Avaliação da Capacidade de Carga de Fundações Rasas Adriano Souza UNESP, Ilha Solteira, Brasil, [email protected] David de Carvalho UNICAMP, Campinas, Brasil, [email protected] José Carlos Angelo Cintra USP, São Carlos, Brasil, [email protected] RESUMO: A determinação da capacidade de carga do solo é de extrema importância para o projeto de fundações rasas ou superficiais, pois é por intermédio da tensão de ruptura (σr) que determinamos a taxa de trabalho do solo ou tensão admissível do solo (σs), a qual define as dimensões da base das fundações rasas de maneira a conferir segurança contra a ruptura do solo e minimizar os recalques sofridos pelas mesmas. A literatura técnica disponibiliza alguns métodos (teóricos, empíricos e semi-empíricos) para a sua determinação, buscando verificar a aplicação dos mesmos e até mesmo definir qual se identifica mais com o solo do local deste estudo, o Campo Experimental de Fundações da UNESP de Ilha Solteira, situado na região noroeste do Estado de São Paulo, construiu-se um protótipo de sapata corrida e realizou-se uma prova de carga direta em placa para estudo e avaliação da capacidade de carga do solo. PALAVRAS-CHAVE: Fundação, Prova de Carga, Capacidade de Carga, Raxa de Trabalho do Solo, Tensão Admissível doSolo, Sapata Corrida. 1 INTRODUÇÃO O dimensionamento de uma fundação rasa ou superficial tem que satisfazer alguns itens de segurança, entre os quais destacamos neste trabalho: a tensão lançada pela fundação ao solo na cota de apoio da mesma tem que ser menor ou no máximo igual a taxa de trabalho do solo ou tensão admissível do solo (σs). Portanto, a correta determinação da taxa de trabalho do solo garante a segurança e eficiência da fundação, impedindo que o solo de fundação venha a se romper ou, ainda, que o mesmo sofra deformações excessivas (recalques). A taxa de trabalho do solo é determinada por intermédio da carga de ruptura do solo (σr), por este motivo se faz necessário estudar a capacidade de carga do solo. A NBR 6122/2010 aponta um grande interesse na observação das obras mediante instrumentação adequada no que se refere ao comportamento de suas fundações. Procurando auxiliar e contribuir com a engenharia de fundação em obras de pequeno a médio porte, a UNESP de Ilha Solteira vem desenvolvendo pesquisa com o objetivo de estudar a capacidade de carga do solo. Neste trabalho foi determinada a capacidade de carga por meio de uma prova de carga direta em placa, e este valor foi comparado aos valores estimados pelos métodos mais correntes nos projetos de fundações: Meyerhof (1951, 1963), Terzaghi e Peck (1967) e Vésic (1975). 2 MÉTODOS DE DETERMINAÇÃO DA CAPACIDADE DE CARGA DE FUNDAÇÕES RASAS OU SUPERFICIAIS A taxa de trabalho do solo (σs) determinada pela relação entre a carga ruptura do solo (σr), também chamada capacidade de carga do solo, e o fator segurança global (FS). é de de de σs = σr FS (1) Para a determinação da capacidade de carga do solo ou carga de ruptura do solo (σr) serão utilizados três métodos muito aplicados na prática corrente de projetos de fundação: N.A. 3 1,5.B 2 a) Meyerhof (1951, 1963) 1 σ r = c.N c + p o .N q + .γ.B.N γ 2 B 2 (2) 5 12 b) Terzaghi e Peck (1967) 1 σ r = c.N c + q.N q + .γ.B.N γ 2 Figura 1. Esquema para estimativa de ss com valores N obtidos na sondagem SPT. (3) 3 CARACTERÍSTICAS GEOTÉCNICAS E LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DO ESTUDO c) Vésic (1975) 1 σr = c.Nc .Sc + q.N q .Sq + .γ.B.N γ .Sγ 2 (4) Outra maneira para se determinar a taxa de trabalho do solo (σs) é por meio de uma prova de carga direta em placa, a qual deve ser fixada pelo valor mais desfavorável da expressão que segue: O Campo Experimental da UNESP de Ilha Solteira está localizado no inteior do Estado de São Paulo (Figura 2). ILHA SOLTEIRA SÃO CARLOS ⎡ σr ⎢2 ⎢ σ σ s ≤ ⎢ máx ⎢ 2 ⎢σ ⎢ 25 mm ⎣⎢ 2 SÃO PAULO (5) Solo Coluvionar (colapsível) Pode-se também determinar a taxa de trabalho do solo (σs) com valores da resistência à penetração em sondagens SPT, chamando-se tal valor de N, por meio da expressão: σs = 0,02.N (MPa) (2) Para a qual N é o valor médio de N numa profundidade de 1,5.B abaixo da cota de apoio da fundação rasa, válido para qualquer solo natural no intervalo de 5 ≤ N ≤ 20 (Figura 1). Figura 2. Localização do Campo Experimental de Fundação da UNESP de Ilha Solteira. Os solos que cobrem a região do estudo são os sedimentos do grupo Bauru, compostos essencialmente por arenitos de granulação fina e coloração avermelhada, resultando, como manto de alteração, um solo arenoso com teor variável de argila (Souza 1993). No perfil, aparecem finas lentes de seixos de quartzo, que normalmente ocorrem na base da camada, junto ao solo residual, ou mesmo ao basalto. O solo de cobertura é muito poroso, pouco denso e erodível, tornando-se colapsível quando inundado sob carregamentos. Este solo foi submetido a um intenso processo de laterização, principalmente em razão de alternadas e bem definidas estações de chuva e seca, acarretando uma contínua lixiviação de seus sais e óxidos solúveis (Carvalho e Souza, 1990; Souza, 1993). Os valores do peso específico natural do solo (γ), ao longo da profundidade, são mostrados na Figura 3. O Campo Experimental de Fundações da UNESP de Ilha Solteira dispõe de resultados de sondagens SPT e de ensaios CPT, até a profundidade de 15 metros. Existem sondagens ao lado da prova de carga e do protótipo de sapata corrida, as quais foram designadas por: S-3 (SPT) e D-3 (CPT), e seus valores são mostrados Tabela 2. Tabela 2. Dados de sondagens SPT e ensaios CPT. SPT CPT Profundidade (m) q (MPa) f (MPa) N c 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 γ (kN/m3) 0 15 16 17 18 19 1 2 3 Profundidade (m) 4 5 6 7 8 9 2 3 2 5 12 12 21 15 8 10 11 9 11 12 3 s 1,7 1,9 1,7 6,9 8,3 8,0 10,5 11,0 7,8 7,2 8,5 8,9 8,9 8,6 7,3 0,05 0,02 0,02 0,07 0,12 0,13 0,18 0,17 0,10 0,10 0,08 0,08 0,12 0,08 0,13 10 11 12 13 14 15 Figura 3. Peso específico natural do solo local. Os valores dos parâmetros de resistência ao cisalhamento do solo, coesão (c) e atrito interno dos grãos (φ), ao longo da profundidade, são mostrados na Tabela 1. Tabela 1. Parâmetros de resistência ai cisalhamento. Profundidade c φ (m) (kPa) (o) 1 0 32,2 2 3 31,8 3 2 32,5 5 2 33,3 7 3 30,3 9 16 28,8 11 20 28,8 13 20 28,8 15 17 30,1 4 ENSAIOS DE CAMPO 4.1 Ensaios Realizou-se no campo experimental os ensaios: a) Prova de carga direta em placa, e b) Carregamento de protótipo de sapata corrida. 4.1.1 Prova de Carga Direta em Placa Foi realizada uma prova de carga direta em placa seguindo a NBR-6489/1984. Para a leitura dos recalques foram utilizados dois deflectômetros, diametralmente opostos, com precisão de leitura de 0,001 mm, fixados por intermédio de bases magnéticas a vigas que não sofreram interferência das deformações do solo durante a realização da prova de carga. Os carregamentos foram realizados por um conjunto de macaco e bomba hidráulica, colocando-se o macaco sob a viga de reação, a qual estava fixa por duas estacas broca (6 m de comprimento e diâmetro de 0,30 m), e sobrepondo uma sequência de equipamentos (célula de carga, rótula, extensão e placa rígida com 0,80 m de diâmetro). A aferição das cargas ao longo dos estágios de carregamento foram realizados com uma célula de carga com uma capacidade de carga de 250 kN, previamente calibrada em prensa hidráulica, ligada a uma caixa de leitura digital. 4.1.2 Carregamento de Protótipo de Sapata Corrida aproximada de 108,6 kN, portanto, lançou ao solo uma tensão de 60 kPa. 5 RESULTADOS OBTIDOS Com os dados obtidos na prova de carga direta em placa, realizado com o solo na umidade natural, até atingir a tensão de 60 kPa, construiu-se a curva de tensão versus recalque, mostrada na Figura 5. Foi construído um protótipo de sapata corrida com 3,02 m de comprimento por 0,60 m de largura, com sua cota de apoio a 0,60 m de profundidade, que pode ser visto na Figura 4. Tensão (kPa) 0 50 100 150 200 0 10 Pino 5 75 0, 02 3, 75 0, m m 75 0, 20 Pino 4 Recalque (mm) 5m 0,7 m Pino 3 Pino 2 m Pino 1 30 40 0,02 m 50 0,15 0,45 m 0,15 60 0,15 70 Figura 4. Detalhes do protótipo de sapata corrida. Os recalques das fundações foram medidos em duas fases: 1ª) após o carregamento do protótipo de sapata corrida (0 ≤ t ≤ 2 dias), e 2ª) ao longo do tempo (2 dias < t ≤ 12 dias). Para aferir os recalques do protótipo foram instalados no mesmo e no muro cinco pontos de referência de nível (pinos de aço), sendo que pela variação de nível entre estes pinos e a base de referência indeslocável obteve-se as leituras dos recalques ao longo do tempo. Para tal se utilizou uma mira com precisão de 0,01 mm e uma régua invar, a qual praticamente não sofre deformações com a variação de temperatura, tendo em vista que as leituras foram realizadas com exposição ao tempo. O protótipo de sapata corrida, que possui uma área de base em torno de 1,81 m2 (B = 0,60 m e L = 3,02 m), foi submetido a uma carga Figura 5. Prova de carga direta em placa (In: Souza, 1993). 6 ANÁLISES E DISCUSSÕES Pela curva de tensão versus recalque, obtida na prova de carga direta em placa (Figura 5), obtém-se σr = 170 kPa. Já, pelos métodos de estimativa, os valoresobtidos são mostrados na Tabela 3. Tabela 3. Carga de ruptura do solo. Método σ r (kPa) Meyerhof (1951, 1963) Terzaghi e Peck (1967) Vésic (1975) 540 350 410 Admitindo-se FS = 2 para a prova de carga e FS = 3 para os métodos de estimativa, chega-se taxa de trabalho do solo (Tabela 4). Tabela 4. Taxa de trabalho do solo. σ r (kPa) Método PC 85 Meyerhof Terzaghi e Peck Vésic σ r (kPa) σ r ,PC Estimado σ r ,est 180 117 137 0,47 0,73 0,63 Avaliando-se o valor da taxa de trabalho do solo (σs) obtida na prova de carga em relação as taxas determinadas pelos métodos de estimativa (Tabela 4), temos que o método que mais se aproximou foi o de Terzaghi e Peck (1967), com um valor de relação igual a 0,73, seguido por Vésic (1975) com 0,63 e Meyerhof (1967) com 0,47. No entanto, todos os métodos superestimaram o valor da taxa de trabalho do solo, portanto não foram em favor da segurança. Adotar σs superior ao valor real que o solo pode proporcionar pode levar a estrutura a sofrer recalques excessivos ou, até mesmo, o solo de fundação pode sofrer ruptura. Por sua vez, a taxa de trabalho do solo (σs) estimado com os valores de N da sondagem SPT foi de 50 kPa, e quando comparado ao valor obtido na prova de carga chega a uma relação igual a 1,7, um resultado bem conservador mas a favor da segurança. 7 CONCLUSÕES A melhor maneira de se determinar a taxa de trabalho do solo ou tensão admissível do solo (σs) é com a realização de uma prova de carga direta em placa, mas o elevado custo deste ensaios em relação ao custo total de uma obra de pequeno a médio porte inviabiliza a realização da mesmo. Os métodos de estimativa utilizados superestimaram os valores de σs, portanto, não se mostraram aplicáveis ao solo em estudo. Já, a determinação da taxa de trabalho do solo com valores de N da sondagem SPT, foi mais conservador e confiável, e quando comparado ao valor obtido na prova decarga chegou-sea uma relação igual a 1,7. AGRADECIMENTOS Aos técnicos do Laboratório Central de Engenharia Civil, do Departamento de Engenharia Civil, da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira – UNESP, a saber: Ronaldo Mendes do Amaral, Mário Roberto Correa Ferreira, Gilson Campos Correa, José Cavassano e Silvio Rogério Sanitá Moreira (in memorian), sem os quais não seria possível realizar esta pesquisa. REFERÊNCIAS Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 6122: Projeto de Fundações. São Paulo, 2010. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 6489: Prova de carga direta em placa de fundação. Rio de Janeiro, 1984. Carvalho, D. e Souza, A. (1990). Análise do efeito do umedecimento do solo em fundações rasas e profundas em solos porosos. Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia de Fundações, 9, ABMS, Salvador, BA, Brasil, v. 2, p. 109-114. Meyerhof, G.G. The ultimate bearing capacity of foundations. Géotechnique, v. 2, 1951, p. 301-332. Meyerhof, G.G. Some recent research on the bearing capacity of foundations. Canadian Geotechnical Journal, v. 1, n. 1, 1963, p. 16-22. Souza, A. (1993). Utilização de fundações rasas no solo superficial colapsível de Ilha Solteira (SP). Dissertação de Mestrado, Programa de PósGraduação em Geotecnia, Departamento de Geotecnia, EESC/USP, São Carlos, 126 p. Terzaghi, K. e Peck, R.B. Soil mechanics in engineering practice. 2nd edition, John Wiley and Sons Co, New York, 1967, 729 p. Vésic, A.S. Bearing capacity of shallow. Foundation Engineering Handbook, Van Nostrand Reinhold Co, New York, chapter. 3, 1975, p. 121-147.