Flavonóides Glicosilados Sulfatados: Agentes Antitrombóticos com Atividade Dual Marta Correia-da-Silva, Emília Sousa e Madalena Maria de Magalhães Pinto FLAVONÓIDES GLICOSILADOS SULFATADOS: AGENTES ANTITROMBÓTICOS COM ATIVIDADE DUAL Marta Correia-da-Silva Faculdade de Farmácia, Universidade do Porto, Centro de Química Medicinal – Universidade do Porto (CEQUIMED-UP), Departamento de Ciências Químicas, Laboratório de Química Orgânica e Farmacêutica, [email protected] Emília Sousa Faculdade de Farmácia, Universidade do Porto, Centro de Química Medicinal – Universidade do Porto (CEQUIMED-UP), Departamento de Ciências Químicas, Laboratório de Química Orgânica e Farmacêutica, [email protected] Madalena Maria de Magalhães Pinto Faculdade de Farmácia, Universidade do Porto, Centro de Química Medicinal – Universidade do Porto (CEQUIMED-UP), Departamento de Ciências Químicas, Laboratório de Química Orgânica e Farmacêutica, [email protected] Resumo. Na procura de novas alternativas para a terapêutica antitrombótica foi seguida uma estratégia de hibridização molecular de polissacáridos sulfatados e flavonóides sulfatados. Assim, foi efetuada a síntese e avaliação de pequenas moléculas glicosiladas polissulfatadas, pertencentes à classe química dos flavonóides. Concluiu-se que os novos compostos desenvolvidos combinam atividades anticoagulante e antiagregante plaquetária, e poderão permitir, desta forma, a prevenção tanto da trombose arterial como venosa. Estes resultados, acrescidos ao fato de terem apresentado estabilidade em plasma humano e um efeito anticoagulante eficaz, após a administração intraperitoneal em ratinhos, sem sinais preliminares de hepatotoxicidade, permitiram considerar o seu potencial para virem a constituir alternativas, na prevenção e tratamento, das doenças cardiovasculares. Palavras-Chave: anticoagulantes, flavonóides, sulfato. antiagregantes plaquetários, antitrombóticos, SULFATED FLAVONOIDS GLYCOSIDES: DUAL ANTITHROMBOTIC AGENTS Abstract. In the search of new alternatives for the antithrombotic therapy, a molecular hybridization of sulfated polysaccharides and sulfated flavonoids was followed. Thus, the synthesis and biological evaluation of polysulfated flavonoids glycosides was performed. It was possible to conclude that the new polysulfated flavonosides exhibited simultaneously anticoagulant and antiplatelet activities and consequently may be useful in both, venous and arterial, thrombosis. Furthermore these dual acting compounds displayed stability in human plasma and showed anticoagulant effects after intraperitoneal administration in mice, with no signal of hepatotoxicity. So, it can be inferred that these compounds have high potential to lead to a novel approach in the prevention and treatment of cardiovascular diseases. Keywords: anticoagulant, antiplatelet, antithrombotics, flavonoids, sulfate. Revista de Saúde, Vassouras, v. 3, n. 2, p. 31-39, jul./dez., 2012 31 Flavonóides Glicosilados Sulfatados: Agentes Antitrombóticos com Atividade Dual Marta Correia-da-Silva, Emília Sousa e Madalena Maria de Magalhães Pinto 1. Hemostase A hemostase é o nome que se dá ao mecanismo de defesa que, em caso de lesão, permite que os tecidos sejam reparados impedindo a perda excessiva de sangue. Este fenômeno, que depende de interações complexas entre a parede dos vasos, as plaquetas, as enzimas e os cofatores, é regulado por diferentes mecanismos que incluem várias fases: constrição do vaso lesado, formação do trombo plaquetário, formação do coágulo de fibrina (coagulação), seguida pela dissolução do coágulo (fibrinólise). Quando um vaso é lesado a resposta imediata é a constrição, o que permite a redução do fluxo sanguíneo da área afetada. Esta resposta apenas se mostra eficaz nos pequenos vasos da microcirculação. Seguidamente ocorre a formação do trombo plaquetário que envolve três acontecimentos críticos: a adesão, a secreção e a agregação plaquetária. A coagulação -formação do coágulo de fibrina- - envolve a síntese química de fibrina. Desde 1964 e durante décadas a coagulação foi caracterizada por uma ativação sequencial de vários fatores que estão presentes num estado inativo no sangue (designados por números romanos, como por exemplo, fator X, V, e que após ativação passam a designar-se de fator Xa, Va, respectivamente), à qual se atribuía a designação de cascata da coagulação. Este modelo clássico dividia o início da coagulação em duas vias paralelas e independentes: a via intrínseca e a via extrínseca que convergiam na ativação do fator X na via comum. Ao longo do tempo, foram-se tornando claro que estas vias não funcionavam no organismo como dois sistemas independentes, surgindo, em 2000, um novo modelo da coagulação. Este modelo, para além de demonstrar que as duas vias estão interligadas, veio também evidenciar a importância de determinadas células na coagulação como os fibroblastos e as plaquetas, tendo-lhe sido atribuído, por isso, a designação de modelo celular da coagulação (Figura 1). Finalmente, e para que o vaso não seja obstruído, ocorrerá, mais tarde, a dissolução do coágulo– fibrinólise. Figura 1- Modelo celular da coagulação (FvW, fator de vonWillebrand; ATIII, antitrombina III; FT, fator tecidual; TFPI, inibidor da via do fator tecidual) Revista de Saúde, Vassouras, v. 3, n. 2, p. 31-39, jul./dez., 2012 32 Flavonóides Glicosilados Sulfatados: Agentes Antitrombóticos com Atividade Dual Marta Correia-da-Silva, Emília Sousa e Madalena Maria de Magalhães Pinto Existem vários reguladores do sistema hemostático. A antitrombina III (ATIII) é a principal reguladora da coagulação. É inibidora de vários fatores intervenientes na coagulação, particularmente do fator Xa (FXa) e da trombina. 2. Trombose Desequilíbrios no sistema hemostático conduzem a situações patológicas de trombose ou de hemorragia. Cerca de 90% das doenças cardiovasculares são causadas por eventos trombóticos e 10% causadas por eventos hemorrágicos. Há cerca de 150 anos, Virchow estabeleceu que este processo patológico resultava da influência combinada de três fatores: i) bloqueio do fluxo sanguíneo; ii) hipercoaguabilidade do sangue; iii) lesão da parede vascular (Figura 2). Figure 2- Causas da trombose: a triade de Virchow Para prevenir e tratar os eventos trombóticos, no caso da trombose que ocorre nas artérias (trombose arterial), onde o sangue é rico em plaquetas, são utilizados agentes antiagregantes plaquetários; no caso da trombose que ocorre nas veias (trombose venosa), onde o sangue é pobre em plaquetas, são utilizados agentes anticoagulantes. No entanto, muitas vezes, é necessária a sua utilização conjunta. 3. Terapêutica anticoagulante A terapêutica anticoagulante é caracterizada principalmente pela utilização de açúcares sulfatados: a heparina, as heparinas de baixo peso molecular (HBPM) e o fondaparinux. A heparina exerce a sua ação por se ligar à ATIII e acelerar a sua atividade inibidora do FXa e do FIIa, cerca de 1000 vezes. A heparina comercializada é um produto natural, de fonte bovina ou porcina. A origem animal da heparina acrescenta preocupações relativas a variabilidade estrutural e consequentemente de efeito biológico, bem como de possível contaminação com patogênios animais. Por outro lado, o elevado número de cargas negativas conferidas principalmente pelos grupos sulfato conduz à interação da heparina com um elevado número de proteínas fisiologicamente importantes, originando diversas complicações (hemorragia, toxicidade hepática, osteoporose). O risco de desenvolver estas complicações foi apenas diminuído com as HBPM. Estas são obtidas a partir da heparina, através de Revista de Saúde, Vassouras, v. 3, n. 2, p. 31-39, jul./dez., 2012 33 Flavonóides Glicosilados Sulfatados: Agentes Antitrombóticos com Atividade Dual Marta Correia-da-Silva, Emília Sousa e Madalena Maria de Magalhães Pinto modificações químicas e enzimáticas e correspondem a uma redução substancial do peso molecular relativamente à heparina. As HBPM apresentam valores de inibição do FXa mais acentuados que dá trombina, e dentro destas, a seletividade para o FXa é tanto maior, quanto menor o seu tamanho. A simplificação molecular da heparina para uma sequência de apenas 5 resíduos (pentassacárido, Figura 3) levou à síntese do fondaparinux, um inibidor seletivo do FXa. Por sua vez, o fondaparinux é melhor tolerado que as HBPM. No entanto, exige um processo de síntese complexo, o que, somado com o facto de ser de administração parenteral, como as heparinas, torna o seu uso clínico complexo e dispendioso. Figura 3- Pentassacárido fondaparinux e flavonóides sulfatados com atividade anticoagulante A procura de novos agentes anticoagulantes eficazes, com menos efeitos secundários, com uma composição bem definida e síntese eficaz é assim um forte desafio para os químicos medicinais. No início deste estudo foram descritos na literatura alguns estudos relativos à obtenção de pequenas moléculas sulfatadas não glicosiladas, pertencentes à classe química dos flavonóides [Sousa, Correia-da-Silva e Pinto, 2008], que apesar de apresentarem fraca atividade anticoagulante, foram uma fonte de inspiração para o estabelecimento da estratégica científica deste trabalho (Figura 3). 4. Estratégia/Planejamento A nossa estratégia para o desenvolvimento de novos agentes antitrombóticos seria tentar, por um lado, melhorar a potência anticoagulante dos flavonóides sulfatados não glicosilados descritos na literatura, por outro, mimetizar os anticoagulantes polissacarídicos sulfatados da terapêutica, mas minimizando os seus efeitos secundários. Assim, e à semelhança da tríade esquematizada por Virchow, foram definidas três características estruturais que deverão estar presentes (Figura 4): i) possuir grupos sulfato, necessários para a atividade anticoagulante; ii) ser uma pequena molécula que, relativamente às macromoléculas na terapêutica, correspondesse a uma estrutura, do ponto de vista de síntese, mais acessível, contendo um menor número cargas negativas e com um caráter mais hidrofóbico, no sentido de minimizar os seus efeitos secundários; iii) possuir uma porção glicosídica que permitisse, relativamente ao núcleo flavónico, aumentar o tamanho da molécula e consequentemente o número de cargas negativas a serem introduzidas e que, por outro lado, permitisse o reconhecimento molecular característico dos anticoagulantes polissacarídicos. Revista de Saúde, Vassouras, v. 3, n. 2, p. 31-39, jul./dez., 2012 34 Flavonóides Glicosilados Sulfatados: Agentes Antitrombóticos com Atividade Dual Marta Correia-da-Silva, Emília Sousa e Madalena Maria de Magalhães Pinto Figura 4- A estratégia para o desenvolvimento de novos agentes antitrombóticos A seleção dos flavonóides glicosilados a sulfatar foi baseada em fármacos que se encontrassem na terapêutica (Figura 5). Isto porque a probabilidade de compostos, que resultem de modificações moleculares de agentes terapêuticos já existentes, virem a ser utilizados em humanos é elevada. Como já dizia Sir James Black, prêmio Nobel em fisiologia e medicina: “A forma mais proveitosa para a descoberta de novos fármacos é começar com fármacos já existentes”. Figura 5- Matérias-primas selecionadas para sulfatação Assim, foram selecionados flavonóides que já eram utilizados em humanos pelas suas propriedades cardiovasculares. Os flavonóides diosmina (D), hesperidina (H), rutina (R) e etoxirutina (ER) se apresentaram como candidatos atrativos à sulfatação por serem utilizados na Revista de Saúde, Vassouras, v. 3, n. 2, p. 31-39, jul./dez., 2012 35 Flavonóides Glicosilados Sulfatados: Agentes Antitrombóticos com Atividade Dual Marta Correia-da-Silva, Emília Sousa e Madalena Maria de Magalhães Pinto terapêutica como venotrópicos. Por outro lado, todas as matérias-primas selecionadas constituíam produtos naturais, o que fazia com que “meio caminho”, já tivesse sido percorrido, para a sua obtenção, pela Natureza. A diosmetina (DT) e a hesperitina (HT), agliconas da diosmina (D) e da hesperidina (H) respetivamente, foram posteriormente selecionadas para sulfatação no sentido de contribuírem para o estabelecimento de uma relação estrutura-atividade. Para se avaliar o potencial das pequenas moléculas sulfatadas como futuras alternativas à terapêutica disponível é importante avaliar não só os seus efeitos antitrombóticos in vitro, como também antecipar, no processo de descoberta de novos fármacos, a determinação de parâmetros como a estabilidade, a toxicidade e a eficácia in vivo. Para tal foi estabelecida uma estratégia multidisciplinar na qual foram avaliados, para os compostos desenvolvidos, todos os parâmetros citados. 5. Síntese Na Figura 6 são descritos os compostos que foram obtidos por sulfatação. Foi utilizado o método de sulfatação com aductos de trióxido de enxofre a 65 ºC [Correia-da-Silva et al., 2011]. A síntese foi posteriormente otimizada com a utilização de micro-ondas, o que conduziu a uma diminuição dos tempos de reação (Figura 6). Figura 6. Síntese de flavonóides glicosilados polissulfatados Os derivados polissulfatados foram obtidos por um processo sintético mais simples que o utilizado para o fondaparinux (podendo mesmo ser efetuado numa só etapa a partir das respectivas matérias-primas), com rendimentos superiores a 80%. Revista de Saúde, Vassouras, v. 3, n. 2, p. 31-39, jul./dez., 2012 36 Flavonóides Glicosilados Sulfatados: Agentes Antitrombóticos com Atividade Dual Marta Correia-da-Silva, Emília Sousa e Madalena Maria de Magalhães Pinto 6. Avaliação da atividade na hemostase 6.1. Tempos de coagulação A avaliação do sistema de coagulação foi efetuada pela determinação dos tempos clássicos de tromboplastina parcial ativado (APTT), de protrombina (TP) e de trombina (TT). Estes testes são realizados em plasma humano e devem ser usados primeiramente para mensurar alterações hemostáticas. Todos os compostos polissulfatados prolongaram os tempos de coagulação, tendo sido mesmo capazes de inibir totalmente a coagulação na concentração mais alta testada (5mM). Pelo exposto, os compostos desenvolvidos são capazes de inibir por completo a coagulação e poderão ser, por isso, também úteis em procedimentos onde seja necessária a inibição total da coagulação. O composto mais potente foi a rutina persulfatada (R10S), tendo duplicado o APTT numa concentração da ordem dos micromolar (70µM), e com uma potência muito superior aos flavonóides sulfatados descritos na literatura. Verificou-se que o número de grupos sulfato era proporcional à atividade anticoagulante (Figura 7). Figura 7. Relação número de sulfatos-atividade anticoagulante No sentido de avaliar se a atividade anticoagulante seria devida aos compostos polissulfatados sintetizados, e não às matérias-primas não sulfatadas, ou a produtos parcialmente sulfatados formados eventualmente por degradação, foi verificado que, as matérias-primas não apresentaram qualquer efeito nos tempos de coagulação e os compostos polissulfatados eram estáveis em plasma humano nas condições ensaiadas. 6.2. Ensaios de inibição enzimática No sentido de elucidar o mecanismo de ação anticoagulante dos compostos sintetizados, foram realizados ensaios in vitro nas enzimas-alvo dos fármacos na terapêutica anticoagulante, o FXa e o FIIa, na presença e na ausência da ATIII. Atualmente, a inibição direta do FXa constitui o mecanismo de ação mais procurado no desenvolvimento de agentes mais eficazes e seguros. De todos os derivados sulfatados testados, nenhum apresentou qualquer influência sobre a atividade do FIIa, mesmo na presença de ATIII. No que se refere à inibição do FXa, os flavonóides DS, HS, R10S e ERS apresentaram seletividade para a inibição do FXa. Enquanto que os flavonóides com o açúcar na posição 3 (R10S e ERS) apresentaram capacidade de inibir diretamente o FXa, os flavonóides com o açúcar na posição 7 (DS e HS), apenas inibiram o FXa na presença de ATIII. Revista de Saúde, Vassouras, v. 3, n. 2, p. 31-39, jul./dez., 2012 37 Flavonóides Glicosilados Sulfatados: Agentes Antitrombóticos com Atividade Dual Marta Correia-da-Silva, Emília Sousa e Madalena Maria de Magalhães Pinto 6.2.1. Tromboelastografia Seguidamente foi avaliado por tromboelastografia o efeito anticoagulante na presença de todos os componentes do sangue, onde estão presentes células com um papel importante na coagulação e que não se encontram presentes quando se utiliza apenas plasma. A tromboelastografia, para além de utilizar sangue total, é o método que melhor mimetiza a coagulação in vivo. Os tromboelastogramas obtidos forneceram não só o tempo que a coagulação demorou a iniciar-se (R) como, também, o tempo que o coágulo demorou até atingir 20 mm de diâmetro (K), a cinética da sua formação (ângulo alfa) e o seu tamanho máximo (MA). Na presença dos compostos sulfatados, foi possível verificar que o tromboelastograma apresentou o perfil de um sangue hipocoagulado, com as reações enzimáticas diminuídas (pelos valores aumentados de R e K), com níveis de fibrinogénio baixos (ângulo alfa diminuído), e diminuição do tamanho máximo do coágulo (MA). Este último parâmetro reflete a importante contribuição das plaquetas tendo, por isso, levantado a suspeita de um possível efeito destes compostos, também a nível das plaquetas. Assim, seguidamente foi investigado, o efeito dos compostos sulfatados na agregação plaquetária. 6.2.2. Agregometria por impedância elétrica A agregometria por impedância elétrica foi efetuada num sistema de “multiplate” que também utiliza sangue total, permitindo estudar as plaquetas no seu ambiente natural e não isoladas, como acontece nos métodos clássicos que utilizam plasma rico em plaquetas. Foram efetuados três testes, o TRAP-teste, o ADP-teste e o ASPI-teste que utilizam diferentes agonistas da agregação plaquetária. O TRAP-teste encontra-se alterado na presença de antagonistas da GPIIbIIIa (usados nas transfusões), o ADP-teste com antagonistas do receptor do ADP, pelo que tem vindo a ser utilizado para monitorizar a terapêutica com o clopidogrel, e o ASPI-teste tem vindo a ser utilizado para monitorizar a terapêutica com ácido acetilsalicílico. Na presença dos compostos sulfatados testados, o TRAP-teste não apresentou diferenças significativas relativamente ao controlo, ou seja, não foi alterado. No caso do ADP-teste e do ASPI-teste foi verificada uma inibição da agregação plaquetária na presença dos compostos sulfatados testados na mesma ordem de grandeza da inibição verificada na presença de igual concentração de ácido acetilsalicílico (625 µM). A eficácia da terapêutica antiagregante plaquetária é caracterizada muitas vezes pela necessidade de associação de antiagregantes plaquetários, como por exemplo, ácido acetilsalicílico e clopidogrel. A observação que os compostos obtidos conduziam, por agregometria, a um efeito duplo que na terapêutica só é conseguido com a combinação dos dois antiagregantes, clopidogrel e ácido acetilsalicílico, foi, assim, um resultado muito promissor. 6.2.3. Estudos in vivo Finalmente, para avaliar a eficácia putativa in vivo, foram determinados os tempos de coagulação bem como o potencial hepatotóxico, após a administração intraperitoneal, dos compostos DS e R10S a 150 µmol/kg, em ratinhos. Ao contrário da heparina, estes derivados foram ativos intraperitonealmente, mostrando um início de ação rápido e uma duração de ação adequada. Ao fim de 30 min já os tempos estavam alterados para os valores terapêuticos (aproximadamente 2.5-3 vezes superiores) e ao fim de 120 min ainda apresentavam atividade significativa, fazendo prever uma duração de ação adequada. Foram determinados os níveis presentes no plasma de enzimas que são libertadas quando há lesão das células do fígado, ou seja, da aspartato aminotransaminase e da alanina aminotransaminase. Não se verificaram alterações nos valores destas enzimas após 120 min da administração intraperitoneal destes compostos nos ratinhos. Estes resultados preliminares sugeriram que estes compostos, ao contrário das heparinas, não possuem potencial toxicidade hepática. Revista de Saúde, Vassouras, v. 3, n. 2, p. 31-39, jul./dez., 2012 38 Flavonóides Glicosilados Sulfatados: Agentes Antitrombóticos com Atividade Dual Marta Correia-da-Silva, Emília Sousa e Madalena Maria de Magalhães Pinto 7. Conclusões Os novos compostos desenvolvidos mostraram concomitante atividade anticoagulante e antiagregante plaquetária. Esta descoberta significa que os compostos sintetizados poderão vir a permitir uma nova abordagem para a prevenção tanto da trombose arterial como da venosa. É esperado que este tipo de perfil seja vantajoso relativamente à terapêutica de combinação de um anticoagulante e um antiagregante plaquetário, pela sua farmacocinética menos complexa, pela probabilidade de incidência mais baixa de efeitos colaterais e pela menor exigência em fase de estudos clínicos. Estes resultados, acrescidos ao fato de terem apresentado estabilidade em plasma humano e um efeito anticoagulante eficaz após a administração em ratinhos, sem sinais preliminares de hepatotoxicidade, permitiram considerar o seu potencial para virem a constituir alternativas, na prevenção e tratamento, das doenças cardiovasculares. Referências Correia-da-Silva, M., Sousa, E., Duarte, B., Marques, F., Carvalho, F., Cunha-Ribeiro, L. M., Pinto, M. M. M. (2011). Flavonoids with an oligo-polysulfated moiety: a new class of anticoagulant agents, J. Med. Chem., 54(1), 95-106. Sousa, M. E., Correia-da-Silva, M., Pinto, M. M. M. (2008). “Sulfated Flavonoids: Nature Playing with the Hydrophilic-Hydrophobic Balance”, In: Natural Products: Chemistry, Biochemistry and Pharmacology, Edited by G. Brahmachari, Narosa Publishing House, New Delhi. Revista de Saúde, Vassouras, v. 3, n. 2, p. 31-39, jul./dez., 2012 39