Cadeados e alianças
Meses e especialmente dias temáticos costumam ser contemplados
com programas especiais nos meios de comunicação. A publicidade, a
serviço do consumo desenfreado, transforma datas comemorativas,
também religiosas, em mera oportunidade comercial ou verdadeiro
condicionamento ao gasto com presentes e turismo. Muita gente acaba
gastando até o que não pode, talvez nem tanto para expressar sentimentos
de carinho e amor, mas para não sentir-se
constrangidas por não presentear.
O dia dos namorados está entre as
datas mais exploradas publicitariamente e com maior retorno para os
anunciantes. Mas, nelas há também reportagens trazendo à tona aspectos
que fogem a esta dimensão consumista.
Um jornal de Erechim, com edição semanal impressa e online diariamente, por ocasião do dia
dos namorados deste ano, referiu-se a um casal cujo esposo é cadeirante, para ressaltar a força do amor
“que dá mais brilho e cor à vida e com ele, qualquer diferença vira mera característica do ser amado”,
conforme a esposa. Relata que os dois se conheceram no ambiente de trabalho. Como ele era cadeirante,
contava com a companhia de colegas para ir almoçar. Ela passou a almoçar com ele. Com isso, a relação
foi ganhando novas características. A conversa não era mais apenas sobre assuntos profissionais. Era
também sobre eles mesmos. Aos poucos, começaram a namorar. Depois de um ano, noivaram e
decidiram morar juntos. Ela testemunha: Eu nunca vi o esposo como cadeirante. Quando as pessoas me
perguntam como é conviver com um cadeirante, eu digo que ele não tem problema algum, faz tudo que a
gente faz, mas sentado, ele não é diferente”. Para ele, o que falta para as pessoas é informação. Nem
considera preconceito, pois as pessoas julgam sem conhecer.
Para os dois, os gênios são tão parecidos e a diferença de 12 anos não é empecilho na sua vida a
dois, pois “o relacionamento é um conjunto, amor, respeito, saber ceder, nem sempre fácil, mas vale a
pena cada dia. A vida e o amor são feitos de coisas simples, sem firulas” ressalta ele.
Por isso, celebraram também sua união com o casamento civil e religioso, momento mais
importante para ambos. Para ela, foi muito especial, e faria tudo de novo. E observa com muita
perspicácia e propriedade: “Muitas pessoas falam que quando se mora junto, não muda nada casar, mas
na verdade muda sim, o sentimento é diferente. Sem contar os momentos difíceis que dividimos, eles
ajudaram a fortalecer o que sentimos um pelo outro”.
Sentem-se tão fortalecidos em sua união conjugal que planejam ter seus filhos, “para fortalecer
ainda mais nossa relação”.
O fato real narrado não relata se o casal também viveu o gesto de adquirir um cadeado, prendê-lo
em algum espaço público e jogar fora a chave para expressar que a união dos dois não pode mais ser
rompida. Estaria fechada para sempre, como divulgaram diversas reportagens, especialmente sobre uma
ponte em Paris, a Ponte das Artes, que já não suportava mais o peso de tantos cadeados a ela afixados.
Segundo uma fonte, pelos cálculos das autoridades, os cadeados aí colocados poderiam chegar a 54
toneladas. Só em dois meses, foram pendurados 700 mil. Esta moda teria iniciado com um conto sérvio
da primeira guerra mundial e que de 2000 em diante se disseminou como verdadeira epidemia, segundo
a enciclopédia livre, WikipediaA.
Interessante observar que aquilo que se contesta a respeito da indissolubilidade do matrimônio,
conforme a Escritura Sagrada, especialmente o ensinamento de Cristo no Evangelho e celebrada no
sacramento da Igreja, com o simbolismo das alianças, se afirma através de outro sinal. Sinal que não
tem, sem dúvida, conotação religiosa nem civil nem comunitária. Feito exclusivamente pelos dois que se
comprometem a viver unidos. Talvez com a presença de alguns amigos, apenas ou de outros que estejam
fazendo o mesmo.
É de se supor, com realismo e respeito, que nem todos os que jogaram fora a chave do cadeado
pelo qual assumiram mutuamente o compromisso da união perene estejam ainda juntos.
Assim mesmo, parece que se poderia perguntar, especificamente em relação aos católicos: se até
cadeados são usados para expressar compromisso de união conjugal, por que não as alianças do
sacramento do matrimônio, que garante a graça divina?
Evidentemente que, sem o amor, testemunhado pelo casal citado, “que dá mais brilho e cor à vida
e com ele, qualquer diferença vira mera característica do ser amado”, nem cadeados nem alianças
mantêm a união. O sacramento não age de forma mágica e automática. Garante a graça que tem eficácia.
Mas ela precisa ser continuamente cultivada.
Para isto, é indispensável ter presente a natureza do matrimônio cristão. O Papa Francisco a
recorda seguidamente. Na Catequese da audiência pública de 02 de abril de 2014, ele lembrou que o
matrimônio nos conduz “ao coração do desígnio de Deus, que é um desígnio de aliança com o seu povo,
com todos nós, um desígnio de comunhão. ... Esta é a imagem de Deus: o amor, a aliança de Deus
conosco é representada naquela aliança entre o homem e a mulher. E isto é muito belo! Fomos criados
para amar, como reflexo de Deus e do seu amor. E na união conjugal, o homem e a mulher realizam esta
vocação no sinal da reciprocidade e da comunhão de vida plena e definitiva.”
No seu realismo, o Papa também observa que este desígnio maravilhoso, vivido na simplicidade
e também na fragilidade da condição humana, enfrenta muitas dificuldades e provações. Nessa realidade,
“o importante é manter viva a ligação com Deus, que está na base da ligação conjugal. E a verdadeira
ligação é sempre com o Senhor. Quando a família reza, a ligação se mantém. Quando o esposo reza pela
esposa e a esposa reza pelo esposo, aquela ligação se torna forte; um reza pelo outro. É verdade que na
vida matrimonial há tantas dificuldades, tantas; seja o trabalho, seja que o dinheiro não basta, seja que as
crianças tenham problemas. Tantas dificuldades. E tantas vezes o marido e a mulher se tornam um pouco
nervosos e brigam entre si. ... algumas vezes voam até os pratos. Mas não devemos ficar tristes por isto.
E o segredo é que o amor é mais forte que o momento no qual se briga e por isto eu aconselho aos
esposos sempre: não terminem um dia no qual tenham brigado sem fazer as pazes. Sempre! E para fazer
as pazes não é necessário chamar as Nações Unidas, que venham pra casa fazer a paz. ... E esta é a vida,
levá-la adiante assim, com a coragem de querer vivê-la juntos. E isto é grande, é belo!”
Neste contexto de sua catequese, Francisco relembra as três palavras mágicas a serem
conservadas em casa: “com licença, obrigado e desculpa”.
Anterior a cadeados e a alianças, está o dom divino da vocação matrimonial. Acima de cadeados
e alianças, está a graça divina de vivê-la até o fim. Graça divina celebrada no sacramento do Matrimônio
e cultivada diariamente.
Falando aos noivos, na Praça São Pedro, no dia 14 de fevereiro de 2014, dia que em muitos
lugares é dedicado aos namorados, porque nele se celebrava ou ainda se celebra São Valentim, o santo
que realizava casamentos apesar da perseguição contra os cristãos, o Papa respondeu a algumas
perguntas. Uma pedia era sobre o desafio da vida a dois, sobre uma espiritualidade quotidiana no amor.
O Papa respondeu reconhecendo que na atual cultura do provisório, as pessoas acabam tendo
medo de um sim para sempre. Só é possível superá-lo “confiando-se ao Senhor Jesus numa vida que se
torna um caminho espiritual quotidiano, feito de pequenos passos, de passos de crescimento comum,
feito de compromisso a tornarmo-nos mulheres e homens maduros na fé. Porque, queridos noivos, o
„para sempre‟ não é apenas um problema de duração! Um matrimônio não é bem sucedido unicamente
quando dura, mas é importante a sua qualidade. Estar juntos e saber amar-se para sempre, eis no que
consiste o desafio dos esposos cristãos.”
Acrescenta que é necessário pedir esta graça ao Senhor, que, como multiplicou os pães, pode
multiplicar o amor dos esposos. Então, como se pede o pão de cada dia, no Pai Nosso, eles podem pedir
que lhes renove o amor de cada dia. E enfatizou: “Quanto mais vos confiardes a Ele, tanto mais o vosso
amor será „para sempre‟, ou seja, capaz de se renovar, superando assim todas as dificuldades.”
Na oportunidade, o Papa também lembrou aos noivos o milagre das bodas de Caná. Cristo, que
fora convidado para a celebração, junto com sua Mãe Maria e justamente por pedido dela, salvou a festa
transformando a água em vinho. Ele é o “vinho bom” da vida matrimonial. Ele abençoa o matrimônio,
mas o trabalho artesanal, de ourivesaria de construí-lo cada dia, “deriva das vossas mãos, das vossas
atitudes, do vosso estilo de vida, do modo como vos amais um ao outro. Deveis fazer-vos crescer um ao
outro!”
Erechim, 16 de junho de 2015.
Pe. Antonio Valentini Neto, a serviço no Centro Diocesano.
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