O GÊNERO TEXTO DE DIVULGAÇÃO CIENTIFICA:
UMA PROPOSTA DE TRABALHO
Eliza Adriana Sheuer NANTES
Regina Maria GREGÓRIO
(Universidade Estadual de Londrina)
ABSTRACT: The purpose of the current work is to present a “Rato Bom and Rato Malvado” text analysis, a
scientific publication in Revista VEJA, in the Science section. In the analysis a survey will be conducted on the
production conditions – support, speakers, purpose and circulation place – and its textual arrangement, with the
purpose to discuss its possible effects in the sense of contributing with a linguistics analysis didactical
organization proposition of the discursive gender in question. The current text belongs to the order of exposing,
however it shows arguing sequences. The article starts from the theoretical foundation about the mother
language teaching under the theoretical assumptions of the discursive gender. After analyzing the text, we will
give some reading and linguistics pedagogical suggestions to the teacher.
KEYWORDS: linguistc analysis, scientific issue text; didactic sequence; mother language
1. Introdução
O projeto de pesquisa “Escrita e ensino gramatical: um novo olhar para um velho
problema”, desenvolvido pelo Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas, da
Universidade Estadual de Londrina (UEL), tem como objetivo investigar a relação ensino
gramatical e escrita, na escola pública. O foco do projeto é o ensino gramatical nas aulas de
língua materna, nas séries que finalizam os ciclos do Ensino Fundamental, ou seja, nas quartas
e oitavas séries do ensino fundamental de escolas públicas e uma particular de três cidades
paranaenses. Ancorados nos pressupostos teóricos da Lingüística Aplicada, os participantes
do projeto foram até as escolas e acompanharam os professores-sujeito por determinado
período. Durante a permanência dos pesquisadores com os educadores, as aulas foram
gravadas em áudio, a seguir foram transcritas e analisadas pelo grupo. Em seguida, em uma
etapa posterior ao diagnóstico, passou-se à fase de intervenção, por meio da reflexão sobre
teoria e prática pedagógica. Esta é a fase atual do projeto. Dentro da concepção sóciointeracionista, adotada pelo projeto, os estudos de diversos autores foram de suma
importância, como os de Geraldi (1993), Matêncio (1994), Travaglia (1996), Suassuna
(1995), PCNs (BRASIL, 1998), dentre outros. Após inúmeras pesquisas envolvendo
professores do ensino superior, alunos de graduação e pós-graduação dessa instituição e
docentes da rede pública estadual, as discussões apontam que o trabalho com os gêneros
discursivos é de suma importância enquanto eixo de articulação e progressão curricular.
Diante do exposto, sedimentados nos estudos de Bakhtin (1979), Bronckart (1999), Dolz &
Schneuwly (1996), Barbosa (2000) e de Perfeito (2006), neste artigo apresentaremos a análise
do texto Rato bom e rato malvado, do gênero Texto de Divulgação Científica, publicado na
Revista VEJA, na sessão Ciência. Na análise será procedido um levantamento das condições
de produção (suporte, interlocutores, finalidade e local de circulação) e de seus arranjos
textuais, com o intuito de discutir seus possíveis efeitos de sentido e contribuir com uma
proposta de organização didática de análise lingüística do gênero discursivo em questão. Esse
artigo encontra-se estruturado da seguinte forma: primeiramente, apresentamos os
pressupostos teóricos que subsidiarão nossa análise, as considerações sobre a análise,
destacando as marcas do gênero, finalizando algumas indicações pedagógicas de leitura e
análise lingüística.
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2. Fundamentação teórica
2.1 Os gêneros discursivos
Na introdução deste trabalho defendemos a idéia da adoção dos gêneros discursivos
enquanto objeto de ensino para o ensino de Língua Portuguesa. Nossas asserções se basearam
nos próprios Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa-PCNs (1998, p.21),
que por sua vez retomam os estudos bakhtinianos, linha adotada também pelos pesquisadores
do projeto de pesquisa, por consegüinte, deste trabalho. Dentro das atividades de investigação
dos pesquisadores, enquanto eixo norteador de pesquisa, destaca-se o estudo realizado sobre o
agrupamento dos gêneros apresentado por estudiosos da Universidade de Genebra.
Visando estabelecer a uma classificação, Dolz & Schneuwly (1996) apud Barbosa
(2000), propõem cinco agrupamentos, que podem ser sintetizados em:
gêneros da ordem do narrar – cujo domínio de comunicação social é o da
cultura literária ficcional, enquanto manifestação estética e ideológica que necessita
de instrumentos específicos para sua compreensão e apreciação (exemplos destes
gêneros seriam: contos de fadas, fábulas, lendas, narrativas de aventura, narrativas
de ficção científica, romance policial, crônica literária, etc.). Envolvem a capacidade
de mimesis da ação através da criação de uma intriga no domínio do verossímil;
gêneros da ordem do relatar - cujo domínio de comunicação social é o da
memória e o da documentação das experiências humanas vivenciadas (exemplos
destes gêneros seriam: relatos de experiência vivida, diários, testemunhos,
autobiografia, notícia, reportagem, crônicas jornalísticas, relato histórico, biografia,
etc.). Envolvem a capacidade de representação pelo discurso de experiências vividas
e situadas no tempo;
gêneros da ordem do argumentar – cujo domínio de comunicação social é o
da discussão de assuntos sociais controversos, visando um entendimento e um
posicionamento perante eles (seriam exemplos de gêneros: textos de opinião,
diálogo argumentativo, carta de leitor, carta de reclamação, carta de solicitação,
debate regrado, editorial, requerimento, ensaio, resenhas críticas, artigo assinado,
etc.). Envolvem as capacidades de sustentar, refutar e negociar posições;
gêneros da ordem do expor – que veiculam o conhecimento mais
sistematizado que é transmitido culturalmente – conhecimento científico e afins
(exemplos de gêneros: seminário, conferência, verbete de enciclopédia, texto
explicativo, tomada de notas, resumos de textos explicativos, resumos de textos
expositivos, resenhas, relato de experiência científica, etc.). Envolvem a capacidade
de apresentação textual de diferentes formas dos saberes;
gêneros da ordem do instruir ou do prescrever – que englobariam textos
variados de instrução, regras e normas e que pretendem, em diferentes domínios, a
prescrição ou a regulação de ações (exemplos de gêneros: receitas, instruções de
uso, instruções de montagem, bulas, regulamentos, regimentos, estatutos,
constituições, regras de jogos, etc.). Exigem a regulação mútua de comportamento.
(BARBOSA, 2000, p. 170-171)
De acordo com a classificação acima, o texto a ser analisado pertence à ordem do
expor, porque veicula o relato de uma experiência científica.
O Texto de Divulgação Científica é um gênero particular de discurso que transpõe um
discurso específico de uma esfera do campo científico para a comunidade em geral. Em outras
palavras, é por meio do Texto de Divulgação Científica que a sociedade entra em contacto
com as pesquisas que estão sendo realizadas, dos experimentos em andamento, conforme
apregoa Reis (1964), divulgar cientificamente é
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[...] comunicar ao público, em linguagem acessível, os fatos e princípios da ciência,
dentro de uma filosofia que permita aproveitar o fato jonalisticamente relevante
com motivação para explicitar os princípios científicos, os métodos de ação dos
cientistas e a evolução das idéias científicas.
(REIS, 1964, p. 353)
Isso posto, considerando que o jornalista estará se dirigindo a um público não
especializado, que possivelmente desconhece os termos específicos e jargões da área, é
necessário que seja feita a mediação do jornalista entre os interlocutores: fonte oriunda do
discurso e leitor. Para tanto, considerando que o discurso jornalístico se propõe a divulgar a
informação, cabe ao jornalista torná-lo atraente a tal ponto de convencer o leitor a selecionar a
reportagem e proceder à leitura. No momento de produzir o texto, o jornalista dispõe de
alguns recursos lingüísticos, como, por exemplo, o título e os elementos extralingüísticos,
como fotos e esquemas, elementos estes que auxiliam a leitura e se justificam porque o objeto
do texto não pertence ao mundo cotidiano dos leitores.
Na seqüência, versaremos sobre os gêneros discursivos na esfera científica.
2.2 Os gêneros discursivos na esfera científica
Na esfera do discurso científico, é relevante esclarecermos que o Texto de Divulgação
Científica, doravante TDC, é oriundo da junção de dois gêneros: o gênero discursivo e o
gênero jornalístico. O primeiro serve como fonte de informação e o segundo faz a adaptação
da informação de tal forma que seja compreendida pelos leitores.
Nas palavras de Leibruder (2000), ocorre uma heterogeneidade discursiva
[...] na medida em que incorpora no seu fio discursivo tanto os recursos lingüísticos
daquele que lhe serve de fonte – o discurso científico – quanto daquele que
pretende atingir – o discurso jornalístico. É, portanto, no liminar entre uma e outra
prática discursiva no espaço do interdiscurso, que a atividade de DC se desenvolve.
O diálogo, o contato com seu exterior discursivo é, aqui, o elemento chave do que
vem a ser este gênero discursivo.
(LEIBRUDER , 2000, p.230)
Como podemos observar, é no espaço do interdiscurso que são feitas as adequações do
discurso científico ao público-alvo. Essas adaptações terão influência, como já elencado, do
leitor a que se destina bem como do suporte no qual o TDC será publicado, se em uma revista
especializada da área ou na revista VEJA, Super Interessante, Globo Ciência, Nova Escola,
dentre outras. Com essas asserções queremos ressaltar que a escolha lexical, lingüística, a
decisão da forma como será o título, a necessidade de um subtítulo, do acréscimo de uma
tabela, uma síntese ilustrativa, gravura, dentre outras possibilidades ao dispor do autor que
visam didatizar o texto.
2.3 O Discurso Científico
O DC é usado, sobretudo, para divulgar o resultado das pesquisas dos especialistas.
Para tal finalidade o estudioso o faz um relato através de artigos ou paper que segue uma
estrutura rígida, formal, característica própria do DC, que pode ser sintetizada em três partes.
Na primeira parte, faz-se uma descrição dos materiais usados na pesquisa;
Após, explicita-se quais foram os objetivos e procedimentos adotados e, por
fim,
Apresenta-se os resultados, as conclusões a que se chegou com o experimento.
977
Quanto às características da linguagem utilizada no DC, podemos elencar:
objetividade, concisão e formalidade. Há ainda, a presença de uma padrão lexical, como o
vocabulário técnico específico da área e a nominalização. O tempo verbal se faz presente com
duas possibilidades: o uso dos verbos na 3ª pessoa do singular, acrescidos da partícula se
(índice de indeterminação do sujeito) ou na 1ª pessoa do plural (possivelmente no intuito de
maior neutralidade ao texto, através do apagamento do sujeito).
De acordo com Leibruder (2000, p. 232) os índices de impessoalidade e o apagamento
do sujeito “nada mais são do que mecanismos argumentativos, cuja finalidade é provar a
veracidade e legitimidade do discurso proferido”. Com essas asserções a autora justifica o fato
de o DC é um “fazer persuasivo”, como o são também o DJ e o TDC. A seguir, versaremos
sobre o primeiro.
2.4 O Discurso Jornalístico
Na linguagem usada no DJ, a objetividade, a clareza e a concisão são imprescindíveis
a esta modalidade de discurso. No que se refere ao tempo verbal, é comum o discurso relatado
(tanto o direto como o indireto), a descritividade do fato, por meio da partícula se após os
verbos empregados na 3ª pessoa do singular,. No DJ o foco principal a ser destacado é o fato,
cabendo ao jornalista providenciar sua divulgação da melhor forma possível.
Como ponto convergente entre o DJ e o DC destacamos o apagamento do sujeito.
Observa-se a preocupação do jornalista em ser o mais impessoal possível de modo que as
notícias falem por si mesmas. Por outro lado, ressaltamos como divergente o fato do texto
jornalístico desempenhar sua função – de informar – somente à medida que for lido.
Justamente daí a necessidade de o jornalista estudar o público-alvo a que a informação se
destina, qual o suporte, se há necessidade de utilização da estratégia de gancho frio, através da
qual cria-se uma situação de suspense para prender a atenção do leitor, qual a linguagem a ser
usada, se mais formal ou coloquial, se é necessário a utilização de juízo de valor (metáfora,
comparação, modalizadores, advérbios), dentre outras estratégias que visam prender a atenção
do leitor de forma que ele opte por selecionar a notícia e proceda a leitura da mesma.
2.5 O Texto de Divulgação Científica
Conforme já ressaltamos, o TDC surge da intersecção de dois gêneros discursivos
abordados anteriormente: o Discurso Científico e o Discurso Jornalístico. Cada gênero
discursivo, mesmo pertencendo à mesma ordem – do expor – possui suas especificidades.
Podemos citar como exemplo o uso da linguagem mais formal no DC, termos técnicos
específicos da área, jargão e uso da linguagem mais coloquial no DJ. No DJ assim como no
TDC, faz-se necessário o uso de alguns recursos denominados de elementos didatizantes que
podem ser explorados pelo autor do texto objetivando transmitir a informação ao leitor da
forma mais clara e concisa possível.
No que tange aos elementos didatizantes, podemos sintetizá-los em:
Uso de explicações (ao citar termos técnicos procurar explicitá-los);
Exemplificações;
Comparações;
Metáfora;
Nomeação;
Escolha lexical e recursos visuais.
A utilização desses elementos didatizantes no texto tem a finalidade de aproximar o leitor
do tema a ser explorado. Então, apesar de o texto científico ter sido produzido no interior de
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uma comunidade restrita, para que sejam disseminadas suas pesquisas, experimentos,
descobertas, faz-se uso do TDC escrito para um leitor leigo no assunto e, para isso, o
jornalista utilizará de estratégias que objetivam tornar o texto atrativo ao leitor, de maneira
que o mesmo seja lido, cumprindo assim, o intuito do texto jornalístico: disseminar
informação.
Na seqüência, apresentaremos o TDC a ser analisado.
3. A análise
RATO BOM E RATO MALVADO
Seleção em laboratório cria raças de roedores e raposas dóceis como cães
Um dos maiores mistérios da evolução humana é a domesticação dos
animais. A teoria mais aceita afirma que o homem começou a dominar e a
confinar porcos, ovelhas, cavalos e bois há aproximadamente 10 000 anos.
Num processo que durou milhares de anos, o ser humano selecionou os
animais segundo seu tamanho e a sua capacidade de reprodução, visando
principalmente à sua alimentação. Experiência realizadas na Rússia, que só
recentemente começaram a ser conhecidas no Ocidente, mostram que esse
capítulo da história pode ter sido bem diferente. Baseados em dois longos
estudos com colônias de ratos e de raposas, cientistas russos chegaram à
conclusão de que talvez o homem não tenha se esforçado tanto para adestrar os
animais. Tudo o que precisou fazer foi conviver com os que toleravam sua
presença. Desse convívio harmonioso, novas raças surgiram e deram origem
aos animais que conhecemos hoje.
A tese de que o homem não comandou o processo de domesticação de
animais foi testada pelo geneticista russo Dmitry Belyaev, do Instituto de
Citologia e Genética de Norosibirsk, hoje um complexo de prédios rodeado por
uma floresta de pinheiros na Sibéria. Belyaev e seu irmão, também geneticista,
basearam suas pesquisas nas teorias do austríaco Gregor Mendel, o monge que
primeiro desvelou as regras da hereditariedade. Considerado o pai da genética
moderna, Mendel tinha sido condenado pelo “czar” da biologia soviética,
Trofim Lysenko. Na visão estreita desse ucraniano, ainda eram válidas as
idéias do naturalista Jean-Baptiste Lamarck. Este último, um francês XIX,
desmoralizado pela teoria da evolução de Darwin, sustentava que as
características adquiridas durante a vida por um animal eram transmitidas aos
descendentes. Lysenko acreditava que qualquer planta cultivada em certas
condições produziria centeio. É o mesmo que dizer que um cão criado no mato
dá à luz raposas. Em 1948, o ditador Joseph Stalin praticamente colocou a
genética de Mendel fora da lei, e cientistas foram presos e executados. O irmão
de Dmitry Belyaev morreu num campo de concentração. Dmitry conseguiu
continuar suas pesquisas genéticas, quase em segredo, na Sibéria.
Belyaev procurou simular a domesticação das espécies ocorridas no passado.
Numa população de ratos, selecionou os menos arredios ao contato humano e
fez com que eles gerassem descendentes, sem submetê-los a nenhum
tratamento. Os ratos agressivos foram isolados em outro grupo. A cada geração
o pesquisador repetia o processo, trocando os animais de colônia de acordo
com o temperamento mostrado. Demorou apenas sessenta gerações – ou quinze
anos – para surgir uma espécie de ratos pacíficos e sem medo dos seres
humanos. Quando um visitante entra no biotério, os bichinhos apressam-se em
baixar a cabeça para receber um afago. Em outra pesquisa, Belyaev selecionou
raposas prateadas, uma subespécie da raposa européia, e repetiu com elas o
procedimento feito com os ratos. Apenas oito gerações depois, muitas das que
nasciam no grupo dócil poderiam ser facilmente adotadas como bicho de
estimação. As raposas domésticas uivam baixinho, abanam o rabo e
compreendem o significado de muitos gestos humanos. Em apenas quarenta
979
anos, as ariscas raposas siberianas tornaram-se incrivelmente parecidas com os
cachorros.
Sob o aspecto físico, as raposas também passaram a apresentar certas
características que ajudam a separar os animais domésticos de seus
antepassados selvagens. O rabo curvo, por exemplo, é encontrado também nos
porcos. As orelhas caídas, em gatos, cavalos, ovelhas e bois. O pêlo com
manchas brancas, por sua vez, é uma característica generalizada das espécies
domesticadas. Alguns dos ratos siberianos estão sendo estudados em Leipzig,
na Alemanha. O objetivo dos alemães é encontrar um gene ou um grupo deles
presente nos animais domesticados e que possa explicar esses traços comuns a
várias espécies. Segundo alguns estudiosos (Belyaev morreu em 1985), a
composição do sistema nervoso periférico e do sistema endócrino seria alterada
por um gene ainda na formação do embrião. “Belyaev não apenas mostrou que
a domesticação pode ocorreu muito rapidamente como também tem uma base
genética comum a muitos, se não a todos, animais já domesticados”, disse a
VEJA o americano Tecumseh Fitch, especialista em comportamento animal da
Universidade de St. Andrews, na Escócia.
O entusiasmo com as pesquisas na Sibéria levou especialistas a cogitar que os
mesmos genes estariam presentes em humanos. A tese, pouco convencional,
surgiu depois que o antropólogo inglês Richard Wrangham, da Universidade
Harvard, propôs que os seres humanos seriam primatas que se
autodomesticaram. Ao longo da civilização, os indivíduos agressivos foram
condenados ao ostracismo, enquanto os que conviveram harmoniosamente com
os demais seguiram adiante. Mesmo sem ter provocado orelhas caídas ou
manchas brancas, a presença desse gene no ser humano poderia dar uma
contribuição para o entendimento de nossa evolução.
(TEIXEIRA, 2006, p. 76-77)
De acordo com Dolz & Schneuwly (1996) apud Barbosa (2000, p. 171) o TDC acima
exposto pertence à ordem do expor (embora apresente seqüências argumentativas) que veicula
conhecimentos científicos/relato de experiências científicas.
Leitura global do TDC
Numa primeira leitura global, observamos que este texto tem os seguintes elementos
constitutivos do gênero TDC: disseminação do experimento científico publicado em uma
revista (VEJA), em forma de reportagem, tendo: título, subtítulo, texto, infográfico, fotos,
legendas explicativas, data e cores. Apresenta, ainda, o nome do autor.
O suporte
O suporte utilizado foi a Revista VEJA, veículo de circulação nacional, vendido em
banca de revista e por assinatura, atinge a um público de classe média e alta. Geralmente, o
leitor que a adquire, interessa-se por temas referentes à política nacional e internacional, por
cinema, esporte, ciência, enfim é uma revista que preenche a necessidade de pessoas mais
elitizadas. Com relação ao autor do texto – Duda Teixeira – trata-se de um autor eclético que
escreve sobre diversificados temas, assina artigos críticos sobre política e outros assuntos
polêmicos.
A construção composicional
De uma forma geral, observamos que é um texto atraente para o leitor, há a
apresentação do título “Rato bom e rato malvado”, no qual já podemos constatar a presença
do bem e do mal com o uso do adjetivo bom versus malvado para aguçar a curiosidade
980
característica do ser humano. Em seguida, o subtítulo vem realçar a idéia do dócil/bom com
uma comparação: “Seleção em laboratório cria raças de roedores e raposas dóceis como
cães”.
Neste momento, passaremos a analisar quais características do gênero do TDC estão
presentes na construção do texto.
Comparação
O autor utiliza-se do recurso da comparação para transportar o leitor para dentro do
assunto. Para tanto, associa o comportamento dos ratos ao dos cães, animais muito presentes
no cotidiano humano.
“Seleção em laboratório cria raças de roedores e raposas dóceis como cães”.
Na outra seqüência comparativa o autor também faz referência a “bicho de
estimação” apontando escolhas lexicais familiares aos leitores.
“Apenas oito gerações depois, muitas das que nasciam no grupo dócil poderiam ser
facilmente adotadas como bicho de estimação”.
Voz do cientista
A voz de autoridade está presente nos fragmentos:
“[...] Baseados em dois longos estudos com colônias de ratos e de raposas, cientistas
russos chegaram à conclusão de que talvez o homem não tenha se esforçado tanto
para adestrar os animais. [...]
[...] A tese de que o homem não comandou o processo de domesticação de animais
foi testada pelo geneticista russo Dmitry Belyaev, do Instituto de Citologia e
Genética de Norosibirsk, hoje um complexo de prédios rodeado por uma floresta
de pinheiros na Sibéria. Belyaev e seu irmão, também geneticista, basearam suas
pesquisas nas teorias do austríaco Gregor Mendel, o monge que primeiro desvelou
as regras da hereditariedade. Considerado o pai da genética moderna, Mendel tinha
sido condenado pelo “czar” da biologia soviética, Trofim Lysenko. [...]
[...] Segundo alguns estudiosos (Belyaev morreu em 1985), a composição do
sistema nervoso periférico e do sistema endócrino seria alterada por um gene ainda
na formação do embrião. “Belyaev não apenas mostrou que a domesticação pode
ocorreu muito rapidamente como também tem uma base genética comum a muitos,
se não a todos, animais já domesticados”, disse a VEJA o americano Tecumseh
Fitch, especialista em comportamento animal da Universidade de St. Andrews,
na Escócia. [...]
[...] O entusiasmo com as pesquisas na Sibéria levou especialistas a cogitar que os
mesmos genes estariam presentes em humanos. A tese, pouco convencional, surgiu
depois que o antropólogo inglês Richard Wrangham, da Universidade Harvard,
propôs que os seres humanos seriam primatas que se autodomesticaram. [...] ”
Como podemos constatar, a voz do cientista, como argumento de autoridade, permeia
todo o texto. Talvez, justamente pelo autor do texto – Duda Teixeira - não ser um especialista
na área é que ele recorre a vários argumentos de autoridade, ao longo do relato de seu
discurso. No momento em que se destaca o discurso da cientificidade, ocorre, naturalmente, o
apagamento do sujeito.
981
Termo específico da área
Como termo específico da área podemos destacar o vocábulo “biotério”. Vejamos:
“Quando um visitante entra no biotério, os bichinhos apressam-se em baixar a
cabeça para receber um afago”.
Biotério, de acordo com o Dicionário Aurélio, é um viveiro de cobaias e outros
animais empregados em experiências de laboratório, produção de soros, vacinas, etc.
("http://pt.wikipedia.org/wiki/Biot%C3%A9rio"). Trata-se de uma unidade destinada à
criação e manutenção de animais de laboratório, em condições sanitárias dentro de padrões
estabelecidos, para serem utilizados na pesquisa científica, na preparação de produtos
biológicos, em exames toxicológicos ou no controle de qualidade de alimentos,
medicamentos, vacinas, etc.
O tempo verbal
O autor utiliza os verbos no presente, logo no início do texto, situando o relato no
tempo e trazendo o leitor para o momento atual da produção do discurso: “Um dos maiores
mistérios da evolução humana é a domesticação dos animais...” "A teoria mais recente
afirma". A partir do segundo parágrafo há predominância dos verbos no pretérito perfeito,
tempo característico dos modos de narrar, apesar do TDC ser da ordem do expor. Justifica-se
o emprego desses verbos no contexto, pois o autor traz fatos e personagens da história, bem
como relata as experiências realizadas.
Escolha lexical e recursos visuais
Neste momento focaremos a importância da escolha lexical, uma vez que através dela
forma-se uma teia que vai tecendo, paulatinamente, o sentido do texto.
“[...] Apenas oito gerações depois, muitas das que nasciam no grupo dócil
poderiam ser facilmente adotadas como bicho de estimação. As raposas domésticas
uivam baixinho, abanam o rabo e compreendem o significado de muitos gestos
humanos. Em apenas quarenta anos, as ariscas raposas siberianas tornaram-se
incrivelmente parecidas com os cachorros. [...]”
O operador argumentativo “apenas”, assinalador de um limite de tempo mínimo, neste
contexto, está presente por duas vezes no mesmo período para propiciar a idéia de como em
quão curto espaço de tempo, houve a constatação da mudança comportamental. A própria
escolha lexical “grupo dócil”, “facilmente adotadas”, “como bicho de estimação” vai
reforçando o campo semântico. Com relação ao vocábulo “cães” não é diferente, pois a
seleção não foi aleatória, tanto que é consenso popular que a espécie animal mais próxima do
homem é o cachorro, inclusive o ditado sedimentado culturalmente assim o diz: “o cão é o
melhor amigo do homem”.
Observe o leitor que através da forma como o discurso vai sendo construído,
gradativamente, há a tentativa de convencer, persuadir o leitor que tanto o rato como a raposa
também podem vir a ser domesticados e se este fato ocorrer, serão tão dóceis quanto o
cachorro. Isso é explícito quando o autor descreve o comportamento das raposas: “As raposas
domésticas uivam baixinho, abanam o rabo e compreendem o significado de muitos
gestos humanos”.
982
Outro recurso visual explorado é a infografia, um elemento visual cada vez mais usado
pelos veículos de comunicação para criar o aspecto visual da informação. Trata-se de um
conceito moderno, em que se aliam imagem e texto para oferecer ao leitor melhor percepção
do assunto tratado. No texto analisado esse recurso foi muito bem explorado. Vejamos:
No que se refere ao aspecto gráfico, como podemos observar, as ilustrações são tão
claras que já anunciam todos os passos da pesquisa. O autor, desde o início do texto, defende
a idéia da possível domesticação de uma espécie selvagem em um curto espaço de tempo.
Para isso, ele inicia o artigo com uma afirmação contundente, usando o tempo verbal no
presente: “Um dos maiores mistérios da evolução humana é a domesticação dos animais”.
Logo na primeira parte do artigo, Teixeira discorre sobre como foi o processo de
domesticação dos animais até recentemente. Porém, logo em seguida, argumenta que estudos
realizados na Rússia apontam que talvez o homem não tenha se esforçado o suficiente para
domesticá-los. Para defender a tese, o autor apresenta o geneticista russo Dmitry Belyaev e
seu irmão, ambos seguidores de Gregor Mendel, “pai da genética moderna”, colocado no
anonimato por Joseph Stalin, em 1948. Apesar de o irmão de Dmitry Belyaev ter morrido em
um campo de concentração, ele prosseguiu com suas pesquisas na Sibéria.
983
Os argumentos acima elencados se justificam devido ao fato dos dados só serem ter
sido apresentados à comunidade científica agora, no século XXI, em Leipzig, na Alemanha.
A pesquisa, conforme ilustração acima, demonstra que, após 15 anos, de acordo com
os procedimentos detalhados, foi o suficiente para surgir uma geração de ratos diferenciados:
pacíficos. Para o leitor não pensar que isso só é possível no caso dos ratos, é relatado o
experimento feito com as raposas, cujo resultado foi semelhante: após 40 anos, tornaram-se
parecidas com o cachorro.
Após apresentar todo esse histórico, o autor traz para o texto o americano Tecumseh
Fitch, especialista em comportamento animal, da Universidade de St. Andrews, na Escócia..
A citação do cientista vem endossar as pesquisas de Belyaev sobre a rapidez da domesticação,
bem como a base genética comum a muitos, “se não a todos animais já domesticados”.
Em seguida, o jornalista apresenta a tese defendida pelo antropólogo Richard
Wrangham, da Universidade de Harvard, que propôs “que os seres humanos seriam primatas
que se autodomesticaram”. Para finalizar, o autor sinaliza que essas descobertas poderiam
ajudar na pesquisa da origem genética da agressividade humana, tocando, indiretamente, em
um dos maiores problemas da atualidade: a violência.
As marcas lingüístico-enunciativas, em relação às condições de produção do gênero TDC
O uso das aspas
No que se refere à voz do cientista, o jornalista traz um especialista em
comportamento animal e cita a instituição para dar mais credibilidade à tese defendida:
“Belyaev não apenas mostrou que a domesticação pode ocorreu muito rapidamente como
também tem uma base genética comum a muitos, se não a todos, animais já domesticados”.
Neste trecho destacamos o uso das aspas, outro recurso mobilizado pelo autor na produção de
sentidos.
Alguns elementos lingüísticos merecem destaque, pois neles pode estar presente a
subjetividade do autor. Ao citar Trofim Lysenko, temos a seguinte asserção: “Na visão
estreita desse ucraniano [...]”, observamos que o uso do adjetivo “estreita” indica a escolha
valorativa do autor. O mesmo pode ser notado quanto o autor cita as pesquisas realizadas na
Sibéria: “[...] levou especialistas a cogitar que os mesmos genes estariam presentes em
humanos. A tese, pouco convencional, surgiu depois que o antropólogo inglês Richard
Wrangham [...]”. Neste fragmento, destacamos o operador “pouco”, pois podemos inferir que
o autor relativiza esse posicionamento. No próximo fragmento, notamos, inclusive, um tom de
ironia utilizado por parte do jornalista:
“[...] as idéias do naturalista Jean-Baptiste Lamarck. Este último, um francês do
início do século XIX, desmoralizado pela teoria da evolução de Darwin,
sustentava que as características adquiridas durante a vida por um animal eram
transmitidas aos descendentes. Lysenko acreditava que qualquer planta cultivada
em certas condições produziria centeio. É o mesmo que dizer que um cão criado
no mato dá à luz raposas.
No fragmento:
‘Experiências realizadas na Rússia, que só recentemente começaram a ser
conhecidas no Ocidente, mostram que esse capítulo da história pode ter sido bem
diferente”
984
O autor utiliza-se do vocábulo recentemente para assinalar a atualidade da pesquisa.
O autor procede às escolhas destacadas, inferindo que se estes estudos não tivessem ficado
tanto tempo em segredo os resultados seriam outros.
Para finalizar, apresentaremos, no quadro abaixo, a descrição do gênero TDC na
revista VEJA, como forma de sumarização da análise:
1) Contexto de produção e relação autor-leitor-texto
Autor-enunciador
Duda Teixeira
Provável destinatário
Leitores da revista VEJA – adulto
Local e época de circulação
Revista VEJA, circulação nacional, vendida em banca de
revista e por assinatura e atinge um público de classe
média e alta
Provável objetivo da interação Divulgar pesquisas científicas
TDC com o intuito de difundir o conhecimento acerca dos
2) Conteúdo temático
resultados de pesquisas recentes
Título, subtítulo, fotos ilustrativas e didáticas, organização
3) Organização geral
textual, aspectos gráficos aliados ao tema proposto
4)
Marcas
lingüístico- Linguagem formal, predomínio da norma padrão com uso
de termos científicos. Uso de aspas, citação de vários
enunciativas
cientistas/estudiosos para dar credibilidade ao discurso,
apagamento do sujeito, exemplificação, comparação,
metáfora.
4. Conclusão
Diante do exposto, queremos destacar a importância da mediação do professor na hora
da transposição didática do texto científico em sala de aula. O texto em pauta traz fatos
históricos, citando o ditador Joseph Stalin e Gregor Mendel, dentre outros, e essas citações
requerem que o professor contextualize o momento sócio-histórico. Por fim, queremos
enfatizar a importância de um trabalho interdisciplinar, tendo os gêneros discursivos como
objeto de estudo, conforme apregoam os PCNs de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998, p.21).
5. Sugestões metodológica
Nossas sugestões metodológicas são direcionadas para os alunos da 8ª série, pelo fato do
projeto de pesquisa, no qual este artigo insere- se, trabalhar com séries de fechamento do ciclo
básico. Na seqüência, apresentaremos algumas sugestões de encaminhamento de trabalho para
o professor, visando uma posterior proposta de produção de texto:
Qual é o tema abordado no texto que acabamos de estudar?
Qual é a opinião defendida sobre o tema?
Que fragmentos do texto comprovam/justificam a resposta da questão anterior?
Transcreva-os.
Qual é a sua opinião particular sobre este assunto? É possível o homem domesticar
todos os animais? Quais espécies, no seu entender, são mais facilmente domesticadas
e por quê?
É possível esse mesmo tipo de experimento com a espécie humana? Justifique sua
resposta com argumentos/informações que defendam sua opinião.
A voz do cientista, enquanto argumento de autoridade, para dar credibilidade ao
discurso, se fez presente em todo o texto. Localize os fragmentos.
Pesquise no dicionário qual o sentido da palavra “biotério”.
985
No texto é citado o ditador Joseph Stalin, faça uma pesquisa e apresente para os
amigos o que é ser um ditador e quem foi a pessoa citada.
Substitua a expressão “apenas”, na frase a seguir, por outra de sentido
semelhante/equivalente: “Demorou apenas sessenta gerações – ou quinze anos – para
surgir uma espécie de ratos pacíficos e sem medo dos seres humanos.”
O texto faz uso do recurso visual para explicar como foi feito o experimento
científico. No seu entender está adequadamente explicado? Argumente.
Por que a citação do americano Tecumseh Fitch veio entre aspas?
No último parágrafo do texto são citados alguns termos, como antropólogo, primatas,
ostracismo, gene. Faça uma pesquisa sobre estes termos e explique para o seu colega o
que significa cada um deles.
Traga, para a sala de aula, um artigo que aborde o relato de uma experiência científica
atual. A seguir, proceda e leitura e discuta com um colega qual é a organização do
texto. Veja se há título, subtítulo, elementos visuais, gráficos, se há citação da fala de
alguém, se aparece a voz do cientista e como ela aparece.
Para concluir, escreva, com suas próprias palavras, de forma clara, objetiva e sucinta,
sobre o que você leu/discutiu no artigo citado no item anterior. Em seguida, troque o
texto produzido com seus colegas de classe para que se cumpra uma das principais
funções do texto científico jornalístico: a disseminação de informação.
O professor poderá trabalhar interdisciplinaridade com os professores de História e
Ciências Biológicas motivando-os a pesquisarem os estudiosos citados no texto e o
momento sócio-histórico dos fatos.
O professor, na qualidade de mediador, poderá trabalhar com outros textos do mesmo
gênero, para que os alunos observem a linguagem, procurem identificar as marcas do
TDC, tais como a voz do cientista, os elementos didatizantes (definição, nomeação,
exemplificação, comparação, metáfora), uso de aspas, voz de autoridade, dentre outras
características do gênero estudado.
Para finalizar, queremos (re)lembrar ao professor a importância da articulação e
progressão curricular. No caso deste artigo, faz-se necessário um estudo sobre outros
textos da ordem do expor, até culminar com o texto de divulgação científica.
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