AS VIVENCIAS PROFISSIONAIS E AS PRÁTICAS DOCENTES
Evandra Oliveira Cardoso1
Ana Paula Cantarelli2
Suzani dos Santos Wippel 3
Deisi Sangoi Freitas4
Resumo:
A educação é fundamental na manutenção da vida de um indivíduo e de um grupo ou mesmo
da sociedade. Á medida que vai aumentando a complexidade da vida de um indivíduo e do
grupo, a educação vai se tornando cada vez mais relevante, a tal ponto que, na sociedade
contemporânea a educação está sempre presente em lugar de destaque. No mundo globalizado
como o de hoje, faz-se necessário rever com urgência os conceitos sobre a educação. Não se
trata simplesmente de novas metodologias para melhorar o que existe. Faz-se necessário
repensar, desde as raízes, todo o sistema de educação, antever os próximos passos associando
teoria pedagógica, subjetividade e prática docente. Conceber o papel do educador da pósmodernidade e junto à atualização das suas práticas como profissional, requer conhecer a sua
subjetividade e a influencia que esta exerce sobre a pratica docente. A partir dessa perspectiva
buscou-se identificar em que medida a categoria docente aproveita a partir da historiografia
do seu passado acadêmico, para construir novas práticas no presente, enquanto “ser
professor”. Nesse sentido, foram desenvolvidas as idéias dentro de uma perspectiva de análise
com ênfase qualitativa, tendo como sujeitos da pesquisa professores de diferentes instituições
de ensino médio da cidade de Santa Maria. A pesquisa desenvolveu-se através de entrevistas
semi-estruturadas, onde o docente entrevistado teve a possibilidade de discorrer o tema
proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador. Utilizou-se também na
pesquisa a elaboração de relatos autobiográficos (estudo de memória) por parte dos
professores, com o fito de reconstruir a história da sua formação. Aliando a pesquisa teórica
com as interpretações dos relatos autobiográficos por parte dos professores, as entrevistas
semi-estruturas e grupos operativos com os mesmos. Pode-se perceber que a identificação das
facilidades e dificuldades encontradas pelo docente na prática da contemporânea forma de
ensino, através de um maior conhecimento da sua subjetividade, mostra-se de grande
1
Graduada em Química pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Especialista em Educação pela
FIC.([email protected])
2
Graduada em Letras – Português pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM; aluna do Programa de Pós –
Graduação Especialização em Educação Ambiental da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. ([email protected])
3
Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Franciscano -UNIFRA; Especialista em Psicopedagogia pela
Universidade Castelo Branco – UCB. ([email protected])
4
Doutora em Educação pela UNICAMP, professora adjunta do centro de Educação,da Universidade Federal de
Santa Maria - UFSM.
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relevância para pratica docente, pois auxiliam o professor a compreender o seu mundo,
facilitando lidar com as mudanças e apreender, cada vez melhor, outros contextos referenciais
para que cada um possa continuar, sempre, a revigorar os seus aprendizados.
Palavras-chave: Formação de professores. Subjetividade. Prática docente. pós-modernidade.
Num mundo globalizado como o de hoje, faz-se necessário rever com urgência os
conceitos sobre a educação. Não se trata simplesmente de novas metodologias para melhorar
o que existe. Faz-se necessário repensar, desde as raízes, todo o sistema de educação, antever
os próximos passos associando teoria pedagógica, subjetividade e prática docente.
Conceber o papel do educador da pós-modernidade e junto à atualização das suas
práticas como profissional, requer conhecer a sua subjetividade e a influencia que esta exerce
na e sobre a pratica docente. As questões que nortearam a investigação foram:
- como a subjetividade do profissional interfere no modo de atuar como educador reflexivo;
-Identificar em que medida a categoria docente aproveita a partir da historiografia do seu
passado acadêmico, para construir novas práticas no presente, enquanto “ser professor”.
- verificar qual a percepção que o educador tem a respeito de sua prática docente através de
grupos operativos, relatos autobiográficos e entrevistas semi-estruturadas;
-Identificar as variáveis envolvidas nas dificuldades/facilidades de atuar como professor
reflexivo;
- Observar o docente no exercício de uma prática reflexiva, ou na negação destes a partir da
concepção sobre a sua própria prática educativa no contexto social que está inserido;
Desenvolveu-se a pesquisa dentro de uma perspectiva de análise com ênfase qualitativa.
Sobre este tipo de pesquisa Triviños (1987), refere que está não admite visões isoladas e
estanques, além de se desenvolver em interação dinâmica e constante, caracterizando a coleta
de dados como um veículo para nova busca de informações.
Durante toda a pesquisa o interesse focou-se no processo, em como o fenômeno se
apresentava mais do que nos resultados ou produtos. Realizou-se uma pesquisa descritiva,
onde os dados foram recolhidos em forma de palavras. As descrições foram sempre seguidas
de interpretações, sendo o significado de importância vital na pesquisa. Nesse sentido, o
pesquisador se constitui como um dos principais instrumentos, já que coube a ele, com suas
características próprias, captar as sutilezas do fenômeno estudado, interpretando-as e lhes
atribuindo significados.
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Um dos métodos utilizado foi o de “Análise de Conteúdos”, que, para Bardin, citado por
Richardson (1999), é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter,
através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores que permitam inferir conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) dessas mensagens.
A análise de conteúdo para Richardson(1999) é
uma técnica de pesquisa e tem
determinadas características metodológicas: objetividade, sistematização e inferência A
análise de conteúdo deve ser eficaz, rigorosa e precisa. Trata-se de compreender melhor um
discurso, de aprofundar suas características e extrair os momentos mais importantes.
A pesquisa foi desenvolvida através de entrevistas semi-estruturadas. A técnica de
entrevista semi-estruturada é aquela, segundo Minayo (1993, p.108), “onde o entrevistado tem
a possibilidade de discorrer o tema proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo
pesquisador”. Embora se tratasse de entrevista semi-estruturada, alguns pontos foram
considerados de grande relevância para a pesquisa e que, por isso, foram previamente
determinados como temas a serem trabalhados durante a entrevista. Tais pontos são:
Perspectivas do docente em relação à atuação na carreira, envolvendo a atualização do
universo de conhecimentos referentes à educação, criticidade, ética, aceitação do novo,
identidade cultural, autonomia, direitos do educando, autoridade, comprometimento com a
profissão;
Utilizou-se também na pesquisa a elaboração de relatos autobiográficos (estudo de
memória) por parte dos professores, com o fito de reconstruir a história da sua formação,
aliados a aplicação de testes psicológicos projetivos.
Segundo Goodson (1992) através do recurso dos relatos autobiográficos,os professores
identificam a memória de si e de seus pares acerca de seus primeiros tempos de escola,
analisando como este passado desempenhou um papel ativo na construção de sua identidade
profissional.
Os grupos operativos para Pichon-Rivière (1994), são um conjunto de pessoas ligadas
entre si por constantes de tempo e espaço, e articuladas por sua mútua representação interna,
que se propõe, de forma explícita ou implícita, uma tarefa que constitui sua finalidade. A
proposta da técnica operativa supõe que o grupo seja dinâmico, reflexivo e democrático,
permitindo o livre fluir da interação e da comunicação, a reflexão sobre o próprio processo
grupal, e a origem de toda ação e pensamento no próprio grupo.
Através da comunicação entre os integrantes do grupo de professores pesquisados podese perceber que o espaço estava contribuindo como continente para alívio das angústias
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presentes, visto que traziam na maioria dos encontros suas dificuldades em relação às novas
propostas educativas e suas práticas no dia-a-dia frente aos alunos.
Ainda sobre as dificuldades em colocar em prática uma inovação, utiliza-se a
contribuição de Pichon- Riviere (1988) que refere sobre o medo da perda de estruturas já
estabelecidas,medo da perda da acomodação ,por o individuo não sentir-se instrumentado para
se defender dos perigos que a novidade pode sugerir-lhe.
Diante desses comportamentos e diante da necessidade de efetivar tarefas que
possibilitem mudanças individuais e grupais, Pichon-Riviere(1988) sistematizou uma técnica
de atuar com grupos,que facilita o alcance de um nível de produtividade satisfatório, a partir
de um movimento interno autônomo do grupo na realização de tarefas.As técnicas dos grupos
operativos utilizadas com as docentes sujeitos da pesquisa subsidiou a compreensão do grupo
a partir da ação individual de cada um de seus membros onde as manifestações do individuo
no grupo foram vistas como emergentes de um desejo grupal,decorrentes de fatores psíquicos
e sócias.
Assim observaram-se que para que as mudanças em concepções e práticas educacionais
de professores ocorram, é necessário além das inovações educacionais também um
entrelaçamento concreto com a ambiência psicossocial em que esses profissionais trabalham e
vivem. A esse respeito Guareschi e Jovchelovitch (1995), escrevem que crenças e práticas são
construídas num contexto de interação e negociação social constantes, em que o compromisso
com a identidade social, normas grupais e tradições culturais têm um papel central. Conceitos
e práticas são recheados pelas interações entre idéias e representações que constituem
referência numa sociedade e representações e idéias que os indivíduos criam para si mesmos
em decorrência de suas relações sociais.
A contemporaneidade nos traz grandes desafios com o crescente avanço tecnológico e as
rápidas transformações do mundo atual. Vivemos uma época de incertezas, na qual os
acontecimentos ocorrem de forma tão rápida que nada parece ser especial, poucas coisas são
capazes de nos surpreender. Tudo se torna fugaz, nada perdura, tudo se consome. Vivemos,
trabalhamos e sonhamos para um amanhã que parece ser cada vez mais impossível de
alcançar. Na educação, esse panorama reflete a necessidade de questionar nossas certezas,
rever preceitos e reinventar outras/novas teorias educacionais que possam servir de apoio para
as várias situações que se apresentam no cotidiano escolar.
O professor, como não poderia deixar de ser, vive toda a instabilidade desse contexto
dentro da sua sala de aula cotidianamente. Na escola formamos pessoas. Nosso compromisso
é cada vez maior à medida que assumimos funções que até pouco tempo atrás não eram
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nossas. Somos professores, assistentes sociais, psicólogos, pais e mães, além de simples seres
humanos.
O professor sabe que precisa dar conta de tudo isso no seu dia-a-dia, pois corre o sério
risco de não conseguir realizar o que é próprio e específico do seu trabalho: o ensino. Dentre
todas as especificidades que a escola é capaz de assumir hoje, uma é urgente e insubstituível:
a aprendizagem e as suas verdadeiras condições de eficiência.
Se até o presente momento, o nosso fazer foi regido basicamente pela preocupação com
os conteúdos e habilidades a serem trabalhados, agora o que fazer? A angústia é muito grande.
A ordem desses novos tempos parece ser a de abandonar ideais e “velhas” concepções.
Deixamos de fazer como fazíamos, pois as palavras que estão na moda são “mudar” e
“inovar”. Vamos cada vez mais agregando leituras e novas teorias para tentar “dar conta”.
Procuramos por alternativas, queremos a saída. Sentimos a necessidade de nos agarrar em
alguma coisa.
Sabemos que as nossas ações são limitadas pela realidade, mas é o nosso querer que
realmente as orienta, é o que nos autoriza a fazer parte do mundo e assumir todos os riscos.
Assim, trata-se de compor a prática docente como obra da subjetividade, como algo que
vai se constituindo processualmente, criando necessidades pela afirmação da própria vontade.
É nesse sentido que buscamos refletir sobre a questão da subjetividade na prática
educativa, vendo-a como uma força capaz de potencializar os modos de educar e de
aprender. Uma força poderosa capaz de causar grande movimentação.
Nas conversas com os professores, naqueles momentos em que descreviam situações da
sua ação pedagógica, podemos perceber a potência de acontecimentos singulares que são
capazes de fazer o professor se abandonar às afecções a ponto de se desconhecer. Nesses
momentos, o professor tem a possibilidade de assumir a dimensão mais humana do trabalho
educativo, demonstrando seus sentimentos, permitindo-se transformações na sua maneira de
estar no espaço da sala de aula, assumindo o seu devir-professor.
O devir-professor refere-se à possibilidade de se inventar novas maneiras singulares de
ser e de fazer, no confronto e na ruptura com as práticas já pré-estabelecidas e estratificadas
(Guattarri; Rolnik, 1993). Esse é um momento de muita potência, no qual o professor se
“desarma” de qualquer verdade, desinvestindo-se que qualquer saber articulado para assumirse por si mesmo, sem qualquer predestinação.
Através da análise por categorização das falas dos professores entrevistados,
identificamos que o dia-a-dia do/a professor/a é tomado como um debate conflitivo que ora o
vê em seu espaço profissional como alguém criativo, corajoso, provocativo, reflexivo e
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crítico. Ora, porém, é trazida à tona sua inócua atuação e intervenção no espaço da sala de
aula, frente ao vazio de sua postura em relação às novas propostas pedagógicas.
A fim de se substituir este vazio por uma prática reflexiva é importante, por um lado, o
desenvolvimento da capacidade de conceitualizar os problemas do dia-a-dia profissional
pensando sobre eles, e por outro, o desenvolvimento de atitudes que devem estar pautadas no
ato de tomar decisões.Portanto o desenvolvimento de atitudes reflexivas é imprescindível,
tanto na formação como na atuação dos profissionais, pois não basta que os sujeitos sejam
qualificados em nível de competências (como fazer) se não tiverem atitudes diferenciadas de
um profissional preocupado com suas ações individuais e coletivas, questionando
constantemente o porquê? Para quem? Para que? E quando fazer?
Busca-se, portanto, uma nova competência pedagógica, surgida a partir da reflexão na e
sobre a prática, que em um movimento de ação-reflexão-ação, caminha para uma menor
dicotomia teoria/prática, entendendo sempre que entre uma determinada teoria que se quer
assumir e a prática que se quer ressignificar existe a subjetividade do sujeito, a qual se
constrói a partir das indagações daquilo que faz.
Desta forma, pensar em práticas docentes é acreditar no desenvolvimento do educador pesquisador onde, “não se trata” de uma simples aquisição de conhecimentos, mas de uma
transformação da própria pessoa envolvendo mecanismos psicológicos mais amplos no
despertar do professor o desejo, a vontade de atualizar-se, de buscar novos conhecimentos,
fundamentar teoricamente idéias democráticas e inovadoras, buscar, através do conhecimento
combater a mentalidade instituída pela educação tradicional.
Acredita-se na relevância da pesquisa e suas possíveis contribuições a novas reflexões a
respeito do tema, baseando-se na importância da compreensão da subjetividade da classe
docente, a partir das variáveis que impedem ou dificultam o despertar desses sujeitos, visto
que estes fatores estão presentes nas dificuldades de mudanças das práticas educativas ainda
tradicionais.
Finalizando torna-se necessário destacar que a investigação só foi possível pela
participação compromissada dos professores que compartilharam conosco suas alegrias e
tristezas, suas realizações e dificuldades, e, sobretudo, trouxeram seus saberes, enraizados na
vida concreta da escola. Reconhecemos, em sua disponibilidade de participar da experiência e
nas suas manifestações durante esse período, a busca incessante de uma escola melhor, que
garanta a dignidade do ser humano.
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