MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO E FUNDO DE ADAPTAÇÃO: PASSOS EM DIREÇÃO À JUSTIÇA AMBIENTAL GLOBAL 1 UFPB UEPB UESC UFRN UFS UFPE UFC UFPI UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente ANAHÍ DE CASTRO BARBOSA MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO E FUNDO DE ADAPTAÇÃO: PASSOS EM DIREÇÃO À JUSTIÇA AMBIENTAL GLOBAL João Pessoa 2009 ANAHI DE CASTRO BARBOSA MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO E FUNDO DE ADAPTAÇÃO: PASSOS EM DIREÇÃO À JUSTIÇA AMBIENTAL GLOBAL Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Estadual da Paraíba em cumprimento às exigências para obtenção de grau de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Orientador: Prof. Dr. Valderí Duarte Leite João Pessoa 2009 É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na sua forma impressa como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a identificação do autor, título, instituição e ano da dissertação FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB B238m Barbosa, Anahi de Castro. Mecanismo de desenvolvimento limpo e fundo de adaptação [manuscrito] : passos em direção à justiça ambiental global / Anahí de Castro Barbosa, 2009. 102 f.: il. color. Digitado. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente). Universidade Estadual da Paraíba, Programa de Pós-Graduação e Pesquisa, 2009. “Orientação: Prof. Dr. Valderí Duarte Leite, Departamento de Química”. 1. Meio Ambiente. 2. Justiça Ambiental Global. 3. Mecanismo de Desenvolmento Limpo. 4. Fundo de Adaptação. I. Título. 22. ed. CDD 333.7 ANAHI DE CASTRO BARBOSA MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO E FUNDO DE ADAPTAÇÃO: PASSOS EM DIREÇÃO À JUSTIÇA AMBIENTAL GLOBAL Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Estadual da Paraíba em cumprimento às exigências para obtenção de grau de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Aprovado em: ___/___/___ BANCA EXAMINADORA _______________________________________ Prof. Dr. Valderi Duarte Leite - UEPB Orientador _______________________________________ Prof. Dr. Wilton Silva Lopes – UEPB Examinador Interno _______________________________________________ Profa. Dra. Rosilene Dias Montenegro – UFCG Examinador Externo A meu filho, Pietro, simbolicamente, representando as gerações do novo milênio, líderes responsáveis pela transformação do mundo. AGRADECIMENTOS Ao Criador de tudo, por nos permitir a participação no processo de criação dando oportunidade a cada um cumprir a missão co-criadora de acordo com suas potencialidades. À minha família pelo amor a mim dedicado, pelo respeito às minhas opções e suporte imprescindível. A Universidade Estadual da Paraíba por ter me proporcionado a possibilidade de realizar este trabalho, disponibilizando os meios para tal. Ao professor Prof. Dr. Valderí Duarte Leite, pela disponibilidade em me orientar, aliando competência, gentileza e respeito. Aos Dr. José Tavares de Sousa, Dr. Wilton Silva Lopes e a Dra. Rosilene Dias Montenegro que a despeito dos múltiplos afazeres se dispuseram a examinar este trabalho trazendo uma visão crítica. Aos colegas de curso, Adriana Bezerra, Silvana Torquato, Regilene Portela, Wedson Medeiros, Michelle Pimentel, Tércio Mota, Janiele França, Gabriela Joannes, Levi Soares e Gilberto Queiroz Filho, pela cooperação, solidariedade e amizade. A Marilene de Araújo Silva, secretária do PRODEMA, pela presteza e gentileza que sempre apresentou no desempenho de suas funções. A todos aqueles que direta ou indiretamente participaram da construção e desenvolvimento deste trabalho. O CAMINHO ADIANTE Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Tal renovação é a promessa dos princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a adotar e promover os valores e objetivos da Carta. Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local, nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa, e diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta visão. Devemos aprofundar expandir o diálogo global gerado pela Carta da Terra, porque temos muito que aprender a partir da busca iminente e conjunta por verdade e sabedoria. A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar escolhas difíceis. Porém, necessitamos encontrar caminhos para harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objetivos de curto prazo com metas de longo prazo. Todo indivíduo, família, organização e comunidade têm um papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as organizações não-governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é essencial para uma governabilidade efetiva. Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra com um instrumento internacional legalmente unificador quanto ao ambiente e ao desenvolvimento. Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida. CARTA DA TERRA / Prólogo RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar em que medida o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e o Fundo de Adaptação contribuem para a construção da Justiça Ambiental Global. Isto é, como se dá a construção da Justiça Ambiental Global a partir da análise do mecanismo de flexibilização MDL e do Fundo de adaptação, no âmbito do mercado de carbono; como o MDL e o Fundo de Adaptação afetam a distribuição de recursos internacionais de modo a promover justiça ambiental, social e econômica? A proposta não vai tratar apenas dos aspectos formais do MDL e do Fundo, e sim, procurar entender a complexidade das relações ambientais internacionais nos seus diversos aspectos ambientais, econômicos, políticos, sociais e culturais, de modo que serão explicitados os abismos entre os discursos e as ações efetivamente implementadas. Em 1992, foi estabelecida a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (UNFCCC) que teve como meta propor ações para que países do desenvolvidos signatários do protocolo de Kioto (Países do Anexo I) estabilizassem as concentrações de gases do efeito estufa GEE. A partir do Protocolo de Kioto (COP 3), os mecanismos de mercado passaram a ser utilizados, de modo que projetos ambientalmente sustentáveis e que levassem em conta as necessidades sociais fossem financiados na redução das emissões de GEE. No presente trabalho, foi desenvolvida uma metateoria de justiça para analisar como a UNFCCC e os mecanismos MDL e Fundo de Adaptação afetam os mecanismos de redistribuição de recursos de modo a promover maior equidade. Verificou-se que os agentes internacionais que mais se beneficiam com esses mecanismos, não são aqueles que mais necessitam. Países como Brasil, China, Índia e México lideram os projetos MDL, em detrimento de países menos desenvolvidos. Há um maior número de projetos de MDL em países com matriz energética “suja”, o que implica em estímulos positivos para tais países. Muitas vezes, projetos de MDL acabam representado formas de legitimar as emissões e manter o status quo. O Fundo de Adaptação ainda não foi implementado efetivamente. Muito embora o Fundo possua princípios que coadunem com os ideais de justiça, do ponto de vista material, é insuficiente. Este possui recursos escassos, contando com apenas 2% dos ativos provenientes de projetos MDL. ABSTRACT This study aims to examine the extent to which the Clean Development Mechanism (CDM) and the Adaptation Fund to help build the Global Environmental Justice. That is, as the CDM and Adaptation Fund to affect the distribution of international resources to promote environmental justice, social and economic. In 1992, the United Nations Framework Convention for Climate Change (UNFCCC) was established, which had as target Annex I countries to stabilize concentrations of greenhouse effect gases GHG. From the Kyoto Protocol (COP 3), the market began to be used, so that environmentally sustainable projects and to take into account social needs were financed in the reduction of GHG emissions. In the present study was a metatheory of justice developed to analyze how the UNFCCC and the mechanisms CDM and Adaptation Fund affect resources redistribution mechanisms to promote greater equity. It was found that the players that most benefit from these mechanisms are not those who need it most. Countries like Brazil, China, India and Mexico leading the CDM projects rather than less developed countries. There is a large number of CDM projects in "dirty" energy countries, which results in positive incentives for these countries. Often, CDM projects represents a way to legitimate GHG emissions and maintain the status quo. The Adaptation Fund has not yet been implemented effectively. Although the Fund has principles that line with the ideals of justice, it is financially insufficient. It has limited resources, with only 2% of assets from CDM projects. 1 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Impactos decorrentes do aquecimento global ....................................................... 48 Quadro 2 Metas dos Países (Anexo I) ................................................................................... 65 1 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Projetos de implementação conjunta por tipo de atividade ............................... 56 Gráfico 2 Proporção de projetos registrados por países .................................................... 81 Gráfico 3 Projetos MDL registrados por região ................................................................ 82 1 LISTAS DE FIGURAS Figura1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura 11 Representação do ideal de Justiça Global como interações complexas e assimétricas da Justiça Inter-estatal, transnacional e humana ................................. Esquema ilustrando o efeito estufa ......................................................................... Mudança na Temperatura Global e Continental ..................................................... Mudanças na Temperatura, no Nível do Mar e na Cobertura de Neve do Hemisfério Norte ..................................................................................................... Representação do Ciclo de um Projeto ................................................................... Representação da linha de base de um projeto MDL .............................................. Representação da Justiça Positiva ........................................................................... 35 43 45 47 69 70 x8 7 Representação da Justiça Infra-positiva .................................................................. 88 Representação da Justiça Supra-positiva ................................................................. 89 Representação do grau de aplicabilidade da Justiça Ambiental Global no âmbito do MDL e do Fundo de Adaptação ......................................................................... 90 Representação da Justiça Ambiental Global Normativa e Axiolóico ........................ 95 1 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Movimentação financeira no âmbito do Mercado de Carbono Oficial ................... 71 Tabela 2 Projetos MDL apresentados por região, dados de maio de 2009 ............................ 74 1 LISTAS DE SIGLAS AAUs Créditos de Carbono de Projetos de Implementação Conjunta AIJ Atividades Implementadas Conjuntamente AND Autoridade Nacional Designada BM&F Bolsa de Mercadorias e Futuros CCX Chicago Climate Exchange CERs Certificações de Redução de Emissões tCERs Certificações de Redução de Emissões temporárias lCERs Certificações de Redução de Emissões de longo prazo CH4 Molécula de metano CO2 Molécula de carbono CO2e.com Mercado de Carbono Voluntário COP Conferências das Partes CTNs Corporações Transnacionais EUA Estados Unidos da América EUAs Permissão de Emissões de Carbono ET Comércio de emissões EOD Entidade Operacional Designada GEE Gases responsáveis pelo fenômeno efeito estufa GWh Giga Watts hora HFCs Hidrofluorcarbonetos H2O Molécula de água IPCC Intergovernamental Panel of Climate Change LULUCF Land use, land-use change and forestry MBRE Mercado brasileiro de redução de emissões MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MOP Encontro da partes MW Mega Watts N2O Óxido nitroso 1 O3 Ozônio ODMs Objetivos do milênio OI Organização Internacional OMC Organização Mundial de Comércio ONGs Organizações Não Governamentais ONU Organização das Nações Unidas OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo PCF Prototype Carbon Fund PEDs Países em desenvolvimento PFCs Perfluorcarbono PFPE Projetos Florestais de Pequena Escala PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente SBSTA Convenção das Partes Subsidiárias para Apoio Científico e Tecnológico SF6 Hexafluoreto de enxofre SBI Convenção das Partes Subsidiárias para Apoio Financeiro SIDS Países em desenvolvimento formado por pequenas ilhas t Tonelada UNFCCC Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas WWF World Wildlife Fund SUMÁRIO CAPÍTULO I ......................................................................................................................... 16 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 17 CAPÍTULO II ....................................................................................................................... 22 2 TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E OS PRIMEIROS PASSOS EM DIREÇÃO À CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA GLOBAL ............ 23 2.1 PRESSUPOSTOS BÁSICOS ................................................................................... 2.2 CONSTRUTIVISMO SOCIAL: MATRIZ TEÓRICA PARA A CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO DE JUSTIÇA GLOBAL ........................................................ 24 2.2.1 Corrente construtivista das relações internacionais ............................................ 24 2.2.2 Uma metateoria de justiça ...................................................................................... 26 23 CAPITULO III ...................................................................................................................... 28 3 O MUNDO DAS PERCEPÇÕES MATERIALIZADAS NA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA GLOBAL: DA TEORIA DOS REGIMES INTERNACIONAIS ÀS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS .................. 29 3.1 O PAPEL DOS REGIMES INTERNACIONAIS .................................................... 29 3.2 AS DUAS FACES DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ........................ 30 3.3 CONSTRUINDO UM CONCEITO DE JUSTIÇA GLOBAL ................................. 34 3.3.1 Um conceito tridimensional de justiça .................................................................. 34 3.3.2 Justiça Inter-estatal ................................................................................................ 35 3.3.3 Justiça Transnacional ............................................................................................. 36 3.3.4 Justiça Humana. ...................................................................................................... 38 CAPÍTULO IV ...................................................................................................................... 4 CONTEXTO INTERNACIONAL ....................................................................... 40 4.1 FUNDAMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA AMBIENTAL GLOBAL ................................................................................................................ 41 4.1.1 Mudanças climáticas e efeito estufa ..................................................................... 42 2 4.2 MUNDO DAS PERCEPÇÕES MATERIALIZADAS POR UMA JUSTIÇA AMBIENTAL GLOBAL ........................................................................................ 49 4.2.1 4.3 História da emergência dos regimes internacionais de proteção ao meio ambiente ................................................................................................................. 49 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO REGIME DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS .... 53 4.3.1 A Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima ................ 53 4.3.1.1 Conferência das partes ............................................................................................ 54 4.3.2 Institucionalização do Protocolo de Kioto .......................................................... 62 4.3.2.1 Mecanismos de flexibilização ................................................................................. 63 4.3.2.2 Implementação conjunta ......................................................................................... 64 4.3.2.3 Comércio de emissões ............................................................................................. 65 4.3.2.4 Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) .................................................... 66 CAPÍTULO V ........................................................................................................................ 81 5 APLICABILIDADE DA TEORIA DE JUSTIÇA ............................................... 82 5.1 TEORIA DA APLICABILIDADE DE JUSTIÇA E ANÁLISE DO MECANISMO MDL E DO FUNDO DE ADAPTAÇÃO ....................................... 83 CAPÍTULO VI ...................................................................................................................... 91 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 92 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 96 CAPÍTULO I 17 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo analisar como se realiza a promoção e a construção da justiça global, a partir da análise das percepções de justiça e das relações entre agenteestrutura no âmbito do regime internacional de mudanças climáticas, mais especificamente, no contexto do mercado de carbono. Como não há um sentido absoluto de justiça que permeie todas as sociedades e todas as culturas; as especificidades de cada coletividade, de cada indivíduo refletem entendimentos diferentes de justiça. A subjetividade inerente ao tema justiça global prima pelo estudo das percepções de justiça dos agentes internacionais, na medida em que as mesmas, enquanto fatores ideacionais, afetam diretamente a compreensão de igualdade, equidade e direito dos agentes internacionais. Tomando como base essas percepções de justiça, os agentes vão cooperar e competir no âmbito das instituições sociais internacionais. Em que medida as Instituições sociais internacionais conseguem construir e promover a Justiça global, ou se o grau de justiça global aplicável é apenas reflexo das estruturas de poder? Compreendendo que regimes internacionais sejam instituições sociais internacionais, o regime internacional de mudanças climáticas será objeto de estudo. A hipótese principal é que a justiça global é promovida de acordo com a aplicabilidade dos projetos normativos1 propostos no dos pressupostos propugnados pelo regime de mudanças climáticas e a justiça global é construída em duas instâncias: em primeiro, no âmbito dos discursos nos quais as percepções de justiça podem ser apreendidas; e em segundo, no âmbito relacional em que a justiça2 é construída por negociações complexas e assimétricas, que dominam as instituições sociais internacionais. Nesse sentido, as seguintes premissas são importantes: 1. As percepções de justiça não são idéias dadas, e sim, construções sociais que variam no tempo, espaço e de acordo com crenças e valores particulares ao agente internacional específico. Tais percepções podem ser 1 Justiça global enquanto projeto normativo visa à redução das injustiças e iniqüidades, devendo identificar percepções de uma cultura cosmopolita encontrando uma demanda legítima por justiça; obrigações positivas e negativas para enforce a justiça; causas das injustiças (KOK-CHOR TAN, 1997). 2 Nesse sentido, justiça se refere à estrutura básica que orienta o sistema internacional de recompensas (RAWLS, 1977). 18 apreendidas nos discursos proferidos nas instituições sociais internacionais. 2. Há variadas formas de institucionalização no meio internacional como as práticas coletivas institucionalizadas, a emergência das organizações internacionais, regimes internacionais3. Tais instituições sociais internacionais pertencem ao mundo das percepções materializadas4 formado por práticas dos atores baseadas nos entendimentos coletivos de comportamento social apropriado e a partir do qual é possível apreender as percepções do agentes. Dessa forma, é possível observar as intenções (significados) que moveram as ações dos agentes e perceber a construção de identidades. 3. No âmbito relacional, é possível identificar uma assimetria profunda entre estados, de modo que há rule-makers e rule-takers (Hurrell e Woods, 1999), o que influencia na distribuição assimétrica de recompensas. 4. A definição de justiça global engloba valores, princípios e obrigações ditas “globais”, mas “não-universais”. Por exemplo, a sociedade global atual até pode apresentar de valores comuns e instituições geograficamente não limitadas, mas certamente não é universal, visto que não inclui terroristas e outros indivíduos e grupos que não aceitem valores liberais, democráticos e ocidentais (KEOHANE, 2003). A temática ambiental foi enfocada tendo em vista a sua importância e a urgência para que se propugne uma nova consciência ambiental. As mais recentes descobertas científicas (Intergovernamental Panel of Climate Change - IPCC5, 2007) indicam que o aumento da concentração de gases do efeito estufa (GEE) emitidos por fontes antropogênicas está alterando significativamente o equilíbrio do sistema do clima. Por conseguinte, o fenômeno das mudanças climáticas vem sendo considerado tanto pela comunidade científica quanto pela sociedade civil como uma das mais sérias ameaças para as formas de vida do planeta. O Relatório de Brundtland (1987) foi fruto de uma das primeiras conferências voltadas para a temática ambiental. Em Nosso Futuro Comum, a percepção de desenvolvimento sustentável ficou estabelecida como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Tal documento, contudo, também salienta a dicotomia Terra versus Mundo, que passa a ser um ponto emblemático perpassando todos os fóruns que enfocam a temática ambiental. 3 Será dada, contudo, maior atenção à análise das organizações internacionais (grau máximo de institucionalização) e regimes internacionais (grau menor de institucionalização) 4 Essa divisão é baseada na proposta de Kratochwil (1989) de mundo dos fatos brutos, o mundo da intenção e do significado, e o mundo dos fatos institucionais. 5 O grupo, criado pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pela Organização Meteorológica Mundial em 1988, reúne atualmente 2.500 cientistas de mais de 130 países e prevê mais chuvas fortes, derretimento de geleiras, secas e ondas de calor. 19 Essa visão (Terra versus Mundo) mostra como as percepções das ações humanas estão separadas da idéia de meio ambiente. Há um choque entre um espaço idealizado - construído e modificado pelo homem de acordo com seus valores e crenças - e o espaço constituído pelo conjunto de relações entre organismos e sistemas vivos cujo homem também faz parte, a Biosfera. Tais percepções são base para implementação de políticas públicas (nacionais e internacionais) e indicam uma teia de significados que perpassam a crise da política ambiental. Ao enfocar essa crise, é possível identificar uma problemática constante: a construção da Justiça Ambiental Global ante o sistema internacional vigente, é possível? A Justiça Ambiental Global é um tema muito vasto que atinge a todos, de modo que é perpassado por uma série de relações sociais, econômicas, ambientais e culturais em níveis múltiplos. Tais relações se delineiam em três níveis: sistêmico, nacional e transnacional. No nível sistêmico, observam-se as interações de conflito e cooperação entre os agentes internacionais (Estados, Corporações transnacionais, Organizações Internacionais). No nível nacional, pode ser identificada a competição entre os grupos de interesse que procuram influenciar a agenda da política externa do estado. E, no nível transnacional, é perceptível a atuação de uma série de agentes que desenvolvem redes de influência e comunicação que não passa pela diplomacia oficial (redes transnacionais de advocacy, ONGs, CTNs, indivíduos etc.), mas têm poder de influência, na medida que utilizam recursos midiáticos para exercer pressão junto à opinião pública internacional. Esses níveis não são estanques, na realidade, não podem ser separados, visto que todas essas esferas influenciam e são influenciadas no processo da governança global6. Os significados e valores compartilhados dos agentes internacionais em níveis múltiplos vão legitimar e priorizar determinadas ações. No âmbito da governança ambiental global, é possível identificar uma série de regimes internacionais voltados para a proteção ambiental internacional. O regime internacional de mudanças climáticas é, portanto, uma resposta histórica construída a partir das percepções sobre como as relações Homem - Meio Ambiente necessitam ser melhor delineadas. Para tratar do problema do efeito estufa e suas conseqüências (Rio 92), foi estabelecida a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (UNFCCC) que teve como meta propor ações para que países do ANEXO I estabilizassem as concentrações 6 O processo de governabilidade que ocorre no meio internacional. 20 de gases do efeito estufa GEE, de modo que a ação antrópica deixasse de representar uma ameaça ao clima do planeta. A Convenção do Clima entrou em vigor em 1994, desde então, são realizadas as Conferências das Partes (COP) para discutir o problema. Inicialmente, focou-se a necessidade de que todos os países trabalhassem em prol da mitigação do efeito estufa e estabeleceu-se que os países industrializados deveriam reduzir suas emissões (COP1 – Berlin, 1995). Determinou-se que países em desenvolvimento deveriam receber assistência tecnológica e financeira (COP 2Gênova, 1996); em 1997, as negociações culminaram com o Protocolo de Kioto (COP3) com o estabelecimento da redução de emissões em 5,2% dos países integrantes do ANEXO I. A partir do Protocolo de Kioto (COP 3), mecanismos de mercado passaram a ser utilizados como estratégia de redução das emissões de GEE. Nas COP 4 e 5, foi elaborado e implementado o plano de ação para os mecanismos de financiamento, transferência de tecnologia e desenvolvimento, implementação pelo UNFCCC e implementação coletiva dos mecanismos do Protocolo de Kioto. Na COP 6, definição de papéis operacionais para a implementação do Acordo de Bonn. Em Marraqueche, 2001, foram estabelecidos papéis operacionais para implementação do Protocolo de Kioto (COP 7). Em 2002, Nova Deli, foi feita a apresentação da ferramenta MDL- Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (COP8). Na COP 9 (2003) foram estabelecidos procedimentos do Manejo Florestal à luz do MDL; prosseguimento dos debates sobre a ratificação do Protocolo de Kioto. Na COP 10, foram debatidos desafios do futuro: impactos das Mudanças Climáticas e medidas de adaptação, políticas de mitigação e tecnologia. O desafio das mudanças climáticas e o seu risco potencial de afetar negativamente todo o planeta, é reconhecido, sobretudo os países em desenvolvimento, sendo necessária uma abrangente participação e cooperação em uma efetiva e apropriada resposta internacional à problemática, de acordo com os princípios da Convenção (Montreal – COP11). Na COP 12 (NAIROBI, 2006), definiram-se as condições de operacionalização do Fundo Especial de Mudanças Climáticas. Para que este plano de trabalho fosse exeqüível, procurou-se delimitar o tema da seguinte forma: no âmbito do mercado de carbono, foram selecionadas duas áreas conexas: o Mecanismo de Flexibilização (MDL) e o Fundo de Adaptação. O MDL e o Fundo de Adaptação são propostas que prevêem mecanismos de justiça distributiva, o que está de acordo com o intento do 21 trabalho. Todos os mecanismos de flexibilização visam reduzir os custos globais de implementação das metas de redução dos GEE. Contudo, apenas o MDL prevê a participação de países em desenvolvimento e mecanismos de justiça distributiva, tais como: transferência tecnológica e promoção do desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento. Além disso, a estratégia de adaptação, especialmente para países em desenvolvimento (PEDs), vem se tornando o foco principal dos debates entre cientistas e formuladores de políticas, por isso foi criado o Fundo de Adaptação. Assim, a pergunta que vai nortear o estudo aqui proposto é: como se dá a construção da Justiça Ambiental Global a partir da análise do mecanismo de flexibilização MDL e do Fundo de adaptação, no âmbito do mercado de carbono? Em outros termos, como o MDL e o Fundo de Adaptação afetam a distribuição de recursos internacionais de modo a promover justiça ambiental, social e econômica? A proposta não vai tratar apenas dos aspectos formais do MDL e do Fundo, e sim, procurar entender a complexidade das relações ambientais internacionais nos seus diversos aspectos ambientais, econômicos, políticos, sociais e culturais, de modo que serão explicitados os abismos entre os discursos e as ações efetivamente implementadas. No primeiro capítulo, há a introdução da dissertação, de modo a explicitar a problemática abordada e a forma como o trabalho será delineado. No segundo capítulo, será apresentado o arcabouço teórico sobre o qual é desenvolvido uma metateoria de justiça. A metateoria será utilizada para a análise do impacto do mecanismo MDL e do Fundo de adaptação na promoção de Justiça Ambiental Global. No terceiro capítulo, analisa-se o que ficou denominado como mundo das percepções materializadas para que se elabore um conceito tridimensional de justiça. No quarto capítulo, serão apresentados os fundamentos para a construção da Justiça Ambiental Global. Nesse contexto, serão salientados o fenômeno efeito estufa, a emergência do regime internacional de mudanças climáticas, e a operacionalização do Protocolo de Kioto, dando enfoque maior ao MDL e Fundo de adaptação. No quinto capítulo, será apresentada a discussão propriamente dita. Neste capítulo será analisado em que medida o discurso e a doutrina presentes na UNFCC condizem com as práticas da organização e qual o grau de aplicabilidade a Justiça Ambiental Global consegue atingir no sistema internacional vigente. Por fim, no sexto capítulo serão apresentadas as considerações finais. CAPÍTULO II 23 2 TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E OS PRIMEIROS PASSOS EM DIREÇÃO À CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA GLOBAL 2.1 PRESSUPOSTOS BÁSICOS A análise das relações internacionais pressupõe a distinção entre agentes e sistema. Quando um fenômeno específico é objeto de estudo, ele pode ser analisado tomando-se como ponto de referência o nível macro (sistema) ou o nível micro (unidades). O sistema, nível macro em que são travadas as relações entre agentes, torna-se o foco do estudo quando utiliza-se uma perspectiva top-down7. Nesse caso, as determinantes sistêmicas afetam as unidades. A natureza do sistema internacional, por exemplo, é a fonte fundamental da inexistência de uma cooperação intensiva entre Estados. Quando a ênfase é dada à escolha dos agentes, o fator determinante do fenômeno abordado é encontrado no nível micro (análise bottom-up8), assim as unidades, em suas interações, determinam o sistema. Por exemplo, os Estados como atores racionais tomam suas decisões visando maximizar seus benefícios e, assim, acabam determinando a conformação do sistema internacional. Os agentes internacionais compreendem toda e qualquer unidade que em sua relação com o outro afeta a conformação das relações materiais e as percepções das relações subjetivas dos outros agentes. Dada essa definição depreende-se que tanto Estados nacionais, assim como organizações internacionais, ONGs, CTNs, agentes privados, na medida em que produzem os efeitos abordados são considerados unidades do sistema. Se for dado um enfoque top-down em cada uma dessas unidades, estas serão vistas como subsistemas compostas por unidades menores, cuja interação vai afetar as respostas do subsistema aos estímulos externos. As burocracias, por exemplo, são unidades, na medida em que compõe Estados e OIs, mas também são sistemas, na medida, em que são compostas por indivíduos. Vale ressaltar que essa divisão entre sistema e unidade é meramente didática e se submetida a uma análise mais criteriosa, não encontra respaldo na realidade. Em se observando 7 8 Expressão em inglês comumente utilizada no estudo das relações internacionais que significa “de cima pra baixo”. Expressão em inglês comumente utilizada no estudo das relações internacionais que significa “de baixo pra cima”. 24 atentamente, o sistema é caracterizado pela existência de regras e instituições construídas continuamente pelo comportamento dos agentes (Estados, OIs, ONGs), os quais, por sua vez, são influenciados pela estrutura que caracteriza o sistema. Há uma co-constituição unidades-sistema. Trata-se de uma relação concomitante de reconstrução mútua. Dessa forma, cada conseqüência produzida no sistema internacional é fruto de um movimento aplicado por um agente (ROCHA, 2002). 2.2 CONSTRUTIVISMO SOCIAL: MATRIZ TEÓRICA CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO DE JUSTIÇA GLOBAL PARA A 2.2.1 Corrente construtivista das relações internacionais Na década de 1980, percebeu-se uma convergência entre o neorealismo e neoliberalismo que ficou conhecida como neo-neo synthesis – a síntese racionalista. Tanto o neorealismo quanto o neoliberalismo compartilham um programa de pesquisa racionalista, de uma mesma concepção de ciência, e estudam como melhor atuar segundo as premissas da anarquia e investigar a evolução da cooperação e como as instituições afetam o meio internacional; já os reflexivistas compõem a outra face do debate. Keohane (1988) apresentou duas abordagens às instituições internacionais: racionalistas (compostos pelos neorealistas e neoliberais) e os reflexivistas (compostos por aqueles que destacavam novas abordagens críticas estimulados pelo pós-modernismo francês, pela escola de Frankfurt, entre outras). A perspectiva construtivista das relações internacionais compõe a abordagem reflexivista. As idéias que formam as premissas construtivistas podem ser remontadas a Durkheim e Weber (JATOBÁ, 2003). O papel dos fatores ideacionais na vida social e como as idéias se mostram causativas são contribuições durkheimianas. Os fatos sociais são conformados pela combinação dos fatos individuais – práticas lingüísticas, crenças religiosas, normas morais, entre outros fatores ideacionais – por meio das interações sociais, por isso as idéias semeadas por indivíduos podem expressar força social. Quando convertidos em fatos sociais, os fatores ideacionais passam a ter 25 influência sobre o comportamento social subseqüente. Já Weber apud Jatobá (2003) trouxe grande contribuição ao construtivismo na medida que ressalta a importância de se interpretar o sentido e o significado atribuídos à ação social: a interpretação empática (verstehen). Diferentemente das epistemologias positivistas baseadas em modelo hipotético dedutivo dos racionalistas, o construtivismo compreende que além do mundo material, os fatores ideacionais são constitutivos da realidade social. Essa abordagem científica se baseia em uma epistemologia interpretativa que se preocupa com os interesses e identidades dos agentes e focaliza os padrões de interação das práticas sociais (JATOBÁ, 2003), possui, portanto, uma concepção ontológica relacional, isto é, a relação agentes-estrutura é entendida como uma construção mútua sem anterioridade prévia de uma das partes. Em O Mundo como vontade e representação, Schopenhauer entende que a representação do mundo material é tudo aquilo que aparece na mente como imagem que é associada a um entendimento. É uma forma de se falar que a realidade é construída pela imagem que se tem do mundo exterior, mas o mundo exterior, em essência, não é a imagem. O construtivismo parte de premissas semelhantes. A percepção que se tem da realidade forma o conjunto de pressupostos com base nos quais o indivíduo age. Não é a realidade em si que vai ser referencial para as atitudes de alguém, mas a percepção que se tem dessa realidade. Quando Saddam Hussein invadiu o Kwait, o presidente George Bush ficou perplexo não pela falta de informação acerca das intenções do presidente iraquiano - a inteligência americana informava-o constantemente a respeito da mobilização das tropas iraquianas – mas devido à falsa percepção bushiana de que Saddam não seria irresponsável o suficiente para invadir o país vizinho. Wendt (1999) mostra, por exemplo, que embora a Grã-Bretanha apresente um arsenal militar muito superior ao da Coréia do Norte, aos olhos dos EUA a mesma não parece mais ameaçadora que o país asiático. Como as decisões são tomadas tendo como base essas percepções, faz-se necessário estudar esse aspecto subjetivo da realidade. O aspecto material da realidade se interrelaciona com a ação humana, há uma coconstituição mútua nessa relação. O fruto do intercâmbio entre o mundo das percepções (subjetivo) e o mundo dos aspectos materiais (objetivo) é o mundo das percepções materializadas (subjetividade objetivada). Essa divisão é baseada em Kratochwil (1986) que envolve respectivamente: o mundo dos fatos brutos, o mundo da intencionalidade e significados e o mundo dos fatos institucionais. O meio internacional não pode ser entendido, portanto, 26 analisando apenas a disposição de recursos entre os agentes (aspecto material), mas também a partir das percepções desses agentes (mundo subjetivo próprio a cada agente) e da relação destes com o mundo das percepções materializadas cuja maior expressão são as práticas coletivas institucionalizadas, o que engloba práticas sociais consolidadas, a emergência das organizações internacionais, regimes internacionais etc. Quando os agentes internacionais compartilham idéias que afetam seu poder e interesses e que geram tendências de comportamentos no sistema internacional (WENDT, 1999), pode-se dizer que compartilham uma mesma cultura. A cultura internacional é, então, fruto da interconexão e superposição das culturas presentes no meio internacional. Quando há uma predominância da cultura realista no regime analisado, há uma tendência à desconfiança mútua entre agentes, provavelmente os temas relacionados a segurança serão tidos como prioridade. Sob formas mais radicais do realismo, o agente pode entender, por exemplo, que as organizações internacionais não passam de epifenômenos do meio internacional, não afetando de modo algum a distribuição de vantagens internacionais. Não há uma linearidade exata nos comportamentos, e sim, tendências de comportamentos. Dessa forma, os mesmos agentes que em determinado regime pautam sua ação tendo como base preceitos realistas, ao serem abordados em outra área, podem agir segundo preceitos liberais. Assim, a cultura observada em um regime específico pode ser considerada um forte indício dos comportamentos dos agentes envolvidos naquele regime. 2.2.2 Uma metateoria de justiça Uma das principais contribuições do construtivismo social é a adição dos fatores ideacionais na análise das relações internacionais (JATOBÁ, 2003). Não há uma negação das teorias racionalistas, mas há uma crítica a suas limitações por não atribuírem a importância devida às percepções dos atores internacionais. As teorias são construtos sociais, não podem abarcar a totalidade de uma realidade e estão intimamente vinculadas ao tempo e local em que foram construídas. Da mesma forma, não há teorias neutras, o conhecimento não é puro, sendo influenciado pelas diversas esferas da vida humana. Uma teoria construtivista de justiça não está isenta das limitações ressaltadas e a principal dádiva que se tem é a consciência dessa limitação. 27 O construtivismo dá um enfoque especial ao mundo das percepções materializadas, isto é, o mundo ao qual pertence as formas de institucionalização do meio internacional. A teoria construtivista de justiça desenvolvida no presente trabalho procura demonstrar como essas formas de institucionalização promovem justiça, analisando tanto o mundo dos aspectos materiais quanto o mundo das percepções. Tem-se, então, uma metateoria de justiça que abarca a justiça material, justiça das percepções e justiça das formas institucionalizadas. O critério de validação dessa teoria seria a contrapartida dada pela cultura internacional, isto é, a validade dessa metateoria deve estar de acordo com as percepções e idéias compartilhadas pelos agentes internacionais. A dimensão da justiça material tem como escopo a distribuição de recursos materiais entre os Estados e como essa distribuição afeta as pessoas vinculadas aos Estados. A dimensão das percepções materializadas compreenderia o funcionamento das formas de institucionalização, isto é, como as instituições perpetuam ou não as desigualdades. Trata-se de uma dimensão de justiça que se propõe a analisar como o papel das instituições afetam o mundo e como aquelas são afetadas por este. A dimensão das percepções diz respeito aos entendimentos que se tem de justiça o que está relacionado a idéias e valores. Essa dimensão vai avaliar se a distribuição material é justa e se as formas de institucionalização são justas ou reproduzem as injustiças. Essa avaliação está intimamente relacionada às suposições de “ser” e “dever ser”, algo é tido como injusto quando comparado a um ideal (dever ser) de justiça. Caso os mundos dos aspectos materiais e das percepções institucionalizadas desenvolvam relações que tenham um desempenho (ser) semelhante ao que se espera (dever ser), essas relações serão tidas como justas. Por fim, a cultura predominante na área analisada vai validar essa percepção de justiça. CAPÍTULO III 29 3 O MUNDO DAS PERCEPÇÕES MATERIALIZADAS NA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA GLOBAL: DA TEORIA DOS REGIMES INTERNACIONAIS ÀS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 3.1 O PAPEL DOS REGIMES INTERNACIONAIS O mundo das percepções materializadas é composto pelos padrões de interação internacional, isto é, pelas práticas dos atores baseadas nos entendimentos coletivos de comportamento social apropriado (JATOBÁ, 2003). Por meio desses processos será possível observar as intenções (significados) que moveram as ações dos agentes e perceber a construção de identidades. As formas de institucionalização têm manifestações variadas, será dada ênfase, contudo, a dois tipos de institucionalização: regimes internacionais e organizações internacionais. A teoria dos regimes internacionais consegue mostrar parte da complexidade da realidade quando esta envolve uma pluralidade de ordens legais e múltiplos centros de poder interagindo. A governança global não pode ser explicada apenas em função das grandes potências ou analisando exclusivamente as organizações internacionais formais. Apesar das críticas à definição, regimes internacionais são consensualmente entendidos como “conjunto de princípios implícitos ou explícitos, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão em torno das quais as expectativas dos atores convergem em determinada área das relações internacionais” (KRASNER, 1983, p. 5). A primeira parte da definição reflete a estrutura normativa (princípios e normas); a segunda parte é seu aspecto instrumental, o que compõe regras e procedimentos de tomadas de decisões. Os princípios e normas seriam características “constitutivas” da instituição específica, regras e procedimentos de tomada de decisão seriam características operacionais. Assim, mudanças nas características constitutivas são “mudanças de regime”, enquanto variações nas características operacionais seriam “mudanças no regime”. Por fim, os regimes estão relacionados a uma determinada área das relações internacionais, na medida em que não se concebe a política mundial como algo monolítico e homogêneo. Essa teoria procura mostrar a complexidade de forças que trabalham em um determinado domínio e se casa com a contribuição da interdependência complexa. O Estado não mais pode ser 30 visto como ator unitário racional, mas como uma série de interseções burocráticas e institucionais das diversas áreas da política que vem sendo cada vez mais infiltradas por forças domésticas e transnacionais. As três partes (normativa, procedimental, área específica) que compõem a definição de Krasner (1983), revelam as órbitas em que os resultados podem ser afetados pelos regimes. Se as normas e os princípios silenciam quanto às desigualdades, o regime em questão pode, de forma omissa, contribuir com o recrudescimento das injustiças no mundo. Com relação ao aspecto procedimental, por mais que o regime se baseie em princípios justos, as regras e procedimentos podem não refletir a estrutura normativa. Por fim, a área específica de que trata o regime pode ser mais propensa ou não à promoção de justiça. 3.2 AS DUAS FACES DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS As organizações internacionais formais compõem o aspecto mais palpável do mundo das percepções materializadas, destacam-se com relação às outras formas de institucionalização por apresentarem caráter permanente, aparatos burocráticos, orçamentos e por possuírem uma sede. Esses organismos são fruto da institucionalização da relação entre Estados, podem ter caráter universal ou regional e visam à cooperação internacional e à solução conjunta de problemas comuns. Analisar como as organizações internacionais afetam o meio internacional na promoção da justiça global envolve observar as percepções quanto aos três mundos anteriormente abordados: mundo dos aspectos materiais; mundo das percepções; mundo das percepções materializadas. O mundo das percepções está intimamente ligado aos valores e princípios que regem a organização. Esses valores podem ser extraídos do tratado constituinte da organização e, geralmente, estão relacionados à função para qual a organização foi criada. Essas percepções são construtos humanos e vão variando com o tempo. A modificação dos valores das próprias OIs podem ser analisados tanto nos discursos (relatórios, proposições etc.) quanto na proposição e criação das normas que se tornam um instrumento ativo de se afetar o meio internacional. Tais 31 valores e princípios constitutivos vão trazer os indícios sobre como a OI percebe o aspecto material da realidade e como ela se propõe a lidar com o mesmo. Como, então, as OIs afetam o meio internacional? De que forma elas podem afetar o sistema de distribuição de vantagens e recursos? Que papel desempenham na promoção de justiça? As OIs compõem o mundo das percepções materializadas e, por definição, pertencem a um mundo que tem um papel muito importante na definição de interesses e na formação das identidades dos agentes internacionais. É no âmbito das OIs que as ações e os discursos dos atores tomam sentido. Nesse aspecto, pode-se ressaltar a definição de instituições internacionais como o meio pelo qual os Estados cooperam e competem, modificando-a um pouco para que se adeqüe melhor à proposta do trabalho de dar visibilidade aos agentes não-estatais do meio internacional. Nesse sentido, as OIs podem ser entendidas como um conjunto de normas que estipulam o meio pelo qual agentes internacionais cooperam e competem. Essa compreensão ressalta o aspecto “passivo” das OIs, na medida em que são uma arena em que os agentes internacionais atuam. Nesse aspecto, elas são fruto da criação de padrões das práticas sociais e refletem a disposição do poder no meio internacional e, a depender da cultura internacional, podem ser entendidas como meros arranjos temporários que facilitem a consecução dos objetivos em questão. A face passiva das OIs transparece as assimetrias do meio internacional. Elas são a arena em que os rule-makers9 e rule-takers10 (HURREL; WOODS, 1999) participam de processos complexos de barganha que, a depender da área, tendem a refletir o peso desmesurado dos rulemakers. As relações assimétricas de poder do meio internacional tendem a ser traduzidas e verificadas nesses palcos de proporções menores, as OIs. Nesse sentido, dificilmente pode-se falar em aspirações de justiça baseadas em princípios universais que sejam, de fato, um guia para as ações estatais. Pode haver uma retórica em prol dos princípios de justiça, mas as ações percebidas no âmbito das OIs vão adquirir significado que se mostrarão ou não favoráveis a tais princípios. O mundo das percepções dos estados tende a defender princípios de justiça relacionados aos direitos no âmbito inter-estatal como soberania, não intervenção, autodeterminação. Embora 9 Termo em inglês que significa “fazedores de regras” Termo em inglês que significa aqueles que aceitam, seguem as regras apresentadas 10 32 o próprio estado sinta os efeitos da interdependência relaxando suas fronteiras redefinindo seu papel no meio internacional, esse agente internacional se ressente de suas perdas e tende a reagir tomando como base princípios de autoafirmação. Essa cultura fragiliza o impacto das OIs na promoção dos objetivos almejados, o que também se aplica ao caso da justiça. Há, portanto, obstáculos na implementação da justiça, já que as OIs não têm autonomia suficiente para a execução de projetos independentemente dos interesses dos Estados-membros. O que foi exposto, até então, pode levar à conclusão de que a atuação das OIs é pouco relevante para o meio internacional, que afetam de uma forma muito tênue a estrutura do sistema de distribuição de vantagens e, portanto, a tentativa de promoção da justiça global não passa de um exercício retórico que pouco será ouvido. As OIs, contudo, apresentam duas facetas: uma passiva, já exposta e analisada, e outra ativa. A depender das percepções de quem as analisa será mais enfatizada uma ou outra. Normalmente, o seu aspecto ativo é desqualificado e obtém respaldo menor, há, contudo, considerações importantes a serem ressaltadas que muitas vezes são subestimadas por aqueles que julgam passivas as OIs. Com a crescente institucionalização das “regras do jogo” internacional, há uma ampliação da diplomacia operada no âmbito das OIs, que acabam se transformando em fóruns intergovernamentais (DUVAL, 2005) onde a atuação dos demais atores não-estatais é crescente. O impacto dessas instituições internacionais, nessa perspectiva, vai se mostrando cada vez maior nas relações internacionais. A face ativa das OIs não pode ser negligenciada. Tal influência pode ser percebida, por exemplo, na faculdade de estabelecer, juntamente com os estados, a agenda internacional e na elaboração de normas em prol de seus objetivos, já que são sujeitos do direito internacional e detêm legitimidade pra tal. Ao propor temas para agenda internacional, as OIs conseguem mover uma força a priori sutil, mas que apresenta cada vez mais peso no meio internacional: mobilizar a sociedade civil global - “o espaço de atuação e pensamento ocupado por iniciativas de indivíduos ou grupos, de caráter voluntário e sem fins lucrativos, que perpassam as fronteiras dos estados” (HERZ; HOFFMANN, 2004). A opinião pública internacional exerce uma pressão difícil de ser quantificada, mas que apresenta importância crescente, de modo que tanto a boa reputação quanto a vergonha no meio internacional são significativas influências no comportamento dos estados. 33 Outro ponto a ser ressaltado está relacionado com a face aparentemente passiva das OIs. Na medida em que essas organizações são palco para interação de outros agentes internacionais, elas acabam influenciando fortemente na socialização e aprendizado dos demais agentes, além da formação de interesses e identidades dos mesmos. Do ponto de vista funcionalista, pode-se ressaltar ainda a importância do design institucional da organização e a relação objetivos-resultados como fatores que influenciam o desempenho da face ativa dessas organizações. A efetividade das organizações vai depender, portanto, de fatores endógenos e de fatores exógenos os quais vão variar de acordo com a área temática. A realidade que se apresenta é, portanto, complexa. A contemporaneidade vem sendo marcada por uma série de transformações e redefinições de idéias, valores e conceitos que se expressam de modo dialético. A concepção de poder é um exemplo. Muito embora o Estado possua, em última instância, o poder de decisão, o poder de dar visibilidade a novos temas e questões, testar abordagens e propostas inovadoras, angariar recursos e assegurar sua implementação, está aberto a uma série de novos agentes internacionais, dentre eles, pode-se destacar o papel das OIs (OLIVEIRA, 2005). A ONU, por exemplo, ao invés de se tornar uma instituição com uma macroburocracia, deve investir na sua habilidade em trazer agentes estatais e não-estatais em torno de agendas comuns. As Organizações Internacionais são construções sociais que afetam e são afetadas pelo sistema internacional e pela cultura internacional. Sendo um palco em que forças contraditórias que travam negociações complexas nos campos político e jurídico, as OIs, por sua vez, são mais um elemento a recrudescer essa complexidade. 34 3.3 CONSTRUINDO UM CONCEITO DE JUSTIÇA GLOBAL 3.3.1 Um conceito tridimensional de justiça Não há um sentido absoluto de justiça que permeie todas as sociedades e todas as culturas. As especificidades de cada sociedade, cada comunidade e cada indivíduo refletem entendimentos diferentes de justiça, sendo essas distintas percepções intrinsecamente relacionadas com o contexto histórico, social, econômico e psicológico em que se enquadram esses sujeitos, por isso é importante analisar o papel das idéias e crenças sobre justiça global e como elas afetam a política mundial. Justiça global compreende uma série de percepções legitimadas por princípios e entendimentos morais que envolvem aspirações a direitos, equidade e igualdade. Essas percepções são permeadas por subjetivismo e particularidades construídas nas mais diversas esferas de atuação da sociedade. Como não é possível materializar perfeitamente as percepções sobre o ideal de justiça, as demandas por justiça serão a base para identificar seus sujeitos reivindicadores. No meio internacional, podem-se encontrar três esferas demandantes de justiça: justiça inter-estatal, justiça transnacional e justiça humana. O Estado, a sociedade civil transnacional e o indivíduo são os reivindicadores cujas percepções vão conformar um conceito tridimensional de justiça. Essas percepções competem entre si e se complementam por meio de relações de influência mútua, o que torna a realidade perceptível complexa. Justiça não se limita ao direito, mas a partir do direito é possível apreender percepções sobre justiça. As percepções de justiça dos Estados estão relacionadas ao princípio da soberania (aspecto formal) e à distribuição de recursos no meio internacional (aspecto material). Com o relaxamento do princípio da soberania, a sociedade civil transnacional emerge trazendo reivindicações sobre direitos que anteriormente eram jurisdição exclusiva do Estado, como os direitos humanos. No meio internacional, há uma mudança de foco do Estado para o indivíduo, o que pode ser percebido por meio das transformações no direito internacional. Na figura 1, tem-se a representação do ideal de Justiça por parte dos demandantes de Justiça. 35 Justiça Global Justiça Inter-estatal Justiça Humana Justiça Transnacional Figura 1: Representação do ideal de Justiça Global como interações complexas e assimétricas da Justiça Inter-estatal, transnacional e humana. 3.3.2 Justiça Inter-estatal A justiça inter-estatal tem como escopo as percepções de justiça demandadas por Estados. Com relação à justiça formal, a idéia de que todos os Estados, independentemente de características específicas como composição étnica, ideológica, territorial, detêm os mesmos direitos e responsabilidades no meio internacional (BULL, 2002) está intimamente relacionada com o princípio da soberania. Tal princípio, que excetua as ingerências externas no campo doméstico, funciona como um critério ordenador que ajuda a construir tanto o modo como o meio internacional se apresenta quanto ajuda na conformação das identidades e interesses dos Estados. Observar historicamente as mudanças a respeito das concepções sobre soberania implica em reconhecer indícios que demonstram as modificações nas demandas dos Estados por justiça. A soberania westphaliana se tratava de um entendimento ideal de não intervenção. A contribuição weberiana de soberania reza que o Estado exerce legitimamente o controle territorial, que deve utilizar os meios de coerção e taxação de recursos para poder ser reconhecido. Na guerra fria, os critérios de reconhecimento englobavam além das premissas weberianas, a capacidade de assumir obrigações internacionais e alinhamento político. Já no século XX, a idéia de soberania condicional vai tomando corpo, tendo em vista a intrusão progressiva de outros agentes na órbita doméstica. 36 No fim do século XX, a soberania se mostra fortemente ligada ao controle das redes financeiras, informações, fluxo de matéria-prima. O aumento da interdependência, as inovações nas comunicações e na tecnologia da informação e a globalização trazem mudanças na natureza das fronteiras. Há um questionamento a respeito das concepções tradicionais, o controle territorial vem perdendo importância, e o hegemon é reconhecido pelo seu envolvimento e seu controle sobre redes financeiras, informacionais e tecnológicas (BIERSTEKER, 2005) As atuais demandas estatais por justiça não envolvem apenas o controle territorial e autodeterminação nacional, mas também o controle e a produção de conhecimento, tecnologia e o gerenciamento da sua soberania diluída. Há uma tendência global ao contínuo relaxamento do exercício da autoridade estatal, seja por meio de atribuições a organizações internacionais, seja por meio da terceirização de serviços prestados por ONG’s. Sob o aspecto material, os Estados mais pobres demandam uma realocação de recursos como forma de diminuir as iniqüidades internacionais, o que está intimamente relacionado com a justiça distributiva. Para tal, seria necessária a implementação de um “princípio da diferença” (RAWLS, 1977) adaptado para o meio internacional. Pode-se dizer que a meta de 0,7% do PIB dos países desenvolvidos para a ajuda oficial ao desenvolvimento é um embrião oficial de redistribuição de recursos. Não se trata de uma redistribuição direta aos países em desenvolvimento, mas são recursos alocados no âmbito dos ODMs. É preciso, contudo, que mais recursos sejam disponibilizados e canalizados para que as políticas públicas internacionais tenham maior alcance e eficácia, o grupo de trabalho sobre mecanismos inovadores de financiamento - grupo de trabalho criado no âmbito da Ação Internacional contra a pobreza e fome - vem estudando outras opções (AMORIM, 2005). 3.3.3 Justiça Transnacional A justiça transnacional compreende as reivindicações por justiça demandadas pela sociedade civil transnacional. A sociedade civil transnacional compreende o âmbito de participação e articulação dos indivíduos e associações, além do conjunto de redes relacionais 37 que preenchem esse espaço e conectam seus componentes através das fronteiras nacionais, motivados por propósitos políticos, sociais ou culturais (FONSECA, 2002). Os cidadãos estão cada vez mais se organizando e utilizando canais da sociedade civil para participação de temas globais, o que redefine o padrão das relações internacionais tradicionais. O poder das suas demandas por justiça não compreende decidir e impor políticas públicas necessárias, mas sim, identificar problemas, propor, reivindicar, dar voz a novos atores, reivindicar e influir (OLIVEIRA, 2005). A sociedade civil transnacional é composta principalmente por: 1) movimentos sociais transnacionais - indivíduos e grupos que se juntam com o objetivo de transformar o status quo; 2) coalizões ou redes transnacionais – ligações entre diversos tipos de organização, que embora se mantenham independentes, atuam em conjunto para promover uma determinada atividade; 3) redes de advocacia – tipo particular de rede, onde seus participantes compartilham valores e discursos, buscando defender uma causa e promover novas idéias no debate político; 4) redes de políticas globais – redes que incluem setores governamentais; 5) comunidades epistêmicas; 6) organizações não-governamentais – organizações voluntárias organizadas por indivíduos e grupos que contam com um documento constituinte e uma sede permanente (HERZ; HOFFMANN, 2004). Esses grupos atuam em diversos setores como direitos humanos, meio ambiente, combate à pobreza, combate à corrupção etc. O Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafio e Mudanças identificou seis categorias de ameaças à segurança internacional: 1) ameaças de caráter econômico e social, pobreza, doenças infecciosas, degradação ambiental; 2) conflitos entre Estados; 3) conflitos intra-Estado, guerra civil, genocídio; 4) armas de destruição em massa; 5) terrorismo; 6) crime organizado internacional (SOARES, 2005). Como se pode perceber, a maioria das ameaças desconhece as fronteiras estatais. Da mesma forma, os meios que a sociedade civil transnacional utiliza para comunicação e mobilização em prol de demandas por justiça superam as delimitações dos Estados. Esses fenômenos são conseqüências do processo de globalização no qual emerge uma nova configuração do meio internacional que cada vez mais se aproxima da interdependência complexa. Historicamente, percebe-se uma mudança gradativa de foco com relação aos demandantes de justiça no meio internacional, há uma passagem gradativa da importância dos direitos do Estado, passando por uma maior atuação da sociedade civil em prol dos direitos humanos, o que 38 direciona a atenção para o indivíduo como sujeito de direitos resguardados no meio internacional. Tradicionalmente, o Estado possuía o direito de dispor das vidas de seus súditos em prol de uma raizon d’État. Com a ascensão do Estado moderno e o advento das revoluções liberais, o respeito aos direitos dos indivíduos deveria ser segurado pelo soberano, tratando-se, portanto, de um assunto do âmbito doméstico. A globalização econômica, mundialização de problemas, o relativo enfraquecimento das capacidades do Estado e a redefinição das estratégias de desenvolvimento social são fatores que mostram um ambiente internacional favorável à internacionalização dos direitos humanos, o que contribui também para a atuação dos indivíduos e ONGs (FONSECA, 2002). Como foi ressaltado, entende-se que a maioria dos problemas enfrentados pela humanidade, não só transcendem as fronteiras e competências dos Estados, como dificilmente podem ser resolvidos por ações estatais centralizadas. 3.3.4 Justiça Humana A justiça humana tem como foco as demandas de justiça do indivíduo cujas principais considerações são expressas pelos direitos humanos. Segundo John Rawls (1999), os direitos humanos são padrão mínimo exigido pelos Estados, cujas instituições políticas sejam bem organizadas para serem membros da sociedade internacional (ideal)11. Charles Beitz (1999) infere que qualquer teoria sobre justiça internacional deva incluir considerações sobre direitos humanos, visto que servem como termo de referência para a política externa de muitas democracias liberais. Esses direitos são padrões normativos para políticas de instituições internacionais financeiras e instituições internacionais voltadas para o desenvolvimento e conformam a base de apelação que legitima as intervenções internacionais ou supranacionais nos casos de disputas domésticas “irresolvíveis”. Pode-se dizer que os direitos humanos desenvolvem um papel institucional, isto é, operam padrões a serem aplicados tanto nas instituições domésticas quanto nas instituições 11 Foi acrescentado o termo “ideal” porque o arcabouço teórico rawlsiano é construído sobre um tipo ideal de sociedade internacional o qual é confrontado pela realidade não ideal. 39 internacionais. Esses direitos servem de base para atuação de uma série de ONGs ao primar por transparência dos agentes estatais e ao criticar as ações políticas dos estados infratores. Até pelo fato de desempenhar um papel central na vida internacional, falta aos direitos humanos uma doutrina amplamente aceita. Um dos principais problemas está relacionado à percepção de que os valores orientadores dos direitos humanos são promotores da justiça (individual) global. Muitas sociedades possuem como base percepções diferentes de justiça, de modo que esses direitos não são legítimos e dificilmente serão aplicados nessas sociedades. Falase na universalidade dos direitos humanos, de modo que sua aplicação em cada região traz uma complementaridade ao projeto universal. Contudo, há valores, idéias e percepções amplamente difundidos e incrustrados na estrutura das relações sociais que corroboram injustiças e iniqüidades que dificilmente se ajustam aos princípios defendidos pelos direitos humanos. A despeito do choro silencioso de muitas “mulheres de Atenas”, uma comunidade em que a humilhação das mulheres é algo fundamentado legalmente, amplamente aceito e legítimo terá sérios conflitos na implementação destes direitos. CAPÍTULO IV 41 4 CONTEXTO INTERNACIONAL 4.1 FUNDAMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA AMBIENTAL GLOBAL Justiça global não pode ser entendida como um contraponto à justiça local ou regional, mas a uma série se idéias e percepções de justiça baseadas em valores compartilhados por uma sociedade global, mas não universal. Isto é, são preceitos aceitos em uma escala que ultrapassa as fronteiras nacionais, mas que não são vistos como legítimos por toda a humanidade. O parâmetro utilizado para se afirmar que existe uma sociedade global é a existência de um vasto número de documentos (tratados, convenções internacionais) ratificados por várias entidades políticas (Estados, Organizações internacionais) que expressam ideais comuns. Entretanto não se pode falar em sociedade universal, na medida em que há muitas sociedades políticas e econômicas organizadas (estados, crime organizado, organizações terroristas, entre outras) compartilham um arcabouço de valores e ideais de justiça diferentes dos ideais dominantes. Justiça Ambiental Global, então, seria o conjunto de percepções legitimadas por aspirações a direitos, equidade e igualdade compartilhadas no âmbito do regime internacional de Meio Ambiente. Este foi especificamente desenvolvido para regular as formas de produção, distribuição e uso dos recursos, a desertificação da Terra, poluição dos mares, emissão de gases causadores do efeito estufa, emissões e outros males que possam atingir os ecossistemas. O escopo da justiça ambiental global não se resume aos temas diretamente envolvidos com o viés “ambiental”, de modo que está relacionado com tudo que trouxer implicações ao meio ambiente. A justiça ambiental global é um tema muito vasto que atinge a todos, de modo que é perpassado por uma série de relações sociais, econômicas, ambientais e culturais em níveis múltiplos. Tais relações se delineiam em três níveis: sistêmico, nacional e transnacional. No nível sistêmico, observam-se as interações de conflito e cooperação entre os agentes internacionais (estados, corporações transnacionais, organizações internacionais). No nível nacional, pode ser identificada a competição entre os grupos de interesse que procuram influenciar a agenda da política externa do estado. E, no nível transnacional, é perceptível a atuação de uma série de 42 agentes que desenvolvem redes de influência e comunicação que não passa pela diplomacia oficial (redes transnacionais de advocacy, ONGs, CTNs, indivíduos etc.), mas têm poder de influência, na medida que utilizam recursos midiáticos para exercer pressão junto à opinião pública internacional. Esses níveis não são estanques, na realidade, não podem ser separados, visto que todas essas esferas influenciam e são influenciadas no processo da governança global12. Os significados e valores compartilhados dos agentes internacionais em níveis múltiplos vão legitimar e priorizar determinadas ações. No âmbito da governança ambiental global, é possível identificar uma série de regimes internacionais voltados para a proteção ambiental internacional. Para avaliar em que medida a comunidade internacional está comprometida com a construção da justiça ambiental global, propõe-se a análise do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e do Fundo de Adaptação que compõem o Regime de Mudanças Climáticas. 4.1.1 Mudanças climáticas e efeito estufa A atmosfera é composta por 99% pelos gases oxigênio, nitrogênio e Argônio (HOUGHTON, 1997). A composição exclusiva da atmosfera por parte desses gases refletiria significativamente no clima terrestre, o que resultaria em uma temperatura média de 30º C inferior à temperatura média atual. Nesse cenário, a radiação proveniente da luz solar seria amplamente refletida, de modo que a Terra apresentaria uma temperatura média de – 6º C. Contudo, a presença dos gases remanescentes (1%) impede que parte da transmissão de calor seja refletida para o espaço exterior (CAMPOS, 2001). A retenção do calor origina o efeito estufa e faz com que a terra mantenha um ambiente propício para o desenvolvimento da vida. Os gases responsáveis pelo fenômeno efeito estufa (GEE) são encontrados naturalmente na atmosfera tais como: dióxido de carbono (CO2), vapor d’água (H2O), óxido nitroso (N2O), ozônio (O3) e metano (CH4). O vapor d’água é o maior responsável pelo efeito estufa, sendo o dióxido de carbono o segundo mais importante, na medida em que é lançado continuamente na atmosfera por fontes naturais ou antropogênicas (IPCC, 1990). 12 O processo de governabilidade que ocorre no meio internacional. 43 O efeito estufa compreende o seguinte processo. A radiação eletromagnética emitida pelo sol alcança a atmosfera terrestre, preponderantemente, como radiação luminosa e, em menor escala, radiação infravermelha e ultravioleta. Acerca de 65% radiação atravessa a atmosfera ou é absorvida, o restante (35%) é refletida. Ao atingir a superfície terrestre, parte da radiação é absorvida e parte é refletida pelo chamado albedo – fração da radiação incidente que é refletida por determinada superfície. A parcela absorvida participa de fenômenos físicos resultando na emissão de calor sob forma de radiação térmica que, por sua vez, é parcialmente impedida de sair pelos gases causadores do efeito estufa (Figura 2). Figura 2: Esquema ilustrativo do efeito estufa Fonte: Bortholin e Guedes (2003) Há um equilíbrio dinâmico entre a radiação recebida e devolvida pela terra e quaisquer fatores que interfiram nesse processo podem ocasionar alterações climáticas na Terra. A mudança de energia disponível para o sistema Terra é expressa em forçamento radioativo. Segundo o IPCC (2007), o forçamento radiativo é uma medida da influência de um fator na alteração do equilíbrio da energia que entra e sai do sistema Terra-atmosfera e é um índice da importância do fator como possível mecanismo de mudança do clima. O forçamento positivo tende a aquecer a superfície, enquanto o forçamento negativo tende a esfriá-la. Assim, o aquecimento global irá depender das emissões de GEEs e suas respectivas propriedades radioativas. 44 Segundo ODUM (2001), o ciclo biogeoquímico13 do carbono compreende o fluxo entre reservatórios e processos das diferentes formas (CO2, CH4, CaCO3 ,dentre outras) por meio das quais o carbono se apresenta na natureza. Atmosfera, oceanos, biota, solos e rochas e combustíveis fósseis são os principais reservatórios de carbono, o qual segue um fluxo de reservatório para outro, por meio de três grandes processos: reação, dissolução e deposição. O primeiro é representado pela respiração e fotossíntese; ocorrem em uma escala de tempo pequena e envolve todos os reservatórios de carbono. O segundo consiste nas trocas de carbono entre os oceanos e a atmosfera, em função das diferentes concentrações CO2. Por fim, a deposição ou sedimentação consiste na transformação do carbono solúvel, em carbono insolúvel, ou seja, em rochas, carvão mineral ou petróleo (RICKLEFS, 1996). O processo de transformação do carbono em calcário e da matéria orgânica morta em combustíveis fósseis (carvão ou petróleo) demanda milhares de anos. Contudo, nos últimos duzentos, a atividade humana tem sido responsável por um novo processo, até então insignificante na natureza: a combustão. Desse modo o uso intenso de combustíveis fósseis, o desmatamento, dentre outras atividades antrópicas tem acentuado a emissão de CO2 em grandes quantidades, o que vem causando um desequilíbrio no ciclo do carbono. Conforme Bezerra et al. (2009), a forma de apropriação dos recursos naturais pelo homem nem sempre foi tão predatório. Durante um longo período de tempo as organizações sociais humanas viveram unicamente da caça de animais e colheita de gêneros alimentícios. Na maioria das tribos, os homens caçavam e colhiam frutos enquanto as mulheres exerciam atividades relacionadas ao lar e aos filhos. Tais atividades possibilitaram a sobrevivência do homem até mesmo nas condições climáticas mais adversas, sendo, portanto, o meio de vida mais maleável e próspero quanto à utilização dos recursos naturais (BEZERRA et al., 2009, p. ). Segundo Ponting (1995), a primeira grande transição que a humanidade sofreu veio com a revolução agrícola, tendo conseqüência a sedentarização do homem e o surgimento de sociedades estabelecidas. A segunda grande transição ocorreu com a exploração dos estoques de combustíveis fósseis, dando início a uma era de energia abundante, necessária para iluminação, calor e força (BEZERRA et al, 2009). 13 Forma com que se dá a transferência e armazenamento de certas substâncias na natureza. 45 Especialmente, a partir da revolução industrial do século XVIII, a exploração dos vastos estoques de combustíveis fósseis tornou possível uma era de energia abundante, com a emissão crescente de CO2 e outros gases causadores do efeito estufa. Essas emissões contínuas contribuíram para uma variação da concentração de gases na atmosfera, o que tem diminuído a capacidade de resfriamento, causando forçamento radioativo positivo. Os dados do relatório do IPCC (2007), obtidos segundo as tecnologias de modelagem climáticas mais modernas, demonstram que a interferência humana provocou alterações climáticas irreversíveis e tendem a se agravar (Figura 3). Figura 3: Mudança na temperatura global e continental Fonte: IPCC (2007) Segundo o IPCC (2007), o aquecimento do sistema climático é inequívoco, como está agora evidente nas observações dos aumentos das temperaturas médias globais do ar e do oceano, do derretimento generalizado da neve e do gelo e da elevação do nível global médio do mar. 46 Entre 1970 e 2004 as emissões de (GEEs) provenientes de atividades humanas cresceram 70%. Do total das emissões provenientes de atividades antrópicas, 77% correspondiam ao dióxido de carbono, que no mesmo período teve um aumento de 21 para 38 gigatoneladas (IPCC, 2007). Detectou-se que o aumento de emissões de carbono do período de 1995 a 2004 foi consideravelmente maior do que o observado no período de 1970 a 1994. Os setores de energia, transporte e a indústria foram os que mais trouxeram impactos adversos e, com menor intensidade, os edifícios comerciais e residenciais e setores florestal e da agricultura. No caso do Brasil, a principal fonte de emissão de GEE vem da queimada e desmatamento de florestas. De acordo com o estudo de Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IBGE, 2008) 75% das emissões de GEE no Brasil se deve à destruição da vegetação natural especialmente na Amazônia e no Cerrado. Tais emissões fazem do Brasil o quarto maior poluidor do mundo. Na Figura 3, apresenta-se o comportamento das mudanças da temperatura em diversas regiões do planeta. Conforme o Relatório do IPCC (2007), os últimos 12 anos foram os mais quentes registrados desde 1850. Dentre as consequências do aquecimento global está o aumento dos níveis dos mares. Vem sendo registrado um aumento de 0.01 a 0.025 metros por década, o que já considera a variação natural das marés, pode resultar no desaparecimento de países insulares no Oceano Pacífico. A expansão térmica da água dos oceanos é principalmente causa da subida dos mares. O segundo fator está ligado ao derretimento de calotas polares e camadas de gelo sobre as montanhas, que são muito mais afetados pelas mudanças climáticas do que as camadas de gelo da Gronelândia e Antártica, conforme pode ser observado na Figura 4. 47 Figura 4: Mudanças na Temperatura, no Nível do Mar e na Cobertura de Neve do Hemisfério Norte Fonte: IPCC (2007) Em nome de um processo produtivo entrópico, florestas tem sofrido com o desmatamento; recursos hídricos tem sido poluídos por resíduos sólidos e líquidos; a biodiversidade tem sido ameaçada; cresce o número de transmissores de doenças em animais e vegetais. Esses fatores de degradação tem sido potencializados com as consequências do aquecimento global, tornando o equilíbrio dinâmico que mantém a vida cada vez mais desgastada. Ficam cada vez mais evidenciados os impactos do aquecimento global com a maior freqüência de eventos climáticos extremos, alterações no regime de chuvas, retração das calotas polares e, como citado anteriormente, elevação do nível do mar. Acontecimentos recentes na região nordeste do país são reflexo desse processo, o excesso de chuvas deixou 126.376 pessoas 48 desabrigadas (G1, 2009). Ainda em 2001, o IPCC previu uma série de impactos decorrentes do aquecimento global (Quadro 1), que serão percebidos de modo diferenciado em cada região. Quadro 1: Impactos decorrentes do aquecimento global Fonte: Rocha (2003) As previsões do último relatório do IPCC (2007) estimam que haverá um aumento médio na temperatura da Terra de 0,2 oC a cada ano nos próximos vinte anos. Como conseqüência, a temperatura deve aumentar entre 1,8 oC e 4 oC, mesmo que os países conseguissem atingir suas metas de redução. Mesmo que a concentração de GEE fosse estabilizada aos níveis da década de 1990, as conseqüências do aquecimento global e o aumento do nível do mar continuariam por séculos. 49 4.2 MUNDO DAS PERCEPÇÕES MATERIALIZADAS POR UMA JUSTIÇA AMBIENTAL GLOBAL 4.2.1 História da emergência dos regimes internacionais de proteção ao meio ambiente A poluição industrial do século XIX não fez surgir na época uma preocupação maior pelas questões sociais e ambientais. Os problemas ocasionados por horas a fio de trabalho repetitivo e alienante, além dos graves danos à saúde que as economias movidas a carvão da primeira Revolução Industrial traziam aos operários não eram levadas em conta. A poluição do século XIX só atingia as camadas mais populares, o que tornava a tragédia das classes trabalhadoras, um drama mudo e em preto e branco, como o cinema que assim surgia na época. Somente no século XX, a poluição passa a atingir as classes mais favorecidas. Por conseguinte, grandes transformações da relação do homem com a natureza, sobretudo com relação à percepção sobre a natureza e os problemas ambientais (CAMARGO, 2003). Três fatores podem ser ressaltados como de grande influência para a mudança de mentalidade: as duas grandes guerras mundiais, e, principalmente, a capacidade de destruição que o homem atingiu com as bombas atômicas que foram lançadas sobre o Japão. Esse olhar diferenciado com relação à natureza surge inicialmente nos países desenvolvidos e vai se expandindo paulatinamente por todo o globo. Antes da década de 50, algumas manifestações e movimentos começaram a surgir, tornando explícita a preocupação com o meio ambiente, alguns exemplos são: 1993 – A carta de Atenas; 1934 – No Brasil, foi realizada a 1º Conferência Brasileira de Proteção à Natureza no Museu Nacional; 1937 – Criação do Parque Nacional Brasileiro; 1945 – Criação da ONU; 1948 – surgiu a União Internacional para Conservação da Natureza (UICN); 1949 – foi realizada a Conferência Científica das Naçoes Unidas sobre a Conservação e a Utilização de Recursos. Mas é justamente na década de 1950 que a problemática ambiental passa a ser estudada por cientistas. Surge no âmbito da temática ambiental o que ficaria conhecido no estudo das 50 Relações Internacionais como comunidades epistêmicas: redes de cientistas com autoridade relevante para a definição de políticas em áreas específicas (meio ambiente, no caso), trazendo implicações para a organização institucional da ciência e para as prioridades de cooperação internacional. As comunidades epistêmicas compartilham de crenças normativas, crenças causais (relações entre políticas e resultados), noções de validação de conhecimentos e envolvimento em práticas associadas a conjuntos de problemas (HAAS, 1992). Assim, a fundamentação teórica por parte de cientistas para que os olhos da humanidade se voltassem para a Terra, trouxe novas perspectivas para a proteção internacional do meio ambiente. Paralelamente, na década de 60, surgem preocupações ecológicas que deram início aos futuros movimentos sociais, dessa forma, atores sociais passam a criticar não só a forma com que a economia se reproduz, mas as percepções sobre a vida. Em 1961, foi criada a primeira organização não governamental de âmbito mundial, a WWF (World Wildlife Fund). Em 1962, é publicado um livro polêmico, mas que trouxe a temática ambiental para a agenda: “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carlson, denunciando os problemas decorrentes do uso do DDT e outros agrotóxicos. Em 1968, ocorreu a Conferência Intergovernamental para o Uso Racional e a Conservação da Biosfera. De um modo geral durante as décadas de 70 e 80, percebeu-se uma maior conscientização das populações acerca do funcionamento da biosfera, dos riscos de acidentes químicos e nucleares, enfim, dos conflitos advindos da apropriação e acesso dos recursos naturais. Segundo Viola (1992), há três abordagens teóricas de ambientalismo: I) o grupo de interesse – que adota o ambientalismo assim como os demais grupos de interesse; II) movimento social – compreende a crise ambiental como uma problemática de ordem social; e, por fim, o movimento histórico que entende a civilização contemporânea insustentável devido ao crescimento populacional, degradação dos recursos naturais, uso de tecnologias poluentes e de baixa eficiência. O processo de globalização contribui para o aumento da interdependência entre os países, de modo que a gestão de bens públicos naturais se mostra mais complexos, na medida em que surgem tradeoffs o crescimento econômico nacional e o bem-estar ambiental global. Dessa forma, o sistema internacional historicamente compreendido por estados nacionais soberanos tem se modificado para a gestão de bens públicos globais, o que torna a governabilidade ambiental um panorama complexo. 51 A década de 1970 registrou um grande aumento no número de organizações internacionais voltadas para discussão de problemas ambientais em âmbito mundial, além dos primeiros movimentos ambientalistas organizados começarem a atuar transnacionalmente. O ano de 1972 é emblemático, três fenômenos podem ser assinalados como decisivos para a temática ambiental: o relatório do Clube de Roma; a criação do PNUMA; e o surgimento da ecologia profunda. O Clube de Roma divulgou o primeiro Relatório (Os limites do crescimento) que assinalava a insustentabilidade dos níveis de industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração dos recursos materiais. Da Conferência de Estocolmo - que oficializa a preocupação internacional sobre os problemas ambientais, surge o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). O nascimento da ecologia profunda vem questionar densamente os pressuspostos a partir dos quais a civilização tem se desenvolvido. Fundada por Arne Naess, introduziu-se um novo modo de perceber a natureza e as questões ambientais, o que passou a inspirar partidos, associações, movimentos sociais (ex: veganismo, straight edge etc) e ONGs como Greenpeace e o Earth First! A Declaração de Cocoyok (1974) afirmava que a explosão demográfica tinha como origem a pobreza, que por sua vez gerava a destruição desenfreada dos recursos naturais. Foi enfatizada a responsabilidade dos países industrializados no agravamento dos problemas ambientais devido aos altos índices de consumo. O Relatório Dag-Hammarsköld e a Declaração de Cocoyok fazem grandes críticas à sociedade industrial e aos países industrializados. Em 1980, ocorreu um “move to institutions” (RUGGIE, 1998), como dos tratados, documentos e leis que regulamentavam a atividade industrial no que se refere à poluição. O fenômeno das mudanças climáticas passou a ser considerado pela comunidade científica como uma das mais sérias ameaças para todas as formas de vida do planeta. As mais recentes descobertas científicas (Intergovernamental Panel of Climate Change - IPCC14, 2007) indicam que o aumento da concentração de gases do efeito estufa (GEE) emitidos por fontes antropogênicas está alterando significativamente o equilíbrio do sistema do clima. O Relatório de Brundtland (1987) teve como fruto o relatório “Nosso Futuro Comum”, em que a percepção de desenvolvimento sustentável ficou estabelecida como o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de 14 O grupo, criado pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pela Organização Meteorológica Mundial em 1988, reúne atualmente 2.500 cientistas de mais de 130 países e prevê mais chuvas fortes, derretimento de geleiras, secas e ondas de calor. 52 suprir suas próprias necessidades. Fica evidente, contudo, a dicotomia Terra versus Mundo, que passa a ser um ponto emblemático perpassando todos que enfocam a temática ambiental. Há um choque entre um espaço idealizado - construído e modificado pelo homem de acordo com seus valores e crenças (Mundo) - e o espaço constituído pelo conjunto de relações entre organismos e sistemas vivos cujo homem também faz parte, a Biosfera (Terra). Tais percepções são base para implementação de políticas públicas (nacionais e internacionais) e indicam uma teia de significados que perpassam a crise da política ambiental. Ao enfocar essa crise, é possível identificar uma problemática constante: É possível a construção da justiça ambiental global ante o sistema internacional vigente? A Conferência Rio 92 chamou a atenção do mundo para a dimensão global das ameaças para todas as manifestações de vida na Terra, além de ressaltar a necessidade de uma aliança entre todos os povos em prol de uma sociedade sustentável (BRÜSEKE, 2001). Vários projetos normativos resultaram desta conferência: Declaração do Rio de Janeiro sobre o meio ambiente e o desenvolvimento; Convenção sobre mudanças climáticas; Declaração de princípios sobre florestas; Agenda 21- um pacto para o desenvolvimento e meio ambiente da Terra entre os três setores da sociedade: o governamental, o produtivo e o civil organizado (CAMARGO, 2003). Na cidade de Joanesburgo, em 2002, a Conferência que ficou mais conhecida como Rio +10, realizada na África do Sul, analisou a efetividade das metas presentes nos acordos fixados na Rio-92, tendo como referência a Agenda 21. A Conferência de Joanesburgo mostrou que ainda não se atingiu sequer os passos estipulados em direção ao que se denominou desenvolvimento sustentável. Em tese, todos parecem ser favoráveis ao desenvolvimento sustentável, contudo, poucos se propõem, de fato, a promovê-lo. Os problemas relacionados às mudanças climáticas, a priori, eram assuntos abordados pela comunidade científica; contudo, o alerta sobre o aumento significativo na concentração dos gases causadores do efeito estufa (GEE) mudou essa realidade (IPCC, 1990). Percepções sobre ameaças às formas de vida decorrente de ações antrópicas passaram a ser levadas para a agenda internacional. Considerando que as consequências das mudanças climáticas afetam bens públicos em escala global, a solução, para tanto, requer um esforço da mesma proporção. 53 4.3 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO REGIME DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS A Convenção Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima (UNFCCC) e o Protocolo adicional (Kioto) foram as principais iniciativas estatais ao aumento contínuo das emissões de GEEs. No Artigo 2 da Convenção são delineados os objetivos da UNFCCC, cujos elementos centrais são: estabilização das emissões de GEEs, a obrigatoriedade da adaptação natural a partir desta estabilização e o compromisso com a produção de alimentos e o desenvolvimento econômico sustentável. Sendo o Protocolo de Kioto adicional à Convenção, os mesmos objetivos se lhe aplicam. 4.3.1 A Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima Durante a Rio 92, para tratar do problema do efeito estufa e suas possíveis consequências para a humanidade, estabeleceu-se a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A Convenção do Clima, como ficou conhecida, entrou em vigor em 1994 atribuindo metas para que países industrializados e de Economias de Transição (países do Anexo I da Convenção) estabilizassem as concentrações de GEE de modo a impedir que a atividade humana se tornasse uma interferência, provocando danos que afetasse a capacidade de resiliência dos ecossistemas. A Convenção do Clima (MCT, 2001) elenca os seguintes princípios: 1. As Partes devem proteger o sistema climático em benefício das gerações presentes e futuras da humanidade com base na eqüidade e em conformidade com suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades. Em decorrência, as Partes países desenvolvidos devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e a seus efeitos. 2. Devem ser levadas em plena consideração as necessidades específicas e circunstâncias especiais das Partes países em desenvolvimento, em especial aqueles particularmente mais vulneráveis aos efeitos negativos da mudança do clima, e das Partes, em especial Partes países em desenvolvimento, que tenham que assumir encargos desproporcionais e anormais sob esta Convenção. 54 3. As Partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo possível. Para esse fim, essas políticas e medidas devem levar em conta os diferentes contextos socioeconômicos, ser abrangentes, cobrir todas as fontes, sumidouros e reservatórios significativos de gases de efeito estufa e adaptações, e abranger todos os setores econômicos. As Partes interessadas podem realizar esforços, em cooperação, para enfrentar a mudança do clima. 4. As Partes têm o direito ao desenvolvimento sustentável e devem promovê-lo. As políticas e medidas para proteger o sistema climático contra mudanças induzidas pelo homem devem ser adequadas às condições específicas de cada Parte e devem ser integradas aos programas nacionais de desenvolvimento, levando em conta que o desenvolvimento econômico é essencial à adoção de medidas para enfrentar a mudança do clima. 5. As Partes devem cooperar para promover um sistema econômico internacional favorável e aberto conducente ao crescimento e ao desenvolvimento econômico sustentáveis de todas as Partes, em especial das Partes países em desenvolvimento, possibilitando-lhes, assim, melhor enfrentar os problemas da mudança do clima. As medidas adotadas para combater a mudança do clima, inclusive as unilaterais, não devem constituir meio de discriminação arbitrária ou injustificável ou restrição velada ao comércio internacional. Depreende-se, então, que a Convenção é norteada pelos respectivos princípios de equidade: responsabilidades comuns, porém diferenciadas; princípio da precaução; atender necessidades dos países em desenvolvimento; desenvolvimento sustentável; multilateralismo. Originalmente, o referido tratado internacional não impunha limites obrigatórios para as emissões de GEE, tampouco tratava sobre disposições coercitivas. Em vez disso, a Convenção do clima previa atualizações (protocolos), que deveriam criar limites obrigatórios de emissões. 4.3.1.1 Conferências das partes A Conferência das Partes (COP), órgão supremo da Convenção (Art. 7.1), tem a responsabilidade de implementar o tratado, assim como quaisquer instrumentos jurídicos que a 55 Conferência das Partes vier a adotar. Dessa forma, durante as COPs têm-se observado o cumprimento dos acordos estipulados, a eficácia dos programas nacionais para as mudanças climáticas e a divulgação de informações científicas. Todas as decisões e medidas que caracterizam a cooperação em mudanças climáticas passam pela avaliação e consentimento das partes. Apesar de atuar por meio de instrumentos legais vinculantes (decisões, declarações, resoluções e relatórios), existem discussões jurídicas acerca da legitimidade e da natureza jurídica destes instrumentos. A COP/MOP compreende onze oficiais eleitos no início de cada seção. O Bureau é composto por presidente, sete vicepresidentes, relator e presidentes do SBSTA e SBI. A função da Convenção das Partes Subsidiárias (SBI) é assessorar a Convenção (Art. 10) para inventários de emissões e assuntos financeiros e do Protocolo de Kioto (Art.15). Assim, o SBI contribui no processo de multilateralização das ações a serem desempenhadas com a preparação e implementação de decisões e documentos. O SBI é composto por experts reconhecidos por possuírem notório saber. O órgão auxiliar técnico a Convenção das Partes Subsidiárias para Apoio Científico e Tecnológico (SBSTA, em inglês) aconselha sobre metodologias para assuntos como transferência de tecnologia e emissões oriundas do desmatamento. Prevendo uma fase de adaptação na implementação de projetos conjuntos, a UNFCCC criou o mecanismo de atividades implementadas conjuntamente. Tais atividades foram instituídas como uma “fase piloto” para que os países fossem estimulados a realizar projetos que reduzissem as emissões de GEEs como forma de aprendizado, sem concessão de créditos ou bônus. No Gráfico 1, apresenta-se os setores em que os projetos de AIJ foram implementados. 56 AIJ: Tipo de Atividade 40 Energia renovável 20,53% 36 Eficiênciade Energia 4,81% 2 Captura de gás fugitiva 18,56% 3 1,87% Combustível trocando 2 1,9% Agricultura 1 1% Reflorestamento 11 Arborize reflorestamento de preservação ou restauração 52,16% 0 10 Número de Projetos 20 30 40 50 60 Parte de GHG reduzido ou isolado (CO2 Equivalente) Gráfico 1: Projetos de implementação conjunta por tipo de atividade Fonte: UNFCCC (1998) O processo de tomada de decisão em um foro internacional é complexo, de modo que o que se apresenta abaixo é apenas um pequeno resume que se inicia desde a primeira conferência das partes na cidade de Berlim, em 1995, até a conferência da cidade de Poznan, em 2008. a) COP 1 - Berlim (1995) A primeira Conferência das Partes foi marcada por incertezas sobre em que medida cada país se comprometeria em combater a emissão de gases do efeito estufa. Como consequência, criou-se o "Mandato de Berlim", cujo foco era atingir um consenso entre os países que permitisse tomar ações mais enérgicas quanto à mitigação do efeito estufa. Estabeleceu-se, então, um período de transição de dois anos para análise e avaliação das alternativas para a tomada de decisão. Uma série de instrumentos e mecanismos foram apresentados para que países membros pudessem escolher e compor iniciativas conjuntas. Concordou-se que o compromisso dos países desenvolvidos em reduzir suas emissões para os níveis de 1990, até o ano de 2000, não seria suficiente para se atingir os objetivos de longo prazo da UNFCCC. Atentou-se para a necessidade de um instrumento com comprometimento legal ou protocolo que tornasse oficial o compromisso com a redução das emissões. Foi decidido ainda que seria adotado o uso de “atividades implementadas 57 conjuntamente” (activities implemented jointly) em fase piloto, para que os países desenvolvessem projetos voltados para a redução de emissões. Foi então criado, então, o grupo Ad Hoc sobre o Mandato de Berlim (AGBM), que iniciou o esboço de um protocolo que após oito encontros foi encaminhado a COP 3, culminando na adoção do Protocolo de Kioto (AGUIAR, 1997). b) COP 2 - Genebra (1996) A segunda Conferência das Partes aprovou os resultados do IPCC (1995). Nesta conferência foi estabelecido que os países membros não procurariam soluções homogêneas, isto é, cada país agiria com liberdade para alcançar as soluções que lhes fossem mais relevantes. Ficou definido que países em desenvolvimento deveriam receber ajuda tecnológica e financeira. Outro aspecto diz respeito a estipular metas para redução de emissões de GEE a serem definidas em médio prazo. Ficou acordado que os países em desenvolvimento poderiam demandar ajuda financeira para o desenvolvimento de programas de redução de emissões à Conferência das Partes, os quais seriam financiados com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). c) COP 3 - Kioto (1997) O Protocolo de Kioto foi aprovado após intensas negociações. Pela primeira vez, um protocolo estabelecia metas vinculativas de emissões de GEE para 37 países industrializados, compreendendo um período de 2008 a 2012. Houve vários anos de incerteza com relação ao número de países que ratificariam o tratado. Em 2005, o Protocolo de Kioto entrou em vigor, muito embora vários dos países membros da UNFCCC não o tenham ratificado. Estabeleceu-se que os Países do Anexo I da Convenção deveriam reduzir 5,2% de suas emissões de GEE. A União Européia assumiu o compromisso de reduzir em 8%; os Estados Unidos assinaram uma redução de 7% e o Japão concordou em reduzir 6%. Alguns países, como a Rússia e Ucrânia, não assumiriam compromisso de redução e outros como Islândia, Austrália e Noruega ainda teriam permissão para aumentar suas emissões. 58 d) COP 4 - Buenos Aires (1998) A terceira Conferência das Partes serviu para aumentar os esforços de implementação da UNFCCC e se preparar para a entrada em vigor do Protocolo de Kioto. Nesta conferência, ficou claro que havia várias questões pendentes em relação ao Protocolo de Kioto. Preparou-se um Plano de Ação para os mecanismos de financiamento, transferência de tecnologia e desenvolvimento. Com essa perspectiva, foi elaborado o pacote de metas que ficou conhecido como o Plano de Ação de Buenos Aires, em que se decidiu tratar separadamente os seguintes temas: mecanismos de financiamento; desenvolvimento e transferência de tecnologias; obrigações dos países signatários, no fornecimento de auxílio financeiro e transferência de tecnologias aos países em desenvolvimento e/ou mais susceptíveis aos impactos das mudanças climáticas (Artigos 4.8 e 4.9 da UNFCCC); atividades implementadas conjuntamente em fase piloto; programa de trabalho dos mecanismos do Protocolo de Kioto. e) COP 5 – Bonn (1999) Nesta conferência foi dominada por discussões técnicas relativas aos mecanismos previstos no Protocolo de Kioto e implementação do Plano de Ação de Buenos Aires. As partes deveriam intensificar o trabalho preparatório necessário para que fossem tomadas decisões com relação ao Plano na COP 6. Foram também abordados aspectos relativos à questão do Uso da Terra, Mudança de Uso da Terra e Florestas (LULUCF), capacitação dos países em desenvolvimento (países não-Anexo I) e atividades implementadas conjuntamente em fase piloto. f) COP 6 - Parte I - Haia (2000) Na conferência, procurou-se concretizar a adoção dos Sistemas Nacionais que implementassem programas para redução das emissões, além disso, as partes decidem criar um fundo de Adaptação sob a administração do GEF (Global Environmental Fund). Houve amplos debates políticos sobre a proposta dos E.U.A de incluir áreas agrícolas e florestais como sumidouros de carbono. Se a proposta tivesse sido aprovada, grande parte da obrigação americana seria amortizada, o que foi prontamente rejeitado. Outro aspecto que marcou a COP 6 estava relacionado às possibilidades de sanções para os países que não cumprissem com suas obrigações com relação às emissões. A reunião terminou quando os países da UE se recusaram a 59 aderir à proposta. Acordou-se que as negociações seriam retomadas em uma conferência extraordinária em julho de 2001. g) COP 6 - Parte II - Bonn (2001) Quando as negociações foram retomadas, as expectativas não eram boas. Os E.U.A., sob o mandato de seu novo presidente George W. Bush, rejeitaram o Protocolo de Kioto. Contudo, questões importantes foram viabilizadas graças a um acordo em que concessões foram feitas para agradar aos interesses dos países em conflito. Por exemplo, foi aceita a utilização de sumidouros de carbono (sinks), como forma de gerar créditos a países do Grupo Umbrella (Japão, Russia, Ucrania, Canadá, Austrália, Noruega e Nova Zelândia). Durante a COP 6-bis, houve consenso sobre a necessidade de se atacar diretamente os pontos essenciais do Plano de Ação de Buenos Aires. Para tanto, as seguintes questões adicionais foram estabelecidas: a necessidade da criação de um fundo especial para Mudanças Climáticas além do GEF; as florestas e outros sumidouros de carbono passaram ser incluídos na contabilidade de redução de GEE; os princípios relacionados com a aplicação de sanções foram viabilizados; e os mecanismos de flexibilização permitiram formas diferentes de reduzir a emissão de GEE. h) COP 7 - Marraqueche (2001) Conseguiu-se estabelecer papéis operacionais para viabilizar o Protocolo de Kioto e o acordo de Bonn. O “Acordo de Marraqueche” define as regras operacionais para LULUCF, mecanismos de flexibilização (MDL, Implementação Conjunta e Comércio de Emissões), trata ainda do inventário nacional de emissões. Definiu-se uma limitação para a utilização de créditos oriundos de florestas e agricultura. Limitou-se a transferência das unidades de crédito de carbono oriundas dos mecanismos de flexibilização, contudo, atestou-se a fungibilidade entre todas as unidades de crédito. Foi permitida a criação de projetos unilaterais de MDL (sem participação de um país do Anexo I) e foram estabelecidos fundos internacionais para ajudarem os países menos desenvolvidos a se adaptarem aos efeitos das mudanças climáticas. 60 i) COP 8 - Deli (2002) A Conferência de Deli foi realizada em 2002, mesmo ano da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10). Houve a criação do Mercado de Crédito de Carbono oficial. Merecem destaque as iniciativas do setor privado e das organizações não governamentais para a ratificação do protocolo e funcionamento dos mecanismos de flexibilização. Foram apresentados diversos projetos no escopo do MDL, evidenciando a formação de mercados para o comércio de créditos de carbono e iniciativas como o PCF – Prototype Carbon Fund, CCX - Chicago Climate Exchange etc. j) COP 9 - Milão (2003) O enfoque desta conferência foi esclarecer algumas das últimas informações técnicas relativas ao Protocolo de Kioto. Teve como foco a discussão sobre as regras e procedimentos para projetos florestais no MDL. Definiu-se a maneira como os projetos de florestamento e reflorestamento deveriam ser conduzidos. A modalidade de conservação de florestas ficou fora do escopo do MDL. Com relação à validade das certificações de redução de emissões (CER) adotaram-se os seguintes critérios: CERs temporárias (tCERs ) e CERs de longo prazo (lCERs) (SCLEICHER, 2006). As CERs temporárias são válidas durante o período de comprometimento em que foram emitidas. Isto é, serão válidas apenas para o primeiro período de comprometimento (2008 a 2012). Já os créditos de longo prazo (lCER) de um projeto de reflorestamento expiram apenas ao final do período de creditação, sob o qual foi submetido o projeto de MDL. l) COP 10 - Buenos Aires (2004) Nesta reunião, muito do tempo foi voltado para discussão de fatores técnicos e, paulatinamente, foi abordada uma discussão sobre o que iria acontecer quando o Protocolo de Kioto expirasse (2012). Este Protocolo entrou em vigor no início do ano seguinte, após a ratificação pela Rússia. A definição dos Projetos Florestais de Pequena Escala (PFPE) e a divulgação de inventários de emissão de gases do efeito estufa, por alguns países em desenvolvimento, foram destaque na COP 10. 61 m) COP 11 - Montreal (2005) Primeira Conferência após o Protocolo de Kioto entrar em vigor. Desta forma, a reunião anual entre as partes da UNFCCC (COP) foi acompanhada pela conferência anual entre os países que ratificaram o Protocolo de Kioto (MOP). O foco de ambas as conferências foi a abordagem das políticas a serem implementadas após 2012, ano em que o Protocolo de Kioto expira. As instituições européias defenderam para o acordo pós-2012 reduções de emissão na ordem de 20 a 30% até 2030 e, posteriormente, a redução entre 60 e 80% até 2050. n) COP 12 - Nairóbi (2006) Houve uma nova revisão do Protocolo de Kioto para 2008 e delineram-se as regras do Fundo Adaptação para auxiliar os países menos desenvolvidos a se adaptarem às alterações climáticas. Foram equacionadas as últimas questões técnicas não desenvolvidas pelo Protocolo de Kioto. Acordou-se que um intervalo de tempo entre o Protocolo de Kioto e a promulgação do outro Protocolo pós-2012 trariam impactos negativos para a luta internacional contra as mudanças climáticas. Atentou-se para que os países desenvolvidos tomassem medidas que assegurassem uma distribuição geográfica dos projetos mais equitativa. Já que, na época, havia 400 projetos MDL e apenas 9 na África. o) COP 13 - Bali (2007) Representantes de cerca de 190 países iniciaram uma conferência sobre alterações climáticas, patrocinada pela Organização das Nações Unidas sobre a ilha indonésia de Bali. Foi convalidado o recente relatório do IPCC (2007) e suas conclusões sobre os sinais do aquecimento global. Adotou-se o Plano de Ação de Bali que estabeleceu as bases para as negociações conducentes à COP15, em Copenhagen, onde um novo acordo possa ser negociado. Na Conferência de Bali, procurou-se alcançar um consenso entre diferentes grupos. A União Européia se propôs estabelecer compromissos ambiciosos de redução entre 25% e 40% para 2020. Já os E.U.A e alguns países desenvolvidos se negam a aceitar metas de redução; isso aliado à resistência de países com forte crescimento economico, como a China, Índia ou Brasil, em adotar medidas que comprometam seu desenvolvimento. 62 p) COP 14 - Poznan (2008) Nesta conferência, o trabalho para a operacionalização de um novo acordo climático global em Copenhagen continuou. As partes chegaram a um acordo sobre o programa de trabalho e plano para a reunião de Copenhagen. Procurou-se a operacionalização do fundo de adaptação, que vai dar suporte a medidas para adaptação nos países menos desenvolvidos (COP 15). Procurou-se a operacionalização do fundo de adaptação, que vai dar suporte a medidas para adaptação nos países menos desenvolvidos. 4.3.2 Institucionalização do Protocolo de Kioto O Protocolo de Kioto foi negociado no Japão em 1997. Entrou em vigor com a ratificação da Rússia em 2004, quando totalizou 55% dos países que, juntos, produzissem 55% das emissões. O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, fundamentou os compromissos para a redução da emissão dos GEEs, que têm como base causas antropogênicas do aquecimento global. Adotou-se a proposta para a redução das emissões de gases do efeito estufa em, pelo menos, 5,2% com relação a 1990 (período entre 2008 e 2012), em que países do Anexo I (países industrializados desenvolvidos) da Convenção estão comprometidos. As metas não são homogêneas, tampouco significa dizer que os países que se comprometeram cumprirão com suas metas. Na ocasião, países em desenvolvimento não receberam metas de redução, o que ainda é alvo de questionamentos. Mas, tais países se comprometeram em criar programas de redução dos GEEs. O Protocolo cria estímulos para os países signatários cooperarem entre si para reduzir as emissões, principalmente nos setores de energia, transporte, indústria, agricultura; promover o uso de fontes energéticas renováveis; limitar as emissões de metano no gerenciamento de resíduos e dos sistemas energéticos; proteger florestas e outros sumidouros de carbono etc. A Austrália aderiu ao acordo no ano passado. Mesmo assim, os Estados Unidos ainda continuam fora do acordo. Como uma das promessas do novo governo Obama é o 63 comprometimento com a causa das mudanças climáticas, há uma tendência ao fortalecimento do regime de mudanças climáticas, com a possível ratificação dos Estados Unidos. Segundo a percepção de que o mecanismo de mercado seria a melhor forma de alocar recursos, procurou-se, desde o Protocolo de Kioto, mecanismos que pudesse auxiliar no processo de redução das emissões. Segundo Rocha (2003), tinha-se como objetivo criar um valor transacionável para essas reduções, semelhante ao que era praticado para alguns gases poluidores na Europa e nos Estados Unidos. O parâmetro estabelecido para o cálculo das metas das reduções seria feito a partir de uma “cesta de gases” (CO2, CH4, N2O, HFCs, PFCs e SF6) e de 5 categorias de fontes poluidoras (energia; processos industriais, solventes e outros produtos, agricultura e manuseio de dejetos/lixo), criando um índice denominado Global Warming Potentials (GWPs). Segundo Schleicher (2006), o índice fornece uma medida comum para comparar e medir a força radioativa relativa entre os GEEs, sem ter que recorrer aos cálculos das concentrações atmosféricas de tais gases. Para cumprir as obrigações com as metas de redução dos GEEs, as partes da UNFCCC e do Protocolo de Kioto dispõem de quatro mecanismos. O primeiro, atividades implementadas conjuntamente, foi apresentado pela UNFCCC. Os demais, Implementação conjunta, Comércio de Emissões e Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, são mecanismos de flexibilização e são contabilizados na redução das emissões de GEEs. Esses últimos mecanismos foram desenvolvidos no âmbito do Protocolo de Kioto. 4.3.2.1 Mecanismos de flexibilização Tendo como objetivo ajudar os Países do Anexo I a reduzir suas emissões de modo menos custoso, o Protocolo de Kioto possibilitou que instrumentos, tais como os mecanismos de flexibilização, autorizassem a participação de Países do Anexo I em projetos de redução dos GEE fora de seu território, inclusive em países não integrantes do Anexo I – o caso do MDL. Em tese, o custo de implementação de um projeto em outro país seria mais acessível economicamente que o corte das emissões no país Anexo I. 64 4.3.2.2 Implementação conjunta O segundo mecanismo, a implementação conjunta (JI), é descrito no Artigo 6 do Protocolo de Kioto. Esse mecanismo foi proposto pelos EUA e permite que as partes listadas no Anexo I desenvolvam projetos de mitigação ou de seqüestro de GEEs, no território de qualquer parte integrante do Anexo I. Artigo 6.1 do Protocolo de Kioto (UNFCCC, tradução MCT, 2001) 1. A fim de cumprir os compromissos assumidos sob o Artigo 3, qualquer Parte incluída no Anexo I pode transferir para ou adquirir de qualquer outra dessas Partes unidades de redução de emissões resultantes de projetos visando a redução das emissões antrópicas por fontes ou o aumento das remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa em qualquer setor da economia,desde que: (a) O projeto tenha a aprovação das Partes envolvidas; (b) O projeto promova uma redução das emissões por fontes ou um aumento das remoções por sumidouros que sejam adicionais aos que ocorreriam na sua ausência; (c) A Parte não adquira nenhuma unidade de redução de emissões se não estiver em conformidade com suas obrigações assumidas sob os Artigos 5 e 7; e (d) A aquisição de unidades de redução de emissões seja suplementar às ações domésticas realizadas com o fim de cumprir os compromissos previstos no Artigo 3. Para ser elegível, um projeto IJ deve reduzir emissões de GEEs ou remoções de carbono por sumidouros, de modo adicional ao que ocorreria na ausência do projeto. Esse procedimento é conhecido como Track 1. Existe ainda o procedimento chamado Track 2, pelo qual o país anfitrião consegue cumprir apenas alguns requisitos de elegibilidade. No segundo caso, o Comitê Supervisor da Implementação Conjunta vai verificar a adicionalidade das reduções ou remoções de emissão por meio de regras específicas (SCHLEICHER, 2006). Partes do Anexo I, ou empresas com sede nestes países, financiam projetos de redução de emissões em outros países do Anexo I e, consequentemente, recebem créditos (commodities que podem ser negociados no mercado de carbono e usados no abatimento das emissões de um país). Uma vez contabilizados, os créditos terão validade apenas na primeira fase do Protocolo de Kioto (2008 a 2012). 65 4.3.2.3 Comércio de emissões O Artigo 17 do Protocolo de Kioto versa sobre o Comércio de Permissão de Emissões (UNFCCC apud MCT, 2001): A Conferência das Partes definirá os princípios, modalidades, regras e diretrizes relevantes, em particular para a verificação, elaboração de relatórios e responsabilização no que diz respeito a comércio de emissões. As Partes incluídas no Anexo B podem participar no comércio de emissões com o objetivo de cumprir os seus compromissos constantes do artigo 3.º do presente Protocolo. Tal comércio será suplementar às ações nacionais destinadas a satisfazer os compromissos quantificados de limitação e redução de emissões previstos naquele artigo. Com o comércio de emissões (ET), as partes do Anexo I podem comercializar os créditos (emission allowances - EUA) com outros Países que compõem o Anexo I. Tais créditos são registrados em bolsa de valores. Esse é um mecanismo de mercado em que membros com créditos excedentes geram créditos (ofertantes), que podem ser vendidos a membros que não conseguem alcançar a meta de redução. No quadro 2 são apresentados os dados das metas a serem alcançadas pelos Estados que compõem o Anexo I. País UE-15*, Bulgária, República Tcheca, Estônia, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Mônaco, Romênia, Slovakia, Slovênia e Suíça EUA*** Canadá, Hungria, Japão, Polônia Croácia Nova Zelândia, Federação Russa, Ucrânia Noruega Austrália Islândia Meta (1900**- 2008/2012) -8% -7% -6% -5% 0 +1% +8% +10% Quadro 2: Os dados das metas a serem alcançadas pelos Países Anexo I Fonte: UNFCC *Os 15 estados membros da UE em 1990 distribuirão entre si suas metas, segundo um mecanismo previsto no Protocolo de Kioto denominado “bubble”, de modo que cada país individualmente apresenta metas individuais diferentes, mas que combinadas atingirão as metas almejadas pelo grupo. ** Algumas EITs possuem linha de base diferente de 1990 *** Os EUA demonstrou intenção mas não ratificou o protocolo de Kyoto 66 4.3.2.4 Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) O mecanismo mais importante para os países em desenvolvimento é o MDL, na medida em que se admite o cumprimento das obrigações dos Países que integram o Anexo I, através da implementação de projetos de redução de emissões de GEEs em Países não Anexo I. Os créditos obtidos pelo MDL são chamados de reduções certificadas de emissão (RCE ou CER, na sigla em inglês). Dessa forma, cada tonelada de CO2 deixada de ser emitida ou retirada da atmosfera por um país em desenvolvimento poderá ser negociada no mercado mundial. Na prática, o mercado primário de RCE não passa pela instância das Bolsas de Valores, assim como no mecanismo de implementação conjunta. Os projetos, na maioria das vezes, são negociados bilateralmente pelas partes interessadas, funciona, então, como um mercado de balcão. No Brasil, existe uma iniciativa única entre países em desenvolvimento com a criação do Mercado de Carbono Brasileiro, em que RCE já obtidas são leiloadas. Já, no mercado secundário, as RCEs podem ser comercializadas como equivalentes às permissões para poluir (EUAs) no mercado de permissões. De um modo geral, as RCEs são ações menos valorizadas do que as EUAs. A grande vantagem do mecanismo MDL é a possibilidade de reduzir emissões de carbono em outro país (em desenvolvimento), a um custo menor do que se o país Anexo I tivesse que reduzir em seu território. As negociações internacionais relacionadas ao MDL tiveram lugar na de Montreal, em 2005, na COP 11 como a COP/MOP 1. Foram as primeiras conferências internacionais realizadas após a entrada em vigor do Protocolo de Kioto, fundamentais para a consolidação do Protocolo. O Brasil, na ocasião, desempenhou um papel de destaque, liderando várias negociações importantes, de modo que o MDL é fruto de uma proposta inicialmente brasileira. O Artigo 12 do Protocolo de Kioto fundamenta o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: 1. É criado o mecanismo de desenvolvimento limpo. 2. O objectivo do mecanismo de desenvolvimento limpo será assistir as Partes não incluídas no Anexo I de modo a alcançarem o desenvolvimento sustentável 67 e a contribuírem para o objectivo fundamental da Convenção, e assistir as Partes incluídas no Anexo I no cumprimento dos seus compromissos quantificados de limitação e redução das emissões, de acordo com o artigo 3.º 3. Ao abrigo do mecanismo de desenvolvimento limpo: a. As Partes não incluídas no Anexo I beneficiarão das actividades de projecto que resultem em reduções certificadas de emissões; e b. As Partes incluídas no Anexo I podem utilizar as reduções certificadas de emissões resultantes dessas actividades de projecto como contributo para cumprimento de parte dos seus compromissos quantificados de limitação e redução das emissões, ao abrigo do artigo 3.º, conforme determinado pela Conferência das Partes, actuando na qualidade de reunião das Partes para efeitos do presente Protocolo. Após a COP de Marraqueche, ficaram definidas as modalidades de MDL em: I) projetos de remoção e estocagem de dióxido de carbono por meio de sumidouros e atividades relacionadas ao uso da terra, como projetos de aflorestamento e reflorestamento; II) projetos de substituição de combustíveis e/ou aumento de eficiência energética em matrizes poluidoras - aqueles que empregam tecnologias com menor emissão de GEEs. Os critérios de elegibilidade dizem respeito à promoção do desenvolvimento sustentável e às demandas do Artigo 12, item 5: As reduções de emissões resultantes de cada actividade de projecto serão certificadas por entidades operacionais a serem designadas pela Conferência das Partes actuando na qualidade de reunião das Partes para efeitos do presente Protocolo, com base em: a. Participação voluntária aprovada por cada Parte envolvida; b. Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação das Mudanças climáticas; e c. Reduções das emissões que sejam adicionais às que ocorreriam na ausência da actividade certificada de projeto. a) Ciclo do Projeto MDL A partir da análise da compilação do Ministério da Ciência e Tecnologia “Status atual das atividades de projeto no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no Brasil e no mundo” (2009), desenvolveram-se as etapas do ciclo de um projeto de MDL (Figura 5). Na primeira etapa, é elaborado o Documento de concepção do Projeto pelos proponentes. Deve haver a descrição das atividades propostas, com a metodologia da chamada linha de base referência para determinar a adicionalidade do projeto, isto é, demonstrar o cenário das emissões 68 antrópicas de GEEs que ocorreriam caso o projeto proposto não fosse implementado. Devem ficar claros o período de obtenção de créditos com um plano de monitoramento, o tempo de duração do projeto, a estimativa das emissões de GEEs por fontes, os impactos ambientais e as partes intervenientes. Na segunda fase, a validação é feita por um avaliador independente - Entidade Operacional Designada - apontado pela Comissão Executiva do MDL e contratado pelo proponente. Sempre que necessário uma Entidade Operacional Designada (EOD), mediante solicitação, fará a revisão do projeto de forma a avaliar se este preenche os requisitos exigidos. O relatório de validação é entregue à Autoridade Nacional Designada (AND), que no caso do Brasil corresponde à Comissão Interministerial. Na fase de aprovação, a comissão interministerial confirma a participação voluntária e atesta que as atividades desenvolvidas contribuem para o desenvolvimento sustentável. No caso do Brasil, os seguintes requisitos são levados em consideração: distribuição de renda, sustentabilidade ambiental local, desenvolvimento das condições de trabalho e geração líquida de emprego, capacitação e desenvolvimento tecnológico, e integração regional e articulação com outros setores. Com a aprovação, inicia-se a implementação das atividades do projeto. Na fase quatro, é feito o registro que é a aceitação formal, pelo Conselho Executivo, de um projeto validado como atividade de projeto do MDL. Após o registro, segue-se o monitoramento das reduções de emissões de GEE e dos leakages ou fugas – variação líquida das emissões de GEE fora dos limites do projeto. Isto é, há o recolhimento e armazenamento de todos os dados necessários para calcular a redução das emissões de gases de efeito estufa, de acordo com a metodologia de linha de base estabelecida no documento de concepção do projeto. Na etapa de verificação, dá-se o processo de auditoria periódico e independente para revisar os cálculos acerca da redução ou de remoção de CO2. Após a verificação, o Conselho Executivo certifica que uma determinada atividade de projeto atingiu um determinado nível de redução de emissões de gases de efeito estufa durante um período de tempo específico. Na Figura 5 está esquematizado o ciclo de vida de um projeto MDL. 69 Figura 5: Representação do Ciclo de um Projeto MDL Fonte: BM&F b) Diretrizes para o Documento de Concepção do Projeto (DCP) Para a preparação do documento de concepção do projeto são apresentadas diretrizes que vão orientar esse documento base, o que será essencial tanto durante o ciclo de vida do projeto, quanto na classificação do projeto. Os projetos de pequena escala, por exemplo, possuem metodologia simplificada e diferenciada. Em todos os projetos de MDL, contudo, deve ser bem evidenciada a linha de base do projeto e sua adicionalidade. c) Metodologia relacionada à escala do Projeto Há diretrizes simplificadas para projetos de pequena escala, na medida em que custos com processos complexos os inviabilizariam. Na COP7, o comitê executivo determinou que os projetos de pequena escala seriam caracterizados pelas seguintes atividades: 70 a) Projetos de energia renovável com potência instalada inferior a 15 MW b) Projetos de eficiência energética que reduzam o consumo de energia com produção inferior a 15 GWh ao ano c) Outros projetos que ao reduzir emissões antropogênicas, emitam no máximo 15.000 t de CO2/ano. d) Linha de Base do Projeto Segundo a UNFCCC (2002), a linha de base diz respeito a “um cenário que represente emissões antropogênicas de gases do efeito estufa que ocorreriam na ausência da atividade proposta no projeto”. Não se trata de um número estático, espera-se, normalmente, que as emissões de GEEs cresçam (Figura 6). A Figura 6 representa o cenário da linha de base para a atividade de um projeto de desenvolvimento limpo. Figura 6: Representação da linha de base de um projeto MDL Fonte: Tyndall (2007) Ao se escolher uma metodologia para avaliar a linha de base é necessário considerar os seguintes critérios: emissões históricas e tendências futuras; média de emissões de projetos semelhantes realizados nos cinco anos anteriores. Os cenários devem levar em conta aspectos sociais, econômicos, ambientais e tecnológicos. 71 Os créditos do projeto (CER) serão calculadas pela diferença entre as emissões da linha de base e as emissões verificadas em decorrência das atividades de projeto do MDL, incluindo as fugas (TYNDALL, 2007). e) Adicionalidade Adicionalidade, um conceito complementar ao da linha de base, diz respeito aos requisitos necessários para a redução das emissões do projeto que não ocorreriam sem o financiamento por parte do MDL. É necessário demonstrar a adicionalidade do projeto para se comprovar que a redução das emissões só ocorreria com a implantação do projeto. Por exemplo, projetos que poderiam ser financiados no âmbito nacional, com recursos legalmente previstos não possuem adicionalidade. f) Dados sobre o Mercado de Carbono Até 2008, o Mercado de Carbono vinha se expandindo, como pode ser observado pelos dados abaixo. A tabela 1 demonstra a movimentação financeira entre 2005 e 2006 no âmbito do mercado de carbono oficial. Na tabela 1 são apresentados os dados referentes à movimentação financeira no âmbito do mercado de carbono oficial. Tabela 1: Movimentação financeira no âmbito do Mercado de Carbono Oficial. Modalidades Volume (MtCO2e) EUAs 321 Mercado 341 Primário MDL Mercado 10 Secundário MDL Implementação 11 Conjunta 2005 Valor (MUS$) Volume (MtCO2e) Créditos em Permissões 7,908 1,101 Créditos baseados em Projetos (MDL e IJ) 2.417 450 2006 Valor (MUS$) 24,357 4813 212 25 444 68 16 141 Subtotal (MDL e 362 IJ) 2697 491 5398 Total 10605 1592 297555 683 Fonte: Banco Mundial sobre Mercado de Carbono e suas tendências (2007) 72 Os maiores problemas que os investidores enfrentavam estavam relacionados à relativa volatilidade dos preços das commodities no mundo, o que trazia reflexos no mercado de carbono. O aumento da regulamentação e operacionalização do Protocolo de Kioto reduziu os riscos envolvidos, o que também trouxe conseqüências positivas nesta fase de expansão. De acordo com o Banco Mundial (2007), foram comercializados cerca de 3.000 MtCO2e (mega-toneladas de carbono equivalente) a um total de US$ 64 bilhões, mais do que o dobro de 2006. Contudo, desde o início da crise financeira mundial, o mercado de carbono tem sofrido com a redução acentuada nos preços das Reduções Certificadas de Emissão (CERs no âmbito do MDL); das Permissões (EUAs, créditos no âmbito do comércio de emissões); e das AAUs (Conjunto de unidades asseguradas são os créditos da Implementação Conjunta). Os preços a partir de abril expressaram certa melhora, contudo, o preço da CRE padrão está atualmente 55 centavos acima da baixa recorde de fevereiro. No período de maior turbulência, as margens de lucro evaporaram, a situação atual é de recuperação e cautela por parte dos investidores (CARBONPOSITIVE, 2009). As atratividades financeiras do mercado de carbono possuem um fator crucial ainda não concluso: um novo acordo pós-Kioto que garanta sua continuidade. As partes já demonstraram interesse em assinar um novo acordo que deve ser apresentado no final de 2009 na Conferência das Partes de Copenhagen. g) Mercados de carbono voluntários Apesar de serem iniciativas privadas e espontâneas, empresas, cidadãos e ONGs tem dado impulso cada vez maior ao comércio de compensação de emissões para neutralizar suas emissões de carbono. De acordo com o relatório State of Voluntary Carbon Market (2008), o mercado voluntário teve uma expansão significativa de US$ 97 milhões para US$ 331 milhões em 2007. O volume do corte de emissões equivale a 65 milhões de toneladas de CO2.Os registros mostram, contudo, que a movimentação dos mercados voluntários são tímidas se comparadas ao mercado de carbono oficial que, só em 2007, movimentou US$ 64 bilhões. Algumas críticas são endereçadas aos mercados voluntários, a maioria delas está relacionada à adoção de projetos com metodologias flexíveis consideradas não fidedignas. 73 Muitos projetos que não são aceitos do mercado de carbono oficial acabam sendo financiados pelos mercados voluntários. Por ser mais maleável, os mercados voluntários são vistos como legitimação de um “marketing verde” das empresas financiadoras. Identificou-se que 39% do volume comercializado em 2007 eram provenientes de projetos asiáticos, em detrimento dos 2% alcançados por projetos africanos (State of Voluntary Carbon Market, 2008). A crise financeira internacional também afetou significativamente o mercado de carbono voluntário. A situação ainda é mais delicada do que o mercado oficial por que as empresas que compram os créditos não são obrigadas a manterem metas de redução de emissões. Dentre as iniciativas privadas estão, por exemplo, a Bolsa de Clima de Chicago (CCX). O governo do Estado de Santa Catarina assinou em 30 de novembro de 2007 o contrato de adesão à Bolsa de Clima de Chicago (CCX), tornando-se a primeira instituição pública da América Latina a entrar no mercado voluntário de créditos de carbono americano. O Estado catarinense pretende compensar suas emissões de CO2 - de um período que vai de 1985 a 2007. A meta é atingir a compensação total até o ano de 201215. h) Mercado brasileiro de redução de emissões – MBRE O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões foi lançado em São Paulo em 2004 e tornou-se operacional em 2005, sendo uma iniciativa pioneira entre países em desenvolvimento. O MBRE foi um projeto implementado pelo Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e pela Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F). O principal objetivo do mercado brasileiro de carbono é auxiliar e estruturar a negociação em bolsas de créditos de carbono. O mercado é estruturado em duas áreas: o Banco de projetos e as intenções de projeto. No primeiro caso, os projetos MDL já passaram por parte do ciclo do projeto já atendendo aos requisitos da UNFCCC - como o processo de validação por uma entidade operacional designada (EOD). No segundo caso, as intenções de projetos compreendem projetos parcialmente estruturados, mas que ainda não passaram por processo de validação. Há ainda outro procedimento realizado pela instituição, o sistema é apto a receber intenções de compras em que o investidor apresenta a descrição dos projetos almejados. 15 http://empresasefinancas.hsw.uol.com.br/comercio-de-carbono2.htm 74 A função do MBRE é dar visibilidade e facilitar a comercialização de Projetos de MDL (potenciais e já estruturados). O mercado brasileiro acaba sendo uma instituição facilitadora que atrai investimentos externos diretos. Os projetos fomentados pelo MBRE devem contribuir para o desenvolvimento econômico; estimular projetos de tecnologia limpa; e tornar o país uma referência no mercado internacional, no que se refere aos instrumentos ambientais. O mercado brasileiro de carbono tem facilitado o acesso de médios empresários a um mercado com muitas exigências e metodologias complexas. Outra forma de acesso aos projetos MDL no Brasil são as negociações bilaterais que ocorrem frequentemente não passando necessariamente pelas instâncias do MBRE. Mas todo projeto de MDL tem que passar pelos trâmites do ciclo do projeto, o que prevê a autorização pela comissão interministerial (autoridade nacional designada – AND). Atualmente, o Brasil conta com 158 projetos MDL registrados na UNFCCC, o que corresponde a 37,8% dos projetos registrados na América Latina e Caribe. O Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de projetos MDL e representa 9,80% do total, ficando atrás de Índia (26,22%) e China (33, 54%). Na Tabela 2 são apresentados dados sobre a situação do mercado oficial de projetos MDL. Tabela 2: Projetos MDL apresentados por região, dados de maio de 2009. Região e País América Latina e Caribe Brasil México Outros da região Ásia e Pacífico China Índia Coréia do Sul Outros da região África África do Sul Outros da região Outras regiões Todos os Países N° de projetos 418 158 114 146 1156 541 423 26 166 30 15 15 9 1613 Percentual da região 100% 37,8% 27,3% 34,9% 100% 46,8% 36,6% 2,2% 14,4% 100% 50,0% 50,0% Fonte: UNFCCC Percentual do total 25,9% 71,7% 1,8% 0,6% 100% 75 i) Fundo de Adaptação De acordo com o quarto relatório de avaliação do IPCC (2007), problemas relacionados a mudanças climáticas já são vivenciados e, mesmo que as metas estipuladas pelos mecanismos voltados para mitigação fossem atingidas, ainda assim, impactos são inevitáveis. Como já foi visto anteriormente, os impactos causados pelo aquecimento global serão distribuídos de modo diverso, sendo os países mais pobres os mais afetados. Os problemas desses países se devem tanto às complicações decorrentes das alterações no clima quanto ao fato de não disporem recursos financeiros para implementar programas de adaptação. Segundo o relatório Stern (2006), a adaptação é a única resposta disponível aos impactos que ocorrerão ao longo das próximas décadas antes que os efeitos da mitigação possam dar resultados. Tanto países ricos quanto países pobres devem traçar planejamentos estratégicos para a implementação de programas nacionais de adaptação às mudanças climáticas. Historicamente, tem se dado mais importância ao processo de mitigação – combate às causas - em detrimento da adaptação – combate às consequências do aquecimento global. Vários fatores podem ser levados em consideração para justificar tal fato: a visão de que as mudanças climáticas são realidades distantes; as incertezas científicas que abriam margem para discussões sobre a veracidade do processo; a inércia do regime internacional de proteção ao meio ambiente. Ao analisar os discursos sobre adaptação, no âmbito internacional, o conceito que era essencialmente ecológico, passa a ser intimamente associado ao desenvolvimento. Segundo o IPCC (2001), adaptação é o ajuste dos sistemas ecológicos sociais ou econômicos para responder aos atuais ou esperados, estímulos climáticos e seus efeitos e impactos. A capacidade adaptativa de um sistema é o potencial de que dispõe para se adaptar, o que pode ser recrudescido com a redução das vulneralibidades e promoção do desenvolvimento sustentável. Dessa forma, a criação de um fundo de adaptação está initmamente ligada à idéia de equidade. Nesse contexto, as partes acordaram em estabelecer o Fundo de Adaptação do Protocolo de Kioto na COP 7, na cidade de Marraqueche, em 2001. Espera-se que o fundo se torne operacional ainda em 2009. O Fundo de Adaptação foi estabelecido para financiar programas e projetos concretos voltados para a adaptação de países em desenvolvimento. O Fundo foi desenhado de modo a ser financiado por recursos advindos de projetos de desenvolvimento limpo no âmbito do MDL. Do 76 montante de recursos movimentados por projetos MDL, 2% devem ser investidos no fundo de adaptação. A organização que administra é a câmara para o fundo de adaptação. A câmara é composta por 16 membros os quais devem representar equitativamente os seguintes grupos: a) Dois representantes de cada um dos cinco grupos regionais das Nações Unidas; b) Um representante dos Países em desenvolvimento formado por pequenas ilhas (SIDS); c) Um representante dos Países menos desenvolvidos; d) Dois representantes de Partes incluídas no Anexo I; e) Dois representantes de Partes não incluídas no Anexo I (Partes não Anexo I); A Câmara é estabelecida para supervisionar e gerenciar o Fundo de adaptação, segundo a autoridade e orientação da Conferência das Partes. As decisões devem ser tomadas por meio de consenso, prioritariamente. Caso não seja possível e todos os recursos forem exauridos, as decisões devem ser tomadas pela maioria de dois terços, segundo o critério de um voto para cada membro. Dentre as atividades financiadas, estão: a) Projetos de adaptação com informação suficiente disponível que garantam a eficiência das atividades desenvolvidas nas áreas de gerenciamento de recursos hídricos, gerenciamento do uso do solo, agricultura, saúde, desenvolvimento de infraestrutura, ecossistemas frágeis (incluindo os montanhosos), e gerenciamento de zonas costeiras. b) Melhoramento do monitoramento de doenças e vetores afetados pela mudança climática, com sistemas de alerta para melhorar o controle de doenças e prevenção; c) Programas de capacitação, o que inclui capacitação institucional, para medidas preventivas, planejamento e gerenciamento dos relatos de desastres; d) Criação/fortalecimento de centros nacionais e regionais e redes de informações para respostas rápidas a eventos climáticos extremos. Os critérios de elegibilidade não foram ainda bem desenvolvidos, na medida em que o público alvo são países em desenvolvimento, o que pode abarcar o grupo de países não anexo I; o grupo de países menos desenvolvidos; grupo de países pequenos (ilhas) em desenvolvimento; países considerados vulneráveis pelo painel de mudanças climáticas (IPCC) ou outro estudo relevante. CAPÍTULO V 78 5.1 APLICABILIDADE DA TEORIA DE JUSTIÇA No presente capítulo será apresentada a discussão com relação ao mundo dos aspectos materiais, isto é, em que medida os recursos internacionais e os efeitos das mudanças climáticas são distribuídos. Em seguida será feita uma análise do mundo das percepções materializadas em que será abordada a UNFCC. A Convenção será analisada em dois aspectos: procedimentais e normativos. O aspecto procedimental é a análise formal do funcionamento da instituição, isto é, em que medida as práticas da instituição seguem o que foi definido em seu desenho institucional. No segundo caso, será analisado em que medida os princípios da instituição convalidam as práticas da mesma. Só então serão analisados o mecanismo MDL e o Fundo de adaptação para verificar se os mesmos afetam a distribuição de recursos internacionais de modo a promover Justiça Ambiental Global. Será feita uma abordagem do discurso e das práticas estatais no âmbito da UNFCC. Por fim, será apresentado o que se conseguiu apreender do mundo das percepções e analisar o grau de aplicabilidade de Justiça Ambiental Global. É importante ressaltar que o mundo dos aspectos materiais, das percepções materializadas e das percepções não são estanques. Pelo contrário, são aspectos contíguos da realidade cognoscível, portanto, temas que serão debatidos em uma seção serão reiterados e complementados em outra. A dimensão da justiça material tem como escopo a distribuição de recursos materiais entre os Estados e como essa distribuição afeta as pessoas vinculadas aos Estados. No âmbito do mundo dos aspectos materiais é possível identificar dois fatores preponderantes: um relacionado às mudanças climáticas e seus efeitos adversamente distribuídos entre as nações e continentes, o que dificulta o acesso aos recursos naturais necessários às sociedades e torna regiões inóspitas; o outro fator está relacionado à lógica do funcionamento da economia vigente, que tem funcionado relativamente bem em economias de mercado estabelecidas, mas que reproduz desigualdades nas periferias e reitera as armadilhas da pobreza. O impacto das mudanças climáticas já implica em sérias adversidades na economia mundial. Segundo o relatório Stern (2006), os custos podem chegar a 20 % da economia mundial se nada for feito. Se pelo menos 1% do PIB mundial for investido a cada ano em ações concretas 79 de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. As pessoas pagariam um pouco mais por produtos com uso intensivo de carbono, mas as economias mundiais poderiam continuar a crescer em rítmo forte. A cada tonelada de CO2 emitida, a sociedade internacional enfrenta estragos que custam em média US$ 85. Cabe uma crítica ao relatório e aos mecanismos até então criados, na medida em que as soluções apresentadas são voltadas para a reiteração do modo de produção desvinculado dos ciclos naturais. As mudanças preconizadas são, portanto, propostas para manter o nível de produção econômica mundial. Outro fator evidenciado é que países menos desenvolvidos e pequenos países em desenvolvimento são atingidos desproporcionalmente pelos efeitos das mudanças climáticas. Várias consequências graves podem se concretizar. Migrações em massa de refugiados ambientais podem ser cada vez mais comum. Esse problema pode ser debatido do ponto de vista econômico, mas traz implicações diretas nos choques culturais e étnicos. O estrangeiro leva consigo sua identidade cultural e o deslocamento forçado traz sérios impactos psicológicos nos migrantes. A relação de pertencimento a um lugar é rompida e o estranhamento do novo lugar é perspassado por relações complexas que muitas vezes envolve a rejeição por parte dos cidadãos. Normalmente, as populações de baixa renda se valem de recursos naturais do seu entorno para sua subsistência. Como essas atividades não passam pela lógica de mercado, elas não entram no cômputo do PIB. Não só os silvícolas fazem uso de plantas e animais silvestres. Pessoas de baixa renda muitas vezes recorrem à colheita de frutos, grãos para incrementar o rendimento familiar, esse fenômeno é, especialmente comum, nas zonas rurais. Nesse sentido, o arrefecimento desses recursos naturais diminui potencialmente a resiliência dessas populações e aumenta a vulnerabilidade das mesmas. Do ponto de vista procedimental, as práticas da UNFCC corroboram os acordos formais estipulados nos documento, isto é, as práticas seguem o que foi definido em seu desenho institucional. As metas estipuladas pela instituição não são cumpridas, contudo, devido a capacidade de ação dos Estados e a disposição desses agentes em cooperar com a causa das mudanças climáticas. A disposição para o cumprimento do que se é estipulado por uma instituição está fortemente atrelado às percepções estatais. Uma vez considerado importante, o grau de comprometimento aumenta consideravelmente. Dessa forma a UNFCC afeta as ações estatais e da sociedade civil, ao propor uma agenda a ser implementada, mas também é afetada pelos demais agentes, visto que na construção da 80 agenda de promoção à Justiça Ambiental Global tanto atores públicos (Estados, Municípios, Organizações Inter-governamentais) quanto atores privados (CTNs, micro e pequenas empresas) e membros da sociedade civil (ONGs, redes transnacionais de advocacy, movimentos sociais) influem desproporcionalmente na formulação de políticas públicas. Formalmente, a UNFCC é regida pelo princípio de equidade: responsabilidades comuns, porém diferenciadas; princípio da precaução; atender necessidades dos países em desenvolvimento; desenvolvimento sustentável; multilateralismo. A percepção desses princípios, contudo, apresenta uma prática que não rompe com as estruturas que reproduzem as injustiças econômicas, sociais, ambientais e culturais. O conceito de desenvolvimento sustentável, por exemplo, é extremamente controverso. Segundo Brüger tal expressão é utilizada para legitimar ações predatórias sob uma “maquigem verde”, reiterando as mesmas estruturas que vem causando a degradação da natureza. Herculano (1992 apud CAMARGO 2003) ressalta que o significado predominante de desenvolvimento está relacionado ao crescimento dos meios de produção, acumulação, inovação técnica e aumento da produtividade, ou seja, o de expansão das forças produtivas e não a alteração das relações sociais de produção. Onde os ambientalistas veem problemas, os empresários veem solução. A utilização da natureza como um marketing verde e a designação de “ambientalmente responsável” é uma excelente promoção para o setor privado. Essa mesma lógica de modificar um pouco as aparências, para nada mudar é que permeia a idéia dos mecanismos de flexibilização. Em tese, tais mecanismo foram criados para reduzir os custos globais com a redução de emissões de GEEs. Os países do Anexo I, ao investirem em oportunidades de redução de emissões de baixo custo, poderiam diminuir as emissões que deveriam fazer na sua própria economia no primeiro período de compromissos 2008-2012. Por meio desses mecanismos, haveria a promoção de projetos de desenvolvimento sustentável e a transferência de tecnologia para os países não Anexo I (países em desenvolvimento), o que, contudo, ainda não tem acontecido de fato. Com a crise financeira internacional e a variação nos preços das certificações de emissões reduzidos, torna muito mais atraente a países desenvolvidos manterem seus níveis de produção e poluição ao invés de investir em tecnologias limpas. 81 Quando se optou por um mecanismo de mercado a lógica subjacente de que seria a melhor forma de alocação de recursos, esqueceram-se das externalidades negativas. A forma como os mecanismos de flexibilização são operacionalizados pode contribuir para o aumento da poluição e degradação ambiental. Isto é, tais mecanismos seriam formas de legitimar uma economia de matriz energética e tecnologias sujas. Outra crítica pertinente diz respeitos aos principais beneficiados com tais mecanismos: empresas intermediadoras. O mercado de carbono se tornou uma boa oportunidade para que corporações multinacionais caçassem projetos em países em desenvolvimento para a obtenção de retornos futuros. Dentre os países mais que se destacam com projetos MDL estão China (33, 54%), Índia (26,22%), Brasil (9,80%) e México (7,07%). O Gráfico 2 apresenta as proporções de projetos MDL registrados por países. Gráfico 2: Proporção de projetos MDL registrados por países Fonte: UNFCC A distribuição geográfica dos projetos MDL são questionáveis, já que os países mais agraciados pelos projetos não são aqueles que mais necessitam. Como pode ser observado pelo Gráfico 3, a África, continente em que há o maior contingente de países com índices de 82 desenvolvimento humano baixo (abaixo de 0,499) representa apenas 1,86 % dos projetos MDL. Ásia e Pacífico representam 71,67% e América Latina e Caribe correspondem a 25,91%. O Gráfico 3 apresenta as proporções de projetos MDL por regiões, América Latina e Caribe; África; Ásia e pacífico e outros. Gráfico 3: Projetos MDL registrados por região Fonte: UNFCC Outro problema grave referente ao MDL é que, indiretamente, se privilegia países de matriz energética suja. China e Índia são grandes beneficiárias desse tipo de projeto por que sua produção energética está fortemente calcada em combustíveis fósseis. Isso cria estímulos para que países não Anexo I “sujem” suas matrizes energéticas e alterem sua linha de base para se tornarem aptos a receber recursos advindos de projetos MDL. O Brasil, por possuir uma matriz energética considerada limpa – com base em hidroelétricas, consegue angariar o terceiro lugar, especialmente, por dispor de recursos humanos. Existem países na África e Ásia que sequer dispõem de pessoal que possa atender os requisitos para a submissão de projetos ante o comitê executivo da UNFCC, na Alemanha. Muitos destes países possuem economia tão rudimentares que não tem sequer como reduzir suas emissões de carbono. O IPCC (2001) abordou o fato de que os impactos da mudança climática variam substancialmente entre as regiões do planeta e que seria importante considerar a distribuição dos 83 custos dos impactos das diferentes políticas das nações, grupos socioeconômicos, setores industriais e gerações. As prováveis políticas de mitigação estariam mais vinculadas à idéia de equidade. Nesse sentido, o Fundo de Adaptação realizaria um papel essencial de justiça distributiva. Contudo, o fundo é, por definição, insuficiente; a fonte financeira corresponde a apenas 2% dos recursos movimentados pelos projetos MDL. O Fundo Global para as Mudanças Climáticas (GEF) gerencia outros fundos de adaptação não ligados ao mercado de carbono. Na última Conferência das Partes em Poznan, os países menos desenvolvidos teceram duras críticas ao GEF. O representante das Filipinas afirmou que o Fundo para os países menos desenvolvidos deveria ser denominado de fundo menos desenvolvido, já que a quantia a ele destinada (US$172 milhões) é menor do que os CEOs das empresas americanas falidas receberam como bônus de natal. 5.1 TEORIA DA APLICABILIDADE DE JUSTIÇA E ANÁLISE DO MECANISMO MDL E DO FUNDO DE ADAPTAÇÃO A justiça global, enquanto projeto político, visa a redução das injustiças e iniqüidades. Tal projeto (percepções materializadas) deve identificar percepções de uma cultura cosmopolita encontrando uma demanda legítima por justiça; obrigações positivas e negativas para enforce a justiça; causas das injustiças; sendo, por fim, submetido ao teste da cultura internacional para que se avalie o grau de aplicabilidade do projeto. Os agentes internacionais conformam relações complexas e assimétricas na construção da “estrutura básica da sociedade” internacional (RAWLS, 1977)16. Os agentes reivindicadores de justiça foram identificados como Estado, sociedade civil transnacional e indivíduo. Embora as desigualdades não sejam necessariamente fruto de injustiças, é preciso assegurar um padrão mínimo que garanta as necessidades básicas dos indivíduos. Uma forma de justificar e legitimar esse projeto é a existência de uma forte demanda (os necessitados) por mecanismos justos o qual deve ser assegurado por sanções legais e sociais. 16 Justiça distributiva não se preocupa apenas com a redistribuição material, mas sim com a estrutura básica da sociedade, isto é, o meio pelo qual a maioria das instituições sociais (por exemplo, mercado de trabalho, mercado de capitais) determinam a divisão de vantagens na sociedade. 84 Para resguardar esse mínimo aos indivíduos, é preciso analisar as complexas relações sociais que se delineiam no meio internacional. É preciso trabalhar com o princípio inter-estatal da soberania, por mais que ele esteja flexível; com os diversos níveis de atuação da sociedade civil transnacional e demais agentes internacionais, de modo a mobilizar o maior contingente de atores em prol de ideais de justiça. As organizações internacionais são a arena mais adequada para esse fim. Elas vão representar o importante papel de dar visibilidade aos temas e questões relacionadas à justiça, testar abordagens e propostas inovadoras, angariar recursos e tentar assegurar sua implementação. As OIs não devem trazer apenas obrigações negativas (não interferência, não agressão e não coerção), mas também obrigações positivas (promover desenvolvimento, prover alívio aos necessitados, redistribuir recursos e riquezas). Para Kant, obrigações positivas (ex: fazer o bem aos outros) pertencem ao mundo da Virtude (duties of Virtue), geram, portanto, obrigações imperfeitas, visto que não podem ser asseguradas ou coercíveis por um agente externo. Obrigações pertencentes ao mundo da Virtude só sofrem um tipo de constrangimento: o autoconstrangimento moral. Já obrigações negativas (por exemplo, não matar) pertencem ao mundo da Justiça (duties of justice) e geram obrigações perfeitas – aquelas que devem ser asseguradas por um agente externo por meio de sanções. Um projeto de justiça global não pode estar pautado na idéia de uma caridade ocasional por parte dos membros abastados, deve, antes de tudo, ser um compromisso que gere responsabilidades por parte desses membros (KOK-CHOR TAN, 1997). Alguns autores fundamentam a justiça global tomando como base o imperativo categórico kantiano “humanidade como um fim em si mesmo” - base para o princípio da dignidade humana – reza que não se devem tratar os outros como meio (objeto) para a consecução de quaisquer objetivos. Eles depreendem que o fato de não se tratar os outros como objeto, traz obrigações implícitas de assistência aos mais necessitados. Kok-Chor Tan (1997) se opõe veementemente a essa corrente. Igualar “Não tratar os outros como meio” (obrigação perfeita) e “proteger o outro” (obrigação imperfeita) é o colapso da distinção kantiana entre obrigações perfeitas e imperfeitas. Os kantianos devem mostrar que há deveres positivos de assistir os necessitados, pertencem ao mundo da justiça, não da virtude. A saída que Kok-Chor Tan (1977) encontra para associar obrigações perfeitas a deveres que, a priori, são pertencentes ao mundo da moral (ajudar os mais pobres, por exemplo), foi considerar que a assistência aos mais necessitados é superficialmente um dever moral, mas é, 85 sobretudo, um dever de justiça porque os mais necessitados de hoje sofreram injustiças (violações a seus direitos) no passado. A interdependência socioeconômica que une os indivíduos faz dos mais abastados responsáveis em mitigar as injustiças perpetuadas por esse sistema socioeconômico, visto que os mais abastados alimentam a estrutura desse sistema. A interdependência econômica, social e política da comunidade global faz de todos, em maior ou menor grau, participantes do arranjo social resultante da estrutura básica de distribuição de vantagens da sociedade internacional. Como a ordem econômica internacional é uma estrutura institucional cujo funcionamento não elimina a coerção, mas, em geral, a institucionaliza, a responsabilidade em mitigar as misérias humanas adquire escala global. A responsabilidade pelas injustiças está relacionada com as ações individuais e a estrutura social internacional. Os poderosos tomadores de decisões possuem uma carga de responsabilidade maior que os cidadãos comuns, mas esses também são responsáveis na medida em que votam (no caso das democracias) e adotam padrões de consumo que engendram esses esquemas institucionais que conformam a estrutura social internacional. As Organizações Internacionais podem fomentar as condições necessárias para que se implemente um “princípio da diferença” aplicável ao meio internacional, além de fornecer uma infra-estrutura que torne a redistribuição de recursos mais eficiente e mais viável. Ao apresentar uma agenda pragmática que abarque o maior contingente possível de agentes internacionais, as OIs contribuem fortemente em prol da diminuição das desigualdades. A eficácia das políticas promovidas pelas Organizações Internacionais vai depender de fatores já mencionados como transparência, solidez das regras constitutivas da OI; capacidade de implementação das políticas por parte dos governos; a assimetria na distribuição de poder dos membros; a interdependência entre os participantes. Outro fator que afeta a implementação de políticas públicas que promovem uma redistribuição de renda no meio internacional, ou ainda que mitigam os efeitos da pobreza é cultura internacional – sistema de significados compartilhados pelos agentes internacionais. O aprofundamento da interdependência contribui para o aparecimento de laços de solidariedade transnacionais e a própria sociedade civil transnacional é fruto desses laços. O sentimento de coesão social se mostra mais forte quanto menor é a sociedade, e a globalização tem diminuído a distância espacial e temporal que separa as pessoas, por isso tornou-se possível a emergência de uma solidariedade internacional. Contudo, o sentimento de pertencimento tende a ser mais forte 86 entre cidadãos de um mesmo país do que entre cidadãos e estrangeiros. As relações sociais internacionais não são densas o suficiente para que, normalmente, o estrangeiro seja visto como um compatriota, o que torna o estrangeiro menos visível e que faz de suas demandas por justiça menos legítimas aos olhos dos cidadãos. Embora tenham sido identificados todos os elementos necessários (demanda por justiça, necessidade de obrigações positivas e negativas, causas das injustiças) para fundamentar o projeto para promoção da justiça global, a cultura internacional contemporânea não permite que ele tenha uma aplicabilidade plena. Apesar de todas as transformações advindas do aumento da interdependência, as organizações internacionais que propõem projetos semelhantes em prol da justiça global se vêem limitadas pela autonomia dos estados-membros. O emprego continuado de soft norms é um reflexo dessas limitações. Surgem, então, os seguintes questionamentos: em que grau o projeto político de justiça global pode ser concretizado? Qual a aplicabilidade do ideal de justiça ao meio internacional? Do ponto de vista teórico, é possível identificar três graus de aplicabilidade da justiça global enquanto projeto: justiça suprapositiva, justiça positiva e justiça infrapositiva. A partir das normas do direito internacional e dos discursos dos agentes internacionais foi possível identificar percepções, valores e normas que compõem o ideal de justiça global nas três dimensões analisadas (inter-estatal, transnacional, humana). Quando há um entendimento generalizado de que o ideal de justiça compartilhado está efetivamente positivado no direito vigente, o grau de aplicabilidade atingido é denominado de justiça positiva (Figura 7). Segundo esse entendimento, os interesses dos agentes internacionais - claramente expressos pelas normas – coincidem com os princípios de justiça. O grau máximo de justiça que pode ser atingida é fruto da interação e dos ajustes mútuos resultantes da interdependência e complementaridade das dimensões inter-estatal, transnacional e humana. A Figura 7 representa as interações que conformam a idéia de justiça positiva. 87 Justiça Positiva Justiça Inter-estatal Justiça Humana Justiça Transnacional Figura 7: Representação da Justiça Positiva Nesse sentido, os preceitos que estão positivados nos tratados internacionais são justos e o máximo de justiça que se pode almejar coincide com os princípios inscritos nessas normas. Essa interpretação abarca apenas o entendimento de justiça formal. Isto é, como a norma é justa, não há motivos para mudar o status quo. Nesse caso, o ideal de justiça coincide com a justiça positiva. As demandas por justiça distributiva, por exemplo, não têm muita visibilidade. As percepções que orientam as atitudes compreendem como justo o sistema de distribuição de vantagens do meio internacional. Não existe um regime puro que apreenda apenas um grau de aplicabilidade de justiça, mas o sistema da OMC pode ser caracterizado pela justiça positiva. Na medida em que suas regras garantem certa estabilidade, previsibilidade e executabilidade, há uma tendência das regras da OMC terem uma aplicação conforme os procedimentos formais exigidos, atingindo o grau positivo de aplicabilidade. Quando as percepções generalizadas compreendem que sequer o que foi convencionado nos tratados internacionais podem ser referenciais para encontrar os princípios orientadores de justiça da sociedade, há um entendimento de que o ideal de justiça não pode ser atingido. O grau máximo de aplicabilidade de justiça é algo inferior ao que se encontra positivado no direito internacional, por isso denominou-se justiça infra-positiva (Figura 8). A Figura 8 representa as interações que compreendem os ideais de justiça infra-positiva. 88 Justiça Positiva Justiça Infra-positiva Justiça Inter-estatal Justiça Humana Justiça Transnacional Figura 8: Representação da Justiça Infra-positiva Justiça compreenderia o reconhecimento de direitos e deveres mediante um processo de intercâmbio ou barganha, pelo qual indivíduos ou grupos admitem os direitos dos outros de forma recíproca (BULL, 2002). A interação das dimensões de justiça e os ajustes mútuos resultantes das negociações complexas e assimétricas não permitem atingir sequer o nível da justiça positiva. Pode-se dizer que o ideal de justiça encontra-se positivado, mas o grau de aplicabilidade não chega a atingir o que foi acordado. O sistema de segurança coletiva previsto pela Liga das Nações pode ser um exemplo de justiça infra-positiva. A guerra, na época, foi declarada pelo direito internacional vigente como atividade ilegal, o que não impediu que a segunda guerra mundial emergisse. Quando o ideal de justiça supera o que é esperado pela justiça positiva, tem-se um entendimento de justiça supra-positiva (Figura 9). Nesse caso, acredita-se que os ajustes e interesses envolvidos no delineamento das normas internacionais não têm aplicabilidade plena no meio internacional. A diferença entre a justiça infra-positiva e supra-positiva está no ideal de justiça almejado. Enquanto a primeira se satisfaz com a aplicabilidade inferior à justiça positiva, a segunda almeja um ideal de justiça superior ao grau de justiça aplicável ao meio internacional. Outro ponto que caracteriza a justiça supra-positiva é a não limitação da aplicabilidade do projeto de justiça ao nível infra-positivo, isto é, a depender do regime analisado, o grau de justiça alcançado pode atingir o nível de justiça positiva. A Figura 9 representa as interações que representam os ideais de justiça supra-positiva. 89 Justiça supra-positiva Justiça Positiva Justiça Infra-positiva Justiça Inter-estatal Justiça Humana Justiça Transnacional Figura 9: Representação da Justiça Supra-positiva O regime de proteção aos direitos humanos pode ser caracterizado por almejar um ideal de justiça supra-positiva, muito embora a aplicabilidade do grau de justiça varie entre a justiça positiva e infra-positiva. A depender do observador e do regime internacional analisada, o grau de aplicabilidade do projeto de justiça global pode variar segundo os níveis de justiça abordados. Pode-se inferir que do ponto de vista formal e procedimental, a aplicação da Justiça Ambiental Global no âmbito do mercado de carbono é positiva. Isto é, analisando o desenho institucional da UNFCC, as práticas condizem com as normas expressas (Figura 10). Na Figura 10 está representado a aplicabilidade da Justiça Ambiental Global no âmbito procedimental e formal. 90 Justiça Positiva Justiça Inter-estatal Justiça Humana Justiça Transnacional Figura 10: Representação da Justiça Ambiental Global Formal como justiça positiva Contudo, do ponto de vista normativo e axiológico, o grau de aplicabilidade de justiça no âmbito do mercado de carbono, mais especificamente, o MDL e o Fundo de Adaptação podem ser representados como justiça supra-positiva, isto é, nem cumprindo o que se é estipulado há uma aplicabilidade da Justiça Ambiental Global (Figura 9). CAPÍTULO VI 92 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da Conferência sobre Meio Ambiente (Estocolmo, em 1972), surge o conceito de ecodesenvolvimento17 (SACHS, 2004), que posteriormente evoluiu para o que ficou conhecido como desenvolvimento sustentável18, isto é, foi proposto uma percepção de desenvolvimento socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente viável. Tal proposta de desenvolvimento sustentável tem orientado os foruns internacionais como indicador para analisar em que medida os mecanismos de justiça distributiva estão sendo implementados por meio dos projetos de MDL e do Fundo de Adaptação. O regime internacional ambiental é uma resposta social e historicamente construída a partir das preocupações da comunidade internacional sobre os impactos negativos da atividade humana no meio ambiente. A partir do Protocolo de Kioto, os mecanismos de mercado passaram a ser utilizados de modo que projetos ambientalmente sustentáveis e que levassem em conta as necessidades sociais fossem financiados na redução das emissões de GEE. Dentro desse princípio, foram estabelecidos mecanismos de flexibilização: comércio de emissões (Emissions Trade), Implementação conjunta (Joint implementation) e Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL). Assim, surgiu uma série de mercados de carbono - mercado europeu, mercados voluntários - que passaram a comercializar as Reduções Certificadas de Emissão (RCEs). No âmbito do Mercado de Carbono, foram escolhidos para análise o mecanismo de desenvolvimento Limpo (MDL) e o Fundo de Adaptação por serem os únicos mecanismos que envolvem a promoção de justiça social distributiva, na medida em que trabalham países em desenvolvimento para que recebam auxílio, ora de projetos de desenvolvimento sustentável, ora de projetos voltados para a adaptação às mudanças climáticas. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é um dos mecanismos de flexibilização criados pelo Protocolo de Kioto para auxiliar o processo de redução de emissões de gases do efeito estufa 17 Segundo Sachs (2004), o ecodesenvolvimento subordina o crescimento a objetivos sociais e explicita as condicionalidades ambientais sem se descuidar da viabilidade econômica. 18 A expressão “Desenvolvimento Sustentável”, apresentada no relatório Nosso Futuro Comum, abrange as dimensões econômica, social, ecológica, política e tecnológica, e é definido como sendo “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988). 93 (GEE) ou de captura de carbono por parte dos países do Anexo I. A proposta do MDL consiste em que cada tonelada de CO2 deixada de ser emitida ou retirada por um país em desenvolvimento poderá ser comercializada no mercado mundial. Dentre os mecanismos de flexibilização, é o único que promove justiça distributiva, na medida em que financia projetos de desenvolvimento sustentável a serem implementados em países em desenvolvimento. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) tem enfoque nas áreas agropecuária, floresta, energia renovável, conservação de energia. Seus projetos são estimulados para a produção de tecnologias limpas, o que tenta aliar desenvolvimento sustentável com a diminuição dos custos globais de redução de GEE. Os países industrializados, ao investir em oportunidades de redução de emissões de baixo custo, poderiam reduzir os cortes que teriam que fazer na sua própria economia (MAROUN, 2007). Outro fator apontado como positivo seria a transferência de tecnologia de países industrializados aqueles em desenvolvimento. Os impactos das mudanças climáticas variam substancialmente entre as regiões do planeta, dessa forma, as políticas de mitigação seriam inclusivas para compensar os custos impostos aos grupos de países de menor renda. Ampliar a capacidade adaptativa de uma sociedade seria uma forma de reduzir suas vulnerabilidades e promover o seu desenvolvimento sustentável. Assim, surgiu o Fundo de adaptação que é formado pelo equivalente a 2% dos certificados de redução de emissões, emitidos por projetos de MDL, para contribuir com países em desenvolvimento que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança do clima. Concomitantemente às ações de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas (comércio de emissões, implementação conjunta, mecanismo de desenvolvimento limpo), as ações voltadas para a adaptação a esses impactos passam a ser tema fundamental para os formuladores de políticas nacionais e internacionais. Os mecanismos de mercado são entendidos como a melhor forma de alocação de recursos que permita o encontro de demandantes e ofertantes de determinado recurso. Consequentemente, o melhor caminho para a satisfação das necessidades dos indivíduos seria o mercado. Tais mecanismos de mercado, contudo, não resolvem por si próprio as externalidades, isto é, conseqüências não desejadas que muitas vezes podem ser mostrar negativas. Dessa forma, o MDL, por ser um mecanismo de mercado, não prevê uma distribuição equânime de recursos. Assim, os países mais necessitados não necessariamente serão aqueles que mais receberão investimentos para projetos MDL, o que tem sido evidenciado é uma 94 desigualdade no acesso a tais recursos. O Brasil, a Índia e a China têm concentrado os fluxos de recursos em detrimento de outros países mais vulneráveis. Alguns países da África, por exemplo, se apresentam altamente vulneráveis do ponto de vista social e climático, mas não possuem emissões a abater. Isso os torna pouco atrativos para serem favorecidos pelos projetos de MDL. Outro ponto que vem sendo questionado é o incentivo indireto a países em desenvolvimento para que “sujem” a sua matriz energética. Isto é, países que, muitas vezes, não possuem uma economia expressiva e que acabam poluindo muito pouco possuem incentivos indiretos para utilizarem fontes de energia suja (ex: fontes fósseis) para, em segundo momento reivindicarem projetos MDL. Além disso, o MDL pode acabar detonando um outro efeito adverso. O preço de uma permissão para emitir uma tonelada de CO2 teve uma baixa recorde em 2006, atingindo o valor de 1,5 euros, em função do excesso de oferta de permissões para poluir. Isto significa que é muito mais barato para as usinas queimar carvão e comprar permissões para poluir. Dada a assimetria entre os Estados no meio internacional, é possível identificar rulemakers e rule-takers, isto é, há Estados que fazem as regras e Estados que seguem as regras. Como as percepções sobre justiça ambiental global envolvem valores, princípios e obrigações “universais”, a promoção da justiça ambiental global decorre de uma dinâmica política e jurídica em âmbito internacional. Segundo Schleicher (2003), o MDL deveria mitigar as emissões de GEE por meio da promoção do desenvolvimento sustentável; diminuição dos custos globais de redução de GEE; estimulando transferência tecnológica dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Contudo, é possível identificar uma série de problemas no âmbito desse mecanismo de flexibilização. Por ser um mecanismo de mercado, não prevê uma distribuição equânime de recursos, seja observando o aspecto geográfico, seja do ponto de vista da carência material dos países em desenvolvimento. De acordo com o que foi observado com relação ao MDL e ao Fundo de Adaptação, é possível inferir que o nível de aplicabilidade de justiça ambiental global é infra-positiva, isto é, o máximo de justiça alcançável fica muito aquém do que é estipulado pelos documentos, acordos e tratados internacionais. Tampouco se pode dizer que o mercado de carbono garante que o seu sistema de preços seja invariavelmente favorável às idéias que envolvem um desenvolvimento sustentável. O Fundo de Adaptação é por definição insuficiente, visto que apenas 2% dos 95 recursos obtidos do MDL são destinados ao Fundo. Contudo, dentre as opções, o Fundo se apresenta como a alternativa que mais se aproxima de uma idéia de justiça distributiva, já que apenas países em desenvolvimento e países mais pobres têm acesso a esses recursos. O que pode ser notado na Figura 12. A figura 12 representa grau de aplicabilidade da Justiça Ambiental Global no âmbito do MDL e do Fundo de Adaptação. Justiça supra-positiva Justiça Positiva Justiça Infra-positiva Justiça Inter-estatal Justiça Humana Justiça Transnacional Figura 11: Representação do grau de aplicabilidade da Justiça Ambiental Global no âmbito do MDL e do Fundo de Adaptação. Portanto, em um contexto de competição e cooperação intensa entre os demandantes de justiça, Estado, sociedade civil transnacional e indivíduo, o máximo de justiça aplicável é inferior ao que é estipulado pelos documentos, tratados e discursos que tratam da proteção ambiental internacional e, mais especificamente, o mercado de carbono não contribui decisivamente com a redistribuição de recursos internacionais para os países mais necessitados. Assim, conforme o arcabouço teórico proposto, o nível de aplicabilidade de justiça no âmbito do mercado de carbono é de Justiça ambiental supra-positiva. REFERÊNCIAS 97 ABBOTT, K. W.; SNIDAL, D. Hard and Soft Law in International Governance. International Organization, v. 54, n. 3, p. 421-56, 2000. 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