Indução de Recalques das Fundações de um Edifício Através de Rebaixamento do Lençol Freático. Aline D. Pinheiro e Paulo César A. Maia Laboratório de Engenharia Civil, Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes, Brasil Sandro S. Sandroni Geoprojetos Engenharia Ltda. RESUMO: O presente trabalho descreve e discute os efeitos da variação do nível freático nos recalques de edificações. São apresentadas as características de uma obra cujos recalques foram influenciados pela variação das cargas pedométricas do sub-solo, geradas vela variação do nível d`água do Rio Paraíba do Sul. São apresentadas as condições do maciço de fundação, bem como a instrumentação utilizada na monitoração da obra. A partir dos resultados obtidos defini-se o procedimento de rebaixamento do lençol freático no entorno da edificação para aceleração dos recalques e estabilização das deformações do maciço de fundação. São mostradas as variações dos recalques com a variação do nível d’água no terreno durante o período de aceleração dos recalques. Os resultados indicam que o rebaixamento do lençol freático foi uma técnica aplicada com sucesso para estabilização dos recalques do caso de estudo. PALAVRAS-CHAVE: Lençol Freático, Recalques, Fundações, Estabilização de Recalques. 1 INTRODUÇÃO Na Engenharia Geotécnica, é comum se observar a ocorrência de recalques em edifícios, especialmente quando as fundações são assentadas diretamente sobre maciços argilosos. No caso de fundações sobre solos moles, é normal a ocorrência de grandes recalques ao longo do tempo (Caputo 1988, Vargas 1977, Massad 2003). Neste caso o recalque ocorre devido, principalmente, ao adensamento do solo mole, provocado pelo alívio de pressões neutras com o tempo. Neste sentido, a execução de fundações sobre solos argilosos necessita eventualmente de tratamentos para evitar problemas relacionados aos grandes recalques. Para isto, a prática a engenharia de fundações sugere o reforço do maciço de solo ou a aceleração dos recalques (PINI 1998). Existem diferentes metodologias para aceleração de recalques em obras sobre solo argiloso mole (Almeida, 1996). Dentre as metodologias mais utilizadas destaca-se o sobrecarregamento ou pré-carregamento. O sobrecarregamento consiste em elevar o nível de tensão efetiva no solo mole provocando o adensamento (Figura 1a). Uma solução alternativa para provocar a variação no estado de tensões efetivas do maciço e acelerar os recalques é o rebaixamento do lençol freático. Neste caso, a variação do estado de tensões é similar ao do sobrecarregamento (Figura 1b). Neste sentido, este trabalho tem por objetivo apresentar os resultados de monitoração de recalques das fundações de um edifício gerados pelo rebaixamento do lençol freático no maciço de fundação. 2 CASO DE ESTUDO O edifício estudado é o Hospital Veterinário localizado no Campus da UENF, na Cidade de Campos dos Goytacazes. 2.1 Descrição do Maciço de Fundação O perfil geotécnico do terreno local é constituído por camadas alternadas de areia, de baixa e média compacidade, e argila mole, muito compressível, com espessuras variáveis. A Figura 2 apresenta um desenho esquemático do perfil geotécnico local apresentando os valores médios de NSPT e da espessura das camadas. 2.2 Descrição Física do Edifício A estrutura do edifício é em concreto armado com paredes de alvenaria, cobrindo uma área total de 3770 m². A maior parte da construção possui 2 pavimentos com cerca de 150 metros de comprimento e 22 metros de largura e é chamado corpo principal. O restante possui 1 pavimento apenas e é chamada área externa (Figura 3). O corpo principal da estrutura é apoiado em estacas tipo Franki. O piso do térreo é constituído por uma laje em concreto armado, sobre a qual se apoiam as paredes de alvenaria, assente sobre solo compactado. Esta laje não é ligada estruturalmente aos pilares, mas passa por cima dos blocos das estacas, de maneira que uma parte do seu peso transmite cargas para as estacas. As áreas externas estão assentes sobre sapatas corridas. As estacas tipo Franki apresentam 40 cm de diâmetro e tiveram sua base alargada na profundidade entre 12 e 14 metros, coincidindo com o início da camada arenosa superior (Figura 3). Para regularizar e altear a cota do terreno, foi executado um aterro de solo arenoso em toda a área da construção. (b) rebaixamento do lençol freático Hipóteses de carregamento (a) sobrecarregamento γaterro γnat h γnat ΝΑ ∆zw z γsat zw z ∆σ`v Variação da tensão efetiva vertical com o tempo σ` v ∆σ `V 0 ∆σ`v γsat σ` v ∆σ`v ∆σ`v ∆taterro σ `V 0 = γ nat ( z − z w ) + γ sat z w − γ w z w σ `V = γ aterro h + σ `V 0 ∆σ `V = γ aterro h Legenda: zw P P σ `V 0 σ `V ΝΑ NA ... nível d`água γnat ... peso especifico do natural do maciço γsat ... peso especifico saturado do maciço γd ... peso especifico seco γaterro ... peso especifico do aterro tempo ∆trebaixamento tempo σ `V 0 = γ nat ( z − z w ) + γ sat z w − γ w z w σ `V = γ nat ( z − z w + ∆z w ) + γ sat ( z w − ∆z w ) − γ w (z w − ∆z w ) ∆σ `V = (γ nat − γ sat + γ w ) ∆z w = (γ nat − γ dt ) ∆z w zw ... altura do NA em relação ao ponto P ∆zw ... variação do NA ∆σ`v ... variação da tensão efetiva vertical em P ∆taterro ... variação do NA ∆trebaixamento ... variação do NA Figura 1. Acréscimos de tensão em maciços através de sobrecarregamento ou rebaixamento do lençol freático 0 2 4 Areia fina e média siltosa (NSPT=10) 6 Silte argiloso comlentes de areia fina (NSPT=4) 8 10 Argila Siltosa (NSPT=5) mira de invar com precisão da ordem de 0,01mm. Os resultados iniciais do acompanhamento indicam um processo acelerado de recalques no edifício. Esc.: 10m Anexo 12 Profundidade (m) 14 16 18 20 Areia comlentes de areia siltosa ou areia argilosa (NSPT=15) 22 24 26 28 30 Areia siltosa (NSPT=17) Silte pouco argiloso (NSPT=12) 32 Eixo 34 36 38 B Argila Siltosa (NSPT=5) 40 42 44 A Argila arenosa (NSPT=36) Corpo principal 46 Figura 2. Perfil Geotécnico do terreno em estudo. 2.3 Cronologia da Obra O aterro arenoso compactado foi construído sobre o terreno original devidamente limpo e preparado entre março e maio de 2001. A construção das estruturas foi realizada entre agosto de 2001 e março de 2002. Desde então, as paredes de alvenaria apresentaram trincas, muitas das quais reapareciam após reparo. Durante um período de paralisação da obra, novas trincas apareceram. As trincas, na sua maioria, eram horizontais ou subhorizontais e apareciam normalmente no topo das alvenarias do primeiro andar, imediatamente abaixo da laje. Nenhuma trinca significativa nas alvenarias do segundo andar foi observada durante a construção. Apesar dos danos nas alvenarias observados durante a construção, nenhum dano estrutural foi notado. O acompanhamento de deslocamentos verticais dos pilares e piso iniciou-se em abril de 2003. Este acompanhamento foi executado através de nivelamento com nível óptico e Áreas externas Figura 3. Layout do edifício e locação dos piezômetros 3 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA A evolução dos recalques ao longo do tempo apresentou velocidade variável. Em certos períodos ocorria aumento da velocidade e, em outros, os recalques se desenvolveram com velocidade menor. Em presença desse fato, surgiu a hipótese de que outros fatores, além das cargas de aterro e estrutura, estariam contribuindo no desenvolvimento dos recalques. Em particular, suspeitou-se da influência das flutuações do nível d`água do Rio Paraíba do Sul, localizado a aproximadamente 500m ao norte do edifício (Figura 3). Em princípio, devido as características da estratigrafia do maciço de fundação local e das características da geologia da bacia de Campos, as variações do nível d`água do Rio poderiam modificar as cargas piezométricas do terreno de apoio da obra, provocando variações nas tensões efetivas e, conseqüentemente, provocando recalques com velocidades variáveis. De forma a verificar a hipótese de variações piezométricas no terreno, foram instalados piezômetros e medidores de nível de água no local das estruturas em diferentes profundidades e junto à margem direita do Rio Paraíba do Sul. Os resultados obtidos dos piezômetros e medidores de nível d`água comprovaram a hipótese de que a velocidade dos recalques do edifício estava relacionada à variação do nível d`água do Rio Paraíba do Sul. Isto pode ser verificado na Figura 4 que mostra a variação dos recalques dos pilares e do piso do edifício, indicando menores velocidades de recalque nos meses de janeiro a março de 2004. Nestes meses observam-se os maiores níveis d`água do Rio. Tal aspecto indicou que o rebaixamento do lençol freático no maciço de fundação poderia ser usado como um procedimento para aceleração dos recalques do edifício. 0 Dias de Monitoração 100 200 300 400 0 2 Recalque Total (mm) 4 6 Pilar Piso 8 10 Considerando aspectos executivos e financeiros, além das características do problema, optou-se pelo rebaixamento do nível d`água como procedimento para estabilização dos recalques do edifício. A remediação adotada consistiu em rebaixar o nível de água do terreno circundante à obra com o uso de poços profundos. Foram instalados 47 poços de bombeamento contornando o corpo principal e as áreas externas. Os poços atingiam 20m de profundidade, espaçados de 8m, com bombas Ebara de 3HP. Adicionalmente, foi instalada a instrumentação geotécnica de acompanhamento da obra constituída de: pinos de recalques instalados em pilares da estrutura principal e na laje de piso do pavimento térreo, marcos de recalques instalados no aterro circundante à obra e medidores de recalques profundos. Para monitoração dos níveis piezométricos foram instalados diversos piezômetros (PZ) e medidores de nível d’água (MNA) com diferentes profundidades no corpo principal e áreas externas do edifício. Neste trabalho, serão apresentados resultados dos seguintes instrumentos: piezômetros Casagrande com leituras manuais com 13m de profundidades, ao longo do eixo da obra e 40 m nos pontos A e B (Figura 3), 1 piezômetros na margem do Rio Paraíba do Sul, 1 piezômetro de corda vibrante com leitura automática no terreno da obra com 13m de profundidade no Ponto A (Figura 3) e medidores de nível de água com 6m de profundidade ao longo do eixo do corpo principal do edifício (Figura 3). 5 RESULTADOS 12 início da monitoraçao dos recalques do piso 14 16 18 20 4 ACELERAÇAO DOS RECALQUES 2004 Figura 4. Variação dos recalques dos pilares e do piso A Figura 5 mostra o efeito do sistema de rebaixamento no nível de água e na piezometria do terreno da obra, comparado com a variação do nível d`água no Rio Paraíba do Sul. Da figura nota-se que a variação da carga piezométrica nas margens do Rio e dos piezômetros instalados a 40m de profundidade nas proximidades da obra, são similares. Isto indica o efeito da variação do nível do Rio na carga piezométrica das camadas de solo arenoso mais profundo do maciço de fundação do edifício. Nota-se da Figura 4 que o sistema de rebaixamento provocou uma redução de aproximadamente 2,5m na carga piezométrica nos piezômetros instalados a 13m de profundidade. Isto corresponde a uma sobrecarga igual a 25kPa nas camadas de solo subjacentes e sobrejacentes ao piezômetro. Destaca-se que o rebaixamento foi executado em etapas procurando evitar recalques excessivos e não uniformes ao longo do edifício. Picos acentuados indicados pelo piezômetro automático a 13m de profundidade são devido à desligamentos do sistema de rebaixamento para eventuais reparos ou manutenção. Observa-se da Figura 4 que o nível d`água medido pelo medidor de nível d`água a 6 m de profundidade (MNA – prof 6m) não foi afetado pelo sistema de rebaixamento. Isto ocorre face à baixa permeabilidade das camadas de solo argiloso entre 2 e 12 metros de profundidade. A Figura 6 apresenta a variação do recalque de pinos instalados em pilares e no piso do pavimento térreo durante e após o período de rebaixamento. Nota-se a grande aceleração dos recalques no período de funcionamento do sistema de rebaixamento. Observa-se, também, que a velocidade dos recalques dos pilares e do piso é similar, indicando que o sistema de rebaixamento provocou a aceleração dos recalques tanto da fundação profunda dos pilares quando da fundação rasa do piso e paredes. 8 7 PZ Rio Cota do Nível d`água (m) 6 PZ - prof. 40m (pontos A e B) MNA - prof 6m (exixo da obra) 5 4 PZ manual - prof. 13m (exixo da obra) 3 2 PZ automático - prof. 13m (ponto A) 1 2005 0 400 450 500 550 600 650 Dias de monitoração Figura 5. Variação do nível de água e da piezometria em função do sistema de rebaixamento do lençol freático. 0 100 200 Dias de Monitoração 300 400 500 600 700 800 0 Piso Recalque Total (mm) 10 20 Pilar 30 40 50 60 70 2004 2005 2006 Figura 6. Curvas de recalques de pinos nos pilares e no piso. Da Figura 6 nota-se que, após o rebaixamento, ocorre a estabilização dos recalques, mostrando a eficiência do sistema de rebaixamento como um processo de aceleração dos recalques de edificações. Engenharia Ltda por permitir o estudo da obra e fornecimento dos dados da monitoração, ao LECIV pelos ensaios preliminares realizados e à FAPERJ pelo financiamento de bolsa de estudos. 6 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS O presente trabalho investigou os efeitos da flutuação do nível de água e sistema de rebaixamento sobre os recalques de um edifício. Os resultados obtidos indicam que o rebaixamento do nível d`água pode ser um processo eficiente na estabilização de recalques de edificações. Foi constatado que a variação do nível d`água do Rio Paraíba do Sul afeta o estado de tensões efetivas do maciço de fundação de um edifício da Cidade de Campos dos Goytacazes. Considerando as características da bacia de sedimentação de Campos, esperase que este efeito também possa ser notado em outras edificações, merecendo maiores estudos. Almeida, A.S.S. (1996). Aterros sobre Solos Moles – da concepção à avaliação do desempenho, Editora UFRJ, Rio de Janeiro, TJ, Brasil, 215 p. Caputo, H.P. (1988). Mecânica dos Solos e suas Aplicações, 6ª ed., Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 234 p. PINI (1998). Fundações Teoria e Prática. 2ª ed. São Paulo, Hachich W., Frederico Falconi F.F., Saes J. L., Frota R. G. O., Carvalho C. S. e Niyama S., ABMS/ABEF, 751 p. Massad, F. (2003). Obras de Terra – curso básico de geotecnia, Oficina de Textos, São Paulo, SP, Brasil, 170 p. Vargas, M. (1977). Introdução à Mecânica dos Solos, Mcgraw-Hill do Brasil, São Paulo, SP, Brasil, 509 p. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de registrar os seus agradecimentos à Odebrecht e à Geoprojetos