Nota Técnica sobre os documentos “Considerações sobre Autorização dos Cursos de Medicina” e “Consideração sobre Autorização dos Cursos de Direito” Documento de Trabalho nº 36 Leandro Molhano Wagner Ricardo dos Santos Julho de 2004 O Observatório Universitário, é um núcleo do instituto Databrasil – Ensino e Pesquisa, que se dedica ao desenvolvimento de estudos e projetos sobre a realidade socioeconômica, política e institucional da educação superior. O Observatório Universitário alia, de forma sistemática, pesquisas acadêmicas, multidisciplinares, com a execução de iniciativas voltadas à solução de problemas práticos inerentes às atividades da educação superior. A série Documentos de Trabalho tem por objetivo divulgar pesquisas em andamento e colher sugestões e críticas para aperfeiçoamento e desdobramentos futuros. Observatório Universitário Databrasil – Ensino e Pesquisa Autoria Wagner Ricardo dos Santos [email protected] Leandro Molhano [email protected] Coordenação Edson Nunes Paulo Elpídio Menezes Neto Equipe Técnica Ana Beatriz Gomes de Mello Moraes André Magalhães Nogueira David Morais Enrico Martignoni Fabiana Coutinho Grande Helena Maria Abu-Mehri Barroso Leandro Molhano Ribeiro Márcia Marques de Carvalho Wagner Ricardo dos Santos Rua da Assembléia, 10/4208 – Centro 20011-901 – Rio de Janeiro – RJ Tel./Fax.: (21) 3221-9550 e-mail: [email protected] http://www.observatoriouniversitario.org.br SUMÁRIO I – INTRODUÇÃO ................................................................................................. 4 II - CRÍTICAS TÉCNICAS: METODOLOGIA E LEGISLAÇÃO 6 METODOLOGIA ................................................................................................................ 6 1 – ASSOCIAÇÃO ENTRE VAGAS POR HABITANTES E PROFISSIONAIS POR HABITANTES .................................................................................................................... 6 2 – FIXAÇÃO DO PROFISSIONAL NA REGIÃO EM QUE SE FORMOU ........................... 7 3 – FIXAÇÃO DE PROFISSIONAIS PELO NÚMERO DE HABITANTES. ........................ 15 4 – VALIDADE DOS INDICADORES DE NECESSIDADE SOCIAL.................................. 16 CRÍTICAS SEGUNDO AS ATRIBUIÇÕES DO MEC ....................................................... 17 III – POSSÍVEIS CONSEQÜÊNCIAS INDESEJADAS NÃO ANTECIPADAS ..................................................................................................... 18 SOBRE O(S) AUTOR(ES) 21 DOCUMENTOS DE TRABALHO DO OBSERVATÓRIO UNIVERSITÁRIO 22 I – Introdução1 No documento “Considerações sobre Autorização dos Cursos de Medicina” subentende-se que o objetivo é estabelecer um critério para uma melhorar “a distribuição da formação de profissionais de saúde no País”. O documento vincula esse objetivo a um sistema de regulação que envolva critérios para abertura de novos cursos na área da saúde. Dentre os problemas levantados está a relação entre o número de médicos e habitantes que se considera razoável no Brasil. Quando se estabelece tal correlação, tem-se em mente critério internacional que, aplicado ao Brasil, mostra que há uma má distribuição de médicos entre as regiões, havendo uma maior concentração em áreas urbanas. Assim, o documento justifica a “necessidade do mapeamento da distribuição de médicos, em geral e por especialidade, além do estudo das condições e de propostas para a fixação dos profissionais, permitindo estabelecer a lógica, em todas as regiões do país, para a regulação da formação em relação às necessidades...” A partir do diagnóstico da necessidade de melhor distribuição de médicos procura-se regular a localização da formação do profissional de medicina. Isso é feito através do levantamento da demanda pela educação superior como por indicadores de necessidade social. Neste sentido, o documento acaba associando distribuição de profissionais em medicina, medida pela razão médico/habitante, à distribuição da localização da formação de profissionais, medida pela razão vagas em cursos de medicina/habitantes. De tal medida, extrai o Governo Federal conseqüências regulatórias importantes, com impacto sobre a autorização para abertura de novos cursos. 1 Versão anterior deste texto foi apresentada ao CNE – Conselho Nacional de Educação, reunião do mês de setembro e no Fórum de Reitores do Estado do Rio de Janeiro em 22/09/2004. -4- Os mesmos pressupostos são aplicados para a autorização dos cursos de direito. Os argumentos apresentados no documento encontram-se divididos da seguinte forma: os cursos de direito têm contribuído para construção e garantia do desenvolvimento da sociedade brasileira, devendo-se, inclusive, considerar as necessidades locais e regionais; necessidade aprofundamento e renovação dos estudos em decorrência dos avanços da ciência, conforme Parecer CNE/CES 55/04; dificuldade de estabelecer parâmetros e indicadores precisos no que se refere à necessidade social e a demanda da sociedade pelo conhecimento jurídico; utilização de critérios geográficos e estatísticos para se analisar a conveniência de se implantar os cursos em um determinado município. O documento afirma a “necessidade de se buscar uma melhor distribuição da formação de Bacharéis em Direito no País”, devendo-se para isso “criar um sistema de regulação que, por um lado, estimule a abertura de novos cursos conforme a necessidade local e regional, e por outro, reforce a avaliação dos atualmente existentes, acoplado a um processo de melhoria da qualidade...”. Nesse sentido, ambos os documentos sugerem a regulação da educação superior, especificamente no que se refere à autorização de cursos, através da análise da sua necessidade social, medida através de indicadores sociais, da “oferta” de profissionais (profissionais/habitantes) e do número de vagas no curso de graduação por habitantes. -5- II - Críticas Técnicas: metodologia e legislação Metodologia O indicador vagas por habitantes (cuja utilização é justificada pela exigüidade de tempo) é utilizado como critério para recomendação (ou não) de autorização de cursos ao ser comparado com o número de médicos por habitantes. A utilização desse critério para autorização de cursos, admitindo-se a possibilidade de que o pressuposto da necessidade social seja válido, apóia-se nas seguintes premissas: o número de vagas por habitantes reflete, de forma adequada, o número de estudantes que se tornarão profissionais na mesma localidade em que se formaram; aqueles que se formarão na região, exercerão a profissão na própria região; a constatação de que a fixação do número de profissionais por habitante é um indicador adequado para o atendimento das necessidades de profissionais da saúde e de advogados; os indicadores de “necessidade social” utilizados refletem de forma adequada a demanda por profissionais da área. Essas premissas, no entanto, apresentam as seguintes fragilidades: 1 – Associação entre vagas por habitantes e profissionais por habitantes A relação entre vagas, concluintes e profissionais não é observada empiricamente como mostra a tabela abaixo. Em primeiro lugar, observa-se uma grande diferença entre as vagas ofertadas e o número de concluintes para o curso de Direito. Além disso, o índice de reprovação no Exame da Ordem, requisito para o exercício profissional de advogado, é bastante elevado. -6- Tabela 2 Vagas no Ensino Superior, Concluintes e Reprovação no Exame de Ordem UF Vagas no Ensino Superior em 2001 Concluintes de 2003 MT BA AM SC RN PR TO PA GO DF SP RJ¹ 2.730 2.296 1.326 4.686 820 7.280 380 915 3.540 4.040 48.362 38.093 1.074 952 265 2.542 657 2.813 267 748 2.020 1.848 27.404 8.393 Índice de Reprovação no Exame de Ordem 2004 79,00% 45,23% 61,00% 87,23% 69,00% 86,00% 79,00% 70,00% 75,68% 57,47% 81,00% 63,00% Fontes: MEC/Inep. Censo da Educação Superior 2001 e Exame Nacional de Cursos 2003. Exame de Ordem: Revista Consultor Jurídico de 21 de junho de 2004. Nota: ¹ Exame de Ordem do Rio de Janeiro de agosto de 2003. 2 – Fixação do profissional na região em que se formou A fixação do profissional na região em que se formou só seria possível na ausência de imigração entre profissionais formados, o que não se observa, conforme os dados da PNAD dispostos na próxima tabela. Estudos mostram que os diferenciais de salários e oportunidades entre regiões é um incentivo para a migração entre pessoas com formação acadêmica. Segundo Queiroz e César, “cerca de 45% da variabilidade salarial regional pode ser atribuída aos diferentes níveis médios de educação estaduais.” Um outro estudo, elaborado por Ramos e Araújo reforça o argumento, “a taxa de desemprego junto com o nível de renda parecem ser os principais determinantes dos saldos migratórios.” A migração redistribui os profissionais que buscam melhores ocupações com rendimentos mais elevados. -7- Tabela 3 Pessoas com 15 anos de estudo ou mais, que nasceram na UF onde residem. Unidade da Federação Rondônia Acre Amazonas Roraima Pará Amapá Tocantins Maranhão Piauí Ceará Condição migratória Nasceu no estado de residência 15 anos ou mais de estudo % Nativo Não Nativo 4.067 Nativo 5.028 50,0 Não Nativo 5.028 50,0 Nativo 23.465 63,3 Não Nativo 13.617 36,7 Nativo** 1.085 23,1 Não Nativo 3.614 76,9 Nativo 83.263 79,0 Não Nativo 22.146 21,0 Nativo 3.449 53,0 Não Nativo 3.060 47,0 Nativo* 4.680 24,7 Não Nativo 14.262 75,3 Nativo* 38.451 72,7 Não Nativo* 14.419 27,3 Nativo 39.292 78,6 Não Nativo 10.715 21,4 Nativo 138.863 86,4 Não Nativo 21.911 13,6 -8- 17.558 18,8 81,2 Rio Grande do Nativo Norte Não Nativo Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia Minas Gerais Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo 65.064 80,0 16.264 20,0 Nativo 87.120 81,8 Não Nativo 19.360 18,2 Nativo 213.718 84,0 Não Nativo 40.822 16,0 Nativo 38.847 83,3 Não Nativo* 7.769 16,7 Nativo 36.399 78,9 Não Nativo 9.726 21,1 Nativo 184.910 84,2 Não Nativo 34.719 15,8 Nativo 550.186 85,9 Não Nativo 90.429 14,1 Nativo 85.270 76,4 Não Nativo 26.276 23,6 Nativo 762.835 79,3 Não Nativo 198.811 20,7 Nativo 2.057.515 85,6 Não Nativo Nativo 346.145 14,4 71,6 Não Nativo 123.673 28,4 Nativo 183.375 76,1 312.041 Paraná Santa Catarina -9- Não Nativo 57.725 23,9 458.525 93,7 30.600 6,3 38.567 45,0 47.212 55,0 Nativo 28.674 30,0 Não Nativo 66.797 70,0 Nativo 102.049 70,8 Não Nativo 42.134 29,2 Nativo 38.773 21,2 Não Nativo 144.341 78,8 Rio Grande do Nativo Sul Não Nativo Mato Grosso do Nativo Sul Não Nativo Mato Grosso Goiás Distrito Federal Fonte: PNAD 2002 - IBGE. Dados elaborados a partir dos microdados no laboratório do Observatório Universitário Nota: * Coeficiente de variação acima de 30% para o menor número da linha. ** Coeficiente de variação acima de 30% para os dois menores números da linha. Tabela 4 Pessoas com 15 anos de estudo ou mais, que nasceram no município onde residem por UF. Unidade da Federação Rondônia Acre Amazonas Nasceu no município de residência Condição migratória Nativo 15 anos ou mais de estudo 3.425 % 15,8 Não Nativo 18.200 84,2 Nativo 3.305 32,9 Não Nativo 6.751 67,1 Nativo 18.832 50,8 Não Nativo 18.250 49,2 - 10 - Roraima Pará Amapá Tocantins Maranhão Piauí Ceará Nativo** 1.085 23,1 Não Nativo 3.614 76,9 Nativo 56.057 53,2 Não Nativo 49.352 46,8 Nativo 2.874 44,2 Não Nativo 3.635 55,8 Nativo* 9,4 Não Nativo 17.159 90,6 Nativo* Não Nativo* 16.020 30,3 36.850 69,7 Nativo 22.453 44,9 Não Nativo 27.554 55,1 Nativo 83.037 51,6 Não Nativo 77.737 48,4 Rio Grande do Norte Nativo Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe 1.783 29.661 36,5 Não Nativo 51.667 63,5 Nativo 39.600 37,2 Não Nativo 66.880 62,8 Nativo 122.612 48,2 Não Nativo 131.928 51,8 Nativo Não Nativo* 28.336 60,8 18.280 39,2 Nativo 23.531 51,0 - 11 - Bahia Minas Gerais Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo Paraná Santa Catarina Não Nativo 22.594 49,0 Nativo 113.254 51,6 Não Nativo 106.375 48,4 Nativo 302.397 47,2 Não Nativo 338.218 52,8 Nativo 42.862 38,4 Não Nativo 68.684 61,6 Nativo 619.423 64,4 Não Nativo 342.223 35,6 Nativo 1.245.154 51,8 Não Nativo 1.158.506 48,2 Nativo 175.037 40,2 Não Nativo 260.677 59,8 Nativo 109.233 45,3 Não Nativo 131.867 54,7 Rio Grande do Sul Nativo 228.604 46,7 Não Nativo 260.521 53,3 Mato Grosso do Sul Nativo Mato Grosso Goiás 24.994 29,1 Não Nativo 60.785 70,9 Nativo 15.641 16,4 Não Nativo 79.830 83,6 Nativo 49.378 34,2 Não Nativo 94.805 65,8 - 12 - Distrito Federal Nativo 38.773 Não Nativo 144.341 21,2 78,8 Fonte: PNAD 2002 - IBGE. Dados elaborados a partir dos microdados no laboratório do Observatório Universitário Nota: * Coeficiente de variação acima de 30% para o menor número da linha. ** Coeficiente de variação acima de 30% para os dois menores números da linha. As tabelas acima demonstram que entre a população com 15 ou mais anos de estudo, há grande contingente fora do seu município e estado de nascimento. No caso da Tabela 3, setes estados têm a participação dos nãonativos (não-nascidos no estado) maior que a população nativa (nascida no município). Todos estes estados pertencem a apenas duas grandes regiões: Norte e Centro-Oeste. Os possíveis motivos para tal situação, devem-se ao grande fluxo migratório observado desde a década de 80. Na região Centro Oeste, exceto Brasília, a agroindústria alavanca a economia da região e a necessidade de mão de obra qualificada é suprida pela importação de outras regiões. Na região Norte, pelo fato de haver um baixo número de pessoas qualificadas, a migração de mão-de-obra qualificada tem uma participação elevada no total da população com 15 anos ou mais. O Distrito Federal, por ser a sede do Governo Federal, sede administrativa e política do país, importou a maior parte de sua mão-de-obra qualificada. Em torno de 78,8% das pessoas qualificadas são de não nativos, tratando-se do maior percentual encontrado. Neste sentido, Brasília é um ótimo exemplo das conseqüências não antecipadas da adoção da relação vagas no ensino superior por habitante, face às distorções provocadas pelo poder de atração de mão-de-obra qualificada, associada ao ciclo eleitoral e às necessidades do Estado. A Tabela 4, de migração intermunicipal, demonstra que expressivos contingentes populacionais com 15 ou mais anos de estudo são oriundos de outros municípios. A título de exemplo, muitas cidades universitárias não - 13 - possuem um mercado de trabalho capaz de absorver toda a mão-de-obra formada e com isso a migração entre municípios tende a ser maior para todas as unidades da federação. De fato, das 27 unidades da federação, 19 apresentaram percentual de não-nativos maior que nativos. O estado do Rio de Janeiro chama atenção. Apresentou o maior participação de não-nativos, 64,4% das pessoas com 15 ou mais de estudos não nasceram no município. Uma possível justificativa para isso é que na cidade do Rio de Janeiro concentra a maior parte das universidades e a economia do Estado o que favorece a migração intermunicipal. O mesmo fato pode ser visualizado em Alagoas, onde Maceió configura-se como local concentrador de faculdades e postos de trabalho, sobretudo, na área de serviços. Além disso, é importante considerar que há municípios em que as IES são as maiores empregadoras e formadoras de mão-de-obra, como em cidades como Vassouras (RJ), Viçosa (MG), Campinas (SP) e Niterói (RJ), com forte concentração de IES, públicas ou privadas. Nestas cidades, o mercado de trabalho não tem força suficiente para absorver o número de formandos. São municípios, em grande medida, exportadores de mão-de-obra. Outro aspecto relacionado diz respeito ao recorte municipal. Serviços de energia elétrica pública, esgotamento e coletas de lixo são características de serviços municipais por isso, nesse caso, esses recortes são relevantes. A educação básica também entra nesse rol, pois a distância entre a residência dos alunos do ensino fundamental e a escola não deve ou não é recomendável ultrapassar os limites municipais. Para a educação superior esse limite perde racionalidade, uma vez que a infra-estrutura necessária para a abertura e manutenção de instituições de educação superior a custos razoáveis, requer a existência de profissionais habilitados para o magistério ou, alternativamente, a capacidade de atrair profissionais ociosos em outras regiões tomando-se como base padrões de remuneração superiores. - 14 - Em muitas situações, municípios pólo possuem a infra-estrutura e a disponibilidade de profissionais habilitados ao exercício do magistério superior. Como grande parte dos universitários trabalham e como a maioria das ocupações encontra-se em municípios economicamente desenvolvidos, há maior probabilidade de as IES privadas instalarem-se nas proximidades do local de trabalho dos trabalhadores-alunos. Além disso, é importante frisar que a contagem da população é feita no local de residência. Em torno das metrópoles e das cidades pólo, existem muitos municípios que são considerados “cidades dormitórios”. É o caso de municípios como São Gonçalo (RJ) com mais de 800.000 habitantes, cuja economia não apresenta dinâmica suficiente para empregar todos os seus cidadãos. Os trabalhadores têm que se voltar para cidades próximas como Niterói e Rio de Janeiro onde, não apenas terão melhores padrões de remuneração, como também, no caso dos trabalhadores-estudantes, melhores e maiores oportunidades de acesso à educação superior. Criar uma IES em “cidades dormitórios”, muitas vezes não atende a expectativa da população já que as necessidades de trabalho e educacionais encontram-se no município próximo, mais desenvolvido em alguns casos. Muitas vezes, a jornada de trabalho longa e o sistema de transporte deficiente não permitem que a população chegue a tempo para assistir as aulas em seu município, como em São Gonçalo (RJ). 3 – Fixação de profissionais pelo número de habitantes. No que se refere à fixação de um número de profissionais de saúde, um documento da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), escritório regional da Organização Mundial de Saúde (OMS), elaborado em março de 2003, afirma que: “Tanto a Organização Mundial de Saúde quanto a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) não definem - 15 - ou recomendam o número desejável de médicos, enfermeiros ou dentistas por habitante.”. Apenas os chamados padrões “duros”, entendidos como aqueles para os quais existem evidências inquestionáveis resultantes de pesquisas, aplicáveis a situações distintas em qualquer tempo e espaço, são definidos pela OMS. O referido documento cita como exemplo o Brasil, país de dimensões continentais, no qual o número ideal de médicos para a região Norte, onde as chamadas “doenças tropicais” desafiam os conhecimentos médicos de todo o mundo, é diferente do número ideal para regiões metropolitanas, como São Paulo e Rio de Janeiro, nas quais as doenças crônicas ou as causadas por fatores externos (acidentes de trânsito, violência urbana, e outros) geram as principais demandas por assistência médica. No caso do direito, não há uma especificação objetiva do número de advogados necessários para atender às necessidades da população. Além disso, conforme afirma o próprio documento sobre autorização dos cursos em direito, “face à amplitude da sua formação (bacharel em direito), nem todos os bacharéis atuam como profissionais da área. Cidadãos, empresários de todos os níveis, políticos, trabalhadores diversos, sindicalistas e tantos outros, buscam a formação em direito sem pretender atual diretamente como operadores de direito”. Nesse sentido, além do direito de acesso ao ensino superior, não existiria razão para fixar um número adequado de formados em direito baseado em uma suposta necessidade social, já que a formação em direito ultrapassa o interesse no exercício profissional. 4 – Validade dos indicadores de necessidade social Estabelecer que quando a relação vagas/ habitantes é elevada não há necessidade de abertura de mais vagas para ampliar o acesso de candidatos é tentar estabelecer correlação entre duas variáveis que não mantêm correlação necessariamente. Algumas razões devem ser consideradas: - 16 - os indicadores sócio-econômicos considerados não são determinantes da capacidade de oferta de ensino de qualidade; A inserção de índices de exclusão social ou de médicos/habitantes são apresentadas no argumento de acordo com a conveniência (ver análises de Juiz de Foras e de Piauí); Da mesma forma, critérios ad hoc são estabelecidos para justificar a abertura de cursos em direito, onde, pelo critério de necessidade social, isso não deveria ocorrer (Ex. a abertura do curso em Cariacica baseia-se, também, no número de concluintes do ensino médio; a abertura do curso em São Luis, leva em consideração a concentração de vagas em apenas 3 instituições). Críticas segundo as atribuições do MEC Diante das fragilidades das premissas expostas, dificilmente será possível estabelecer critérios objetivos, baseados em números máximos de profissionais e no conceito de “necessidade social, para autorizar abertura de cursos. Além das críticas metodológicas, é preciso levar em consideração as atribuições do MEC no que se refere à autorização de abertura de cursos superiores. O MEC deve avaliar ensino e não a distribuição de profissionais no Brasil. Indicadores baseados em fatores exógenos às IES e aos cursos, como no caso o número de profissionais existentes em uma região e necessidade social, não são capazes de atender às atribuições de avaliação do MEC. Ao contrário, a avaliação deve ser baseada em indicadores endógenos às IES – qualidade e sustentabilidade. São legítimas as preocupações do Estado quanto à eqüidade – garantir igualdade nas condições de acesso aos serviços básicos – e à qualidade da formação de profissionais de saúde e direito no País. Entretanto, estas garantias - 17 - resultam de uma análise complexa que não pode ser elaborada apenas com base em indicadores como a distribuição dos médicos por região, número de habitantes no município ou a relação número de vagas oferecidas/habitantes. Orientar os critérios para abertura de cursos com base na combinação destes indicadores desconsidera que existem características internas das instituições proponentes que são as que, de fato, refletem a capacidade das mesmas para oferecer o curso. Além disto, criar barreiras que não se relacionam com questões de ensino, fere o princípio da liberdade do exercício da atividade educacional, que é uma tradição que remonta ao Império2. III – Possíveis conseqüências indesejadas não antecipadas Quais as conseqüências não antecipadas e indesejadas em regular a educação superior pela oferta de vagas? O MEC entra em atividade que não corresponde às suas principais atribuições. A formação superior não deve estar tão estritamente relacionada com a formação profissional, principalmente com o exercício profissional. No Brasil, existem órgãos encarregados do exercício profissional, como o CREA, OAB, CRM, CRF, entre outros. Cabe a estas entidades criar limites ao exercício profissional. Esta não é uma atribuição do MEC. A função do MEC é centrar-se nos processos acadêmicos e nas condições objetivas para o seu exercício. Há que se levar em conta qual a missão do ensino superior e quais as intenções dos legisladores na elaboração das leis, incluindo os dispositivos constitucionais, a LDB – Lei de Diretrizes e Bases e 2 Veja o Decreto n.º 7.247, de 19 de abril de 1879, dispôs que era“completamente livre o ensino primario e secundario no municipio da Côrte e o superior em todo o Império, salva a inspecção necessária para garantir as condições de moralidade e hygiene” - 18 - demais instrumentos regulatórios. Se um dos pressupostos relacionados com o ensino superior é o de que deve qual a utilidade de se estabelecer critérios geoestatísticos para se limitar o número de IES? Corre-se o risco de impedir abertura de um bom curso, que poderia ter conseqüências positivas sobre o sistema educacional local: diminuição de preço de mensalidades, concorrência para melhorar os cursos de graduação etc; Corre-se o risco de limitar o acesso ao ensino superior a enormes contingentes populacionais urbanos que dependem de boas condições de trabalho para poderem custear a sua educação superior; Por que estabelecer teto máximo de formação acadêmica? Como afirmado acima, formação acadêmica não deve ter nexo algum com formação profissional. A educação, como forma de transmissão formal de conhecimento, deve estar franqueada a qualquer cidadão. Impor restrições ao se usufruto são atitudes de ordem antidemocrática; Qual a utilidade de se estabelecer um número máximo de pessoas que podem exercer a profissão? Restringir o número de profissionais só atende as demandas corporativas e de reservas de mercado; Corre-se o risco de “politizar” a questão educacional, desviando o foco da qualidade do ensino para o atendimento exclusivo de interesses corporativos. Por fim, através da análise do documento pode-se extrair algumas considerações sobre os procedimentos de avaliação educacional: as regulações e regulamentações do MEC devem priorizar a atividade de ensino, a qualidade dos processos de ensino-aprendizagem; - 19 - aprofundar o conhecimento e a discussão sobre os instrumentos de avaliação e acreditação de cursos, considerar evidências empíricas para definir critérios justos e confiáveis para a entrada e permanência de IES nos sistema de ensino superior. - 20 - SOBRE O(S) AUTOR(ES) Leandro Molhano Ribeiro Doutor em Ciência Política, mestre em Ciência Política pelo IUPERJ e graduado em ciências sociais pela UFMG. Assessor da Pró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento da Universidade Candido Mendes (UCAM) e professor do curso de ciências sociais da UCAM. É pesquisador do Databrasil - ensino e pesquisa. Realiza pesquisas na área de políticas públicas, com ênfase em políticas sociais, e presta consultorias para empresas e instituições públicas e privadas. Autor de artigos na área de Ciências Sociais e Educação. Wagner Ricardo dos Santos Pesquisador do Observatório Universitário e do Databrasil – Ensino e Pesquisa, professor e assessor da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Candido Mendes. Mestrando em Ciência Política pelo IUPERJ, especialista em Estatística pela ENCE e em Economia e Engenharia Financeira pela UFF, é graduado em História pela UFMG - 21 - Documentos de Trabalho do Observatório Universitário 1. Agências Reguladoras: Gênese, Contexto, Perspectiva e Controle, Edson Nunes. Trabalho apresentado no “II Seminário Internacional sobre Agências Reguladoras de Serviços Públicos”. Instituto Hélio Beltrão, Brasília, 25 de Setembro de 2001. Série Estudos de Políticas Públicas, outubro de 2001; também publicado em Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 1, n. 2, p. 1-384, abr/jun 2003. 2. O Sistema de Pesquisa Eleitorais no Brasil, Seu Grau de Confiabilidade e Como as Mesmas Devem Ser Lidas por Quem Acompanha o Processo à Distância, Edson Nunes. Palestra proferida no seminário: “Elecciones en Brasil: sondeos y programas” , Fundação Cultural Hispano Brasileira e Fundação Ortega y Gasset, Madrid, 25 de junho de 2002. (texto não disponível) 3. Sub-Governo: Comissões de Especialistas, e de Avaliação, Política Educacional e Democracia, Edson Nunes, Márcia Marques de Carvalho e David Morais. Trabalho apresentado no “II Fórum Educação, Cidadania e Sociedade: A Educação como Fator de Desenvolvimento Social e Econômico”. Fundação Cesgranrio, Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2002; versão revista e final, publicada nesta mesma série, no. 16, sob o título “Governando por Comissões”. 4. Cronologia de Instalações das Agências Reguladoras, Catia C. Couto e Helenice Andrade. janeiro de 2003; incorporado ao relatório final da pesquisa sobre as agências reguladoras nacionais (em elaboração). 5. Corporações, Estado e Universidade: O Diálogo Compulsório sobre a Duração de Cursos Superiores no Brasil, Edson Nunes, André Nogueira e Leandro Molhano, fevereiro de 2003. 6. O Atual Modelo Regulatório no Brasil: O Que Já Foi Feito e Para Onde Estamos Indo"?, Edson Nunes. Seminário ”O Atual Modelo Regulatório no Brasil: o que já foi feito e para onde estamos indo?”. Escola Nacional de Saúde Pública - UCAM / Fiocruz, Rio de Janeiro, 18 de março de 2003 (texto não disponível) 7. Relação de Agências Reguladoras Nacionais, Edson Nunes e Enrico Martignoni, março de 2003; incorporado ao relatório final da pesquisa sobre as agências reguladoras nacionais (em elaboração). - 22 - 8. Gênese e Constituição da Anatel, Edson Nunes e Helenice Andrade, março de 2003; incorporado ao relatório final da pesquisa sobre as agências reguladoras nacionais (em elaboração). 9. O Caso desviante do Ensino Superior Brasileiro: uma Nota Técnica, Edson Nunes. Palestra proferida na 69ª Reunião plenária do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras – CRUB, Painel sobre os Novos Cenários da Educação Superior: Visão Internacional. Rio de Janeiro, abril de 2003. 10. Governo de Transição FHC – Lula, Cátia C. Couto e Helenice Andrade. Série Estudos de Políticas Públicas, junho de 2003. 11. Gênese e Constituição da Aneel, Edson Nunes e Cátia C. Couto, junho de 2003; incorporado ao relatório final da pesquisa sobre as agências reguladoras nacionais (em elaboração). 12. Gênese e Constituição da Anp , Edson Nunes e Helenice Andrade, junho de 2003; incorporado ao relatório final da pesquisa sobre as agências reguladoras nacionais (em elaboração). 13. Espaços Públicos: Violência e Medo na cidade do Rio de Janeiro, David Morais. Série Estudos de Políticas Públicas, julho de 2003. 14. Descontruindo PNE - Nota Técnica, Márcia Marques de Carvalho. Série Educação em Números, julho de 2003; versão revista e final, publicada, nesta série, sob o título “Expansão do Ensino Superior: Restrições, Impossibilidades e Desafios”. Documento de Trabalho no. 25. 15. Engenharia Reversa das Condições de Ensino, Ana Beatriz Gomes de Melo, Enrico Martignoni, Leandro Molhano e Wagner Ricardo dos Santos, julho de 2003. 16. Governando por Comissões, Edson Nunes, David Morais e Márcia Marques de Carvalho, julho de 2003. 17. Agências Reguladoras: O Governo Lula e o Mapeamento do noticiário sobre as mudanças nas Agências Reguladoras (período entre 01/12/2002 e 31/07/2003), Edson Nunes, Cátia C. Couto, Helenice Andrade e Patrícia de O. Burlamaqui; incorporado ao relatório final da pesquisa sobre as agências reguladoras nacionais (em elaboração). 18. Clipping de Jornais - O Governo Lula, Cátia C. Couto, Helenice Andrade e Patrícia de O. Burlamaqui. Série Estudos de Políticas Públicas, agosto de 2003. - 23 - 19. Segurança versus Insegurança, David Morais. Série Estudos de Políticas Públicas, agosto de 2003. 20. Regulação no Sistema de Educação Superior, Edson Nunes - André Magalhães Nogueira, Ana Beatriz Moraes, Eleni Rosa de Souza, Helena Maria Abu-Mehry Barroso Leandro Molhano, Márcia Marques de Carvalho, Paulo Elpídio Menezes Neto e Wagner Ricardo dos Santos. Texto de apoio para a Comissão Especial da Avaliação da Educação Superior (CEA). Essa Comissão foi designada pelas Portarias MEC/SESu número 11 de 28 de abril de 2003 e número 19 de 27 de maio de 2003 e instalada pelo Ministro da Educação, Cristovam Buarque em 29 de abril de 2003, agosto de 2003 21. Uma medida de eficiência em Segurança Pública, David Morais. Série Estudos de Políticas Públicas, outubro de 2003. 22. Descontruindo PNE : Limitações Estruturais e Futuro Improvável, Edson Nunes, Márcia Marques de Carvalho e Enrico Martignoni . Trabalho apresentado no “II Encontro de Dirigentes de Graduação das IES Particulares.. Fortaleza, 27-29 de agosto de 2003. Incorporado do Documento de Trabalho no. 25, de outubro de 2003 23. PNE: Restrições, Impossibilidades e Desafios Regionais, Edson Nunes, Enrico Martignoni e Márcia Marques de Carvalho, Trabalho apresentado no II Encontro Regional do Fórum Brasil de Educação Tema: Projeto de Educação Nacional: desafios e políticas. Goiânia, setembro de 2003. Incorporado do Documento de Trabalho no. 25, de outubro de 2003 24. Estrutura e Ordenação da Educação Superior: Taxionomia, Expansão e Política Pública, Edson Nunes, Enrico Martignoni, Leandro Molhano e Marcia Marques de Carvalho. Trabalho apresentado no Seminário: “Universidade: por que e como reformar?”. Brasília, Senado Federal 06 e 07 de agosto de 2003; também publicado em A Universidade na Encruzilhada. Brasília: UNESCO, Ministério da Educação, 2003. 25. Expansão do Ensino Superior: Restrições, Impossibilidades e Desafios Regionais, Edson Nunes, Enrico Martignoni e Márcia Marques de Carvalho, outubro de 2003. 26. Projeção da Matrícula no Ensino Superior no Brasil, por Dependência Administrativa: um Exercício Preliminar, Márcia Marques de Carvalho. Série Educação em Números, janeiro de 2004. 27. Matrícula e IES: Relação e Projeção, Márcia Marques de Carvalho. Série Educação em Números, fevereiro, 2004. - 24 - 28. Entre o Passado e o Presente, David Morais. Série Estudos de Políticas Públicas, março de 2004. 29. Demanda Potencial e Universidade: Notas sobre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Márcia Marques de Carvalho. Trabalho apresentado no seminário “Niterói 2008 – o Futuro É Agora”. Rio de Janeiro, 27 de março de 2004. Série Educação em Números, março de 2004. 30. Niterói: Cidade Universitária?, Edson Nunes, Enrico Martignoni, Márcia Marques de Carvalho. Trabalho apresentado no seminário “Niterói 2008 – o Futuro É Agora”. Rio de Janeiro, março de 2004. 31. As Ações no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) Relacionadas aos Serviços Educacionais, Edson Nunes, Fabiana Coutinho Grande e Leandro Molhano. Série Estudos de Políticas Públicas, maio de 2004. 32. Perfil dos Egressos, Quotas e Restrições: uma Observação da Educação Superior no Momento de sua Reforma”, Edson Nunes, Enrico Martignoni, Márcia Marques de Carvalho. Trabalho apresentado no “Fórum Educação, Cidadania e Sociedade: Reforma do Ensino Superior. Fundação Cesgranrio, Rio de Janeiro – RJ, 14 de julho de 2004; versão revista e atualizada deste trabalho foi publicada sob o título Educação, Quotas e Participação no Brasil, Documento de Trabalho nº 33. 33. Educação, Quotas e Participação no Brasil (Alemanha), Edson Nunes, Enrico Martignoni, Márcia Marques de Carvalho. Trabalho apresentado no “Diálogo das sociedades civis Brasil - Alemanha”, Congresso, Tema: Responsabilidade e solidariedade na democracia: sociedade — política — economia. Palestra: Estratégias para democracia e justiça no Brasil: quotas, educação e participação - Landesbank Baden-Wuettemberg (LBBW – Banco do Estado de Baden-Wuettemberg), Stuttgart – Alemanha, 22 e 23 de junho de 2004; também publicado em Universidade em Questão, Lauro Morhy (org). Brasília: Editora UNB, 2003, sob o título “Universidade Brasileira: acesso, exclusão social e perspectivas dos egressos”. 34. A Outra Reforma Universitária para a Sociedade do Conhecimento, Edson Nunes e Leandro Molhano. Trabalho apresentado no Fórum do INAE, Mesa Redonda: O Modelo de Educação para a Economia do Conhecimento. Rio de Janeiro, 17 de maio de2004; também publicado em Novo Modelo de Educação para o Brasil, J.P.dos Reis Velloso e R.C. de Albuquerque, orgs. Rio de Janeiro, José Olympio, 2004. 35. Ensino Superior Público e Privado no Brasil: Expansão, Evasão e Perfil dos Concluintes”, Edson Nunes e Márcia Marques de Carvalho. Texto - 25 - apresentado no “Unesco Fórum on Higher Education, Research & Knowledge: Primeira Conferência Regional Latinoamericana del foro Unesco sobre educacion”. Porto Alegre, UFRGS, 01 a 03 de setembro de 2004. Série Educação em Números. - 26 -