ISSN 012-7751
REVISTA DO TRIBUNAL DE
CONTAS DO DISTRITO FEDERAL
R. Trib. Contas Distrito Federal
Brasília
v.27
p9-248
2001
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Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal,
nº 1 - 1975 Brasília, Seção de Documentação, 2001.
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ISSN 012-7751
TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL
COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL - 2001
Conselheiros:
Marli Vinhadeli - Presidente
Manoel Paulo de Andrade Neto - Vice-Presidente
José Eduardo Barbosa
Ronaldo Costa Couto
Jorge Caetano
José Milton Ferreira
Maurílio Silva
Auditor:
José Roberto de Paiva Martins
Procuradores:
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes - Procurador-Geral
Márcia Ferreira Cunha Farias
Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira
SUMÁRIO
DOUTRINA
MANOEL ANDRADE
Dispensa de licitação - habitação de interesse social - cooperativas
habitacionais ................................................................................................. 09
JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES
Idade limite para conselheiro e ministro dos tribunais de conta ........................ 29
Lei de Responsabilidade Fiscal e os recursos públicos pelo Ministério Público e
os Poderes Legislativo e Judiciário ............................................................... 33
Uma reflexão sobre a eficiência dos tribunais de contas ................................... 43
SEBASTIÃO BAPTISTA AFFONSO
Princípios regedores da Administração Pública ................................................... 51
JAYME BENJAMIN SAMPAIO SANTIAGO
Comunicações dos atos processuais nos processos de contas .......................... 57
VOTOS
MARLI VINHADELI
Contrato de prestação de serviços celebrados entre a CEB e o Escritório de
Advocacia Inocêncio Márites Coelho - Advogados Associados .................... 65
PARECER
JANE MAIR SILVA FERNANDES DE SOUSA
Pensão especial temporária - habilitação tardia ................................................ 79
JULIANO RICARDO DE VASCONCELLOS COSTA COUTO
Averbação de tempo de serviço na área federal para todos fins ....................... 85
Correlação da função exercida na área federal com cargo desse Tribunal ....... 89
Licença para trato de interesses particulares ..................................................... 95
RODRIGO SIMÕES FREJAT
Retificação de aposentadoria ........................................................................... 101
SEBASTIÃO BAPTISTA AFFONSO
Alteração de dispositivos da Resolução nº 113/99 ........................................... 109
Ascensão funcional, prevista na Lei/DF nº 2/88 ............................................... 113
Minutas de modelos para padronização de acordãos ...................................... 123
Projeto formulado pela CESACE, para disciplinar a votação em bloco ........... 131
CONTRIBUIÇÃO
IVAN BARBOSA RIGOLIN
Despesa total com pessoal: o art. 18 da Lei de Reponsabilidade Fiscal ............ 139
FRANCISCO CARLOS RIBEIRO DE ALMEIDA
A renúncia de receita como fonte alternativa de recursos orçamentários ....... 145
Verdadeira função do Tribunal de Contas da União no processo orçamentário .. 161
VALDECIR FERNADES PASCOAL
Crônica de uma aposentadoria “Severina” .......................................................... 177
O remédio legal para os agentes da saúde ........................................................ 183
RENATO MONTEIRO DE REZENDE
Quintos e aposentadoria-prêmio: acumulação legítima ................................... 187
DANIEL BLUME PEREIRA DE ALMEIDA
Natureza jurídica das decisões dos tribunais de contas ................................... 223
DOUTRINA
DISPENSA DE LICITAÇÃO - HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL COOPERATIVAS HABITACIONAIS*
Manoel de Andrade
Conselheiro do TCDF
Ao cumprimentar as Senhoras e os Senhores Congressistas, quero registrar
a imensa satisfação de ter sido designado relator de Tese com tamanho alcance
social, que, certamente, trará repercussão de igual importância para a sociedade.
O parecer em causa dar-se a propósito da bem lançada tese apresentada
pelo eminente Auditor Substituto de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
do Rio Grande do Sul, tendo como escopo a dispensa de licitação na permissão
de uso de bens imóveis destinados a Programas Habitacionais de Interesse Social,
para Cooperativas Habitacionais, tendo em conta a hermenêutica do artigo 17,
inciso I, alínea f da Lei nº 8.666/93, da Constituição Federal, da Constituição do
Estado do Rio Grande do Sul, do Ordenamento Jurídico Infraconstitucional, da Doutrina
e da Jurisprudência.
A referida tese nasceu, segundo informa o seu competente autor, a propósito
de inúmeras consultas formuladas por Administrações Municipais acerca da
dispensa de licitação a que alude o art. 17, inciso I, alínea f da Lei nº 8.666/93,
destacando ente elas a seguinte:
*Parecer emitido sobre a tese de Virgílio Perius, apresentada no XXI Congresso dos Tribunais de
Contas, Cuiabá, de 3 a 7 de julho de 2001.
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“1) Qual a interpretação que esse Egrégio Tribunal de Contas do Estado
do Rio Grande do Sul oferece às regras contidas no artigo 17, inciso I, letra
f, da Lei nº 8.666/93, artigo 174, parágrafo 2. Da Constituição Federal e
artigo 175 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul?
2) Pode o Município ceder, sem processo licitatório, área de terras
para programas habitacionais?”
Fornecendo extraordinário embasamento jurídico, doutrinário e jurisprudencial,
o insigne autor aborda a matéria dividindo-a em três temas nucleares, quais sejam:
a) A exegese do artigo 17, inciso I, alínea f da Lei nº 8.666/93;
b) A questão da permissão de uso de bem imóvel, destinado a Programas
Habitacionais de Interesse Social;
c) A abordagem da conceituação de cooperativa, em especial, de
Cooperativa Habitacional.
No tocante ao primeiro e ao segundo temas, o nobre auditor transcreve as
regras exigidas para a alienação de bens imóveis pertencentes à Administração
Pública, como avaliação prévia, autorização legislativa e licitação, sendo que,
segundo atesta, entendeu o legislador em dispensar a licitação, na hipótese de
alienação, inclusive na forma de permissão de uso, quando se tratar de imóveis
construídos, destinados ou efetivamente utilizados para programas habitacionais
de interesse social, cujas operações ou negócios sejam realizados por entidades
criadas para esse fim.
Segundo ele, a letra f do inciso I do artigo 17 constitui clara exceção à
regra geral da licitação e, desse modo, os bens imóveis da Administração Pública
construídos, destinados ou utilizados para a finalidade proposta, podem passar
para o domínio privado, desde que por preço não inferior ao da avaliação e mediante
autorização legislativa, tendo que ser destinados para construção, ou utilização no
âmbito da habitação social.
Para sustentar seu entendimento, ele apresenta as razões que justificam
a dispensa de licitação, que se verifica em dois programas: o da reforma urbana
e o da reforma agrária. De acordo com ele, o propósito de ambos os programas se
vincula a promover uma melhor distribuição da terra, seja rural, seja urbana. E
será difícil atingir esse desiderato mediante procedimento licitatório, porquanto este
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sempre tem por escopo a proposta mais vantajosa. Pela concorrência se um conflito
de interesse entre os beneficiários da reforma agrária e os da reforma urbana, que
não visam a ser competidores. Na reforma agrária visa-se atender ao Princípio da
Justiça Social e ao aumento da produtividade (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de
1964). Na reforma urbana, busca-se concretizar o direito à moradia (Lei nº 4.380/64),
sendo que ambas as reformas buscam a função social da terra, razão pela qual a
Constituição Federal ofereceu poderes ao Estado para interferir no processo de sua
utilização, objetivando uma melhor distribuição, como se denota dos artigos 182 e
184.
No tocante ao último tema arrolado o defensor da tese traz à tona os
dispositivos legais e doutrinários que norteiam a matéria, destacando entre eles a
Lei nº 5.764/71, que conceitua e caracteriza a sociedade cooperativa de maneira
geral, ressaltando que tudo que se aplica para os demais tipos de cooperativas
também se aplica para as cooperativas habitacionais, que é a espécie objeto de
discussão.
Em sua linha de raciocínio o autor ressalta que, historicamente, as
cooperativas habitacionais vinculam-se ao esforço para superação da carência de
moradias, que tem suas origens, de um lado, no modelo estrutural sócio-econômico
excludente e concentrador, que se traduz em desigualdades de renda e acesso à
urbanização e, por outro lado, no processo de crescimento urbano segundo a lógica
da maximização da renda da terra e da moradia. Por falta de uma política
habitacional, iniciativas públicas e privadas não acompanham o incremento
demográfico, nem contemplam principalmente as camadas mais carentes, situação
esta agravada pelas migrações para os pólos de maior densidade populacional.
Segundo ele, a intervenção dos órgãos habitacionais tradicionais, SFH,
COHAB, Secretarias Municipais de Habitação, mostra-se acanhada, frente à
intensidade da demanda, acrescendo, ainda, a desarticulação do Governo Federal,
que redundou na ausência de uma política habitacional, enquanto recursos do
FGTS estão comprometidos para outros setores.
Prosseguindo, chama atenção para o fato de a Constituição de 1988, ao
descentralizar os recursos da União, possibilitou aos Municípios parcela maior do
bolo orçamentário, sem uma conseqüente distribuição de atribuições para atender
às demandas dos cidadãos, residindo, fundamentalmente, o déficit habitacional
nas sub-habitações concentradas nas periferias dos grandes centros urbanos,
contribuindo para isto as diferenças existentes entre as condições de vida urbanas
e rurais e a expansão industrial dos grandes centros urbanos, provocando as
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migrações para as cidades maiores, e a causa desse desequilíbrio reside,
fundamentalmente, na ausência de um planejamento para o desenvolvimento
integral entre o rural e o urbano, pois, nem sempre, as novas habitações concorrem
para reduzir o problema habitacional.
Continuando, chama atenção para o fato de que, ao lado do fenômeno da
concentração urbana, nota-se que as populações de renda mais baixa vão sendo
empurradas para as periferias das cidades, cada vez mais longe das benfeitorias
urbanas. E, de sua parte, as empresas construtoras não consideram como parte
do mercado potencial de compradores famílias com renda abaixo de 200 dólares
mensais.
Assim, prossegue, a habitação na economia de mercado torna-se mais um
bem-de-troca do que um bem-de-uso, afastando as possibilidades das famílias de
baixa renda, que ficam na dependência de iniciativas dos órgãos governamentais,
que promovem habitações populares com recursos provenientes do FGTS. Desses
recursos, 60% deveriam ser alocados para a produção de habitações populares, e o
restante para as áreas de saneamento, planejamento urbano, transportes, apoio à
indústria de construção, à constituição de pólos econômicos e recuperação urbana.
Dos 3 milhões de moradias financiadas pelo BNH, a maior parte não pertence à faixa
de interesse social. Com a extinção desse órgão, em 21 de novembro de 1986, a
ausência de uma política habitacional, a nível nacional, ficou patente.
Finalizando seu raciocínio, acerca do último tema da tese, o autor formula a
seguinte pergunta: Face a esse quadro, qual o papel das Cooperativas Habitacionais?.
Traz como resposta o posicionamento de João Machado Fortes:
“Dentro dessa idéia básica da necessidade de apoio financeiro às famílias
participantes, em que a procura dos menores dispêndios torna-se
fundamental para as de mais baixa renda, a Cooperativa Habitacional
representa o instrumento ideal para os programas habitacionais destinados
a tais famílias, já que a sua atuação, assumindo elas mesmas a direção
das operações executivas do programa, deverá obter os mais baixos
custos possíveis, pela eliminação do fator lucro na ação de diversos
intermediários que poderão ser evitados. Por outro lado, haverá vantagens
em que essas comunidades sejam numerosas, provocando redução nos
custos operacionais e beneficiando-se dos resultados oriundos de
produção em série. Para as famílias mais pobres, porém, será necessária
e indispensável a intervenção do Estado, através de uma Política de
Planejamento Urbano que regule, através de estímulos ou de cargas fiscais,
e até de desapropriações, quando necessária, o uso da terra, (...)”.
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O autor prossegue na defesa de sua tese, sempre enaltecendo a importância
das cooperativas habitacionais, concluindo que suas relações com o Estado devem
ultrapassar meras parcerias e apoio, e, trazendo pronunciamento do especialista
do assunto, Rubens Héctor Rubio, justifica que muitas vezes:
“o próprio Estado, com toda sua força paternalista, não seria capaz de
solucionar, porque não conta com a participação do cooperado na solução
do seu problema, ou seja, concretamente julga importantíssimo que o
movimento cooperativo deva ter, no Estado, um participante indireto no
apoio ao seu desenvolvimento”.
Para ele, a proteção do direito à habitação é uma responsabilidade social
do Estado. Trata-se de estruturar programas habitacionais que permitem primeiro
o acesso à moradia. Esta não se situa como um fim, pela filosofia do plano
habitacional cooperativo, mas como meio para elevação econômica e social das
populações beneficiadas. A casa é sempre o fundamento para uma sadia
convivência familiar, e para uma solidária convivência comunitária. É na casa que
o homem se sente bem. Sua construção tem uma relação com a história do homem.
Perante a construção da primeira casa, o homem repousava na natureza como
uma criança no ventre materno. A consciência desse estado de repouso na casa
– foi o primeiro sinal da cultura do conhecimento planejado. Não existe construção
sem planejamento de construção.
A entrega da casa cooperativada não encerra os vínculos entre os
associados e a cooperativa, pois esse não é o objetivo exclusivo e final das
cooperativas habitacionais. Programas comunitários, orientação dos condomínios,
obras sociais, conservação dos conjuntos e dos imóveis, merecem trabalho e
assistência das cooperativas. A vinculação jurídica também não cessa, com a
entrega dos imóveis, porque a relação jurídica é de natureza cooperativa, e não
contratual (compra e venda).
Assim, pela entrega de produtos (cooperativa de produtores) não se realiza
um contrato, mas ato cooperativo, também pela entrega de casas (cooperativa
habitacional), não se realiza um contrato, mas ato cooperativo. Aliás, a entrega de
casas pelas cooperativas habitacionais é um ato cooperativo mais sério e mais
solene e de maior conteúdo cooperativista. Se a entrega de casas não constitui
contrato, o vínculo jurídico entre sócios e cooperativa não cessa com a respectiva
entrega. Se as relações jurídicas não se extinguem é porque o fim da cooperativa se
identifica com o de sua clientela, funcionando a sociedade como instrumento de
satisfação das necessidades domésticas e empresariais dos cooperativados.
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Num verdadeiro passeio pela doutrina, o ilustrado autor traz ao conhecimento
os mais bem fundamentados pareceres jurídicos, da lavra de renomados procuradores;
de delegações de prefeituras municipais, do Estado do Rio Grande do Sul, e de
Tribunais de Contas de outros Estados, todos consentâneos com a tese da dispensa
de licitação para alienação de imóveis do Poder Público, destinados à habitação
popular, desde que precedido de autorização legislativa, destacando, entre eles, o
Parecer nº 8.904/98, de Delegações de Prefeituras Municipais – D.P.M, (RS), em
que oferece reflexão sobre a abrangência do termo imóveis construídos, verbis:
“Registre-se que a norma supra disse menos do que quis, pois, na
aparência, limitou a dispensa de licitação para imóveis construídos,
quando se sabe, até pelas linhas de financiamento oficial na área da
habitação, que a política governamental, não se limita à produção e oferta
de imóveis construídos, mas também de terrenos ou lotes urbanizados.
Não deve, assim, prevalecer a interpretação literal, limitativa da dispensa
da licitação para alienação de imóveis edificados. Deve alcançar, também,
através de leitura significante e integrativa, a oferta de terrenos para
edificação pelos beneficiários. O conteúdo normativo não se limita à
dicção do texto legal”.
Cita, ainda, importante trabalho sobre o título Doação de Bens Municipais
à População Carente e a Lei de Licitações, de José Rubens Costa, em que afirma:
“Tanto a alienação de bens imóveis, quanto móveis, comporta a
dispensa do procedimento licitatório (parte final do inc. II do art. 17,
com respectivas alíneas). Na regulamentação da dispensa, cometeu a
Lei nº 8.666/93 equívocos de constitucionalidade, aliás também
existentes no estatuto anterior (Dec-Lei nº 2.300, de 21.11.86. O principal
deles consiste em permitir a dispensa do procedimento licitatório para
a doação de bens imóveis apenas e exclusivamente para outro órgão ou
entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo (alínea
b do inc. I do art. 17). Se, conforme a Constituição fosse a norma, ou
seja, se a doação – com dispensa de procedimento licitatório – fosse
apenas permitida ao próprio Governo (do Município a Estado, da União
ao Município, e suas autarquias, etc.), impossível se tornaria, por
exemplo, a alienação de áreas à população de baixa e principalmente
nenhuma renda”.
Mais na frente, cita trecho da obra Temas Polêmicos sobre Licitações e
Contratos, de Maira Sylvia Zanella Di Pietro, que enfatiza:
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“Não teria sentido que a lei exigisse licitação para permissão de uso
precário e silenciasse quanto à autorização de uso. Aplica-se, aqui, o princípio
de interpretação segundo o qual, sendo os mesmos os motivos, a norma
também é a mesma. Além do mais, é bem evidente que, no caso da letra f,
introduzida no inc. II do art. 17, a permissão de uso apresenta-se como
verdadeiro contrato, única forma compatível com a destinação referida no
dispositivo: programas habitacionais de interesse social”.
Prosseguindo com o seu rol de bons doutrinadores, traz à colação excelente
estudo sobre a matéria, realizado por Antônio Roque Citadini, informando:
“A letra f trata especialmente dos imóveis construídos e destinados
ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de
interesse social, dispensando, também, da licitação a alienação, a
concessão de direito real de uso, a locação e a permissão de uso, desde
que tais sejam realizados por órgãos ou entidades da Administração
Pública criados para esse fim”.
Mais na frente, informa o posicionamento do grande Hely Lopes Meirelles,
que examinando o tema com profunda análise, esclarece:
“Licitação Dispensada é aquela que a própria lei declarou-a como tal
(art.17, I e II). Com relação a imóveis nos casos de dação em pagamento,
investidura, venda ou doação a outro órgão público, alienação, concessão
de direito real de uso, locação ou permissão de uso de habitações de
interesse social”.
Arremata o autor, trazendo o posicionamento de Marçal Justen Filho,
que afirma:
“O interesse de beneficiar parcelas de mais baixa renda afasta licitação
norteada a obter o preço mais elevado”.
Na parte jurisprudencial, o nobre membro da Corte de Contas do Rio Grande
do Sul traz o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, com
a seguinte ementa:
“Município. Doação de terrenos para fins habitacionais. Exigência de
subordinação ao interesse público, autorização legislativa e avaliação
prévias. Renúncia de receita de impostos municipais. Possibilidade de
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concessão de incentivo à instalação de indústrias. Sujeição ao exame do
Tribunal de Contas quanto à economicidade, legalidade e legitimidade das
respectivas renúncias e concessões”.
Por seu turno, o Tribunal de Contas do Paraná, informado pelo ilustrado
autor, tem o seguinte posicionamento:
“Bem imóvel. Alienação. Dispensa. Casas populares. Concessão de
direito real de uso. Possibilidade da dispensa de licitação para alienação
de casas populares, tendo em vista o disposto no art. 17, I, f da Lei Federal
nº 8.666/93, alterada pela Lei Federal nº 8.883/94”.
Procedida a análise dos efeitos jurídicos do art. 17, I, f da LF nº 8.666/93 e
alterações, no instituto da Permissão de Uso de bem imóvel da Administração
Pública, da instituição de sociedadededeIcooperativa habitacional, o nobre auditor
conclui sua tese, que representa o entendimento do Tribunal de Contas do Estado do
Rio Grande do Sul, conforme decidido em sessão de 22.3.2000, nos seguintes termos:
• A alienação de bem imóvel da Administração Pública, destinando a
programas de habitação de interesse social, realizados por órgãos ou
entidades criadas para esse fim, dispensa o processo licitatório, nos
termos do artigo 17, I,f, da Lei nº 8.666/93.
• A escolha da modalidade de alienação, como no caso, a Permissão
de Uso, é da competência da Administração Pública.
• A dispensa de licitação para fins de alienação de bens imóveis da
Administração está contemplada em dois programas de natureza social: o
da reforma agrária e o da reforma urbana. Ambos visam a uma melhor
distribuição da terra, seja rural, seja urbana, e não a proposta mais
vantajosa para o Estado.
• Regras do comando do procedimento licitatório, tornam, sob o ponto
de vista técnico, inaplicáveis alguns princípios (igualdade entre os licitantes,
sigilo de apresentação das propostas, julgamento objetivo, habilitação dos
licitantes) quando se tenta a alienação de bens imóveis destinados a
programas de interesse social.
• O conceito de sociedade cooperativa, à luz do ordenamento jurídico
que rege esse tipo societário implica em que entre os associados e a
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cooperativa inexiste mercado, visto ser a cooperativa a extensão dos próprios
associados. Assim, não ocorre intermediação, mas ato cooperativo, praticado
sem nenhuma finalidade lucrativa. A Sociedade Cooperativa Habitacional,
além de possuir as mesmas características, constitui-se, ainda, em Agente
do Plano Nacional da Habitação Popular – PLANHAP.
• Inexistindo a figura do intermediário e caracterizando-se a ausência
de fins lucrativos, a alienação de bens imóveis da Administração Pública,
destinados a Programas de Habitação de Interesse Social, em favor de
Cooperativas Habitacionais, dispensa a licitação, pois a finalidade da
cooperativa, de um lado, se identifica com a dos associados, na satisfação
das necessidades habitacionais, e, do outro, com os objetivos dos
Programas Habitacionais de Interesse Social, dos quais é agente, por
determinação legal, tanto de ordem federal (Lei nº 4.380/64 – artigo 8º,
IV) quanto de ordem estadual e municipal.
Finalmente, arremata:
“observadas as disposições da lei nº 8.666/93, quanto a autorização
legislativa e avaliação prévia, à luz do ordenamento jurídico, pode a
Administração Pública ceder (alienar), na forma de permissão de uso,
área de terras destinada a Programas Habitacionais de Interesse Social,
para Cooperativas Habitacionais, dispensando a licitação, nos termos
do art. 17, I, f, da Lei nº 8.666/93.”
PARECER
A palavra cooperativa deriva do latim cooperativus – de cooperari (cooperar,
colaborar, trabalho com outros). Trata-se de sociedade de natureza civil, sem
objetivo de proveito financeiro, que tem por finalidade qualquer espécie de atividade.
As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias,
de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos
associados.
Verdadeiras aliadas do Estado, na consecução dos seus fins sociais, as
Cooperativas ganharam formidável destaque na constituição de 1988, com
dispositivos altamente expressivos nesse sentido. E já se pode sentir, na realidade
fática, as suas conseqüências, com o surgimento de inúmeras cooperativas, sobretudo
de habitação, de trabalho e de crédito.
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
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Claro está que esta situação decorre também do problema do
desemprego e da excessiva carência de crédito e de moradias. Estas com um
déficit assustador, que se arrasta ao longo dos anos.
Assim, com a Constituição Federal de 1988, pode-se dizer que se
iniciou um novo período no ciclo legislativo do regime jurídico das sociedades
cooperativas até então presas e submetidas às imposições estatais
decorrentes do regime autoritário. Vários artigos da Constituição referem-se
às cooperativas no sentido não só de reconhecê-las, de livrá-las das peias
estatais, como também para apoiá-las. De todos eles pode ser destacado o
art. 5 o, XVIII, que dispõe:
“a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas,
independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em
seu funcionamento:”
Tal dispositivo resplandece como uma auréola de liberdade daquelas
que viveram engessadas durante mais de vinte anos.
Outros dispositivos não são menos importantes. Valendo anotar os
seguintes:
1. Art. 146. III, c, dispondo que:
“cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria
de legislação tributária, especialmente sobre: o adequado tratamento
tributário ao ato cooperativo”;
2. Art. 174, § 2 o que, dispõe:
“A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de
associativismo”;
3. Art. 174, § 3 o :
“O Estado favorecerá a promoção da atividade garimpeira em
cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a
promoção econômico-social dos garimpeiros”; e
4. Art. 192, VIII, dispondo que:
“Lei complementar regulará o funcionamento das cooperativas de
crédito e os requisitos para que possam ter condições de
operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras”.
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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
Para Waldírio Bulgarelli:
“o Estado brasileiro tem sido de uma falsidade inacreditável em relação
ao sistema cooperativo nacional, tanto que, embora tenha apoiado todas
as resoluções internacionais, visando à proteção do movimento
cooperativo, como, por exemplo: a Resolução nº 127, de 1966, da
Organização Internacional do Trabalho, OIT; a Resolução nº 2.359, de
1968, da ONU. A Carta de Buenos Aires, de 1969, da Organização dos
Estados Americanos, que entrou em vigor em 27 de fevereiro de 1971 e,
finalmente, a Resolução nº 1.413, de 1969, do Conselho Econômico e
Social da ONU, em que se formulava a atuação das cooperativas às
metas visadas na chamada Década do Desenvolvimento. Sem contar
que em maio de 1970, o Brasil, juntamente com mais cinco países: Índia,
Bulgária, Indonésia, Paquistão e Sudão, apresentou um projeto de
resolução perante o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas,
recomendando que a organização mundial dê especial atenção às
solicitações de assistência que os países em desenvolvimento formulem
para desenvolver as cooperativas, jamais as cumpriu, pelo contrário,
ainda, hoje, as persegue, sobretudo, pela imposição de óbices burocráticos
e fiscais.
Por derradeiro, havemos de não esquecer que o futuro próximo aponta
para as relações internacionais das sociedades cooperativas, sobretudo,
com referência ao MERCOSUL, o que impõe que se adaptem para tal
mister.”
A doutrina do cooperativismo como é conhecida, certamente, não se afasta
da doutrina jurídica. Pelo contrário, vem se esforçando, neste século, para consolidar
os princípios básicos de organização e funcionamento das cooperativas e, por
isso, tendo dado significativa contribuição para que os ordenamentos jurídicos
recepcionassem esse novo tipo de associação. Nesse sentido, é bastante evidente
que a história da doutrina cooperativista e das legislações que regulam as
cooperativas se relacionam estreitamente, demonstrando a influência daquela nesta
e, se nem sempre foi obtida uma harmonização completa, não se pode deixar de
ver que houve um ajuste coerente.
No ordenamento jurídico brasileiro, apesar dos desvios eventuais ocorridos,
nota-se bem o afirmado. Veja-se que é a partir do Congresso de Paris, da AIC, em
1937, que aprovou pela primeira vez os chamados princípios cooperativistas, que
promulgou-se o Decreto-lei nº. 581 de 1.8.1938, o qual alterou o Decreto nº 22.239,
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
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de 19.12.1932, instituindo, ainda que toscamente, o princípio do retorno. Com o
Decreto-lei nº 69, de 21.11.1966 e o seu regulamento, o Decreto nº 60.597, de
19.4.1967, foram consagrados os princípios aprovados pela AIC, no Congresso de
Viena de 1966, robustecidos pela Lei nº 5.764/71 e, finalmente, com o Congresso de
Manchester, de 1995, várias decisões intensificaram a recomendação do princípio da
integração.
Numa visão geral, princípios cooperativistas exprimem o alto sentido social
do sistema cooperativo. As cooperativas, desta forma, se apresentam como
entidades de inspiração democrática, em que o capital não constitui o determinante
da participação associativa, mas, mero instrumento para a realização dos seus
objetivos. Elas são dirigidas democraticamente e controladas por todos os
associados, não perseguem lucros e seus excedentes são distribuídos
proporcionalmente às operações de cada associado. Nelas se observa a
neutralidade político-religiosa, o capital é remunerado por uma taxa mínima de
juros e os hábitos de economia dos associados são estimulados pelas aquisições
a dinheiro, dando-se destaque ao aperfeiçoamento do homem, pela educação.
Importante é, para robustecer o tema, trazer à colação os princípios
cooperativos aprovados no Congresso de Manchester, em 1995, pela Aliança
Cooperativa Internacional que são:
1o Princípio – Adesão livre e voluntária – Cooperativas são organizações
voluntárias abertas a todas as pessoas aptas a usar seus serviços e dispostas a
aceitar as responsabilidades de sócio, sem discriminação social, racial, política ou
religiosa e de gênero.
2o Princípio – Controle democrático pelos sócios – As cooperativas são
organizações democráticas controladas por seus sócios, os quais participam
ativamente no estabelecimento de suas políticas e na tomada de decisões. Homens
e mulheres, eleitos como representante, são responsáveis para com os sócios.
Nas cooperativas singulares os sócios tem igualdade na votação (um sócio, um
voto).
3o Princípio – Participação econômica dos sócios – Os sócios contribuem
de forma eqüitativa e controlam democraticamente o capital de suas cooperativas.
Parte desse capital é propriedade comum das cooperativas. Usualmente os sócios
recebem juros limitados (se houver algum) sobre o capital, como condição de
sociedade. Os sócios destinam as sobras aos seguintes propósitos: desenvolvimento
das cooperativas, possibilitando formação de reservas; retorno aos sócios na
20
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
proporção de suas transações com as cooperativas e apoio a outras atividades que
forem aprovadas pelos sócios.
4o Princípio – Autonomia e independência – As cooperativas são
organizações autônomas para ajuda mútua, controladas por seus membros.
Entretanto, em acordo operacional com outras entidades, inclusive governamentais,
ou recebendo capital de origem externa, elas devem fazê-lo em termos que
preservem o seu controle democrático pelos sócios e mantenham sua autonomia.
5o Princípio – Educação, treinamento e informação – As cooperativas
proporcionam educação e treinamento para os sócios, dirigentes eleitos,
administradores e funcionários, de modo a contribuir efetivamente para o seu
desenvolvimento. Eles deverão informar o público em geral, particularmente os
jovens e os líderes formadores de opinião, sobre a natureza e os benefícios da
cooperação.
6o Princípio – Cooperação entre cooperativas – As cooperativas atendem
seus sócios mais efetivamente e fortalecem o movimento cooperativo, trabalhando
juntas através de estruturas locais, nacionais, regionais e internacionais.
7o Princípio – Preocupação com a comunidade – As cooperativas
trabalham pelo desenvolvimento sustentável de suas comunidades, através de
políticas aprovadas por seus membros.
A Constituição Federal de 1988 alterou basicamente a disciplina jurídica
das sociedades cooperativas. Assim, aos períodos históricos que caracterizaram
a evolução das normas sobre as cooperativas, deve-se acrescentar, agora, o que
o Doutor Waldírio Bulgarelli chamou de período de liberalização, decorrente da
não intervenção do Estado na constituição e funcionamento das cooperativas.
Numa tentativa de analisar o processo de evolução das cooperativas
perante a legislação cooperativista brasileira, Waldírio Bulgarelli elabora uma
classificação que entendo válida para a compreensão global de suas repercussões
no meio cooperativista. Ele divide em cinco períodos básicos, a saber:
1o Período de Implantação – Instaura-se sob o advento da primeira Lei
Orgânica de 1907, o Decreto nº 1.637, de 5 de Janeiro, que cuidava também dos
sindicatos rurais. Profundamente influenciado pela Lei francesa de 1867, não
atribuía forma própria às cooperativas, devendo estas se constituírem sob a forma
das sociedades comerciais, em nome coletivo, em comandita e anônima. DavaR.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
21
lhes porém ampla liberdade de constituição e funcionamento, sem subordinação a
nenhum órgão estatal, bastando, para funcionar validamente, que depositassem
em duplicata, na Junta Comercial, os seus atos constitutivos, tendo apenas como
obrigação posterior, a de semestralmente fazer o depósito da lista dos sócios e as
alterações estatutárias verificadas.
2o Período de Consolidação Parcial – Vai da promulgação do Decreto
22.239 de 19.12.1932 até a promulgação do Decreto-lei nº 59 de 21.11.1966.
Trata-se de período bastante movimentado em termos legislativos, repleto
de marchas e contramarchas em relação à manutenção do Decreto nº 22.239, de
1932. Este decreto, apesar de casuístico e com vários defeitos, dava às cooperativas
razoável liberdade de constituição e funcionamento, e foi graças a ele (além, é
claro, da própria fase histórica repleta de reformas na estrutura social e política do
país, e a constituição das grandes levas de emigrantes europeus e japoneses) que
puderam as cooperativas desenvolver-se amplamente. Não se deve esquecer que,
neste período também foram assinaláveis vários incentivos fiscais em alguns
Estados, sobretudo no sul.
3o Período de Centralismo Estatal – Esse período é de profunda crise
para o sistema cooperativista brasileiro. O Decreto-lei nº 59 de 1966 foi uma parte
importante nesse período, que tantos problemas trouxe ao cooperativismo, pois
fora antecedido por algumas leis importantes, como a Lei da Reforma Bancária
(Lei nº 4.595 de 1964), a Lei de Reforma Tributária (Lei nº 5.892 de 25.10.1966,
com base na Emenda Constitucional nº 18 de 1.12.1965), todas elas afetando
duramente as cooperativas, dentro de uma orientação excessivamente
centralizadora do Poder Público. Não se limitaram a cancelar subitamente alguns
incentivos tributários de que gozavam as cooperativas, indo ao ponto de estabelecer
uma nova regulamentação, sobremaneira restritiva, principalmente em relação ao
crédito cooperativo, retirando das cooperativas todas as possibilidades de manterse nos moldes anteriores e, de outro lado, cerceando-lhes as possibilidades de
desenvolvimento.
4o Período de Renovação das Estruturas – Com o fechamento do
Congresso por força do Ato Institucional 5, não tiveram tramitação os projetos
citados, sendo posteriormente substituídos por um anteprojeto elaborado pela já
então existente Organização das Cooperativas Brasileiras, que bastante modificado
pelos técnicos governamentais, foi encaminhado ao Congresso e promulgado,
após a sua aprovação, em 16.12.1971, convertendo-se na Lei nº 5.764, que ora
rege os destinos do cooperativismo brasileiro.
22
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
5o Período de Liberalização – Este período se inicia com a Constituição
Federal de 1988, que dispõe, em vários dispositivos, não só a divisa de que o
Estado deve apoiar o cooperativismo, como o libera dos controles estatais e ainda
dispõe sobre vários aspectos do sistema cooperativo, como o do adequado
tratamento tributário ao ato cooperativo, às cooperativas dos garimpeiros e às
cooperativas de crédito.
De minha parte, quero registrar a imensa satisfação que tenho, neste
momento, de relatar a presente tese, de indiscutível alcance social, tratando da
dispensa de licitação para alienação de bens imóveis, destinados a Programas de
Assentamento Habitacional.
Minha satisfação cresce, ainda mais, porque, verdadeiramente, acredito
em tudo o que escrevi, e porque comungo com a tese levantada pelo ilustrado
autor. É que, enquanto exerci o mandato de Deputado Distrital, por duas legislaturas,
fui um dos primeiros parlamentares a apresentar proposições voltadas a assegurar
o acesso à moradia, sobretudo, para pessoas de baixa ou de nenhuma renda, por
considerar a moradia como o maior bem da vida.
Como visto, o tema tem sido objeto de preocupação em todo o mundo, e
o Brasil não poderia ser exceção, principalmente porque, como País em
desenvolvimento, tem sua política de crescimento toda voltada para o setor urbano,
em detrimento do setor rural ou agrícola.
Com isto, crescem os movimentos migratórios, do campo para a cidade,
em busca de melhores condições de vida, que não são oferecidas no campo,
gerando forte pressão social pelos mais diversos serviços públicos oferecidos pelo
Estado, o qual, por seu turno, acaba não oferecendo a contento nenhum deles. O
problema se agrava, ainda mais quando falta aquilo que oferece ao cidadão o
mínimo de dignidade: a moradia.
Todos hão de concordar que é inadmissível num País com as dimensões
territoriais do Brasil existir tantos patrícios sem um pedacinho de terra para construir
sua moradia. Ocorre que a propriedade, seja ela rural, seja urbana,
lamentavelmente, está concentrada nas mãos de uma pequena parcela de pessoas,
que acha que o problema social é de obrigação exclusiva do Estado resolver.
Enganam-se profundamente os que assim pensam. Todos devem contribuir com
sua parcela na busca pelo oferecimento de melhores condições de vida àqueles
que não tiveram a oportunidade de se incluírem socialmente.
Por isto, rendo minhas homenagens ao Tribunal de Contas do Rio Grande
do Sul, na pessoa do Senhor Auditor, Substituto de Conselheiro, Dr. Vergílio Perius,
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
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por ter propiciado a oportunidade de os demais Tribunais de Contas oferecer sua
parcela de contribuição com essa incansável luta dos menos favorecidos por
melhores condições de vida. Afinal, não é nos encastelando nos gabinetes com ar
refrigerado e, de maneira fria, sem nos preocupar com o alcance social das nossas
decisões, que vamos galgar o reconhecimento do nosso silencioso, mas tão árduo
trabalho. Enganam-se, repito, os que pensam ser de responsabilidade exclusiva
do Estado encontrar soluções para o problema social.
A habitação não é problema apenas nesta ou naquela Unidade da
Federação, rica ou pobre. Umas, evidentemente, priorizam a sua solução mais do
que a outra. Brasília, por exemplo, com apenas 41 anos de existência, devido a
sua peculiar situação de ter sido construída para abrigar a sede dos Poderes da
República , durante a fase inicial, foi ocupada por pessoas de todos os recantos do
País; dos mais diversos níveis sociais e culturais. Umas, as que foram transferidas
pelos órgãos públicos federais em que trabalhavam, ganharam imóveis funcionais
no Plano Piloto, centro da cidade e considerado um dos metros quadrados de
área dos mais caros do Brasil. Outras, os operários da construção, chamados
carinhosamente de “candangos”, inicialmente morando nos acampamentos das
obras, começaram a trazer seus familiares e, conseqüentemente, começaram a
pressionar o governo por moradias, dando início às primeiras favelas da cidade e
ao primeiro processo de assentamento, em bairros distantes do centro, que no
Distrito Federal são chamados de cidades-satélites, como foram designadas por
Oscar Niemayer.
De lá para cá a luta dos governantes distritais tem sido acirrada, com o
intuito de suprir o déficit habitacional. Uns atacando com mais ênfase o problema
do que outros, como no caso atual, em que o governo erradicou as mais de 60
favelas então existentes no Distrito Federal, mediante a remoção das famílias
para lotes semiurbanizados, em áreas dotadas de infra-estrutura, que, com o
apoio estatal e dos próprios assentados, já se consolidaram como cidades, nada
deixando a desejar, em se comparando com as outras cidades construídas no
início de Brasília. Esta eficiente ação do Distrito Federal proporcionou o
reconhecimento das Nações Unidas, a ponto de convidar o Governador para falar
na Assembléia Geral da ONU para Revisão e Avaliação da Agenda HABITAT,
sobre a experiência levada a cabo no Distrito Federal.
O convite partiu da Dirigente do centro das Nações Unidas para os
Assentamentos Humanos – HABITAT, que visitou em Brasília a cidade de
Samambaia, a qual, com seus 250 mil habitantes, foi construída para assentar a
população de baixa renda, constituída basicamente de ex-moradores de favelas,
24
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
de cortiços e de fundo de quintal, como são chamados em Brasília aqueles que
moram de aluguel em minúsculos compartimentos nos fundos dos lotes residenciais
já construídos.
Foram criadas oito novas cidades, com infra-estrutura de água, luz, escolas,
postos de saúde e de polícia, abrigando mais de 200 mil famílias, ou quase 600
mil habitantes. Esses assentamentos, ocorriam entregando-se o lote, mediante o
instituto da concessão de direito real de uso, depois de o interessado submeterse a rigorosos critérios de seleção, dentre os quais: a renda familiar; não ser e nem
ter sido proprietário de imóvel no Distrito Federal nos últimos 5 anos; não ter
participado de outros programas de assentamento anteriormente; número de
dependentes, e residir em Brasília há mais de 5 anos.
Mais tarde, mediante lei aprovada na Câmara Legislativa, esses lotes foram
transferidos aos legítimos ocupantes, mediante escritura de doação. Atualmente,
a política de Assentamento está se realizando por intermédio das chamadas
Associações Solidárias para Habitação, que são as Associações e Cooperativas
Habitacionais.
Problema tão sério no Distrito Federal, a Habitação ganhou capítulo especial
na sua Lei Orgânica, que, verbis, assim dispõe:
“Art. 327. A política habitacional do Distrito Federal será dirigida ao
meio urbano e rural, em integração com a União, com vistas à solução
da carência habitacional, para todos os segmentos sociais, com prioridade
para a população de média e baixa renda;
Art. 328. A ação do Governo do Distrito Federal na política habitacional
será orientada em consonância com os planos diretores de ordenamento
territorial e locais, especialmente quanto:
I – à oferta de lotes com infra-estrutura básica;
II – ao incentivo para o desenvolvimento de tecnologias de construção
de baixo custo, adequadas às condições urbana e rural;
III – à implementação de sistema de planejamento para
acompanhamento e avaliação de programas habitacionais;
IV – ao atendimento prioritário às comunidades localizadas em áreas
de maior concentração da população de baixa renda, garantido o
financiamento para habitação;
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
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V – ao estimulo e incentivo à formação de cooperativas de habitação
popular;
VI – à construção de residências e à execução de programas de
assentamento em áreas com oferta de emprego, bem como ao estimulo
da oferta a programas já implantados;
VII – ao aumento da oferta de áreas destinadas à construção
habitacional.
Parágrafo Único. As cooperativas habitacionais de trabalhadores terão
prioridade na aquisição de áreas públicas urbanas destinadas a habitação,
na forma da lei.
Art. 329. Lei disporá sobre contratos de transferência de posse e
domínio para os imóveis urbanos em programas habitacionais promovidos
pelo Poder Púiblico, observadas as seguintes condições:
I – o título de transferência de posse e de domínio, conforme o caso,
será conferido a homem ou mulher, independentemente do estado civil;
II será vedada a transferência de posse àquele que, já beneficiado, a
tenha transferido para outrem, sem autorização do Poder Público, ou
que seja proprietário de imóvel urbano;
III – o título de domínio somente será concedido após completados
dez anos de concessão de uso.
Art. 330. O plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e
orçamento anual garantirão o atendimento às necessidades sociais por
ocasião da distribuição dos recursos para aplicação em projetos de
habitação urbana e rural pelos agentes financeiros oficiais de fomento.
Art. 331. É vedada a implantação de assentamento populacional sem
que sejam observados os pressupostos obrigatórios de infra-estrutura e
saneamento básico, bem como estudo prévio de impacto ambiental”.
Como é de se notar, a habitação ganhou status de matéria constitucional
no Distrito Federal. E a cooperativa habitacional, com o merecido reconhecimento
estatal, tem se tornado a grande parceira do governo, na incansável busca da
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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
solução do problema da falta de moradias. Registre-se que o apoio não se verifica,
apenas às cooperativas voltadas à construção de moradias populares. Cooperativas
Habitacionais formadas por profissionais liberais, executivos, empresários,
servidores públicos e outras pessoas dos mais variados segmentos sociais, têm
sido responsáveis pela construção de um dos mais modernos bairros da Capital
Federal, que é Águas Claras, onde, pela força do associativismo, verdadeiros
edifícios de luxo são construídos, para abrigar a população de classe média, que,
provavelmente, se não fosse o sistema cooperativo, jamais, teria acesso à casa
própria.
Como sempre preconizei ao longo de minha vida, seja como mero cidadão,
seja como homem público, o associativismo foi a maneira mais eficiente já
encontrada para solucionar os problemas mais graves da humanidade, como é o
da falta de habitação.
Para finalizar trago à reflexão dos nobres congressistas entendimento
doutrinário que afirma ser um dos métodos mais inteligentes de se aplicar a lei é o
da interpretação teleológico, segundo a qual o intérprete deve questionar “o porquê”
e o “para quê” da lei. O que há de efetivamente jurídico na norma é o seu fim, o
seu alcance social. Alcance este que tenho, comungando com a tese apresentada
acerca da dicção do. artigo 17, inciso I, alínea ‘f’ da Lei 8.666/93, quanto à destinação
de área pública, sem licitação, para programas habitacionais de interesse social,
seja de forma direta, seja por intermédio de Cooperativas Habitacionais.
Assim, meu PARECER é no sentido de que a presente tese seja aprovada,
com louvor, no âmbito deste XXI Congresso dos Tribunais de Contas.
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:9-27, 2001
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IDADE LIMITE PARA CONSELHEIRO E MINISTRO DOS
TRIBUNAIS DE CONTAS
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes
Procurador-Geral do Ministério Público junto ao TCDF
O Congresso Nacional está apreciando a proposta de excluir para os
integrantes da carreira de auditores – ou Conselheiros e Ministros-substitutos o
limite de idade de 65 anos, como requisito para ocupar o cargo de Conselheiro e
Ministro das Cortes de Contas. (Proposta de Emenda Constitucional, na Câmara
com nº 281-A-00)
A primeira vista, trata-se de proposta casuística por excluir requisito
genérico para o cargo de Ministro, beneficiando apenas os integrantes de uma
carreira. Daí porque parece injustificável que essa proposta esteja ocupando a
pauta de conversações de todos os Tribunais de Contas, no Brasil inteiro.
Cabe trazer a reflexão oportuna advertência de Thomas Huxley: é comum
as novas verdades começarem como heresias.... E, no caso, há muito mais do
que a simples retirada do limite de idade.
É preciso esclarecer: entre as peculiaridades de que se revestem os
Tribunais de Contas, uma delas consiste exatamente em possuir em seus quadros
o cargo de Auditores, os quais como já decidiu reiteradamente o Supremo Tribunal
Federal devem ser providos por concurso público de provas e títulos1. Essa categoria
1
Auditor de Tribunal de Contas. Nomeação sujeita à prestação de concurso público. (art. 37, II da Constituição
Federal.) Informativo STF, 12.5.99, nº 148, p. 4, ADIN nº 1.966 - ES - Relator: Min. Octávio Gallotti.
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:29-31, 2001
29
funcional, tanto quanto os Analistas de Finanças e Controle, constituem um excelso
substrato de agentes técnicos e devem, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça do
Distrito Federal, em um dos mais belos julgados, ser necessariamente convocados
para compor o plenário quando ausente Ministro ou Conselheiro, por período igual ou
superior a trinta dias.2
A própria Constituição Federal estabelece que o cargo de Auditor tem por
natureza a função de substituto de Conselheiro e Ministro quando assegura que:
“auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias
e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições
da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.”3
Em breve estudo comparativo da situação dos Tribunais de Contas dos
Estados é fácil verificar que a vaga de Conselheiro, reservada para Auditores,
encontrará o seus integrantes no final de carreira, até com tempo de serviço para
se aposentarem e, as vezes, com mais de 65 anos. Na verdade, muitos dos
Auditores passam a maior parte do tempo substituindo os Conselheiros e Ministros
porque é inevitável ausência por férias e outros motivos de pelo menos um
integrante do plenário durante o ano todo. Assim, a proposta corrige uma grave
distorção que certamente ocorrerá se mantido o limite de idade, para quem já exerce
a função; corresponderá na prática a uma compulsória aposentadoria aos 65 anos.
A Câmara dos Deputados, para tornar mais legítimo o exercício do poder
legislativo, promoveu recentemente audiências públicas acerca desse relevante
tema. Foram uníssonos os ouvidos, entre os quais grandes expoentes do controle
como o Ministro Paulo Affonso, e o Presidente da Associação dos Tribunais de
Contas, Flávio Régis. O registro histórico da importância dos Ministros e
Conselheiros-substitutos foi feito pelo Procurador do Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas da União, aposentado, Sebastião Baptista Afonso, em alentado
estudo que promoveu. Respondendo com mestria as poucas objeções feitas a
essa PEC, em mais uma demonstração da sua capacidade de expender sólida
argumentação o Ministro-substituto José Antonio Barreto Macedo, demonstrou
cabalamente a inexistência de óbice legal e constitucional, a aprovação.
Nessa audiência surgiram outros importantes argumentos como o fato de
que se os auditores não puderem ter acesso ao cargo de Conselheiro ou Ministro
2
O art. 63 da Lei Complementar n° 1/94 não tem caráter facultativo no tocante à substituição dos
Conselheiros do Tribunal de Contas do Distrito Federal pelos Auditores nem poderia tê-lo, porquanto o §
5° do art. 82 da Lei Orgânica do DF, que disciplina, é cogente. Mandado de Segurança n° 4.041 - DJ de
21.6.95.
3
Art. 73, § 4º, da Constituição Federal.
30
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:29-31, 2001
simplesmente se estará expungido da relação dos candidatos os que devotaram
maior tempo a instituição e angariaram maior experiência.
Os que como nós integrantes do Ministério Público junto aos Tribunais de
Contas, convivem com a intimidade dessas Cortes têm o direito de aplaudir essa
iniciativa do Senado e, mais do que isso, o dever de tornar público o avanço que
representa. Os auditores, que no cotidiano de seu labor integram o plenário
apresentado proposta de decisão, e quando no exercício da função de Conselheiro
e Ministro, substituem, valorizam ainda mais a atuação da Corte de Contas.
Constituem um dos motivos da ausência de continuidade dos trabalhos, porque
completam o quorum, sempre com competência e profissionalismo.
Se, como temos defendido, a sociedade deve muito aos Tribunais de
Contas, – que sistematicamente pecam pela exagerada discrição de suas relevantes
atuações em favor da sociedade, – é fato que a sociedade também deve a essa
categoria funcional que tem natureza substitutiva do corpo de julgadores. A Proposta
de Emenda faz Justiça e representa importante avanço no aperfeiçoamento dessas
instituições.
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:29-31, 2001
31
32
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:33-41, 2001
LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E OS RECURSOS PÚBLICOS PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO E OS PODERES LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes
Procurador-Geral do Ministério Público junto ao TCDF
No Brasil, desenvolveu-se a idéia de que restrições de gasto somente afetam
os órgãos e entidades da Administração Pública, expressão que procuram restringir
ao Poder Executivo.
Por esse motivo, desenvolveu-se, após a promulgação da Lei de
Responsabilidade Fiscal, duas expressivas correntes de opinião. Pela primeira, à
luz de notícias veiculadas pela imprensa oficiosa, apontando episódicos desmandos
na gestão dos órgãos do Ministério Público, do Poder Judiciário e do Poder
Legislativo, procura-se sustentar que o esforço no controle das contas públicas
deve açambarcar, necessariamente, estes órgãos. Pela segunda, qualquer tentativa
de restrição da gestão financeira deveria ser desconsiderada, por ofensa ao princípio
da separação de poderes.
Diversos órgãos vêm dedicando o esforço e a inteligência de seus agentes
com o objetivo de definir o ponto de equilíbrio entre essas vertentes. O valor
dessas iniciativas se faz indispensável, neste momento, em que ainda não se
firmou a melhor exegese, notadamente na medida da possibilidade de influenciar
os órgãos que estão constitucionalmente encarregados de decidir o entendimento
definitivo e irrecorrível dessas fronteiras.
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:33-41, 2001
33
I - Impactos imediatos da Lei de Responsabilidade Fiscal
Disciplinando o tema finanças públicas, a Lei Complementar nº 101, de 4 de
maio de 2000, parecia destinada a definir apenas arrecadação, despesa e
endividamento. Como os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Publico,
incluindo os Tribunais de Contas, detém pequena participação na aplicação de
recursos públicos, – como regra nunca mais de 7% do total geral da despesa, em
todas as unidades federadas, natural que dedicassem ao tema menor atenção.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, contudo, iniciou disciplinando pontos
importantes, no cotidiano prático desses órgãos, muito além das pretensões do
Congresso Nacional, pois os vetos impostos pelo Presidente da República cuidaram
de forçar medidas de impacto imediato, como se observa.
a. limite da despesa de pessoal
Na elaboração da norma, o Congresso Nacional tratou de garantir a
autonomia dos poderes e do Ministério Público, consagrando a oportunidade de
disciplinamento específico, em cada unidade federativa, dos limites da despesa
de pessoal, colocando apenas percentuais indicativos de distribuição, a serem
considerados, na medida dos interesses regionais próprios, sempre por meio de lei.
A norma que garantia autonomia foi consagrada no art. 20, § 6º que
dispunha:
“Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder
os seguintes percentuais:
...
§ 6º. Somente será aplicada a repartição dos limites estabelecidos no
caput, caso a lei de diretrizes orçamentárias não disponha de forma
diferente”
No ato de promulgação da LRF, decidiu o Exmo. Sr. Presidente da República
vetar esse parágrafo, acolhendo a manifestação dos seus órgãos de
assessoramento, nos seguintes termos:
“Razões do veto: A possibilidade de que os limites de despesas de
pessoal dos Poderes e órgãos possam ser alterados na lei de diretrizes
orçamentárias poderá resultar em demandas ou incentivo, especialmente
34
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:33-41, 2001
no âmbito dos Estados e Municípios, para que os gastos com pessoal e
encargos sociais de determinado Poder ou órgão sejam ampliados em
detrimento de outros, visto que o limite global do ente da Federação é
fixado na Lei Complementar. Desse modo, afigura-se prejudicado o objetivo
da lei complementar em estabelecer limites efetivos de gastos de pessoal
aos três Poderes. Na linha desse entendimento, o dispositivo contraria o
interesse público, motivo pelo qual sugere-se a oposição de veto.”
Em relação ao limite de despesa de pessoal do Poder Legislativo, a repartição
proporcional entre Poder Legislativo e Tribunal de Contas, mantendo a situação dos
três últimos exercícios, ficou garantida na própria Lei de Responsabilidade Fiscal.1
Até hoje repousam dúvidas sobre a constitucionalidade do art. 20 e, ainda
mais, sobre a impossibilidade de a lei de diretrizes orçamentárias dispor de modo
diferente. Isso porque a Constituição Federal autoriza à lei complementar dispor
sobre limites da despesa de pessoal da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, mas formalmente não autoriza a interferir na economia interna
das unidades federadas.
Por isso, multiplicaram-se os entendimentos de que a norma do art. 20
seria inconstitucional.
O Supremo Tribunal Federal após ampla discussão decidiu:
“...prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, vencidos os
Senhores Ministros Ilmar Galvão (Relator), Sepúlveda Pertence, Octavio
Gallotti, Néri da Silveira e o Presidente (Ministro Carlos Velloso), indeferiu
a medida cautelar de suspensão dos efeitos do artigo 20 da Lei
Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Retificou o voto proferido
anteriormente o Senhor Ministro Marco Aurélio. Em seguida, o julgamento
foi adiado por indicação do Relator. Plenário, 11.10.2000.”
É importante notar que:
• esse julgamento, – do pedido de liminar, – em relação aos demais
dispositivos ainda não foi concluído;
1
Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000: Art. 20 ... § 1o. Nos Poderes Legislativo e Judiciário
de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de forma proporcional à média das
despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios
financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar.
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:33-41, 2001
35
• o fundamento dos voto dos Ministros vencidos (Ministros Carlos Velloso,
Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence e Octavio Gallotti) foi no sentido de que
a Constituição reservou à lei complementar a fixação de limites de despesa
nos três poderes nas esferas federal, estadual e municipal.
Por isso, justifica-se que, mais recentemente, venha sendo bastante discutida
a possibilidade do §5º do art. 20 ser entendido dissociado da interpretação histórica
que o ligava ao § 6º, aqui referido e vetado. Dispõe essa norma o seguinte:
Art. 20... “§ 5o Para os fins previstos no art. 168 da Constituição, a
entrega dos recursos financeiros correspondentes à despesa total com
pessoal por Poder e órgão será a resultante da aplicação dos percentuais
definidos neste artigo, ou aqueles fixados na lei de diretrizes
orçamentárias.”2
Interpretada isoladamente essa norma, parece admitir a possibilidade de a
lei de diretrizes orçamentárias definir limites próprios para a despesa de pessoal do
Poder Legislativo, como um todo. Como a repartição dentro desse poder está
assegurada no § 1º desse mesmo dispositivo, restaria a possibilidade de a LDO
alterar as regras do próprio artigo 20, para assegurar entre os Poderes e Ministério
Público percentuais diferentes.
Por esse motivo, o tema ainda merece debates, especialmente no que se
refere a fixação de outros limites, mesmo que numa interpretação histórica, que
leve em conta as razões do vetos, a parte em epígrafe do § 5º, do art. 20, não
pudesse ensejar essa conclusão. Juridicamente, quando a norma é promulgada
adquire vida própria, podendo ser interpretada, num dos meios consagrados pela
doutrina, dissociada de suas razões originais.
Lança luzes nessa direção, o fato de que, na continuação do julgamento
dessa mesma ADIn, o Supremo Tribunal Federal deixou clara a ofensa do § 3º do art.
9º, ao princípio da separação dos poderes.
De fato, noticia o informativo da Excelsa Corte:
“O plenário do STF suspendeu hoje (22/02) dispositivo da LRF que
autorizava o Executivo a limitar os valores a serem repassados para o
Legislativo, Judiciário e o Ministério Público. A decisão foi tomada pelo
2
Grifos não são do original.
36
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:33-41, 2001
STF ao conceder liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (2.238)
ajuizada pelo PC do B, PT e PSB, derrubando o parágrafo 3º do artigo 9º
da Lei Complementar nº 101, de maio de 2000. O dispositivo suspenso diz
que no caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o MP não promoverem
a limitação no prazo estabelecido no “caput”, é o Poder Executivo autorizado
a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela Lei de
Diretrizes Orçamentárias. O artigo 9º da lei estabelece que se verificado,
ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar
o cumprimento das metas resultado primário ou nominal estabelecidas no
Anexo das Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão
por ato próprio e montantes necessários, nos trinta dias subsequentes,
limitação, empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados
pela LDO. Na ação, os partidos políticos sustentam que a limitação da
movimentação financeira do Legislativo e do Judiciário contraria o princípio
constitucional da separação dos poderes. Os demais artigos questionados
pelos partidos serão examinados nas próximas sessões plenárias do
Tribunal.”
Considerando o dinamismo dos fatos e que ainda pende de julgamento a
decisão, nesse momento, já é possível assentar as seguintes conclusões:
• a distribuição dos limites de despesa de pessoal, feito no art. 20, da Lei
Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, por decisão adotada
liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal, é constitucional;
• embora constitucional o dispositivo, não foi decidido, ainda, se esses
percentuais podem ser alterados por norma específica das demais esferas
de governo, ou seja, se a lei de diretrizes orçamentárias estadual, distrital
ou municipal, pode estabelecer, à luz do § 5º do art. 20, percentuais
diferentes entre o Poder Executivo, Poder Judiciário, Poder Legislativo
e Ministério Público. Se for pretendida essa alteração, por força do § 1º,
do mesmo artigo, a distribuição da parte do Poder Legislativo, entre si e
o Tribunal de Contas, devem observar a repartição proporcional feita no
ano de 1999;
• Poder Executivo não pode restringir a transferência de recursos a esses
órgãos, caso não limitem o empenho na forma do art. 9º, da Lei de
Responsabilidade Fiscal. Continuam, no entanto, válidas as demais
prescrições desse artigo, podendo o Poder Executivo recomendar que seja
limitado o empenho, caso se verifiquem os fatos indicados nesse dispositivo.
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:33-41, 2001
37
Por outro lado, só ficaram garantidos os valores previstos na lei orçamentária
anual, nos termos dos arts. 2º, 99 e 168 da Constituição Federal.
É importante notar que os gastos de uma estrutura de poder (Legislativo,
Judiciário e Ministério Público e de Tribunal de Contas) não é diretamente
proporcional ao volume de recursos geridos pela unidade federada. Numa
representação gráfica não se apresentaria de forma linear. Isso porque, para as
pequenas estruturas, há necessidade de maior investimento, assim como a partir
de certo valor, torna-se quase uma constante. Por esse motivo, compreende-se
que é comum que quanto maior o Estado ou Município, em termos de arrecadação,
o órgão, proporcionalmente consuma menos na sua manutenção. Inversamente,
em unidades federadas menor, cada um dos poderes vai consumir mais recursos
proporcionalmente à receita corrente líquida. Nesse ponto, a Lei Complementar nº
101/2000 foi insensível.
Há nesse passo um aspecto importante a considerar. Mesmo reconhecendo
que a Lei de Responsabilidade Fiscal tem forte conteúdo moralizador pode a camisa
de força do art. 20 ensejar tal redução de despesa de pessoal que implique na
extinção do órgão ou impossibilidade da continuação das funções. Considere-se,
por exemplo, uma região carente onde a aplicação do percentual ensejasse na
remuneração apenas dos membros do Plenário de um Tribunal de Contas. Ora, a
aplicação dos limites da LRF impediria a própria continuidade do Tribunal! Se tal
ocorresse, parece possível buscar o entendimento de que a norma,
propositadamente genérica, não regulou uma tal situação de conflito entre a Lei
Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que limita a despesa de pessoal, e
a norma constitucional que obriga a existência de um Tribunal de Contas. Desse
modo, embora considere-se que a norma do art. 20 da Lei de Responsabilidade
Fiscal não é inconstitucional, será possível flexibilizar sua aplicação exatamente
para atender à própria Constituição.
b.outros limites de despesa com pessoal
Há ainda outras restrições, que estão aquém do limite máximo permitido
pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em relação aos chamados limites prudenciais, se atingido 95% do limite
estabelecido no art. 20, não poderá o órgão ou Poder conceder vantagem, prover
cargo ou contratar horas extras, nos moldes definidos no §1° do art. 22. Se atingido
90% do limite estabelecido nos art. 20, deverá o Tribunal de Contas alertar a
autoridade a respeito.
38
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:33-41, 2001
Especificamente, em relação aos reflexos da Emenda Constitucional nº 25
sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal3, cabe asserir que a mesma foi promulgada
antes da Lei de Responsabilidade Fiscal. Portanto, aplica-se aqui a vetusta regra de
hermenêutica segundo a qual a lei nova que estabeleça disposições gerais ou
especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior (art. 2º, § 2º
da Lei de Introdução ao Código Civil4).Obiviamente o legislador da Lei Complementar
nº 101/2000, merece censuras pelo desacato à Lei Complementar nº 95, de 26 de
fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a
consolidação das leis, de acordo com o parágrafo único do art. 59 da Constituição
Federal, e estabelece normas para a consolidação de atos normativos que menciona.5
Desse modo, ambas as normas co-existem no mundo jurídico e ambas são
limitativas do poder de gasto. Não há conflito porque possuem bases de cálculo
diferentes e amplitudes diferentes, mas será comum atender o limite de uma e
não de outra norma. Em síntese, a despesa do legislativo deve estar abaixo dos
dois limites. Como regra, os limites da Emenda Constitucional são mais rigorosos.
c. restos a pagar em final de mandato dos membros do Poder Legislativo, Poder
Judiciário e Ministério Público
Outro aspecto interessante, objeto de restrição do art. 42 da Lei de
Responsabilidade Fiscal, está na vedação dirigida ao titular de Poder ou órgão
referido no art. 20 de, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair
obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou
que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente
disponibilidade de caixa para este efeito.
Em princípio, a disponibilidade de caixa desses órgãos é ditada pelo repasse
feito pelo Poder Executivo. Como regra, inclusive, estariam afastados do uso
eleitoreiro de verbas públicos, comumente ocorrido no final de mandato do Poder
Executivo. Assim, a vedação, em princípio, não teria o fundamento justificador
suficiente para impor na prática concreta.
Aliás, como a maioria desses mandatos é de um ano, ou dois, a norma em
tela acarretaria sérios transtornos à atividade administrativa fora do Poder
Executivo. Em boa hora, a lei de diretrizes orçamentárias federal para o ano 2001
3
DOU de 15.2.2000.
Decreto-Lei nº 4.657, de 4.9.1942.
5
DOU de 27.2.98
4
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:33-41, 2001
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- Lei nº 9.995, de 25 de julho de 2000 - pretendeu dispor que as restrições do art. 42
da Lei de Responsabilidade Fiscal, não se aplicaria aos Poderes Legislativo e Judiciário
e ao Ministério Publico. Contudo, como não poderia deixar de ser, – face a
contrariedade à Lei Complementar, – a norma foi vetada, mantendo o entendimento
de que são aplicáveis a todos os Poderes essa restrição.
Essa é, pois, a inteligência que decorre do veto imposto ao parágrafo único
do art. 74 da Lei nº 9.995, de 25 de julho de 2000.
d. demais disposições
São aplicáveis aos Poderes Legislativo e Judiciário e ao Ministério Publico
as regras de direito financeiro instituídas pela Lei Complementar nº 101, de 4 de
maio de 2000, das quais cabe destacar;
• necessidade do ordenador de despesas fazer a declaração de compatibilidade,
prevista no art. 16, na ocasião de emissão de empenhos ou realização de
licitações, ressalvados os casos de despesas consideradas irrelevantes.
Sobre o assunto, insta notar que despesa irrelevante na esfera federal foi
definida como a inferior à prevista nos arts. 24, I e II, da Lei nº 8.666/93, nos
termos do parágrafo único do § 4º do art. 16, ao comando do caput do
mesmo artigo. Parece mais acertada, porém, a exegese que amplia a
exigência a todos os casos de licitação e empenho, em face do que dispõe
o próprio art. 74 da Lei nº 9.995, de 25 de julho de 2000;
• restrições ao aumento de pessoal, impostas pelo art. 71, da Lei de
Responsabilidade Fiscal para os Poderes Legislativos e Judiciário e ao
Ministério Publico que estiverem abaixo do limite definido no art. 20 do mesmo
diploma legal;
• restrições ao aumento de despesa com serviços de terceiros efetuada com
vistas a substituição de empregados e servidores6;
• restrições à criação de despesa de caráter continuado, na forma do art. 17
da Lei de Responsabilidade Fiscal;
•
obrigação de zelar pela conservação do patrimônio público – art. 45 –,
antes de iniciar novos projetos.
6
Veja a propósito os comentários ao art. 18, § 1º e 72 no livro: FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby .
Responsabilidade Fiscal, na função do ordenador de despesas, na terceirização de mão-de-obra e
na função do controle administrativo. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.
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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:33-41, 2001
II – Conclusões
Dois órgãos terão primazia na definição das diversas interpretações da Lei
de Responsabilidade Fiscal, até a criação do Conselho de Gestão Fiscal, previsto no
art. 67 da mesma: o Poder Judiciário e os Tribunais de Contas.
O primeiro, no controle concentrado e difuso da constitucionalidade, e na
aplicação das penalidades impostas na aplicação da Lei nº 10.028, de 19 de outubro
de 2000, que tipificou os crimes de desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal.
O segundo, pelo controle difuso da constitucionalidade, na forma permitida pela
súmula 347 da Supremo Tribunal Federal,7 e na interpretação da norma, com
caráter vinculante, quando responder consulta, na forma prevista8 no art.1º, inc.
XXVII, da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 19929, – Lei Orgânica do Tribunal de
Contas da União, – normalmente repetida nas leis orgânicas dos demais Tribunais
de Contas.
É imperioso que, respeitado o esforço pela gestão fiscal responsável, sejam
as interpretações adotadas com parcimônia a fim de que a concretização da norma
se opere com inteligência e de modo a resguardar a independência dos poderes.
7
O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis
e dos atos do poder público.
8
Art. 1º Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição
Federal e na forma estabelecida nesta Lei: ... XVII - decidir sobre consulta que lhe seja formulada por
autoridade competente, a respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e
regulamentares concernentes à matéria de sua competência, na forma estabelecida no Regimento
Interno.
9
DOU de 17.7.1992.
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41
42
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UMA REFLEXÃO SOBRE A EFICIÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes
Procurador-Geral do Ministério Público junto ao TCDF
Com freqüência vem a balha a questão pertinente a eficácia do controle
externo da Administração Pública e, quase sempre indissociada, a forma de escolha
dos Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas.
Há pouco tempo, veículos da imprensa oficiosa noticiaram questionamentos
do então Presidente do Congresso Nacional - Antônio Carlos Magalhães - acerca
da eficiência e eficácia do Tribunal de Contas da União.
O tempo e o convívio próximo a essas instituições trouxeram o dever de
análise parcimoniosa e refletida sobre a importância que deve ser dispensada à
imagem destas instituições. Como Procurador do Ministério Público junto a um
Tribunal de Contas, sinto-me no dever de tentar induzir a sociedade a um processo
de reflexão construtiva de forma a abrir os horizontes à novas perspectivas e fazer
das críticas um elemento de construção.
Muitas censuras têm merecido o atual critério de escolha dos dirigentes dos
órgãos de controle externo no Brasil. Também reconheço que os Tribunais de Contas
merecem críticas, desde a forma de escolha de seu corpo julgador até o desenvolvimento
dos processos e execução de suas decisões. Porém, na linha evolutiva histórica, é
ainda merecedor de aplausos: com a Constituição de 1988, deixou-se para traz um
critério de escolha de exclusiva interferência do Chefe do Poder Executivo para criar
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:43-49, 2001
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um sistema com origens distintas em quatro extratos: indicação do Legislativo,
indicação do Executivo, escolha entre auditores de carreira e escolha entre membros
do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas. Predominando, em termos
quantitativos – dois terços do total – o primeiro extrato, aos três, remanescentes,
coube a fração resultante, igualmente, dividida.
Ademais, assegurou-se, de forma razoavelmente objetiva, os requisitos a serem
preenchidos pelos candidatos.
Ainda não se atingiu, contudo, um critério livre de interferências, pois que o
Poder Legislativo e o Executivo também prestam contas e, por isso mesmo acaba por
existir uma relação que embora útil ao sistema de checks and balances, pode degenerarse em promiscuidade. Certamente é indefensável o argumento de que o homem faz o
cargo e que homens há que jamais deixariam envolver ou comprometer seu
discernimento de justo por qualquer relação estranha ao mundo do processo. Aliás,
para o presente debate, nada poderia ser mais ruinoso do que evidenciar fatos precisos,
situações particulares, pessoas determinadas que adotaram essa ou aquela conduta
irregular. A filosofia ensina que não é desse modo que se constrói a theoria; ao contrário
exige-se amadurecida reflexão, distanciamento de paixões, sabedoria haurida da
contemplação, sob pena de trazendo a exame o caso concreto reduzir-se o vigor do
debate e a construção do ethos.
Justificável sob o aspecto jurídico-filosófico, que predomine o Poder Legislativo,
que se compõe de legítimos representantes do povo, única instituição legitimada a
instituir tributos e definir, por meio da lei orçamentária, as prioridades da aplicação dos
recursos públicos. Por esse motivo, é também a mais legitimada a escolher a maioria
dos membros do órgão técnico, independente e autônomo, que auxilia no desempenho
da função do controle externo da Administração Pública.
Tem se verificado, entretanto, que vigora entre as várias esferas do Poder Legislativo
o costume da indicação desses membros recair sobre parlamentares ou ex-parlamentares.
Esta prática costumeira, deve ser esclarecido, não encontra respaldo em nenhuma norma
jurídica posta, não necessitando, pois de reforma de leis para alteração deste critério,
mas de conscientização dos componentes deste Poder.
O Constituinte inovou também, para melhor, ao estabelecer critérios pelos
quais infere-se o conhecimento, a maturidade intelectual e a experiência dos indicados.
Regrando estes requisitos, estabeleceu no § 1o do art. 73 da Constituição Federal que:
“§ 1o Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados
dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:
44
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:43-49, 2001
I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;
II - idoneidade moral e reputação ilibada;
III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e
financeiros ou de administração pública;
IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade
profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.”
A imprensa e a sociedade, em geral, têm apresentado críticas ao modelo
em vigor, seja em relação as vagas reservadas à indicação do Poder Legislativo,
seja em relação a única vaga de livre provimento do poder Executivo. Por vezes,
fundadas no comprometimento político-ideológico, com prejuízo a isenção, por
vezes pela equivocada presunção de capacidade técnica com resultado negativo
sobre os próprios julgamentos.
Inegável, porém, que o atual sistema representou significativos ganhos
para o cidadão, na medida em que avançou na linha da transparência e definiu
critérios aferíveis. A demonstrar a evolução, basta uma análise comparativa da
qualidade das decisões no espaço de tempo da última década. Os Tribunais de
Contas evoluíram, sem laivo de dúvida; se a trajetória operou em maior ou menor
consonância com a expectativa da sociedade pode-se discutir, mas mesmo os
mais ásperos críticos reconhecem como válida a premissa assentada.
Se é possível captar essas críticas e absorver delas o que possui de
construtivo, cabe obtemperar que aos Conselhos de fiscalização das profissões
regulamentadas pode ser imputada capital omissão em detrimento da sociedade
e de seus próprios integrantes. Em mais de uma oportunidade já observei que a
Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Federal de Administração, o Conselho
Federal de Contabilidade e o Conselho Federal de Economia, - e seus
correspondentes regionais – assim como os Partidos Políticos, com uma única
exceção, têm permanecido distantes do processo de escolha. No entanto, seus
componentes sentem-se no Direito de exercer o poder de crítica. Que tal a
autocrítica?
Já houve pleito por parte de alguns seguimentos políticos, no sentido de
que a escolha de Ministros fosse através de concurso público. A iniciativa de alterar
o critério de seleção vem contando com expressivas simpatias no país, inclusive
com defensores integrantes dos próprios tribunais, além de parlamentares de renome.
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:43-49, 2001
45
Aqui vale lembrar uma importante evolução registrada recentemente no
sistema português, o qual aproxima uma combinação de provas de títulos, abertas
ao público, com posterior seleção e escolha.
Considerando que a preservação dos candidatos e suas relações devem ser
buscadas na estruturação de um modelo, mostra-se conveniente levar em consideração
a possibilidade de seleção por diferentes extratos originários, variados critérios de
seleção, com predominância do concurso.
No estudo intitulado Regime de Controle Jurisdicional de Contas Públicas
estruturamos um sistema capaz de atender essas pretensões. Como essas
inquietantes questões ainda não chegaram a um termo, há um longo caminho a
percorrer.
Particularmente entendo que o sistema de escolha ainda pode evoluir,
mas é forçoso reconhecer que na atualidade tal responsabilidade encontra-se
corporificada na instituição que de forma mais legítima representa o povo. Os
apontados vícios de escolha, quando procedentes devem ser imputados a quem
deu causa, não isoladamente como uma falha estrutural do modelo. O Brasil tem
parlamentares sérios, como tem parcelas do povo esclarecida. É dever de todos –
inclusive da imprensa – dar espaço a esse segmento e envidar esforços para
ampliá-lo. Portanto, soa infantil querer criticar este ou aquele escolhido quando a
própria sociedade se omitiu no processo. Se o povo foi capaz de retirar, pelo
processo democrático um Presidente da República porque não há mobilização
quando se tratar de escolher um controlador de contas?
Sobre a estrutura do controle e da corrupção há várias formas, mas até o
momento nenhuma mais avançada do que o modelo estruturado sob a forma de
Tribunal de Contas. Como lembra o eminente Ministro Lincoln Magalhães da Rocha,
a comunidade européia ao delinear sua estrutura, nos mais modernos postulados
de modernidade, ao lado do Banco Central e do seu Parlamento criou uma Corte
de Contas. Divergindo do modelo que lhe é oposto do controlador representado
por um só agente público, o Tribunal de Contas – atua sabiamente de forma
colegiada, para que a tentação do abuso do poder não perverta; para que a solidão
do processo decisório não isole da realidade do mundo; para que o valor da
comunhão imponha o freio à tirania, tantas vezes própria à falível natureza humana
e para que o sentimento de repartir o peso da decisão seja igualmente dividido
com a satisfação do dever cumprido.
Decidindo de forma colegiada, o TCU conta com um corpo técnico, para
inspecionar e auditar, do mais alto nível, selecionado após rigoroso concurso público.
46
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:43-49, 2001
É dotado ainda, de Ministério Público com fisionomia distinta daquele que atua junto
ao Poder Judiciário. O modelo representa o que de mais avançado se estruturou para
exercer a função do controle, até o momento.
A função dos Tribunais de Contas é até hoje pouco compreendida. Está na
Constituição Federal que auxilia o Congresso Nacional; não é órgão auxiliar, porque julga as contas dos agentes dos três Poderes. Julga sim e com todas as letras;
não o faz porque houve equívoco na redação da Constituição Federal, mas porque essa em respeito à tradição histórica do Brasil, como de vários outros países,
garantiu a possibilidade das contas serem julgadas por um corpo técnico. Por esse
motivo não é assegurada a ampla revisibilidade judicial das decisões dos Tribunais de Contas pelo Judiciário, havendo o Constituinte estabelecido que a lei não
excluirá da apreciação do Poder judiciário lesão ou ameaça a Direito”, embora na
própria Constituição Federal encontrem-se as exceções definidas. Somente em
relação as contas anuais do País, - impropriamente denominadas de contas do
Presidente da República – é que se limita a emitir parecer prévio, cabendo o
julgamento ao Poder Legislativo.
É verdade que os Tribunais de Contas estão aquém do seu dever de combater a corrupção. Não é menos verdade, porém, que diariamente em todos os
Tribunais de Contas membros e servidores lançam luzes numa perspectiva de
aperfeiçoamento.
Com todo o espectro de uma legislação retrógrada, vislumbram-se firmes
direcionamentos na busca da efetivação de princípios constitucionais do mais
elevado valor. Foi, por exemplo, o Tribunal de Contas da União que determinou
que as taxas de inscrição em concurso deveriam ater-se aquém dos limites legais,
e apenas o suficiente para cobrir os custos do concurso, bem como que as mesmas
deveriam ser recolhidas ao tesouro, para evitar a indústria da esperança em que
os realizadores recebiam diretamente os valores, sem prestação de contas.
Foi, por exemplo o Tribunal de Contas do Distrito Federal que determinou
que o prazo de inscrição num concurso deveria ter prazo compatível com a clientela
a ser recrutada. Também foi esse Tribunal que numa decisão corajosa deu
interpretação ampliativa do art. 57, inc. II, da Lei n° 8.666/93, para permitir que o
fornecimento contínuo tivesse o mesmo tratamento dos denominados serviços
contínuos.
Também deve-se aos Tribunais de Contas terem erigido o fator
previsibilidade como elemento descaracterizador das chamadas emergências
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:43-49, 2001
47
fabricadas numa das mais relevantes auditorias já feitas no Brasil, com o objetivo de
por termo as obras inacabadas.
Coube, mais recentemente ao Tribunal de Contas da União, em mais uma
demonstração de valoração de causas e de julgamento justo, recomendar ao
repassador dos recursos que os liberasse em tempo suficiente para que fosse
cumprido o procedimento licitatório, diante de uma compra emergencial, feita pela
impossibilidade temporal de realizar o processo licitatório. Espera-se, assim, por
fim às famosas multas aos ordenadores de despesa que, premidos pelo tempo,
tentavam utilizar recursos contingenciados por longo tempo pelo repassador.
E o que dizer da auditoria de programas da saúde, da merenda escolar,
dos recursos da educação, dos recursos do FGTS e do FAT, cujas conclusões
impuseram o redirecionamento das ações do governo? Não foi por acaso o TCU
que no passado chegou a impedir o aumento das alíquotas da previdência? Não
foi essa mesma Corte que conseguiu em apenas dois anos recompor o erário
lesado pelo escândalo da mandioca, que ceifou a vida de um Procurador da
República, enquanto a Justiça levou mais de vinte anos só para decidir quem vai
julgar os assassinos?
São exemplos de decisões que exigem a ponderação dos vetores
qualitativos da eficiência e eficácia, bem como da economicidade e que ao Poder
Judiciário não competiria, vez que sujeitos ao exame estrito da legalidade.
Se o modelo estrutural sob a forma de Tribunais de Contas, se as funções,
se o valor das suas decisões forem compreendidos, poderão ser aperfeiçoados.
Muito o TCU tem feito e muita mais há por fazer. O combate à corrupção somente
é eficaz se resultar no resgate da função de punir, no profissionalismo no serviço
público, na justa e adequada remuneração dos agentes públicos e controladores.
É, portanto, dever da sociedade e vetor direto do amadurecimento de um povo.
Nesse rumo, a instituição Tribunal de Contas também caminha e precisa
da crítica construtiva da sociedade e dos seus segmentos organizados que devem
também reconhecer os progressos havidos.
O Direito presume que todos leiam o Diário Oficial. É justo exigir-se dos
críticos que se dediquem mais a conhecer e que tenham a permanente compreensão
de que o trabalhado de demolidores não edificará um País.
Os órgãos de controle têm uma função essencial na manutenção dos
valores éticos de uma sociedade e podem alavancar a restauração dos mais nobres
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R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:43-49, 2001
valores da cultura moral, inclusive servindo-se da indignação popular para colocá-la a
serviço da dignidade.
Nesse árido tema, mais do que em outros, a parcimônia e o equilíbrio de
espírito se impõem.
É de fundamental importância que a imprensa, como elemento de expressão da sociedade, esteja vigilante e manifeste-se para influenciar o processo
decisório. Em passado recente, a Folha de São Paulo inibiu pretendida nomeação
de Ministro, argüindo inclusive, sua condenação em contas regulares com ressalvas pelo Tribunal de Contas da União. Também foi a imprensa, inclusive no Distrito Federal, o Correio Braziliense, que muitas vezes motivou auditorias.
Os questionamentos do Presidente do Congresso Nacional, Senador
Antônio Carlos Magalhães, merecem ser considerados, quando busquem
aperfeiçoar o modelo, já em linha evolutiva, dos Tribunais de Contas. Quem controla
a corrupção exerce papel fundamental nos desígnios da democracia, por isso os
tribunais de contas são tão importantes. Também a sociedade e a imprensa não
podem deixar de contribuir: devem aproveitar o calor do debate para cobrar
mudanças eficazes que contribuam para o melhoramento das instituições e da
nação.
R.Tribunal de Contas do Distrito Federal 27:43-49, 2001
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PRINCÍPIOS REGEDORES DA ADMINISTRAÇAO PUBLICA *
Sebastião Baptista Affonso
Consultor Jurídico do TCDF
A Constituição, de 5.10.1988, ao dispor sobre a ADMINISTRAÇÃO PUBLICA,
no contexto da Organização do Estado, inovadoramente, explicitou a sua necessária
subordinação aos denominados princípios fundamentais da legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade, mais adiante acrescido o da eficiência, pela Emenda
Constitucional n.° 19, de 4.6.1998, sendo certo que este último e mais o da eficácia,
como ainda os da legitimidade e economicidade, já estavam previstos,
respectivamente, nos artigos 74, item II, e 70 da mesma Carta Magna, que dispõem
sobre os aspectos do exercício das funções dos controles interno e externo.
Como é sabido, os institutos próprios do Direito Administrativo, assim como
os seus princípios informativos e as suas teorias, de um modo geral, ao longo dos
tempos, estavam sendo objeto apenas de desenvolvimento doutrinário e
construções pretorianas, sem haver sobre isso um tratamento mais específico e
aprofundado, em termos de direito positivo. O próprio conceito de Administração
Pública e sua abrangência, bem como sua repartição em Direta e Indireta, só
passou a ter um tratamento legal mais explicitado, com o advento da chamada
reforma administrativa, implantada a partir do Decreto-lei n° 200, de 25.2.1967,
*
Palestra proferida, dia 21.6.2001 no Curso de Aperfeiçoamento dos Assistentes Jurídicos, promovido
pelo Centro de Estudos Victor Nunes Leal, da Advocacia Geral da União.
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que ainda mesmo assim limitou-a a, equivocadamente, ao âmbito restrito do Poder
Executivo Federal. De igual modo a necessidade de observância dos princípios da
legalidade e moralidade administrativa, por parte da Administração Pública, passou
a ter suporte legal e instrumento jurídico próprio de controle judicial, com o
surgimento da Lei n° 4.717, de 29.6.1965, que praticamente criou a intitulada
Ação Popular. Desde os primórdios da existência do Tribunal de Contas da União,
criado no início da República, as normas constitucionais e legais relativas à
competência desse órgão já lhe conferiam poder de controle da legalidade de atos
e contratos administrativos. O Mandado de Segurança, também, surgiu da
necessidade de haver um remédio judicante de controle da legalidade dos atos,
de quaisquer autoridades administrativas, que acarretassem violação de direito
individual líquido e certo.
Um dos mais notáveis administrativistas, o Professor Ruy Cirne Lima, na
sua preciosa obra Princípios de Direito Administrativo. 4ª ed. Livraria Sulina ed.
1964, ressalta como princípio fundamental, que faz do Direito Administrativo ser
um ramo especial e uma disciplina autônoma, o da utilidade pública, a qual constitui a finalidade própria da Administração Pública, cuja preterição no ato administrativo acarreta sua nulidade, conforme veio depois a assim ser preceituado no
artigo 2°, letra c, na citada Lei da Ação Popular.
Alguns autores famosos dão ênfase, ainda, aos princípios da auto-tutela,
da hierarquia (do qual decorrem as relações de coordenação e subordinação entre
servidores, com oportunidade ao exercício de Poder Disciplinar ) e ao da especialidade, pelo qual os órgãos públicos e as entidades da Administração Pública só
podem exercer poderes funcionais e atividades, para alcançar os seus fins, determinados e limitados no seu ato de criação (cfr. Lições de Direito Administrativo do
Prof Sérgio de Andréa Ferreira, Editora Rio, 1972, p. 3 8 e 44). O professor Hely
Lopes Meirelles, de saudosa memória, considerou como princípios básicos da
Administração os da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade, dos
quais tratou com destaque na sua monumental obra Direito Administrativo Brasileiro. Já o eminente Professor José Afonso da Silva, constitucionalista emérito,
considerou como relevantes princípios constitucionais da Administração Pública
os da legalidade, finalidade, impessoalidade, moralidade, probidade, publicidade,
eficiência, licitação, prescrição de ilícitos, responsabilidade civil, participação e
autonomia gerencial (cfr. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18 ª ed.
Malheiros, 2000, p. 650/660 ). O Professor José dos Santos Carvalho Filho, também, destaca como princípios fundamentais expressos os da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, considerando princípios
reconhecidos os da supremacia do interesse público, auto-tutela, indisponibilidade,
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continuidade e razoabilidade (Ver Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. Lumen
Juris, 1999, p. 12/20).
Outros administrativistas ilustres e não menos famosos, como é o caso do
Professor Diógenes Gasparini, ampliam o rol dos princípios, além desses já referidos da auto-tutela, legalidade, moralidade e publicidade, indicam mais os da
continuidade, finalidade, igualdade, impessoalidade, indisponibilidade, licitação e
supremacia do interesse público (cfr. Direito Administrativo. 4ª ed. Saraiva, 1995, p.
617, 10/14 e 286), como também do Professor Diogo de Figueiredo, que além de
todos esses acrescenta os da descentralização, discricionariedade, executoriedade,
modicidade, motivação, oficialidade, presunção de veracidade e legalidade,
razoabilidade, realidade, recorribilidade, disciplina, aperfeiçoamento, contraditório ,
devido processo legal, dentre vários outros (cfr. Curso de Direito Administrativo. 9ª
ed. Forense, 1990, p. 70/85, 107, 173/77, 368/69 etc).
De igual modo, o Professor Nagib Slaibi Filho, em suas Anotações a Constituição de 1988, comenta vários destes e outros princípios extraídos do texto
constitucional (2.ed. Forense, 1989).
Agora bem mais recente, editou-se a Lei n° 9.784, de 28.1.1999, que veio
regular o processo administrativo, no âmbito da Administração Pública Federal,
impondo-lhe a observância dos princípios da legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança judicial e eficiência, mas deixou de incluir nesse rol os da impessoalidade,
publicidade, eficácia, legitimidade e economicidade exigidos nos artigos 37, 70 e
74/II da Constituição.
A Constituição e toda legislação pertinente preceituam a necessidade da
observância dos princípios que mencionam, por parte da Administração Pública,
mas não definem, propriamente, em que eles consistem, tarefa essa delegada à
doutrina e a jurisprudência, daí buscar-se fazer uma síntese condensada do que
dizem os doutos, em especial aqueles aqui antes mencionados, como segue:
1) Legalidade - consiste em que qualquer ato da Administração esteja de
conformidade com as regras editadas pelo Estado, como condição essencial de
sua validade, não podendo nenhuma autoridade tomar decisão alguma contrariando norma vigente do ordenamento jurídico (a observância desse principio fundamental é constatada com a correta indicação em cada ato da sua devida fundamentação legal, já que a Administração Pública só pode atuar nos limites do que a
lei lhe autorize ou permita fazer).
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2) Impessoalidade - é a atuação da autoridade administrativa sem objetivar
fins pessoais, devendo a Administração buscar sempre os melhores resultados,
de interesse coletivo, consubstanciado na finalidade de interesse público, que
também é um dos elementos essenciais de validade dos atos administrativos (esse
principio, de certa forma, se confunde com o da isonomia no trato dos administrados
pelo administrador).
3) Moralidade - é a necessidade de que a gestão da coisa pública seja feita
de forma a atender aos padrões de conduta normalmente aceitos pela sociedade,
em determinado momento, como relevantes para a própria existência social,
condizentes com as regras morais de boa administração (esse principio decorre de
um conjunto de normas éticas e regras de conduta, devendo o Administrador agir
com honestidade e pugnar pelo que for melhor e mais útil ao interesse público, o qual
com a moralidade integram, de certa forma, o conceito amplo de legalidade, porque
estão implícitos no modo correto de cumprir a lei.
4) Publicidade - é a satisfação da necessidade de transparência na atuação
dos agentes do Poder Público, como condição de legalidade dos seus atos, para
propiciar o chamado controle popular vinculado ao direito de informação a todos
assegurado, ressalvados os atos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado (os atos do domínio público devem ser publicados no órgão
oficial, também, para ensejar os recursos cabíveis, ainda que em resumo, do que
decorrem efeitos jurídicos, como a presunção de conhecimento público e o decurso
dos prazos de recurso, decadência, prescrição etc ).
5) Eficiência - é mais propriamente a maneira correta e produtiva do agente
da Administração agir, na gestão da coisa pública, com vistas à boa qualidade dos
serviços prestados, obtendo os melhores resultados possíveis.
6) Eficácia - é não só a capacidade, que deve ter o ato administrativo de
estar apto, para produzir todos os seus devidos efeitos jurídicos, como a de dar
bons resultados práticos.
7) Legitimidade - é algo mais que a simples legalidade, porque representa
a conformidade do ato da autoridade administrativa com a teoria do poder ou a
própria ordem democrática, no atendimento do interesse público, em conjugação
com a finalidade, a discricionariedade e a razoabilidade.
8) Economicidade - é a parcimônia ou modicidade no gastos públicos,
evitando-se desperdícios e procurando-se obter bons resultados na atuação da
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Administração com o menor custo possível, sendo o procedimento licitatório um dos
seus instrumentos básicos.
9) Finalidade - é a obrigatória orientação da atividade administrativa para o
atendimento do interesse público especificamente expresso ou implícito na lei, cuja
omissão no ato administrativo causa sua nulidade.
10) Motivação - é a enunciação expressa, explicita ou implícita dos
pressupostos fáticos e jurídicos de cada ato administrativos, que constitui elemento
essencial de sua validade, razão pela qual a preterição causa nulidade.
11) Razoabilidade - é um desdobramento da lógica racional aplicável ao
direito, conduzindo valorações subjetivas, para uma tomada de decisão, em especial
no campo da discricionariedade, conducente à escolha do que for mais eficiente,
conveniente, oportuno ou apto a atender o interesse público.
12) Proporcionalidade - é a dosagem razoável, na aplicação de quaisquer
sanções administrativas, em especial no exercício dos poderes disciplinar e de
polícia, vedada a medida superior ao estritamente necessário (esse princípio é
recomendado no art. 71, item VIII da Constituição, que autoriza o TCU a aplicar
sanções, inclusive multa proporcional ao dano causado ao erário).
13) Ampla defesa - é a garantia assegurada aos litigantes e acusados em
geral, com os meios e recursos a ela inerentes, como parte de observância do
devido processo legal (essa garantia está assegurada no art. 5/LV da Constituição ).
14) Contraditório - é a garantia assegurada aos litigantes e acusados em
geral, com os meios e recursos a ela inerentes, como parte de observância do
devido processo legal (essa garantia está assegurada no art. 5/LV da Constituição ).
15) Segurança jurídica - é, também, uma garantia inerente à observância
do devido processo legal, pela qual as relações jurídico-adminitrativas não só devem
propiciar os recursos cabíveis e possíveis, como ainda devem ser protegidas por
preclusão, decadência, prescrição, coisa julgada, direito adquirido, bem como o
respeito ao ato jurídico perfeito e acabado (essa garantia decorre do art. 5/XXXVI da
Constituição).
Além desses princípios, poder-se-ia acrescentar o da especialidade, a qual
consiste na limitação imposta aos órgãos públicos e às entidades da Administração
indireta, de só atuarem nos limites e com a finalidade a que se destinarem, conforme
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previsto na sua lei de criação ou de regência (esse princípio decorreria do previsto
nos artigos 5/LXIX e 37/XIX, que dispõem sobre o Mandado de Segurança, para
proteger abuso de poder, e a definição legal das áreas de atuação das entidades
da Administração Pública).
Na verdade, os termos de eficácia e eficiência, assim como os de
proporcionalidade, ampla defesa, contraditório e segurança jurídica, como princípios regedores da Administração Pública, ainda carecem de conceituação doutrinária mais consolidada.
Vê-se, todavia, na recente Lei n° 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, a trilha da observância do
devido processo legal, bem como dos princípios cuja obediência ela impõe à Administração Pública (cfr. art. 2° e seu parágrafo único).
Por se tratar de um diploma legal, que versa sobre Direito Processual Administrativo, o ideal seria se pudesse ser de âmbito nacional e não só federal.
Isto, o que em síntese comporta aqui ponderar.
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COMUNICAÇÕES DOS ATOS PROCESSUAIS NOS PROCESSOS DE
CONTAS
Jayme Benjamin Sampaio Santiago
Inspetor da 2ª ICE do TCDF
As comunicações dos atos processuais são de fundamental importância
para o regular desenvolvimento do processo. A falta de ciência da parte pode
acarretar nulidade do ato e dos demais que dele dependam, sob alegação de
prejuízo em decorrência de não se ter estabelecido o contraditório. Neste trabalho,
apresentamos um cotejo entre as comunicações utilizadas nos ritos dos processos
de contas do Tribunal de Contas do Distrito Federal e os institutos de Processo
Civil que a eles se assemelham.
Da citação e da audiência
A Lei Complementar nº 1/94 elenca quatro espécies de comunicação aos
interessados: a) citação; b) audiência; c) cientificação; d) notificação. Os dois
primeiros estão previstos no art. 12, que estabelece:
“Art. 12. O Conselheiro Relator presidirá a instrução do processo,
determinando, mediante despacho singular, de ofício ou por provocação
do órgão de instrução, o sobrestamento do julgamento, a citação ou a
audiência dos responsáveis, ou outras providências necessárias ao
saneamento dos autos, fixando prazo, na forma estabelecida no
Regimento Interno, para o atendimento das diligências, após o que
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submeterá o feito ao Plenário ou à Câmara respectiva, para decisão de
mérito.”
Não contendo a lei expressão sem significado jurídico, é de se entender que
citação e audiência são institutos diversos. A confirmação vem no dispositivo seguinte,
incisos II e III:
“Art. 13. Verificada irregularidade nas contas, o Relator ou o Tribunal:
I - definirá a responsabilidade individual ou solidária pelo ato de gestão
inquinado;
II - se houver débito, ordenará a citação do responsável para, no
prazo estabelecido no Regimento Interno, apresentar defesa ou recolher
a quantia devida;
III - se não houver débito, determinará a audiência do responsável
para, no prazo estabelecido no Regimento Interno, apresentar razões de
justificativa;
IV - adotará outras medidas cabíveis.”
Como se vê, citação e audiência são excludentes entre si. Note-se que a
Lei Complementar nº 1/94 não trás a definição de citação ou de audiência, apenas
estabeleceu a diferença entre uma e outra: havendo débito, citação; senão,
audiência.
Ao contrário, o Código de Processo Civil define citação no art. 213:
“Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou interessado, a
fim de se defender.”
Segundo Antônio Dall’Agnol1, no nosso direito positivo a estrutura da citação
apresenta-se dúplice: é chamamento (in ius vocatio) e comunicação (editio actionis).
Objetiva não apenas o chamamento de alguém a juízo para defesa dos seus
interesses, como, também, cientificá-lo da pretensão deduzida.
Veja-se que a citação não se destina somente ao réu, mas também a
interessados na causa, como ocorre nos autos de inventário (art. 999 do CPC).
1
in Comentário ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v. 2, p.471.
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Voltando ao rito processual no TCDF, verificamos que citação e audiência
têm também estrutura complexa, constituída de in ius vocatio e editio actionis. Aliás,
é precisamente nesta última figura que reside a distinção entre os institutos: na
citação se estará comunicando uma pretensão ressarcitória; na audiência, pretensão
punitiva.
Entretanto, além do ressarcimento do débito e da aplicação de multa, que
chamaremos de pretensão imediata, vislumbramos outra espécie de pretensão,
de caráter mediato, qual seja, a de verificar a existência de mácula insanável nas
contas, o que acarreta julgamento no sentido de sua irregularidade.
Pois bem, a distinção que fizemos linhas atrás, entre citação e audiência,
somente se verifica na pretensão imediata. Isso porque as contas submetidas ao
Tribunal podem ser julgadas irregulares independentemente da existência de débito
(arts. 17, III, a e b, e 20, parágrafo único). Com efeito, tanto na citação quanto na
audiência, os responsáveis devem defender-se tanto da pretensão imediata
(ressarcimento, no caso de citação; multa, no caso de audiência), quanto da
pretensão mediata (irregularidade das contas, em ambas as comunicações).
O mesmo raciocínio é cabível no caso da pretensão mediata de aposição
de ressalva na contas, na medida em que de menor magnitude a irregularidade da
qual decorrer o débito ou que ensejar a multa.
Pelo que se vê, no processo de contas, audiência e citação stricto sensu
podem ser encaradas como espécies do gênero citação lato sensu.
Dos efeitos da citação
De acordo com o art. 219 do CPC, a citação válida torna prevento o juízo,
induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz
incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
Tais efeitos podem ser separados em processuais e materiais. São efeitos
processuais: a prevenção, a litispendência e a litigiosidade da coisa; são materiais:
a constituição em mora e a interrupção da prescrição.
Com relação ao procedimento nos processos de contas, a citação apenas
apresenta o efeito material da interrupção da prescrição. Os efeitos processuais
acima apontados não se aplicam por duas razões: a) nas matérias submetidas às
Cortes de Contas não há falar em conflito de competência ratione loci; b) os processos
que neles tramitam não resolvem sobre direitos reais.
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No que tange à constituição do devedor em mora, o procedimento atinente
aos processos de contas admite três hipóteses, ex vi do art. 175 do Regimento
Interno do TCDF:
“Art. 175. Sobre as importâncias dos débitos fixados em acórdão serão
cobrados correção monetária e juros de mora de um por cento ao mês,
sobre o valor atualizado, até o efetivo pagamento, inclusive no caso de
parcelamento, observados os seguintes critérios:
I - quando se tratar de retenção ou desvio de valores, a correção
monetária e os juros incidirão a partir do dia seguinte àquele em que
deveriam ter sido recolhidos; e
II - nos casos de sonegação ou alcance, a correção monetária e juros
correrão da data em que ficar definida a responsabilidade.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II, comprovado que o evento
decorreu de ato doloso, a data será a da sua ocorrência; se desconhecida,
a do término do período a que se referir a prestação ou a tomada de
contas em que se houver apurado o débito.”
Da cientificação e da notificação
Dispõe o art. 13, § 1º, da LC nº 1/94:
“O responsável cuja defesa for rejeitada pelo Tribunal será cientificado
para, em novo e improrrogável prazo estabelecido no Regimento Interno,
recolher a importância devida.”
Atente-se, neste ponto, para o sentido amplo da palavra defesa acima
empregada, pois o dispositivo aplica-se tanto aos responsáveis chamados por
citação, quanto aos chamados por via de audiência.
Assim, a cientificação tem efeito dúplice: dar ciência ao responsável acerca
da rejeição de sua defesa e, também, intimá-lo a recolher a importância devida,
seja ela decorrente de débito ou de multa.
A notificação, por seu turno, está prevista no art. 26:
“O responsável será notificado para, no prazo estabelecido no Regimento
Interno, efetuar e comprovar o recolhimento da dívida a que se refere o art.
20 e seu parágrafo único desta Lei.”
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O dispositivo a que remete versa sobre julgamento definitivo no caso de
contas irregulares, em que há débito cumulado ou não com multa (art. 20, caput) ou
simplesmente multa (art. 20, parágrafo único).
Deduz-se que a notificação é posterior à cientificação. Entretanto, sendo
revel o responsável, suprime-se a fase de cientificação, devendo o Tribunal, se for
o caso, julgar as contas irregulares e determinar a notificação do responsável.
No processo civil, uma vez estabilizada a relação processual, os atos são
levados ao conhecimento da parte e de outros interessados por meio de intimação.
Ao contrário da LC nº 1/94, que não define expressamente os institutos da
cientificação e notificação, o art. 234 do CPC assim estabelece:
“Intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos
do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.”
Aponta Dall’Agnol2 que o Código abandonou a distinção entre notificação
e intimação, adotada no CPC de 1939. Na lei velha, intimação referia-se a atos
passados, enquanto notificação, a atos futuros.
Voltando ao processo de contas, observamos que cientificação e notificação
não se distinguem quanto a sua essência, mas apenas no nomen iuris, podendo
ambas serem classificadas como intimação, notificação ou cientificação, as duas
últimas em sentido amplo. A diferença se dá não entre os institutos, mas na
possibilidade de sua repetição, haja vista que o responsável cientificado que não
vem aos autos recolher o que deve deverá ser notificado, nos termos do art. 26
c/c o art. 20, ambos da LC nº 1/94.
Conclusão
Deste breve ensaio, podemos concluir:
a) citação e audiência não diferem substancialmente, podendo ambas
serem classificadas como citação em sentido amplo;
b) isso ocorre também entre cientificação e notificação, que podem ser
tidas como atos de intimação, notificação ou cientificação, sendo certo, porém,
que a diferença no nomen iuris identifica a fase em que se encontra o processo de
contas: se antes ou após o julgamento.
2
Op. cit., p. 592.
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Capa, sumário e Doutrina - Tribunal de Contas do Distrito Federal