Osman Lins 1924-1978 Os Gestos Características Sondagem interior → Captação profunda da condição humana entre os homens Solidão / desespero / frustração André → fisicamente amordaçado por seu estado de mudez, enclausurado em seu quarto Oposição marcada entre as personagens [A mulher vestida de escuro → ar de enfado, fria, vigilante≠ Rodolfo com a roupa branca → amplitude, liberdade, viagens] [2) Lise → dedicada ≠ Mariana → autocentrada] Contraste entre a interioridade da personagem e o ambiente externo da personagem. [1) Janela de seu quarto → paisagem → bem estar] [2) Chuva → evasão → fluir do tempo] [3) Fechamento e abertura da janela → angústia] Gestos ásperos, calmos Discurso interiorizado → reflexivo, evasivo, lúcido, sonhador “Para sempre exilado – pensou. Minhas palavras morreram, só os gestos sobrevivem. Afogarei minhas lembranças , não voltarei a escrever uma frase sequer. Igualmente remotos os que me ignoraram e os que me amam. Só os gestos, pobres gestos...” Reencontro Sondagem interior Desencontro afetivo Fluir do tempo [ o reencontro casual num vagão de trem] Incomunicabilidade entre os homens Complexidade de sua fisionomia interna → a partir de sua confrontação com o outro Oposição marcada entre as personagens Zilda → visão serena e distanciada do passado ≠ interlocutor → carregada de emoção e lembranças] Impossibilidade de se guardar um “tesouro comum” [1) “O tesouro que eu supunha comum, e unicamente meu – verifico. Apesar de havermos vivido durante muito tempo as mesmas aventuras, cada um recolheu o que elas continham de si próprio. Evocá-las, jamais repetira o milagre de fazer com que sejam um elo entre nos – se é que mesmo naquele tempo estivemos unidos algum dia” A importância dos gestos [“....aquele foi o último gesto espontâneo entre nos.”] A Partida Sondagem interior Oposição marcada entre os personagens [1) O neto em busca de um ambiente libertário ≠ avó, que a ele se dedica com afetividade exagerada e opressora] Angústia, medo Tensão → revelação do estado emocional e afetivo Despertar a consciência e trazê-la à realidade Contraste entre a interioridade da personagem e o ambiente externo [1) Ruídos → “arrastar de chinelos” , “cuidadoso abrir e lento fechar de janelas”, pelo “tique- taque do relógio”, pelo tilintar de talheres e xícaras → Tristeza (quietude da casa) → o menino vai deixar no dia seguinte a casa da avó Objetos carregados de história afetiva [1) Esquivei-me, apanhei a maleta e, ao fazê-lo, lancei um rápido olhar para a mesa (cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só se usava em nossos aniversários] Gestos carinhosos [“Afinal, ela beijou-me a fronte e se afastou, abafando os soluços”] Cadeira de balanço Os pensamentos de uma grávida (Júlia Mariana) oscilam entre a dificuldade dos afazeres domésticos e o prazer do descanso Cadeira de Balanço → afeto, acalanto, repouso, reflexões ≠ autoritarismo do marido (Augusto) Submissão ao marido → mentalidade ainda reinante na década de 1950 Exame de consciência → silêncio e sossego da tarde. O corpo se cola ao fino contorno da cadeira de balanço Repetição do balanço da cadeira → questiona suas certezas (vida) Solidão → experimentada no convívio direto com o parceiro Incomunicabilidade → Júlia Mariana é alvo de desprezo → pelos gestos rotineiros do majestoso Augusto que nem sequer a olha. [1) “Quando Augusto voltou, o pranto cessara mas seus olhos ainda estavam vermelhos. Sem olhá-la, ele jogou ao sofá um jornal e o chapéu, tirou o paletó, a gravata e pendurou-os num gancho. (Era o ritual da chegada) Abriu a janela, apanhou o jornal, tocou no ombro da mulher. Júlia Mariana se ergueu com esforço e ele ocupou o lugar” O Vitral Fragilidade humana Linguagem intimista Lembranças [ aniversário dos vinte anos de casamento] Fragmentária exposição de conteúdos mentais Absorção do valor real de uma vida “opaca” Contraste (sonho ≠ realidade) O vitral é o objeto norteador da trama, refletindo as luzes coloridas numa desordem multicor, atravessando a mente da personagem Matilde, despertando-a quanto ao fluir do tempo Monólogo interior da personagem Narrador onisciente Movimento psicológico, unindo o ambiente externo, ondulante, colorido, musical, ao sentimento interno de Matilde. A luz refletida pelo vitral → rapidez da mudança de sentimentos, de momentos especiais que não se pode guardar, apenas senti-los vivê-los Articulação de flashes temporários da vida de Matilde costuradas no momento presente Expectativas → transitoriedade entre o momento presente e as lembranças do passado → material lingüístico → valores nocionais e valores visuais e sonoros [1) “Flutuavam raras nuvens brancas, as folhas das aglaias tinham um brilho fosco[...] seguiram, soprou um vento brusco, uma janela se abriu, o sol flamejou nos vidros” A hora tão esperada chega. Já na rua, Matilde aprecia a beleza do dia, e a alegria que dele resplandece, calmo e sereno, como ela mesma. Uma esposa dedicada, uma mulher submissa que consegue, de forma única, ao lado do marido, de braços dados, sorrir porque percebe que a felicidade é como a luz que transpassa o vitral: tênue e passageira. Mas, que por um breve momento, lhe traz uma valiosa descoberta, por mais simples e banal que pareça ser. E sabe, intimamente, que não pode guardá-lo em lugar algum, nem numa fotografia. Contudo, aquele momento vai estar retratado em sua memória, sinônimo de experiência:daí a forca sugestiva e expressiva da fotografia que nos leva a interrogar: o que vale a vida? “Ela apertou o braço do marido e sorriu, a sentir que um júbilo quase angustioso jorrava de seu íntimo. Compreendera que tudo aquilo era inapreensível: enganara-se ou subestimara o instante ao julgar que poderia guardá-lo. “Que este momento me possua me ilumine e desapareça – pensava. Eu o vivi. Eu o estou vivendo”. Sentia que a luz do sol a trespassava, como a um vitral.” O vitral, imagem norteada do conto, mostra a rapidez da mudança de sentimentos tão presentes em nossas vidas, passando do desencanto ao encantamento, do desejo a possível realização de um sonho íntimo. “Minha vida é um único dia. E assim que o passado me é presente e futuro. Tudo numa só vertigem. E a doçura e tanta que faz insuportável cócega na alma. Viver e mágico e inteiramente inexplicável. O que me importa são os instantâneos fotográficos das sensações – pensadas, e não a posse imóvel dos que esperam que eu diga: olha o passarinho! Pois não sou fotografo de rua.” (Clarice Lispector) Elegíada Situação máxima da solidão do idoso Puro lirismo Diálogo – monólogo [ personagem assume a voz da narrativa ] Discurso interiorizado [o velho conversa mentalmente com sua mulher, durante o velório] Rememorações valorizadas → cotidiano vivido pelo casal Contraste → experiência do convívio com a mulher que acaba de perder e com quem construiu uma vida e uma família e a que se anuncia a partir de então A dor da perda [1) “Decreto, minha dor não é violenta. É cansada. Mas é tão vasta, tão desalentada e profunda... Eu vou ficar sozinho, querida...” “E agora, querida, com quem repartirei estas memórias ? Tu te vais e o peso do passado é muito grande para que eu o suporte sozinho. As palavras – todos sabem são mortalmente vazias para exprimir certas coisas. Quando nos sentávamos, sós, a recordar nossa vida, não eram elas que restauravam os fatos: éramos nós.” Nove, Novena (1966) Os confundidos Diálogo conflituoso de um casal Antagonismo verbal → revolta, cólera, loucura e lucidez da mulher que reage aos sentimentos de ciúme, dúvida e desconfiança do marido Reflexões sobre amor Mistura de identidade Monotonia da vida O diálogo ( oito segmentos de diálogo) é entrecortador por trechos narrativos (sete trechos) [marcações teatrais] Clima que oscila entre os pólos da definição e da indefinição Sujeito indefinido → “levantou-se” (não se sabe se e homem ou a mulher) ≠ o inventário dos objetos ornamentais → ressalta detalhes O tema da confusão se materializa → sensações das personagens de mãos dadas Subversão do uso dos pronomes: [ele/ ela] Ausência da segunda pessoa no diálogo [1) “Um de nós levantou-se, ou irá ainda levantar-se, entre abrir a cortina, olhar a noite”] [2) “Estamos de mãos dadas, qual destas mãos arde? Olhamos a parede vazia.”] Cada um é si próprio e também o outro em um caminho que parece sem volta [1) ”Quero sair disto... Mas como, se perdi a identidade e não sei mais quem sou? Somos como dois corpos enterrados juntos, corroídos pela Terra, os ossos misturados. Não sei mais quem eu sou.”] O “eu” desdobrado em “ele” e “ela” (separam/ fundem) [ “E nos guiamos, giramos e voltamos sempre ao mesmo ponto”] Curto espaço de tempo:→ início – “Estou cansada. Quase meia noite.” (Mulher) Final – “É mais de meia noite” (Marido) Conto Barroco ou Unidade Tripartida História composta de alternativas tríplices. ( Três focos narrativos ) Características central → conjunção “ou” (tanto no título quanto no decorrer das histórias) Diferentes alternativas → nada se realiza, ninguém chega a um lugar preciso e realiza uma determinada ação Os espaços coletivos tendem a eliminar o centro pessoal (= personagem central) Núcleo central → um matador, que é o narrador está encarregado de matar José Gervásio, sem saber o motivo. Para encontrá-lo oferece dinheiro a uma prostituta negra que mantivera um relacionamento com Gervásio, pai de seu filho. A negra aponta-lhe seu ex-amante em três situações e cidades diferentes. 1ª – Congonhas, Ouro Preto e Tiradentes (cidades barrocas mineiras)→ a morte de um passado sagrado → revivido num presente profano 2º - A estrutura da narrativa → três alternativas a partir do contato entre o assassino e a negra. Ser procurado pelo pai da vítima Ser procurado pelo próprio Jose Gervásio Ser procurado pela negra [objetivo de acabar com a intenção criminosa] 3º - Consumação do assassinato: Morre a negra por engano O perseguido é morto esfaqueado O pai é assassinado com um tiro Sonhos, alucinações do narrador Personagens sem identidade civil: o assassino, a negra e o pai. Apenas a vítima é designada pelo pronome Jose Gervásio Oposição eclesiástica → carnavalização → ao invés de celebrar a religião do espírito, dá lugar à religião da carne Paródia da Santíssima Trindade (a negação da religião cristã) Assassino → Pai (tirar e não dar a vida) Gervásio → Filho (explorando a crença da população mais pobre) Negra → Espírito Santo (não por unir o Pai ao Filho, mas por trair) Profanação dos elementos da cristandade → sexo e morte ≠ espiritualismo e a vida Imagens barrocas → não com o intuito de reforçar a idéia de ser uma história escrita nesse estilo, e sim desconstruir a imagem santificada e, em seguida reconstruí-la sob o aspecto humano. [1) “... a atitude de um anjo que vi não me recordo onde, erguendo um cálice”] = descrição da negra logo após seu encontro amoroso. Pentágono de Hahn Símbolo epifânico → Hahn (uma elefanta de circo que chega à cidade de Vitória , em Pernambuco) Hahn – agente catalítico – desencadeia reações no íntimo de alguns moradores da cidade: uma criança, um jovem, um solteirão, um homem casado e uma anciã. Os diversos monólogos interiores focalizam na elefanta, figuração do exótico, seus desejos de fuga para longe da mesquinharia, instaurando-lhes o desejo de superar as limitações, preencher as carências e atingir um ideal de vida O final das histórias não traz uma solução: Anciã → solidão A jovem → preconceito O celibatário → continua sozinho O homem casado → retorna a Recife O menino → o destino fica em aberto Monólogos interiores → sinais gráficos Polifania de mudas vozes autodialogantes → partitura musical “A orquestra inicia, ligeiramente adulteradas, as primeiras frases da marcha Triunfal, da Aída”. Amor → insensatez “E se vão todos atrás da elefanta, é porque a amam, à falta de melhor”. O pássaro transparente Monólogos interiores Misturam-se em ziguezague o passado e o presente do protagonista Nove segmentos → nove fases da vida da personagem Da infância à idade adulta → sem obedecer a ordem cronológica Fracasso de um homem que sucumbe as pressões da família e absorve seus valores Movimento repetitivo em duas partes: 3ª p.s →narra uma vida da personagem Discurso direto interior (durante o evento focalizado) A vida de um homem metódico e infeliz no casamento (Eudóxia) abre espaço para o diálogo vinculado à presença da mulher “fonte dos sonhos” (artista) A ex-namorada realiza o sonho de juventude de ambos: partir para a Europa e lá desenvolver suas aptidões artísticas O externo e o interno do protagonista → alternância do ele e do eu Pássaro → liberdade, amplidão ≠ o peso necessário ao rigoroso vôo [1) “Ora veja, quem podia imaginar que ele ia se tornar uma artista famosa”. O jornal reproduzia uns quadros seus, frutas, pássaros voando. Um era transparente, via-se o pássaro e o coração do pássaro. Tinha um jeito de ave de rapina – e olhar de gente. Pastoral Baltasar → o adolescente hostilizado pela família Vinte parágrafos → cenas da vida do personagem Cortes cinematográficos (interrupções) Busca da liberdade ( revelação do padrinho a respeito da mãe ) Baltazar nega-se a ser o duplo do pai Personalidade forte Denuncia a violência da estrutura patriarcal Baltazar → narrador → 1ª p.s Narrador da própria morte (descreve o próprio velório) O adolescente não é um defunto-autor (Brás Cubas / Machado de Assis) O “eu” acha-se tão distanciado da personagem quanto um “ele” [“Estirado na mesa, sem velas, dedos cruzados, a pele de raposa cobrindo-me as virilhas”] Objeto de afeto (Canária) [“...nesta casa fria, fui capaz de amar e de morrer por isso”] Retábulo de Santa Joana Carolina Conto inspirado na avó paterna de Osman Lins 12 módulos = 12 mistérios Narra a vida de Joana, sob vários pontos de vista (da infância à velhice) Sucessão de células dramáticas, cada uma delas com começo, meio e fim entremeadas de trechos digressivos A vida simples de uma professora de uma pequena cidade torna-se épica, mítica e bíblica em uma narrativa permeada de símbolos do zodíaco, paisagens áridas e personagens duros, dor e sofrimento que são mostrados de forma cristalina até o momento final de Joana Carolina Se por um lado, realiza-se a inserção desta especial mulher nordestina no cosmos, por outro, a cena do enterro é descrita pelo povo, num ritmo batido, intensamente violento. Dimensão social e cósmica da protagonista em luta contra o mundo. Narrativa de protesto contra um modo de vida, de pobreza e morte, no nordeste do Brasil (Osman Lins) “Padre: tentei, minha vida inteira, viver na justiça. Terei conseguido?