Divulgação Científica Interativa
Impacto de novos modelos de publicações eletrônicas sobre o sistema de divulgação da
ciência e tecnologia e proposta de implantação de uma revista eletrônica de jornalismo
científico
Mônica Macedo1
Resumo
As revistas de divulgação científica acompanham o próprio desenvolvimento da ciência.
Com o advento da comunicação mediada por computador e a expansão da rede Internet,
surgem novos modelos de publicação, com relevantes efeitos para o sistema de
divulgação da ciência e da tecnologia. Neste trabalho, avalia-se alguns aspectos da
comunicação interativa aplicada à divulgação científica e apresenta-se o projeto de uma
revista eletrônica de jornalismo científico interativa.
A divulgação científica através das revistas
O fenômeno da divulgação acompanha o próprio desenvolvimento e expansão da
ciência. Na Europa do século XIX, em que a ciência era vista com grande entusiasmo e
se acreditava no progresso através do desenvolvimento científico, houve, paralelamente
à ampliação do número de periódicos científicos, um crescimento da divulgação através
da imprensa diária e semanal, das revistas, de exposições, bibliotecas populares e outros
meios (Figuerôa e Lopes, 1997). Eles acompanham o movimento de consolidação das
sociedades científicas, dos museus e das academias na Europa.
De fato, parece ter havido nessa época um fenômeno praticamente internacional de
divulgação. Mesmo no Brasil – país periférico, com poucos investimentos em ciência e
tecnologia – a presença de temas científicos nos jornais era significativa (em proporções
até maiores do que as atuais) (Figuerôa e Lopes, op. cit., p. 191). Dado o interesse da
elite nacional em consolidar seu projeto de desenvolvimento nacional – no qual a
tecnologia tinha papel de destaque - a mídia era considerada estratégica para a
veiculação de suas idéias e para conquistar a opinião pública.
1
Jornalista. Mestre em Comunicação Científica e Tecnológica pela Universidade Metodista de São Paulo
(UMESP). Pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp.
E-mail: [email protected]
2
De lá para cá, embora não se possa dizer que ciência e tecnologia tenham lugar cativo
nos meios de comunicação de massa, o interesse público por temas dessa natureza é
grande. Uma pesquisa feita pelo Instituto Gallup, entre janeiro e fevereiro de 1987,
mostrou que 71% da população brasileira tem interesse por descobertas científicas.
Vinte por cento dos brasileiros adultos disse, inclusive, que procura estudar e conhecer
melhor algum ramo da ciência. Entre os que têm instrução superior esse percentual se
eleva para 46%, sendo a preferência do público pelas ciências médicas e biológicas
(Gallup, 1987).
Da mesma forma, Nelkin (1995, p. 68) retrata o interesse por ciência e tecnologia nos
EUA. Citando uma pesquisa do National Science Board, de 1988, a autora ressalta que
84% dos norte-americanos discordam da idéia de que saber sobre ciência não é
importante para o dia-a-dia e 72% concordaram que se o conhecimento científico for
explicado claramente, a maioria das pessoas poderá entendê-lo (National Science Board,
1989).
Em outra ocasião, Poll (1993) verificou que 38% dos americanos afirma ler sobre
ciência nos jornais pelo menos uma vez por semana. As notícias mais valorizadas são
aquelas relacionadas a problemas da vida cotidiana, sobretudo de saúde. Muitas pessoas
utilizam os meios de comunicação como fonte primária de informação sobre hábitos de
vida saudáveis.
De forma semelhante, uma pesquisa do National Cancer Institute revelou que, entre os
meios de obter informação sobre prevenção do câncer, 64% dos americanos citaram as
revistas, 60% os jornais e 58% a televisão. Somente 13% disseram ter falado com seus
médicos sobre o assunto (NCI, 1984).
Novos meios de comunicação - Computer Mediated Communication
Da mesma forma que a invenção da imprensa, ao ampliar a difusão do conhecimento
científico e a comunicação entre cientistas, afetou o próprio modo de produção da
ciência e levou a grandes transformações durante o século XIX, o advento de novas
tecnologias no século XX está levando a modificações no sistema de avaliação, na
linguagem e no público da ciência.
3
No caso da comunicação científica primária (entre pares), a partir da segunda metade
dos anos 90, a publicação eletrônica passa a ser reconhecida como um fenômeno
inexorável pela maioria dos cientistas (Packer e cols., 1998). A invenção e
“popularização” dos computadores pessoais (PC) e sua interligação em rede criaram um
novo contexto para a difusão de informações, com especial impacto no meio científico,
onde a tecnologia vem alterando em muito o comportamento de seus membros.
Surgiu um campo chamado Computer Mediated Comunication (Comunicação Mediada
por Computador - CMC), referente a toda forma de comunicação que envolve a
interação homem-máquina. O termo CMC começou a ser usado na primeira metade da
década de 80, embora as tecnologias eletrônicas de comunicação já viessem sendo
estudadas por alguns teóricos há mais tempo, como é o caso de McLuhan (1964, 1965,
1967, 1989).
Suas teorias foram forjadas em um contexto de utilização massiva de novas tecnologias
- não só os meios eletrônicos como rádio e televisão, mas também os computadores. Sua
principal idéia, enunciada exemplarmente na frase “The medium is the message” (O
meio é a mensagem), era de que a importância dos novos meios de comunicação era tão
grande que o próprio fato de existirem era, por si só, significativo. Para McLuhan, os
meios eletrônicos estavam provocando radicais transformações nos modos de interação
social e de tal forma penetravam na vida cotidiana das pessoas que se tornariam uma
extensão, mesmo, do ser humano.
McLuhan inspirou seus trabalhos nas aulas de Harold Innis (1972), seu professor e
orientador na Universidade de Toronto, onde explorava o papel dos meios de
comunicação conforme seu uso em diferentes civilizações. A principal questão para
Innis é que os usos e tendências da mídia interferem nas estruturas política e
civilizatória das sociedades.
No caso da CMC, embora ela seja objeto de um número crescente de pesquisas, é uma
área que carece de pesquisa teórica e empírica (Rice, 1992). Apenas recentemente
alguns estudos a vêm formalizando como objeto. A partir da cronologia elaborada por
December (1993), podemos salientar alguns deles.
4
Em 1983, Williams e Rice produzem estudos sobre as relações pessoais na CMC.
Em 1984, Ebadi e Utterback descrevem como a comunicação afeta os usos da
tecnologia.
Em 1986 Hellerstein apresenta um estudo dos usos sociais da CMC, defendendo o
ponto de vista de que ela media e facilita a vida social.
Em 1990, Fulk, Schmitz e Steinfield propõem um modelo para uso da tecnologia
baseado nos efeitos sobre o contexto social (Social influence model of media use). O
pressuposto básico, para eles, é o de que as percepções e usos dos meios são construídos
socialmente. Ainda em 1990, Boshier discute os fatores sociais e psicológicos em redes
de computadores, focando o papel do e-mail na educação de adultos e identificando
áreas de pesquisa. Seu ponto principal é de que as redes de computadores podem ajudar
na educação continuada porque elas ajudam a melhorar a interação, dão oportunidades
iguais e criam um ambiente não-coercitivo, não-hierárquico e recíproco. Também em
1990, Markus descreve a Teoria Crítica de Massas para a mídia interativa, deslocando a
atenção do indivíduo para o nível da comunidade.
Em 1992, Miles faz uma revisão das questões sobre a aplicação da CMC à edição e
comunicação interpessoal em escalas nacionais (na França e Grã-Bretanha).
Em 1994, December discute e analisa as estratégias que podem ser usadas por
comunicadores para intercambiar informações através de redes mundiais de
computadores. Seu principal ponto é que a tarefa comunicativa sempre envolveu
considerações de objetivo e audiência. No caso da comunicação através de redes de
computadores, além dessas considerações, o comunicador deve ter em conta
considerações sobre a natureza do meio de distribuição, acesso, práticas de intercâmbio
de informações e o contexto social.
Como a CMC pode fazer surgir novas formas de divulgação científica
A CMC altera, de imediato, as relações entre cientistas e público, pois as redes de
computadores contêm informação de todo tipo (técnica e não-técnica, elementar e
aprofundada, etc), grande parte à disposição de todos os usuários, ou seja, sem restrição
5
de acesso, com elementos interativos à disposição. Os leitores podem entrar, muitas
vezes, em contato direto com o cientista. Desse modo, a CMC permite a exploração de
recursos que não estão disponíveis em outros meios (como a personalização de um
artigo e/ou de toda uma publicação) e certamente trará alterações para o modo como o
grande público se informa sobre ciência.
No campo da comunicação científica primária várias são as mudanças por que vêm
passando os procedimentos tradicionais de difusão do conhecimento científico. Pode-se
mencionar, entre outras, a agilização do processo de seleção e publicação de artigos,
ampliação do acesso a periódicos científicos, surgimento do sistema de open peer
review, criação de listas de discussão, intercâmbio de preprints e o envio de resumos de
publicações científicas por correio eletrônico.
Na área de divulgação científica, várias publicações desenvolvidas especificamente para
o meio eletrônico têm sido criadas nos últimos anos, algumas das quais atreladas a
projetos de pesquisa, como é o caso do site norte-americano The Why Files
(http://whyfiles.news.wisc.edu), ou ainda a versão eletrônica da revista espanhola Quark
(http://www.imim.es/quark), sobre divulgação científica.
Uma revista eletrônica brasileira de jornalismo científico
No início do ano de 1999, surge na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a
proposta de criação de uma revista eletrônica de Jornalismo Científico, voltada
sobretudo a jornalistas e divulgadores científicos, mas dirigida também a um público
amplo, de estudantes de segundo grau a professores universitários.
Provisoriamente
denominada
Revista
de
Jornalismo
Científico
(RJC)
(http://nib.unicamp.br/rumos), a publicação envolve alunos e professores do Curso de
Especialização em Jornalismo Científico, programa de pós-graduação lato sensu
oferecido pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor),
Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) e Departamento de
Multimeios (DMM). A revista volta-se à produção de textos originais sobre ciência e
tecnologia, na forma de notícias, reportagens e/ou artigos, estruturados em hipertextos
que incluam recursos multimídia - como fotos, vídeos, música etc - e permitam uma
leitura interativa do conteúdo.
6
Paralelamente, a RJC será objeto de estudo de uma pesquisa sobre a leitura do texto de
divulgação na Internet. Essa pesquisa incluirá o acompanhamento dos “percursos de
leitura” na revista, análise de padrões de leitura não linear, estatísticas de consulta,
pesquisas de opinião e elaboração de perfis (idade, escolaridade, renda etc) dos leitores.
Redação Web
O aspecto central dos textos da RJC será o desenvolvimento do que chamaremos de
dynapaper (ou “artigo dinâmico”). O dynapaper é um hipertexto em que um mesmo
tema é tratado em vários níveis de complexidade. Assume-se, portanto, que a
publicação poderá ter leitores com diferentes graus de conhecimento.
De maneira esquemática, podemos imaginar os diferentes níveis de complexidade, para
cada tema:
1)
Elementar – este primeiro nível é introdutório. Procura utilizar ao máximo
metáforas e expressões de uso cotidiano, evitando a todo custo um vocabulário
técnico-científico. Dá ênfase à ilustração dos conceitos, com uso intensivo de
imagens e sons. Sempre que possível, recorre ao humor para explicar conceitos e
idéias. Visa a dar informações básicas sobre a notícia em questão. São textos bem
curtos, que permitem ao leitor que desconhece o assunto “saber do que se trata”.
2)
Intermediário – este segundo nível é a “porta de entrada” no hipertexto através da
home page. Ele parte de um “gancho” jornalístico para introduzir o tema, o
contextualiza e o relaciona com outros temas. É basicamente de gênero
informativo, embora não meramente “factual”. Enfatiza igualmente o uso de
gráficos, ilustrações, sons e outros recursos.
3)
Aprofundado – este terceiro nível pode ser composto por vários textos, que serão
aspectos diferentes do tema central. Traz informações históricas sobre o assunto,
biografias, curiosidades, propostas de experimentos, depoimentos, etc. Procura
trazer também algumas informações teóricas e situar o assunto em questão na
história da ciência, explicitando sua relações com diferentes tradições científicas, se
for o caso. Se possível, relaciona o assunto com outras áreas do conhecimento.
O leitor que se interesse por um nível mais técnico deverá ter ao seu dispor links para
revistas científicas on line especializadas na área de conhecimento correspondente.
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Vale ressaltar que as pautas deverão seguir critérios jornalísticos, buscando divulgar
notícias atuais e de interesse público. O emprego de recursos multimídia é indicado em
todos os textos e nos níveis mais elementares sua utilização é indispensável.
Os níveis de complexidade aqui propostos servem como orientação para o redator, mas
não devem restringir a priori as possibilidades de leitura. Grau de conhecimento do
tema não serão requisitos formalmente exigidos do usuário. Não haverá restrições de
acesso. Todos os textos estarão disponíveis para todos os leitores.
A singularidade do dynapaper está no fato de que ele permite uma escolha individual do
nível até onde se quer ir e/ou de onde se quer partir. Dessa forma, o leitor pode
“personalizar” o artigo, adaptando-o a seus interesses. Daí o nome “dynapaper”.
Para isso, propomos alguns modelos de “navegação”:
1)
Modelo de Menu – apresenta-se ao usuário uma relação dos textos (em vários
níveis), com resumo de cada um e ele seleciona o texto desejado. Ou seja, o
usuário tem uma “visão panorâmica” do conteúdo disponível e segue direto para o
nível de seu interesse.
Menu
---------
Nível 1
Nível 2
Nível 3
8
2)
Modelo de Saciedade – apresenta-se ao leitor o nível intermediário e em seguida
uma relação dos outros níveis de complexidade disponíveis. Ele pode seguir,
linearmente, do elementar para o intermediário ou passar direto para o
aprofundado, até o ponto em que não deseje mais informações sobre o assunto.
Nível 2
Nível 1
3)
Nível 3
Modelo de Perfil Declarado – o usuário responde a um questionário com
perguntas sobre idade, escolaridade, profissão, preferências temáticas, nível de
complexidade que deseja, etc. e o sistema pré-seleciona os artigos e os níveis,
disponibilizando diretamente os textos que mais se adequarem ao perfil informado.
Perfil
Artigos
X
A
Y
B
Z
C
A proposta deste trabalho é fazer experimentações com os diversos modelos,
observando como os leitores se comportam em cada um deles. Também serão criados
fóruns de discussão, em que os leitores possam se manifestar e interagir com outros
leitores e com os autores do texto. Os comentários poderão ser publicados em seção de
debates, ficando à disposição de todos os leitores.
Considerações finais
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Este é um trabalho ainda em curso, ao fim do qual espera-se:
1) Produzir uma avaliação dos diversos modelos de dynapaper.
2) Desenvolver uma metodologia de criação de publicações científicas eletrônicas
voltadas à divulgação para o grande público.
3) Desenvolver uma metodologia de análise de padrões de uso da informação científica
on line, através do estudo das relações entre complexidade de conteúdo e padrões de
leitura.
A discussão dos resultados parciais com a comunidade acadêmica pode trazer
contribuições importantes ao desenvolvimento do projeto e possibilitará uma avaliação
qualificada da proposta.
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