A Estratégia de Integração Internacional do Brasil: Mudanças recentes Paulo Roberto de Almeida Apresentação preparada para a III Semana de Economia da Unicamp Instituto de Economia (em 23 de Setembro de 2004) 1 Doutor em Ciências Sociais Mestre em Planejamento Econômico Professor-orientador do Mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco - MRE [email protected] www.pralmeida.org Grandes áreas de atuação internacional do Brasil 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 2 Multilateralismo Conselho de Segurança das Nações Unidas Globalização e capitais voláteis OMC: negociações comerciais multilaterais Relações Sul-Sul FMI e condicionalidades Brasil como “líder” Mercosul e integração regional Argentina América do Sul Relações com a União Européia Relações com os Estados Unidos Terrorismo Alca Instrumentos diplomáticos CONTRASTES E CONFRONTOS Multilateralismo 3 FHC Lula • Multilateralismo moderado; • Ênfase no direito internacional • Aceitação tácita do princípio dos “mais iguais” (papel das grandes potências no sistema internacional); • Desenvolvimento de relações políticas com outras potências médias. • Forte multilateralismo; • Ênfase na igualdade dos Estados; • Afirmação explícita da soberania e do interesse nacional (“mudança no eixo de poder”); • Estratégia de alianças com outras potências médias e economias emergentes. CONTRASTES E CONFRONTOS Conselho de Segurança das Nações Unidas FHC Reforma da Carta das Nações Unidas deve levar em conta um entendimento com a Argentina; Postulação como candidato não-insistente à cadeira permanente; Militância poderia acirrar e congelar posições contrastantes e opostas (Argentina e México); Consciência da limitações do Brasil em poder e recursos materiais e financeiros Sem “excedentes de poder”. 4 Lula Alta prioridade à conquista de uma cadeira permanente (G-4); Postulação de apoios a essa pretensão, inclusive junto a membros do próprio CSNU (França e Rússia); Contrapartida: assumir novas e maiores responsabilidades, em termos de segurança, de assistência humanitária e de cooperação com países pobres; Maiores encargos financeiros e humanos. CONTRASTES E CONFRONTOS Globalização e capitais voláteis FHC No início, globalização como um novo “Renascimento”; depois, um “Entzauberung” (assimetrias da economia internacional); Relações muito cordiais com Davos (sequer cogitado para ir ao FSM de Porto Alegre); Aceitação implícita do “Consenso de Washington” e de suas premissas básicas; Ênfase acentuada na sustentabilidade econômica. 5 Lula No início, adesão às teses do Foro Social Mundial: “um novo mundo é possível”; Não à globalização capitalista; Sim enfático a Porto Alegre (e um sonoro não a Davos); Depois, diálogo realista com os dois mundos: os “alternativos” de Porto Alegre e os “capitalistas” de Davos: Fome Zero Mundial: Tobin tax, comércio de armas, vontade política; Recusa explícita do “Consenso de Washington”: proposta de um “Consenso de Buenos Aires” Ênfase na sustentabilidade social. Na prática, não existem diferenças notáveis entre os dois governos em termos de orientação econômica, inclusive externa, em especial no que se refere ao FMI. CONTRASTES E CONFRONTOS OMC: negociações comerciais multilaterais FHC Lula Ambos governos continuam a tradicional política de participação plena nas negociações comerciais multilaterais: agressividade na demanda por acesso aos mercados dos protecionistas do Norte, postura defensiva na aceitação de novas regras e tratamento especial para países em desenvolvimento. 6 • Postura consagrada no sistema • Grande ativismo diplomático: multilateral de comércio, de ativismo pragmático; • Aceitação implícita de uma postura de interdependência econômica, de regras proprietárias flexíveis e de relativa abertura ao investimento direto estrangeiro formação do G-20, em Cancun (setembro 2003): fim dos subsídios internos e das subvenções às exportações de produtos agrícolas; • Ênfase na defesa dos “espaços para políticas nacionais e setoriais de desenvolvimento econômico”. CONTRASTES E CONFRONTOS Relações Sul-Sul FHC Diálogo, mas não real coordenação com países do Sul: distanciamento das principais teses do “terceiro-mundismo militante”; Interesse concentrado nos parceiros próximos (América do Sul) e em alguns grandes parceiros (Rússia, China, Índia); África: política bem intencionada de cooperação (não imediatamente seguida de ações). 7 Lula Arco de alianças estratégicas: G3 (com África do Sul e Índia); Concertação política, econômica e estratégica com China e Rússia (coordenação política, desejo de aprofundar os laços econômicos, tecnológicos e de cooperação técnica); Política de ativa solidariedade com a África (reconhecimento de séculos de tráfico, de escravidão e de exclusão dos “afrobrasileiros”). CONTRASTES E CONFRONTOS FMI e condicionalidades FHC Abordagem não-ideológica das relações com o FMI: nenhum obstáculo político à manutenção de relações cooperativas (três pacotes de apoio preventivo em 1998 (US$ 41,5 bilhões), em 2001 (acordo standby, US$ 15 bilhões) e em 2002 (com apoio explícito do candidato do PT, pelo valor inédito na história do FMI de US$ 30 bilhões). Sem constrangimentos na adoção de políticas econômicas acordadas ou recomendadas com o FMI; Manutenção de superávit primário, enquanto for necessário. 8 Lula FMI: um dos principais objetos da “demonologia” econômica do PT: oposição a qualquer acordo que “limitasse a soberania brasileira”; Mudança de postura: aceitação relutante (mas manutenção da desconfiança silenciosa); Postura pragmática de Palocci: PT “aceitou” renovar acordo de 2002; Convivência (de má vontade) com o acordo, tão somente tolerado; “Suportável”, apenas enquanto absolutamente indispensável ao equilíbrio das contas externas. Na prática, não ocorreu contraste significativo em relação à administração precedente. CONTRASTES E CONFRONTOS Brasil como “líder” FHC Efeito da preeminência econômica do País, limitado à região; Objetivo modulado em função das percepções dos parceiros regionais (Argentina); Consciência da limitação dos recursos efetivamente disponíveis para a ação externa do Estado (em termos financeiros, mas também militares e diplomáticos); Avaliação dos limites estratégicos e da capacidade econômica do Brasil. 9 Lula Objetivo essencialmente político, não limitado apenas à região; Pode ser conquistado com o ativismo diplomático e as alianças estratégicas; Limitações (orçamentárias e militares) não são relevantes; Na prática, o exercício da liderança é mais difícil do que o antecipado idealmente. O elemento da liderança aparece sobretudo no contexto regional e nas relações com os países africanos. CONTRASTES E CONFRONTOS Mercosul e integração regional FHC Lula prioridade mais importante da diplomacia brasileira: importância estratégica do Mercosul como base para a união da América do Sul; Região deve estar livre de influências “externas” e das imposições hegemônicas (Alca): Mercosul como fortaleza contra as investidas do Império; Mercosul não como meio para realizar objetivos de política externa, mas como um fim em si: Brasil assume custos e responsabilidades; O social e o político assumem precedência no processo de integração: assimetrias tem de ser superadas mediante programas compensatórios, num esquema similar ao dos fundos compensatórios europeus. Integração sul-americana já fazia parte da agenda diplomática, mas ela foi agora reforçada: importância em aspectos não diretamente comerciais da integração. Uma das mais importantes prioridades da diplomacia brasileira; Visto como uma base possível para a integração da região com o mundo e para o fortalecimento das relações econômicas dentro e fora da região; Temas econômicos e comerciais tiveram prioridade: pouca atenção para as assimetrias internas. 10 A CONTRASTES E CONFRONTOS Argentina FHC “Um” parceiro estratégico, Coordenação política e econômica, dentro de certos limites, sem comprometer as políticas macroeconômicas. Cautela na moeda única (projeto da Argentina); idéia de um “pequeno Maastricht”: adoção de requerimentos técnicos (similares aos da União Européia), previamente a um esquema mais avançado de unificação monetária. Mercosul intergovernamental. 11 Lula “O” parceiro estratégico. Consultas freqüentes e busca de posições comuns (na Alca); Meta da moeda comum e de uma união política no Mercosul (Parlamento eleito diretamente); “Consenso de Buenos Aires”: gesto sobretudo simbólico. Postura de princípio favorável, sem, contudo, manifestação expressa, à tese da supranacionalidade; Mercosul “institucionalizado”. CONTRASTES E CONFRONTOS América do Sul FHC Relações “estratégicas”, seguidas de “estratégicas”: grande ênfase retórica mas poucas iniciativas iniciativas políticas: viagens a (e visitas de) todos os chefes de Estado da região; práticas no primeiro mandato Conclusão de um acordo com a CAN, (mediação bem sucedida do conflito mas dificuldades para a formação de fronteiriço entre Peru e Equador); uma área de livre comércio (poder de Acordo comercial entre o Mercosul e atração dos EUA); CAN várias vezes anunciado, mas Estratégia arriscada nas negociações inconcluso; hemisféricas da Alca; Conceito de área sul-americana de Reintegração de Cuba ao concerto livre-comércio em 1993 (chanceler americano (dificuldades); Celso Amorim), esquecido depois; IIRSA relutantemente aceita pelo novo governo: financiamento bilateral pelo Integração física: encontro dos BNDES (limitações de recursos na chefes de Estado da América do Sul: materialização dos projetos). constituição da IIRSA. Ambos governos buscam relações cooperativas com todos os países da região: Brasil quer contribuir para a pacificação política e militar dos países vizinhos, sem intervenção econômica e militar externa. Relações 12 Lula CONTRASTES E CONFRONTOS Relações com a União Européia FHC O mais importante parceiro do Brasil e do Mercosul, mas postura realista em relação às possibilidades de abertura comercial: condenação da hipocrisia da postura da União Européia em matéria de protecionismo agrícola; Relações cooperativas com UE, sem considerá-la uma “alavanca estratégica” nas relações com os EUA. Tentar obter as maiores vantagens possíveis dos dois processos regionais de liberalização comercial. 13 Lula Parceiro importante e atribuição de papel político na “aliança estratégica” contra o “unilateralismo hegemônico”; Condenação genérica do protecionismo agrícola; Concepção (inicial?) de um acordo comercial entre o Mercosul e a UE como tendo maiores benefícios potenciais do que aquele negociado com os EUA no quadro da Alca. CONTRASTES E CONFRONTOS Relações com os Estados Unidos FHC Definida como essencial e cooperativa; Não obstante as boas relações políticas, mantinham-se os desacordos setoriais, a maior parte em questões de comércio e propriedade intelectual; Enfatizou-se a cooperação bilateral, inclusive em áreas sensíveis (Alcântara); Reciprocidade moderada. 14 Lula Relação importante, mas considerada não essencial; Desacordos são nítidos, tanto políticos quanto econômicos. No plano da política mundial, se busca a multipolaridade; Governo não é anti-americano, mas há postura anti-americana em diversos sociais de sua base política; Reciprocidade estrita (fichamento de americanos). CONTRASTES E CONFRONTOS Terrorismo 15 FHC Lula Declaração no dia dos atentados (9/11/01): “A Carta das Nações Unidas reconhece aos Estados membros o direito de agir em autodefesa. Isto não está em discussão. Mas é importante termos consciência de que o êxito na luta contra o terrorismo não pode depender apenas da eficácia das ações de autodefesa ou do uso da força militar de cada país”; “o terrorismo não pode silenciar a agenda da cooperação e das outras questões de interesse global.” Na Assembléia francesa (30/10/01): “É preciso reagir com determinação ao terrorismo, mas ao mesmo tempo enfrentar, com igual vigor, as causas profundas e imediatas de conflito, de instabilidade, de desigualdade. (…) A barbárie não é somente a covardia do terrorismo, mas também a intolerância ou a imposição de políticas unilaterais em escala planetária.” Discurso em 10 de julho de 2003: “Não será militarmente que vamos acabar com o terrorismo, nem tampouco com o narcotráfico. Vamos enfrentar isso com muito mais densidade na hora em que a gente atacar o problema crucial que é a pobreza no mundo.” Na Assembléia Geral da ONU (setembro 2003): “Existe, hoje, louvável disposição de adotar formas mais efetivas de combate ao terrorismo, às armas de destruição em massa, ao crime organizado. (…) Não podemos confiar mais na ação militar do que nas instituições que criamos com a visão da História e a luz da Razão. (…) O verdadeiro caminho da paz é o combate sem tréguas à fome e à miséria, numa formidável campanha de solidariedade capaz de unir o planeta ao invés de aprofundar as divisões e o ódio que conflagram os povos e semeiam o terror.” Pouca importância dada à agenda anti-terrorista dos EUA: o terrorismo deve ser combatido em suas causas sociais; a agenda de desenvolvimento deve continuar a ostentar a mesma prioridade que antes dos atentados. CONTRASTES E CONFRONTOS Alca FHC Sem 16 grande entusiasmo com o projeto, mas tampouco oposição de princípio; Summit de Québec (abril de 2001): “a Alca pode ser uma oportunidade para a modernização da economia brasileira, se...”; Disputa sobre os protecionismos setoriais dos EUA (subsídios agrícolas); aceitação limitada dos outros temas (propriedade intelectual, investimentos e serviços); não a compras governamentais (deve servir para fazer política industrial). Lula PT sempre se opôs ao esquema de “dominação imperial”: seria um “projeto de anexação”; Plebiscito contra a Alca: amplo apoio dos militantes e sindicatos, mas o PT retirou seu patrocínio explícito nas eleições; Aceitação relutante e condicional do princípio do livre comércio; Barganha dura na mesa de negociações: impasses negociais; “Interesse nacional” e desvantagens da liberalização comercial assimétrica; Minilateralismo e liberalização à la carte: Alca “aladizada”? CONTRASTES E CONFRONTOS Instrumentos diplomáticos FHC Itamaraty como o foco principal (conselheiros diplomáticos); Diplomacia presidencial explícita; Prioridades econômicas; “Aceitar o mundo como ele é” (talvez “Tobin tax” para diminuir a volatilidade e ajudar os mais pobres); Diálogo com o G-7 e abordagem da agenda internacional do tipo OCDE: ambiente cooperativo para o desenvolvimento Abordagem tradicional da diplomacia: papel acessório no processo de desenvolvimento; Integração do Brasil ao mundo globalizado. 17 Lula Itamaraty como um dos focos (assessores partidários. Diplomacia presidencial implícita; Prioridades sociais e políticas; “Mudar o mundo” (“Fome Zero Mundial”; sim à “Tobin tax” e outros instrumentos distributivos para lutar contra as “injustiças” da globalização); Diálogo com o G-8, mas coordenação com países em desenvolvimento (reunião do G-15) e alianças estratégicas com alguns; Política externa criativa (“ativa e altiva”): papel substantivo no “projeto nacional”. Liderança regional e internacional para mudar o mundo, e implantar uma “nova geografia comercial”; Participação no mundo globalizado, com preservação da soberania nacional. Obrigado! Apresentação baseada no seguinte artigo: “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula” Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: IBRI, vol. 47, nº 1, 2004, ISSN: 0034-7329; pp. 163-184) (transcrito no boletim eletrônico do PT, Linha Aberta, nº 1.855, em 8 de junho de 2004, e colocado no site do PT, seção Artigos: http://www.pt.org.br/) Artigo também disponível no site de Paulo Roberto de Almeida: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1260PExtLula.pdf Esta apresentação também está em: www.pralmeida.org http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1329SemEcon.pdf 18