MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO E FUNDO DE ADAPTAÇÃO:
PASSOS EM DIREÇÃO À JUSTIÇA AMBIENTAL GLOBAL 1
UFPB
UEPB
UESC
UFRN
UFS
UFPE
UFC
UFPI
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA
Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio
Ambiente
ANAHÍ DE CASTRO BARBOSA
MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO E FUNDO
DE ADAPTAÇÃO: PASSOS EM DIREÇÃO À JUSTIÇA
AMBIENTAL GLOBAL
João Pessoa
2009
ANAHI DE CASTRO BARBOSA
MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO E FUNDO
DE ADAPTAÇÃO: PASSOS EM DIREÇÃO À JUSTIÇA
AMBIENTAL GLOBAL
Dissertação apresentada ao Programa Regional de
Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio
Ambiente – PRODEMA, Universidade Federal da
Paraíba, Universidade Estadual da Paraíba em
cumprimento às exigências para obtenção de grau
de Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente.
Orientador: Prof. Dr. Valderí Duarte Leite
João Pessoa
2009
É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na sua forma impressa
como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida exclusivamente para fins
acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a identificação do autor, título,
instituição e ano da dissertação
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB
B238m
Barbosa, Anahi de Castro.
Mecanismo de desenvolvimento limpo e fundo de
adaptação [manuscrito] : passos em direção à justiça
ambiental global / Anahí de Castro Barbosa, 2009.
102 f.: il. color.
Digitado.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio
Ambiente). Universidade Estadual da Paraíba, Programa
de Pós-Graduação e Pesquisa, 2009.
“Orientação: Prof. Dr. Valderí Duarte Leite,
Departamento de Química”.
1. Meio Ambiente. 2. Justiça Ambiental Global. 3.
Mecanismo de Desenvolmento Limpo. 4. Fundo de
Adaptação. I. Título.
22. ed. CDD 333.7
ANAHI DE CASTRO BARBOSA
MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO E FUNDO
DE ADAPTAÇÃO: PASSOS EM DIREÇÃO À JUSTIÇA
AMBIENTAL GLOBAL
Dissertação apresentada ao Programa Regional de
Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio
Ambiente – PRODEMA, Universidade Federal da
Paraíba, Universidade Estadual da Paraíba em
cumprimento às exigências para obtenção de grau
de Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente.
Aprovado em: ___/___/___
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof. Dr. Valderi Duarte Leite - UEPB
Orientador
_______________________________________
Prof. Dr. Wilton Silva Lopes – UEPB
Examinador Interno
_______________________________________________
Profa. Dra. Rosilene Dias Montenegro – UFCG
Examinador Externo
A meu filho, Pietro, simbolicamente, representando
as gerações do novo milênio, líderes responsáveis
pela transformação do mundo.
AGRADECIMENTOS
Ao Criador de tudo, por nos permitir a participação no processo de criação dando
oportunidade a cada um cumprir a missão co-criadora de acordo com suas potencialidades.
À minha família pelo amor a mim dedicado, pelo respeito às minhas opções e suporte
imprescindível.
A Universidade Estadual da Paraíba por ter me proporcionado a possibilidade de realizar
este trabalho, disponibilizando os meios para tal.
Ao professor Prof. Dr. Valderí Duarte Leite, pela disponibilidade em me orientar, aliando
competência, gentileza e respeito.
Aos Dr. José Tavares de Sousa, Dr. Wilton Silva Lopes e a Dra. Rosilene Dias
Montenegro que a despeito dos múltiplos afazeres se dispuseram a examinar este trabalho
trazendo uma visão crítica.
Aos colegas de curso, Adriana Bezerra, Silvana Torquato, Regilene Portela, Wedson
Medeiros, Michelle Pimentel, Tércio Mota, Janiele França, Gabriela Joannes, Levi Soares e
Gilberto Queiroz Filho, pela cooperação, solidariedade e amizade.
A Marilene de Araújo Silva, secretária do PRODEMA, pela presteza e gentileza que
sempre apresentou no desempenho de suas funções.
A todos aqueles que direta ou indiretamente participaram da construção e
desenvolvimento deste trabalho.
O CAMINHO ADIANTE
Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo
começo. Tal renovação é a promessa dos princípios da Carta da Terra. Para
cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a adotar e promover os
valores e objetivos da Carta.
Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de
interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e
aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local,
nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa, e
diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta
visão. Devemos aprofundar expandir o diálogo global gerado pela Carta da Terra,
porque temos muito que aprender a partir da busca iminente e conjunta por
verdade e sabedoria.
A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode
significar escolhas difíceis. Porém, necessitamos encontrar caminhos para
harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem
comum, objetivos de curto prazo com metas de longo prazo. Todo indivíduo,
família, organização e comunidade têm um papel vital a desempenhar. As artes, as
ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as
empresas, as organizações não-governamentais e os governos são todos chamados
a oferecer uma liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e
empresas é essencial para uma governabilidade efetiva.
Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem
renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações
respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos
princípios da Carta da Terra com um instrumento internacional legalmente
unificador quanto ao ambiente e ao desenvolvimento.
Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à
vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da
luta pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.
CARTA DA TERRA / Prólogo
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar em que medida o Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL) e o Fundo de Adaptação contribuem para a construção da Justiça Ambiental
Global. Isto é, como se dá a construção da Justiça Ambiental Global a partir da análise do
mecanismo de flexibilização MDL e do Fundo de adaptação, no âmbito do mercado de carbono;
como o MDL e o Fundo de Adaptação afetam a distribuição de recursos internacionais de modo a
promover justiça ambiental, social e econômica? A proposta não vai tratar apenas dos aspectos
formais do MDL e do Fundo, e sim, procurar entender a complexidade das relações ambientais
internacionais nos seus diversos aspectos ambientais, econômicos, políticos, sociais e culturais,
de modo que serão explicitados os abismos entre os discursos e as ações efetivamente
implementadas. Em 1992, foi estabelecida a Convenção Quadro das Nações Unidas para as
Mudanças Climáticas (UNFCCC) que teve como meta propor ações para que países do
desenvolvidos signatários do protocolo de Kioto (Países do Anexo I) estabilizassem as
concentrações de gases do efeito estufa GEE. A partir do Protocolo de Kioto (COP 3), os
mecanismos de mercado passaram a ser utilizados, de modo que projetos ambientalmente
sustentáveis e que levassem em conta as necessidades sociais fossem financiados na redução das
emissões de GEE. No presente trabalho, foi desenvolvida uma metateoria de justiça para analisar
como a UNFCCC e os mecanismos MDL e Fundo de Adaptação afetam os mecanismos de
redistribuição de recursos de modo a promover maior equidade. Verificou-se que os agentes
internacionais que mais se beneficiam com esses mecanismos, não são aqueles que mais
necessitam. Países como Brasil, China, Índia e México lideram os projetos MDL, em detrimento
de países menos desenvolvidos. Há um maior número de projetos de MDL em países com matriz
energética “suja”, o que implica em estímulos positivos para tais países. Muitas vezes, projetos de
MDL acabam representado formas de legitimar as emissões e manter o status quo. O Fundo de
Adaptação ainda não foi implementado efetivamente. Muito embora o Fundo possua princípios
que coadunem com os ideais de justiça, do ponto de vista material, é insuficiente. Este possui
recursos escassos, contando com apenas 2% dos ativos provenientes de projetos MDL.
ABSTRACT
This study aims to examine the extent to which the Clean Development Mechanism (CDM) and
the Adaptation Fund to help build the Global Environmental Justice. That is, as the CDM and
Adaptation Fund to affect the distribution of international resources to promote environmental
justice, social and economic. In 1992, the United Nations Framework Convention for Climate
Change (UNFCCC) was established, which had as target Annex I countries to stabilize
concentrations of greenhouse effect gases GHG. From the Kyoto Protocol (COP 3), the market
began to be used, so that environmentally sustainable projects and to take into account social
needs were financed in the reduction of GHG emissions. In the present study was a metatheory of
justice developed to analyze how the UNFCCC and the mechanisms CDM and Adaptation Fund
affect resources redistribution mechanisms to promote greater equity. It was found that the
players that most benefit from these mechanisms are not those who need it most. Countries like
Brazil, China, India and Mexico leading the CDM projects rather than less developed countries.
There is a large number of CDM projects in "dirty" energy countries, which results in positive
incentives for these countries. Often, CDM projects represents a way to legitimate GHG
emissions and maintain the status quo. The Adaptation Fund has not yet been implemented
effectively. Although the Fund has principles that line with the ideals of justice, it is financially
insufficient. It has limited resources, with only 2% of assets from CDM projects.
1
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Impactos decorrentes do aquecimento global .......................................................
48
Quadro 2
Metas dos Países (Anexo I) ...................................................................................
65
1
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1
Projetos de implementação conjunta por tipo de atividade ............................... 56
Gráfico 2
Proporção de projetos registrados por países ....................................................
81
Gráfico 3
Projetos MDL registrados por região ................................................................
82
1
LISTAS DE FIGURAS
Figura1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figura 7
Figura 8
Figura 9
Figura 10
Figura 11
Representação do ideal de Justiça Global como interações complexas e
assimétricas da Justiça Inter-estatal, transnacional e humana .................................
Esquema ilustrando o efeito estufa .........................................................................
Mudança na Temperatura Global e Continental .....................................................
Mudanças na Temperatura, no Nível do Mar e na Cobertura de Neve do
Hemisfério Norte .....................................................................................................
Representação do Ciclo de um Projeto ...................................................................
Representação da linha de base de um projeto MDL ..............................................
Representação da Justiça Positiva ...........................................................................
35
43
45
47
69
70
x8
7
Representação da Justiça Infra-positiva .................................................................. 88
Representação da Justiça Supra-positiva ................................................................. 89
Representação do grau de aplicabilidade da Justiça Ambiental Global no âmbito
do MDL e do Fundo de Adaptação ......................................................................... 90
Representação da Justiça Ambiental Global Normativa e Axiolóico ........................ 95
1
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Movimentação financeira no âmbito do Mercado de Carbono Oficial ...................
71
Tabela 2
Projetos MDL apresentados por região, dados de maio de 2009 ............................
74
1
LISTAS DE SIGLAS
AAUs
Créditos de Carbono de Projetos de Implementação Conjunta
AIJ
Atividades Implementadas Conjuntamente
AND
Autoridade Nacional Designada
BM&F
Bolsa de Mercadorias e Futuros
CCX
Chicago Climate Exchange
CERs
Certificações de Redução de Emissões
tCERs
Certificações de Redução de Emissões temporárias
lCERs
Certificações de Redução de Emissões de longo prazo
CH4
Molécula de metano
CO2
Molécula de carbono
CO2e.com
Mercado de Carbono Voluntário
COP
Conferências das Partes
CTNs
Corporações Transnacionais
EUA
Estados Unidos da América
EUAs
Permissão de Emissões de Carbono
ET
Comércio de emissões
EOD
Entidade Operacional Designada
GEE
Gases responsáveis pelo fenômeno efeito estufa
GWh
Giga Watts hora
HFCs
Hidrofluorcarbonetos
H2O
Molécula de água
IPCC
Intergovernamental Panel of Climate Change
LULUCF
Land use, land-use change and forestry
MBRE
Mercado brasileiro de redução de emissões
MDL
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
MOP
Encontro da partes
MW
Mega Watts
N2O
Óxido nitroso
1
O3
Ozônio
ODMs
Objetivos do milênio
OI
Organização Internacional
OMC
Organização Mundial de Comércio
ONGs
Organizações Não Governamentais
ONU
Organização das Nações Unidas
OPEP
Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PCF
Prototype Carbon Fund
PEDs
Países em desenvolvimento
PFCs
Perfluorcarbono
PFPE
Projetos Florestais de Pequena Escala
PNUMA
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
SBSTA
Convenção das Partes Subsidiárias para Apoio Científico e Tecnológico
SF6
Hexafluoreto de enxofre
SBI
Convenção das Partes Subsidiárias para Apoio Financeiro
SIDS
Países em desenvolvimento formado por pequenas ilhas
t
Tonelada
UNFCCC
Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas
URSS
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
WWF
World Wildlife Fund
SUMÁRIO
CAPÍTULO I .........................................................................................................................
16
1
INTRODUÇÃO .....................................................................................................
17
CAPÍTULO II .......................................................................................................................
22
2
TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E OS PRIMEIROS
PASSOS EM DIREÇÃO À CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA GLOBAL ............ 23
2.1
PRESSUPOSTOS BÁSICOS ...................................................................................
2.2
CONSTRUTIVISMO SOCIAL: MATRIZ TEÓRICA PARA A CONSTRUÇÃO
DE UM CONCEITO DE JUSTIÇA GLOBAL ........................................................ 24
2.2.1
Corrente construtivista das relações internacionais ............................................ 24
2.2.2
Uma metateoria de justiça ...................................................................................... 26
23
CAPITULO III ...................................................................................................................... 28
3
O MUNDO DAS PERCEPÇÕES MATERIALIZADAS NA PROMOÇÃO
DA
JUSTIÇA
GLOBAL:
DA
TEORIA
DOS
REGIMES
INTERNACIONAIS ÀS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS .................. 29
3.1
O PAPEL DOS REGIMES INTERNACIONAIS ....................................................
29
3.2
AS DUAS FACES DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ........................
30
3.3
CONSTRUINDO UM CONCEITO DE JUSTIÇA GLOBAL ................................. 34
3.3.1
Um conceito tridimensional de justiça ..................................................................
34
3.3.2
Justiça Inter-estatal ................................................................................................
35
3.3.3
Justiça Transnacional ............................................................................................. 36
3.3.4
Justiça Humana. ...................................................................................................... 38
CAPÍTULO IV ......................................................................................................................
4
CONTEXTO INTERNACIONAL ....................................................................... 40
4.1
FUNDAMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA AMBIENTAL
GLOBAL ................................................................................................................ 41
4.1.1
Mudanças climáticas e efeito estufa ..................................................................... 42
2
4.2
MUNDO DAS PERCEPÇÕES MATERIALIZADAS POR UMA JUSTIÇA
AMBIENTAL GLOBAL ........................................................................................ 49
4.2.1
4.3
História da emergência dos regimes internacionais de proteção ao meio
ambiente ................................................................................................................. 49
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO REGIME DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS .... 53
4.3.1
A Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima ................
53
4.3.1.1
Conferência das partes ............................................................................................
54
4.3.2
Institucionalização do Protocolo de Kioto ..........................................................
62
4.3.2.1
Mecanismos de flexibilização .................................................................................
63
4.3.2.2
Implementação conjunta .........................................................................................
64
4.3.2.3
Comércio de emissões ............................................................................................. 65
4.3.2.4
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) ....................................................
66
CAPÍTULO V ........................................................................................................................ 81
5
APLICABILIDADE DA TEORIA DE JUSTIÇA ...............................................
82
5.1
TEORIA DA APLICABILIDADE DE JUSTIÇA E ANÁLISE DO
MECANISMO MDL E DO FUNDO DE ADAPTAÇÃO ....................................... 83
CAPÍTULO VI ......................................................................................................................
91
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................
92
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................
96
CAPÍTULO I
17
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar como se realiza a promoção e a construção
da justiça global, a partir da análise das percepções de justiça e das relações entre agenteestrutura no âmbito do regime internacional de mudanças climáticas, mais especificamente, no
contexto do mercado de carbono.
Como não há um sentido absoluto de justiça que permeie todas as sociedades e todas as
culturas; as especificidades de cada coletividade, de cada indivíduo refletem entendimentos
diferentes de justiça. A subjetividade inerente ao tema justiça global prima pelo estudo das
percepções de justiça dos agentes internacionais, na medida em que as mesmas, enquanto fatores
ideacionais, afetam diretamente a compreensão de igualdade, equidade e direito dos agentes
internacionais.
Tomando como base essas percepções de justiça, os agentes vão cooperar e competir no
âmbito das instituições sociais internacionais. Em que medida as Instituições sociais
internacionais conseguem construir e promover a Justiça global, ou se o grau de justiça global
aplicável é apenas reflexo das estruturas de poder? Compreendendo que regimes internacionais
sejam instituições sociais internacionais, o regime internacional de mudanças climáticas será
objeto de estudo.
A hipótese principal é que a justiça global é promovida de acordo com a aplicabilidade
dos projetos normativos1 propostos no dos pressupostos propugnados pelo regime de mudanças
climáticas e a justiça global é construída em duas instâncias: em primeiro, no âmbito dos
discursos nos quais as percepções de justiça podem ser apreendidas; e em segundo, no âmbito
relacional em que a justiça2 é construída por negociações complexas e assimétricas, que dominam
as instituições sociais internacionais.
Nesse sentido, as seguintes premissas são importantes: 1. As percepções de justiça não
são idéias dadas, e sim, construções sociais que variam no tempo, espaço e de acordo com
crenças e valores particulares ao agente internacional específico. Tais percepções podem ser
1
Justiça global enquanto projeto normativo visa à redução das injustiças e iniqüidades, devendo identificar
percepções de uma cultura cosmopolita encontrando uma demanda legítima por justiça; obrigações positivas e
negativas para enforce a justiça; causas das injustiças (KOK-CHOR TAN, 1997).
2
Nesse sentido, justiça se refere à estrutura básica que orienta o sistema internacional de recompensas (RAWLS,
1977).
18
apreendidas nos discursos proferidos nas instituições sociais internacionais. 2. Há variadas
formas
de
institucionalização
no
meio
internacional
como
as
práticas
coletivas
institucionalizadas, a emergência das organizações internacionais, regimes internacionais3. Tais
instituições sociais internacionais pertencem ao mundo das percepções materializadas4 formado
por práticas dos atores baseadas nos entendimentos coletivos de comportamento social
apropriado e a partir do qual é possível apreender as percepções do agentes. Dessa forma, é
possível observar as intenções (significados) que moveram as ações dos agentes e perceber a
construção de identidades. 3. No âmbito relacional, é possível identificar uma assimetria
profunda entre estados, de modo que há rule-makers e rule-takers (Hurrell e Woods, 1999), o que
influencia na distribuição assimétrica de recompensas. 4. A definição de justiça global engloba
valores, princípios e obrigações ditas “globais”, mas “não-universais”. Por exemplo, a sociedade
global atual até pode apresentar de valores comuns e instituições geograficamente não limitadas,
mas certamente não é universal, visto que não inclui terroristas e outros indivíduos e grupos que
não aceitem valores liberais, democráticos e ocidentais (KEOHANE, 2003).
A temática ambiental foi enfocada tendo em vista a sua importância e a urgência para que
se propugne uma nova consciência ambiental. As mais recentes descobertas científicas
(Intergovernamental Panel of Climate Change - IPCC5, 2007) indicam que o aumento da
concentração de gases do efeito estufa (GEE) emitidos por fontes antropogênicas está alterando
significativamente o equilíbrio do sistema do clima. Por conseguinte, o fenômeno das mudanças
climáticas vem sendo considerado tanto pela comunidade científica quanto pela sociedade civil
como uma das mais sérias ameaças para as formas de vida do planeta.
O Relatório de Brundtland (1987) foi fruto de uma das primeiras conferências voltadas
para a temática ambiental. Em Nosso Futuro Comum, a percepção de desenvolvimento
sustentável ficou estabelecida como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes,
sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Tal
documento, contudo, também salienta a dicotomia Terra versus Mundo, que passa a ser um ponto
emblemático perpassando todos os fóruns que enfocam a temática ambiental.
3
Será dada, contudo, maior atenção à análise das organizações internacionais (grau máximo de institucionalização) e
regimes internacionais (grau menor de institucionalização)
4
Essa divisão é baseada na proposta de Kratochwil (1989) de mundo dos fatos brutos, o mundo da intenção e do
significado, e o mundo dos fatos institucionais.
5
O grupo, criado pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pela Organização Meteorológica Mundial em 1988,
reúne atualmente 2.500 cientistas de mais de 130 países e prevê mais chuvas fortes, derretimento de geleiras, secas e
ondas de calor.
19
Essa visão (Terra versus Mundo) mostra como as percepções das ações humanas estão
separadas da idéia de meio ambiente. Há um choque entre um espaço idealizado - construído e
modificado pelo homem de acordo com seus valores e crenças - e o espaço constituído pelo
conjunto de relações entre organismos e sistemas vivos cujo homem também faz parte, a
Biosfera.
Tais percepções são base para implementação de políticas públicas (nacionais e
internacionais) e indicam uma teia de significados que perpassam a crise da política ambiental.
Ao enfocar essa crise, é possível identificar uma problemática constante: a construção da Justiça
Ambiental Global ante o sistema internacional vigente, é possível?
A Justiça Ambiental Global é um tema muito vasto que atinge a todos, de modo que é
perpassado por uma série de relações sociais, econômicas, ambientais e culturais em níveis
múltiplos. Tais relações se delineiam em três níveis: sistêmico, nacional e transnacional. No nível
sistêmico, observam-se as interações de conflito e cooperação entre os agentes internacionais
(Estados, Corporações transnacionais, Organizações Internacionais). No nível nacional, pode ser
identificada a competição entre os grupos de interesse que procuram influenciar a agenda da
política externa do estado. E, no nível transnacional, é perceptível a atuação de uma série de
agentes que desenvolvem redes de influência e comunicação que não passa pela diplomacia
oficial (redes transnacionais de advocacy, ONGs, CTNs, indivíduos etc.), mas têm poder de
influência, na medida que utilizam recursos midiáticos para exercer pressão junto à opinião
pública internacional.
Esses níveis não são estanques, na realidade, não podem ser separados, visto que todas
essas esferas influenciam e são influenciadas no processo da governança global6. Os significados
e valores compartilhados dos agentes internacionais em níveis múltiplos vão legitimar e priorizar
determinadas ações. No âmbito da governança ambiental global, é possível identificar uma série
de regimes internacionais voltados para a proteção ambiental internacional.
O regime internacional de mudanças climáticas é, portanto, uma resposta histórica
construída a partir das percepções sobre como as relações Homem - Meio Ambiente necessitam
ser melhor delineadas. Para tratar do problema do efeito estufa e suas conseqüências (Rio 92), foi
estabelecida a Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (UNFCCC)
que teve como meta propor ações para que países do ANEXO I estabilizassem as concentrações
6
O processo de governabilidade que ocorre no meio internacional.
20
de gases do efeito estufa GEE, de modo que a ação antrópica deixasse de representar uma ameaça
ao clima do planeta.
A Convenção do Clima entrou em vigor em 1994, desde então, são realizadas as
Conferências das Partes (COP) para discutir o problema. Inicialmente, focou-se a necessidade de
que todos os países trabalhassem em prol da mitigação do efeito estufa e estabeleceu-se que os
países industrializados deveriam reduzir suas emissões (COP1 – Berlin, 1995). Determinou-se
que países em desenvolvimento deveriam receber assistência tecnológica e financeira (COP 2Gênova, 1996); em 1997, as negociações culminaram com o Protocolo de Kioto (COP3) com o
estabelecimento da redução de emissões em 5,2% dos países integrantes do ANEXO I. A partir
do Protocolo de Kioto (COP 3), mecanismos de mercado passaram a ser utilizados como
estratégia de redução das emissões de GEE.
Nas COP 4 e 5, foi elaborado e implementado o plano de ação para os mecanismos de
financiamento, transferência de tecnologia e desenvolvimento, implementação pelo UNFCCC e
implementação coletiva dos mecanismos do Protocolo de Kioto. Na COP 6, definição de papéis
operacionais para a implementação do Acordo de Bonn. Em Marraqueche, 2001, foram
estabelecidos papéis operacionais para implementação do Protocolo de Kioto (COP 7). Em 2002,
Nova Deli, foi feita a apresentação da ferramenta MDL- Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
(COP8).
Na COP 9 (2003) foram estabelecidos procedimentos do Manejo Florestal à luz do MDL;
prosseguimento dos debates sobre a ratificação do Protocolo de Kioto. Na COP 10, foram
debatidos desafios do futuro: impactos das Mudanças Climáticas e medidas de adaptação,
políticas de mitigação e tecnologia. O desafio das mudanças climáticas e o seu risco potencial de
afetar negativamente todo o planeta, é reconhecido, sobretudo os países em desenvolvimento,
sendo necessária uma abrangente participação e cooperação em uma efetiva e apropriada resposta
internacional à problemática, de acordo com os princípios da Convenção (Montreal – COP11).
Na COP 12 (NAIROBI, 2006), definiram-se as condições de operacionalização do Fundo
Especial de Mudanças Climáticas.
Para que este plano de trabalho fosse exeqüível, procurou-se delimitar o tema da seguinte
forma: no âmbito do mercado de carbono, foram selecionadas duas áreas conexas: o Mecanismo
de Flexibilização (MDL) e o Fundo de Adaptação. O MDL e o Fundo de Adaptação são
propostas que prevêem mecanismos de justiça distributiva, o que está de acordo com o intento do
21
trabalho. Todos os mecanismos de flexibilização visam reduzir os custos globais de
implementação das metas de redução dos GEE. Contudo, apenas o MDL prevê a participação de
países em desenvolvimento e mecanismos de justiça distributiva, tais como: transferência
tecnológica e promoção do desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento. Além
disso, a estratégia de adaptação, especialmente para países em desenvolvimento (PEDs), vem se
tornando o foco principal dos debates entre cientistas e formuladores de políticas, por isso foi
criado o Fundo de Adaptação.
Assim, a pergunta que vai nortear o estudo aqui proposto é: como se dá a construção da
Justiça Ambiental Global a partir da análise do mecanismo de flexibilização MDL e do Fundo de
adaptação, no âmbito do mercado de carbono? Em outros termos, como o MDL e o Fundo de
Adaptação afetam a distribuição de recursos internacionais de modo a promover justiça
ambiental, social e econômica? A proposta não vai tratar apenas dos aspectos formais do MDL e
do Fundo, e sim, procurar entender a complexidade das relações ambientais internacionais nos
seus diversos aspectos ambientais, econômicos, políticos, sociais e culturais, de modo que serão
explicitados os abismos entre os discursos e as ações efetivamente implementadas.
No primeiro capítulo, há a introdução da dissertação, de modo a explicitar a problemática
abordada e a forma como o trabalho será delineado. No segundo capítulo, será apresentado o
arcabouço teórico sobre o qual é desenvolvido uma metateoria de justiça. A metateoria será
utilizada para a análise do impacto do mecanismo MDL e do Fundo de adaptação na promoção
de Justiça Ambiental Global. No terceiro capítulo, analisa-se o que ficou denominado como
mundo das percepções materializadas para que se elabore um conceito tridimensional de justiça.
No quarto capítulo, serão apresentados os fundamentos para a construção da Justiça Ambiental
Global. Nesse contexto, serão salientados o fenômeno efeito estufa, a emergência do regime
internacional de mudanças climáticas, e a operacionalização do Protocolo de Kioto, dando
enfoque maior ao MDL e Fundo de adaptação. No quinto capítulo, será apresentada a discussão
propriamente dita. Neste capítulo será analisado em que medida o discurso e a doutrina presentes
na UNFCC condizem com as práticas da organização e qual o grau de aplicabilidade a Justiça
Ambiental Global consegue atingir no sistema internacional vigente. Por fim, no sexto capítulo
serão apresentadas as considerações finais.
CAPÍTULO II
23
2 TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E OS PRIMEIROS
PASSOS EM DIREÇÃO À CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA GLOBAL
2.1 PRESSUPOSTOS BÁSICOS
A análise das relações internacionais pressupõe a distinção entre agentes e sistema.
Quando um fenômeno específico é objeto de estudo, ele pode ser analisado tomando-se como
ponto de referência o nível macro (sistema) ou o nível micro (unidades). O sistema, nível macro
em que são travadas as relações entre agentes, torna-se o foco do estudo quando utiliza-se uma
perspectiva top-down7. Nesse caso, as determinantes sistêmicas afetam as unidades. A natureza
do sistema internacional, por exemplo, é a fonte fundamental da inexistência de uma cooperação
intensiva entre Estados. Quando a ênfase é dada à escolha dos agentes, o fator determinante do
fenômeno abordado é encontrado no nível micro (análise bottom-up8), assim as unidades, em suas
interações, determinam o sistema. Por exemplo, os Estados como atores racionais tomam suas
decisões visando maximizar seus benefícios e, assim, acabam determinando a conformação do
sistema internacional.
Os agentes internacionais compreendem toda e qualquer unidade que em sua relação com
o outro afeta a conformação das relações materiais e as percepções das relações subjetivas dos
outros agentes. Dada essa definição depreende-se que tanto Estados nacionais, assim como
organizações internacionais, ONGs, CTNs, agentes privados, na medida em que produzem os
efeitos abordados são considerados unidades do sistema. Se for dado um enfoque top-down em
cada uma dessas unidades, estas serão vistas como subsistemas compostas por unidades menores,
cuja interação vai afetar as respostas do subsistema aos estímulos externos. As burocracias, por
exemplo, são unidades, na medida em que compõe Estados e OIs, mas também são sistemas, na
medida, em que são compostas por indivíduos.
Vale ressaltar que essa divisão entre sistema e unidade é meramente didática e se
submetida a uma análise mais criteriosa, não encontra respaldo na realidade. Em se observando
7
8
Expressão em inglês comumente utilizada no estudo das relações internacionais que significa “de cima pra baixo”.
Expressão em inglês comumente utilizada no estudo das relações internacionais que significa “de baixo pra cima”.
24
atentamente, o sistema é caracterizado pela existência de regras e instituições construídas
continuamente pelo comportamento dos agentes (Estados, OIs, ONGs), os quais, por sua vez, são
influenciados pela estrutura que caracteriza o sistema. Há uma co-constituição unidades-sistema.
Trata-se de uma relação concomitante de reconstrução mútua. Dessa forma, cada conseqüência
produzida no sistema internacional é fruto de um movimento aplicado por um agente (ROCHA,
2002).
2.2 CONSTRUTIVISMO SOCIAL: MATRIZ TEÓRICA
CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO DE JUSTIÇA GLOBAL
PARA
A
2.2.1 Corrente construtivista das relações internacionais
Na década de 1980, percebeu-se uma convergência entre o neorealismo e neoliberalismo
que ficou conhecida como neo-neo synthesis – a síntese racionalista. Tanto o neorealismo quanto
o neoliberalismo compartilham um programa de pesquisa racionalista, de uma mesma concepção
de ciência, e estudam como melhor atuar segundo as premissas da anarquia e investigar a
evolução da cooperação e como as instituições afetam o meio internacional; já os reflexivistas
compõem a outra face do debate.
Keohane (1988) apresentou duas abordagens às instituições internacionais: racionalistas
(compostos pelos neorealistas e neoliberais) e os reflexivistas (compostos por aqueles que
destacavam novas abordagens críticas estimulados pelo pós-modernismo francês, pela escola de
Frankfurt, entre outras). A perspectiva construtivista das relações internacionais compõe a
abordagem reflexivista. As idéias que formam as premissas construtivistas podem ser remontadas
a Durkheim e Weber (JATOBÁ, 2003).
O papel dos fatores ideacionais na vida social e como as idéias se mostram causativas são
contribuições durkheimianas. Os fatos sociais são conformados pela combinação dos fatos
individuais – práticas lingüísticas, crenças religiosas, normas morais, entre outros fatores
ideacionais – por meio das interações sociais, por isso as idéias semeadas por indivíduos podem
expressar força social. Quando convertidos em fatos sociais, os fatores ideacionais passam a ter
25
influência sobre o comportamento social subseqüente. Já Weber apud Jatobá (2003) trouxe
grande contribuição ao construtivismo na medida que ressalta a importância de se interpretar o
sentido e o significado atribuídos à ação social: a interpretação empática (verstehen).
Diferentemente das epistemologias positivistas baseadas em modelo hipotético dedutivo
dos racionalistas, o construtivismo compreende que além do mundo material, os fatores
ideacionais são constitutivos da realidade social. Essa abordagem científica se baseia em uma
epistemologia interpretativa que se preocupa com os interesses e identidades dos agentes e
focaliza os padrões de interação das práticas sociais (JATOBÁ, 2003), possui, portanto, uma
concepção ontológica relacional, isto é, a relação agentes-estrutura é entendida como uma
construção mútua sem anterioridade prévia de uma das partes.
Em O Mundo como vontade e representação, Schopenhauer entende que a representação
do mundo material é tudo aquilo que aparece na mente como imagem que é associada a um
entendimento. É uma forma de se falar que a realidade é construída pela imagem que se tem do
mundo exterior, mas o mundo exterior, em essência, não é a imagem. O construtivismo parte de
premissas semelhantes. A percepção que se tem da realidade forma o conjunto de pressupostos
com base nos quais o indivíduo age. Não é a realidade em si que vai ser referencial para as
atitudes de alguém, mas a percepção que se tem dessa realidade. Quando Saddam Hussein
invadiu o Kwait, o presidente George Bush ficou perplexo não pela falta de informação acerca
das intenções do presidente iraquiano - a inteligência americana informava-o constantemente a
respeito da mobilização das tropas iraquianas – mas devido à falsa percepção bushiana de que
Saddam não seria irresponsável o suficiente para invadir o país vizinho. Wendt (1999) mostra,
por exemplo, que embora a Grã-Bretanha apresente um arsenal militar muito superior ao da
Coréia do Norte, aos olhos dos EUA a mesma não parece mais ameaçadora que o país asiático.
Como as decisões são tomadas tendo como base essas percepções, faz-se necessário estudar esse
aspecto subjetivo da realidade.
O aspecto material da realidade se interrelaciona com a ação humana, há uma coconstituição mútua nessa relação. O fruto do intercâmbio entre o mundo das percepções
(subjetivo) e o mundo dos aspectos materiais (objetivo) é o mundo das percepções materializadas
(subjetividade objetivada). Essa divisão é baseada em Kratochwil (1986) que envolve
respectivamente: o mundo dos fatos brutos, o mundo da intencionalidade e significados e o
mundo dos fatos institucionais. O meio internacional não pode ser entendido, portanto,
26
analisando apenas a disposição de recursos entre os agentes (aspecto material), mas também a
partir das percepções desses agentes (mundo subjetivo próprio a cada agente) e da relação destes
com o mundo das percepções materializadas cuja maior expressão são as práticas coletivas
institucionalizadas, o que engloba práticas sociais consolidadas, a emergência das organizações
internacionais, regimes internacionais etc.
Quando os agentes internacionais compartilham idéias que afetam seu poder e interesses e
que geram tendências de comportamentos no sistema internacional (WENDT, 1999), pode-se
dizer que compartilham uma mesma cultura. A cultura internacional é, então, fruto da
interconexão e superposição das culturas presentes no meio internacional. Quando há uma
predominância da cultura realista no regime analisado, há uma tendência à desconfiança mútua
entre agentes, provavelmente os temas relacionados a segurança serão tidos como prioridade. Sob
formas mais radicais do realismo, o agente pode entender, por exemplo, que as organizações
internacionais não passam de epifenômenos do meio internacional, não afetando de modo algum
a distribuição de vantagens internacionais. Não há uma linearidade exata nos comportamentos, e
sim, tendências de comportamentos. Dessa forma, os mesmos agentes que em determinado
regime pautam sua ação tendo como base preceitos realistas, ao serem abordados em outra área,
podem agir segundo preceitos liberais. Assim, a cultura observada em um regime específico pode
ser considerada um forte indício dos comportamentos dos agentes envolvidos naquele regime.
2.2.2 Uma metateoria de justiça
Uma das principais contribuições do construtivismo social é a adição dos fatores
ideacionais na análise das relações internacionais (JATOBÁ, 2003). Não há uma negação das
teorias racionalistas, mas há uma crítica a suas limitações por não atribuírem a importância
devida às percepções dos atores internacionais. As teorias são construtos sociais, não podem
abarcar a totalidade de uma realidade e estão intimamente vinculadas ao tempo e local em que
foram construídas. Da mesma forma, não há teorias neutras, o conhecimento não é puro, sendo
influenciado pelas diversas esferas da vida humana. Uma teoria construtivista de justiça não está
isenta das limitações ressaltadas e a principal dádiva que se tem é a consciência dessa limitação.
27
O construtivismo dá um enfoque especial ao mundo das percepções materializadas, isto é,
o mundo ao qual pertence as formas de institucionalização do meio internacional. A teoria
construtivista de justiça desenvolvida no presente trabalho procura demonstrar como essas formas
de institucionalização promovem justiça, analisando tanto o mundo dos aspectos materiais quanto
o mundo das percepções. Tem-se, então, uma metateoria de justiça que abarca a justiça material,
justiça das percepções e justiça das formas institucionalizadas. O critério de validação dessa
teoria seria a contrapartida dada pela cultura internacional, isto é, a validade dessa metateoria
deve estar de acordo com as percepções e idéias compartilhadas pelos agentes internacionais.
A dimensão da justiça material tem como escopo a distribuição de recursos materiais
entre os Estados e como essa distribuição afeta as pessoas vinculadas aos Estados. A dimensão
das percepções materializadas compreenderia o funcionamento das formas de institucionalização,
isto é, como as instituições perpetuam ou não as desigualdades. Trata-se de uma dimensão de
justiça que se propõe a analisar como o papel das instituições afetam o mundo e como aquelas
são afetadas por este. A dimensão das percepções diz respeito aos entendimentos que se tem de
justiça o que está relacionado a idéias e valores. Essa dimensão vai avaliar se a distribuição
material é justa e se as formas de institucionalização são justas ou reproduzem as injustiças. Essa
avaliação está intimamente relacionada às suposições de “ser” e “dever ser”, algo é tido como
injusto quando comparado a um ideal (dever ser) de justiça. Caso os mundos dos aspectos
materiais e das percepções institucionalizadas desenvolvam relações que tenham um desempenho
(ser) semelhante ao que se espera (dever ser), essas relações serão tidas como justas. Por fim, a
cultura predominante na área analisada vai validar essa percepção de justiça.
CAPÍTULO III
29
3 O MUNDO DAS PERCEPÇÕES MATERIALIZADAS NA PROMOÇÃO
DA JUSTIÇA GLOBAL: DA TEORIA DOS REGIMES INTERNACIONAIS
ÀS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
3.1 O PAPEL DOS REGIMES INTERNACIONAIS
O mundo das percepções materializadas é composto pelos padrões de interação
internacional, isto é, pelas práticas dos atores baseadas nos entendimentos coletivos de
comportamento social apropriado (JATOBÁ, 2003). Por meio desses processos será possível
observar as intenções (significados) que moveram as ações dos agentes e perceber a construção
de identidades. As formas de institucionalização têm manifestações variadas, será dada ênfase,
contudo, a dois tipos de institucionalização: regimes internacionais e organizações internacionais.
A teoria dos regimes internacionais consegue mostrar parte da complexidade da realidade
quando esta envolve uma pluralidade de ordens legais e múltiplos centros de poder interagindo. A
governança global não pode ser explicada apenas em função das grandes potências ou analisando
exclusivamente as organizações internacionais formais.
Apesar das críticas à definição, regimes internacionais são consensualmente entendidos
como “conjunto de princípios implícitos ou explícitos, normas, regras e procedimentos de tomada
de decisão em torno das quais as expectativas dos atores convergem em determinada área das
relações internacionais” (KRASNER, 1983, p. 5). A primeira parte da definição reflete a estrutura
normativa (princípios e normas); a segunda parte é seu aspecto instrumental, o que compõe regras
e procedimentos de tomadas de decisões. Os princípios e normas seriam características
“constitutivas” da instituição específica, regras e procedimentos de tomada de decisão seriam
características operacionais. Assim, mudanças nas características constitutivas são “mudanças de
regime”, enquanto variações nas características operacionais seriam “mudanças no regime”. Por
fim, os regimes estão relacionados a uma determinada área das relações internacionais, na medida
em que não se concebe a política mundial como algo monolítico e homogêneo.
Essa teoria procura mostrar a complexidade de forças que trabalham em um determinado
domínio e se casa com a contribuição da interdependência complexa. O Estado não mais pode ser
30
visto como ator unitário racional, mas como uma série de interseções burocráticas e institucionais
das diversas áreas da política que vem sendo cada vez mais infiltradas por forças domésticas e
transnacionais.
As três partes (normativa, procedimental, área específica) que compõem a definição de
Krasner (1983), revelam as órbitas em que os resultados podem ser afetados pelos regimes. Se as
normas e os princípios silenciam quanto às desigualdades, o regime em questão pode, de forma
omissa, contribuir com o recrudescimento das injustiças no mundo. Com relação ao aspecto
procedimental, por mais que o regime se baseie em princípios justos, as regras e procedimentos
podem não refletir a estrutura normativa. Por fim, a área específica de que trata o regime pode ser
mais propensa ou não à promoção de justiça.
3.2 AS DUAS FACES DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
As organizações internacionais formais compõem o aspecto mais palpável do mundo das
percepções materializadas, destacam-se com relação às outras formas de institucionalização por
apresentarem caráter permanente, aparatos burocráticos, orçamentos e por possuírem uma sede.
Esses organismos são fruto da institucionalização da relação entre Estados, podem ter caráter
universal ou regional e visam à cooperação internacional e à solução conjunta de problemas
comuns.
Analisar como as organizações internacionais afetam o meio internacional na promoção
da justiça global envolve observar as percepções quanto aos três mundos anteriormente
abordados: mundo dos aspectos materiais; mundo das percepções; mundo das percepções
materializadas.
O mundo das percepções está intimamente ligado aos valores e princípios que regem a
organização. Esses valores podem ser extraídos do tratado constituinte da organização e,
geralmente, estão relacionados à função para qual a organização foi criada. Essas percepções são
construtos humanos e vão variando com o tempo. A modificação dos valores das próprias OIs
podem ser analisados tanto nos discursos (relatórios, proposições etc.) quanto na proposição e
criação das normas que se tornam um instrumento ativo de se afetar o meio internacional. Tais
31
valores e princípios constitutivos vão trazer os indícios sobre como a OI percebe o aspecto
material da realidade e como ela se propõe a lidar com o mesmo.
Como, então, as OIs afetam o meio internacional? De que forma elas podem afetar o
sistema de distribuição de vantagens e recursos? Que papel desempenham na promoção de
justiça?
As OIs compõem o mundo das percepções materializadas e, por definição, pertencem a
um mundo que tem um papel muito importante na definição de interesses e na formação das
identidades dos agentes internacionais. É no âmbito das OIs que as ações e os discursos dos
atores tomam sentido. Nesse aspecto, pode-se ressaltar a definição de instituições internacionais
como o meio pelo qual os Estados cooperam e competem, modificando-a um pouco para que se
adeqüe melhor à proposta do trabalho de dar visibilidade aos agentes não-estatais do meio
internacional. Nesse sentido, as OIs podem ser entendidas como um conjunto de normas que
estipulam o meio pelo qual agentes internacionais cooperam e competem. Essa compreensão
ressalta o aspecto “passivo” das OIs, na medida em que são uma arena em que os agentes
internacionais atuam. Nesse aspecto, elas são fruto da criação de padrões das práticas sociais e
refletem a disposição do poder no meio internacional e, a depender da cultura internacional,
podem ser entendidas como meros arranjos temporários que facilitem a consecução dos objetivos
em questão.
A face passiva das OIs transparece as assimetrias do meio internacional. Elas são a arena
em que os rule-makers9 e rule-takers10 (HURREL; WOODS, 1999) participam de processos
complexos de barganha que, a depender da área, tendem a refletir o peso desmesurado dos rulemakers. As relações assimétricas de poder do meio internacional tendem a ser traduzidas e
verificadas nesses palcos de proporções menores, as OIs. Nesse sentido, dificilmente pode-se
falar em aspirações de justiça baseadas em princípios universais que sejam, de fato, um guia para
as ações estatais. Pode haver uma retórica em prol dos princípios de justiça, mas as ações
percebidas no âmbito das OIs vão adquirir significado que se mostrarão ou não favoráveis a tais
princípios.
O mundo das percepções dos estados tende a defender princípios de justiça relacionados
aos direitos no âmbito inter-estatal como soberania, não intervenção, autodeterminação. Embora
9
Termo em inglês que significa “fazedores de regras”
Termo em inglês que significa aqueles que aceitam, seguem as regras apresentadas
10
32
o próprio estado sinta os efeitos da interdependência relaxando suas fronteiras redefinindo seu
papel no meio internacional, esse agente internacional se ressente de suas perdas e tende a reagir
tomando como base princípios de autoafirmação. Essa cultura fragiliza o impacto das OIs na
promoção dos objetivos almejados, o que também se aplica ao caso da justiça. Há, portanto,
obstáculos na implementação da justiça, já que as OIs não têm autonomia suficiente para a
execução de projetos independentemente dos interesses dos Estados-membros.
O que foi exposto, até então, pode levar à conclusão de que a atuação das OIs é pouco
relevante para o meio internacional, que afetam de uma forma muito tênue a estrutura do sistema
de distribuição de vantagens e, portanto, a tentativa de promoção da justiça global não passa de
um exercício retórico que pouco será ouvido.
As OIs, contudo, apresentam duas facetas: uma passiva, já exposta e analisada, e outra
ativa. A depender das percepções de quem as analisa será mais enfatizada uma ou outra.
Normalmente, o seu aspecto ativo é desqualificado e obtém respaldo menor, há, contudo,
considerações importantes a serem ressaltadas que muitas vezes são subestimadas por aqueles
que julgam passivas as OIs.
Com a crescente institucionalização das “regras do jogo” internacional, há uma ampliação
da diplomacia operada no âmbito das OIs, que acabam se transformando em fóruns
intergovernamentais (DUVAL, 2005) onde a atuação dos demais atores não-estatais é crescente.
O impacto dessas instituições internacionais, nessa perspectiva, vai se mostrando cada vez maior
nas relações internacionais.
A face ativa das OIs não pode ser negligenciada. Tal influência pode ser percebida, por
exemplo, na faculdade de estabelecer, juntamente com os estados, a agenda internacional e na
elaboração de normas em prol de seus objetivos, já que são sujeitos do direito internacional e
detêm legitimidade pra tal.
Ao propor temas para agenda internacional, as OIs conseguem mover uma força a priori
sutil, mas que apresenta cada vez mais peso no meio internacional: mobilizar a sociedade civil
global - “o espaço de atuação e pensamento ocupado por iniciativas de indivíduos ou grupos, de
caráter voluntário e sem fins lucrativos, que perpassam as fronteiras dos estados” (HERZ;
HOFFMANN, 2004). A opinião pública internacional exerce uma pressão difícil de ser
quantificada, mas que apresenta importância crescente, de modo que tanto a boa reputação quanto
a vergonha no meio internacional são significativas influências no comportamento dos estados.
33
Outro ponto a ser ressaltado está relacionado com a face aparentemente passiva das OIs.
Na medida em que essas organizações são palco para interação de outros agentes internacionais,
elas acabam influenciando fortemente na socialização e aprendizado dos demais agentes, além da
formação de interesses e identidades dos mesmos.
Do ponto de vista funcionalista, pode-se ressaltar ainda a importância do design
institucional da organização e a relação objetivos-resultados como fatores que influenciam o
desempenho da face ativa dessas organizações. A efetividade das organizações vai depender,
portanto, de fatores endógenos e de fatores exógenos os quais vão variar de acordo com a área
temática.
A realidade que se apresenta é, portanto, complexa. A contemporaneidade vem sendo
marcada por uma série de transformações e redefinições de idéias, valores e conceitos que se
expressam de modo dialético. A concepção de poder é um exemplo. Muito embora o Estado
possua, em última instância, o poder de decisão, o poder de dar visibilidade a novos temas e
questões, testar abordagens e propostas inovadoras, angariar recursos e assegurar sua
implementação, está aberto a uma série de novos agentes internacionais, dentre eles, pode-se
destacar o papel das OIs (OLIVEIRA, 2005). A ONU, por exemplo, ao invés de se tornar uma
instituição com uma macroburocracia, deve investir na sua habilidade em trazer agentes estatais e
não-estatais em torno de agendas comuns.
As Organizações Internacionais são construções sociais que afetam e são afetadas pelo
sistema internacional e pela cultura internacional. Sendo um palco em que forças contraditórias
que travam negociações complexas nos campos político e jurídico, as OIs, por sua vez, são mais
um elemento a recrudescer essa complexidade.
34
3.3 CONSTRUINDO UM CONCEITO DE JUSTIÇA GLOBAL
3.3.1 Um conceito tridimensional de justiça
Não há um sentido absoluto de justiça que permeie todas as sociedades e todas as
culturas. As especificidades de cada sociedade, cada comunidade e cada indivíduo refletem
entendimentos diferentes de justiça, sendo essas distintas percepções intrinsecamente
relacionadas com o contexto histórico, social, econômico e psicológico em que se enquadram
esses sujeitos, por isso é importante analisar o papel das idéias e crenças sobre justiça global e
como elas afetam a política mundial.
Justiça global compreende uma série de percepções legitimadas por princípios e
entendimentos morais que envolvem aspirações a direitos, equidade e igualdade. Essas
percepções são permeadas por subjetivismo e particularidades construídas nas mais diversas
esferas de atuação da sociedade.
Como não é possível materializar perfeitamente as percepções sobre o ideal de justiça, as
demandas por justiça serão a base para identificar seus sujeitos reivindicadores. No meio
internacional, podem-se encontrar três esferas demandantes de justiça: justiça inter-estatal, justiça
transnacional e justiça humana. O Estado, a sociedade civil transnacional e o indivíduo são os
reivindicadores cujas percepções vão conformar um conceito tridimensional de justiça. Essas
percepções competem entre si e se complementam por meio de relações de influência mútua, o
que torna a realidade perceptível complexa.
Justiça não se limita ao direito, mas a partir do direito é possível apreender percepções
sobre justiça. As percepções de justiça dos Estados estão relacionadas ao princípio da soberania
(aspecto formal) e à distribuição de recursos no meio internacional (aspecto material). Com o
relaxamento do princípio da soberania, a sociedade civil transnacional emerge trazendo
reivindicações sobre direitos que anteriormente eram jurisdição exclusiva do Estado, como os
direitos humanos. No meio internacional, há uma mudança de foco do Estado para o indivíduo, o
que pode ser percebido por meio das transformações no direito internacional. Na figura 1, tem-se
a representação do ideal de Justiça por parte dos demandantes de Justiça.
35
Justiça Global
Justiça Inter-estatal
Justiça Humana
Justiça
Transnacional
Figura 1: Representação do ideal de Justiça Global como interações complexas e assimétricas da Justiça Inter-estatal,
transnacional e humana.
3.3.2 Justiça Inter-estatal
A justiça inter-estatal tem como escopo as percepções de justiça demandadas por Estados.
Com relação à justiça formal, a idéia de que todos os Estados, independentemente de
características específicas como composição étnica, ideológica, territorial, detêm os mesmos
direitos e responsabilidades no meio internacional (BULL, 2002) está intimamente relacionada
com o princípio da soberania. Tal princípio, que excetua as ingerências externas no campo
doméstico, funciona como um critério ordenador que ajuda a construir tanto o modo como o meio
internacional se apresenta quanto ajuda na conformação das identidades e interesses dos Estados.
Observar historicamente as mudanças a respeito das concepções sobre soberania implica
em reconhecer indícios que demonstram as modificações nas demandas dos Estados por justiça.
A soberania westphaliana se tratava de um entendimento ideal de não intervenção. A
contribuição weberiana de soberania reza que o Estado exerce legitimamente o controle
territorial, que deve utilizar os meios de coerção e taxação de recursos para poder ser
reconhecido.
Na guerra fria, os critérios de reconhecimento englobavam além das premissas
weberianas, a capacidade de assumir obrigações internacionais e alinhamento político. Já no
século XX, a idéia de soberania condicional vai tomando corpo, tendo em vista a intrusão
progressiva de outros agentes na órbita doméstica.
36
No fim do século XX, a soberania se mostra fortemente ligada ao controle das redes
financeiras, informações, fluxo de matéria-prima. O aumento da interdependência, as inovações
nas comunicações e na tecnologia da informação e a globalização trazem mudanças na natureza
das fronteiras. Há um questionamento a respeito das concepções tradicionais, o controle
territorial vem perdendo importância, e o hegemon é reconhecido pelo seu envolvimento e seu
controle sobre redes financeiras, informacionais e tecnológicas (BIERSTEKER, 2005)
As atuais demandas estatais por justiça não envolvem apenas o controle territorial e
autodeterminação nacional, mas também o controle e a produção de conhecimento, tecnologia e o
gerenciamento da sua soberania diluída. Há uma tendência global ao contínuo relaxamento do
exercício da autoridade estatal, seja por meio de atribuições a organizações internacionais, seja
por meio da terceirização de serviços prestados por ONG’s.
Sob o aspecto material, os Estados mais pobres demandam uma realocação de recursos
como forma de diminuir as iniqüidades internacionais, o que está intimamente relacionado com a
justiça distributiva. Para tal, seria necessária a implementação de um “princípio da diferença”
(RAWLS, 1977) adaptado para o meio internacional. Pode-se dizer que a meta de 0,7% do PIB
dos países desenvolvidos para a ajuda oficial ao desenvolvimento é um embrião oficial de
redistribuição de recursos.
Não se trata de uma redistribuição direta aos países em desenvolvimento, mas são
recursos alocados no âmbito dos ODMs. É preciso, contudo, que mais recursos sejam
disponibilizados e canalizados para que as políticas públicas internacionais tenham maior alcance
e eficácia, o grupo de trabalho sobre mecanismos inovadores de financiamento - grupo de
trabalho criado no âmbito da Ação Internacional contra a pobreza e fome - vem estudando outras
opções (AMORIM, 2005).
3.3.3 Justiça Transnacional
A justiça transnacional compreende as reivindicações por justiça demandadas pela
sociedade civil transnacional. A sociedade civil transnacional compreende o âmbito de
participação e articulação dos indivíduos e associações, além do conjunto de redes relacionais
37
que preenchem esse espaço e conectam seus componentes através das fronteiras nacionais,
motivados por propósitos políticos, sociais ou culturais (FONSECA, 2002).
Os cidadãos estão cada vez mais se organizando e utilizando canais da sociedade civil
para participação de temas globais, o que redefine o padrão das relações internacionais
tradicionais. O poder das suas demandas por justiça não compreende decidir e impor políticas
públicas necessárias, mas sim, identificar problemas, propor, reivindicar, dar voz a novos atores,
reivindicar e influir (OLIVEIRA, 2005). A sociedade civil transnacional é composta
principalmente por: 1) movimentos sociais transnacionais - indivíduos e grupos que se juntam
com o objetivo de transformar o status quo; 2) coalizões ou redes transnacionais – ligações entre
diversos tipos de organização, que embora se mantenham independentes, atuam em conjunto para
promover uma determinada atividade; 3) redes de advocacia – tipo particular de rede, onde seus
participantes compartilham valores e discursos, buscando defender uma causa e promover novas
idéias no debate político; 4) redes de políticas globais – redes que incluem setores
governamentais; 5) comunidades epistêmicas; 6) organizações não-governamentais –
organizações voluntárias organizadas por indivíduos e grupos que contam com um documento
constituinte e uma sede permanente (HERZ; HOFFMANN, 2004). Esses grupos atuam em
diversos setores como direitos humanos, meio ambiente, combate à pobreza, combate à corrupção
etc.
O Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafio e Mudanças identificou seis categorias de
ameaças à segurança internacional: 1) ameaças de caráter econômico e social, pobreza, doenças
infecciosas, degradação ambiental; 2) conflitos entre Estados; 3) conflitos intra-Estado, guerra
civil, genocídio; 4) armas de destruição em massa; 5) terrorismo; 6) crime organizado
internacional (SOARES, 2005). Como se pode perceber, a maioria das ameaças desconhece as
fronteiras estatais. Da mesma forma, os meios que a sociedade civil transnacional utiliza para
comunicação e mobilização em prol de demandas por justiça superam as delimitações dos
Estados. Esses fenômenos são conseqüências do processo de globalização no qual emerge uma
nova configuração do meio internacional que cada vez mais se aproxima da interdependência
complexa.
Historicamente, percebe-se uma mudança gradativa de foco com relação aos demandantes
de justiça no meio internacional, há uma passagem gradativa da importância dos direitos do
Estado, passando por uma maior atuação da sociedade civil em prol dos direitos humanos, o que
38
direciona a atenção para o indivíduo como sujeito de direitos resguardados no meio internacional.
Tradicionalmente, o Estado possuía o direito de dispor das vidas de seus súditos em prol de uma
raizon d’État. Com a ascensão do Estado moderno e o advento das revoluções liberais, o respeito
aos direitos dos indivíduos deveria ser segurado pelo soberano, tratando-se, portanto, de um
assunto do âmbito doméstico.
A globalização econômica, mundialização de problemas, o relativo enfraquecimento das
capacidades do Estado e a redefinição das estratégias de desenvolvimento social são fatores que
mostram um ambiente internacional favorável à internacionalização dos direitos humanos, o que
contribui também para a atuação dos indivíduos e ONGs (FONSECA, 2002). Como foi
ressaltado, entende-se que a maioria dos problemas enfrentados pela humanidade, não só
transcendem as fronteiras e competências dos Estados, como dificilmente podem ser resolvidos
por ações estatais centralizadas.
3.3.4 Justiça Humana
A justiça humana tem como foco as demandas de justiça do indivíduo cujas principais
considerações são expressas pelos direitos humanos. Segundo John Rawls (1999), os direitos
humanos são padrão mínimo exigido pelos Estados, cujas instituições políticas sejam bem
organizadas para serem membros da sociedade internacional (ideal)11. Charles Beitz (1999) infere
que qualquer teoria sobre justiça internacional deva incluir considerações sobre direitos humanos,
visto que servem como termo de referência para a política externa de muitas democracias liberais.
Esses direitos são padrões normativos para políticas de instituições internacionais financeiras e
instituições internacionais voltadas para o desenvolvimento e conformam a base de apelação que
legitima as intervenções internacionais ou supranacionais nos casos de disputas domésticas
“irresolvíveis”.
Pode-se dizer que os direitos humanos desenvolvem um papel institucional, isto é, operam
padrões a serem aplicados tanto nas instituições domésticas quanto nas instituições
11
Foi acrescentado o termo “ideal” porque o arcabouço teórico rawlsiano é construído sobre um tipo ideal de
sociedade internacional o qual é confrontado pela realidade não ideal.
39
internacionais. Esses direitos servem de base para atuação de uma série de ONGs ao primar por
transparência dos agentes estatais e ao criticar as ações políticas dos estados infratores.
Até pelo fato de desempenhar um papel central na vida internacional, falta aos direitos
humanos uma doutrina amplamente aceita. Um dos principais problemas está relacionado à
percepção de que os valores orientadores dos direitos humanos são promotores da justiça
(individual) global. Muitas sociedades possuem como base percepções diferentes de justiça, de
modo que esses direitos não são legítimos e dificilmente serão aplicados nessas sociedades. Falase na universalidade dos direitos humanos, de modo que sua aplicação em cada região traz uma
complementaridade ao projeto universal.
Contudo, há valores, idéias e percepções amplamente difundidos e incrustrados na
estrutura das relações sociais que corroboram injustiças e iniqüidades que dificilmente se ajustam
aos princípios defendidos pelos direitos humanos. A despeito do choro silencioso de muitas
“mulheres de Atenas”, uma comunidade em que a humilhação das mulheres é algo fundamentado
legalmente, amplamente aceito e legítimo terá sérios conflitos na implementação destes direitos.
CAPÍTULO IV
41
4 CONTEXTO INTERNACIONAL
4.1 FUNDAMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA AMBIENTAL
GLOBAL
Justiça global não pode ser entendida como um contraponto à justiça local ou regional,
mas a uma série se idéias e percepções de justiça baseadas em valores compartilhados por uma
sociedade global, mas não universal. Isto é, são preceitos aceitos em uma escala que ultrapassa as
fronteiras nacionais, mas que não são vistos como legítimos por toda a humanidade. O parâmetro
utilizado para se afirmar que existe uma sociedade global é a existência de um vasto número de
documentos (tratados, convenções internacionais) ratificados por várias entidades políticas
(Estados, Organizações internacionais) que expressam ideais comuns. Entretanto não se pode
falar em sociedade universal, na medida em que há muitas sociedades políticas e econômicas
organizadas (estados, crime organizado, organizações terroristas, entre outras) compartilham um
arcabouço de valores e ideais de justiça diferentes dos ideais dominantes.
Justiça Ambiental Global, então, seria o conjunto de percepções legitimadas por
aspirações a direitos, equidade e igualdade compartilhadas no âmbito do regime internacional de
Meio Ambiente. Este foi especificamente desenvolvido para regular as formas de produção,
distribuição e uso dos recursos, a desertificação da Terra, poluição dos mares, emissão de gases
causadores do efeito estufa, emissões e outros males que possam atingir os ecossistemas. O
escopo da justiça ambiental global não se resume aos temas diretamente envolvidos com o viés
“ambiental”, de modo que está relacionado com tudo que trouxer implicações ao meio ambiente.
A justiça ambiental global é um tema muito vasto que atinge a todos, de modo que é
perpassado por uma série de relações sociais, econômicas, ambientais e culturais em níveis
múltiplos. Tais relações se delineiam em três níveis: sistêmico, nacional e transnacional. No nível
sistêmico, observam-se as interações de conflito e cooperação entre os agentes internacionais
(estados, corporações transnacionais, organizações internacionais). No nível nacional, pode ser
identificada a competição entre os grupos de interesse que procuram influenciar a agenda da
política externa do estado. E, no nível transnacional, é perceptível a atuação de uma série de
42
agentes que desenvolvem redes de influência e comunicação que não passa pela diplomacia
oficial (redes transnacionais de advocacy, ONGs, CTNs, indivíduos etc.), mas têm poder de
influência, na medida que utilizam recursos midiáticos para exercer pressão junto à opinião
pública internacional.
Esses níveis não são estanques, na realidade, não podem ser separados, visto que todas
essas esferas influenciam e são influenciadas no processo da governança global12. Os significados
e valores compartilhados dos agentes internacionais em níveis múltiplos vão legitimar e priorizar
determinadas ações. No âmbito da governança ambiental global, é possível identificar uma série
de regimes internacionais voltados para a proteção ambiental internacional.
Para avaliar em que medida a comunidade internacional está comprometida com a
construção da justiça ambiental global, propõe-se a análise do Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo e do Fundo de Adaptação que compõem o Regime de Mudanças Climáticas.
4.1.1 Mudanças climáticas e efeito estufa
A atmosfera é composta por 99% pelos gases oxigênio, nitrogênio e Argônio
(HOUGHTON, 1997). A composição exclusiva da atmosfera por parte desses gases refletiria
significativamente no clima terrestre, o que resultaria em uma temperatura média de 30º C
inferior à temperatura média atual. Nesse cenário, a radiação proveniente da luz solar seria
amplamente refletida, de modo que a Terra apresentaria uma temperatura média de – 6º C.
Contudo, a presença dos gases remanescentes (1%) impede que parte da transmissão de calor seja
refletida para o espaço exterior (CAMPOS, 2001). A retenção do calor origina o efeito estufa e
faz com que a terra mantenha um ambiente propício para o desenvolvimento da vida.
Os gases responsáveis pelo fenômeno efeito estufa (GEE) são encontrados naturalmente
na atmosfera tais como: dióxido de carbono (CO2), vapor d’água (H2O), óxido nitroso (N2O),
ozônio (O3) e metano (CH4). O vapor d’água é o maior responsável pelo efeito estufa, sendo o
dióxido de carbono o segundo mais importante, na medida em que é lançado continuamente na
atmosfera por fontes naturais ou antropogênicas (IPCC, 1990).
12
O processo de governabilidade que ocorre no meio internacional.
43
O efeito estufa compreende o seguinte processo. A radiação eletromagnética emitida pelo
sol alcança a atmosfera terrestre, preponderantemente, como radiação luminosa e, em menor
escala, radiação infravermelha e ultravioleta. Acerca de 65% radiação atravessa a atmosfera ou é
absorvida, o restante (35%) é refletida. Ao atingir a superfície terrestre, parte da radiação é
absorvida e parte é refletida pelo chamado albedo – fração da radiação incidente que é refletida
por determinada superfície. A parcela absorvida participa de fenômenos físicos resultando na
emissão de calor sob forma de radiação térmica que, por sua vez, é parcialmente impedida de sair
pelos gases causadores do efeito estufa (Figura 2).
Figura 2: Esquema ilustrativo do efeito estufa
Fonte: Bortholin e Guedes (2003)
Há um equilíbrio dinâmico entre a radiação recebida e devolvida pela terra e quaisquer
fatores que interfiram nesse processo podem ocasionar alterações climáticas na Terra. A mudança
de energia disponível para o sistema Terra é expressa em forçamento radioativo. Segundo o IPCC
(2007), o forçamento radiativo é uma medida da influência de um fator na alteração do equilíbrio
da energia que entra e sai do sistema Terra-atmosfera e é um índice da importância do fator como
possível mecanismo de mudança do clima. O forçamento positivo tende a aquecer a superfície,
enquanto o forçamento negativo tende a esfriá-la. Assim, o aquecimento global irá depender das
emissões de GEEs e suas respectivas propriedades radioativas.
44
Segundo ODUM (2001), o ciclo biogeoquímico13 do carbono compreende o fluxo entre
reservatórios e processos das diferentes formas (CO2, CH4, CaCO3 ,dentre outras) por meio das
quais o carbono se apresenta na natureza. Atmosfera, oceanos, biota, solos e rochas e
combustíveis fósseis são os principais reservatórios de carbono, o qual segue um fluxo de
reservatório para outro, por meio de três grandes processos: reação, dissolução e deposição. O
primeiro é representado pela respiração e fotossíntese; ocorrem em uma escala de tempo pequena
e envolve todos os reservatórios de carbono. O segundo consiste nas trocas de carbono entre os
oceanos e a atmosfera, em função das diferentes concentrações CO2. Por fim, a deposição ou
sedimentação consiste na transformação do carbono solúvel, em carbono insolúvel, ou seja, em
rochas, carvão mineral ou petróleo (RICKLEFS, 1996).
O processo de transformação do carbono em calcário e da matéria orgânica morta em
combustíveis fósseis (carvão ou petróleo) demanda milhares de anos. Contudo, nos últimos
duzentos, a atividade humana tem sido responsável por um novo processo, até então
insignificante na natureza: a combustão. Desse modo o uso intenso de combustíveis fósseis, o
desmatamento, dentre outras atividades antrópicas tem acentuado a emissão de CO2 em grandes
quantidades, o que vem causando um desequilíbrio no ciclo do carbono.
Conforme Bezerra et al. (2009), a forma de apropriação dos recursos naturais pelo homem
nem sempre foi tão predatório.
Durante um longo período de tempo as organizações sociais humanas viveram
unicamente da caça de animais e colheita de gêneros alimentícios. Na maioria
das tribos, os homens caçavam e colhiam frutos enquanto as mulheres exerciam
atividades relacionadas ao lar e aos filhos. Tais atividades possibilitaram a
sobrevivência do homem até mesmo nas condições climáticas mais adversas,
sendo, portanto, o meio de vida mais maleável e próspero quanto à utilização
dos recursos naturais (BEZERRA et al., 2009, p. ).
Segundo Ponting (1995), a primeira grande transição que a humanidade sofreu veio com a
revolução agrícola, tendo conseqüência a sedentarização do homem e o surgimento de sociedades
estabelecidas. A segunda grande transição ocorreu com a exploração dos estoques de
combustíveis fósseis, dando início a uma era de energia abundante, necessária para iluminação,
calor e força (BEZERRA et al, 2009).
13
Forma com que se dá a transferência e armazenamento de certas substâncias na natureza.
45
Especialmente, a partir da revolução industrial do século XVIII, a exploração dos vastos
estoques de combustíveis fósseis tornou possível uma era de energia abundante, com a emissão
crescente de CO2 e outros gases causadores do efeito estufa. Essas emissões contínuas
contribuíram para uma variação da concentração de gases na atmosfera, o que tem diminuído a
capacidade de resfriamento, causando forçamento radioativo positivo.
Os dados do relatório do IPCC (2007), obtidos segundo as tecnologias de modelagem
climáticas mais modernas, demonstram que a interferência humana provocou alterações
climáticas irreversíveis e tendem a se agravar (Figura 3).
Figura 3: Mudança na temperatura global e continental
Fonte: IPCC (2007)
Segundo o IPCC (2007), o aquecimento do sistema climático é inequívoco, como está
agora evidente nas observações dos aumentos das temperaturas médias globais do ar e do oceano,
do derretimento generalizado da neve e do gelo e da elevação do nível global médio do mar.
46
Entre 1970 e 2004 as emissões de (GEEs) provenientes de atividades humanas cresceram
70%.
Do total das emissões provenientes de atividades antrópicas, 77% correspondiam ao
dióxido de carbono, que no mesmo período teve um aumento de 21 para 38 gigatoneladas (IPCC,
2007). Detectou-se que o aumento de emissões de carbono do período de 1995 a 2004 foi
consideravelmente maior do que o observado no período de 1970 a 1994. Os setores de energia,
transporte e a indústria foram os que mais trouxeram impactos adversos e, com menor
intensidade, os edifícios comerciais e residenciais e setores florestal e da agricultura.
No caso do Brasil, a principal fonte de emissão de GEE vem da queimada e
desmatamento de florestas. De acordo com o estudo de Indicadores de Desenvolvimento
Sustentável (IBGE, 2008) 75% das emissões de GEE no Brasil se deve à destruição da vegetação
natural especialmente na Amazônia e no Cerrado. Tais emissões fazem do Brasil o quarto maior
poluidor do mundo. Na Figura 3, apresenta-se o comportamento das mudanças da temperatura em
diversas regiões do planeta.
Conforme o Relatório do IPCC (2007), os últimos 12 anos foram os mais quentes
registrados desde 1850. Dentre as consequências do aquecimento global está o aumento dos
níveis dos mares. Vem sendo registrado um aumento de 0.01 a 0.025 metros por década, o que já
considera a variação natural das marés, pode resultar no desaparecimento de países insulares no
Oceano Pacífico.
A expansão térmica da água dos oceanos é principalmente causa da subida dos mares. O
segundo fator está ligado ao derretimento de calotas polares e camadas de gelo sobre as
montanhas, que são muito mais afetados pelas mudanças climáticas do que as camadas de gelo da
Gronelândia e Antártica, conforme pode ser observado na Figura 4.
47
Figura 4: Mudanças na Temperatura, no Nível do Mar e na Cobertura de Neve do Hemisfério Norte
Fonte: IPCC (2007)
Em nome de um processo produtivo entrópico, florestas tem sofrido com o
desmatamento; recursos hídricos tem sido poluídos por resíduos sólidos e líquidos; a
biodiversidade tem sido ameaçada; cresce o número de transmissores de doenças em animais e
vegetais. Esses fatores de degradação tem sido potencializados com as consequências do
aquecimento global, tornando o equilíbrio dinâmico que mantém a vida cada vez mais
desgastada.
Ficam cada vez mais evidenciados os impactos do aquecimento global com a maior
freqüência de eventos climáticos extremos, alterações no regime de chuvas, retração das calotas
polares e, como citado anteriormente, elevação do nível do mar. Acontecimentos recentes na
região nordeste do país são reflexo desse processo, o excesso de chuvas deixou 126.376 pessoas
48
desabrigadas (G1, 2009). Ainda em 2001, o IPCC previu uma série de impactos decorrentes do
aquecimento global (Quadro 1), que serão percebidos de modo diferenciado em cada região.
Quadro 1: Impactos decorrentes do aquecimento global
Fonte: Rocha (2003)
As previsões do último relatório do IPCC (2007) estimam que haverá um aumento médio
na temperatura da Terra de 0,2 oC a cada ano nos próximos vinte anos. Como conseqüência, a
temperatura deve aumentar entre 1,8 oC e 4 oC, mesmo que os países conseguissem atingir suas
metas de redução. Mesmo que a concentração de GEE fosse estabilizada aos níveis da década de
1990, as conseqüências do aquecimento global e o aumento do nível do mar continuariam por
séculos.
49
4.2 MUNDO DAS PERCEPÇÕES MATERIALIZADAS POR UMA JUSTIÇA
AMBIENTAL GLOBAL
4.2.1 História da emergência dos regimes internacionais de proteção ao meio
ambiente
A poluição industrial do século XIX não fez surgir na época uma preocupação maior
pelas questões sociais e ambientais. Os problemas ocasionados por horas a fio de trabalho
repetitivo e alienante, além dos graves danos à saúde que as economias movidas a carvão da
primeira Revolução Industrial traziam aos operários não eram levadas em conta. A poluição do
século XIX só atingia as camadas mais populares, o que tornava a tragédia das classes
trabalhadoras, um drama mudo e em preto e branco, como o cinema que assim surgia na época.
Somente no século XX, a poluição passa a atingir as classes mais favorecidas. Por
conseguinte, grandes transformações da relação do homem com a natureza, sobretudo com
relação à percepção sobre a natureza e os problemas ambientais (CAMARGO, 2003). Três
fatores podem ser ressaltados como de grande influência para a mudança de mentalidade: as duas
grandes guerras mundiais, e, principalmente, a capacidade de destruição que o homem atingiu
com as bombas atômicas que foram lançadas sobre o Japão.
Esse olhar diferenciado com relação à natureza surge inicialmente nos países
desenvolvidos e vai se expandindo paulatinamente por todo o globo. Antes da década de 50,
algumas manifestações e movimentos começaram a surgir, tornando explícita a preocupação com
o meio ambiente, alguns exemplos são: 1993 – A carta de Atenas; 1934 – No Brasil, foi realizada
a 1º Conferência Brasileira de Proteção à Natureza no Museu Nacional; 1937 – Criação do
Parque Nacional Brasileiro; 1945 – Criação da ONU; 1948 – surgiu a União Internacional para
Conservação da Natureza (UICN); 1949 – foi realizada a Conferência Científica das Naçoes
Unidas sobre a Conservação e a Utilização de Recursos.
Mas é justamente na década de 1950 que a problemática ambiental passa a ser estudada
por cientistas. Surge no âmbito da temática ambiental o que ficaria conhecido no estudo das
50
Relações Internacionais como comunidades epistêmicas: redes de cientistas com autoridade
relevante para a definição de políticas em áreas específicas (meio ambiente, no caso), trazendo
implicações para a organização institucional da ciência e para as prioridades de cooperação
internacional. As comunidades epistêmicas compartilham de crenças normativas, crenças causais
(relações entre políticas e resultados), noções de validação de conhecimentos e envolvimento em
práticas associadas a conjuntos de problemas (HAAS, 1992). Assim, a fundamentação teórica por
parte de cientistas para que os olhos da humanidade se voltassem para a Terra, trouxe novas
perspectivas para a proteção internacional do meio ambiente.
Paralelamente, na década de 60, surgem preocupações ecológicas que deram início aos
futuros movimentos sociais, dessa forma, atores sociais passam a criticar não só a forma com que
a economia se reproduz, mas as percepções sobre a vida. Em 1961, foi criada a primeira
organização não governamental de âmbito mundial, a WWF (World Wildlife Fund). Em 1962, é
publicado um livro polêmico, mas que trouxe a temática ambiental para a agenda: “Primavera
Silenciosa”, de Rachel Carlson, denunciando os problemas decorrentes do uso do DDT e outros
agrotóxicos. Em 1968, ocorreu a Conferência Intergovernamental para o Uso Racional e a
Conservação da Biosfera.
De um modo geral durante as décadas de 70 e 80, percebeu-se uma maior conscientização
das populações acerca do funcionamento da biosfera, dos riscos de acidentes químicos e
nucleares, enfim, dos conflitos advindos da apropriação e acesso dos recursos naturais.
Segundo Viola (1992), há três abordagens teóricas de ambientalismo: I) o grupo de
interesse – que adota o ambientalismo assim como os demais grupos de interesse; II) movimento
social – compreende a crise ambiental como uma problemática de ordem social; e, por fim, o
movimento histórico que entende a civilização contemporânea insustentável devido ao
crescimento populacional, degradação dos recursos naturais, uso de tecnologias poluentes e de
baixa eficiência. O processo de globalização contribui para o aumento da interdependência entre
os países, de modo que a gestão de bens públicos naturais se mostra mais complexos, na medida
em que surgem tradeoffs o crescimento econômico nacional e o bem-estar ambiental global.
Dessa forma, o sistema internacional historicamente compreendido por estados nacionais
soberanos tem se modificado para a gestão de bens públicos globais, o que torna a
governabilidade ambiental um panorama complexo.
51
A década de 1970 registrou um grande aumento no número de organizações
internacionais voltadas para discussão de problemas ambientais em âmbito mundial, além dos
primeiros movimentos ambientalistas organizados começarem a atuar transnacionalmente.
O ano de 1972 é emblemático, três fenômenos podem ser assinalados como decisivos para
a temática ambiental: o relatório do Clube de Roma; a criação do PNUMA; e o surgimento da
ecologia profunda. O Clube de Roma divulgou o primeiro Relatório (Os limites do crescimento)
que assinalava a insustentabilidade dos níveis de industrialização, poluição, produção de
alimentos e exploração dos recursos materiais. Da Conferência de Estocolmo - que oficializa a
preocupação internacional sobre os problemas ambientais, surge o Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (PNUMA). O nascimento da ecologia profunda vem questionar
densamente os pressuspostos a partir dos quais a civilização tem se desenvolvido. Fundada por
Arne Naess, introduziu-se um novo modo de perceber a natureza e as questões ambientais, o que
passou a inspirar partidos, associações, movimentos sociais (ex: veganismo, straight edge etc) e
ONGs como Greenpeace e o Earth First!
A Declaração de Cocoyok (1974) afirmava que a explosão demográfica tinha como
origem a pobreza, que por sua vez gerava a destruição desenfreada dos recursos naturais. Foi
enfatizada a responsabilidade dos países industrializados no agravamento dos problemas
ambientais devido aos altos índices de consumo. O Relatório Dag-Hammarsköld e a Declaração
de Cocoyok fazem grandes críticas à sociedade industrial e aos países industrializados.
Em 1980, ocorreu um “move to institutions” (RUGGIE, 1998), como dos tratados,
documentos e leis que regulamentavam a atividade industrial no que se refere à poluição. O
fenômeno das mudanças climáticas passou a ser considerado pela comunidade científica como
uma das mais sérias ameaças para todas as formas de vida do planeta. As mais recentes
descobertas científicas (Intergovernamental Panel of Climate Change - IPCC14, 2007) indicam
que o aumento da concentração de gases do efeito estufa (GEE) emitidos por fontes
antropogênicas está alterando significativamente o equilíbrio do sistema do clima.
O Relatório de Brundtland (1987) teve como fruto o relatório “Nosso Futuro Comum”,
em que a percepção de desenvolvimento sustentável ficou estabelecida como o desenvolvimento
que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
14
O grupo, criado pela ONU (Organização das Nações Unidas) e pela Organização Meteorológica Mundial em
1988, reúne atualmente 2.500 cientistas de mais de 130 países e prevê mais chuvas fortes, derretimento de geleiras,
secas e ondas de calor.
52
suprir suas próprias necessidades. Fica evidente, contudo, a dicotomia Terra versus Mundo, que
passa a ser um ponto emblemático perpassando todos que enfocam a temática ambiental. Há um
choque entre um espaço idealizado - construído e modificado pelo homem de acordo com seus
valores e crenças (Mundo) - e o espaço constituído pelo conjunto de relações entre organismos e
sistemas vivos cujo homem também faz parte, a Biosfera (Terra).
Tais percepções são base para implementação de políticas públicas (nacionais e
internacionais) e indicam uma teia de significados que perpassam a crise da política ambiental.
Ao enfocar essa crise, é possível identificar uma problemática constante: É possível a construção
da justiça ambiental global ante o sistema internacional vigente?
A Conferência Rio 92 chamou a atenção do mundo para a dimensão global das ameaças
para todas as manifestações de vida na Terra, além de ressaltar a necessidade de uma aliança
entre todos os povos em prol de uma sociedade sustentável (BRÜSEKE, 2001). Vários projetos
normativos resultaram desta conferência: Declaração do Rio de Janeiro sobre o meio ambiente e
o desenvolvimento; Convenção sobre mudanças climáticas; Declaração de princípios sobre
florestas; Agenda 21- um pacto para o desenvolvimento e meio ambiente da Terra entre os três
setores da sociedade: o governamental, o produtivo e o civil organizado (CAMARGO, 2003).
Na cidade de Joanesburgo, em 2002, a Conferência que ficou mais conhecida como Rio
+10, realizada na África do Sul, analisou a efetividade das metas presentes nos acordos fixados
na Rio-92, tendo como referência a Agenda 21. A Conferência de Joanesburgo mostrou que ainda
não se atingiu sequer os passos estipulados em direção ao que se denominou desenvolvimento
sustentável. Em tese, todos parecem ser favoráveis ao desenvolvimento sustentável, contudo,
poucos se propõem, de fato, a promovê-lo.
Os problemas relacionados às mudanças climáticas, a priori, eram assuntos abordados
pela comunidade científica; contudo, o alerta sobre o aumento significativo na concentração dos
gases causadores do efeito estufa (GEE) mudou essa realidade (IPCC, 1990). Percepções sobre
ameaças às formas de vida decorrente de ações antrópicas passaram a ser levadas para a agenda
internacional. Considerando que as consequências das mudanças climáticas afetam bens públicos
em escala global, a solução, para tanto, requer um esforço da mesma proporção.
53
4.3 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO REGIME DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS
A Convenção Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima (UNFCCC) e o
Protocolo adicional (Kioto) foram as principais iniciativas estatais ao aumento contínuo das
emissões de GEEs.
No Artigo 2 da Convenção são delineados os objetivos da UNFCCC, cujos elementos
centrais são: estabilização das emissões de GEEs, a obrigatoriedade da adaptação natural a partir
desta estabilização e o compromisso com a produção de alimentos e o desenvolvimento
econômico sustentável. Sendo o Protocolo de Kioto adicional à Convenção, os mesmos objetivos
se lhe aplicam.
4.3.1 A Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima
Durante a Rio 92, para tratar do problema do efeito estufa e suas possíveis consequências
para a humanidade, estabeleceu-se a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima. A Convenção do Clima, como ficou conhecida, entrou em vigor em 1994 atribuindo
metas para que países industrializados e de Economias de Transição (países do Anexo I da
Convenção) estabilizassem as concentrações de GEE de modo a impedir que a atividade humana
se tornasse uma interferência, provocando danos que afetasse a capacidade de resiliência dos
ecossistemas.
A Convenção do Clima (MCT, 2001) elenca os seguintes princípios:
1. As Partes devem proteger o sistema climático em benefício das gerações
presentes e futuras da humanidade com base na eqüidade e em conformidade
com suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas
capacidades. Em decorrência, as Partes países desenvolvidos devem tomar a
iniciativa no combate à mudança do clima e a seus efeitos.
2. Devem ser levadas em plena consideração as necessidades específicas e
circunstâncias especiais das Partes países em desenvolvimento, em especial
aqueles particularmente mais vulneráveis aos efeitos negativos da mudança do
clima, e das Partes, em especial Partes países em desenvolvimento, que tenham
que assumir encargos desproporcionais e anormais sob esta Convenção.
54
3. As Partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou
minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos.
Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena
certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas,
levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança
do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar
benefícios mundiais ao menor custo possível. Para esse fim, essas políticas e
medidas devem levar em conta os diferentes contextos socioeconômicos, ser
abrangentes, cobrir todas as fontes, sumidouros e reservatórios significativos de
gases de efeito estufa e adaptações, e abranger todos os setores econômicos. As
Partes interessadas podem realizar esforços, em cooperação, para enfrentar a
mudança do clima.
4. As Partes têm o direito ao desenvolvimento sustentável e devem promovê-lo.
As políticas e medidas para proteger o sistema climático contra mudanças
induzidas pelo homem devem ser adequadas às condições específicas de cada
Parte e devem ser integradas aos programas nacionais de desenvolvimento,
levando em conta que o desenvolvimento econômico é essencial à adoção de
medidas para enfrentar a mudança do clima.
5. As Partes devem cooperar para promover um sistema econômico
internacional favorável e aberto conducente ao crescimento e ao
desenvolvimento econômico sustentáveis de todas as Partes, em especial das
Partes países em desenvolvimento, possibilitando-lhes, assim, melhor enfrentar
os problemas da mudança do clima. As medidas adotadas para combater a
mudança do clima, inclusive as unilaterais, não devem constituir meio de
discriminação arbitrária ou injustificável ou restrição velada ao comércio
internacional.
Depreende-se, então, que a Convenção é norteada pelos respectivos princípios de
equidade: responsabilidades comuns, porém diferenciadas; princípio da precaução; atender
necessidades dos países em desenvolvimento; desenvolvimento sustentável; multilateralismo.
Originalmente, o referido tratado internacional não impunha limites obrigatórios para as emissões
de GEE, tampouco tratava sobre disposições coercitivas. Em vez disso, a Convenção do clima
previa atualizações (protocolos), que deveriam criar limites obrigatórios de emissões.
4.3.1.1 Conferências das partes
A Conferência das Partes (COP), órgão supremo da Convenção (Art. 7.1), tem a
responsabilidade de implementar o tratado, assim como quaisquer instrumentos jurídicos que a
55
Conferência das Partes vier a adotar. Dessa forma, durante as COPs têm-se observado o
cumprimento dos acordos estipulados, a eficácia dos programas nacionais para as mudanças
climáticas e a divulgação de informações científicas.
Todas as decisões e medidas que caracterizam a cooperação em mudanças climáticas
passam pela avaliação e consentimento das partes. Apesar de atuar por meio de instrumentos
legais vinculantes (decisões, declarações, resoluções e relatórios), existem discussões jurídicas
acerca da legitimidade e da natureza jurídica destes instrumentos. A COP/MOP compreende onze
oficiais eleitos no início de cada seção. O Bureau é composto por presidente, sete vicepresidentes, relator e presidentes do SBSTA e SBI.
A função da Convenção das Partes Subsidiárias (SBI) é assessorar a Convenção (Art. 10)
para inventários de emissões e assuntos financeiros e do Protocolo de Kioto (Art.15). Assim, o
SBI contribui no processo de multilateralização das ações a serem desempenhadas com a
preparação e implementação de decisões e documentos. O SBI é composto por experts
reconhecidos por possuírem notório saber. O órgão auxiliar técnico a Convenção das Partes
Subsidiárias para Apoio Científico e Tecnológico (SBSTA, em inglês) aconselha sobre
metodologias para assuntos como transferência de tecnologia e emissões oriundas do
desmatamento.
Prevendo uma fase de adaptação na implementação de projetos conjuntos, a UNFCCC
criou o mecanismo de atividades implementadas conjuntamente. Tais atividades foram instituídas
como uma “fase piloto” para que os países fossem estimulados a realizar projetos que reduzissem
as emissões de GEEs como forma de aprendizado, sem concessão de créditos ou bônus.
No Gráfico 1, apresenta-se os setores em que os projetos de AIJ foram implementados.
56
AIJ: Tipo de Atividade
40
Energia renovável
20,53%
36
Eficiênciade Energia
4,81%
2
Captura de gás fugitiva
18,56%
3
1,87%
Combustível trocando
2
1,9%
Agricultura
1
1%
Reflorestamento
11
Arborize reflorestamento de
preservação ou restauração
52,16%
0
10
Número de Projetos
20
30
40
50
60
Parte de GHG reduzido ou isolado (CO2 Equivalente)
Gráfico 1: Projetos de implementação conjunta por tipo de atividade
Fonte: UNFCCC (1998)
O processo de tomada de decisão em um foro internacional é complexo, de modo que o
que se apresenta abaixo é apenas um pequeno resume que se inicia desde a primeira conferência
das partes na cidade de Berlim, em 1995, até a conferência da cidade de Poznan, em 2008.
a) COP 1 - Berlim (1995)
A primeira Conferência das Partes foi marcada por incertezas sobre em que medida cada
país se comprometeria em combater a emissão de gases do efeito estufa. Como consequência,
criou-se o "Mandato de Berlim", cujo foco era atingir um consenso entre os países que permitisse
tomar ações mais enérgicas quanto à mitigação do efeito estufa. Estabeleceu-se, então, um
período de transição de dois anos para análise e avaliação das alternativas para a tomada de
decisão. Uma série de instrumentos e mecanismos foram apresentados para que países membros
pudessem escolher e compor iniciativas conjuntas.
Concordou-se que o compromisso dos países desenvolvidos em reduzir suas emissões
para os níveis de 1990, até o ano de 2000, não seria suficiente para se atingir os objetivos de
longo prazo da UNFCCC. Atentou-se para a necessidade de um instrumento com
comprometimento legal ou protocolo que tornasse oficial o compromisso com a redução das
emissões. Foi decidido ainda que seria adotado o uso de “atividades implementadas
57
conjuntamente” (activities implemented jointly) em fase piloto, para que os países
desenvolvessem projetos voltados para a redução de emissões.
Foi então criado, então, o grupo Ad Hoc sobre o Mandato de Berlim (AGBM), que
iniciou o esboço de um protocolo que após oito encontros foi encaminhado a COP 3, culminando
na adoção do Protocolo de Kioto (AGUIAR, 1997).
b) COP 2 - Genebra (1996)
A segunda Conferência das Partes aprovou os resultados do IPCC (1995). Nesta
conferência foi estabelecido que os países membros não procurariam soluções homogêneas, isto
é, cada país agiria com liberdade para alcançar as soluções que lhes fossem mais relevantes.
Ficou definido que países em desenvolvimento deveriam receber ajuda tecnológica e financeira.
Outro aspecto diz respeito a estipular metas para redução de emissões de GEE a serem definidas
em médio prazo.
Ficou acordado que os países em desenvolvimento poderiam demandar ajuda financeira
para o desenvolvimento de programas de redução de emissões à Conferência das Partes, os quais
seriam financiados com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).
c) COP 3 - Kioto (1997)
O Protocolo de Kioto foi aprovado após intensas negociações. Pela primeira vez, um
protocolo estabelecia metas vinculativas de emissões de GEE para 37 países industrializados,
compreendendo um período de 2008 a 2012. Houve vários anos de incerteza com relação ao
número de países que ratificariam o tratado. Em 2005, o Protocolo de Kioto entrou em vigor,
muito embora vários dos países membros da UNFCCC não o tenham ratificado. Estabeleceu-se
que os Países do Anexo I da Convenção deveriam reduzir 5,2% de suas emissões de GEE.
A União Européia assumiu o compromisso de reduzir em 8%; os Estados Unidos
assinaram uma redução de 7% e o Japão concordou em reduzir 6%. Alguns países, como a Rússia
e Ucrânia, não assumiriam compromisso de redução e outros como Islândia, Austrália e Noruega
ainda teriam permissão para aumentar suas emissões.
58
d) COP 4 - Buenos Aires (1998)
A terceira Conferência das Partes serviu para aumentar os esforços de implementação da
UNFCCC e se preparar para a entrada em vigor do Protocolo de Kioto. Nesta conferência, ficou
claro que havia várias questões pendentes em relação ao Protocolo de Kioto. Preparou-se um
Plano de Ação para os mecanismos de financiamento, transferência de tecnologia e
desenvolvimento. Com essa perspectiva, foi elaborado o pacote de metas que ficou conhecido
como o Plano de Ação de Buenos Aires, em que se decidiu tratar separadamente os seguintes
temas: mecanismos de financiamento; desenvolvimento e transferência de tecnologias;
obrigações dos países signatários, no fornecimento de auxílio financeiro e transferência de
tecnologias aos países em desenvolvimento e/ou mais susceptíveis aos impactos das mudanças
climáticas (Artigos 4.8 e 4.9 da UNFCCC); atividades implementadas conjuntamente em fase
piloto; programa de trabalho dos mecanismos do Protocolo de Kioto.
e) COP 5 – Bonn (1999)
Nesta conferência foi dominada por discussões técnicas relativas aos mecanismos
previstos no Protocolo de Kioto e implementação do Plano de Ação de Buenos Aires. As partes
deveriam intensificar o trabalho preparatório necessário para que fossem tomadas decisões com
relação ao Plano na COP 6. Foram também abordados aspectos relativos à questão do Uso da
Terra, Mudança de Uso da Terra e Florestas (LULUCF), capacitação dos países em
desenvolvimento (países não-Anexo I) e atividades implementadas conjuntamente em fase piloto.
f) COP 6 - Parte I - Haia (2000)
Na conferência, procurou-se concretizar a adoção dos Sistemas Nacionais que
implementassem programas para redução das emissões, além disso, as partes decidem criar um
fundo de Adaptação sob a administração do GEF (Global Environmental Fund). Houve amplos
debates políticos sobre a proposta dos E.U.A de incluir áreas agrícolas e florestais como
sumidouros de carbono. Se a proposta tivesse sido aprovada, grande parte da obrigação
americana seria amortizada, o que foi prontamente rejeitado. Outro aspecto que marcou a COP 6
estava relacionado às possibilidades de sanções para os países que não cumprissem com suas
obrigações com relação às emissões. A reunião terminou quando os países da UE se recusaram a
59
aderir à proposta. Acordou-se que as negociações seriam retomadas em uma conferência
extraordinária em julho de 2001.
g) COP 6 - Parte II - Bonn (2001)
Quando as negociações foram retomadas, as expectativas não eram boas. Os E.U.A., sob
o mandato de seu novo presidente George W. Bush, rejeitaram o Protocolo de Kioto. Contudo,
questões importantes foram viabilizadas graças a um acordo em que concessões foram feitas para
agradar aos interesses dos países em conflito. Por exemplo, foi aceita a utilização de sumidouros
de carbono (sinks), como forma de gerar créditos a países do Grupo Umbrella (Japão, Russia,
Ucrania, Canadá, Austrália, Noruega e Nova Zelândia).
Durante a COP 6-bis, houve consenso sobre a necessidade de se atacar diretamente os
pontos essenciais do Plano de Ação de Buenos Aires. Para tanto, as seguintes questões adicionais
foram estabelecidas: a necessidade da criação de um fundo especial para Mudanças Climáticas
além do GEF; as florestas e outros sumidouros de carbono passaram ser incluídos na
contabilidade de redução de GEE; os princípios relacionados com a aplicação de sanções foram
viabilizados; e os mecanismos de flexibilização permitiram formas diferentes de reduzir a
emissão de GEE.
h) COP 7 - Marraqueche (2001)
Conseguiu-se estabelecer papéis operacionais para viabilizar o Protocolo de Kioto e o
acordo de Bonn. O “Acordo de Marraqueche” define as regras operacionais para LULUCF,
mecanismos de flexibilização (MDL, Implementação Conjunta e Comércio de Emissões), trata
ainda do inventário nacional de emissões. Definiu-se uma limitação para a utilização de créditos
oriundos de florestas e agricultura. Limitou-se a transferência das unidades de crédito de carbono
oriundas dos mecanismos de flexibilização, contudo, atestou-se a fungibilidade entre todas as
unidades de crédito. Foi permitida a criação de projetos unilaterais de MDL (sem participação de
um país do Anexo I) e foram estabelecidos fundos internacionais para ajudarem os países menos
desenvolvidos a se adaptarem aos efeitos das mudanças climáticas.
60
i) COP 8 - Deli (2002)
A Conferência de Deli foi realizada em 2002, mesmo ano da Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável (Rio +10). Houve a criação do Mercado de Crédito de Carbono
oficial. Merecem destaque as iniciativas do setor privado e das organizações não governamentais
para a ratificação do protocolo e funcionamento dos mecanismos de flexibilização.
Foram apresentados diversos projetos no escopo do MDL, evidenciando a formação de
mercados para o comércio de créditos de carbono e iniciativas como o PCF – Prototype Carbon
Fund, CCX - Chicago Climate Exchange etc.
j) COP 9 - Milão (2003)
O enfoque desta conferência foi esclarecer algumas das últimas informações técnicas
relativas ao Protocolo de Kioto. Teve como foco a discussão sobre as regras e procedimentos
para projetos florestais no MDL. Definiu-se a maneira como os projetos de florestamento e
reflorestamento deveriam ser conduzidos. A modalidade de conservação de florestas ficou fora
do escopo do MDL.
Com relação à validade das certificações de redução de emissões (CER) adotaram-se os
seguintes critérios: CERs temporárias (tCERs ) e CERs de longo prazo (lCERs) (SCLEICHER,
2006). As CERs temporárias são válidas durante o período de comprometimento em que foram
emitidas. Isto é, serão válidas apenas para o primeiro período de comprometimento (2008 a
2012). Já os créditos de longo prazo (lCER) de um projeto de reflorestamento expiram apenas ao
final do período de creditação, sob o qual foi submetido o projeto de MDL.
l) COP 10 - Buenos Aires (2004)
Nesta reunião, muito do tempo foi voltado para discussão de fatores técnicos e,
paulatinamente, foi abordada uma discussão sobre o que iria acontecer quando o Protocolo de
Kioto expirasse (2012). Este Protocolo entrou em vigor no início do ano seguinte, após a
ratificação pela Rússia.
A definição dos Projetos Florestais de Pequena Escala (PFPE) e a divulgação de
inventários de emissão de gases do efeito estufa, por alguns países em desenvolvimento, foram
destaque na COP 10.
61
m) COP 11 - Montreal (2005)
Primeira Conferência após o Protocolo de Kioto entrar em vigor. Desta forma, a reunião
anual entre as partes da UNFCCC (COP) foi acompanhada pela conferência anual entre os países
que ratificaram o Protocolo de Kioto (MOP). O foco de ambas as conferências foi a abordagem
das políticas a serem implementadas após 2012, ano em que o Protocolo de Kioto expira.
As instituições européias defenderam para o acordo pós-2012 reduções de emissão na
ordem de 20 a 30% até 2030 e, posteriormente, a redução entre 60 e 80% até 2050.
n) COP 12 - Nairóbi (2006)
Houve uma nova revisão do Protocolo de Kioto para 2008 e delineram-se as regras do
Fundo Adaptação para auxiliar os países menos desenvolvidos a se adaptarem às alterações
climáticas. Foram equacionadas as últimas questões técnicas não desenvolvidas pelo Protocolo de
Kioto.
Acordou-se que um intervalo de tempo entre o Protocolo de Kioto e a promulgação do
outro Protocolo pós-2012 trariam impactos negativos para a luta internacional contra as
mudanças climáticas.
Atentou-se para que os países desenvolvidos tomassem medidas que assegurassem uma
distribuição geográfica dos projetos mais equitativa. Já que, na época, havia 400 projetos MDL e
apenas 9 na África.
o) COP 13 - Bali (2007)
Representantes de cerca de 190 países iniciaram uma conferência sobre alterações
climáticas, patrocinada pela Organização das Nações Unidas sobre a ilha indonésia de Bali. Foi
convalidado o recente relatório do IPCC (2007) e suas conclusões sobre os sinais do aquecimento
global. Adotou-se o Plano de Ação de Bali que estabeleceu as bases para as negociações
conducentes à COP15, em Copenhagen, onde um novo acordo possa ser negociado.
Na Conferência de Bali, procurou-se alcançar um consenso entre diferentes grupos. A
União Européia se propôs estabelecer compromissos ambiciosos de redução entre 25% e 40%
para 2020. Já os E.U.A e alguns países desenvolvidos se negam a aceitar metas de redução; isso
aliado à resistência de países com forte crescimento economico, como a China, Índia ou Brasil,
em adotar medidas que comprometam seu desenvolvimento.
62
p) COP 14 - Poznan (2008)
Nesta conferência, o trabalho para a operacionalização de um novo acordo climático
global em Copenhagen continuou. As partes chegaram a um acordo sobre o programa de trabalho
e plano para a reunião de Copenhagen. Procurou-se a operacionalização do fundo de adaptação,
que vai dar suporte a medidas para adaptação nos países menos desenvolvidos (COP 15).
Procurou-se a operacionalização do fundo de adaptação, que vai dar suporte a medidas para
adaptação nos países menos desenvolvidos.
4.3.2 Institucionalização do Protocolo de Kioto
O Protocolo de Kioto foi negociado no Japão em 1997. Entrou em vigor com a ratificação
da Rússia em 2004, quando totalizou 55% dos países que, juntos, produzissem 55% das emissões.
O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, fundamentou os compromissos
para a redução da emissão dos GEEs, que têm como base causas antropogênicas do aquecimento
global.
Adotou-se a proposta para a redução das emissões de gases do efeito estufa em, pelo
menos, 5,2% com relação a 1990 (período entre 2008 e 2012), em que países do Anexo I (países
industrializados desenvolvidos) da Convenção estão comprometidos. As metas não são
homogêneas, tampouco significa dizer que os países que se comprometeram cumprirão com suas
metas. Na ocasião, países em desenvolvimento não receberam metas de redução, o que ainda é
alvo de questionamentos. Mas, tais países se comprometeram em criar programas de redução dos
GEEs.
O Protocolo cria estímulos para os países signatários cooperarem entre si para reduzir as
emissões, principalmente nos setores de energia, transporte, indústria, agricultura; promover o
uso de fontes energéticas renováveis; limitar as emissões de metano no gerenciamento de
resíduos e dos sistemas energéticos; proteger florestas e outros sumidouros de carbono etc.
A Austrália aderiu ao acordo no ano passado. Mesmo assim, os Estados Unidos ainda
continuam fora do acordo. Como uma das promessas do novo governo Obama é o
63
comprometimento com a causa das mudanças climáticas, há uma tendência ao fortalecimento do
regime de mudanças climáticas, com a possível ratificação dos Estados Unidos.
Segundo a percepção de que o mecanismo de mercado seria a melhor forma de alocar
recursos, procurou-se, desde o Protocolo de Kioto, mecanismos que pudesse auxiliar no processo
de redução das emissões. Segundo Rocha (2003), tinha-se como objetivo criar um valor
transacionável para essas reduções, semelhante ao que era praticado para alguns gases poluidores
na Europa e nos Estados Unidos.
O parâmetro estabelecido para o cálculo das metas das reduções seria feito a partir de uma
“cesta de gases” (CO2, CH4, N2O, HFCs, PFCs e SF6) e de 5 categorias de fontes poluidoras
(energia; processos industriais, solventes e outros produtos, agricultura e manuseio de
dejetos/lixo), criando um índice denominado Global Warming Potentials (GWPs). Segundo
Schleicher (2006), o índice fornece uma medida comum para comparar e medir a força radioativa
relativa entre os GEEs, sem ter que recorrer aos cálculos das concentrações atmosféricas de tais
gases.
Para cumprir as obrigações com as metas de redução dos GEEs, as partes da UNFCCC e
do Protocolo de Kioto dispõem de quatro mecanismos. O primeiro, atividades implementadas
conjuntamente, foi apresentado pela UNFCCC. Os demais, Implementação conjunta, Comércio
de Emissões e Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, são mecanismos de flexibilização e são
contabilizados na redução das emissões de GEEs. Esses últimos mecanismos foram
desenvolvidos no âmbito do Protocolo de Kioto.
4.3.2.1 Mecanismos de flexibilização
Tendo como objetivo ajudar os Países do Anexo I a reduzir suas emissões de modo menos
custoso, o Protocolo de Kioto possibilitou que instrumentos, tais como os mecanismos de
flexibilização, autorizassem a participação de Países do Anexo I em projetos de redução dos GEE
fora de seu território, inclusive em países não integrantes do Anexo I – o caso do MDL. Em tese,
o custo de implementação de um projeto em outro país seria mais acessível economicamente que
o corte das emissões no país Anexo I.
64
4.3.2.2 Implementação conjunta
O segundo mecanismo, a implementação conjunta (JI), é descrito no Artigo 6 do
Protocolo de Kioto. Esse mecanismo foi proposto pelos EUA e permite que as partes listadas no
Anexo I desenvolvam projetos de mitigação ou de seqüestro de GEEs, no território de qualquer
parte integrante do Anexo I.
Artigo 6.1 do Protocolo de Kioto (UNFCCC, tradução MCT, 2001)
1. A fim de cumprir os compromissos assumidos sob o Artigo 3, qualquer Parte
incluída no Anexo I pode transferir para ou adquirir de qualquer outra dessas
Partes unidades de redução de emissões resultantes de projetos visando a
redução das emissões antrópicas por fontes ou o aumento das remoções
antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa em qualquer setor da
economia,desde que:
(a) O projeto tenha a aprovação das Partes envolvidas;
(b) O projeto promova uma redução das emissões por fontes ou um aumento das
remoções por sumidouros que sejam adicionais aos que ocorreriam na sua
ausência;
(c) A Parte não adquira nenhuma unidade de redução de emissões se não estiver
em conformidade com suas obrigações assumidas sob os Artigos 5 e 7; e
(d) A aquisição de unidades de redução de emissões seja suplementar às ações
domésticas realizadas com o fim de cumprir os compromissos previstos no
Artigo 3.
Para ser elegível, um projeto IJ deve reduzir emissões de GEEs ou remoções de carbono
por sumidouros, de modo adicional ao que ocorreria na ausência do projeto. Esse procedimento é
conhecido como Track 1. Existe ainda o procedimento chamado Track 2, pelo qual o país
anfitrião consegue cumprir apenas alguns requisitos de elegibilidade. No segundo caso, o Comitê
Supervisor da Implementação Conjunta vai verificar a adicionalidade das reduções ou remoções
de emissão por meio de regras específicas (SCHLEICHER, 2006).
Partes do Anexo I, ou empresas com sede nestes países, financiam projetos de redução de
emissões em outros países do Anexo I e, consequentemente, recebem créditos (commodities que
podem ser negociados no mercado de carbono e usados no abatimento das emissões de um país).
Uma vez contabilizados, os créditos terão validade apenas na primeira fase do Protocolo de Kioto
(2008 a 2012).
65
4.3.2.3 Comércio de emissões
O Artigo 17 do Protocolo de Kioto versa sobre o Comércio de Permissão de Emissões
(UNFCCC apud MCT, 2001):
A Conferência das Partes definirá os princípios, modalidades, regras e diretrizes
relevantes, em particular para a verificação, elaboração de relatórios e
responsabilização no que diz respeito a comércio de emissões. As Partes
incluídas no Anexo B podem participar no comércio de emissões com o objetivo
de cumprir os seus compromissos constantes do artigo 3.º do presente Protocolo.
Tal comércio será suplementar às ações nacionais destinadas a satisfazer os
compromissos quantificados de limitação e redução de emissões previstos
naquele artigo.
Com o comércio de emissões (ET), as partes do Anexo I podem comercializar os créditos
(emission allowances - EUA) com outros Países que compõem o Anexo I. Tais créditos são
registrados em bolsa de valores. Esse é um mecanismo de mercado em que membros com
créditos excedentes geram créditos (ofertantes), que podem ser vendidos a membros que não
conseguem alcançar a meta de redução.
No quadro 2 são apresentados os dados das metas a serem alcançadas pelos Estados que
compõem o Anexo I.
País
UE-15*, Bulgária, República Tcheca, Estônia, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Mônaco,
Romênia, Slovakia, Slovênia e Suíça
EUA***
Canadá, Hungria, Japão, Polônia
Croácia
Nova Zelândia, Federação Russa, Ucrânia
Noruega
Austrália
Islândia
Meta (1900**- 2008/2012)
-8%
-7%
-6%
-5%
0
+1%
+8%
+10%
Quadro 2: Os dados das metas a serem alcançadas pelos Países Anexo I
Fonte: UNFCC
*Os 15 estados membros da UE em 1990 distribuirão entre si suas metas, segundo um mecanismo previsto no Protocolo de Kioto
denominado “bubble”, de modo que cada país individualmente apresenta metas individuais diferentes, mas que combinadas
atingirão as metas almejadas pelo grupo.
** Algumas EITs possuem linha de base diferente de 1990
*** Os EUA demonstrou intenção mas não ratificou o protocolo de Kyoto
66
4.3.2.4 Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)
O mecanismo mais importante para os países em desenvolvimento é o MDL, na medida
em que se admite o cumprimento das obrigações dos Países que integram o Anexo I, através da
implementação de projetos de redução de emissões de GEEs em Países não Anexo I. Os créditos
obtidos pelo MDL são chamados de reduções certificadas de emissão (RCE ou CER, na sigla em
inglês).
Dessa forma, cada tonelada de CO2 deixada de ser emitida ou retirada da atmosfera por
um país em desenvolvimento poderá ser negociada no mercado mundial. Na prática, o mercado
primário de RCE não passa pela instância das Bolsas de Valores, assim como no mecanismo de
implementação conjunta. Os projetos, na maioria das vezes, são negociados bilateralmente pelas
partes interessadas, funciona, então, como um mercado de balcão. No Brasil, existe uma
iniciativa única entre países em desenvolvimento com a criação do Mercado de Carbono
Brasileiro, em que RCE já obtidas são leiloadas.
Já, no mercado secundário, as RCEs podem ser comercializadas como equivalentes às
permissões para poluir (EUAs) no mercado de permissões. De um modo geral, as RCEs são ações
menos valorizadas do que as EUAs.
A grande vantagem do mecanismo MDL é a possibilidade de reduzir emissões de carbono
em outro país (em desenvolvimento), a um custo menor do que se o país Anexo I tivesse que
reduzir em seu território.
As negociações internacionais relacionadas ao MDL tiveram lugar na de Montreal, em
2005, na COP 11 como a COP/MOP 1. Foram as primeiras conferências internacionais realizadas
após a entrada em vigor do Protocolo de Kioto, fundamentais para a consolidação do Protocolo.
O Brasil, na ocasião, desempenhou um papel de destaque, liderando várias negociações
importantes, de modo que o MDL é fruto de uma proposta inicialmente brasileira.
O Artigo 12 do Protocolo de Kioto fundamenta o Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo:
1. É criado o mecanismo de desenvolvimento limpo.
2. O objectivo do mecanismo de desenvolvimento limpo será assistir as Partes
não incluídas no Anexo I de modo a alcançarem o desenvolvimento sustentável
67
e a contribuírem para o objectivo fundamental da Convenção, e assistir as Partes
incluídas no Anexo I no cumprimento dos seus compromissos quantificados de
limitação e redução das emissões, de acordo com o artigo 3.º
3. Ao abrigo do mecanismo de desenvolvimento limpo:
a. As Partes não incluídas no Anexo I beneficiarão das actividades de projecto
que resultem em reduções certificadas de emissões; e
b. As Partes incluídas no Anexo I podem utilizar as reduções certificadas de
emissões resultantes dessas actividades de projecto como contributo para
cumprimento de parte dos seus compromissos quantificados de limitação e
redução das emissões, ao abrigo do artigo 3.º, conforme determinado pela
Conferência das Partes, actuando na qualidade de reunião das Partes para efeitos
do presente Protocolo.
Após a COP de Marraqueche, ficaram definidas as modalidades de MDL em: I) projetos
de remoção e estocagem de dióxido de carbono por meio de sumidouros e atividades relacionadas
ao uso da terra, como projetos de aflorestamento e reflorestamento; II) projetos de substituição de
combustíveis e/ou aumento de eficiência energética em matrizes poluidoras - aqueles que
empregam tecnologias com menor emissão de GEEs.
Os critérios de elegibilidade dizem respeito à promoção do desenvolvimento sustentável e
às demandas do Artigo 12, item 5:
As reduções de emissões resultantes de cada actividade de projecto serão
certificadas por entidades operacionais a serem designadas pela Conferência das
Partes actuando na qualidade de reunião das Partes para efeitos do presente
Protocolo, com base em:
a. Participação voluntária aprovada por cada Parte envolvida;
b. Benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação
das Mudanças climáticas; e
c. Reduções das emissões que sejam adicionais às que ocorreriam na ausência da
actividade certificada de projeto.
a) Ciclo do Projeto MDL
A partir da análise da compilação do Ministério da Ciência e Tecnologia “Status atual das
atividades de projeto no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no Brasil e no
mundo” (2009), desenvolveram-se as etapas do ciclo de um projeto de MDL (Figura 5).
Na primeira etapa, é elaborado o Documento de concepção do Projeto pelos proponentes.
Deve haver a descrição das atividades propostas, com a metodologia da chamada linha de base referência para determinar a adicionalidade do projeto, isto é, demonstrar o cenário das emissões
68
antrópicas de GEEs que ocorreriam caso o projeto proposto não fosse implementado. Devem
ficar claros o período de obtenção de créditos com um plano de monitoramento, o tempo de
duração do projeto, a estimativa das emissões de GEEs por fontes, os impactos ambientais e as
partes intervenientes.
Na segunda fase, a validação é feita por um avaliador independente - Entidade
Operacional Designada - apontado pela Comissão Executiva do MDL e contratado pelo
proponente. Sempre que necessário uma Entidade Operacional Designada (EOD), mediante
solicitação, fará a revisão do projeto de forma a avaliar se este preenche os requisitos exigidos. O
relatório de validação é entregue à Autoridade Nacional Designada (AND), que no caso do Brasil
corresponde à Comissão Interministerial.
Na fase de aprovação, a comissão interministerial confirma a participação voluntária e
atesta que as atividades desenvolvidas contribuem para o desenvolvimento sustentável. No caso
do Brasil, os seguintes requisitos são levados em consideração: distribuição de renda,
sustentabilidade ambiental local, desenvolvimento das condições de trabalho e geração líquida de
emprego, capacitação e desenvolvimento tecnológico, e integração regional e articulação com
outros setores. Com a aprovação, inicia-se a implementação das atividades do projeto.
Na fase quatro, é feito o registro que é a aceitação formal, pelo Conselho Executivo, de
um projeto validado como atividade de projeto do MDL. Após o registro, segue-se o
monitoramento das reduções de emissões de GEE e dos leakages ou fugas – variação líquida das
emissões de GEE fora dos limites do projeto. Isto é, há o recolhimento e armazenamento de todos
os dados necessários para calcular a redução das emissões de gases de efeito estufa, de acordo
com a metodologia de linha de base estabelecida no documento de concepção do projeto.
Na etapa de verificação, dá-se o processo de auditoria periódico e independente para revisar os
cálculos acerca da redução ou de remoção de CO2. Após a verificação, o Conselho Executivo
certifica que uma determinada atividade de projeto atingiu um determinado nível de redução de
emissões de gases de efeito estufa durante um período de tempo específico.
Na Figura 5 está esquematizado o ciclo de vida de um projeto MDL.
69
Figura 5: Representação do Ciclo de um Projeto MDL
Fonte: BM&F
b) Diretrizes para o Documento de Concepção do Projeto (DCP)
Para a preparação do documento de concepção do projeto são apresentadas diretrizes que
vão orientar esse documento base, o que será essencial tanto durante o ciclo de vida do projeto,
quanto na classificação do projeto. Os projetos de pequena escala, por exemplo, possuem
metodologia simplificada e diferenciada. Em todos os projetos de MDL, contudo, deve ser bem
evidenciada a linha de base do projeto e sua adicionalidade.
c) Metodologia relacionada à escala do Projeto
Há diretrizes simplificadas para projetos de pequena escala, na medida em que custos com
processos complexos os inviabilizariam. Na COP7, o comitê executivo determinou que os
projetos de pequena escala seriam caracterizados pelas seguintes atividades:
70
a) Projetos de energia renovável com potência instalada inferior a 15 MW
b) Projetos de eficiência energética que reduzam o consumo de energia com produção
inferior a 15 GWh ao ano
c) Outros projetos que ao reduzir emissões antropogênicas, emitam no máximo 15.000 t de
CO2/ano.
d) Linha de Base do Projeto
Segundo a UNFCCC (2002), a linha de base diz respeito a “um cenário que represente
emissões antropogênicas de gases do efeito estufa que ocorreriam na ausência da atividade
proposta no projeto”. Não se trata de um número estático, espera-se, normalmente, que as
emissões de GEEs cresçam (Figura 6).
A Figura 6 representa o cenário da linha de base para a atividade de um projeto de
desenvolvimento limpo.
Figura 6: Representação da linha de base de um projeto MDL
Fonte: Tyndall (2007)
Ao se escolher uma metodologia para avaliar a linha de base é necessário considerar os
seguintes critérios: emissões históricas e tendências futuras; média de emissões de projetos
semelhantes realizados nos cinco anos anteriores. Os cenários devem levar em conta aspectos
sociais, econômicos, ambientais e tecnológicos.
71
Os créditos do projeto (CER) serão calculadas pela diferença entre as emissões da linha
de base e as emissões verificadas em decorrência das atividades de projeto do MDL, incluindo as
fugas (TYNDALL, 2007).
e) Adicionalidade
Adicionalidade, um conceito complementar ao da linha de base, diz respeito aos
requisitos necessários para a redução das emissões do projeto que não ocorreriam sem o
financiamento por parte do MDL. É necessário demonstrar a adicionalidade do projeto para se
comprovar que a redução das emissões só ocorreria com a implantação do projeto. Por exemplo,
projetos que poderiam ser financiados no âmbito nacional, com recursos legalmente previstos não
possuem adicionalidade.
f) Dados sobre o Mercado de Carbono
Até 2008, o Mercado de Carbono vinha se expandindo, como pode ser observado pelos
dados abaixo. A tabela 1 demonstra a movimentação financeira entre 2005 e 2006 no âmbito do
mercado de carbono oficial.
Na tabela 1 são apresentados os dados referentes à movimentação financeira no âmbito do
mercado de carbono oficial.
Tabela 1: Movimentação financeira no âmbito do Mercado de Carbono Oficial.
Modalidades
Volume
(MtCO2e)
EUAs
321
Mercado
341
Primário MDL
Mercado
10
Secundário MDL
Implementação
11
Conjunta
2005
Valor (MUS$)
Volume
(MtCO2e)
Créditos em Permissões
7,908
1,101
Créditos baseados em Projetos (MDL e IJ)
2.417
450
2006
Valor (MUS$)
24,357
4813
212
25
444
68
16
141
Subtotal (MDL e 362
IJ)
2697
491
5398
Total
10605
1592
297555
683
Fonte: Banco Mundial sobre Mercado de Carbono e suas tendências (2007)
72
Os maiores problemas que os investidores enfrentavam estavam relacionados à relativa
volatilidade dos preços das commodities no mundo, o que trazia reflexos no mercado de carbono.
O aumento da regulamentação e operacionalização do Protocolo de Kioto reduziu os riscos
envolvidos, o que também trouxe conseqüências positivas nesta fase de expansão.
De acordo com o Banco Mundial (2007), foram comercializados cerca de 3.000 MtCO2e
(mega-toneladas de carbono equivalente) a um total de US$ 64 bilhões, mais do que o dobro de
2006. Contudo, desde o início da crise financeira mundial, o mercado de carbono tem sofrido
com a redução acentuada nos preços das Reduções Certificadas de Emissão (CERs no âmbito do
MDL); das Permissões (EUAs, créditos no âmbito do comércio de emissões); e das AAUs
(Conjunto de unidades asseguradas são os créditos da Implementação Conjunta). Os preços a
partir de abril expressaram certa melhora, contudo, o preço da CRE padrão está atualmente 55
centavos acima da baixa recorde de fevereiro.
No período de maior turbulência, as margens de lucro evaporaram, a situação atual é de
recuperação e cautela por parte dos investidores (CARBONPOSITIVE, 2009). As atratividades
financeiras do mercado de carbono possuem um fator crucial ainda não concluso: um novo
acordo pós-Kioto que garanta sua continuidade. As partes já demonstraram interesse em assinar
um novo acordo que deve ser apresentado no final de 2009 na Conferência das Partes de
Copenhagen.
g) Mercados de carbono voluntários
Apesar de serem iniciativas privadas e espontâneas, empresas, cidadãos e ONGs tem dado
impulso cada vez maior ao comércio de compensação de emissões para neutralizar suas emissões
de carbono.
De acordo com o relatório State of Voluntary Carbon Market (2008), o mercado
voluntário teve uma expansão significativa de US$ 97 milhões para US$ 331 milhões em 2007. O
volume do corte de emissões equivale a 65 milhões de toneladas de CO2.Os registros mostram,
contudo, que a movimentação dos mercados voluntários são tímidas se comparadas ao mercado
de carbono oficial que, só em 2007, movimentou US$ 64 bilhões.
Algumas críticas são endereçadas aos mercados voluntários, a maioria delas está
relacionada à adoção de projetos com metodologias flexíveis consideradas não fidedignas.
73
Muitos projetos que não são aceitos do mercado de carbono oficial acabam sendo financiados
pelos mercados voluntários. Por ser mais maleável, os mercados voluntários são vistos como
legitimação de um “marketing verde” das empresas financiadoras.
Identificou-se que 39% do volume comercializado em 2007 eram provenientes de projetos
asiáticos, em detrimento dos 2% alcançados por projetos africanos (State of Voluntary Carbon
Market, 2008).
A crise financeira internacional também afetou significativamente o mercado de carbono
voluntário. A situação ainda é mais delicada do que o mercado oficial por que as empresas que
compram os créditos não são obrigadas a manterem metas de redução de emissões. Dentre as
iniciativas privadas estão, por exemplo, a Bolsa de Clima de Chicago (CCX).
O governo do Estado de Santa Catarina assinou em 30 de novembro de 2007 o contrato de
adesão à Bolsa de Clima de Chicago (CCX), tornando-se a primeira instituição pública da
América Latina a entrar no mercado voluntário de créditos de carbono americano. O Estado
catarinense pretende compensar suas emissões de CO2 - de um período que vai de 1985 a 2007.
A meta é atingir a compensação total até o ano de 201215.
h) Mercado brasileiro de redução de emissões – MBRE
O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões foi lançado em São Paulo em 2004 e
tornou-se operacional em 2005, sendo uma iniciativa pioneira entre países em desenvolvimento.
O MBRE foi um projeto implementado pelo Ministério de Desenvolvimento Indústria e
Comércio Exterior (MDIC) e pela Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F). O principal objetivo
do mercado brasileiro de carbono é auxiliar e estruturar a negociação em bolsas de créditos de
carbono.
O mercado é estruturado em duas áreas: o Banco de projetos e as intenções de projeto. No
primeiro caso, os projetos MDL já passaram por parte do ciclo do projeto já atendendo aos
requisitos da UNFCCC - como o processo de validação por uma entidade operacional designada
(EOD). No segundo caso, as intenções de projetos compreendem projetos parcialmente
estruturados, mas que ainda não passaram por processo de validação. Há ainda outro
procedimento realizado pela instituição, o sistema é apto a receber intenções de compras em que
o investidor apresenta a descrição dos projetos almejados.
15
http://empresasefinancas.hsw.uol.com.br/comercio-de-carbono2.htm
74
A função do MBRE é dar visibilidade e facilitar a comercialização de Projetos de MDL
(potenciais e já estruturados). O mercado brasileiro acaba sendo uma instituição facilitadora que
atrai investimentos externos diretos. Os projetos fomentados pelo MBRE devem contribuir para o
desenvolvimento econômico; estimular projetos de tecnologia limpa; e tornar o país uma
referência no mercado internacional, no que se refere aos instrumentos ambientais. O mercado
brasileiro de carbono tem facilitado o acesso de médios empresários a um mercado com muitas
exigências e metodologias complexas.
Outra forma de acesso aos projetos MDL no Brasil são as negociações bilaterais que
ocorrem frequentemente não passando necessariamente pelas instâncias do MBRE. Mas todo
projeto de MDL tem que passar pelos trâmites do ciclo do projeto, o que prevê a autorização pela
comissão interministerial (autoridade nacional designada – AND).
Atualmente, o Brasil conta com 158 projetos MDL registrados na UNFCCC, o que
corresponde a 37,8% dos projetos registrados na América Latina e Caribe. O Brasil ocupa o
terceiro lugar no ranking mundial de projetos MDL e representa 9,80% do total, ficando atrás de
Índia (26,22%) e China (33, 54%).
Na Tabela 2 são apresentados dados sobre a situação do mercado oficial de projetos
MDL.
Tabela 2: Projetos MDL apresentados por região, dados de maio de 2009.
Região e País
América Latina e Caribe
Brasil
México
Outros da região
Ásia e Pacífico
China
Índia
Coréia do Sul
Outros da região
África
África do Sul
Outros da região
Outras regiões
Todos os Países
N° de projetos
418
158
114
146
1156
541
423
26
166
30
15
15
9
1613
Percentual da região
100%
37,8%
27,3%
34,9%
100%
46,8%
36,6%
2,2%
14,4%
100%
50,0%
50,0%
Fonte: UNFCCC
Percentual do total
25,9%
71,7%
1,8%
0,6%
100%
75
i) Fundo de Adaptação
De acordo com o quarto relatório de avaliação do IPCC (2007), problemas relacionados a
mudanças climáticas já são vivenciados e, mesmo que as metas estipuladas pelos mecanismos
voltados para mitigação fossem atingidas, ainda assim, impactos são inevitáveis.
Como já foi visto anteriormente, os impactos causados pelo aquecimento global serão
distribuídos de modo diverso, sendo os países mais pobres os mais afetados. Os problemas desses
países se devem tanto às complicações decorrentes das alterações no clima quanto ao fato de não
disporem recursos financeiros para implementar programas de adaptação.
Segundo o relatório Stern (2006), a adaptação é a única resposta disponível aos impactos
que ocorrerão ao longo das próximas décadas antes que os efeitos da mitigação possam dar
resultados. Tanto países ricos quanto países pobres devem traçar planejamentos estratégicos para
a implementação de programas nacionais de adaptação às mudanças climáticas.
Historicamente, tem se dado mais importância ao processo de mitigação – combate às
causas - em detrimento da adaptação – combate às consequências do aquecimento global. Vários
fatores podem ser levados em consideração para justificar tal fato: a visão de que as mudanças
climáticas são realidades distantes; as incertezas científicas que abriam margem para discussões
sobre a veracidade do processo; a inércia do regime internacional de proteção ao meio ambiente.
Ao analisar os discursos sobre adaptação, no âmbito internacional, o conceito que era
essencialmente ecológico, passa a ser intimamente associado ao desenvolvimento. Segundo o
IPCC (2001), adaptação é o ajuste dos sistemas ecológicos sociais ou econômicos para responder
aos atuais ou esperados, estímulos climáticos e seus efeitos e impactos. A capacidade adaptativa
de um sistema é o potencial de que dispõe para se adaptar, o que pode ser recrudescido com a
redução das vulneralibidades e promoção do desenvolvimento sustentável. Dessa forma, a criação
de um fundo de adaptação está initmamente ligada à idéia de equidade.
Nesse contexto, as partes acordaram em estabelecer o Fundo de Adaptação do Protocolo
de Kioto na COP 7, na cidade de Marraqueche, em 2001. Espera-se que o fundo se torne
operacional ainda em 2009.
O Fundo de Adaptação foi estabelecido para financiar programas e projetos concretos
voltados para a adaptação de países em desenvolvimento. O Fundo foi desenhado de modo a ser
financiado por recursos advindos de projetos de desenvolvimento limpo no âmbito do MDL. Do
76
montante de recursos movimentados por projetos MDL, 2% devem ser investidos no fundo de
adaptação.
A organização que administra é a câmara para o fundo de adaptação. A câmara é
composta por 16 membros os quais devem representar equitativamente os seguintes grupos:
a) Dois representantes de cada um dos cinco grupos regionais das Nações Unidas;
b) Um representante dos Países em desenvolvimento formado por pequenas ilhas (SIDS);
c) Um representante dos Países menos desenvolvidos;
d) Dois representantes de Partes incluídas no Anexo I;
e) Dois representantes de Partes não incluídas no Anexo I (Partes não Anexo I);
A Câmara é estabelecida para supervisionar e gerenciar o Fundo de adaptação, segundo a
autoridade e orientação da Conferência das Partes. As decisões devem ser tomadas por meio de
consenso, prioritariamente. Caso não seja possível e todos os recursos forem exauridos, as
decisões devem ser tomadas pela maioria de dois terços, segundo o critério de um voto para cada
membro.
Dentre as atividades financiadas, estão:
a) Projetos de adaptação com informação suficiente disponível que garantam a eficiência das
atividades desenvolvidas nas áreas de gerenciamento de recursos hídricos, gerenciamento
do uso do solo, agricultura, saúde, desenvolvimento de infraestrutura, ecossistemas
frágeis (incluindo os montanhosos), e gerenciamento de zonas costeiras.
b) Melhoramento do monitoramento de doenças e vetores afetados pela mudança climática,
com sistemas de alerta para melhorar o controle de doenças e prevenção;
c) Programas de capacitação, o que inclui capacitação institucional, para medidas
preventivas, planejamento e gerenciamento dos relatos de desastres;
d) Criação/fortalecimento de centros nacionais e regionais e redes de informações para
respostas rápidas a eventos climáticos extremos.
Os critérios de elegibilidade não foram ainda bem desenvolvidos, na medida em que o
público alvo são países em desenvolvimento, o que pode abarcar o grupo de países não anexo I; o
grupo de países menos desenvolvidos; grupo de países pequenos (ilhas) em desenvolvimento;
países considerados vulneráveis pelo painel de mudanças climáticas (IPCC) ou outro estudo
relevante.
CAPÍTULO V
78
5.1 APLICABILIDADE DA TEORIA DE JUSTIÇA
No presente capítulo será apresentada a discussão com relação ao mundo dos aspectos
materiais, isto é, em que medida os recursos internacionais e os efeitos das mudanças climáticas
são distribuídos.
Em seguida será feita uma análise do mundo das percepções materializadas em que será
abordada a UNFCC. A Convenção será analisada em dois aspectos: procedimentais e normativos.
O aspecto procedimental é a análise formal do funcionamento da instituição, isto é, em que
medida as práticas da instituição seguem o que foi definido em seu desenho institucional. No
segundo caso, será analisado em que medida os princípios da instituição convalidam as práticas
da mesma. Só então serão analisados o mecanismo MDL e o Fundo de adaptação para verificar se
os mesmos afetam a distribuição de recursos internacionais de modo a promover Justiça
Ambiental Global. Será feita uma abordagem do discurso e das práticas estatais no âmbito da
UNFCC. Por fim, será apresentado o que se conseguiu apreender do mundo das percepções e
analisar o grau de aplicabilidade de Justiça Ambiental Global.
É importante ressaltar que o mundo dos aspectos materiais, das percepções materializadas
e das percepções não são estanques. Pelo contrário, são aspectos contíguos da realidade
cognoscível, portanto, temas que serão debatidos em uma seção serão reiterados e
complementados em outra.
A dimensão da justiça material tem como escopo a distribuição de recursos materiais
entre os Estados e como essa distribuição afeta as pessoas vinculadas aos Estados. No âmbito do
mundo dos aspectos materiais é possível identificar dois fatores preponderantes: um relacionado
às mudanças climáticas e seus efeitos adversamente distribuídos entre as nações e continentes, o
que dificulta o acesso aos recursos naturais necessários às sociedades e torna regiões inóspitas; o
outro fator está relacionado à lógica do funcionamento da economia vigente, que tem funcionado
relativamente bem em economias de mercado estabelecidas, mas que reproduz desigualdades nas
periferias e reitera as armadilhas da pobreza.
O impacto das mudanças climáticas já implica em sérias adversidades na economia
mundial. Segundo o relatório Stern (2006), os custos podem chegar a 20 % da economia mundial
se nada for feito. Se pelo menos 1% do PIB mundial for investido a cada ano em ações concretas
79
de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. As pessoas pagariam um pouco mais por
produtos com uso intensivo de carbono, mas as economias mundiais poderiam continuar a crescer
em rítmo forte. A cada tonelada de CO2 emitida, a sociedade internacional enfrenta estragos que
custam em média US$ 85. Cabe uma crítica ao relatório e aos mecanismos até então criados, na
medida em que as soluções apresentadas são voltadas para a reiteração do modo de produção
desvinculado dos ciclos naturais. As mudanças preconizadas são, portanto, propostas para manter
o nível de produção econômica mundial.
Outro fator evidenciado é que países menos desenvolvidos e pequenos países em
desenvolvimento são atingidos desproporcionalmente pelos efeitos das mudanças climáticas.
Várias consequências graves podem se concretizar. Migrações em massa de refugiados
ambientais podem ser cada vez mais comum. Esse problema pode ser debatido do ponto de vista
econômico, mas traz implicações diretas nos choques culturais e étnicos. O estrangeiro leva
consigo sua identidade cultural e o deslocamento forçado traz sérios impactos psicológicos nos
migrantes. A relação de pertencimento a um lugar é rompida e o estranhamento do novo lugar é
perspassado por relações complexas que muitas vezes envolve a rejeição por parte dos cidadãos.
Normalmente, as populações de baixa renda se valem de recursos naturais do seu entorno
para sua subsistência. Como essas atividades não passam pela lógica de mercado, elas não entram
no cômputo do PIB. Não só os silvícolas fazem uso de plantas e animais silvestres. Pessoas de
baixa renda muitas vezes recorrem à colheita de frutos, grãos para incrementar o rendimento
familiar, esse fenômeno é, especialmente comum, nas zonas rurais. Nesse sentido, o
arrefecimento desses recursos naturais diminui potencialmente a resiliência dessas populações e
aumenta a vulnerabilidade das mesmas.
Do ponto de vista procedimental, as práticas da UNFCC corroboram os acordos formais
estipulados nos documento, isto é, as práticas seguem o que foi definido em seu desenho
institucional. As metas estipuladas pela instituição não são cumpridas, contudo, devido a
capacidade de ação dos Estados e a disposição desses agentes em cooperar com a causa das
mudanças climáticas. A disposição para o cumprimento do que se é estipulado por uma
instituição está fortemente atrelado às percepções estatais. Uma vez considerado importante, o
grau de comprometimento aumenta consideravelmente.
Dessa forma a UNFCC afeta as ações estatais e da sociedade civil, ao propor uma agenda
a ser implementada, mas também é afetada pelos demais agentes, visto que na construção da
80
agenda de promoção à Justiça Ambiental Global tanto atores públicos (Estados, Municípios,
Organizações Inter-governamentais) quanto atores privados (CTNs, micro e pequenas empresas)
e membros da sociedade civil (ONGs, redes transnacionais de advocacy, movimentos sociais)
influem desproporcionalmente na formulação de políticas públicas.
Formalmente, a UNFCC é regida pelo princípio de equidade: responsabilidades comuns,
porém diferenciadas;
princípio
da
precaução; atender
necessidades dos países em
desenvolvimento; desenvolvimento sustentável; multilateralismo. A percepção desses princípios,
contudo, apresenta uma prática que não rompe com as estruturas que reproduzem as injustiças
econômicas, sociais, ambientais e culturais.
O conceito de desenvolvimento sustentável, por exemplo, é extremamente controverso.
Segundo Brüger tal expressão é utilizada para legitimar ações predatórias sob uma “maquigem
verde”, reiterando as mesmas estruturas que vem causando a degradação da natureza. Herculano
(1992 apud CAMARGO 2003) ressalta que o significado predominante de desenvolvimento está
relacionado ao crescimento dos meios de produção, acumulação, inovação técnica e aumento da
produtividade, ou seja, o de expansão das forças produtivas e não a alteração das relações sociais
de produção.
Onde os ambientalistas veem problemas, os empresários veem solução. A utilização da
natureza como um marketing verde e a designação de “ambientalmente responsável” é uma
excelente promoção para o setor privado.
Essa mesma lógica de modificar um pouco as aparências, para nada mudar é que permeia
a idéia dos mecanismos de flexibilização. Em tese, tais mecanismo foram criados para reduzir os
custos globais com a redução de emissões de GEEs. Os países do Anexo I, ao investirem em
oportunidades de redução de emissões de baixo custo, poderiam diminuir as emissões que
deveriam fazer na sua própria economia no primeiro período de compromissos 2008-2012. Por
meio desses mecanismos, haveria a promoção de projetos de desenvolvimento sustentável e a
transferência de tecnologia para os países não Anexo I (países em desenvolvimento), o que,
contudo, ainda não tem acontecido de fato.
Com a crise financeira internacional e a variação nos preços das certificações de emissões
reduzidos, torna muito mais atraente a países desenvolvidos manterem seus níveis de produção e
poluição ao invés de investir em tecnologias limpas.
81
Quando se optou por um mecanismo de mercado a lógica subjacente de que seria a
melhor forma de alocação de recursos, esqueceram-se das externalidades negativas. A forma
como os mecanismos de flexibilização são operacionalizados pode contribuir para o aumento da
poluição e degradação ambiental. Isto é, tais mecanismos seriam formas de legitimar uma
economia de matriz energética e tecnologias sujas.
Outra crítica pertinente diz respeitos aos principais beneficiados com tais mecanismos:
empresas intermediadoras. O mercado de carbono se tornou uma boa oportunidade para que
corporações multinacionais caçassem projetos em países em desenvolvimento para a obtenção de
retornos futuros.
Dentre os países mais que se destacam com projetos MDL estão China (33, 54%), Índia
(26,22%), Brasil (9,80%) e México (7,07%).
O Gráfico 2 apresenta as proporções de projetos MDL registrados por países.
Gráfico 2: Proporção de projetos MDL registrados por países
Fonte: UNFCC
A distribuição geográfica dos projetos MDL são questionáveis, já que os países mais
agraciados pelos projetos não são aqueles que mais necessitam. Como pode ser observado pelo
Gráfico 3, a África, continente em que há o maior contingente de países com índices de
82
desenvolvimento humano baixo (abaixo de 0,499) representa apenas 1,86 % dos projetos MDL.
Ásia e Pacífico representam 71,67% e América Latina e Caribe correspondem a 25,91%.
O Gráfico 3 apresenta as proporções de projetos MDL por regiões, América Latina e
Caribe; África; Ásia e pacífico e outros.
Gráfico 3: Projetos MDL registrados por região
Fonte: UNFCC
Outro problema grave referente ao MDL é que, indiretamente, se privilegia países de
matriz energética suja. China e Índia são grandes beneficiárias desse tipo de projeto por que sua
produção energética está fortemente calcada em combustíveis fósseis. Isso cria estímulos para
que países não Anexo I “sujem” suas matrizes energéticas e alterem sua linha de base para se
tornarem aptos a receber recursos advindos de projetos MDL.
O Brasil, por possuir uma matriz energética considerada limpa – com base em
hidroelétricas, consegue angariar o terceiro lugar, especialmente, por dispor de recursos humanos.
Existem países na África e Ásia que sequer dispõem de pessoal que possa atender os
requisitos para a submissão de projetos ante o comitê executivo da UNFCC, na Alemanha.
Muitos destes países possuem economia tão rudimentares que não tem sequer como reduzir suas
emissões de carbono.
O IPCC (2001) abordou o fato de que os impactos da mudança climática variam
substancialmente entre as regiões do planeta e que seria importante considerar a distribuição dos
83
custos dos impactos das diferentes políticas das nações, grupos socioeconômicos, setores
industriais e gerações. As prováveis políticas de mitigação estariam mais vinculadas à idéia de
equidade. Nesse sentido, o Fundo de Adaptação realizaria um papel essencial de justiça
distributiva. Contudo, o fundo é, por definição, insuficiente; a fonte financeira corresponde a
apenas 2% dos recursos movimentados pelos projetos MDL. O Fundo Global para as Mudanças
Climáticas (GEF) gerencia outros fundos de adaptação não ligados ao mercado de carbono. Na
última Conferência das Partes em Poznan, os países menos desenvolvidos teceram duras críticas
ao GEF. O representante das Filipinas afirmou que o Fundo para os países menos desenvolvidos
deveria ser denominado de fundo menos desenvolvido, já que a quantia a ele destinada (US$172
milhões) é menor do que os CEOs das empresas americanas falidas receberam como bônus de
natal.
5.1 TEORIA DA APLICABILIDADE DE JUSTIÇA E ANÁLISE DO
MECANISMO MDL E DO FUNDO DE ADAPTAÇÃO
A justiça global, enquanto projeto político, visa a redução das injustiças e iniqüidades. Tal
projeto (percepções materializadas) deve identificar percepções de uma cultura cosmopolita
encontrando uma demanda legítima por justiça; obrigações positivas e negativas para enforce a
justiça; causas das injustiças; sendo, por fim, submetido ao teste da cultura internacional para que
se avalie o grau de aplicabilidade do projeto.
Os agentes internacionais conformam relações complexas e assimétricas na construção da
“estrutura básica da sociedade” internacional (RAWLS, 1977)16. Os agentes reivindicadores de
justiça foram identificados como Estado, sociedade civil transnacional e indivíduo. Embora as
desigualdades não sejam necessariamente fruto de injustiças, é preciso assegurar um padrão
mínimo que garanta as necessidades básicas dos indivíduos. Uma forma de justificar e legitimar
esse projeto é a existência de uma forte demanda (os necessitados) por mecanismos justos o qual
deve ser assegurado por sanções legais e sociais.
16
Justiça distributiva não se preocupa apenas com a redistribuição material, mas sim com a estrutura básica da
sociedade, isto é, o meio pelo qual a maioria das instituições sociais (por exemplo, mercado de trabalho, mercado de
capitais) determinam a divisão de vantagens na sociedade.
84
Para resguardar esse mínimo aos indivíduos, é preciso analisar as complexas relações
sociais que se delineiam no meio internacional. É preciso trabalhar com o princípio inter-estatal
da soberania, por mais que ele esteja flexível; com os diversos níveis de atuação da sociedade
civil transnacional e demais agentes internacionais, de modo a mobilizar o maior contingente de
atores em prol de ideais de justiça. As organizações internacionais são a arena mais adequada
para esse fim. Elas vão representar o importante papel de dar visibilidade aos temas e questões
relacionadas à justiça, testar abordagens e propostas inovadoras, angariar recursos e tentar
assegurar sua implementação.
As OIs não devem trazer apenas obrigações negativas (não interferência, não agressão e
não coerção), mas também obrigações positivas (promover desenvolvimento, prover alívio aos
necessitados, redistribuir recursos e riquezas). Para Kant, obrigações positivas (ex: fazer o bem
aos outros) pertencem ao mundo da Virtude (duties of Virtue), geram, portanto, obrigações
imperfeitas, visto que não podem ser asseguradas ou coercíveis por um agente externo.
Obrigações pertencentes ao mundo da Virtude só sofrem um tipo de constrangimento: o autoconstrangimento moral. Já obrigações negativas (por exemplo, não matar) pertencem ao mundo
da Justiça (duties of justice) e geram obrigações perfeitas – aquelas que devem ser asseguradas
por um agente externo por meio de sanções. Um projeto de justiça global não pode estar pautado
na idéia de uma caridade ocasional por parte dos membros abastados, deve, antes de tudo, ser um
compromisso que gere responsabilidades por parte desses membros (KOK-CHOR TAN, 1997).
Alguns autores fundamentam a justiça global tomando como base o imperativo categórico
kantiano “humanidade como um fim em si mesmo” - base para o princípio da dignidade humana
– reza que não se devem tratar os outros como meio (objeto) para a consecução de quaisquer
objetivos. Eles depreendem que o fato de não se tratar os outros como objeto, traz obrigações
implícitas de assistência aos mais necessitados. Kok-Chor Tan (1997) se opõe veementemente a
essa corrente. Igualar “Não tratar os outros como meio” (obrigação perfeita) e “proteger o outro”
(obrigação imperfeita) é o colapso da distinção kantiana entre obrigações perfeitas e imperfeitas.
Os kantianos devem mostrar que há deveres positivos de assistir os necessitados, pertencem ao
mundo da justiça, não da virtude.
A saída que Kok-Chor Tan (1977) encontra para associar obrigações perfeitas a deveres
que, a priori, são pertencentes ao mundo da moral (ajudar os mais pobres, por exemplo), foi
considerar que a assistência aos mais necessitados é superficialmente um dever moral, mas é,
85
sobretudo, um dever de justiça porque os mais necessitados de hoje sofreram injustiças (violações
a seus direitos) no passado. A interdependência socioeconômica que une os indivíduos faz dos
mais abastados responsáveis em mitigar as injustiças perpetuadas por esse sistema
socioeconômico, visto que os mais abastados alimentam a estrutura desse sistema.
A interdependência econômica, social e política da comunidade global faz de todos, em
maior ou menor grau, participantes do arranjo social resultante da estrutura básica de distribuição
de vantagens da sociedade internacional. Como a ordem econômica internacional é uma estrutura
institucional cujo funcionamento não elimina a coerção, mas, em geral, a institucionaliza, a
responsabilidade em mitigar as misérias humanas adquire escala global.
A responsabilidade pelas injustiças está relacionada com as ações individuais e a estrutura
social internacional. Os poderosos tomadores de decisões possuem uma carga de
responsabilidade maior que os cidadãos comuns, mas esses também são responsáveis na medida
em que votam (no caso das democracias) e adotam padrões de consumo que engendram esses
esquemas institucionais que conformam a estrutura social internacional.
As Organizações Internacionais podem fomentar as condições necessárias para que se
implemente um “princípio da diferença” aplicável ao meio internacional, além de fornecer uma
infra-estrutura que torne a redistribuição de recursos mais eficiente e mais viável. Ao apresentar
uma agenda pragmática que abarque o maior contingente possível de agentes internacionais, as
OIs contribuem fortemente em prol da diminuição das desigualdades. A eficácia das políticas
promovidas pelas Organizações Internacionais vai depender de fatores já mencionados como
transparência, solidez das regras constitutivas da OI; capacidade de implementação das políticas
por parte dos governos; a assimetria na distribuição de poder dos membros; a interdependência
entre os participantes.
Outro fator que afeta a implementação de políticas públicas que promovem uma
redistribuição de renda no meio internacional, ou ainda que mitigam os efeitos da pobreza é
cultura internacional – sistema de significados compartilhados pelos agentes internacionais. O
aprofundamento da interdependência contribui para o aparecimento de laços de solidariedade
transnacionais e a própria sociedade civil transnacional é fruto desses laços. O sentimento de
coesão social se mostra mais forte quanto menor é a sociedade, e a globalização tem diminuído a
distância espacial e temporal que separa as pessoas, por isso tornou-se possível a emergência de
uma solidariedade internacional. Contudo, o sentimento de pertencimento tende a ser mais forte
86
entre cidadãos de um mesmo país do que entre cidadãos e estrangeiros. As relações sociais
internacionais não são densas o suficiente para que, normalmente, o estrangeiro seja visto como
um compatriota, o que torna o estrangeiro menos visível e que faz de suas demandas por justiça
menos legítimas aos olhos dos cidadãos.
Embora tenham sido identificados todos os elementos necessários (demanda por justiça,
necessidade de obrigações positivas e negativas, causas das injustiças) para fundamentar o
projeto para promoção da justiça global, a cultura internacional contemporânea não permite que
ele tenha uma aplicabilidade plena. Apesar de todas as transformações advindas do aumento da
interdependência, as organizações internacionais que propõem projetos semelhantes em prol da
justiça global se vêem limitadas pela autonomia dos estados-membros. O emprego continuado de
soft norms é um reflexo dessas limitações.
Surgem, então, os seguintes questionamentos: em que grau o projeto político de justiça
global pode ser concretizado? Qual a aplicabilidade do ideal de justiça ao meio internacional?
Do ponto de vista teórico, é possível identificar três graus de aplicabilidade da justiça global
enquanto projeto: justiça suprapositiva, justiça positiva e justiça infrapositiva.
A partir das normas do direito internacional e dos discursos dos agentes internacionais foi
possível identificar percepções, valores e normas que compõem o ideal de justiça global nas três
dimensões analisadas (inter-estatal, transnacional, humana). Quando há um entendimento
generalizado de que o ideal de justiça compartilhado está efetivamente positivado no direito
vigente, o grau de aplicabilidade atingido é denominado de justiça positiva (Figura 7). Segundo
esse entendimento, os interesses dos agentes internacionais - claramente expressos pelas normas
– coincidem com os princípios de justiça. O grau máximo de justiça que pode ser atingida é fruto
da interação e dos ajustes mútuos resultantes da interdependência e complementaridade das
dimensões inter-estatal, transnacional e humana.
A Figura 7 representa as interações que conformam a idéia de justiça positiva.
87
Justiça Positiva
Justiça Inter-estatal
Justiça Humana
Justiça
Transnacional
Figura 7: Representação da Justiça Positiva
Nesse sentido, os preceitos que estão positivados nos tratados internacionais são justos e o
máximo de justiça que se pode almejar coincide com os princípios inscritos nessas normas. Essa
interpretação abarca apenas o entendimento de justiça formal. Isto é, como a norma é justa, não
há motivos para mudar o status quo. Nesse caso, o ideal de justiça coincide com a justiça
positiva. As demandas por justiça distributiva, por exemplo, não têm muita visibilidade. As
percepções que orientam as atitudes compreendem como justo o sistema de distribuição de
vantagens do meio internacional. Não existe um regime puro que apreenda apenas um grau de
aplicabilidade de justiça, mas o sistema da OMC pode ser caracterizado pela justiça positiva. Na
medida em que suas regras garantem certa estabilidade, previsibilidade e executabilidade, há uma
tendência das regras da OMC terem uma aplicação conforme os procedimentos formais exigidos,
atingindo o grau positivo de aplicabilidade.
Quando as percepções generalizadas compreendem que sequer o que foi convencionado
nos tratados internacionais podem ser referenciais para encontrar os princípios orientadores de
justiça da sociedade, há um entendimento de que o ideal de justiça não pode ser atingido. O grau
máximo de aplicabilidade de justiça é algo inferior ao que se encontra positivado no direito
internacional, por isso denominou-se justiça infra-positiva (Figura 8).
A Figura 8 representa as interações que compreendem os ideais de justiça infra-positiva.
88
Justiça Positiva
Justiça Infra-positiva
Justiça Inter-estatal
Justiça Humana
Justiça
Transnacional
Figura 8: Representação da Justiça Infra-positiva
Justiça compreenderia o reconhecimento de direitos e deveres mediante um processo de
intercâmbio ou barganha, pelo qual indivíduos ou grupos admitem os direitos dos outros de forma
recíproca (BULL, 2002). A interação das dimensões de justiça e os ajustes mútuos resultantes
das negociações complexas e assimétricas não permitem atingir sequer o nível da justiça positiva.
Pode-se dizer que o ideal de justiça encontra-se positivado, mas o grau de aplicabilidade não
chega a atingir o que foi acordado. O sistema de segurança coletiva previsto pela Liga das Nações
pode ser um exemplo de justiça infra-positiva. A guerra, na época, foi declarada pelo direito
internacional vigente como atividade ilegal, o que não impediu que a segunda guerra mundial
emergisse.
Quando o ideal de justiça supera o que é esperado pela justiça positiva, tem-se um
entendimento de justiça supra-positiva (Figura 9). Nesse caso, acredita-se que os ajustes e
interesses envolvidos no delineamento das normas internacionais não têm aplicabilidade plena no
meio internacional. A diferença entre a justiça infra-positiva e supra-positiva está no ideal de
justiça almejado. Enquanto a primeira se satisfaz com a aplicabilidade inferior à justiça positiva,
a segunda almeja um ideal de justiça superior ao grau de justiça aplicável ao meio internacional.
Outro ponto que caracteriza a justiça supra-positiva é a não limitação da aplicabilidade do
projeto de justiça ao nível infra-positivo, isto é, a depender do regime analisado, o grau de justiça
alcançado pode atingir o nível de justiça positiva.
A Figura 9 representa as interações que representam os ideais de justiça supra-positiva.
89
Justiça supra-positiva
Justiça Positiva
Justiça Infra-positiva
Justiça Inter-estatal
Justiça Humana
Justiça
Transnacional
Figura 9: Representação da Justiça Supra-positiva
O regime de proteção aos direitos humanos pode ser caracterizado por almejar um ideal
de justiça supra-positiva, muito embora a aplicabilidade do grau de justiça varie entre a justiça
positiva e infra-positiva. A depender do observador e do regime internacional analisada, o grau
de aplicabilidade do projeto de justiça global pode variar segundo os níveis de justiça abordados.
Pode-se inferir que do ponto de vista formal e procedimental, a aplicação da Justiça
Ambiental Global no âmbito do mercado de carbono é positiva. Isto é, analisando o desenho
institucional da UNFCC, as práticas condizem com as normas expressas (Figura 10).
Na Figura 10 está representado a aplicabilidade da Justiça Ambiental Global no âmbito
procedimental e formal.
90
Justiça Positiva
Justiça Inter-estatal
Justiça Humana
Justiça
Transnacional
Figura 10: Representação da Justiça Ambiental Global Formal como justiça positiva
Contudo, do ponto de vista normativo e axiológico, o grau de aplicabilidade de justiça no
âmbito do mercado de carbono, mais especificamente, o MDL e o Fundo de Adaptação podem
ser representados como justiça supra-positiva, isto é, nem cumprindo o que se é estipulado há
uma aplicabilidade da Justiça Ambiental Global (Figura 9).
CAPÍTULO VI
92
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da Conferência sobre Meio Ambiente (Estocolmo, em 1972), surge o conceito de
ecodesenvolvimento17 (SACHS, 2004), que posteriormente evoluiu para o que ficou conhecido
como desenvolvimento sustentável18, isto é, foi proposto uma percepção de desenvolvimento
socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente viável. Tal proposta de
desenvolvimento sustentável tem orientado os foruns internacionais como indicador para analisar
em que medida os mecanismos de justiça distributiva estão sendo implementados por meio dos
projetos de MDL e do Fundo de Adaptação.
O regime internacional ambiental é uma resposta social e historicamente construída a
partir das preocupações da comunidade internacional sobre os impactos negativos da atividade
humana no meio ambiente.
A partir do Protocolo de Kioto, os mecanismos de mercado passaram a ser utilizados de
modo que projetos ambientalmente sustentáveis e que levassem em conta as necessidades sociais
fossem financiados na redução das emissões de GEE. Dentro desse princípio, foram estabelecidos
mecanismos de flexibilização: comércio de emissões (Emissions Trade), Implementação conjunta
(Joint implementation) e Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL). Assim, surgiu uma
série de mercados de carbono - mercado europeu, mercados voluntários - que passaram a
comercializar as Reduções Certificadas de Emissão (RCEs).
No âmbito do Mercado de Carbono, foram escolhidos para análise o mecanismo de
desenvolvimento Limpo (MDL) e o Fundo de Adaptação por serem os únicos mecanismos que
envolvem a promoção de justiça social distributiva, na medida em que trabalham países em
desenvolvimento para que recebam auxílio, ora de projetos de desenvolvimento sustentável, ora
de projetos voltados para a adaptação às mudanças climáticas.
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é um dos mecanismos de flexibilização criados
pelo Protocolo de Kioto para auxiliar o processo de redução de emissões de gases do efeito estufa
17
Segundo Sachs (2004), o ecodesenvolvimento subordina o crescimento a objetivos sociais e explicita as
condicionalidades ambientais sem se descuidar da viabilidade econômica.
18
A expressão “Desenvolvimento Sustentável”, apresentada no relatório Nosso Futuro Comum, abrange as
dimensões econômica, social, ecológica, política e tecnológica, e é definido como sendo “aquele que atende às
necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias
necessidades” (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988).
93
(GEE) ou de captura de carbono por parte dos países do Anexo I. A proposta do MDL consiste
em que cada tonelada de CO2 deixada de ser emitida ou retirada por um país em
desenvolvimento poderá ser comercializada no mercado mundial. Dentre os mecanismos de
flexibilização, é o único que promove justiça distributiva, na medida em que financia projetos de
desenvolvimento sustentável a serem implementados em países em desenvolvimento. O
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) tem enfoque nas áreas agropecuária, floresta,
energia renovável, conservação de energia. Seus projetos são estimulados para a produção de
tecnologias limpas, o que tenta aliar desenvolvimento sustentável com a diminuição dos custos
globais de redução de GEE. Os países industrializados, ao investir em oportunidades de redução
de emissões de baixo custo, poderiam reduzir os cortes que teriam que fazer na sua própria
economia (MAROUN, 2007). Outro fator apontado como positivo seria a transferência de
tecnologia de países industrializados aqueles em desenvolvimento.
Os impactos das mudanças climáticas variam substancialmente entre as regiões do
planeta, dessa forma, as políticas de mitigação seriam inclusivas para compensar os custos
impostos aos grupos de países de menor renda. Ampliar a capacidade adaptativa de uma
sociedade seria uma forma de reduzir suas vulnerabilidades e promover o seu desenvolvimento
sustentável. Assim, surgiu o Fundo de adaptação que é formado pelo equivalente a 2% dos
certificados de redução de emissões, emitidos por projetos de MDL, para contribuir com países
em desenvolvimento que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança do
clima. Concomitantemente às ações de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas (comércio
de emissões, implementação conjunta, mecanismo de desenvolvimento limpo), as ações voltadas
para a adaptação a esses impactos passam a ser tema fundamental para os formuladores de
políticas nacionais e internacionais.
Os mecanismos de mercado são entendidos como a melhor forma de alocação de recursos
que permita o encontro de demandantes e ofertantes de determinado recurso. Consequentemente,
o melhor caminho para a satisfação das necessidades dos indivíduos seria o mercado. Tais
mecanismos de mercado, contudo, não resolvem por si próprio as externalidades, isto é,
conseqüências não desejadas que muitas vezes podem ser mostrar negativas.
Dessa forma, o MDL, por ser um mecanismo de mercado, não prevê uma distribuição
equânime de recursos. Assim, os países mais necessitados não necessariamente serão aqueles que
mais receberão investimentos para projetos MDL, o que tem sido evidenciado é uma
94
desigualdade no acesso a tais recursos. O Brasil, a Índia e a China têm concentrado os fluxos de
recursos em detrimento de outros países mais vulneráveis. Alguns países da África, por exemplo,
se apresentam altamente vulneráveis do ponto de vista social e climático, mas não possuem
emissões a abater. Isso os torna pouco atrativos para serem favorecidos pelos projetos de MDL.
Outro ponto que vem sendo questionado é o incentivo indireto a países em
desenvolvimento para que “sujem” a sua matriz energética. Isto é, países que, muitas vezes, não
possuem uma economia expressiva e que acabam poluindo muito pouco possuem incentivos
indiretos para utilizarem fontes de energia suja (ex: fontes fósseis) para, em segundo momento
reivindicarem projetos MDL.
Além disso, o MDL pode acabar detonando um outro efeito adverso. O preço de uma
permissão para emitir uma tonelada de CO2 teve uma baixa recorde em 2006, atingindo o valor
de 1,5 euros, em função do excesso de oferta de permissões para poluir. Isto significa que é muito
mais barato para as usinas queimar carvão e comprar permissões para poluir.
Dada a assimetria entre os Estados no meio internacional, é possível identificar rulemakers e rule-takers, isto é, há Estados que fazem as regras e Estados que seguem as regras.
Como as percepções sobre justiça ambiental global envolvem valores, princípios e obrigações
“universais”, a promoção da justiça ambiental global decorre de uma dinâmica política e jurídica
em âmbito internacional.
Segundo Schleicher (2003), o MDL deveria mitigar as emissões de GEE por meio da
promoção do desenvolvimento sustentável; diminuição dos custos globais de redução de GEE;
estimulando transferência tecnológica dos países desenvolvidos para os países em
desenvolvimento. Contudo, é possível identificar uma série de problemas no âmbito desse
mecanismo de flexibilização. Por ser um mecanismo de mercado, não prevê uma distribuição
equânime de recursos, seja observando o aspecto geográfico, seja do ponto de vista da carência
material dos países em desenvolvimento.
De acordo com o que foi observado com relação ao MDL e ao Fundo de Adaptação, é
possível inferir que o nível de aplicabilidade de justiça ambiental global é infra-positiva, isto é, o
máximo de justiça alcançável fica muito aquém do que é estipulado pelos documentos, acordos e
tratados internacionais. Tampouco se pode dizer que o mercado de carbono garante que o seu
sistema de preços seja invariavelmente favorável às idéias que envolvem um desenvolvimento
sustentável. O Fundo de Adaptação é por definição insuficiente, visto que apenas 2% dos
95
recursos obtidos do MDL são destinados ao Fundo. Contudo, dentre as opções, o Fundo se
apresenta como a alternativa que mais se aproxima de uma idéia de justiça distributiva, já que
apenas países em desenvolvimento e países mais pobres têm acesso a esses recursos. O que pode
ser notado na Figura 12.
A figura 12 representa grau de aplicabilidade da Justiça Ambiental Global no âmbito do
MDL e do Fundo de Adaptação.
Justiça supra-positiva
Justiça Positiva
Justiça Infra-positiva
Justiça Inter-estatal
Justiça Humana
Justiça
Transnacional
Figura 11: Representação do grau de aplicabilidade da Justiça Ambiental Global no âmbito do MDL e do
Fundo de Adaptação.
Portanto, em um contexto de competição e cooperação intensa entre os demandantes de
justiça, Estado, sociedade civil transnacional e indivíduo, o máximo de justiça aplicável é
inferior ao que é estipulado pelos documentos, tratados e discursos que tratam da proteção
ambiental internacional e, mais especificamente, o mercado de carbono não contribui
decisivamente com a redistribuição de recursos internacionais para os países mais necessitados.
Assim, conforme o arcabouço teórico proposto, o nível de aplicabilidade de justiça no âmbito do
mercado de carbono é de Justiça ambiental supra-positiva.
REFERÊNCIAS
97
ABBOTT, K. W.; SNIDAL, D. Hard and Soft Law in International Governance. International
Organization, v. 54, n. 3, p. 421-56, 2000.
ACCIOLY, H. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2000.
AGUIAR, C. A. A formação do regime internacional de mudança climática. 2006.
Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais). Instituto de Relações Internacionais,
Universidade de Brasília, Brasília. 2006.
AMORIM, C. A ONU aos 60. Política Externa, v. 14, n. 2, p. 17-24, 2005.
ANNAN, K. In larger freedom: towards development, security and human rights for all.
Disponível em: <www.un.org/largerfreedom/executivesummary.pdf> Acesso em 21 mar. 03
2009.
BALDWIN, D. Power and international relations. In: SIMMONS, B. A.: CARLSNAES, W.;
RISSE, T. Handbook of International relations. SAGE Publications, 2005. p.177-191.
BEITZ, C. R. International Liberalism and Distributive Justice: A Survey of Recent Thought.
World Politics, v. 51, n. 2, p. 269-296, 1999.
BEZERRA, A. S. et al. A evolução histórica da questão ambiental. In: CONGRESSO DE
ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 25., 2009, Recife. Anais... Recife, 2009
BIERSTEKER, T. State, sovereignty and territory. In: SIMMONS, B. A.: CARLSNAES, W.;
RISSE, T. Handbook of International relations. SAGE Publications, 2005. p 157-176.
BORTHOLIN, E.; GUEDES, B. D. Efeito estufa. Disponível em
<http://educar.sc.usp.br/licenciatura/2003/ee/Efeito_Estufa.html> Acesso: 10 maio 2009.
BRASIL. Objetivos de desenvolvimento do milênio. Relatório Nacional de Acompanhamento.
Disponível em: < www.ipea.gov.br/sites/000/2/.../TerceiroRelatorioNacionalODM.pdf>
Acesso em 10 set. 2008.
BROWN, C. Theories of International Justice. British Journal of Political Science, v. 27, n. 2,
p. 273-297, Abr. 1997.
98
BRÜSEKE, F. J. O problema do desenvolvimento sustentável In.: CAVALCANTI, C. (Org.)
Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez /
Recife: Fundação Joaquim Nabuco. 1998. Cap. 2, p. 29-40.
BULL, H. Ordem versus justiça na política internacional. In: ______. A sociedade anárquica.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 91-115.
CAMARGO, A. L. B. Desenvolvimento Sustentável: dimensões e desafios. Campinas: Papiros,
2003.
CAMPOS, C. P. A conservação das florestas no Brasil: mudança do clima e o mecanismo de
desenvolvimento limpo do protocolo de Quioto. 2001. Dissertação (Mestrado). COPPE.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2001.
CARBONPOSITIVE. CER prices back above €10. Disponível em
<http://www.carbonpositive.net/viewarticle.aspx?articleID=1471> Acesso 11 maio 2009.
CARR, E. H. Vinte anos de crise: 1919-1939. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
1946.
COX, R. W. Social forces, states and world orders: beyond international relations theory. In:
KEOHANE, R. O. Neorealism and Its Critics. Nova York: Columbia University Press, 1986. p.
204-254.
ONU. Organização Das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos do homem.
Disponível em: < www.fundap.sp.gov.br/ouvidoria/dados/dudh.pdf> Acesso em: 10 dez.
2008.
DOUGHERTY, J. E.; PFALTZGRAFF, R. L. Jr. Contending theories of international
relations: a comprehensive survey. 3 ed. New York.: Harper & Row, 1990.
DUVAL, F. A. S. Ação comunicativa e a construção de regimes internacionais: um estudo
sobre o caso das minas terrestres antipessoais. 2005. Dissertação (Mestrado em Relações
Internacionais). Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 2005.
FONSECA, F. E. As organizações não-governamentais como atores da sociedade civil
transnacional e seu papel na proteção dos direito humanos. 2002. Dissertação (Mestrado).
Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
99
G1. Chuva deixa mais de 123 mil desabrigados em 13 estados. Disponível em:
<http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1160377-5598,00.html>. Acesso em: 9 maio 2009.
HAAS, P. Introduction: epistemic communities and international policy coordination.
International Organization, v. 46, n. 1, 1992.
HERZ, M.; HOFFMAN, A. R. Contribuições teóricas para o estudo das Organizações
Internacionais. In: ______. Organizações Internacionais: histórias e práticas. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004. p. 41-81.
HOUGHTON, J. Global warming: a complete breefing. 2. ed. Cambrige: Cambrige University
Press, 1997.
HURREL, A.; WOODS, N. Inequality, globalization and world politics I. New York: Oxford
University Press, 1999.
IPCC. Climate Change 2001. Third Assessment Report. Synthesis Report, 2001.
IPCC. Climate Change 2007. Impacts, adaptation and vulnerability. Disponível em:
<http://www.ipcc.ch> Acesso: 12 maio 2009.
IPCC. Climate Change 2007. The physical science basis. Disponível em: <http://www.ipcc.ch>
Acesso 12 maio 2009.
JATOBÁ, D. Teoria das relações internacionais: inspirações sociológicas e contribuições da
abordagem do construtivismo. 2003. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais).
Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 2003.
KEOHANE, R. Global Governance and Democratic Accountability. In: HELD, D.; TAMING,
M. K. A. Globalization: frontiers of governance. Cambridge: Polity, 2003.
KEOHANE, R. O; NYE, J. Power and Interdependence: Word Politics in transition. Boston:
Little Brown and Company, 1977.
KEOHANE, R. Reciprocity in international Relations. International Organization, v. 40, n. 1,
1986.
100
KEOHANE, Robert. International institutions: two approaches. International Studies
Quarterly, v. 32, p. 379-396, 1988.
KOK-CHOR TAN. Kantian Ethics and Global Justice. Social Theory and Practice, v. 23, n. 1,
p. 53-73, 1997.
KRASNER, S. International regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1983.
KRATOCHWIL, F. R. Norms and decisions: on the conditions of practical and legal reasoning
in international relations and domestic affairs. Cambridge, Cambridge University Press, 1989.
MAROUN, M. R. Adaptação às mudanças climáticas: uma proposta de documento de
concepção do projeto (DCP) no âmbito do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL).
2007. Dissertação (Mestrado). COPPE. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro.
2007.
MARTENS, J. Relatório do Milênio da Organização das Nações Unidas ‘ investindo no
desenvolvimento. Política Externa, v. 14, n. 2, p. 116-126, 2005.
MEARSHEIMER, J. J. The False Promise of International Institutions. International Security,
v. 19, n. 3, p. 5-49, 1994.
MEARSHEIMER, J. J. The tragedy of Great Power Politics. Nova York: W. W. Norton &
Company, 2001.
MORGENTHAU, H. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Editora Universidade de Brasília; Instituto de Pesquisa
de Relações Internacionais, 2003.
NOGUEIRA, J. P.; MESSARI, N. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2005.
ODUM, E. P. Fundamentos de ecologia. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
OLIVEIRA, M. D. Nações Unidas, novos atores e governança global: mensagens e propostas do
painel sobres sociedade civil. Política Externa, v. 14, n. 2, p. 55-64, 2005.
POWELL, C. A strategy of partnerships. Foreign Affairs, v. 83, n. 2, jan./fev, p. 22-34, 2004.
101
RAWLS, J. The law of peoples. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes. 1977.
RICKLEFS, R. E. Economia da natureza. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan,
1996.
ROBERTS, A. Righting Wrongs or Wronging Rights?: the United States and Human Rights
Post-September 11. European Journal of International Law, v. 15, n. 4, p. 721-749, 2004.
ROCHA, A. J. R. Relações internacionais: teorias e agendas. Brasília, IBRI, 2002.
ROCHA, M. T. Aquecimento global e o Mercado de Carbono: uma aplicação do modelo
CERT. 2003. Tese (Doutorado). Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade
de São Paulo. 2003
RUGGIE, J. G. Constructing the world polity: essays on international institutionalization.
London; New York: Routledge, 1998.
SACHS, I. Desenvolvimento includente: sustentável sustentado. Rio de Janeiro: Garamond,
2004.
SCHLEICHER, R. T. Ciência, política e institucionalização na cooperação multilateral
contra o aquecimento global. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais). Instituto de
Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 2006
SLAUGHTER, A. M. International Law and International Relations. Recueils des Cours de
L´Academie de Droit International, 2000. 285 f.
SOARES, J. C. B. Nossa responsabilidade comum. Política Externa, v. 14, n. 2, p. 25-39, 2005.
STERN REVIEW. The economics of climate change. Executive Summary, out. 2006
TYNDALL CENTER FOR CLIMATE CHANGE RESEARCH FOR UK. The Clean
Development Mechanism: An assessment of current practice and future approaches for
policy. Disponível em http://www.tyndall.ac.uk/publications/working_papers/twp114.pdf Acesso
em: 12 nov. 2007.
102
UNFCCC. United Nations Framework Convention on Climate Change. Convenção sobre
Mudança do Clima, 2 ed. Brasília: MCT, 2001.
UNFCCC. United Nations Framework Convention on Climate Change. Overview of project
activity cicle. Disponível em <http://www.unfccc.int/cdm> Acesso em: 9 jan. 2009.
UNFCCC. United Nations Framework Convention on Climate Change. Protocolo de Kioto. 2
ed. Brasília: MCT, 2001.
UNFCCC. United Nations Framework Convention on Climate Change. Review of the
implementation of commitments and of other provisions of the convention. Disponível em
<http://unfccc.int/cop4/resource/docs/cop4/02.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2009.
WALTZ, K. N. Theory of international politics. Reading: Addison-Wesley, 1979.
WENDT, A. Social theory of international politics. Cambridge: Cambridge University Press,
1999.
YOUNG, O. R. A eficácia das Instituições Internacionais: alguns casos difíceis e algumas
variáveis críticas. In: CZEMPIEL, E. O.; ROSENAU, J. N. Governança sem Governo: Ordem e
Transformação na Política Mundial. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado, 2000. p. 219-261.
Download

Dissertação - prpg - Universidade Federal da Paraíba