PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara de Direito Privado Registro: 2014.0000760XXX ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0057XXX94.2009.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante COOPERATIVA HABITACIONAL PLANALTO, é apelado IVANI (OMITIDO). ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAURO CONTI MACHADO (Presidente sem voto), PIVA RODRIGUES E GALDINO TOLEDO JÚNIOR. São Paulo, 25 de novembro de 2014 SILVIA STERMAN RELATOR Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara de Direito Privado Apelação n. 0057XXX-94.2009.8.26.0405 Apelante: Cooperativa Habitacional Planalto Apelada: Ivani (OMITIDO) Comarca: Osasco 1ª Vara Cível Juiz: Paulo Baccarat Filho VOTO N. 271X EMENTA: Apelação. Ação de rescisão contratual com pedido de restituição de quantias pagas. Código de Defesa do Consumidor e interpretação moderna dos compromissos de compra e venda. Impossibilidade de se aplicar a Lei das Cooperativas de forma simplista. Precedentes jurisprudenciais desta Câmara. Inadimplemento da obrigação evidente. Imóvel não construído. Obrigação de devolução dos valores recebidos de forma integral e de uma única vez. Incidência da Súmula 2 do Egrégio Tribunal de Justiça. Incidência do Princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. Negado provimento ao recurso. Ao relatório da sentença (fls. 166/168), acrescenta-se terem sido ação de rescisão contratual cumulada com devolução de valores julgada parcialmente procedente para rescindir o contrato celebrado entre as partes e condenar a ré no pagamento de R$ 40.728,81, à autora, corrigido monetariamente desde a data da estimação (fls. 10/11), observados os índices da tabela prática do Tribunal de Justiça, e juros moratórios de 12% ao ano, desde a citação. Em razão da sucumbência, a ré foi condenada ao pagamento das despesas processuais, bem como honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação. Apela a ré aduzindo, em síntese, estar amparada pelas prerrogativas do Sistema Cooperativista (Lei nº 5.764/71) que submete eventuais restituições de valores às regras previstas no Estatuto Social regularmente aprovado em Assembleia, às quais a autora livremente anuiu e estaria adstrita. Aduz que a devolução dos valores pagos deve ser realizada de forma parcela e com retenção da taxa de administração, nos termos dos artigos 25 e 26 do Estatuto Social da Cooperativa, a fim de manter o equilíbrio e impedir o enriquecimento ilícito. Diz que o atraso da obra se deu por culpa exclusiva de terceiros, ou seja, dos próprios Cooperados inadimplentes e desistentes. Pede pela aplicação do princípio pacta sunt servanda. Apelação nº 0057XXX-94.2009.8.26.0405 - Osasco 2/8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara de Direito Privado Pretende, assim, ver reformada a decisão, para que haja a devolução dos valores de forma parcela e a retenção da taxa administrativa de 10%, nos moldes do Estatuto Social da Cooperativa (fls. 170/180). Foram apresentadas contrarrazões recursais (fls. 184/186). É o relatório. Passa-se ao voto. A autora celebrou com a ré, em 30 de novembro de 2002, instrumento particular de termo de adesão e compromisso de participação em empreendimento habitacional pelo sistema cooperativo, objetivando a aquisição da casa própria. No entanto, a despeito do preço de custo ter sido estimado em R$ 69.155,40 (fls. 15), já efetuou o pagamento de R$ 65.184,02, e o imóvel ainda não tem garantia ou previsão de entrega, apesar de passados mais de sete anos da data prevista. Pleiteia a rescisão contratual, bem como a condenação da ré ao ressarcimento integral do valor pago. A apelante, travestindo-se de uma Cooperativa, age como construtora, incorporadora e vendedora de bem imóvel. A apelada foi atraída ao investimento com a intenção única e exclusiva de adquirir um bem imóvel. Desta feita, a intenção dela não era ingressar numa cooperativa, com todas as consequências da finalidade da formação de uma instituição como esta. A intenção da apelada era, tão somente, a aquisição de um imóvel e, ao fazê-lo, assinou o denominado “Termo de Adesão”. Nesta condição, não há dúvida de que é consumidora, nos termos da lei. Aliás, já se decidiu que a natureza da pessoa Apelação nº 0057XXX-94.2009.8.26.0405 - Osasco 3/8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara de Direito Privado jurídica que fornece produtos e serviços é irrelevante para que se insira no conceito de fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor. E, nesta seara, age a apelante como tal. Assim, não se aplica à apelada a Lei das Cooperativas, na forma simplista, aplicando-se a ela as regras gerais de direito, especialmente o Código de Defesa do Consumidor, embora afastada sua incidência pela r. sentença recorrida. Esse, aliás, é o entendimento desta Colenda Câmara: “COOPERATIVA HABITACIONAL. ASSOCIADO QUE ADERE À COOPERATIVA TÃO SOMENTE PARA ADQUIRIR UM IMÓVEL. VERDADEIRO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. QUITAÇÃO DO IMÓVEL À VISTA AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR SOBRE A POSSIBILIDADE DE SALDO REMANESCENTE. INDUZIMENTO EM ERRO. OFENSA AO CDC. ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL CONFIRMADA. RECURSO NÃO ACOLHIDO.” (AP 9058245-36.2009.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Vilenilson, j. 22/10/2013). “AQUISIÇÃO DE IMÓVEL EM REGIME DE COOPERATIVA. MASCARA RELAÇÃO COMPROMISSO JURÍDICA DE QUE COMPRA E VENDA, COM APLICAÇÃO DO CDC. OBRA NÃO ENTREGUE, DEPOIS DE FARTAMENTE ESGOTADO PRAZO - RESCISÃO DO CONTRATO DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. Apelação nº 0057XXX-94.2009.8.26.0405 - Osasco 4/8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara de Direito Privado RESTITUIÇÃO IMEDIATA E DE UMA SÓ VEZ. DANO MORAL CONFIGURADO. ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO EM 20% DO VALOR DO IMÓVEL, R$ 80.618,33. VALOR EXCESSIVO REDUÇÃO PARA R$ 10.000,00. DADO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO” (AP 0142034-72.2012.8.26.0100, Rel. Des. Lucila Toledo, j. 01/10/2013). “COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM COOPERATIVA. RESCISÃO POR DESISTÊNCIA DA COMPRADORA. CONTRATO, SEM ADESÃO SORTEIO ANTIGA DE A UNIDADE. COMPRADORA QUE PRETENDE AUMENTAR A RETENSÃO DO VALOR A SER DEVOLVIDO, E PARCELAMENTO DA DEVOLUÇÃO - DEVOLUÇÃO IMEDIATA COM RETENÇÃO DE 10% A TÍTULO DE TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. JUROS A PARTIR DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA SENTENÇA DESDE CADA DESEMBOLSO. PARCIALMENTE PROCEDENTE. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO” (AP 0006626-65.2011.8.26.0223, Rel. Des. Lucila Toledo, j. 01/10/2013). “COOPERATIVA HABITACIONAL - Pleito de declaração de nulidade de cláusula de distrato e restituição das parcelas pagas - Imóvel em construção Atraso injustificado na entrega do bem - Inadimplemento contratual da alienante caracterizado Apelação nº 0057XXX-94.2009.8.26.0405 - Osasco 5/8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara de Direito Privado - Improcedência decretada - Infundada pretensão de disciplinar o desfazimento da avença como pedido de demissão dos autores, com as consequências daí advindas - Aplicação das regras contidas no Código de Defesa do Consumidor - Devolução imediata e em parcela única - Súmula 2 desta Corte - Recurso provido em parte.” (AP 0117379-70.2011.8.26.0100, Rel. Des. Galdino Toledo Júnior, j. 06/08/2013). No caso, ficou configurado o inadimplemento contratual da cooperativa alienante, que não edificou a unidade contratada no prazo estipulado (Cláusula 8ª do Termo de Adesão fls. 17vº), e, tratandose de contrato em que os desembolsos foram motivados pelo interesse na aquisição da casa própria, existe uma expectativa de evolução do empreendimento que não foi atendida. Logo, patente o inadimplemento por parte da apelante, a justificar o desfazimento do negócio e a devolução imediata e integral dos valores pagos (artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor). O fato de existir alto índice de inadimplência e desistência no Conjunto Residencial Verdes Mares II, que comprometeu o cronograma das obras, em absolutamente nada afeta o direito da apelada em ter de volta o quanto pagou pelo imóvel, já que o inadimplemento na entrega do bem é da apelante, porque não cumpriu o disposto no contrato. Na verdade, nada foi construído em relação à unidade da apelada, a demonstrar que não se trata de atraso, mas de verdadeiro inadimplemento. Impossível seja reconhecida a possibilidade de devolução da quantia de forma parcelada ou somente quando do ingresso de novo “associado”. Apelação nº 0057XXX-94.2009.8.26.0405 - Osasco 6/8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara de Direito Privado Ora, nem mesmo quando o inadimplemento é do comprador admite-se tal hipótese, com muito mais razão não se pode admiti-la quando o inadimplemento é da cooperativa, que têm obrigação de devolver a quantia que recebeu e, portanto, já dela dispõe. É o que dispõe, aliás, a Súmula 2 deste Egrégio Tribunal de Justiça: “A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição”. Nenhuma retenção poderá existir no caso concreto. A rescisão contratual se deu por culpa exclusiva da apelante, e, conforme bem ponderado pelo douto juiz sentenciante “Causou a rescisão do contrato, em decorrência de sua negligência afinal, deixou de cumprir a avença sem fundamento lógico e jurídico para tanto. Nem mesmo cuidou de demonstrar que o atraso das obras decorreu do imprevisto inadimplemento por parte dos outros cooperados, isso em cumprimento de seu ônus processual (CPC, art. 333, inc. II).” (fls. 168). Dessa forma, tratando-se de compromisso de participação em programa habitacional para aquisição da casa própria, a restituição das quantias pagas deve se operar de forma integral e de uma única vez, sem necessidade de se aguardar pelo prazo de dois anos do desligamento do associado ou do término do empreendimento (artigos 25 e 26 do Estatuto Social), porquanto as relações jurídicas envolvendo cooperativa habitacional e associados caracterizam-se como relação de consumo. Logo, correta a r. sentença que determinou a devolução integral, em uma única parcela, dos valores pagos pela apelada. O valor a se devolver deverá ser corrigido monetariamente, bem como deverão incidir juros moratórios, no patamar correspondente a 1% ao mês, a partir da citação, quando a pretensão se tornou litigiosa, conforme bem consignado na r. sentença. Apelação nº 0057XXX-94.2009.8.26.0405 - Osasco 7/8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara de Direito Privado Diante de todo o exposto, pelo meu voto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso. SILVIA STERMAN Relatora Apelação nº 0057XXX-94.2009.8.26.0405 - Osasco 8/8