Agronegócios Créditos de Carbono As conseqüências com o aumento dos gases de efeito estufa, mobilizam a nação em torno do projeto que prevê a redução da emissão destes gases. O Brasil encontra-se como um dos mais ativos produtores de biomassa, mostrando oportunidade de ganhos líquidos neste mercado 32 Cultivar canismos similares às bolsas de valores conferirão transparência e liquidez ao mercado, inclusive sinalizando quanto à demanda e ao correspondente valor futuro, incentivando investidores a ingressar no mercado. ABRANGÊNCIA Para que determinada contenção de emissão, ipsis litteris, ou o seqüestro e fixação do carbono por um tempo pré-determinado seja computado como crédito, diversas condições, previstas no PQ, necessitam ser atendidas. Além daquelas de natureza estrutural, como a exigência de os projetos serem baseados em florestamento, reflorestamento ou produção e uso de energias alternativas às fontes de carbono fóssil, existe a necessidade de comprovar os ganhos líquidos do projeto e o atendi- mento da meta pelo país que se propõe credor dos “créditos de carbono”. A produção de biomassa, através de cultivos permanentes, é o principal foco dos projetos que objetivam o seqüestro de carbono. Não apenas o carbono é fixado nas árvores (podendo permanecer fixado mesmo quando as árvores são transformadas em móveis ou construções), como essa fixação é facilmente mensurável. Nos sistemas florestais, pode-se considerar também o carbono que passa a ser fixado, de forma estável, no solo, através de carbonatos ou de carbono orgânico. Os combustíveis derivados de biomassa constituem projetos independentes do sistema de produção para obtenção da matéria prima. Isto vale tanto para o etanol, com tecnologia dominada e com perspectivas animadoras no mercado interna- ©eia P ara início de conversa, é importante conceituar “créditos de carbono” e contextualizar sua importância em termos de tempo, espaço e atividade agrícola. Os cientistas demonstraram a estreita associação entre as emissões de gases como o gás carbônico, o metano e óxidos de nitrogênio e as mudanças climáticas, em especial no longo prazo. Após soar o alarme referente ao aumento dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, e as conseqüências derivadas desse acréscimo, a ONU desenvolveu uma série de negociações que culminaram na formalização do Protocolo de Quioto (PQ), em dezembro de 1997. Pelo protocolo, os países signatários comprometer-se-iam a reduzir as suas emissões em 5% em relação ao verificado em 1990, durante o período 2008-2012. Uma das estratégias previstas para reverter o despejo de GEE na atmosfera é denominada de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), em cujo contexto são flexibilizadas as exigências para que cada país tenha que atingir a sua meta, de forma que não o seja isolada e estanque. Pelo mecanismo proposto, o conjunto de países signatários deverão atingir a meta global. Entretanto, cada país individualmente, poderá negociar com outros países de forma que o superávit de contenção de emissões de um país possa ser contabilizado a favor de outro que não tenha atingido a sua própria meta. Esse superávit de contenção de emissões passa a ser denominado “créditos de carbono” e, como tal, assume um determinado valor no mercado, flutuando ao sabor da Lei da Oferta e da Procura. Me- www.cultivar.inf.br Dezembro de 2003 / Janeiro de 2004 cional, quanto para os combustíveis derivados de óleos vegetais (como o biodiesel), com um amplo leque de aplicações em serviços pesados (transportes, tratores, máquinas, motores estacionários), e que deverá se constituir em uma das principais fontes de combustível no futuro mediato. CONTEXTO ATUAL Corações e mentes encontram-se em compasso de espera, pois o Protocolo de Quioto apenas entrará em vigor caso 55 Partes (países ou grupos de países), representando, no mínimo, 55% das emissões de CO2 verificadas no ano de 1990, ratifiquem o PQ. Até o momento, o número de países que ratificaram o PQ ultrapassa a 55, porém atingindo apenas 47% das emissões de 1990. Isso ocorre porque dois grandes poluidores atmosféricos mundiais estão emperrando o prosseguimento da implementação: Os EUA, responsáveis por 36,1% das emissões, já decidiram que não ratificarão o protocolo, devido ao alto custo financeiro da contenção das emissões industriais, o que os tornaria menos competitivos no mercado global, sendo insensíveis ao custo que essa decisão impõe ao planeta; e a Rússia (17,4% das emissões) tem se mostrado reticente quanto à sua adesão, emitindo sinalização ambígua no tocante à sua decisão. Ocorre que as emissões desses dois países ultrapassa a 50% das emissões globais, o que lhes confere poder de veto à implementação do PQ. Como tal, o MDL se encontra no limbo, não estando em vigor os compromissos e metas negociados no PQ. Em decorrência, o mercado de créditos de carbono, que seria criado pelo MDL, também se encontra em regime de stand by. Embora alguns contratos tenham sido firmados e alguns projetos encontrem-se em implementação, esses são devidos à legislação ambiental própria de algum país, ou mesmo de estados dentro de países, como no caso dos EUA, ou então a mecanismos voluntários de mitigação das emissões de GEE. O mercado hoje existente é incipiente e volátil, não se encontra lastreado em fundamentos sólidos, e não cumpre o papel de referencial de valores e indutor de investimentos. Em algumas situações existem investidores que buscam posicionarse no mercado, para o caso de o Protocolo de Quioto ser implementado. Ou seja, estão comprando créditos de carbono baratos para revenda a preços maiores, quando houver exigibilidade de sua entrega física. Ou então, intermediários estão investindo em mecanismos de comercialização (como as bolsas) à guiza de conhecimento do Dezembro de 2003 / Janeiro de 2004 ©eia mercado e de aprendizagem, uma vantagem comparativa em relação à quem chegar mais tarde no mercado. PERSPECTIVAS FUTURAS Na eventualidade da entrada em vigor do PQ, o Brasil disporá da prerrogativa de ser um dos players mais ativos do MDL, atuando na ponta da oferta de créditos de carbono. Essa perspectiva decorre tanto das possibilidades oriundas de projetos de florestamento e reflorestamento, contemplados no MDL, quanto de produção e uso de biocombustíveis (derivados do álcool ou do óleo vegetal), assim como de outras fontes energéticas que substituam combustíveis fósseis. Em diversas situações a interface com o agronegócio é evidente e passa a constituir uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. Por exemplo, o cultivo da seringueira para a extração de látex passa a ocupar um nicho importante, seja pelas oportunidades tradicionais, pelo incremento na demanda de borracha natural (a borracha sintética é derivada de petróleo) assim como pela oportunidade de ingressar no comércio de créditos de carbono. OS PROJETOS DE MDL A obtenção de créditos de carbono comercializáveis depende de uma série de etapas burocráticas que necessitam ser cumpridas antes, durante e depois da implementação do projeto propriamente dito. Essas etapas são necessárias para garantir a correção e a fidedignidade das informações e que as metas de redução das emissões sejam atingidas. Face a esses quesitos burocráticos haverá necessidade de constituir organizações dedicadas à elaboração, tramitação e validação dos projetos. www.cultivar.inf.br O PQ prevê a existência de um Comitê Executivo de MDL, que será responsável pelo cumprimento dos dispositivos que embasam o mercado de créditos de carbono. Cada governo deverá constituir um Comitê próprio o qual, em última análise, é o braço do PQ de cada uma das partes ratificantes. Os projetos elegíveis para o MDL devem promover seqüestros de carbono ou reduções de GEE, que não sejam decorrentes de compensações entre áreas, e que sejam mensuráveis e permanentes. A duração de um projeto de MDL pode atingir até 21 anos. Um ponto importante é a adicionalidade das reduções, ou seja, as emissões de GEE devem ser menores na presença que na ausência do projeto, o que exige o estabelecimento de uma linha base, que servirá de referência para os cálculos de emissões. Para que o projeto de MDL seja aceito para transação é necessária a sua validação, com base nos pressupostos anteriores, prevendo ainda o monitoramento das metas estabelecidas, ao longo do tempo de duração do projeto. É importante considerar que, na formulação de um novo projeto, tanto na área de florestamento/reflorestamento, quanto em relação à obtenção e uso de energia limpa, os recursos que podem ser obtidos através da comercialização de créditos de carbono derivados do projeto passam a constituir uma importante vantagem competitiva, podendo alavancar determinados negócios que dependiam de sustentabilidade mercaC dológica e consistência financeira. Décio Luiz Gazzoni Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja www.gazzoni.pop.com.br Cultivar 33