Cresol – Leituras complementares Tema 1.1. Capitalismo atual: configurações em geral e na AgriFam. – Prof. Paulo Timm Terry Eagleton, também nutrindo-se na fonte weberiana, afirma que antes da ascensão do capitalismo as três grandes questões da Filosofia: o que podemos saber?; o que devemos fazer?; e o que nos atrai?; correspondentes aos aspectos cognitivo, ético-político, e estéticolibidinal estavam intimamente associadas. A partir da descrição de quem somos nós era possível saber o que fazer ou em que nos poderíamos transformar, a arte, por sua vez, podia ser vista como forma de conhecimento social sendo regida por padrões éticos normativos. (...) A estética, em contraposição, se propôs a reverter o processo de divisão das áreas da história, estetizando a verdade e a moral: propondo a arte como uma reconciliação ideal do sujeito com o objeto, do universal e do particular, da liberdade e da necessidade, da teoria e da prática, do indivíduo e da sociedade. Entretanto, incapaz de quebrar o sistema, legou-nos formas de subversão secreta, de resistência silenciosa e recusa teimosa, sendo o "Modernismo" uma de suas manifestações (Eagleton, 1993, pág. 264-266). S.P.Rouanet – Pelas sendas da modernidade “O homem moderno matou Deus, mas não conseguiu livrar-se do seu cadáver...” Nietsche Tragédia, Modernidade, Ilusão, Necessidade, Contingência. A tragédia é mérito dos gregos3. Gênero literário que os gregos criaram e desenvolveram para representar a intensidade dinâmica e contraditória da existência. Gênero que lhes possibilitava participar da brincadeira paradoxal da existência, na qual o homem está submerso, desvencilhado de ressentimentos, de remorsos, de pretensões de uma teleologia para o mundo, para a existência humana. A tragédia grega apresentava-se como abertura humana ao contingente, às possibilidades da existência, como condição de participação intensa na dinâmica vital, envolta por forças que transcendem o homem, que lhe escapam ao entendimento, mas que ao mesmo tempo lhe proporcionavam a experimentação da intensidade de sua vida na physis4, submetida à voracidade de Crono5 que lhe consumia as forças vitais dia após dia. Sandro Luiz Bazzanella in “POSSIBILIDADES DA EXPERIÊNCIA DA TRAGÉDIA NA MODERNIDADE SEM ILUSÕES” _ “A história da modernidade é a história da formação, pela primeira vez, de um sistema-mundo. Nos últimos quinhentos anos, as antigas sociedades humanas, que existiram em relativo isolamento durante milênios, foram progressivamente unificadas em um novo sistema muito mais amplo. Essa unificação foi feita por meio da incorporação de áreas e povos ao controle e influência do antigo subsistema europeu. Os agentes e promotores dessa transformação construíram suas próprias maneiras de compreender e conferir sentido ao que faziam. Primeiro foi a difusão do cristianismo, mas esse discurso correspondia à consciência de um tempo histórico que estava sendo ultrapassado. Logo veio uma consciência nova. O iluminismo forneceu os dois conceitos fundamentais que justificaram o papel universal da burguesia européia: razão e liberdade. Conceitos gêmeos. Até então, a revelação e a tradição é que forneciam normas válidas para a organização da vida social. O pensamento só poderia ocupar um lugar central se também dele fosse possível deduzir princípios e normas universais que ultrapassassem os limites da mera opinião. Enorme desafio. Os iluministas afirmaram que era possível superá-lo: o pensamento podia produzir esses conceitos universais, e à sua totalidade eles denominaram razão. A razão pressupunha a liberdade, pois o sujeito só pode atingir a verdade se o seu esforço de conhecimento não reconhecer nenhuma autoridade externa que lhe imponha limites. E a liberdade pressupunha a razão, pois ser livre é poder agir de acordo com o conhecimento da verdade.” César Benjamin in Atualidade de Marx_ Como dizia meu avô, AFONSO PEREIRA: “Não se pergunte quanto V. paga de imposto. Pergunte-se quem acaba recebendo, através do Estado, na forma de juros da dívida pública, subsídios e outras quejandas “magistrais”, toda essa grana. Aí vai descobrir que há uma multidão pagando impostos e pouquíssimos privilegiados botando essa mesma grana nos bolsos, aliás, nos Bancos, os quais continuarão animando a ciranda do mercado financeiro no mundo inteiro, arrasando nações, empresas, gentes, senão a humanidade inteira...” Ele pensava, até , muito parecido com o Velho Marx, que não era nem Grouxo, nem Gordo, apesar de apelidado "O Mouro" “Os credores do Estado, na realidade, não dão nada, pois a soma emprestada é convertida em títulos da dívida, facilmente transferíveis, que continuam a funcionar em suas mãos como se fossem a mesma quantidade de dinheiro sonante. Porém, abstraindo a classe de rentistas ociosos assim criada e a riqueza improvisada dos financistas, a dívida do Estado fez prosperar o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia.” (K. Marx, O Capital, 1867) Deste modo, é evidente que um pré-requisito para o pleno emprego é uma relação adequada entre o equipamento existente e a força de trabalho disponível. O volume de equipamento deve ser adequado para empregar a mão-de-obra disponível e permitir ainda capacidade de reserva. Se a capacidade máxima do equipamento é insuficiente para absorver a mão-de-obra disponível, como é o caso dos países atrasados, a imediata obtenção do pleno emprego é certamente impossível. Se não existe capacidade, e de reserva ou é insuficiente, a tentativa de assegurar o pleno emprego a curto prazo pode facilmente levar a tendências inflacionárias em amplas seções da economia, pois a estrutura do equipamento não se combina necessariamente com a estrutura de demanda. E mesmo se a estrutura do equipamento combinar com a estrutura de demanda de pleno emprego no momento inicial, a deficiência de reservas causará subseqüentemente problemas quando ocorrerem deslocamentos na demanda. *KALECKI – 1944 - TRÊS CAMINHOS PARA O PLENO EMPREGO <http://www.desenvolvimentistas.com.br/desempregozero/2008/03/tres-caminhos-para-opleno-emprego/> “Toda teoria é simplificação, abstração, estilização. A teoria não espelha a realidade; extrai as caracteristicas salientes que expressam a essência dessa realidade... As boas teorias são abstrações pertinentes, e a pertinência se altera quando a história evolui. Em economia, as velhas teorias raramente são erroneas; apenas se tornaram não pertinentes. Examinando a teoria econômica em que fora formado, Keynes sentiu que ela não era mais aplicável ao mundo que ele conhecia...” Victoria Chick “Com efeito, essa relação estruturalmente assimétrica, e que pode ser definida ao mesmo tempo como central, para o Brasil, e como de segunda, ou de terceira, prioridade, para os EUA, passou, ao longo da história, por diferentes situações: da aproximação à indiferença, da aliança militar à desconfiança, da cooperação política à competição comercial, nas várias fases de um relacionamento que remonta ao período anterior à independência do Brasil ... O regime inaugurado em 2003 no Brasil introduziu mudanças significativas no padrão de relacionamento, ainda que a retórica diplomática tenha procurado manter a aparência de continuidade. Na verdade, muitas das iniciativas tomadas pelos governos lulo-petistas foram no sentido de consolidar uma orientação dita “anti-hegemônica” na política externa e de constituir organismos de consulta e de coordenação regionais afastados da esfera de influência dos EUA, a começar pelo implosão do projeto americano da Alca. Nesse sentido, o relacionamento passou pelo mesmo ciclo anterior de altos e baixos, com fases de reaproximação seguidas de afastamentos por falta de entendimentos políticos – como no caso da espionagem sobre as comunicações brasileiras feita pela National Security Agency – e por promessas de reativação das relações econômicas e comerciais que nem sempre se traduziram em ações concretas..” Paulo Roberto Almeida in “Visão Geral.. “www.diplomatizando.com.br Por isto, se costuma dizer que ocorreu uma “revolução financeira” na década de 1980, mas esta revolução provocou de fato um retorno às origens da relação entre o poder, a moeda e o crédito. Os EUA voltaram a definir, de forma soberana e isolada - com base apenas no seu poder - o valor da sua moeda e dos seus títulos da dívida pública que se transformaram numa referencia de circulação e liquidez internacional quase automática. E a mais recente “financeirização do capitalismo” cumpriu um papel decisivo na gigantesca acumulação de poder do estado norte-americano, das duas últimas décadas do século XX. Concluindo: enquanto se mantiver a centralidade internacional da moeda norteamericana, e dos mercados financeiros dos EUA e da Inglaterra, as finanças dos dois países seguirão operando como instrumentos fundamentais da reprodução e expansão do poder global e da hegemonia econômica das duas potencias anglo-saxônicos. O Poder e a finança internacional – J.Luiz Fiori www.cartamaior.com.br Detenho-me na Coluna do Ouvidor da Agência Brasil de 23 de dezembro passado na qual procura responder às contestações do leitor Aldonso R. Couto sobre a matéria daquela Agência sobre as negociações dos devedores do Programa de Agricultura Familiar (CMN vai discutir linha de crédito para agricultores familiares, diz ministro). Consta que o Governo Federal não tem um levantamento total dessas dívidas em todo o país. O Banco do Nordeste informa que tem, na carteira do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), R$ 4,6 bilhões. Desse total, 17% correspondem aos inadimplentes. http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2011/09/pequenosprodutores-estao-com-dificuldades-em-saldar-dividas.html . A verdade, sempre sonegada pela propaganda oficial , demonstra que a inadimplência do PRONAF atinge mais de 4 milhões de famílias, perto dos 15% fatais como teto estabelecido pelo sistema financeiro, conduzindo a uma virtual paralisação do setor. Em Roraima , a inadimplência chega a 86.3%, no Pará 75.5%, na Paraíba 63% e em Pernambuco , 60% -. ( Ver Pronunciamento do Deputado Beto Faro – PT/PA *) No Rio Grande do Sul a situação também é gravíssima e atinge milhares de agricultores: No Rio Grande do Sul, agricultores familiares já estão fazendo novos pedidos ao governo. No município de Sarandi, no norte do estado, Jandir Magnabosco deve R$ 8 mil, e afirma que as dificuldades para tocar a lavoura arrastam a dívida há seis anos. No dia 26 de agosto, o governo gaúcho fez uma proposta: liberar uma nova linha de crédito para ajudar a renegociação. Cada produtor poderia retirar até R$ 20 mil em novo financiamento com prazo de sete anos para pagar, sendo um ano de carência. Essa nova linha de crédito poderia ser usada para pagar parcelas em atraso ou dívidas que ainda estão para vencer, mas as lideranças da agricultura familiar não gostaram do anúncio. “A gente esperava que, de fato, o governo abonasse esse valor para os nossos agricultores, até porque era uma forma de nosso agricultor, na época, também, se viabilizar na sua propriedade. A gente tem visto que se tornou mais uma dívida para o nosso agricultor”, afirma Márcio Cassel, presidente do Sindicato de Agricultura Familiar de Sarandi. A Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Sul do País fez um novo pedido ao governo. Querem um aumento da linha de crédito de R$ 20 mil para R$ 30 mil por produtor, uma ampliação do prazo de pagamento de sete para 13 anos e um desconto de 46% nas parcelas que forem pagas em dia, daqui para frente. A linha de crédito anunciada pelo governo até agora é apenas uma promessa. Quanto às novas reivindicações da agricultura familiar, até agora não houve resposta dos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento Agrário. A carta indignada de Aldonso faz, pois, sentido: “O povo quer saber, principalmente a classe trabalhadora na agricultura familiar, pois há anos estamos trabalhando para pagar contas e juros em cima de juros. Quando se colhe uma safra razoável não se cobre os custos de produção, quando não se colhe, daí o produto tem valor. É impressionante que os governantes não tenham notado isso há anos atrás - o agricultor esta sempre em déficit, como vocês gostam de dizer palavras bonitas! Agora que o tal CMN [Conselho Monetário Nacional] formado por ministros que um dia foram nossos candidatos a deputado, senador e agora simplesmente nomeados MINISTROS [grifo do leitor], resolveram, embora sob pressão de nossos gritos de alerta, autorizar um novo empréstimo de uma quantia irrisória, com limite de até R$ 30 mil, por produtor em dez anos. Não repassam o dinheiro aos bancos na hora certa, pois sempre fica para depois, aguardando os pobres descalços e calejados afundarem-se mais em juros! Até quando vamos ter que esperar? Prestem bem atenção, pois tem gente que já morreu e só assim conseguiu apagar seus nomes desses órgãos de cobranças”. (Coluna do Ouvidor) Não vou entrar nos detalhes do desabafo do Ouvidor frente às costumeiras tergiversações da Agência Brasil diante das reclamações dos leitores: “Quando voltarmos ao assunto levaremos em consideração suas observações.” (cit. Coluna do Ouvidor) Ressalto a excelente oportunidade do Ouvidor, que ora se despede, para tristeza dos que acompanharam sua excelente atuação na difícil missão nos últimos anos, ao trazer à baila a questão do PRONAF. Deste programa depende 70 % da mão-de-obra ocupada no campo (IBGE – Censo Agropecuário 2006), responsável por 40% da produção de alimentos. Mas a inclemência das variações climáticas tem levado estes pequenos agricultores ao desespero: O déficit a que o leitor se refere já se tornou estrutural na agricultura brasileira, conforme admitiu o Deputado Federal Beto Faro em recente pronunciamento(*). Ele é o resultado de anos a fio de políticas públicas de financiamento que não atingem seus objetivos, conforme analisa o engenheiro agrônomo Lino Geraldo Vargas Moura, no artigo Plano de Safra 2011-2012 e a Agricultura Familiar . (Coluna do Ouvidor Ag.Brasil) A verdade, sempre sonegada pela propaganda oficial , demonstra que a inadimplência do PRONAF atinge mais de de 4 milhões de famílias, perto dos 15% fatais como teto estabelecido pelo sistema financeiro, conduzindo a uma virtual paralisação do setor. \ No Rio Grande do Sul, esta situação de inadimplência da agricultura familiar deve piorar, agora, com a seca . Paulo Timm - 2012 1. A grande importância do pequeno agricultor A chamada agricultura familiar constituída por pequenos e médios produtores, representa a imensa maioria de produtores rurais no Brasil. No Censo Agropecuário de 2006 foram identificados mais de 4,3 milhões de estabelecimentos de agricultura familiar. Eles representavam 84,4% do total, mas ocupavam somente 24,3% da área dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Enquanto isso, os estabelecimentos não familiares representavam 15,6% do total e ocupavam 75,7% da sua área. Dos 80,25 milhões de hectares da agricultura familiar, 45% eram destinados a pastagens, 28% a florestas e apenas 22% as lavouras. Ainda assim, a agricultura familiar mostra seu peso na cesta básica do brasileiro. Os dados do Censo de 2006 mostram que os pequenos produtores são responsáveis por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz e 21% do trigo. Na pecuária, a agricultura familiar também se destaca: produz 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos. As informações sobre educação na agricultura familiar revelam avanços, mas também desafios: entre os 11 milhões de pessoas envolvidas na agricultura familiar existiam pouco mais de 4 milhões de pessoas (37%) que declararam não saber ler e escrever. A maioria destes formada principalmente por pessoas de 14 anos ou mais de idade (3,6 milhões de pessoas) Guile Rocha* Os desafios da agricultura familiar (Parte 2): Os jovens no campo 1 dia atrás ... Os desafios da agricultura familiar (Parte 2): Os jovens no campo ... Por Guile Rocha ... Emater/RS e a sucessão na agricultura familiar ... www.afolhatorres.com.br/index.php?option=com_content&vie - 33k - Páginas semelhantes Os desafios da agricultura familiar (Parte 1): Soluções para o futuro 9 jul. 2012 ... Os desafios da agricultura familiar (Parte 1): Soluções para o futuro ... Por Guile Rocha*. O governo federal anunciou nesta semana que ... www.afolhatorres.com.br/index.php?option=com_content&vie - 27k - Páginas semelhantes Dia 16 de julho Tarde 13.30 – 15.00 – O homem e a sociedade. A singularidade da condição humana à luz da Filosofia e os papéis do Homem no mundo moderno: cidadão/consumidor no sistema da Sociedade, Indivíduo no Sistema da Família e proprietário/não proprietário no sistema da Economia. Universalidade, individualidade e a autonomia no Projeto de Emancipação. Sublimação e Tragédia. . O trabalho e a divisão social do trabalho na sociedade e na Empresa.. A formação da sociedade econômica. Progresso , desenvolvimento e nascimento das Ciências Sociais. Mercado e Planejamento. Os modelos de Marx, Durkheim e Weber. ISSN 1678-7730 Nº 88 – FPOLIS, DEZEMBRO DE 2007. POSSIBILIDADES DA EXPERIÊNCIA DA TRAGÉDIA NA MODERNIDADE SEM ILUSÕES Sandro Luiz Bazzanella POSSIBILIDADES DA EXPERIÊNCIA DA TRAGÉDIA NA MODERNIDADE1 SEM ILUSÕES2. SANDRO LUIZ BAZZANELLA Tragédia, Modernidade, Ilusão, Necessidade, Contingência. A tragédia é mérito dos gregos3. Gênero literário que os gregos criaram e desenvolveram para representar a intensidade dinâmica e contraditória da existência. Gênero que lhes possibilitava participar da brincadeira paradoxal da existência, na qual o homem está submerso, desvencilhado de ressentimentos, de remorsos, de pretensões de uma teleologia para o mundo, para a existência humana. A tragédia grega apresentava-se como abertura humana ao contingente, às possibilidades da existência, como condição de participação intensa na dinâmica vital, envolta por forças que transcendem o homem, que lhe escapam ao entendimento, mas que ao mesmo tempo lhe proporcionavam a experimentação da intensidade de sua vida na physis4, submetida à voracidade de Crono5 que lhe consumia as forças vitais dia após dia. 1O presente artigo apresenta-se como um esforço de discussão das possibilidades da experiência trágica na modernidade e para levar adiante este debate, nos remetemos na primeira parte do mesmo, à uma visão da dimensão trágica entre os gregos antigos para na segunda parte apontar algumas possibilidades do trágico na modernidade. Porém, queremos salientar que não faz parte de nosso esforço conceitual e discursivo entrar no debate sobre o sentido que o trágico assume no mundo antigo e no mundo moderno. 2A expressão utilizada na segunda parte do título deste ensaio “Modernidade sem Ilusões”, inspira-se da obra do sociólogo Zygmunt Bauman, pensador que articula, através de análise filosófica, sociológica, antropológica, uma significativa leitura frente aos principais temas do mundo ocidental contemporâneo. Esta terminologia perpassa algumas de suas obras, entre elas: “Ética pós-moderna (1997)”; “O Mal-estar da Pós-modernidade(1998)”. “Modernidade e Ambivalência (1999).” 3 (...). A tragédia grega, com sua safra de obras-primas, durou ao todo oitenta anos. Em uma relação que não pode ser causal, esses oitenta anos correspondem exatamente ao período da expansão política de Atenas. (...). O ápice da tragédia terminou ao mesmo tempo em que acabava a grandeza de Atenas. (ROMILLY, 1998, p. 08/09). 4A physis compreende a totalidade de tudo o que é. Ela pode ser apreendida em tudo o que acontece: na aurora, no crescimento das plantas, no nascimento de animais e homens. (...) compreendendo em si tudo o que existe. À physis pertencem o céu e a terra, a pedra e a planta, o animal e o homem, o acontecer humano como obra do 2 Ter inventado a tragédia é um glorioso mérito; e esse mérito pertence aos gregos. Há, de fato, algo de fascinante no sucesso que conheceu esse gênero, pois, ainda hoje escrevemos tragédias, passados já 25 séculos. Tragédias são escritas por toda a parte, no mundo todo.Mais ainda, continuamos, de tempos em tempos, a tomar emprestado dos gregos seus temas e seus personagens: ainda escrevemos Electras e Antígonas. (ROMILLY, 1998, P. 07). A tragédia remetia o homem a experimentar o caráter ambíguo de sua existência, lançado numa relação entre o absoluto e o individual, entre o universal e o particular, entre a necessidade e a contingência. A tragédia impulsionava-o ao reconhecimento de sua individualidade como condição de reconhecimento de sua humanidade. Porém, o reconhecimento de sua humanidade, ao invés de conferir-lhe segurança, tranqüilidade, colocava-o suspenso sobre o abismo existencial ao revelar o caráter contingente não necessário, precário de sua existência e por isso mesmo, convocada a participar intensamente da dinâmica vital, mesmo desconhecendo seus caminhos, seus desígnios. O conceito de trágico foi, às vezes, discutido pelos filósofos não só em relação à forma de arte que é a tragédia, mas também em relação à vida humana em geral, ou ao palco do mundo. O ponto de partida implícito ou explícito dessas discussões quase sempre é a definição aristotélica de tragédia, segundo a qual ela é “imitação de acontecimentos que provocam piedade e terror e que ocasionam a purificação dessas emoções” (Poet., 6, 1449 b 23). As situações que provam “piedade e terror” são aquelas em que a vida ou a felicidade de pessoas inocentes é posta em perigo, em que os conflitos não são resolvidos de tal modo que determinam “piedade e terror” nos espectadores. W Haeger escreveu: “na tragédia grega a felicidade, como toda posse, não pode ficar muito tempo com quem a detém: a perpétua instabilidade é inerente à sua natureza [...].” (ABBAGNANO, 1998, P. 968). O reconhecimento da dimensão trágica da existência colocava o homem grego diante do conflito proveniente do fato de ter que fazer escolhas entre o exercício da liberdade na necessidade, ou, da liberdade na contingência. A escolha do exercício da liberdade pautada na necessidade parte do pressuposto de que a existência está submetida a um princípio causal, de que a realidade existe em si e por si mesma, agindo sobre o homem e em sua rede de relações, o que permitia e permite ao ser humano pensar que há um sentido, uma verdade, uma finalidade, a partir da qual o mundo, a existência se orienta, ou, é orientada. E em outra direção, a liberdade podia e pode ser vivenciada na perspectiva da contingência, das infindáveis possibilidades que se apresentam à existência. Ou seja, o homem era e é desafiado a partir do pressuposto de que a realidade é mutável, imprevisível, caótica, dificultando ao homem e dos deuses, e, sobretudo, pertencem à physis os próprios deuses. (...) compreende a totalidade daquilo que é. BORNHEIM, Gerd A (Org). Os filósofos pré-socráticos. 3ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1977, p. 13. 5 Um dos deuses da mitologia grega (...) identificado muitas vezes com o tempo (...) Crono devora, ao mesmo tempo que gera; mutilando a Urano, estanca as fontes da vida, mas tornase ele próprio uma fonte, fecundando Réia.(BRANDÃO, 1997, p. 198). 3 homem sua previsibilidade, sua mensuração, colocando-o no campo da incerteza em relação ao sentido, às verdades, ou à finalidade que possa ter a existência, o mundo.Na história das idéias ocidentais, necessidade e contingência foram representadas por figuras míticas. A primeira, pelas três Parcas ou Moiras, representando a fatalidade, isto é, o destino inelutável de cada um de nós, do nascimento à morte. Uma das Parcas ou Moiras era representada fiando o fio de nossa vida, enquanto a outra o tecia e a última o cortava, simbolizando nossa morte. A contingência (ou o acaso) era representada pela Fortuna, mulher volúvel e caprichosa, que trazia nas mãos uma roda, fazendo-a girar de tal modo que quem estivesse no alto (a boa fortuna ou boa sorte) caísse (infortúnio ou má sorte) e quem estivesse embaixo fosse elevado. Inconstante, incerta e cega, a roda da Fortuna era a purasorte, boa ou má, contra a qual nada se poderia fazer [...]. (CHAUÍ, 1997, p. 360). O conflito trágico aprofundava-se na medida em que, dependendo da opção feita pelo homem, poderia apresentar-se a ele a possibilidade de assumir sua existência na intensidade lúdica e alegre de quem entende, sente ou intui, que viver é participar ativamente, no palco do mundo, da grande encenação da vida, em que cada ser humano é o ator principal, numa peça que será apresentada por ele uma única vez, o que conseqüentemente lhe exigia o máximo de empenho, de entusiasmo no desenrolar dos atos e das cenas vitais. Em outra perspectiva, poderia entender a existência como um fardo, determinada por forças que transcendem o homem e sobre as quais pouco poderia ser feito. Nesta perspectiva, o ideal de vida se estabelecia e se estabelece de forma heterônoma, de aceitação de valores vitais sobrehumanos, imutáveis, de um ideal de vida para além da própria vida. Portanto, o caráter trágico inerente à dinâmica existencial implicava, para os gregos antigos, o reconhecimento da intensidade ética e estética da existência humana, submersa na paradoxalidade de uma realidade isenta de um princípio causal, de sentido, de ordem predeterminada. A dimensão ética apresentava-se na possibilidade de realização da condição humana nas circunstâncias que lhe são próprias, no esforço do homem pensar e representar o mundo de acordo com sua vontade, de transcender a natureza, de criar seus valores, de participar com outros seres humanos desta aventura da criação do mundo num determinado tempo e espaço, como única possibilidade de realização pessoal e social. [...]. Assim o trágico consiste originalmente no fato de que, em tal colisão, cada um doslados opostos se justifica, e no entanto cada lado só é capaz de estabelecer o verdadeiro conteúdo positivo de sua meta e de seu caráter ao negar e violar o outro poder, igualmente justificado. Portanto, cada lado se torna culpado em sua eticidade. (HEGEL apud SZONDI, 2004, p. 42). A estética participava do trágico na medida em que perpassava a aventura em que o homem estava lançado, na medida em que a vivia na intensidade da alegria e do sofrimento, do prazer e da dor, da segurança de que suas opções eram as melhores em determinado 4 momento, mas também da incerteza de que os resultados finais poderiam garantir-lhe segurança, felicidade, ou, bem-estar. O trágico apresenta-se desta forma nos paradoxos inerentes à experiência existencial humana. Era a experiência vital do prazer, pelo simples fato de ter a oportunidade de viver, de existir num determinado momento desta explosão criativa da vontade, da qual não se tinha e não se tem a mínima noção em que ponto existencial, se estava, ou se está, onde se situa o cosmos, se é para a esquerda, para a direita, para baixo, ou para cima, ou se está simplesmente vagando num espaço sem começo e sem fim, mas mesmo diante deste desafiador mistério, participar da alegria vital de fazer parte deste jogo, sem começo e sem fim, desprovido de causalidade e finalidade. [...] na definição de J.H Kirchmann: o trágico é “declínio do sublime”. Essa definição só poderia ser salva se acrescentássemos que o declínio do sublime é causado por sua própria sublimidade, ou que o homem de fato não pode viver sem o sublime, e no entanto tem de anular o sublime justamente por meio da sua vida, por meioda realização do próprio sublime” (ZSONDI, 2004 P. 83). Colocarmos-nos diante do trágico na modernidade, exige dar-se conta de uma significativa mudança do sentido que possamos ter de tragédia em relação aos gregos antigos. Esta mudança relaciona-se diretamente com a visão cosmológica, ontológica, política e ética que se estabelece na modernidade sob a égide de uma racionalidade científica e técnica. O mundo moderno é um mundo quantificável, mensurável, submetido a leis universais que regem o movimento dos corpos celestes, reduzindo a physis grega e seu conjunto de forças cosmológicas em jogo, à matéria e energia, decompostos quimicamente e decifrados matematicamente. A política que entre os gregos fora a arte do bem-viver na cidade, transforma-se, ou reduz-se em biopolítica, em cuidado com a vida em sua dimensão eminentemente fisiológica, em controle sobre a da vida e da morte das pessoas. A vida deixa de ser um atributo individual, com o qual se podia jogar, para ser administrada, controlada, disciplinada pelo Estado. Na esteira destas perspectivas a dimensão ética assume outra condição, na medida que compete ao homem moderno desenvolver sua racionalidade na capacidade de observação e leitura das variáveis científicas, reduzse a margem de erro, de acaso, de jogo em relação as decisões vitais que porventura ainda terá que tomar. A máxima válida neste contexto apresenta-se na idéia de que tudo o que é tecnicamente factível, eticamente é justificável, sem maiores questionamentos. A própria história da filosofia do trágico não está livre de tragicidade. Ela é como o vôo de Ícaro: quanto mais o pensamento se aproxima do conceito geral, menos se fixa a ele o elemento substância que deve impulsioná-lo para o alto. Ao atingir a altitude da qual pode examinar a estrutura do trágico, o pensamento desaba, sem forças. Quando uma filosofia, como filosofia do trágico, torna-se mais do que o reconhecimento da dialética a que seus 5 conceitos fundamentais se associam, quando tal filosofia não concebe mais a sua própria tragicidade, ela deixa de ser filosofia. Portanto, parece que a filosofia não é capaz de aprender o trágico – ou então que não existe o trágico. (SZONDI, 2004, p. 77). Portanto, dar-se conta do trágico na modernidade requer que lancemos um olhar genealógico à mesma em seu esforço predominantemente epistemológico de racionalizar, cientificizar o mundo, a realidade, o homem. A tarefa de construção de uma ordem, de uma totalidade que respondesse aos anseios da condição humana, conferindo-lhe durabilidade, previsibilidade, regularidade em bases antropocêntricas, exigiu do homem moderno (a suspensão da idéia de deus, ou na perspectiva de Nietzsche, o homem moderno matou deus, mas não conseguiu livrarse do seu cadáver), a elaboração de um método para a busca do conhecimento, da verdade, das essências, batizado de científico. “[...]. Segundo o culto pragmatista das ciências naturais, existe apenas uma experiência que conta, a saber, o experimento científico.” (HORKHEIMER, 2000, p. 56), o que permite ao homem a objetivação do mundo através de sua fragmentação, através da articulação de um arcabouço conceitual que lhe possibilita universalizar suas descobertas, estabelecendo leis e princípios determinantes da realidade, superando a aparência, as crenças e superstições. “[...]. A modernidade proclamou a artificialidade essencial da ordem social e a incapacidade da sociedade de alcançar uma existência ordeira por si mesma.” (BAUMAN, 1999, P. 111). Para enfatizar que não surpreende o retorno do trágico hoje, cá e lá, vale a pena sinalizar que o contexto de mundo em que vivemos nos revela, em toda a sua intensidade, o fracasso das utopias, dos sonhos, das verdades e certezas conferidas à existência humana. Vivemos a desilusão nas promessas de alcance da cura dos males humanos e sociais. A impossibilidade de nos livrarmos das angústias, das incertezas, da necessidade de ter que tomar decisões sem ter garantias previamente calculadas e, entre elas. os riscos. Alguns dos principais acontecimentos no século XX, nos permitiram constatar que este esforço ordenador nos colocou em situação de risco permanente, de frustração e impotência. Na perspectiva de Zygmunt Bauman, estamos diante de uma “modernidade sem ilusões”, que tem que encarar a si própria desprovida de qualquer promessa, ou sonho de que algo, de que as ações humanas tenham um sentido previamente definido, justificando assim projetos, políticos, sociais duradouros, pretendentes a solucionar o drama existencial humano. A pós-modernidade, pode-se dizer, é a modernidade sem ilusões – a verdade em questão é que a “confusão” permanecerá, o que quer que façamos ou saibamos, que as pequenas ordens ou “sistemas” que cinzelamos no mundo são frágeis, temporários, e tão arbitrários e no fim tão contingentes como suas alternativas. (BAUMAN, 1997, p. 41). Estamos diante do fracasso parcial desse empreendimento civilizatório ocidental moderno: “[...] o projeto assimilatório moderno deu à luz a seus próprios coveiros.” (BAUMAN, 1999, p. 162), evidenciado a partir da exaustão, das conseqüências, dosequívocos, das dúvidas, das ambivalências6 que o esforço ordeiro moderno não conseguiu debelar, mas, pelo contrário, aumentou na medida de seu aprofundamento. O que a modernidade sem ilusões nos apresenta é a mudança no enfoque civilizacional para a situação da condição humana, a questão ontológica, os pressupostos políticos, éticos e estéticos inerentes a ela, como perspectivas centrais do debate contemporâneo. [...] vale ressaltar que já não nos surpreende que o tema da ética se tenha tornado tão recorrente entre nós, como cidadãos, como profissionais e como indivíduos. Sobretudo sentimo-nos dentro de um mundo em que se sente e se denuncia a “falta de ética”. Neste sentido, diz-se também que “não há mais valores” ou que se trata de “resgatar os valores...”. Por outro lado, sentimo-nos meio perdidos, inseguros perplexos a respeito do que seja um comportamento eticamente correto, acerca do que seja um valor moral. Trata-se de duas questões diferentes. (ASSMANN, 2003, p. 1). Num tempo marcado pela decadência dos princípios ordenadores universalmente válidos, pelas incertezas, pela multiplicidade e liquidez de possibilidades existenciais, quase todas atraentes, pequenas promessas de realização e felicidade momentâneas, cabem ao indivíduo, e somente a ele, o risco e conseqüentemente a responsabilidade pelas suas escolhas. “O sonho e a esperança de um mundo melhor passaram a ser colocados, desde então, em nossos próprios Eus. Não há mais limites para nossa ambição de ter um Eu cada vez maior, e por isso desprezamos todos os limites.” (BAUMAN, 2005, p. 03.). Neste sentido, as questões que nos movem, voltam-se para o sentido ético, estético, ontológico, existencial do homem, do mundo, da existência inserida num jogo de forças vitais. As questões cognitivas pertencem à epistemologia, enquanto as pós-cognitivas são primordialmente ontológicas; [...], as questões “pós-cognitivas” [...] remontam à questão fundamental do ser, que deve ser resolvida antes que a epistemologia possa assumir seriamente a sua tarefa e a qual a maioria das questões epistemológicas formuladas durante a idade moderna supunha resolvida. Assim, são questões tipicamente modernas: “O que há para ser conhecido? Quem conhece? Como o conhece? Como o conhece e com que grau de certeza?” As questões tipicamente pósmodernas não vão tão longe. Em vez de situar a tarefa para o conhecedor, elas tentam situar o próprio conhecedor. “O que é um mundo? Que tipos de mundo existem, como se constituem e como diferem? [...]. Note-se que as questões pósmodernas não encontram utilidade para a “certeza” ou mesmo para a “segurança”. Aunivocidade da epistemologia moderna parece irremediavelmente deslocada dessa realidade 6 A ambivalência possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função nomeadora (segregadora) que a linguagem deve desempenhar. O principal sintoma da desordem é o agudo desconforto que sentimos quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e optar entre ações alternativas. (BAUMAN, 1999, p. 9). 7 pluralista com a qual a indagação ontológica pós-moderna primeiro se reconcilia e à qual depois é dirigida. (BAUMAN, 1999, P. 112). A proposta civilizatória ocidental moderna, confrontando-se com seu reverso, ou seja, na perspectiva da modernidade sem ilusões, pode remeter o ser humano a um reencontro consigo mesmo. Abandonando-se a si próprio, negando sua participação na dimensão trágica enquanto condição humana, o homem nos primórdios da civilização ocidental7, entregou-se à árdua tarefa de erigir os pressupostos de uma racionalidade que o conduzisse de um estágio de menoridade, onde o exercício dos pressupostos racionais da ordem moderna não estavam presentes em sua totalidade, para a maioridade, significando sua autonomia de ser e estar no mundo, de pensá-lo, racionalizá-lo, ordenando-o da melhor forma possível na busca do alcance do progresso, de um futuro maravilhoso, de uma humanidade em harmonia. “O iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é ulpado.”(KANT, 1980, p. 11). [...] valores comuns a todos os inventores de utopias e sua preocupação comum com “um certo ideal de racionalidade feliz ou, se quiserem, de felicidade racional” – implicando uma vida num espaço perfeitamente ordenado e depurado de todo acaso, livre de tudo que seja fortuito, acidental e ambivalente. (BAUMAN, 1999, p. 47). Entregue ao árduo trabalho de construção de utopias, revoluções, propostas societárias próximas à perfeição, de identidades de classe, de pertença à nação, o homem moderno esqueceu de si mesmo, de sua individualidade contingente, passageira, frágil, esqueceu que os conhecimentos que constrói não passam de antropomorfismos do mundo, das coisas, de tudo aquilo que faz parte quotidianamente de sua vida. Esta percepção de sua condição trágica, da insustentabilidade para além das fronteiras humanas, daquilo que convencionou chamar de conhecimento, se dá no momento em que o homem moderno civilizado percebe que “[...] o significado mais profundo da ambivalência é a impossibilidade da ordem.” (BAUMAN, 1999, p. 161).Dar-se conta, resgatar esta dimensão trágica da vida num contexto de modernidade sem ilusões, em que as pretensões de estabelecer verdades, essências e transcendências caíram 7 civilização ocidental – A partir de um recorte temporal entendemos os últimos 2.500 anos, que partindo do desenvolvimento da racionalidade como meio de se chegar ao conhecimento da verdade, da virtude e alcance da felicidade, nasceu na Grécia Clássica, tomando conta posteriormente do Império Romano na fusão da culturas, criando a cultura Helênica. Sobreviveu alicerçando o pensamento dos povos que viriam compor a Europa e consequentemente expandindo-se com seu impulso colonizador destes por volta do século XIV ao “novo mundo”, chegando desta forma ao século XXI. Portanto, a civilização ocidental, caracteriza-se por um arcabouço racional, conceitual, científico, ético, moral, religioso que foi sendo construído ao longo destes dois mil e quinhentos anos e que são a base da organização do um mundo natural e social em que vivemos. Ou seja, as formas e os conteúdos a partir dos quais nos relacionamos conosco enquanto indivíduos, enquanto coletivos que forma uma estrutura gregária nomeada sociedade, em nossas relações com algo transcendente (Deus), com a natureza, com o mundo. 8 por terra, exige uma volta às origens do pensamento ocidental, de como os gregos conduziam a existência e participavam da tragédia, de como entendiam o mundo, a terra, o corpo, as paixões, os instintos, a manifestação da vida em sua diversidade, em sua constante e dinâmica renovação. “[...]. O mundo, portanto não tem máculas, nem defeitos; o universo não necessita de um sentido ou finalidade para além de si mesmo. A existência não precisa ser redimida, pois ela é plena em si mesma.” (BARRENECHEA, 2001,p. 116). [...]. Um vir-a-ser e perecer, um construir e destruir, sem nenhuma prestação de contas de ordem moral, só tem nesse mundo o jogo do artista e da criança. E assim como joga a criança e o artista, joga o fogo eternamente vivo, constrói em inocência – e esse jogo joga o Aion consigo mesmo. Transformando-se em água e terra, faz como uma criança, montes de areia à borda do mar, faz e desmantela; de tempo em tempo começa o jogo de novo. Um instante de saciedade: depois a necessidade o assalta de novo, como a necessidade força o artista a criar. Não é o ânimo criminoso, mas o impulso lúdico, que, sempre despertando de novo, chama à vida outros mundos. Às vezes a criança atira fora seu brinquedo: mas logo recomeça, em humor inocente. Mas, tão logo constrói, ela o liga, ajusta e modela, regularmente e segundo ordenações internas. (NIETZSCHE, 1978, p. 36). Talvez, uma das perspectivas da modernidade sem ilusões apresentada por Bauman8 é a possibilidade de o homem civilizado aproximar-se novamente desta dimensão trágica da vida, proporcionada pelo contexto existencial imerso em manifestações ambivalentes, pela insegurança que aflige o homem quotidianamente na ausência de instituições e autoridades com poder suficiente para dizer o que fazer, como fazer e quando fazer. Na medida em que este homem civilizado, desiludido, vai percebendose contingente, frágil, precário, passageiro, participante de um jogo disputado ao acaso neste tempo e espaço, de que neste jogo o que menos interessa são as regras previamente definidas que possam garantir ordem e disciplina aos participantes, pois as mesmas são construídas durante o próprio jogo. O resultado não é o fim último do jogo, mas o que importa é o fato de estar jogando, enquanto o jogo durar e de perceber que nenhum resultado neste jogo é irreversível. Para Nietzsche, nosso ideal, nesse aprendizado, continua a ser os gregos dos tempos de Homero. Eles foram, segundo Nietzsche, superficiais por profundidade; a famosa ingenuidade e serena jovialidade dos gregos era ‘apenas’ um artifício, uma máscara, superfície e fachada: para desviar o olhar dos horrores e sofrimentos da existência, eles criaram as figuras maravilhosas da beleza artística apolínea. Também nós, homens modernos, condenados a renascer das próprias cinzas, resgatando-nos dos escombros da nossa tradição, temos que aprender a rir de nossa própria gravidade, pois nosso destino nos condena a ensaiar passos de dança mesmo e sobretudo à beira do abismo. (JÚNIOR, 2001, p. 149). 8 Registramos que na obra de Zygmunt Bauman publicada até o presente momento, não encontramos referências, ou textos que se reportem diretamente a dimensão trágica da existência. Porém, a participação do autor no debate sobre “As possibilidade da experiência trágica na modernidade sem ilusões” se dá na medida em que é marcante em sua obra o enfoque ambivalente que estabelece em relação a existência humana. A idéia de ludicidade, de jogo em que insere a vida humana perpassa seus textos, suas entrevista e obras. 9 Para Zygmunt Bauman, a modernidade sem ilusões é a manifestação de uma certa dose de infelicidade derivada da decepção de que, frente à sonhada ordem projetada por hábeis engenheiros sociais, administrada e legislada por políticos e filósofos, destinada a perpetuar-se pela eternidade, conferindo sentido e finalidade à vida, não se realizará, exigindo que se viva sem a esperança que norteava os esforços ordenadores, que se faça a experiência da precariedade e da contingência das verdades, das certezas e essências, em nome das quais sacrifícios e vidas humanas foram consumidas . “O mundo racional e universal da ordem e da verdade não conheceria contingência nem ambivalência. O alvo da certeza e da verdade absoluta era indistinguível do espírito conquistador e do projeto de dominação.”(BAUMAN, 19993, p. 246). A experiência trágica na modernidade sem ilusões apresenta-se também através da ambivalência da situação em que nos encontramos: se, por um lado, estamos de certa forma condenados a viver sem esperança de alcance de certezas e verdades, por outro lado, esta mesma condição de desesperança é que pode nos levar a refletir a vida sob uma condição trágica de existência, na medida em que nos dermos conta de nosso caráter contingente, parcial, momentâneo que habita e confere uma dinâmica de renovação das forças vitais, em sua multiplicidade de manifestações. Esta situação traz consigo o desafio existencial de vivenciarmos a experiência da liberdade numa profundidade humana sem precedentes, numa perspectiva autônoma, com a responsabilidade de arcarmos com as conseqüências de nossas apostas, de nossas decisões, desprovidas de garantidas de previsibilidade, ou de que alguma instância acima de nós possa assumir o ônus, caso nossas apostas não se confirmarem. ‘[...] .A liberdade sem precedentes que nossa sociedade oferece à seus membros chegou, como há tempos nos advertia Leo Strauss, e com ela também uma impotência sem precedentes. (BAUMAN, 2001, p. 31). A experiência da contingência existencial, que pode se manifestar na percepção do ser humano civilizado moderno, de ele ser apenas mais um participante do jogo do acaso, das forças cosmológicas que impulsionam a vida, podem, levá-lo a vivenciar a tragicidade da existência num diálogo silencioso consigo mesmo, com suas paixões, com seus instintos, com o mundo, sem necessitar fazer perguntas e obter respostas que lhe confiram certezas e seguranças . “[...]. Emancipação significa essa aceitação de sua própria contingência como razão suficiente para viver e ter permissão de viver.”(BAUMAN, 1999, p. 248). Viver a partir de uma perspectiva trágica coloca-se no sentido de viver a vida como ela se apresenta e deixar o outro viver. A modernidade caracteriza-se pela “seriedade”, seja ela, científica, econômica, acadêmica, ou, existencial, apresentando-se como exercício 10 ascético de construção de verdades e certezas, o que significa reprimir a vida em nome de uma suposta cientificidade. São poucos os momentos de riso, de uma sociedade que se dá o direito de rir de si própria, e ainda nos poucos momentos em que sorri é porque lhe avisam que esta sendo filmada. “Como estamos condenados a dividir o espaço e o tempo, vamos tornar nossa coexistência suportável e um pouco menos perigosa.” (BAUMAN, 1999, p. 248). Desprovida de verdades e certezas e conseqüentemente imposições, a vida sendo assumida em sua tragicidade, talvez, possa experimentar com maior intensidade esse caráter lúdico da existência, a dinâmica do jogo, onde o resultado final pouco importa, a não ser o fato de poder estar jogando. As verdades e certezas duramente conquistadas ao longo do projeto ordenador moderno não reservaram espaço em suas arquiteturas para o lúdico, para o jogo, para a contingência. O que presenciamos perplexos - manifestação da ambivalência inerente à ordem que negava - é o fato de que onde se afirmaram sistematicamente verdades e certezas e onde se agiu em nome da verdade, derramou-se sangue, mortes, extermínios, intolerância se justificaram e a vida foi reprimida em sua diversidade de manifestações. Precisamos avaliar a evidência de que o processo civilizador é, entre outras coisas, um processo de despojar a avaliação moral do uso e exibição da violência e emancipar os anseios da racionalidade da interferência de normas ética e inibições morais. Como a promoção da racionalidade à exclusão de critérios alternativos de ação, e em particular a tendência a subordinar o uso da violência a cálculos racionais, foi de há muito reconhecida como uma característica da civilização moderna [...]. (BAUMAN, 1998, p. 48). Assumir a vida, a partir de uma perspectiva trágica, em meio às ambivalências de uma modernidade sem ilusões, é a possibilidade de se assumir a vida em sua manifestação máxima da vontade de potência9, força vital que dinamiza a vida. Fazer esta opção é assumir os riscos desta escolha, de viver a partir da insegurança, da ludicidade e do acaso que se apresentam como características vitais da existência. “[....]. Não mais grandes líderes para lhe dizer o que fazer e para aliviá-lo da responsabilidade pela conseqüência dos seus atos; no mundo dos indivíduos há apenas outros indivíduos cujo exemplo seguir na condução das tarefas da própria vida, assumindo toda a responsabilidades pelas conseqüências de ter investido a confiança nesse e não em qualquer outro exemplo.” (BAUMAN, 2001, P. 38) por sua vez – com sua noção de vontade de potência – não deseja afastar os aspectos terríveis ou 9 Nietzsche, sofredores do mundo. Admirando a força da vida e o poder que ela tem de se superar, ele rejeita a resposta hedonista ou eudemonística para o problema do sofrimento. (...) O conceito da vontade de potência, com sua mescla de dor, prazer e força, é uma verdadeira reaparição dos aspectos maiores do conceito de dionisíaco. [...] um mundo entregue à sua dimensão física, fenomênica, aleatória – este é o mundo trágico tal como Nietzsche o concebe. (...). A vontade nietzschiana é uma força que sempre se opõe a uma outra força, sendo o combate entre as formas o dinamismo e a essência da vida psíquica e da vida social. (BRUM, 1998, 68/69). 11 A experiência trágica contemporânea derivada de uma modernidade sem ilusões, impulsiona a assumir os riscos da incompreensão, de não ser aceito, ou mesmo ser banido pelo conjunto do rebanho que conduz sua existência à procura de alguma autoridade ordenadora, seja esta autoridade presente naquilo que sobrou do cadáver de deus, seja na manifestação das ordens do mercado financeiro, do consumo, na eternidade do instante. “Experimentação significa admissão de riscos, e admitir riscos em estado de solidão, sob sua própria responsabilidade, contando apenas com o poder de sua própria visão, como a única chance de a possibilidade artística obter o controle da realidade estética.”(BAUMAN, 1998, p. 138). Vede, eu vos ensino o super-homem! O super-homem é o sentido da terra. Fazei a vossa vontade dizer: ‘que o super-homem seja o sentido da terra!’ Eu vos rogo, meus irmãos, permanecei fiéis à terra e não acrediteis nos que vos falam de esperanças ultraterrenas! Envenenadores, são eles, que o saibam ou não. Desprezadores da vida, são eles, e moribundos, envenenados por seu próprio veneno, dos quais a terra está cansada; que desapareçam, pois, de uma vez! Outrora, o delito contra Deus era o maior dos delitos; mas Deus morreu e, assim, morreram também os delinqüentes dessa espécie. O mais terrível agora é delinqüir contra a terra e atribuir mais valor às entranhas do imperscrutável do que ao sentido da terra! Outrora, a alma olhava desdenhosamente o corpo; e esse desdém era o que havia de mais elevado: queria-o magro, horrível, faminto. Pensava, assim, escapar-se dele e da terra. Oh, essa alma era, ela mesma, ainda magra, horrível e faminta; e a crueldade era a sua volúpia!Mas também ainda vós, meus irmãos, dizei-me: que vos informa vosso corpo a respeito davossa alma? Não é ela miséria, sujeira e mesquinha satisfação? Em verdade, um rio imundo, é o homem. E é realmente preciso ser um mar, para absorver,sem sujar-se, um rio imundo. Vede, eu vos ensino o super-homem: é ele o mar onde pode submergir o vosso grande desprezo.(NIETZSCHE, 1998, p. 30). Portanto, a experiência trágica na modernidade sem ilusões nos coloca diante do paradoxo, do peso de sermos livres. Assumir a liberdade neste contexto contingente, significa assumir integralmente os riscos de nossas opções, de nossas possibilidades existenciais individuais e sociais. Assumir o fato de que não há salvação num horizonte previsível, mas sim seu oposto, o aniquilamento, a morte, apresenta-se com intensidade garantida. A liberdade na contingência pode nos remeter a olhar o mundo não como uma obra de arte, fruto da vontade e benevolência de algum criador, mas como realização humana demasiadamente humana, com todos seus limites, na medida em que a experiência do limite se dá no confronto como o ilimitado constituindo o trágico, como possibilidade de alcance da felicidade. Mas por outro lado, nesta modernidade sem ilusões a experiência trágica de nossa condição apresenta-se também no fato de não suportarmos o peso do exercício de uma 12 liberdade na contingência, correndo o risco de fundar novas transcendências, de atribuir a algo que nos transcende a culpa pelos nossos infortúnios, frustrações. [...] Mas será essa tarefa, de inventar a si mesmo e ao mundo, realmente possível? O sofrimento imposto por um mundo limitado foi substituído por um sofrimento, não menos doloroso, provocado pela interminável obrigação de escolher, quando não temos nenhuma confiança nas escolhas que fazemos e nos seus resultados. (BAUMAN , 2005, P. 04) Assim como para os gregos antigos que celebravam na tragédia a pujança da vida, a alegria de viver, talvez se abra para nós, seres humanos modernos, desiludidos com a mortede deus, ou, desesperados com a fuga dos deuses, possibilidades de nos posicionarmos de forma realista diante da vida e do fato de que morremos, mas que neste intervalo entre nascimento e morte podemos encenar, brincar, iludir e nos deixar iludir, ou seja, sob qualquer circunstância afirmar a vida, o otimismo vital. [...] Otimistas são as pessoas que acreditam que o mundo que temos hoje, o mundo em que vivemos, é o melhor mundo possível. Pessimistas, por outro lado, são as pessoas que suspeitam que os otimistas podem estar com a razão... (BAUMAN, 2005, p. 05) 13 Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ASSMANN, Selvino José. Crise ética e crise da ética a partir da pergunta pela ética profissional. 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Entrevista para o site no mínimo Entrevista, Segunda feira, 19 de Dezembro de 2005, acessado em 28/07/2006, páginas 1-4 http://voodoobrasil.blogspot.com/2005/12/nufragos-num-mundo-lquido-zymund.html 14 BRUM, José Thomaz. O Pessimismo e suas vontades: Schopenhauer e Nietzsche. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia .6.ed. São Paulo: Editora Ática, 1997. HORKHEIMER, Max. Eclípse da Razão. São Paulo: Centauro Editora, 2000. JÚNIOR, Oswaldo Giacoia. Nietzsche: um século depois. In: BARRENECHEA, Miguel Angel; CASANOVA, Marco Antonio; DIAS, Rosa; FEITOSA, Charles (org.). Assim falou Nietzsche III – Para uma filosofia do futuro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura e outros textos filosóficos. Seleção de Marilena de Souza Chauí Berlinck São Paulo: Ed. Abril cultural, 1974. 397 p. (Coleção os pensadores). NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras incompletas. Seleção de textos de Gérard Lebrun; tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho; posfácio de Antônio Cândido de Mello e Souza. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978, 416 p. (Os Pensadores). ___________. Assim Falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Tradução de Mario da Silva. 9ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. ROMILLY, Jacqueline de. A tragédia grega. Tradução de Ivo Martinazo. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. SZONDI, Peter. Ensaio sobre o Trágico. Tradução: Pedro Süsseking. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, Fonte>http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/viewFile/1400/4 472 História e planificação Pereira, Luiz. ENSAIOS DE SOCIOLODIA DO DESENVOLVIMENTO Livraria Pioneira Editora. São Paulo. 1970. Capítulo 1. A problemática da planificação, assim delineada, envolve, no fundo, discussão sobre diferentes concepções da Política e do Estado. Estas, por sua vez, envolvem diferentes concepções sobre o processo histórico (a História). E estas últimas, adesão a diferentes teorias do conhecimento no campo das ciências sociais. O conjunto de concepções diferentes a esses quatro planos – teoria do conhecimento, concepção da História, concepção da Política e concepção do Estado – pode ser ilustrado apelando-se a três clássicos da sociologia: Durkheim, Weber e Marx. Com intenções didáticas, produzimos algumas de suas formulações, a fim de explicitarmos três posições teóricas típicas a respeito das conexões entre política e planificação. No caso de Durkheim, os seguintes excertos, em série necessariamente longa porque as duas outras posições serão explicitadas por confronto com a dele, resumem, para nossas finalidades, as concepções, defendidas em De La Division Du Travail Social (da qual citamos, acrescentando alguns grifos e parênteses, a 7ª. edição: Presses Universitaires, Paris, 1960). Como se sabe, trata-se de obra escrita ao findar do século XIX e que se destina a interpretar a crise da sociedade (capitalista “central”) daquela época e a propor uma linha de atuação prática para enfrentá-la. Objetiva-se que ao método de observação faltam regras para julgar os fatos recolhidos. Mas esta regra depreende-se dos fatos mesmos... Há um estado de saúde moral que só a ciência pode determinar com competência. Normalmente, os costumes não se opõem ao direito, mas, ao contrário, são a base deste... Desde que o direito reproduz as formas principais da solidariedade social, não precisamos senão classificar as diferentes espécies de direito para procurar saber, em seguida, quais são as diferentes espécies de solidariedade que àquelas correspondem... Nota-se que, sempre que um poder dirigente se estabelece, sua primeira e principal função é a de fazer respeitar as crenças, as tradições, as práticas coletivas; ou seja, defender a consciência comum (coletiva) contra todos os inimigos de fora ou de dentro. Ele torna-se, assim, aos olhos de todos, o símbolo, a expressão viva desta... Vê-se... que o poder de reação de que dispõem as funções governamentais, uma vez que elas tenham feito sua aparição, não é senão uma emanação do que é difuso na sociedade, pois nasce deste. Um não é senão o reflexo do outro. A divisão do trabalho é... um resultado da luta pela vida, mas ela lhe é uma solução. Graças a ela, com efeito, os rivais não são obrigados a eliminar-se mutuamente, mas podem coexistir uns ao lado dos outros. Também, à medida que se desenvolve, ela fornece a um maior número de indivíduos – que nas sociedades mais homogêneas seriam condenados ao desaparecimento – os meios de manterem-se e sobreviverem. Há para uma sociedade, em cada momento de sua história, uma certa intensidade da vida coletiva que é normal, sendo dados o número e a distribuição das unidades sociais. De maneira segura, se tudo decorre normalmente, esse estado realizar-se-á de modo espontâneo; mas, precisamente, não se pode admitir que necessariamente as coisas se dêem normalmente. Se a saúde está na natureza, o mesmo ocorre com a doença. A saúde não é mesmo, tanto nas sociedades como nos organismos dos indivíduos, senão um tipo ideal, que não é, em nenhum caso, realizado completamente... É, pois, um fim digno de ser perseguido o procurar aproximar, tanto quanto possível, a sociedade desse grau de perfeição. ... a via a seguir para atingir esse fim pode ser encontrada. Se em vez de deixar as causas engendrarem seus efeitos ao azar e segundo as energias que as impulsionam – se a reflexão intervém para dirigir-lhes o curso, ela pode poupar aos homens tateios dolorosos... A sociologia, em seu estado atual, está pouco em estado de guiar-nos eficazmente na solução desses problemas práticos. Mas, além das representações (concepções) clara no meio das quais o sábio se move, há outras concepções obscuras às quais estão ligadas certas tendências (sociais, coletivas). Para que a necessidade estimule a vontade, não é necessário que seja iluminada (por completo) pela ciência. Tateios obscuros bastam para ensinar aos homens que algo lhes faz falta, para despertar aspirações e fazê-lo, ao mesmo tempo, sentir em qual sentido devem dirigir seus esforços. Em nenhum caso o ideal poderia consistir em exaltar sem limites as forças da sociedade, mas somente em desenvolvê-las no limite dado pelo estado definido ao meio social. Todo excesso é um mal, tal como toda insuficiência... Mas, se o ideal é sempre definido, ele jamais é definitivo. Dado que o progresso é uma conseqüência das mudanças do meio social, não há razão alguma para supor-se que ele deve cessar... Justamente porque o ideal depende do meio social, que é essencialmente móvel, ele desloca-se sem cessar... Mas, embora nós não persigamos sempre senão fins definidos e limitados, há e haverá sempre, entre os pontos extremos (onde nós chegamos e o fim para o qual tendemos) um espaço vazio aberto a nossos esforços. Até aqui não estudamos a divisão do trabalho senão como um fenômeno normal. Mas, como todos os fatos sociais e, mais geralmente, como todos os fatos biológicos, ela apresenta formas patológicas que se impõe analisar. Se, normalmente, a divisão do trabalho produz a solidariedade social, sucede, entretanto, que ela pode ter resultados diferentes ou mesmo opostos. Ora, importa investigar o que a faz desviar-se de sua direção natural, pois, enquanto não se estabelecer que esses casos são excepcionais, a divisão do trabalho poderia ser suposta como os implicando logicamente. Demais, o estudo das formas desviadas permitir-nos-á melhor determinar as condições de existência do estado normal. Quando conhecermos as circunstâncias nas quais a divisão do trabalho cessa de engendrar a solidariedade, saberemos melhor o que é necessário para que ela tenha todo o seu efeito (normal). A patologia, aqui como alhures, é um precioso auxiliar da filosofia. Cuidaremos a três tipos das formas excepcionais (anormais) do fenômeno que estudamos (a divisão do trabalho social). Não porque não possa haver outras, mas porque essas de que falaremos são as mais gerais e as mais graves. (Dentre elas avulta, na obra de Durkhein, a forma anômica)... Um primeiro caso desses gênero (anômico) nos é fornecido pelas crises industriais ou comerciais, pelas falências que são também rupturas parciais da sociedade orgânica. Elas testemunham, com efeito, que, em certos pontos do organismo, certas funções sociais não estão ajustadas umas às outras. Ora, à medida que o trabalho mais se divide, esses fenômenos parecem tornar-se mais freqüentes... O antagonismo entre o trabalho e o capital é um outro exemplo, mais frisante, do mesmo fenômeno (divisão anômica). À medida que as funções industriais (atividades econômicas) mais se especializam, a luta torna-se mais viva, em vez de aumentar a solidariedade... A pequena indústria, onde o trabalho é menos dividido, dá o espetáculo de uma harmonia relativa entre o patrão e o operário, e é somente na grande indústria que essas desavenças atingem o estado agudo. Esses diversos exemplos são... variedades de uma mesma espécie. Em todos esses casos, se a divisão do trabalho não produz a solidariedade, é porque as relações entre os órgãos não são regulamentadas, é porque elas estão num estado de anomia (não regulamentação)... É preciso fazer cessar esta anomia, é preciso encontrar os meios de fazer concorrerem harmoniosamente esses órgãos que ainda se chocam em movimentos discordantes... É a este estado de anomia que devem ser atribuídos os conflitos sempre renascentes e as desordens de todas as espécies, de que o mundo econômico nos dá o triste espetáculo, pois como nada contém as forças em presença, fixando-lhes limites que devem respeitar, elas tendem a desenvolver-se sem freios e chegam a chocar-se umas contra outras para repelirem-se e reduzirem-se mutuamente... É de toda evidência que uma tal anarquia seja um fenômeno mórbido, pois vai contra o fim mesmo de toda a sociedade, que é de suprimir, ou pelo menos moderar, a guerra entre os homens. Se a anatomia é um mal, é porque a sociedade, sobretudo, sofre com ela, por não poder dispensar, para viver, a coesão e a regularidade. Uma regulação moral ou jurídica exprime, regularidade. Uma regulamentação moral ou jurídica exprime, portanto, essencialmente, necessidades sociais que só a sociedade pode conhecer... Para por fim à anomia é necessário, então, que exista ou que se forme um grupo onde se possa constituir o sistema de regras que atualmente falta. Nem a sociedade política em seu conjunto, nem o Estado podem evidentemente entregar-se a essa função, pois a vida econômica, por ser muito especial e especializar-se cada dia mais, escapa à sua competência e à sua ação. A atividade de uma profissão não pode ser regulamentada eficazmente senão por um grupo bastante chegado a essa profissão, seja para poder conhecer-lhe o funcionamento, seja para sentir-lhe todas as necessidades e poder seguir todas as variações. O único que responde a essas condições é o que formariam todos os agentes de uma mesma indústria (ramo de atividade econômica) reunidos e organizados num mesmo corpo. É o que se chama de corporação ou grupo profissional... Os únicos agrupamentos que têm certa permanência são o que atualmente se chama de sindicatos, seja de patrões, seja de operários... (Mas), não tão somente o sindicato de patrões e os de operários são distintos uns dos outros – o que é legítimo e necessário –, mas não há entre eles contatos regulares. Não existe organização comum que os aproxime, sem no entanto fazer-lhes perder a individualidade, e na qual eles pudessem elaborar em comum uma regulamentação que, fixando suas relações mútuas, se impusessem a uns e a outros com a mesma autoridade. A bem da verdade, estas concepções aparecem algo modificadas em alguns outros trabalhos de Durkheim. Atemo-nos às de De la Division du Travail Social porque não estamos interessados na análise “interna” da produção intelectual durkheimiana, mas na identificação de uma posição teórica típica referente às conexões entre política e planificação. E, para isso, os excertos transcritos são estrategicamente valiosos. De fato, exprimem uma concepção típica acerca das relações entre sujeito e objeto, entendendo-se sujeito como sujeito de conhecimento e sujeito da História, e entendendo-se objeto como objeto de conhecimento (o processo histórico) e objeto de “atuação” dos sujeitos da História. Esta concepção, que podemos simbolizar por SO, desdobra-se em quatro planos: a) no da teoria do conhecimento, temos o realismo como relação sujeito-objeto: no ato de conhecer, o sujeito apreende “passivamente” as características do objeto, que a ele se impõem (no caso, o processo histórico como conjunto ordenado de regularidades); b) no plano de concepção da História (objeto de conhecimento e de “atuação prática”), temos o processo histórico “naturalizado”: consiste no “prosseguimento”, no nível “superorgânico”, de uma tendência evolutiva imanente ao objeto (orgânico e superorgânico) – vale dizer, o futuro histórico está “inscrito” no objeto, cabendo ao sujeito-cientista social apreendê-lo como objetivos necessários da “atuação prática” dos que, a rigor apenas figuradamente, são os sujeitos da História; c) no plano de concepção da Política, portanto, não temos a visão de um campo de possíveis históricos em competição, mas a de uma ciência social aplicada (ou protociência, até que a ciência social alcance maior apreensão do objeto): a política, como processo de fazer história, é cientificamente formulável, sendo a ciência indicadora dos meios e objetivos (valores) da ação, por ela detectados no objeto; d) no plano da concepção do Estado, temos o Estado como dotado necessariamente de um conteúdo: os interesses coletivos (comuns), cujo conteúdo “concreto” já se encontra, ainda que não detectado pelo cientista social, inscrito no objeto, variando conforme os estágios evolutivos deste. Conteúdo, De la Division du Travail Social, como exposição de uma teoria de transição que é, reflete parcialmente a decadência do liberalismo: adere a uma variante romanticizada da ideia de progresso, tal como aquele o concebeu: e cede lugar a dúvidas quanto à exclusiva suficiência dos mecanismos espontâneos auto-reguladores do equilíbrio social interno e promotores do “progresso”. Mas, justamente por ser teoria de transição, ainda não apela diretamente ao Estado como órgão controlador, de intervenção deliberada na realidade, enfim, ao Estado como agente planificador. A intervenção seria apenas corretiva de desvios que seriam “anormais”, em face do sentido imanente ao processo histórico, e farse-ia basicamente pelas corporações. Todavia, com a crise capitalista das primeiras década do século XX, a emergência o Estado corporativista, que se constituiu como uma das respostas a ela e inspirado por concepções completamente distintas das examinadas, daria o salto que o apego a certa variante da ideologia liberal não permitiu ou não exigiu e Durkheim. Do ponto de vista adotado neste ensaio, as concepções de Weber são opostas às de Durkheim. Atende-se aos seguintes excertos tomados de “Política como Vocação”, “O Significado da ‘Neutralidade Ética’ na Sociologia e na Economia” e “A ‘Objetividade’ na Ciência Social e na Política Social”. (Utilizamos as traduções para o inglês destes trabalhos de Weber: a do primeiro, incluída na coletânea de textos do Autor organizada por Gerth e Mills, From Max Weber: Essays in Sociology, Routledge & Kegan Paul, Londres, 1948; as dos outros dois, constantes de Max Weber, The Methodology of the Social Sciences, Free press, Glencoe, 1949, volume organizado por Shils e Finch.) O que entendemos por política? O conceito é extremamente amplo e compreende qualquer espécie de liderança independente em ação... nossas reflexões não estão... (aqui) baseadas em tão amplo conceito. Queremos entender por política apenas a liderança, ou a influência na liderança, de uma associação política, no caso, ... de um Estado. Mas, o que é uma associação ‘política’ do ponto de vista sociológico? O que é um ‘estado’? Sociologicamente, o Estado não pode ser definido em termos de seus objetivos. Dificilmente existe qualquer tarefa que alguma associação política não tenha realizado, e não há nenhuma atividade que se possa dizer que sempre tenha sido exclusiva e peculiar àquelas associações que são designadas como políticas: hoje o Estado, ou anteriormente aquelas associações que foram as predecessoras do Estado moderno. Fundamentalmente só se pode definir sociologicamente o Estado moderno em termos dos específicos meios que lhe são peculiares, ou seja, o uso da força física... atualmente, o direito ao uso da força física é atribuído a outras instituições ou indivíduos apenas na medida em que o Estado o permite. O Estado é considerado a única fonte do ‘direito’ de uso de violência. Portanto, ‘política’ para nós significa luta por participar do poder ou luta por influenciar a distribuição de poder entre Estados ou entre grupos no interior de um Estado... quem está atuando na política luta pelo poder como um meio a serviço de outros objetivos, ideais ou egoísticos, ou luta por ‘poder pelo poder mesmo’, a fim de desfrutar da sensação de prestígio que o poder propicia. As ciências sociais, que são rigorosamente ciências empíricas, são as menos apropriadas para livrar o indivíduo da dificuldade de realizar uma opção, e por isso não devem criar a impressão de que podem fazê-lo... O fruto da árvore do conhecimento, que é desagradável ao presunçoso, mas que no entanto é inevitável, consiste na percepção de que cada importante atividade em particular e no fundo a vida como um todo – se não for permitido que decorra como um evento da Natureza, mas ao contrário, que é para ser conscientemente guiada – consiste numa série de decisões fundamentais em que a alma – como em Platão – escolhe seu próprio destino, isto é, o significado de sua atividade e existência... As ciências... são capazes de prestar um inestimável serviço a pessoas engajadas em atividade política ao dizerlhes que: 1) estas e estas ‘últimas’ posições são concebíveis com referência a este problema prático; 2) tais e tais são os fatos que você deve levar em conta ao fazer sua escolha entre estas posições... É ainda difundida a crença de que se deve, se impõe, ou de qualquer forma, se pode derivar juízos de valor de afirmações de fato sobre ‘tendências’. Mas, mesmo das mais não ambíguas ‘tendências’, normas inambíguas podem ser derivadas apenas em respeito aos meios prospectivamente os mais adequados – e, portanto, somente quando a irredutível avaliação já está dada. As avaliações mesmas não podem ser derivadas dessas ‘tendências’... O uso do termo ‘progresso’ é legítimo em nossas disciplinas quando se refere a problemas ‘técnicos’, ou seja, aos ‘meios’ de atingir uma finalidade inambiguamente dada. Ele nunca pode elevar-se à esfera das avaliações ‘últimas’. Os problemas das disciplinas empíricas devem, sem dúvida, ser solucionados ‘não-avaliativamente’. Não são problemas de avaliação. Os problemas das ciências sociais são selecionados, porém, pela relevância a valores (com referência a valores) dos fenômenos tratados. A respeito do significado da expressão ‘relevância (ou referência) a valores’, remeto a escritos meus anteriores e sobretudo aos trabalhos de Heinrich Rickert... deve apenas ser lembrado que a expressão ‘relevância a valores’ se refere simplesmente à interpretação filosófica do ‘interesse’ especificamente científico que determina a seleção de um dado assunto e os problemas de uma análise empírica... A qualidade de um evento como ‘socioeconômico’ não é algo que ele possui ‘objetivamente’. É, antes, condicionada pela orientação de nosso interesse cognitivo, provindo da específica significação cultural que atribuímos ao evento particular num dado caso... Não são as interconexões ‘de fato’ de ‘coisas’, mas as interconexões conceptuais de problemas que definem o campo de várias ciências... Absolutamente, não há nenhuma análise científica ‘objetiva’ da cultura ou... de ‘fenômenos sociais’, independente de especiais e ‘unilaterais’ pontos de vista, de acordo com os quais – expressa ou tacitamente, consciente ou inconsciente – eles são selecionados, analisados e organizados para fins explanatórios. Toda a análise de realidade infinita que a finita mente humana pode realizar baseia-se na tácita assunção de que apenas uma finita porção desta realidade constitui o objeto de investigação cientifica, e de que apenas ela é ‘importante’ n acepção de ser ‘valiosa de ser conhecida’... Ordem é trazida a este caos somente na condição de que em cada caso apenas uma parte da realidade concreta é interessante e significante para nós, porque apenas ela está relacionada aos valores culturais com os quais abordamos a realidade. Apenas certas facetas do infinitamente complexo fenômeno concreto, ou seja, aquelas às quais atribuímos uma significação cultural geral, são por isso merecedoras de conhecer-se. Somente elas são objetos de explanação causal. E mesmo esta explanação causal apresenta o mesmo caráter: uma investigação causal exaustiva de quaisquer fenômenos concretos em sua total realidade e não apenas praticamente impossível: é simplesmente contrassenso. Selecionamos só aquelas causas às quais hão de ser imputados, no caso particular (individual), os aspectos ‘essenciais’ de um evento... Em outras palavras, a escolha do objeto de investigação e a extensão ou profundidade com que a investigação procura penetrar na infinita teia causal são determinadas pelas ideias avaliativas que dominam o investigador e sua época. No método de investigação, o ‘ponto de vista’ orientador é de grande importância para a construção do esquema conceptual que será utilizado na investigação. No modo de seu uso, entretanto, o investigador está obviamente preso às normas de nosso pensamento, tanto aqui como alhures. Pois a verdade científica é precisamente o que é válido para todos os que procuram a verdade. ...há ciências às quais a eterna juventude é garantida, e as disciplinas históricas estão entre elas – todas aquelas ás quais o eternamente contínuo fluxo da cultura perpetuamente traz novos problemas. Bem no cerne de sua atividade encontra-se não apenas o ultrapassamento de todos os tipos ideais, mas também, ao mesmo tempo, a inevitabilidade de novos outros... O progresso da ciência cultural ocorre através deste conflito. Seu resultado é a perpétua reconstrução daqueles conceitos através dos quais procuramos compreender a realidade. A história das ciências sociais é e será um processo contínuo de esforço de ordenar a realidade analiticamente através da construção de conceitos; de dissolução das construções analíticas assim elaboradas, através da expansão e alteração do horizonte científico; e novamente de reformulação de conceitos sobre bases assim transformadas... A vida, com sua irracional realidade e seu acervo de possíveis significações, é inesgotável. A forma concreta em que ocorre a relevância (referência) a valores continua perpetuamente in flux, sempre sujeita à mudança no obscuramente visível futuro da cultura humana. A luz que emana daquelas mais elevadas ideias avaliativas sempre incide sobre um mutável segmento finito da vasta corrente caótica de eventos, que flui através dos tempos. É flagrante a atualidade da primeira posição teórica típica quando às conexões entre política e planificação (vista esta, preliminarmente, em termos da concepção de Estado), apreendida através das formulações durkheimianas. Embora possa parecer o contrário, o mesmo ocorre com a segunda daquelas posições teóricas típicas, retida através das acima transcritas formulações de Weber. Por exemplo, a problemática candente do mundo moderno é discutida a partir desta posição, um tanto reformulada, na brilhante polêmica trilogia de Raymond Aron, Dix-Huit Lençons sur la Société Industrielle, La Lutte de Classes e Démocratie et Totalitarisme (Gallimard, Paris, editados respectivamente em 1962, 1964 e 1965): Conforme a proposição de Weber, as teorias gerais da organização social são, por natureza, múltiplas e cada uma delas está ligada a uma determinada intenção do observador. Há 20 anos, eu tinha aceitado integralmente esta epistemologia relativista. Hoje estou menos seguro quando a isso. Com efeito, o relativismo no pensamento de Max Weber, estava ligado à ideia que ele fazia do real, ideia cuja origem era uma certa filosofia neokantiana. Para ele, toda realidade, toda realidade social, é informe (amorfa) acumulação ou desconexão de fatos dispersos. Se o sociólogo está em face de fatos incoerentes, se ele é quem cria, com a ajuda de seus conceitos, a ordem através da qual ele compreende, a interpretação está evidentemente ligada ao sistema de conceitos, e este sistema está, por sua vez, ligado á situação particular do observador. Mas não é verdade que uma sociedade seja uma multiplicidade incoerente. A realidade social não é nem total nem incoerente, e é por isso que não se pode afirmar dogmaticamente a validade universal de uma teoria dos tipos sociais nem o relativismo de todas as teorias. Se Max Weber tivesse razão, se os fatos sociais fossem incoerentes, então toda interpretação seria sobreposta aos fatos e, por esta mesma razão, estaria ligada à personalidade do sociólogo. Se a realidade social fosse por completo estruturada, se ela tivesse uma unidade total, ou se uma parte desta realidade comandasse todas as outras, então haveria uma teoria sociológica verdadeira e uma só... A realidade social não é nem incoerente nem total: ela comporta multiplicidades de ordens parciais, mas ela não comporta, de maneira evidente, uma ordem global. O sociólogo não cria arbitrariamente a lógica das condutas sociais que ele analisa. Quando você observa um sistema econômico, você põe de manifesto uma ordem que está inscrita no sistema não sobre imposta pelo observador; mas esta ordem não é unívoca e não há apenas uma maneira de interpretá-la. O sociólogo põe de manifesto ordens ou regularidades que estão no objeto, mas sempre ele faz uma dada escolha entre essas ordens e regularidades. Esta questão é uma maneira de evitar, desde o início a oposição socialismo-capitalismo; e é uma maneira de considerar socialismo e capitalismo como duas modalidades de um mesmo gênero – a sociedade industrial. Minha viagem à Ásia convenceu-me que o conceito-chave de nossa época é o de sociedade industrial. A Europa, vista da Ásia, não é composta de dois mundos fundamentalmente heterogêneos, o mundo soviético e o mundo ocidental. Ela é feita de uma única realidade: a civilização industrial. As sociedades soviéticas e as sociedades capitalistas não são senão duas espécies de um mesmo gênero ou duas modalidades do mesmo tipo social – a sociedade industrial progressiva. A antítese do regime constitucional-pluralista e do regime monopolístico pode ser expressa de quatro maneiras diferentes: antítese da concorrência e do monopólio, da constituição e da revolução, do pluralismo dos grupos sociais e do absolutismo burocrático, enfim, do Estado de partidos e do Estado partidário (esta última antítese pode ser traduzida por Estado laico-Estado ideológico)... Pode-se fazer uma discriminação entre as imperfeições evidentes dos regimes constitucionais-pluralistas e a imperfeição essencial dos regimes de partido monopolístico. Mas é possível que em dadas circunstâncias, esse regime essencial imperfeito seja preferível ao regime efetivamente imperfeito. Em outras palavras, é possível não situar todos os regimes no mesmo plano, do ponto de vista dos valores, sem que esta discriminação, permita ditar, em nome da ciência ou da filosofia, o que é preciso fazer num determinado momento. Os homens políticos têm razão de dizer que não há verdade de ação, o que não significa que os filósofos façam mal ao lembrar que o regime de paz é, enquanto tal, preferível ao regime de violência... Gostaria de... evocar os esquemas históricos que constituem visões prospectivas das diversas espécies de regimes... A primeira, e a mais em moda hoje em dia, é a de uma evolução unilateral para um dado regime. Este esquema é o do progresso, sendo entendido que, segundo os marxistas, o ponto de chegada é um regime de tipo soviético e, segundo os democratas ocidentais, um regime comparável ao que conhecemos no ocidente. Os doutrinários dos dois regimes opostos afirmam, uns e outros, que a história tende a realizar o regime que conta com a sua preferência: segundo os Soviéticos, o futuro pertence ao comunismo; segundo os Ocidentais, às vezes inclusive segundo os marxistas ocidentais como Isaac Deutscher, à medida que as forças produtivas se desenvolvem e o capital se acumula, os regimes políticos tenderão a aproximar-se do modelo ocidental. Para mim, nenhuma destas duas teses está demonstrada... Descartemos estas duas versões do esquema de evolução unilateral para um ponto de chegada único, e consideremos um segundo esquema – o que seria conforme a sociologia de Max Weber. Cada espécie de economia, cada fase de um desenvolvimento econômico favorece mais ou menos um certo regime. Pode-se estabelecer uma relação entre fase de desenvolvimento econômico e probabilidade de um dado regime... Infelizmente, a liberação dos regimes de partido monopolístico não está escrita por antecipação no livro da História. Feliz ou infelizmente, a decomposição em anarquia dos regimes constitucionais-pluralistas não é, da mesma forma, fatal. O ciclo é possível, não necessário. Podemos simbolizar por SO esta segunda posição, identificada em Weber e secundariamente em Aron. Oposta à primeira apresentada, continuaremos com o mesmo procedimento de análise adotado no exame desta. Tomemos sujeito e objeto nas duas acepções então apontadas e explicitemos os quatro planos em que se desdobra esta segunda concepção da relação sujeito-objeto: a) no plano da teoria do conhecimento, deparamos com o idealismo (epistemológico): a consciência como construtiva do objeto do conhecimento. Também aqui temos mais uma manifestação do colapso do liberalismo: a confiança numa razão universal está abalada e em seu lugar encontramos “configurações” históricas de consciência (no caso, variáveis conforme a época); b) conexamente, no plano da concepção da História, não se concebe o progresso necessário no processo histórico, pois este não possui sentindo imanente: a história realizada (o passado) tem sentido, mas este é ex post; trata-se, porém, de um sentido variável conforme a perspectiva de conhecimento do sujeito-observador (dada pelos valores dominantes em sua época), enquanto o “setor” histórico do mundo não é um sistema ordenado de regularidades “naturais”; quanto ao futuro, trata-se de um campo indeterminado, ou melhor, teria quando muito delimitação de “fronteiras” ou “balizamentos” apenas: a racionalidade funcional, no caso de Weber, e o industrialismo, no caso de Aron; c) essas “fronteiras” ou “balizamentos” demarcam o campo em que se digladiam os agentes políticos, visando fins e sobretudo valores diferentes, mas que afinal se equivalem; e fazer política consiste, então, em adequar com responsabilidade meios a fins e a valores (ou seja, levando em conta as consequências previsíveis de cada opção); d) à concepção da política, enquanto processo, como competição entre fins e sobretudo valores que em última análise, para os agentes políticos, se equivalem, correspondente a concepção do Estado como mero aparelho, portanto sem conteúdo inerente, visado como meio para a realização destes ou daqueles fins e valores. O presente histórico, enquanto conjunto de objetivos politicamente equivalentes (em última análise, valores), aparece, pois, como composto (conjunto de valores em competição), mas também como inestruturado, na acepção de que esses objetivos não mantêm entre si relações hierárquicas. Ilustrando: mais concretamente, e levando às últimas consequências as concepções de Aron, temos o presente histórico como campo cujo balizamento é dado pelas características do que denomina civilização industrial. Capitalismo e socialismo são modalidades equivalentes desta. O futuro não resultará da autodestruição do capitalismo por dinâmica interna e necessária deste. A persistência histórica do capitalismo é questão de política não determinada, não estruturada: é questão de atuar como vistas a consequências das ações desencadeadas a partir de certas opções. O futuro é questão de decisão política, e esta faz-se num campo não estruturado e autônomo. Generalizando: a liberdade de fazer história aparece, então, como voluntarismo e este voluntarismo político é a contrapartida do idealismo (epistemológico). Por contraste, e levando às últimas consequências as concepções durkheimianas, temos o polo oposto a este: em vez de voluntarismo, o mecanismo, que consiste na contrapartida do positivismo extremo. O marxismo apresenta-se como síntese das duas posições opostas até então focalizadas. Neste sentido, simbolizemos a posição marxista quanto à reação sujeito-objetivo por SO. E tormentos, como expressivos delas (nos limites dos nossos objetivos), os seguintes excertos: os dois primeiros, de Marx e Engels, A Ideologia Alemã; o terceiro, dos fragmentos de Marx publicados como posfácio à 2ª. edição alemã d’O Capital; o quarto, de Henri Lefebvre, Problèmes Actuels du Marxisme, Presses Universitaires, Paris, 1960; e os dois últimos de Sartre, Question de Méthode. ...em cada etapa acham-se dados um resultado material, uma soma de forças produtivas, uma relação com a natureza e entre os indivíduos, criada historicamente e transmitida a cada geração pela geração que a precede; uma massa de forças de produção, de capitais e de circunstancias, que, de um lado, são modificados pela nova geração, mas que, de outra parte, lhe ditam suas próprias condições de existência e lhe imprimem um desenvolvimento determinado, um caráter específico; portanto, as circunstâncias tanto fazem os homens como os homens fazem as circunstâncias. ...cada nova classe que toma o lugar da que antes dela dominava é obrigada, quando menos para atingir o seu objetivo, a apresentar seu interesse como o interesse comum de todos os membros da sociedade ou, para exprimir as coisas no plano das ideias: esta classe é obrigada a dar a seus pensamentos a forma da universalidade a apresenta-los como sendo os únicos razoáveis, os únicos válidos de uma maneira universal. Pelo simples fato de que enfrenta uma classe, a classe revolucionária apresenta-se em conjunto não como classe, mas como representando a sociedade toda; aparece como a massa inteira da sociedade em face da única classe dominante... todas as lutas no interior do Estado, a luta entre a democracia, a aristocracia e a monarquia, a luta pelo direito de voto, etc., etc. não são senão as formas ilusórias sob as quais são travadas as lutas efetivas das diferentes classes entre si... toda classe que aspira à dominação, mesmo se sua dominação determina a abolição de toda a antiga forma social e da dominação em geral, como é o caso ara o proletariado, deve, portanto, conquistar primeiramente o poder político para representar, por seu turno, seu interesse próprio como sendo o Universal, ao que ela é forçada nos primeiros tempos. A investigação tem por objetivo apropriar-se em detalhe da matéria, analisar suas diversas formas de desenvolvimento e nela descobrir completamente suas relações internas. Nesta passagem descobrimos... a palavra matéria. Mas ela tem um significado bem preciso. Designa um conteúdo histórico (no que concerne a O Capital, o da sociedade burguesa, o do capitalismo). Este conteúdo, posto diante do pensamento, que procura conhecê-lo, a este aparece inicialmente como impenetrável, opaco, dado, ultrapassando-o infinidamente: uma matéria. A inteligência analítica e a razão sintética do pesquisador dele se apoderam. A pesquisa apropria-se dele. Este termo tem, em Marx, uma significação universal: designa um conceito filosófico: a atividade que, apreendendo um dado concreto – uma matéria –, produz obras e as conhece reconhecendo-se nestas. O conhecimento comporta uma ‘apropriação’. Ele é a obra de um pensamento ativo e pessoal, que trabalha sobre uma matéria. Ele a transforma, como todo trabalho humano. Mas o trabalho do conhecimento possui um aspecto específico: ele restitui o conjunto de um devir no qual ele se insere, porque este devir histórico permitiu e mesmo exigiu, num certo momento, o conhecimento que o apreende. Se a filosofia deve ser, ao mesmo tempo, totalização do saber, método, Ideia reguladora, arma ofensiva e comunidade de linguagem; se esta ‘visão do mundo’ é também um instrumento que trabalha as sociedades carcomidas, se esta concepção singular de um homem ou de um grupo de homens torna-se a cultura e, por vezes, a natureza de toda uma classe, fica bem claro que as épocas de criação filosófica são raras. Entre o século XVII e o século XX, vejo três que designarei por nomes célebres: há o ‘momento’ de Descartes e de Locke, o de kant e de Hengel e, finalmente, o de Marx. Estas três filosofias tornam-se, cada uma por sua vez, o humo de todo o pensamento particular e o horizonte de toda cultura, elas são insuperáveis enquanto o momento histórico de que são expressão não tiver sido superado. A praxis... é uma passagem do objetivo ao objetivo pela interiorização; o projeto, como superação subjetiva da objetividade em direção à objetividade, tenso entre as condições objetivas do meio e as estruturas objetivas do campo dos possíveis, representa em si mesmo a unidade em movimento da subjetividade e da objetividade, estas determinações cardeais da atividade. O subjetivo aparece, então, como um momento necessário do processo objetivo. Como se percebe, a síntese proposta pelo marxismo consiste, em última instância, na superação da dualidade sujeito-objeto, inerente esta dualidade, concebida de uma maneira ou de outra aposta, às posições representadas por Durkheim e Weber. O rompimento com essa dualidade está por inteiro contido na tese de que o subjetivo é um momento necessário do processo objetivo, nos diversos desdobramentos dela: a) no plano da teoria do conhecimento, a concepção dialética retém este subjetivo como tomadas de consciência historicamente determinadas e não-equivalentes – em termos de consciência adequada e de falsa consciência (o marxismo sendo a expressão daquela na “época histórica” capitalista, mas expressão radicada nos interesses proletários e não, conforme a concepção weberiana, nos valores dominantes da época); b) o processo histórico é concebido como praxis coletiva e suas objetivações materiais e não-materiais, como processo de estruturação-destruturaçãoreestruturação de regularidades não-naturais, ou seja, regularidades que são produto da própria atividade humana coletiva; mas, afirmando que os homens fazem História nas condições dadas pela História, o sentido desta, ao menos em termos de coerência lógica, há de ser concebido apenas como potencial ou virtualmente imanente ao processo histórico; c) cada presente, como história, é então um conjunto estruturado de atualizações e de possíveis; daí, a política, como momento de praxis inovadora, consistir numa competição entre possíveis historicamente dados, num campo estruturado, ou seja, de possíveis não equivalentes; e os projetos, como expressões que são desses possíveis, são também não equivalentes; enfim, a política não é ciência social aplicada, como para Durkheim, nem é um campo de atuação inovadora inestruturado, como para Weber, mas, diversamente da concepção deste, dotado de conteúdo, como em Durkheim: não os interesses coletivos (comuns) como este concebe tal conteúdo, porém interesses classistas – os da(s) classe(s) dominante(s) economicamente, mesmo quando esses interesses classistas não coincidem imediatamente e em todo o seu conteúdo “específico” com as necessidades a longo prazo do sistema em conjunto, ou seja, com a permanência histórica da realização, por esse sistema, de certo tipo macroestrutural. Todavia, justamente porque o marxismo propõe a síntese das duas expostas relações sujeito-objeto antagônicas, as obras dos autores marxistas, vistas em conjunto, apresentam oscilações na ênfase posta num ou noutro termo da formulação “os homens fazem História nas condições dadas pela História”. A ênfase no primeiro termo faz o marxismo pender para o voluntarismo, no segundo, para o mecanicismo; e, conexa e respectivamente, no plano epistemológico, faz pendê-lo para o idealismo ou para o realismo. É o que também aponta Lucien Goldmann, Recherches Dialectiques, Gallimard, Paris, 1959: ...as concepções filosóficas unilateriais, que são o subjetivismo e o objetivismo, encontram-se sempre, com suas consequências práticas, não apenas entre os pensadores burgueses, mas também entre os teóricos e os militantes do proletariado, onde elas se exprimem sobretudo por dois grandes grupos de correntes políticas: a) o blanquismo, o anarquismo, o trotskismo, que são a forma operária do subjetivismo idealista da superestimação do homem e da subestimação das condições objetivas; b) o stalinismo, o reformismo, o economismo, as teorias da espontaneidade, que são a expressão operária do materialismo objetiva da superestimação das condições objetivas da subestimação do homem. E poder-se-ia acrescentar que são os intelectuais e certas camadas operárias radicalizadas que oferecem o primeiro, e que são as burocracias dos grandes organismos de Estado na U.R.S.S. ou a participação operária nos Estados capitalistas que, ao contrário, favorecem o segundo. Eis porque na vida e na obra de todos os grandes teóricos e chefes políticos do proletariado, desde Marx até lênin e o jovem Lukacs, encontramos esta luta em duas frentes: contra as ilusões de esquerda e os oportunismos de direita, através da qual eles se esforçam por estabelecer, cada novo, o pensamento dialético. Independente ou não dessa oscilação, resta, porém, o problema de que existem projetos marxistas, e não um projeto apenas – o que nos remete à questão dos possíveis históricos não equivalentes, em sua expressão no plano do conhecimento e no da atuação política. Ao que nos parece, a solução do problema há de partir da formulação constante da II das Teses sobre Feuerbach. (Valemo-nos da tradução incluída em Marx e Engels, Études Philosophiques, Éditins Sociales, paris, 1961.) A questão de saber se o pensamento humano pode chegar a uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas uma questão prática. É na prática que é preciso que o homem prove a verdade... A discussão sobre a realidade do pensamento, isolada da prática, é puramente escolástica... Por outras palavras, a objetividade das ciências sociais (claro que no referente à praxis inovadora, e não à repetitiva) só se revela ex post, ou seja, somente após a transformação de um dos possíveis numa atualização. Em termos políticos: a não equivalência dos possíveis existentes num presente histórico só se revela quando este presente for um passado. À guisa de recapitulação e resumo, podemos reunir os três conjuntos de concepções apresentadas num esquema como este: Durkheim Weber Marx SO SO SO realismo idealismo dialética História História não- História não- concepção da “naturalizada”, com naturalizada, sem naturalizada, com História sentido imanente sentido imanente sentido imanente teoria do conhecimento potencial ciência social competição entre competição entre concepção da aplicada valores equivalentes possíveis históricos não Política (mecanicismo) (voluntarismo) equivalentes dotado de conteúdo aparelho sem aparelho dotado de concepção do inerente: interesses conteúdo inerente conteúdo inerente: Estado coletivos interesses da classe dominante Heilbroner, R – A formação da Sociedade Economica – Zahar , cap. 1 Marx, K. – O Manifesto Comunista, 1848 Dia 16 – 15:15 – 16.30 – Conceitos fundamentais de Economia : Necessidades Materiais e Imateriais. Recursos Produtivos. A fabricação de objetos , de serviços e de consenso; Produto , Renda e Distribuição da Renda ; Excedente econômico- histórico do conceito; Os vários setores da economia_ O papel da Agricultura e seus vários segmentos : Agronegócio x Agricultura Familiar – Governo – Setor Externo - Moeda, Cambio , Exportações/Importações Castro,A. & Lessa, Carlos – Introdução à Economia - 1. Brasil Brasil, oficialmente República Federativa do Brasil, é o maior país da América do Sul e da região da América latina, sendo o quinto maior do mundo em área territorial e população. Wikipédia Estatísticas relacionadas Produto Interno Bruto Expectativa de vida Taxa de crescimento da população População em outros lugares 2,477 trilhões USD (2011) 73,44 anos (2011) 0,9% mudança anual (2011) República Popular da China 1,344 bilhões (2011) Argentina 40,76 milhões (2011) Índia 1,241 bilhões (2011) Crescimento populacional file:///C:/Users/Seven/Documents/BRASIL%20DADOS/Pop%20Brasil.html Censo Pop. %± 1872 9 930 478 1890 14 333 915 44,3% 1900 17 438 434 21,7% 1920 30 635 605 75,7% 1940 41 236 315 34,6% 1950 51 944 397 26,0% 1960 70 992 343 36,7% 1970 94 508 583 33,1% 1980 121 150 573 28,2% 1991 146 917 459 21,3% 2000 169 590 693 15,4% 2010 190 755 799 12,5% 1. ↑ INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. p. 67-68. ISBN 978-85-240-4187-7 Crescimento da população mundial População Ano Tempo para o próximo bilhão (em anos) 1 bilhão 1802 126 2 bilhões 1928 33 3 bilhões 1961 13 4 bilhões 1974 13 5 bilhões 1987 12 6 bilhões 1999 11 7 bilhões 2011 15 8 bilhões* 2026 24 9 bilhões* 2050 20 10 bilhões* 2070 26 11 bilhões* 2096 não calculado Comparando China e Brasil, as diferenças patrimoniais podem assim ser resumidas no quadro abaixo. Considere-se ainda que a China é uma cultura milenar, nós, um povo e uma cultura ainda em formação. Lembremo-nos que a população brasileira na virada do século XIX para o século XX era de pouco mais de 10 milhões de almas, maior parte da qual penada por quatro séculos de escravidão: Patrimônio China(US$Trilhões) Brasil(US$ Trilhões) Total 7 7 Construído 1,1 1,4 Humano 5,2 2,5 Natural 0,7 3,1 Fonte Humberto Dalsasso – www.confecon.org.br Publicado por Reinaldo Del Dotore - FB CurtirCurtir · · Compartilhar Quadros indicativos da economia brasileira Quadro 1. Ranking das 100 cidades com maior número de famílias ricas: Município Unidade Federativa N° famílias ricas São Paulo SP 443.462 Rio de Janeiro RJ 76.317 Brasília DF 34.994 Belo Horizonte MG 27.526 São Bemardo do Campo SP 23.394 Porto Alegre RS 23.224 Curitiba PR 20.872 Santo André SP 20.475 Guarulhos SP 17.094 Salvador BA 15.182 Campinas SP 13.487 Osasco SP 12.879 Fortaleza CE 12.735 Recife PE 12.615 Goiânia GO 11.117 Niterói RJ 10.394 São Caetano do Sul SP 9.505 Mogi das Cruzes SP 7.139 Belém PA 6.619 Santos SP 6.450 Manaus AM 6.311 Florianópolis SC 6.012 Ribeirão Preto SP 5.376 Vitória ES 4.949 Natal RN 4.794 Campo Grande MS 4.511 São José dos Campos SP 4.369 Barueri SP 4.264 Cuiabá MT 4.196 Maceió AL 4.049 Santana de Parnaíba SP 4.043 João Pessoa PB 3.495 Cotia SP 3.449 São Luís MA 3.297 Teresina PI 3.231 Londrina PR 3.169 Diadema SP 3.143 Sorocaba SP 3.137 São José do Rio Preto SP 3.084 Jundiaí SP 3.074 Taboão da Serra SP 2.907 Aracaju SE 2.905 Juiz de Fora MG 2.823 Uberlândia MG 2.795 Mauá SP 2.491 Piracicaba SP 2.463 Joinville SC 2.449 Carapicuíba SP 2.444 Vila Velha ES 2.441 Caxias do Sul RS 2.435 Suzano SP 2.341 Bauru SP 2.223 Maringá PR 1.970 Jaboatão dos Guararapes PE 1.835 Taubaté SP 1.708 Petrópolis RJ 1.623 Presidente Prudente SP 1.621 Ribeirão Pires SP 1.605 Santa Maria RS 1.495 Blumenau SC 1.464 Mairiporã SP 1.451 Porto Velho RO 1.411 São Carlos SP 1.399 Uberaba MG 1.390 Pelotas RS 1.338 Embu SP 1.312 Araçatuba SP 1.310 Itapecerica da Serra SP 1.278 Franca SP 1.235 Novo Hamburgo RS 1.212 Cascavel PR 1.201 Foz do Iguaçu PR 1.178 Marilia SP 1.134 Limeira SP 1.124 Araraquara SP 1.105 Nova Iguaçu RJ 1.083 Indaiatuba SP 1.080 Americana SP 1.076 Rio Claro SP 1.068 Arujá SP 1.051 Passo Fundo RS 1.040 Feira de Santana BA 1.039 Anápolis GO 1.032 Poá SP 988 Ponta Grossa PR 977 Olinda PE 973 Valinhos SP 946 Itaquaquecetuba SP 932 Palmas TO 923 Caieiras SP 914 Itu SP 913 Campos dos Goitacazes RJ 912 Canoas RS 910 Montes Claros MG 902 Rio Branco AC 894 Atibaia SP 893 Balneário Camboriú SC 892 Poços de Caldas MG 888 Campina Grande PB 885 São Gonçalo RJ 877 Bloco de Países Proporção de manufaturados nas exportações brasileiras (média dos últimos 5 anos 2009 – 2014) MERCOSUL AMERICA DO SUL (EXCLUSIVE MERCOSUL) AMERICA LATINA (EXCLUSIVE AMERICA DO SUL) 84% 77% 84% 51% 35% 5% ESTADOS UNIDOS UNIAO EUROPEIA - UE CHINA Saldo Balança Comercial Bilhões US$ Saldo B.Comercial - Agricultura O Brasil no Comercio Internacional % Necessidades de Financiamento Externo Reservas Internacionais Relação D Externa x ReservasInternacionais PIB Evolução PIB PAISES SELECIONADOS 20 Maiores Economias em 2014 BR - TAXA DE INVESTIMENTO PREÇOS CORRENTES INVESTIMENTOS PÚBLICOS FEDERAIS Consumo Famílias-Variação anual Produção de Petróleo – mil barris dia Produção e Área Usada Ag 186,8 162,8 193,4 166,2 149,5 144,1 135,1 131,8 123,2 100,3 81,1 73,6 38,5 36,7 78,4 36,6 76,6 35,0 82,4 36,9 119,1 114,7 47,4 49,1 122,5 96,8 83,0 37,8 37,8 40,2 43,9 47,9 46,2 47,4 47,7 47,4 49,9 50,9 53,3 57,0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Produção de Grãos ( Em milhões de Ton) Área Utilizada (Em milhões de Ha) Carnes Prod. Mil tons Vendas Complexo Automotivo mil unidades Consumo Energia - Fontes Emissões Gases Efeito Estufa - Evolução Credito Global – PIB % Credito Saldo Final Período Créditos BNDES Bilhões R$ IPCA – Alimentos e Bebidas Taxas Juros BR x FED Setor Público Consolidado – Primário, Nominal, Juros = %PIB Dívda Publica – Paises %PIB Carga Tributária Bruta- % PIB Gastos Pessoal e Direitos - % PIB Renda Familiar Nominal PC R$ – Evolução Milhões Empregados com vinculo formal Desemprego – IBGE Regiõe Metropolitanas – 30 Dias Postos de Trabalho Custo Cesta Básica como % SM MASSA SALARIAL Salários/PIB Valor Md. Real INPC dos benefício previdenciários– Dezembro Pobreza Gasto Social Federal - % PIB Orçamento MEC - P.Correntes PROUNI ACUMULADO X Prod. Basicos e Manufaturados IDx / Bilhões US$ D.X Bruta/PIB O Economista Maurício Dias David, RJ, o explica : “Em 2001, o café estava sendo vendido a US$ 964 a tonelada; no ano passado, foi a US$ 4.463. Para 2012, a previsão é de que o preço seja de US$ 4.600. A soja, que no ano passado chegou a US$ 495, era vendida a US$ 173 em 2001. Em dez anos houve um aumento de 186%. O Açúcar saiu de US$ 197 a tonelada para US$ 573, e este ano o preço previsto é de US$ 530. Carne bovina saiu de US$ 2.006 para US$ 5.077 em dez anos, e este ano a previsão é ficar em US$ 5.000. Minério de ferro deu um salto de US$ 18 para os US$ 126 do ano passado. O Brasil foi muito beneficiado pelo boom de commodities. Isso produziu um salto impressionante nas receitas com esses produtos: - de café, o Brasil tinha receita de exportação de US$ 1,2 bilhão e foi para US$ 8 bi. - a soja saiu de US$ 2,7 bilhões para 16,3 bi entre 2001 e 2011. Para 2012, a previsão da AEB é que não chega a US$14 bilhões. - de açúcar e açúcar refinado, o Brasil vendeu US$ 2,2 bilhões em 2001, e US$ 5,8 bi no ano passado. - no minério de ferro, deu um salto fenomenal, de US$ 2,9 bilhões, em 2001, para US$ 41,8 bi no ano passado, 14 vezes mais. Em 2012, a previsão é de US$ 332,6 bilhões de exportações totais. Nesse período, houve aumento da quantidade exportada também, porque a demanda cresceu, mas o preço subiu mais rapidamente. DOMINGO, 07/09/2014, 20:00 Brasil perdeu mais de US$ 400 bi com transações comerciais ilícitas para o exterior em 53 anos Segundo estudo da Global Financial Integrity, saída ilegal de dinheiro acelerou nas últimas décadas, chegando a US$ 33 bilhões por ano. Subfaturamento de exportações comerciais é o meio mais usado para se transferir dinheiro para o exterior. por Nathália Toledo Mais de US$ 400 bilhões deixaram o Brasil ilegalmente entre 1960 e 2012, segundo um estudo feito por economistas da instituição de pesquisa norteamericana Global Financial Integrity. O relatório, baseado em dados do FMI e do Banco Mundial, revela que o fluxo de saída de dinheiro com transações comerciais ilícitas disparou nas últimas décadas. O número saiu de uma média anual de US$ 310 milhões nos anos 1960 para US$ 14,7 bilhões na primeira década dos anos 2000. De 2010 a 2012, o fluxo ilícito que vai para o exterior cresceu mais ainda e atingiu US$ 33,7 bilhões por ano. A Global Financial Integrity calcula que as transações equivalem a 1,5% do PIB brasileiro. Trata-se, na maioria dos casos, de transações comerciais subfaturadas, nas quais as empresas tentam fugir de impostos que incidem no lucro e nas exportações. O coordenador do estudo, Dev Kar, explica que a prática mais comum no Brasil é a formação de "caixa dois", com o registro de produtos para exportação a um valor inferior ao de mercado. O comprador, no entanto, paga o valor real, e o dinheiro excedente é eviado para um paraíso fiscal. Com isso, a empresa deixa de pagar parte dos impostos devidos no Brasil. "Suponhamos que o Brasil exporte carne para os Estados Unidos, e o contêiner valha US$ 10 mi. Para o governo brasileiro, ele esta vendendo a US$ 5 mi. O exportador diz para o importador depositar o restante do dinheiro em uma conta nas Ilhas Cayman ou na Suíça. O importador nem liga. Ele esta pagando US$ 10 milhões de qualquer maneira", explica Dev Car. O presidente da Global Financial Integrity, Raymond Baker, afirma que as saídas ilícitas drenam capital da economia brasileira, facilitam a evasão fiscal, acentuam a desigualdade e corroem a poupança interna do país. A dificuldade de combate às fraudes no comércio exterior, segundo ele, está na falta de conhecimento e fiscalização dos preços praticados pelo mercado por parte das autoridades. "O que recomendamos são esforços muito maiores para se saber quais os preços no mercado mundial. Ou seja, que você tenha valores de referência para cada tipo de importação e exportação", diz Raymond Baker. O relatório da Global Financial Integrity ressalta ainda que as perdas calculadas devem ser ainda maiores, já que a metodologia utilizada é considerada conservadora. Não estão incluídas atividades criminosas geralmente pagas com dinheiro em espécie, como tráfico de drogas, armas, animais e pessoas. Segundo o estudo, o Brasil é o sétimo no ranking dos 150 países que mais perdem dinheiro em remessas ilegais para o exterior, ficando atrás apenas de China, México, Rússia, Índia, Malásia e Arábia Saudita. duração: 3:20 16:30 – 17: 30 - Debates: Noite 18.30 – 19:15 – Industrialização, Tecnologia e Desenvolvimento. A diferença fundamental entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos .O que são os “Tempos Modernos”. Contradições Problemas e limites da Modernidade: A liberdade controlada. O perigo do fascismo e os dilemas do Pleno Emprego em economias maduras. Furtado , Celso – Teoria e Politica do Desenvolvimento – Ed. Nacional – Segunda Parte: O processo de desenvolvimento Kalecki.M. – OS ASPECTOS POLÍTICOS DO PLENO EMPREGO Escrito por Autores Clssicos, postado em 7 dEurope/London março dEurope/London 2008 M.KALECKI – 1944 - Economista Polonês A manutenção do pleno emprego por meio da despesa governamental financiada por empréstimos tem sido amplamente discutida nos anos recentes. Essa discussão, porém, concentra-se nos aspectos puramente econômicos do problema, sem dar a devida atenção às realidades políticas. É falsa a suposição de que um Governo manterá o pleno emprego numa economia capitalista se ele sabe como faze-Io. Com relação a isso é de crucial importância a desconfiança dos grandes empresários acerca da manutenção do pleno emprego por meio do gasto governamental. Essa atitude foi mostrada claramente na grande depressão dos anos trinta, quando os grandes empresários se opuseram firmemente às experiências de aumento do emprego através da despesa governamental, em todos os países com exceção da Alemanha nazista. Essa atitude não é fácil de explicar. Maior produção e emprego claramente beneficiam não apenas os trabalhadores, mas também os empresários, porque seus lucros crescem. E a política de pleno emprego baseada na despesa governamental financiada por empréstimos não usurpa os lucros, porque não envolve tributação adicional. Os empresários, na depressão, sonham com uma expansão econômica; por que, então, eles não aceitam com prazer a expansão “sintética” que o Governo está apto a oferecer-Ihes? É esta questão difícil e fascinante que pretendemos tratar neste artigo. 1. Os motivos para a oposição dos “líderes industriais” ao pleno emprego obtido por meio da despesa governamental podem ser agrupados em três categorias: (a) a reprovação à interferência pura e simples do Governo no problema do emprego; (b) a reprovação à direção da despesa governamental (para investimento público e subsídio ao consumo); (c) a reprovação às mudanças sociais e políticas resultantes da manutenção do pleno emprego. Examinaremos minuciosamente cada uma dessas três categorias de objeção à política de expansão do Governo. 2. Trataremos em primeiro lugar da relutância dos “capitães da indústria” em aceitar a intervenção do Governo no problema do emprego. Cada alargamento da atividade estatal é encarado com suspeita pelo “mundo dos negócios”, mas a criação de emprego por meio da despesa governamental tem um aspecto especial que torna a oposição particularmente intensa. Em um sistema de laissez faire o nível do emprego depende, em grande parte, do assim chamado estado de confiança. Se este se deteriora, o investimento privado declina, do que resulta uma queda do produto e do emprego (tanto diretamente como através do efeito secundário que a queda das rendas exerce sobre o consumo e o investimento). Isso dá aos capitalistas um poderoso controle indireto sobre a política governamental: tudo que possa abalar o estado de confiança deve ser cuidadosamente evitado, porque causaria uma crise econômica. Mas, uma vez que o Governo aprenda o truque de aumentar o emprego por meio de suas próprias despesas, esse poderoso mecanismo de controle perde sua eficácia. Daí que os déficits orçamentários necessários para efetuar a intervenção governamental passam a ser encarados como perigosos. A função social da doutrina da “finança sadia” é fazer com que o nível de emprego dependa do “estado de confiança”. 3. A reprovação dos “líderes do mundo dos negócios” a uma política governamental de despesas torna se ainda mais aguda quando eles consideram os objetos em que o dinheiro seria aplicado: investimento público e subsídio ao consumo popular. Os princípios econômicos da intervenção governamental requerem que o investimento público seja limitado a objetos que não concorram com o equipamento de capital dos negócios privados: por exemplo, hospitais, escolas, rodovias etc. Do contrário, a rentabilidade do investimento privado seria enfraquecida e o efeito positivo do investimento público sobre o emprego seria anulado pelo efeito negativo do declínio do investimento privado. Essa concepção satisfaz muito bem aos homens de negócio. Mas o âmbito do investimento público desse tipo é estreito, e há o perigo de que o Governo, prosseguindo nessa política, possa ser eventualmente tentado a nacionalizar os transportes ou outros serviços de utilidade pública a fim de ganhar uma nova esfera onde aplicar o investimento. (1) Poder-se-ia esperar, portanto, que os líderes empresariais e seus assessores fossem mais favoráveis ao subsídio ao consumo popular (por meio de pensões às famílias, subsídios para manter baixo o preço dos produtos essenciais etc.) do que ao investimento público, porque, subsidiando o consumo, o Governo não estaria embarcando em nenhum tipo de “empresa”. Na prática, porém, esse não é o caso. De fato, o subsídio ao consumo popular é muito mais violentamente combatido do que o investimento público, porque coloca-se aqui um princípio “moral” da mais alta importância. Os fundamentos da ética capitalista requerem que “Você ganhará seu pão com o suor de seu rosto” a menos que você tenha meios privados. 4. Consideramos os motivos políticos da oposição à política de criar emprego por meio de gasto governamental. Mas mesmo se essa oposição fosse superada como poderia acontecer sob pressão popular, a manutenção do pleno emprego causaria mudanças sociais e políticas que dariam um novo ímpeto à oposição dos líderes empresariais. De fato, sob um regime de permanente pleno emprego, a demissão de empregados deixaria de exercer sua função de medida disciplinar. A posição social do patrão estaria minada e cresceriam a autoconfiança e a consciência da classe trabalhadora. As greves por aumentos salariais e melhorias nas condições de trabalho criariam tensão política. É verdade que os lucros seriam mais elevados em um regime de pleno emprego do que o são, em média, no laissez faire; e mesmo o crescimento das taxas de salário, resultante do mais forte poder de barganha dos trabalhadores, provavelmente causaria menos uma redução dos lucros do que um aumento de preços, e assim afetaria adversamente apenas os interesses repentistas. Mas os líderes empresariais apreciam mais a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” do que os lucros. Seu instinto de classe lhes diz que, de seu ponto de vista, um pleno emprego durável é insano, e que o desemprego é uma parte integrante do sistema capitalista normal. 1. Uma das mais importantes funções do fascismo como tipificado pelo sistema nazista, era a de remover as objeções capitalistas ao pleno emprego. A reprovação à política de despesa governamental é superada, sob o fascismo, pelo fato de a máquina estatal estar sob o controle direto de uma associação do grande negócio com os bem sucedidos fascistas. É removida a necessidade do mito da “finança sadia”, que servia para impedir o Governo de sobrepor-se, por meio dos gastos, à crise de confiança. Numa democracia ninguém sabe como será o próximo Governo. No fascismo não há próximo Governo. A reprovação ao gasto governamental em investimento público ou em consumo é superada concentrando-se em armamentos a despesa governamental. Por fim, a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” em pleno emprego são mantidas pela “nova ordem”, que varia da supressão dos sindicatos até os campos de concentração. A pressão política substitui a pressão econômica do desemprego. 2. O fato de que os armamentos sejam a espinha dorsal da política de pleno emprego fascista tem uma profunda influência sobre seu caráter econômico. Os armamentos em grande escala são inseparáveis da expansão das forças armadas e da preparação de planos para uma guerra de conquista. Eles também induzem o rearmamento competitivo de outros países. Isso faz com que o principal objetivo do gasto se desloque gradualmente do pleno emprego para o máximo efeito de rearmamento. A resultante escassez de recursos leva a uma contração do consumo quando comparado com o que poderia haver sob o pleno emprego. O sistema fascista começa com a superação do desemprego, desenvolve-se em uma “economia de armamento” de escassez, e inevitavelmente termina em guerra. 1. Qual será o resultado prático da oposição ao “pleno emprego por meio da despesa governamental”, numa democracia capitalista? Tentaremos responder essa questão com base na análise dos motivos dessa oposição, apresentados na seção I deste ensaio. Argumentamos que se pode esperar a oposição dos “líderes industriais” em três planos: (a) a oposição de princípio ao gasto governamental apoiado num déficit orçamentário; (b) a oposição a esse gasto dirigido ou ao investimento público que pode prefigura intrusão do Estado em novas esferas de atividade econômica ou ao subsídio ao consumo popular; (c) a oposição a manutenção do pleno emprego e não apenas à tentativa de evitar profundas e prolongadas depressões econômicas. x Deve-se reconhecer que é mais um assunto do passado o estagio em que os “líderes empresariais” podiam opor-se a qualquer espécie de intervenção governamental para aliviar uma depressão. Concorda-se hoje que seja necessário “fazer alguma coisa na depressão”; mas o conflito continua primeiro, no que se refere à direção a ser dada à intervenção governamental na depressão, e, segundo, no que concerne o fato de se essa intervenção deveria ser usada meramente para aliviar depressões ou para obter permanente pleno emprego. (2. Nas discussões correntes desses problemas freqüentemente surge a concepção de contrapor-se à depressão por meio do estímulo ao investimento privado. Isso pode ser feito pela redução tanto da taxa de juro como do imposto de renda, ou pelo subsídio direto ao investimento privado de um modo, ou de outro não surpreende que tal esquema seja atraente para os “negócios”. O homem de negócios continua sendo o meio pelo qual a intervenção é efetuada. Se ele não sentir confiança na situação política, não será persuadido a investir. E a intervenção não implica que. o Governo “jogue com” o investimento (público) ou “desperdice dinheiro” com o subsídio ao consumo. Pode-se mostrar, todavia, que o estímulo ao investimento privado não provê um método adequado de evitar o desemprego em massa. Existem aqui duas alternativas a serem consideradas: (a) a taxa de juro ou o imposto de renda, ou ambos, é fortemente reduzido na depressão e aumentado na prosperidade. Nesse caso, tanto o período como a amplitude do ciclo econômico serão diminuídos, mas o emprego estará longe de pleno não apenas na depressão, mas mesmo na prosperidade, isto é, o desemprego médio poderá ser considerável, embora suas flutuações sejam menos acentuadas; (b) a taxa de juro ou o imposto de renda é reduzido na depressão, mas não aumentado na subseqüente prosperidade. Nesse caso, a prosperidade durará mais tempo, mas deverá terminar em nova depressão: é claro que uma redução da taxa de juro ou do imposto de renda não elimina as forças que causam flutuações cíclicas numa economia capitalista. Na nova depressão será necessário reduzir novamente a taxa de juro ou o imposto de renda, e assim por diante. Assim, num tempo não muito remoto, a taxa de juro teria de ser negativa e o imposto de renda teria de ser substituído por um subsídio à renda. O mesmo aconteceria se tentasse manter o pleno emprego pelo estímulo ao investimento privado: a taxa de juro e o imposto de renda teriam de’ ser continuamente reduzidos. 1 Em adição a essa fraqueza fundamental de combater o desemprego pelo estímulo ao investimento privado, existe uma dificuldade prática: é incerta a reação dos homens de negócio às medidas acima descritas. Se a depressão é forte, eles podem ter uma visão pessimista do futuro, e a redução da taxa de juro ou do imposto de renda pode então, por um longo período, não exercer qualquer influência sobre o investimento e, portanto, sobre o nível de produção e de emprego. 3. Mesmo os que advogam o estímulo ao investimento privado para contrapor-se à depressão freqüentemente não se fiam só nisso, mas consideram que esse estímulo deveria ser associado ao investimento público. Parece, atualmente, que os “líderes empresariais” e seus assessores pelo menos parte deles tenderiam a aceitar como um PIS além a despesa pública financiada por empréstimo como um meio de aliviar as depressões. Mas eles ainda parecem opor-se firmemente tanto à criação de emprego pelo subsídio ao consumo como à manutenção do pleno emprego. Essa situação é talvez sintomática do futuro regime econômica das democracias capitalistas. Na depressão, ou pela pressão popular ou mesmo sem ela, o investimento público financiado por empréstimo será adotado para evitar o desemprego em larga escala. Mas se forem feitas tentativas de aplicar esse método a fim de manter o alto nível de emprego alcançado na subseqüente prosperidade, é provável que haverá uma forte oposição por parte dos “líderes empresariais”. Como já foi assinalado, um pleno emprego duradouro não é absolutamente do gosto deles. Os traba¬lhadores estariam “fora de mão” e os “capitães da indústria” estariam ansiosos por “ensinar-Ihes uma lição”. Ademais, o aumento de preços na fase de prosperidade é desvantajoso para os pequenos e médios repentistas e os tornaria “aborrecidos”. Nessa situação é provável a formação de um poderoso bloco de grandes empresários e repentistas, que encontraria mais de um economista para declarar que a situação é claramente enferma. A pressão de todas essas forças, e em particular das grandes empresas, muito provavelmente induziria o Governo a retomar à política ortodoxa de corte do déficit orçamentário. Seguir-se-ia uma recessão, na qual a política governamental de despesa voltaria a seu sentido próprio. Esse padrão de “ciclo econômico político” não é inteiramente conjectural; alguma coisa de muito parecido aconteceu nos Estados Unidos em 1937-38. A interrupção da prosperidade na segunda metade de 1937 deveuse realmente à drástica redução do déficit orçamentário. De outro lado, na aguda recessão que se seguiu, o Governo prontamente reverteu à política de gastos. 19:30- 21:00 – A formação econômica do Brasil. A matriz colonial e sua persistência no tempo: Monocultura para X , Trabalho Forçado, Grande Propriedade. A formação da agricultura familiar no mundo e no Brasil.. Leituras – Prado Jr., Caio – O sentido da colonização ,in História Econômicado Brasil Uma certa ideia de Brasil -. César Benjamin. http://www.contrapontoeditora.com.br/arquivos/artigos/200711011651590.Certa%20ideiade%20Brasil.pdf Nós, os brasileiros – Coletânea – P.Timm org. – www.paulotimm.com.br A MANDIOCA DA DILMA: RIR DE QUEM? José Ribamar Bessa Freire http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=1150#secaoCome ntario 28/06/2015 - Diário do Amazonas "Dona Maria chegou, chegou com a mandioca Para fazer a farinha, farinha de tapioca" (Dona Maria, carimbó do Pinduca) - "Então, aqui, hoje, eu estou saudando a mandioca, uma das maiores conquistas do Brasil". A frase da presidente Dilma Rousseff, que discursou de improviso no lançamento dos I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, em Brasília, na terça-feira (23/06), provocou enxurradas de gozação na mídia e nas redes sociais. O colunista José Simão da Folha de SP, que tem liberdade para rir de Deus e do mundo, especialmente do poder - o que é saudável - reclamou que "Dilma saúda a mandioca, mas só fabrica pepino". Para ele, a Mãe do PAC virou a Mãe Dioca. Mas a frase virou também motivo de piadinhas obtusas de quem não tem liberdade para rir. É o caso do deputado da bancada ruralista, Nilson Aparecido Leitão (PSDB-MT), que criou tumulto no plenário da Câmara, na quinta-feira, quando entre outras coisas impublicáveis declarou na tribuna: - "Dilma está enfiando uma mandioca na população do Brasil com o fim da desoneração da folha de pagamentos". - "Olha o baixo nível" - aparteou a deputada Jandira Feghali (PCdoB). No microfone, foi pedida a retirada das palavras de baixo calão dos registros oficiais. Chico Alencar (PSOL) concordou: "Nós criticamos esse governo desastroso, mas é preciso manter um patamar civilizatório para fazer críticas". Nilson, que é muito mais leitão do que aparecido, descambou para ofensas e insultos com tom raivoso que contaminou a mídia e as redes sociais. Farinha pouca Pobre patriazinha tão pobrinha, como cantou o poetinha. Pobre país (des) governado por lambanceiros, cujos líderes despreparados são do naipe de Sibá Machado (PT-AC) e José Guimarães (PT-CE), que enfrentam uma oposição formada por leitões, aparecidos, aécios, caiados, agripinos, cunhas et caterva. Um lado não governa, o outro não sabe criticar nem cobrar, não consegue se articular como alternativa de poder. Afinal, o que foi que Dilma disse para fazerem tanta farofa com tão pouca farinha? Vejamos o contexto, que é o que dá significado ao que falamos. Na cerimônia de abertura do evento, ocorreram danças rituais indígenas. Dilma, depois de benzida por um pajé, discursou: "Nenhuma civilização nasceu sem ter acesso a uma forma básica de alimentação e aqui nós temos uma, como também os índios têm a deles". Foi aí que citou a mandioca, destacando os saberes dos índios na sua produção e "a capacidade de ter na natureza não aquela a quem se subjuga e explora, mas uma relação fraterna de quem sabe que é dessa relação que nasce nossa sobrevivência". - Dilma é a nefelibata da mandioca - berrou Reinaldo Azevedo em sua coluna do GLOBO. Com uma ignorância supina sobre o tema, arrotou seus preconceitos, querendo ser engraçado: "Um índio que estivesse com a cara cheia de cauim, a bebida de mandioca fermentada que deixava os índios doidões, não teria produzido nada melhor". Afinal, de quê e de quem estão rindo a oposição e seus escribas quando Dilma reconhece a mandioca como "uma das maiores conquistas do Brasil"? Embora eu preferisse que ela reconhecesse as terras indígenas, admito que no que ao aipim se refere, a presidente tem razão. Aipim domesticado Encharcado de leituras, dei em 1983 uma aula de História Indígena na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O tema: a mandioca domesticada pelos índios por volta de 7.000 a.C. segundo o arqueólogo Donald Lathrap que fala em uma "civilização da mandioca". Durante milênios, através de experimentos genéticos, os índios diversificaram a espécie. Só na região do Uapés (AM), entre os Tukano, a antropóloga Janete Chernella (1986) identificou 137 cultivares diferentes, algumas ignoradas pelas universidades, diz o agrônomo Pieter Van der Veld. Na aula, falei sobre os saberes relacionados à preservação, controle e técnicas de cultivo e extração do veneno da mandioca brava que vêm sendo transmitidos eficazmente pelos horticultores indígenas através da tradição oral. Informei que a mandioca, junto com o milho e o arroz, é uma grande fonte de carboidratos nos trópicos. Até ai, tudo bem. Mas quando comecei a descrever como se produzia a farinha, um aluno me interrompeu: - Desculpa, professor, mas não é bem assim! Respondi que minha aula se apoiava em livros - citei alguns - lidos durante o curso de doutorado na França e perguntei em qual bibliografia ele se baseava. - Não é em livro não. Durante muitos anos, eu fabriquei farinha no Distrito de Pedras, município de Barreirinha, antes de vir pra Manaus - ele disse. Entreguei-lhe imediatamente o giz, trocamos de lugar e assisti uma senhora aula. No final, aplaudido pelos colegas, ele disse que em sua escolaridade tardia essa tinha sido a única vez em que sua experiência e os conhecimentos daí decorrentes foram valorizados. É que a escola ignora tais saberes e acaba formatando leitões, aparecidos e nefelibatas como Reinaldo Azevedo, que muito ganhariam se tivessem sido alfabetizados por dona Filoca, hoje nome do Posto de Saúde em Pedras. Essa ignorância pode levar à morte como ocorreu em abril de 1985 com uma criança na bairro Vila Nova, na periferia de Porto Alegre, intoxicada com mais quinze pessoas por haverem comido mandioca furtada de uma horta. O então secretário de Saúde, Germano Bonow, informou que “todas as semanas há casos de intoxicação provocada pela ingestão de mandioca, por pessoas incapazes de distingui-la do aipim”. Pensamento selvagem Esse episódio evidencia a quebra de elos na cadeia de transmissão oral e revela como, em consequência, a sociedade brasileira deixou de se apropriar de um saber milenar, útil para a sua sobrevivência, sem que a escrita substituísse essas funções para amplos setores da sociedade nacional. Mas a pedagogia da oralidade continua funcionando no interior das sociedades indígenas. Já a apropriação do saber indígena pela atual sociedade brasileira tem sido obstaculizada pela ignorância, o despreparo e até mesmo o desprezo mantido em relação às línguas e cultura indígenas. O preconceito etnocêntrico não nos tem permitido usufruir desse legado cultural acumulado durante milênios e acabou intoxicando leitões e aparecidos. Lévi-Strauss em O Pensamento Selvagem chama a atenção para o fato de que muitos erros teriam sido evitados se o colonizador tivesse confiado nas taxonomias indígenas em lugar de improvisar outras não tão adequadas. O riso boçal e raivoso é, portanto, fruto da ignorância que não ajuda a conhecer o país e a melhorar as condições de vida de quem nele vive. L.F. Veríssimo faz uma distinção entre, de um lado "um antipetismo justificável dado os desmandos do próprio PT" e de outro, "um ódio que ultrapassa a razão" e que "está no DNA da classe dominante brasileira". Na tentativa de entender os leitões aparecidos que reproduzem no cenário político a metodologia discursiva do embate Adriana Esteves x Glória Pires na telenovela Babilônia, deixo duas questões para o leitor meditar: 1. A mídia e frequentadores das redes sociais que debocharam de Dilma, fariam o mesmo se Aécio Neves fosse o autor da apologia da mandioca? Tais críticos são livres para gozar as presepadas de Aécio Neves, construtor de aeroportos e fiscal do governo venezuelano? 2. A própria Dilma seria insultada se em discurso no congresso da Confederação Nacional da Agricultura, tendo ao lado sua ministra Kátia Abreu, substituísse a palavra mandioca por soja ou por trigo plantados pelo agronegócio, considerando-os como uma das maiores conquistas do Brasil? Nas respostas dadas está a chave para entender porque os leitões não são capazes de cantar o carimbó do Pinduca, nem de preparar, sem se envenenar, uma maniçoba completa com folha de maniva, charque, toucinho, mocotó, costela, paio, chouriço, orelha e rabo de leitão. P.S. - Referências bibliográficas 1. Agência O Estado de São Paulo: “Famílias famintas comem raiz mortal”. A CRÍTICA, Manaus, 26 de abril de 1985. 2. LATHRAP, Donald W.: “O Alto Amazonas”. Southampton: The Camelot Press Ltd. 1970. (Cap. III – “Cultura da Floresta Tropical”). 3. CHERNELLA, Janet M.: “Os cultivares de mandioca na área do Uaupés (Tukano)” in Suma Etnológica Brasileira. Edição atualizada do Handbook of South América Indians. Coordenação Berta G. Ribeiro. Vol. 1 – Etnobiologia, Petrópolis. Vozes. 1986. p. 151 a 158. 4. VAN DER VELD, Pieter. Bate-papo na Escola Tuyuka Utapinopona, depois da oficina de formação de agentes agroflorestais indígenas ministrada por Renato Gavazzi que continuou na 1ª Oficina de História Tuyuka. Instituto Socioambiental. Aldeia Poani , Rio Tiquié 2004. 5. PEREIRA, Maria de Meneses. " Plantas tóxicas: determinação de cianeto em amostras de farinha de mandioca (Manihot esculenta Cranstz) produzidas e/ou comercializadas em Manaus, AM. Dissertação de Mestrado em Química. Universidade Federal do Amazonas. 1997, orientada pelo dr. João Ferreira Galvão. 21:00- 22:00 – Filme Tempos Modernos Chaplin - Debate Dia 17 de julho Manhã - A formação econômica do Brasil. A matriz colonial e sua persistência no tempo: Monocultura para X , Trabalho Forçado, Grande Propriedade. A formação da agricultura familiar no mundo e no Brasil. A peculiaridade da região sul como um modelo primárioexportador interno ao mercado nacional 08.00 – 09.30 - O confronto METRÓPOLES x COLONIAS , CENTRO PERIFERIA e os dilemas da GLOBALIZAÇÃO . O no século XX e seus dilemas: A grande crise de 29 e o New Deal. A Guerra 1939-45. A Pax Americana : Foster Dulles e a Guerra Fria (1948-60) - a Operação Pan- Americana, proposta pelo Governo Kubitschek em 1958 e da qual resultará, numa primeira etapa, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e, mais adiante, a Aliança para o Progresso. ; A Real Politik das Areasde Influência de Henri Kissiguer (1968-78) ; O Trilateralismo de Z. Brzezinski (1973-79) ; O Consenso e Unilateralismo de Washington e o Reagonomics (1980-2008) ; Crise , Depressão e Incertezas (2008 -2015) Furtado , Celso – Teoria e Politica do Desenvolvimento – Ed. Nacional –; Cap 24, Parte 5 – A polarização desenvolvimento – subdesenvolvimento. Não basta investir (30/01/2000) *Roberto de Oliveira Campos Até o fim da II Guerra pouco se falava em desenvolvimento econômico. A questão mais quente era como controlar as flutuações cíclicas da economia, os ciclos de prosperidade e depressão. Depois da guerra, no entanto, tudo mudou, e depressa. Tinha havido uma enorme transformação do ambiente. Depois de 10 anos de depressão e mais seis da guerra, todos os povos queriam recuperar o tempo perdido. A palavra-chave era "reconstrução". Isso queria dizer políticas, programas e projetos que só pareciam factíveis com recursos e liderança do setor público. Em 1936, Keynes havia feito a cabeça dos economistas - deixando sem graça, por um quarto de século, os neoclássicos tradicionalistas - com uma idéia surpreendentemente simples: a de que, numa conjuntura recessiva, em que há ociosidade de mão-de-obra e de máquinas e equipamentos, podese aumentar a demanda real simplesmente pela injeção de recursos para aumentar a demanda monetária. Criando dinheiro, o governo conseguiria provocar um aumento efetivo da renda e, graças a isso, reduzir o desemprego da força de trabalho. No pensamento de Keynes, isso só ocorreria em situações recessivas, mas a tentação de esquecer esse "detalhe" seria grande demais para os políticos. Outra novidade teórica de um brilhante economista soviético dos anos 20, N. Kovalesky, que passaria despercebida durante muito tempo, foi o uso da relação capital/produto para projetar o crescimento do país. Essa idéia manipulada décadas mais tarde por dois economistas ocidentais - R. Harrod e E. Domar - se transformou num famoso modelo, que se popularizou de modo fulminante entre os planejadores desenvolvimentistas. Depois da guerra, todas as regiões coloniais queriam ficar independentes. Alguns partiram para a luta armada contra as metrópoles mais renitentes, como Bélgica, Holanda, França e Portugal. Outros colonizadores, Inglaterra e Estados Unidos, tiveram mais bom senso. No final de três décadas, perto de uma centena de novos Estados havia surgido, todos sequiosos por rápido desenvolvimento. Receitas simples têm grandes vantagens. E foi o que aconteceu com o modelo Harrod-Domar. Naquele momento, era razoável supor-se que: 1) havia grande redundância de mão-de-obra na agricultura; 2) o capital (máquinas, equipamentos) era o fator mais escasso; e que 3) seus rendimentos eram lineares, isto é, diretamente proporcionais à quantidade disponível. Tornou-se irresistível a tentação de um modelo fácil: com um coeficiente capital/produto de 3, para o país crescer a 7% ao ano, digamos, bastaria ao governo promover um investimento líquido de 21% do PIB -dele próprio, dos investidores privados e de fontes estrangeiras. Inutilmente Domar, algum tempo depois, renegou sua fórmula por simplista demais. Era exatamente esse simplismo que a popularizava. Os teóricos sérios sempre souberam que a realidade era muito mais complexa, incluindo complicadores tais como a distribuição dos recursos naturais, a posição geográfica, a tecnologia, a cultura, os valores sociais, as instituições, a segurança e estabilidade das leis, a liberdade de iniciativa e o direito aos frutos da atividade econômica. Max Weber chegou mesmo a explicar o êxito histórico do desenvolvimento capitalista do centro-norte europeu pelos valores individualistas do protestantismo. O simplismo de Harrod-Domar fez esquecer um princípio econômico elementar, que o professor W. Easterly formulou da seguinte maneira: "As pessoas respondem a incentivos". Em 1960, W.W. Rostow publicou um best-seller, Os Estágios do Crescimento Econômico, em que classificava cinco estágios econômicos até se chegar à "decolagem" para o desenvolvimento auto-sustentado. Este dependeria do aumento da formação de capital. E se tornaria mais ou menos automático, quando atingida uma relação adequada entre investimentos e o PIB. No contexto da Guerra Fria, quando os Estados Unidos pareciam estar perdendo a corrida tecnológica e econômica contra a falecida União Soviética, surgiram os grandes planos de ajuda externa para subsidiar o crescimento econômico. Era preciso fazer alguma coisa para ganhar a guerra, e a fórmula de crescimento automático pela intensificação de investimentos era uma arma disponível para os países ricos exportadores de capital. Solow, cujo modelo foi o sucessor do de Domar, chamou atenção para o princípio que ficou conhecido como "produtividade total dos fatores". Ou seja, a produção não é função apenas do capital e do trabalho, mas também da tecnologia. Disso tirou o resultado surpreendente de que o crescimento a longo prazo é função apenas das mudanças tecnológicas e não da taxa de investimento, a qual determina só o nível do produto. Ultimamente, houve uma inovação teórica importante. A lei dos rendimentos decrescentes só se aplicaria aos setores convencionais. Nos setores de alta tecnologia, como a Internet, os rendimentos seriam crescentes, pois a ampliação indefinida dos usuários reduziria os custos de transação, aumentando a produtividade global. Dois exemplos ilustram a importância da qualidade e eficiência do investimento. Um deles é o da União Soviética, que experimentou estagnação econômica na década dos 80, apesar de taxas de investimento da ordem de 30% do PIB. Outro é o do Brasil em seus investimentos sociais. Nossos gastos sociais são bastante elevados como proporção do PIB, mas os resultados são pífios, colocando-nos em posição desonrosa em matéria de índice de desenvolvimento humano. Na ânsia de descobrirem o milagre do desenvolvimento, os economistas vêm sempre acrescentando novas variáveis explicativas. No final, talvez aprendam que não podem prever trajetórias tão exatas como a física permite em relação aos foguetes. Voltamos sempre aos velhos fundamentos conhecidos desde Adam Smith: governo pequeno e honesto, tributação moderada, respeito ao direito de propriedade e melhoria do agente econômico pela competição e pela educação. Não basta investir. É preciso investir bem. *Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra. Dia 17 09:30- 12:00 - A Financeirização da economia mundial. O endividamento das empresas, famílias e do Estado. A dívida pública no Brasil. Leituras Ajude a espalhar a boa notícia! Nos últimos 10 anos, enquanto o investimento em políticas sociais cresceu e elevou 40 milhões de brasileiros de classe social, a dívida do setor público caiu. Gráfico publicado em texto de João Sicsú, na Carta Capital http://bit.ly/126j7wc Os Detentores da Dívida Pública http://www.advivo.com.br/blog/fluente-fluencio/os-detentores-da-divida-publica Donos da dívida-Valor- Angela Bittencourt DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA - A soberania na corda bamba - filme completo O assunto dívida pública é censurado pela mídia mercantilista porque esta se alimenta do abjeto poder financeiro, constituído por abutres insaciáveis que devoram impiedosamente massas humanas em todo o mundo, gerando desemprego, fome e miséria. A abordagem desse assunto pelos órgãos de comunicação é parcial, distorcida e enganosa. A Comunicação, sem qualquer escrúpulo com o seu fundamental papel para capacitar a população na tomada de decisões em benefício de todos, denomina a auditoria como calote, aceita e reforça o conceito de dívida líquida, subtraindo do valor real, bruto da nossa dívida, as reservas internacionais, que são aplicações do Brasil no exterior, a juros perto de zero. Enquanto isso, pagamos juros acima da taxa SELIC, os maiores do mundo. É como subtrair de uma dívida com juros altíssimos o dinheiro parado dentro de um colchão. A dívida total brasileira no ano de 2013 chegou ao valor aproximado de R$ 4 trilhões; o pagamento de juros e amortizações alcançou R$ 718 bilhões, o que corresponde a aproximadamente R$ 2 bilhões por dia; esse desembolso anual representa 40% do orçamento da nação. Este filme contribuirá muito para ajudar na conscientização do povo brasileiro, única forma de libertar o nosso país dessa submissão ilegal, injusta e odiosa. Direção, roteiro, câmera e entrevistas: Carlos Pronzato Direção de Produção: Cristiane Paolinelli Edição: Henrique Marques Assistência de Direção/Pesquisa de imagens: Luiza Diniz Ideia e argumento: Gisele Rodrigues Assistência de produção/RJ: José Bernardes e Helena Reis Assistência de produção/DF: Rodrigo Ávila Assessoria de comunicação: Richardson Pontone Produção: Instituto Rede Democrática/RJ, Núcleo RJ da Auditoria Cidadã da Dívida Publica e Sindipetro/RJ Realização: La Mestiza Audiovisual https://www.youtube.com/watch?v=aFzke1cCwUg ‘Chesnais alertou para a crise global já nos anos noventa’ José Eduardo Cassiolato - 07/03/2014 - 21:45:13 MONITOR MERCANTIL François Chesnais, economista francês com grande articulação com acadêmicos brasileiros, dedicou esforço significativo para entender a globalização, para ele, inevitavelmente marcada por um acelerado processo de financeirização da economia mundial. Essa associação, sublinha, causa uma instabilidade mundial cada vez maior. Em comemoração aos seus 80 anos, em janeiro, um grupo de pesquisadores que convivem ou conviveram com o pensador francês realizou um seminário que resultou na publicação do livro Desenvolvimento e Mundialização: O Brasil e o pensamento de François Chesnais (E-papers). “Chesnais sempre alertou para as conseqüências da globalização, mas as crises de 2007 e 2008 colocaram em voga essas interpretações, mostrando que seu trabalho tem grande atualidade”, comenta o economista José Eduardo Cassiolato, da RedeSist, rede de pesquisa interdisciplinar, sediada no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e um dos coordenadores do livro. Qual a idéia central do livro? Nosso trabalho tenta capturar a percepção de Chesnais sobre as transnacionais hoje a partir da releitura de trabalhos elaborados por ele nos anos 1990. Já naquela época Chesnais antecipava tudo o que está acontecendo e sugeria estratégias ao Estado brasileiro. No livro há também textos que falam sobre o Brasil, sua tendência à atual especialização produtiva, além de outros textos. Até porque abordar a ampla contribuição de Chesnais não pode se resumir a seus trabalhos mais recentes. O contato com a academia brasileira, particularmente, se aprofundou no início dos anos 1980 (esteve pela primeira vez no Brasil em 1979), quando ele ainda fazia parte da velha Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), anterior à queda do Muro de Berlim, que ainda não seguia o Consenso de Washington. O que fazia Chesnais na ‘velha’ OCDE? Coordenava atividades intelectuais de pesquisadores europeus e norteamericanos que levaram à consolidação do que hoje chamamos de ‘perspectiva neoshumpeteriana’ sobre a economia, enfatizando o papel do progresso técnico nas transformações da economia global, sobretudo com o desenvolvimento da microeletrônica. No livro, há um capítulo no qual é detalhada sua importância para o desenvolvimento de todo um pensamento heterodoxo brasileiro. Quando se aproximou do Brasil, sua preocupação maior era com o esgotamento de um período de evolução virtuosa do capitalismo, que começa no pós-Guerra e termina nos anos 1970, com a diminuição da produtividade das tecnologias gestadas na II Guerra e espalhadas globalmente nos anos 1950 e 1960. Nos anos 1970, elas começam a apresentar rendimentos decrescentes, mas antes tiveram significativo papel de transformação virtuosa, trazendo o keynesianismo como elemento importante, particularmente em relação à massiva intervenção do Estado na utilização do gasto público, que encontra virtuosidade a partir da retro-alimentação, que aumenta a produção, o consumo e também a receita do Estado. Naquele período, o gasto público pôde crescer de forma até explosiva em relação ao PIB, até que nos anos 1970 vem a estagflação, simultânea ao novo paradigma das tecnologias de base microeletrônica. Naquele momento, Chesnais tenta entender o esgotamento de um ciclo e os possíveis impactos das novas tecnologias. Sua ênfase se dirigia particularmente às novas formas de organização das multinacionais, precursoras do fenômeno da mundialização desse novo modo de produção. O fim do padrão-ouro, no início da década de 1970, está ligado ao processo de financeirização apontado por Chesnais? Foi nesse processo que países endividados foram submetidos a regras de ajuste fiscal e abertura financeira que perduram até hoje, em detrimento do investimento público e de uma inserção soberana nas cadeias globais de valor? Penso que o conceito de cadeia global de valor não tem muito de global, mas de uma nova divisão internacional do trabalho na qual o grande capital norteamericano e europeu vai buscar, no primeiro momento, a exploração da mãode-obra barata na fase final do processo produtivo (montagem). Isso ocorreu no Sudeste Asiático e na China, com exploração do trabalho semelhante à da escravidão. Ou seja, cadeia global de produção é um conceito que vem dos anos 1970 e explode quando a China entra nesse jogo da mundialização da produção, quando as grandes empresas produtivas transnacionais se subordinam crescentemente aos bancos, extraindo lucros cada vez maiores para atender aos interesses de acionistas, buscam cada vez mais obter produtividade e lucro. Esse movimento da mundialização da produção tem de ser percebido como subordinado ao mundo das finanças. Qual o papel da China nesse processo? A China é um dos poucos países que, ao mesmo tempo em que permitiu esse movimento, desenvolveu etapas intermediárias da produção, menos intensivas em mão-de-obra, fazendo com que cada vez mais o país fosse capaz de virtuosamente passar a produzir com maior valor agregado. Um exemplo interessante é o vidro que cobre nossos telefones celulares, que são imunes a serem riscados com chaves e outros metais. Desenvolveram em seis meses tecnologia para isso, superando concorrentes de países desenvolvidos. Então não é mais uma participação na fase final da produção, com baixos salários. Isso está mudando cada vez mais. E os chineses fazem cópias para testar no mercado interno, com preços diferenciados. Como ficam a América do Sul e a África nesse jogo global da produção? Nesse jogo, os africanos e sul-americanos não entraram e não vão entrar. É jogo já jogado. Particularmente, o Brasil poderá se valer de alguns ativos se perceber que esse movimento de submissão da produção às finanças em escala global inexoravelmente acabará em uma crise, muito maior do que as de 2007 e 2008, pois não poderemos contar com a China desta vez. Que estratégia o Brasil poderia desenvolver? A partir de que ativos? Primeiro, constituir um mercado interno de massas significativo. Até aqui tivemos uma distribuição de renda muito tênue, que convive com a resistência e a cegueira das elites locais, que se irritam com o pouco conseguido pelas camadas mais pobres, apontando para um futuro no qual podem proliferar, tanto o fascismo quanto uma revolução. Um exemplo é a repressão aos jovens frequentadores de shoppings, que são bons consumidores, gostam de comprar produtos de marcas. Outra saída, que não exclui a primeira, é a possibilidade de o Brasil entrar forte na construção de um paradigma tecnológico e produtivo que virá e certamente será menos agressivo ao meio ambiente. O Brasil está nesse caminho? Não. Em vez de irmos nessa direção, ficamos dando ‘injeção de vitamina em defunto’. Ou seja, abrimos para multinacionais trazerem lixo do mercado desenvolvido. Incentivamos a construção de velhas petroquímicas, em vez de usarmos alternativas biodegradáveis. Há empresas que querem desenvolver tecnologia, mas não há uma política maior. Não é apenas câmbio e carga tributária. O Brasil está longe de ser o país que cobra mais impostos para a produção. Mas temos uma boa política de inovação, embora com um grave problema: o resto da política joga contra (juros, política comercial, tratamento dado ao capital estrangeiro etc.). A política implícita, joga contra, apesar dos avanços. Inovação, na maior parte dos casos, exige recursos. A inovação que conta, que gera empregos de qualidade, e, portanto, tem efeito virtuoso na economia, que amplia a diversidade do setor produtivo, exige coisas que estão fora de nossa agenda, como incentivo a processos cooperativos dentro das cadeias. Banco Mundial apoia controle global da economia, revela pesquisa 16/3/2014 20:21 Por Redação - do Rio de Janeiro, São Paulo e Nova York, EUA https://mail.google.com/mail/u/0/?pli=1#inbox/144cfcd594ea26d6 Professor da PUC-SP, o economista Ladislau Dowbor cita pesquisa realizada em nível global sobre a economia planetária Depois que a economista Karen Hudes, demitida do Banco Mundial por ter revelado informações sobre a corrupção na instituição, explicou com detalhes os mecanismos bancários para dominar as finanças em nível planetário, fica ainda mais real o artigo de Ladislau Dowbor, professor titular da Universidade Católica de São Paulo (USP-SP) e doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, publicado de forma discreta, há duas semanas. Karen Hudes, graduada pela escola de Direito de Yale, trabalhou no departamento jurídico do Banco Mundial durante 20 anos. Assessora jurídica superior, cargo que ocupava no Banco, Hudes teve acesso a informações suficientes para formar uma visão global de como a elite financeira, resumida em uma centena de famílias, literalmente domina o mundo. Desse modo, Hudes passa traçar um quadro da realidade global, distante das ‘teorias da conspiração’ que habitam a internet. Segundo a especialista, citada pelo no portal Exposing The Realities, aquela elite usa um núcleo hermético de instituições financeiras e de gigantes corporações para dominar a economia nos cinco continentes. Citando um explosivo estudo suíço de 2011, publicado na revista Plos One a respeito da “rede global de controlo corporativo”, Hudes enfatizou que um pequeno grupo de entidades, na sua maioria instituições financeiras e bancos centrais, exerce uma enorme influência sobre a economia internacional nos bastidores. “O que realmente está a acontecer é que os recursos do mundo estão a ser dominados por esse grupo”, escreveu a especialista com 20 anos de trabalho no Banco Mundial, e acrescentou que os “capturadores corruptos do poder” também conseguiram dominar os meios de comunicação. “Isso é-lhes permitido”, assegurou. O estudo suíço que mencionou Hudes foi realizado por uma equipe do Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique. Os pesquisadores estudaram as relações entre 37 milhões de empresas e investidores de todo o mundo e descobriram que existe uma “super-entidade”, composta de 147 megacorporações, todas muito unidas e capazes de controlar 40% de toda a economia mundial. Contudo, as elites globais não controlam apenas essas megacorporações. Segundo Hudes, também dominam as organizações não eleitas e que não prestam contas, mas, sim, controlam as finanças de quase todas as nações do planeta. São o Banco Mundial, o FMI e os bancos centrais, como a Reserva Federal Norte Americana, que controla toda a emissão de dinheiro e a sua circulação internacional. “Um organização internacional imensamente poderosa da qual a maioria nem sequer ouviu falar controla secretamente a emissão de dinheiro do mundo inteiro. É o chamado Banco de Pagamentos Internacionais (Bank for International Settlements). Trata-se do banco central dos bancos centrais, localizado na Basileia, Suíça, mas que possui sucursais em Hong Kong e na Cidade do México. “É essencialmente um banco central do mundo não eleito, que tem completa imunidade em matéria de impostos e leis internacionais (…). Hoje, 58 bancos centrais, em nível mundial, pertencem ao Banco de Pagamentos Internacionais, e têm, em muito, mais poder na economia dos Estados Unidos (ou na economia de qualquer outro país) do que qualquer político. A cada dois meses, os banqueiros centrais reúnem-se na Basileia para outra ‘Cúpula de Economia Mundial’. Durante essas reuniões, são tomadas decisões que atingem todos os homens, mulheres e crianças do planeta, e nenhum de nós tem voz naquilo que se decide”, afirma Hudes. “O Banco de Pagamentos Internacionais é uma organização que foi fundada pela elite mundial, que opera em benefício da mesma, e cujo fim é ser uma das pedras angulares do próximo sistema financeiro global unificado”, acrescentou. Segundo Hudes, a ferramenta principal de escravizar as nações e governos inteiros é a dívida. “Querem que sejamos todos escravos da dívida, querem ver todos os nossos governos escravos da dívida, e querem que todos os nossos políticos sejam viciados nas gigantes contribuições financeiras que eles canalizam nas suas campanhas. Como a elite também é dona de todos os principais meios de informação, esses meios nunca revelarão o segredo de que há algo fundamentalmente errado na maneira como funciona o nosso sistema”, afirmou. Um poder muito maior Em seu artigo, intitulado O Poder corporativo dos intermediários financeiros, Ladislau Dowbor cita pesquisa divulgada recentemente que revelou dados significativos, como o fato de as corporações formarem uma gigantesca estrutura em rede, em que grande parte do controle flui para um núcleo pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras, que, por sua vez, exerce um poder muito maior do que se poderia supor com base em sua riqueza Leia, adiante, o artigo do professor Dowbor: Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente grande poder econômico, político e cultural. Econômico, em razão do imenso fluxo de recursos – em alguns casos, maior do que o PIB de numerosos países –; político, com a apropriação de grande parte dos aparelhos de Estado; e cultural, por meio da mídia de massa, que cria, através de pesadíssimas campanhas publicitárias, uma cultura de consumo e dinâmicas comportamentais que interessam a esse poder. É natural e saudável que tenhamos uma grande preocupação em não inventar conspirações diabólicas e maquinações maldosas. Mas ao vermos que no topo dos principais setores econômicos as atividades se reduziram a poucas empresas extremamente poderosas começamos a entender que se trata, sim, de poder político. Agindo no espaço planetário, na ausência de governo mundial, e diante da fragilidade do sistema multilateral, os controladores desses setores manejam grande poder sem contrapeso significativo algum. Pesquisa do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH, na sigla em inglês)1, pela primeira vez nessa escala, ilumina essa realidade com dados concretos. A metodologia é muito clara. Foram selecionadas 43 mil corporações do banco de dados Orbis 2007 e estudou-se como se relacionam: peso econômico de cada entidade, rede de conexões, fluxos financeiros e em quais empresas cada uma tem participação acionária que permite o controle indireto. O caráter inovador da pesquisa reside no fato de ter estudado as principais corporações do planeta e expandido a metodologia de forma a traçar um mapa de controles do conjunto dessas empresas, incluindo a escala de poder que às vezes corporações menores detêm ao controlar um pequeno grupo de empresas, que, por sua vez, controla uma série de outras empresas, e assim por diante. Temos então exatamente o que o título da pesquisa apresenta: “a rede do controle corporativo global”. Em termos ideológicos, o estudo está acima de qualquer suspeita. Antes de tudo, é importante mencionar que o ETH de Zurique faz parte da nata da pesquisa tecnológica, ocupando geralmente o segundo lugar depois do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. Pesquisadores do ETH já receberam 31 prêmios Nobel, a começar por Albert Einstein. A equipe que trabalhou no artigo entende tudo de mapeamento de redes e da arquitetura que delas resulta. E em nenhum momento tira conclusões políticas apressadas: limita-se a expor de maneira muito sistemática o mapa do poder e a apontar suas implicações. Impactos no mercado O resultado da pesquisa é claro: “A estrutura da rede de controle das corporações transnacionais impacta a competição de mercado mundial e a estabilidade financeira. Até agora, apenas pequenas amostras nacionais foram estudadas e não havia metodologia apropriada para avaliar globalmente o controle. Apresentamos a primeira pesquisa da arquitetura da rede internacional de propriedade, junto com a computação do controle de cada ator global. Descobrimos que as corporações transnacionais formam uma gigantesca estrutura em forma de gravata borboleta (bow-tie) e que uma grande parte do controle flui para um núcleo (core) pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras. Esse núcleo pode ser visto como uma ‘superentidade’ (super-entity), o que levanta questões importantes tanto para pesquisadores como para os que traçam políticas”. O controle é definido como participação dos atores econômicos nas ações, correspondendo “às oportunidades de ver seus interesses predominarem na estratégia de negócios da empresa”. Quando se desenha o conjunto da teia de participações, chega-se à noção de controle em rede, que, por sua vez, define o montante total de valor econômico sobre o qual um agente tem influência. O modelo analisa o rendimento operacional e o valor econômico das corporações e detalha as tomadas mútuas de participação em ações (mutual cross-shareholdings), identificando as unidades mais fortemente conectadas dentro da rede. “Esse tipo de estrutura, até hoje observado apenas em pequenas amostras, tem explicações como: estratégias de proteção contra tomadas de controle (antitakeover strategies), redução de custos de transação, compartilhamento de riscos, aumento de confiança e de grupos de interesse. Qualquer que seja sua origem, no entanto, fragiliza a competição de mercado… Como resultado, cerca de três quartos da propriedade das firmas no núcleo ficam nas mãos de firmas do próprio núcleo. Em outras palavras, trata-se de um grupo fortemente estruturado (tightly-nit) de corporações que cumulativamente detêm a maior parte das participações umas nas outras”. Esse mapeamento leva por sua vez à análise da concentração do controle. À primeira vista, sendo firmas abertas com ações no mercado, imagina-se um grau relativamente distribuído também do poder de controle. O estudo buscou saber “o quão concentrado é esse controle e quem são os que detêm maior controle no topo”. Isso é uma inovação se comparado aos numerosos estudos anteriores que mediram a concentração de riqueza e renda. Segundo os autores, não há estimativas quantitativas anteriores sobre o controle. O cálculo consistiu em identificar a fração de atores no topo que detém mais de 80% do controle de toda a rede. Os resultados são fortes: “Apenas 737 dos principais atores (topholders) acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as empresas transnacionais (ETN). Isso significa que o controle em rede (network control) é distribuído de maneira muito mais desigual do que a riqueza. Em particular, os atores no topo detêm um controle dez vezes maior do que o que poderia se esperar com base em sua riqueza”. Controle quase total Combinando o poder de controle dos atores no topo (top ranked actors) com suas interconexões, “concluímos que, apesar de sua pequena dimensão, o núcleo detém coletivamente uma ampla fração do controle total da rede. No detalhe, quase dois quintos do controle sobre o valor econômico das ETNs do mundo, por meio de uma teia complicada de relações de propriedade, estão nas mãos de um grupo de 147 ETNs do núcleo, que detém quase pleno controle sobre si mesmo. Os atores do topo dentro do núcleo podem, assim, ser considerados uma “superentidade” na rede global das corporações. Um fato adicional relevante nesse ponto é que três quartos do núcleo são intermediários financeiros”. Os números em si são muito impressionantes e estão causando impacto no mundo científico – e inevitavelmente vão repercutir no mundo político. Os dados não só confirmam como agravam as afirmações dos movimentos de protesto que se referem ao 1% que se apropria dos recursos dos outros 99%. Andy Haldane, diretor executivo de estabilidade financeira do Bank of England, em Londres, comenta que o estudo do ETH “nos deu uma visão instigante do melhor dos mundos para as finanças. Uma análise como a da ‘rede que conduz o mundo’ é bem-vinda porque representa um salto para frente. Os ingredientes-chave para o sucesso em outras áreas têm sido uma linguagem comum e o acesso compartilhado de dados. No presente momento, as finanças não dispõem de nenhum dos dois”. Haldane comenta também a enorme escala do problema: “O crescimento em certos mercados e instrumentos financeiros tem ultrapassado de longe a lei de Moore, que previu que o poder dos computadores dobraria a cada oito meses. O estoque de contratos financeiros emitidos (outstanding financial contracts) atinge agora cerca de 14 vezes o PIB anual global”.2 Algumas implicações são bastante evidentes. Assim, ainda que na avaliação de alguns analistas citados pela revista New Scientistas empresas se compram umas às outras por razões financeiras e não para dominar o mundo, não ver a conexão entre a concentração de poder econômico e o poder político constitui evidente falta de realismo. Quando numerosos países, a partir dos anos Reagan e Thatcher, reduziram os impostos sobre os ricos, lançando as bases do agravamento recente da desigualdade planetária, não havia dúvidas quanto ao poder político por trás das iniciativas. A lei recentemente aprovada nos Estados Unidos liberando o financiamento de campanhas eleitorais por corporações tem implicações igualmente evidentes. O desmantelamento da legislação que obrigava as instituições financeiras a fornecer informações e regulava suas atividades passa a ter origens claras. A substituição dos impostos sobre os ricos e em particular sobre ganhos financeiros especulativos pelo endividamento público como fonte de recursos governamentais tornou-se o eixo da relação público/privado e está na raiz da crise financeira mundial. Fragilidade sistêmica Outra conclusão importante diz respeito à fragilidade sistêmica que geramos na economia mundial. Quando há milhões de empresas, há concorrência real – ninguém consegue “fazer” o mercado, ditar os preços e muito menos o uso dos recursos públicos. Esses desequilíbrios se ajustam com inúmeras alterações pontuais, assegurando certa resiliência sistêmica. Com a escalada atual do poder corporativo, as oscilações adquirem outra dimensão. Por exemplo, com os derivativos em crise, boa parte dos capitais especulativos se reorientou para as commodities, levando a fortes aumentos de preços, frequentemente atribuídos de maneira simplista ao aumento da demanda da China por matérias-primas. A volatilidade dos preços do petróleo e dos grãos, em particular, está diretamente conectada a essas estruturas de poder. Os autores mostram também as implicações para o controle dos trustes, já que essas políticas operam apenas no plano nacional: “Instituições antitruste ao redor do mundo acompanham de perto estruturas complexas de propriedade dentro de suas fronteiras nacionais. O fato de séries de dados internacionais e métodos de estudo de redes amplas terem se tornado acessíveis apenas recentemente pode explicar como essa descoberta não foi notada durante tanto tempo”. Em termos claros, as corporações atuam no mundo, enquanto as instâncias reguladoras estão fragmentadas em 194 países, sem contar a colaboração dos paraísos fiscais. Gera-se um imenso espaço desgovernado. Ponto-chave: os autores chamam a atenção para o efeito do poder do sistema financeiro sobre as outras áreas corporativas. “De acordo com alguns argumentos teóricos, geralmente as instituições financeiras não investem em participações acionárias para exercer controle. No entanto, há também evidência empírica do oposto. Nossos resultados mostram que, globalmente, os atores do topo estão no mínimo em posição de exercer considerável controle, seja formalmente (por exemplo, votando em reuniões de acionistas ou de conselhos de administração) ou por meio de negociações informais.” É o poder dos intermediários, não dos produtores. Finalmente, os autores abordam a questão óbvia do clube dos super-ricos: trata-se de “tipos de redes em que mecanismos como ‘ricos ficam mais ricos’ (rich-get-richer) funcionam. O fato de o núcleo estar tão densamente conectado poderia ser visto como uma generalização do fenômeno do clube dos ricos (rich-club phenomenon)”. A presença esmagadora dos grupos europeus e norte-americanos nesse universo reforça também, sem dúvida, as articulações no espírito do “Ocidente desenvolvido”, além de acentuar os desequilíbrios. Especulação vs. produção O gigantismo é um problema. Trata-se de grupos que controlam recursos em volume muito maior do que sua capacidade de gestão e aplicação racional. Um efeito mais amplo é a tendência de dominação geral dos sistemas especulativos sobre os sistemas produtivos. As empresas efetivamente produtoras de bens e serviços úteis à sociedade teriam todo interesse em contribuir para um sistema mais inteligente de alocação de recursos financeiros, pois são em boa parte vítimas do processo. Nesse sentido, a pesquisa do ETH aponta para uma deformação estrutural do sistema, que em algum momento terá de ser enfrentada.3 E quanto ao que tanto preocupa as pessoas: a conspiração? A grande realidade que sobressai da pesquisa é que nenhuma conspiração é necessária. Em razão do fato de existir uma articulação em rede e um número tão diminuto de pessoas no topo, não há nada que não se resolva no campo de golfe no fim de semana. Essa rede de contatos pessoais é de enorme relevância. Mas, sobretudo, sempre que os interesses convergem não é necessária nenhuma conspiração para que sejam defendidos solidariamente, como na batalha já mencionada para reduzir os impostos que pagam os muito ricos, para evitar a taxação sobre transações financeiras ou ainda para evitar o controle dos paraísos fiscais. O resultado é essa dupla dinâmica de intervenção organizada para a proteção dos interesses sistêmicos, resultando em corporativismo poderoso e no caos competitivo que trava qualquer organização sistêmica racional. Demasiado fechado e articulado para ser regulado por mecanismos de mercado, poderoso demais para ser regulado por governos eleitos, incapaz de administrar os gigantescos volumes de recursos que controla, o sistema financeiro mundial gira solto, jogando com valores que representam cerca de 14 vezes o PIB mundial. O caos financeiro planetário, em última instância, tem uma origem bastante clara, de poucos atores. No pânico mundial gerado pela crise, debatem-se as políticas de austeridade, as dívidas públicas, a irresponsabilidade dos governos, deixando na sombra os atores principais: as instituições de intermediação financeira. No início do pânico da crise financeira, em 2008, a publicação Finance & Development, do FMI, estampou na capa, em letras garrafais, a pergunta “Who’s in charge?” (Quem está no comando?), insinuando que ninguém está coordenando nada. Para o bem ou para o mal, a pergunta está respondida. Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia economômica – um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org). 1 S. Vitali, J. B. Glattfelder e S. Battiston, “The Network of Global Corporate Control” [A rede do controle corporativo global], ETH Zurique. Disponível em: <www.plosone.org/article/related/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjourn al.pone.0025995;jsessionid=31396C5427EB79733EE5C27DAFBFC D97.ambra02>. 2 Andy Haldane, “The Money Forecast” [A previsão do dinheiro], New Scientist, 10 dez. 2012. O fato de esse “mercado de papel” que gira no sistema caóticoe sem regulação atingir esse volume é simplesmente assustador. 3 Krugman e Wells resumem bem a questão central: o desvio de recursos necessários ao fomento da economia para atividades especulativas. No caso dos Estados Unidos, “a produtividade do país diminuiu após deixar o capital à mercê da falácia financeira, dos pacotes de compensação absurdos e das cotações das Bolsas infectadas pela bolha”. Paul Krugman e Robin Wells, “Por qué las caídas son cada vez mayores” [Por que as quedas são cada vez maiores], Nueva Sociedad, n.236, nov.-dez. 2011 The Untold History Of The United States Ep10 por ashshared PS do Viomundo: Não é por acaso que a mídia corporativa está se tornando acima de tudo uma máquina de propaganda a serviço do 1% e que, em breve, haverá todo tipo de controle sobre a internet e as redes sociais. PS2 do Viomundo: Oliver Stone, em Untold History of the United States, vai na mesma linha do articulista, citando uma frase histórica de George Kennan. O diplomata notou que os Estados Unidos, com uma pequena fatia da população, controlava a maior parte dos recursos do mundo. Para sustentar este desequilíbrio, argumentou, a política externa de Washington deveria deixar de idealismo e se basear na implantação de um sistema econômico “adequado” aos Estados Unidos em todo o planeta. Enquanto deixamos que a nossa vida seja vendida como uma mercadoria qualquer, preferimos preencher o vazio com lobisomens, caveiras, antigos rituais ou beber da Fonte da Santa Ignorância, a televisão. Aqui há uma conspiração, mas nada de alienígenas ou vampiros. É uma das conspirações nos moldes das leis. As mais aborrecidas e as únicas que resultam. Derivativos O resultado dos derivativos, que são produtos financeiros inteiramente compreensíveis para pouco mais de 200 pessoas em todo o mundo, é a crise financeira de 2007-2012. Foi uma brincadeirinha começada no escritório da AIG (nota: American International Group, o maior grupo de seguros do mundo) de Joseph Cassano em Londres, para iniciar um colapso global. Não que tudo tenha sido culpa da AIG, porque antes já tinha nascido a bolha dos Derivativos dos subprime nos Estados Unidos, a bolha imobiliária, os criminosos Mers, os Servicers e os derivativos tipo Frankestein (uma criação de Wall Street) que em breve acabaram por infectar todo o mercado financeiro e os bancos. A partir dai foi (e ainda é) possível começar o mantra do “controle orçamental”, da “austeridade”, o pesadelo da “Dívida Pública”. De fato: esvaziar os Estados para torná-los impotentes. Breve parênteses. Tenho uma certa admiração acerca de quem inventou o esquema: foi possível criar algo com o qual apresentar ao povo ignorante dados que “demonstram” como um excesso de despesa foi mortal para as finanças dos vários Países. Temos de reconhecer que foi e ainda é uma obra prima: é preciso saber pegar a arma que fica nas mãos dos cidadãos e transformá-las numa arma contra eles. Cérebros finos, disso não há dúvidas. Com a força dos meios de comunicação de massa. E o resultado é que as pessoas, nas ruas, hoje falam da dívida pública como do pecado mortal. Doutro lado, uma eventual tomada de consciência na internet é mantida sob controle com notícias estúpidas, sem sentido, até ridículas. A Genialidade Os derivativos são armas de destruição de massa, e “massa” é a palavra certa uma vez que estes ativos-Frankenstein percorrem o planeta sem nenhum controle ou regulação para um valor total que assusta qualquer calculadora. Em 1994 o alarme tocou, com a Merrill Lynch que fez desaparecer 1,5 bilhões de ativos em Orange County (EUA), mas ninguém ligou e os ativos continuaram a percorrer alegremente o planeta todo, até ocupar qualquer instituição bancária. Ainda hoje, os contratos OTC (Over the Counter, sempre produtos derivativos) são livremente usados para destruir, como bem sabe o criminoso John Paulson (nota: Paulson soube precocemente da quebra do Lehman Brothers, sendo um dos únicos cinco investidores que ganharam dinheiro com o desastre financeiro decorrente. Os outros foram: Philip Falcone,da Harbinger Capital Partners; Ken Griffin, da Citadel Investment Group; James Simons, da Renassaince Technologies e George Soros) Usando os derivativos, um punhado de especuladores pode tranquilamente afundar um Estado soberano, até mesmo do G8, empurrá-lo até à beira da falência com consequências horríveis que têm o nome de desemprego, subemprego, suicídios, pobreza; pode obrigá-lo a vender o patrimônio dos cidadãos, cortar salários, reformas e serviços, destruir o que ainda sobrar da democracia (nota: como está acontecendo em vários países europeus) Não é difícil e tudo isso em troca de lucros incalculáveis dos especuladores, mas também do fascismo financeiro da União Européia, aquele mesmo fascismo que impôs os tratados mortais da UE, os mesmos para os quais nenhum cidadão da União alguma vez votou. Estamos a falar duma arma de trilhões de dólares, 8 vezes o Produto Interno Bruto do Mundo, não sei se é claro. Dominação financeira e suas contradições Por Marcio Pochmann - 22/07/2014 Nota do autor: A presente reflexão foi estimulada pelo artigo do governador Tarso Genro sobre a Internacional do Capital Financeiropublicado pela Carta Maior. Desde o seu princípio organizador, o modo de produção capitalista caracterizou-se por se expandir sistemicamente, incorporando e articulando crescentes espaços territoriais até se tornar global. Tudo isso a partir da existência de um centro dinâmico integrador de um todo periférico. Ainda que combinada pela lógica sistêmica, a dinâmica capitalista se manteve desigual, seguida por crises de curta e longa durações. Mesmo que o centro dinâmico tenha se alterado poucas vezes ao longo do tempo, a condição de periferia seguiu se produzindo e reproduzindo intensamente. Para assumir a posição de centro dinâmico, três dimensões se fariam fundamentais. A primeira identificada pela capacidade de deter moeda de curso internacional com suas funções de troca, reserva de valor e unidade de conta permanente ativas. A segunda dimensão está associada ao poder das forças armadas para levar adiante – sempre que necessário – o que a diplomacia não se apresenta como suficiente. A terceira dimensão refere-se à capacidade de produzir e difundir tecnologia enquanto elemento dinâmico e acesso da competição intercapitalista. Pela Revolução Industrial e Tecnológica do século 18, na Inglaterra, o capitalismo alçou a condição de trânsito da antiga sociedade agrária para a moderna sociedade urbana e industrial. O processo de mecanização na época gerou ganhos de produtividade crescentes com a incorporação tecnológica e a consequente ampliação na divisão do trabalho, garantindo à armada inglesa o poder do exercício da força pela condição de centro dinâmico mundial. Mas até o início do século 20, o capitalismo se expandia demarcado pela forma fundamental dos impérios (britânico, austro-húngaro, otomano, português, espanhol, entre outros) em relação às colônias. Neste meio, os avanços econômicos possibilitados pela industrialização retardatária (Alemanha, EUA, França, Rússia, Japão e Itália), seguida da Segunda Revolução Tecnológica no último quartel do século 19, colocou em xeque o centro dinâmico mundial, posto que a Inglaterra convivia com o esvaziamento produtivo frente ao poder financeiro crescente da City. Ademais, as duas grandes guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), intermediadas pela Grande Depressão de 1929, tornou real e efetiva a disputa entre nações emergentes como Alemanha e Estados Unidos pela sucessão da liderança inglesa. A partir do fim da década de 1940, o novo centro do mundo se estabeleceu sob a liderança inconteste dos Estados Unidos, cujo american way of life se generalizou mais rapidamente pelo consumo de bens e serviços do que a descentralização da produção de manufatura pelo mundo. Em plena Guerra Fria (1947-1991), mais de 150 países se constituíram frente ao desmoronamento dos antigos impérios e de suas colônias. Ao mesmo tempo, a maior parte da periferia alcançou a soberania nacional, reposicionando o papel do Estado em defesas de políticas nacional-desenvolvimentistas. Isso porque, o centro dinâmico mundial exercido pelos EUA acobertou a conformação dos Estados nacionais regidos por normas monitoradas pelas Nações Unidas e organismos multilaterais (Otan, BM, FMI, acordos de livre comércio, entre outros), diferenciando-se do padrão anterior da hegemonia inglesa. Por acordo entre as nações, conforme realizado em Bretton Woods, em 1944, o dólar estadunidense se transformou em moeda de curso internacional, mantendo-se conversível ao ouro e com valor fixo por 27 anos (1944 e 1971). A valorização do dólar ocorrida no período era compatível com a posição de maior exportador e responsável por 2/3 das reservas de ouro do mundo no imediato segundo pósguerra. A condição de centro dinâmico assentou-se no tripé interno de forças a exercer a vontade da maioria política. De um lado, o poder armado sob a liderança de grandes generais vitoriosos da Segunda Grande Guerra Mundial (Douglas MacArthur, George Marshall Jr, Dwight Eisenhower, entre outros) e, de outro, as forças produtivas representadas pelos grandes conglomerados industriais (famílias Gould, Rochefeller, Ford, Carnegie, entre outros). Por fim, a expressão da sociedade civil organizada em grande medida pela força dos sindicatos e dos movimentos de direitos humanos assumiu importância em determinados momentos do segundo pósguerra. A partir da década de 1970, contudo, as condições de exercício da hegemonia estadunidense fragilizaram-se substancialmente. Três acontecimentos significativos ameaçaram as dimensões do centro dinâmico do mundo. O primeiro deles ocorreu em 1971, com a desvalorização do dólar em relação ao ouro, e teve o grande final em 1973, com o fim da conversibilidade da moeda estadunidense ao ouro. Com a decisão do presidente Richard Nixon, o dólar assumiu a condição de uma moeda como qualquer outra, sem mais equivaler ao ouro, o que resultava em descrédito à dimensão monetária fundamental de valorização do capital em qualquer país capitalista. O segundo acontecimento se deu em 1975, com a derrota das forças armadas estadunidenses na Guerra do Vietnã (1965-75). A decisão do presidente Gerald Ford reafirmou o descrédito no poder militar dos EUA em termos internacionais, bem como internamente frente à vitória nas eleições pelo Partido Democrata e nas repercussões políticas geradas pelas massivas manifestações populares contra a guerra. Por fim, o terceiro acontecimento se deu em 1979, com a Revolução Iraniana e a entrada da Rússia no Afeganistão. A ameaça ao domínio dos Estados Unidos no Oriente Médio pelo avanço das forças pró-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas poderia abrir um novo flanco de insegurança energética, fundamentalmente representada pelo petróleo, rico na região. A decadência relativa dos Estados Unidos era evidente tanto no seu setor produtivo, que assumia a condição inédita de importador líquido de mercadorias na década de 1970, como na incapacidade da política macroeconômica superar a fase de estagflação da época. Ao mesmo tempo em que crescia o risco da insegurança energética num país importador de petróleo, o poder das forças armadas se mostrava fraco. Diante disso, países como a Alemanha e Japão eram vistos como possíveis sucessores dos Estados Unidos, mais preparados para exercerem a condição de centro hegemônico do mundo. Somente uma guinada na conformação de uma nova maioria política poderia restabelecer a retomada do poder estadunidense. As eleições de 1979 terminaram por restabelecer um novo pacto de poder, consagrado pela adoção das políticas neoliberais. A começar pela recomposição da linha estratégica nas forças militares, com a ascensão da liderança dos “falcões” assentados na estratégia da guerra cibernética. Para isso, o redirecionamento de parte do orçamento se mostrou fundamental, associando a realocação dos recursos públicos à pesquisa e desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). A terceira Revolução Industrial e Tecnológica teve impulso para além da eletrônica, com o salto das empresas pontocom no Vale do Silício estadunidense. O programa militar identificado como Guerra nas Estrelas (Defesa Estratégica no Espaço) foi lançado pelo presidente Ronald Reagan em 1983 com o objetivo de reestabelecer a superpotência militar estadunidense. Ao mesmo tempo interligou o gasto militar com a pesquisa, originando, inclusive, a internet para uso civil ao final da década de 1980. A segunda inovação no pacto de poder estadunidense ocorreu com articulação mais fina entre o Departamento de Estado e as petroleiras, especialmente nas ações no Oriente Médio. Como se sabe, a Revolução Iraniana, em 1979, desencadeou o segundo choque de petróleo, quando o barril chegou a US$ 80. Somente sete anos depois, em 1986, o preço do barril voltou à normalidade, contando com importante articulação entre a diplomacia dos EUA e as forças armadas no Oriente Médio, simultaneamente às ações das grandes empresas petroleiras, visando garantir a segurança energética do maior importador de petróleo do mundo. A terceira inovação foi a substituição do poder dos industriais estadunidenses pelo dos banqueiros, uma vez que, com a política realista de Paul Volcker no Banco Central dos EUA (Federal Reserve), a partir de 1978, a taxa de juros voltou a ser mais elevada que a inflação. Desde a Grande Depressão de 1929, quando os banqueiros foram tidos como dos principais responsáveis pela especulação financeira vigente à época, que a taxa de juros se mantinha, em geral, abaixo da inflação, objetivando estimular os investimentos produtivos na economia. A política do dólar forte na década de 1980 contribuiu para que a política neoliberal da desregulação financeira e bancária ganhasse difusão não apenas nos Estados Unidos. Por consequência, a elevação da taxa de juros nos EUA atraía a centralidade das aplicações financeiras naquele país, salvo elevação simultânea dos juros nos demais países, o que terminou esvaziando a autonomia da política monetária para o conjunto das economias. A globalização financeira ganhou escala e passou a liderar em novas bases a ordem capitalista mundial. Os banqueiros do mundo todo se uniram, conformando grau de poder jamais visto, capaz de submeter empresas e países à lógica financeira, inclusive parcela da política, que tem crescente presença de parlamentares e governos operando como verdadeiros funcionários do capital fictício. Com a reconfiguração da nova maioria política nos EUA, os resultados da dominação militar e financeira se apresentaram evidentes frente ao enquadramento do Japão e da Alemanha à situação de países submissos. Houve ainda o fim da Guerra Fria. A partir dos anos de 1989, com a queda do Muro de Berlim e, de 1991, com a derrocada da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o império estadunidense se constituiu enquanto tal, favorecendo o exercício unipolar da dinâmica econômica mundial e retirando poder dos Estados nacionais na efetividade de suas políticas, seja monetária, seja nas TIC’s, seja na área militar, entre outras. Contraditoriamente, o êxito alcançado terminou também sendo portador da corrosão das bases produtivas do capitalismo estadunidense. Guardada a devida proporção, os EUA passaram a seguir trajetória similar à experimentada pela economia inglesa no final do século 19, quando a contaminação pelo vírus do improdutivismo, gerado pelo processo da financeirização da riqueza, levou à decadência do império britânico. Paralelamente, parte da Ásia confirmou, por intermédio de várias experiências nacionais, a constituição atual de uma nova fronteira de expansão do capitalismo global. Justamente a China e a Índia, que foram, em especial, os dois grandes territórios do planeta perdedores diante do avanço da hegemonia inglesa e estadunidense na primeira e segunda Revolução Industrial e Tecnológica, voltaram a se tornar emergentes diante da implantação de experiências associadas ao planejamento central e ao vigor do Estado. Resumidamente, as reformas neoliberais realizadas desde a década de 1980 terminaram por esvaziar parte da estrutura produtiva dos países desenvolvidos – outrora referência da expansão capitalista global. Na sequência do deslocamento da produção industrial ocidental para a Ásia vislumbrou-se a continuidade da desenvoltura de mais uma revolução tecnológica motivadora de novas centralidades no planeta, tais como as cadeias globais de valor geridas por grandes corporações transnacionais. A manifestação da grave crise global a partir de 2008 tornou mais clara o conjunto de sinais da decadência relativa dos Estados Unidos. A ineficácia das políticas neoliberais e o poder concentrado e centralizado das grandes corporações transnacionais apoderaram-se do Estado em grande parte dos países desenvolvidos e foram responsáveis pela adoção de políticas caracterizadas como socialismo dos ricos. Enquanto os trabalhadores pagam com o esvaziamento de seus rendimentos, a perda de empregos e a precarização das ocupações, os grandes grupos econômicos se ajustam com somas crescentes junto ao orçamento público, incapaz de recuperar a dinâmica produtiva, salvo a da indústria da financeirização da riqueza. Simultaneamente, percebe-se o reaparecimento da multicentralidade geográfica mundial com um novo deslocamento do centro dinâmico da América (EUA) para a Ásia (China). Também países de grande dimensão geográfica e populacional voltaram a assumir maior responsabilidade no desenvolvimento mundial, como no caso da China, Brasil, Índia, Rússia e África do Sul, que já respondem atualmente pela metade da expansão econômica do planeta. São cada vez mais reconhecidos por países-baleia, que procuram exercer efeitos sistêmicos no entorno de suas regiões, fazendo avançar a integração suprarregional, como no caso do Mercosul e Asean, que se expandem com maior autonomia no âmbito das relações Sul-Sul. Não sem motivos demandam reformulações na ordem econômica global (reestruturação do padrão monetário, exercício do comércio justo, novas alternativas tecnológicas, democratização do poder e sustentabilidade ambiental). Uma nova divisão internacional do trabalho se vislumbra associada ao desenvolvimento das forças produtivas assentadas na agropecuária, mineração, indústria e construção civil nas economias-baleia. Também ganham importância as políticas de avanço do trabalho imaterial conectado com a forte expansão do setor de serviços. Essa inédita fase do desenvolvimento mundial tende a depender diretamente do vigor dos novos países que emergiram cada vez mais distantes dos pilares anteriormente hegemônicos do pensamento único (equilíbrio de poder nos Estados Unidos, sistema financeiro internacional intermediado pelo dólar e assentado nos derivativos, Estado mínimo e mercados desregulados), atualmente desacreditados. Nestes termos, percebe-se que a reorganização mundial desde a crise global em 2008 vem se apoiando numa nova estrutura de funcionamento que exige coordenação e liderança mais ampliada. Os países-baleia podem contribuir muito para isso, tendo em vista que o tripé da nova expansão econômica global consiste na alteração da partilha do mundo derivada do policentrismo associado à plena revolução da base técnico-científica da produção e do padrão de consumo sustentável ambientalmente. A conexão dessa totalidade nas transformações mundiais requer o resgate da cooperação e integração supranacional em novas bases. A começar pela superação da antiga divisão do trabalho entre países assentada na reprodução do passado (menor custo de bens e serviços associado ao reduzido conteúdo tecnológico e valor agregado dependente do uso de trabalho precário e da execução em longas jornadas sub-remuneradas). Com isso, o desenvolvimento poderia ser efetivamente global, combinar a riqueza de alguns com a pobreza de outros. evitando As decisões políticas de hoje tomadas pelos países de grandes dimensões territoriais e populacionais podem asfaltar, inexoravelmente, o caminho do amanhã voltado à constituição de um novo padrão civilizatório global. Quem sabe faz acontecer, como se pode observar pelas iniciativas brasileiras recentes. Todavia, elas ainda precisam ser crescentemente aprimoradas, avançando do enfrentamento dos problemas de ordem emergencial, como valorização cambial e elevada taxa de juros, que comprometem a competitividade, para as ações estratégicas que atuam sobre a nova divisão internacional do trabalho. Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas e presidente da Fundação Perseu Abramo. Artigo publicado originalmente no portal da Carta Maior em 11/6/2014 O mundo refém do poder financeiro por Frédéric Lordon http://pt.mondediplo.com/spip.php?article107 «A tempestade que está a atravessar os mercados financeiros vai pesar no crescimento mundial», considera John Lipsky, directorgeral adjunto do Fundo Monetário Internacional (FMI). Mais desejosos de tranquilizar a opinião pública (e os investidores) do que Lipsky, os governos dos Estados Unidos, da Europa e do Japão pensam que as flutuações bolsistas serão apenas um simples acidente de percurso num céu limpo. A agitação foi desencadeada pela falência nos Estados Unidos de um mercado imobiliário transbordante de créditos imprudentemente distribuídos. Com efeito, apenas no segmento dos empréstimos de maior risco (subprime), os empréstimos hipotecários em circulação devem ascender a 1,3 biliões de dólares. Entre um e três milhões de americanos poderão ser obrigados a vender a sua habitação. Propagando o perigo a toda a economia mundial, a inovação financeira sem qualquer controlo foi favorecendo progressivamente a bolha imobiliária, a crise da habitação e a especulação. Uma nova expansão do crédito talvez contivesse (ou adiasse) alguns dos danos causados, mas encorajaria os «matemáticos loucos de Wall Street» a uma recidiva. Significa então que a próxima crise já está anunciada? Há dois séculos, Hegel deplorava a crónica incapacidade dos Estados para tirarem lições das experiências da história. Mas os governos não são as únicas forças incapazes de aprender. O capital – muito especialmente o financeiro – parece também condenado a insistir no erro, na aberração recorrente e no eterno retorno da crise financeira. A crise actual dos mercados de crédito, embora relativa a «objectos» novos, revela mais uma vez os ingredientes quimicamente puros do desastre, dando a quem quiser aproveitar a oportunidade mais uma ocasião para meditar nos «benefícios » da liberalização dos mercados de capitais. Realmente, é preciso estar-se muito agarrado à fé para continuar a louvar, contra todos os factos, as virtudes de uma financeirização que espalha a prosperidade geral, contribui para a estabilidade económica e para o progresso do género humano. Mas a crença financeira não desarma facilmente, e, ela que se gaba de ser a consubstanciação do princípio de realidade, ela que submete as empresas à exclusiva «validação pelos factos», continua a ser, com os seus critérios de reporting (prestação trimestral de contas) e de track record («historial» dos desempenhos), nesciamente ignorante daquilo que a história recente – a sua própria história – lhe expõe, ainda por cima de forma intolerável. Mas compreende- -se: o track record da liberalização financeira não é lá muito famoso… Convém lembrar, mesmo assim, que desde que esta começou a fazer estragos dificilmente se passaram mais de três anos sem um acidente de vulto, quase todos destinados a entrar nos livros de história económica: 1987, memorável bancarrota dos mercados de acções; 1990, bancarrota das junk bonds (obrigações de alto risco) e crise das Savings and Loans (caixas económicas norteamericanas); 1994, bancarrota obrigacionista estadunidense; 1997, primeira parte da crise financeira internacional (Tailândia, Coreia, Hong Kong); 1998, segunda parte (Rússia, Brasil); 2001-2003, explosão da bolha Internet… E eis-nos em 2007. Interpretação dos devotos: «A globalização é um êxito, mas com tropeços» [1]… No Le Monde, Pierre-Antoine Delhommais deleita-se com a resiliência do animal ante tantos alvoroços de monta, a respeito dos quais vinha sempre à baila a questão de saber se o não iriam aniquilar – e ele não só se erguia como voltava a pôr-se em movimento com redobrado vigor. É certo que não podemos deixar de sentir o mesmo espanto. Com uma ressalva: o jornalista esqueceu quanto custou aos assalariados, de cada uma dessas vezes, pagar as dívidas da ebriedade financeira. Porque, invariavelmente, a derrocada financeira dos mercados atinge os bancos, e portanto o crédito, e a seguir o investimento, o crescimento… e o emprego. Por isso, Delhommais precisou sem dúvida de observar a retoma do seu jornal por um fundo de investimento algo brutal, passando pela experiência concreta do «downsizing» («reestruturação»), para se ver mais incitado a contabilizar a acumulação de pontos de crescimento perdidos e de empregos destruídos pelas práticas da finança e (mais ainda) pelas suas crises, tendo pois sido necessário que os «tropeços» da globalização se tornassem penosos também para ele para deixar de a encarar como um «êxito». E no entanto a crise dos mercados de crédito que atinge a economia dos Estados Unidos apresenta um panorama quase ideal dos fatais encadeamentos da especulação à solta. Como numa parada, voltam a desfilar as toxinas gerais da finança, sempre as mesmas e identicamente alinhadas: 1) As tendências «Ponzi» da especulação; 2) o laxismo da avaliação dos riscos na fase de alta do ciclo financeiro; 3) a vulnerabilidade estrutural a uma pequena modificação de ambiente e o efeito catalítico dum incumprimento local que precipita a reviravolta; 4) a revisão imprevista dos cálculos; 5) o contágio lateral de outros segmentos do mercado pelas dúvidas; 6) o choque exercido sobre os bancos demasiado expostos; 7) a ameaça dum acidente sistémico, ou seja, dum desmoronamento global, seguindo-se uma recessão generalizada por contracção do crédito… e o pedido de socorro aos bancos centrais lançado por todos estes grandes fanáticos da livre iniciativa privada… 1. As tendências «Ponzi» dos mercados Provavelmente, ninguém melhor do que Hyman Minsky pôs em evidência o encadeamento da finança dos mercados, que ele resumiu com a eloquente designação de «cegueira ante o desastre» [2]. Minsky prestou uma especial atenção aos dissabores de Charles Ponzi, especulador da década de 1920 que se apoderou das poupanças de pessoas crédulas engodadas com promessas de rendimentos extraordinários. Por não possuir quaisquer activos reais capazes de cumprir os desempenhos anunciados, Ponzi servia os seus primeiros clientes, não com dividendos inexistentes… mas com o capital entregue pelos últimos depositantes, supondo a «sustentabilidade» do conjunto, imperativamente, a manutenção de um fluxo de novos clientes! Resvalando a vigarice, baseiam-se num mecanismo bastante semelhante todas as bolhas que necessitam de um afluxo constante de liquidez investida para manter um mercado em alta e a ilusão de que toda a gente ganha com isso. O alistamento especulativo é o segredo da bolha e, obviamente, uma vez passada a inscrição dos primeiros iniciados, são agentes cada vez mais comuns e portanto cada vez menos informados – mas cada vez mais numerosos – aqueles que são levados a constituir a parte mais importante dos batalhões. Para que o crescimento do mercado imobiliário norte-americano se prolongasse, se possível ad aeternum, era pois necessário que cada vez maiores coortes de famílias entrassem no mercado do crédito hipotecário. Com o sonho americano a dar a sua ajuda, não foi muito difícil convencê-las no início, tanto mais que as famílias, escaldadas com a derrocada das acções da bolha Internet, andavam à procura de outras fórmulas de investimento. Mas como o contingente dos mais «sãos» candidatos ao empréstimo depressa se esgotou, e como o mercado tinha imperativamente de ser apoiado, as instituições especializadas no crédito imobiliário foram cada vez mais longe em busca de novos recrutas… Quer tivessem pés chatos, quer fossem asmáticos ou descalcificados, eram admitidos na mesma! E como não iria ser fresca e jubilosa aquela guerra? Os adquirentes entraram em filas cerradas neste mercado e os preços dispararam. Mesmo que não possam pagar o empréstimo, dizem então em coro as famílias e as instituições de crédito, volta a vender-se a casa, para uns com uma mais-valia, para os outros com uma comissão. E visto que com fé no crescimento indefinido do mercado toda a gente acaba por ser declarada apta, as torneiras do crédito abrem-se à larga e a bolha especulativa assim alimentada parece dar razão a todos. Foi deste jeito que emergiu a categoria, destinada a passar à posteridade, dos «subprime mortgages», dos empréstimos imobiliários cujos beneficiários, desconhecidos das instituições de crédito, apresentam uma solvabilidade mais do que duvidosa. E já que a euforia está no auge, todos os limites podem ser ultrapassados: nesta matéria será difícil fazer melhor do que os empréstimos chamados «Ninja», abreviatura de «No Income, No Job or Asset», ou seja, «sem rendimento, sem emprego nem activos (a dar como garantia)» ‒ mais o champanhe como prémio, sem dúvida… 2. O laxismo na avaliação dos riscos Mas a finança dispõe de recursos, dizendo-se até a seu respeito que é perita no tratamento dos riscos. Em todo o caso, engenho não lhe falta. O seu ataque secreto reside nos «produtos derivados». O problema de um crédito, sobretudo quando é de risco, é ele ficar registado nas contas da entidade credora até à respectiva conclusão – boa ou má. O grande achado, que remonta ao início dos anos 90, consiste em «empacotar» um conjunto de créditos para os transformar numa linha de títulos obrigacionistas negociáveis. A grande vantagem desta operação, adequadamente crismada «titularização», reside no facto de os títulos assim «manufacturados» poderem ser vendidos nos mercados, em pequenos pacotes, aos diversos investidores (institucionais) que se dignarem adquiri-los. Cá temos pois os créditos duvidosos retirados do balanço do banco – percebendo-se agora que este os concede com tanta ligeireza por saber que pode livrar-se deles mal fiquem titularizados! Mas por que motivo querem esses investidores comprar aquilo de que o banco deseja desfazer-se? Primeiro porque ficam com eles em pequenos pacotes e, sobretudo, porque esses títulos são negociáveis, ou seja, podem ser novamente cedidos. Depois, porque a linha de títulos derivada do grupo inicial de créditos se encontra, na realidade, dividida em diversas partes com riscos homogéneos. Cada investidor institucional, segundo o seu próprio perfil e aversão pelo risco, irá escolher a fatia que lhe convém, sabendo que haverá sempre – nomeadamente os hedge funds − quem escolha a fatia com maior risco… visto ela ser também a mais rentável… enquanto tudo correr bem. Evidentemente, todos os direitos (fluxos financeiros) e riscos (de não pagamento) associados aos créditos iniciais são transferidos para os portadores destes títulos, chamados RMBS (residential mortgage backed securities, títulos apoiados em créditos à habitação), mas estes portadores são tantos – e mudam com tanta frequência – que disso resulta uma formidável dispersão do risco global. Dantes o banco enfrentava sozinho a falta de pagamento de um dos seus empréstimos, mas agora, não só está inteiramente livre disso como as consequências se encontram dispersas por uma miríade de investidores, assumindo cada qual apenas uma parte, reduzida ao mínimo e ainda por cima diluída no conjunto da sua própria carteira de títulos. 2 bis. Riscos diluídos – ou supermultiplicados? Mas então, poderá perguntar-se, porquê o alarme, se com a panaceia da titularização a finança resolveu a quadratura do círculo? E isto tanto mais quanto a operação de titularização é reiterada a partir dos RMBS, cujas piores fatias exigem um tratamento especial para serem mais facilmente vendidas. A partir dos seus RMBS, certos investidores emitem também uma nova espécie de títulos negociáveis, os CDO (Collateralised Debt Obligations). Sendo títulos derivados de títulos, a emissão de CDO rearruma a fracção respeitante da carteira de RMBS em diversas fatias. A fatia superior, chamada «investment grade», subtrai os seus portadores aos primeiros 20 a 30 por cento de ausências de pagamento dos créditos imobiliários iniciais. Segue-se uma fatia intermédia, chamada «mezzanine», e finalmente uma fatia baixa, que será a que apanhará o choque dos primeiros incumprimentos nos pagamentos. Chama-se pudicamente a esta fatia «equity», mas a linguagem dos mercados diz as coisas com mais clareza, «toxic waste», ou seja, «desperdícios tóxicos», nome reservado a estes produtos que, por assim dizer, aumentam o risco ao quadrado, visto eles representarem a fatia de maior risco (dos CDO) derivada da fatia de maior risco (dos RMBS) extraída da carteira de créditos inicial… Mas enquanto o mercado imobiliário estiver a subir e as famílias continuarem a reembolsar haverá sempre comprador, porque, como a toxicidade ainda não se materializou, persiste apenas a formidável rendibilidade. Os hedge funds, que podem obter financiamentos a taxas relativamente baixas, investem em títulos de alto risco – que se julga poderem ser revendidos ad libitum enquanto se pressupuser que o mercado é líquido –, os quais têm uma rendibilidade de acordo com o risco, ou seja, elevada. As margens são enormes, os «desperdícios tóxicos» são ouro e os golden boys rejubilam. Os lucros espantosos escondem os riscos objectivos, que ninguém quer ver para deixar viver o mais longamente possível a galinha dos ovos de oiro, e enquanto isso as instituições de crédito imobiliário continuam a recrutar candidatos em grande número. 3. Da vulnerabilidade estrutural à falha que choca os espíritos A dispersão dos riscos pelas operações de titularização acumuladas acaba por fazer crer que tais riscos já não existem. Mas isso é uma ilusão. Tanto mais quanto essa doce ebriedade induz logicamente, na base, comportamentos cada vez mais aventurosos. Pensa o credor imobiliário: já que até me desfaço dos meus piores créditos, o melhor é ir em frente; e, no outro extremo, pensa o fundo especulativo: enquanto o mercado dos derivados é líquido, por que não comprar os piores CDO, visto eles serem também os mais suculentos? É certo que os riscos se apresentam diluídos, mas essa diluição levou ao crescimento totalmente incontrolado do seu volume global, tornando-se em suma a situação cada vez mais crítica. A fragilidade estrutural deste edifício passa então a ser tanta que ele se torna vulnerável a modificações de ambiente que à primeira vista são insignificantes. Aparentemente, é uma insignificância o aumento de um quarto de ponto a que a Reserva Federal procedeu na taxa de juro. Mas no outro extremo da curva dos riscos o crédito imobiliário da Srª. Brimmage passou de 6,3 por cento em 2005 para 11,25 por cento, e as respectivas prestações mensais de 414 para 691 dólares… [3] Foi quanto bastou para ela se ver obrigada a deixar de pagar. E como ela, 14 por cento das pessoas que recorreram aos empréstimos «subprime» deixaram de pagar no primeiro trimestre de 2007. Modestos, os aumentos da taxa de juro do Banco Central têm um duplo efeito de ruptura. Por um lado, há menos novas entradas no mercado imobiliário e os preços começam a baixar; por outro lado, os que já lá estão vêem os seus pagamentos mensais tornar-se insuportáveis e a «saída» ficar comprometida. De facto, a venda dos seus activos não só resulta numa menos-valia para eles próprios como acentua, para toda a gente, a pressão para a descida. Como sempre nas crises financeiras, um organismo especializado suporta o revés, sendo o seu malogro, ao impressionar as pessoas, que dá o sinal da grande reviravolta. No caso vertente, duas falhas – nos dois extremos da corrente – vão fazer com que os mercados regressem à realidade. Em primeiro lugar, o banco de investimentos Bear Stearns teve de encerrar dois dos seus fundos «dinâmicos», sem dúvida algo excessivamente dinâmicos, e na realidade dopados com CDO. Mas a empresa de investimento imobiliário American Home Mortgage Investment (AHMI) teve também, pura e simplesmente, de se colocar sob a protecção do capítulo 11 da lei sobre as falências [4]. Esta desdita é mais inquietante do que a anterior. Porque, não estando a AHMI especialmente envolvida no segmento dos «subprime», imagine-se o que deverá passar-se com outras empresas… 4. A revisão imprevista do cálculo dos riscos Desta vez ergueu-se um ligeiro vento de pânico. Os «desperdícios tóxicos» já cheiram muito mal e as pessoas começam também a dizer para si mesmas que os triplos ou duplos A [5] das fatias de «investment grade» de CDO já estão talvez bastante corrompidas. Mas como foi possível cometer erros de cálculo tão monumentais? É verdade que a complexidade objectiva da avaliação dos produtos derivados tem alguma coisa a ver com isso. É verdade também que as agências de notação avaliam às centenas as fatias de CDO e de RMBS. Mas elas não são apenas essas boas operárias um pouco vergadas sob a amplitude da tarefa. O seu próprio volume de negócios vem-lhes das instituições financeiras, que emitem à doida esses títulos a avaliar – em 2006, 40 por cento dos rendimentos da Moody’s foram obtidos pelo cálculo de produtos estruturados… Ora, para que haja novos títulos a tratar, é sem dúvida preferível que os anteriores estejam de boa saúde… A isso acrescenta-se a suplementar demonstração de que as agências de notação nunca souberam verdadeiramente ser independentes dos entusiasmos do mercado; em vez de os temperarem, como lhes compete, corroboram-nos amavelmente quase sempre. Isto porque é difícil, quando se está tão próximo da finança, e quando acessoriamente se vive à sua custa, advertir do perigo quando toda a gente anda a encher os bolsos… As agências, catastroficamente pró-cíclicas quando deveriam ser contra-cíclicas, deixam andar a tendência para a alta… e mal a reviravolta se inicia, põem-se a rever tudo à pressa, contribuindo para transformar essa reviravolta em desmoronamento. E a crise, provavelmente, ainda só está nos seus começos. Porque os incumprimentos imobiliários futuros das famílias estão a acumular-se silenciosamente na antecâmara das teasing rates, essas muito atraentes taxas graças às quais os corretores seduzem os clientes com base na regra chamada dos «2 + 28» ‒ os dois primeiros anos a uma taxa simpática e enganadora e os últimos vinte e oito a uma taxa mais elevada e punitiva. Por isso ainda não vimos desmoronar a promoção de 2006, e quase nada a de 2005, as duas do período mais intenso da bolha imobiliária, as quais irão sem dúvida fazer chispas. Tal como os admiráveis fundos especulativos, repletos dos seus produtos derivados. E como a globalização globaliza a finança, e com ela a asneira financeira, nenhuma dessas coisas se fica pelas fronteiras norteamericanas. É certo que é nessas paragens que o mercado hipotecário delira, mas a titularização derivada oferece-se magnificamente a todos os fundos especulativos do planeta. Os alemães, durante muito tempo tidos como baços e aborrecidos, muito agarrados aos seus pardacentos bancos, decidiram, na viragem do século, tornar-se «modernos» e orientar-se mais resolutamente para as actividades de mercado. Resultado das compras: depois do grande calafrio de 1998 (risco russo) e das sovas da Internet (2001), eis que um banco, o IKB, se encontra à beira da falência por causa duma excessiva exposição aos «subprime»… 5. Contágio da desconfiança Tudo agora se encadeia de uma ponta à outra do globo terrestre e dos mercados. O frágil equilíbrio dos produtos derivados resistiu enquanto… ninguém o testou, ou seja, enquanto toda a gente fingiu acreditar que era líquido o mercado onde eles se trocavam. Mas logo que um dos actores sofre exageradamente e começa a querer aliviar-se vendendo os seus CDO, o receio latente cristaliza-se, sumindo-se todos os compradores. Com a liquidez evaporada, os activos, formalmente negociáveis, deixam praticamente de o ser, tornando-se mesmo não calculáveis, visto os seus preços poderem virtualmente descer até zero. É hilariante ‒ antes de vir a causar pranto –, o comunicado do BNPParibas, que a 9 de Agosto encerrou três dos seus fundos, também eles «dinâmicos»: «O desaparecimento em certos segmentos do mercado da titularização nos Estados Unidos leva a uma ausência de preços de referência e a uma iliquidez quase total dos activos [dos fundos], seja qual for a sua qualidade ou o seu rating» [6]. Nada disso impedira um só instante Baudoin Prot, patrão deste banco, de afirmar categoricamente, uma semana antes, que a liquidez dos três fundos estava garantida. Quer isto dizer, acima de tudo, que a inquietação ultrapassa amplamente o perímetro dos produtos de maior risco, contaminando as fatias consideradas mais seguras. Ora, com um tão belo ímpeto, o contágio não vai parar. Não só atinge todas as espécies de risco no segmento dos RMBS e derivados como se estende a outros segmentos de mercado que nada têm a ver com esse. Excepto o facto de também terem enveredado pela orgia dos créditos indiscriminados. É esse, em especial, o caso do sector da private equity, esses fundos de investimento, vedetas da finança dos últimos anos, que adquirem integralmente empresas tidas como prometedoras, as fazem sair da Bolsa e as reestruturam à chicotada ‒ para as revenderem dois ou quatro anos depois com chorudas mais-valias. Acontece que estes fundos mobilizam muito poucos dos seus próprios capitais e «carburam» maciçamente com base na dívida – cujo serviço, de resto, eles obrigam a empresa adquirida a suportar… As rendibilidades que disso resultam são pura e simplesmente excepcionais. Estas atingiram tais níveis que os bancos se precipitaram, literalmente, para financiar tais operações. Num estado de quase mistificação e persuadidos de que se ganha sempre, concederam a estes fundos condições de empréstimo propriamente desconcertantes. Caso das condições atribuídas aos empréstimos chamados «covenant-lite», ou seja, aliviados de todas as cláusulas que dizem respeito a rácios financeiros elementares, aos quais fica normalmente sujeito quem recorre a empréstimos. «Façam o que quiserem, nós apoiamos»… Mais: os empréstimos chamados PIK (Payment In Kind) ou IOU (I Owe You), cujos lucros e capital são reembolsados, não em dinheiro líquido, mas em suplemento de dívida acrescentado à dívida inicial! O total dos créditos encaminhados para os fundos de private equity atingiu assim volumes extraordinários. Ora as operações deste tipo são particularmente vulneráveis na altura em que chegam ao seu fim , visto tratar-se de revender activos notoriamente ilíquidos: não blocos de acções mas empresas inteiras. Caso ocorra um qualquer incidente – revenda impossível, diferida ou com menos-valias –, todo o sector da private equity passará também por um momento de estupefacção. As operações de obtenção de fundos recentemente lançadas tendem a ser muito mais difíceis, em comparação com a facilidade triunfante dos meses anteriores. Isto porque os bancos, antes cúmplices no laxismo, tornam-se subitamente reticentes. Devido a um efeito de amálgama típico das crises financeiras, a súbita revelação dos riscos num sector suscita interrogações laterais noutros sectores onde a euforia degenerou mais ou menos na mesma proporção. Tal como os dissabores do México em 1994 criaram dúvidas a respeito da Tailândia – apesar da grande distância geográfica –, por um puro efeito de amálgama na categoria dos «mercados emergentes», também neste caso o imobiliário produz efeitos sobre a private equity que nada têm a ver com ele… excepto o facto de também nele se cometerem excessos igualmente condenáveis. 6. Choque exercido nos bancos Os bancos, embora em geral tenham conseguido desfazer-se das suas carteiras de créditos imobiliários através do jogo da titularização, tiveram mesmo assim de suportar a reviravolta, e isso através de múltiplas vias. Primeiro, deixaram os seus fundos de investimento encher-se de produtos derivados, de modo que o risco hipotecário atirado fora pela porta voltou a entrar pela janela. Mas ameaça-os também o contágio lateral, designadamente através da private equity, onde eles se encontram, nesse caso, directamente expostos. Ora com a regulação prudencial do sector bancário não se brinca: os bancos devem manter cuidadosamente rácios ditos «de solvabilidade» entre os seus capitais próprios e os seus compromissos. Caso se manifestem menos-valias, mesmo latentes – e estas estão a anunciar-se tanto mais acentuadas quanto as agências de notação começam agora a despertar e a rever todos os cálculos por baixo –, os bancos têm de integrar nas suas contas as provisões correspondentes; e para manter os seus rácios terão de reduzir o denominador (os créditos concedidos) proporcionalmente à contracção do numerador (os capitais próprios consumidos pelas provisões). No fim, como sempre, são os agentes da economia real, as empresas e os assalariados, afastados de todas as torpezas da especulação, que vêem fechar-se as torneiras dos créditos, sem sequer compreenderem o que terão feito para o merecer. Porque, para restaurar os balanços dos bancos, a contracção do crédito será geral, sem distinções entre os subscritores de empréstimos. 7. O pedido de socorro lançado aos bancos centrais Que bela figura têm agora os heróis da finança! Modernos e arrogantes quando os mercados estavam em alta, ei-los agora, como o juiz da canção de Georges Brassens perante o gorila, «a gritar pela mãe, choramingando muito», atirando-se para o seio da «Mamã estatal» que execram quando a fortuna os leva a abrir todas as comportas da regurgitação ideológica. Bem entendido, o banco central a quem rogam que os livre do malogro baixando as suas taxas para restaurar a liquidez geral não é o próprio Estado, mas esse banco é o pólo público, o extra-mercado, abominado quando os lucros correm abundantes, suplicado quando está mau tempo. Jim Cramer, no canal bolsista CNBC onde tem um programa de aconselhamento financeiro, feito aos berros e envergando uma camisa de manga curta sobre um fundo impregnado de hard rock, telefones especiais e ilustrações de bulls [7], fica de repente uma pilha de nervos [8] e põe-se a injuriar Ben Bernanke, presidente da Reserva Federal, aos gritos de «cut! cut!» [9]. E como Bernanke parece não se apressar, Cramer lança-lhe o insulto supremo: não percebe nada porque é um «académico»… [10] Mais bem vestidos e menos imediatamente vulgares, os outros gestores de fundos inquiridos no mesmo canal mostram-se inteiramente de acordo. Ah, como lamentam Alan Greenspan, que «cortava» as taxas sem rabujar. Ele sim, era um verdadeiro prático, não andava atravancado com estudos inúteis… bastava-lhe pôr a mão na traseira do animal para saber que se impunha fazer concessões. Os menos doidos, no entanto, começam a dizer para os seus botões que esta longa tolerância monetária perante os excessos da finança não foi de todo estranha à formação e acumulação dos riscos que hoje estoiram. Quanto a Ben Bernanke, este, para já, parece ser de opinião que convém deixar os operadores mais imprudentes suportar as consequências da sua inconsequência. Mas não nos iludamos. Esta posição do banqueiro central só é sustentável se os incumprimentos continuarem localizados. Se vierem a «coagular» e a precipitar um «risco sistémico» ‒ ou seja, por efeito dominó, o risco dum desmoronamento geral –, a única opção consistirá em intervir, e maciçamente. É isso aliás o mais insuportável nas acções nefastas da finança, sempre incitada a ir mais longe, ou seja, para além do limiar onde as autoridades já não podem desinteressar-se dos seus infortúnios e têm de atirar-se à água para a salvarem da desgraça – o perfeito sequestro de reféns. Por FRÉDÉRIC LORDON * * Economista, autor de Et la vertu sauvera le monde… Après la débâcle financière, le salut par l’«éthique», Raisons d’agir, Paris, 2003. sexta-feira 19 de Outubro de 2007 Notas [1] Pierre-Antoine Delhommais, Le Monde, 9 de Agosto de 2007. [2] Hyman P. Minsky, Stabilizing an Unstable Economy, Yale University Press, New Haven, 1986. [3] Gretchen Morgenson, «Mortgage Maze May Increase Forclosures», The New York Times, 6 de Agosto de 2007. [4] Esta disposição permite que as empresas não soçobrem, protegendo-as de credores demasiado impacientes (moratória das dívidas). Isenta o empregador dos seus compromissos e permite renegociar os acordos salariais. [5] A notação financeira designa com AAA e AA os títulos mais seguros. [6] Comunicado do BNP-Paribas, 9 de Agosto de 2007. [7] O touro – bull – é o animal representativo da alta bolsista. [8] CNBC, 3 de Agosto www.youtube.com/watch?v=GKZg.... de 2007, ver em [9] «Baixa! Baixa!» (as taxas de juro). [10] Ben Bernanke tem um longo passado de economista universitário. O Grupo dos Trinta: o que faz este Grupo? Os Leitores mais antigos já conhecem a resposta, pois o esquema é velho. Mas funciona. Primeiro: destrói-se a capacidade do Estado para criar e controlar qualquer riqueza financeira significativa (a “superstição ou a histeria da Dívida Pública”, como diz P. Samuelson). Nesta altura, a criação da riqueza financeira continua a ser significativa apenas nas mãos dos mercados de capitais, dos quais os Estados acabam por depender totalmente. Segundo: os mercados de capital, agora donos e soberanos, encarregam lobbies e tecnocratas para que possam ser criadas leis, ferramentas institucionais e instrumentos de propaganda que permitam aperfeiçoar o saque global. Terceiro: os governos, impedidos de criar qualquer tipo de riqueza, são totalmente dependentes da chantagem dos mercados e de quem estes controlam, sendo assim obrigados a engolir ou diretamente ignorar as aberrações especulativas, como a existência Depois disso, os golpes financeiros são quase uma piada. dos OTC. Agora, voltem até o segundo ponto, aquele dos lobbies e dos tecnocratas: é aqui que encontramos, em destaque absoluto, O GRUPO DOS 30. Em 1978, Rockefeller (tinha que ser, não é?) ajuda a criar o grupo. Serão 30 membros rotativos, mas sempre 30 indivíduos. E o que está definindo é muito mau desde o início: são quase todos os homens que trabalham com a mão direita na especulação financeira e com a esquerda na regulamentação governamental da mesma. Isso não tem piada nenhuma: um grupo assim deveria ser preso. Eleni Tsingou, fez uma investigação acadêmica do Grupo (em 2003): Este grupo não apenas legitimou a participação do setor privado nas políticas do Estado, mas também permitiu que os interesses privados se tornassem o centro das decisões político-financeiras. Isto porque muitos dos seus membros são aqueles mesmos políticos que o grupo pretende convencer. O Grupo dos 30, então, começou o trabalho com cérebros de primeira grandeza e bem recheado de dinheiro. Não faltava nada e os resultados não demoraram. Em 1993, o Grupo publicou o primeiro estudo abrangente sobre os produtos derivativos: Derivatives: Practices and Principles. Os controladores das transações financeiras de América e Europa encontravam-se no meio do nevoeiro mais denso acerca destes produtos, portanto aceitaram o estudo de braços abertos: até que enfim, alguém que explica alguma coisa. Só que a ignorância não permite contrariar as conclusões, e as conclusões do Grupo dos 30 eram essencialmente duas: os derivados OTC são essenciais porque “representam novas formas de compreender, medir e gerir o risco financeiro” (esta é lindíssima: os produtos financeiros mais arriscados alguma vez criados deveriam ter reduzido o risco) e, em segundo lugar: foi salientado que “a chave para o uso de derivativos é a auto-regulação: as regras estatais intrusivas teriam arruinado a elasticidade do produto e impedido a inovação financeira” (que significa: as leis são feitas por nós, privados, porque vocês, políticos, nem sabem do que estamos a falar. O que era bem verdade!) E para não fazer a figura das bestas ao quadrado, o que fez a maioria dos políticos? Seguiram os principais líderes políticos que eram, na melhor das hipóteses, pagos pelas elites financeiras. Verdade seja dita: encontrar material informativo acerca dos derivativos não era simples a esta altura. Mas no estudo citado o Grupo dos 30 também ousou mais e escreveu que os auditores deviam “ajudar a remover a incerteza das normas legais e fornecer um tratamento fiscal [isso é, os impostos] favorável perante os derivativos”. Um trabalho teórico nada mal, preparado e divulgado com o lubrificante gentilmente fornecido pela JPMorgan. Apesar da audácia dessas linhas, os três principais órgãos de controle (o Comitê de Basiléia, o Congresso dos EUA e a Federal Reserve) acharam a idéia da auto-regulamentação bem simpática e começaram a remar contra aqueles que lançavam o alarme: veja-se o caso de William K. Black. Nesta altura, duas dos mais poderosos lobbies financeiros anglo-saxônicos, o Institute for International Finance(IIF) de Washington e a Investment Banking Association (IBA) de Londres lançaram na mesa de negociações as suas propostas para a auto-regulamentação dos derivativos , com o óbvio total apoio do Grupo dos 30. Tanto para ter uma idéia, o IIF é o lobby que algumas semanas atrás deu as ordens na negociação-suicídio da Grécia para o segundo resgate. O resultado de quanto dito até aqui: a oportunidade de entender e controlar a destrutividade dos derivativos apresentou-se no início da década dos Noventa. O Grupo dos Trinta foi o principal ator na operação para tornar inútil qualquer tentativa de trazer sob controle público estes assassinos financeiros, cujas consequências bem conhecemos. Vamos ver alguns dos nomes.. São estas as pessoas que arruinaram a vida de centenas de milhões de famílias, milhões de empresas, das democracias dos principais Países ocidentais, para não mencionar os horrores do Terceiro Mundo e o Ambiente. Estes senhores (não sozinhos, claro, há outros também) criaram e defenderam um dispositivo termonuclear fora de controle hoje representado por 650.000.000.000.000 (650 trilhões) de dólares de derivativos que pode arrasar o planeta. Este senhores perpetraram um golpe financeiro único na História. Paul A. Volcker presidente da Federal Reserve (o banco central dos EUA), mas também homem da Chase Manhattan Bank. Lord Richardson of Duntisbourne, governador do Banco Central da Inglaterra, mas também homem da Lloyds Bank. Jacob A. Frenkel, governador do Banco Central de israel, mas também homem da Merrill Lynch International. Geoffrey Bell, Ministro do Tesouro da Grã-Bretanha, também director da Schroders. Domingo Cavallo, que foi Ministro da Economia da Argentina, pai do terrível desastre económico no País do Sul América. Gerald Corrigan, Presidente da Federal Reserve Bank de New York, mas também Managing Director da Goldman Sachs e da Morgan Stanley. Guillermo de la Dehesa, Governador do Banco Central da Espanha, Ministro das Finanças, mas também banqueiro do Banco Santander Central Hispanico e da Goldman Sachs. Armínio Fraga Neto, Presidente do Banco Central do Brasil, mas pago também pela Solomon Brothers NY e Soros Fund Management. Toyoo Gyohten, Ministro das Finanças do Japão, mas também executivo do Bank of Tokyo. Gerd Hausler, governador da Bundesbank (o banco central alemão), mas também no Dresdner Bank. Mervyn King, governador do Banco da Inglaterra. Jacques de Larosière Conseiller, governador do Banco Central da França, também executivo-chefe do BNP Paribas. William McDonough, do Departmento de Estado dos Estados Unidos, pago também pela First National Bank of Chicago. Tomasso Padoa-Schioppa, Comissão Europeia, vice-director da Banca d’Italia, BCE, FMI e Bildberg. Lawrence Summers, Secretário do Tesouro dos EUA, fiel do grupo Bilderberg. Jean-Claude Trichet, ex governador do Banco Central Europeu mas também Ministro das Finanças francês e parte do Grupo Bilderberg. Axel A. Weber, presidente da Bundesbank, mas também membro do Conselho Europeu do Risco Sistémico e Conselho de Estabilidade Financeira e presidente do banco UBS. Adair Turner, presidente da Autoridade de Serviços Financeiros da GrãBretanha, vice-presidente do banco Merrill Lynch Europa. Gerd Häusler, que trabalhou no Relatório de Estabilidade Financeira Global, no Fórum de Estabilidade Financeira, Director do Instituto de Finanças Internacionais em Washington e mesmo do grupo de consultoria financeira Lazard. Mario Draghi, Governador do BCE. Paul Krugman, economista. Paul Krugman??? Com certeza, meus senhores: porque o fato duma pessoa saber qual o caminho certo não significa que depois não possa seguir o caminho mau (“façam como eu digo mas não como eu faço…”). Aqui não se fala de conflitos de interesse bilionários, aqui se fala dos mestres das finanças globais, dos mais importantes bancos centrais do mundo, de gigantes do setor bancário, de especulação global e dos maiores controladores do mesmo, tudo envolvido numa amálgama obscena. Este é o Grupo dos Trinta, o lobby que ajudou de forma decisiva a provocar este cenário assustador, esse nível de criminalidade internacional. Trinta indivíduos em rotação, mas apenas trinta. Coisas reais, tragicamente verdadeiras como verdadeiros são os nomes aqui apresentados. Para cada um dele seria preciso preencher páginas e páginas. Há os nomes de quem deveria ter controlado a finança, criado segurança, construído barreiras legais para proteger o resto da sociedade. Há os nomes de quem elaborou relatórios públicos que diziam “está tudo bem” quando, na mesma altura, cuidava dos próprios interesses nas instituições privadas. Para ler todos os nomes dos atuais membros do Grupo dos Trinta e ver as caras deles também é possível acessarr o site do Grupo: Group of Thirty. Rogério Lessa Tarde 13.30 – 15.30 – Capitalismo, Socialismo e Democracia, ontem e hoje. As novas formas de organização da produção. Empresa_Empresa Solidária_Terceiro Setor . Os novos agentes políticos. Os novos atores internacionais:BRICS . Balanço e Perspectiva. Siste A. & Iriarte – Da Segurança Nacional ao Trilateralismo in A Trilateral a Nova Fase do Capitalismo Mundial – Vozes – pg 145-165 OS BRICS VÃO CRIAR UM BANCO COMUM Paulo Timm – Artigo escrito em 2012 e revisado e acrescentado em 28 de março de 2013) BRIC é uma sigla criada em 2001 pelo economista Jim O'Neill em um estudo intitulado "Building Better Global Economic BRICs" juntando as primeiras letras dos seguintes países: Brasil Russia India China ------------- BRIC O economista procurava identificar um grupo de países – emergentes – de economia globalizada, com forte presença de multinacionais, cujo peso vinha crescendo vertiginosamente. Tal importância acentou-se ainda mais depois da Crise de 2008 que levou à depressão nos Estados Unidos e Europa. O PIB do BRIC equivale a US$ 16 trilhões, 23,51% do produto bruto global; suas exportações somam cerca de US$ 2 trilhões, 13,03% do total das exportações mundiais Mais recentemente, em 24 de dezembro de 2010, acrescentou-se à sigla BRIC um "S", representando a África do Sul (South Africa). Desta forma, o termo passou a ser BRICS. E se estuda a possibilidade de se ampliar do grupo: Além disso, por causa da popularidade da tese "BRIC" da Goldman Sachs, este termo tem sido, por vezes, alterado ou ampliado para "BRICK"[14][15] (K para a Coreia do Sul - em inglês: South Korea), "BRIMC"[16][17] (M para México), "BRICA" (os países árabes do CCG - Arábia Saudita, Catar, Kuwait, Bahrein, Omã e os Emirados Árabes Unidos)[18] e "BRICET" (incluindo a Europa Oriental e a Turquia),[19] que tornaram-se termos de marketing mais genéricos para se referir a esses mercados emergentes. (wikipedia) Os líderes do BRIC em 2008. Os líderes do BRICS em 2011. Tais países, porém, não formam nenhum bloco econômico, não têm qualquer estatuto legal, nem afinidades políticas. Trata-se, não obstante , de um conglomerado que procura aprofundar o diálogo interno, através de encontros de cúpula, com vistas a se fortalecer no cenário mundial e com isso defender interesses comuns. Características comuns destes países: - Economia estabilizada recentemente, embora com estruturas e ritmos de crescimento diferenciados - Situação política estável; - Mão-de-obra em grande quantidade e em processo de qualificação; - Níveis de produção e exportação em crescimento; - Boas reservas de recursos minerais; - Investimentos em setores de infra-estrutura (estradas, ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas, etc); - PIB (Produto Interno Bruto) elevado e mercado interno em crescimento: - Brasil: US$ 2,21 trilhões – 200 milhões hab - Rússia: US$ 2,22 trilhões (estimativa 2010) – 140 milhões hab - Índia: US$ 4,04 trilhões (estimativa 2010) – 1,200 Bilhões hab - China: US$ 6,05 trilhões (2010) – 1,3 bilhoes hab - África do Sul: US$ 524 bilhões (2010) – 50 milhões hab - Índices sociais em processo de melhorias; - Diminuição, embora lenta, das desigualdades sociais; - Rápido acesso da população aos sistemas de comunicação como, por exemplo, celulares e Internet (inclusão digital); - Mercados de capitais (Bolsas de Valores) recebendo grandes investimentos estrangeiros; - Investimentos de empresas estrangeiras nos diversos setores da economia. - perfil de dívida externa e interna baixo com pouco mais de 4.3 trilhões de dólares, quase 50% das reservas internacionais do planeta (Fonte: wiki et ) Outros indicadores demonstram o peso destes países do BRICS no cenário mundial: Categoria Índia China África do Sul Brasil Rússia Área 5º 1º 7º População 5º 9º 2º 1º 25º PIB nominal 6º 11º 10º 2º 28º PIB (PPC) 8º 6º 4º 2º 25º Exportações 21º 11º 20º 1º 36º Importações 20º 17º 11º 2º 34º Balança comercial 187º 4º 182º 1º 179º Consumo de eletricidade 6º 4º 5º 1º 14º Automóvel per capita 65° 51° 114° 72° 69º Liberdade econômica 81° 122° 121° 111° 50º Produção de petróleo 9° 1° 23° 5º 42º Índice de Desenvolvimento Humano 84º 66º 134º 101º 123º 3º / 4º (disputado) 24º Esta é uma tabela mostrando várias categorias de listas e rankings relacionadas à economia e política e as posições dos países BRICS em cada uma delas. O melhor colocado destacado em negrito.- (wikipedia) No Brasil, o Governo Federal, desde o Governo Lula, vem empenhando-se firmemente na consolidação dos BRICS. Duas críticas, têm se delineado, a essa Política: À esquerda, o Senador Cristovam Buarque, tem afirmado que este é um bloco no qual os indicadores sociais são os mais aterradores, à despeito de pequenos progressos na redução da pobreza. Ele contrapõe ao BRICS, o que chama de FICS, que seria um grupo de países nos quais o Conhecimento é o mais valorizado, e para os quais deveríamos nos inclinar: Outro grupo — nem criado nem batizado — pode ter mais futuro do que o BRIC. Trata-se do grupo Finlândia, Irlanda, Coreia do Sul e Suécia, que podemos chamar de FICS. O que caracteriza esses países é o fato de deterem o principal capital do futuro: o conhecimento. Se os países do BRIC têm altas taxas de produção, consumo e participação no comércio internacional, os países do FICS fazem parte da elite educacional do mundo. A comparação entre os dados educacionais do BRIC e do FICS mostra a diferença entre eles. Enquanto os países do FICS ficam entre o 1o e 22o lugares, os países do BRIC estão entre a 34a e a 52a posições, na avaliação da educação feita pela OCDE (Programa Internacional de Avaliação de Alunos — PISA) em 57 países, analisando o desempenho em leitura, matemática e ciências. Enquanto no FICS as taxas de conclusão do ensino médio ficam entre 62% e 91%, no BRIC ficam entre 15% e 57% da população. (Cristovam Buarque, “ O BRIC e o FICS” – O Globo 08/05/2010 cristovam.org.br/portal3/index.php?...id...bric...fics ) Os mais críticos aos Governos do PT, tampouco acreditam no futuro de um conglomerado de países sem qualquer identidade geopolítica ou cultural. É o caso do Sociólogo Paulo Roberto Almeida, autor de vários artigos sobre o tema. O conceito “Bric”, em sua aparente novidade, é uma trouvaille interessante que passou a ocupar a mente dos jornalistas, excitando a imaginação de acadêmicos em busca de alguma idéia nova.Esse conceito parece induzir espíritos preocupados com a realidade da “velha” hegemonia, alimentando, então, a idéia de uma “ruptura de sistema”, ou seja, a substituição dessa antiga hegemonia. Historicamente, são raras as tentativas de alteração pacífica do equilíbrio do poder mundial, na medida em que os beneficiários do status quo tendem a resistir às demandas dos contestadores por novos espaços no quadro da velha ordem. Caso as expectativas não possam ser atendidas, os contestadores podem se decidir pela mudança dessa ordem, se possível por meios pacíficos, se necessário por métodos violentos. (P.R.Almeida - http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1920BricsAduaneiras.pdf - O papel dos BRICS na economia mundial” -2009) Certo ou errado, com ou sem futuro, neste momento os representantes do BRICS fazem História e se preparam para a quinta cúpula dos seus líderes, que se realizará em 2013 na Africa do Sul , quando deverão surpreender o mundo dos negócios. Para tanto, estudam, a possibilidade de criar novos instrumentos financeiros para o desenvolvimento: No dia 15 de agosto realizou-se na sede do BNDES, no Rio de Janeiro, a primeira reunião do Grupo de Trabalho sobre a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS. No dia 26 de setembro, um fórum de especialistas do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul, se reuniu em Chongqing, na China e ali foi discutida a idéia de se criar uma agência de qualificação do grupo, como alternativa às agências de classificação ocidentais, que não souberam prever a crise de 2008, nem a que eclodiu este ano. (Mauro Santayana – www.maurosantayana.com – “O BRICS avança”- 09 outubro) Com efeito, reunidos em outubro de 2012 ,em Tóquio, numa reunião paralela ao FMI , os Ministros da Fazenda do Grupo já prenunciam – porque não se chegou a anunciar oficialmente um novo Banco de Desenvolvimento com capital de US 50 bilhões e compartilhamento de reservas na ordem de US$ 120 bilhões - http://www.valor.com.br/financas/2864268/bricsestudam-banco-com-capital-de-us-50-bilhoes#ixzz290z7D2aW A criação deste Banco - com uma dupla função, de FMI , ao prover a seus membros Direitos de Saque até 30% do capital, sem qualquer burocracia ou controles, em caso de crise e, de BANCO MUNDIAL , com financiamento de Projetos de Formação de Capital a longo prazo, com juros baixos -, poderá ser um “aviso aos navegantes”: medidas mais ousadas, como o uso de outra moeda que não o dólar e euro, poderá vir a reger as transações comerciais do grupo. Quem viver, verá! Não será o “Melhor dos Mundos”, ao estilo clásssico, revigorada pelo iluminismo e levada ao paroxismo, mas um passo decisivo para um “Mundo Melhor”, na fórmula tentativa inaugurada por Leibnitz e retomada com vigor nestes tempos de fim do utopismo. Pois este Banco foi, ontem – dia 27 de março de 2013 –, anunciado em reunião histórica dos Chefes de Estado dos BRICS na África do Sul, junto com um Acordo Brasil- China para a criação de um fundo monetário comum fora do dólar. Como afirmou em sua coluna o Jornalista Cesar Fonseca: - ‘Chegou a hora de dar um basta ao dólar”. Foto – Chefes de Estado BRICS – 27 março 2013 BRICS: chegou a hora do BASTA ao dólar Cesar Fonseca em 26/03/2013 BANCO DE DESENVOLVIMENTO DOS BRICS; NOVO FUNDO SOBERANDO DE INVESTIMENTO INTERNACIONAL; TROCAS INTERNACIONAIS COM MOEDAS NACIONAIS. Eis a estratégia dos países emergentes Brasil, Rússia,Índia, China e África do Sul(BRICS), que começam reunião de dois dias em Durban, na África do Sul, a partir de hoje, para enfrentar a crise internacional, que tem como epicentro a bancarrota do dólar e das agências internacionais criadas pelos Estados Unidos, no pós guerra, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, incapazes de dar solução para o problema da especulação financeira que os próprios Estados Unidos criaram, levando o mundo ao crash de 2007-2008, do qual a economia globalizada ainda não conseguiu se afastar. O colapso da economia do Chipre, no momento, elo mais fraco do capitalismo financeiro especulativo, que tem origem nos Estados Unidos, é o exemplo cabal de que as agências internacionais, nascida do acordo de Bretton Woods, em 1944, deixaram de ser úteis, negando a própria ideologia utilitarista, suprassumo do sistema capitalista. Em vez de resolverem os problemas, tais terapias sugeridas pelas agências internacionais americanas, apenas, pioram a situação. Os remédios que receitam são puro veneno. Nesse sentido, deixaram o campo aberto para os BRICS, que, ao lado dos emergentes, na América do Sul, na ÁFria e na Ásia, buscam saídas para os impasses que estão sendo gerados pelas políticas econômicas aplicadas pelos países ricos. As expansões monetárias adotadas pelos bancos centrais dos Estados Unidos, da Europa e, agora, do Japão, tentam, infrutiferamente, resolver, tão somente, os impasses produzidos pelos próprios ricos, enquanto pioram a vida das economias dos demais países. A estratégia americana, européia e japonesa, que, ao lado da oferta, sem limite, de moeda na circulação global, convive com taxa de juro zero ou negativa, depois de desconta a inflação, passou a produzir, nas economias emergentes, como a brasileira, pressões inflacionárias incontroláveis. Como as dívidas dos governos americanos e europeus estão excessivamente elevadas e tendem a aumentar ainda mais com as expansões monetárias, eles decidiram não mais pagar juros reais pelos títulos públicos que emitem, praticando juro zero. O que fazem quem tem em caixa moedas, como o dólar, o euro e o yen? Buscam, desesperadamente, especular com o juro positivo vigente nos países emergentes. Estes, sob pressões de instabilidades decorrentes dos descompassos entre oferta e demanda de bens e serviços, são obrigados a manejar as taxas de juros como instrumento de combate à inflação. Ocorre que essa solução, em meio às políticas monetárias praticadas pelos ricos, perde funcionalidade, porque os juros positivos atraem poupança externa especulativa, cujas consequências se traduzem em aumento de dívidas públicas internas, que levam às instabilidades fiscais, resultando em baixo crescimento econômico. Ou seja, as políticas econômicas praticadas pelos países do capitalismo cêntrico, tendo o dólar como moeda equivlente geral, emitida sem lastro e sem limites pelo governo americano, transformou-se na fonte essencial da crise mundial. Os BRICS, por isso, mesmo, intensificam discussões para alcancerem alternativas à moeda americana, como prioridade máxima. O BANCO DE DESENVOLVIMENTO DOS BRICS substituiria o Banco Mundial e o FMI, cujo comando está, na prática, em Washington, para atender as demandas financeiras dos emergentes, abrindo espaço para iniciar NOVO SISTEMA MONETÁRIO. Por meio dele as moedas nacionais poderiam ser recicladas, convertidas em nova moeda, o BRICs, por aí, ou outro nome que venha a ganhar, tendo como lastro o potencial econômico dos seus integrantes. Qual a riqueza real que o Brasil, por exemplo, pode apresentar, como lastro a essa nova moeda? Suas riquezas naturais. A energia, os minérios, a produção agroindustrial etc seriam ou não lastro real, com mais valor do que o dólar, que é emitido sem lastro? O FUNDO DE INVESTIMENTO SOBERANO INTERNACIONAL, formado pelas reservas poderosíssimas dos BRICS, representaria garantia para sustentar desequilibrios de balanço de pagamento nas relações de trocas entre os mais ricos e os mais remediados ou não, de modo a evitar descompassos econômicos, cujos resultados têm sido fugas de capitais, desequilíbrios estruturais, bolhas especulativas etc. Estariam, portanto, preparados os ambientes necessários às TROCAS COMERCIAIS EM MOEDAS NACIONAIS, para funcionarem ao largo da ação da moeda americana. O dólar tornou-se moeda perniciosa às relações de troca internacionais, desde que, nos anos de 1970 em diante, Washington, descolou ela do padrão ouro, deixando-a flutuar. Ao lado disso, as autoridades monetárias americanas liberaram geral o sistema financeiro de regulamentações, enquanto pressionaram os demais países a abrirem suas economias às ações do capital especulativo americano no mundo, dando curso a uma era neoliberal, que, agora, entrou em crise geral. O resultado, desde então, foram sequências de bolhas especulativas, impulsionadas por financiamentos de setores econômicos por grande quantidade de moeda até que os mesmos, exaustos sob especulação intensa, implodiam, sucessivamente. Em 2007-2008 ocorreu o que todos já sabem e desde aquele momento a praça global se encontra excessivamente encharcada de moeda americana. Como a dívida dos Estados Unidos se encontra elevada em excesso, Washington não tem mais fôlego de sustentar juro positivo, para exercitar tal função. Seus deficits não deixam. Para reagir o colosso econômico de Tio Sam, dotado de pés de barro, o FED, em vez de atuar prudentemente na política monetaria e ir fundo nos cortes dos gastos fiscais, a exemplo do que recomenda a todo mundo, nada disso faz, nem está disposto a fazer. O império não admite deixar de ser império. Ao contrário, partiu para aumentar ainda mais a oferta de dólar, inflacionando a praça global, ao mesmo tempo em que pratica juro negativo, para atrair aos Estados Unidos as empresas americanas que haviam ido embora da América, quando o dólar era forte. O jogo americano é claro: desvalorizar o dólar,não pagar juro para mais ninguém e derrotar os concorrentes nas relações de troca, enquanto parte para a acusação de protecionista todo aquele que tenta proteger seus mercados. Nesse ambiente, conviver com o dólat tornou-se suicídio. Os BRICS entram em campo para tentar reverter essa situação. Trata-se de momento fundamental na vida econômica global. Mas não basta romper com o dólar. A profunda crise do capitalismo contemporâneo está a exigir medidas profundas de reorganização de todo o sistema econômico: It’s hard to imagine now, but for more than three decades after World War II financial crises of the kind we’ve lately become so familiar with hardly ever happened. Since 1980, however, the roster has been impressive: Mexico, Brazil, Argentina and Chile in 1982. Sweden and Finland in 1991. Mexico again in 1995. Thailand, Malaysia, Indonesia and Korea in 1998. Argentina again in 2002. And, of course, the more recent run of disasters: Iceland, Ireland, Greece, Portugal, Spain, Italy, Cyprus. . ( PAUL KRUGMAN - March 24, 2013 http://www.nytimes.com/2013/03/25/opinion/krugman-hot-moneyblues.html?smid=fb-share&_r=0 ) À estatização da moeda, levada a efeito na formação dos Estados Nacionais, impõe-se, agora, a estatização de todo o sistema financeiro, de forma a evitar a mercantilização do sistema em benefício de pouquíssimas pessoas e empresas:, no rumo do que propõe o filósofo Giorgio Agamben: G.Agamben, filósofo rs.tv/site/pags/nac_int2.php?id=2456 : italiano - http://www.torres- -El período oscuro no es exclusivo de Italia, es un problema europeo en general. Hay un texto de Walter Benjamin que se llama "El capitalismo como religión". Se trata de una definición extraordinaria. Porque no es religión tal como la concibió Max Weber, sino en sentido técnico. No es una religión basada en la culpa y la redención, los dos pilares del cristianismo, sino sólo sobre la culpa. No existe una racionalidad capitalista, que puede ser contrastada con los instrumentos del pensamiento. Cuando uno abría los diarios en Italia hasta poco tiempo atrás, leía que el entonces primer ministro Monti decía que hay que salvar el euro "a cualquier costo". Más allá de que "salvar" es un concepto religioso, ¿qué significa esa afirmación? ¿Que debemos morir por el euro? El capitalismo es una religión, y los bancos son sus templos, pero no metafóricamente, porque el dinero no es más un instrumento destinado a ciertos fines, sino un dios. La secularización de Occidente dio lugar paradójicamente a una religiosidad parasitaria. Yo he estudiado por años la cuestión de la secularización, que dio lugar a una nueva religión monstruosa, totalmente irracional. La única solución europea es salir de este templo bancario." http://www.lanacion.com.ar/m1/1565417-giorgio-agamben-en-europa-asistimos-a-unvaciamiento-de-la-democracia Aguardemos, então, o futuro deste novo e promissor grupo de países, relativamente independentes do pólo central do Império. Não será um caminho fácil. Os países envolvidos são cultural e politicamente diferentes, têm interresses divergentes, encontram-se geopoliticamente distanciados. En réalité, le seul point commun de tous ces pays est un attachement très fort à la souveraineté étatique. C’est évidemment un point important. Mais il ne fera pas des Brics un opérateur politique homogène. Comme le souligne la politologue brésilienne Ana Flavia Platiau, il y a entre les Brics un manque de confiance mutuelle. C’est bien là le problème (Les Brics existent-ils ? - De Zaki Laïdi. - 25 Mai 2011 ) Sobretudo, a China, pelo seu tamanho e vulto econômico, assusta um pouco. Notícas e análises dão conta de uma avassaladora onda chinesa sobre sobre a África e mesmo América Latina, com sérios prejuízos ao desenvolvimento soberanos de seus países, além de severas seqüelas ambientais: These recent reports of environmental degradation in Latin America may be thousands of miles apart in different countries and for different products, but they have a common cause: growing Chinese demand for regional commodities. The world's most populous nation has joined the ranks of wealthy countries in Europe, North America and east Asia that have long consumed and polluted unsustainably. This has led to what author Michael T Klare calls "a race for what's left" and its impact is particularly evident in the continent with much of the untapped, unspoiled natural resources. Even more than Africa, Latin America has become a major focus of Beijing's drive for commodities. A study last year by Enrique Dussel Peters, a professor at the National Autonomous University of Mexico, found that the region has been the leading destination for Chinese foreign direct investment – mostly for raw materials and by big government-run companies such as Chinalco and CNOOC. (China's exploitation of Latin American natural resources raises concern – J. Wats – The Guardian - http://www.guardian.co.uk/world/2013/mar/26/china-latin-america-resources-concern ) Ainda assim, é alentador ver o reerguimento de um bloco equivalente, nestes dias, Conferência Ao de Movimento Bandung, dos em Não 1955, Alinhados, em plena originado Guerra (http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_N%C3%A3o_Alinhado) na Fria que contribui decisivamente para a formação de uma nova consciência nos Países do Terceiro Mundo sobre os rumos do seu desenvolvimento. O “homem endividado” e o “deus” capital: uma dependência do nascimento à morte. Entrevista especial com Maurizio Lazzarato Domingo, 28 de junho de 2015 “Desde o início das sucessivas crises financeiras, a figura subjetiva do capitalismo contemporâneo parece antes ser representada pelo ‘homem endividado’”, afirma o sociólogo. Antes as dívidas eram contraídas junto à comunidade, aos deuses ou antepassados. Hoje, nosso endividamento se dá junto ao “deus” Capital, provoca Maurizio Lazzarato na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU OnLine. “O ‘homem endividado’ é submetido a uma relação de poder credor-devedor que o acompanha durante toda a vida, desde o nascimento até a morte”. E completa: “Através das dívidas soberanas, toda a população acaba endividada e deve pagá-las, qualquer que seja sua situação: desempregado, trabalhador, Imagem: jornalggn.com.br aposentado, etc. Carregamos dentro de nossos bolsos a relação credor/devedor, pois ela está inscrita no cartão de crédito”. Para Lazzarato, o que hoje se verifica não é uma hegemonia da economia sobre a política, mas, antes, uma “reconfiguração da relação entre economia e política. O capital (e não a economia!) construiu uma máquina de guerra, da qual o Estado e o sistema político são apenas articulações. O Estado e o sistema político intervêm para a produção e a reprodução da máquina de guerra do Capital, não sendo realidades alheias ao seu funcionamento, e sim engrenagens essenciais”. A moeda converteu-se no próprio capital, assinala, a “forma mais abstrata, mais móvel e mais eficaz do mandamento do capitalismo. Ela dita regras, condutas, comportamentos a populações inteiras, como está acontecendo na Grécia e em toda a Europa atualmente”. Maurizio Lazzarato (foto abaixo) é sociólogo e filósofo italiano que vive e trabalha em Paris, onde realiza pesquisas sobre a temática do trabalho imaterial, a ontologia do trabalho, o capitalismo cognitivo e os movimentos pós-socialistas. Escreve também sobre cinema, vídeo e as novas tecnologias de produção de imagem. Participa de ações e reflexões sobre os “intermitentes do espetáculo” no âmbito da CIP-idf (Coordination des intermittents et précaires d’Île-de-France), onde coordena uma “pesquisa-ação” sobre o estatuto dos trabalhadores e profissionais do espetáculo e do mundo das artes, além de outros trabalhadores precários. Junto com Antonio Negri é um dos fundadores da revistaMultitudes. De suas obras publicadas destacamos Trabalho imaterial (Rio de Janeiro: DP&A, 2001), escrita com Toni Negri, e La fabrique de l’homme endetté. Essai sur la condition néolibérale (Paris: Editions Amsterdam, 2011). Lazzarato estará na Unisinos como conferencista do V Colóquio Latino-Americano de Biopolítica, III Colóquio Internacional de Biopolítica e Educação e XVII Simpósio Internacional IHU Saberes e práticas na constituição dos sujeitos na contemporaneidade. No dia 23 de setembro ele proferirá a onferência Noopolítica e trabalho imaterial. Confira a entrevista. IHU On-Line - Em que medida podemos falar de uma financeirização que atinge todos os setores de nossa vida? Quais são suas implicações fundamentais? Maurizio Lazzarato - O neoliberalismo governa através de uma variedade de relações de poder: credor-devedor, capital-trabalho, welfare -usuário [1], consumidorempresa, etc. Mas a dívida é uma relação de poder universal, uma vez que todo mundo está incluído nela: até mesmo aqueles que são pobres demais para terem acesso ao crédito devem pagar juros a credores pelo reembolso da dívida pública; até mesmo os países Foto: kit.ntnu.no pobres demais para se dotarem de um Estado de bemestar social devem pagar suas dívidas. Através das dívidas soberanas, toda a população acaba endividada e deve pagá-las, qualquer que seja sua situação: desempregado, trabalhador, aposentado, etc. Carregamos dentro de nossos bolsos a relação credor/devedor, pois ela está inscrita no cartão de crédito. Cada compra paga com cartão de crédito nos introduz no circuito financeiro. A relação credor-devedor atinge a população atual em sua totalidade, mas também as populações futuras. Os economistas nos dizem que cada novo bebê francês já nasce com 22 mil euros em dívidas. Não é mais o pecado original que nos é transmitido no nascimento, mas a dívida contraída pelas gerações anteriores. O “homem endividado” é submetido a uma relação de poder credor-devedor que o acompanha durante toda a vida, desde o nascimento até a morte. Se, outrora, nossas dívidas eram para com a comunidade, os deuses, os antepassados, agora, estamos endividados junto ao “deus” Capital. IHU On-Line - A partir do conceito de economia da dívida, como analisa a hegemonia da economia sobre a política em nosso tempo? Maurizio Lazzarato - Não há hegemonia, mas, sim, uma reconfiguração da relação entre economia e política. O capital (e não a economia!) construiu uma máquina de guerra, da qual o Estado e o sistema político são apenas articulações. O Estado e o sistema político intervêm para a produção e a reprodução da máquina de guerra do Capital, não sendo realidades alheias ao seu funcionamento, e sim engrenagens essenciais. IHU On-Line - Como se pode crer na veracidade de uma entidade virtual como o dinheiro que é negociado na bolsa de valores, por exemplo? Como é possível compreender que tal recurso comande decisões de empresas, governos e nações? Maurizio Lazzarato - A moeda não deriva da troca, da simples circulação, da mercadoria; ela também não constitui o sinal ou a representação do trabalho, mas expressa uma assimetria de forças, um poder de prescrever e impor modos de exploração, de dominação e de sujeição futuros. A moeda é, primeiramente, moeda-dívida, criada ex nihilo [2], sem nenhum equivalente material fora de uma potência de destruição/criação das relações sociais e, notadamente, dos modos de subjetivação. A moeda é o próprio capital, a forma mais abstrata, mais móvel e mais eficaz do mandamento do capitalismo. Ela dita regras, condutas, comportamentos a populações inteiras, como está acontecendo na Grécia e em toda a Europaatualmente. IHU On-Line - Poderia recuperar alguns aspectos da contribuição de Nietzsche para compreendermos a genealogia da dívida? Maurizio Lazzarato - Nietzsche [3] já havia dito o essencial acerca deste assunto. "Nietzsche já havia Na segunda dissertação de Genealogia da Moral(São Paulo: Companhia das Letras, dito o essencial 2009), ele arrasa de uma só vez todas as ciências sociais: a formação da sociedade acerca da dívida. Na e o adestramento do homem (extrair do homem-fera um animal adestrado e segunda dissertação civilizado, um animal doméstico em suma”) não resultam nem das trocas deGenealogia da econômicas (indo de encontro à tese apresentada por toda a tradição da Moral, ele arrasa de economia política, desde os fisiocratas até Marx [4] , passando por Adam Smith) uma só vez todas as [5] , nem das trocas simbólicas (indo de encontro às tradições teóricas ciências sociais" antropológicas e psicanalíticas), mas, sim, da relação entre credor e devedor. Nietzsche faz, assim, do crédito o paradigma da relação social, descartando toda e qualquer explicação “à moda inglesa”, ou seja, pela troca ou o interesse. IHU On-Line - Qual é a importância do mecanismo da dívida no capitalismo financeirizado? Maurizio Lazzarato - Aquilo a que as mídias chamam de “especulação” constitui uma máquina de captura ou predação da mais-valia nas condições da acumulação capitalista atual, na qual é impossível distinguir a renda do lucro. O processo de mudança das funções de direção da produção e de propriedade do capital, que começou a se desenvolver na época de Marx, atingiu, hoje, sua forma plena. O “capitalista realmente ativo” transforma-se, já dizia Marx, em “um simples dirigente e administrador do capital”, e os “proprietários do capital”, em capitalistas financeiros ou beneficiários de rendas. A finança, os bancos, os investidores institucionais não são simples especuladores, mas os (representantes dos) “proprietários” do capital, enquanto estes, que eram, outrora, os “capitalistas industriais”, os empreendedores que arriscavam seus próprios capitais, são reduzidos a serem simples “funcionários” (“assalariados” ou pagos em ações) da valorização financeira. IHU On-Line - Como pode ser definida a figura do homem endividado? Em que aspectos essa figura está aprisionada ao sistema econômico vigente? Maurizio Lazzarato - A economia neoliberal é uma economia subjetiva, isto é, uma economia que requer e gera processos de subjetivação cujo modelo deixou de ser aquele, como na economia clássica, do homem que realiza trocas e do homem que produz. Durante as décadas de 1980 e 1990, esse modelo foi representado pelo empreendedor (de si mesmo), segundo a definição de Michel Foucault [6], que resumia nesse conceito a mobilização, o engajamento e a ativação da subjetividade pelas técnicas de gerenciamento empresarial e de governo social. Desde o início das sucessivas crises financeiras, a figura subjetiva do capitalismo contemporâneo parece antes ser representada pelo “homem endividado”. Essa condição, que já existia, uma vez que está no cerne da estratégia neoliberal, ocupa agora todo o espaço público. Todas as designações da divisão social do trabalho nas sociedades neoliberais (“consumidor”, “usuário”, “trabalhador”, “autoempreendedor”, “desempregado”, “turista” etc.) são atravessadas pela figura subjetiva do “homem endividado”, a qual metamorfoseia todas as figuras anteriores em consumidor endividado, usuário endividado e, por fim, como está acontecendo na Grécia, em cidadão endividado. Se não é a dívida individual, é a dívida pública que, literalmente, pesa na vida de cada um, já que cada um deve assumi-la. IHU On-Line - Em que aspectos a recusa do pagamento das dívidas a países credores é uma forma de resistência contra um dispositivo de poder econômico? Nesse sentido, como analisa o caso da Grécia? Maurizio Lazzarato - Para fazerem da dívida um terreno de confronto estratégico, "A relação credoros governados devem efetuar uma ruptura subjetiva, condição indispensável para devedor atinge a saírem de sua postura de governados. Para enfrentar os credores, não como população atual em governantes da economia do mundo, mas como adversários, os governados sua totalidade, mas também as devem passar por uma transformação subjetiva, realizando uma reconversão de si mesmos. Desse ponto de vista, a Europa é, em ordem cronológica, o último palco, populações futuras" depois da Ásia e da América Latina, dessas modalidades de governo pela dívida, de sua reversibilidade e de seu modo de subjetivação. Na “crise” atual, somente a longa sequência das mobilizações contra as políticas da dívida na Grécia efetuou essa ruptura subjetiva nos governados, transformando as relações de poder em confrontos estratégicos. Essastransformações subjetivas modificaram profundamente o contexto no qual se desenrolam a ação das políticas da dívida e as lutas (as eleições também) que a ela se opõem. O “governo” recentemente eleito na Grécia toma decisões no novo contexto de confrontos estratégicos determinado pela ruptura subjetiva, e não mais, como os governos anteriores, no contexto de oposição governantes/governados. Em países como Itália, França, Portugal e outros, as resistências, as oposições, as lutas permanecem dentro da dinâmica governantes/governados. A primeira tarefa da luta contra a dívida é impor o confronto estratégico aos credores, que, ao mesmo tempo em que travam a guerra civil por outros meios, negam definitivamente sua existência. O axioma de toda governamentalidade é negar a existência da guerra civil, dos confrontos estratégicos. Por Márcia Junges | Tradução: Vanise Dresch NOTAS [1] Neologismo em relação com o termo Welfare State: expressão em inglês que significa “estado de bem-estar” e abrange as noções de Estado de bem-estar social e de políticas públicas, ou seja, o conjunto de benefícios socioeconômicos que um governo proporciona aos seus súditos. (Nota do IHU On-Line) [2] Relação com o termo Ex nihilo nihil fit: expressão latina que significa nada surge do nada. É uma expressão que indica um princípio metafísico segundo o qual o ser não pode começar a existir a partir do nada. A frase é atribuída ao filósofo grego Parménides. Nesse caso, somente o fragmento Ex nihilo significa vindo do nada. (Nota da IHU On-Line) [3] Friedrich Nietzsche (1844-1900): filósofo alemão, conhecido por seus conceitos além-do-homem, transvaloração dos valores, niilismo, vontade de poder e eterno retorno. Entre suas obras figuram como as mais importantes Assim falou Zaratustra (9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998), O anticristo (Lisboa: Guimarães, 1916) e A genealogia da moral (5. ed. São Paulo: Centauro, 2004). Escreveu até 1888, quando foi acometido por um colapso nervoso que nunca o abandonou até o dia de sua morte. A Nietzsche foi dedicado o tema de capa da edição número 127 da IHU On-Line, de 13-122004, intitulado Nietzsche: filósofo do martelo e do crepúsculo, disponível para download aqui. A edição 15 dos Cadernos IHU em formação é intitulada O pensamento de Friedrich Nietzsche, e pode ser acessadaaqui.Confira, também, a entrevista concedida por Ernildo Stein à edição 328 da revista IHU OnLine, de 10-05-2010, disponível aqui, intitulada O biologismo radical de Nietzsche não pode ser minimizado, na qual discute ideias de sua conferência A crítica de Heidegger ao biologismo de Nietzsche e a questão da biopolítica, parte integrante do Ciclo de Estudos Filosofias da diferença — Pré-evento do XI Simpósio Internacional IHU: O (des)governo biopolítico da vida humana. Na edição 330 da Revista IHU On-Line, de 24-05-2010, leia a entrevista Nietzsche, o pensamento trágico e a afirmação da totalidade da existência, concedida pelo Prof. Dr. Oswaldo Giacoia e disponível para download aqui. Na edição 388, de 09-04-2012, leia a entrevista O amor fati como resposta à tirania do sentido, com Danilo Bilate, disponível aqui. (Nota da IHU On-Line) [4] Karl Marx (Karl Heinrich Marx, 1818-1883): filósofo, cientista social, economista, historiador e revolucionário alemão, um dos pensadores que exerceram maior influência sobre o pensamento social e sobre os destinos da humanidade no século XX. Leia a edição número 41 dos Cadernos IHU ideias, de autoria de Leda Maria Paulani, tem como título A (anti)filosofia de Karl Marx, disponível aqui. Também sobre o autor, confira a edição número 278 da IHU On-Line, de 20-10-2008, intitulada A financeirização do mundo e sua crise. Uma leitura a partir de Marx, disponível aqui. Leia, igualmente, a entrevista Marx: os homens não são o que pensam e desejam, mas o que fazem, concedida por Pedro de Alcântara Figueira à edição 327 da IHU On-Line, de 03-05-2010, disponível aqui. A IHU On-Line preparou uma edição especial sobre desigualdade inspirada no livro de Thomas Piketty O Capital no Século XXI, que retoma o argumento central da obra de Marx O Capital, disponível aqui. (Nota da IHU On-Line) [5]Adam Smith (1723-1790): considerado o fundador da ciência econômica tradicional. A Riqueza das Nações, sua obra principal, de 1776, lançou as bases para o entendimento das relações econômicas da sociedade sob a perspectiva liberal, superando os paradigmas do mercantilismo. Sobre Adam Smith, veja a entrevista concedida pela professora Ana Maria Bianchi, da Universidade de São Paulo - USP, à IHU On-Line nº 133, de 21-03-2005, disponível aqui, e a edição 35 dos Cadernos IHU ideias, de 21-072005, intitulada Adam Smith: filósofo e economista, escrita por Ana Maria Bianchi e Antônio Tiago Loureiro Araújo dos Santos, disponível aqui. (Nota da IHU On-Line) [6] Michel Foucault (1926-1984): filósofo francês. Suas obras, desde a História da Loucura até a História da sexualidade (a qual não pôde completar devido a sua morte) situam-se dentro de uma filosofia do conhecimento. Foucault trata principalmente do tema do poder, rompendo com as concepções clássicas do termo. Em várias edições, a IHU On-Line dedicou matéria de capa a Foucault: edição 119, de 18-102004, disponível aqui; edição 203, de 06-11-2006, disponível aqui; edição 364, de 06-06-2011, intitulada 'História da loucura' e o discurso racional em debate, disponível aqui; edição 343, O (des)governo biopolítico da vida humana, de 13-09-2010, disponível aqui, e edição 344, Biopolítica, estado de exceção e vida nua. Um debate, disponível aqui. Confira ainda a edição nº 13 dos Cadernos IHU em formação, disponível aqui. (Nota da IHU On-Line) -- Benjamin, Cesar e outros – Advertências Advertência Cesar Benjamin FB 30 JUNHO 2015 LIBERDADE, ABERTURA E TEMAS AFINS Não sei, não, mas essa viagem da presidente Dilma aos Estados Unidos está parecendo uma rendição incondicional do Brasil. Os temas mais caros à agenda americana predominam, de longe. Agora vejo declarações da presidente a favor de maior "abertura" da economia brasileira. Reproduzo um trecho introdutório de um artigo que escrevi em 2004 (o artigo todo é muito longo): *** "Dois cuidados iniciais são necessários. O primeiro, com as palavras. Pois a forma predominante de dominação ideológica não é mais o puro e simples ocultamento dos fatos, um estratagema bastante primitivo, usado pelas ditaduras. A dominação se faz, hoje, muito mais pela capacidade de nomear. Mário de Andrade dizia: 'As pessoas não pensam as coisas, elas pensam os rótulos.' Tinha razão. Boa parte do jornalismo contemporâneo – e quase todo o jornalismo econômico – tornou-se apenas uma grosseira arte de rotular. À lei que define que os recursos públicos devem ser prioritariamente orientados para pagar juros ao sistema financeiro, em detrimento de todos os demais gastos do Estado, rotula-se 'lei de responsabilidade fiscal'. À recorrente prática de cortar gastos essenciais, para sustentar esses mesmos pagamentos, rotulase 'disciplina' ou 'austeridade', necessárias para formar um 'superávit primário'. Ao desmonte dos mecanismos de defesa de uma economia periférica e frágil rotula-se 'abertura'. Aos efeitos do desvio das contribuições sociais – recolhidas pelo Estado, conforme a Constituição, para financiar o sistema de Seguridade Social – rotula-se 'déficit da Previdência'. E assim por diante. Esse procedimento nada tem de ingênuo. Cabe aos meios de comunicação difundir esses rótulos e, pela repetição, incorporá-los à linguagem comum. Feito isso, não há mais debate possível. Afinal, quem pode ser contra 'responsabilidade', 'disciplina', 'austeridade', 'abertura', 'superávit', coisas evidentemente tão boas? Quem pode ser a favor de 'déficit', coisa intrinsecamente tão ruim? Em plena vigência de um regime político que garante liberdade de imprensa, paradoxalmente, quase ninguém tem acesso aos conteúdos das questões. Tudo fica paralisado no rótulo, ponto de partida e de chegada da mensagem, na medida em que bloqueia qualquer pensamento. O mesmo se dá na discussão que travaremos aqui. Também neste caso, o nome da coisa – 'livre movimentação de capitais' – tem sido cuidadosamente escolhido para matar e impedir o debate. Quem pode ser contra uma 'livre movimentação'? Não é a liberdade um conceito legítimo em si? (Toda essa prestidigitação semântica, que sustenta a ideologia econômica dominante, poderia desfazer-se por meio de um simples ato de renomear. Por exemplo, se chamássemos a 'lei de responsabilidade fiscal' de 'lei que define que garantir o pagamento de compromissos financeiros é mais importante do que investir em serviços essenciais', os pontos de vista seriam automaticamente modificados. Porém, só quem controla os meios de comunicação de massa pode nomear e renomear de forma eficaz.) Escapemos dos rótulos. Tentemos compreender o conteúdo da coisa. A 'livre movimentação de capitais' é o desmonte de mecanismos que historicamente buscaram compatibilizar, de alguma forma, o impulso à acumulação de capital privado, de um lado, e os interesses mais gerais da sociedade, como interesses de soberania e de cidadania, de outro. Ambos não são necessariamente incompatíveis, mas tampouco são necessariamente harmônicos. A economia política, em todos os tempos, foi profundamente marcada pelas tentativas de compatibilizá-los. Numa economia, como a nossa, que apresenta contas externas estruturalmente frágeis, quando os capitais se movimentam sem regulamentação, para dentro e para fora, alteram-se, antes de tudo, as relações de poder. Pois a movimentação sem regras de riqueza financeira impede o controle e até mesmo o cálculo da taxa de câmbio, ameaçando, com esse descontrole, desorganizar todo o sistema de preços em que se baseia a economia real. Como o mercado de câmbio é excepcionalmente volátil, ultrassensível a movimentos especulativos, o capital financeiro adquire desse modo um poder de veto sobre quaisquer decisões que a sociedade queira tomar. O Estado torna-se refém dos seus movimentos. Se não fizer o que ele deseja, aparece a ameaça de caos. Nesses contextos, como dizia antes a velha Margareth Tatcher e diz agora o novo PT, 'não há alternativa'. O que se discute, pois, não é se devemos ter mais ou menos liberdade abstrata, mas que graus de liberdade o capital, o Estado e a sociedade devem ter, qual equilíbrio se deve buscar entre diferentes agentes, de modo a maximizar as perspectivas de desenvolvimento e o bem-estar coletivo. A máxima liberdade de um é a mínima liberdade do outro. Se o capital financeiro está livre, o Estado nacional está preso. Se o Estado não define regras, ele mesmo tem de adaptar-se às regras que o capital definirá. O poder soberano troca de mãos." *** É por isso que tremo ao ver a presidente Dilma, diante de banqueiros americanos, defender maior liberdade de movimentação de capitais na economia brasileira. Será que ela sabe do que está falando? Dilma Rousseff adicionou 11 novas fotos ao álbum: REUNIÃO COM OBAMA, ALMOÇO COM BIDEN E ENCONTRO EMPRESARIAL. 10 h · Em Washington, Dilma e o presidente Barack Obama anunciaram hoje (30) uma série de acordos entre Brasil e Estados Unidos, além da vontade de dobrar a corrente de comércio entre os dois países em uma década. “Estabelecemos uma agenda bilateral robusta em áreas como comércio, investimento, mudança do clima, energia, educação, defesa, ciência e tecnologia e inovação. Reforçamos nosso diálogo sobre temas da agenda interna no meio ambiente e de sustentação, algo que é essencial para o mundo e para cada um de nossos países, governança econômica e financeira, paz e segurança", afirmou a presidenta. Dilma almoçou com o vice-presidente Joe Biden, a quem creditou o sucesso de sua visita de trabalho e se reuniu com a ex-secretária de Estado Madeleine Albright. Por fim, a presidenta participou do encerramento da Cúpula Empresarial #BrasilEUA, onde destacou o cenário favorável no Brasil para investimentos em projetos estratégicos, com o objetivo de dinamizar a atividade econômica no País. Saiba mais:goo.gl/tBTP5u Liberdade, abertura e temas afins Cesar Benjamin FB 30 JUNHO 2015 Não sei, não, mas essa viagem da presidente Dilma aos Estados Unidos está parecendo uma rendição incondicional do Brasil. Os temas mais caros à agenda americana predominam, de longe. Agora vejo declarações da presidente a favor de maior "abertura" da economia brasileira. Reproduzo um trecho introdutório de um artigo que escrevi em 2004 (o artigo todo é muito longo): *** "Dois cuidados iniciais são necessários. O primeiro, com as palavras. Pois a forma predominante de dominação ideológica não é mais o puro e simples ocultamento dos fatos, um estratagema bastante primitivo, usado pelas ditaduras. A dominação se faz, hoje, muito mais pela capacidade de nomear. Mário de Andrade dizia: 'As pessoas não pensam as coisas, elas pensam os rótulos.' Tinha razão. Boa parte do jornalismo contemporâneo – e quase todo o jornalismo econômico – tornou-se apenas uma grosseira arte de rotular. À lei que define que os recursos públicos devem ser prioritariamente orientados para pagar juros ao sistema financeiro, em detrimento de todos os demais gastos do Estado, rotula-se 'lei de responsabilidade fiscal'. À recorrente prática de cortar gastos essenciais, para sustentar esses mesmos pagamentos, rotulase 'disciplina' ou 'austeridade', necessárias para formar um 'superávit primário'. Ao desmonte dos mecanismos de defesa de uma economia periférica e frágil rotula-se 'abertura'. Aos efeitos do desvio das contribuições sociais – recolhidas pelo Estado, conforme a Constituição, para financiar o sistema de Seguridade Social – rotula-se 'déficit da Previdência'. E assim por diante. Esse procedimento nada tem de ingênuo. Cabe aos meios de comunicação difundir esses rótulos e, pela repetição, incorporá-los à linguagem comum. Feito isso, não há mais debate possível. Afinal, quem pode ser contra 'responsabilidade', 'disciplina', 'austeridade', 'abertura', 'superávit', coisas evidentemente tão boas? Quem pode ser a favor de 'déficit', coisa intrinsecamente tão ruim? Em plena vigência de um regime político que garante liberdade de imprensa, paradoxalmente, quase ninguém tem acesso aos conteúdos das questões. Tudo fica paralisado no rótulo, ponto de partida e de chegada da mensagem, na medida em que bloqueia qualquer pensamento. O mesmo se dá na discussão que travaremos aqui. Também neste caso, o nome da coisa – 'livre movimentação de capitais' – tem sido cuidadosamente escolhido para matar e impedir o debate. Quem pode ser contra uma 'livre movimentação'? Não é a liberdade um conceito legítimo Brasil x USA Acesse e leia: Brasil x USA - Coletânea http://www.paulotimm.com.br/site/downloads/lib/pastaup/Obras%20do%20Tim m/150630054514Brasil_USA_(1).pdf "Algo me assusta nessa euforia vira-latas ("de esquerda" no caso) com a recepção VIP americana à presidente brasileira, e o susto me faz lembrar relatos das faustosas festas da corte portuguesa a reis africanos que lhes vendiam escravos. Os acordos militares que estão sendo celebrados são talvez preço alto demais pago pelo Brasil para não ser militarmente atacado, já que politicamente o é, com a contratação da mídia calhorda brasileira e dos eternos udenistas do judiciário para o golpe em curso.. Sei que, na raiz de 1964 e das conspirações anteriores na área militar - a república do Galeão, os levantes de Jacareacanga e Aragarças no governo Juscelino Kubitschek, a quebra do compromisso legalista e da matriz popular da força de terra -, está a doutrinação americana fantasiada de treinamento.. Afora a pregação de amizades que não guardam segredos, o que se ensinou nessas escolas no Panamá, por exemplo - foram técnicas de violação dos direitos humanos; uma visão pretoe-branco do universo ideológico, tão pleno de matizes; e valores que deformaram o conceito de democracia, reduzindo-a a formalidades e hipocrisias que ocultam a real dominação de classe e intenções imperiais. Segue-se, em inglês, nota divulgada pelo Pentágono sobre o encontro de Ministro Jaques Wagner com Ash Carter, o Secretário de Defesa. É para ser lida nas entrelinhas. Nela destaco a “discussão sobre meios de Brasil e Estados Unidos poderem continuar a colaborar no apoio a parceiros internacionais” e a “importância do aprofundamento da cooperação nas trocas comerciais e tecnologia de defesa objetivando oportunidades de futuro desenvolvimento e produção conjuntos”. “Readout of Secretary of Defense Ash Carter's Meeting with the Brazilian Minister of Defense Jaques Wagner Secretary Carter hosted Brazilian Minister of Defense Jaques Wagner today at the Pentagon to discuss the U.S.-Brazilian defense relationship ahead of President Obama's meeting with Brazilian President Rousseff tomorrow at the White House. Secretary Carter commended Brazil's contributions to peacekeeping operations in Africa and around the world and discussed ways that the U.S. and Brazil can continue to collaborate in support of international partners. Secretary Carter and Minister Wagner discussed the importance of deepening trade and defense technology cooperation noting opportunities for future co-development and coproduction. They also discussed the recent ratification of the defense cooperation agreement and general security of military information agreement by the Brazilian Congress as signs of deepening cooperation between the U.S. and Brazilian military. Finally, Secretary Carter and Minister Wagner discussed security preparations for next year's Olympics.” 8 Dia 18 15:45 – 17:30 - Dilemas contemporâneos . Discussão – Filme SONHO INTENSO Ver mais Um Sonho Intenso (2) - Documentário (trailer) - Direção: José Mariani Relato das transformações do processo socioeconômico pontuado por interpretações de... YOUTUBE.COM Curtir · Comentar · Compartilhar Pelas sendas da modernidade Christ's Entry into Brussels in 1889, James Ensor, 1888. Pensar ou refletir sobre o hipertexto supõe contextualizá-lo, situá-lo no cenário contemporâneo do qual faz parte e em que atua. Temos hoje perfeita consciência de que a sociedade é regida por novos comandos, por uma tecnociência computadorizada que invade nosso espaço pessoal substituindo livros por microcomputadores e, assistindo a tudo isto, não sabemos onde vamos aportar. Falar ou escrever sobre o mundo contemporâneo é verificar que, ao lado de um progresso material impressionante, de descobertas e inovações tecnológicas a que alguns chegam a atribuir poderes quase mágicos, grande parte da população do globo permanece no mais completo estado de subdesenvolvimento e abandono, ao qual podemos adicionar os efeitos perversos da globalização e da mundialização da economia e do mercado, geradores de uma nova forma de exclusão social, representada pela multidão de desempregados e famintos. Esta constatação nos coloca numa situação de angústia e perplexidade frente ao que vemos, podemos descrever, tentamos compreender e talvez transformar. Theodor Adorno explica este panorama de absoluto paradoxo em que progresso material e injustiça social estão juntos, sem que o primeiro elimine ou diminua a segunda, pelo fato da sociedade contemporânea se reger pelo sistema que ele qualifica como "capitalismo tardio", cuja característica marcante é circunscrever um sistema social fechado sobre si mesmo, o que impede toda e qualquer ação individual ou coletiva para se superar sua lógica perversa e injusta, a lógica do sucesso ou do fracasso, que delega à razão somente a tarefa de adequar tecnicamente os meios a fins que lhes são alheios e impostos (Adorno, 1999). A construção deste cenário, com suas relações sociais absolutamente características, onde estamos, bem ou mal, também inseridos e que denominamos modernidade, tem suas origens, no plano econômico, ligadas ao advento da máquina a vapor que impulsionou o capitalismo e, no plano das idéias, à Filosofia das Luzes que, difundida a partir do século XVIII, pregava o desenvolvimento moral e material do homem pelo conhecimento. Para nos situarmos melhor, em relação à reflexão a que nos propomos, voltemos um pouco àquelas origens: Foucault em uma aula pronunciada em 1983 no Collège de France ousa mesmo datar o nascimento do discurso filosófico da modernidade - 1784. Naquele ano Kant tornou público seu ensaio "O que é o Iluminismo" no qual apresentou a filosofia interrogando-se sobre si mesma e sobre a atualidade. Até a divulgação do texto kantiano, a cuja data Foucault recorre, o presente era visto somente em suas relações com o passado clássico. A partir daí a atualidade se transforma em objeto de tematização autônoma, permitindo-se à filosofia debruçar-se sobre o aqui e agora abandonando as verdades eternas (Rouanet, 1998, pág. 222). Historicamente o projeto civilizatório instaurado pelas Luzes afirmava a razão e o método científico como as únicas fontes de conhecimento válido, rejeitava qualquer concepção de mundo derivada do dogma, da superstição e da fantasia, sustentando-se em três ingredientes conceituais, quais sejam: a universalidade, a individualidade e a autonomia. O projeto visava todos os homens, enquanto pessoas concretas, independentemente de fronteiras nacionais, étnicas ou culturais, mas, ao mesmo tempo, tais pessoas deveriam agir por si mesmas, participando ativamente de um projeto público e adquirindo por seus próprios meios as condições de subsistência (Souza, 1996, pág. 736). Em linhas gerais, enquanto proposta emancipatória, estava condicionado à determinação racional dos fins - no debate e na efetivação de valores julgados belos, justos e verdadeiros. Na medida em que saudava a criatividade humana, a descoberta científica e a busca de excelência individual em nome do progresso, acolhia o turbilhão das mudanças, da transitoriedade e da fragmentação, sem as quais a modernização não poderia se realizar (Harvey, 1996, pág. 23). A modernidade, tal como foi explicitada por Weber, um guia seguro, segundo Rouanet (1998), para conceituá-la, se constitui, pois, no resultado daquele processo de racionalização preconizado pelas Luzes - ligação do conhecimento patrocinado pelas ciências com os valores universais de progresso social e individual - que redundou em enormes modificações não só na sociedade como também na cultura. Por modernização social podemos entender, através de Weber, a diferenciação da economia com o advento da economia capitalista, que supõe a existência da força de trabalho formalmente livre, a organização racional do trabalho e da produção, o cálculo contábil e a utilização técnica de conhecimentos científicos, características a que se deve a expansão das nações capitalistas dos séculos XIX e XX com suas metrópoles industriais, meios de comunicação e fontes de energia, bem como o estabelecimento do poder da burguesia capitalista proprietária dos bens. À modernização social credita-se, também, a consolidação do estado nacional como provedor de serviços e controle, baseado no poder militar permanente, no monopólio da legislação, no sistema tributário centralizado e, sobretudo, num crescente processo de burocratização. Por modernização cultural Weber nos faz entender a dessacralização e a racionalização das visões de mundo e sua substituição por esferas axiológicas diferenciadas, até então embutidas na religião: a ciência, a moral e a arte. Quanto ao homem, com o advento do mundo moderno, ele mesmo foi separado dos outros homens e desmembrado no exercício de três papéis diferentes e as vezes contraditórios: o de cidadão, enquanto membro da sociedade política, o de burguês, enquanto agente econômico, e o de particular, enquanto indivíduo e membro de uma família (Rouanet, 1998, pág. 240). O desenvolvimento da ciência possibilitou o aumento do saber empírico, colocado a serviço das forças produtivas. A moral, distanciando-se cada vez mais da religião, deu origem a uma ética do trabalho, para Weber ligada ao protestantismo e motivacional para o desenvolvimento capitalista. Posteriormente, com o advento da psicanálise, os mecanismos da repressão foram desvelados invertendo-se a hierarquia tradicional entre a razão e as paixões com a valorização da espontaneidade e a supremacia do desejo em relação à racionalidade. A arte, também por sua vez distanciando-se da religião, tornou-se mais e mais autônoma com o aparecimento do mecenato secular e a produção artística para o mercado. Tais esferas atuando em espaços institucionais próprios como: universidades e centros de pesquisa, no caso das ciências, comunidade de fiéis no caso da moral e sistemas de produção, distribuição e consumo no caso das artes, se constituem elementos funcionais em relação à modernização social, o que não quer dizer que, vez por outra, não exista entre elas e o próprio sistema social, elementos de contradição (Rouanet, 1998, pág. 229-231). Foi através de Hegel e seus seguidores que a filosofia, por um lado exerceu um papel bem definido, o de refletir sobre a modernidade, seus impasses e contradições e por outro buscou resolvê-los, através da prática política como preconizou Marx, reafirmando sempre, porém, sua confiança absoluta na razão como instrumento adequado para instaurar a paz e a felicidade entre os homens. Os princípios do Iluminismo foram, então, denunciados como doutrina da burguesia e matriz do pensamento liberal, fontes da ideologia profundamente arraigada no mundo ocidental - apresentando-se como ciência objetiva das idéias, com primado da razão, propunham os seus valores como universais ao mesmo tempo em que mascaravam, atrás do poder da objetividade, interesses subjetivos de classe, sexo, raça e nação. Estas críticas foram o móvel de grandes embates que, na primeira metade deste século, colocaram em confronto as duas classes antagônicas: burguesia capitalista e forças produtivas dividindo, de certa forma, o planeta em países capitalistas e socialistas. Com Nietzsche e, posteriormente, com Heidegger, a crítica da modernidade se estendeu também à crítica da razão. O primeiro opondo a ela a renovação da tragédia dionisíaca e o segundo buscando a origem do Ser. Para Nietzsche "todo conjunto de imagens iluministas sobre a civilização, a razão, os direitos universais e a moralidade de nada valiam. A essência eterna e imutável da humanidade encontrava a sua representação adequada na figura mítica de Dionísio: Ser a um só e mesmo tempo destrutivamente criativo." Para Heidegger o homem é um movimento temporal que ele define como história. Entretanto, este movimento não é uma soma de momentos e sim uma extensão compreensiva do passado, do presente e do futuro. O homem da moderna sociedade industrial, indivíduo solitário, perdido entre a multidão das grandes cidades, construções que Baudelaire, segundo a interpretação benjaminiana (Gagnebin, 1994, p. 58), definiu de maneira lúcida como paradoxalmente triunfantes e frágeis, passou a ser fonte de inspiração e tema das manifestações do movimento cultural denominado "Modernismo", expressão da modernidade na arte e no pensamento. Os cânones da estética modernista, sinalizados por suas vanguardas - futurismo, cubismo, expressionismo - conduziam artistas, arquitetos, escritores a que buscassem exprimir o mundo, cada vez mais confuso e fragmentado, através de novas linguagens que, em meio ao caos vigente, traduzissem o universal e o eterno nele contidos. Terry Eagleton, também nutrindo-se na fonte weberiana, afirma que antes da ascensão do capitalismo as três grandes questões da Filosofia: o que podemos saber?; o que devemos fazer?; e o que nos atrai?; correspondentes aos aspectos cognitivo, ético-político, e estético-libidinal estavam intimamente associadas. A partir da descrição de quem somos nós era possível saber o que fazer ou em que nos poderíamos transformar, a arte, por sua vez, podia ser vista como forma de conhecimento social sendo regida por padrões éticos normativos. A modernidade descolou, uma da outra, as três grandes áreas da vida histórica: o conhecimento, a política e o desejo. O conhecimento se libertou de suas restrições éticas e amarras teológicas paralisantes e partiu em busca do que antes era considerado tabu, contando somente com a autoridade de seus poderes críticos e céticos. Com o nome de ciência desligou-se do ético e do estético, perdendo paulatinamente contato com o valor. A investigação ética, desatrelada do aparelho eclesiástico, viu-se livre para levantar as questões da justiça e da dignidade sob perspectivas muito mais abertas. A arte, deixando de servir o poder político e libertando-se de suas funções no interior da igreja, do tribunal e do estado passou a reger-se por suas próprias leis. O seu significado tornou-se, então, meramente suplementar ligado ao lado afetivoinstintivo-não instrumental da psique, uma espécie de válvula de escape. Sua independência em relação ao ético e ao político, porém, se deu de forma paradoxal na medida em que aconteceu em função de sua integração ao mercado, sua transformação em mercadoria. A estética, em contraposição, se propôs a reverter o processo de divisão das áreas da história, estetizando a verdade e a moral: propondo a arte como uma reconciliação ideal do sujeito com o objeto, do universal e do particular, da liberdade e da necessidade, da teoria e da prática, do indivíduo e da sociedade. Entretanto, incapaz de quebrar o sistema, legou-nos formas de subversão secreta, de resistência silenciosa e recusa teimosa, sendo o "Modernismo" uma de suas manifestações (Eagleton, 1993, pág. 264-266). "A modernidade", escreveu Baudelaire em seu artigo, qualificado significativamente por Harvey de seminal, "Sobre a Modernidade" (publicado em 1863), "é o transitório, o efêmero, o contingente; é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável" (Baudelaire,1996, p. 25). As artes assim concebidas, em relação à modernidade, deixam de ser representação e passam a ser criação, no sentido estrito do termo. Características significativas das novas linguagens são, por exemplo, na pintura a incongruência, a assimetria, o não figurativo; na arquitetura, o primado da realidade funcional; na música, o uso de harmonias dissonantes, a escritura atonal e na literatura, a quebra da sintaxe, a busca de uma narrativa consciente da temporalidade, da transitoriedade da vida e voltada para o registro da intensidade da experiência interior. House of the White Man (Bauhaus), Johannes Itten, 1920 Guittar, Pablo Picasso Com Guimarães Rosa e Ciro dos Anjos, pequenos fragmentos da narrativa modernista brasileira: "Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é por idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta gente - dá susto se saber - e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e bons negócios... De sorte que carece de se escolher:ou a gente se tece de viver no safado comum, ou cuida só de religião só" (Rosa, 1993, pág. 16). Riobaldo, figura de estranha psicologia, vastas dimensões humanas e inacreditável cosmovisão, exibe um saber essencial, acessível ao homem de qualquer latitude ou longitude. Através dele, de sua linguagem barroquizante e artificiosa, o ficcionista como que logra um milagre da Literatura narrativa, no dizer de Moisés: criar um mundo, com suas leis próprias, à imagem e semelhança do mundo físico, no qual este se espelha e se revela (Moisés, 1971, p. 517). "Pus-me a examinar colombinas fáceis, do lado da Praça Sete, quando inesperadamente me vi envolvido no fluxo de um cordão. Procurei desvencilharme, como pude, mas a onda humana vinha imensa, crescendo em torno de mim, por trás, pela frente e pelos flancos. Entreguei-me, então, àquela humanidade que me pareceu mais cansada que alegre. Os sambas eram tristes e homens pingavam suor. Um máscara-de-macaco deu-me o braço e mandou-me cantar. Respondi-lhe que, em rapaz, consumi a garganta em serenatas e que esta, já agora, não ajudava. Imagino a figura que fiz, de colarinho alto e pince-nez, no meio daquela roda alegre, pois os foliões se engraçavam comigo, e fui , por momentos, o atrativo do cordão. Tanto fizeram que, sem perceber o disparate, me pus a entoar velha canção de Vila Caraíbas" (Anjos, 1957, p. 21-25). "Que tenho eu com os dias que a folhinha assinala?", dirá Belmiro na frase inicial do romance de memórias em que Ciro dos Anjos procura traduzir a solidão de alguém que vive desligado da realidade cotidiana e miúda, alheio à passagem administrativa das horas, exclusivamente absorto na contemplação de seu tempo interior (Moisés, 1971, p.501). Jamais, como no modernismo, tantas correntes, tantas escolas, tantos "ismos" nasceram, mutuamente se influenciaram, de forma viva e complexa, no sentido, não só de criar, mas de refletir sobre as próprias condições da criação artística. No caso específico da literatura houve uma consolidação da crítica literária que passou a classificar e julgar a produção literária a partir do "código mestre" de um determinado gênero em cujas fronteiras a obra estaria ou não localizada. Pode-se dizer, salvo algumas manifestações culturais peculiares, que o modernismo floresceu nas cidades. A necessidade de enfrentar problemas psicológicos, sociológicos, técnicos, organizacionais e políticos advindos da urbanização crescente concorreu para esse movimento que, mais que pioneiro na geração de mudanças, foi uma forma de reação às novas condições de produção, de circulação e de consumo, na medida em que codificou e refletiu as mesmas mudanças, sugerindo linhas de ação capazes de explicitá-las (Harvey, 1996, pág. 89). Ao desenvolvimento e progresso das metrópoles industriais é possível atribuir, também, o enorme crescimento das classes médias urbanas e, com elas, o destaque da estrela e vilã de nosso século - a cultura de massa, produção cultural destinada aos grandes grupos de consumidores, simples e esteriotipada, com objetivos claros e definidos: modificar alguns hábitos de comportamento e conservar outros, evitando dificuldades intelectuais e aplainando conflitos de ordem moral. A partir dos fins da primeira metade do século, com o término da segunda guerra mundial, de certa forma ainda estupefata pela absorção de suas horríveis seqüelas, a sociedade, mobilizada pela propaganda e pelo consumo, pela tecnociência aplicada à informação, pela intensa difusão da comunicação visual, passou a assumir novas feições. Abriu-se, então, espaço para a crítica de um ideal de racionalidade institucionalizado. Esta crítica permite pensar em toda a sua complexidade mecanismos sociais concretos em razão dos quais se dá a gestão das consciências. Estão aí situados os trabalhos da Escola de Frankfurt em cujo contexto encontramos o célebre conceito de "indústria cultural" cunhado por Adorno e Horkheimer em 1947. Para eles não se trata apenas de constatar a existência do capital atuando "na indústria do entretenimento", mas do exercício de controle do período de lazer - o controle do tempo livre - em que "produtos culturais" são postos à disposição dos "consumidores" para mantê-los alerta e treinados. A arte, neste sentido, não só se torna integralmente mercadoria, mas também eficiente mecanismo de controle social. É interessante verificar que os trabalhos da escola de Frankfurt foram apresentados principalmente sobre a forma de ensaios, propondo-se como inacabados, incompletos, colocando, de certa forma, em questão o "gesto universal e acabado do livro" (História da Filosofia, pág. 460). Procedentes de influência e origens diversas os intelectuais frankfurtianos têm como denominador comum a crítica à noção de progresso, tanto em sua forma hegeliana quanto marxista. Para os teóricos da escola de Frankfurt, em que pesem as suas diferenças, toda filosofia que vê no progresso científico e técnico o progresso da humanidade, ignora o homem singular e histórico. Para Adorno e Marcuse há que se reconciliar, através da arte: Logos, Eros e Chronos, daí a importância da dimensão estética. A arte, para a teoria crítica da escola de Frankfurt, longe de ser ilusão, é a faculdade cognoscente que aponta para um princípio de realidade diferente da lógica do lucro. Para Eagleton (1993, pág. 266) o Modernismo na arte, assim como a escola de Frankfurt e, posteriormente, o pós-estruturalismo na teoria, só puderam alçar os vôos que alçaram porque a estética tradicional de Schiller a Marx (e acrescentaríamos Boudelaire) que prescrevia a arte como uma reconciliação ideal das diferentes esferas da vida histórica, não logrou obter resultados. A estética em seu modo negativo, a arte vista como o conhecimento negativo da realidade, conforme Adorno, é que propiciou a tática de guerrilha secreta e resistência silenciosa inerente àqueles movimentos, contrários a um capitalismo tardio, regime inteiramente racionalizado e administrado. Fonte: www.unicamp.br/~hans/mh/contexto.html Atualidade de Marx_ César Benjamin _ A história da modernidade é a história da formação, pela primeira vez, de um sistema-mundo. Nos últimos quinhentos anos, as antigas sociedades humanas, que existiram em relativo isolamento durante milênios, foram progressivamente unificadas em um novo sistema muito mais amplo. Essa unificação foi feita por meio da incorporação de áreas e povos ao controle e influência do antigo ubsistema europeu. Os agentes e promotores dessa transformação construíram suas próprias maneiras de compreender e conferir sentido ao que faziam. Primeiro foi a difusão do cristianismo, mas esse discurso correspondia à consciência de um tempo histórico que estava sendo ultrapassado. Logo veio uma consciência nova. O iluminismo forneceu os dois conceitos fundamentais que justificaram o papel universal da burguesia européia: razão e liberdade. Conceitos gêmeos. Até então, a revelação e a tradição é que forneciam normas válidas para a organização da ida social. O pensamento só poderia ocupar um lugar central se também dele fosse possível deduzir princípios e normas universais que ultrapassassem os limites da mera opinião. Enorme desafio. Os iluministas afirmaram que era possível superá-lo: o pensamento podia produzir esses conceitos universais, e à sua totalidade eles denominaram razão. A razão pressupunha a liberdade, pois o sujeito só pode atingir a verdade se o seu esforço de conhecimento não reconhecer nenhuma autoridade externa que lhe imponha limites. E a liberdade pressupunha a razão, pois ser livre é poder agir de acordo com o conhecimento da verdade. Ao contrário dos defensores das tradições, necessariamente vinculadas a sociedades específicas, as vanguardas da modernidade européia logo proclamaram a validade universal das suas proposições. As mitologias, as religiões, a arte, a tradição, o direito, o Estado, a política e a economia, tudo foi julgado à luz do ideal homogeneizador do progresso. Pela primeira vez, a história passou a ser encarada como um processo. Inseridas nele, todas as demais formas de estar-no-mundo foram declaradas arcaicas. A crítica à consciência histórica da burguesia européia, feita por Marx, começou por colocar essa consciência na história. Marx mostrou que o motor da expansão européia não estava na razão ou na liberdade, considerados como conceitos abstratos. Estava no desenvolvimento pleno, pela primeira vez, das potencialidades e das contradições da formamercadoria. Ela esteve presente, é verdade, na grande maioria das sociedades, mas sempre de maneira marginal e limitada. A moderna sociedade européia a libertou. Isso ocorreu a partir da inclusão, no circuito mercantil, de três elementos que sempre haviam ficado fora dele: a força de trabalho humana, a terra e os meios de produção. Transformar coisas em mercadorias é banal, mas não é banal transformar em mercadorias os atributos fundamentais das pessoas e da natureza. Só então o circuito mercantil reorganizou à sua imagem e semelhança, pela primeira vez na história humana, toda a vida social. Todos os agentes sociais relevantes, inclusive os detentores do poder político, incluíramse nele. Toda produção passou a ser produção de mercadorias, e a produção de mercadorias passou a ser feita por meio de mercadorias. Ao se fechar, como a cobra que mordeu o próprio rabo, o circuito mercantil se tornou imune a forças externas que lhe eram hostis. Nos meados do século 19, Marx escreveu que a sociedade assim organizada desenvolveria, pelo menos, três características novas: a) seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, seja pelo aumento da capacidade de produzi-las, seja pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria; b) seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido nesse circuito, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o planeta; c) seria compelida a criar permanentemente novos bens e novas necessidades; como as “necessidades do estômago” são limitadas, esses novos bens e novas necessidades, criados para dar sustentação a uma acumulação ilimitada de riqueza abstrata, seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados para a fantasia, que também é ilimitada. Essa nova sociedade se desdobraria em três direções fundamentais: promoveria uma revolução técnica incessante (voltada para expandir o espaço e contrair o tempo da acumulação), realizaria uma profunda revolução cultural (para fazer surgir o homem portador daquelas novas necessidades em expansão) e formaria o sistema-mundo (para incluir o máximo de populações no processo mercantil). Tudo isso se confirmou. De certa forma, esse processo já pertence ao passado, embora recente. Mas o percurso teórico de Marx não foi interrompido aí. Seu verdadeiro lance de gênio foi ter percebido que o capital procuraria ampliar suas possibilidades de acumulação em uma forma (que chamou D – D’) na qual ele nunca deixaria de existir como riqueza abstrata. É, exatamente, o que acontece hoje, com a disparada da acumulação financeira global. Marx anteviu: quando essa forma se tornasse predominante, a civilização do capital entraria em crise. Pois, ao repudiar as “coisas”, o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, a acumulação de capital não poderia mais ser o eixo em torno do qual a vida social se organiza. A formamercadoria teria então de ser superada ou, pelo menos, remetida novamente a um lugar secundário, sendo substituída por algum outro princípio de organização da vida social. Marx nunca deixou de ser um filósofo, mesmo quando fez a crítica da economia política. Eis o que quis nos dizer: mantida sob o comando do capital e aprisionada nos sucessivos rearranjos da forma-mercadoria, a capacidade criadora da humanidade – capacidade que decorre da sua liberdade essencial, ontológica – poderia tornar-se muito mais destrutiva na época do capitalismo senil, quando a potência técnica da própria humanidade já estaria muito mais desenvolvida. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da liberdade (com a abolição do trabalho físico, cansativo, mecânico e alienado) ou dadestruição (com a escalada do desemprego e da guerra). Essa me parece ser a disjunção mais relevante proposta por Marx e sua profecia mais certeira. O capitalismo venceu. Estamos, finalmente, em um sistema-mundo em que tudo é mercadoria, em que se produz loucamente para se consumir mais loucamente, e se consome loucamente para se produzir mais loucamente. Produz-se por dinheiro, especulase por dinheiro, mata-se por dinheiro, corrompe-se por dinheiro, organiza-se toda a vida social por dinheiro, só se pensa em dinheiro. Cultua-se o dinheiro, o verdadeiro deus da nossa época – um deus indiferente aos homens, inimigo da arte, da cultura, da solidariedade, da ética, da vida do espírito, do amor. Um deus que se tornou imensamente mediocrizante e destrutivo. E que é insaciável: a acumulação de riqueza abstrata é, por definição, um processo sem limites. O capitalismo venceu. Talvez, agora, possa perder. Pois, antes que o novo tenha condições de surgir, Hegel dizia, é preciso que o antigo atinja a sua forma mais plena, que é também a mais simples e mais essencial, abandonando as mediações de que necessitou para se desenvolver. O momento do auge de um sistema, quando suas potencialidades desabrocham plenamente, é o momento que antecede seu esgotamento e sua superação. As crises do mundo contemporâneo mostram que a acumulação de capital e a formamercadoria não podem mais ser o princípio organizador da vida social. É o desafio que está posto para nós neste século. O pensamento de Marx nunca esteve tão vivo. César Benjamin é autor de A Opção Brasileira (Contraponto, 1998, nona edição) e Bom Combate (Contraponto, 2004). _ SETE COMPARAÇÕES ENTRE BRASIL E CHINA – Paulo Timm 12 nov.2011 Em memória de Antonio Castro, mestre e amigo, que me ensinou a ver o desenvolvimento não pelas equações mas pela história e que passou os últimos anos de sua vida dedicado à compreensão da China. 1.Comparando China e Brasil, as diferenças patrimoniais podem assim ser resumidas no quadro abaixo. Considere-se ainda que a China é uma cultura milenar, nós, um povo e uma cultura ainda em formação. Lembremo-nos que a população brasileira na virada do século XIX para o século XX era de pouco mais de 10 milhões de almas, maior parte da qual penada por quatro séculos de escravidão: Patrimônio China(US$Trilhões) Brasil(US$ Trilhões) Total 7 7 Construído 1,1 1,4 Humano 5,2 2,5 Natural 0,7 3,1 Fonte Humberto Dalsasso – www.confecon.org.br 2.A China investe em tecnologia; o Brasil , simplesmente não só não investe – e este é um dos principais obstáculos ao seu crescimento nos próximos anos, como pouco investe em tecnologia. Veja-se, abaixo a evolução dos gastos em tecnologia da China, mais do dobro que o Brasil: .Fonte: www.auditoriacidada.com.br Graças a isto a China consagra-se, como a GRANDE FÁBRICA do mundo, elevando com isto o peso de sua INDUSTRIA no PIB e elevando, em conseqüência, a produtividade média da economia ; o Brasil, consagra-se como o FAZENDÃO, ornado com grandes Rodeios de Peões Boiadeiros que ganham concursos internacionais e pela devastação de suas florestas. No fim, trocamos produtos agrícolas e minérios para a China e importamos produtos de mais alta densidade tecnológica. Por sorte, graças à uma conjuntura favorável aos preços dos produtos primários, não sucumbimos neste processo. . A política industrial sempre privilegiou a produção do País sem enfatizar o controle sobre a tecnologia utilizada, ou mesmo o controle sobre o capital - que é necessário ao controle dessa tecnologia.10 O que se observa no Brasil é, primeiro, uma indústria que por formação e situação objetiva é estruturalmente dependente da tecnologia importada e, segundo, uma política de ciência e tecnologia que produziu um sistema público de C&T, mas encontrou grandes dificuldades para superar sua distância em relação ao setor produtivo.1 (http://www.defesabr.com/MD/Planobrasil/Programasaturno/md_projetoatom.htm) 3.A China INVESTE e PRODUZ , realizando grandes excedentes comerciais, graças às altas taxas de crescimento do PIB ; o Brasil PRODUZ, a ritmo bem mais lento e CONSOME muito endividando Governo, empresas, famílias. Hoje o endividamento médio do brasileiro atinge 41% e quase dobrou nos últimos 5 anos. Dados apresentados pelo diretor de Política Econômica do Banco Central, mostram que os brasileiros têm, na média, uma dívida total que equivale a 41,3% do salário. Esse valor cresce ininterruptamente desde 2006, quando o total dos empréstimos correspondia a menos de 25% da renda. Ou seja, o endividamento médio dos clientes dos bancos quase dobrou em cinco anos. As famílias usam todo mês 21,1% do salário para pagar financiamentos. Economista José Marcio Camargo, disse que o tema preocupa e apresentou números diferentes: para ele, o pagamento mensal das dívidas consome 43,3% do salário dos brasileiros - mais que o dobro do apontado pelo Banco Central. (Estado de SP, 10) 4.A China prepara a sua juventude para ingressar na Sociedade do Conhecimento; o Brasil , vive um apagão não só de talentos, mercê da falênca de seu sistema educacional, mas até de mão de obra para construção civil, um segmento industrial de baixa densidade tecnológica. Indústria e Inovação Brasil Econômico - 10/11/2011 Julio Gomes de Almeida Um recente trabalho do professor Carlos Pacheco da Unicamp ("Uma Comparação entre a Agenda de Inovação da China e do Brasil") traz uma conclusão importante: falta ao Brasil, de fato, ampliar seu esforço de inovação, mas uma distinção relevante com relação à China reside no peso da indústria no PIB. Se a participação da indústria brasileira fosse a mesma que a indústria chinesa tem no seu PIB, com a mesma intensidade do gasto em inovação que já fazemos, o investimento em P&D da nossa indústria seria de 0,73% do PIB, quase duas vezes maior do que de fato é, ou seja, 0,37% do PIB, segundo dados de 2008. Na China, nesse mesmo ano, o investimento em P&D da indústria equivalia a 0,97% do PIB. O maior esforço inovador da China reside, assim, na relevância que o modelo chinês atribui à indústria como alavanca de aproximação aos níveis de desenvolvimento de países mais avançados. Outros pontos devem ser considerados, mas, em termos do esforço em P&D, três quartos da distância entre os dois países se explica pelo peso relativo da indústria. E é notável que no último ano para o qual se dispõe de informações mais detalhadas para as atividades de inovação industrial, o ano de 2008, no segmento considerado de maior intensidade tecnológica as diferenças em termos de P&D entre as duas economias fossem ainda pequenas. O estudo também ajuda a desfazer outros mitos sobre as estratégias de inovação. Primeiramente, o crescimento acelerado, tal como a China vem experimentando, cria oportunidades de novos negócios e potencializa o investimento. E o novo investimento difunde produtividade e abre caminho para a incorporação de novas tecnologias. Em outras palavras, o dinamismo econômico ajuda na formação de um "ambiente favorável" à inovação, remodela culturas e comportamentos, confere maior atratividade aos investimentos de risco, conecta mais a economia com o mundo e premia o sucesso inovador na concorrência empresarial. Em suma, o crescimento favorece o desenvolvimento de uma economia mais inovadora, o que, por sua vez, reforça e amplia as fronteiras do crescimento. Em segundo lugar, se uma elevada escala de produção é combinada com fatores sistêmicos favorecedores da competitividade industrial bons padrões de infraestrutura, custo de capital, tributação e câmbio -, os menores custos de produção daí resultantes aprofundam a capacidade exportadora, o que renova a busca por inovações como um diferencial de competitividade para o futuro. Isso é verdadeiro na China, mas, salvo raras exceções, não no Brasil, aonde vem sendo esperado que a inovação compense diferenciais sistêmicos de competitividade muito acentuados, o que certamente não é possível. A natureza sistemática e continuada do planejamento chinês e a enorme ênfase na capacitação em larga escala de recursos humanos na China comparativamente ao Brasil são fatores que deverão contribuir para que o fosso entre os dois se aprofunde na atual década. Ademais, a inovação e o desenvolvimento tecnológico são, na China, um componente de uma estratégia nacional de desenvolvimento, enquanto no Brasil isso vem sendo verdadeiro para o agronegócio e a economia do petróleo, graças ao sucesso inovador da Embrapa e da Petrobras, mas não para a indústria. Julio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e economista do IEDI 5.A China saiu em poucas décadas da bicicleta para o automovel chinês; O Brasil, com mais e 50 anos de industria automobilística e nenhuma marca nacional e o pior, até hoje, o núcleo tecnológica desta indústria continua nas matrizes, no exterior. 16. Exemplo gritante é a indústria automobilística transnacional favorecida com subsídios escandalosos desde o golpe de 1954, aumentados por JK. Isso prossegue, até hoje, com empréstimos do BNDES a juros baixos e n outras benesses prestadas às transnacionais em geral. 17. De fato, elas se cevam também com incríveis subsídios à exportação, desde o final dos anos 60 (Delfim Neto), - isentadas de gravames em suas superfaturadas importações – bem como com a isenção do ICMS na exportação, presenteada pela Lei Kandir/Collor. Cresceram no Brasil com capital formado no próprio mercado brasileiro e com dinheiro público. 18. Este ano, em oito meses, só as montadoras de veículos transferiram ao exterior mais de US$ 4 bilhões em lucros registrados, o que não inclui os ganhos com o subfaturamento de exportações e o superfaturamento de importações, nem os serviços superfaturados ou fictícios pagos às matrizes. 19. Agora, e mais uma vez, as montadoras estrangeiras foram agraciadas com proteção à “indústria nacional”, mediante elevações do IPI para veículos importados, alegadamente para evitar a “invasão” de carros chineses e coreanos. As montadoras aqui instaladas estão livres do IPI majorado, utilizando 65% de componentes produzidos no MERCOSUL. A reserva de mercado, que não existe para a indústria nacional, mesmo porque acabaram com ela, tornou-se política governamental para favorecer os “investimentos diretos estrangeiros - IDES”. (Adriano Benayon – in Dar direção aos movimentos) 6.A China prepara-se para colocar sua estação orbital; o Brasil, que já participou de cooperação técnica à China no passado para a colocação de um satélite em órbita, vangloria-se, apenas, de ter mandado um compatriota , hoje aposentado, fazer turismo no espaço. Infelizmente, os governantes brasileiros ainda não despertaram para a realidade do cenário mundial que se avizinha para este século e mais uma vez fazemos jus ao título de país do futuro, pois todas nossas esperanças estão lá e nada tem sido feito cá para que possamos um dia alcançá-lo. Nosso gap tecnológico em relação às nações mais desenvolvidas é imenso e cada vez mais estamos nos distanciando. Nossa estrutura social deve ser mudada e adequada aos avanços do nosso tempo, do contrário, permaneceremos um gigante adormecido, um país socialmente imaturo e atrasado. Ainda não despertamos para o fato de que o mundo está constantemente mudando e que não podemos ficar parados esperando algo acontecer. Nem mesmo após o fim da guerra fria entre EUA e URSS, período este em que ficou ainda mais latente a discrepância de poder e de controle ao qual o mundo está submetido. A queda da URSS trouxe consigo ainda mudanças radicais em relação a trocas tecnológicas por parte das nações desenvolvidas, e o que se tem observado é que as nações tecnologicamente desenvolvidas estão cada vez mais reticentes em ceder determinados conhecimentos aos seus “Aliados”, vide o programa JSF, que tem sido motivo de embates ferozes entre os EUA e seu principal aliado, o Reino Unido. Até mesmo este termo “Aliado” precisa ser revisto, pois os conflitos recentes tem demonstrado que amigos e colaboradores históricos, transformaram-se da noite para o dia em inimigos eternos e os inimigos agora podem ser qualquer um e a qualquer momento, diferentemente do período da guerra fria, onde inimigo e aliado eram perfeitamente distinguíveis. No cenário futuro, estes fatores tendem a piorar com o surgimento das novas potências e divisão de poder, pois essas disputas não passarão longe dos nossos domínios, ao contrário do que se tem pregado. Portanto, faz-se necessário desde já uma mudança total em nossa sociedade, ou, pela última vez, deixaremos passar o derradeiro bonde da história, enterrando para sempre o tão sonhado desejo de tornarmos-nos a nação do futuro. Nos artigos que antecederam a este, foram apresentadas propostas para programas destinados ao desenvolvimento de aeronaves visando suprir as necessidades do Ministério da Defesa do Brasil. Nossa indústria aeronáutica, a exemplo dos seus sucessos, já deu provas mais do que suficientes de que é perfeitamente capacitada a enfrentar os desafios tecnológicos que o futuro exigirá. No entanto, precisará mais do que nunca do apoio de nossa sociedade, políticas de longo prazo, aporte financeiro e incentivos ao desenvolvimento de meios tecnológicos que sejam capazes de impulsionar o seu desenvolvimento e sustentá-lo, consolidando assim nossa nação como país de destaque. (http://www.defesabr.com/MD/Planobrasil/Programasaturno/md_projetoatom.htm) 7.A China já é o epicentro do desenvolvimento asiático, não só pelo peso de sua economia interna, como pelo peso dos investimentos externos chineses na regiáo; avança, também, sobre vários setores na Africa, comprando terras e dominando áreas de mineraçao. No Brasil o investimnento chinês é espantoso. Já o investimento brasileiro no exterior e particularmente nba China, é pífio. 2010 pode terminar com as empresas chinesas na posição de maiores fontes de investimentos estrangeiros diretos (IEDs) no País. Projeções do mercado indicam que os IEDs chineses no Brasil podem alcançar US$ 12 bilhões em 2010, um aumento de nada menos do que 14.000% em relação ao ano anterior (US$ 82 milhões). Os chineses estão hoje presentes na mineração, na siderurgia, nas áreas de energia e petróleo, no mercado financeiro e estão ingressando no setor automotivo. Com reservas cambiais da ordem de US$ 2,64 trilhões, a China estimula investimentos e compra de ativos em outros países e não admira que tenha "descoberto" o Brasil. (Editorial ESP 14nov2010 - A China é um perigo?) CONCLUSÃO: UM PAÍS MILENAR COMO A CHINA SABE OLHAR PARA O FUTURO; PAÍS NOVO, O BRASIL, REPETE O PASSADO PRIMÁRIO-EXPORTADOR COM ORGULHO. Um dia , não muito distante, a China se democratizará. Já o Brasil democrático de hoje, onde irá parar ...?