FAMAT em Revista - Número 09 - Outubro de 2007
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O Problema da Condução do Calor em
Dimensão Maior que 1 e o Teorema Espectral
Karla Barbosa de Freitas1 e Valdair Bonfim2
Resumo
Na Álgebra Linear ensina-se o teorema espectral para operadores auto-adjuntos, mas devido
aos objetivos específicos da disciplina e a limitação do tempo pouco se fala da sua
importância. Quando isto é feito, naturalmente se restringe ao caso de operadores definidos
em espaços vetoriais de dimensão finita. O objetivo deste trabalho é ilustrar uma importante
aplicação do Teorema Espectral no caso de operadores auto-adjuntos definidos em espaços de
dimensão infinita, ampliando a gama de exemplos práticos, bem como motivando o estudo
futuro de tópicos avançados, como por exemplo a questão da compacidade de conjuntos e
operadores, espaços funcionais, integral de Lebesgue, dentre outros. Para levar isso a termo
iniciaremos tratando o problema da condução de calor numa barra unidimensional, na qual o
método de separação de variáveis conduz à uma solução que pode ser explicitamente
calculada. Ao passarmos para o problema da condução do calor em dimensão superior a 1,
veremos que o método de separação de variáveis conduz a uma equação diferencial parcial
cuja solução explícita é impossível, exceto em casos particulares em que o domínio apresenta
simetria. Entretanto veremos que o Teorema Espectral para operadores compactos autoadjuntos poderá fornecer a existência - pelo menos teórica - de tais soluções mesmo em casos
em que o domínio não apresente qualquer tipo de simetria. Em razão do nosso entendimento
de que complicações técnicas não se compatibilizam com um texto que propõe ser apenas
motivador, adotaremos neste artigo uma postura pouco rigorosa, evitando demonstrações
complexas e restringindo-nos a citar referências das mesmas.
1 – Preliminares:
Para posterior referência no texto enunciaremos o teorema espectral em dimensão
finita, bem como alguns conceitos e notações.
Teorema 1 ( Teorema Espectral para Operadores Auto-Adjuntos ) :
Sejam:
• H um espaço vetorial de dimensão finita n munido de produto interno < , > .
• T : H → H linear.
Se T é auto-adjunto ( isto é, < T u , v > = < u , T v > ∀ u , v ∈ H ), então H possui
uma base ortonormal { v1 , v 2 , ... , v n } constituída de autovetores de T.
Definição 1: Uma função f : [ 0 , l ] → R é dita ser seccionalmente contínua quando ela
tiver um número finito de descontinuidades, de primeira espécie, em qualquer intervalo
limitado.
1
2
Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Acadêmica do Curso de Matemática da UFU.
Orientador; Professor da Faculdade de Matemática da UFU.
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Utilizaremos as seguintes notações para designar espaços funcionais:
• C ( [0, l ] ) é o conjunto das funções reais contínuas definidas em [ 0 , l ] ;
• C k ( 0, l ) é o conjunto das funções cujas derivadas de ordem ≤ k são contínuas ;
Definição 2: Um espaço de Hilbert é um espaço vetorial V munido de produto interno
< , > e completo na métrica d (u, v) = < u − v, u − v > .
2 – O problema da condução do calor: o caso unidimensional:
Nosso primeiro objetivo é obter um candidato u ( x, t ) , solução do problema
 ∂u ∂ 2 u
 = 2 , ∀x ∈ (0, l ) , ∀t > 0 (1)
 ∂t ∂x
( P1 ) u (0, t ) = u (l , t ) = 0 , ∀t > 0
(2)
u ( x,0) = f ( x) , ∀x ∈ [0, l ]
( 3)


o qual modela a condução do calor numa barra unidimensional de comprimento l, cujas
extremidades são mantidas à temperatura nula, e cuja distribuição inicial de temperaturas
u (x,0) é uma função conhecida f (x) .
O método de separação de variáveis consiste em procurar solução não-nula na forma
( 4 ) u ( x, t ) = ϕ ( x).ψ (t ) ,
onde ϕ : [0, l ] → R e ψ : [0, ∞) → R são funções reais de uma variável.
Levando (4) em (1) obtemos
ϕ ( x) .ψ ′(t ) = ϕ ′′( x) .ψ (t ) ,
ou seja,
ψ ′(t ) ϕ ′′( x)
=
.
ψ (t ) ϕ ( x)
Como o primeiro membro depende apenas de t e o segundo apenas de x, então ambos
são iguais a uma constante σ , de onde segue que:
( 5 ) ψ ′(t ) = σ .ψ (t ) ,
e
( 6 ) ϕ ′′( x) = σ .ϕ ( x) .
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Mais ainda, impondo que ( 4 ) satisfaça às condições de contorno ( 2 ), obtemos:
( 7 ) ϕ (0) = ϕ (l ) = 0 .
Entretanto, como veremos no que segue, o problema
ϕ ′′( x) = σ .ϕ ( x)
(8) 
ϕ (0) = ϕ (l ) = 0
,
que nada mais é do que um problema de autovalores para o operador T (ϕ ) = ϕ ′′ , só admite
solução ϕ ≠ 0 quando σ < 0 .
De fato, se ϕ é uma solução não-nula de ( 8 ), então
∫
l
0
l
ϕ ( x) .ϕ ′′( x) dx = σ . ∫ ( ϕ ( x) ) 2 dx ,
0
de onde segue, integrando por partes, que
ϕ ( x) .ϕ ′( x)
l
0
−
∫
l
0
l
( ϕ ′( x) ) 2 dx = σ . ∫ ( ϕ ( x) ) 2 dx ,
0
que devido a ( 7 ) nos fornece
l
∫ ( ϕ ′( x) )
σ =−
∫ ( ϕ ( x) )
2
0
l
0
2
dx
dx
< 0 ,
de onde concluímos que σ < 0 .
Assim, escrevendo
σ = −τ 2 , com τ > 0 ,
a equação ( 6 ) fica
ϕ ′′( x) + τ 2 .ϕ ( x) = 0 ,
cuja solução geral é
ϕ ( x) = c1 . cos(τ x) + c 2 . sen(τ x) .
Impondo a condição ϕ (0) = 0 obtemos c1 = 0 , e para conseguirmos uma solução nãonula ϕ tomaremos c 2 ≠ 0 , por exemplo c 2 =
2
se desejarmos que
l
l
∫ ϕ ( x)
0
2
dx = 1 . Assim,
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2
. sen(τ x) , e para que tenhamos também ϕ (l ) = 0 , deveremos impor sen(τ l ) = 0 ,
l
ϕ ( x) =
ou seja:
 nπ

: n∈Z  .
 l

τ ∈
Concluindo: para cada número natural n, o problema de autovalores ( 8 ) tem uma
auto-função
ϕ n ( x) =
2
2
 nπ x 
. sen(τ n x) =
. sen
 ,
l
l
 l 
associada ao auto-valor
σ n = −τ n 2 = −
n 2π 2
.
l2
Determinando uma solução não-nula de ( 5 ) com σ = σ n obtemos, por exemplo,
ψ n (t ) = e
−
n 2π 2 t
l2
.
Conseqüentemente obtemos, para cada número natural n, uma função
u n ( x, t ) = e
−
n2 π 2 t
l2
.
2
 nπ
. sen
l
 l
x


,
a qual satisfaz a equação diferencial ( 1 ) e também a condição de contorno ( 2 ).
É lógico que qualquer combinação linear finita
N
u ( x, t ) = ∑ a n . u n ( x , t )
n =1
das funções u n ( x, t ) ainda satisfaz ( 1 ) e ( 2 ), e portanto será uma solução de ( P1 ) desde que
N
f ( x) = ∑ a n .
n =1
2
 nπ
. sen
l
 l
x N
 = ∑ a n .ϕ n ( x ) .
 n =1
Entretanto, quando f não tem a forma acima, podemos partir para as combinações
lineares infinitas das funções { u n : n ∈ ^ }, o que ampliará enormemente o conjunto das
funções f para as quais o problema ( P1 ) tem solução. Negligenciando a questão da
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convergência e da derivação termo a termo – pois já assumimos uma abordagem não rigorosa
neste texto – obtemos uma função
(9)
∞
∞
n =1
n =1
u ( x, t ) = ∑ a n . u n ( x , t ) = ∑ a n . e
−
n2 π 2 t
l2
.ϕ n ( x) ,
que satisfaz a equação (1) e a condição de contorno (2), quaisquer que sejam as escolhas das
constantes a n .
Entretanto, esta u ( x, t ) somente será solução de ( P1 ) se tivermos também
( 10 )
f ( x) = u ( x,0)
ou seja,
( 11 )
∞
f ( x) = ∑ a n .ϕ n ( x) .
n =1
No que segue veremos como devem ser escolhidas as constantes a n para que (11)
efetivamente ocorra. Para isso, introduziremos a notação
( 12 )
< f ,g > =
∫
l
0
f ( x) . g ( x) dx ,
a qual está bem definida quando f e g são seccionalmente contínuas no intervalo [ 0 , l ] , e
observamos que
 0 , se m ≠ n
.
( 13 ) < ϕ m , ϕ n > = 
 1 , se m = n ≥ 1
Assim, supondo que uma dada função f possa ser escrita na forma (11) e que a
integração termo a termo também possa ser realizada, teremos:
∞
∞
n =1
n =1
f = ∑ a n .ϕ n ⇒ < f , ϕ m > = < ∑ a n .ϕ n , ϕ m > =
=
∞
∑a
n =1
n
. < ϕ n ,ϕ m > = am . < ϕ m ,ϕ m > = am ,
e conseqüentemente
( 14 )
an = < f ,ϕ n > =
∫
l
0
f ( x)ϕ n ( x) dx , ∀ n ≥1 .
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Conforme se pode ver em [1] ou [2], quando f e f ′ são seccionalmente contínuas,
então a série (11), cujos coeficientes a n são dados por (14), converge para a média aritmética
dos limites laterais de f no ponto x, isto é,
f ( x + 0) + f ( x − 0)
=
2
( 15 )
∞
∑a
n =1
n
.ϕ n ( x) ,
onde f ( x + 0) e f ( x − 0) denotam, respectivamente, os limites laterais de f à direita e à
esquerda no ponto x. Ou seja, a série (11), também denominada Série de Fourier de Senos da
função f , não “privilegia” nenhum dos limites laterais de f no ponto x, convergindo
“democraticamente” para a média aritmética de ambos. Em particular, quando x é um ponto
de continuidade de f , temos f ( x + 0) = f ( x − 0) = f ( x) , e portanto
f ( x) =
∞
∑a
n =1
∞
n
ϕ n ( x) = ∑ a n .
n =1
2
 nπ x 
. sen
 .
l
 l 
Para ilustrar graficamente este resultado consideraremos
f : [ 0 , 6 ] → R definida por
L=6
e a função
 x , se x ∈[ 0 , 3 )
f ( x) = 
.
 x − 3 , se x ∈[ 3 , 6 ]
Em cada sistema de coordenadas abaixo vemos os gráficos de f em azul e o gráfico da
N
 nπ x 
N-ésima soma parcial, S N ( x) = ∑ a n . sen
 , para N = 5 , N =10 e N = 20 , em
 L 
n =1
f ( x + 0) + f ( x − 0)
vermelho, onde se pode intuir que, de fato, S N ( x) →
quando N → ∞ .
2
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Se exigirmos ainda que f :[ 0 , l ] → R seja contínua e f (0) = f (l ) = 0 , então a série
em ( 9 ) converge uniformemente para uma função u ( x, t ) que é contínua em [ 0 , l ]×[ 0 , ∞ ) ,
de classe C ∞ em ( 0 , l ) × ( 0 , ∞ ) , e resolve o problema ( P1 ), conforme demonstrado em [2].
Abaixo vemos duas vistas do gráfico da 10ª soma parcial S10 ( x, t ) para 0 ≤ x ≤ 4 e
0 ≤ t ≤ 2 da série-solução do problema ( P1 )
∞
∞
n =1
n =1
u ( x, t ) = ∑ a n . u n ( x , t ) = ∑ a n . e
−
n2 π 2 t
l2
.
2
 nπ x 
. sen
 ,
l
 l 
no caso em que o comprimento da barra é L = 4 e a distribuição inicial de temperaturas é
f ( x) = 4 x − x 2 .
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3 – Uma interpretação algébrica do parágrafo anterior:
Observe que as funções { ϕ n : n ∈ ^ }, obtidas no parágrafo anterior são auto-funções
do operador
T : D ⊂ C([ 0 , l ]) → C([ 0 , l ]) ,
definido no subespaço
D = { ϕ ∈ C ( [ 0 , l ] ) ∩ C 2 ( 0 , l ) : ϕ (0) = ϕ (l ) = 0 } ,
e que associa a cada ϕ ∈ D a sua derivada segunda
T ( ϕ ) = ϕ ′′ .
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Além disso, se considerarmos em C ( [ 0 , l ] ) o produto interno
( 16 ) < f , g > =
∫
l
0
f ( x) . g ( x) dx ,
então podemos afirmar que
{ ϕ n : n ∈ ^ } é ortonormal em relação ao produto interno < , >
conforme indica as relações obtidas em (13).
Mais ainda, dadas ϕ e ψ ∈ D teremos, mediante integração por partes, que
< T (ϕ ) , ψ > = < ϕ ′′ , ψ > =
l
l
0
0
∫ ϕ ′′( x).ψ ( x) dx = ψ ( x).ϕ ′( x)
−
l
∫ ϕ ′( x).ψ ′( x) dx
0
,
e como ψ ∈ D temos ψ (0) =ψ (l ) = 0 , de onde segue que
l
( 17 ) < T (ϕ ) , ψ > = − ∫ ϕ ′( x).ψ ′( x) dx .
0
De forma análoga, obtém-se
l
( 18 ) < ϕ , T (ψ ) > = − ∫ ϕ ′( x).ψ ′( x) dx .
0
o que nos leva a concluir que
< T (ϕ ) , ψ > = < ϕ , T (ψ ) > , ∀ ϕ ,ψ ∈ D ,
ou seja:
O operador T é auto-adjunto com relação ao produto interno < , >
O que fizemos na sessão anterior nos permite afirmar que o espaço vetorial C ( [ 0 , l ] )
possui uma “base” ortonormal { ϕ n : n ∈ ^ } composta de auto-funções do operador autoadjunto T. Ou seja, produzimos um exemplo de um operador linear auto-adjunto T definido
num espaço vetorial de dimensão infinita para o qual a conclusão contida no Teorema
Espectral da sessão 1 se verifica.
A pergunta natural que fica é a seguinte:
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Este exemplo é apenas uma coincidência, ou a conclusão do Teorema Espectral 1 é sempre
verdadeira quando tivermos um operador linear auto-adjunto T definido num espaço com
produto interno H ?
Sem nenhuma hipótese adicional a resposta é não. Entretanto, é possível provar o
seguinte resultado:
Sejam H um espaço de Hilbert e T:H → H um operador linear compacto. Então
existem uma seqüência (λ k ) k ∈ N de autovalores do operador T e uma
seqüência ortonormal (ϕ k )k ∈ N ⊂ H tal que T (ϕ k ) = λ k .ϕ k para todo natural k .
Este afirmação é parte de um resultado mais geral conhecido como
Teorema Espectral para Operadores Compactos Auto-Adjuntos em Espaços de Hilbert.
Observe entretanto os novos adjetivos que apareceram no nome do teorema: não se
trata mais de qualquer operador linear auto-adjunto, mas os compactos. Mais ainda, não basta
estarmos ambientados num espaço com produto interno, mas num espaço que seja completo
na norma proveniente deste produto interno. Ou seja, questões topológicas que não apareciam
no caso finito-dimensional agora entram em cena e, na maioria das vezes, constituem a parte
mais difícil de ser contornada no problema. No que segue citaremos um exemplo concreto que
põe em evidência a importância dos estudos abstratos realizados nas disciplinas Topologia
dos Espaços Métricos, Topologia Geral, Análise no Rn, Análise Funcional, Teoria da Medida
– incluindo aí a integral de Lebesgue – , dentre outras.
4 – O problema da condução do calor em dimensão maior que 1:
O análogo do problema ( P1 ) consiste em determinar uma função real u ( x, t ) , com
x = ( x1 , ... , x n ) ∈ Ω ⊂ Rn , t > 0 , satisfazendo:
 ∂u
 ∂t ( x, t ) = ∆u ( x, t ) , ∀x ∈ Ω , ∀t > 0

u ( x, t ) = 0
, ∀x ∈ ∂ Ω , ∀t > 0
( P2 ) 

∀x ∈ Ω
 u ( x,0) = f ( x) ,

,
n
onde ∆ é o Laplaciano nas variáveis espaciais x1 , ... , x n , isto é, ∆u = ∑
i =1
Procurando soluções não-nulas no formato
u ( x, t ) = ϕ ( x) .ψ (t ) ,
com ϕ : Ω → R e ψ : [ 0 , ∞ ) → R obtemos
( 19 )
ψ ′(t ) = σ .ψ (t ) , ∀t > 0
∂ 2u
∂xi
2
.
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e
∆ϕ ( x) = σ .ϕ ( x) , ∀x ∈ Ω
( 20 ) 
.
, ∀x ∈ ∂ Ω
 ϕ ( x) = 0
Note que (20) é um problema de autovalores para o operador Laplaciano e, diferente
de (8), trata-se de uma equação diferencial parcial com uma condição de contorno na fronteira
de um domínio Ω do Rn, e não na fronteira de um intervalo [ 0 , l ] , que se reduz a dois pontos.
Se o domínio Ω não apresentar algum tipo de simetria, fica difícil achar soluções explícitas
para (20), conforme fizemos na sessão 2 para o problema (8).
Entretanto, se para funções de quadrado integrável definidas em Ω colocarmos
< f ,g>=
( 21 )
∫
Ω
f ( x).g ( x) dx
então cabe perguntar se o operador T ( ϕ ) = ∆( ϕ ) é auto-adjunto em relação a < , > .
Para isso consideraremos T no domínio D = {ϕ ∈ C 2 (Ω) ∩ C 1 (Ω) :ϕ
∂Ω
= 0}.
Dadas ϕ ,ψ ∈ D e usando o Teorema da Divergência com o campo vetorial
G
F ( x) = ψ ( x).∇ϕ ( x) , x ∈ Ω ,
obtemos
∂ϕ
∫ ∇ϕ ( x).∇ψ ( x) dx + ∫ψ ( x).∆ϕ ( x) dx = ∫ψ ( x). ∂nG ( x) dS
Ω
Ω
,
∂Ω
e como a última integral é nula ( pois ψ se anula em ∂Ω ) ficamos com
∫ ∆ϕ ( x).ψ ( x) dx = − ∫ ∇ϕ ( x).∇ψ ( x) dx
Ω
,
Ω
ou seja,
< T (ϕ ) ,ψ > = − ∫ ∇ϕ ( x).∇ψ ( x) dx .
Ω
G
De maneira análoga, se considerarmos o campo de vetores F ( x) = ϕ ( x).∇ψ ( x) ,
obteremos
< ϕ , T (ψ ) > = − ∫ ∇ϕ ( x).∇ψ ( x) dx ,
Ω
o que nos leva a concluir que
< T (ϕ ) ,ψ > = < ϕ , T (ψ ) > , ∀ ϕ ,ψ ∈ D ,
ou seja, que T é auto-adjunto com respeito ao produto interno (21).
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A questão da compacidade é um tanto mais complicada. Como o operador
T ( ϕ ) = ∆( ϕ ) não é compacto, trabalha-se na tentativa de obter um domínio D contido num
espaço de Hilbert H de modo que o operador T : D ⊂ H → H fique inversível, com inverso
∆−1 : H → H compacto. Como o inverso é automaticamente auto-adjunto, encontramo-nos nas
condições do Teorema Espectral, e daí podemos afirmar que existirá uma seqüência ( λk ) k∈N
de números reais e uma seqüência ( ϕ k ) k∈N de funções do espaço H tais que ∆−1 (ϕ k ) = λk ϕ k
para todo k ^. Mais ainda, o conjunto {ϕ k : k ∈ N } é ortonormal com relação ao produto
interno < , >. Assim, para cada número natural k encontramos uma auto-função ϕ k do
operador ∆ :
∆(ϕ k ) = σ k ϕ k , onde σ k =
1
para todo k ^ .
λk
Agora, considerando uma solução de (19) com σ k no lugar de σ obtemos
ψ k (t ) = e σ
kt
,
e conseqüentemente, para cada natural k, a função u k ( x, t ) = eσ k t .ϕ k ( x) satisfará a equação do
calor, pois
∂
{ u k ( x, t ) }= ∂ {ϕ k ( x) .ψ k (t ) }= ϕ k ( x) .ψ k ′ (t ) =
∂t
∂t
= {σ k .ϕ k ( x) }.ψ k (t ) = { ∆ϕ k ( x) }.ψ k (t ) = ∆{ϕ k ( x).ψ k (t ) }= ∆ u k ( x, t ) ,
e também a condição de contorno
u k ( x, t ) = ϕ k ( x).ψ k (t ) = 0 , para todo x ∈ ∂ Ω ,
já que todas as funções ϕ k se anulam na fronteira de Ω .
A candidata natural a solução do problema ( P2 ) é a função
∞
( 22 )
u ( x, t ) = ∑ a k . e σ k t .ϕ k ( x) ,
k =1
onde as constantes a k são escolhidas de modo que u ( x,0) = f ( x) , ou seja, de modo que
∞
( 23 )
f ( x) = ∑ a k .ϕ k ( x) .
k =1
Como o conjunto {ϕ k : k ∈ N } é ortonormal, obtém-se
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( 24 ) a k = < f , ϕ k > , para todo k.
É possível provar, veja [3], que:
( )
Se f ∈ C 2 Ω e f
∂Ω
= 0 , então as séries (22) e (23) convergem
uniformemente para f e para uma solução u(x,t) do problema
(
u ∈ C 2 ( Ω × (0, ∞ ) ) ∩ C Ω ×[0, ∞)

u t = ∆u , ∀( x, t ) ∈ Ω × (0, ∞)
u ( x,0) = f ( x) , x ∈ Ω

)
,
desde que Ω ⊂ R3 tenha fronteira de classe C 2 .
5 – Considerações Finais :
Conforme pretendíamos, é possível observar que muitas das questões abstratas consideradas
como objetos de estudo na Análise e na Topologia emergem naturalmente de problemas
concretos. Vimos por exemplo que o Teorema Espectral, numa versão em dimensão infinita,
rende soluções para o problema da condução do calor em domínios Ω do espaço Rn cuja
fronteira seja suficientemente regular. Convém observar também que, sendo o nosso texto
apenas motivador, não detalhamos como são as funções do espaço H no qual procuramos as
auto-funções ϕ k : Ω → R . Apenas “acenamos” com uma possibilidade de trabalhar com um
espaço de funções que possuem quadrado integrável em Ω , de modo que o produto interno
(21) de duas tais funções estivesse bem definido. Entretanto, para que este espaço usualmente denotado por L2 (Ω) - resulte completo, é necessário trabalhar com uma noção de
integral mais geral que a de Riemann. Trata-se da integral de Lebesgue, da qual um estudo
aprofundado consome boa parte de um curso de Teoria da Medida. A noção de compacidade e
suas caracterizações ocupam, por sua vez, uma parte significativa de uma disciplina de
Topologia. Mais ainda, a questão da compacidade de um operador definido entre espaços de
funções demandam o estudo de desigualdades não triviais conhecidas como Desigualdades de
Sobolev. Esperamos com este texto ter conscientizado o leitor da importância do estudo de
tópicos abstratos, principalmente aqueles alunos de cursos de Matemática que estão em vias
de fazer sua opção entre Licenciatura ou Bacharelado. Claro que esta é uma das várias
motivações e, dependendo do gosto pessoal do leitor, ela pode até mesmo ser desmotivadora.
O que nos interessa, entretanto, é fazer o leitor entender que os objetos de estudo da
Matemática Pura não estão desvinculados dos problemas reais. Ainda que um tanto
sofisticadas, as teorias matemáticas estão por trás de uma série de situações do cotidiano que
um cidadão comum sequer pode imaginar. Essa não consciência por parte de uma maioria
esmagadora não invalidam e nem devem desencorajar a pesquisa matemática. Se o texto
serviu, pelo menos, para diminuir o preconceito de muitos para com a Matemática Pura, já
nos damos por satisfeitos.
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6 – Bibliografia:
[1] Figueiredo, Djairo G. de; Análise de Fourier e Equações Diferenciais Parciais .
[2] Iório, Valéria; EDP: Um Curso de Graduação.
Rio de Janeiro; Instituto de Matemática Pura e Aplicada; CNPq, 1991.
Coleção Matemática Universitária.
[3] Iório Jr, R. J. & Iório, Valéria; Equações Diferenciais Parciais: Uma Introdução.
Rio de Janeiro, Instituto de Matemática pura e Aplicada, CNPq, 1988.
Projeto Euclides.
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