A Rede Globo e o Desafio da TV Digital no Brasil
Autoria: Paula Castro Pires de Souza Chimenti, Antônio Roberto Ramos Nogueira,
Marco Aurelio de Souza Rodrigues, Luiz Felipe Hupsel Vaz, Rebecca Arkader
Resumo
A Rede Globo é líder absoluta de audiência e investimento publicitário no Brasil há
mais de 35 anos. Contudo, com o advento de novas tecnologias como internet, dispositivos
móveis e TV digital, novos desafios emergem. A passagem de todo o conteúdo produzido
pela empresa para alta definição (HD) foi o primeiro, mas muitos outros restam pela frente:
como preparar a empresa para esse novo ambiente? Como atrair mais investimento
publicitário? Estará a TV aberta ameaçada? Como lidar com interatividade e gerir o
relacionamento com seus consumidores?
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Sentado em sua sala naquele dia chuvoso de julho, Celso Araújo, gerente de
tecnologia da Rede Globo de Televisão observava de sua janela o Projac, seu Centro de
Produção de Televisão, o maior produtor de conteúdo audiovisual da América Latina.
Desde sua inauguração, em 1995, o Projac havia superado inúmeros desafios e
consolidado a Globo na liderança de audiência. Nesse momento, outro desafio estava na
ordem do dia: a introdução da TV Digital. Ele e sua equipe percebiam a nova tecnologia com
um potencial de mudança que não se comparava com nenhuma outra do passado, superando a
introdução do gravador de vídeo e da cor. Para ele, estas últimas haviam sido mudanças
significativas, mas incrementais. Agora, algo diferente estava por vir.
“Estamos diante do relançamento da TV” – pensou Celso. “E com todas as
implicações que um lançamento acarreta”.
Ele acabara de virar a noite em seu escritório, após uma reunião estafante com a
equipe de Engenharia e Operações. Muito já havia sido feito e os resultados eram visíveis,
mas ainda havia muito a ser resolvido para que a produção de vídeo em alta definição (um dos
componentes do que se chama TV Digital), experimentada em alguns programas-piloto,
pudesse ser estendida para toda a produção da emissora. Isso sem contar com a transmissão
para dispositivos móveis, que precisava ainda ser concebida, já que a programação da Globo
sempre fora pensada para a tela da TV, mas não para a “telinha” de um celular. Havia ainda a
interatividade (o outro componente do conceito de TV Digital), tão valorizada por uns e tão
subestimada por outros, tanto no mercado como no âmago da própria empresa.
Celso discutira com sua equipe não apenas os aspectos técnicos da mudança, mas
também o próprio modelo de negócio. Afinal, desde seu início, o processo de definição do
modelo de TV Digital e a revisão de processos necessária para sua implementação haviam
sido liderados pela área de Engenharia, tendo em seu diretor o grande campeão do projeto.
Apesar dos desafios técnicos, eram as indagações estratégicas que tiravam o sono de
Celso: quais as implicações para os telespectadores da implantação do sistema de TV Digital?
Como e quanto investir na interatividade? Seria ela irrelevante, prejudicial ou uma nova
alavancadora da TV aberta no país? E quanto à mobilidade, qual seria o modelo de negócios
ideal e como seria a relação da empresa com as operadoras de telefonia? E, principalmente, a
TV Digital garantiria o sucesso do atual modelo de TV Aberta Brasileira no futuro?
Uma Pequena História da Televisão
Em 1930, nos EUA, foi realizada a 1a transmissão experimental de TV. O nascimento
da televisão comercial se deu pela exibição do primeiro discurso presidencial em 1939, ano
em que aparelhos de TV começaram a ser comercializados. Em 1945, o estabelecimento de
um padrão único e o fim da guerra acarretaram um crescimento exponencial da TV. A
migração de consumidores do rádio para a TV foi rápida. Em 1949, a TV já havia tirado 41%
da audiência do rádio, e em 1951 existiam cerca de oito milhões de aparelhos de TV em uso.
Seguindo o modelo do rádio, a maioria dos programas de TV era patrocinada por uma
única empresa, cujo nome batizava o “show” em questão. Os anos 50, chamados de “Era de
Ouro”, caracterizaram-se por um grande crescimento da produção e programação, composta
na época por comédias, shows, policiais, westerns e noticiários. As maiores estações
conseguiam lucros imediatos e impressionantes, mas o negócio ainda não estava consolidado.
Nesta época, surgem as primeiras redes de televisão, estruturas onde uma central
oferecia programação, própria ou de terceiros, para múltiplas estações em diferentes mercados
geográficos. As redes e estações faziam dinheiro com propaganda nacional ou local. A função
principal da rede era a intermediação entre publicitários, produtores de conteúdo e estações
locais, garantindo economia de escopo, escala e menores custos de transação. A cor foi
introduzida na mesma década, assim como a TV a Cabo, trazendo um modelo de negócios no
qual o expectador remunerava diretamente o fornecedor do conteúdo. Outras inovações
relevantes ligadas à TV foram o VCR, o LaserDisk, o DVD e a Internet.
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A Televisão no Brasil
No Brasil, a história da TV Aberta começou com Assis Chateaubriand, jornalista e
proprietário dos Diários Associados - uma cadeia de jornais e emissoras de rádio - que
inaugurou a PRF-3 TV TUPI de São Paulo, em 1950, tornando o Brasil o 4o país do mundo e
o primeiro da América do Sul a implantar a televisão. A TV Record foi a segunda a entrar no
ar, em 1953, com a exibição de um programa musical. Entre os objetivos da emissora na
década de 1960 estava a expansão da distribuição de seu sinal dentro do Estado de São Paulo.
A TV Globo do Rio de Janeiro, a primeira concessão da empresa que mais tarde
formaria a Rede Globo de Televisão, entrou no ar em 1965. Fundada pelo jornalista Roberto
Marinho, a TV foi criada dentro de um grupo já experiente no ramo de mídias e comunicação,
as Organizações Globo, que também contemplavam o Jornal O Globo e a Rádio Globo. Desde
o início, a TV Globo se diferenciava na televisão brasileira pelo seu conceito de qualidade.
Em 1967, o empresário João Saad fundou a TV Bandeirantes de São Paulo, que
oferecia uma programação fortemente baseada em jornalismo, esporte e entretenimento por
meio de filmes, programas de auditório e musicais.
Em 1968, a Rede Globo foi pioneira ao transmitir via satélite o lançamento da nave
Apollo IX. A operação em rede nacional foi iniciada em 1969, com o Jornal Nacional, o
primeiro telejornal brasileiro a ser transmitido nesses moldes. Nos anos 70, a Globo
transmitiu ao vivo a Copa do Mundo de 1970 e começou a implantar o chamado "Padrão
Globo de Qualidade", com uma grade semanal fixa composta de um horário nobre,
preenchido com duas novelas, seguidas por um telejornal, mais uma novela e depois a linha
de shows, filmes ou o “Globo Repórter”. Ao fim da década, isso se mostrou decisivo para a
conquista da liderança de audiência, uma vez que as duas grandes redes à época, Record e
Tupi, se deterioravam por falta de recursos e estratégia. A Globo começou a transmitir em
cores junto às demais em 1972 e em 1977 tinha toda a programação nesse padrão.
O empresário Silvio Santos, que desde os anos 60 produzia seu programa de forma
independente, inaugurou em 1976 a TV Studios (TVS) do Rio de Janeiro. Neste momento a
Rede Globo era líder de audiência, com 60% dos pontos e 75% do investimento publicitário.
A Record possuía 28% da audiência, embora com apenas 7% de share do bolo publicitário,
enquanto a Bandeirantes, com audiência de 12%, atingia uma fatia de 18% do investimento
publicitário. Em agosto de 1981, foi colocada no ar a rede do Sistema Brasileiro de Televisão,
com a transmissão da assinatura de contrato entre Silvio Santos e o governo federal.
Na década de 1980, a Record começou a operar em conjunto com a TVS, passando a
ser praticamente uma retransmissora do SBT, que se consolidou no segundo lugar de
audiência. Apesar de direcionar seus programas para classes sociais mais baixas e ganhar 30%
da audiência, o faturamento publicitário ainda era menor que 5% do bolo publicitário. Ela
ajustou sua estratégia, mantendo a programação popular, porém com preocupação com a
qualidade, garantindo-lhe o segundo lugar durante toda a década de 1990.
Em 1991, a Record sofreu uma mudança de controle acionário, passando a ser dirigida
pela Igreja Universal do Reino de Deus, que a ampliou para uma rede nacional.
Em 1995, a TV Globo viveu um marco: a inauguração do Projac e a consequente
unificação física de toda sua teledramaturgia. Mais que um centro de produção para TV, o
Projac nasceu com o desafio de ser um produtor de conteúdos para diversas mídias. Lá
comecaram a ser produzidos filmes e novelas para o exterior, apesar da barreira imposta pela
língua portuguesa. A Globo passou assim a ocupar uma posição entre as maiores produtoras
de programas próprios do mundo, com 88% de produção própria em seu horário nobre.
O diretor executivo de competências da Globo, Edson Pimentel, descreve o episódio:
Quando o Projac foi implantado, como uma verdadeira fábrica de sonhos, três vertentes
distintas foram consideradas. A vertente de revisão de processos foi fundamental para a
empresa. Era preciso olhar para o novo modelo de produção de forma a ter ganho de
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qualidade e de produtividade. Por exemplo, nada no Projac é empurrado, é tudo sobre rodas,
não há escada entre as áreas de ligação operacional. Todas as áreas do processo de produção
estão na mesma planta, quando antes o ator ficava no Jardim Botânico, o cenário em
Bonsucesso e a cidade cenográfica em Sepetiba. Outra vertente é o investimento em
tecnologia, que permitiria gravar algo para televisão aberta, mas que tivesse qualidade
suficiente para ir para outra mídia, como o cinema. O Auto da Compadecida [mini-série a
partir de um texto literário brasileiro] foi o primeiro teste. Na forma mais comum, o filme
vai para a tela grande, depois vai para a locadora, depois vai para a TV paga e depois para a
TV aberta. O Auto da Compadecida fez o caminho inverso e em todos eles bateu recordes.
Como foi uma das minisséries com maior audiência, resolveu-se fazer o filme, começamos
com 60 salas, depois passou para 1400 salas, e vendeu como DVD também. A terceira e
mais importante é o talento. Na visão da empresa, o acesso à tecnologia e investimento não
representam um diferencial em relação à concorrência, mas as pessoas, sim.
O complexo operacional constituiu-se com um eixo central de 10 estúdios. Todas as
atividades de hardware ficavam em um dos lados: cenários, figurinos, engenharia. Os atores,
diretores, câmeras, isto é, o software, entravam pelo outro lado. E os estúdios representavam o
ponto de convergência do Projac. Quinze anos após sua criação, sua capacidade de produção
excedia 2500 horas/ano, número esse superior à Hollywood.
Mais jovem entre as grandes emissoras de TV aberta do país, a RedeTV! entrou no ar
em novembro de 1999, com uma programação voltada ao entretenimento. A empresa
conseguiu concessões que pertenciam às TV’s Tupi, Excelsior e Manchete, se lançando no
mercado como uma rede. Ela investiu na transmissão de programas ao vivo, bem como na
utilização de tecnologia de ponta, focando em programas de jornalismo e de auditório.
A partir de 2000, o SBT perde gradualmente a vice-liderança de audiência para a
Record. Esta passou a adquirir formatos de programas consagrados no exterior, como Roleta
Russa e o Aprendiz, e voltou em 2004 a produzir novelas. A audiência alcançada motivou a
construção de um pólo de teledramaturgia no Rio de Janeiro, o RecNov.
O ano de 2005 trouxe várias mudanças para o grupo Band, com a criação do canal
Terraviva na TV por assinatura, a inauguração da Rede Bandnews FM e a volta à
dramaturgia. Ainda no segmento de tevê por assinatura, Bandnews e Bandsports iniciaram o
fornecimento de conteúdo exclusivo para operadoras de telefonia.
Para o funcionamento do modelo de negócios das redes era essencial a aferição das
audiências das redes e canais de televisão. Os chamados pontos de audiência correspondiam a
um percentual de domicílios com televisores sintonizados em um determinado programa. Por
exemplo, se existissem 100.000 domicílios com televisores em uma área e 12.000 destes
aparelhos estivessem sintonizados em determinado canal, o rating deste canal seria 12. Já o
share correspondia ao percentual de todos os televisores ligados que estavam assistindo ao
programa. Ou seja, supondo-se que a área contivesse 100.000 domicílios com televisores,
60.000 destes ligados e 20.000 assistindo ao programa, o share do canal seria 33,3.
No Brasil, a audiência havia sempre sido aferida pelo IBOPE. A pesquisa de audiência
de TV Aberta estudava mais de 3.500 domicílios, localizados nas principais regiões
metropolitanas. Cada 1 ponto no IBOPE equivale a 1% de audiência naqueles centros
urbanos, sendo a informação tornada disponível no dia seguinte. No caso de São Paulo, os
resultados ficavam disponíveis instantaneamente. As redes de televisão planejavam um mix de
produtos na sua grade de programação visando agradar a públicos variados, já que o objetivo
dos anunciantes era direcionar a sua mensagem para o público com maior potencial de
compra dos bens ou serviços oferecidos.
A criação e a produção de programas aconteciam internamente ou através de terceiros.
Nos EUA, o modelo difundido era de produtoras independentes vendendo programas para
redes, syndicators ou para o mercado internacional. O syndicator é um modelo tipicamente
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americano, que opera reunindo vários tipos de programas e os vendendo principalmente para
estações independentes. O maior gasto das redes norte-americanas se dava na programação,
compra e promoção de programas. Na TV aberta sempre foi crucial atingir a maior audiência
possível, a fim de atrair novos anunciantes. Desta forma, no processo de decisão de compra de
conteúdo por parte das redes de televisão, os produtores possuem grande poder de barganha.
No Brasil, o modelo instituído foi diferente (anexo 4). As redes de TV contratavam os
produtores de conteúdo para trabalharem internamente como roteiristas, diretores, etc., com
maior verticalização do que nos EUA. Aqui a maioria das redes de TV construiu estúdios
próprios e contratou os recursos humanos necessários à produção de cada conteúdo (contratos
com a duração da produção). As exceções eram os principais autores, diretores, jornalistas,
apresentadores e atores identificados como responsáveis pela audiência e, por conseguinte,
atraíam investimentos de anunciantes. Para eles eram elaborados contratos de longo prazo.
A lógica de precificação considerava o horário de exibição da propaganda e o tempo
no ar. Calculava-se assim o custo por milhares de domicílios atingidos (CPM), que podia
variar de acordo com a programação, o modelo de comercialização (tempo e número de
inserções) e abrangência (local, regional ou nacional).
Na percepção dos analistas um dos grandes diferenciais da Globo era sua capacidade
de produção de conteúdo e sua grade de programação. Essa grade era capaz de agradar a
variados segmentos. Nas palavras de Ricardo Esturario, gerente de Marketing da empresa:
“Você não usa a mesma bolsa que a sua empregada, mas assiste à mesma novela que ela.”
Assim, a Globo não fazia programas apenas, fazia programação. E almejava, com essa
programação, atrair todos os públicos - A, B, C e D - todos os dias da semana.
Na primeira década do século XXI a TV aberta recebia cerca de 60% dos
investimentos em mídia no Brasil e a Rede Globo concentrava 78% das verbas destinadas ao
meio, caracterizando uma hegemonia. Ela ocupava essa posição há mais de 25 anos.
Apesar da liderança incontestável numa mídia que era a mais poderosa do país, a
situação não era tranqüila. A análise da audiência indicava uma queda de cerca de 20% nos
últimos anos, sem, entretanto, comprometer a receita publicitária. Era comum ouvir: “Boto na
Globo, vendo. Boto no outro, não vendo.” ou “Ninguém é demitido por anunciar na Globo”.
Várias causas poderiam explicar a queda de audiência. Roberto Henrique, ex-Diretor
de Tecnologia da empresa relacionou três delas:
1. Medição mais apurada. As primeiras medições de audiência eram realizadas através
de entrevistas com os telespectadores, que dependiam de sua memória. O método atual obtém
a informação a partir de aparelhos instalados nas televisões das residências, que monitoram
diretamente, em tempo real, quais canais estão sendo assistidos (Peoplemeter).
2. Concorrência melhor e mais forte. A Record, com grandes investimentos, vem
aprimorando sua estrutura (recrutando inclusive profissionais da Globo) e construindo uma
grade similar à da concorrente, com teledramaturgia, jornalismo e esportes.
3. Novas mídias. O impacto já era sentido, ainda de forma leve. Percebeu-se que o
número de aparelhos ligados na TV aberta como um todo havia caído muito.
Nos últimos anos, a quantidade de mídias disponíveis tanto para os anunciantes e
profissionais de propaganda quanto para os consumidores aumentou consideravelmente. Ao
final dos anos 90, produtos e serviços anunciados durante décadas nas mídias tradicionais
(como passaram a ser denominados os jornais e a TV), começaram também a ser veiculados
na internet. Com a convergência e disseminação da internet banda larga, tecnologia móvel,
aparelhos portáteis e conteúdo gerado pelo usuário, um novo mundo surgiu, obrigando os
profissionais de marketing a experimentos como podcasts (arquivos que podem ser baixados
e ouvidos pela internet, celulares ou tocadores de áudio), rich media (união de áudio e vídeo),
vídeos online e blogs (sites de conteúdo gerado pelos próprios usuários), entre outros.
As mídias foram categorizadas da seguinte forma:
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Mídias tradicionais: televisão aberta, televisão paga, jornal, revista, rádio.
Mídias emergentes: internet, celular, games (como Wii, Playstation, XBox, etc) e
reprodutores digitais de conteúdo de áudio e vídeo (como, por exemplo, o iPod).
O impacto das novas mídias sobre a TV aberta no Brasil ainda é uma incógnita e há
poucos trabalhos dedicados ao tema. Entretanto, o mercado tem tomado a dianteira e testado,
(principalmente no exterior), algumas iniciativas no sentido de distribuir o conteúdo da TV
via internet (o que podemos chamar de IPTV). O anexo 7 relaciona algumas dessas iniciativas
e destaca as principais diferenças entre a transmissão tradicional e a transmissão via internet.
A Televisão Digital ao Brasil
TV Digital tornou-se um termo pouco preciso. Em 2008, segundo Edson Pimentel,
diretor executivo de competências da Globo, a maioria dos seus estúdios era digital. Os
programas também eram, em sua maior parte, gravados de forma digital.
“A realidade é que, apesar das gravações serem cada vez mais em formato digital, para a
transmissão o sinal é transformado em analógico. Aí tem todas as deficiências da
transmissão analógica que se conhece: “fantasmas”, “chuviscos”, etc. A TV Digital vai
mudar a forma de transmitir e permitir que se tenha em casa a mesma qualidade do monitor
do estúdio. No caso da TV Digital, o aparelho [receptor] recebe o sinal perfeito ou não
recebe nada, não há meio termo. Hoje existe a transmissão analógica: o sinal vai digital até
o transmissor, lá vira analógico e chega no receptor analógico que temos hoje em casa. Esse
mesmo sinal digital agora entra num segundo transmissor, num outro canal, no caso da
Globo, o canal 18. Durante muitos anos os dois canais serão transmitidos. Quando ninguém
mais receber a TV analógica, daqui a uns 10 anos, o canal analógico vai ser desligado.”
A implantação de um sistema de televisão digital no Brasil esteve em discussão nos
últimos anos, focando no impacto na etapa de transmissão e distribuição no sistema de valor.
A adoção da TV digital implicou na alteração de padrões de transmissão e de recepção,
provocando a substituição de transmissores e antenas, além dos aparelhos receptores de TV.
Para Carlos de Brito, assessor da direção geral de engenharia, a introdução da
tecnologia digital no sistema de TV brasileiro contemplou quatro novas possibilidades: O
aumento da qualidade de áudio e vídeo, o chamado HD (high-definition); a transmissão de
vários programas num único canal (Multiprogramação); a Mobilidade, permitindo a
transmissão de TV para dispositivos móveis, como celulares; e a Interatividade através do
televisor, sendo percebida pelas redes de TV como o maior potencial de inovação.
Celso Araújo, gerente de operações responsável pela implementação da TV Digital no
Projac, esclareceu:
A transmissão digital pede um canal de dados de cerca de 20 megabits/s. Para transmitir em
HD são utilizados 18 megabits/s, sendo o restante para áudio e interatividade, e aí se
transmite um programa só. Mas existe a opção, teóricamente, de transmitir três programas
com 5 megabits/s. Ou seja, a tecnologia permite fazer multiprogramação. Para a Globo,
apesar de viável, a multiprogramação não é interessante, já que o modelo de receita adotado
é o subsídio cruzado (venda de publicidade como principal forma de remuneração).
Produzir três programas multiplicaria por três os custos, mas não aumentaria a receita
publicitária, pois o mercado publicitário estaria no limite para atender as emissoras. Então
entenderam que a multiprogramação não é um negócio adequado para a TV aberta.
A discussão sobre a transmissão em HD envolvia três padrões: o norte-americano, o
europeu e o japonês. A escolha do padrão japonês foi considerada uma vitória pelas redes de
TV sobre as operadoras de Telecom já que, neste padrão, o sinal de TV digital chegava
diretamente aos celulares, sem necessitar da rede de telefonia.
Em 2009, o negócio de Telecom no Brasil era relevante economicamente, superando
em muito o faturamento das redes de TV. Existiam claramente possibilidades de convergência
entre estes dois negócios, porém ainda não havia sido estabelecido um modelo de cooperação
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para a “TV móvel”. No Japão, que possuía modelo tecnológico semelhante ao brasileiro,
algumas iniciativas obtiveram sucesso, com a receita publicitária ficando com as emissoras de
TV e as receitas de interatividade ficando com as operadoras de telefonia.
A Implantação da TV Digital e a Rede Globo
O processo de implantação da TV Digital na Rede Globo começou em 1994, com a
realização das primeiras reuniões visando a compreensão estratégica da nova tecnologia e seu
impacto sobre a Rede. Carlos de Brito, assessor da direção geral de engenharia, relatou que
ficou claro para os envolvidos que se tratava de uma mudança com potencial transformador,
mas que, por outro lado, o processo teria de considerar o status da Globo. Valores, processos e
cultura também seriam “digitalizados”. Ficou claro, ainda, que a mudança levaria vários anos.
A implantação foi capitaneada pela área técnica, tendo no diretor de TI, Fernando
Bittencourt, seu grande incentivador. No início, o trabalho consistiu em conhecer as
iniciativas mundiais de TV Digital e definir, num fórum composto por todas das principais
redes de TV brasileiras em 1998, qual seria o melhor modelo para o Brasil. Para Carlos de
Brito, a indústria foi conservadora. Ela se enxergava como um “espelho” da população e,
assim, toda transformação precisaria ser aprovada pelo público. A Globo, com base na
experiência de seus profissionais (muitos deles com mais de 20 anos de empresa), acreditava
que as mudanças precisavam ser suaves para serem aceitas pelo público. Desse modo foi
definido que a TV Digital não deveria representar um choque ou uma ruptura com o que o
telespectador estava acostumado. Ela deveria ser implantada da forma mais gradual possível.
Em 1999 as emissoras de TV já haviam decidido o modelo de TV Digital para o
Brasil, iniciando a negociação com o governo. Esta negociação atravessou três governos até
que fosse estabelecido o padrão japonês com melhorias brasileiras, no mandato do presidente
Lula. Segundo Carlos, até este momento, estavam envolvidos no projeto a área de TI, a
diretoria geral (para consultas estratégicas) e os acionistas (para prestação de contas).
Em 2007 foi estabelecida a data de implantação da TV digital e, a partir daí, toda a
empresa foi incluída no processo. O segundo escalão foi envolvido, com fóruns e subgrupos
de comercialização, exibição, jornalismo e esporte, comunicação etc., sempre com a
participação da área de TI. Os fóruns eram presenciais, seguindo a cultura da Globo, com a
criação feita coletivamente. O escopo dos grupos era operacional, focado em implementação.
A estratégia de negócio não foi discutida neste momento, pois já havia sido definida
previamente, especialmente a tecnologia adotada (japonesa, com inovações brasileiras) e o
que era possível fazer (transmissão em alta definição, móvel e interativa). Carlos explicou:
Depois desta discussão ampla, o projeto foi para o comitê operacional, para ser discutido
pelos vice-presidentes, como um item de 30 minutos na pauta de uma das reuniões
semanais. A decisão veio de baixo para cima, como aconteceu com a implantação do Projac.
O projeto foi matricial, respeitando sempre as áreas verticais e os processos, tendo no
diretor de TI, Fernando Bittencourt, seu líder. Segundo os participantes, foi fundamental tê-lo
capitaneando o projeto, discutindo com os chefes das áreas, articulando e “amarrando as
pontas”. Na apresentação para o comitê operacional, cada diretor, já envolvido, falou sobre
sua área. Esta dinâmica, na visão dos envolvidos, foi fundamental para o sucesso do projeto.
Carlos de Brito destacou que, além da crença de que era fundamental adotar uma nova
tecnologia vista como o futuro da televisão, o projeto saiu do papel por outros dois motivos:
em primeiro lugar, uma vontade política do governo, que viu a TV Digital como importante
pela crença na inclusão e na criação de um padrão brasileiro; em segundo lugar, os
empresários do setor viram a TV digital como um “remédio” que permitiria sua sobrevivência
no futuro. Ainda que vista por muitos na Globo como mais uma conta para pagar, sem receita
no curto prazo, a implantação foi percebida como um investimento com retorno futuro,
dependente da construção de uma audiência digital.
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Cada área da Globo percebeu valor em uma característica da TV Digital: a
transmissão em HD encantou a produção e os setores artísticos e de esporte, ávidos por
trabalhar com qualidade comparável à do cinema; a mobilidade impactou a área comercial,
pela possibilidade de ampliação do público; a interatividade, por ser diferente de todas, teve
pouco impacto nas áreas operacionais mas foi, por outro lado, percebida como estratégica por
alguns poucos executivos de topo, como Marluce Dias, diretora geral da TV na época.
O HD acarretou uma mudança significativa da qualidade e, consequentemente, em
todo o processo de produção. Segundo Edson Pimentel a Globo passou por uma revisão de
todos os processos do Projac, a primeira desde a sua fundação. A seguir são apresentados os
principais desafios técnicos da migração para o HD.
Cinegrafia
Um desafio técnico relevante foi produzir para quem tem TV HD, para quem tem TV
tradicional e para quem tem TV preto e branco. Descobriu-se que em 2009 havia ainda mais
de 1,5 milhão de aparelhos P&B no país. O primeiro problema foi o enquadramento.
Enquanto o quadro para SD tem a proporção entre largura e altura da tela de 4:3, no HD ela é
16:9. Seria fundamental que a produção, principalmente no início da adoção do novo padrão,
fosse compatível com ambas as plataformas. Isso significou, na prática, que toda a ação
deveria ocorrer no centro da tela para poder ser vista por todos os telespectadores. Durante um
tempo, os câmeras teriam que captar imagens que servissem aos dois formatos.
Marcelo Cunha, responsável pela área de Efeitos Visuais, destacou que praticamente
todos os produtos já eram gravados em alta definição. A finalização era em SD (Standard
Definition) por dois motivos: ainda não era necessário e não havia capacidade de
processamento de imagem e correção de cor (o processo era longo demais para o tempo
disponível e não havia estações de trabalho suficientes).
Cenografia
Os testes para a transmissão em alta definição começaram em 2006 e duraram seis
meses. Celso Araújo, que capitaneou o processo, verificou que com o tempo e o processo de
montagem diária, o cenário ia se estragando e muitos problemas tornavam-se visíveis:
“Percebeu-se que uma série de defeitos que no SD não apareciam, simplesmente
‘gritavam’ em HD, como tinta escorrida, marca de dedos nos porta-retratos e muitos outros.
Isto acontece porque os cenários não ficam estáticos nos estúdios. Eles são montados e
desmontados todos os dias e, com isso, as imperfeições vão aparecendo.”
Após uma análise cuidadosa de todas as irregularidades, chegou-se à conclusão de que
97% dos problemas eram causados por intervenções humanas equivocadas, inadequadas. E
apenas 3% eram causadas por falhas nos materiais empregados nos cenários. Isto foi uma
constatação positiva, na opinião dos profissionais envolvidos, pois foi mais fácil treinar as
pessoas do que repensar todos os materiais utilizados nos últimos anos.
Em relação ao processo, a principal mudança foi a introdução do planejamento antes
de começarem as atividades no estúdio. As equipes compostas por cenotécnico, contra-regra,
almoxarifado etc. começaram a se reunir à tarde, antes da chegada do novo plano de gravação
para checar o que vai entrar e quais as providências, evitando improvisação e emergências na
madrugada. Com isso, a produtividade aumentou. Por exemplo, no novo processo passou-se a
planejar a ordem de montagem e desmontagem, com todo um ordenamento. E as equipes
passaram a ser dimensionadas para isso já que, no planejamento, via-se todos os recursos
necessários, de mão-de-obra, ferramentas, sobressalentes.
Celso acrescentou um ponto que todos os profissionais envolvidos destacaram:
A TV Digital foi a oportunidade que permitiu que todo o processo fosse repensado e
melhorasse como um todo. Esta revisão, que precisava ser feita há tempos, deu mais
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recursos aos profissionais. Hoje, ao meio-dia os cenários estão todos prontos e antes, à uma
hora da tarde o estúdio parecia um formigueiro humano, com muita correria e stress.
O maior problema eram os estúdios. Não havia problemas nas cidades cenográficas e
nos cenários fixos de programas e jornais, onde só se fazia manutenção. O problema acontecia
na montagem e desmontagem. Em 2009, o Projac contava com 10 estúdios de 1.000m2 cada.
Havia novelas com 150 cenários, pois havia muitos núcleos (cenários específicos de grupos
de personagens). As novelas da Globo contavam com um grande elenco, e cada personagem
possuía um cenário. “Duas Caras”, por exemplo, teve 107 atores e mais de 100 cenários.
No novo processo foi criada a inspeção de qualidade. Todos os dias de manhã, às 7h, o
inspetor de qualidade entrava nos cenários e ia colando “post its” que identificavam os
problemas. Cada cor representa uma atividade (pintura, forração, contra-regra). A equipe de
cenografia via as etiquetas e sabia para onde ir e o que resolver. O “post it” do controle de
qualidade trazia três informações: que havia um problema, onde estava o problema e de quem
era o problema. Mostrava também se foi ou não resolvido. Foi possível, assim, fazer um
controle das não-conformidades por equipe.
Caracterização
A maior resolução na imagem impactou diretamente a atividade de caracterização.
Segundo seu coordenador, Rodolfo Santos, a principal mudança na maquiagem foi a
introdução de uma nova ferramenta, o air brush. Trata-se de um compressor de ar que, com
jatos precisos e muito delicados, aplica a maquiagem na pele do ator, substituindo o pincel.
Contudo, na novela Duas Caras, a primeira integralmente produzida em HD, apenas
quatro atores do elenco adotaram a novidade. Para a plena adoção era necessário treinar toda a
equipe e também ganhar a confiança de todo o elenco.
Outros testes compreenderam o sangue artificial, manchas na pele e cabelo postiço.
Ajustes precisaram ser feitos para preservar no HD a mesma verossimilhança que havia no
SD. No figurino, foi necessário rever todo o sistema de identificação das roupas, porque, no
HD, as etiquetas internas utilizadas ficavam visíveis nas cenas. Além disso, começou a haver
uma preocupação muito maior com detalhes que, antes, passavam despercebidos pelo público,
como roupas íntimas marcando ou sudorese.
Pós-Produção
Em relação à edição, não houve grandes mudanças de processo. De um lado do prédio
de edição, ficavam as ilhas de offline, ou rascunho. Eram utilizadas máquinas e softwares de
baixo custo (na faixa de 80 a 100 mil dólares). Do outro lado, ficavam as ilhas online, de
quase 1 milhão de dólares.
A área de efeitos visuais recebia o material após a edição e trabalhava na parte já
editada. Essa escolha justificava-se uma vez que o tempo de processamento de imagens
criadas digitalmente (os efeitos especiais) era muito grande, podendo efetivamente tornar-se o
caminho crítico do cronograma de produção. Exemplos do trabalho da área eram os recortes
de croma (inserção de imagens sobre fundos produzidos em computador ou capturados em
momentos/lugares diferentes), efeitos de fumaça, fogo, chuva, brilhos, videografismos, etc.
A sequência típica de produção na Globo incluía: gravação já com um primeiro corte;
edição; efeitos e correção de cor. Marcelo Cunha, responsável pela área de Efeitos Visuais,
explicou a rotina de trabalho: parte da equipe se envolvia na pré-produção, com a
coordenação de um produtor de efeitos. Ele recebia identificava demandas no roteiro e trazia
para a equipe, orçando o tempo e custo necessários à produção do efeito. A produção de
grandes efeitos, como a explosão de um shopping, ou uma capotagem de carro, era negociada
à parte, em função do volume de tempo e dinheiro necessários.
Para esta área, a passagem para o HD em termos do processo de trabalho trouxe pouca
alteração. O impacto principal foi sobre o consumo de recursos. O tempo efetivo de produção
9
de uma cena foi elevado para até cinco dias, tornando crítico o planejamento operacional da
área, que passou a fazer parte do caminho crítico dos projetos que a utilizam. Isto aconteceu
porque, com o HD, o tamanho dos arquivos aumentou em cerca de seis vezes e em função de
limitações no uso de compressão, chegaram a ser até 12 vezes maiores. Além disso, o tempo
de processamento das imagens no computador (chamado rendering) mais do que dobrou.
Em relação ao processo de edição de som, a grande diferença foi que, enquanto na TV
analógica o som era, no máximo 2.0 (estéreo), na Digital o som poderia ser 5.1, incorporando
novos canais e permitindo um trabalho muito mais apurado. O filme da “Grande Família” foi
feito em 5.1 e a Globo possuía uma ilha especial para estas edições. Em 2009, ainda não
estava definido se esse novo modelo seria o novo padrão para a teledramaturgia.
No processo que vigorava em 2008, as salas e máquinas estavam interligadas. Faziam
também o offline e o online do som. No Projac, a captura do som nas cenas era digital. Não
havia praticamente nada analógico trafegando nas ilhas, só as linhas de microfone e um
preview analógico na central técnica.
A ida para HD e para 5 canais não alteraria muito o trabalho da área. Era uma questão
de definir o que seria colocado em cada um dos novos canais (central, traseiro esquerdo,
traseiro direito e traseiro central). O único problema real foi a perda de sincronismo entre
áudio e vídeo. Isto ocorreu porque o vídeo é reprocessado e o áudio não. Para corrigir, foi
necessário adiantar o áudio em seis frames (unidade correspondente a 1/30 de segundo).
Interatividade e Desafios Futuros
Em 2006 começou a produção em HD. A primeira novela foi “Duas Caras” e ficou
definido, naquele momento, que todas as seguintes (do horário das oito) seriam produzidas
em alta definição. A transmissão foi iniciada em São Paulo em novembro de 2008.
A previsão da organização era de que o HD seria relevante comercialmente, isto é,
atingiria massa crítica, em cinco anos. Em 10 anos, o analógico seria desligado e durante um
bom tempo, as duas tecnologias iriam conviver e as emissoras precisariam estar preparadas
para esta dupla realidade. Isto criou novos desafios, segundo Celso Araújo:
A Globo leva o seu padrão de qualidade muito a sério, o maior nível de exigência está
dentro da empresa, superando muitas vezes o que o telespectador exige. Costuma-se dizer,
na empresa, que a Globo trabalha com folga de qualidade. E as equipes pretendem manter
esta margem de qualidade no HD, onde tudo é visto com maior riqueza de detalhes.
Isto exigiu uma revisão total dos processos de produção, trazendo impactos para todas
as áreas envolvidas, da pessoa que passa roupa até o profissional que capta imagens. Eram
ajustes que os profissionais da Globo sabiam como fazer, ou pelo menos por onde começar,
que não demandaram um processo de aprendizado de competências. Por outro lado, com a
interatividade a história foi diferente. Seriam necessárias novas competências.
Roberto Henrique foi, durante muito tempo, responsável por projetos especiais na
Globo, como o início das ações de interatividade, relata:
A interatividade na TV Globo começou com Você Decide, que era limitado em 200 mil
ligações, através das quais o telespectador escolhia um entre dois finais possíveis para um
episódio. Era pouco, mas o consumidor se sentia participando. Depois vieram os sorteios via
[ligação telefônica] 0900. A Globo entrou depois das outras emissoras, quando viu o
potencial de receita. Entrou com muita divulgação, com a Copa do Faustão, o que chamou a
atenção do Ministério Público, que entendeu o sorteio como jogo e tirou todas as iniciativas
do ar. Há também o 0500, do Criança Esperança, que tem característica social e o governo
fiscaliza, é auditado. Essas eram as chamadas “interatividades” da TV, até o surgimento da
internet. Com a internet, a Globo começou a criar um processo de interatividade pelos sites,
mas que era muito elitista, só se relacionava com pessoas de classe A, de idade baixa. Mas,
nesse momento percebeu-se que o povo, não importa qual o nível, tem uma grande
necessidade de participar. Em nenhum momento a emissora admite que seus produtos sejam
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influenciados pelo público. Por exemplo, há duas opções para o final de Você Decide, mas
as duas opções a emissora decidiu. Como há 14 participantes que podem ganhar o BBB,
mas todos foram escolhidos pela Globo. O final da novela é decisão de uma única pessoa, o
autor. A empresa realiza grupos de discussão, mas que são orientações, de suporte ao autor.
Ainda em relação à interatividade, com a TV Digital, surgiu muita coisa a explorar.
Entretanto, a interatividade da TV Digital ficou muito aquém da internet e do celular e, além
disso, não havia um modelo a ser copiado. Tudo era muito novo e demandava novas
competências e uma nova forma de ver o negócio.
Não é que a gente não queira interatividade. É que serão necessárias novas competências,
que precisamos desenvolver.” – declara um profissional da empresa. “Um exemplo é a
questão da precificação e do modelo de negócios. Se o consumidor tiver a possibilidade de
interagir com os comerciais, clicando para comprar o produto, o primeiro comercial do
intervalo pode tirar a audiência do seguinte, e deve ser cobrado de forma diferente.
Num modelo de negócios baseado em interrupção, criar a possibilidade do consumidor
clicar num ícone e abrir um folder pode ser um tiro no pé.” – destaca outro profissional da
empresa. “Há ainda a necessidade de rever toda a grade de programação. Do que há na
grade da emissora, apenas o Big Brother Brasil se encaixa perfeitamente na interatividade.
Iniciativas interativas na TV Digital brasileira necessitam, sob o ponto de vista
tecnológico, de um canal de retorno (ligação através da qual as pessoas poderiam enviar
informações para a TV), hoje inexistente no modelo de TV aberta do Brasil. Usualmente
quem oferece essa infraestrutura de comunicação são as empresas desse setor, operadoras
fixas e móveis de telefonia. No Japão, houve muita discussão, coordenada pelo governo, entre
operadoras e TVs para a viabilização da interatividade na TV digital. Ficou estabelecido que
tudo relacionado à TV continua pertencendo às empresas de TV e o tráfego de dados da
interatividade passa a ser das operadoras de telecomunicação.
O Brasil carece de regulamentação para a questão da mobilidade. Há sobreposição dos
negócios das duas indústrias quando, de um lado, podemos assistir à programação da TV
aberta em um celular que recebe sinal de TV digital e também quando há receptores de TV
que acessam a Internet. As operadoras locais não tinham referência, porque não existia nada
parecido nos Estados Unidos ou na Europa, onde funcionam suas matrizes. No Brasil, esta
discussão vinha sendo postergada, pois não havia percepção da urgência.
Enquanto o Brasil não definia o modelo de negócio para a interatividade, novas
iniciativas surgiam, como o uso de TVs digitais portáteis, sem a participação das empresas de
telecom, ou a criação de “TVs” via internet por operadoras, com conteúdos on-demand.
Tendo como exemplo o Japão, Carlos de Brito apontou que lá a TV foi um diferencial:
A 2a operadora de telefonia móvel conquistou 10% de marketshare da líder com a
mobilidade. Todos os celulares lá têm TV. E não há publicidade móvel, porque não se mede
a audiência móvel e porque o conteúdo é o mesmo da TV que chega em casa. Agora o
governo vai regular o descolamento, a diferenciação entre as programações móvel e fixa.
As questões vão se multiplicando: o que pode ser feito? Como a interatividade
aparecerá na tela do celular (ou da TV)? A operadora pode colocar ícones sobre o conteúdo da
TV? De quem é o aparelho? E o relacionamento com o consumidor?
A internet foi, à princípio, vista positivamente pela Globo, que se define como uma
grande produtora de conteúdo. Assim, alguns executivos da emissora enxergavam o IPTV
(veiculação de conteúdo de televisão através da internet) como uma possibilidade de atrair
novos clientes que demandavam conteúdo de qualidade através de novos canais, como, por
exemplo, as operadoras de telefonia. Havia também a demanda por conteúdo não-linear (fora
da grade ou on demand). A Globo poderia, assim, alavancar o valor do seu acervo, e o IPTV
seria uma plataforma para tal. Por outro lado, a IPTV propiciaria uma mudança substancial do
hábito do consumidor, dando a ele o controle sobre o conteúdo e, no limite, tornando
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irrelevante o conceito de grade de programação. Caso isso ocorresse, esta nova tecnologia
levaria a um hábito de consumo bem diferente do que alavancou as altas audiências na Globo.
A importância da grade ficou bem expressa nas palavras de Edson Pimentel:
A Globo tem cerca de 50% da audiência, mas isto porque a gente consegue produzir um mix
de grade de programação que consegue atender o garoto, o velho, pobre, rico, preto, branco.
Novelas provocam o mesmo tipo de reflexão e são assistidas na favela e na Vieira Souto.
A discussão era complexa e não houve um consenso dentro da empresa. Enquanto
alguns viam a convergência entre TV e internet como o futuro e iniciativas neste sentido
como essenciais, parte dos executivos acreditava que não havia impacto no curto e médio
prazo, já que o IPTV estava restrito a uma pequena parcela da população com acesso à banda
larga, e a TV aberta seria, por muito tempo ainda, a grande mídia de massa do país.
Em relação à recente especulação de que a internet poderia vir a substituir a TV,
Edson Pimentel declarou:
A televisão, desde o início, foi acompanhada de pessimismo. Dizia-se que jamais seria um
veículo de massa, pois, na opinião dos especialistas da época, ela impunha ao telespectador
uma passividade de ter que ficar diante da TV assistindo seu conteúdo, a sua programação.
Ao passo em que o rádio permitia que as pessoas, durante os seus afazeres, acompanhassem
a sua programação. Da mesma forma, previsões catastróficas para a TV acompanharam o
surgimento do vídeo cassete e, mais recentemente, do DVD. Entretanto estas inovações se
incorporaram à TV e não fizeram com que o modelo da TV aberta fosse abalado.
Independente da forma como se encare a internet e a emergência de novas
possibilidades, a existência dentro das Organizações Globo de um braço de internet, a
Globo.com, podia ser encarada como uma opção estratégica.
NOTAS DE ENSINO
O presente caso é real e foram utilizadas fontes primárias e secundárias para a sua
elaboração. Como fonte primária, foram feitas entrevistas com executivos-chave da empresa e
uma série de visitas dos pesquisadores às instalações da empresa. Os dados secundários
podem ser encontrados nas referências.
Objetivos de Ensino e Aprendizagem
O caso foi criado para ser utilizado em programas de pós-graduação focados em
estratégia e novas tecnologias. A idéia é dar a oportunidade de pensar como novas tecnologias
impactam um setor e ainda refletir sobre como o planejamento estratégico pode ajudar a lidar
com grandes incertezas. É sugerida preparação prévia dos estudantes. No início da sessão,
recomenda-se uma discussão inicial em pequenos grupos, seguida de uma discussão plenária.
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Questões para Discussão
Há possíveis parceiros estratégicos para a Globo?
Quais as principais Tendências desse setor para os próximos 5 anos?
Quais as principais Incertezas desse setor para os próximos cinco anos?
A partir dos cenários, avalie os impactos estratégicos e dê recomendações.
Existem possíveis parceiros estratégicos para a Globo?
As mudanças recentes no mundo dos negócios, com uma conexão cada vez maior das
empresas e a necessidade de trabalhar as redes e enxergar setores como ecossistemas são
destacadas em vários estudos (Adner, 2006; Iler, Lee, & Venkatraman, 2006). Muitas
inovações disruptivas não sobrevivem ao isolamento, pois necessitam de complementares
para que suas ofertas atraiam os consumidores (Adner, 2006). Uma oferta de HDTV só é
interessante para o consumidor no momento em que os conteúdos, a transmissão e os
aparelhos de reprodução estejam preparados para esta inovação. A chegada desta oferta aos
12
consumidores envolve muitas empresas e tecnologias, que precisam ser gerenciadas em
conjunto.
Cusomano & Gawer (2002) também destacam a importância de gerenciar os
complementares para competir em mercados de rede. Líderes de plataforma são as empresas
que direcionam as inovações da indústria para um sistema em desenvolvimento de peças
tecnológicas criadas separadamente. As líderes conseguem guiar a inovação para a sua
plataforma tecnológica num nível amplo da indústria. Aqui, faz-se necessário definir um
conceito: plataformas em mercados de rede. Para Eisenmann (2007), a plataforma
compreende os componentes e regras comuns empregados pelos usuários das redes (incluindo
consumidores e complementares), na maioria das suas interações. Enquanto os componentes
incluem hardware, software, serviços e arquitetura, as regras se referem aos padrões que
asseguram compatibilidade entre componentes, aos protocolos, políticas e contratos.
A questão é que não se trata mais de apenas gerenciar complementares, mas sim de
lidar com uma intricada e mutante rede de cooperação e competição, na qual alianças e troca
de informações garantem a interoperabilidade e empresas se aliam a competidores em
determinados negócios, enquanto permanecem “inimigos” em outros. Iler, Lee, &
Venkatraman (2006) propõem este gerenciamento como o de um ecossistema, um “pequeno
mundo” no qual todos os players se relacionam em poucos graus de separação. Neste
contexto, as empresas precisam desenhar e compreender o ecossistema no qual estão
inseridas, calibrar a sua rede de relacionamentos, examinar os papéis centrais na rede e
planejar como explorar os recursos da rede, utilizando um scorecard da rede.
Quais as principais Tendências desse setor para os próximos cinco anos?
Convergência – Nos âmbito dos negócios, é cada vez mais comum empresas se associarem
ou entrarem em processos de aquisições para formarem grandes grupos que atendem diversos
segmentos, o que pode ser visto nas indústrias de cinema, games, música e também na
televisão, entre outras. Também é possível falar em aparelhos convergentes, uma vez que as
tecnologias vêm se aglomerando nas últimas décadas, criando dispositivos capazes de
desempenhar inúmeras funções, como o iPhone, por exemplo.
Maior oferta de conteúdo e capacidade de transmissão de dados – o acesso crescente à
rede via banda larga se justifica pelas inúmeras revoluções tecnológicas na indústria de
telecomunicações, principalmente na rede wireless – 3G, Wifi, WiMax e 4G são algumas das
opções. É possível transmitir uma quantidade maior de dados e em maior velocidade.
Mobilidade – já é possível acessar conteúdos digitais em diversos dispositivos e a tendência é
que haja cada vez mais opções de aparelhos móveis que possam se conectar com a rede.
Customização e fortalecimento do consumidor – as novas tecnologias têm permitido que os
indivíduos tenham a possibilidade de participar mais das decisões sobre que informações irão
receber. O mesmo acontece com alguns canais de televisão via rede, em que o usuário cria sua
própria programação para acessá-la na situação que lhe for mais conveniente.
Conteúdo auto-gerado - As novas tecnologias permitem que qualquer um seja capaz de criar
uma música, vídeo ou texto e possa disponibilizá-lo na internet.
Redes sociais – O uso de redes sociais pela internet vem crescendo a cada ano, gerando
grande impacto nos meios de comunicação tradicionais.
Interatividade – a possibilidade de interagir com as mídias ganhou destaque desde o advento
e disseminação da internet. As novas gerações estão cada vez mais habituadas a “dialogar”
com as mídias, selecionando opções, criando conteúdos, enviando opiniões e, até mesmo,
mergulhando em realidades virtuais.
Mídia no conteúdo – o movimento “Madison&Vine” refere-se a uma esquina fictícia, criada
na junção das avenidas Madison (onde estão as grandes agências de Nova Iorque) com a Vine
(na qual se localizam os estúdios de Hollywood). O termo designa, assim, a união das
indústrias de propaganda e entretenimento, que precisam convergir para sobreviver segundo
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Donaton (2004), criador do termo e editor da revista “Advertising Age”. Mídia no conteúdo
significa a inserção das marcas dos anunciantes dentro dos conteúdos de entretenimento. Ao
invés de interromper, a palavra de ordem é unir.
Quais as principais Incertezas desse setor para os próximos cinco anos?
Digital Rights Management (DRM) e “comoditização” da distribuição – com tantas novas
formas de propagação de conteúdo, é preciso saber se haverá um mecanismo de proteção de
direitos para os produtores de conteúdo ou se a distribuição dos materiais será irrestrita e legal
em qualquer meio. Uma dúvida em relação aos direitos é se estes direitos serão reforçados ou
se a distribuição pela internet e celular causará algo semelhante ao que ocorreu com a música,
com um acesso amplo ao conteúdo, oriundo de uma distribuição absolutamente disseminada.
TV Aberta ou IPTV – com tantas opções, fica difícil definir quanto tempo os consumidores
dedicarão a cada mídia. Não se sabe os reais impactos da mobilidade e acesso em grande
escala à internet, se isso modificará o comportamento dos consumidores frente a uma tela de
TV ou até que ponto as novas mídias irão substituir as tradicionais em sua preferência.
Privacidade, propaganda e conteúdo pago – A relação entre as TVs Abertas e os
anunciantes se mantém sustentável porque até recentemente a única forma de se fazer
propaganda era colocar o consumidor de forma passiva frente ao veículo, o submetendo ao
turbilhão de informações que se desejasse transmitir. Com o advento de mídias digitais que
permitem interatividade, surge a possibilidade deste consumidor assumir um papel ativo na
relação com as empresas. Inovações ocorridas nas telecomunicações viabilizam a criação de
propagandas interativas e personalizadas, mais sofisticadas e adaptadas aos meios. Entretanto,
a contrapartida disto é a liberação de uma quantidade relevante de informações pessoais às
empresas. Não se sabe ainda qual o nível de privacidade desejado ou qual o mínimo aceitável
para os indivíduos. O que se deseja saber é se o modelo de subsídio cruzado evoluirá para
formas cada vez mais elaboradas de propaganda personalizada, ou se será substituído por
outro em que o consumidor paga exatamente por aquilo que deseja assistir.
A partir dos cenários, avalie os impactos estratégicos e dê recomendações..
Lidar com inovações requer outras transformações na forma como as empresas
elaboram suas estratégicas. Schoemaker (1995) apresenta o planejamento de cenários como
um método para imaginar futuros possíveis e simplificar a avalanche de dados sobre uma
empresa em um número fixo de estados. A idéia não é cobrir todas as possibilidades, mas
circunscrevê-las, eliminando os dois erros mais comuns no processo decisório: superestimar
ou subestimar mudanças. O método desenvolvido pelo autor compreende a identificação das
tendências e incertezas relativas a um negócio e a combinação destas em um número limitado
de opções de futuro possíveis. Este processo, além de ampliar a visão de futuro dos
empresários e evitar “adivinhações”, permite a identificação das competências necessárias
para uma empresa prosperar no futuro. O objetivo é desenvolver as competências que serão
efetivas para múltiplos segmentos em diferentes cenários (Schoemaker, 1995).
Ao resgatar a importância de desenvolver competências críticas, Schoemaker (1995)
retoma conceitos de Prahalad & Hamel (1990), que destacam a importância de manter sempre
em vista quais as competências básicas da organização. A tarefa crítica da gerência é criar
uma organização capaz de introduzir produtos com funcionalidades irresistíveis ou que os
clientes necessitem sem jamais terem sabido disto. Para os autores, o sucesso está em adquirir
as competências necessárias para tal, já que a competitividade baseada simplesmente em
preço e desempenho, anterior à globalização, não asseguram vantagem competitiva. Para ter
vantagem real é necessário consolidar tecnologias e habilidades de produção em
competências que permitam aos negócios se adaptar rapidamente às oportunidades.
Foram criados cenários na indústria de TV no Brasil em um horizonte de tempo de 5
anos. As incertezas escolhidas foram o tipo de propaganda que terá mais valor (tradicional ou
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personalizada e interativa) e o meio no qual o conteúdo chega a seu cliente (broadband ou
broadcast). A partir disso, quatro cenários foram vislumbrados.
O primeiro cenário representa a situação mais próxima da configuração do mercado
atual. As Emissoras de TV são predominantemente abertas, sem muito espaço para emissoras
especializadas. A grade é construída de forma a segmentar horários, diversificando assim a
programação. A relação entre agências de propaganda e emissoras é intensa, com a veiculação
do formato tradicional de propaganda de trinta segundos. Neste cenário, institutos de pesquisa
possuem força, já que a audiência é fundamental para a decisão do melhor horário e canal
para veicular determinados tipos de anúncio. Além disso, o Governo em conjunto com as
Agências Reguladores possui um papel fundamental, já que para entrar e operar no mercado é
necessária a sua autorização. Também não há espaço para outro tipo de transmissão, com uma
grande concentração em Broadcast. Trata-se de um cenário muito confortável para a Globo.
Já no segundo cenário, há a coexistência entre novas mídias e mídias tradicionais,
cada uma ocupando um espaço diferente, ou seja, existe algum tipo de segmentação na
indústria. A segmentação pode ocorrer tanto no tipo de mídia quanto no tipo de conteúdo com
espaço para Emissoras de TVs dedicadas a um determinado gênero de programação. A
diferença é que, ao invés da propaganda ser de massa, ela passa a ser mais segmentada e de
acordo com o público de cada emissora. Outra mudança é o crescimento da interatividade na
TV a partir da internet e do celular que se tornam mais um meio de contato entre
consumidores finais e Emissoras. O modelo de negócios continua sendo o de subsídio
cruzado, mas receitas com propaganda em celulares e na internet também ganham força.
Caso agregadores de conteúdo como Google, Yahoo e MSN comecem a entrar nas
mídias tradicionais, é possível que esse cenário esteja se aproximando. Também é necessário
acompanhar o crescimento da verba publicitária em outras mídias, pois caso a TV deixe de ser
o principal veículo de propaganda, pode ser que esse seja o cenário futuro da indústria. Aqui,
é necessário estar presente em novas mídias através da interatividade via internet e celular.
Ainda pode ser interessante iniciar processos de CRM dentro da empresa, de forma a dar
informações sobre seus consumidores a anunciantes que buscam uma oferta segmentada.
No 3o cenário, o consumidor assume controle sobre a programação, com a IPTV
ganhando mais adeptos. Com essa tecnologia o consumidor tem a capacidade de pular
propagandas que não o atraem, ameaçando assim o modelo que conhecemos hoje. Assim, o
consumidor busca uma oferta completa que atenda a suas necessidades plenamente. As
propagandas ficam pessoais, e a segmentação da televisão se intensifica, com o espectador
tendo oportunidade de escolher a oferta que mais se adequa ao seu perfil. O modelo de
subsídio cruzado fica inviável, já que o consumidor prefere pagar por conteúdo sem
propaganda. Institutos de pesquisa e agências de propaganda perdem força, e as Emissoras de
TV se segmentam, já que devem oferecer uma solução completa para seus consumidores.
Neste cenário saber o que seu consumidor quer passa a ser a principal diferença entre
sucesso e fracasso, logo ferramentas de CRM são fundamentais para a sobrevivência. Faz
sentido também investir em uma estratégia multicanal, isto é, acompanhar o consumidor por
todos os momentos de consumo, dando a ele a oferta completa que ele tanto almeja. Logo, é
necessário criar sinergias entre diversas mídias e diversas ações, como transmissões de jogos,
elaboração de eventos e até mesmo vendas de artigos que estão presentes nas transmissões,
além de ter um conteúdo multiplataforma, isto é, adaptável a qualquer mídia.
O último cenário seria aquele onde aconteceriam maiores mudanças no setor.
Tecnologias como o DVR e o IPTV mudam os hábitos dos consumidores que agora possuem
total controle sobre suas grades. Isto quer dizer que cada consumidor faz a sua própria
programação, acabando com a possibilidade de medição de audiência, diminuindo o poder
dos Institutos de Pesquisa. Além disso, essas tecnologias dão a oportunidade de ignorar
comerciais, simplesmente pulando-os. Com isso, o modelo de subsídio cruzado é
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comprometido e a principal base de receita das Emissoras de TV se inviabiliza. Além disso, a
transmissão passa a ser feita de qualquer lugar a qualquer hora, isso quer dizer que é possível
ter acesso a conteúdos com qualquer aparelho que tenha uma conexão com a internet. Neste
sentido, os direitos de transmissão perdem força, já que estão totalmente pulverizados.
O que indicaria que esse cenário se aproxima é a convergência maior de aparelhos e
conteúdo, com toda a programação de uma TV sendo disponibilizada para mobile, pontos de
acesso à internet gratuitos e espalhados por todas as cidades; investimento das ligas e clubes
em experiência, tentando fazer da venda de ingressos sua principal fonte de receita.
A Internet se torna o principal canal para transmissão de conteúdo, mas também surge
como uma oportunidade para um contato direto entre consumidor final e propagadores de
conteúdo. Porém, como os direitos estão pulverizados, é preciso estabelecer fidelidade com o
consumidor final. É preciso criar valor para o consumidor a partir de uma oferta customizada
e exclusiva. Assim, é necessário possuir competências de marketing, principalmente àquelas
relacionadas a CRM. Poderiam ser criados sistemas wiki nos quais o conteúdo seria criado
pelos consumidores. O modelo de negócios se sustentaria a partir de cobranças por conteúdos
exclusivos e acesso a áreas restritas, na qual consumidores poderiam ganhar prêmios,
participar de promoções ou até mesmo criar conteúdos e serem remunerados por isso.
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1 A Rede Globo e o Desafio da TV Digital no Brasil Resumo