FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 69 O Problema da Condução do Calor em Dimensão Maior que 1 e o Teorema Espectral Karla Barbosa de Freitas1 e Valdair Bonfim2 Resumo Na Álgebra Linear ensina-se o teorema espectral para operadores auto-adjuntos, mas devido aos objetivos específicos da disciplina e a limitação do tempo pouco se fala da sua importância. Quando isto é feito, naturalmente se restringe ao caso de operadores definidos em espaços vetoriais de dimensão finita. O objetivo deste trabalho é ilustrar uma importante aplicação do Teorema Espectral no caso de operadores auto-adjuntos definidos em espaços de dimensão infinita, ampliando a gama de exemplos práticos, bem como motivando o estudo futuro de tópicos avançados, como por exemplo a questão da compacidade de conjuntos e operadores, espaços funcionais, integral de Lebesgue, dentre outros. Para levar isso a termo iniciaremos tratando o problema da condução de calor numa barra unidimensional, na qual o método de separação de variáveis conduz à uma solução que pode ser explicitamente calculada. Ao passarmos para o problema da condução do calor em dimensão superior a 1, veremos que o método de separação de variáveis conduz a uma equação diferencial parcial cuja solução explícita é impossível, exceto em casos particulares em que o domínio apresenta simetria. Entretanto veremos que o Teorema Espectral para operadores compactos autoadjuntos poderá fornecer a existência - pelo menos teórica - de tais soluções mesmo em casos em que o domínio não apresente qualquer tipo de simetria. Em razão do nosso entendimento de que complicações técnicas não se compatibilizam com um texto que propõe ser apenas motivador, adotaremos neste artigo uma postura pouco rigorosa, evitando demonstrações complexas e restringindo-nos a citar referências das mesmas. 1 – Preliminares: Para posterior referência no texto enunciaremos o teorema espectral em dimensão finita, bem como alguns conceitos e notações. Teorema 1 ( Teorema Espectral para Operadores Auto-Adjuntos ) : Sejam: • H um espaço vetorial de dimensão finita n munido de produto interno < , > . • T : H → H linear. Se T é auto-adjunto ( isto é, < T u , v > = < u , T v > ∀ u , v ∈ H ), então H possui uma base ortonormal { v1 , v 2 , ... , v n } constituída de autovetores de T. Definição 1: Uma função f : [ 0 , l ] → R é dita ser seccionalmente contínua quando ela tiver um número finito de descontinuidades, de primeira espécie, em qualquer intervalo limitado. 1 2 Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Acadêmica do Curso de Matemática da UFU. Orientador; Professor da Faculdade de Matemática da UFU. 70 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 Utilizaremos as seguintes notações para designar espaços funcionais: • C ( [0, l ] ) é o conjunto das funções reais contínuas definidas em [ 0 , l ] ; • C k ( 0, l ) é o conjunto das funções cujas derivadas de ordem ≤ k são contínuas ; Definição 2: Um espaço de Hilbert é um espaço vetorial V munido de produto interno < , > e completo na métrica d (u, v) = < u − v, u − v > . 2 – O problema da condução do calor: o caso unidimensional: Nosso primeiro objetivo é obter um candidato u ( x, t ) , solução do problema ∂u ∂ 2 u = 2 , ∀x ∈ (0, l ) , ∀t > 0 (1) ∂t ∂x ( P1 ) u (0, t ) = u (l , t ) = 0 , ∀t > 0 (2) u ( x,0) = f ( x) , ∀x ∈ [0, l ] ( 3) o qual modela a condução do calor numa barra unidimensional de comprimento l, cujas extremidades são mantidas à temperatura nula, e cuja distribuição inicial de temperaturas u (x,0) é uma função conhecida f (x) . O método de separação de variáveis consiste em procurar solução não-nula na forma ( 4 ) u ( x, t ) = ϕ ( x).ψ (t ) , onde ϕ : [0, l ] → R e ψ : [0, ∞) → R são funções reais de uma variável. Levando (4) em (1) obtemos ϕ ( x) .ψ ′(t ) = ϕ ′′( x) .ψ (t ) , ou seja, ψ ′(t ) ϕ ′′( x) = . ψ (t ) ϕ ( x) Como o primeiro membro depende apenas de t e o segundo apenas de x, então ambos são iguais a uma constante σ , de onde segue que: ( 5 ) ψ ′(t ) = σ .ψ (t ) , e ( 6 ) ϕ ′′( x) = σ .ϕ ( x) . FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 71 Mais ainda, impondo que ( 4 ) satisfaça às condições de contorno ( 2 ), obtemos: ( 7 ) ϕ (0) = ϕ (l ) = 0 . Entretanto, como veremos no que segue, o problema ϕ ′′( x) = σ .ϕ ( x) (8) ϕ (0) = ϕ (l ) = 0 , que nada mais é do que um problema de autovalores para o operador T (ϕ ) = ϕ ′′ , só admite solução ϕ ≠ 0 quando σ < 0 . De fato, se ϕ é uma solução não-nula de ( 8 ), então ∫ l 0 l ϕ ( x) .ϕ ′′( x) dx = σ . ∫ ( ϕ ( x) ) 2 dx , 0 de onde segue, integrando por partes, que ϕ ( x) .ϕ ′( x) l 0 − ∫ l 0 l ( ϕ ′( x) ) 2 dx = σ . ∫ ( ϕ ( x) ) 2 dx , 0 que devido a ( 7 ) nos fornece l ∫ ( ϕ ′( x) ) σ =− ∫ ( ϕ ( x) ) 2 0 l 0 2 dx dx < 0 , de onde concluímos que σ < 0 . Assim, escrevendo σ = −τ 2 , com τ > 0 , a equação ( 6 ) fica ϕ ′′( x) + τ 2 .ϕ ( x) = 0 , cuja solução geral é ϕ ( x) = c1 . cos(τ x) + c 2 . sen(τ x) . Impondo a condição ϕ (0) = 0 obtemos c1 = 0 , e para conseguirmos uma solução nãonula ϕ tomaremos c 2 ≠ 0 , por exemplo c 2 = 2 se desejarmos que l l ∫ ϕ ( x) 0 2 dx = 1 . Assim, 72 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 2 . sen(τ x) , e para que tenhamos também ϕ (l ) = 0 , deveremos impor sen(τ l ) = 0 , l ϕ ( x) = ou seja: nπ : n∈Z . l τ ∈ Concluindo: para cada número natural n, o problema de autovalores ( 8 ) tem uma auto-função ϕ n ( x) = 2 2 nπ x . sen(τ n x) = . sen , l l l associada ao auto-valor σ n = −τ n 2 = − n 2π 2 . l2 Determinando uma solução não-nula de ( 5 ) com σ = σ n obtemos, por exemplo, ψ n (t ) = e − n 2π 2 t l2 . Conseqüentemente obtemos, para cada número natural n, uma função u n ( x, t ) = e − n2 π 2 t l2 . 2 nπ . sen l l x , a qual satisfaz a equação diferencial ( 1 ) e também a condição de contorno ( 2 ). É lógico que qualquer combinação linear finita N u ( x, t ) = ∑ a n . u n ( x , t ) n =1 das funções u n ( x, t ) ainda satisfaz ( 1 ) e ( 2 ), e portanto será uma solução de ( P1 ) desde que N f ( x) = ∑ a n . n =1 2 nπ . sen l l x N = ∑ a n .ϕ n ( x ) . n =1 Entretanto, quando f não tem a forma acima, podemos partir para as combinações lineares infinitas das funções { u n : n ∈ ^ }, o que ampliará enormemente o conjunto das funções f para as quais o problema ( P1 ) tem solução. Negligenciando a questão da FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 73 convergência e da derivação termo a termo – pois já assumimos uma abordagem não rigorosa neste texto – obtemos uma função (9) ∞ ∞ n =1 n =1 u ( x, t ) = ∑ a n . u n ( x , t ) = ∑ a n . e − n2 π 2 t l2 .ϕ n ( x) , que satisfaz a equação (1) e a condição de contorno (2), quaisquer que sejam as escolhas das constantes a n . Entretanto, esta u ( x, t ) somente será solução de ( P1 ) se tivermos também ( 10 ) f ( x) = u ( x,0) ou seja, ( 11 ) ∞ f ( x) = ∑ a n .ϕ n ( x) . n =1 No que segue veremos como devem ser escolhidas as constantes a n para que (11) efetivamente ocorra. Para isso, introduziremos a notação ( 12 ) < f ,g > = ∫ l 0 f ( x) . g ( x) dx , a qual está bem definida quando f e g são seccionalmente contínuas no intervalo [ 0 , l ] , e observamos que 0 , se m ≠ n . ( 13 ) < ϕ m , ϕ n > = 1 , se m = n ≥ 1 Assim, supondo que uma dada função f possa ser escrita na forma (11) e que a integração termo a termo também possa ser realizada, teremos: ∞ ∞ n =1 n =1 f = ∑ a n .ϕ n ⇒ < f , ϕ m > = < ∑ a n .ϕ n , ϕ m > = = ∞ ∑a n =1 n . < ϕ n ,ϕ m > = am . < ϕ m ,ϕ m > = am , e conseqüentemente ( 14 ) an = < f ,ϕ n > = ∫ l 0 f ( x)ϕ n ( x) dx , ∀ n ≥1 . 74 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 Conforme se pode ver em [1] ou [2], quando f e f ′ são seccionalmente contínuas, então a série (11), cujos coeficientes a n são dados por (14), converge para a média aritmética dos limites laterais de f no ponto x, isto é, f ( x + 0) + f ( x − 0) = 2 ( 15 ) ∞ ∑a n =1 n .ϕ n ( x) , onde f ( x + 0) e f ( x − 0) denotam, respectivamente, os limites laterais de f à direita e à esquerda no ponto x. Ou seja, a série (11), também denominada Série de Fourier de Senos da função f , não “privilegia” nenhum dos limites laterais de f no ponto x, convergindo “democraticamente” para a média aritmética de ambos. Em particular, quando x é um ponto de continuidade de f , temos f ( x + 0) = f ( x − 0) = f ( x) , e portanto f ( x) = ∞ ∑a n =1 ∞ n ϕ n ( x) = ∑ a n . n =1 2 nπ x . sen . l l Para ilustrar graficamente este resultado consideraremos f : [ 0 , 6 ] → R definida por L=6 e a função x , se x ∈[ 0 , 3 ) f ( x) = . x − 3 , se x ∈[ 3 , 6 ] Em cada sistema de coordenadas abaixo vemos os gráficos de f em azul e o gráfico da N nπ x N-ésima soma parcial, S N ( x) = ∑ a n . sen , para N = 5 , N =10 e N = 20 , em L n =1 f ( x + 0) + f ( x − 0) vermelho, onde se pode intuir que, de fato, S N ( x) → quando N → ∞ . 2 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 75 Se exigirmos ainda que f :[ 0 , l ] → R seja contínua e f (0) = f (l ) = 0 , então a série em ( 9 ) converge uniformemente para uma função u ( x, t ) que é contínua em [ 0 , l ]×[ 0 , ∞ ) , de classe C ∞ em ( 0 , l ) × ( 0 , ∞ ) , e resolve o problema ( P1 ), conforme demonstrado em [2]. Abaixo vemos duas vistas do gráfico da 10ª soma parcial S10 ( x, t ) para 0 ≤ x ≤ 4 e 0 ≤ t ≤ 2 da série-solução do problema ( P1 ) ∞ ∞ n =1 n =1 u ( x, t ) = ∑ a n . u n ( x , t ) = ∑ a n . e − n2 π 2 t l2 . 2 nπ x . sen , l l no caso em que o comprimento da barra é L = 4 e a distribuição inicial de temperaturas é f ( x) = 4 x − x 2 . 76 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 3 – Uma interpretação algébrica do parágrafo anterior: Observe que as funções { ϕ n : n ∈ ^ }, obtidas no parágrafo anterior são auto-funções do operador T : D ⊂ C([ 0 , l ]) → C([ 0 , l ]) , definido no subespaço D = { ϕ ∈ C ( [ 0 , l ] ) ∩ C 2 ( 0 , l ) : ϕ (0) = ϕ (l ) = 0 } , e que associa a cada ϕ ∈ D a sua derivada segunda T ( ϕ ) = ϕ ′′ . FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 77 Além disso, se considerarmos em C ( [ 0 , l ] ) o produto interno ( 16 ) < f , g > = ∫ l 0 f ( x) . g ( x) dx , então podemos afirmar que { ϕ n : n ∈ ^ } é ortonormal em relação ao produto interno < , > conforme indica as relações obtidas em (13). Mais ainda, dadas ϕ e ψ ∈ D teremos, mediante integração por partes, que < T (ϕ ) , ψ > = < ϕ ′′ , ψ > = l l 0 0 ∫ ϕ ′′( x).ψ ( x) dx = ψ ( x).ϕ ′( x) − l ∫ ϕ ′( x).ψ ′( x) dx 0 , e como ψ ∈ D temos ψ (0) =ψ (l ) = 0 , de onde segue que l ( 17 ) < T (ϕ ) , ψ > = − ∫ ϕ ′( x).ψ ′( x) dx . 0 De forma análoga, obtém-se l ( 18 ) < ϕ , T (ψ ) > = − ∫ ϕ ′( x).ψ ′( x) dx . 0 o que nos leva a concluir que < T (ϕ ) , ψ > = < ϕ , T (ψ ) > , ∀ ϕ ,ψ ∈ D , ou seja: O operador T é auto-adjunto com relação ao produto interno < , > O que fizemos na sessão anterior nos permite afirmar que o espaço vetorial C ( [ 0 , l ] ) possui uma “base” ortonormal { ϕ n : n ∈ ^ } composta de auto-funções do operador autoadjunto T. Ou seja, produzimos um exemplo de um operador linear auto-adjunto T definido num espaço vetorial de dimensão infinita para o qual a conclusão contida no Teorema Espectral da sessão 1 se verifica. A pergunta natural que fica é a seguinte: 78 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 Este exemplo é apenas uma coincidência, ou a conclusão do Teorema Espectral 1 é sempre verdadeira quando tivermos um operador linear auto-adjunto T definido num espaço com produto interno H ? Sem nenhuma hipótese adicional a resposta é não. Entretanto, é possível provar o seguinte resultado: Sejam H um espaço de Hilbert e T:H → H um operador linear compacto. Então existem uma seqüência (λ k ) k ∈ N de autovalores do operador T e uma seqüência ortonormal (ϕ k )k ∈ N ⊂ H tal que T (ϕ k ) = λ k .ϕ k para todo natural k . Este afirmação é parte de um resultado mais geral conhecido como Teorema Espectral para Operadores Compactos Auto-Adjuntos em Espaços de Hilbert. Observe entretanto os novos adjetivos que apareceram no nome do teorema: não se trata mais de qualquer operador linear auto-adjunto, mas os compactos. Mais ainda, não basta estarmos ambientados num espaço com produto interno, mas num espaço que seja completo na norma proveniente deste produto interno. Ou seja, questões topológicas que não apareciam no caso finito-dimensional agora entram em cena e, na maioria das vezes, constituem a parte mais difícil de ser contornada no problema. No que segue citaremos um exemplo concreto que põe em evidência a importância dos estudos abstratos realizados nas disciplinas Topologia dos Espaços Métricos, Topologia Geral, Análise no Rn, Análise Funcional, Teoria da Medida – incluindo aí a integral de Lebesgue – , dentre outras. 4 – O problema da condução do calor em dimensão maior que 1: O análogo do problema ( P1 ) consiste em determinar uma função real u ( x, t ) , com x = ( x1 , ... , x n ) ∈ Ω ⊂ Rn , t > 0 , satisfazendo: ∂u ∂t ( x, t ) = ∆u ( x, t ) , ∀x ∈ Ω , ∀t > 0 u ( x, t ) = 0 , ∀x ∈ ∂ Ω , ∀t > 0 ( P2 ) ∀x ∈ Ω u ( x,0) = f ( x) , , n onde ∆ é o Laplaciano nas variáveis espaciais x1 , ... , x n , isto é, ∆u = ∑ i =1 Procurando soluções não-nulas no formato u ( x, t ) = ϕ ( x) .ψ (t ) , com ϕ : Ω → R e ψ : [ 0 , ∞ ) → R obtemos ( 19 ) ψ ′(t ) = σ .ψ (t ) , ∀t > 0 ∂ 2u ∂xi 2 . FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 79 e ∆ϕ ( x) = σ .ϕ ( x) , ∀x ∈ Ω ( 20 ) . , ∀x ∈ ∂ Ω ϕ ( x) = 0 Note que (20) é um problema de autovalores para o operador Laplaciano e, diferente de (8), trata-se de uma equação diferencial parcial com uma condição de contorno na fronteira de um domínio Ω do Rn, e não na fronteira de um intervalo [ 0 , l ] , que se reduz a dois pontos. Se o domínio Ω não apresentar algum tipo de simetria, fica difícil achar soluções explícitas para (20), conforme fizemos na sessão 2 para o problema (8). Entretanto, se para funções de quadrado integrável definidas em Ω colocarmos < f ,g>= ( 21 ) ∫ Ω f ( x).g ( x) dx então cabe perguntar se o operador T ( ϕ ) = ∆( ϕ ) é auto-adjunto em relação a < , > . Para isso consideraremos T no domínio D = {ϕ ∈ C 2 (Ω) ∩ C 1 (Ω) :ϕ ∂Ω = 0}. Dadas ϕ ,ψ ∈ D e usando o Teorema da Divergência com o campo vetorial G F ( x) = ψ ( x).∇ϕ ( x) , x ∈ Ω , obtemos ∂ϕ ∫ ∇ϕ ( x).∇ψ ( x) dx + ∫ψ ( x).∆ϕ ( x) dx = ∫ψ ( x). ∂nG ( x) dS Ω Ω , ∂Ω e como a última integral é nula ( pois ψ se anula em ∂Ω ) ficamos com ∫ ∆ϕ ( x).ψ ( x) dx = − ∫ ∇ϕ ( x).∇ψ ( x) dx Ω , Ω ou seja, < T (ϕ ) ,ψ > = − ∫ ∇ϕ ( x).∇ψ ( x) dx . Ω G De maneira análoga, se considerarmos o campo de vetores F ( x) = ϕ ( x).∇ψ ( x) , obteremos < ϕ , T (ψ ) > = − ∫ ∇ϕ ( x).∇ψ ( x) dx , Ω o que nos leva a concluir que < T (ϕ ) ,ψ > = < ϕ , T (ψ ) > , ∀ ϕ ,ψ ∈ D , ou seja, que T é auto-adjunto com respeito ao produto interno (21). 80 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 A questão da compacidade é um tanto mais complicada. Como o operador T ( ϕ ) = ∆( ϕ ) não é compacto, trabalha-se na tentativa de obter um domínio D contido num espaço de Hilbert H de modo que o operador T : D ⊂ H → H fique inversível, com inverso ∆−1 : H → H compacto. Como o inverso é automaticamente auto-adjunto, encontramo-nos nas condições do Teorema Espectral, e daí podemos afirmar que existirá uma seqüência ( λk ) k∈N de números reais e uma seqüência ( ϕ k ) k∈N de funções do espaço H tais que ∆−1 (ϕ k ) = λk ϕ k para todo k ^. Mais ainda, o conjunto {ϕ k : k ∈ N } é ortonormal com relação ao produto interno < , >. Assim, para cada número natural k encontramos uma auto-função ϕ k do operador ∆ : ∆(ϕ k ) = σ k ϕ k , onde σ k = 1 para todo k ^ . λk Agora, considerando uma solução de (19) com σ k no lugar de σ obtemos ψ k (t ) = e σ kt , e conseqüentemente, para cada natural k, a função u k ( x, t ) = eσ k t .ϕ k ( x) satisfará a equação do calor, pois ∂ { u k ( x, t ) }= ∂ {ϕ k ( x) .ψ k (t ) }= ϕ k ( x) .ψ k ′ (t ) = ∂t ∂t = {σ k .ϕ k ( x) }.ψ k (t ) = { ∆ϕ k ( x) }.ψ k (t ) = ∆{ϕ k ( x).ψ k (t ) }= ∆ u k ( x, t ) , e também a condição de contorno u k ( x, t ) = ϕ k ( x).ψ k (t ) = 0 , para todo x ∈ ∂ Ω , já que todas as funções ϕ k se anulam na fronteira de Ω . A candidata natural a solução do problema ( P2 ) é a função ∞ ( 22 ) u ( x, t ) = ∑ a k . e σ k t .ϕ k ( x) , k =1 onde as constantes a k são escolhidas de modo que u ( x,0) = f ( x) , ou seja, de modo que ∞ ( 23 ) f ( x) = ∑ a k .ϕ k ( x) . k =1 Como o conjunto {ϕ k : k ∈ N } é ortonormal, obtém-se FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 81 ( 24 ) a k = < f , ϕ k > , para todo k. É possível provar, veja [3], que: ( ) Se f ∈ C 2 Ω e f ∂Ω = 0 , então as séries (22) e (23) convergem uniformemente para f e para uma solução u(x,t) do problema ( u ∈ C 2 ( Ω × (0, ∞ ) ) ∩ C Ω ×[0, ∞) u t = ∆u , ∀( x, t ) ∈ Ω × (0, ∞) u ( x,0) = f ( x) , x ∈ Ω ) , desde que Ω ⊂ R3 tenha fronteira de classe C 2 . 5 – Considerações Finais : Conforme pretendíamos, é possível observar que muitas das questões abstratas consideradas como objetos de estudo na Análise e na Topologia emergem naturalmente de problemas concretos. Vimos por exemplo que o Teorema Espectral, numa versão em dimensão infinita, rende soluções para o problema da condução do calor em domínios Ω do espaço Rn cuja fronteira seja suficientemente regular. Convém observar também que, sendo o nosso texto apenas motivador, não detalhamos como são as funções do espaço H no qual procuramos as auto-funções ϕ k : Ω → R . Apenas “acenamos” com uma possibilidade de trabalhar com um espaço de funções que possuem quadrado integrável em Ω , de modo que o produto interno (21) de duas tais funções estivesse bem definido. Entretanto, para que este espaço usualmente denotado por L2 (Ω) - resulte completo, é necessário trabalhar com uma noção de integral mais geral que a de Riemann. Trata-se da integral de Lebesgue, da qual um estudo aprofundado consome boa parte de um curso de Teoria da Medida. A noção de compacidade e suas caracterizações ocupam, por sua vez, uma parte significativa de uma disciplina de Topologia. Mais ainda, a questão da compacidade de um operador definido entre espaços de funções demandam o estudo de desigualdades não triviais conhecidas como Desigualdades de Sobolev. Esperamos com este texto ter conscientizado o leitor da importância do estudo de tópicos abstratos, principalmente aqueles alunos de cursos de Matemática que estão em vias de fazer sua opção entre Licenciatura ou Bacharelado. Claro que esta é uma das várias motivações e, dependendo do gosto pessoal do leitor, ela pode até mesmo ser desmotivadora. O que nos interessa, entretanto, é fazer o leitor entender que os objetos de estudo da Matemática Pura não estão desvinculados dos problemas reais. Ainda que um tanto sofisticadas, as teorias matemáticas estão por trás de uma série de situações do cotidiano que um cidadão comum sequer pode imaginar. Essa não consciência por parte de uma maioria esmagadora não invalidam e nem devem desencorajar a pesquisa matemática. Se o texto serviu, pelo menos, para diminuir o preconceito de muitos para com a Matemática Pura, já nos damos por satisfeitos. 82 FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007 6 – Bibliografia: [1] Figueiredo, Djairo G. de; Análise de Fourier e Equações Diferenciais Parciais . [2] Iório, Valéria; EDP: Um Curso de Graduação. Rio de Janeiro; Instituto de Matemática Pura e Aplicada; CNPq, 1991. Coleção Matemática Universitária. [3] Iório Jr, R. J. & Iório, Valéria; Equações Diferenciais Parciais: Uma Introdução. Rio de Janeiro, Instituto de Matemática pura e Aplicada, CNPq, 1988. Projeto Euclides.