Considerações sobre a Relevância da Interação Solo-Estrutura em Recalques: Caso de um Prédio na Cidade do Recife Raquel Cristina Borges Lopes de Albuquerque Escola Politécnica, Universidade de Pernambuco, Recife. Alexandre Duarte Gusmão Escola Politécnica, Universidade de Pernambuco, Recife. RESUMO: O desempenho da edificação é na realidade governado pela interação entre a superestrutura, infra-estrutura e terreno de fundação, num mecanismo denominado interação solo-estrutura. O processo inicia-se na fase de construção e continua até que atinja um estado de equilíbrio, em que as tensões e as deformações estão estabilizadas, tanto da estrutura como dos maciços do solo. Na prática esse mecanismo não é usualmente levado em consideração. O artigo apresenta um estudo de caso realizado de um prédio construído na cidade do Recife onde são analisadas as características do terreno, soluções adotadas e os efeitos da interação solo-estrutura no seu desempenho. Os resultados mostram que na prática de projetos de edificações devem ser considerados o mecanismo de interação solo-estrutura e o monitoramento dos recalques para um melhor controle tecnológico da execução de edificações. PALAVRAS-CHAVE: Interação solo-estrutura, Recalques, Fundações. 1 INTRODUÇÃO As edificações são constituídas de três partes: superestrutura, infra-estrutura e terreno de fundação. A superestrutura corresponde à parte da edificação que será utilizada após a sua construção, que é composta por paredes, vigas, lajes e pilares. A infra-estrutura é a parte constituída pelos elementos que transferem a carga da superestrutura para o terreno de fundação e pelo cintamento, garantindo à edificação a compatibilização entre as cargas da superestrutura e a resistência do terreno de fundação. Segundo Gusmão (1990), o desempenho da edificação é na realidade governado pela interação entre estas três partes, num mecanismo denominado interação soloestrutura. O processo inicia-se na fase de construção e continua até que atinja um estado de equilíbrio, em que as tensões e as deformações, tanto da estrutura como dos maciços do solo, estão estabilizadas. Na prática esse mecanismo não é levado em consideração. No caso de elementos estruturais admite-se que os apoios são indeslocáveis, com o cálculo das cargas na fundação e o dimensionamento dos elementos estruturais sendo feitos baseando-se nessa hipótese. Com relação aos projetos de fundações consideram-se as cargas da fundação obtidas a partir do projeto estrutural e as propriedades do terreno de fundação, considerando, na medição dos recalques, que cada elemento de fundação se desloca independente dos demais, resultando em um “fosso” entre o solo e a estrutura. Nesta situação são desprezados os efeitos da interação solo-estrutura, provocados pela deformação do terreno de fundação, conforme representado na Figura 1. Na prática pouco se tem monitorado o desempenho das edificações, mas apenas o desempenho das suas partes, que não reproduzem necessariamente o comportamento do “todo”, ou do “sistema” como afirma o Prof. Nelson Aoki (Gusmão, 2006). Outro aspecto relevante, é que ninguém “compra” as partes de uma edificação, mas o seu todo, que na prática significa o seu desempenho. É fundamental que se faça o monitoramento do desempenho da edificação, ou seja, medição de cargas nos apoios e movimentos de fundação. No caso específico do concreto armado, que no nosso país apresenta a maior parte dos casos de edificações, o problema passa a ser mais complicado, tendo em vista a heterogeneidade da seção, onde o aço e o concreto têm propriedades bem diferentes. As deformações são provocadas não apenas pela variação das tensões, tendo que considerar os seguintes efeitos: (i) fluência, que é a deformação sob carga constante; (ii) retração do concreto decorrente da variação de umidade; (i) variação térmica. Figura 1. Projeto convencional: elementos estrutura e fundação, independente (Gusmão, 1990). dimensionamento dos realizados de forma 2 MONITORAMENTO DE PRÉDIOS 2.1 Monitoramento dos Recalques São basicamente três os requisitos para um projeto de fundações de um prédio: estabilidade (tanto do solo, quanto do elemento estrutural); deformações toleráveis pela edificação; e durabilidade dos materiais utilizados. Em uma cidade com um subsolo com as características do Recife, onde se encontram camadas de areia fina e média, de compacidade fofa, intercaladas ou seguidas por outras, seja de argila orgânica mole, seja de areia concrecionada muito compacta ou arenitos bem consolidados, muitas vezes os projetos de fundação são governados pelo critério dos recalques (Gusmão 2005). Neste contexto, é imprescindível que a previsão dos recalques seja a mais acurada possível, e a medição dos recalques passa a ser um importante controle tecnológico do desempenho da edificação. Atualmente se observa, para a grande maioria dos prédios com monitoramento, que os recalques estimados são superiores aos medidos. 2.2 Medição de Cargas nos Pilares Segundo Gusmão (2006), a medição de carga é sempre feita de maneira indireta, ou seja, medese a deformação em uma determinada seção, e a partir da relação tensão-deformação do material, chega-se à carga atuante. 3 INTERAÇÃO SOLO-ESTRUTURA Nos projetos convencionais de edificações são desprezados os efeitos da interação soloestrutura provocados pela deformação do terreno e pela rigidez da estrutura. Diversos trabalhos têm mostrado que a ISE provoca uma redistribuição dos esforços nos elementos estruturais, e em especial as cargas nos pilares (Gusmão, 1990). O autor afirma que a interação influencia a deformada de recalques na edificação, suavizando-a devido aos efeitos de redistribuição de cargas na superestrutura. Gusmão (2006), mostrou que uma outra conseqüência importante decorrente da ISE, é que a solidariedade existente entre os elementos da estrutura confere à mesma uma considerável rigidez, restringindo o movimento relativo entre os apoios, e fazendo com que os recalques diferenciais sejam menores que os estimados convencionalmente. Por isso, a consideração da ISE pode viabilizar projetos de fundações que não seriam aceitos por uma análise convencional. Colares (2006) publicou um trabalho visando o conhecimento mais realista do comportamento mecânico das edificações. O autor elaborou um programa para análise de interação solo-estrutura no projeto de edifícios, que permite avaliar para um número desejado de pontos, os campos de deslocamentos e de tensões que surgem no maciço de solos e no elemento estrutural de fundação, em virtude do carregamento aplicado pela estrutura. 100.00 O prédio analisado tem uma estrutura aporticada de concreto armado com 26(vinte e seis) lajes e 28 (vinte e oito) pilares, sendo 14 (catorze) pilares localizados na lâmina central e 14 (catorze) pilares na periferia. As fundações são superficiais tipo sapatas, as quais foram assentes a 1,6m de profundidade. O subsolo é composto inicialmente por uma camada de areia média e fina pouco siltosa a siltosa, cinza claro, fofa a pouco compacta, até a cota –5,00. Após esta camada de areia, seguese até ao limite das sondagens (em torno da cota –13,00), uma camada de média e fina siltosa, com pedregulhos, creme claro, medianamente compacta a muito compacta. As sondagens realizadas mostram que o terreno superficial é preponderantemente arenoso, e apresenta uma baixa compacidade (NSPT < 10). Diante do porte do prédio, foi executado um melhoramento do terreno com estacas de compactação, através de uma malha quadrada de estacas de areia e brita, espaçadas a cada 90cm. A taxa de trabalho do terreno foi de 500kPa. Para a estimativa dos recalques do prédio foram consideradas as camadas abaixo de 1,60m de profundidade, e o carregamento foi considerado como uniformemente distribuído. Foi utilizado o Método de Parry, baseado no número de SPT obtido na sondagem executada após o melhoramento do solo. Para o acompanhamento dos recalques do prédio, foram instalados 14 (catorze) pinos locados nas faces dos pilares referentes à lâmina da edificação. Foram executadas 06 (seis) medições de recalques ao longo de toda obra. A Figura 2 apresenta a evolução do carregamento e dos recalques ao longo do tempo. As cargas foram estimadas proporcionalmente ao número de pavimentos completados. Observa-se uma boa concordância entre o aumento do recalque e do carregamento, como é típico em terrenos preponderantemente arenosos. C A R R E G A M E N T O (% ) E 50.00 0.00 TEMPO (dias) 0 100 200 300 400 500 0 R E C A L Q U E (m m ) 4 ESTUDOS REALIZADOS RESULTADOS OBTIDOS 5 10 15 RECALQUE MÍNIMO (P13) 20 MÉDIO MÁXIMO (P4) 25 Figura 2. Evolução do carregamento e dos recalques. 4.1 Efeito da ISE nos Recalques A ISE influencia a deformada de recalques da edificação, fazendo com que fique mais suave, embora o recalque absoluto médio seja independente. Com isto, pode-se admitir que o recalque absoluto médio seja função apenas do carregamento total da estrutura e das propriedades de deformação do terreno. Conseqüentemente, a diferença entre valores do recalque médio medido e estimado pode ser associada à representatividade do modelo tensão-deformação adotado. Os recalques absolutos médios estimados convencionalmente e medidos foram iguais a 29,9 e 18,3mm, respectivamente. Isso mostra que os recalques estimados foram superestimados para a obra, e que o método adotado nas previsões não foi representativo para o real comportamento da obra. Já o coeficiente de variação dos recalques estimados sem levar em consideração a interação solo-estrutura foi igual a 0,448, enquanto que o medido foi de 0,190. Essa redução é decorrente da rigidez da estrutura, que faz com que haja uma tendência à uniformização dos recalques. De fato, na previsão dos recalques não foi considerado efeito da rigidez da estrutura. 4.2 0.80 Efeito da Seqüência Construtiva A grande maioria dos trabalhos, experimentais e numéricos, sobre interação solo-estrutura adota a simplificação de que todo carregamento só atuará sobre a estrutura após sua completa construção. Gusmão (1990) mostrou, no entanto, que à medida que a estrutura vai sendo construída, vai havendo um aumento do seu carregamento e, conseqüentemente, dos recalques absolutos. Mas há também um aumento da rigidez da estrutura, que faz com que haja uma tendência de uniformização dos recalques (Fig. 3). Esta ilustração mostra o comportamento do recalque com o efeito da seqüência construtiva fazendo uma comparação entre os recalques absolutos com o coeficiente de variação (CV), onde à medida que aumenta o carregamento o recalque absoluto cresce em contrapartida o CV diminui resultando na uniformização dos recalques. Este aumento de rigidez é comprovado com a análise do recalque absoluto de uma edificação, à medida que a estrutura vai sendo construída, observando que há uma tendência dos recalques máximos e mínimos se aproximarem da média (AR=1). A Figura 4 mostra a evolução do coeficiente de variação do recalque (CV) medido com o tempo. Nota-se que mesmo havendo um aumento do carregamento (e dos recalques absolutos), há uma tendência de redução do valor de CV, especialmente no início da construção do edifício. Figura 3. Influência da seqüência construtiva nos recalques. C O E F IC IE N T E D E V A R IA Ç Ã O PRIMEIROS PAVTOS 0.60 0.40 0.20 0.00 0 100 200 300 400 500 TEMPO (dias) Figura 4. Evolução dos valores de CV medido. 4.3 Influência dos primeiros pavimentos O aumento do número de pavimentos da edificação promove um aumento da rigidez da estrutura, e diminui a dispersão do recalques. É importante notar, no entanto, que esta tendência à uniformização dos recalques não cresce de maneira linear com o número de pavimentos. Essa influência se deve ao fato de estruturas abertas com painéis se comportarem segundo planos verticais, de maneira semelhante a uma viga de parede, conforme ilustrado na Figura 5. Com isto as partes mais baixas da estrutura sofrerão deformações apenas à flexão e os pavimentos superiores sofrem o efeito do mecanismo de compressão. Na Figura 4 pode ser observado que maior parte da redução do valor de CV ocorre nos primeiros pavimentos. Este fato deve ser levado em consideração no caso de enrijecimento de estruturas com o objetivo de se diminuir o nível dos recalques diferenciais. REFERÊNCIAS Gusmão, A.D. (1990), Estudo da Interação SoloEstrutura e sua Influência em Recalques de Edificações, Tese de Mestrado, COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1990. Russo Neto, L. (2005), Interpretação de deformação e recalque na fase de montagem de estrutura em concreto com fundação em estaca cravada, Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 2005. Colares, G. M. (2006), Programa para Análise da Interação Solo-Estrutura no Projeto de Edifícios, Tese de Mestrado, Universidade de São Paulo, 2006. Gusmão, A.D. (2006), Desempenho de Fundações de Edifícios, XIII Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, Curitiba, 2006. Figura 5. Analogia da viga-parede. 5 CONCLUSÕES O trabalho mostrou a importância de ser considerada a interação solo-estrutura, pois a mesma promove uma tendência à uniformização dos recalques e uma redistribuição das cargas nos pilares onde, os pilares mais carregados tendem a recalcar menos que o previsto, e os menos carregados mais que o previsto. Com relação à seqüência construtiva, a influência dos primeiros pavimentos, no aumento da rigidez da estrutura, é de maior importância. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, ao professor Alexandre Duarte Gusmão que me orientou desde o princípio mostrando com sua clareza e disposição a importância do tema na construção civil. Gostaria de agradecer aos coordenadores do PIBIC/Poli pela oportunidade oferecida, sendo este trabalho fruto de uma pesquisa desenvolvida na Escola Politécnica de Pernambuco – Universidade de Pernambuco.