana Flavia Platiau, il y a entre
les Brics un manque de confiance mutuelle. C’est bien là le problème
(Les Brics existent-ils ? - De Zaki Laïdi. - 25 Mai 2011 )
Sobretudo, a China, pelo seu tamanho e vulto econômico, assusta um pouco. Notícas e
análises dão conta de uma avassaladora onda chinesa sobre sobre a África e mesmo América
Latina, com sérios prejuízos ao desenvolvimento soberanos de seus países, além de severas
seqüelas ambientais:
These recent reports of environmental degradation in Latin America may be thousands of miles
apart in different countries and for different products, but they have a common cause: growing
Chinese demand for regional commodities.
The world's most populous nation has joined the ranks of wealthy countries in Europe, North
America and east Asia that have long consumed and polluted unsustainably. This has led to what
author Michael T Klare calls "a race for what's left" and its impact is particularly evident in the
continent with much of the untapped, unspoiled natural resources.
Even more than Africa, Latin America has become a major focus of Beijing's drive for
commodities. A study last year by Enrique Dussel Peters, a professor at the National
Autonomous University of Mexico, found that the region has been the leading destination for
Chinese foreign direct investment – mostly for raw materials and by big government-run
companies such as Chinalco and CNOOC.
(China's exploitation of Latin American natural resources raises concern – J. Wats – The
Guardian - http://www.guardian.co.uk/world/2013/mar/26/china-latin-america-resources-concern )
Ainda assim, é alentador ver o reerguimento de um bloco equivalente,
nestes
dias,
Conferência
Ao
de
Movimento
Bandung,
dos
em
Não
1955,
Alinhados,
em
plena
originado
Guerra
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_N%C3%A3o_Alinhado)
na
Fria
que
contribui decisivamente para a formação de uma nova consciência
nos
Países
do
Terceiro
Mundo
sobre
os
rumos
do
seu
desenvolvimento.
O “homem endividado” e o “deus” capital: uma dependência do
nascimento à morte. Entrevista especial com Maurizio Lazzarato
Domingo, 28 de junho de 2015
“Desde o início das sucessivas crises financeiras, a figura subjetiva do capitalismo contemporâneo
parece antes ser representada pelo ‘homem
endividado’”, afirma o sociólogo.
Antes as dívidas eram contraídas junto à
comunidade, aos deuses ou antepassados.
Hoje, nosso endividamento se dá junto ao
“deus” Capital, provoca Maurizio Lazzarato na
entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU OnLine.
“O ‘homem endividado’ é submetido a
uma relação de poder credor-devedor que o
acompanha durante toda a vida, desde o
nascimento até a morte”. E completa: “Através
das dívidas soberanas, toda a população acaba
endividada e deve pagá-las, qualquer que seja
sua situação: desempregado, trabalhador,
Imagem: jornalggn.com.br
aposentado, etc. Carregamos dentro de nossos
bolsos a relação credor/devedor, pois ela está
inscrita no cartão de crédito”.
Para Lazzarato, o que hoje se verifica não é uma
hegemonia da economia sobre a política, mas,
antes, uma “reconfiguração da relação entre economia e política. O capital (e não a economia!)
construiu uma máquina de guerra, da qual o Estado e o sistema político são apenas articulações. O
Estado e o sistema político intervêm para a produção e a reprodução da máquina de guerra do Capital,
não sendo realidades alheias ao seu funcionamento, e sim engrenagens essenciais”. A moeda
converteu-se no próprio capital, assinala, a “forma mais abstrata, mais móvel e mais eficaz do
mandamento do capitalismo. Ela dita regras, condutas, comportamentos a populações inteiras, como
está acontecendo na Grécia e em toda a Europa atualmente”.
Maurizio Lazzarato (foto abaixo) é sociólogo e filósofo italiano que vive e trabalha em Paris, onde realiza
pesquisas sobre a temática do trabalho imaterial, a ontologia do trabalho, o capitalismo cognitivo e os
movimentos pós-socialistas. Escreve também sobre cinema, vídeo e as novas tecnologias de produção
de imagem. Participa de ações e reflexões sobre os “intermitentes do espetáculo” no âmbito da CIP-idf
(Coordination des intermittents et précaires d’Île-de-France), onde coordena uma “pesquisa-ação”
sobre o estatuto dos trabalhadores e profissionais do espetáculo e do mundo das artes, além de outros
trabalhadores precários. Junto com Antonio Negri é um dos fundadores da revistaMultitudes.
De suas obras publicadas destacamos Trabalho imaterial (Rio de Janeiro: DP&A, 2001), escrita com Toni
Negri, e La fabrique de l’homme endetté. Essai sur la condition néolibérale (Paris: Editions Amsterdam,
2011). Lazzarato estará na Unisinos como conferencista do V Colóquio Latino-Americano de Biopolítica,
III Colóquio Internacional de Biopolítica e Educação e XVII Simpósio Internacional IHU Saberes e
práticas na constituição dos sujeitos na contemporaneidade.
No dia 23 de setembro ele proferirá a onferência Noopolítica e trabalho imaterial.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em que medida podemos falar de uma
financeirização que atinge todos os setores de nossa
vida? Quais são suas implicações fundamentais?
Maurizio Lazzarato - O neoliberalismo governa através
de uma variedade de relações de poder: credor-devedor,
capital-trabalho, welfare -usuário [1], consumidorempresa, etc. Mas a dívida é uma relação de poder
universal, uma vez que todo mundo está incluído nela:
até mesmo aqueles que são pobres demais para terem
acesso ao crédito devem pagar juros a credores
pelo reembolso da dívida pública; até mesmo os países
Foto: kit.ntnu.no
pobres demais para se dotarem de um Estado de bemestar social devem pagar suas dívidas.
Através das dívidas soberanas, toda a população acaba
endividada e deve pagá-las, qualquer que seja sua
situação: desempregado, trabalhador, aposentado, etc. Carregamos dentro de nossos bolsos a
relação credor/devedor, pois ela está inscrita no cartão de crédito. Cada compra paga com cartão de
crédito nos introduz no circuito financeiro.
A relação credor-devedor atinge a população atual em sua totalidade, mas também as populações
futuras. Os economistas nos dizem que cada novo bebê francês já nasce com 22 mil euros em dívidas.
Não é mais o pecado original que nos é transmitido no nascimento, mas a dívida contraída pelas
gerações anteriores. O “homem endividado” é submetido a uma relação de poder credor-devedor que
o acompanha durante toda a vida, desde o nascimento até a morte. Se, outrora, nossas dívidas eram
para com a comunidade, os deuses, os antepassados, agora, estamos endividados junto
ao “deus” Capital.
IHU On-Line - A partir do conceito de economia da dívida, como analisa a hegemonia da economia
sobre a política em nosso tempo?
Maurizio Lazzarato - Não há hegemonia, mas, sim, uma reconfiguração da relação entre economia e
política. O capital (e não a economia!) construiu uma máquina de guerra, da qual o Estado e o sistema
político são apenas articulações. O Estado e o sistema político intervêm para a produção e a reprodução
da máquina de guerra do Capital, não sendo realidades alheias ao seu funcionamento, e sim
engrenagens essenciais.
IHU On-Line - Como se pode crer na veracidade de uma entidade virtual como o dinheiro que é
negociado na bolsa de valores, por exemplo? Como é possível compreender que tal recurso comande
decisões de empresas, governos e nações?
Maurizio Lazzarato - A moeda não deriva da troca, da simples circulação, da mercadoria; ela também
não constitui o sinal ou a representação do trabalho, mas expressa uma assimetria de forças, um poder
de prescrever e impor modos de exploração, de dominação e de sujeição futuros. A moeda é,
primeiramente, moeda-dívida, criada ex nihilo [2], sem nenhum equivalente material fora de uma
potência de destruição/criação das relações sociais e, notadamente, dos modos de subjetivação.
A moeda é o próprio capital, a forma mais abstrata, mais móvel e mais eficaz do mandamento do
capitalismo. Ela dita regras, condutas, comportamentos a populações inteiras, como está acontecendo
na Grécia e em toda a Europaatualmente.
IHU On-Line - Poderia recuperar alguns aspectos da contribuição de Nietzsche
para compreendermos a genealogia da dívida?
Maurizio Lazzarato - Nietzsche [3] já havia dito o essencial acerca deste assunto.
"Nietzsche já havia Na segunda dissertação de Genealogia da Moral(São Paulo: Companhia das Letras,
dito o essencial
2009), ele arrasa de uma só vez todas as ciências sociais: a formação da sociedade
acerca da dívida. Na e o adestramento do homem (extrair do homem-fera um animal adestrado e
segunda dissertação civilizado, um animal doméstico em suma”) não resultam nem das trocas
deGenealogia da econômicas (indo de encontro à tese apresentada por toda a tradição da
Moral, ele arrasa de economia política, desde os fisiocratas até Marx [4] , passando por Adam Smith)
uma só vez todas as [5] , nem das trocas simbólicas (indo de encontro às tradições teóricas
ciências sociais"
antropológicas e psicanalíticas), mas, sim, da relação entre credor e
devedor. Nietzsche faz, assim, do crédito o paradigma da relação social, descartando toda e qualquer
explicação “à moda inglesa”, ou seja, pela troca ou o interesse.
IHU On-Line - Qual é a importância do mecanismo da dívida no capitalismo financeirizado?
Maurizio Lazzarato - Aquilo a que as mídias chamam de “especulação” constitui uma máquina de
captura ou predação da mais-valia nas condições da acumulação capitalista atual, na qual é
impossível distinguir a renda do lucro. O processo de mudança das funções de direção da produção e de
propriedade do capital, que começou a se desenvolver na época de Marx, atingiu, hoje, sua forma
plena. O “capitalista realmente ativo” transforma-se, já dizia Marx, em “um simples dirigente e
administrador do capital”, e os “proprietários do capital”, em capitalistas financeiros ou beneficiários de
rendas. A finança, os bancos, os investidores institucionais não são simples especuladores, mas os
(representantes dos) “proprietários” do capital, enquanto estes, que eram, outrora, os “capitalistas
industriais”, os empreendedores que arriscavam seus próprios capitais, são reduzidos a serem simples
“funcionários” (“assalariados” ou pagos em ações) da valorização financeira.
IHU On-Line - Como pode ser definida a figura do homem endividado? Em que aspectos essa figura
está aprisionada ao sistema econômico vigente?
Maurizio Lazzarato - A economia neoliberal é uma economia subjetiva, isto é, uma economia que
requer e gera processos de subjetivação cujo modelo deixou de ser aquele, como na economia clássica,
do homem que realiza trocas e do homem que produz. Durante as décadas de 1980 e 1990, esse
modelo foi representado pelo empreendedor (de si mesmo), segundo a definição de Michel
Foucault [6], que resumia nesse conceito a mobilização, o engajamento e a ativação da subjetividade
pelas técnicas de gerenciamento empresarial e de governo social. Desde o início das sucessivas crises
financeiras, a figura subjetiva do capitalismo contemporâneo parece antes ser representada pelo
“homem endividado”. Essa condição, que já existia, uma vez que está no cerne da estratégia neoliberal,
ocupa agora todo o espaço público. Todas as designações da divisão social do trabalho nas sociedades
neoliberais (“consumidor”, “usuário”, “trabalhador”, “autoempreendedor”, “desempregado”, “turista”
etc.) são atravessadas pela figura subjetiva do “homem endividado”, a qual metamorfoseia todas as
figuras anteriores em consumidor endividado, usuário endividado e, por fim, como está acontecendo
na Grécia, em cidadão endividado. Se não é a dívida individual, é a dívida pública que, literalmente, pesa
na vida de cada um, já que cada um deve assumi-la.
IHU On-Line - Em que aspectos a recusa do pagamento das dívidas a países
credores é uma forma de resistência contra um dispositivo de poder econômico?
Nesse sentido, como analisa o caso da Grécia?
Maurizio Lazzarato - Para fazerem da dívida um terreno de confronto estratégico, "A relação credoros governados devem efetuar uma ruptura subjetiva, condição indispensável para devedor atinge a
saírem de sua postura de governados. Para enfrentar os credores, não como população atual em
governantes da economia do mundo, mas como adversários, os governados sua totalidade, mas
também as
devem passar por uma transformação subjetiva, realizando uma reconversão de si
mesmos. Desse ponto de vista, a Europa é, em ordem cronológica, o último palco, populações futuras"
depois da Ásia e da América Latina, dessas modalidades de governo pela dívida, de sua reversibilidade e
de seu modo de subjetivação.
Na “crise” atual, somente a longa sequência das mobilizações contra as políticas da dívida
na Grécia efetuou essa ruptura subjetiva nos governados, transformando as relações de poder em
confrontos estratégicos. Essastransformações subjetivas modificaram profundamente o contexto no
qual se desenrolam a ação das políticas da dívida e as lutas (as eleições também) que a ela se opõem.
O “governo” recentemente eleito na Grécia toma decisões no novo contexto de confrontos
estratégicos determinado pela ruptura subjetiva, e não mais, como os governos anteriores, no contexto
de oposição governantes/governados. Em países como Itália, França, Portugal e outros, as resistências,
as oposições, as lutas permanecem dentro da dinâmica governantes/governados.
A primeira tarefa da luta contra a dívida é impor o confronto estratégico aos credores, que, ao mesmo
tempo em que travam a guerra civil por outros meios, negam definitivamente sua existência. O axioma
de toda governamentalidade é negar a existência da guerra civil, dos confrontos estratégicos.
Por Márcia Junges | Tradução: Vanise Dresch
NOTAS
[1] Neologismo em relação com o termo Welfare State: expressão em inglês que significa “estado de
bem-estar” e abrange as noções de Estado de bem-estar social e de políticas públicas, ou seja, o
conjunto de benefícios socioeconômicos que um governo proporciona aos seus súditos. (Nota do IHU
On-Line)
[2] Relação com o termo Ex nihilo nihil fit: expressão latina que significa nada surge do nada. É uma
expressão que indica um princípio metafísico segundo o qual o ser não pode começar a existir a partir
do nada. A frase é atribuída ao filósofo grego Parménides. Nesse caso, somente o fragmento Ex nihilo
significa vindo do nada. (Nota da IHU On-Line)
[3] Friedrich Nietzsche (1844-1900): filósofo alemão, conhecido por seus conceitos além-do-homem,
transvaloração dos valores, niilismo, vontade de poder e eterno retorno. Entre suas obras figuram como
as mais importantes Assim falou Zaratustra (9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998), O
anticristo (Lisboa: Guimarães, 1916) e A genealogia da moral (5. ed. São Paulo: Centauro, 2004).
Escreveu até 1888, quando foi acometido por um colapso nervoso que nunca o abandonou até o dia de
sua morte. A Nietzsche foi dedicado o tema de capa da edição número 127 da IHU On-Line, de 13-122004, intitulado Nietzsche: filósofo do martelo e do crepúsculo, disponível para download aqui. A edição
15 dos Cadernos IHU em formação é intitulada O pensamento de Friedrich Nietzsche, e pode ser
acessadaaqui.Confira, também, a entrevista concedida por Ernildo Stein à edição 328 da revista IHU OnLine, de 10-05-2010, disponível aqui, intitulada O biologismo radical de Nietzsche não pode ser
minimizado, na qual discute ideias de sua conferência A crítica de Heidegger ao biologismo de Nietzsche
e a questão da biopolítica, parte integrante do Ciclo de Estudos Filosofias da diferença — Pré-evento do
XI Simpósio Internacional IHU: O (des)governo biopolítico da vida humana. Na edição 330 da Revista IHU
On-Line, de 24-05-2010, leia a entrevista Nietzsche, o pensamento trágico e a afirmação da totalidade
da existência, concedida pelo Prof. Dr. Oswaldo Giacoia e disponível para download aqui. Na edição
388, de 09-04-2012, leia a entrevista O amor fati como resposta à tirania do sentido, com Danilo Bilate,
disponível aqui. (Nota da IHU On-Line)
[4] Karl Marx (Karl Heinrich Marx, 1818-1883): filósofo, cientista social, economista, historiador e
revolucionário alemão, um dos pensadores que exerceram maior influência sobre o pensamento social e
sobre os destinos da humanidade no século XX. Leia a edição número 41 dos Cadernos IHU ideias, de
autoria de Leda Maria Paulani, tem como título A (anti)filosofia de Karl Marx, disponível aqui. Também
sobre o autor, confira a edição número 278 da IHU On-Line, de 20-10-2008, intitulada A financeirização
do mundo e sua crise. Uma leitura a partir de Marx, disponível aqui. Leia, igualmente, a entrevista Marx:
os homens não são o que pensam e desejam, mas o que fazem, concedida por Pedro de Alcântara
Figueira à edição 327 da IHU On-Line, de 03-05-2010, disponível aqui. A IHU On-Line preparou uma
edição especial sobre desigualdade inspirada no livro de Thomas Piketty O Capital no Século XXI, que
retoma o argumento central da obra de Marx O Capital, disponível aqui. (Nota da IHU On-Line)
[5]Adam Smith (1723-1790): considerado o fundador da ciência econômica tradicional. A Riqueza das
Nações, sua obra principal, de 1776, lançou as bases para o entendimento das relações econômicas da
sociedade sob a perspectiva liberal, superando os paradigmas do mercantilismo. Sobre Adam Smith,
veja a entrevista concedida pela professora Ana Maria Bianchi, da Universidade de São Paulo - USP, à
IHU On-Line nº 133, de 21-03-2005, disponível aqui, e a edição 35 dos Cadernos IHU ideias, de 21-072005, intitulada Adam Smith: filósofo e economista, escrita por Ana Maria Bianchi e Antônio Tiago
Loureiro Araújo dos Santos, disponível aqui. (Nota da IHU On-Line)
[6] Michel Foucault (1926-1984): filósofo francês. Suas obras, desde a História da Loucura até a História
da sexualidade (a qual não pôde completar devido a sua morte) situam-se dentro de uma filosofia do
conhecimento. Foucault trata principalmente do tema do poder, rompendo com as concepções clássicas
do termo. Em várias edições, a IHU On-Line dedicou matéria de capa a Foucault: edição 119, de 18-102004, disponível aqui; edição 203, de 06-11-2006, disponível aqui; edição 364, de 06-06-2011, intitulada
'História da loucura' e o discurso racional em debate, disponível aqui; edição 343, O (des)governo
biopolítico da vida humana, de 13-09-2010, disponível aqui, e edição 344, Biopolítica, estado de exceção
e vida nua. Um debate, disponível aqui. Confira ainda a edição nº 13 dos Cadernos IHU em formação,
disponível aqui. (Nota da IHU On-Line)
--
Benjamin, Cesar e outros – Advertências
Advertência
Cesar Benjamin FB 30 JUNHO 2015
LIBERDADE, ABERTURA E TEMAS AFINS
Não sei, não, mas essa viagem da presidente Dilma aos Estados Unidos está
parecendo uma rendição incondicional do Brasil. Os temas mais caros à
agenda americana predominam, de longe. Agora vejo declarações da
presidente a favor de maior "abertura" da economia brasileira. Reproduzo um
trecho introdutório de um artigo que escrevi em 2004 (o artigo todo é muito
longo):
***
"Dois cuidados iniciais são necessários. O primeiro, com as palavras. Pois a
forma predominante de dominação ideológica não é mais o puro e simples
ocultamento dos fatos, um estratagema bastante primitivo, usado pelas
ditaduras. A dominação se faz, hoje, muito mais pela capacidade de nomear.
Mário de Andrade dizia: 'As pessoas não pensam as coisas, elas pensam os
rótulos.' Tinha razão. Boa parte do jornalismo contemporâneo – e quase todo o
jornalismo econômico – tornou-se apenas uma grosseira arte de rotular.
À lei que define que os recursos públicos devem ser prioritariamente orientados
para pagar juros ao sistema financeiro, em detrimento de todos os demais
gastos do Estado, rotula-se 'lei de responsabilidade fiscal'. À recorrente prática
de cortar gastos essenciais, para sustentar esses mesmos pagamentos, rotulase 'disciplina' ou 'austeridade', necessárias para formar um 'superávit primário'.
Ao desmonte dos mecanismos de defesa de uma economia periférica e frágil
rotula-se 'abertura'. Aos efeitos do desvio das contribuições sociais – recolhidas
pelo Estado, conforme a Constituição, para financiar o sistema de Seguridade
Social – rotula-se 'déficit da Previdência'. E assim por diante.
Esse procedimento nada tem de ingênuo. Cabe aos meios de comunicação
difundir esses rótulos e, pela repetição, incorporá-los à linguagem comum.
Feito isso, não há mais debate possível. Afinal, quem pode ser contra
'responsabilidade', 'disciplina', 'austeridade', 'abertura', 'superávit', coisas
evidentemente tão boas? Quem pode ser a favor de 'déficit', coisa
intrinsecamente tão ruim?
Em plena vigência de um regime político que garante liberdade de imprensa,
paradoxalmente, quase ninguém tem acesso aos conteúdos das questões.
Tudo fica paralisado no rótulo, ponto de partida e de chegada da mensagem,
na medida em que bloqueia qualquer pensamento.
O mesmo se dá na discussão que travaremos aqui. Também neste caso, o
nome da coisa – 'livre movimentação de capitais' – tem sido cuidadosamente
escolhido para matar e impedir o debate. Quem pode ser contra uma 'livre
movimentação'? Não é a liberdade um conceito legítimo em si?
(Toda essa prestidigitação semântica, que sustenta a ideologia econômica
dominante, poderia desfazer-se por meio de um simples ato de renomear. Por
exemplo, se chamássemos a 'lei de responsabilidade fiscal' de 'lei que define
que garantir o pagamento de compromissos financeiros é mais importante do
que investir em serviços essenciais', os pontos de vista seriam
automaticamente modificados. Porém, só quem controla os meios de
comunicação de massa pode nomear e renomear de forma eficaz.)
Escapemos dos rótulos. Tentemos compreender o conteúdo da coisa. A 'livre
movimentação de capitais' é o desmonte de mecanismos que historicamente
buscaram compatibilizar, de alguma forma, o impulso à acumulação de capital
privado, de um lado, e os interesses mais gerais da sociedade, como
interesses de soberania e de cidadania, de outro. Ambos não são
necessariamente incompatíveis, mas tampouco são necessariamente
harmônicos. A economia política, em todos os tempos, foi profundamente
marcada pelas tentativas de compatibilizá-los.
Numa economia, como a nossa, que apresenta contas externas
estruturalmente frágeis, quando os capitais se movimentam sem
regulamentação, para dentro e para fora, alteram-se, antes de tudo, as
relações de poder. Pois a movimentação sem regras de riqueza financeira
impede o controle e até mesmo o cálculo da taxa de câmbio, ameaçando, com
esse descontrole, desorganizar todo o sistema de preços em que se baseia a
economia real. Como o mercado de câmbio é excepcionalmente volátil,
ultrassensível a movimentos especulativos, o capital financeiro adquire desse
modo um poder de veto sobre quaisquer decisões que a sociedade queira
tomar. O Estado torna-se refém dos seus movimentos. Se não fizer o que ele
deseja, aparece a ameaça de caos. Nesses contextos, como dizia antes a
velha Margareth Tatcher e diz agora o novo PT, 'não há alternativa'.
O que se discute, pois, não é se devemos ter mais ou menos liberdade
abstrata, mas que graus de liberdade o capital, o Estado e a sociedade devem
ter, qual equilíbrio se deve buscar entre diferentes agentes, de modo a
maximizar as perspectivas de desenvolvimento e o bem-estar coletivo. A
máxima liberdade de um é a mínima liberdade do outro. Se o capital financeiro
está livre, o Estado nacional está preso. Se o Estado não define regras, ele
mesmo tem de adaptar-se às regras que o capital definirá. O poder soberano
troca de mãos."
***
É por isso que tremo ao ver a presidente Dilma, diante de banqueiros
americanos, defender maior liberdade de movimentação de capitais na
economia brasileira. Será que ela sabe do que está falando?
Dilma Rousseff adicionou 11 novas fotos ao álbum: REUNIÃO COM OBAMA, ALMOÇO COM
BIDEN E ENCONTRO EMPRESARIAL.
10 h ·
Em Washington, Dilma e o presidente Barack Obama anunciaram hoje (30) uma série de acordos
entre Brasil e Estados Unidos, além da vontade de dobrar a corrente de comércio entre os dois
países em uma década. “Estabelecemos uma agenda bilateral robusta em áreas como comércio,
investimento, mudança do clima, energia, educação, defesa, ciência e tecnologia e inovação.
Reforçamos nosso diálogo sobre temas da agenda interna no meio ambiente e de sustentação, algo
que é essencial para o mundo e para cada um de nossos países, governança econômica e
financeira, paz e segurança", afirmou a presidenta.
Dilma almoçou com o vice-presidente Joe Biden, a quem creditou o sucesso de sua visita de
trabalho e se reuniu com a ex-secretária de Estado Madeleine Albright. Por fim, a presidenta
participou do encerramento da Cúpula Empresarial #BrasilEUA, onde destacou o cenário favorável
no Brasil para investimentos em projetos estratégicos, com o objetivo de dinamizar a atividade
econômica no País. Saiba mais:goo.gl/tBTP5u
Liberdade, abertura e temas afins
Cesar Benjamin FB 30 JUNHO 2015
Não sei, não, mas essa viagem da presidente Dilma aos Estados Unidos está
parecendo uma rendição incondicional do Brasil. Os temas mais caros à
agenda americana predominam, de longe. Agora vejo declarações da
presidente a favor de maior "abertura" da economia brasileira. Reproduzo um
trecho introdutório de um artigo que escrevi em 2004 (o artigo todo é muito
longo):
***
"Dois cuidados iniciais são necessários. O primeiro, com as palavras. Pois a
forma predominante de dominação ideológica não é mais o puro e simples
ocultamento dos fatos, um estratagema bastante primitivo, usado pelas
ditaduras. A dominação se faz, hoje, muito mais pela capacidade de nomear.
Mário de Andrade dizia: 'As pessoas não pensam as coisas, elas pensam os
rótulos.' Tinha razão. Boa parte do jornalismo contemporâneo – e quase todo o
jornalismo econômico – tornou-se apenas uma grosseira arte de rotular.
À lei que define que os recursos públicos devem ser prioritariamente orientados
para pagar juros ao sistema financeiro, em detrimento de todos os demais
gastos do Estado, rotula-se 'lei de responsabilidade fiscal'. À recorrente prática
de cortar gastos essenciais, para sustentar esses mesmos pagamentos, rotulase 'disciplina' ou 'austeridade', necessárias para formar um 'superávit primário'.
Ao desmonte dos mecanismos de defesa de uma economia periférica e frágil
rotula-se 'abertura'. Aos efeitos do desvio das contribuições sociais – recolhidas
pelo Estado, conforme a Constituição, para financiar o sistema de Seguridade
Social – rotula-se 'déficit da Previdência'. E assim por diante.
Esse procedimento nada tem de ingênuo. Cabe aos meios de comunicação
difundir esses rótulos e, pela repetição, incorporá-los à linguagem comum.
Feito isso, não há mais debate possível. Afinal, quem pode ser contra
'responsabilidade', 'disciplina', 'austeridade', 'abertura', 'superávit', coisas
evidentemente tão boas? Quem pode ser a favor de 'déficit', coisa
intrinsecamente tão ruim?
Em plena vigência de um regime político que garante liberdade de imprensa,
paradoxalmente, quase ninguém tem acesso aos conteúdos das questões.
Tudo fica paralisado no rótulo, ponto de partida e de chegada da mensagem,
na medida em que bloqueia qualquer pensamento.
O mesmo se dá na discussão que travaremos aqui. Também neste caso, o nome da
coisa – 'livre movimentação de capitais' – tem sido cuidadosamente escolhido para
matar e impedir o debate. Quem pode ser contra uma 'livre movimentação'? Não é a
liberdade um conceito legítimo
Brasil x USA
Acesse e leia: Brasil x USA - Coletânea
http://www.paulotimm.com.br/site/downloads/lib/pastaup/Obras%20do%20Tim
m/150630054514Brasil_USA_(1).pdf
"Algo
me assusta nessa euforia vira-latas ("de esquerda" no caso) com a recepção VIP
americana à presidente brasileira, e o susto me faz lembrar relatos das faustosas festas da
corte
portuguesa
a
reis
africanos
que
lhes
vendiam
escravos.
Os acordos militares que estão sendo celebrados são talvez preço alto demais pago pelo Brasil
para não ser militarmente atacado, já que politicamente o é, com a contratação da mídia
calhorda brasileira e dos eternos udenistas do judiciário para o golpe em curso..
Sei que, na raiz de 1964 e das conspirações anteriores na área militar - a república do Galeão,
os levantes de Jacareacanga e Aragarças no governo Juscelino Kubitschek, a quebra do
compromisso legalista e da matriz popular da força de terra -, está a doutrinação americana
fantasiada
de
treinamento..
Afora a pregação de amizades que não guardam segredos, o que se ensinou nessas escolas no Panamá, por exemplo - foram técnicas de violação dos direitos humanos; uma visão pretoe-branco do universo ideológico, tão pleno de matizes; e valores que deformaram o conceito de
democracia, reduzindo-a a formalidades e hipocrisias que ocultam a real dominação de classe
e
intenções
imperiais.
Segue-se, em inglês, nota divulgada pelo Pentágono sobre o encontro de Ministro Jaques
Wagner com Ash Carter, o Secretário de Defesa. É para ser lida nas entrelinhas. Nela destaco
a “discussão sobre meios de Brasil e Estados Unidos poderem continuar a colaborar no apoio a
parceiros internacionais” e a “importância do aprofundamento da cooperação nas trocas
comerciais e tecnologia de defesa objetivando oportunidades de futuro desenvolvimento e
produção
conjuntos”.
“Readout of Secretary of Defense Ash Carter's Meeting with the Brazilian Minister of Defense
Jaques
Wagner
Secretary Carter hosted Brazilian Minister of Defense Jaques Wagner today at the Pentagon to
discuss the U.S.-Brazilian defense relationship ahead of President Obama's meeting with
Brazilian President Rousseff tomorrow at the White House. Secretary Carter commended
Brazil's contributions to peacekeeping operations in Africa and around the world and discussed
ways that the U.S. and Brazil can continue to collaborate in support of international partners.
Secretary Carter and Minister Wagner discussed the importance of deepening trade and
defense technology cooperation noting opportunities for future co-development and coproduction. They also discussed the recent ratification of the defense cooperation agreement
and general security of military information agreement by the Brazilian Congress as signs of
deepening
cooperation
between
the
U.S.
and
Brazilian
military.
Finally,
Secretary Carter and Minister Wagner discussed security preparations for next year's
Olympics.”
8
Dia 18
15:45 – 17:30 - Dilemas contemporâneos . Discussão – Filme SONHO INTENSO
Ver mais
Um Sonho Intenso (2) - Documentário (trailer) - Direção: José Mariani
Relato das transformações do processo socioeconômico pontuado por interpretações de...
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Pelas sendas da modernidade
Christ's Entry into Brussels in 1889, James Ensor, 1888.
Pensar ou refletir sobre o hipertexto supõe contextualizá-lo, situá-lo no
cenário contemporâneo do qual faz parte e em que atua. Temos hoje perfeita
consciência de que a sociedade é regida por novos comandos, por uma
tecnociência computadorizada que invade nosso espaço pessoal substituindo livros
por microcomputadores e, assistindo a tudo isto, não sabemos onde vamos
aportar. Falar ou escrever sobre o mundo contemporâneo é verificar que, ao lado
de um progresso material impressionante, de descobertas e inovações
tecnológicas a que alguns chegam a atribuir poderes quase mágicos, grande parte
da
população
do
globo
permanece
no
mais
completo
estado
de
subdesenvolvimento e abandono, ao qual podemos adicionar os efeitos perversos
da globalização e da mundialização da economia e do mercado, geradores de uma
nova forma de exclusão social, representada pela multidão de desempregados e
famintos. Esta constatação nos coloca numa situação de angústia e perplexidade
frente ao que vemos, podemos descrever, tentamos compreender e talvez
transformar.
Theodor Adorno explica este panorama de absoluto paradoxo em que
progresso material e injustiça social estão juntos, sem que o primeiro elimine ou
diminua a segunda, pelo fato da sociedade contemporânea se reger pelo sistema
que ele qualifica como "capitalismo tardio", cuja característica marcante é
circunscrever um sistema social fechado sobre si mesmo, o que impede toda e
qualquer ação individual ou coletiva para se superar sua lógica perversa e injusta,
a lógica do sucesso ou do fracasso, que delega à razão somente a tarefa de
adequar tecnicamente os meios a fins que lhes são alheios e impostos (Adorno,
1999).
A construção deste cenário, com suas relações sociais absolutamente
características, onde estamos, bem ou mal, também inseridos e que denominamos
modernidade, tem suas origens, no plano econômico, ligadas ao advento da
máquina a vapor que impulsionou o capitalismo e, no plano das idéias, à Filosofia
das Luzes que, difundida a partir do século XVIII, pregava o desenvolvimento moral
e material do homem pelo conhecimento.
Para nos situarmos melhor, em relação à reflexão a que nos propomos,
voltemos um pouco àquelas origens: Foucault em uma aula pronunciada em 1983
no Collège de France ousa mesmo datar o nascimento do discurso filosófico da
modernidade - 1784. Naquele ano Kant tornou público seu ensaio "O que é o
Iluminismo" no qual apresentou a filosofia interrogando-se sobre si mesma e sobre
a atualidade. Até a divulgação do texto kantiano, a cuja data Foucault recorre, o
presente era visto somente em suas relações com o passado clássico. A partir daí
a atualidade se transforma em objeto de tematização autônoma, permitindo-se à
filosofia debruçar-se sobre o aqui e agora abandonando as verdades eternas
(Rouanet, 1998, pág. 222).
Historicamente o projeto civilizatório instaurado pelas Luzes afirmava a razão
e o método científico como as únicas fontes de conhecimento válido, rejeitava
qualquer concepção de mundo derivada do dogma, da superstição e da fantasia,
sustentando-se em três ingredientes conceituais, quais sejam: a universalidade, a
individualidade e a autonomia. O projeto visava todos os homens, enquanto
pessoas concretas, independentemente de fronteiras nacionais, étnicas ou
culturais, mas, ao mesmo tempo, tais pessoas deveriam agir por si mesmas,
participando ativamente de um projeto público e adquirindo por seus próprios
meios as condições de subsistência (Souza, 1996, pág. 736). Em linhas gerais,
enquanto proposta emancipatória, estava condicionado à determinação racional
dos fins - no debate e na efetivação de valores julgados belos, justos e
verdadeiros. Na medida em que saudava a criatividade humana, a descoberta
científica e a busca de excelência individual em nome do progresso, acolhia o
turbilhão das mudanças, da transitoriedade e da fragmentação, sem as quais a
modernização não poderia se realizar (Harvey, 1996, pág. 23).
A modernidade, tal como foi explicitada por Weber, um guia seguro, segundo
Rouanet (1998), para conceituá-la, se constitui, pois, no resultado daquele
processo de racionalização preconizado pelas Luzes - ligação do conhecimento
patrocinado pelas ciências com os valores universais de progresso social e
individual - que redundou em enormes modificações não só na sociedade como
também na cultura.
Por modernização social podemos entender, através de Weber, a
diferenciação da economia com o advento da economia capitalista, que supõe a
existência da força de trabalho formalmente livre, a organização racional do
trabalho e da produção, o cálculo contábil e a utilização técnica de conhecimentos
científicos, características a que se deve a expansão das nações capitalistas dos
séculos XIX e XX com suas metrópoles industriais, meios de comunicação e fontes
de energia, bem como o estabelecimento do poder da burguesia capitalista
proprietária dos bens.
À modernização social credita-se, também, a consolidação do estado
nacional como provedor de serviços e controle, baseado no poder militar
permanente, no monopólio da legislação, no sistema tributário centralizado e,
sobretudo, num crescente processo de burocratização.
Por modernização cultural Weber nos faz entender a dessacralização e a
racionalização das visões de mundo e sua substituição por esferas axiológicas
diferenciadas, até então embutidas na religião: a ciência, a moral e a arte.
Quanto ao homem, com o advento do mundo moderno, ele mesmo foi
separado dos outros homens e desmembrado no exercício de três papéis
diferentes e as vezes contraditórios: o de cidadão, enquanto membro da sociedade
política, o de burguês, enquanto agente econômico, e o de particular, enquanto
indivíduo e membro de uma família (Rouanet, 1998, pág. 240).
O desenvolvimento da ciência possibilitou o aumento do saber empírico,
colocado a serviço das forças produtivas. A moral, distanciando-se cada vez mais
da religião, deu origem a uma ética do trabalho, para Weber ligada ao
protestantismo e motivacional para o desenvolvimento capitalista. Posteriormente,
com o advento da psicanálise, os mecanismos da repressão foram desvelados
invertendo-se a hierarquia tradicional entre a razão e as paixões com a valorização
da espontaneidade e a supremacia do desejo em relação à racionalidade.
A arte, também por sua vez distanciando-se da religião, tornou-se mais e
mais autônoma com o aparecimento do mecenato secular e a produção artística
para o mercado.
Tais esferas atuando em espaços institucionais próprios como: universidades
e centros de pesquisa, no caso das ciências, comunidade de fiéis no caso da moral
e sistemas de produção, distribuição e consumo no caso das artes, se constituem
elementos funcionais em relação à modernização social, o que não quer dizer que,
vez por outra, não exista entre elas e o próprio sistema social, elementos de
contradição (Rouanet, 1998, pág. 229-231).
Foi através de Hegel e seus seguidores que a filosofia, por um lado exerceu
um papel bem definido, o de refletir sobre a modernidade, seus impasses e
contradições e por outro buscou resolvê-los, através da prática política como
preconizou Marx, reafirmando sempre, porém, sua confiança absoluta na razão
como instrumento adequado para instaurar a paz e a felicidade entre os homens.
Os princípios do Iluminismo foram, então, denunciados como doutrina da
burguesia e matriz do pensamento liberal, fontes da ideologia profundamente
arraigada no mundo ocidental - apresentando-se como ciência objetiva das idéias,
com primado da razão, propunham os seus valores como universais ao mesmo
tempo em que mascaravam, atrás do poder da objetividade, interesses subjetivos
de classe, sexo, raça e nação.
Estas críticas foram o móvel de grandes embates que, na primeira metade
deste século, colocaram em confronto as duas classes antagônicas: burguesia
capitalista e forças produtivas dividindo, de certa forma, o planeta em países
capitalistas e socialistas.
Com Nietzsche e, posteriormente, com Heidegger, a crítica da modernidade
se estendeu também à crítica da razão. O primeiro opondo a ela a renovação da
tragédia dionisíaca e o segundo buscando a origem do Ser. Para Nietzsche "todo
conjunto de imagens iluministas sobre a civilização, a razão, os direitos universais
e a moralidade de nada valiam. A essência eterna e imutável da humanidade
encontrava a sua representação adequada na figura mítica de Dionísio: Ser a um
só e mesmo tempo destrutivamente criativo." Para Heidegger o homem é um
movimento temporal que ele define como história. Entretanto, este movimento não
é uma soma de momentos e sim uma extensão compreensiva do passado, do
presente e do futuro.
O homem da moderna sociedade industrial, indivíduo solitário, perdido entre a
multidão das grandes cidades, construções que Baudelaire, segundo a
interpretação benjaminiana (Gagnebin, 1994, p. 58), definiu de maneira lúcida
como paradoxalmente triunfantes e frágeis, passou a ser fonte de inspiração e
tema das manifestações do movimento cultural denominado "Modernismo",
expressão da modernidade na arte e no pensamento. Os cânones da estética
modernista, sinalizados por suas vanguardas - futurismo, cubismo, expressionismo
- conduziam artistas, arquitetos, escritores a que buscassem exprimir o mundo,
cada vez mais confuso e fragmentado, através de novas linguagens que, em meio
ao caos vigente, traduzissem o universal e o eterno nele contidos.
Terry Eagleton, também nutrindo-se na fonte weberiana, afirma que antes da
ascensão do capitalismo as três grandes questões da Filosofia: o que podemos
saber?; o que devemos fazer?; e o que nos atrai?; correspondentes aos aspectos
cognitivo, ético-político, e estético-libidinal estavam intimamente associadas. A
partir da descrição de quem somos nós era possível saber o que fazer ou em que
nos poderíamos transformar, a arte, por sua vez, podia ser vista como forma de
conhecimento social sendo regida por padrões éticos normativos.
A modernidade descolou, uma da outra, as três grandes áreas da vida
histórica: o conhecimento, a política e o desejo. O conhecimento se libertou de
suas restrições éticas e amarras teológicas paralisantes e partiu em busca do que
antes era considerado tabu, contando somente com a autoridade de seus poderes
críticos e céticos. Com o nome de ciência desligou-se do ético e do estético,
perdendo paulatinamente contato com o valor.
A investigação ética, desatrelada do aparelho eclesiástico, viu-se livre para
levantar as questões da justiça e da dignidade sob perspectivas muito mais
abertas.
A arte, deixando de servir o poder político e libertando-se de suas funções no
interior da igreja, do tribunal e do estado passou a reger-se por suas próprias leis.
O seu significado tornou-se, então, meramente suplementar ligado ao lado afetivoinstintivo-não instrumental da psique, uma espécie de válvula de escape. Sua
independência em relação ao ético e ao político, porém, se deu de forma paradoxal
na medida em que aconteceu em função de sua integração ao mercado, sua
transformação em mercadoria. A estética, em contraposição, se propôs a reverter o
processo de divisão das áreas da história, estetizando a verdade e a moral:
propondo a arte como uma reconciliação ideal do sujeito com o objeto, do universal
e do particular, da liberdade e da necessidade, da teoria e da prática, do indivíduo
e da sociedade. Entretanto, incapaz de quebrar o sistema, legou-nos formas de
subversão secreta, de resistência silenciosa e recusa teimosa, sendo o
"Modernismo" uma de suas manifestações (Eagleton, 1993, pág. 264-266).
"A
modernidade",
escreveu
Baudelaire
em
seu
artigo,
qualificado
significativamente por Harvey de seminal, "Sobre a Modernidade" (publicado em
1863), "é o transitório, o efêmero, o contingente; é uma metade da arte, sendo a
outra o eterno e o imutável" (Baudelaire,1996, p. 25).
As artes assim concebidas, em relação à modernidade, deixam de ser
representação e passam a ser criação, no sentido estrito do termo. Características
significativas das novas linguagens são, por exemplo, na pintura a incongruência, a
assimetria, o não figurativo; na arquitetura, o primado da realidade funcional; na
música, o uso de harmonias dissonantes, a escritura atonal e na literatura, a
quebra da sintaxe, a busca de uma narrativa consciente da temporalidade, da
transitoriedade da vida e voltada para o registro da intensidade da experiência
interior.
House of the White Man (Bauhaus), Johannes Itten, 1920
Guittar, Pablo Picasso
Com Guimarães Rosa e Ciro dos Anjos, pequenos fragmentos da narrativa
modernista brasileira:
"Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é por idéias arranjadas,
outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias...
Tanta gente - dá susto se saber - e nenhum se sossega: todos nascendo,
crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza,
ser importante, querendo chuva e bons negócios... De sorte que carece de se
escolher:ou a gente se tece de viver no safado comum, ou cuida só de religião só"
(Rosa, 1993, pág. 16).
Riobaldo, figura de estranha psicologia, vastas dimensões humanas e
inacreditável cosmovisão, exibe um saber essencial, acessível ao homem de
qualquer latitude ou longitude. Através dele, de sua linguagem barroquizante e
artificiosa, o ficcionista como que logra um milagre da Literatura narrativa, no dizer
de Moisés: criar um mundo, com suas leis próprias, à imagem e semelhança do
mundo físico, no qual este se espelha e se revela (Moisés, 1971, p. 517).
"Pus-me a examinar colombinas fáceis, do lado da Praça Sete, quando
inesperadamente me vi envolvido no fluxo de um cordão. Procurei desvencilharme, como pude, mas a onda humana vinha imensa, crescendo em torno de mim,
por trás, pela frente e pelos flancos. Entreguei-me, então, àquela humanidade que
me pareceu mais cansada que alegre. Os sambas eram tristes e homens
pingavam suor. Um máscara-de-macaco deu-me o braço e mandou-me cantar.
Respondi-lhe que, em rapaz, consumi a garganta em serenatas e que esta, já
agora, não ajudava. Imagino a figura que fiz, de colarinho alto e pince-nez, no meio
daquela roda alegre, pois os foliões se engraçavam comigo, e fui , por momentos,
o atrativo do cordão. Tanto fizeram que, sem perceber o disparate, me pus a
entoar velha canção de Vila Caraíbas" (Anjos, 1957, p. 21-25).
"Que tenho eu com os dias que a folhinha assinala?", dirá Belmiro na frase
inicial do romance de memórias em que Ciro dos Anjos procura traduzir a solidão
de alguém que vive desligado da realidade cotidiana e miúda, alheio à passagem
administrativa das horas, exclusivamente absorto na contemplação de seu tempo
interior (Moisés, 1971, p.501).
Jamais, como no modernismo, tantas correntes, tantas escolas, tantos
"ismos" nasceram, mutuamente se influenciaram, de forma viva e complexa, no
sentido, não só de criar, mas de refletir sobre as próprias condições da criação
artística. No caso específico da literatura houve uma consolidação da crítica
literária que passou a classificar e julgar a produção literária a partir do "código
mestre" de um determinado gênero em cujas fronteiras a obra estaria ou não
localizada.
Pode-se dizer, salvo algumas manifestações culturais peculiares, que o
modernismo floresceu nas cidades. A necessidade de enfrentar problemas
psicológicos, sociológicos, técnicos, organizacionais e políticos advindos da
urbanização crescente concorreu para esse movimento que, mais que pioneiro na
geração de mudanças, foi uma forma de reação às novas condições de produção,
de circulação e de consumo, na medida em que codificou e refletiu as mesmas
mudanças, sugerindo linhas de ação capazes de explicitá-las (Harvey, 1996, pág.
89).
Ao desenvolvimento e progresso das metrópoles industriais é possível
atribuir, também, o enorme crescimento das classes médias urbanas e, com elas, o
destaque da estrela e vilã de nosso século - a cultura de massa, produção cultural
destinada aos grandes grupos de consumidores, simples e esteriotipada, com
objetivos claros e definidos: modificar alguns hábitos de comportamento e
conservar outros, evitando dificuldades intelectuais e aplainando conflitos de ordem
moral.
A partir dos fins da primeira metade do século, com o término da segunda
guerra mundial, de certa forma ainda estupefata pela absorção de suas horríveis
seqüelas, a sociedade, mobilizada pela propaganda e pelo consumo, pela
tecnociência aplicada à informação, pela intensa difusão da comunicação visual,
passou a assumir novas feições. Abriu-se, então, espaço para a crítica de um ideal
de racionalidade institucionalizado. Esta crítica permite pensar em toda a sua
complexidade mecanismos sociais concretos em razão dos quais se dá a gestão
das consciências.
Estão aí situados os trabalhos da Escola de Frankfurt em cujo contexto
encontramos o célebre conceito de "indústria cultural" cunhado por Adorno e
Horkheimer em 1947. Para eles não se trata apenas de constatar a existência do
capital atuando "na indústria do entretenimento", mas do exercício de controle do
período de lazer - o controle do tempo livre - em que "produtos culturais" são
postos à disposição dos "consumidores" para mantê-los alerta e treinados. A arte,
neste sentido, não só se torna integralmente mercadoria, mas também eficiente
mecanismo de controle social.
É interessante verificar que os trabalhos da escola de Frankfurt foram
apresentados principalmente sobre a forma de ensaios, propondo-se como
inacabados, incompletos, colocando, de certa forma, em questão o "gesto universal
e acabado do livro" (História da Filosofia, pág. 460). Procedentes de influência e
origens diversas os intelectuais frankfurtianos têm como denominador comum a
crítica à noção de progresso, tanto em sua forma hegeliana quanto marxista. Para
os teóricos da escola de Frankfurt, em que pesem as suas diferenças, toda filosofia
que vê no progresso científico e técnico o progresso da humanidade, ignora o
homem singular e histórico. Para Adorno e Marcuse há que se reconciliar, através
da arte: Logos, Eros e Chronos, daí a importância da dimensão estética. A arte,
para a teoria crítica da escola de Frankfurt, longe de ser ilusão, é a faculdade
cognoscente que aponta para um princípio de realidade diferente da lógica do
lucro.
Para Eagleton (1993, pág. 266) o Modernismo na arte, assim como a escola
de Frankfurt e, posteriormente, o pós-estruturalismo na teoria, só puderam alçar os
vôos que alçaram porque a estética tradicional de Schiller a Marx (e
acrescentaríamos Boudelaire) que prescrevia a arte como uma reconciliação ideal
das diferentes esferas da vida histórica, não logrou obter resultados. A estética em
seu modo negativo, a arte vista como o conhecimento negativo da realidade,
conforme Adorno, é que propiciou a tática de guerrilha secreta e resistência
silenciosa inerente àqueles movimentos, contrários a um capitalismo tardio, regime
inteiramente racionalizado e administrado.
Fonte: www.unicamp.br/~hans/mh/contexto.html
Atualidade de Marx_
César Benjamin
_
A história da modernidade é a história da formação, pela primeira vez, de um
sistema-mundo. Nos últimos quinhentos anos, as antigas sociedades humanas,
que existiram em relativo isolamento durante milênios, foram progressivamente
unificadas em um novo sistema muito mais amplo. Essa unificação foi feita por
meio da incorporação de áreas e povos ao controle e influência do antigo
ubsistema europeu.
Os agentes e promotores dessa transformação construíram suas próprias
maneiras de compreender e conferir sentido ao que faziam. Primeiro foi a
difusão do cristianismo, mas esse discurso correspondia à consciência de um
tempo histórico que estava sendo ultrapassado. Logo veio uma consciência
nova. O iluminismo forneceu os dois conceitos fundamentais que justificaram o
papel universal da burguesia européia: razão e liberdade.
Conceitos gêmeos. Até então, a revelação e a tradição é que forneciam normas
válidas para a organização da ida social. O pensamento só poderia ocupar um
lugar central se também dele fosse possível deduzir princípios e normas
universais que ultrapassassem os limites da mera opinião. Enorme desafio. Os
iluministas afirmaram que era possível superá-lo: o pensamento podia produzir
esses conceitos universais, e à sua totalidade eles denominaram razão. A
razão pressupunha a liberdade, pois o sujeito só pode atingir a verdade se o
seu esforço de conhecimento não reconhecer nenhuma autoridade externa que
lhe imponha limites. E a liberdade pressupunha a razão, pois ser livre é poder
agir de acordo com o conhecimento da verdade. Ao contrário dos defensores
das tradições, necessariamente vinculadas a sociedades específicas, as
vanguardas da modernidade européia logo proclamaram a validade universal
das suas proposições. As mitologias, as religiões, a arte, a tradição, o direito, o
Estado, a política e a economia, tudo foi julgado à luz do ideal homogeneizador
do progresso. Pela primeira vez, a história passou a ser encarada como um
processo. Inseridas nele, todas as demais formas de estar-no-mundo foram
declaradas arcaicas.
A crítica à consciência histórica da burguesia européia, feita por Marx,
começou por colocar essa consciência na história. Marx mostrou que o motor
da expansão européia não estava na razão ou na liberdade, considerados
como conceitos abstratos. Estava no desenvolvimento pleno, pela primeira vez,
das potencialidades e das contradições da formamercadoria.
Ela esteve presente, é verdade, na grande maioria das sociedades, mas
sempre de maneira marginal e limitada. A moderna sociedade européia a
libertou.
Isso ocorreu a partir da inclusão, no circuito mercantil, de três elementos que
sempre haviam ficado fora dele: a força de trabalho humana, a terra e os meios
de produção. Transformar coisas em mercadorias é banal, mas não é banal
transformar em mercadorias os atributos fundamentais das pessoas e da
natureza. Só então o circuito mercantil reorganizou à sua imagem e
semelhança, pela primeira vez na história humana, toda a vida social. Todos os
agentes sociais relevantes, inclusive os detentores do poder político, incluíramse nele. Toda produção passou a ser produção de mercadorias, e a
produção de mercadorias passou a ser feita por meio de mercadorias. Ao se
fechar, como a cobra que mordeu o próprio rabo, o circuito mercantil se tornou
imune a forças externas que lhe eram hostis.
Nos meados do século 19, Marx escreveu que a sociedade assim organizada
desenvolveria, pelo menos, três características novas: a) seria compelida a
aumentar incessantemente a massa de mercadorias, seja pelo aumento da
capacidade de produzi-las, seja pela transformação de mais bens, materiais ou
simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria;
b) seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido nesse circuito, de
modo que mais riquezas e mais populações dele participassem;
no limite, esse espaço seria todo o planeta; c) seria compelida a criar
permanentemente novos bens e novas necessidades; como as “necessidades
do estômago” são limitadas, esses novos bens e novas necessidades, criados
para dar sustentação a uma acumulação ilimitada de riqueza abstrata, seriam,
cada vez mais, bens e necessidades voltados para a fantasia, que
também é ilimitada.
Essa nova sociedade se desdobraria em três direções fundamentais:
promoveria uma revolução técnica incessante (voltada para expandir o espaço
e contrair o tempo da acumulação), realizaria uma profunda revolução cultural
(para fazer surgir o homem portador daquelas novas necessidades em
expansão) e formaria o sistema-mundo (para incluir o máximo de populações
no processo mercantil).
Tudo isso se confirmou. De certa forma, esse processo já pertence ao
passado, embora recente. Mas o percurso teórico de Marx não foi interrompido
aí. Seu verdadeiro lance de gênio foi ter percebido que o capital procuraria
ampliar suas possibilidades de acumulação em uma forma (que chamou D –
D’) na qual ele nunca deixaria de existir como riqueza abstrata. É, exatamente,
o que acontece hoje, com a disparada da acumulação financeira global. Marx
anteviu: quando essa forma se tornasse predominante, a civilização do capital
entraria em crise. Pois, ao repudiar as “coisas”, o trabalho e a atividade
produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, a acumulação de capital não
poderia mais ser o eixo em torno do qual a vida social se organiza. A formamercadoria teria então de ser superada ou, pelo menos, remetida novamente a
um lugar secundário, sendo substituída por algum outro princípio de
organização da vida social.
Marx nunca deixou de ser um filósofo, mesmo quando fez a crítica da
economia política. Eis o que quis nos dizer: mantida sob o comando do capital
e aprisionada nos sucessivos rearranjos da forma-mercadoria, a capacidade
criadora da humanidade – capacidade que decorre da sua liberdade essencial,
ontológica – poderia tornar-se muito mais destrutiva na época do capitalismo
senil, quando a potência técnica da própria humanidade já estaria muito mais
desenvolvida. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa
potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da liberdade (com a
abolição do trabalho físico, cansativo, mecânico e alienado) ou dadestruição
(com a escalada do desemprego e da guerra).
Essa me parece ser a disjunção mais relevante proposta por Marx e sua
profecia mais certeira. O capitalismo venceu. Estamos, finalmente, em um
sistema-mundo em que tudo é mercadoria, em que se produz loucamente para
se consumir mais loucamente, e se consome loucamente para se produzir mais
loucamente. Produz-se por dinheiro, especulase por dinheiro, mata-se por
dinheiro, corrompe-se por dinheiro, organiza-se toda a vida social por dinheiro,
só se pensa em dinheiro. Cultua-se o dinheiro, o verdadeiro deus da
nossa época – um deus indiferente aos homens, inimigo da arte, da cultura, da
solidariedade, da ética, da vida do espírito, do amor. Um deus que se tornou
imensamente mediocrizante e destrutivo. E que é insaciável: a acumulação de
riqueza abstrata é, por definição, um processo sem limites.
O capitalismo venceu. Talvez, agora, possa perder. Pois, antes que o novo
tenha condições de surgir, Hegel dizia, é preciso que o antigo atinja a sua
forma mais plena, que é também a mais simples e mais essencial,
abandonando as mediações de que necessitou para se desenvolver. O
momento do auge de um sistema, quando suas potencialidades
desabrocham plenamente, é o momento que antecede seu esgotamento e sua
superação.
As crises do mundo contemporâneo mostram que a acumulação de capital e a
formamercadoria não podem mais ser o princípio organizador da vida social. É
o desafio que está
posto para nós neste século. O pensamento de Marx nunca esteve tão vivo.
César Benjamin é autor de A Opção Brasileira (Contraponto, 1998, nona
edição) e Bom Combate (Contraponto, 2004). _
SETE COMPARAÇÕES ENTRE BRASIL E CHINA – Paulo Timm 12 nov.2011
Em memória de Antonio Castro, mestre e amigo,
que me ensinou a ver o desenvolvimento não pelas equações mas pela história e que passou os últimos
anos de sua vida dedicado à compreensão da China.
1.Comparando China e Brasil, as diferenças patrimoniais podem assim ser resumidas no quadro abaixo.
Considere-se ainda que a China é uma cultura milenar, nós, um povo e uma cultura ainda em formação.
Lembremo-nos que a população brasileira na virada do século XIX para o século XX era de pouco mais
de 10 milhões de almas, maior parte da qual penada por quatro séculos de escravidão:
Patrimônio
China(US$Trilhões)
Brasil(US$ Trilhões)
Total
7
7
Construído
1,1
1,4
Humano
5,2
2,5
Natural
0,7
3,1
Fonte Humberto Dalsasso – www.confecon.org.br
2.A China investe em tecnologia; o Brasil , simplesmente não só não investe – e este é um dos
principais obstáculos ao seu crescimento nos próximos anos, como pouco investe em
tecnologia. Veja-se, abaixo a evolução dos gastos em tecnologia da China, mais do dobro que o
Brasil:
.Fonte: www.auditoriacidada.com.br
Graças a isto a China consagra-se, como a GRANDE FÁBRICA do mundo, elevando com isto
o peso de sua INDUSTRIA no PIB e elevando, em conseqüência, a produtividade média da
economia ; o Brasil, consagra-se como o FAZENDÃO, ornado com grandes Rodeios de Peões
Boiadeiros que ganham concursos internacionais e pela devastação de suas florestas. No fim,
trocamos produtos agrícolas e minérios para a China e importamos produtos de mais alta
densidade tecnológica. Por sorte, graças à uma conjuntura favorável aos preços dos produtos
primários, não sucumbimos neste processo.
. A política industrial sempre privilegiou a produção do País sem enfatizar o controle
sobre a
tecnologia utilizada, ou mesmo o controle sobre o capital - que é necessário ao controle
dessa
tecnologia.10 O que se observa no Brasil é, primeiro, uma indústria que por formação e
situação
objetiva é estruturalmente dependente da tecnologia importada e, segundo, uma política
de ciência
e tecnologia que produziu um sistema público de C&T, mas encontrou grandes
dificuldades para
superar sua distância em relação ao setor produtivo.1
(http://www.defesabr.com/MD/Planobrasil/Programasaturno/md_projetoatom.htm)
3.A China INVESTE e PRODUZ , realizando grandes excedentes comerciais, graças às altas
taxas de crescimento do PIB ; o Brasil PRODUZ, a ritmo bem mais lento e CONSOME muito
endividando Governo, empresas, famílias.
Hoje o endividamento médio do brasileiro atinge 41% e quase dobrou nos últimos 5 anos.
Dados apresentados pelo diretor de Política Econômica do Banco Central, mostram que os
brasileiros têm, na média, uma dívida total que equivale a 41,3% do salário. Esse valor cresce
ininterruptamente desde 2006, quando o total dos empréstimos correspondia a menos de 25% da
renda. Ou seja, o endividamento médio dos clientes dos bancos quase dobrou em cinco anos. As
famílias usam todo mês 21,1% do salário para pagar financiamentos. Economista José Marcio
Camargo, disse que o tema preocupa e apresentou números diferentes: para ele, o pagamento
mensal das dívidas consome 43,3% do salário dos brasileiros - mais que o dobro do apontado
pelo Banco Central. (Estado de SP, 10)
4.A China prepara a sua juventude para ingressar na Sociedade do Conhecimento; o Brasil ,
vive um apagão não só de talentos, mercê da falênca de seu sistema educacional, mas até de
mão de obra para construção civil, um segmento industrial de baixa densidade tecnológica.
Indústria e Inovação
Brasil Econômico - 10/11/2011
Julio Gomes de Almeida
Um recente trabalho do professor Carlos Pacheco da Unicamp ("Uma Comparação entre a
Agenda de Inovação da China e do Brasil") traz uma conclusão importante: falta ao Brasil, de
fato, ampliar seu esforço de inovação, mas uma distinção relevante com relação à China reside
no peso da indústria no PIB. Se a participação da indústria brasileira fosse a mesma que a
indústria chinesa tem no seu PIB, com a mesma intensidade do gasto em inovação que já
fazemos, o investimento em P&D da nossa indústria seria de 0,73% do PIB, quase duas vezes
maior do que de fato é, ou seja, 0,37% do PIB, segundo dados de 2008. Na China, nesse mesmo
ano, o investimento em P&D da indústria equivalia a 0,97% do PIB.
O maior esforço inovador da China reside, assim, na relevância que o modelo chinês atribui à
indústria como alavanca de aproximação aos níveis de desenvolvimento de países mais
avançados. Outros pontos devem ser considerados, mas, em termos do esforço em P&D, três
quartos da distância entre os dois países se explica pelo peso relativo da indústria. E é notável
que no último ano para o qual se dispõe de informações mais detalhadas para as atividades de
inovação industrial, o ano de 2008, no segmento considerado de maior intensidade tecnológica
as diferenças em termos de P&D entre as duas economias fossem ainda pequenas.
O estudo também ajuda a desfazer outros mitos sobre as estratégias de inovação. Primeiramente,
o crescimento acelerado, tal como a China vem experimentando, cria oportunidades de novos
negócios e potencializa o investimento. E o novo investimento difunde produtividade e abre
caminho para a incorporação de novas tecnologias. Em outras palavras, o dinamismo econômico
ajuda na formação de um "ambiente favorável" à inovação, remodela culturas e
comportamentos, confere maior atratividade aos investimentos de risco, conecta mais a
economia com o mundo e premia o sucesso inovador na concorrência empresarial. Em suma, o
crescimento favorece o desenvolvimento de uma economia mais inovadora, o que, por sua vez,
reforça e amplia as fronteiras do crescimento. Em segundo lugar, se uma elevada escala de
produção é combinada com fatores sistêmicos favorecedores da competitividade industrial bons padrões de infraestrutura, custo de capital, tributação e câmbio -, os menores custos de
produção daí resultantes aprofundam a capacidade exportadora, o que renova a busca por
inovações como um diferencial de competitividade para o futuro. Isso é verdadeiro na China,
mas, salvo raras exceções, não no Brasil, aonde vem sendo esperado que a inovação compense
diferenciais sistêmicos de competitividade muito acentuados, o que certamente não é possível.
A natureza sistemática e continuada do planejamento chinês e a enorme ênfase na capacitação
em larga escala de recursos humanos na China comparativamente ao Brasil são fatores que
deverão contribuir para que o fosso entre os dois se aprofunde na atual década. Ademais, a
inovação e o desenvolvimento tecnológico são, na China, um componente de uma estratégia
nacional de desenvolvimento, enquanto no Brasil isso vem sendo verdadeiro para o agronegócio
e a economia do petróleo, graças ao sucesso inovador da Embrapa e da Petrobras, mas não para
a indústria.
Julio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e economista do IEDI
5.A China saiu em poucas décadas da bicicleta para o automovel chinês; O Brasil, com mais e
50 anos de industria automobilística e nenhuma marca nacional e o pior, até hoje, o núcleo
tecnológica desta indústria continua nas matrizes, no exterior.
16. Exemplo gritante é a indústria automobilística transnacional favorecida com subsídios
escandalosos desde o golpe de 1954, aumentados por JK. Isso prossegue, até hoje, com
empréstimos do BNDES a juros baixos e n outras benesses prestadas às transnacionais em geral.
17. De fato, elas se cevam também com incríveis subsídios à exportação, desde o final dos anos
60 (Delfim Neto), - isentadas de gravames em suas superfaturadas importações – bem como com
a isenção do ICMS na exportação, presenteada pela Lei Kandir/Collor. Cresceram no Brasil com
capital formado no próprio mercado brasileiro e com dinheiro público.
18. Este ano, em oito meses, só as montadoras de veículos transferiram ao exterior mais de US$
4 bilhões em lucros registrados, o que não inclui os ganhos com o subfaturamento de
exportações e o superfaturamento de importações, nem os serviços superfaturados ou fictícios
pagos às matrizes.
19. Agora, e mais uma vez, as montadoras estrangeiras foram agraciadas com proteção à
“indústria nacional”, mediante elevações do IPI para veículos importados, alegadamente para
evitar a “invasão” de carros chineses e coreanos. As montadoras aqui instaladas estão livres do
IPI majorado, utilizando 65% de componentes produzidos no MERCOSUL. A reserva de
mercado, que não existe para a indústria nacional, mesmo porque acabaram com ela, tornou-se
política governamental para favorecer os “investimentos diretos estrangeiros - IDES”.
(Adriano Benayon – in Dar direção aos movimentos)
6.A China prepara-se para colocar sua estação orbital; o Brasil, que já participou de cooperação
técnica à China no passado para a colocação de um satélite em órbita, vangloria-se, apenas, de
ter mandado um compatriota , hoje aposentado, fazer turismo no espaço.
Infelizmente, os governantes brasileiros ainda não despertaram para a
realidade do cenário mundial que se avizinha para este século e mais uma vez
fazemos jus ao título de país do futuro, pois todas nossas esperanças estão lá e
nada tem sido feito cá para que possamos um dia alcançá-lo.
Nosso gap tecnológico em relação às nações mais desenvolvidas é imenso e
cada vez mais estamos nos distanciando. Nossa estrutura social deve ser
mudada e adequada aos avanços do nosso tempo, do contrário,
permaneceremos um gigante adormecido, um país socialmente imaturo e
atrasado.
Ainda não despertamos para o fato de que o mundo está constantemente
mudando e que não podemos ficar parados esperando algo acontecer. Nem
mesmo após o fim da guerra fria entre EUA e URSS, período este em que
ficou ainda mais latente a discrepância de poder e de controle ao qual o
mundo está submetido.
A queda da URSS trouxe consigo ainda mudanças radicais em relação a trocas
tecnológicas por parte das nações desenvolvidas, e o que se tem observado é
que as nações tecnologicamente desenvolvidas estão cada vez mais reticentes
em ceder determinados conhecimentos aos seus “Aliados”, vide o programa
JSF, que tem sido motivo de embates ferozes entre os EUA e seu principal
aliado, o Reino Unido.
Até mesmo este termo “Aliado” precisa ser revisto, pois os conflitos recentes
tem demonstrado que amigos e colaboradores históricos, transformaram-se da
noite para o dia em inimigos eternos e os inimigos agora podem ser qualquer
um e a qualquer momento, diferentemente do período da guerra fria, onde
inimigo e aliado eram perfeitamente distinguíveis.
No cenário futuro, estes fatores tendem a piorar com o surgimento das novas
potências e divisão de poder, pois essas disputas não passarão longe dos
nossos domínios, ao contrário do que se tem pregado.
Portanto, faz-se necessário desde já uma mudança total em nossa sociedade,
ou, pela última vez, deixaremos passar o derradeiro bonde da história,
enterrando para sempre o tão sonhado desejo de tornarmos-nos a nação do
futuro.
Nos artigos que antecederam a este, foram apresentadas propostas para
programas destinados ao desenvolvimento de aeronaves visando suprir as
necessidades do Ministério da Defesa do Brasil. Nossa indústria aeronáutica, a
exemplo dos seus sucessos, já deu provas mais do que suficientes de que é
perfeitamente capacitada a enfrentar os desafios tecnológicos que o futuro
exigirá.
No entanto, precisará mais do que nunca do apoio de nossa sociedade,
políticas de longo prazo, aporte financeiro e incentivos ao desenvolvimento de
meios tecnológicos que sejam capazes de impulsionar o seu desenvolvimento
e sustentá-lo, consolidando assim nossa nação como país de destaque.
(http://www.defesabr.com/MD/Planobrasil/Programasaturno/md_projetoatom.htm)
7.A China já é o epicentro do desenvolvimento asiático, não só pelo peso de sua economia
interna, como pelo peso dos investimentos externos chineses na regiáo; avança, também, sobre
vários setores na Africa, comprando terras e dominando áreas de mineraçao. No Brasil o
investimnento chinês é espantoso. Já o investimento brasileiro no exterior e particularmente nba
China, é pífio.
2010 pode terminar com as empresas chinesas na posição de maiores fontes de
investimentos estrangeiros diretos (IEDs) no País. Projeções do mercado indicam que os
IEDs chineses no Brasil podem alcançar US$ 12 bilhões em 2010, um aumento de nada
menos do que 14.000% em relação ao ano anterior (US$ 82 milhões). Os chineses estão
hoje presentes na mineração, na siderurgia, nas áreas de energia e petróleo, no mercado
financeiro e estão ingressando no setor automotivo. Com reservas cambiais da ordem de
US$ 2,64 trilhões, a China estimula investimentos e compra de ativos em outros países
e não admira que tenha "descoberto" o Brasil.
(Editorial ESP 14nov2010 - A China é um perigo?)
CONCLUSÃO:
UM PAÍS MILENAR COMO A CHINA SABE OLHAR PARA O FUTURO;
PAÍS NOVO, O BRASIL, REPETE O PASSADO PRIMÁRIO-EXPORTADOR COM
ORGULHO.
Um dia , não muito distante, a China se democratizará.
Já o Brasil democrático de hoje, onde irá parar ...?
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“O homem moderno matou Deus, mas não conseguiu livrar